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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Construções de tópico sujeito:
um caso de mudança na expressão da posse externa do PB.
Elaine Alves Santos Melo
2015
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.
II
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão da posse
externa do PB.
2015
III
Construções de tópico sujeito: um caso de mudança
na expressão da posse externa do PB.
Elaine Alves Santos Melo
Tese de Doutorado submetida ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção
do título de Doutora em Letras
Vernáculas – Língua Portuguesa.
Orientadora: Profa. Doutora Silvia Regina
de Oliveira Cavalcante
Rio de Janeiro, Dezembro de 2015.
IV
Construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão da posse
externa do PB.
Elaine Alves Santos Melo
Orientadora: Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante
_________________________________________________
Profa. Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Marcia Santos Duarte de Oliveira – USP
_________________________________________________
Profa. Doutora Celia Regina dos Santos Lopes - UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Celso Vieira Novaes – UFRJ (suplente)
_________________________________________________
Prof. Doutor Alessandro Boechat de Medeiros (suplente)
Rio de Janeiro, Dezembro de 2015.
V
VI
RESUMO
Esta tese examina a sintaxe das construções de tópico sujeito no PB, tais como
“o celular acabou a bateria”, com o objetivo de discutir: (i) a descrição das construções
de tópico sujeito que envolvem um DP [+possuidor] na posição de sujeito; (ii) a origem
dessas construções; (iii) e uma proposta de análise teórica, considerando os
pressupostos da Teoria Gerativa em sua versão Minimalista (CHOMSKY, 1995; 1998,
2001). Os dados analisados advêm de uma amostra constituída por buscas on line e falas
espontâneas e por um corpus formado por peças de teatro e Sermões e Cartas, escritos
por autores portugueses e brasileiros, nascidos entre os séculos XVI e XX.
Neste trabalho, defendo que nas construções de tópico sujeito do português
brasileiro que envolvem um DP [+possuidor] na posição de sujeito, há a estrutura de
posse externa (PAYNE e BARSHI, 1999), que ocorre quando há posse inalienável ou
meronímica, com verbos inacusativos que indicam mudança de estado. A análise
diacrônica mostra que a emergência desse tipo de construção está relacionada a uma
mudança na sintaxe da posse externa que deixa de ser expressa pelo clítico dativo “lhe”
e passa a ocorrer com um DP [+possuidor] Nominativo que ocupa a posição de [Spec-
TP]. A análise diacrônica, que considera também fatores sócio históricos do Brasil do
século XIX, permite discutir se a emergência do tópico sujeito está relacionada à
influência das línguas bantu, conforme proposto por Avelar e Cyrino (2008), Avelar e
Galves (2013), Avelar (2015) ou à mudança no paradigma pronominal do português
brasileiro (KATO, 2015). Defendo ao longo da tese, que a emergência do tópico sujeito
tem como gatilho a mudança no paradigma pronominal. Proponho que, na derivação do
tópico sujeito, a numeração não contém a preposição capaz de checar o Caso genitivo
do DP [+possuidor] e é a ausência dessa preposição que torna necessário o alçamento
deste DP para [Spec-TP] para que o Caso seja checado e o traço de EPP satisfeito.
VII
ABTRACT
This dissertation examines the syntax of subject-topic in Brazilian Portuguese,
such as “o celular acabou a bateria” (lit. the mobile ended the battery; “the mobile‟s
battery ended”). The main goals of this dissertation are: (i) to describe subject-topic
constructions that present [+possessor] DP in subject position; (ii) to establish the origin
of these constructions and (iii) to provide an analysis based on the Minimalist
framework (Chomsky, 1995; 1998, 2001). The dataset for this dissertation comes from
online searches and extracts of spontaneous speech; and from a corpus of texts (plays,
letters and sermons) written by Brazilian and Portuguese authors born between the
16th
and the 20th
centuries.
In the present work, I claim that in subject-topic constructions that have a
[+possessor] DP in the subject position, there is an external possession structure, as
proposed by Payne and Barshi (1999), that appears when there is inalienable or
meronym possession, with unaccusative verbs that indicate change of state. The
diachronic analysis shows that the emergence of this kind of structure is related to a
change in the syntax of external possession, which was expressed with dative clitic
“lhe” and turns out to be expressed with a Nominative [+possessor] DP that lies in
[Spec, TP] position. The diachronic analysis, that also takes into account socio-
historical facts of 19th
century Brazil, allows us to discuss whether the emergence of
subject-topic constructions is related to a Bantu influence (following Avelar and Cyrino,
2008; Avelar and Galves, 2013; Avelar, 2015) or to a change in the pronominal
paradigm of Brazilian Portuguese (Kato, 2015). The central claim defended and
formalized in this dissertation is that the emergence of subject-topic constructions is
triggered by the change in the pronominal paradigm. I propose that, in the derivation of
subject-topic constructions, the preposition that is responsible for checking Genitive
Case of [+possessor] DP is missing in the Numeration, therefore, the DP must be raised
to [Spec,TP] position in order to have its Case feature checked and to satisfy the EPP
feature.
VIII
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus: a fonte de energia de onde tirei forças para
superar todas as adversidades que surgiram ao longo da caminhada até a defesa dessa
tese de doutorado.
Agradeço aos meus pais, Eliane Melo e Beníz Melo, os meus maiores amigos, os
maiores incentivadores, aqueles que me deram a oportunidade de concluir o Doutorado.
Sem a presença e o estímulo de vocês seria impossível a realização desse sonho que
tenho certeza não ser apenas meu. Essa tese é sem dúvidas de vocês e para vocês! Ao
meu irmão, Beniz Junior, agradeço pelas “brigas”. O tempo passa e parece que estamos
mais maduros, mais unidos, mais irmãos.
A vida nos oferece a oportunidade de construir laços afetivos que vão além dos
laços sanguíneos. Tenho certeza de que ganhei uma irmã, Tatiane Chuvas. São muitos
anos de amizade, de respeito. Durante esse doutorado nos aventuramos juntas em terras
portuguesas e crescemos como pessoas e como profissionais. Obrigada, Tatinha, por ser
minha amiga e minha irmã!
Agradeço, especialmente, à professora Silvia Cavalcante: minha orientadora.
Sua atenção, carinho, amizade ao longo desses sete anos foram fundamentais para meu
desenvolvimento como pesquisadora e profissional. Agradeço cada momento de
aprendizado, cada conversa pessoal e acadêmica que tivemos. A Elaine que termina essa
tese é com certeza muito diferente daquela que foi bater à porta da H-106, em 2008.
Serei, eternamente, grata por você ter me aberto as portas do mundo da pesquisa em
sintaxe histórica. Seu estímulo, seu interesse ímpar na descrição das gramáticas do
português foram sem dúvidas um grande exemplo de como agir na minha vida
acadêmica. Por fim, gostaria de dizer que tenho certeza de que nossa parceria não se
encerra com esta tese. Obrigada, minha orientadora!!!!
Agradeço também à professora Maria Antónia Motta que orientou essa tese no
período em que estive no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL).
Sua atenção, questionamentos em nossas reuniões foram fundamentais para o novo
caminho que este trabalho tomou durante o Doutorado Sandwich. Agradeço também
por ter me recebido como uma filha, mostrando-se sempre preocupada com a minha
estadia em Lisboa. Muito obrigada!!!
IX
Agradeço também a minha família: avôs, avós, tias, tios, madrinhas, padrinho,
primos, primas, afilhados, amigos e amigas que estiveram ao meu lado nessa longa
caminhada.
Aos meus amigos Caio Castro e Érica Nascimento, agradeço cada risada,
mensagem, viagem, congressos, lembranças de um período cansativo, mas que em
breve teremos saudades. Agradeço aos peregrinos da F-316, um grupo que torna os dias
de trabalho mais agradáveis, mais divertidos.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos que fiz em Lisboa. Os brasileiros,
Eliete, Laura, Fernando e os portugueses, Inês, Marta, Adilson, Ana Carla. Do mesmo
modo, agradeço a toda equipe do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa que
me recebeu de braços abertos e que muito contribuiu para o desenvolvimento dessa tese.
Agradeço a todos os professores que participaram da minha formação. Aproveito
para lembrar aqueles que ministraram cursos ao longo do primeiro ano do doutorado:
Celso Novaes, Silvia Cavalcante, Christina Abreu, Bruna Franccheto, Maria Maura
Cesário, Karen Sampaio e Maria Eugênia Duarte.
Agradeço às professoras Maria Eugênia Duarte, Marcia Oliveira, Beatriz Protti e
Célia Lopes que aceitaram participar da banca dessa tese. Agradeço ao professor Andrés
Salanova que participou da banca de qualificação, junto com a professora Beatriz Protti.
Sem dúvidas, as arguições muito acrescentaram nessa tese.
Agradeço aos meus alunos que de modo geral conviveram e convivem com uma
professora estressada, mas que acredita na força da educação como a propulsora das
mudanças necessárias nesse país.
Agradeço ao CNPq que por meio da concessão de uma bolsa de doutorado permitiu
que mais horas fossem dedicadas ao trabalho que é discutido nesta Tese. Agradeço também
à Capes pela concessão de uma bolsa de doutorado sandwich que me permitiu desenvolver
um ano dessa pesquisa no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.
Por fim, agradeço a todos que fizeram parte dessa história. Vocês estarão
eternamente guardados em meu coração.
X
Aos meus pais, Eliane Alves Santos Melo e Beniz Santos Melo.
Os meus heróis, os meus maiores amigos!
XI
“Destino não é uma questão de sorte, mas questão de escolha:
não é uma coisa que se espera, mas algo que se busca.”
(William Jennigs Bryan)
XII
Esta pesquisa foi, parcialmente, financiada por uma bolsa
CNPq. (Processo 140493/2013-1)
Esta pesquisa foi, parcialmente, financiada por uma bolsa
de Doutorado Sandwich/Capes. (Processo 5894/13-1)
XIII
Lista de Abreviaturas
DP Determiner phrase
VP Verbal phrase
[Spec-TP] Especificador de TP
RP Relational phrase
[Spec-CP] Especificador de CP
[Pers-P] Person Phrase
[Spec-AgrS] Especificador de AgrS
EPP Princípio da Projeção Estendida
PP Prepositional phrase
NP Noun phrase
GenP Genitive phrase
XIV
Índice de Figuras
Figura 1 O tópico sujeito em ex-colônias portuguesas na América e na África ............ 39
Figura 2 Mapa da região onde são faladas as línguas bantu na África ......................... 111
Figura 3 Principais rotas do tráfico transatlântico ........................................................ 125
Figura 4 Mapa Linguístico da África moderna ............................................................ 130
Figura 5 Regiões da África de onde os escravos foram levados para o Brasil,
considerando o destino final do escravo. ...................................................................... 131
Índice de Tabelas
Tabela 1 A frequência do traço de animacidade nas construções de tópico sujeito do PB
........................................................................................................................................ 31
Tabela 2 A distribuição geral dos dados de posse interna x posse externa .................... 49
Tabela 3 Distribuição geral do tipo de estrutura x tipo de posse .................................... 50
Tabela 4: As estratégias de expressão de posse na amostra de portugueses. ................. 56
Tabela 5 Distribuição do tipo de estrutura de posse ao longo do tempo ........................ 56
Tabela 6 Traço de animacidade x Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na
amostra de portugueses ................................................................................................... 58
Tabela 7 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB .......... 60
Tabela 8 Tipo de sintagma que expressa posse ao longo do tempo no PB .................... 64
Tabela 9 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB........ 65
Tabela 10 Distribuição geral do tipo de posse x estrutura de posse ............................... 67
Tabela 11 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB .. 70
Tabela 12 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do
tempo no PB ................................................................................................................... 72
Tabela 13 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo no PB 74
Tabela 14 Tipo de sintagma que expressa posse alienável ao longo do tempo no PB ... 74
Tabela 15 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo, no PB,
em construções de posse externa. ................................................................................... 76
Tabela 16 Demografia da população brasileira por etnia (1583-1890) ........................ 128
XV
Índice de Quadros
Quadro 1 Escala das categorias envolvidas na relação de posse .................................... 16
Quadro 2 Hierarquia de Animacidade nas construções de posse externa ...................... 30
Quadro 3 Refinamento da hierarquia de animacidade nas construções de posse externa
........................................................................................................................................ 32
Quadro 4 Hierarquia de inalienabilidade na posse externa ............................................ 33
Quadro 5 Distribuição da amostra considerando as variedades africanas do português e
os corpora utilizados ....................................................................................................... 35
Quadro 6 Propriedades da posse externa nas línguas românicas x as propriedades da
posse externa no PB e nas variedades africanas do português ....................................... 38
Quadro 7 Os subgêneros presentes na amostra .............................................................. 42
Quadro 8 A amostra ........................................................................................................ 44
Quadro 9 Os dois paradigmas do sistema de possessivos do PB ................................... 61
Quadro 10 Hierarquia de Inalienabilidade x Alienabilidade na posse externa............... 69
Quadro 11 Propriedades das construções de tópico marcado no PE .............................. 82
Quadro 12 Pronomes fracos no PE e no PB ................................................................. 106
Quadro 13 Construções de tópico marcado no PB e no PE.......................................... 107
Quadro 14 Os grandes ciclos de chegada de escravos africanos no Brasil .................. 125
Quadro 15 Famílias e troncos linguísticos africanos trazidos para o Brasil ................. 126
Quadro 16 Crioulos de base lexical portuguesa falados na África, considerando os
respectivos substratos ................................................................................................... 135
Índice de Gráficos
Gráfico 1 Posse externa x Tipo de posse ........................................................................ 52
Gráfico 2 Posse interna x Tipo de posse ........................................................................ 52
Gráfico 3 As estratégias de posse na amostra de portugueses. ....................................... 55
Gráfico 4 Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses .... 57
Gráfico 5 Tipo de posse x Tipo de estrutura ao longo do tempo na amostra de
portugueses ..................................................................................................................... 58
Gráfico 6 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB ......... 60
XVI
Gráfico 7 Adjuntos plenos x Adjuntos nulos ao longo do tempo na marcação da relação
de posse no PB ................................................................................................................ 62
Gráfico 8 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB ...... 66
Gráfico 9 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB ... 70
Gráfico 10 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do
tempo no PB ................................................................................................................... 72
Gráfico 11 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE
e PB ................................................................................................................................ 75
Gráfico 12 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE
e PB em construções de posse externa ........................................................................... 76
Gráfico 13 Distribuição dos sujeitos de 1ª. 2ª. e 3ª. pessoa nulos ................................ 102
Gráfico 14 VOS em declarativas com verbos transitivos diretos ................................. 103
XVII
Sumário
Introdução ......................................................................................................................... 1
Capítulo 1: O tópico sujeito: um caso de posse externa. .................................................. 8
1.1 As características gerais do tópico sujeito ............................................................ 11
1.2 O tópico sujeito: um caso de posse externa .......................................................... 19
1.2.1 Os constituintes descontínuos ........................................................................ 19
1.2.2 O verbo inacusativo ....................................................................................... 20
1.2.4 A morfologia da posse externa na construção de tópico sujeito genitivo ..... 21
1.2.5 O papel temático do DP [+possuidor] em construções de posse externa ...... 25
1.2.6 O Caso ........................................................................................................... 26
1.2.7 O tipo de predicado........................................................................................ 29
1.2.8 O traço de animacidade ................................................................................. 30
1.2.9 A inalienabilidade na posse externa .............................................................. 32
1.3 O tópico sujeito como expressão da posse externa em variedades africanas do
português. ................................................................................................................... 34
1.4 Síntese do capítulo ................................................................................................ 37
Capítulo 2: As origens do tópico sujeito remontam ao Português? ................................ 40
2.1 A amostra .............................................................................................................. 40
2.2 Procedimentos Metodológicos ............................................................................. 44
2.3 Diacronia das construções de posse externa no português ................................... 49
2.4 O período entre os séculos XVI e XX na amostra de autores portugueses. ......... 53
2.4.1 A relevância dos dados do Português Clássico e Português Europeu ........... 59
2.5 A posse externa no Português do Brasil ............................................................... 59
2.5.1 A relação entre o tipo de posse e a emergência do tópico sujeito no PB ...... 67
2.5.2 O tipo de posse x o tipo de estrutura: uma análise na diacronia .................... 71
2.6 Em resumo ............................................................................................................ 77
3.0 As construções de tópico no português. ................................................................... 78
XVIII
3.1 Os tipos de tópico marcado no Português Europeu. ............................................. 79
3.2 Os tipos de tópico no PB ...................................................................................... 83
3.3 Enfim, o tópico sujeito no PB. .............................................................................. 86
3.3.1 A relação entre a posição do sujeito e a emergência do tópico sujeito. ........ 89
3.3.2 Um DP não argumental na posição de sujeito ............................................... 97
3.4 Sintetizando ........................................................................................................ 107
Capítulo 4: A origem do tópico-sujeito: uma questão do contato linguístico com as
línguas bantu? ............................................................................................................... 110
4.2.1 Os contextos linguísticos em análise ........................................................... 112
4.1 A questão do contato linguístico na emergência do PB ..................................... 124
4.2 A hipótese da influência bantu na emergência das construções de tópico sujeito
.................................................................................................................................. 127
4.2.1 Argumentos extralinguísticos ...................................................................... 127
4.3 O tópico sujeito no português em África: uma contribuição para a hipótese da não
influência bantu ........................................................................................................ 132
Capítulo 5: O tópico sujeito como um caso de mudança linguística: a reanálise ......... 136
5.1 A posse externa com o clítico lhe: estrutura e decadência da construção. ......... 136
5.2 A derivação do tópico sujeito ............................................................................. 142
Conclusões .................................................................................................................... 154
Referências Bibliográficas ............................................................................................ 156
Introdução
Esta tese tem como objeto de estudo as construções de tópico sujeito no
Português Brasileiro (PB) que envolvem o alçamento do DP [+possuidor] para a
posição de sujeito (PONTES, 1987; GALVES, 1998), mais especificamente tentarei
propor um caminho para a gênese desse tipo de construção. Nessas sentenças, como
podemos ver nos exemplos em (1) em contraste com os expostos em (2), há uma relação
[possuidor-possuído] sem a marcação por preposição e sem que os DPs estejam
contíguos linearmente nas sentenças. Estes DPs ocupam, respectivamente, as posições
de sujeito ([Spec, TP]) e a de complemento do VP. No que concerne ao tipo de verbo,
podemos dizer que é categórico o uso dos inacusativos que estabelecem com o DP
[+possuidor] uma relação de concordância.
(1) a. A minha filha [+possuidor/todo] cresceu o cabelo[+possuído/parte]muito rápido porque eu
cortei o cabelo dela na lua crescente (Fala espontânea)
b. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de
joelhos, a música[+possuidor/todo] começa a diminuir o volume[+possuído/parte] e fica de
fundo e se pode ouvir o choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro: Cabra
Cega, Aloísio Villar, 1977)
c. É impressionante como a música[+possuidor/todo] caiu o nível[+possuído/parte] hoje em
dia. Você ouve uma coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas
porcarias hoje em dia. (Peça de teatro: Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)
d. A televisão da sala[+possuidor/todo] estragou a tela[+possuído/parte] quando eu tava
vendo o Jornal Nacional. (Fala espontânea)
(2) a. O cabelo[+possuído/parte] da minha filha[+possuidor/todo] cresceu muito rápido
b. Começa a diminuir o volume[+possuído/parte] da música[+possuidor/todo]
c. Caiu o nível[+possuído/parte] da música[+possuidor/todo] hoje em dia.
d. Estragou a tela[+possuído/parte] da televisão da sala[+possuidor/todo]
Avelar e Cyrino (2008) afirmam que construções com inversão locativa, como (3),
também podem ser tratadas como tópico sujeito. Nas sentenças com inversão locativa, o
adjunto adverbial “perde” a preposição e é alçado à posição de [Spec-TP] como um DP.
2
Entretanto, nesta tese, tratarei somente dos casos de alçamento do sintagma genitivo,
como os expressos em (4). Por isso, utilizarei a expressão “tópico sujeito” apenas para
me referir às construções expressas em (4) em que há o alçamento do DP [+possuidor].
Nesses casos, proponho que o adjunto adnominal seja alçado para a posição de [Spec-
TP].
(3) a. Esses estados chovem muito.
b. Essas igrejas têm muitos fiéis.
(4) a. O guarda-roupa caiu a porta
b. O Miguel cresceu o dentinho.
Além das propriedades mencionadas, as construções de tópico sujeito
caracterizam-se por apresentar a chamada “posse externa”. Segundo Payne e Barshi
(1999), em uma sentença em que há posse externa, a relação semântica de [possuído-
possuidor] é expressa a partir da codificação do possuidor como um argumento do
verbo e em um constituinte separado/descontínuo daquele que contém o item possuído.
“Nós tomamos como exemplos centrais de posse externa uma
construção em que a relação semântica possuidor-possuído é
expressa pela codificação do possuidor como uma relação
gramatical do verbo e em constituinte separado daquele que
contém o possuído.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)1
Observemos os exemplos em (5): o DP [+possuidor/todo] atua como um sujeito
pré-verbal, enquanto o DP [+possuído/parte] ocupa a posição de complemento do verbo.
Apesar da distribuição sintática descontínua dos DPs, existe uma relação semântica de
posse entre eles.
(5) a. No telão o relógio[+possuidor/todo] começa a passar o tempo[+possuído/parte] mais
rápido e as ações dos personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de
teatro, Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)
1 We take core instances of external possession to be constructions in which a semantic possessor-
possessum relation is expressed by coding the possessor as a core grammatical relation of the verb and in
a constituent separate from that which contains the possessum”. (PAYNE e BARSHI, 1999:3)1
3
b. A Manu[+possuidor/todo] nasceu o primeiro dentinho[+possuído/parte] estou muito feliz
(Fala espontânea)
c. O celular[+possuidor/todo] já carregou a bateria[+possuído/parte], já pode tirar do
carregador. (Fala espontânea)
d. A minha filha[+possuidor/todo] amadureceu a cabeça[+possuído/parte] porque ficou
grávida e teve que criar o meu neto. (Fala espontânea)
É preciso destacar, entretanto, que a expressão de posse via estrutura [DP+DP]
não ocorre somente em construções de tópico sujeito com verbos inacusativos. Nos
exemplos em (6), vemos que a expressão de posse pode aparecer na configuração
[DP+DP] em construções com verbos (a) intransitivos, e (b-d) transitivos. Nesses casos,
o termo com o traço [+possuidor] não pode ocupar a posição de sujeito, pois ela já está
preenchida. O DP[+possuidor] ocupa uma posição de tópico, na periferia da sentença
[Spec, CP].
(6) a. O Danilo[+possuidor/todo], a irmã[+possuído/parte] morreu de tuberculose (PERINI,
2006).
b. O hotel[+possuidor/todo], o hóspede[+possuído/parte] pagou a conta.
c. O hotel[+possuidor/todo], o quarto[+possuído/parte] não tinha janelas.
Além de ser um fenômeno em que há posse externa, o tópico sujeito é uma
construção restrita às posses do tipo inalienável e meronímica, em outras palavras só
ocorre quando há a expressão de uma relação de parte-todo. As sentenças expressas em
(7)2 são agramaticais justamente porque há posse alienável. Por outro lado, as sentenças
expressas em (8-9), respectivamente exemplos de posse inalienável e meronímica, são
gramaticais.
(7) a. *O João enguiçou o carro
b. *A Maria caiu o estojo
c. *A cachorra acabou a ração
2 As sentenças expressas em (7) são gramaticais se a leitura for de que o DP que ocupa [Spec-TP] tem o
papel temático de agente. Entretanto, esta não é a leitura do tópico sujeito.
4
(8) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala
espontânea)
b. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele
pra ele não machucar (Fala espontânea)
c. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (www.globo.com/esquenta/
Acesso em 21 de Abril de 2013)
(9) a. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta
da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014. Portanto, até que
possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no
laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas
respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais)
b. Xiii....os carros arrebentaram o parachoque na batida. (Fala espontânea)
Minha hipótese é a de que ocorre uma mudança na posse externa no Português
Brasileiro que deixa de ser expressa por meio do clítico “lhe” e passa a ser realizada
com o alçamento de um DP para a posição de sujeito, originando dessa maneira as
construções de tópico sujeito. A fim de testar essa hipótese, foi constituída uma amostra
composta por 29 peças de teatro escritas por autores que nasceram entre os séculos XVI
e XX, em Portugal e no Brasil. Além das peças de teatro, recorri a alguns textos que
fogem a este gênero: Sermões e Cartas. Desse modo, entendo que a amostra contempla
três fases da história do português já descritas na literatura: Português Clássico (sec XVI
ao sec XVII), Português Europeu (sec XVIII em diante) e Português Brasileiro (sec XIX
em diante), de acordo com a proposta de Galves, Namiuti e Paixão de Sousa (2005). O
objetivo da recolha de dados em peças de teatro portuguesas foi comparar as estruturas
de posse externa, (10), e posse interna, (11), disponíveis nas gramáticas dos portugueses
e dos brasileiros. Os dados recolhidos foram codificados e submetidos ao pacote de
programa Goldvarb-X (SANKOF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2012), a fim de que
pudesse ser feita uma análise estatística dos resultados.
A análise diacrônica justifica-se na medida em que controlamos a expressão da
posse com o clítico dativo, como ilustrado em (10), ou como posse externa, como
ilustrado em (11), comparando a amostra portuguesa com a brasileira.
5
(10) a. Cale-se ou tapo-lhe a boca (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também, Azis
Bajur, 1938)
b. Bendito cheque que lhe restituiu a razão (Peça de teatro: Tudo isto e o céu
também, Azis Bajur, 1938)
c. Não sabia que lhe frequentavas a casa. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu
também, Azis Bajur, 1938)
d. Fui chegando de mansinho até a janela, que tinha ficado entreaberta, e espiei
lá para dentro. Gente! Estava o Matias com os olhos a saltar, agarrado à mulher,
torcendo-lhe os braços. E batendo-lhe com a cabeça no chão (Peça de teatro: A
casa fechada, Roberto Gomes, 1882)
(11) a. Anda lá!.. Oh! Meu Deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o
quarto do senhor; depois mano vem e fica maçado. (Peça de teatro: O demônio
familiar, José de Alencar, 1829)
b. Depois de alguma resistência, entre as vozes dos soldados dirá o rei. (Peça de
teatro, Esopaida ou vida de Esopo, Antônio José da Silva, 1705)
c. É este mesmo. Seu Camaleão Alface, cujo verdadeiro nome é Camaleão
Tiririca, roubou a horta da rainha Elizabeth e fugiu para o Brasil. (Peça de teatro:
O rapto das cebolinhas, Maria Clara Machado, 1921)
Os resultados diacrônicos apontam uma diferença entre PE e PB: enquanto no
PE é categórico o uso do clítico dativo na posse externa; no PB, a frequência de uso do
dativo de posse diminui ao passo que aumenta a posse interna.
Conforme defendem Berlinck (1996) e Barros (2011), a diminuição na
frequência de uso da posse externa está intimamente relacionada à mudança no
paradigma pronominal do PB que torna o uso dos clíticos menos frequentes. É nesse
contexto de queda no uso do clítico que proponho que emerge uma nova estratégia para
a realização da posse externa no PB: o tópico sujeito. Os resultados quantitativos
apresentados no capítulo 2 indicam que a inserção do tópico sujeito se dá justamente
quando há posse inalienável ou meronímica. Em sentenças com posse alienável, a posse
interna se torna categórica.
Consideremos os exemplos em (12) com o contraste com a posse externa (12a) e
a construção de tópico sujeito (12b):
6
(12) a. Caiu o nível da música hoje em dia.
b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma
coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.
(Peça de teatro: Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)
Proponho que as sentenças expressas em (12) têm numerações diferentes.
Enquanto, em (12a), há a preposição “de”, em (12b), outra estratégia tem que garantir
que o DP [+possuidor] terá seu Caso checado, pois a preposição genitiva “de” não faz
parte dos itens da numeração. Nesse contexto, o alçamento do DP [+possuidor] para a
posição de sujeito ocorre justamente para a checagem do Caso. Portanto, esta é uma
construção de posse externa em que o DP [+possuidor] checa Nominativo. Segundo
Uehara (1999), em construções de posse externa quando o Caso marcado é o
nominativo, há naturalmente uma interpretação de posse inalienável que só é possível
por haver uma “força genitiva”3. Estruturalmente, Uehara observa que construções de
posse externa em que o DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo só são gramaticais
se este DP ocupar a posição de sujeito. Além disso, o alçamento do DP [+possuidor]
para a posição de [Spec-TP] se dá porque dentro do DP, onde ele “nasce” e deixa uma
cópia ao realizar o movimento, não há nenhuma posição em que possa checar o seu
Caso estrutural.
Esta tese está organizada da seguinte forma. No capítulo 1, meu objetivo é
descrever a construção de tópico sujeito e caracterizá-la como um caso de posse externa
no PB. Neste capítulo, está a análise qualitativa dos dados dividida em três grandes
partes: em um primeiro momento, elenco as propriedades morfossintáticas do tópico
sujeito, ou seja, o que o caracteriza; em seguida, a partir da descrição anterior,
argumento que o tópico sujeito é um caso de posse externa. No capítulo 2, da análise
quantitativa, faço uma distinção inicial entre a posse externa e a posse interna e
apresento duas análises: (i) uma análise que leva em conta as frequências de uso da
posse interna x a posse externa ao longo do tempo; (ii) uma outra que considera
somente os dados de posse externa no PB e no PE.
No capítulo 3, apresento uma breve revisão bibliográfica que contempla alguns
trabalhos que tratam das construções de tópico marcado, com o objetivo de caracterizar
3 “Força genitiva” é uma expressão utilizada por Uehara (1999) a fim de indicar que há a expressão de
uma relação de posse.
7
o tópico sujeito. Além disso, apresento a gênese da discussão sobre o tópico sujeito
(PONTES, 1986 e 1987), bem como discuto alguns trabalhos que discutem as
construções de tópico sujeito sob uma perspectiva gerativista. O capítulo 4 é dedicado à
discussão sobre a origem do tópico sujeito. Na verdade, este é o capítulo em que
apresento a proposta de que o tópico sujeito emerge no PB via influência das línguas
bantas (AVELAR e CYRINO, 2008; AVELAR e GALVES, 2013; AVELAR, 2015).
Mostro que há problemas extralinguísticos e linguísticos na proposta anteriormente
mencionada que me permitem questionar as análises já citadas.
Por fim, no capítulo 5, a partir da observação da análise qualitativa do capítulo 1
e dos resultados quantitativos do capítulo 2, apresento a análise teórica da construção de
tópico sujeito. Esta análise compreende duas partes. Em um primeiro momento, trato da
estrutura formal da posse externa com o clítico “lhe”, relacionando a diminuição na
frequência de uso dessa construção às mudanças no paradigma pronominal do PB,
especialmente àquelas que concernem ao uso do clítico. A segunda parte compreende a
análise formal para a origem do tópico sujeito. Assumo que o alçamento do DP
[+possuidor] para a posição de sujeito ocorre para a checagem de um Caso que não
pode ser satisfeito dentro do DP pós-verbal. Ao capítulo 5, seguem as considerações
finais e as referências bibliográficas.
8
Capítulo 1: O tópico sujeito: um caso de posse externa.
Neste primeiro capítulo, meu objetivo é apresentar a descrição do tópico sujeito.
Inicialmente, trago uma série de características dessas construções e, posteriormente,
abordo o conceito de posse externa seguindo a linha teórica proposta por Payne e Barshi
(1999).
A descrição das construções de tópico sujeito que apresento neste capítulo tem
como amostra dados coletados em buscas on-line a partir da ferramenta do google
“pesquisa avançada”. Esta ferramenta consiste em um sistema de buscas em que é
possível encontrar uma frase completa ou mesmo uma construção específica,
restringindo o país e o idioma em que a sentença deve ser consultada. Um exemplo
desse sistema de buscas é apresentado abaixo. Na figura 1, podemos observar que o
comando é que seja encontrada a sentença “o carro furou o pneu”, somente em sites do
Brasil. Observemos ainda que há uma restrição quanto à língua em que a sentença deve
ser encontrada.
Figura 1 Imagem da página de “pesquisa avançada” do Google
9
O resultado de uma pesquisa como a apresentada na figura 1 está representado
na figura 2. O site de buscas google dá como resposta à busca do usuário uma página
exatamente com as sentenças encontradas no país determinado e na língua determinada.
Figura 2 Imagem do resultado da busca via ferramenta “pesquisa avançada” pela sentença “o celular acabou a
bateria” em sites brasileiros
Do mesmo modo, os dados apresentados nesse primeiro capítulo foram
coletados em falas espontâneas durante conversas em que eu era uma das interlocutoras
ou foram, gentilmente, cedidos a mim por outros pesquisadores. Todos os dados
apresentados foram produzidos no Rio de Janeiro, por brasileiros nascidos na região
sudeste ou na região nordeste. O período em que fiz a coleta dos dados de fala
espontânea perpassa os três primeiros anos em que desenvolvi essa tese (2012 a 2014).
E, por fim, é preciso ressaltar que também foram feitas buscas por construções de tópico
sujeito na amostra do português brasileiro disponibilizada no site do Corpus de
Referência do Português Contemporâneo (CRPC), organizada pela equipe do Centro de
Linguística da Universidade de Lisboa. O Corpus do CRPC está disponível em
http://alfclul.clul.ul.pt/CQPweb/
O Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC) dispõe de uma
amostra digitalizada de textos produzidos por falantes de português nascidos em
Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçambique, Angola, Guiné
10
Bissau, Macau e Timor Leste. (MENDES et alli, 2011). Essa amostra dispõe de textos
escritos – jornais, revistas, técnico, científicos, didáticos, econômico, jurídico,
parlamentar, literários e vários – assim como de textos orais – elocuções formais e
informais.
No que concerne às ferramentas de busca automáticas, o CRPC dispõe de uma
plataforma, representada na figura 3, que permite ao usuário fazer buscas a partir de
determinados comandos. Especificamente, para essa tese, utilizei, por exemplo, uma
lista de verbos inacusativos a fim de encontrar as construções de tópico sujeito. A partir
da lista de verbos inacusativos4, fiz uma busca restrita – Restricted query -, escolhendo
não apenas o verbo, mas também a variedade do português e o gênero textual, conforme
observamos na figura 3.
Figura 3 Imagem da página do sistema de busca automática do CRPC
O resultado de uma busca com as restrições citadas anteriormente pode ser
observado na figura 4. O sistema de buscas do CRPC permite ao usuário ter a lista de
sentenças que contenham esse verbo nas formas finitas e não finitas.
44
A lista de verbos inacusativos encontra-se disponível em Duarte (2003)
11
Figura 4 Imagem da página com o resultado da busca pelo verbo inacusativo “furar” no CRPC.
A diversidade de fontes dos dados deste capítulo está diretamente relacionada à
busca por um número maior de sentenças que me permitissem tecer algumas
generalizações acerca da construção de tópico sujeito. Por isso, fiz uso de textos escritos
e de fala espontânea cujos dados recolhidos serão apresentados e descritos nas próximas
seções.
1.1 As características gerais do tópico sujeito
A construção de tópico sujeito caracteriza-se por construir uma relação de posse
sem a presença de uma preposição. Assim, em sentenças como (13), ocorre a
justaposição de DPs em uma relação de posse que chamarei, ao longo da tese, de posse
[DP+DP].
