construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão da posse externa do PB. Elaine Alves Santos Melo 2015 Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Construções de tópico sujeito:

um caso de mudança na expressão da posse externa do PB.

Elaine Alves Santos Melo

2015

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas – Língua Portuguesa.

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão da posse

externa do PB.

2015

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III

Construções de tópico sujeito: um caso de mudança

na expressão da posse externa do PB.

Elaine Alves Santos Melo

Tese de Doutorado submetida ao

Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção

do título de Doutora em Letras

Vernáculas – Língua Portuguesa.

Orientadora: Profa. Doutora Silvia Regina

de Oliveira Cavalcante

Rio de Janeiro, Dezembro de 2015.

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IV

Construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão da posse

externa do PB.

Elaine Alves Santos Melo

Orientadora: Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Profa. Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante

_________________________________________________

Profa. Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ

_________________________________________________

Profa. Doutora Marcia Santos Duarte de Oliveira – USP

_________________________________________________

Profa. Doutora Celia Regina dos Santos Lopes - UFRJ

_________________________________________________

Prof. Doutor Celso Vieira Novaes – UFRJ (suplente)

_________________________________________________

Prof. Doutor Alessandro Boechat de Medeiros (suplente)

Rio de Janeiro, Dezembro de 2015.

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V

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VI

RESUMO

Esta tese examina a sintaxe das construções de tópico sujeito no PB, tais como

“o celular acabou a bateria”, com o objetivo de discutir: (i) a descrição das construções

de tópico sujeito que envolvem um DP [+possuidor] na posição de sujeito; (ii) a origem

dessas construções; (iii) e uma proposta de análise teórica, considerando os

pressupostos da Teoria Gerativa em sua versão Minimalista (CHOMSKY, 1995; 1998,

2001). Os dados analisados advêm de uma amostra constituída por buscas on line e falas

espontâneas e por um corpus formado por peças de teatro e Sermões e Cartas, escritos

por autores portugueses e brasileiros, nascidos entre os séculos XVI e XX.

Neste trabalho, defendo que nas construções de tópico sujeito do português

brasileiro que envolvem um DP [+possuidor] na posição de sujeito, há a estrutura de

posse externa (PAYNE e BARSHI, 1999), que ocorre quando há posse inalienável ou

meronímica, com verbos inacusativos que indicam mudança de estado. A análise

diacrônica mostra que a emergência desse tipo de construção está relacionada a uma

mudança na sintaxe da posse externa que deixa de ser expressa pelo clítico dativo “lhe”

e passa a ocorrer com um DP [+possuidor] Nominativo que ocupa a posição de [Spec-

TP]. A análise diacrônica, que considera também fatores sócio históricos do Brasil do

século XIX, permite discutir se a emergência do tópico sujeito está relacionada à

influência das línguas bantu, conforme proposto por Avelar e Cyrino (2008), Avelar e

Galves (2013), Avelar (2015) ou à mudança no paradigma pronominal do português

brasileiro (KATO, 2015). Defendo ao longo da tese, que a emergência do tópico sujeito

tem como gatilho a mudança no paradigma pronominal. Proponho que, na derivação do

tópico sujeito, a numeração não contém a preposição capaz de checar o Caso genitivo

do DP [+possuidor] e é a ausência dessa preposição que torna necessário o alçamento

deste DP para [Spec-TP] para que o Caso seja checado e o traço de EPP satisfeito.

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VII

ABTRACT

This dissertation examines the syntax of subject-topic in Brazilian Portuguese,

such as “o celular acabou a bateria” (lit. the mobile ended the battery; “the mobile‟s

battery ended”). The main goals of this dissertation are: (i) to describe subject-topic

constructions that present [+possessor] DP in subject position; (ii) to establish the origin

of these constructions and (iii) to provide an analysis based on the Minimalist

framework (Chomsky, 1995; 1998, 2001). The dataset for this dissertation comes from

online searches and extracts of spontaneous speech; and from a corpus of texts (plays,

letters and sermons) written by Brazilian and Portuguese authors born between the

16th

and the 20th

centuries.

In the present work, I claim that in subject-topic constructions that have a

[+possessor] DP in the subject position, there is an external possession structure, as

proposed by Payne and Barshi (1999), that appears when there is inalienable or

meronym possession, with unaccusative verbs that indicate change of state. The

diachronic analysis shows that the emergence of this kind of structure is related to a

change in the syntax of external possession, which was expressed with dative clitic

“lhe” and turns out to be expressed with a Nominative [+possessor] DP that lies in

[Spec, TP] position. The diachronic analysis, that also takes into account socio-

historical facts of 19th

century Brazil, allows us to discuss whether the emergence of

subject-topic constructions is related to a Bantu influence (following Avelar and Cyrino,

2008; Avelar and Galves, 2013; Avelar, 2015) or to a change in the pronominal

paradigm of Brazilian Portuguese (Kato, 2015). The central claim defended and

formalized in this dissertation is that the emergence of subject-topic constructions is

triggered by the change in the pronominal paradigm. I propose that, in the derivation of

subject-topic constructions, the preposition that is responsible for checking Genitive

Case of [+possessor] DP is missing in the Numeration, therefore, the DP must be raised

to [Spec,TP] position in order to have its Case feature checked and to satisfy the EPP

feature.

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VIII

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus: a fonte de energia de onde tirei forças para

superar todas as adversidades que surgiram ao longo da caminhada até a defesa dessa

tese de doutorado.

Agradeço aos meus pais, Eliane Melo e Beníz Melo, os meus maiores amigos, os

maiores incentivadores, aqueles que me deram a oportunidade de concluir o Doutorado.