(13) Posse [DP+DP]
a. [+possuidor]O dente já tá saindo [+possuído]a anestesia (Fala espontânea, Brasil)
b. [+possuidor]A parede caiu [+possuído]o reboco (Buscas on line, Brasil)
c. [+possuidor]Ônibus da 18 de Setembro falta [+possuído]freio e por pouco não causa
tragédia na Olimpio Vital. (Buscas on line, Brasil)
12
Segundo Nikolaeva e Spencer (2010), a posse [DP+DP] é uma estrutura em que
ocorre a ausência de um item responsável por marcar ou estipular a relação de
adjacência entre o núcleo – o DP [+possuído] - e o termo adjunto – o DP [+possuidor].
Para caracterizar a construção, os autores destacam que a expressão dos DPs ocorre, em
geral, em uma ordem padrão que varia de acordo com a gramática de cada língua. No
PB, em construções de tópico sujeito, o padrão observado é sempre a ordem
[+possuidor +possuído], como é possível verificar nos exemplos em (14).
(14) a. A televisão da sala estragou a tela quando eu tava vendo o Jornal Nacional.
(Fala espontânea)
b. O celular dela acabou a bateria e não consegui falar com ela. (Fala espontânea,
Brasil)
Podemos notar que existe uma relação de justaposição que indica posse, que é
entendida por Nikolaeva e Spencer (2010) como:
“A simples justaposição como a ausência de uma marcação de
construção e uma adjacência estipulada entre o núcleo e o seu
dependente, geralmente, em uma ordem fixa.”5
No PB, outros tipos de construções de tópico podem apresentar a chamada posse
[DP+DP], como as construções de tópico pendente, ilustrado em (15), em que o DP é
alçado para a posição de tópico e mantém com o DP pré ou pós verbal uma relação
semântica de posse:
(15) a. sabe aquela dona gordinha, que morou aqui do lado um tempão? uma que a
Elvira chamava de tia? então, o filho morreu.. (Fala espontânea)
b. O ovo... o ovo não tá escrito na embalagem quanto tempo faz, como faz, né"
(Buscas on line, Brasil)
c. Meu celular, o GPS parou de funcionar (Fala espontânea)
5 “we can understand simple juxtaposition as the absence of constructional marking and
stipulated adjacency between the head and the dependent, usually in a fixed order.”
(NIKOLAEVA and SPENCER, 2010: 40)
13
Em algumas comunidades quilombolas, podem ser encontradas construções de
posse [DP+DP] com justaposição, em que não há o alçamento do DP [+possuidor] para
a posição de sujeito ou de tópico, como ilustrado em (16)
(16) E fiz o trajeto até chegá aqui na rua, até chegá na porta[+possuído] igreja.[+possuidor]
(Comunidade Quilombola de Milho Verde, Brasil)6
Para além da característica estrutural da ausência da preposição, Galves (1998)
afirma que o tópico sujeito expressa sempre uma relação de parte-todo, como (17), ou
de posse, como em (18).
(17) a. O ônibus estava subindo a ladeira na saída de Aurelino Leal em direção a
Itabuna, mas segundo o motorista que ainda estava acordado no momento do
socorro, nos informou que [+todo]o carro quebrou [+parte]a caixa de marcha e
começou a voltar de ré. Ele ainda pisou no freio, mas também falhou, e aí não teve
como ele conter o veículo. (Buscas on line, Brasil)
b. [+todo]Essa merda de tablet fica caindo [+parte]a net toda hora (Buscas on line,
Brasil)
(18) a. [+possuidor]O bebê cresce [+possuído]a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar
a unha dele pra ele não machucar (Fala espontânea)
b. [+possuidor]Uma parenta dum amigo nosso morreu [+possuído]a avó. (Buscas on line,
Brasil) (www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)
c. [+possuidor]A minha filha amadureceu [+possuído]a cabeça porque ficou grávida e teve
que criar o meu neto. (Fala espontânea)
Entretanto, conforme destaca Lunguinho (2006), no PB, são também possíveis
construções de tópico sujeito que não parecem, em princípio, expressar uma relação de
parte-todo, tal qual pode ser observado nos exemplos em (17) e nem uma relação de
posse como nos exemplos em (18). Observemos que nos exemplos em (19) os DPs “a
reforma” e “a obra” não podem ser interpretados como [+parte], mas também não é
6 Esse dado foi obtido junto à amostra do Projeto Piloto Comunidades Quilombolas, organizado pelas
professoras Margarida Petter e Marcia de Oliveira da USP. A amostra está disponível em
http://www.fflch.usp.br/indl/Extra/Projeto_Iphan_USP.htm
14
possível a interpretação como [+possuído]. Ainda assim, a partir das paráfrases em (20)
nota-se que a estrutura sintática das sentenças é a mesma dos exemplos em (17-18). Ou
seja, há tópico sujeito.
(19) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, o hospital
ainda falta terminar a reforma, o saneamento básico precisa ser acelerado. (Fala
espontânea, Brasil).
b. A minha casa do Bom Pastor terminou a obra e eu vou me mudar essa semana.
Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a gente. (Fala
espontânea)
(20) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, ainda falta
terminar a reforma do hospital, o saneamento básico precisa ser acelerado.
b. Terminou a obra da minha casa do Bom Pastor e eu vou me mudar essa
semana. Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a
gente.
Para sentenças como as expressas em (19-20) a impossibilidade de verificar, em
um primeiro instante, uma relação de parte-todo ou posse, pode ser resolvida com uma
observação mais abstrata das relações semânticas expressas. Assim, é possível
interpretar que há uma relação de parte-todo em (19-20) porque “a reforma” ou “a
obra”, vocábulos do mesmo campo semântico, são a parte de um processo que culmina
em um objeto, ou seja, um todo: “o hospital” ou “a casa”. Nesse sentido, o exemplo em
(20), repetidos abaixo como (21), expressam relação parte-todo, assim como em (17).
(21) Relação de parte-todo
a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, [+todo]o
hospital ainda falta terminar [+parte]a reforma, o saneamento básico precisa ser
acelerado.(Fala espontânea, Brasil).
b. [+todo]A minha casa do Bom Pastor terminou [+parte]a obra e eu vou me mudar
essa semana. Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a
gente. (Fala espontânea, Brasil)
15
Portanto, nas construções de tópico sujeito, podemos encontrar dois tipos de
relações semânticas: parte-todo e posse. Passemos, então, a abordar os tipos de posse
que são gramaticais nesse tipo de sentença. Mas antes é necessário discutir os conceitos
inerentes aos três tipos de posse que serão destacados na amostra: inalienável, alienável
e meronímica. Inicio essa discussão com a posse alienável.
A posse alienável é definida por Guerón (1985) como a estrutura em que o DP
[+possuído] é disjunto do nominativo, dativo ou genitivo possuidor. Assim, o DP
[+possuído] não é interpretado como parte inerente do DP [+possuidor]. No caso do
tópico sujeito não é possível haver uma relação de posse alienável, como mostram os
exemplos em (22), em que o DP anteposto ao verbo tem o papel temático de
[+experienciador/afetado].
(22) a. *A Elaine furou o pneu do carro7
a‟ Furou o pneu do carro da Elaine.
b. * A Elaine caiu o estojo
b‟ Caiu o estojo da Elaine.
Por outro lado, a posse inalienável é definida por Guerón (1985) como a
construção em que o DP [+possuído] – nomes de partes do corpo ou de partes de
objetos – é uma parte intrínseca do DP [+possuidor]. Este DP pode checar os casos
Nominativo, sendo o sujeito da sentença, mas também o dativo ou o genitivo, atuando
como adjunto adnominal ou complemento nominal.
Ou seja, a posse inalienável é uma estrutura em que a relação semântica não é
construída no contexto discursivo, não é definida pela pragmática, como ocorre na posse
alienável, mas sim em uma relação inerente aos dois objetos relacionados: uma relação
de parte-todo que pode ser partes do corpo ou relações de parentesco. Segundo Baker
(1995), a relação de posse inalienável é tão forte que pode, estruturalmente, ser
entendida como uma relação entre predicador e argumentos, na medida em que o DP
[+possuído] é dependente do DP [+possuidor]. Ainda seguindo Baker (1995), são
possíveis construções com interpretação inalienável em que aparentemente não há uma
relação intrínseca entre o DP [+possuído] e o [+possuidor] como se nota no exemplo em
7 A sentença expressa em (22a) é gramatical se a interpretação for de que o DP “Elaine” tem o papel
temático de [+agente], entretanto, a sentença não é classificada como de tópico sujeito, mas sim apresenta
uma leitura causativa.
16
(23). Nesses casos, Baker defende que há uma extensão de significado, permitindo uma
leitura intrínseca.
(23) O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea)
Finalmente, a relação de posse meronímica é assim definida por Kleiber (2002).
“8No caso de uma relação meronímica, a entidade x denotada
pelo nome anafórico é uma parte do todo y, e a entidade x tem
por função ser uma parte de y”. (Tradução minha) (KLEIBER,
2002:45)
Na literatura sobre a marcação de posse, em geral, se assume que só pode haver
posse quando há em questão ao menos um sintagma com traços [+humano] ou
[+animado]. Entretanto, Kleiber (2002) afirma que existem construções que indicam
posse e que não necessariamente apresentam ao menos um sintagma com traços
[+humanos] ou [+animados]. Em geral, o que se pressupõe para que haja posse é que as
entidades envolvidas no sintagma sejam de categorias distintas obedecendo à escala
exposta no quadro abaixo.
Quadro 1 Escala das categorias envolvidas na relação de posse
(KLEIBER, 2002:62)
Nesse sentido, o PP deve estar sempre mais à esquerda no continuum em relação
ao termo determinado. Assim são tratadas como posse relações como as expostas em
(24a-d), mas, em princípio, não as observadas em (25a-c), visto que os itens lexicais
ocupam a mesma posição na escala ontológica. As sentenças em (25a-c) expressariam,
assim, uma relação parte-todo.
(24) a. posseO cabelo da garota é preto
[+objeto] [+ humano]
8 “In the case of meronymic anaphors, the entity x denoted by the anaphoric noun is a part of whole y, and
it plays, inside functional anaphors, a part with respect to y” (KLEIBER, 2002:45)
Humanos> animais> objetos concretos> eventos> propriedades.
17
b. posseA ração da cachorra acabou
[+objeto] [+animais]
c. posseO show do Djavan será no dia 26 de Abril.
[+evento] [+humano]
d. posseA bola de couro rasgou com o vidro.
[+objeto] [+propriedade]
(25) a. A criança jogou não possea bateria do celular no lixo.
[+objeto] [+objeto]
b. O homem pegou não posseo pneu do carro na garagem.
[+objeto] [+objeto]
c. Os garotos destruíram não posseO ponteiro do relógio.
[+objeto] [+objeto]
Kleiber (2002) acrescenta que em sentenças como (26) há um caso de posse
marcado pela relação funcional de localidade e outro de posse meronímica, em que
existe uma relação parte-todo. Em sentenças com posse meronímica, o DP é definido
como a parte relativa do todo. Ele não contém os traços semânticos da totalidade, assim
como o recurso meronímico de “parte de”. Observando (26b), podemos notar que na
escala do quadro 1 os dois itens lexicais são objetos concretos.
(26) a. L‟eglise du village. (KLEIBER, 2002:57)
A igreja da aldeia
b. Le tronc du tilleul. (KLEIBER, 2002:52)
O tronco da cal
A proposta de Kleiber (2002) é de que essa relação de assimetricidade entre os
itens que compõem o sintagma possessivo, como os expressos em (26), pode ser
aplicada a partir de uma relação parte-todo em que o item lexical que representa o
“todo” está mais à esquerda na escala do que aquele que representa a “parte”. Nesse
sentido, podemos, seguindo Kleiber (2002), assumir que nos exemplos em (27), também
há uma expressão de posse: a posse meronímica.
(27) a. A criança jogou posse meronímicaa bateria do celular no lixo.
18
[+parte] [+todo]
b. O homem pegou posse meronímicao pneu do carro na garagem.
[+parte] [+todo]
c. Os garotos destruíram posse meronímicao ponteiro do relógio de propósito.
[+parte] [+todo]
A proposta de Kleiber (2002) nos auxilia no trabalho com as construções de
tópico-sujeito no PB que apresentam uma relação parte-todo, como as expressas em
(26). Nessas sentenças, há, portanto, posse meronímica, expressa via concatenação de
dois DPs.
(28) a. [+possuidor]O celular acabou [+possuído]a bateria.
[+todo] [+parte]
b. [+possuidor]O carro furou [+possuído]o pneu.
[+todo] [+parte]
c. [+possuidor]O relógio quebrou [+possuído]o ponteiro.
[+todo] [+parte]
Apresentados os três tipos de posse, é preciso apresentar os contextos em que o
tópico sujeito foi encontrado. Em síntese, há tópico sujeito em construções que
envolvem posse inalienável, (29), e meronímica, (30).
(29) a. Espanta com qualquer coisa, pula, arrebenta a barrigueira, derruba quem está
montado. Henricão não quebrou a perna numa queda de cavalo? E ele é peão,
estava acostumado (CRPC, Brasil)
b. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)
(30) a. Meu relógio soltou o ponteiro do minuto e quero saber onde tem assistência
técnica (Buscas on line, Brasil)
b. Segundo testemunhas, o ônibus faltou freio, colidindo na traseira de um micro
da Princesinha, que bateu na traseira de outro veículo e que esse outro veículo
bateu (Buscas on line, Brasil)
19
1.2 O tópico sujeito: um caso de posse externa
A posse externa é definida e caracterizada por Payne e Barshi (1999) como uma
construção em que uma relação semântica de possuído-possuidor é expressa a partir da
codificação do possuidor como um argumento do verbo e em um constituinte
separado/descontínuo daquele que contém o item possuído.
“Nós tomamos como exemplos centrais de posse externa uma
construção em que a relação semântica possuidor-possuído é
expressa pela codificação do possuidor como uma relação
gramatical do verbo e em constituinte separado daquele que
contém o possuído.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)9
Outras propriedades da posse externa também são destacadas por Payne e Barshi
(1999): o tipo de predicado é, preferencialmente, [+eventivo] e [+estativo (somente nos
verbos inacusativos)]; ela ocorre com mais frequência em construções com posse
inalienável; é mais frequente quando o item [+possuidor] tem o traço de animacidade
[+humano] ou [+ animado], entre outros fatores que desenvolverei ao longo dessa
seção. Em ordem, descrevo e relaciono com as construções de tópico sujeito as
seguintes propriedades da posse externa: os constituintes descontínuos, o verbo
inacusativo, os aspectos morfológicos, o papel temático, o Caso, os tipos de predicado,
o traço de animacidade e a inalienabilidade.
1.2.1 Os constituintes descontínuos
Destacada na definição de posse externa a propriedade de uma construção
exprimir uma relação de posse por meio de constituintes descontínuos é verificada no
tópico sujeito. Observemos que nos exemplos em (31), os DPs [+possuidor/todo] se
comportam como um item sintaticamente ligado ao verbo, um sujeito pré-verbal,
enquanto os DPs [+possuído/parte] se comportam como objeto do verbo em uma
posição pós-verbal. Apesar da distribuição sintática descontínua dos DPs,
semanticamente os DPs [+possuidor/todo] estão ligados aos DPs [+possuído/parte]. A
evidência para a afirmação anterior está exatamente na interpretação que fazemos de
9 “We take core instances of external possession to be constructions in which a semantic possessor-
possessum relation is expressed by coding the possessor as a core grammatical relation of the verb and in
a constituent separate from that which contains the possessum.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)
20
sentenças com tópico sujeito. Ou seja, ainda que sejam constituintes descontínuos, o
falante interpreta esses DPs como em uma relação de posse inalienável, (31a-b) ou
como parte-todo, (31c).
(31) a. [+possuidor]O bebê cresce [+possuído]a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar
a unha dele pra ele não se machucar (Fala espontânea)
b. [+possuidor]A minha filha amadureceu [+possuído]a cabeça porque ficou grávida e
teve que criar o meu neto. (Fala espontânea)
c. [+todo]O rádio da sala estragou [+parte]a caixa de som quando eu tava ouvindo o
jogo na Rádio Globo. (Fala espontânea)
1.2.2 O verbo inacusativo
Em uma construção de posse externa, segundo Payne e Barshi (1999), o DP
[+possuidor] pode se tornar um argumento direto de qualquer um dos três tipos de
predicadores básicos: intransitivos, transitivos ou ditransitivos. No PB, o único tipo de
predicador que admite a construção de tópico sujeito é o inacusativo, ou seja, um tipo de
verbo monoargumental. Ainda assim ao observar os exemplos em (32) se verifica que
duas posições sintáticas estão preenchidas: a posição de sujeito, [Spec-TP], e a posição
de objeto, [Compl-VP].
(32) a. O meu celular descarregou a bateria, não vi sua mensagem, por isso só estou
respondendo agora, desculpa. (Fala espontânea)
b. O computador estragou o roteador e não dá pra falar com você pelo skype.
(Fala espontânea)
c. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)
Chappell (1999) observando dados de línguas Siníticas como, por exemplo, o
cantonês identifica construções de posse externa, como as expressas em (33), que têm
quase a mesma estrutura sintática de construções como (32). De um modo geral, o autor
classifica a sintaxe dessas sentenças como “uma aberração” (CHAPPELL,1999:195) e
afirma que elas se caracterizam por ter a estrutura exposta em (34), ou seja, os nomes da
21
relação possessiva ocorrem descontinuamente, visto que o possuidor aparece na posição
canônica de sujeito, enquanto o possuído aparece na posição canônica de objeto.
(33)10
a. Poh1 sue
6 lok
6 joh
2 ho
2 doh
1 yip
6
ClasseRef árvore cair pretérito perfeito muitas muitas11
folhas
PB: A árvore caiu muitas folhas
(34) Nome[possuidor] Verbo[intransitivo]12
Nome[possuído/partes]
O autor ressalta ainda que o movimento do DP [+possuidor] para a posição de
sujeito só pode ocorrer em construções que exibam um verbo inacusativo e em que haja
uma posse inalienável. Conforme apresentei, os casos de tópico sujeito ocorrem apenas
com verbos inacusativos e com posse inalienável ou meronímica que também representa
uma relação de parte-todo.
1.2.4 A morfologia da posse externa na construção de tópico sujeito genitivo
Segundo Payne e Barshi (1999), em uma construção de posse externa o DP
[+possuidor] pode ser expresso como sujeito, objeto direto ou por um dativo, mas,
dificilmente, por um PP. Além disso, em algumas gramáticas o DP [+possuidor] pode
simultaneamente ser expresso por um pronome ou por um afixo interno ao DP que
contém o item [+possuído].
Em geral, a expressão da posse externa se dá por meio de três tipos de itens
lexicais: morfemas aplicativos, clíticos ou DPs plenos ou nus. A variação nas
possibilidades de marcação de uma relação de posse externa está ligada às propriedades
sintáticas e singulares de cada gramática. Assim, podemos, por exemplo, em (35),
observar sentenças do catalão em que há posse externa e notar que há um clítico, “li”,
entretanto, as estruturas sintáticas são distintas. Observemos, primeiramente, os dados
10
Chappel (1999) não identifica o que sejam os índices acima de cada vocábulo em cantonês.
11
Na glosa proposta por Chappell (1999), os vocábulos “ho” e “doh” são traduzidos respectivamente por
“very” e “many”. No português, a tradução para os dois advérbios é a mesma “muito”.
12
Chappell (1999) adota o termo “intransitivo” em uma perspectiva bem geral em que este significa um
predicador monoargumental. O autor não faz, no trecho citado, menção à dicotomia “inacusativo/ergativo
x intransitivo/inergativo”
22
em (35a-b). Nesses casos ocorre o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de
tópico da sentença, conforme demonstram as representações sintáticas em (36). Além da
realização do item [+possuidor] com o Caso Dativo, há o clítico adjacente ao verbo que
garante o estatuto de posse externa à construção visto que, por definição, essas
construções ocorrem quando um termo ligado ao DP pós-verbal passa a se relacionar
sintaticamente com o verbo.
Por outro lado, em (35c), há um clítico dativo junto ao verbo, mas não há uma
construção em que dois itens marquem a posse externa como ocorre em (35a-b), ou seja,
não há redobro.
(35) a. A aquest cotxe li falla el carburador.
b. A Joan li suen las mans.
c. L‟accident li va desfigurar la cara
(PICALLO & RIGAU, 1999)
(36) a. CP 3 DP C‟
A aquest 3 cotxei C TP 3 DP T‟
lik 3 T vP
fallaj 3
DP v‟ 3 v VP
lik 3
DP V 3
V DP
fallaj 4
el carburador [-]i
23
b. CP 3 DP C‟
A Joani 3 C TP 3 DP T‟
lik 3 T vP
suenj 3
DP v‟ 3 v VP
lik g V‟ 3
V DP
suenj 4
las mans [-]i
c. . CP 3 DP C‟
L‟ accident 3 C TP 3 DP T‟
lik 3 T vP
vai desfigurarj 3
DP v‟
lik 3 v VP
vai 3
DP V 3
V DP
desfigurarj la cara
24
Em construções como (35), os autores assumem que o clítico, em geral com o
Caso dativo, é um morfema aplicativo13
, visto que, em construções com redobro sua
única função é marcar a emergência de uma nova estrutura sintática em que o verbo
“passa” a ter um “novo argumento”.
Essa mesma construção é encontrada no português europeu por Miguel,
Gonçalves e Duarte (2011). Observemos que nos dados em (37) as autoras comparam
os três tipos de estruturas sintáticas que podem expressar a posse. Enquanto em (37a-b),
há posse interna com a preposição genitiva “de” ou com a preposição dativa “a”, em
(37c), há posse externa.
(37) a. O professor avaliou as provas dos estudantes.
b. O professor avaliou as provas aos estudantes.
c. O professor avaliou-lhes as provas.
(MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE, 2011:390)
No que concerne à morfologia, é possível destacar que em (37a-b) há uma
preposição que delimita o Caso dos adjuntos adnominais e expressa a relação de posse.
Por outro lado, em (37c), o clítico “lhe” é o responsável por exercer a função que em
(37a-b) é cumprida pela preposição.
É evidente, entretanto, que a construção de tópico sujeito é sintaticamente
distinta das construções de posse externa que mencionei até o momento. Em um
primeiro momento, a diferença mais clara é o fato de não haver um morfema ou clítico
que se adjunja ao verbo para marcar a construção de posse externa. Em seguida, é
possível mencionar que não há no tópico sujeito um item com o Caso dativo, tal qual
ocorre em todas as sentenças listadas até aqui. Do mesmo modo, construções com
redobro são agramaticais no PB.
Entretanto, são listáveis também as semelhanças entre construções como as
expressas em (36) e (37) e o tópico sujeito do PB apresentado em (38). A primeira das
semelhanças morfológicas que destaco é a checagem de traços Se por um lado, há no
clítico dativo marcas de número e pessoa, nas construções de tópico sujeito essa
13
“The applicative is usually understood as a construction in which a verb bears a specific morpheme
which licenses an oblique, or non core, argument that would not otherwise be considered a part of the
verb‟s argument structure.” (JEONG, 2007:2)
25
morfologia é expressa no DP pré-verbal que atua como o sujeito da sentença e concorda
com o verbo em número e pessoa, como pode ser observado nos dados em (38).
(38) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala
espontânea)
b. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta
da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que
possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no
laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas
respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais, Brasil)
c. Xiii....os carros arrebentaram os parachoques na batida. (Fala espontânea)
Observemos que a projeção do DP [+possuidor] para um constituinte distinto
daquele ocupado pelo DP [+possuído] não muda a grade argumental de nenhuma das
construções. Em (39a), o clítico atua como um dativo de posse, enquanto em (39b-c) o
DP [+possuidor] não ocupa a posição de [Spec-VP], mas sim a de [Spec-TP], uma
posição não ligada ao verbo.
(39) a. O professor avaliou-lhes as provas. (MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE,
2011:390)
b. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra
ele não machucar (Fala espontânea)
c. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)
(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)
1.2.5 O papel temático do DP [+possuidor] em construções de posse externa
Nessa seção, apresento a semelhança entre a posse externa que envolve o clítico
“lhe” e o tópico sujeito no que concerne ao papel temático do item lexical que marca a
posse externa.
26
Observemos que em (40), (41), (42) e (43) - respectivamente, dados do PE, do
Catalão, do Castelhano e do PB - o clítico, em (40-42), e o DP em (43), apresentam o
papel temático ou de [+experienciador] ou de [+afetado]. Ou seja, independente da
forma como o item lexical se realiza o único papel temático que pode, nessas
construções, ser o elemento que marca a relação de posse externa é aquele que respeita
um desses dois papeis temáticos.
(40) a. O professor avaliou-lhes as provas
b. O professor sublinhou-lhes o texto.
(MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE, 2011: 390-391)
(41) a. A Joan li suen las mans
b. Li han dissenyat um vestit a Maria
(PICALLO e RIGAU, 1999)
(42) a. Al bebé le salieron los dientes.
(PICALLO e RIGAU, 1999)
b. Juan le respecta las opiniones a María
(PUJALTE, 2010)
(43) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, o hospital
ainda falta terminar a reforma, o saneamento básico precisa ser acelerado,
etc.....(Fala espontânea)
b. O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea)
1.2.6 O Caso
Uma das propriedades do tópico sujeito no PB é a ausência da preposição que
checa o Caso genitivo. Essa característica é por si só uma propriedade das construções
de posse externa em que, em geral, não é possível a realização de um PP (PAYNE e
BARSHI, 1999). Por outro lado, a ausência dessa categoria gramatical levanta a questão
de como o Caso genitivo está sendo checado, visto que é a preposição “de” a
responsável por essa operação sintática. Mais do que isso, a ausência dessa preposição
27
põe em questão se de fato o Caso do DP [+possuidor] em construções de posse externa
no PB é o genitivo.
Considerar que um Caso distinto ao genitivo expresse uma relação de posse não
é uma opção inviável visto que há inúmeros exemplos na literatura em que essa
estrutura é gramatical. Assim, por exemplo, podemos falar da posse externa no espanhol
em que um clítico com Caso Dativo marca essa relação, como pode ser visto nos
exemplos em (44).
(44) a. Al bebé le salieron los dientes.
(PICALLO & RIGAU, 1999)
b. Juan le respecta las opiniones a María
(PUJALTE, 2010)
Observemos que sentenças como (44) são distintas da estrutura expressa no
tópico sujeito, visto que em (44a) o clítico dativo “le” é correferente ao PP que está na
posição de tópico da sentença, conforme mostra a comparação com (45a). Do mesmo
modo, em (44b), o clítico “le” é correferente ao PP “a Maria” que não sofreu a operação
“move” da sua posição original, conforme pode ser visto em (45b).
(45) a. Al bebéi lei salieron los dientes [-]i.
(PICALLO & RIGAU, 1999)
b. Juan lei respecta las opiniones a Maríai
(PUJALTE, 2010)
No PE, também encontramos estruturas semelhantes a (45), como a expressa em
(46b). Observemos que em (46b), de modo distinto ao espanhol, o clítico “lhe” não tem
um redobro. Mas a observação do exemplo em (46a) permite entendermos que esse
clítico funciona como o adjunto do DP “as opiniões”. Ainda que esteja semanticamente
relacionado ao DP pós-verbal, o clítico é interpretado como sintaticamente ligado ao
verbo.
(46) a. O João respeita as opiniões à mulher.
b. O João respeita-lhe as opiniões.
(MIGUEL, GONÇALVEZ e DUARTE, 2011:392)
28
Observemos, então, que o Caso dos clíticos que marcam a posse externa é o
dativo. Nessas sentenças, entretanto, é preciso destacar que o Caso da posse interna, ou
seja, da construção em que sintaticamente e semanticamente o DP [+possuidor] está
ligado ao DP [+possuído], também é o dativo como pode ser visto na sentença em (46a)
para o PE e em (45a) para o espanhol, sentenças em que o item que checa o Caso é a
preposição dativa “a”.
Além do dativo, o Caso nominativo também pode expressar a relação de posse
em uma construção de posse externa. Essa é, por exemplo, a estrutura observada no
japonês. Em sentenças como (48), observemos que o DP [+possuidor] tem o Caso
nominativo que é marcado pelo morfema –ga.
(48) John-ga oneesan-ga totemo kirei-da
John-Nom irmã mais velha-Nom muito bonita-é
A irmã mais velha do John é muito bonita.
(UEHARA, 1999:200)
Segundo Uehara (1999), nessas construções apesar de o Caso marcado ser o
nominativo, há naturalmente uma interpretação de posse inalienável que o autor afirma
só ser possível por haver uma “força genitiva”. Estruturalmente, o autor observa que
construções como (48), em que a “força genitiva” se faz presente, mas em que o Caso
do DP [+possuidor] é o Nominativo, só são gramaticais se este DP ocupar a posição de
sujeito. De algum modo, as construções do japonês expressas em (48) são semelhantes
ao tópico sujeito do PB. Assim como no japonês, o DP [+possuidor] ocupa a posição de
sujeito no tópico sujeito do PB e concorda com o verbo. Observemos os dados em (49).
(49) a. Os computadores do colégio queimaram os monitores por conta da queda de
energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que possamos consertá-
los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no laboratório. Nesse
período, os professores ministrarão aulas teóricas nas respectivas salas de aula.
(Comunicado aos pais, Brasil)
b. Xiii....os carros arrebentaram os parachoques na batida. (Fala espontânea)
29
Assim no PB, os traços de número e pessoa que desencadeiam a checagem do
Caso Nominativo em construções de tópico sujeito, e, portanto, a efetivação do DP
topicalizado como o sujeito da sentença, são também os responsáveis por marcar a
relação de posse externa na construção.
É preciso ressaltar que em falas espontâneas foram coletados dois dados em que
a relação de concordância não é estabelecida entre o verbo finito e o DP [+possuidor],
como pode ser visto em (50). Note, entretanto, que construções em que o sujeito não
concorda foneticamente com o verbo finito não inviabilizam a checagem do Caso
nominativo.
(50) a. As bicicleta dos menino quebra os aro fácil nós vai ter que trocar tudo. (Fala
espontânea)
b. As árvore estragaram as fruta antes de amadurecer. Esse ano a gente tamo sem
jambo e manga...(Fala espontânea)
Assim, assumo para a análise dessa tese que o DP [+possuidor] checa o Caso
Nominativo e que a relação de posse é expressa por meio deste Caso, como ocorre no
japonês. Da mesma forma tomo a afirmação de Uehara (1999)14
de que ainda que o
Caso expresso em sentenças como (49) e (50) seja o Nominativo, há uma “força
genitiva” que é indicada pela relação estabelecida entre o DP1 [+possuidor] e o DP2
[+possuído];
“Apesar de a marcação de caso do possuidor nas construções de
posse externa ser nominativa, ela é naturalmente interpretada
como dotada de uma força genitiva.” (UEHARA, 1999:46)
1.2.7 O tipo de predicado
Payne e Barshi (1999) afirmam que existem dois padrões de tipos de predicados
mais comuns em construções de posse externa: predicados que indicam mudança de
estado e predicados inacusativos que indicam estados. Observemos que nos exemplos
em (51-52) há dados de tópico sujeito com um predicado que indica mudança de estado.
14
“Although the case-marking of the possessor in external possession constructions is nominative, it is
naturally interpreted as having genitive force.” (UEHARA, 1999:46)
30
(51) a. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)
b. O celular já carregou a bateria, já pode tirar do carregador. (Fala espontânea)
c. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o
meu neto. (Fala espontânea)
(52) a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra
ele não machucar (Fala espontânea, Brasil)
b. José Simão da equipe de articulistas Páscoa animada! Mulher usa cueca, Ruth
Cardoso quebra o braço, o marido quebra o país e a Carmen Mayrink Veiga
quebra geral! A falida mais falada do país! (CRPC)
1.2.8 O traço de animacidade
Haspelmath (1999) argumenta que em construções de posse externa há uma
hierarquia que “governa” os traços de animacidade do DP [+possuidor]. Essa primeira
hierarquia, que apresento no quadro 2, é considerada pelo autor como uma propriedade
universal desse tipo de construção. Entretanto, isso não significa que em todas as
gramáticas haverá construções de posse externa que deem conta de todos os níveis da
hierarquia. Segundo o autor, as línguas europeias que apresentam esse tipo de posse, em
geral, só a admitem quando o DP [+possuidor] é [+humano] ou [+animado].
Humano > Animado > Inanimado
Quadro 2 Hierarquia de Animacidade nas construções de posse externa
De fato, os dados de tópico sujeito demonstram que há os traços de animacidade
[+humano], [+animado] e também [+inanimado], como pode ser visto, respectivamente,
nos exemplos em (53), (54) e (55).
(53) a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra
ele não machucar (Fala espontânea)
b. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)
(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)
31
c. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o meu
neto. (Fala espontânea)
d. A minha filha cresceu o cabelo muito rápido porque eu cortei o cabelo dela na
lua crescente (Fala espontânea)
(54) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala
espontânea)
b. A minha vaquinha quebrou a pata e tive que mandar sacrificar (Fala
espontânea)
(55) a. A televisão da sala estragou a tela quando eu tava vendo o Jornal Nacional.
(Fala espontânea)
b. O celular dela acabou a bateria e não consegui falar com ela. (Fala espontânea,
Brasil)
c. O computador estragou o roteador e não dá pra falar com você pelo skype. (Fala
espontânea)
d. O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea, Brasil)
Sem dúvida alguma, esses dados mostram que no PB pode haver posse externa
com qualquer tipo de traço de animacidade no DP [+possuidor]. Um fato, entretanto,
chama a atenção no que concerne a esse fator: predominam, nos dados coletados na
internet ou em fala espontânea, as construções em que o DP [+possuidor] é
[+inanimado]. Observemos na tabela 1 que 73% dos dados correspondem às
construções em que o DP [+possuidor] tem traço de animacidade [+inanimado],
enquanto integram a amostra apenas 23% de dados em que o DP [+possuidor] tem
traços [+humano] e 4% traços [+animado].
Tópico sujeito
N %
[+Humano] 10 23%
[+Animado] 2 4%
[+Inanimado] 33 73%
Total 45
Tabela 1 A frequência do traço de animacidade nas construções de tópico sujeito do PB
32
A explicação para essa aparente incongruência com relação à hierarquia de
animacidade proposta por Haspelmath (1999) pode estar na constituição da amostra. É
preciso mencionar que a coleta dos dados em falas espontâneas ou mesmo em buscas
on-line em sites de reclamação foi extremamente difícil devido à especificidade da
construção. Nesse sentido, a maior parte dos dados de tópico sujeito com os quais
trabalho nesse capítulo é de fala espontânea que pude captar durante conversas ao longo
do processo de produção da tese. Sem dúvidas, essa metodologia pode “esconder”
dados em que os traços [+Humano] ou o [+Animado] sejam predominantes, mas
também a alta frequência do DP [+Inanimado] já indica que esta é uma construção
muito produtiva no PB com todos os tipos de traços de animacidade.
A hierarquia de animacidade proposta por Haspelmath (1999) é, posteriormente,
melhor detalhada pelo autor que acrescenta os traços de pessoa que predominam no DP
[+possuidor] em línguas europeias. Apresento esta nova hierarquia abaixo. Observemos,
inicialmente, que os dois primeiros níveis da hierarquia são compostos por pronomes,
respectivamente, primeira e segunda pessoa e terceira pessoa, apenas no terceiro nível é
que constam DPs e, posteriormente, outros DPs animados e DPs inanimados.
Quadro 3 Refinamento da hierarquia de animacidade nas construções de posse externa
O fato de os primeiros níveis hierárquicos serem compostos por pronomes pode
ser a explicação para entendermos o porquê de predominar na amostra dessa tese o
tópico sujeito com DP [+possuidor] com traços [+inanimado]. Ora, na construção em
estudo nessa tese, não há pronomes, há DPs que são alçados para posições mais altas na
sentença. Nesse sentido, se por um lado, havendo pronomes é esperado que haja o
predomínio de itens [+animados] e [+humanos], o oposto pode ser esperado quando
ocorre um DP como item que marca a posse externa.