Sem a presença e o estímulo de vocês seria impossível a realização desse sonho que

tenho certeza não ser apenas meu. Essa tese é sem dúvidas de vocês e para vocês! Ao

meu irmão, Beniz Junior, agradeço pelas “brigas”. O tempo passa e parece que estamos

mais maduros, mais unidos, mais irmãos.

A vida nos oferece a oportunidade de construir laços afetivos que vão além dos

laços sanguíneos. Tenho certeza de que ganhei uma irmã, Tatiane Chuvas. São muitos

anos de amizade, de respeito. Durante esse doutorado nos aventuramos juntas em terras

portuguesas e crescemos como pessoas e como profissionais. Obrigada, Tatinha, por ser

minha amiga e minha irmã!

Agradeço, especialmente, à professora Silvia Cavalcante: minha orientadora.

Sua atenção, carinho, amizade ao longo desses sete anos foram fundamentais para meu

desenvolvimento como pesquisadora e profissional. Agradeço cada momento de

aprendizado, cada conversa pessoal e acadêmica que tivemos. A Elaine que termina essa

tese é com certeza muito diferente daquela que foi bater à porta da H-106, em 2008.

Serei, eternamente, grata por você ter me aberto as portas do mundo da pesquisa em

sintaxe histórica. Seu estímulo, seu interesse ímpar na descrição das gramáticas do

português foram sem dúvidas um grande exemplo de como agir na minha vida

acadêmica. Por fim, gostaria de dizer que tenho certeza de que nossa parceria não se

encerra com esta tese. Obrigada, minha orientadora!!!!

Agradeço também à professora Maria Antónia Motta que orientou essa tese no

período em que estive no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL).

Sua atenção, questionamentos em nossas reuniões foram fundamentais para o novo

caminho que este trabalho tomou durante o Doutorado Sandwich. Agradeço também

por ter me recebido como uma filha, mostrando-se sempre preocupada com a minha

estadia em Lisboa. Muito obrigada!!!

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IX

Agradeço também a minha família: avôs, avós, tias, tios, madrinhas, padrinho,

primos, primas, afilhados, amigos e amigas que estiveram ao meu lado nessa longa

caminhada.

Aos meus amigos Caio Castro e Érica Nascimento, agradeço cada risada,

mensagem, viagem, congressos, lembranças de um período cansativo, mas que em

breve teremos saudades. Agradeço aos peregrinos da F-316, um grupo que torna os dias

de trabalho mais agradáveis, mais divertidos.

Não poderia deixar de agradecer aos amigos que fiz em Lisboa. Os brasileiros,

Eliete, Laura, Fernando e os portugueses, Inês, Marta, Adilson, Ana Carla. Do mesmo

modo, agradeço a toda equipe do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa que

me recebeu de braços abertos e que muito contribuiu para o desenvolvimento dessa tese.

Agradeço a todos os professores que participaram da minha formação. Aproveito

para lembrar aqueles que ministraram cursos ao longo do primeiro ano do doutorado:

Celso Novaes, Silvia Cavalcante, Christina Abreu, Bruna Franccheto, Maria Maura

Cesário, Karen Sampaio e Maria Eugênia Duarte.

Agradeço às professoras Maria Eugênia Duarte, Marcia Oliveira, Beatriz Protti e

Célia Lopes que aceitaram participar da banca dessa tese. Agradeço ao professor Andrés

Salanova que participou da banca de qualificação, junto com a professora Beatriz Protti.

Sem dúvidas, as arguições muito acrescentaram nessa tese.

Agradeço aos meus alunos que de modo geral conviveram e convivem com uma

professora estressada, mas que acredita na força da educação como a propulsora das

mudanças necessárias nesse país.

Agradeço ao CNPq que por meio da concessão de uma bolsa de doutorado permitiu

que mais horas fossem dedicadas ao trabalho que é discutido nesta Tese. Agradeço também

à Capes pela concessão de uma bolsa de doutorado sandwich que me permitiu desenvolver

um ano dessa pesquisa no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

Por fim, agradeço a todos que fizeram parte dessa história. Vocês estarão

eternamente guardados em meu coração.

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X

Aos meus pais, Eliane Alves Santos Melo e Beniz Santos Melo.

Os meus heróis, os meus maiores amigos!

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XI

“Destino não é uma questão de sorte, mas questão de escolha:

não é uma coisa que se espera, mas algo que se busca.”

(William Jennigs Bryan)

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XII

Esta pesquisa foi, parcialmente, financiada por uma bolsa

CNPq. (Processo 140493/2013-1)

Esta pesquisa foi, parcialmente, financiada por uma bolsa

de Doutorado Sandwich/Capes. (Processo 5894/13-1)

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XIII

Lista de Abreviaturas

DP Determiner phrase

VP Verbal phrase

[Spec-TP] Especificador de TP

RP Relational phrase

[Spec-CP] Especificador de CP

[Pers-P] Person Phrase

[Spec-AgrS] Especificador de AgrS

EPP Princípio da Projeção Estendida

PP Prepositional phrase

NP Noun phrase

GenP Genitive phrase

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XIV

Índice de Figuras

Figura 1 O tópico sujeito em ex-colônias portuguesas na América e na África ............ 39

Figura 2 Mapa da região onde são faladas as línguas bantu na África ......................... 111

Figura 3 Principais rotas do tráfico transatlântico ........................................................ 125

Figura 4 Mapa Linguístico da África moderna ............................................................ 130