1.2.9 A inalienabilidade na posse externa
Primeira/Segunda pessoa (pronomes) > Terceira pessoa (pronome) > Nomes próprios
> Outros animados > Inanimados.
33
Payne e Barshi (1999) afirmam que em sentenças com posse externa há o
predomínio de construções com posse inalienável, em relação à posse alienável. Mais
precisamente os autores refinam a análise e propõem uma hierarquia para observar a
importância da inalienabilidade nas construções de posse externa. Observemos a
proposta dos autores no quadro 4.
Quadro 4 Hierarquia de inalienabilidade na posse externa
(PAYNE e BARSHI, 1999:14)
Ao comparar o quadro de Payne e Barshi (1999) com as construções de tópico
sujeito da amostra, notamos que é justamente nos dois primeiros níveis da hierarquia
que se encontram a maioria dos dados. Ou seja, o tópico sujeito do PB é um caso de
posse externa que ocorre, preferencialmente, em dois tipos de relações semânticas:
partes do corpo, como em (54) e (56), ou parte-todo, como em (55) e (57).
(56) Partes do corpo
a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra
ele não machucar (Fala espontânea)
b. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o meu
neto. (Fala espontânea)
c. A minha filha cresceu o cabelo muito rápido porque eu cortei o cabelo dela na
lua crescente (Fala espontânea)
(57) Parte-todo
a. O carro descarregou a bateria e eu não demorei pra sair de casa pra trabalhar
(Fala espontânea)
b. As árvore estragaram as fruta antes de amadurecer. Esse ano a gente tamo sem
jambo e manga...(Fala espontânea, Brasil)
Partes do corpo > Parte- todo > Outros inalienáveis > Alienáveis mais próximos
>Alienáveis mais distantes > Não posse
34
c. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta
da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que
possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no
laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas
respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais)
A preferência pela construção de posse externa em relações semânticas de parte-
todo ou de partes do corpo não é categórica, visto que há na amostra dados como o
expresso em (58) em que há uma relação de parentesco, a qual pode ser inserida como
“outros contextos inalienáveis” na hierarquia proposta por Payne e Barshi (1999).
(58) Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)
(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)
1.3 O tópico sujeito como expressão da posse externa em variedades
africanas do português.
Nesta nova seção apresento alguns dados que mostram que a construção de
tópico sujeito também é encontrada nas seguintes variedades africanas do português:
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. É importante
apontar que esses dados foram recolhidos na amostra do CRPC15
, em buscas on line e
nos corpora do projeto Vapor16
. O resultado da recolha é expresso no quadro 5 em que
apresento a distribuição dos dados por variedade do português e amostra consultada. Ao
total, há 10 dados de tópico sujeito distribuídos da seguinte forma: 3 dados do Português
de Angola, 2 dados do Português de Moçambique, 1 dado do Português de Cabo Verde,
1 dado do Português de Guiné Bissau e 3 dados do Português de São Tomé e Príncipe.
15
O CRPC é um corpus eletrônico da variedade europeia do português, bem como de variedades do
português oriundas do processo de colonização portuguesa (Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe, Goa, Macau e Timor Leste). A amostra contém 311,4 milhões de
palavras e abrange tipos de textos escritos (literários, jornalístico, técnico) e de registro oral (formal e
informal). O corpus do CRPC está disponível em http://alfclul.clul.ul.pt/CQPweb/ 16
O projeto Vapor tem por objetivo recolher dados de L1 e L2 faladas nas cinco variedades africanas do
português. O corpus está disponível em http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/184-vapor-african-varieties-of-
portuguese
35
Quadro 5 Distribuição da amostra considerando as variedades africanas do português e os corpora utilizados
Em (59-63), apresento os dez dados de tópico sujeito encontrados em variedades
africanas do português. Em (59), estão os três dados do Português de Angola; em (60),
os dois dados encontrados em amostras do Português de Moçambique; em (61), o único
dado que encontrei em amostras do Português de Cabo Verde; em (62), o único dado do
Português de Guiné Bissau; e, por fim, em (63), os três dados coletados em amostras do
Português de São Tomé e Príncipe.
(59) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o
álcool. (CRPC, Angola)
b. Benicio Del Toro, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Traffic
quebrou o pulso ao cair mal. (CRPC, Angola)
c. Depois o barbeiro encarava o aleijado e era como os seus sonhos quebrasse as
asas e tombasse naquela areia. (CRPC, Angola)
(60) a. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,
Moçambique17
)
b. O piloto quebrou a clavícula, fraturou o crânio e sofreu duas paradas
cardíacas. "Foi uma fatalidade. Estou muito triste".18
(Busca online,
Moçambique)
(61) a. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,
dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão
17
Este dado foi fornecido, gentilmente, pela professora Perpétua Gonçalves em conversa pessoal. 18
Retirado do site:
http://www.cofirve.org/site/s001/pagina.php?pagina=pag_noticiasVer.php&id=1267&idt=23
Angola Moçambique Cabo Verde Guiné Bissau São Tomé e Príncipe Total
Jornal 2
Revista
Vários 1
Livros 1
Oral 1
Escrito 1 2
Youtube
Fala espontânea 1
Vapor Entrevistas 1
Total 3 2 1 1 3 10
CRPC
Busca online
36
perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.
(CRPC, Cabo Verde)
(62) a. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)
(63) a. A lambreta Damião furou o pneu.19
(Busca online, São Tomé e Príncipe)
b. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas20
(Busca online, São Tomé e
Príncipe)
c. Eu dantes trabalhava num bar, da minha irmã, xxxx depois caí parti o braço,
desisti de lá trabalhar (VAPOR21
, São Tomé e Príncipe)
Observemos que todas as construções listadas entre (59-63) apresentam as
mesmas características daquelas que foram recolhidas e apresentadas na amostra do
Português Brasileiro. Assim, podemos dizer que, nas variedades africanas do português,
uma das formas de expressar a posse externa é o tópico sujeito. A seguir enumero
algumas das características presentes no tópico sujeito do Português da África que são
as mesmas observadas nos dados do português brasileiro.
Em todas as construções há dois tipos de posse: inalienável ou meronímica
O DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo
O papel temático do DP [+possuidor] é [+afetado/beneficiário]
O verbo de todas as sentenças é inacusativo
O predicado indica mudança de estado
Há constituintes descontínuos
Há DPs [+inanimado] e [+animado] na função de sujeito
Notemos nos exemplos em (64) algumas características do tópico sujeito. Em
primeiro lugar, observemos que (64a) e (64c-d) há posse inalienável. Por outro lado, em
(64b) e (64e) há posse meronímica. Em todas as sentenças o DP [+possuidor] checa o
19
Retirado do site:
http://siga.st/futebol/internacional/info/513277/a-lambreta-damiao-furou-o-pneu
20
Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/
21
Registro meu agradecimento ao professor Tjerk Hagemeijer por gentilmente ter me cedido a amostra de
São Tomé e Príncipe do projeto Variedades do Português (VARPOR)
37
Caso Nominativo. Do mesmo modo é importante ressaltar que os verbos “quebrar”,
“furar”, “murchar” e “cair” são classificados por Duarte (2013) como inacusativos.
Outras duas características comuns a todas as sentenças são: (i) presença dos
constituintes descontínuos, ou seja, os itens lexicais que carregam os traços semânticos
de [+possuidor] e [+possuído] se encontram em constituintes sintáticos distintos; (ii) em
todas as sentenças, o predicado indica mudança de estado.
(64) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o
álcool. (CRPC, Angola)
b. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,
Moçambique)
c. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,
dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão
perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.
(CRPC, Cabo Verde)
d. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)
e. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas22
(Busca online, São Tomé e
Príncipe)
Por fim, gostaria de ressaltar que os dados encontrados revelam que o traço de
animacidade observado pode ser [+animado], [+humano] ou [+inanimado]. Não é
possível, entretanto, apontar qual destes traços seja o preferencial do DP [+possuidor]
nas construções de tópico sujeito das variedades africanas do português dado o pequeno
número de dados.
1.4 Síntese do capítulo
A descrição das construções de tópico sujeito apresentadas nesse primeiro
capítulo comprovou a hipótese inicial de que este é um tipo de sentença em que há
posse externa. Há algumas características que são prototípicas e que fazem parte da
estrutura sintática do tópico sujeito, bem como da posse externa. A primeira propriedade
do tópico sujeito que destaco é o estabelecimento de uma relação de concordância entre
o DP [+possuidor] e o verbo inacusativo. Além disso, é possível destacar que há uma
22
Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/
38
relação de posse expressa sem a codificação de uma preposição capaz de checar o Caso
do DP [+possuidor]. É, sem dúvidas, essa propriedade que permite ao DP [+possuidor]
o alçamento para uma posição mais alta na sentença. Este alçamento, por sua vez, será o
caracterizador da formação da estrutura de posse externa.
É interessante destacar as propriedades que o tópico sujeito compartilha com a
posse externa. Conforme destaquei, a gramaticalidade de sentenças de tópico sujeito no
PB é restrita às sentenças em que há posse inalienável ou meronímica. Do mesmo
modo, o DP [+possuidor] tem o papel temático de [+experienciador] e o tipo de
predicado é, em geral, [+eventivo] ou [+estativo]. A síntese dessas propriedades pode
ser observada no quadro 6.
Quadro 6 Propriedades da posse externa nas línguas românicas x as propriedades da posse externa no PB e
nas variedades africanas do português
Na última seção deste capítulo, apresentei um total de 10 dados coletados em
amostras de variedades africanas do português e mostrei que o tópico sujeito é
encontrado não apenas no Brasil, mas também em outras ex-colônias portuguesas:
Guiné Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Cabo Verde que estão
destacadas na figura abaixo. Em Portugal, país colonizador de todas essas nações, por
outro lado, não foram encontrados dados de tópico sujeito.
Posse externa nas línguas
românicas em geral
Posse externa no PB: o
tópico sujeito
Posse externa nas variedades africanas
do português: o tópico sujeito
Mudança na grade argumental do verbo X X X
Caso Dativo X
Caso Nominativo XX
Redobro X
[+beneficiário/afetado] X X X
Traços X X X
Tipo de verbo: transitivos X
Tipo de verbo: Inacusativos X X
39
Figura 1 O tópico sujeito em ex-colônias portuguesas na América e na África
No que concerne aos dados de tópico sujeito encontrados nas variedades
africanas do português, é importante ressaltar que na maior parte das ex-colônias
portuguesas na África, a língua portuguesa é majoritariamente aprendida nos bancos
escolares. Isto é, não é uma língua materna. Este fato, claro, traz uma diferença na
análise dos dados em relação ao português brasileiro, entretanto, por agora, meu
objetivo era apenas apontar que há tópico sujeito nas variedades africanas do português
e que tal construção exibe a mesma característica de posse externa que foi descrita nos
dados do português brasileiro. Retomo esse tópico no quarto capítulo.
Diante da caracterização das construções de tópico sujeito como posse externa,
apresento, no próximo capítulo, uma análise diacrônica da posse externa x a posse
interna em textos de portugueses e brasileiros nascidos entre os séculos XVI e XX.
Passemos, então, ao capítulo dois.
40
Capítulo 2: As origens do tópico sujeito remontam ao
Português?
Neste capítulo, apresento uma análise diacrônica das construções de posse
externa x posse interna no português. O capítulo está organizado da seguinte maneira:
na seção 2.1, descrevo a amostra estudada e, na seção 2.2, apresento uma análise
quantitativa do fenômeno.
2.1 A amostra
Um dos problemas com que o pesquisador em Linguística Histórica se confronta
é a organização da amostra. Basicamente, se podem tomar dois caminhos: a busca por
manuscritos ou a recolha de materiais já editados. Nos dois casos, há problemas que
precisam ser enfrentados. Por um lado, os materiais manuscritos requerem uma
habilidade com a decodificação da grafia, por vezes impossibilitam identificar a autoria
e a datação do documento ou mesmo o estado do material não permite o manuseio
adequado. Por outro lado, as amostras editadas nem sempre apresentam as versões
originais e mesmo a metodologia filológica que foi utilizada durante a edição pode não
favorecer o desenvolvimento da pesquisa. Segundo Mattos e Silva (1989), ainda é
preciso destacar outras questões quando se fala na constituição da amostra para pesquisa
em Linguística Histórica, como por exemplo, o gênero do texto, a opção por trabalhar
com textos literários ou não literários, entre outros fatores. Nesta tese, ciente dos
problemas metodológicos, opto pela constituição de uma amostra que já se encontra
editada. Esta escolha foi condicionada, principalmente, pela baixa frequência dos dados
de tópico sujeito e, consequentemente, pela necessidade de que fosse utilizado um
número grande de textos. Nesse sentido, o corpus diacrônico é constituído por peças de
teatro escritas por autores portugueses e brasileiros, nascidos entre os séculos XVI e
XX. Além das peças de teatro, a fim de aumentar o número de dados do século XVII,
recorri a alguns textos que fogem a este gênero: Sermões e Cartas.
Todas as peças de teatro, Sermões e Cartas utilizadas foram recolhidas em
buscas on-line, nos acervos on-line da Biblioteca Digital de Peças de Teatro da
Universidade Federal de Uberlândia23
e do Centro de Estudos de Teatro da
23
A amostra da Biblioteca Digital de Peças de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia está
disponível em http://www.bdteatro.ufu.br/
41
Universidade de Lisboa24
, bem como no acervo de impressos da Biblioteca da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No que concerne ao acervo do Centro
de Estudos de Teatro, é preciso destacar que a transcrição dos textos obedece a alguns
critérios rigorosos: tendência à modernização da ortografia, eliminação de alguns erros
de tipografia e manutenção das marcas fonéticas. Entretanto, o restante das obras foi
coletado em publicações de livros ou em transcrições feitas para a internet, não sendo
possível determinar quais os critérios de edição que foram utilizados.
Há de se ressaltar que os gêneros textuais escolhidos para essa amostra trazem
algumas questões que precisam ser discutidas. Em um primeiro momento, nesta tese, há
obras escritas desde o século XVI até o XX. Portanto, estou tratando de textos escritos
em verso, mas também em prosa, visto que toda a produção de Luis de Camões, por
exemplo, é feita em verso, enquanto obras contemporâneas são majoritariamente
escritas em prosa. Conforme Cambraia (1996) destaca, um estudo em que há
comparação de um fenômeno do século XVI ao XX por meio de distintos gêneros
textuais “tem o inconveniente de misturar textos de diferentes naturezas” (CAMBRAIA,
1996:14). Entretanto, o que me permite usá-los é o fato de que independente da natureza
do texto há em todas as obras ou a tentativa da representação da fala por meio de um
texto escrito ou um texto que foi escrito para ser lido.
As peças de teatro são um gênero textual que é produzido para ser representado
e, por isso, há a construção de personagens. Esta última característica pode suscitar uma
discussão sobre que gramática está sendo expressa nas obras. Pode-se pensar que as
peças de teatro representam a gramática do autor. Porém é possível também considerar
que os dramaturgos tentam na constituição dos diálogos ressaltar características da fala
de cada um dos personagens. Assim, as peças podem também trazer traços que mostrem
as diferenças entre as distintas gramáticas. É importante ressaltar que a amostra de peças
de teatro dessa tese é constituída por dramas e comédias. É fato, entretanto, que nos
dramas, conforme Duarte (2013), há uma tendência maior à utilização de uma gramática
culta enquanto nas comédias a possibilidade da construção de personagens
estereotipados permite que sejam expressos traços de uma gramática vernacular. Assim,
no quadro 7, a fim de resolver este problema, faço um controle da tipologia da peça
teatral.
24
O site do Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa possui em seu acervo peças de teatro
de autores portugueses nascidos no século XVI. A amostra está disponível em http://www.cet-e-
quinhentos.com/info
42
Quadro 7 Os subgêneros presentes na amostra
É ainda importante ressaltar que esta amostra diacrônica é constituída por textos
que integram dois gêneros literários. Se por um lado as peças de teatro fazem parte do
gênero dramático, por outro lado as cartas e os sermões se caracterizam por pertencerem
ao gênero narrativo. Desde a Grécia Antiga, já havia nas discussões filosóficas a
tentativa de delimitar e caracterizar o que seriam os diversos gêneros literários.
Há uma primeira espécie de poesia e de ficção inteiramente
imitativa, que abrange, [...] a tragédia e a comédia; uma
segunda, em que os fatos são relacionados pelo próprio poeta, e
Lista de Autores Obra Subgêneros
Luís de Camões Auto Del rei Seleuvo Auto
Antônio Ferreira Comédia do Cioso Comédia
Baltasar Dias O Auto de Santo Aleixo Auto
Francisco Manuel de Melo O Fidalgo Aprendiz Comédia
Padre Antônio Vieira Sermão da Sexagésima Sermão
Frei Antônio das Chagas Cartas espitituais Carta
José da Cunha Brochado Cartas J.C. Brochado Carta
Antônio José da Silva Esopaida ou vida de Esopo Drama
Manuel Figueiredo Viriato Drama
Almeida Garrett Frei Luis Sousa Drama
Camilo Castelo Branco Espinhos e Flores Drama
Ramada Curto A Recompensa Drama
Norberto Ávila As Histórias de Hakim Drama
Martins Pena Os três médicos Comédia
José de Alencar O demônio familiar Comédia
França Junior Caiu o ministério Comédia
Machado de Assis Lição de Botânica Comédia
Arthur Azevedo O Oráculo Comédia
Abdon Milanez A centelha Drama
Roberto Gomes A casa fechada Drama
Nelson Rodrigues A falecida Drama
Maria Clara Machado O rapto das cebolinhas Drama
Dias Gomes O Santo Inquérito Drama
Plínio Marcos Balada de um palhaço Tragicomédia
Aziz Bajur Tudo isto e o céu também Comédia
Pedro Bandeira O Fantástico mistério da Feiurinha Comédia
Miguel Oniga Caratinga Blues Comédia
Ticha Vianna Birosca-Bral Comédia
Aloísio Villar Cabra Cega Drama
Yuri Montezuma A botija Comédia
Nilton Ribeiro O reino de borbolin Comédia
Adailton Alcper A lenda de Tonho cabreira Drama
Karen Lancerotti Ana e o mar Drama
Vinis Fernandes Lua cheia Drama
Portugueses
Brasileiros
43
hás de encontrá-la sobretudo nos ditirambos25
, e enfim uma
terceira, formada pela combinação das duas precedentes, em uso
na epopeia e em muitos outros gêneros. (PLATÃO).
Pela definição de Platão, estamos, pois, trabalhando com dados que provêm de
uma poesia ficcional inteiramente imitativa e de uma poesia que combina a ficção com
os fatos relacionados pelo próprio poeta. Nesse sentido, é possível dizer que o trabalho
com uma amostra que conjuga textos do gênero dramático e do gênero narrativo é
metodologicamente possível visto que em ambos há obras ficcionais.
No que concerne aos subgêneros dramáticos, Aristóteles já destacava que havia
uma divisão entre o drama e a comédia. De modo geral, atualmente, é possível dizer que
drama é um subgênero em que há cenários e personagens tristes e sombrios. As
comédias, por outro lado, são mais leves, sendo centradas em um personagem comum
que se defronta com os problemas da vida e que comete erros. Há ainda um terceiro
subgênero presente na amostra dessa tese: a tragicomédia.
Quanto à escolha do recorte temporal, ressalto que está relacionada a dois
fatores. O primeiro destes é o fato de o século XVI ser o período mais recuado em que
são encontradas peças de teatro em português. Especificamente, me refiro às obras de
Gil Vicente; por outro lado, as primeiras peças de teatro escritas por autores brasileiros
são do início do século XIX. Este também é o período em que Galves, Namiutti e
Paixão de Sousa (2006), considerando o período de aquisição da linguagem, afirmam
que emerge a gramática do Português Brasileiro. Desse modo, a amostra recobre um
período representativo da história do português que pode ser sintetizado em três
momentos: Português Clássico (século XVI e XVII), Português Europeu (a partir do
século XVIII) e Português Brasileiro (a partir do século XIX).
Apresento a seguir a lista das obras utilizadas na amostra desta tese,
considerando os autores, as suas respectivas datas de nascimento e os gêneros ou
subgêneros que caracterizam os textos.
25
Forma de lírica oral popularizada na Grécia Antiga de inspiração dionisíaca e própria de ocasiões
festivas. O ditirambo precede as comédias e as tragédias gregas.
44
Quadro 8 A amostra
Por fim, é possível dizer que a amostra diacrônica é composta por 34 textos que
recobrem o período de cinco séculos e que foram produzidos por brasileiros e
portugueses, nascidos entre 1524 e 1998. Na próxima seção, apresento os
procedimentos metodológicos utilizados na descrição quantitativa e na análise
qualitativa dos dados coletados.
2.2 Procedimentos Metodológicos
A análise quantitativa que será apresentada neste capítulo seguiu os seguintes
procedimentos metodológicos: coleta dos dados, codificação dos fatores
morfossintáticos, tratamento estatístico dos dados pelo programa Goldvarb-X
(SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2012), descrição e análise dos resultados.
Lista de Autores Data de Nascimento Obra Gênero
Luís de Camões 1524 Auto Del rei Seleuvo Auto
Antônio Ferreira 1528 Comédia do Cioso Comédia
Baltasar Dias Segunda metade XVI O Auto de Santo Aleixo Auto
Francisco Manuel de Melo 1608 O Fidalgo Aprendiz Comédia
Padre Antônio Vieira 1608 Sermão da Sexagésima Sermão
Frei Antônio das Chagas 1631 Cartas espitituais Carta
José da Cunha Brochado 1651 Cartas J.C. Brochado Carta
Antônio José da Silva 1705 Esopaida ou vida de Esopo Drama
Manuel Figueiredo 1725 Viriato Drama
Almeida Garrett 1799 Frei Luis Sousa Drama
Camilo Castelo Branco 1825 Espinhos e Flores Drama
Ramada Curto 1886 A Recompensa Drama
Norberto Ávila 1936 As Histórias de Hakim Drama
Martins Pena 1815 Os três médicos Comédia
José de Alencar 1829 O demônio familiar Comédia
França Junior 1838 Caiu o ministério Comédia
Machado de Assis 1839 Lição de Botânica Comédia
Arthur Azevedo 1855 O Oráculo Comédia
Abdon Milanez 1858 A centelha Drama
Roberto Gomes 1882 A casa fechada Drama
Nelson Rodrigues 1912 A falecida Drama
Maria Clara Machado 1921 O rapto das cebolinhas Drama
Dias Gomes 1922 O Santo Inquérito Drama
Plínio Marcos 1935 Balada de um palhaço Tragicomédia
Aziz Bajur 1938 Tudo isto e o céu também Comédia
Pedro Bandeira 1942 O Fantástico mistério da Feiurinha Comédia
Miguel Oniga 1953 Caratinga Blues Comédia
Ticha Vianna 1960 Birosca-Bral Comédia
Aloísio Villar 1977 Cabra Cega Drama
Yuri Montezuma 1983 A botija Comédia
Nilton Ribeiro 1987 O reino de borbolin Comédia
Adailton Alcper 1993 A lenda de Tonho cabreira Drama
Karen Lancerotti 1995 Ana e o mar Drama
Vinis Fernandes 1998 Lua cheia Drama
Portugueses
Brasileiros
45
Vejamos os contextos morfossintáticos controlados.
1. Tipo de posse: se o item [+possuidor] está dentro de um constituinte contínuo ou
descontínuo em relação ao DP [+possuído]
a. Posse interna
(65) É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, vadio! (Peça de teatro, O demônio
familiar, José de Alencar, 1829)
b. Posse externa
(66) Põe-lhe a mão na cabeça, e beija-lha (Peça de teatro, Espinhos e flores, Camilo
Castelo Branco, 1825)
2. Tipo de estrutura de posse: se na estrutura possessiva, havia um clítico, um DP ou um
sintagma preposicional.
a. Clítico
(67) Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,
desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de
Santo Aleixo, Baltasar Dias, segunda metade do século XVI)
(68) Que tal marido lhe fosses tu, como te é molher.
Tal molher me fosse ela, qual lhe eu sou marido. (Peça de teatro, Comédia do
Cioso, António Ferreira, 1528)
b. Sintagma preposicional
(69) É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, vadio! (Peça de teatro, O demônio
familiar, José de Alencar, 1829)
46
(70) Depois de alguma resistência, entre as vozes dos soldados dirá o rei. (Peça de
teatro, Esopaida ou vida de Esopo, Antônio José da Silva, 1705)
c. DP
(71) Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça de
lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A lagartixa ria
escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)
(72) Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de
joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o
choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,
1977)
3. Tipo de posse: Se a relação de posse era do tipo alienável, inalienável ou meronímica.
a. Posse alienável
(73) Não mereci a Deus essa esmola (Peça de teatro, Espinhos e flores, Camilo
Castelo Branco, 1825)
b. Posse inalienável
(74) Mas um homem já foi ferido, está entre a vida e a morte e a população quer a
cabeça do Majestade. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)
c. Posse meronímica
(75) No telão o relógio começa a passar o tempo mais rápido e as ações dos
personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de teatro, Ana e o Mar,
Karen Lancelotti, 1995)
4. Traço de animacidade do item [+possuidor]: Se o item [+possuidor] é [+animado],
[+humano] ou [+inanimado]
47
(76) [+inanimado]
Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de
joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o
choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,
1977)
(77) [+humano]
E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora.Á parte, indo-se depois
de lhe tomar as mãos Que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as
mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça de
teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)
5. Tempo: em que século o autor da peça de teatro, do sermão ou da carta nasceu.
a. XVI
(78) Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,
desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de
Santo Aleixo, Baltasar Dias, segunda metade do século XVI)
b. XVII
(79) Vós vedes quanto cachorro lhe vem fazendo terreiro? (Peça de teatro, O Fidalgo
Anprendiz, Francisco Manuel de Melo, 1608)
c. XVIII
(80) E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora. Á parte, indo-se depois
de lhe tomar as mãos Que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as
mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça de
teatro, Frei Luiz Souza, Almeida Garrett, 1799)
48
d. XIX
(81) É homem probo e honrado; tem a alma de um anjo. Far-te-á feliz. Isto posso eu
dizer porque o conheço há muito tempo. Tenho-lhe estudado o caráter; andamos
juntos na escola e desde êsse tempo dura a nossa amizade. (Peça de teatro, Os
três médicos, Martins Pena, 1815)
e. XX
(82) Beto serve os dois copos com a nova cerveja, dando aquela de jogar o restinho
da cerveja dele no chão, mas deixando o copo de Álfio como está. (Peça de
teatro, Caratinga Blues, Miguel Oniga, 1953)
6. Local: em que país o autor da peça de teatro, do sermão ou da carta nasceu.
a. Portugal
(83) Mato-o, ferve-lhe o sangue. (Peça de teatro, Comédia do Cioso, António
Ferreira, 1528)
(84) nas caras Estava escrito o firme sentimento Daquelas almas nobres, que se
rendem. (Peça de teatro, Viriato, Manuel Figueiredo, 1725)
b. Brasil.
(85) Sabe aquele gordao riu ate quase rachar o bico? (Peça de teatro, Balada de um
palhaço, Plínio Marcos, 1935)
(86) Cigana pega o rosto do Bobo Plin e oIha bem no fundo dos seus olhos. Depois
de um tempo, fala como se profetizasse. (Peça de teatro, Balada de um palhaço,
Plínio Marcos, 1935)
49
Apresentados os fatores morfossintáticos passo, na próxima seção, a tratar dos
resultados quantitativos dessa amostra.
2.3 Diacronia das construções de posse externa no português
Tendo em vista o que foi apresentado no primeiro capítulo sobre a relevância da
posse externa na descrição do tópico sujeito do PB, utilizo os fatores morfossintáticos
destacados na seção anterior para descrever quantitativamente, na diacronia, a relação
entre a emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro e a construção de posse
externa. A seção que segue está organizada assim: em um primeiro momento, apresento
a distribuição geral dos dados; posteriormente, a discussão passará a tratar da expressão
da posse externa x a posse interna nos textos de portugueses nascidos entre os séculos
XVI e XX. A seguir, trago os resultados da posse externa x posse interna nos textos de
brasileiros nascidos entre os séculos XIX e XX. E por fim, apresento uma análise em
que estabeleço uma relação entre a emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro
por um lado, e, por outro lado, a não emergência no Português Europeu.
Conforme mostrei no capítulo anterior, as construções de tópico sujeito se
constituem como sentenças em que há posse externa. Assim, fiz um levantamento de
571 sentenças em que há posse externa ou posse interna em peças de teatro, Sermões ou
Cartas escritos por portugueses e brasileiros. Na tabela 2, apresento a distribuição geral
dos dados. Observemos que há um número semelhante de dados de portugueses e
brasileiros. Entretanto, é preciso destacar que no Brasil a frequência de posse externa é
muito menor do que em Portugal, respectivamente, 22% e 43%. Essa diferença será
explicada nas seções seguintes e tem relação com uma mudança na diacronia do
Português Brasileiro que tornou a posse interna mais frequente.
Tabela 2 A distribuição geral dos dados de posse interna x posse externa
Total
N % N %
Posse interna 166 57% 219 78%
Posse externa 123 43% 63 22%
Total 289 282 571
BrasilPortugal
50
Outro fator que destaco nessa primeira observação dos dados é a relação entre o
tipo de estrutura de expressão da posse e o traço de inalienabilidade. Conforme
ressaltam Payne e Barshi (1999), a construção de posse externa é prototípica da posse
inalienável. Entretanto, são também gramaticais, segundo os autores, sentenças em que
há posse externa e há posse alienável. Na tabela 2, podemos verificar que os resultados
expressos pela amostra desta tese estão de acordo com a assunção de Payne e Barshi.
Observemos que apenas 11% das sentenças em que há posse alienável são estruturas em
que o item lexical [+possuidor] se encontra em um constituinte descontínuo a aquele em
que aparece o item [+possuído], como pode ser visto nos exemplos em (87).
(87) a. Como? Se todos meus trabalhos são segurar-lhe a fama contra a infâmia. (Peça
de teatro, Comédia do Cioso, António Ferreira, 1528)
b. Maria beija-lhe o escapulario e depois a mão; Magdalena somente o escapulário
(Peça de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)
c. Que mão. Santo Deus! Estou aqui, estou-lhe em casa (Peça de teatro, Caiu o
Ministério, França Junior, 1838)
d. Não sabia que lhe frequentavas a casa (Peça de teatro, A centelha, Abdon
Milanez, 1858)
Por outro lado, quando observados os resultados da posse inalienável,
verificamos que as frequências de uso da posse interna e da posse externa são muito
próximas, respectivamente, 54% e 46% das ocorrências. Do mesmo modo, a posse
meronímica apresenta uma frequência de 28% de construções com posse externa.
Semanticamente, seguindo Vergnaud e Zubizarreta (1992) e Kleiber (2002), é preciso
ressaltar que na posse inalienável e na meronímica há a codificação da relação parte-
todo.
Tabela 3 Distribuição geral do tipo de estrutura x tipo de posse
Total
N % N % N %
Posse interna 184 89% 188 54% 13 72%
Posse externa 22 11% 159 46% 5 28%
Total 206 347 18 571
Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica
51
Estruturalmente, sabemos desde Givón (1985) que uma leitura de parte-todo
ocorre quando o NP que apresenta o traço [+possuído] é uma parte intrínseca do NP
[+possuidor] que pode aparecer na função de sujeito ou de dativo possuidor, conforme
os já tradicionais exemplos do francês elencados pela autora e apresentados em (88).
Observemos que em (88a) o sujeito da sentença é o item [+possuidor], enquanto o item
[+possuído] exerce a função de objeto direto. Em (88b), o clítico dativo “lui” é o item
[+possuidor].
(88) a. Jean lève la main. (João levanta a mão)
b. Je lui ai coupé les cheveux. (Eu lhe cortei os cabelos)
A recolha de dados diacrônicos nesta tese permitiu mostrar que o PB e o PE têm
pelo menos duas estratégias para a expressão da posse inalienável. O uso do clítico
“lhe”, (89a), assim como ocorre no francês e pode ser visto (88b), mas também a
estratégia do tópico-sujeito expressa em (89b). Cabe acrescentar que uma sentença
como (89c) em que o DP sujeito tem o traço [+possuidor] também é gramatical no
Português Brasileiro
(89) a. Aperta-lhe com veemência as mãos; e a meia voz (Peça de teatro, Espinhos e
Flores, Camilo Castelo Branco, 1825)
b. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça
de lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. (Peça de
teatro, Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)
c. João levanta a mão.
Observemos que há uma diferença estrutural entre (89b) e (89c), ou seja, entre as
duas sentenças em que o item com traço [+possuidor] exerce a função de sujeito. A
diferença estrutural mencionada pode ser captada pela observação dos papéis temáticos
dessas sentenças. Enquanto em (90a) o sujeito origina-se em [Spec-TP] dado que o seu
papel temático é o de agente, em (90b), o sujeito se origina em uma posição pós-verbal,
visto que seu papel temático é de paciente.
(90) a. [Agente]João levanta a mão.
52
b. Quase que [paciente]o filho da puta rachou o bico de tanto rir. (Peça de teatro,
Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)
Os três tipos de estrutura sintática que, no PB e no PE, permitem a posse externa
são em geral construções em que há posse inalienável. No gráfico 1, abaixo, é possível
verificar que em toda a amostra desta tese as construções que envolvem a posse externa
são em 85% dos casos exemplos de posse inalienável.
Gráfico 1 Posse externa x Tipo de posse
Há de se ressaltar, entretanto, que conforme os exemplos em (87) há dados
também de posse alienável sendo expressos por meio da posse externa. Todavia, estes
correspondem a apenas 12% da amostra, restando os outros 3% aos casos de posse
meronímica, como os apresentados em (91). No que concerne à posse interna, o gráfico
2 mostra que a frequência de uso desse tipo de estrutura não é condicionada pelo traço
de inalienabilidade entre o termo [+possuído] e o [+possuidor]. Na verdade, as
frequências de posse alienável e inalienável são quase as mesmas, respectivamente,
48% e 49% dos dados.
Gráfico 2 Posse interna x Tipo de posse
12%
85%
3%
Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica
48%
49%
3%
Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica
53
Quanto à posse meronímica, os mesmos 3% de dados encontrados na posse
externa são também verificados na posse interna. Fato que indica serem construções
como as expressas em (91) e (92) marginais na língua portuguesa.
(91) a. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de
joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o
choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Ana e o mar, Karen
Lanceroti, 1995)
b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma
coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.
(Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)
(92) a. Se de cada areia do mar, de cada estrêla do Céu, de cada argueiro da terra, de
cada ervinha do campo, de cada fôlha das árvores, de cada letra dos livros
pudera fazer mil mundos de almas. (Cartas, Cartas Espirituais, Antônio das
Chagas, 1631)
b. Que sem isto para nada servem os bens do mundo, mais que para condenação
eterna. (Cartas, Cartas Espirituais, Antônio das Chagas, 1631)
Vemos, portanto, que os resultados gerais, ou seja, aqueles que foram obtidos
sem a separação das amostras do Brasil e de Portugal confirmam a descrição
apresentada no capítulo anterior de que a posse externa ocorre, preferencialmente,
quando há posse inalienável. Vejamos, então, o comportamento da posse externa e da
posse interna nos dados produzidos por portugueses.
2.4 O período entre os séculos XVI e XX na amostra de autores
portugueses.
Não é meu objetivo nessa tese discutir o sistema de posse do português europeu.