Figura 5 Regiões da África de onde os escravos foram levados para o Brasil,

considerando o destino final do escravo. ...................................................................... 131

Índice de Tabelas

Tabela 1 A frequência do traço de animacidade nas construções de tópico sujeito do PB

........................................................................................................................................ 31

Tabela 2 A distribuição geral dos dados de posse interna x posse externa .................... 49

Tabela 3 Distribuição geral do tipo de estrutura x tipo de posse .................................... 50

Tabela 4: As estratégias de expressão de posse na amostra de portugueses. ................. 56

Tabela 5 Distribuição do tipo de estrutura de posse ao longo do tempo ........................ 56

Tabela 6 Traço de animacidade x Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na

amostra de portugueses ................................................................................................... 58

Tabela 7 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB .......... 60

Tabela 8 Tipo de sintagma que expressa posse ao longo do tempo no PB .................... 64

Tabela 9 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB........ 65

Tabela 10 Distribuição geral do tipo de posse x estrutura de posse ............................... 67

Tabela 11 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB .. 70

Tabela 12 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do

tempo no PB ................................................................................................................... 72

Tabela 13 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo no PB 74

Tabela 14 Tipo de sintagma que expressa posse alienável ao longo do tempo no PB ... 74

Tabela 15 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo, no PB,

em construções de posse externa. ................................................................................... 76

Tabela 16 Demografia da população brasileira por etnia (1583-1890) ........................ 128

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XV

Índice de Quadros

Quadro 1 Escala das categorias envolvidas na relação de posse .................................... 16

Quadro 2 Hierarquia de Animacidade nas construções de posse externa ...................... 30

Quadro 3 Refinamento da hierarquia de animacidade nas construções de posse externa

........................................................................................................................................ 32

Quadro 4 Hierarquia de inalienabilidade na posse externa ............................................ 33

Quadro 5 Distribuição da amostra considerando as variedades africanas do português e

os corpora utilizados ....................................................................................................... 35

Quadro 6 Propriedades da posse externa nas línguas românicas x as propriedades da

posse externa no PB e nas variedades africanas do português ....................................... 38

Quadro 7 Os subgêneros presentes na amostra .............................................................. 42

Quadro 8 A amostra ........................................................................................................ 44

Quadro 9 Os dois paradigmas do sistema de possessivos do PB ................................... 61

Quadro 10 Hierarquia de Inalienabilidade x Alienabilidade na posse externa............... 69

Quadro 11 Propriedades das construções de tópico marcado no PE .............................. 82

Quadro 12 Pronomes fracos no PE e no PB ................................................................. 106

Quadro 13 Construções de tópico marcado no PB e no PE.......................................... 107

Quadro 14 Os grandes ciclos de chegada de escravos africanos no Brasil .................. 125

Quadro 15 Famílias e troncos linguísticos africanos trazidos para o Brasil ................. 126

Quadro 16 Crioulos de base lexical portuguesa falados na África, considerando os

respectivos substratos ................................................................................................... 135

Índice de Gráficos

Gráfico 1 Posse externa x Tipo de posse ........................................................................ 52

Gráfico 2 Posse interna x Tipo de posse ........................................................................ 52

Gráfico 3 As estratégias de posse na amostra de portugueses. ....................................... 55

Gráfico 4 Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses .... 57

Gráfico 5 Tipo de posse x Tipo de estrutura ao longo do tempo na amostra de

portugueses ..................................................................................................................... 58

Gráfico 6 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB ......... 60

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XVI

Gráfico 7 Adjuntos plenos x Adjuntos nulos ao longo do tempo na marcação da relação

de posse no PB ................................................................................................................ 62

Gráfico 8 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB ...... 66

Gráfico 9 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB ... 70

Gráfico 10 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do

tempo no PB ................................................................................................................... 72

Gráfico 11 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE

e PB ................................................................................................................................ 75

Gráfico 12 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE

e PB em construções de posse externa ........................................................................... 76

Gráfico 13 Distribuição dos sujeitos de 1ª. 2ª. e 3ª. pessoa nulos ................................ 102

Gráfico 14 VOS em declarativas com verbos transitivos diretos ................................. 103

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XVII

Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 1

Capítulo 1: O tópico sujeito: um caso de posse externa. .................................................. 8

1.1 As características gerais do tópico sujeito ............................................................ 11

1.2 O tópico sujeito: um caso de posse externa .......................................................... 19

1.2.1 Os constituintes descontínuos ........................................................................ 19

1.2.2 O verbo inacusativo ....................................................................................... 20

1.2.4 A morfologia da posse externa na construção de tópico sujeito genitivo ..... 21

1.2.5 O papel temático do DP [+possuidor] em construções de posse externa ...... 25

1.2.6 O Caso ........................................................................................................... 26

1.2.7 O tipo de predicado........................................................................................ 29

1.2.8 O traço de animacidade ................................................................................. 30

1.2.9 A inalienabilidade na posse externa .............................................................. 32

1.3 O tópico sujeito como expressão da posse externa em variedades africanas do

português. ................................................................................................................... 34

1.4 Síntese do capítulo ................................................................................................ 37

Capítulo 2: As origens do tópico sujeito remontam ao Português? ................................ 40

2.1 A amostra .............................................................................................................. 40

2.2 Procedimentos Metodológicos ............................................................................. 44

2.3 Diacronia das construções de posse externa no português ................................... 49

2.4 O período entre os séculos XVI e XX na amostra de autores portugueses. ......... 53

2.4.1 A relevância dos dados do Português Clássico e Português Europeu ........... 59

2.5 A posse externa no Português do Brasil ............................................................... 59

2.5.1 A relação entre o tipo de posse e a emergência do tópico sujeito no PB ...... 67

2.5.2 O tipo de posse x o tipo de estrutura: uma análise na diacronia .................... 71

2.6 Em resumo ............................................................................................................ 77