Meu objetivo é olhar para os dados produzidos por portugueses nascidos entre os
séculos XVI e XX e verificar em que medida eles podem contribuir para a descrição do
sistema de posse externa no Português Brasileiro. Para tanto, apresento a seguir, uma
54
série de tabelas e gráficos em que constam os resultados quantitativos da amostra de
textos escritos por portugueses.
A primeira observação que destaco é a de que os dados coletados indicam que há
três formas para expressar a posse nas gramáticas dos portugueses: o uso do clítico
“lhe” como dativo de posse, em uma estrutura de posse externa, tal qual pode ser
observado em (93). E duas estratégias para a expressão da posse interna. Na primeira
estratégia, que pode ser observada em (94), ocorre um dativo de posse, sendo codificado
pela preposição “a”. Por outro lado, os dados em (95) indicam a terceira estratégia, o
uso do genitivo de posse que é expresso por meio da preposição “de”.
(93) a. Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,
desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de
Santo Aleixo, Baltasar Dias, século XVI)
b. Entra o Mestre da dança, muito polido, fazendo mesuras; põe-se de joelhos
diante de D. Gil; pega-lhe nas mãos para lhas bejar. (Peça de teatro, O Fidalgo
Aprendiz, Francisco Manuel de Melo, 1608)
(94) a. Porque foi a gente tanta que não ficou capa com frisa, nem talão de sapato que
não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, quiseram entrar por
força, ei-lo arrancamento na mão. Deram ũa pedrada na cabeça ao Anjo e
rasgaram ũa meia calça ao Ermitão. (Peça de teatro, Auto Del rei Seleuco, Luís
de Camões, 1524)
b. Porque foi a gente tanta que não ficou capa com frisa, nem talão de sapato que
não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, quiseram entrar por
força, ei-lo arrancamento na mão. Deram ũa pedrada na cabeça ao Anjo e
rasgaram ũa meia calça ao Ermitão, e agora diz o Anjo que não há de entrar até
lhe não darem ũa cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem ũa estopada na
calça. Este pantufo se perdeu, assi mande-o vossa mercê domingo apregoar nos
púlpitos, que não quero nada do alheo. (Peça de teatro, Auto Del rei Seleuco,
Luís de Camões, 1524)
(95) a. Mais chorou e chora hoje em dia aquele filho do mercador biscainho. (Peça de
teatro, Comédia do Cioso, António Ferreira, 1528)
55
b. Filha, vós deveis de dar graças ao Rei dos Reis. (Peça de teatro, O Auto de
Santo Aleixo, Baltasar Dias, século XVI)
A observação dos três tipos de estratégias de posse ao longo do tempo revela que
no século XVI havia duas estratégias capazes de expressar a posse por meio do Caso
dativo, a saber, a posse externa com o clítico “lhe” e a posse interna com a preposição
“a”. Entretanto, na passagem do século XVI para o XVII, há uma queda na frequência
de uso da estratégia em que há a preposição “a”. No período entre os séculos XVII e
XX, a posse interna com a preposição dativa atinge respectivamente as frequências de
1%, 2%, 2% e 0%, ou seja, é possível dizer que tal construção já é um fóssil linguístico,
não sendo, portanto, um dado de input robusto para o período de aquisição da
linguagem dos portugueses.
Desta maneira, o resultado expresso no gráfico 3 indica que a partir do século
XVII há ainda uma oposição entre posse com dativo x posse com genitivo, mas o Caso
passa a representar o tipo de estrutura de posse. Em outras palavras, o Caso Dativo é
checado quando há posse externa e as construções de posse interna tornam-se restritas
àquelas em que o item [+possuidor] checa o Caso genitivo.
Gráfico 3 As estratégias de posse na amostra de portugueses.
Quando observados os resultados expressos no gráfico 3, é importante ressaltar
que em números absolutos a construção que envolve a expressão da posse por meio do
Caso dativo em uma estrutura de posse interna é pouco produtiva. Assim, por exemplo,
11%
1% 2% 2% 0%
57% 54%
44%
63%56%
32%
45%
54%
35%
44%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
XVI XVII XVIII XIX XX
A DE LHE
56
nos séculos XVII, XVIII e XIX, há apenas um dado desse tipo de estrutura, conforme a
tabela 4.
Tabela 4: As estratégias de expressão de posse na amostra de portugueses.
Dessa maneira, a partir dos resultados expressos no gráfico 3 e na tabela 4, opto
por amalgamar os dados de posse interna, analisando-os em comparação à estratégia de
posse externa. Observemos na tabela 5 que, durante cinco séculos, há variações muito
pequenas nas frequências de uso dos dois tipos de estruturas de posse. No século XVI,
por exemplo, há 68% de sentenças com posse interna enquanto no século XX há uma
pequena queda nesta frequência. Especificamente, atinge 52% dos dados. Ao mesmo
tempo, quando observamos a posse externa há um pequeno aumento na sua frequência
de uso, visto que no século XVI há 32% de ocorrências enquanto no século XX há 48%.
Tabela 5 Distribuição do tipo de estrutura de posse ao longo do tempo
Ao observar o gráfico 4, é interessante notar que no século XVIII as curvas que
representam a posse interna e a posse externa se cruzam. Esse resultado poderia indicar
a emergência da gramática do Português Europeu em detrimento à gramática do
Português Clássico. No sentido de que a gramática do Português Europeu apresentaria
preferencialmente posse externa. Entretanto, o quadro que vemos nos séculos XIX e XX
é novamente a frequência de posse interna sendo mais alta do que a frequência de posse
externa, estando os dois tipos de estruturas em competição, com frequências de uso
muito próximas.
N % N % N % N % N %
A 6 11% 1 1% 1 2% 1 2% 0 0%
DE 30 57% 57 54% 20 43% 33 63% 15 56%
LHE 17 32% 47 45% 25 54% 18 35% 12 44%
Total 53 105 46 52 27
XVI XVII XVIII XXXIX
Total
N % N % N % N % N %
DE/A 36 68% 60 56% 21 46% 34 64% 15 52%
Clítico 17 32% 47 44% 25 54% 19 36% 14 48%
Total 53 107 46 53 29 288
XVI XVII XVIII XIX XX
57
Gráfico 4 Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses
Desta maneira os resultados até aqui apresentados não indicam que a gramática
do Português Europeu tem como característica a expressão da posse via uma estrutura
de posse externa. É preciso, entretanto, ressaltar que na tabela 5 estão dispostos de
forma conjunta os dados dos três tipos de posse e como vimos, anteriormente, a posse
externa é mais frequente em estruturas com posse inalienável, em dados como os
expressos em (96).
(96) a. ajoelhando e beijando-lhe a mão_. Senhora... senhora D. Magdalena, minha
ama, minha senhora... castigae-me... mandae-me já castigar, mandae-me cortar
ésta lingua pêrra que não toma insino. (Peça de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida
Garrett, 1799)
b. E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora.Á parte, indo-se
depois de lhe tomar as mãos que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-
lhe as mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça
de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)
Todavia, quando observamos os resultados considerando o tipo de posse não é
possível, a partir dessa amostra, afirmar que a posse externa é prototípica na posse
alienável ou na posse inalienável. Entretanto, podemos dizer que na posse alienável a
construção de posse externa aumenta a frequência de uso ao longo do tempo.
Observemos que no século XVI é quase categórica a utilização da posse interna na
posse alienável, por outro lado, no século XX há competição entre os dois tipos de
estruturas de posse.
68% 56%
46%
64% 52%
32% 44%
54%
36% 48%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
XVI XVII XVIII XIX XX
DE/A Clítico
58
Gráfico 5 Tipo de posse x Tipo de estrutura ao longo do tempo na amostra de portugueses
A partir da tabela 6 é possível observar que as construções de posse externa no
português europeu sempre apresentam o traço [+humano]. Essa característica tem
íntima relação com o Caso que é checado pelo clítico “lhe”, o dativo.
Tabela 6 Traço de animacidade x Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses
Vale ressaltar que uma busca rápida no google permite mostrar que, em
Portugal, há outra forma de expressão da posse externa que não envolve o clítico “lhe”.
Em sentenças como (97) há um DP na posição de sujeito que tem o traço [+possuidor]
em relação ao termo que ocupa a posição de objeto. Mesmo nessas construções a busca
no google encontrou apenas dados em que o sujeito tem o traço [+animado] ou
[+humano].
(97) a. Uma em cada cinco pessoas não lava as mãos depois de utilizar a casa-de-
banho, aumentando o risco de transmissão de doenças infecto-contagiosas
(Acessado em 25/09/2015. Disponível em http://www.quartzquality.com/Sabia-
que/Uma-em-5-pessoas-nao-lava-as-maos-depois-de-ir-a-casa-de-banho)
51%
95%
54% 56%
35%
67% 62%74%
53%58%
49%
5%
46% 44%
65%
33% 38%26%
47%42%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
XVI XVII XVIII XIX XX
Posse Interna Posse Externa
N % N % N % N % N %
Posse interna 33 65% 48 48% 16 39% 13 43% 11 46%
Posse externa 18 35% 52 52% 25 61% 17 57% 13 54%
Total 51 100 41 30 24
Posse interna 3 100% 14 100% 5 100% 1 100% 4 100%
Posse externa 0 0% 0 0% 0 0% 0 0% 0 0%
Total 3 14 5 1 4
XIX XX
Humano
Inanimado
XVI XVII XVIII
59
No que concerne à sintaxe de construções como (97), é preciso ressaltar que o
DP [+possuidor] tem o papel temático de agente, e, portanto, “nasce” na posição de
[Spec-TP] e lá já checa o Nominativo.
2.4.1 A relevância dos dados do Português Clássico e Português Europeu
Em síntese, os resultados da análise dos dados na amostra de textos portugueses
revelam algumas características que precisam ser ressaltadas.
A posse externa nas gramáticas dos lusitanos pode ser expressa por meio do
clítico “lhe” ou por uma construção com um DP na posição de sujeito, desde que
esse tenha o papel temático de [+agente].
A posse externa ocorre tanto em contextos em que há posse alienável quanto em
contextos em que há posse inalienável.
As construções de posse externa ocorrem apenas quando o item [+possuidor]
tem o traço [+animado] ou [+humano].
Os resultados apresentados indicam que três tipos de estruturas são possíveis
nessas gramáticas: o uso da preposição “a” ou do clítico “lhe”, indicando o dativo de
posse e o uso da preposição “de”, indicando o genitivo de posse. Não há dados na
amostra que indiquem a expressão da posse por meio do alçamento de um DP. Em
outras palavras, não há tópico sujeito. Proponho, então, discutir os resultados acerca da
posse externa x posse interna em dados produzidos por brasileiros nascidos entre os
anos de 1801 e 2000, portanto, entre o início do século XIX e o final do século XX.
2.5 A posse externa no Português do Brasil
A primeira observação que destaco é a variação na frequência de uso da posse
externa x a posse interna em dados produzidos por brasileiros. Observemos na tabela 7
que no século XIX a frequência de uso dos dois tipos de posse está em competição,
visto que, na primeira metade do século XIX, 64% dos dados são de posse interna,
alcançando 70% de uso na segunda metade deste século. Ao longo do século XX, a
60
construção de posse interna torna-se ainda mais frequente e chega a quase ser categórica
na última metade, quando 91% dos dados correspondem à posse interna.
Tabela 7 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB
Estou, portanto, trabalhando com um tipo de construção, a posse externa, que no
PB é bem menos frequente do que a construção de posse interna. Mais do que a baixa
frequência da posse externa ao final do século XX, a tabela 7, assim como o gráfico 6
abaixo, revelam que já houve um tempo em que a posse externa era mais produtiva
apesar de, nesse período, nunca ter superado a frequência de uso da posse interna.
Gráfico 6 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB
Uma possível explicação para o aumento da frequência de uso da posse interna,
ou seja, da construção em que o DP [+possuidor] está foneticamente realizado dentro do
DP ao qual se adjunge, como pode ser visto nos exemplos em (98), está na mudança do
paradigma pronominal da expressão de posse do PB.
N % N %
1801-1850 49 64% 28 36%
1851-1900 40 70% 17 30%
1901-1950 75 82% 16 18%
1951-2000 49 91% 5 9%
Posse Interna Posse Externa
64% 70%82%
91%
36% 30%18%
9%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Posse Interna Posse Externa
61
(98) a. Anda lá!.. Oh! Meu Deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o
quarto do senhor; depois mano vem e fica maçado. (Peça de teatro: O demônio
familiar, José de Alencar, 1829)
b. OH! Estás, aí com o Renato? Já conseguiste algumas palavras dele? (Peça de
teatro, A centelha, Abdon Milanez, 1858)
c. É este mesmo. Seu Camaleão Alface, cujo verdadeiro nome é Camaleão
Tiririca, roubou a horta da rainha Elizabeth e fugiu para o Brasil. (Peça de teatro,
O rapto das cebolinhas, Maria Clara Machado, 1921)
Estou, especificamente, me remetendo à mudança no paradigma das formas
possessivas do PB apontada, por exemplo, por Silva (1984) e Cerqueira (1996) em que
um paradigma com seis formas genitivas é reduzido para um paradigma com apenas três
formas, como pode ser visto no quadro 9. Especificamente, na terceira pessoa,
observemos que passam a ser prototípicas formas analíticas em detrimento do primeiro
paradigma em que havia formas sintéticas.
Primeiro paradigma Segundo paradigma
Primeira pessoa (singular) Meu Meu
Segunda pessoa (singular) Teu Seu
Terceira pessoa (singular) Seu Dele
Primeira pessoa (plural) Nosso Nosso
Segunda pessoa (plural) Vosso De vocês
Terceira pessoa (plural) Seus Deles
Quadro 9 Os dois paradigmas do sistema de possessivos do PB
É preciso ressaltar também que o aumento da frequência de uso das formas
analíticas não se dá apenas em estruturas de “de + pronome”, mas também em
construções de “de + DP”. O importante, na verdade, diante da mudança no paradigma
pronominal dos possessivos é que a posição de adjunto esteja preenchida. Na construção
de posse externa, há uma categoria vazia na posição de adjunto, por outro lado, nas
construções que tenho chamado de posse interna essa mesma posição está sempre
preenchida. Assim, posso refazer o gráfico 6, apontando uma distinção entre adjunto
62
nulo x adjunto pleno. Os resultados indicam, como pode ser visto no gráfico 7, a
tendência ao aumento da frequência de adjuntos plenos.
Gráfico 7 Adjuntos plenos x Adjuntos nulos ao longo do tempo na marcação da relação de posse no PB
No que concerne aos adjuntos plenos, ou seja, à posse interna, dois tipos de
estruturas de adjunção são possíveis no PB, no período de 1801 a 2000. No início do
século XIX, são gramaticais construções como (99) em que há uma estrutura de “a +
DP” com a relação de posse sendo expressa por meio da checagem do Caso dativo. Há
também, a estrutura com “de + DP/pronome”, como as expressas em (100), que, sem
dúvida alguma, predomina na amostra e em que a relação de posse é expressa por meio
da checagem do Caso genitivo.
(99) Simples; é aquele que acabo de empregar e que V. Mce estranhou. Tire ao amor
os obstáculos que o irritam, a distância que o fascina, a contrariedade que o cega,
e ele se tornará calmo e puro como a essência de que dimana. (Peça de teatro, O
demônio familiar, José de Alencar, 1829)
(100) a. A Espada de Dâmocles, trazendo o grande escândalo da Câmara dos Deputados,
a história do ministério, o movimento do porto, e também trazendo o assassinato
da rua do Senado. (Peça de teatro: Caiu o Ministério, França Junior, 1838)
b. Ajoelha-se inclinando o corpo sobre o regaço de D. Helena (Peça de teatro:
Lição de Botânica, Machado de Assis, 1839)
64%70%
82%
91%
36%30%
18%
9%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Adjunto pleno Adjunto Nulo
63
c. Abrace o amigo do senhor seu pai (Peça de teatro: A centelha, Abdon Milanez,
1858)
d. Se faz questão destas respostas decadentes e óbvias o nome dele era Leonardo
mas agora é Dog. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também, Azis Bajur, 1938)
e. Os desenhos dele são uma obra de arte (Peça de teatro: Birosca Bral, Ticha
Vianna, 1960)
Por outro lado, nas construções de posse externa, ou seja, naquelas em que há
uma categoria vazia na posição de adjunto, também há, no PB, duas estruturas para
expressar a relação de posse. A primeira estrutura é aquela em que ocorre um clítico,
como nos exemplos em (101), que checa o Caso dativo. Observemos que em sentenças
como (101), o clítico “lhe” é correferente à categoria vazia dentro do DP. É, portanto,
um exemplo de uma estrutura em que o DP [+possuidor] está sintaticamente ligado ao
verbo da sentença e semanticamente estabelece uma relação de posse com o DP
[+possuído].
(101) a. Cale-se ou tapo-lhei a boca [-]i. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também,
Azis Bajur, 1938)
b. Não sabia que lhei frequentavas a casa [-]i. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu
também, Azis Bajur, 1938)
c. Fui chegando de mansinho até a janela, que tinha ficado entreaberta, e espiei
lá para dentro. Gente! Estava o Matias com os olhos a saltar, agarrado à mulher,
torcendo-lhei os braços [-]i. E batendo-lhei com a cabeça [-]i no chão (Peça de
teatro: A casa fechada, Roberto Gomes, 1882)
A outra estrutura de posse externa que encontro na amostra de peças de teatro
escritas por autores brasileiros nascidos a partir do século XIX é o tópico sujeito.
Observemos que nas sentenças em (102), a posse externa não é marcada por um clítico,
mas sim por um DP. Se por um lado, o clítico das sentenças em (101) checa o Caso
dativo, o DP das sentenças em (102) checa o Caso nominativo.
(102) a. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça
de lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A lagartixa ria
escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)
64
b. Eu olhei para aquelas estranhas visitas, tão ou mais preocupado do que elas,
temendo o momento em que, em minha própria casa, uma daquelas heroínas
desapareceria, quebraria uma perna, prenderia o dedo numa porta ou se afogaria
na banheira. (Peça de teatro: O Fantástico mistério de feiurinha, Pedro Bandeira,
1942)
c. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma
coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.
(Peça de teatro: Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)
Já é possível, portanto, notar que há uma diferença do PB em relação ao PE e ao
Português Clássico, visto que há outra via para expressar a posse externa: um DP
nominativo. A pergunta que fica muito clara nesse momento é: em que período
começam a emergir os primeiros dados de tópico sujeito? A fim de tentar responder a
esta pergunta, apresento a tabela 8.
Observemos, primeiramente, que a maioria dos dados corresponde à estrutura
em que há as preposições “a” ou “de”, ou seja, casos de posse interna. No que concerne
à posse externa, o primeiro dado de DP [+possuidor] alçado para a posição de sujeito foi
encontrado em uma peça de teatro escrita por um autor nascido na segunda metade do
século XIX. Ao longo dos séculos, a frequência de uso do clítico “lhe” diminui e
progressivamente há um aumento na frequência da posse externa com um DP
[+possuidor] na posição de sujeito. É interessante observar que na última metade do
século XX a frequência de uso da construção de posse externa com DP já é maior do
que a frequência de uso da construção de posse externa com o clítico “lhe”,
respectivamente, 8% e 1% das ocorrências.
Tabela 8 Tipo de sintagma que expressa posse ao longo do tempo no PB
É fato que a tabela 8 torna evidente a emergência de uma nova via para
expressar a posse externa no PB a partir da segunda metade do século XIX. Entretanto,
N % N % N %
1801-1850 51 64% 25 36% 0 0%
1851-1900 40 70% 16 28% 1 2%
1901-1950 75 82% 13 14% 3 4%
1951-2000 49 91% 1 1% 4 8%
DE/A CLÍTICO DP
65
a comparação da construção com clítico ou DP com o uso da preposição “de/a” pode
esconder o que está acontecendo, especificamente, em dados que envolvem a posse
externa. Dessa maneira, apresento a tabela 9 em que são considerados apenas os dados
de posse externa.
Observemos, primeiramente, que na primeira metade do século XIX as
construções de posse externa no PB são restritas às estruturas em que há o clítico “lhe”.
O uso categórico do clítico “lhe” na primeira metade do século XIX é idêntico ao
padrão que observamos no PE e no Português Clássico, gramáticas em que a única
estrutura capaz de expressar a posse externa é exatamente o uso do clítico dativo.
Tabela 9 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB
Já, na segunda metade do século XIX, é encontrado um dado ambíguo de posse
externa com um DP na posição de sujeito, como ilustrado em (103a). O primeiro ponto
a destacar é que este é um dado em que parece haver um tópico nulo na posição de
sujeito. Notemos que a categoria vazia dentro do DP que tem como núcleo o DP
[+possuidor], se comporta como um pro e como tal precisa ser livre no seu domínio de
vinculação a fim de que a sentença convirja. Ou seja, é necessário que ocorram as
operações de mover e concatenar do DP [+possuidor] para a posição de sujeito da
oração que tem o verbo “morrer” e, novamente, as mesmas operações do DP
[+possuidor] na oração em que há o verbo “ser”. Isso porque a categoria vazia abaixo
do verbo morrer precisa de um correferente.
(103) a. Henriquetai também era órfã de mãe, e de um dia para outro, proi morreu o pai
proi, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e
cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua
colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que
viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,
Abdon Milanez,1858)
N % N %
1801-1850 25 100% 0 0%
1851-1900 16 94% 1 6%
1901-1950 13 81% 3 19%
1951-2000 1 18% 4 88%
DPCLÍTICO
66
b. Henriquetai também era órfã de mãei, e de um dia para outro, morreu o pai [-
]i, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e
cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua
colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que
viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,
Abdon Milanez,1858)
Observemos ainda que, independente da análise, o dado expresso em (103) é a
primeira evidência que encontro em que há uma nítida relação de posse externa
expressa sem um clítico dativo junto ao verbo. O fato de haver um sujeito nulo/tópico
nulo com o verbo “morrer” vai ao encontro à característica de o português no século
XIX do Brasil ser tipicamente prodrop. Em (103a), há uma relação de coordenação
entre a oração em que está o termo antecedente e a oração em que está a categoria vazia:
um contexto em que, prototipicamente, há sujeitos nulos.
O processo de mudança linguística que se inicia na primeira metade do século
XIX tem continuidade e é possível observar que há uma relação inversamente
proporcional entre o aumento da frequência de uso de DPs na posição de sujeito e a
diminuição da frequência de uso do clítico “lhe” em construções de posse externa, como
pode ser visto no gráfico 8 que apresenta os mesmos índices da tabela 9. Observemos
que na passagem da primeira metade do século XX para a segunda metade desse mesmo
século as frequências de uso do clítico e do DP expressando a posse externa são
invertidas.
Gráfico 8 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB
100% 94%
81%
20%
0% 6%
19%
80%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1800-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Clítico DP
67
É interessante observarmos que o início do século XX é o momento em que são
encontrados diversos casos de mudanças linguísticas que caracterizam o português
brasileiro: aumento da frequência de uso de sujeito pleno, objeto nulo, mudança no
sistema pronominal. Portanto, a mudança que se apresenta na posse externa e a
consequente emergência do tópico sujeito são mais um fenômeno que caracteriza a
gramática do PB.
Se há nitidamente uma mudança na posse externa, é necessário verificar quais os
contextos sintáticos que favorecem essa mudança. A fim de analisá-los, na próxima
seção, discuto uma das questões mais importantes na posse externa que é o tipo de
posse (PAYNE e BARSHI, 1999), ou seja, se é inalienável ou alienável.
2.5.1 A relação entre o tipo de posse e a emergência do tópico sujeito no PB
No primeiro capítulo, quando apresentei o tópico sujeito como um caso de posse
externa, mostrei que uma das principais características desse tipo de construção é ser
mais frequente em sentenças com posse inalienável. Em virtude desta propriedade, as
hipóteses que nortearão essa seção são: (i) a posse externa será mais frequente em
construções com posse inalienável; (ii) a mudança na expressão de posse externa está
nas construções em que há posse inalienável.
Observemos, inicialmente, na tabela 10, que a distribuição geral dos dados
mostra que a posse externa predomina em construções que envolvem uma posse
inalienável, visto que em 36% das ocorrências desse tipo de posse há uma estrutura de
posse externa. É evidente, entretanto, que esse tipo de estrutura não é o mais frequente
na amostra do PB, assim como também não o foi na amostra do Português Clássico e do
Português Europeu, visto que em 64% das ocorrências há posse interna.
Tabela 10 Distribuição geral do tipo de posse x estrutura de posse
N % N %
Posse Inalienável 98 64% 57 36%
Posse Alienável 115 93% 9 7%
Total 213 66 279
Posse Interna Posse Externa
68
É preciso ressaltar que a tabela 10 também revela que a construção de posse
externa não está restrita a dados em que há posse inalienável, como nas sentenças em
(104), mas que pelo contrário, há nove dados de posse externa com posse alienável, dos
quais alguns são apresentados em (105).
(104) a. Não tenhas mêdo...Em primeiro lugar, porque êle não quererá também
denunciar-te; em segundo, por ainda teres fortuna para lhe pagares a discrição. O
tratante achou em ti uma mina de caroço. (Peça de teatro: Os três médicos,
Martins Pena, 1815)
b. fugindo-lhe dos braços Experimentar-me! Não compreendo! Se de nada
sabias, como e por que me lançaste em rosto a minha culpa? (Peça de teatro: O
oráculo, Arthur Azevedo, 1855)
c. Entra Florípedes puxando Simeão pela mão. Sobe no banco e com pequenos
miados e grandes gestos procura convencer Simeão, falando-lhe ao ouvido.
(Peça de teatro: O rapto da cebolinha, Maria Clara Machado, 1921)
d. Vagarosamente, Branca de Neve levanta a cabeça e dirige o olhar para o
Escritor a sua frente, ainda segurando-lhe as mãos. Juntos, os dois compreendem
o que acontecera com Feiurinha. (Peça de teatro, O Fantástico mistério de
feiurinha, Pedro Bandeira, 1942)
(105) a. baixo, puxando-lhe a manga (Peça de teatro, O demônio Familiar, José de
Alencar, 1829)
b. Que mão. Santo Deus! Estou aqui, estou-lhe em casa (Peça de teatro, Caiu o
Ministério, França Junior, 1838)
c. Uma paixão louca de meu sobrinho pode impedir que... Minhas senhoras, não
desejo roubar-lhes mais tempo. (Peça de teatro, Lição de Botânica, Machado de
Assis, 1839)
d. Bem se vê que você sofre da bola. Então supõe que eu vou guardar o recibo
sem lhe pagar o trabalho que não produziu? (Peça de teatro, A centelha, Abdon
Milanez, 1858)
Observemos que a presença de construções com posse alienável está de acordo
com a hierarquia de inalienabilidade proposta por Payne e Barshi (1999), visto que as
69
construções com esse tipo de posse são menos frequentes na amostra do que aquelas
que expressam a posse inalienável.
Quadro 10 Hierarquia de Inalienabilidade x Alienabilidade na posse externa
(Retirado de PAYNE e BARSHI, 1999:14)
No que concerne à posse inalienável, é possível destacar que há dados que
expressam uma relação de partes do corpo, parte-todo, assim como relações de
parentesco como pode ser visto, respectivamente, nos exemplos em (106-108).
Entretanto, não é possível afirmar que a escala de posse inalienável é corroborada, visto
que não fiz um controle dos diversos tipos de posse inalienável.
(106) a. Cale-se ou tapo-lhe a boca. (Peça de teatro, A centelha, Abdon Milanez, 1858)
b. Depois... Ele puxava-lhe os cabelos, torcia-lhe os braços, sacudindo-a e
repetindo sempre com raiva: "Diga o nome... Diga o nome! (Peça de teatro, A
casa fechada, Roberto Gomes, 1882)
(107) a. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de
joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o
choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,
1977)
b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma
coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.
(Peça de teatro: Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)
(108) a. Henriquetai também era órfã de mãe, e de um dia para outro, [-]i morreu o pai
[-]i, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e
cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua
colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que
viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,
Abdon Milanez, 1858)
Partes do corpo > Parte- todo > Outros inalienáveis > Alienáveis mais próximos
>Alienáveis mais distantes >Não posse
70
Os resultados apresentados na tabela 10 mostram a competição dos tipos de
posse nas estruturas de posse interna e externa. Esses resultados já são, inegavelmente,
importantes para o desenvolvimento do trabalho, visto que já permitem confirmar a
primeira hipótese que levantei para essa seção: a posse externa ser mais frequente em
construções em que haja posse inalienável.
É importante ainda observar, nessa distribuição geral, como se dá a frequência
de uso dos dois tipos de posse considerando apenas a estrutura de posse externa.
Observemos na tabela 11 que a maior frequência de posse externa está na posse
inalienável, correspondendo a 86% dos dados.
Tabela 11 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB
A posse alienável apesar de ser menos frequente pode ser considerada produtiva
como evidenciam a tabela 11 e o gráfico 9 em que é possível verificar que há 14% de
dados de posse externa em construções que envolvem sentenças com posse alienável.
Gráfico 9 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB
Dessa maneira a tabela 11 e o gráfico 9 somam-se à tabela 10 e ajudam a
confirmar a primeira hipótese dessa seção de que a posse externa é mais frequente em
N %
Posse Inalienável 57 86%
Posse Alienável 9 14%
Total 66
Posse Externa
86%
14%
Posse Inalienável Posse Alienável
71
construções em que haja posse inalienável. Por outro lado, não permitem ainda refutar
ou confirmar a segunda hipótese dessa seção: a mudança na expressão de posse externa,
ou seja, a diminuição da frequência o uso do clítico “lhe” e o aumento da frequência do
DP, está nas construções em que há posse inalienável. A fim de verificar essa hipótese,
é necessário observarmos os resultados ao longo do tempo.
2.5.2 O tipo de posse x o tipo de estrutura: uma análise na diacronia
Proponho, para essa seção, que seja observada em uma perspectiva diacrônica a
relação entre o tipo de posse e a estrutura que codifica essa noção semântica, ou seja, se
há posse interna ou externa. Observemos, primeiramente, que a tabela 12 evidencia um
padrão em que novamente a posse externa é mais frequente em sentenças que envolvem
a posse inalienável. No primeiro período, ou seja, com autores nascidos na primeira
metade do século XIX, a construção de posse inalienável é preferencialmente realizada
sob a forma de posse externa. Em 52% das ocorrências de posse inalienável, nesse
período, há uma relação de posse externa. Por outro lado, a frequência da posse externa
em contextos de posse alienável é muito menor, apenas 17%. Há nitidamente uma
competição muito maior entre o uso de posse interna ou externa quando ocorre a posse
inalienável.
Outro ponto interessante a ser destacado na tabela 12 é como a posse interna vai
ao longo do tempo ganhando espaço em contextos de posse inalienável. Refiro-me ao
fato de que se na primeira metade do século XIX, há uma nítida variação entre os dois
tipos de estruturas de posse, isto é, 48% de posse interna e 52% de posse externa, na
segunda metade desse mesmo século, as frequências de uso ainda estão muito próximas,
mas a posse interna já supera a frequência da posse externa, especificamente, 53% de
posse interna e 47% de posse externa. Na passagem do século XIX para o XX, a posse
interna ganha ainda mais força e chega ao final do século XX com uma frequência de
uso de 81% das ocorrências.
72
Tabela 12 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do tempo no PB
Se por um lado, é muito nítida a mudança que se procede na posse inalienável, o
outro tipo de posse, a alienável, que já tinha uma baixa frequência de posse externa na
primeira metade do século XIX, especificamente 17% das ocorrências, chega ao final do
século XX com a realização categórica de posse interna, como pode ser visto de modo
mais claro no gráfico 10 abaixo. Ou seja, se consolida assim a posse interna como a
estrutura prototípica da gramática do PB, independente do tipo de posse.
Gráfico 10 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do tempo no PB
Ainda assim, no que concerne à posse externa, é evidente que a diminuição na
sua frequência de uso não torna categórico o uso da posse interna. Dessa maneira é
importante observar, como se dá esse processo de mudança, considerando os dois tipos
de posse e as estruturas que estão envolvidas nesse processo, isto é, se há o uso da
N % N %
Posse Interna 20 48% 29 83%
Posse Externa 22 52% 6 17%
Total 42 35 77
Posse Interna 17 53% 23 92%
Posse Externa 15 47% 2 8%
Total 32 25 57
Posse Interna 40 73% 35 97%
Posse Externa 15 27% 1 3%
Total 55 36 91
Posse Interna 21 81% 28 100%
Posse Externa 5 19% 0 0%
Total 26 28 54
Posse Inalienável Posse Alienável
1801-1850
1851-1900
1901-1950
1951-2000
48%
83%
53%
92%73%
97%81%
100%
52%
17%
47%
8%27%
3%19%
0%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
Posse Inalienável
Posse Alienável
1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Posse Interna Posse Externa
73
preposição “de/a”, (109a-b), do clítico “lhe”, (109c), ou do DP, (109d), como o item que
expressa o traço de [+possuidor]
(109) a. Frederico Pontes? Não quero que me veja! É um velho amigo de minha
família. (Peça de teatro: O oráculo, Arthur Azevedo, 1855)
b. simples; é quele que acabo de empregar e que V. Mce estranhou. Tire ao amor
os obstáculos que o irritam, a distância que o fascina, a contrariedade que o cega,
e ele se tornará calmo e puro como a essência de que dimana. (Peça de teatro: O
demônio familiar, José de Alencar, 1829)
c. É realmente uma desgraça! Êstes velhos são teimosos...E que remédio, senão
fazer-lhes a vontade? Mas custa! Casar-se a minha pobre irmã, a minha querida
Rosinha! (Peça de teatro: Os três médicos, Martins Pena, 1815)
d. No telão o relógio começa a passar o tempo mais rápido e as ações dos
personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de teatro, Ana e o mar,
Karen Lanceroti, 1995)
Ao considerar os três tipos de estruturas, já deve estar claro que o uso da
preposição está restrito às sentenças que envolvem a posse interna. Em virtude desta
propriedade, os resultados expressos na tabela 13, em que apresento apenas os dados de
posse inalienável, mostram que, no início do século XIX, há uma competição entre o
uso do clítico ou da preposição. Na verdade, nesse período, há apenas essas duas
possibilidades. A mudança tem início na segunda metade do século XIX quando
começam a ser produzidas construções de posse externa que envolvem uma posse
inalienável com um DP [+possuidor] na posição de sujeito.
Mesmo com a inserção de um terceiro tipo de estrutura capaz de expressar a
posse inalienável observe que a frequência da posse interna só aumenta ao longo do
tempo. Por outro lado, há uma nítida mudança na posse externa em que na passagem da
primeira para a segunda metade do século XX a frequência de uso do DP [+possuidor]
supera a frequência do clítico com traços [+possuidor]. Assim, no final do século XX,
há uma competição entre três estruturas: clítico, DP e preposição, respectivamente, com
as seguintes frequências de uso, 4%, 16% e 80%.
74
Tabela 13 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo no PB
No que concerne à posse alienável, não há dados de DP [+possuidor], ou seja, há
uma competição apenas entre o clítico “lhe” e as construções que envolvem uma
preposição. Ainda assim, a frequência de uso da construção que envolve o clítico “lhe”
diminui a tal ponto que a posse externa deixa de existir.
Tabela 14 Tipo de sintagma que expressa posse alienável ao longo do tempo no PB
Ao observar os resultados expressos nas tabelas 13 e 14 é possível, portanto,
afirmar que a mudança na posse externa que permite a emergência da construção de
tópico sujeito, ou seja, de um DP [+possuidor] ocupar a posição de sujeito e estar
semanticamente relacionado ao DP [+possuído], ocorre nas construções que envolvem
uma posse inalienável.