3.0 As construções de tópico no português. ................................................................... 78

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XVIII

3.1 Os tipos de tópico marcado no Português Europeu. ............................................. 79

3.2 Os tipos de tópico no PB ...................................................................................... 83

3.3 Enfim, o tópico sujeito no PB. .............................................................................. 86

3.3.1 A relação entre a posição do sujeito e a emergência do tópico sujeito. ........ 89

3.3.2 Um DP não argumental na posição de sujeito ............................................... 97

3.4 Sintetizando ........................................................................................................ 107

Capítulo 4: A origem do tópico-sujeito: uma questão do contato linguístico com as

línguas bantu? ............................................................................................................... 110

4.2.1 Os contextos linguísticos em análise ........................................................... 112

4.1 A questão do contato linguístico na emergência do PB ..................................... 124

4.2 A hipótese da influência bantu na emergência das construções de tópico sujeito

.................................................................................................................................. 127

4.2.1 Argumentos extralinguísticos ...................................................................... 127

4.3 O tópico sujeito no português em África: uma contribuição para a hipótese da não

influência bantu ........................................................................................................ 132

Capítulo 5: O tópico sujeito como um caso de mudança linguística: a reanálise ......... 136

5.1 A posse externa com o clítico lhe: estrutura e decadência da construção. ......... 136

5.2 A derivação do tópico sujeito ............................................................................. 142

Conclusões .................................................................................................................... 154

Referências Bibliográficas ............................................................................................ 156

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Introdução

Esta tese tem como objeto de estudo as construções de tópico sujeito no

Português Brasileiro (PB) que envolvem o alçamento do DP [+possuidor] para a

posição de sujeito (PONTES, 1987; GALVES, 1998), mais especificamente tentarei

propor um caminho para a gênese desse tipo de construção. Nessas sentenças, como

podemos ver nos exemplos em (1) em contraste com os expostos em (2), há uma relação

[possuidor-possuído] sem a marcação por preposição e sem que os DPs estejam

contíguos linearmente nas sentenças. Estes DPs ocupam, respectivamente, as posições

de sujeito ([Spec, TP]) e a de complemento do VP. No que concerne ao tipo de verbo,

podemos dizer que é categórico o uso dos inacusativos que estabelecem com o DP

[+possuidor] uma relação de concordância.

(1) a. A minha filha [+possuidor/todo] cresceu o cabelo[+possuído/parte]muito rápido porque eu

cortei o cabelo dela na lua crescente (Fala espontânea)

b. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de

joelhos, a música[+possuidor/todo] começa a diminuir o volume[+possuído/parte] e fica de

fundo e se pode ouvir o choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro: Cabra

Cega, Aloísio Villar, 1977)

c. É impressionante como a música[+possuidor/todo] caiu o nível[+possuído/parte] hoje em

dia. Você ouve uma coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas

porcarias hoje em dia. (Peça de teatro: Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)

d. A televisão da sala[+possuidor/todo] estragou a tela[+possuído/parte] quando eu tava

vendo o Jornal Nacional. (Fala espontânea)

(2) a. O cabelo[+possuído/parte] da minha filha[+possuidor/todo] cresceu muito rápido

b. Começa a diminuir o volume[+possuído/parte] da música[+possuidor/todo]

c. Caiu o nível[+possuído/parte] da música[+possuidor/todo] hoje em dia.

d. Estragou a tela[+possuído/parte] da televisão da sala[+possuidor/todo]

Avelar e Cyrino (2008) afirmam que construções com inversão locativa, como (3),

também podem ser tratadas como tópico sujeito. Nas sentenças com inversão locativa, o

adjunto adverbial “perde” a preposição e é alçado à posição de [Spec-TP] como um DP.

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2

Entretanto, nesta tese, tratarei somente dos casos de alçamento do sintagma genitivo,

como os expressos em (4). Por isso, utilizarei a expressão “tópico sujeito” apenas para

me referir às construções expressas em (4) em que há o alçamento do DP [+possuidor].

Nesses casos, proponho que o adjunto adnominal seja alçado para a posição de [Spec-

TP].

(3) a. Esses estados chovem muito.

b. Essas igrejas têm muitos fiéis.

(4) a. O guarda-roupa caiu a porta

b. O Miguel cresceu o dentinho.

Além das propriedades mencionadas, as construções de tópico sujeito

caracterizam-se por apresentar a chamada “posse externa”. Segundo Payne e Barshi

(1999), em uma sentença em que há posse externa, a relação semântica de [possuído-

possuidor] é expressa a partir da codificação do possuidor como um argumento do

verbo e em um constituinte separado/descontínuo daquele que contém o item possuído.

“Nós tomamos como exemplos centrais de posse externa uma

construção em que a relação semântica possuidor-possuído é

expressa pela codificação do possuidor como uma relação

gramatical do verbo e em constituinte separado daquele que

contém o possuído.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)1

Observemos os exemplos em (5): o DP [+possuidor/todo] atua como um sujeito

pré-verbal, enquanto o DP [+possuído/parte] ocupa a posição de complemento do verbo.

Apesar da distribuição sintática descontínua dos DPs, existe uma relação semântica de

posse entre eles.

(5) a. No telão o relógio[+possuidor/todo] começa a passar o tempo[+possuído/parte] mais

rápido e as ações dos personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de

teatro, Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)

1 We take core instances of external possession to be constructions in which a semantic possessor-

possessum relation is expressed by coding the possessor as a core grammatical relation of the verb and in

a constituent separate from that which contains the possessum”. (PAYNE e BARSHI, 1999:3)1

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3

b. A Manu[+possuidor/todo] nasceu o primeiro dentinho[+possuído/parte] estou muito feliz

(Fala espontânea)

c. O celular[+possuidor/todo] já carregou a bateria[+possuído/parte], já pode tirar do

carregador. (Fala espontânea)

d. A minha filha[+possuidor/todo] amadureceu a cabeça[+possuído/parte] porque ficou

grávida e teve que criar o meu neto. (Fala espontânea)

É preciso destacar, entretanto, que a expressão de posse via estrutura [DP+DP]

não ocorre somente em construções de tópico sujeito com verbos inacusativos. Nos

exemplos em (6), vemos que a expressão de posse pode aparecer na configuração

[DP+DP] em construções com verbos (a) intransitivos, e (b-d) transitivos. Nesses casos,

o termo com o traço [+possuidor] não pode ocupar a posição de sujeito, pois ela já está

preenchida. O DP[+possuidor] ocupa uma posição de tópico, na periferia da sentença

[Spec, CP].

(6) a. O Danilo[+possuidor/todo], a irmã[+possuído/parte] morreu de tuberculose (PERINI,

2006).

b. O hotel[+possuidor/todo], o hóspede[+possuído/parte] pagou a conta.

c. O hotel[+possuidor/todo], o quarto[+possuído/parte] não tinha janelas.

Além de ser um fenômeno em que há posse externa, o tópico sujeito é uma

construção restrita às posses do tipo inalienável e meronímica, em outras palavras só

ocorre quando há a expressão de uma relação de parte-todo. As sentenças expressas em

(7)2 são agramaticais justamente porque há posse alienável. Por outro lado, as sentenças

expressas em (8-9), respectivamente exemplos de posse inalienável e meronímica, são

gramaticais.

(7) a. *O João enguiçou o carro

b. *A Maria caiu o estojo

c. *A cachorra acabou a ração

2 As sentenças expressas em (7) são gramaticais se a leitura for de que o DP que ocupa [Spec-TP] tem o

papel temático de agente. Entretanto, esta não é a leitura do tópico sujeito.

Page 22: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

4

(8) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala

espontânea)

b. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele

pra ele não machucar (Fala espontânea)

c. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (www.globo.com/esquenta/

Acesso em 21 de Abril de 2013)

(9) a. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta

da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014. Portanto, até que

possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no

laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas

respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais)

b. Xiii....os carros arrebentaram o parachoque na batida. (Fala espontânea)

Minha hipótese é a de que ocorre uma mudança na posse externa no Português

Brasileiro que deixa de ser expressa por meio do clítico “lhe” e passa a ser realizada

com o alçamento de um DP para a posição de sujeito, originando dessa maneira as

construções de tópico sujeito. A fim de testar essa hipótese, foi constituída uma amostra

composta por 29 peças de teatro escritas por autores que nasceram entre os séculos XVI

e XX, em Portugal e no Brasil. Além das peças de teatro, recorri a alguns textos que

fogem a este gênero: Sermões e Cartas. Desse modo, entendo que a amostra contempla

três fases da história do português já descritas na literatura: Português Clássico (sec XVI

ao sec XVII), Português Europeu (sec XVIII em diante) e Português Brasileiro (sec XIX

em diante), de acordo com a proposta de Galves, Namiuti e Paixão de Sousa (2005). O

objetivo da recolha de dados em peças de teatro portuguesas foi comparar as estruturas

de posse externa, (10), e posse interna, (11), disponíveis nas gramáticas dos portugueses

e dos brasileiros. Os dados recolhidos foram codificados e submetidos ao pacote de

programa Goldvarb-X (SANKOF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2012), a fim de que

pudesse ser feita uma análise estatística dos resultados.

A análise diacrônica justifica-se na medida em que controlamos a expressão da

posse com o clítico dativo, como ilustrado em (10), ou como posse externa, como

ilustrado em (11), comparando a amostra portuguesa com a brasileira.

Page 23: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

5

(10) a. Cale-se ou tapo-lhe a boca (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também, Azis

Bajur, 1938)

b. Bendito cheque que lhe restituiu a razão (Peça de teatro: Tudo isto e o céu

também, Azis Bajur, 1938)

c. Não sabia que lhe frequentavas a casa. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu

também, Azis Bajur, 1938)

d. Fui chegando de mansinho até a janela, que tinha ficado entreaberta, e espiei

lá para dentro. Gente! Estava o Matias com os olhos a saltar, agarrado à mulher,

torcendo-lhe os braços. E batendo-lhe com a cabeça no chão (Peça de teatro: A

casa fechada, Roberto Gomes, 1882)

(11) a. Anda lá!.. Oh! Meu Deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o

quarto do senhor; depois mano vem e fica maçado. (Peça de teatro: O demônio

familiar, José de Alencar, 1829)

b. Depois de alguma resistência, entre as vozes dos soldados dirá o rei. (Peça de

teatro, Esopaida ou vida de Esopo, Antônio José da Silva, 1705)

c. É este mesmo. Seu Camaleão Alface, cujo verdadeiro nome é Camaleão

Tiririca, roubou a horta da rainha Elizabeth e fugiu para o Brasil. (Peça de teatro:

O rapto das cebolinhas, Maria Clara Machado, 1921)

Os resultados diacrônicos apontam uma diferença entre PE e PB: enquanto no

PE é categórico o uso do clítico dativo na posse externa; no PB, a frequência de uso do

dativo de posse diminui ao passo que aumenta a posse interna.