Os resultados obtidos acerca da relação entre a posse inalienável e a posse
externa no PB podem ser comparados com os resultados obtidos na amostra do
Português Clássico e do Português Europeu. Observemos no gráfico 11 que em
construções em que há posse inalienável nas duas gramáticas do português lusitano não
há evidências da emergência de uma construção em que a posse seja codificada por um
DP [+possuidor] na posição de sujeito.
N % N % N %
1801-1850 20 47% 0 0% 22 53%
1851-1900 14 43% 1 3% 17 54%
1901-1950 12 22% 3 5% 40 73%
1951-2000 1 4% 4 16% 21 80%
CLÍTICO DP DE/A
N % N %
1801-1850 5 14% 30 86%
1851-1900 2 8% 23 92%
1901-1950 1 2% 35 98%
1951-2000 0 0% 28 100%
CLÍTICO DE/A
75
Gráfico 11 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE e PB
A comparação entre a frequência de uso da posse interna x a posse externa nas
três gramáticas do português observadas na amostra permite afirmar que do século XVI
até o século XX há uma competição, no que concerne à posse inalienável, entre o uso do
clítico “lhe” ou do genitivo de posse em uma estrutura de posse interna.
Observemos ainda que, no que concerne aos resultados dos autores nascidos no
Brasil, a posse externa, mesmo em contexto de posse inalienável, nunca foi majoritária,
respectivamente, ao longo do tempo, 47%, 43%, 27% e 20% dos dados. Na verdade, o
padrão encontrado na amostra do PB, principalmente no início do século XIX, se
assemelha muito mais aos resultados encontrados no século XVI, ou seja, no Português
Clássico. Refiro-me, especificamente, às frequências de uso de 49% de clíticos e 53%
de construções com preposição no século XVI e às frequências de 53% de construções
com preposição e, por conseguinte, 47% de clítico no português de brasileiros. Esse
resultado remonta ao já conhecido fato do Português do Brasil ser uma gramática mais
conservadora, visto que há uma nítida mudança no português dos lusitanos.
A mudança na expressão da posse externa no PB, em sentenças com posse
inalienável, fica ainda mais clara, quando observamos a tabela 15 em que considero
apenas os dados de posse externa. Observemos que se no início do século XIX é
categórica a expressão desse tipo de posse por meio de um clítico, ao final do século
XX, essa mesma forma de expressar a posse corresponde a apenas 20% das ocorrências.
Ou seja, o tópico sujeito já é na segunda metade do século XX a estratégia de realização
da posse externa prototípica no PB quando há posse inalienável.
49%42%
65%
38%
47% 47%43%
22%
4%
51%54%
35%
62%
53% 53% 54%
73%80%
0% 0% 0% 0% 0% 0%3% 5%
16%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
XVI XVII XVIII XIX XX 1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Português Clássico Português Europeu Português Brasileiro
Clítico DE/A DP
76
Tabela 15 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo, no PB, em construções de posse
externa.
Ao comparar os resultados do Português Clássico e Português Europeu aos do
PB, conforme o gráfico 12, se nota o uso categórico do clítico no português lusitano,
sem competição ao longo do tempo, e a competição no PB.
Gráfico 12 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE e PB em construções de
posse externa
Um fato importante que precisa ser ressaltado nessa análise comparativa entre a
posse externa no português Clássico e Europeu com relação ao Português Brasileiro é a
frequência de uso de clíticos nessas gramáticas. É sabido que a gramática do PB se
caracteriza pela baixa frequência de uso de pronomes clíticos de terceira pessoa em
oposição ao quadro do PE, por exemplo, em que clíticos são altamente produtivos.
(BARROS, 2011; SILVEIRA, 1997)
Se observarmos o aumento da frequência de uso da posse interna perceberemos
que ao longo do tempo a posição de adjunto passa também a ser preenchida por
pronomes tônicos tal qual ocorre em diversos outros contextos do sistema pronominal.
Nesse sentido a perda do clítico dativo que indica posse é uma mudança encaixada
naquela já conhecida mudança no paradigma pronominal de terceira pessoa no PB.
N % N %
1801-1850 20 100% 0 0%
1851-1900 14 93% 1 7%
1901-1950 12 80% 3 20%
1951-2000 1 20% 4 80%
CLÍTICO DP
100% 100% 100% 100% 100% 100%94%
81%
20%
0% 0% 0% 0% 0% 0%6%
19%
80%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
XVI XVII XVIII XIX XX 1800-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000
Português Clássico Português Europeu Português Brasileiro
Clítico DP
77
Por outro lado, o PE tem um sistema de clíticos rico o que não impede que haja
um aumento da frequência de uso da posse interna, mas impede que o uso da posse
externa seja extinto. Do mesmo modo a possibilidade de realização de clíticos nessa
gramática não torna necessária a emergência de uma construção com DP [+possuidor],
visto que o clítico exerce essa função.
Estou, portanto, relacionando a emergência do tópico sujeito no PB à
possibilidade de um DP [+possuidor] ocupar a posição de sujeito, enquanto o DP
[+possuído] está abaixo do verbo, ao fato de que clíticos de terceira pessoa não fazem
parte da gramática do PB. E por oposição, a não realização da posse externa com um DP
[+possuidor] no PE ao fato de clíticos de terceira pessoa integrarem o sistema
pronominal dessa gramática.
2.6 Em resumo
Neste capítulo, vimos que ocorre uma mudança na expressão da posse externa
no Português Brasileiro que deixa de ser expressa por meio do clítico “lhe” e passa a ser
realizada com o alçamento de um DP para a posição de sujeito. Vimos ainda que as
construções de posse externa no PB são prototípicas de estruturas em que há posse
inalienável ou meronímica e que, ao contrário dos dados do português europeu, há a
expressão da posse externa quando o DP [+possuidor] tem traço [+inanimado].
Tendo em vista os resultados diacrônicos aqui apresentados, duas questões
merecem uma discussão: o PB como língua de tópico e a influência bantu nas
construções de tópico sujeito. Essas questões serão aprofundadas nos capítulos 3 e 4
respectivamente.
78
3.0 As construções de tópico no português.
O estudo das construções de tópico marcado no português tem suscitado diversas
análises diacrônicas e sincrônicas feitas a partir dos mais distintos arcabouços teóricos.
Um princípio geral tomado pelas análises de cunho formalista e funcionalista é o de que
o usuário da língua dispõe de diversas estruturas sintáticas que podem ser usadas na
combinação dos itens lexicais a fim de que uma sentença seja formada. Entretanto, a
forma como os itens se organizam na sentença tem íntima relação com o conhecimento
que o falante possui da sua língua materna (CASTILHO, 2010:280). Esse princípio
geral, quando tomado pelas análises das construções de tópico marcado, nos leva a
refletir sobre a ordem em que os itens lexicais são dispostos na estrutura sintática.
Em geral, é possível afirmar que toda língua dispõe de estruturas marcadas e não
marcadas para expressar as suas informações. Podemos observar exemplos como os
expressos em (110) em que, se por um lado, em (110a), há uma sentença na ordem
canônica do português - não marcada -, ou seja, SVO, por outro lado, em (110b), o DP
com a função de objeto direto aparece deslocado da sua posição original, ocupando a
posição mais à esquerda da sentença, em uma ordem marcada.
(110) a. Aqui em casa nós fazemos carne de todas as formas.
b. E carnei, aqui em casa nós fazemos [ - ]i de todas as formas.
(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:157)
É evidente, entretanto, que apesar das duas sentenças expressas em (110)
apresentarem os mesmos itens na numeração, a posição que os itens lexicais ocupam na
sentença demonstra que há outras informações sendo transmitidas aos interlocutores.
Neste terceiro capítulo da tese, meu objetivo é discutir as construções de tópico
marcado do português, visto que algumas das discussões mais detalhadas sobre tópico
sujeito são aquelas que o caracterizam como uma construção de tópico. Para tanto,
trago, na próxima seção, as construções de tópico marcado que são descritas na
literatura como pertencentes às gramáticas do PB e do PE. Por fim, apresento de forma
mais detalhada a literatura acerca do tópico sujeito.
79
3.1 Os tipos de tópico marcado no Português Europeu.
Brito, Duarte e Matos (2003) e Duarte (2013) descrevem as construções de
tópico marcado e suas características sintático-semânticas. As autoras afirmam haver no
português europeu as seguintes construções de tópico marcado: tópico pendente,
deslocação à esquerda de tópico pendente, deslocação à esquerda clítica, topicalização,
topicalização selvagem que é chamada por Duarte (2013) de topicalização não canônica.
Segundo Brito, Duarte e Matos (2003), a construção de tópico pendente pode ser
ilustrada pelas sentenças em (101). Nessas sentenças não há qualquer nível de conexão
entre o tópico e o restante da oração. Para as autoras, em sentenças como (111), há um
grau mínimo de sintatização e o tópico funciona como um “enquadramento da
eventualidade descrita pelo comentário ou como um hiperônimo do constituinte
presente no comentário.” (BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:492).
(111) a. Quanto ao debate de ontem à noite, é forçoso reconhecer que há políticos que
falam sobre um país que não conhecem.
b. Filmes estrangeiros, estamos a ver o filme até ao fim e não sabemos do que se
trata.
(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:492)
Para Duarte (2013), tópicos pendentes são mais frequentes em sentenças
matrizes, embora possam também ocorrer em orações relativas ou em subordinadas
interrogativas indiretas, como podemos ver, respectivamente, nos exemplos em (112).
(112) a. Sobremesas, como vê, temos laranjas.
(DUARTE, 2013:409)
b. Sobremesas, como vê, hoje é o dia da semana em que sugerimos laranjas.
(DUARTE, 2013:410)
c. Por falar em férias, alguém conhece um alojamento interessante em Caminha?
(DUARTE, 2013:410)
Além das construções de tópico pendente apresentadas em (112), o Português
Europeu dispõe da chamada deslocação à esquerda de tópico pendente. Como podemos
observar em (113), nesse tipo de sentença o tópico é retomado por um epíteto, (113a),
80
ou por um pronome, (113b). É preciso ainda ressaltar que a preposição não é realizada,
conforme demonstra a agramaticalidade de (114a-b). Segundo Duarte (2013),
construções como (113-114) ocorrem preferencialmente em frases matrizes, mas os
epítetos ou pronomes que retomam o tópico podem aparecer nas sentenças subordinadas
como ocorre, por exemplo, em (113a).
(113) a. O Joãoi, não sei quem possa simpatizar com esse anormali.
b. Água de cocoi, gosto imenso desse néctar deliciosoi.
(DUARTE, 2013:410)
(114) a. *Com o Joãoi, não sei quem possa simpatizar com esse anormali.
b. *De água de cocoi, gosto imenso desse néctar maravilhosoi.
(DUARTE, 2013:411)
Segundo Duarte, Brito e Matos (2003), as construções de tópico pendente e de
Deslocação à esquerda de tópico pendente exibem em geral as mesmas propriedades
sintáticas: (i) não são sensíveis às ilhas, conforme os exemplos em (115); (ii) estão
limitadas a contextos de orações matrizes.
(115) a. Filmes estrangeiros...há [gente [que vê um filme sem perceber nada do
princípio ao fim]]
b. O Carreras...[muitas pessoas compraram bilhetes no mercado negro [para o
ouvirem]]
(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)
No que concerne às operações de Mover e concatenar, Brito, Duarte e Matos
(2003) advogam que nos dois tipos de construções de tópico pendente, não há o
movimento de um constituinte para a posição de tópico, mas sim a concatenação em
[SPEC-CP] do DP topicalizado.
Outra construção de tópico marcado que envolve um deslocamento à esquerda é
a chamada Deslocação à esquerda clítica que pode ser exemplificada com os dados em
(116).
81
(116) a. “...às pessoas, há-de-lhes fazer espécie como é que podemos tirar as
impressões.”
b. “...os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos.”
(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)
Sentenças como (116) caracterizam-se por apresentar um grau elevado de
sintatização, visto que o tópico apresenta “identidade referencial e concordância com os
traços de número, pessoa e gênero do clítico” (DUARTE, 2013:415). Além disso, a
deslocação à esquerda clítica pode ocorrer em sentenças matrizes, mas também em
coordenadas e subordinadas finitas conforme, respectivamente, os exemplos em (117-
118).
(117) a. O João ofereceu-me um livro, [mas ao Pedro não lhe deu nada.]
b. As flores, rego-as, [e aos pássaros, dou-lhes comida e água.]
(118) a. Podes crer [que a mim, ninguém me contou essa versão da história.]
b. Lamento [que aos gerentes, ele os trate como se fossem míseros contínuos.]
Há outro tipo de tópico marcado na gramática do Português Europeu. Refiro-me,
especificamente, à topicalização. Nesse tipo de sentença “o tópico é interpretado como o
elemento interno ao comentário, sendo obrigatório que ocorra neste uma retomada,
pronominal ou outra.” (DUARTE, 2013:416). Vejamos alguns exemplos de
topicalização em (119).
(119) a. A essa conferênciai, confesso que não assisti [-]i
b. Essa conferênciai, confesso que não assisti [-]i
(DUARTE, 2013:416)
Construções em que há topicalização se caracterizam pelo elevado grau de
sintatização, ou seja, assim como na deslocação à esquerda clítica, apresenta identidade
referencial e concordância com os traços de número, pessoa e gênero. Além disso, o
constituinte conectado com o tópico é sempre uma categoria vazia.
No que concerne ao tipo de oração em que a topicalização ocorre, Duarte (2013)
afirma que esse tipo de construção é gramatical em orações matrizes, (120),
82
subordinadas completivas, (121), mas agramatical nas subordinadas adverbiais, (123), e
relativas, (122).
(120) a. Nesse político, não voto
(121) a. Piscina, não sabia que tinha
b. Nesse político, os meus amigos dizem que não votam
(122) a. *Piscinas, alguns amigos meus já foram a casa dela que não tinha
(123) a. * Nesse político, os meus amigos ficam doentes quando as pessoas não votam
Por fim, é preciso ressaltar que há um tipo de topicalização, chamado por Duarte
(2013) de topicalização não canônica, em que há uma categoria vazia no comentário,
mas as propriedades de subcategorização do verbo não são integralmente respeitadas.
Estruturas de topicalização não canônica podem ser exemplificadas com as sentenças
em (124)
(124) a. Cenas dessas, não precisamos [-].
b. Essa conferência, não assisti [-].
Conforme ressalta Duarte (2013), os falantes interpretam os constituintes
topicalizados em (124) como complementos dos verbos “precisar” e “assistir”,
entretanto, apesar de estes verbos selecionarem complementos preposicionados, o
constituinte topicalizado não apresenta a preposição. Sentenças como (124) são
gramaticais apenas em contexto de oração raiz e quando a preposição apagada é
funcional, não apresentando, portanto, conteúdo semântico.
Dados os tipos de construções de tópico marcado do Português Europeu,
apresento a seguir um quadro que sintetiza suas propriedades mais gerais.
Quadro 11 Propriedades das construções de tópico marcado no PE
(Adaptado de DUARTE, 2013:422)
Construções Retomada no comentário Subcategorização e seleção do verbo respeitada Somente frase raíz
Tópico pendente Não Não Sim
Deslocação à esquerda de tópico pendente Sim: epíteto e pronome Parcialmente Sim
Deslocação à esquerda clítica Sim: pronome clítico Sim Não
Topicalização Não Sim Não
Topicalização não canônica Não Parcialmente Sim
83
3.2 Os tipos de tópico no PB
Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) afirmam que há no Português Brasileiro os
seguintes tipos de tópico: anacoluto ou tópico pendente, deslocamento à esquerda,
topicalização, tópico sujeito e o antitópico. Vejamos a seguir a descrição das
construções de tópico marcado do PB.
A primeira construção que as autoras destacam é o chamado anacoluto ou tópico
pendente. Assim como no PE, esse tipo de estrutura se caracteriza pela ausência de um
vínculo sintático entre o tópico e algum item lexical presente no comentário. Apesar da
ausência de conexão sintática, Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) destacam que em
construções como (125), ou seja, naquelas em que há tópico pendente, há conectividade
semântica entre os tópicos destacados e a sentença comentário.
(125) a. Drama, já basta a vida.
b. Filme, eu gosto mais de comédia.
c. A BR 101 não precisa ir a Campos, cê dobre em Vitória...pega a Vitória-Belo
Horizonte.
(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:152)
Um segundo tipo de construção de tópico marcado presente na gramática do PB
é o chamado Deslocamento à esquerda. Conforme apresentei na seção anterior, no PE,
há deslocamento à esquerda clítico26
e deslocamento à esquerda de tópico pendente. No
PB, entretanto, o deslocamento à esquerda é um tipo de construção em que há uma
vinculação entre o sujeito da sentença e o tópico em uma posição à esquerda, como
pode ser visto nos exemplos em (126).
(126) a. Bom essas assembleias, habitualmente elas tratam dos assuntos.
b. O IBGE, por exemplo, ele já é do Estado.
26
Segundo Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) são raras no PB construções de deslocamento à esquerda
em que um clítico, objeto direto, é correferente ao tópico, conforme ocorre nas sentenças de
Deslocamento à esquerda clítico no PE. No exemplo (i), podemos observar que há uma hipercorreção já
que na oração há o pronome relativo “que”, sendo retomado pelo clítico.
(i) É a categoria conhecimento que nós vamos separá-la.
84
c. Ela de manhã ela sempre faz uma merenda pra mim.
(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:154-155)
Em construções com deslocamento à esquerda no PB, o tópico pode ser um SN,
(127a-b) ou um pronome (127c) e estar vinculado a um pronome nominativo, como em
(126), ao SN anafórico, (127a), ou ao pronome demonstrativo, (127b). No que concerne
ao traço de animacidade do item que ocupa a posição de tópico, há de ser ressaltado que
ele pode ser [+animado] ou [- animado] e, em relação à definitude, ele pode ser
[+definido] ou [- definido].
(127) a. [A pessoa]i, muitas vezes, a pessoai não quer nada.
b. [Esse problema de puxar pela criança]i (...) eu acho que issoi não funciona
muito.
(DE PAULA, 2012:11-12)
Já tendo sido apresentadas as características do deslocamento à esquerda e do
tópico pendente, passo agora a discutir a construção de topicalização que é
exemplificada em (128). Em sentenças como (128), assim como no PE, o tópico está
vinculado à categoria vazia presente na sentença comentário que pode ser um objeto
direto, (128a), ou um complemento circunstancial, (128b), ou um adjunto adverbial,
(128c).
(128) a. Aquele arroz com frutos do mar, a minha mulher é incapaz de, de provar [-].
b. Olindai, ninguém mora [-]i. Ninguém diz é lá que eu moro; não, diz é lá que
eu pernoito.
c. Parisi, eu não pago hotel [-]i Parisi eu fico nas casas de um amigo [-]i
Em construções como (128), Brito, Duarte e Matos (2003), Duarte (2013) e
Orsini (2012) assumem que há o movimento do item topicalizado para a posição mais à
esquerda da sentença o que deixa o vestígio na sentença comentário. Entretanto,
Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) questionam se de fato há um movimento de um item
para a posição de tópico, visto que em sentenças como (129) um constituinte com
função oblíqua aparece sem preposição na posição de tópico.
85
(129) a. O Nortei principalmente no Amazonas e no Pará, a influência indígena sobre a
alimentação é muito grande [-]i.
b. Mas eu ah merenda escolari eu tenho pouca noção [-]i
Para as autoras, a ausência da preposição em sentenças como (129) “parece
afrouxar, de certa forma, o vínculo sintático entre tópico e comentário, aproximando
essas construções dos anacolutos ou tópico pendente” (BERLINCK, DUARTE e
OLIVEIRA, 2009:158). Além disso, como vimos nas construções de tópico marcado
expressas em (124) e reescritas abaixo como (130), na gramática do PE, também são
produtivas construções em que um constituinte com função oblíqua aparece sem
preposição na posição de [Spec-CP].
(130) a. Cenas dessas, não precisamos [-].
b. Essa conferência, não assisti [-].
É interessante verificar que, conforme descrito no capítulo 1, em construções de
tópico sujeito a preposição também não está presente na sentença. Conforme apontarei
no capítulo cinco, o caminho que seguirei para explicar o tópico sujeito é o de que a
preposição genitiva não está presente na numeração e, talvez, essa seja a mesma
explicação para a convergência de derivações como (129), no PB, e (130), no PE.
Antes de tratarmos do que a literatura sobre tópico marcado descreve como
tópico sujeito, cabe ainda mencionar o chamado antitópico. Um tipo de sentença,
exemplificado em (131), em que o tópico aparece à direita da sentença.
(131) a. [-]i Leva azeite de dendê, o acarajéi
b. Dizem que [-]i tá tudo abandonado aquele troçoi.
Em construções como (131) o tópico ocupa uma posição não argumental,
externa à sentença e simétrica à posição ocupada pelo tópico quando em deslocamento à
esquerda ou em topicalização. O DP tópico de sentenças como (131) é sempre
[+definido]. E há uma restrição de monoargumentalidade, visto que sentenças como
(132) em que há verbos inacusativos e intransitivos são gramaticais, enquanto sentenças
como (133) são agramaticais ou têm um grau menor de aceitabilidade.
86
(132) a. Chegou cedo a chuva.
b. Telefonou ontem o cliente.
(133) a. ? Mandou uma carta o cliente
b. * Mandou uma carta para o hospital o cliente.
O último tipo de tópico descrito na gramática do PB é o tópico sujeito27
. Como
este é o objeto de estudo desta tese, opto por abrir uma subseção a fim de poder tecer
uma discussão mais ampla.
3.3 Enfim, o tópico sujeito no PB.
As diferenças entre as sintaxes do PB e do PE desde muito tempo têm inspirado
várias pesquisas. Especificamente em relação à questão das construções que envolvem a
topicalização de DPs ou PPs, os resultados têm mostrado que são significantes as
diferenças entre as duas gramáticas. No que concerne ao tópico sujeito, os resultados
apontam para o fato de que não há tal construção no PE, mas há no PB (PONTES, 1986
e 1987; GALVES, 1998 e 2001; VASCO, 2006; COSTA, 2010; ORSINI e VASCO,
2012; MUNHOZ e NAVEZ, 2012; TONIETTE, 2013; KATO, 2015).
Os primeiros trabalhos a identificar o tópico sujeito tinham na verdade o
objetivo de descrever, sob à luz do funcionalismo, todas as construções de tópico do PB
(PONTES, 1986 e 1987). Segundo Pontes (1987), nas construções de tópico sujeito,
27
Araújo (2009) em um trabalho sobre o português das comunidades quilombolas encontra 29 dados de
tópico sujeito, conforme pode ser visto no exemplo em (i). Os resultados da autora descrevem ainda o fato
de que na variedade do português destas comunidades quilombolas são encontradas as construções de
tópico destacadas no quadro abaixo.
(i) o carro afundô as roda... (CZ-6)
(Retirado de ARAÚJO, 2009:239)
Quadro I: Tipos de construções de Tópico no Português Quilombolas da Bahia
(Adaptado de ARAÚJO, 2009:242)
Tipo de Tópico Exemplos
Topicalização de objeto direto os pé de café trocô. (HV-20)
Topicalização de Locativo nesse sertão nosso aqui tem cascavel demais. (CZ-6)
Topicalização com retomada agora, Teofil‟Otone, num conheço Teofil‟Otone direito... (HV-12)
Tópico Pendente médico sempre aí nas Serra, nesse Rapa mermo tem um posto... (SP-4)
Tópico Pendente com retomada Mas, meus porco, você pricisa de vê, quand‟eu crio um… um leitão (HV-20)
Deslocamento à esquerda E aqueles mele, eles é que faz arco. (RC-26)
Tópico sujeito o carro afundô as roda... (CZ-6)
Tópico selvagem Futebol, a gente brincava, né... (HV-4)
87
como (134), o sujeito gramatical da oração encontra-se posposto ao verbo e a posição
pré-verbal é ocupada por um sintagma que tem a função de tópico da sentença e
funciona como sujeito lógico.
(134) a. A Sarinha[sujeito lógico] tá nascendo dente[sujeito gramatical]
b. Esse carro[sujeito lógico] cabe 60l de gasolina[sujeito gramatical]
c. O meu carro [sujeito lógico] furou o pneu[sujeito gramatical]
d. O jasmim[sujeito lógico] amarelou as pontas[sujeito gramatical].
(PONTES, 1987: 34-35)
Testes de gramaticalidade para (135) têm mostrado que estas são gramaticais, se
um dos DPs estiver na posição de tópico e o outro na posição de sujeito, como ilustra
(136a). Todavia, se a interpretação for com os dois DPs ocupando a posição de sujeito,
de fato, como propõe Pontes (1987), há agramaticalidade, conforme representado
(136b) para a sentença expressa (135d)
(135) a. *A Sarinha o dente tá nascendo
b. *Esse carro 60l de gasolina cabe
c. *O meu carro o pneu furou
d. *O jasmim as pontas amarelou (-ram)
(PONTES, 1987: 36)
(136) a. [CPO jasmink[C‟[C[TP as pontasj[I‟[T amarelarami[VP[V ti [DP tj [DP tk]
b. *[TP O jasmim as pontasj[T‟[T amarelarami[VP[V ti [DP tj [DP tk]
Ainda que Pontes não explique o porquê da agramaticalidade de (135) visto que
este não é objetivo da sua pesquisa, é possível perceber que esta resulta da justaposição
de dois DPs na posição de sujeito, o que fere um dos princípios da gramática de que
para cada DP existe uma posição sintática. Assim, a existência de dois DPs em [Spec-
TP], inviabiliza a convergência da derivação.
Por outro lado, Pontes destaca ainda que se o DP estiver posposto ao verbo não
são gramaticais construções que exibam concordância, conforme mostram os exemplos
88
em (137). Entretanto, a construção com concordância é gramatical em contextos como
em (138a-b) em que o DP está posposto e há a presença da preposição.
(137) a. *Furaram os pneus os carros.
b. *Amarelaram as pontas os jasmins
(138) a. Nasceram os dentes da Sarinha
b. Cabem 60l de gasolina nesse carro
(PONTES, 1987:37)
Assim, apesar de inicialmente, o DP posposto ao verbo ter sido tomado por
Pontes (1987) como o sujeito da oração, ele parece ter mais características de objeto do
que de sujeito: preferencialmente, posposto ao verbo finito e não estabelecimento de
uma relação de concordância. Por outro lado, o DP posposto não pode ser substituído
por clíticos acusativos e nem pode exercer a função de sujeito em sentenças passivas,
como demonstram, respectivamente, os exemplos em (139a-b). A agramaticalidade dos
dois exemplos em (139) resulta do tipo de verbo dessas sentenças: o inacusativo que
não permite a passivização e a substituição do DP posposto por clíticos acusativos.
(139) a. *A Sarinha nasceu-o.
b. *O dente é nascido pela Sarinha.
(PONTES, 1987:23)
No que concerne ao DP antesposto, Pontes (1987) destaca que este estabelece
relação de concordância com o verbo finito, conforme pode ser visto nos exemplos em
(140). O fato de haver uma relação de concordância nas sentenças em (140) é o
indicativo, para a autora, de que o tópico, por meio de um processo de gramaticalização,
foi reanalisado como o sujeito dessas orações.
(140) a. Essas casas batem bastante sol
b. Meus carros furaram o pneu
(PONTES, 1987:36)
89
Os trabalhos de Pontes (1986 e 1987), sem dúvida, trouxeram às pesquisas uma
construção nova que, ao longo das últimas décadas, foi discutida à luz da
sociolinguística variacionista como o fizeram Vasco (2006), Vasco e Orsini (2012),
entre outros, seja à luz de teorias formalistas como fizeram Galves (2001), Munhoz
(2011), Lunguinho (2006), Lobato (2006), Toniette (2013), Kato (2015), entre outros.
Assim, apresento a seguir alguns dos trabalhos que instigados por Pontes gastaram
imensa tinta no debate do que é a construção de tópico sujeito do PB.
3.3.1 A relação entre a posição do sujeito e a emergência do tópico sujeito.
Galves (1998) define o tópico sujeito da seguinte forma:
“Estruturas pseudotransitivas em que um verbo ergativo vem
precedido de um NP que não é interpretado como agente ou
causa do processo expresso pelo verbo, mas como locativo ou o
todo do qual o NP pós-verbal é a parte.”
(GALVES, 1998:19)
A definição dada por Galves (1998) salienta que o DP pré-verbal de sentenças
como (141a) é o sujeito da oração por poder estabelecer concordância com o verbo
finito no plural, como pode ser visto em (141b).
(141) a. O relógio quebrou o ponteiro.
(GALVES, 1998:19)
b. Os relógios quebraram os ponteiros.
Outras características do tópico sujeito para Galves são a não projeção de um DP
com papel temático de agente, conforme demonstra a agramaticalidade de (142a). Do
mesmo modo, as sentenças que exibem o DP anteposto retomado por um pronome in
situ são gramaticais apenas se o DP estiver na posição de tópico – [Spec-CP] - e não na
posição de sujeito [Spec-TP] como pode ser visto em (142b). Segundo Galves (1998), a
sentença (142c) é agramatical, pois o DP anteposto ao verbo está no mesmo domínio
que o pronome que o retoma, característica que não obedece ao princípio B28
da Teoria
de ligação.
28
Teoria da Ligação
90
(142) a. *[agente]O celular acabou [paciente]a bateria
b. O celular, acabou a bateria dele.
c. * O celular acabou a bateria dele.
Na perspectiva de Galves (1998), a derivação da construção de tópico sujeito
apresenta duas premissas básicas: Agr ser um traço formal e a existência de uma
categoria funcional [PersP] entre as projeções [CP] e [TP]. Galves (1998) ressalta que
embora Agr, desde Chomsky (1995), tenha deixado de ser projetado como uma
categoria acima de T, os seus traços são importantes na derivação sintática e, portanto,
são adquiridos parametricamente. No que concerne à categoria [PersP], a autora destaca
que essa é relevante em várias línguas ergativas, sendo dotada de traços- não
interpretáveis.
Para Galves (1998), como [PerspP] tem traços- não interpretáveis é necessário
que eles sejam checados para que a derivação convirja. A checagem pode se dar de duas
formas: a primeira é a presença de um DP em [Spec-PersP]; a segunda se dá pelo
movimento de traços- para o núcleo [PersP]. Esse movimento pode ocorrer de forma
visível ou coberta. Segundo Galves (2001), se uma derivação prescinde do núcleo
[PersP], obrigatoriamente há uma configuração como (143).
(143) [PersP Pessoa[TP DP V]]
Um problema que a proposta de um núcleo funcional [PersP] traz é como se dá a
checagem dos traços-φ. Para Galves, a projeção [PersP] não tem nem os traços de Agr e
nem os traços V, em virtude disso, a única forma dos traços- de [PersP] serem
checados é o movimento coberto de traços pronominais. Assim, uma sentença como
(144a) em que há a projeção de um pronome resumitivo seria o produto da derivação
expressa em (144b). Em (144b), os traços- do pronome “ela” se movem abaixo de
spell-out e checam os traços- de [PersP].
(I) Princípio A: Uma anáfora deve estar ligada em seu domínio de regência.
(II) Princípio B: Um pronome deve estar livre em seu domínio de regência.
(III) Princípio C: Uma expressão-R deve estar livre.
(CHOMSKY, 1981:188)
91
(144) a. Essa competênciai, elai é de natureza mental.
b. [PersP Essa competência, [PersP ᵩi [TP elai é de natureza mental.]]]
A derivação em (144b), portanto, consegue dar conta de uma construção com
deslocamento à esquerda. Entretanto, em sentenças com tópico sujeito, em princípio,
não há a projeção de um [Spec-TP] e, por isso, não pode ser assumida a presença de um
pronome lexical, como “ela” em (144a-b) ou de um pronome expletivo nulo. Galves
(2001) propõe que a única forma de que uma derivação com tópico sujeito convirja é
que os traços- do verbo se movam de forma coberta até [PersP], possibilitando assim a
checagem dos traços.
Costa e Galves (2001) seguem uma linha de análise teórica semelhante a adotada
por Galves (1998) para o tópico sujeito do PB. A diferença é que neste novo trabalho os
autores, à luz da Teoria Gerativa de Princípios e Parâmetros em sua versão Minimalista
(CHOMSKY, 1995), propõem uma análise comparativa entre sentenças do PB e do PE
a fim de explicar o porquê de o tópico sujeito ser gramatical no PB e agramatical no PE.
A explicação de Costa e Galves para essa diferença de interpretação entre as duas
gramáticas reside nas distintas posições sintáticas em que o sujeito se realiza.
Costa e Galves (2001) defendem que enquanto no PE o sujeito externo de
sentenças como (145), ou seja, aquele que não se encontra adjacente ao verbo, está em
[Spec-AgrS] ou [Spec-TP] e o verbo sofre movimento curto até T, no PB, as sentenças
em (145) apesar de superficialmente terem a mesma estrutura do PE, apresentam uma
diferença em relação à posição do sujeito. Nessa gramática, sujeitos externos ocupam
uma posição periférica apesar do verbo, assim como no PE, sofrer um movimento curto
até T.
(145) a. O Pedro provavelmente viu a Maria.
b. Os meninos todos viram a Maria.
(COSTA e GALVES, 2001:1)
(146) A mesa quebrou as pernas
(COSTA e GALVES, 2001:4)
A diferença na posição do sujeito nas duas gramáticas se dá em virtude do
caráter defectivo de AgrS no PB, já exaustivamente discutido na literatura e que é
92
comprovado pela alta frequência de construções sem concordância nessa gramática.
Como AgrS é defectivo no PB, o traço de EPP só pode ser satisfeito em [Spec-TP].
Assim, a representação para a estrutura de uma sentença com sujeito externo no PB
seria a apresentada em (147). Observemos que obrigatoriamente um pronome, seja na
forma nula ou plena, ocupa a posição de [Spec-TP].
(147) [AgrS Subj [AgrSP [TP pro/ele V [VP tpro tv]]]]
(COSTA e GALVES, 2001:5)
Segundo Costa e Galves (2001), uma pequena distinção na estrutura
representada em (147) pode também dar conta de explicar construções do PB em que
não há um argumento agente explícito, como nas sentenças expressas em (148). Nessas
construções, segundo os autores, a ausência do argumento [+agente] indica que não há a
projeção de [Spec-TP] e nesse caso é com os traços do núcleo AgrS que o DP pré-verbal
estabelece uma relação de concordância, gerando a representação expressa em (149).
(148) a. As mesas quebraram as pernas.
b. Os celulares acabaram as baterias.
(149) [AgrS DPi [AgrSP AgrSi [TP V-fi [VP tv proi]]]]
Kato e Duarte (2008) também correlacionam a emergência do tópico sujeito no
PB às mudanças pelas quais o PB está passando no que concerne ao preenchimento da
posição do sujeito. As autoras apontam que a mudança no parâmetro do sujeito nulo no
PB tem permitido que posições de sujeitos não referenciais, como nos casos dos verbos
inacusativos, existenciais e que indicam fenômenos metereológicos, (150-151), sejam
preenchidas por sintagmas referenciais, em detrimento dos expletivos lexicais como
ocorre, por exemplo, no francês.
(150) a. Londresi tem prédios lindos [-]i
b. O pneu do carroi furou [-]i
(151) a. Minhas pernasi racharam a pele [-]i
b. Essas florestasi chovem muito [-]i
93
Segundo Kato e Duarte (2008), a presença no PB de construções como (151) e
(152) faz com que essa gramática seja classificada como orientada para o tópico e para
o sujeito. No que concerne à discussão sobre a posição de sujeito, as autoras defendem
que o PB tem duas posições para o sujeito: [Spec-SubjP] e [Spec-TP]. A depender do
tipo de construção, a derivação convergirá com a primeira ou a segunda estrutura, em
outras palavras, o traço de EPP será checado em [Spec-SubjP] ou [Spec-TP].
As autoras acrescentam que, em virtude de o PB ser classificado como uma
língua orientada para o tópico e para o sujeito, é possível haver construções em que
ocorra a projeção do núcleo [SubjP], assim como do núcleo [TP]. Na proposta de Kato e
Duarte (2008), em construções existenciais como (153a) que envolvem o alçamento do
adjunto adverbial para uma posição mais alta da sentença, a derivação reflete a estrutura
expressa em (153b).
(153) a. Londres tem prédios lindos
b. [SubjP Londresi [TP tem [VP [V prédios lindos ti]]]]
Finalmente, as autoras sintetizam a análise afirmando que em construções de
tópico sujeito a derivação converge da mesma forma que em sentenças como (153),
visto que a oração em (154) exibe um sujeito referencial em uma posição não
argumental. Assim, no tópico sujeito, o DP com a função de sujeito ocupa a posição de
[Spec-subjP] e não [Spec-TP], como pode ser visto em (154b).
(154) a. O carroi furou o pneu ti
b. [SubjP O carroi [TP furou[TP tv [VP o pneu [DP ti] tv]]]]
Uma questão que a análise de Kato e Duarte (2008) levanta é a de que o DP com
a função de sujeito de construções como (154a) não ocupa uma posição capaz de checar
os traços-φ. Na proposta das autoras, os traços φ são checados em [Spec-TP] e não em
[SubjP], assim o que garante ao DP “o carro” o estatuto de sujeito da sentença é o fato
de ele checar o traço de EPP e não o fato de ele concordar com o verbo finito.
Por sua vez, Lobato (2006) e Lunguinho (2006) propõem que o tópico sujeito é o
resultado da propriedade que o PB possui de “vasculhar” o interior de um NP, podendo
extrair um subconstituinte, ou seja, um adjunto adnominal, permitindo a
94
gramaticalidade de uma construção em que há partição de constituintes. Conforme
destaca Lunguinho (2006), as propostas de Galves (1998) e Costa e Galves (2001)
apresentam um problema teórico na medida em que os traços- do verbo, não
interpretáveis, não poderiam ser checados pelos traços- de [PersP] que também são
não interpretáveis.
Além do problema na checagem dos traços-, as propostas de Galves (1998) e
Costa e Galves (2001) não explicam como se dá a derivação de sentenças com tópico
sujeito em que uma relação de parte-todo é expressa sem a presença da preposição “de”.
Lunguinho (2006), em uma análise que considera que construções como (155a-b) têm
numerações diferentes e que há em (155b) o fenômeno de partição dos constituintes,
traz uma nova proposta para tratar do tópico sujeito. O fenômeno de partição de
constituintes se caracteriza pelo fato de relações de parte-todo, como em (155b), serem
expressas por dois constituintes descontínuos, ou seja, não adjacentes.
(155) a. Acabou a bateria do celular.
b. O celular acabou a bateria.
A pesquisa de Lunguinho (2006) tem por objetivo responder duas perguntas:
como se dá a derivação de construções como (155b) em que há partição de
constituintes? E se há diferença nas numerações que originarão as sentenças (155a) em
que não há partição de constituintes e (155b) em que o fenômeno ocorre.
Opto por tratar, primeiramente, da diferença ou não nas numerações de
construções como (155a-b). No que concerne a esse tópico, Lunguinho (2006) defende
que sentenças como as expressas em (155) apresentam numerações distintas, visto que
enquanto (155a) apresenta a numeração expressa em (156a), (155b) expressa a
numeração presente em (156b)
(156) a. {o2, pneu1, de1, carro1, furou1, pro1, T1, C1}
(LUNGUINHO, 2006: 139)
b. {o2, pneu1, carro1, furou1, T1, C1}
(LUNGUINHO, 2006: 141)
95
Ao comparar as numerações em (156a-b), é possível notar que existem duas
diferenças. A primeira é a já mencionada ausência da preposição “de” em (156b), mas
há também a ausência de pro. Segundo Lunguinho, a derivação da numeração em
(156a) é expressa em (157a). Nesse tipo de sentença, o traço EPP de T é valorado com o
preenchimento da posição de [Spec-TP] por um pro expletivo. Por outro lado, a
derivação da numeração expressa em (156b), ou seja, aquela em que há partição de
constituintes, é a apresentada em (157b). Nessa derivação, o traço de EPP é checado via
movimento/alçamento do DP com a relação semântica de todo para a posição de [Spec-
TP].
(157) a. [TP pro expletivo [T acabou [VP acabou [DP a bateria do celular]]]]
(LUNGUINHO, 2006:139)
b. [TP [DP o carro] [T furou [VP furou [DP [DP o carro] [D o [NP pneu]]]]]]
(LUNGUINHO, 2006:142)
Dadas as diferentes derivações expressas em (157-b), fica ainda a primeira
pergunta a ser respondida, ou seja, como se dá a derivação de uma sentença com
partição de constituintes? Mais precisamente, como é possível que uma relação parte-
todo seja expressa sem a presença da preposição “de” na numeração?
Para Lunguinho, em numerações como (158), a ausência da preposição impede
que seja formado um constituinte como “a bateria do celular”, nesse caso a interpretação
semântica de parte-todo é garantida em virtude de como os DPs se concatenam. Na
proposta do autor, o DP com a interpretação semântica de todo c-comanda o DP com a
interpretação semântica de parte, gerando uma estrutura sintática como a expressa em
(159).
(158) {o2, pneu1, carro1, furou1, T1, C1}
(LUNGUINHO, 2006: 141)
96
(159) DP
3
D todo D‟
3
NP
g
N parte
Segundo Lunguinho (2006), a evidência para propor uma representação como
(159) em que o DP com a relação semântica de todo c-comanda o DP com a relação
semântica de parte está em sentenças como (160) nas quais há um quantificador
flutuante – todos -. Notemos também que em (160a) o constituinte “todos os carros” é
alçado para a posição de sujeito. Em (160b), o quantificador flutuante “todos” fica in
situ, abaixo de VP, mas acima do DP que representa a parte e apenas o DP “os carros” é
alçado para a posição de sujeito. Ambas as sentenças são gramaticais. Por outro lado,
em (160c), o alçamento apenas do DP “os carros” para a posição de sujeito produz uma
sentença agramatical. Em (160c) é importante observar que o quantificador “todos” está
abaixo do DP que representa a parte. Para Lunguinho, a gramaticalidade de (160a-b) e a
agramaticalidade de (160c) são a comprovação de que em construções que envolvem a
partição de constituintes o DP com a relação semântica de “todo” c-comanda o DP com
a relação semântica de parte.
(160) a. Todos os carros furaram o pneu dianteiro.
b. Os carros furaram todos o pneu dianteiro.
c. *Os carros furaram o pneu dianteiro todos.
(LUNGUINHO, 2006:142)
Em linhas gerais, a questão do DP “todo” c-comandar o DP “parte” explica o
fato de sentenças como (161) serem agramaticais. Em (161), observemos que o DP
alçado para a posição de sujeito é aquele que expressa parte. A agramaticalidade de
(161) resulta do fato, segundo Lunguinho (2006), de que a sonda que participa da
operação “probe/goal” não pode ter como alvo o DP “parte”, pois este é c-comandado
97
pelo DP todo. Isto ocorre porque o DP todo é o DP mais próximo c-comandado pela
sonda que tem traços-, possibilitando que Agree ocorra, os traços- da sonda sejam
checados e o Caso do Alvo valorado.
(161) *Os pneus dianteiros furaram todos os carros.
Assim como Kato e Duarte (2008), Lunguinho (2006) acaba por defender que o
movimento do DP todo para a posição de sujeito ocorre em virtude da necessidade de
satisfação do EPP que, no PB, é codificado na posição de sujeito. Não vou entrar em
detalhes acerca de que posição é essa, pois como já mostrei, existem inúmeras propostas
que tentam explicar em que posição está o sujeito nas sentenças do PB. A mim,
especificamente, interessam três fatos: o primeiro é a explicação de Lunguinho (2006)
para a não realização da preposição “de” nas sentenças de tópico sujeito. Ao longo da
tese, a adotarei; o segundo é a explicação para o alçamento do DP todo e não do DP
parte para a posição de sujeito, mais do que isso, a configuração estrutural estabelecida
por esses DPs; e, por fim, mas não menos importante, o movimento do DP adjunto para
a posição de sujeito ser motivado pela satisfação do traço de EPP, um traço puramente
sintático.
Além das propostas de Galves (1998 e 2001) e Lunguinho (2006), outros
trabalhos têm sido realizados a fim de analisar o tópico sujeito. Na próxima seção, trago
à discussão o trabalho de Toniette (2013) e abordo também alguns pontos do trabalho
de Munhoz e Naves (2012).
3.3.2 Um DP não argumental na posição de sujeito
Munhoz e Naves (2012) e Toniette (2013) apresentam duas análises para o
tópico sujeito que de certa forma se aproximam. As análises têm como ponto central a
discussão da propriedade do PB de construir sentenças com flexão verbal, mas em que o
DP na posição de sujeito é, canonicamente, tido como um não argumento. Os autores
afirmam que a concordância entre um DP em uma posição não argumental e o verbo é
possível, pois no PB a projeção [CP] pode compartilhar traços com [TP]. Opto por tratar
mais especificamente da proposta de Toniette (2013), visto que o autor segue em grande
parte a proposta de Munhoz e Naves (2012).
98
Toniette (2013) argumenta em favor de uma proposta que considera que, no PB,
os núcleos C e T compartilham os traços por isso, a relação de concordância pode ser
estabelecida em duas posições de especificador [Spec-CP] ou [Spec-TP], assim como o
Caso nominativo pode ser checado nas mesmas posições. Além do traço o núcleo C
tem traços de borda que são capazes de atrair outros itens lexicais que satisfarão os
requerimentos do estatuto informacional da sentença, ou seja, foco, tópico,
interrogativas QU.
Em virtude das propriedades dos núcleos listados, Toniette (2013) defende que
para a construção de tópico sujeito ser gramatical no PB é necessário que o DP
[+possuidor] seja alçado para a posição de tópico. O autor, portanto, defende que assim
como todos os outros tipos de construção de tópico, no tópico sujeito, também há
movimento para [Spec-CP] a fim de que os traços relacionados ao estatuto
informacional sejam satisfeitos. A concordância entre o DP [+possuidor] alçado e o
verbo finito pode ser explicada porque CP compartilha traços- com T, permitindo
assim que o DP alçado cheque nominativo. Assim, a configuração da estrutura de uma
sentença com tópico sujeito seria, na proposta de Toniette (2013), a expressa em (162).
(162) CP 3 DP C‟ 3 C [Borda, Foco, tópico…] TP 3 T [EPP] vP 3 v VP 3 V DP
4 [
Observemos que a representação proposta por Toniette (2013) parece dar conta
de fato da construção de tópico sujeito. Como dito acima a derivação, mediante à
configuração das projeções C e T no PB, pressupõe que o DP [+possuidor] seja alçado
para a projeção C satisfazendo os requerimentos do estatuto informacional. Para que
99
isso ocorra, os traços de borda presentes em C atraem por meio de uma operação de
“sonda/alvo” os traços-que estão no DP concatenado abaixo de VP. Essa configuração
sintática permite que (i) os traços não interpretáveis de C sejam checados, (ii) haja o
estabelecimento de uma relação de concordância e (iii) o Caso nominativo seja checado.
As linhas tracejadas (1) e (2) representam as duas operações envolvidas na derivação da
sentença expressa em (163a).
(163) a. O celular acabou a bateria.
b. CP 3 DP[+K Nom] C‟
- - o celular 3 g C [ópico, borda] TP
g - - - 3 g g T [EPP] vP
g g acabou 3 (2)
29g (1)30
g v VP
g g 3 g g V DP [
g g acabar 4 g g a bateria o celular
g g - - - - - - - - - - - - -
g - - - - - - - - - - - - - - - -
Segundo Toniette (2013), a evidência para afirmar que o DP [+possuidor] é
alçado para a posição de tópico e não a de sujeito em construções como (163a) está na
agramaticalidade de sentenças como (164a) em que um constituinte QU é projetado em
uma posição mais alta do que o DP [+possuidor]. Entretanto, sentenças como (164b-c)
em que um constituinte QU também é projetado em uma posição mais alta do que
aquela em que está o DP [+possuidor] são gramaticais.
(164) a. * Que bateria os celulares acabaram?
29
A linha (1) representa a operação desencadeada pelos traços de borda que por meio de uma sonda
buscam um alvo capaz de satisfazer o traço de tópico e de checar os traços não interpretáveis do núcleo.
30
A linha (2) representa o movimento desencadeado pela operação expressa pela linha (1) no que resulta
a expressão do item “o celular” na posição de [Spec-CP] onde o Caso nominativo é checado.
100
(TONIETTE, 2013:66)
b. Qual dente o Miguel nasceu?
c. Qual pneu o carro furou?
Uma explicação para a gramaticalidade de sentenças como (164a), em minha
opinião, pode estar relacionada à noção semântica expressa entre o DP celular e o DP
bateria. O nosso conhecimento de mundo nos faz acessar a interpretação de que para
cada celular existe apenas uma bateria, assim é impossível gerar uma pergunta sobre
“qual a bateria do celular”. Por outro lado, sentenças como as expressas em (164b-c)
apresentam uma relação parte-todo em que é possível haver uma interpretação restritiva.
Em outras palavras, há respostas possíveis para as perguntas apresentadas em (164b-c),
como podemos verificar nos exemplos em (165). Há, entretanto, uma restrição para a
gramaticalidade de sentenças como (165): o QU, obrigatoriamente, é o tópico da
sentença.
(165) a. Qual dente o Miguel nasceu?
Resposta: O primeiro dente; a presa
b. Qual pneu o carro furou?
Resposta: O dianteiro esquerdo; o traseiro direito.
A agramaticalidade de (164a), portanto, não estaria relacionada às questões da
sintaxe, mas sim a semântica dos constituintes envolvidos na sentença. Nesse sentido, a
proposta de Toniette (2013) de que o DP [+possuidor] é alçado para a posição de [Spec-
CP] e não de [Spec-TP] apresenta um problema à medida que não recobre a estrutura de
outras sentenças.
Até este ponto, apresentei a proposta de Toniette (2013) para a posição para
onde o DP alçado é movido e a explicação de como se dá a concordância. Mas ainda
falta mencionar outra questão levantada pelo autor que é muito importante para a
discussão do tópico sujeito: como se dá a projeção dos dois DPs abaixo de VP? Em
síntese, como a derivação converge sem que a preposição “de” esteja presente e a noção
de posse ou parte-todo é expressa.
Para tratar da adjunção de dois DPs, Toniette (2013) e Munhoz e Naves (2012)
assumem a proposta de Avelar (2006) segundo a qual em construções como (156)
adjuntos adnominais como o expresso em “a bateria do celular” não podem ser tratados
101
como PPs, visto que a preposição “de” só se concatena no componente morfonológico.
Dessa maneira, para que a derivação convirja, um adjunto adnominal como “o celular”
se concatena a “bateria” sem a presença da preposição e, posteriormente, sofre um
movimento para o complexo C-T onde satisfará os requisitos de EPP, como pode ser
visto na representação em (166b).
(166) a. O celular acabou a bateria.
b. [CP-TP Os celulares [T acabaram [VP acabar- [DP [D‟ a [NP bateria ] ] [DP os
celulares ] ] ]
(MUNHOZ E NAVES, 2012)
A proposta de inserção da preposição “de” no componente morfofonológico é
mais custosa do que a apresentada por Lunguinho (2006) em que há menos itens na
numeração e a relação de parte-todo é estabelecida a partir da ordem dos itens lexicais
na sentença. Por isso, assumo a proposta de Lunguinho (2006).
O último trabalho que trago para a discussão sobre o tópico sujeito é o de Kato
(2015). Neste trabalho, a autora assume os pressupostos da Teoria Gerativa em sua
versão Minimalista a fim de explicar como se deu a emergência do tópico sujeito no PB.
Kato (2015) retoma alguns resultados de pesquisas anteriores que apontam para
a perda do sujeito nulo referencial no português brasileiro. A autora mostra que há três
mudanças em curso na gramática do PB no período entre a segunda metade do século
XIX e a segunda metade do século XX: perda do sujeito nulo referencial, perda da
inversão livre e perda da subida longa do clítico.
No que concerne à primeira mudança, ou seja, a perda do sujeito nulo
referencial, Kato toma os resultados de Duarte (1993), Duarte (1995) e Duarte e Kato
(2014) e mostra que o sujeito nulo, como o expresso nas sentenças em (167), era a
estratégia preferencial do PB até a segunda metade do século XIX. Por outro lado, os
dados em (168), em que há sujeito pleno, representam a estratégia preferida pelo PB ao
longo do século XX.
(167) a. Quando ( )i te vi pela primeira vez, ( )i não sabia que ( )j eras viúva e rica.
(1845)
b. ( )i Falei ontem com seu tenente-coronéi e elei disse-me que ( )i havia de vir com
sinhá Dona Perpétua e com sinhá moça Rosinha. (1882)
102
(KATO, 2015:8)
(168) a. Eu acho que eu passaria por causa da base que eu tinha.
b. Vocês dizem isso porque vocês são jovens.
c. Ela ficou solteira porque ela quis.
(KATO, 2015:8)
Os resultados de Duarte (1993) mostram que a perda do sujeito nulo ocorre em
todas as pessoas do discurso, sendo mais acentuada nos contextos em que há primeira e
segunda pessoa. Na terceira pessoa, entretanto, a frequência de uso do sujeito nulo ainda
é ao final do século XX maior do que a frequência de sujeito pleno, conforme pode ser
visto no gráfico 13.
Gráfico 13 Distribuição dos sujeitos de 1ª. 2ª. e 3ª. pessoa nulos
(Adaptado de Duarte, 1993:112-115)
Kato destaca também que além da mudança no preenchimento ou não da posição
do sujeito é possível destacar mais duas mudanças correlacionadas. A primeira,
destacada por Berlinck (1995), Kato e Tarallo (2003) e Kato et ali (2006) mostra que o
PB está perdendo a propriedade da inversão livre. Assim, conforme o gráfico 14, a
ordem VOS em sentenças declarativas com verbos transitivos apresentava na primeira
metade do século XVIII a frequência de 13%, enquanto ao final do século XX a
frequência de uso é de apenas 1%.
69%
79%83%
61%56%
32%
18%
97%
79%
71%
25%21% 20% 22%
83%
67% 66%72%
59%52% 55%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1845 1889 1919 1937 1955 1975 1992
Primeira pessoa Segunda pessoa Terceira pessoa
103
Gráfico 14 VOS em declarativas com verbos transitivos diretos
(KATO, 2015:9)
Por fim, a autora destaca que a subida longa do clítico, no PB, também sofre
mudança na passagem do século XIX para o XX. Se no século XIX, segundo Pagotto
(1993) e Cyrino (1993) os clíticos subiam até um núcleo acima de TP ao final do século
XX, é categórico o uso do clítico abaixo de TP.
(169) a. João não me tinha cumprimentado. (século XIX)
b. João não tinha me cumprimentado (século XX)
Há dessa maneira uma mudança categórica, a perda da subida longa do clítico,
uma semicategórica, a perda da ordem VOS, conforme o gráfico 14, e por fim, o
preenchimento da posição de sujeito em que há contextos de resistência, especialmente,
na terceira pessoa.
Um dos contextos de resistência ao preenchimento da posição de sujeito no PB
é, justamente, a construção impessoal, como as expressas em (170). Kato (2015) destaca
que em gramáticas que estão passando por mudanças semelhantes às observadas no
Português Brasileiro, como, por exemplo, o espanhol dominicano, a posição do sujeito
em construções impessoais vem sendo preenchida por um expletivo pronominal
(Torobio, 1996), conforme os exemplos em (171).
13% 7% 4% 2% 2% 1% 0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
XVIII/1 XVIII/2 XIX/1 XIX/2 XX/1 XX/2
VOS
104
(170) a. Øexpl Está querendo chover.
b. Øexpl Tem muitas mangas na Bahia.
c. Øexpl Parece que não tem açúcar.
(KATO & DUARTE, 2008)
(171) a. Ello quiere llover.
b. Ello parece que no hay azúcar.
(TORIBIO, 1996)
Entretanto, pesquisas recentes indicam que no PB também há construções com
um sujeito não referencial foneticamente realizado, justamente as construções de tópico
sujeito. Assim, na gramática do PB são possíveis elementos pessoais ocupando a
posição de sujeito, desde que haja o alçamento do locativo, (172a), o alçamento do
sujeito de completivas de verbos do tipo custar, (172b) ou ainda alçamento do
argumento interno de um DP ligado a um verbo inacusativo, (172c).
(172) a. Londresi tem prédios lindos [ ti ].
b. Elei custou [a ti sair de casa].
c. O carroi furou [o pneu [ ti ]]
A proposta de Kato (2015) é a de que construções como (172) não estão em
competição com as expressas em (173) em que a posição de sujeito não está preenchida,
visto que enquanto as primeiras são sentenças de leitura categórica31
, as segundas
apresentam uma leitura tética32
.
(173) a. Øexpl Tem prédios lindos em Londres.
b. Øexpl Custou pra ele sair de casa.
31
Segundo Kuroda (1972), a leitura categórica é aquela que apresenta dois atos cognitivos: um ato de
reconhecimento do que está sendo feito pelo sujeito e o outro ato de afirmar ou negar o que é expresso
pelo predicado acerca do sujeito.
Categorial judgment is assumed to consist of two separate acts, one the act of
recognition of that which is to be made the subject, and the other, the act of
affirming or denying what is expressed by the predicate about the subject.
(KURODA, 1972)
32
Segundo Kuroda (1972), leitura tética é aquela que descreve um evento, estado ou situação.
105
c. Øexpl Furou o pneu do carro.
Segundo Kato (2015), no PB, quando há sentenças com verbo inacusativo em
que há ordem VS, a leitura do sujeito é sempre categórica. Por outro lado, em sentenças
com a ordem SV a leitura é tética. Brito (2000) ressalta que a perda de VS no português
brasileiro teria sido o gatilho para que, na fala, sentenças categóricas fossem expressas
por meio do redobro, tendo ficado as sentenças téticas restritas à ordem SV. Dessa
maneira, uma sentença como (174) apresentaria uma leitura categórica apesar de a
ordem de expressão do sujeito ser SV.
(174) O Pedro, ele acabou de telefonar. (categórica: PB)
(KATO, 2015:14)
A hipótese de Kato (2015) é a de que diante das mudanças na expressão da
ordem do português brasileiro, as sentenças em que há um expletivo nulo, como as
expressas em (170 e 173), continuariam a ter a leitura tética. Por outro lado, sentenças
como (172) em que há o alçamento de um adjunto adverbial, de um adjunto adnominal
ou de um sujeito da oração completiva “seriam inovações no domínio das sentenças
categóricas juntamente com as estruturas de redobro (KATO, 2015: 14).”
Em estruturas de redobro, Kato (2015) assume que quando houver um clítico
este aparece no início da derivação junto com o DP associado em uma configuração de
Big DP, conforme proposto por Kayne (2001). Observemos em (175) que há dois tipos
de estrutura de redobro. Em (175a), há um exemplo de redobro do clítico, enquanto em
(175b), há uma estrutura de deslocamento à esquerda. Os dois tipos de sentenças são
derivados em (176). Notemos que (176a) pode convergir em duas estruturas que estão
expressas, respectivamente, em (176 d-e).
(175) a. Le doy un libro a Juan.
b. A Juan le doy un libro.
(176) a. Doy un libro [Juan le]
b. [Juan le]i doy un libro ti
c. Juanj [tj le]i doy un libro ti
d. a Juanj [tj le]i doy un libro ti (Deslocamento à esquerda)
106
e. [[tj le]i doy un libro ti]k a Juan tk (Redobro)
As construções de tópico sujeito teriam, na visão de Kato (2015), evoluído a
partir de estruturas como (176e) em que há redobro. O gatilho para a mudança teria
ligação com o paradigma de pronomes fracos do português brasileiro que permitiu que
os clíticos de terceira pessoa não fizessem mais parte da gramática. Como podemos
observar no quadro abaixo, enquanto no PE há clítico em todas as pessoas, no PB, não
há mais clíticos de terceira pessoa.
Quadro 12 Pronomes fracos no PE e no PB
(KATO, 2015:15)
Para Kato (2015), na derivação de uma construção de tópico sujeito, como (177),
o sujeito/tópico nasce no interior de um big DP, estando associado a um clítico nulo de
terceira pessoa que não tem Caso. O DP se move para [Spec-T] onde checa nominativo
e concordância (os traços-phi e o traço D), como pode ser visto na derivação em (178)
(177) O meu time faltou sorte
(178) a. [o meu time Ø] derivação do VP
b. [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] subida do verbo para T
c. faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] subida do clítico
d. Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] EPP
e. [TP o meu time Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP]
FF: f. [TP o meu time Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time]DP]
Em uma sentença com tópico sujeito que envolve um possessivo, como (179),
duas hipóteses são possíveis segundo Kato. A primeira estrutura é a expressa em (180).
Observemos que há um possessivo nulo, tal qual o clítico nulo presente na derivação em
(178), uma sentença em que há um tópico sujeito com locativo.
(179) O Hamilton furou um pneu.
Acusativo Dativo Possessivo Locativo Acusativo Dativo Possessivo Locativo
Primeira pessoa ME ME MEU ME ME MEU
Segunda pessoa TE TE TEU TE TE TEU
Terceira pessoa O/LO LHE SEU/∅ ∅ ∅ ∅ SEU/∅ ∅
PE PB
107
(180) a. [o Hamilton Ø]
b. furou um pneu [o Hamilton Ø] subida do possessivo
c. furou um Ø-pneu [ o Hamilton Ø] EPP
d. [TP O Hamilton furou um Ø-pneu [ o Hamilton Ø]]
Se na numeração da derivação houver um pronome possessivo, a sentença que
convergirá será (181). Observemos que neste caso é possível também a inserção da
preposição “de” na posição de [Spec-CP].
(181) (D)o Hamilton, furou um pneu seu.
3.4 Sintetizando
Como vimos nas duas seções anteriores, nas gramáticas do PB e do PE, há uma
série de construções de tópico marcado que podem ser sintetizadas de forma
comparativa com o quadro abaixo. Observemos que, nas duas gramáticas, há
construções de tópico marcado dos tipos anacoluto, topicalização, topicalização não
canônica e antitópico.
Quadro 13 Construções de tópico marcado no PB e no PE
Por outro lado, é preciso destacar que apesar de haver deslocamento à esquerda
nas duas gramáticas, como vimos, a estrutura sintática é distinta visto que no PB não há
deslocamento à esquerda clítico, enquanto no PE estruturas como (182) em que o tópico
é retomado por um clítico são gramaticais.
Construções PB PE
Anacoluto/Tópico pendente
Deslocação à esquerda de tópico pendente
Deslocação à esquerda clítica
Deslocamento à esquerda
Topicalização
Topicalização não canônica
Tópico sujeito
Antitópico
108
(182) a. “...às pessoas, há-de-lhes fazer espécie como é que podemos tirar as
impressões.”
b. “...os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos.”
(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)
A principal diferença entre as duas gramáticas, no tocante às construções de
tópico marcado, é o tópico sujeito que é gramatical no PB, mas conforme Costa
(2010)33
é agramatical no PE como pode ser visto nos exemplos em (183).
(183) a. *Essas casas batem sol.
b. *Os meus vizinhos morreram a mãe.
c. *As minhas duas árvores apodreceram a raiz.
(COSTA, 2010:134)
Costa (2010) ainda afirma que apesar do tópico sujeito não ser gramatical no PE
são gramaticais sentenças com topicalização selvagem/tópico pendente, como as
exemplificadas em (184).
(184) a. Essas casas, bate imenso sol.
b. Os meus vizinhos, morreu a mãe.
c. As minhas duas árvores, apodreceu a raiz.
d. O meu carro, furaram os pneus.
e. As minhas pernas, rachou a pele.
(COSTA, 2010:135)
Para Costa (2010), de forma crucial, a diferença nas gramáticas do PB e do PE
não está na forma de promoção do tópico, visto que “ambas recorrem a mecanismos
33
Costa (2010), em nota de rodapé, afirma ter encontrado em um site português uma ocorrência de
construção de tópico sujeito que está ilustrada em (i). Mas o autor reafirma que a construção é, na
interpretação dele, agramatical e que novos trabalhos precisam ser feitos para discussões futuras.
(i) “O meu carro avariou o elevador do vidro eléctrico”
http://foruns.pinkblue.com/Topic1729434-13-11.aspx
109
sintáticos de anteposição do tópico para a periferia à esquerda da sentença. O que é
crucialmente diferente nas duas gramáticas é o sistema de concordância.” (COSTA,
2010:135). A diferença apontada por Costa pode ser explicada pela gramaticalidade no
PB de sentenças em que há concordância com o tópico em detrimento do PE em que
tais estruturas não são possíveis de serem realizadas.
É preciso salientar que a discussão apresentada nesse capítulo caracteriza o
tópico sujeito como mais um tipo de construção de tópico marcado presente na
gramática do português brasileiro. A singularidade desse tipo de construção, ressaltada
por Costa (2010) quando o autor observa os dados do PE, nos mostra que a explicação
para a sua origem não pode apenas estar atrelada à propriedade de alçamento de um
item lexical para uma posição mais à esquerda da sentença.
Aqui vale ressaltar a análise de Kato (2015), que trata a emergência do tópico
sujeito como o produto de uma mudança no sistema de clíticos do português brasileiro.
Como vimos no capítulo dois, a análise diacrônica mostra que a decadência da
construção de posse com o clítico lhe caminha junto com a emergência do tópico
sujeito. Há, dessa maneira, uma forte evidência, corroborada agora pela proposta de
Kato (2015), para apontar que a emergência do tópico sujeito tem relação com as
mudanças no sistema de posse do PB.
Resta ainda abordar a questão da influência bantu na emergência do tópico
sujeito. Como afirmei na introdução, trabalhos recentes têm relacionado a emergência
do tópico sujeito no PB ao contato do português do século XIX com as línguas africanas
que vieram para o Brasil durante o período escravocrata. No próximo capítulo, abordo
exatamente a relação entre essa influência e a emergência do tópico sujeito no PB.
110
Capítulo 4: A origem do tópico-sujeito: uma questão do contato
linguístico com as línguas bantu?
Meu objetivo neste capítulo é discutir a hipótese de que o gatilho para a
emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro é um tipo de construção específico
das línguas da família bantu34
trazidas para o Brasil pelos africanos escravizados.
Nessas construções um item com traço [+locativo] ou [+possessivo] estabelece uma
relação de concordância com o verbo. Antes de iniciar o capítulo, remeto o leitor ao fato
de que as línguas bantu, na verdade, “constituem-se de uma família de línguas, com
características comuns, faladas maioritariamente na África subequatorial, a sul de uma
linha divisória que vai desde os montes Camarões (África Ocidental) até a Foz do rio
Tana (África Oriental)”. (CHIMBUNTANE, 1991). A partir do mapa abaixo é possível
visualizar a região onde essa família de línguas é falada, especificamente, na área em
vermelho.
34
Há na literatura linguística uma discussão sobre como deve ser denominada a família de línguas bantu,
visto que são encontrados dois usos distintos para esse termo. O primeiro termo é “bantu”, uma forma não
variável em número e gênero. O segundo termo é “bantu” e, nesse caso, há variação em gênero e número
(bantu/bantu; bantu/bantu). Segundo Chimbutane (1991), a origem do termo “bantu” vem do proto-bantu.
Nessa língua, “ba-” seria o morfema de plural que se anexa ao nome “-ntu” que significa “pessoa”. Em
uma tradução literal, os primeiros autores a nomearem essa família de línguas, chamaram-na de “línguas
de pessoas”. Nesse sentido, o termo “bantu” já teria o morfema de plural “ba” e se tornaria redundante o
acréscimo do morfema “-s” de plural. Por outro lado, o uso da forma variável é defendido por aqueles que
alegam que o falante de português não interpreta “ba” como um prefixo marcador de plural.
111
Figura 2 Mapa da região onde são faladas as línguas bantu na África
(Fonte: PETTER, 2015:55)
Este capítulo está organizado da seguinte forma: na primeira seção, apresento
uma breve discussão sobre os trabalhos em que o tópico sujeito é interpretado como
oriundo das construções de inversão locativa e concordância possessiva das línguas
bantu. Na seção seguinte, discorro sobre alguns argumentos extralinguísticos e
linguísticos utilizados para discutir a hipótese de que o gatilho para a emergência do
tópico sujeito no PB foi a influência das línguas bantu.
112
4.2.1 Os contextos linguísticos em análise
Em primeiro lugar, cabe, nessa seção, apresentar o conceito de inversão locativa,
que corresponde a uma estrutura sintática em que constituintes com interpretação
locativa, em geral com a função sintática de adjuntos adverbiais, são estruturalmente
projetados na posição de sujeito. Em outras palavras, constituintes não argumentais são
projetados em uma posição argumental, tal como definem Avelar e Cyrino (2008:59).
A inversão locativa corresponde a casos em que constituintes
locativos, normalmente tidos como não argumentais, ocorrem
em uma posição da sentença que pode ser identificada como a
posição gramatical do sujeito. (AVELAR e CYRINO, 2008: 59)
O fenômeno da inversão locativa é encontrado em línguas não românicas, como
podemos ver no exemplo do inglês expresso em (185), em Línguas bantu como o
Chichewa, em (186), no espanhol, em (187), e no PB em (188). Em todos os casos, um
adjunto adverbial ou um complemento circunstancial ocupa a posição à direita do verbo,
que canonicamente é interpretada como a posição de sujeito. Além disso, é preciso
ressaltar que há um PP ocupando a posição de sujeito e que nesse tipo de construção,
nas línguas em questão, podem aparecer verbos transitivos e intransitivos.
(185) a. From such optical tricks arise all varieties of romanic hallucination.
“A partir de alguns truques ópticos surgem todas as variedades de alucinações
românicas.”
b. Out of the house came a tiny old lady.
“Para fora da casa veio uma pequena velha senhora.”
(LEVIN & RAPPAPORT HOVAV, 1995: 220-221)
(186) a. Ku – um –dzi ku –na –buer –á a -lendô –wo
17 -3 -vila SC17 –PAST -vieram -FV 2 –visitantes -os
“Para a vila vieram os visitantes”
(BRESNAN & KANERVA, 1989)
(187) a. ¿Qué pasó?
113
En esta casa falta café.
(FERNANDEZ-SORIANO, 1999)
(188) a. Ele disse que naquela loja vende livros.
(AVELAR e CYRINO, 2008:56)
As propriedades da inversão locativa ora mencionadas fazem surgir uma
discussão sobre se de fato o locativo ocupa a posição de sujeito ou se ele está em uma
posição de tópico. Os argumentos para questionar o estatuto de sujeito dos sintagmas
locativos exemplificados em (185-188) passam pelo fato de (a) um PP está na posição
de sujeito; (b) verbos transitivos que têm como argumento externo um constituinte com
papel temático de [+agente] não o selecionarem; (iii) verbos inacusativos que são
monoargumentais terem [Spec-TP] preenchido por um DP; (iv) e, por fim, a questão da
concordância.
Avelar e Cyrino (2008), a partir de dados do PB, argumentam, a partir de quatro
propriedades sintáticas, em favor da análise de que o locativo é projetado na posição de
sujeito. O primeiro argumento está relacionado à propriedade de que, em contextos com
sujeito pós-verbal, o constituinte locativo é obrigatório, enquanto em casos de sujeitos
pré-verbais, a projeção do locativo é opcional, como pode ser verificado,
respectivamente, nos exemplos em (189) e (190).