Conforme defendem Berlinck (1996) e Barros (2011), a diminuição na

frequência de uso da posse externa está intimamente relacionada à mudança no

paradigma pronominal do PB que torna o uso dos clíticos menos frequentes. É nesse

contexto de queda no uso do clítico que proponho que emerge uma nova estratégia para

a realização da posse externa no PB: o tópico sujeito. Os resultados quantitativos

apresentados no capítulo 2 indicam que a inserção do tópico sujeito se dá justamente

quando há posse inalienável ou meronímica. Em sentenças com posse alienável, a posse

interna se torna categórica.

Consideremos os exemplos em (12) com o contraste com a posse externa (12a) e

a construção de tópico sujeito (12b):

Page 24: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

6

(12) a. Caiu o nível da música hoje em dia.

b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma

coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.

(Peça de teatro: Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)

Proponho que as sentenças expressas em (12) têm numerações diferentes.

Enquanto, em (12a), há a preposição “de”, em (12b), outra estratégia tem que garantir

que o DP [+possuidor] terá seu Caso checado, pois a preposição genitiva “de” não faz

parte dos itens da numeração. Nesse contexto, o alçamento do DP [+possuidor] para a

posição de sujeito ocorre justamente para a checagem do Caso. Portanto, esta é uma

construção de posse externa em que o DP [+possuidor] checa Nominativo. Segundo

Uehara (1999), em construções de posse externa quando o Caso marcado é o

nominativo, há naturalmente uma interpretação de posse inalienável que só é possível

por haver uma “força genitiva”3. Estruturalmente, Uehara observa que construções de

posse externa em que o DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo só são gramaticais

se este DP ocupar a posição de sujeito. Além disso, o alçamento do DP [+possuidor]

para a posição de [Spec-TP] se dá porque dentro do DP, onde ele “nasce” e deixa uma

cópia ao realizar o movimento, não há nenhuma posição em que possa checar o seu

Caso estrutural.

Esta tese está organizada da seguinte forma. No capítulo 1, meu objetivo é

descrever a construção de tópico sujeito e caracterizá-la como um caso de posse externa

no PB. Neste capítulo, está a análise qualitativa dos dados dividida em três grandes

partes: em um primeiro momento, elenco as propriedades morfossintáticas do tópico

sujeito, ou seja, o que o caracteriza; em seguida, a partir da descrição anterior,

argumento que o tópico sujeito é um caso de posse externa. No capítulo 2, da análise

quantitativa, faço uma distinção inicial entre a posse externa e a posse interna e

apresento duas análises: (i) uma análise que leva em conta as frequências de uso da

posse interna x a posse externa ao longo do tempo; (ii) uma outra que considera

somente os dados de posse externa no PB e no PE.

No capítulo 3, apresento uma breve revisão bibliográfica que contempla alguns

trabalhos que tratam das construções de tópico marcado, com o objetivo de caracterizar

3 “Força genitiva” é uma expressão utilizada por Uehara (1999) a fim de indicar que há a expressão de

uma relação de posse.

Page 25: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

7

o tópico sujeito. Além disso, apresento a gênese da discussão sobre o tópico sujeito

(PONTES, 1986 e 1987), bem como discuto alguns trabalhos que discutem as

construções de tópico sujeito sob uma perspectiva gerativista. O capítulo 4 é dedicado à

discussão sobre a origem do tópico sujeito. Na verdade, este é o capítulo em que

apresento a proposta de que o tópico sujeito emerge no PB via influência das línguas

bantas (AVELAR e CYRINO, 2008; AVELAR e GALVES, 2013; AVELAR, 2015).

Mostro que há problemas extralinguísticos e linguísticos na proposta anteriormente

mencionada que me permitem questionar as análises já citadas.

Por fim, no capítulo 5, a partir da observação da análise qualitativa do capítulo 1

e dos resultados quantitativos do capítulo 2, apresento a análise teórica da construção de

tópico sujeito. Esta análise compreende duas partes. Em um primeiro momento, trato da

estrutura formal da posse externa com o clítico “lhe”, relacionando a diminuição na

frequência de uso dessa construção às mudanças no paradigma pronominal do PB,

especialmente àquelas que concernem ao uso do clítico. A segunda parte compreende a

análise formal para a origem do tópico sujeito. Assumo que o alçamento do DP

[+possuidor] para a posição de sujeito ocorre para a checagem de um Caso que não

pode ser satisfeito dentro do DP pós-verbal. Ao capítulo 5, seguem as considerações

finais e as referências bibliográficas.

Page 26: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

8

Capítulo 1: O tópico sujeito: um caso de posse externa.

Neste primeiro capítulo, meu objetivo é apresentar a descrição do tópico sujeito.

Inicialmente, trago uma série de características dessas construções e, posteriormente,

abordo o conceito de posse externa seguindo a linha teórica proposta por Payne e Barshi

(1999).

A descrição das construções de tópico sujeito que apresento neste capítulo tem

como amostra dados coletados em buscas on-line a partir da ferramenta do google

“pesquisa avançada”. Esta ferramenta consiste em um sistema de buscas em que é

possível encontrar uma frase completa ou mesmo uma construção específica,

restringindo o país e o idioma em que a sentença deve ser consultada. Um exemplo

desse sistema de buscas é apresentado abaixo. Na figura 1, podemos observar que o

comando é que seja encontrada a sentença “o carro furou o pneu”, somente em sites do

Brasil. Observemos ainda que há uma restrição quanto à língua em que a sentença deve

ser encontrada.

Figura 1 Imagem da página de “pesquisa avançada” do Google

Page 27: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

9

O resultado de uma pesquisa como a apresentada na figura 1 está representado

na figura 2. O site de buscas google dá como resposta à busca do usuário uma página

exatamente com as sentenças encontradas no país determinado e na língua determinada.

Figura 2 Imagem do resultado da busca via ferramenta “pesquisa avançada” pela sentença “o celular acabou a

bateria” em sites brasileiros

Do mesmo modo, os dados apresentados nesse primeiro capítulo foram

coletados em falas espontâneas durante conversas em que eu era uma das interlocutoras

ou foram, gentilmente, cedidos a mim por outros pesquisadores. Todos os dados

apresentados foram produzidos no Rio de Janeiro, por brasileiros nascidos na região

sudeste ou na região nordeste. O período em que fiz a coleta dos dados de fala

espontânea perpassa os três primeiros anos em que desenvolvi essa tese (2012 a 2014).

E, por fim, é preciso ressaltar que também foram feitas buscas por construções de tópico

sujeito na amostra do português brasileiro disponibilizada no site do Corpus de

Referência do Português Contemporâneo (CRPC), organizada pela equipe do Centro de

Linguística da Universidade de Lisboa. O Corpus do CRPC está disponível em

http://alfclul.clul.ul.pt/CQPweb/

O Corpus de Referência do Português Contemporâneo (CRPC) dispõe de uma

amostra digitalizada de textos produzidos por falantes de português nascidos em

Portugal, Brasil, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçambique, Angola, Guiné

Page 28: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

10

Bissau, Macau e Timor Leste. (MENDES et alli, 2011). Essa amostra dispõe de textos

escritos – jornais, revistas, técnico, científicos, didáticos, econômico, jurídico,

parlamentar, literários e vários – assim como de textos orais – elocuções formais e

informais.

No que concerne às ferramentas de busca automáticas, o CRPC dispõe de uma

plataforma, representada na figura 3, que permite ao usuário fazer buscas a partir de

determinados comandos. Especificamente, para essa tese, utilizei, por exemplo, uma

lista de verbos inacusativos a fim de encontrar as construções de tópico sujeito. A partir

da lista de verbos inacusativos4, fiz uma busca restrita – Restricted query -, escolhendo

não apenas o verbo, mas também a variedade do português e o gênero textual, conforme

observamos na figura 3.

Figura 3 Imagem da página do sistema de busca automática do CRPC

O resultado de uma busca com as restrições citadas anteriormente pode ser

observado na figura 4. O sistema de buscas do CRPC permite ao usuário ter a lista de

sentenças que contenham esse verbo nas formas finitas e não finitas.

44

A lista de verbos inacusativos encontra-se disponível em Duarte (2003)

Page 29: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

11

Figura 4 Imagem da página com o resultado da busca pelo verbo inacusativo “furar” no CRPC.

A diversidade de fontes dos dados deste capítulo está diretamente relacionada à

busca por um número maior de sentenças que me permitissem tecer algumas

generalizações acerca da construção de tópico sujeito. Por isso, fiz uso de textos escritos

e de fala espontânea cujos dados recolhidos serão apresentados e descritos nas próximas

seções.

1.1 As características gerais do tópico sujeito

A construção de tópico sujeito caracteriza-se por construir uma relação de posse

sem a presença de uma preposição. Assim, em sentenças como (13), ocorre a

justaposição de DPs em uma relação de posse que chamarei, ao longo da tese, de posse

[DP+DP].

(13) Posse [DP+DP]

a. [+possuidor]O dente já tá saindo [+possuído]a anestesia (Fala espontânea, Brasil)

b. [+possuidor]A parede caiu [+possuído]o reboco (Buscas on line, Brasil)

c. [+possuidor]Ônibus da 18 de Setembro falta [+possuído]freio e por pouco não causa

tragédia na Olimpio Vital. (Buscas on line, Brasil)

Page 30: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

12

Segundo Nikolaeva e Spencer (2010), a posse [DP+DP] é uma estrutura em que

ocorre a ausência de um item responsável por marcar ou estipular a relação de

adjacência entre o núcleo – o DP [+possuído] - e o termo adjunto – o DP [+possuidor].

Para caracterizar a construção, os autores destacam que a expressão dos DPs ocorre, em

geral, em uma ordem padrão que varia de acordo com a gramática de cada língua. No

PB, em construções de tópico sujeito, o padrão observado é sempre a ordem

[+possuidor +possuído], como é possível verificar nos exemplos em (14).

(14) a. A televisão da sala estragou a tela quando eu tava vendo o Jornal Nacional.

(Fala espontânea)

b. O celular dela acabou a bateria e não consegui falar com ela. (Fala espontânea,

Brasil)

Podemos notar que existe uma relação de justaposição que indica posse, que é

entendida por Nikolaeva e Spencer (2010) como:

“A simples justaposição como a ausência de uma marcação de

construção e uma adjacência estipulada entre o núcleo e o seu

dependente, geralmente, em uma ordem fixa.”5

No PB, outros tipos de construções de tópico podem apresentar a chamada posse

[DP+DP], como as construções de tópico pendente, ilustrado em (15), em que o DP é

alçado para a posição de tópico e mantém com o DP pré ou pós verbal uma relação

semântica de posse:

(15) a. sabe aquela dona gordinha, que morou aqui do lado um tempão? uma que a

Elvira chamava de tia? então, o filho morreu.. (Fala espontânea)

b. O ovo... o ovo não tá escrito na embalagem quanto tempo faz, como faz, né"

(Buscas on line, Brasil)

c. Meu celular, o GPS parou de funcionar (Fala espontânea)

5 “we can understand simple juxtaposition as the absence of constructional marking and

stipulated adjacency between the head and the dependent, usually in a fixed order.”