(189) a. *(Naquele quarto) dormiu várias pessoas.
b. *(Naquela loja) vende todos os tipos de livro
(190) a. (Naquele quarto) várias pessoas dormiram.
b. (Naquela loja) todos os tipos de livro vendem.
(AVELAR e CYRINO, 2008:63)
Para os autores, a agramaticalidade de (189a-b), quando ocorre a ausência do
locativo e o sujeito é pós-verbal, decorre do fato do locativo ser o responsável por
satisfazer os requisitos de EPP da sentença. Assim, na sua ausência, há agramaticalidade
porque EPP não é satisfeito e a posição de [Spec-TP] não está preenchida.
O segundo argumento dos autores é oriundo das construções de hiper-alçamento
com verbo “parecer”. Nessas sentenças, o verbo “parecer” seleciona como argumento
114
interno uma oração. Observemos em (191a) que há um sujeito na oração subordinada
que pode ser alçado para a posição de sujeito do verbo parecer como mostra a
comparação dos exemplos (191a-b). Construções como (191b) são classificadas como
de hiper-alçamento do sujeito.
(191) a. [IP [øexpl] Parece [CP que [IP as pessoas não sonham]]].
b. [IP As pessoasi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi não sonham]]]]
(HENRIQUES, 2013:13)
Segundo Avelar e Cyrino, em construções com alçamento do sujeito que
envolvem o PP locativo como nas sentenças em (192-195), o locativo deve ocorrer em
uma posição pré-verbal caso o sujeito canônico da sentença permaneça posposto. Dessa
forma, os autores defendem que “os locativos funcionam da mesma forma que sujeitos
nominais quanto à obrigatoriedade de serem movidos para [Spec,TP] em construções de
alçamento.” (AVELAR e CYRINO, 2008: 63). Portanto, para os autores, do mesmo
modo que nas sentenças expressas em (190), em que a projeção do locativo para a
posição pré-verbal satisfaz o EPP, nas sentenças em (192-195) a projeção do locativo
para uma posição acima do verbo “parecer” também resulta na satisfação do EPP.
(192) a. * Parece na casa da Maria chegar muitas cartas.
b. Na casa da Maria parece chegar muitas cartas.
(193) a. * Parece naquele shopping trabalhar muita gente.
b. Naquele shopping parece trabalhar muita gente.
(194) a. * Parece naquela loja vender bastante sapato.
b. Naquela loja parece vender bastante sapato.
(195) a. * Não parece nas cidades do interior sequestrar tanto como nas grandes
capitais.
b. Nas cidades do interior não parece sequestrar tanto como nas grande capitais.
(AVELAR e CYRINO, 2008:63)
115
Acredito que acerca do segundo argumento de Avelar e Cyrino é preciso fazer
menção ao fato de que a agramaticalidade das sentenças expressas em (a), para mim,
não está relacionada à presença de um expletivo nulo na posição de sujeito do verbo
“parecer”. Observemos nos exemplos em (196) que o locativo pode permanecer em uma
posição pós-verbal, ainda que o sujeito esteja posposto.
(196) a. Parece chegar muitas cartas na casa da Maria.
b. Parece trabalhar muita gente naquele shopping.
c. Parece vender bastante sapato naquela loja.
d. Não parece sequestrar tanto como nas grandes capitais, nas cidades do
interior.
Para mim, a agramaticalidade das sentenças expressas em (192a), (193a), (194a)
e (195a) é resultado do fato do português não permitir que constituintes sejam
topicalizados dentro de orações encaixadas não finitas. Raposo e Uriagereka (1996)
afirmam que em sentenças como (197) há agramaticalidade porque o objeto “esses
documentos” está topicalizado dentro da oração encaixada.
(197) *Vai ser difícil esses documentos, os tribunais aceitarem-nos.
Assim a agramaticalidade de (192a), (193a), (194a) e (195a) não teria relação
com o fato do PB precisar ter um sujeito expresso, ainda que este seja um PP. Pelo
contrário, teria relação com uma restrição nas possibilidades de topicalização dos
constituintes do PB.
O terceiro argumento tem relação com o estatuto de foco. A partir da observação
dos dados do espanhol de Fernandez-Soriano (1999) expressos em (198) e da
comparação destes com sentenças estruturalmente semelhantes no PB, como as
expressas em (199), os autores defendem que o PP locativo deve ocupar a posição de
sujeito e não uma posição periférica na sentença. Observemos os dados em (198-199) e,
posteriormente, a análise desenvolvida pelos autores.
(198) a. – ¿Qué pasa / pasó?
b. – En esta casa falta cafe.
– En esta classe sobran estudiantes.
116
– # Por la colina rodó el carrito del niño.
– # A esta casa llegaron estudiantes.
(AVELAR e CYRINO, 2008:64)
(199) a. – O que está acontecendo? / – O que aconteceu?
b. – Na casa da Maria chegou umas pessoas estranhas.
– Na casa da Maria dormiu umas pessoas estranhas.
– Naquela loja vendeu mais de cem pares de sapatos ontem.
– Na casa do João não está mais cozinhando aos finais de semana.
(AVELAR e CYRINO, 2008:64)
Segundo Fernandez-Soriano (1999), sentenças como (199a) podem ter como
resposta orações com os verbos monoargumentais “faltar” e “sobrar” em que a posição
imediatamente anteposta a esses é ocupada por um PP locativo. Por outro, há um
contraste com verbos também monoargumentais como “rodó” e “llegar” em que a
expressão do PP locativo anteposto ao verbo torna a sentença ruim. Segundo a autora, a
explicação para o contraste entre as respostas possíveis está no fato de que com os
verbos “faltar” e “sobrar” o PP locativo ocupa uma posição argumental, a posição de
sujeito, enquanto nas demais respostas o PP locativo ocupa a posição de tópico. Assim,
segundo Avelar e Cyrino (2008), o estatuto de foco é inteiramente satisfeito apenas nas
sentenças em que o PP locativo ocupa a posição de sujeito, podendo, portanto, serem
respostas para sentenças como “¿Qué pasa / pasó?”
Por fim, os autores mencionam um último argumento para tratar um PP locativo
como o constituinte que ocupa a posição de sujeito nas sentenças com inversão locativa.
Especificamente, construções transitivas ergativizadas, como as expressas em (200-
203). Observemos que nessas sentenças o PP locativo pode trocar de posição com o DP
com o papel temático de tema, conforme demonstra a comparação entre as sentenças em
(a) e (b).
(200) a. Naquela loja vende todas as edições do livro do Harry Potter.
b. Todas as edições do livro do Harry Potter vendem naquela loja.
(201) a. No meu DVD não grava filmes antigos.
b. Filmes antigos não gravam no meu DVD.
117
(202) a. Naquela fotocopiadora não xeroca os livros novos da biblioteca.
b. Os livros novos da biblioteca não xerocam naquela fotocopiadora.
(203) a. Nas lojas do centro só conserta sapatos importados.
b. Sapatos importados só consertam nas lojas do centro.
Ainda acerca da inversão locativa, Avelar e Galves (2013) mostram uma série de
dados retirados de blogs da internet em que há um locativo anteposto ao verbo, mas sem
a presença da preposição, como pode ser visto nos exemplos em (204). A proposta dos
autores é a de que, assim como nas construções com PP locativo, sentenças como as
expressas em (204) também apresentem um locativo na posição de sujeito, satisfazendo
os requisitos de EPP.
(204) a. “algumas concessionárias tão caindo o preço”
O preço [do carro] tá caindo em algumas concessionárias.
(Retirado http://forum.carrosderua.com.br/index.php?showtopic=122656)
b. “algumas folhas apareceram uma mancha amarelada e pouco rugada”
Uma mancha amarelada e pouco rugada apareceu em algumas folhas da
orquídea.
(Retirado http://www.orquidea.bio.br/conteudo.asp?c=15)
Mais do que simplesmente uma inversão locativa, Avelar e Galves (2013)
defendem que os casos expressos em (204) correspondem, na verdade, a evidências de
que o PB admite a concordância locativa independente da presença ou ausência de um
PP.
“Ao contrário da tendência observada entre as línguas indo-
europeias, no PB, termos com interpretação locativa (quase
sempre interpretados como tópicos sentenciais) que não
equivalem a um sujeito lógico (ou semântico) do verbo podem
concordar com a flexão verbal.” (AVELAR e GALVES,
2013:108)
118
Do mesmo modo, Avelar e Galves (2013) defendem que há no PB a chamada
concordância com possessivo o que permite a essa gramática ter construções como as
expressas em (205). Observemos que as sentenças com concordância possessiva têm a
mesma estrutura das sentenças de tópico sujeito genitivo, ou seja, são construções que
envolvem as seguintes propriedades: ocorrem apenas com verbos inacusativos; há o
movimento de um sintagma adjunto para a posição de sujeito; há concordância entre
este sintagma e o verbo.
(205) a. “Não sou muito fã dessas calotas que ficam aparecendo a roda”
Paráfrase: “ ...a roda dessas calotas fica aparecendo.”
(Retirado de: www.clubepeugeot.com)
b. “as paredes tão caindo o reboco e o dinheiro mau da para pagar a conta”
Paráfrase: O reboco das paredes tá caindo.
(Retirado de: http://inforum.insite.com.br/68758/11157674.html)
(AVELAR e GALVES, 2013:117)
Avelar e Galves definem a concordância com possessivo da seguinte forma:
“Nessas construções, o sintagma que concorda com a flexão
verbal equivale semanticamente a um termo adnominal
preposicionado interpretado como possuidor.” (AVELAR e
GALVES, 2013:116)
Na verdade, as duas definições apresentadas, ou seja, a da concordância locativa
e da concordância possessiva, vão em direção à proposta de Avelar (2006) em que o
autor defende que em construções como (204-205) ainda que não haja a expressão
fonética de uma preposição, esta integra a derivação da sentença. A preposição estaria
abaixo de spell-out, no componente morfofonológico e, por isso, não é expressa
foneticamente. Assim, essas construções têm os mesmos itens na numeração de
construções como as expressas em (206-207).
(206) a. Fica aparecendo a roda dessas calotas.
b. Estão caindo o reboco das paredes.
119
(207) a. Uma mancha amarelada e pouco rugada apareceu em algumas folhas da
orquídea.
b. O preço [do carro] tá caindo em algumas concessionárias
Avelar e Cyrino (2008), Avelar e Galves (2013) e Avelar (2015) defendem que a
origem das construções de inversão locativa e concordância possessiva no PB está
relacionada ao contato do português do século XIX, falado no Brasil, com as línguas
africanas da família bantu. Vejamos alguns dos exemplos, em (208-209), das
construções que seriam o gatilho para a emergência do tópico sujeito no PB.
A observação dos exemplos em (208-209) revela uma estrutura sintática que é
completamente distinta da sintaxe das línguas românicas. Refiro-me à sintaxe das
classes nominais35
que na glosa de (208a-c) é representada pelos números. Observemos
que cada um desses números corresponde a um prefixo expresso na sentença em língua
bantu, os quais de acordo com Ngunga (2000) indicam que o vocábulo pertence a uma
classe nominal específica que é delimitada a partir de critérios semânticos, morfológicos
e sintáticos. No que concerne a (208), há duas classes nominais em destaque, 17 e 18
que correspondem às classes em que se enquadram vocábulos com a semântica de
locativos. Especificamente, no quadro proposto por Ngunga (2000), a classe 17 é
composta por locativos com significado diretivo, enquanto a classe 18 é integrada por
locativos que indicam interioridade. Ainda em relação às classes nominais, observemos
que o prefixo da classe nominal a qual pertence o DP anteposto ao verbo está também
presente no verbo, estabelecendo com ele uma relação de concordância.
(208) OTJIHERERO
a. mò-ngàndá mw-á-hìtí òvá-ndú
18-9.house C18-PAST-enter 2-people
„Into the house/home entered (the) peoples‟
PB: Na casa entraram as pessoas.
(MARTEN, 2006: 98 apud AVELAR e GALVES, 2013:110)
35
Segundo Ngunga (2000), Bleek (1862) foi o primeiro a perceber que os prefixos das Línguas bantu
se anexam a bases nominais específicas. Assim, há prefixos que se adjungem a nomes de plantas e outros
a nomes de objetos. Às classes as quais os prefixos se anexam foi dado o nome de classes nominais que
são definidas por Ngunga (2000) como “o conjunto de nomes com o mesmo prefixo e/ou o mesmo padrão
de concordância.
120
SETSWANA (Demuth & Mmusi 1997: p. 8)
b. Kó-Maúng gó-tlá-ya roná maríga
17-Maung 17SM-FUT-go 1pDM winter
„To Maung we shall go in winter.‟
PB: „Para Maung iremos no inverno.‟
(DEMUTH & MMUSI, 1997: 8 apud AVELAR e GALVES, 2013:111)
KINANDE (Baker 2003: exemplo 25)
c. Omo-mulongo mw-a-hik-a (?o-)mu-kali
LOC.18-village 18S-T-arrive-FV (AUG)-CL1-woman.1
„At the village arrived a woman‟
PB: Na aldeia chegou uma mulher
(BAKER, 2003 apud AVELAR e GALVES, 2013:111)
(209) a. CHICHEWA (Simango 2007: exemplo 23)
Mavuto a-na-f-a maso
Mavuto SM-PST-die-FV eyes
„Mavuto became blind‟ (Lit. „Mavuto died eyes‟)
PB: Mavuto morreu os olhos
(SIMANGO, 2007 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)
b. HAIA (Hyman 1977 apud Simango 2007: exemplo 24)
Omwaana n-aa-shaash’ omutwe
child PR-he-ache head
„The child has a headache‟ (Lit. „The child is aching the head‟)
PB: A criança está doendo a cabeça.
(HYMAN, 1977 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)
c. SWAHILI (Keach & Rochemont 1994: p. 83)
mtoto a-li-funik-wa miguu
1child 1-PST-cover-PASS 4legs
„The child‟ legs were covered‟ (Lit. „The child was covered the legs‟)
PB: A criança foi coberta as pernas
121
(KEACH & ROCHEMONT, 1994 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)
Segundo Avelar e Galves (2013), nas sentenças em (209) há concordância com o
possessivo. Entretanto, observemos que a glosa das sentenças em (209) não permite
identificar se realmente há concordância entre o DP [+possuidor] e o verbo finito, visto
que não há a indicação das respectivas classes nominais. Sintaticamente, a partir das
traduções, é possível afirmar que em (209a-b) há sentenças com verbos inacusativos –
“morrer” e “doer” - em que o DP [+possuidor] ocupa a posição de sujeito. Por outro
lado, a sentença em (209c) é uma passiva analítica, apresentando um verbo transitivo
direto e, consequentemente, uma estrutura sintática distinta da expressa em (209b-c).
A fim de explicar como as estruturas sintáticas expressas em (208-209) podem
ter sido o gatilho para a emergência do tópico sujeito, Avelar e Cyrino (2008), a partir
de Roberts (2007), defendem que dados linguísticos primários com baixa transparência
podem acarretar em mudanças gramaticais. Nesse sentido situações de intenso contato
translinguístico possibilitam que os falantes durante o processo de
aquisição/aprendizagem de uma L2, ao usarem essa nova língua, façam uso de uma
estrutura sintática mais próxima àquela que pertence a sua língua materna.
A hipótese de Avelar e Cyrino é a de que, na fase de aquisição da linguagem, as
crianças brasileiras, tinham, no século XIX, contato com o PE e com as Línguas bantu.
Dessa maneira, poderiam atribuir duas estruturas sintáticas distintas para uma sentença
como (210a). Na primeira estrutura, representada em (210b) - a derivação do PE -
observemos que há duas operações ocorrendo: mover e concatenar. Assim, o PP
“naquela loja” é concatenado em uma posição mais periférica na sentença, enquanto a
posição de sujeito, [Spec-TP], é ocupada por uma categoria vazia do tipo pro a qual se
move de [Spec-vP], para só depois se concatenar em [Spec-TP]. Por outro lado, na
derivação expressa em (210c) - aquela que representa o português L2 de falantes de
Línguas bantu - não há a operação “mover”, mas apenas a concatenação do PP “naquela
loja” em [Spec-TP] e a satisfação do EPP, visto que nas Línguas bantu são gramaticais
sentenças em que um PP locativo ocupe a posição de sujeito. Se a hipótese de Avelar e
Cyrino (2008) estiver correta, a opção dos falantes pela derivação expressa em (210c)
teria ocorrido por ser esta uma estrutura que requer menos operações sintáticas, sendo,
portanto, mais econômica.
(210) a. Naquela loja vende livros
122
b. Português Europeu
Naquela loja vende livros
TP 3 PP TP 4 3 Naquela proi T‟
Loja 3 T vP 4 ti vende livros
c. Português falado como segunda língua
por falantes nativos de línguas Bantu
Naquela loja vende livros
TP
3
PP T‟
4 3
Naquela T vP
4
Vende livros
(Retirado de AVELAR e CYRINO, 2008:67)
O mesmo raciocínio, por hipótese, poderia ser utilizado para explicar a
emergência das construções com concordância possessiva. Observemos que em (211b),
assim como em (210b), são processadas duas operações sintáticas: o movimento e a
concatenação de um pro de [Spec-vP] até [Spec-TP] e a concatenação do DP “o carro”
em uma posição periférica. Já na derivação expressa em (211c), que é semelhante a
(210c), só ocorre a concatenação do DP “o carro” na posição de sujeito, [Spec-TP].
(211) a. O carro furou o pneu.
123
b. Derivação no PE
TP
3
DP TP
O carro 3
proi T‟
3
T vP
4
Furou o pneu ti
c. Derivação no português L2 de falantes
de Línguas bantu
TP
3
O carro T‟
3
T vP
4
Furou o pneu
Há que se destacar que existe uma diferença importante entre as derivações
expressas em (210) e (211). Enquanto em (210) há um PP foneticamente expresso, em
(211), superficialmente há um DP na posição de sujeito. Entretanto, nos dois casos, a
gramática do PE só admite tais sentenças se o DP ou PP estiver em uma posição
periférica na sentença, atuando, portanto, como um tópico e não como o sujeito.
Observemos, por exemplo, que em sentenças como (212) em que há o verbo parecer no
português europeu o DP “as crianças” estabelece uma relação de concordância com o
verbo da oração completiva e não com o verbo “parecer”. Em outras palavras, o
alçamento do DP “as crianças” se dá para a posição de [Spec-CP] e não para [Spec-TP]
do verbo “parecer”, como podemos ver nas derivações em (213).
(212) As crianças parece brincarem.
124
(213) a. CP
3
DP TP
As criançasi 3
T‟
3
T vP
parece 4
as criançasi brincarem
b. * TP
3
As crianças T‟
3
T vP
parece 4
brincarem
4.1 A questão do contato linguístico na emergência do PB
Após cinco séculos de contato entre as línguas indígenas, africanas, indo-
europeias no território do Brasil é preciso observar com atenção, quando se objetiva
estudar as origens do português brasileiro, em que medida as línguas dos povos que
vieram para a América portuguesa contribuíram na sua formação. Ao mesmo tempo,
para traçar esse paralelo, é preciso fazer menção não apenas aos dados linguísticos, mas
também aos fatos sócio-históricos que possam estar interligados.
Diversos trabalhos têm mostrado diferenças entre as gramáticas do Português
Brasileiro e do Português Europeu. Tessyier (1997), por exemplo, indaga sobre como é
possível explicar as particularidades do Português do Brasil em relação ao Português
Europeu. Para Mattos e Silva (2006), a fim de responder a indagação de Tessyier é
preciso o reconhecimento de que “a história brasileira é muito recente e a consciência da
transplantação do português europeu para o que veio a ser o Brasil está presente por
muitos lados. [...] assim como, é preciso reconhecer as variantes do português brasileiro,
presentes no território nacional (MATTOS e SILVA, 2006: 222)”. Para Castro (2006), é
necessário também discutir a influência das línguas africanas no português europeu,
bem como a intensidade dessa influência na formação da gramática do português
brasileiro. Do mesmo modo, é preciso não renegar a importância das línguas indígenas.
Castro (2006) indaga sobre o que teria acontecido com as línguas negro-
africanas que foram faladas durante o período de escravidão no Brasil. Afinal, por
longos três séculos seus falantes foram numericamente superiores ao de portugueses.
125
Petter e Cunha (2015) afirmam que entre 1502 e 1860 aproximadamente 3.600.000
africanos desembarcaram no Brasil em quatro grandes ciclos que são divididos
conforme o quadro abaixo:
Quadro 14 Os grandes ciclos de chegada de escravos africanos no Brasil
(Fonte: PETTER e CUNHA, 2015:222)
É importante ressaltar que o final de um ciclo não implica que tenha sido
interrompido em 100% o transporte de africanos escravizados de uma região. Esse fato
é relevante porque a política de distribuição dos escravos implantada pelos portugueses
tinha como premissa proporcionar que grupos étnicos distintos fossem levados para as
mesmas capitanias (PETTER, 2006; BONVINI, 2008). O grande número de
escravizados proporcionou a chegada de um elevado número de línguas africanas ao
Brasil. Para Bonvini (2008), as regiões de onde provêm os escravos permitem afirmar
que as línguas “importadas” tinham origem em duas grandes áreas: a área oeste-africana
e a área austral, conforme pode ser visto no mapa a seguir.
Figura 3 Principais rotas do tráfico transatlântico
XVI XVII XVIII XIX
Sudaneses
Congo
Angola
Baía do Benim
Moçambique
126
(Fonte: PETTER & CUNHA, 2015:224)
A área oeste-africana onde estão Guiné Bissau, São Jorge da Mina, São João da
Ajuda e Lagos foi de onde veio o maior número de línguas. Estas pertenciam a três
troncos linguísticos: nigero-congolês, afro-asiático e Nilo-saariana. É preciso ressaltar
que o tronco Nigero-congolês também se faz presente na área austral de onde vieram
escravos que falavam línguas da família bantu. No quadro 15, é possível perceber a
distribuição das famílias linguísticas nas duas grandes áreas do território africano.
Quadro 15 Famílias e troncos linguísticos africanos trazidos para o Brasil
(Fonte: PETTER & CUNHA, 2015:222-223)
Dada a complexidade das relações que podem ser estabelecidas entre as línguas
africanas, bem como o difícil trabalho de remontar o quadro dessas línguas que foram
trazidas para o Brasil e as suas distribuições no vasto território brasileiro, é preciso uma
atenção especial a todo o contexto sócio-histórico quando se propõe que a gênese de
uma construção do português brasileiro está em um processo de transferências de traços
das línguas africanas.
Outro problema que precisa ser destacado é a datação dos dados que estão sendo
veiculados como fontes de evidência empírica. Os dados que vimos na seção anterior,
apesar de não datados, devem recobrir o período histórico do final do século XX e início
do século XXI. Entretanto, quando falamos de processos escravocratas estamos nos
referindo a um contexto de intenso contato linguístico, de aquisição de L2 decorrido
entre os séculos XVI e XIX. Conforme destacam Petter e Cunha (2015), é muito
Nígero-congolês Afro-asiático Nilo-saariana
Atlântica
Mandê
Gur
Cua [Kwa]
Ijoide
Defóide
Edóide
Nupóide
Iboide
Cross-river
Chadica
Saariana
Área Austral Banto
Área oeste-africana
127
complexo comparar a partir dos parcos documentos manuscritos que foram produzidos
as línguas faladas atualmente e no passado.
“É complexo interpretar documentos de quase três séculos, visto
que não se pode comparar o conjunto de línguas faladas
atualmente na região com as línguas representadas no
manuscrito, pois aquelas se transformaram no espaço e no
tempo e além do mais não exercem a função veicular que a
língua geral de uma mina exercia.”
(PETTER &CUNHA, 2015:228)
Dito isso é preciso observar os argumentos extralinguísticos adotados para
considerar a relevância das línguas dos escravos na formação do tópico sujeito do PB.
4.2 A hipótese da influência bantu na emergência das construções de
tópico sujeito
4.2.1 Argumentos extralinguísticos
O principal argumento extralinguístico levantado por Avelar e Galves (2013)
para defender que as construções que envolvem a concordância locativa e possessiva
emergem no PB via influência bantu tem relação com a demografia brasileira durante os
períodos colonial e imperial. Nesses dois períodos históricos, as porcentagens da
população brasileira, considerando as etnias que habitavam o seu território, indicam um
quadro em que os indígenas desde o início do século XVII não constituem a maior parte
da população e que, principalmente, ao longo do tempo, a presença dos africanos
escravizados foi se tornando mais massiva.
Segundo Avelar e Galves, o fato de os indígenas já no início do século XVII
corresponderem a 10% da população brasileira, chegando a atingir apenas 2% no final
do século XIX, é uma evidência de que eles tiveram pouca força para “implementar e
difundir inovações gramaticais” (AVELAR e GALVES, 2013:120). Por outro lado, os
africanos e afrodescendentes correspondem desde o século XVII a mais da metade da
população brasileira, tendo, portanto, “mais força” para implementar e difundir
inovações gramaticais oriundas das suas línguas maternas. Consideremos a tabela
abaixo.
128
Tabela 16 Demografia da população brasileira por etnia (1583-1890)
(MUSSA, 1991 apud AVELAR e GALVES, 2013)
Conforme apontam Avelar e Galves (2013), Mattos e Silva (2002) já tratava da
importância do contato com as línguas africanas na formação do PB. Indiscutivelmente,
os argumentos da autora também seguiam a linha da demografia populacional e
acrescentavam questões relacionadas ao fato de essas línguas africanas serem os
substratos que serviam de base para o aprendizado da língua do povo dominador: o
português. Dessa maneira, Avelar e Galves (2013) defendem que um peso maior seja
atribuído aos africanos e afrodescendentes na difusão de mudanças linguísticas.
O contexto de contato linguístico, aliado à necessidade de aprender a língua do
povo dominador, assim como a não sistematização dessa língua que era aprendida sem
nenhum processo de ensino regular propiciaram, segundo Avelar e Galves (2013:122),
“a transferência de matrizes oracionais das línguas nativas dos africanos (a
concordância locativa e a concordância possessiva)36
para a língua (e suas variedades)
que ia sendo adquirida pelos nascidos no Brasil”.
Acredito que, para tratar de uma possível influência bantu no PB, como fazem
Avelar e Galves (2013), é preciso fazer indagações acerca das etnias que compunham a
população brasileira no período colonial e imperial. Em linhas gerais, a tabela 1
evidencia que, na sociedade brasileira colonial e imperial, há três grandes períodos, que
marcam a dispersão dos principais grupos étnicos que constituem a população
brasileira: 1583-1600, 1601-1800, 1801-1890. Observemos que o primeiro período é
aquele em que prevalece a população indígena; enquanto no segundo período, a maior
parte da população é formada por africanos ou escravos já nascidos no Brasil; e,
finalmente, um último período, em que predomina a população mestiça e branca.
36
Grifo meu
1583-1600 1601-1700 1701-1800 1801-1850 1851-1890
Africanos 20% 30% 20% 12% 2%
Negros Brasileiros 0% 20% 21% 19% 13%
Mulatos 0% 10% 19% 34% 42%
Brancos Brasileiros 0% 5% 10% 17% 24%
Europeus 30% 25% 22% 14% 17%
Índios integrados 50% 10% 8% 4% 2%
129
Em princípio, a primeira observação que pode ser feita é a de que as línguas
indígenas tiveram pouco espaço e tempo para influenciar significativamente o PB como
afirmam Avelar e Galves (2013). Ainda assim, é inegável a formação de uma língua
geral de base tupi que contribuiu significativamente para a formação do PB. O período
em que os indígenas constituem a maior parte da população além de curto corresponde a
um espaço temporal em que a colonização ainda era muito incipiente e poucos
portugueses tinham imigrado para o Brasil. Prevaleciam as línguas indígenas, mas a
disseminação da língua portuguesa já era feita por meio do trabalho dos padres jesuítas.
Ainda nesse primeiro período, os portugueses ampliaram o processo de escravização
dos africanos que nessa primeira fase correspondem a 20% da população em território
brasileiro, conforme a tabela 16.
O segundo período é aquele em que a colonização do território brasileiro já
ganhou força e dada a baixa densidade demográfica da população portuguesa, o número
de escravos é constantemente ampliado, principalmente, com o objetivo de trabalho nas
lavouras e, posteriormente, no ciclo do Our. Nesse período – 1601 a 1800 -, a população
africana cresce muito e, por consequência, também o número de negros escravizados já
nascidos no Brasil. Se no primeiro período destacado, os índices demográficos não
permitem apontar para uma forte influência indígena na formação de uma língua
brasileira, não se pode dizer o mesmo do segundo período para os africanos. Entre 1601
e 1800, aproximadamente metade da população residente no Brasil era formada por
negros escravizados. A segunda fase – 1601 a 1800 – traz uma importante questão para
a discussão desse trabalho: o número de línguas que foram levadas para o Brasil. que
pode ser visto na Figura 437
.
37
Apresento na Figura 4 um mapa linguístico da África no período moderno. Entretanto, sei que este não
é exatamente o padrão que deveria existir no século XIX, principalmente, porque muitos dos Estados
ainda não existiam e, sem dúvida alguma, muitas línguas foram extintas durante o processo de
colonização desse continente. Na verdade, tomo o mapa expresso na figura 2 como uma fonte de síntese
da diversidade linguística presente no continente africano.
130
Figura 4 Mapa Linguístico da África moderna
(Fonte: PETTER, 2015:55)
Segundo Nina Rodrigues (2010), é preciso mencionar também que os grupos
étnicos foram distribuídos ao longo da costa brasileira de uma maneira desigual. Havia
áreas onde predominavam escravos de origem bantu, enquanto em outras havia misturas
de grupos étnicos, mas também áreas onde predominavam grupos etnolinguísticos não
bantu. Segundo Nina Rodrigues (2010), havia no Brasil uma grande massa de
escravizados de diversas regiões da África, conforme a Figura 5. Na verdade, Angola,
Moçambique, Congo, Regalo, Angico e Gabão eram as principais origens dos escravos
de Pernambuco. Na Bahia, praticamente não havia escravo bantu e predominavam os
131
escravos oriundos do Sudão, enquanto no Rio de Janeiro predominavam os escravos
vindos do Congo, Moçambique, Angola, entre outros, especialmente, os do grupo bantu.
Figura 5 Regiões da África de onde os escravos foram levados para o Brasil, considerando o destino final do
escravo.
A afirmação de Nina Rodrigues (2010) revela um ponto de vista que precisa ser
observado com especial atenção quando pensamos em propor que uma dada construção
tenha emergido no PB como uma transferência ou interferência das Línguas bantu. O
fato é que a infinidade de línguas levadas ao Brasil nos navios negreiros, ainda que
pertencentes, majoritariamente, à mesma família linguística, sem dúvida alguma se
constituem como gramáticas distintas. Em outras palavras, é muito difícil assumir que
dentro do conjunto de Línguas bantu uma construção específica tenha sido
“transferida/interferido” diretamente para/na gramática do emergente PB.
Soma-se à infinidade de línguas que desembarcaram no Brasil colonial e
imperial a questão de que mediante essa pequena torre de babel, os africanos
escravizados passaram a fazer uso na comunicação entre eles de uma língua franca que
no Sul do Brasil foi o Kimbundo, enquanto no Norte, especialmente, na região da
Bahia, foi o Iorubá. Ou seja, o escravo ao chegar ao Brasil, se não tivesse como língua
materna o kimbundo ou o iorubá precisava além de aprender o português, para se
comunicar minimamente com os seus senhores, aprender também o kimbundo ou o
iorubá para se comunicar com os membros do grupo escravizado.
132
Destarte, ao desembarcar no Brasil, o negro novo era obrigado a
aprender o português para falar com os senhores brancos, com
os mestiços e os negros crioulos e a língua geral para se
entender com os parceiros ou companheiros de escravidão.
(NINA RODRIGUES, 2010:132)
Nesse sentido, em muitos casos, a língua geral entre os escravos era aprendida
como uma L2 ou L3 o que torna ainda mais complicada a assunção de que houve uma
transferência direta do tópico sujeito das Línguas bantu para o PB, pois, em processos
de aprendizado de línguas não maternas, principalmente, nos casos em que não há um
ensino direcionado e os dados de input são completamente descontínuos é presumível
que o aprendizado de certas construções demandará um longo período de tempo e pode,
em geral, não atingir um nível de fluência alto. Em outras palavras, o africano
escravizado aprendendo o PB como segunda língua, ou até terceira, tenderia a fazer
transferências da sua língua materna. Além disso, a não ser que a sintaxe do português
já admitisse tal construção, o processo de disseminação do tópico sujeito na sociedade
não escravizada sofreria imensa resistência devido a ser esta uma construção marcada
por ser oriunda do falar negro. Não parece ter sido esse o processo sócio histórico que
ocorreu na disseminação do tópico sujeito na gramática do PB.
4.3 O tópico sujeito no português em África: uma contribuição para a
hipótese da não influência bantu
Além das questões sócio históricas já mencionadas, vale aqui ressaltar os dados
de tópico sujeito em variedades africanas do português que foram encontrados em
buscas on-line, buscas no CRPC, bem como observados em falas espontâneas. Estes
dados foram apresentados no primeiro capítulo, quando descrevi as construções de
tópico sujeito. Naquele momento, mostrei que a estrutura sintática das sentenças que
retomo em (214-218) é a mesma que podemos observar nos dados de tópico sujeito do
português brasileiro: há dois tipos de posse: inalienável ou meronímica; há mudança na
grade argumental; o DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo; o papel temático do DP
[+possuidor] é [+afetado/beneficiário]; o verbo é inacusativo; o predicado indica
mudança de estado; há constituintes descontínuos; e há DPs [+inanimado] e [+animado]
na função de sujeito.
133
(214) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o
álcool. (CRPC, Angola)
b. Benicio Del Toro, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Traffic
quebrou o pulso ao cair mal. (CRPC, Angola)
c. Depois o barbeiro encarava o aleijado e era como os seus sonhos quebrasse as
asas e tombasse naquela areia. (CRPC, Angola)
(215) a. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,
Moçambique38
)
b. O piloto quebrou a clavícula, fraturou o crânio e sofreu duas paradas
cardíacas. "Foi uma fatalidade. Estou muito triste".39
(Busca online,
Moçambique)
(216) a. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,
dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão
perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.
(CRPC, Cabo Verde)
(217) a. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)
(218) a. A lambreta Damião furou o pneu.40
(Busca online, São Tomé e Príncipe)
b. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas41
(Busca online, São Tomé e
Príncipe)
c. Eu dantes trabalhava num bar, da minha irmã, xxxx depois caí parti o braço,
desisti de lá trabalhar (VAPOR42
, São Tomé e Príncipe)
38
Este dado foi fornecido, gentilmente, pela professora Perpétua Gonçalves em conversa pessoal. 39
Retirado do site:
http://www.cofirve.org/site/s001/pagina.php?pagina=pag_noticiasVer.php&id=1267&idt=23
40
Retirado do site:
http://siga.st/futebol/internacional/info/513277/a-lambreta-damiao-furou-o-pneu
41
Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/
42
Registro meu agradecimento ao professor Tjerk Hagemeijer por gentilmente ter me cedido a amostra de
São Tomé e Príncipe do projeto Variedades do Português (VARPOR)
134
Dado que a estrutura sintática do tópico sujeito é a mesma encontrada no
português brasileiro e nas variedades africanas do português cabe aqui um
questionamento sobre as zonas etnolinguísticas em que esses dados foram encontrados.
Por hipótese se o tópico sujeito emerge no português brasileiro por influência bantu, ele
não deveria ser encontrado em variedades africanas do português que não têm contato
com essa família de línguas.
Entretanto, ao observar os mapas a seguir, notemos, em um primeiro momento, a
localização de Angola e Moçambique: ambos os países estão na região Niger congo B
onde predominam as línguas da família bantu. No que concerne à Guiné Bissau,
observemos que se encontra na área onde predominam as famílias linguísticas do grupo
Niger Congo A, ou seja, em uma área não bantu. Especificamente, em relação aos dois
países lusófonos insulares, é preciso salientar que o processo de colonização fez com
que línguas do grupo bantu fossem levadas para essa região e disseminadas em alguns
pontos específicos dos respectivos territórios.
Figura 1 Localização dos países lusófonos na África
(Fonte: http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/
Acessado em 27 de Novembro de 2015.)
Figura 2 Mapa Linguístico da África
(Fonte: http://image.slidesharecdn.com/aulafrica
Acessado em 27 de Novembro de 2015)
Por outro lado, em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, há o predomínio de
línguas crioulas em detrimento das línguas bantu. Segundo Hagemeijer (2013), os
135
crioulos são as línguas maternas da maior parte da população de São Tomé e Príncipe e
Cabo Verde. Além da porcentagem da população que fala as línguas crioulas é
necessário observar que essas línguas têm substratos distintos. Dessa forma, como é
possível perceber no quadro 16, em Cabo Verde e em Guiné Bissau, emergiram línguas
crioulas que não têm como substrato línguas da família bantu, mas sim do grupo Niger
congo A que, geograficamente, está localizado na Alta Guiné, como pode ser visto no
mapa acima. Já os crioulos falados em São Tomé e Príncipe têm línguas bantu como a
fonte de substrato.
Quadro 16 Crioulos de base lexical portuguesa falados na África, considerando os respectivos substratos
Portanto, a análise dos mapas permite afirmar que as regiões mais propícias à
emergência do tópico sujeito via influência bantu seriam Angola e Moçambique, visto
que é justamente na região onde os países estão localizados que predominam as línguas
bantu. Do mesmo modo, São Tomé e Príncipe tem crioulos com substrato bantu e o
tópico sujeito poderia aparecer nessa região. Por outro lado, a emergência dessa
construção em Guiné-Bissau e em Cabo Verde, onde não há contato com as línguas
bantu é mais uma forte evidência de que a explicação para a origem do tópico sujeito
não pode estar somente na influência bantu. Se assim o fosse, não haveria tópico sujeito
em Guiné Bissau e Cabo Verde.
Crioulos do Golfo da Guiné (Substrato Banto)
Crioulos de Sotavento Crioulos de Barlavento
Brava Boa vista Kriol São Tomense (Forro)
Fogo Sal Principiense (Lunguye)
Santiago São Nicolau Angolar
Maio São Vicente Fa d'ambu
Santo Antão
Crioulos de São Tomé e Príncipe
Crioulos da Alta Guiné (Substrato não Banto)
Crioulos de Cabo VerdeCrioulos de Guiné Bissau
136
Capítulo 5: O tópico sujeito como um caso de mudança
linguística: a reanálise
Nos capítulos anteriores, descrevi o tópico sujeito, que envolve o alçamento de
um DP [+possuidor], como um caso de posse externa. Em seguida, mostrei que
construções de posse externa são encontradas na gramática do português em sentenças
que envolvem o clítico dativo “lhe”, expressando a noção semântica de posse. A partir
de uma análise quantitativa, também mostrei que o tópico sujeito emerge no PB nos
mesmos contextos em que o clítico “lhe” era, até o século XIX, a estratégia preferencial
para expressar a relação de posse. É preciso ressaltar que a diminuição na frequência de
uso do clítico “lhe”, no PB, muito tem a ver com a reorganização do sistema de posse,
bem como com a diminuição na frequência de uso de clíticos nessa gramática.
No capítulo que ora inicio, discutirei como se deu a mudança linguística que
permite a emergência da construção de tópico sujeito que envolve um DP [+possuidor]
na posição de sujeito. Para tanto, o capítulo está organizado da seguinte forma: na
primeira seção, trato da estrutura formal da relação de posse expressa pelo clítico “lhe”
e de como se deu a diminuição na sua frequência de uso. Na segunda seção, abordo a
relação entre a estrutura de posse com o clítico e a emergência do tópico sujeito.
5.1 A posse externa com o clítico lhe: estrutura e decadência da
construção.
Antes de discutir a estrutura e os fenômenos linguísticos que licenciam a
diminuição na frequência de uso do clítico lhe indicando posse, é preciso mencionar de
forma breve a estrutura do sintagma nominal que adotarei ao longo do capítulo. A
importância do sintagma nominal se dá porque farei uso da perspectiva de que a relação
de posse, mesmo em construções de posse externa, é expressa, inicialmente, dentro do
DP pós-verbal. Nesse sentido, a projeção do DP [+possuidor] em uma relação direta
com o predicador verbal se dá por meio de operações de movimento e concatenação.
Chomsky (1981) em seu já célebre trabalho que norteia a Teoria de Princípios e
Parâmetros defende que os sintagmas nominais - (NPs) - são projeções máximas de um
núcleo lexical - (N). Nessa visão mais tradicional de Princípios e Parâmetros, um
sintagma nominal é sintaticamente estruturado, de acordo com X‟, como nas estruturas
137
arbóreas expressas em (219). Observemos que são possíveis quatro estruturas para um
NP, mas que, em síntese, é possível dizer que um núcleo N pode se combinar ou não
com um complemento, (219a-b), formando a projeção N‟. A projeção N‟ pode se
combinar a adjuntos como em (219c-d) na forma de PP ou AdjP. E, por fim, N‟ se
combina com um especificador e origina a projeção máxima NP.
(219) a. NP
3
D N‟
g
N
b. NP
3
D N‟
3
N NP/PP
c. NP
3
D N‟
3
N‟ PP
g 4
N
d. . NP
3
D N‟
3
N‟ AdjP
g 4
N
Observemos em (220) algumas derivações de acordo com o modelo X‟ na
tradicional versão da Teoria de Princípios e Parâmetros. Em (220a), há a derivação do
sintagma “o celular”, nessa construção não há complementos e nem adjuntos. Por outro
lado, em (220b), ocorre a projeção de uma posição para o complemento, visto ser este
um sintagma que tem como núcleo um nome deverbal e que, portanto, sempre projetará
uma posição de complemento. Nos sintagmas expressos em (220c-d), há a projeção de
adjuntos que podem vir sob a forma PP, como em (220c), ou de AdjP, como em (220d).
Observemos ainda que como o núcleo do sintagma é o nome – N - resta ao determinante
a posição de [Spec-NP].
138
(220) a. O celular
NP
3
D N‟
o g
N
celular
b. A destruição da cidade
NP
3
D N‟
a 3
N PP
destruição 4
da cidade
c. A bateria do celular
NP
3
D N‟
a 3
N‟ PP
g 4
N do celular
bateria
d. O celular caro
NP
3
D N‟
o 3
N‟ AdjP
g 4
N caro
celular
Essa proposta inicial de Princípios e Parâmetros para o NP motivou uma série de
trabalhos que, seguindo a linha de raciocínio proposta por Chomsky (1970),
argumentam que a estrutura de um NP não é restrita aos núcleos projetados em (219-
220). Pelo contrário, os NPs têm uma estrutura sintática semelhante à sentença
(SZABOLCSI, 1983, 1987; ABNEY, 1987; LONGOBARDI, 1996). Ou seja, por meio
da observação de dados linguísticos é possível mostrar que há projeções funcionais
entre a projeção máxima e o núcleo.
Uma das linhas de trabalhos que têm seguido o caminho de propor que há
projeções funcionais em um sintagma nominal é a chamada hipótese do DP que é
amplamente defendida na literatura (SZABOLCSI, 1983, 1987; ABNEY, 1987;
139
LONGOBARDI, 1996). Segundo essa hipótese, o NP, na verdade, está inserido em um
DP. Nesse sentido, não é o N o núcleo dessa projeção funcional, mas sim o D. Assim, a
nova representação arbórea é a expressa em (221). Essa proposta torna possível a
projeção de categorias como NumP, nP, PersP, GenP, entre o D e o N, aproximando
assim a sintaxe dos nomes à sintaxe da sentença, como pode ser visto na representação
expressa em (222).
(221) DP 3 Spec D‟ 3 D NP
o 3
Spec N‟ 3 N Comp celular
(222) DP 3 Spec D‟ 3 D NumP 3 Spec Num‟ 3 Num nP 3 Spec n‟ 3 n NP 3 Spec N‟ 3 N Comp
Uma das vantagens na utilização de uma estrutura como a expressa em (222) é
poder dar conta de casos como as sentenças em (223), do italiano, que não seriam
contemplados com a sintaxe expressa em (219-220). Observemos que em (223a) há dois
140
itens lexicais antecedendo o nome “casa”, especificamente, o artigo “la” e o pronome
possessivo “mia”. Em uma sintaxe como a expressa em (219-220), a derivação de
(223a) apresentaria um problema, pois só há uma posição disponível para dois itens
lexicais: a posição de determinante do NP. A solução proposta pelo modelo tradicional
de Princípios e Parâmetros é assumir que um possessivo anteposto ao nome, no italiano,
funciona como um clítico ao núcleo do sintagma (LONGOBARDI, 1996).
(223) a. La mia casa è più bella della tua
PB: minha casa é mais bonita que a tua
b. Casa mia è più bella della tua
PB: casa minha é mais bonita que a tua
c. *Mia casa è più bella della tua
PB: minha casa é mais bonita que a tua
(Retirado de LONGOBARDI, 1996)
Nesse sentido a sentença em (223a) é contemplada pela representação sintática
expressa em (219-220). Em outras palavras, para derivá-la não é necessário pressupor
uma sintaxe do NP paralela à sintaxe da sentença. Entretanto, em (223b), o pronome
possessivo, “mia”, encontra-se posposto ao nome, como expressa a derivação em
(224a). Observemos em (224a) que na versão tradicional não seria possível derivar
“casa mia” porque o pronome possessivo encontra-se posposto, portanto, em posição de
núcleo do NP, função que não lhe cabe.
Por outro lado, em uma derivação como (224b), que toma a hipótese do DP,
observemos que o nome “casa” se concatena, primeiramente, na posição de núcleo do
NP, passa pela operação de mover, se concatenando, novamente no núcleo de D. No que
concerne ao pronome possessivo, notemos que ele “nasce” na posição de [Spec-NP] que
é ocupada pelos determinantes. Assim, a derivação converge porque há uma posição
sintática disponível acima da projeção máxima NP para onde o nome “casa” pode se
mover, gerando a ordem “casa mia”.
A verdade é que (224b) consegue explicar o porquê da hipótese do DP ser mais
vantajosa do que a defendida na visão tradicional de Princípios e Parâmetros: a
vantagem está na projeção de um núcleo acima de NP que permite movimentos dentro
do sintagma determinante. Entretanto, (224b) ainda não explica o porquê de se defender
a projeção de outros núcleos funcionais entre o N e o D.
141
(224) a. Casa mia
NP
3
D N‟
casa g
N
mia
b. Casa mia
DP 3 D‟ 3 casai NP
| 3 | mia N‟
| 3 | casai
|_______|
O dado linguístico que evidencia a necessidade de projeção de núcleos entre D e
N é o expresso em (223c). Observemos que a anteposição do pronome possessivo “mia”
sem a realização do artigo torna a sentença agramatical, por outro lado, se o artigo
estiver presente como em (223a) a derivação converge, pois o artigo ocupa a posição de
D. A sentença expressa em (223c) revela que, no italiano, um pronome possessivo não
pode ocupar a posição D. Observemos em (225a) que a posição de D não está
preenchida porque não há um artigo, entretanto, a realização do possessivo nesta
posição é agramatical. Assim, o que podemos assumir é que para que a derivação
convirja, conforme (225b), é necessário que o pronome possessivo ocupe uma posição
entre os dois núcleos, D e N. Essa posição pode ser PossP, como proposto por Cinque
(1994).
142
(225) a. * Mia casa
DP 3 Spec D‟ 3 D NP
*mia 3
Spec N‟ 3 N Comp
casa
b. La mia casa
DP 3 Spec D‟ 3 D PossP
la 3 Spec Poss‟ 3 Poss NP
mia 3
Spec N‟ 3 N Comp
casa
Conforme ressaltei no início dessa seção, a discussão sobre a estrutura do
sintagma nominal se faz necessária em virtude de esta tese tratar de um tipo de posse.
Assim, mediante as representações aqui expostas – a tradicional derivação de Princípios
e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) e a hipótese do DP (ABNEY, 1987) – tomo no
desenvolvimento desta tese a hipótese do DP, visto que para a proposta de análise é
fundamental a projeção de núcleos funcionais entre D e N.
5.2 A derivação do tópico sujeito
Nesta nova seção, meu objetivo é derivar a construção de posse externa do
português brasileiro em que há o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de
sujeito: o tópico sujeito. Para tanto, tomo as propostas de Andrade e Galves (2014), bem
como os pressupostos teóricos de Den Dikken (2006) no que concerne, especificamente,
ao núcleo funcional RP (Relational phrase).
Antes de apresentar os pressupostos teóricos de Den Dikken (2006), cabe
relembrar duas importantes restrições das construções de tópico sujeito. Ao longo dos
capítulos anteriores, vimos que o objeto de estudo dessa tese não pode ocorrer quando
há posse alienável, como pode ser visto nos exemplos agramaticais apresentados em
(226). Além disso, não há tópico sujeito com verbo inergativo ou transitivo, como pode
ser visto nos exemplos em (227).
143
(226) a. *Essa mesa quebrou o pote
b. * O João pifou o carro
(ANDRADE e GALVES, 2014: 128)
(227) a. * [Essa escola]i trabalha [o funcionário ec i ]θext [todos os dias].
b. * [Esse rapaz] i encontrou [a menina]θext [o carro eci ]θint.
(ANDRADE e GALVES, 2014: 127)
Apresentadas as características em (226) e (227) é preciso retomar o fato de que
o tópico sujeito só ocorre quando há posse inalienável ou meronímica, portanto, quando
ocorre a expressão de uma relação de parte todo, conforme os exemplos em (228). Bem
como, sua gramaticalidade está restrita às sentenças com verbos inacusativos43
.
(228) a. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça
de lagartixa? Quase que [posse inalienável]o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A
lagartixa ria escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio
Marcos, 1935)
b. É impressionante como [posse meronímica]a música caiu o nível hoje em dia. Você
ouve uma coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias
hoje em dia. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)
Dada a importância do traço de inalienabilidade para as construções de tópico
sujeito é preciso pressupor uma análise que considere a estrutura sintática da posse
inalienável. Para Chappel e McGregor (1999), nesse tipo de estrutura há a exigência de
que ocorram duas entidades relacionadas. Assim, estabelece-se uma relação de parte-
todo que não pode ser semanticamente desfeita. Nesse sentido, no que concerne à
43
Munhoz (2011) argumenta que as construções de tópico sujeito no português brasileiro ocorrem apenas
quando há verbo inacusativo que admita alternância causativa. De fato, em sentenças como (i), é possível
que o agente da ação seja expresso, conforme pode ser visto em (226b). Entretanto, há na amostra dessa
tese sentenças de tópico sujeito com o verbo inacusativo “cair” em que a projeção do sintagma agentivo
torna a construção agramatical, como pode ser visto em (227). Por isso, opto, nessa tese, por assumir que
os verbos inacusativos como um todo podem gerar uma construção de tópico sujeito, desde que haja a
expressão da posse inalienável.
(i) a. O carro furou o pneu.
b. O prego furou o pneu do carro.
(ii) É impressionante como [posse meronímica]a música caiu o nível hoje em dia.
144
sintaxe, é preciso propor uma relação de predicação entre os DPs [+possuidor] e
[+possuído]. Andrade e Galves (2014), Alexiadou (2013), entre outros, defendem que
uma estrutura de posse inalienável é codificada como uma small clause que tem o DP
[+possuidor] e o DP [+possuído] como constituintes.
A evidência para a análise que considera haver na posse inalienável uma small
clause é apresentada por Alexiadou (2003). O autor observa dados de posse, (229), no
grego moderno, e mostra que existem dois tipos de estruturas sintáticas. Em (229a),
uma sentença com posse alienável, vemos que o DP [+possuidor] checa Caso Genitivo,
assim como o determinante que o acompanha, mas que o DP [+possuído] checa o Caso
acusativo, bem como o seu determinante. Por outro lado, em (229b), uma construção
com posse inalienável, o DP [+possuidor] e o DP [+possuído] checam o mesmo Caso:
acusativo. A checagem do mesmo Caso em (229b) indica que há na posse inalienável
uma relação de predicação, estruturalmente expressa por uma small clause.
(229) a. pira to vivlio tu Niku
Levei.1SG o.ACC livro.ACC o.GEN Niko.GEN
PB “Eu levei o livro do Niko”
b. piga s-tin akri to potami
Fui.1SG para-a beira.ACC do.ACC rio.ACC
PB: „Eu fui para a beira do rio”
(ALEXIADOU, 2003: 174)
Outra evidência para afirmar que construções com posse inalienável apresentam
uma small clause é apresentada por Hornstein, Rosen e Uriagereka (2002). Os autores
observam que uma sentença como (230) é ambígua entre duas leituras que estão
expressas em (231). Na primeira, (231a), há uma relação de parte-todo, enquanto na
segunda, (231b), há uma relação de continência, isto é, o motor Ford-T está contido no
carro.
(230) There is a Ford T engine in my Saab.
(231) a. My saab has a Ford T engine.
PB: Meu saab tem um motor ForD-T
145
b. (Located) In my saab is a Ford T engine.
PB: (Locativo) No meu saab está um motor Ford-T
(HORNSTEIN, ROSEN, e URIAGEREKA, 2002: 179)
A ambiguidade sintática atribuída pelos autores só pode ser o reflexo de duas
derivações distintas. Em (231a), podemos dizer que há uma relação de parte-todo em
que ocorre uma small clause. Por outro lado, em (231b), também há uma small clause,
mas há a expressão de uma relação espacial.
Segundo Muromatsu (1997), a ambiguidade verificada no inglês não é percebida
no japonês, visto que há uma diferenciação morfológica entre o tópico e o sujeito da
sentença. Observemos em (232a) que a partícula “wa” marca que o DP ao qual está
adjungida funciona como o tópico da sentença, enquanto “ga” se concatena ao item que
checa Nominativo.
(232) a. kuruma wa enzin ga aru.
CarroTOP motor NOM Ser/Estar
PB: „No carro está um motor‟
b. enzin ga kuruma ni aru.
Motor NOM carro no ser/estar
PB: Um motor está no carro
Diante das evidências apresentadas anteriormente posso assumir que a posição
em que nasce o DP sujeito das construções de tópico sujeito é interna a uma small
clause, visto que essa é a derivação de sentenças com posse inalienável. Um DP como o
expresso em (233a) pode ser derivado como em (233b).
146
(233) a. A bateria do celular
b. DP
3
SC
3
DP NP
4 g
O celular N‟
g
N
A bateria
Observemos, entretanto, que a representação proposta em (233) não consegue
capturar o Caso que precisa ser checado pelo DP [+possuidor], visto que não há a
projeção de [Poss-P]. Em uma estrutura de posse alienável, por outro lado, em que não
ocorre a projeção de uma small clause, o Caso genitivo é checado pelo núcleo funcional
[Poss-P], como em (234b), ou pelo PP onde se concatena a preposição “de” marcadora
de Caso genitivo no português, conforme (234d).
(234) a. carro do pai
b. DP
3
Poss-P
3
DP NP
4 g
O pai N‟
g
N
O carro
c. pote da mesa
d. DP
3
NP
3
PP NP
4 g
Da mesa N‟
g
N
O pote
147
Nesse sentido é preciso propor uma operação sintática que dê conta de resolver o
problema da checagem do Caso quando há posse inalienável, por conseguinte, quando
ocorre a projeção de uma small clause. Den Dikken (2006) propõe que nesse tipo de
construção há um núcleo funcional que tem a função de intermediar a relação entre os
elementos, formando um predicado secundário, como expresso em (235). Observemos
em (235) que o autor não estipula uma posição fixa para o sujeito ou para o predicado,
pressupondo que pode ocorrer a chamada inversão predicativa (DEN DIKKEN, 2010).
(235) RP (small clause)
3
NPsujeito/NPpredicado R‟
3
R NPsujeito/NPpredicado
Conforme discutido no capítulo três, nas construções de tópico sujeito, o DP
[+possuidor] c-comanda o DP [+possuído]. A evidência para essa afirmação está nas
sentenças com quantificador flutuantes que retomo em (236). Observemos que, em
(236a), “todos os carros” que possui a relação semântica de “todo” é alçado para a
posição de sujeito. Em (236b), o quantificador flutuante “todos” fica in situ. Ele está
abaixo de VP, mas acima do DP que tem a relação semântica de “parte”. Nessa
sentença, apenas o DP “carro” é alçado para a posição de sujeito e assim como em
(236a) também é uma sentença gramatical.
A única sentença agramatical é apresentada em (236c). Observemos que o DP
“parte” está abaixo do quantificador flutuante e essa estrutura torna a sentença
agramatical. Há, então, uma evidência para dizermos que o DP [+possuidor] precisa c-
comandar o DP [+possuído]. Assim, a estrutura do RP em construções de posse
inalienável é a expressa em (237)
(236) a. Todos os carros furaram o pneu dianteiro.
b. Os carros furaram todos o pneu dianteiro.
c. *Os carros furaram o pneu dianteiro todos.
(LUNGUINHO, 2006:142)
148
(237) RP (small clause)
3
DP R‟
[+possuidor] 3
R DP
[+possuído]
A projeção do DP [+possuidor] em [Spec-RP] tem por consequência o fato de
este DP ocupar a borda da fase. Por questões de localidade, como sabemos, somente
itens que ocupam a borda da fase podem ser movidos para fora do DP. Assim, temos
mais uma justificativa para a agramaticalidade de sentenças em que o DP [+possuído] é
alçado para a posição de sujeito como em (238).
(238) *Os pneus dianteiros furaram todos os carros.
Dessa maneira, a derivação possível na small clause de uma sentença com tópico
sujeito é a expressa em (240b). Notemos que o núcleo R está vazio. Isto ocorre porque,
segundo Den Dikken (2006), o núcleo de R só pode ser lexicalizado sob a forma de uma
preposição. Como vimos, logo no primeiro capítulo, uma das características do tópico
sujeito é a expressão de uma relação de posse em uma estrutura de [DP+DP], ou seja,
sem um elemento que garanta a checagem do Caso que tornará visível o papel temático
de [+possuidor].
(240) a. O celular acabou a bateria.
b. RP (small clause)
3
DP R‟
o Celular 3
R DP
4
A bateria
149
Dado que já exploramos a sintaxe da small clause é preciso passarmos a
observar como ocorre o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de [Spec-TP] de
uma sentença com verbo inacusativo. Aqui, cabem serem ressaltadas três características
importantes: (i) o movimento de um DP só pode ocorrer para que traços discursivos ou
sintáticos sejam valorados; (ii) é preciso dar conta de explicar como o papel temático de
possuidor torna-se visível; (iii) ainda não foi explicado qual o Caso checado pelos DPs
na small clause.
Na posse externa, o item com papel temático [+possuidor] se comporta como
uma categoria vazia do tipo anáfora. Essa é a mesma perspectiva adotada por Floripi e
Nunes (2009) para estruturas de posse inalienável, como a expressa em (241). Segundo
os autores, a característica que evidencia ser a categoria vazia de (241) um caso de
anáfora é que esta só pode encontrar o seu antecedente na sentença. Além disso, como
pode ser verificado nos dados em (242), há restrições, típicas de anáforas, que estão
presentes em construções de posse externa: localidade, ou seja, o referente da categoria
vazia de modo obrigatório deve se encontrar na mesma oração que, c-comanda-o.
Observemos que em (242a) a restrição quanto à localidade faz com que apesar
de existirem dois DPs disponíveis na sentença como possíveis antecedentes da categoria
vazia dentro da oração encaixada, a única leitura gramatical é aquela em que o
antecedente está no domínio da oração encaixada. Por outro lado, (242b) é um exemplo
em que o c-comando restringe o possível antecedente, visto que o PP “do João” não c-
comanda a categoria vazia. Por outro lado, esta categoria vazia é c-comandada pelo DP
“o amigo do João” que se torna assim o seu antecedente.
(241) O Joãoi conversou com o pai [-]i
(242) a. [A Marcela]i disse que [o André]k ligou para o amigo [-]k/*i
b. [O amigo [do João]i]k telefonou para a mãe [-]k/*i
Florippi e Nunes (2009) além de classificarem o possuidor nulo de (241-242)
como exemplos de anáforas se preocupam em caracterizar a categoria vazia em termos
de traços, portanto movimento, ou de uma categoria vazia do tipo PRO. Observemos em
(242a) que a única interpretação possível para a categoria vazia é a de que o seu
antecedente seja o DP “o João”. Uma propriedade chama a atenção na sentença (242): a
categoria vazia se encontra em um contexto de ilha que, portanto, impede que haja um
movimento e que esta seja preenchida apenas por traços. Nesse sentido a explicação
150
para a categoria vazia expressa em (243) é que haja um PRO, ou em outras palavras, um
pronome resumptivo nulo, como pode ser visto em (243)
(243) a. [O João]i disse que o irmão [-] i/*k vai viajar.
b. [O João]i disse que o irmão PROi/*k vai viajar
Um problema que surge com a análise em (243b), segundo os autores, é a
atribuição de Caso. Em geral, se assume que a preposição “de” é a atribuidora de Caso
genitivo, entretanto, em construções como (243) a presença de uma categoria vazia do
tipo PRO produz uma leitura em que não há a realização da preposição e, portanto, não
há a categoria gramatical capaz de atribuir o Caso.
Já tendo traçado o paralelo entre as duas construções do PB em que há posse
externa e o DP ocupa a posição de [Spec-TP] e já tendo também observado que há o
movimento e a concatenação do DP nesta posição, cabe retomar as três questões
anteriores: Por que ocorre o movimento? Qual o Caso checado pelos DPs? e, por fim,
Como é possível tornar visível o papel temático de [possuidor]?
Lembremos que no RP o núcleo R está vazio, pois não há uma preposição capaz
de checar o Caso genitivo. Esse fato não permite que o papel temático de [+possuidor]
seja visível. Nesse momento, é preciso retomar a estrutura sintática de um verbo
inacusativo. Nesse tipo de verbo monoargumental, o DP sujeito “nasce” na posição de
[Comp-VP]. Entretanto, a posição de argumento externo está disponível na sentença,
haja vista que é nela que o Caso Nominativo é encontrado. Observemos em uma
sentença como (244a), sintaticamente representada em (244b), que o DP “o celular”
nasce dentro do núcleo funcional RP, c-comandando o DP “a bateria”. Ele não tem o
Caso genitivo checado, por isso, é alçado para a posição de sujeito da sentença, onde
está o Caso Nominativo disponível pra ser checado. Ao checa-lo, o DP valora as
condições de visibilidade, tornando visível para FL (Fórmula lógica) o papel temático
de [+possuidor].
(244) a. O celular acabou a bateria.
151
b. TP
3
DP T‟
O celulari 3
T VP
acabouj g
V‟
3
V RP
acabarj 3
DP R‟
o Celulari 3
R DP
4
A bateria
Cabe apresentar uma análise que explique o Caso checado por “a bateria”. Desde
Pontes (1987), sabemos que o Caso deste DP não é o acusativo. Afinal, o verbo dessa
sentença é inacusativo e, portanto, não há a seleção de um DP que cheque acusativo.
Entretanto, partindo da premissa de que a origem do DP “a bateria” ocorre dentro de
uma small clause, em que há um predicador nominal, cabe a este DP o mesmo Caso que
é checado pelo DP “o celular”, ou seja, o nominativo, visto que “a bateria” atua como o
predicativo da small clause.
Por fim, é preciso fazer menção a um tipo de construção gramatical no PB e
exemplificada em (245). Notemos que nessas sentenças, o DP [+possuidor] não ocupa a
posição de sujeito, mas sim a posição de tópico da sentença, estando [Spec-TP]
preenchida pelo DP [+possuído].
(245) a. O Danilo, a irmã morreu de tuberculose.
b. O celular, a bateria acabou.
c. O carro, o pneu furou.
152
Em sentenças como (245) é preciso assumir que o DP [+possuidor] pode
também ser alçado para a posição de tópico. Se por um lado, o alçamento do DP
[+possuidor] para a posição de sujeito ocorre para a checagem do Caso, o alçamento
deste mesmo DP para a posição de tópico precisa estar relacionado à checagem de
traços discursivos.
Segundo Uriagereka (1995), na sintaxe das línguas naturais, há um núcleo
funcional responsável por codificar a estrutura de informação da sentença: F(Force)P.
Para este núcleo, são movidos os constituintes que codificam a estrutura de informação
da sentença: tópico, foco, ênfase e contraste. O movimento pode ocorrer de forma aberta
e, nesse contexto, o constituinte será superficializado em uma posição à esquerda do
sujeito, mas também pode se dar de forma coberta com o constituinte permanecendo in
situ.
“All I mean is this: F encodes point of view. The claim is that all
information theoretic operation need to be mediated throught a
point of view. That is, when emphasis appears in sentence,
someone is responsible for that emphasis. Old or new
information is old or new for someone. Even the usage of a
referring expression presuppose a speaker who assumes
responsibility for calling someone Smith‟s murderer or Jones,
and similar issues arise for deixis, anaphoras, etc.”
(URIAGEREKA, 1995:155)
Notemos que seguindo a proposta de Uriagereka (1995), em sentenças como
(246), o DP [+possuidor] deve ocupar uma posição mais alta: justamente, FP. Segundo
Mennuzi (2009), no que concerne às propriedades do tópico contrastivo, é preciso
ressaltar que eles respondem em discursos articulados a perguntas tópicas implícitas em
que há QU múltiplos. Observemos nos exemplos em (246) que as perguntas com “QU-
múltiplos” só podem ter como respostas uma estrutura em que um acento secundário
recaia sobre o constituinte que se encontra deslocado à esquerda de [Spec-TP]. Nesse
sentido, a informação nova ou foco está contida no DP [+possuído] que ocupa a posição
de sujeito.
(246) a. O que aconteceu dessa vez com o celular?
R: O celular, a bateria acabou.
b. O que aconteceu dessa vez com o carro?
R: O carro, o pneu furou.
153
Dessa maneira uma representação para as sentenças respostas de (247) poderia
ser a expressa em (248).
(247) a. O celular acabou a bateria
(248) FP
3
DP F‟
O celulari 3
F TP
3
DP T‟
A bateriak 3
T VP
acabouj g
V‟
3
V RP
acabarj 3
DP R‟
o Celulari 3
R DP
4
A bateriak
Com a representação proposta em (248) é possível dar conta de explicar dois
tipos de construções em que há posse externa no português brasileiro: o tópico sujeito e
aquela em que o DP [+possuidor] é projetado na posição de [Spec-CP]. Acredito que o
fator que aproxima esses dois tipos de sentenças seja a necessidade de checagem de
traços em um novo tipo de construção de posse que emergiu no PB: a posse [DP+DP]
em que os itens [+possuídor] e [+possuído] estão justapostos.
154
Conclusões
Os primeiros trabalhos a identificar a construção de tópico sujeito como genuína
do português brasileiro apresentavam uma abordagem funcionalista e a descreviam
como um tipo de tópico (PONTES, 1986 e 1987). Pontes afirmava que o item que ocupa
a posição anteposta ao verbo, nesse tipo de sentença, sofrera um processo de
gramaticalização, caracterizado pelo fato de que o tópico passara também a exercer a
função de sujeito.
Por uma abordagem que concebe a língua como uma gramática internalizada
(CHOMSKY, 1986, 1995, 2001) e que pressupõe a atuação de fatores sintáticos na
descrição das construções, como a que propus nessa tese, o tópico sujeito pode ser
caracterizado como um tipo de construção em que há posse externa. Além disso, se
caracteriza também pelo fato de que na numeração não há uma preposição capaz de
checar o Caso genitivo. Dessa maneira, a ausência da preposição torna necessário o
alçamento do DP [+possuidor] para uma posição em que o Caso possa ser checado e as
condições de visibilidade satisfeitas a fim de que o papel temático de [+possuidor] fique
visível. Nessa configuração, o DP [+possuidor] e o DP [+possuído] ocupam
constituintes sintáticos descontínuos, gerando a estrutura de posse externa.
Soma-se à descrição dos dados sincrônicos de tópico sujeito, uma análise
diacrônica quantitativa que mostra que os primeiros dados desse tipo de construção
foram encontrados em textos escritos por brasileiros nascidos no final do século XIX. A
partir dessa análise, foi possível afirmar que a emergência do tópico sujeito está
relacionada a uma mudança no paradigma pronominal do português brasileiro. A
construção de posse externa, que no início do século XIX era expressa por meio do
clítico dativo “lhe”, diminui a sua frequência de uso ao longo do tempo em virtude da
perda do sistema de clíticos de terceira pessoa do português brasileiro e passa a ser
expressa por meio do alçamento do DP [+possuidor] para a posição de sujeito.
As análises qualitativa e quantitativa me permitiram esboçar um novo olhar para
as construções de tópico sujeito. Sem dúvidas, já há ao fim do segundo capítulo um
direcionamento para explicar a origem desse tipo de sentença no PB. Mas era preciso
retomar a literatura desde os primeiros trabalhos de cunho funcionalista (PONTES,
1986, 1987) até os mais recentes que adotam uma perspectiva gerativista
(LUNGUINHO, 2006; MUNHOZ 2011; MUNHOZ E NAVES, 2012; AVELAR E
155
CYRINO, 2008; AVELAR E GALVES, 2013; AVELAR, 2015; KATO, 2015;
ANDRADE E GALVES, 2015). Em síntese, dois caminhos de pesquisas têm sido
seguidos quando o assunto é o tópico sujeito. O primeiro destes caminhos busca
descrever essa construção a partir de suas propriedades morfossintáticas, bem como
caracterizá-la como mais um tipo de tópico do português brasileiro. Esses trabalhos de
modo geral apontam para o fato de que o tópico sujeito é uma evidência para tratar o
português brasileiro como uma língua voltada para o discurso. A questão, entretanto, é
que o objetivo desta tese não era discutir a proeminência discursiva da gramática do PB,
mas sim abordar a questão da origem do tópico sujeito. Por isso, no capítulo seguinte,
levantei uma série de questionamentos sobre as hipóteses já mencionadas acerca da
emergência desse tipo de construção, especificamente, aquela que faz referência à
influência bantu. Por fim, apresentei no último capítulo uma proposta de análise teórica
para o objeto de estudo dessa tese.
Dessa maneira posso dizer que essa tese contribui com mais uma análise que
descreve uma construção típica do português brasileiro. Em verdade, é preciso
mencionar que os resultados apontam para o fato de que a emergência do tópico sujeito
está relacionada à mudança no paradigma pronominal e que não há como até este
momento afirmar que esta mudança é diretamente relacionada ao contato com as línguas
africanas. No que concerne às evidências que apontam para uma mudança na sintaxe do
português, é preciso ressaltar que novas pesquisas são fundamentais para futuros
desdobramentos dessa tese. É importante olhar para as variedades africanas do
português a fim de verificar em que contextos estão sendo produzidos os dados de
tópico sujeito. Do mesmo modo cabe uma análise diacrônica de construções que
envolvem posse externa em que o DP [+possuidor] checa o Caso nominativo, mas o
verbo é transitivo, como em “Eu molhei a mão”. No que concerne ao tópico sujeito do
português brasileiro, é importante verificar a produtividade dessas sentenças em uma
análise quantitativa que pode ser feita por meio de buscas eletrônicas. Essa análise pode
permitir que tenhamos uma arquitetura das regiões do país em que o tópico sujeito é
produzido.
156
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