(NIKOLAEVA and SPENCER, 2010: 40)

Page 31: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

13

Em algumas comunidades quilombolas, podem ser encontradas construções de

posse [DP+DP] com justaposição, em que não há o alçamento do DP [+possuidor] para

a posição de sujeito ou de tópico, como ilustrado em (16)

(16) E fiz o trajeto até chegá aqui na rua, até chegá na porta[+possuído] igreja.[+possuidor]

(Comunidade Quilombola de Milho Verde, Brasil)6

Para além da característica estrutural da ausência da preposição, Galves (1998)

afirma que o tópico sujeito expressa sempre uma relação de parte-todo, como (17), ou

de posse, como em (18).

(17) a. O ônibus estava subindo a ladeira na saída de Aurelino Leal em direção a

Itabuna, mas segundo o motorista que ainda estava acordado no momento do

socorro, nos informou que [+todo]o carro quebrou [+parte]a caixa de marcha e

começou a voltar de ré. Ele ainda pisou no freio, mas também falhou, e aí não teve

como ele conter o veículo. (Buscas on line, Brasil)

b. [+todo]Essa merda de tablet fica caindo [+parte]a net toda hora (Buscas on line,

Brasil)

(18) a. [+possuidor]O bebê cresce [+possuído]a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar

a unha dele pra ele não machucar (Fala espontânea)

b. [+possuidor]Uma parenta dum amigo nosso morreu [+possuído]a avó. (Buscas on line,

Brasil) (www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)

c. [+possuidor]A minha filha amadureceu [+possuído]a cabeça porque ficou grávida e teve

que criar o meu neto. (Fala espontânea)

Entretanto, conforme destaca Lunguinho (2006), no PB, são também possíveis

construções de tópico sujeito que não parecem, em princípio, expressar uma relação de

parte-todo, tal qual pode ser observado nos exemplos em (17) e nem uma relação de

posse como nos exemplos em (18). Observemos que nos exemplos em (19) os DPs “a

reforma” e “a obra” não podem ser interpretados como [+parte], mas também não é

6 Esse dado foi obtido junto à amostra do Projeto Piloto Comunidades Quilombolas, organizado pelas

professoras Margarida Petter e Marcia de Oliveira da USP. A amostra está disponível em

http://www.fflch.usp.br/indl/Extra/Projeto_Iphan_USP.htm

Page 32: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

14

possível a interpretação como [+possuído]. Ainda assim, a partir das paráfrases em (20)

nota-se que a estrutura sintática das sentenças é a mesma dos exemplos em (17-18). Ou

seja, há tópico sujeito.

(19) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, o hospital

ainda falta terminar a reforma, o saneamento básico precisa ser acelerado. (Fala

espontânea, Brasil).

b. A minha casa do Bom Pastor terminou a obra e eu vou me mudar essa semana.

Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a gente. (Fala

espontânea)

(20) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, ainda falta

terminar a reforma do hospital, o saneamento básico precisa ser acelerado.

b. Terminou a obra da minha casa do Bom Pastor e eu vou me mudar essa

semana. Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a

gente.

Para sentenças como as expressas em (19-20) a impossibilidade de verificar, em

um primeiro instante, uma relação de parte-todo ou posse, pode ser resolvida com uma

observação mais abstrata das relações semânticas expressas. Assim, é possível

interpretar que há uma relação de parte-todo em (19-20) porque “a reforma” ou “a

obra”, vocábulos do mesmo campo semântico, são a parte de um processo que culmina

em um objeto, ou seja, um todo: “o hospital” ou “a casa”. Nesse sentido, o exemplo em

(20), repetidos abaixo como (21), expressam relação parte-todo, assim como em (17).

(21) Relação de parte-todo

a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, [+todo]o

hospital ainda falta terminar [+parte]a reforma, o saneamento básico precisa ser

acelerado.(Fala espontânea, Brasil).

b. [+todo]A minha casa do Bom Pastor terminou [+parte]a obra e eu vou me mudar

essa semana. Agora, já vamos poder levar a Ana Clara e a Vitória pra ficar com a

gente. (Fala espontânea, Brasil)

Page 33: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

15

Portanto, nas construções de tópico sujeito, podemos encontrar dois tipos de

relações semânticas: parte-todo e posse. Passemos, então, a abordar os tipos de posse

que são gramaticais nesse tipo de sentença. Mas antes é necessário discutir os conceitos

inerentes aos três tipos de posse que serão destacados na amostra: inalienável, alienável

e meronímica. Inicio essa discussão com a posse alienável.

A posse alienável é definida por Guerón (1985) como a estrutura em que o DP

[+possuído] é disjunto do nominativo, dativo ou genitivo possuidor. Assim, o DP

[+possuído] não é interpretado como parte inerente do DP [+possuidor]. No caso do

tópico sujeito não é possível haver uma relação de posse alienável, como mostram os

exemplos em (22), em que o DP anteposto ao verbo tem o papel temático de

[+experienciador/afetado].

(22) a. *A Elaine furou o pneu do carro7

a‟ Furou o pneu do carro da Elaine.

b. * A Elaine caiu o estojo

b‟ Caiu o estojo da Elaine.

Por outro lado, a posse inalienável é definida por Guerón (1985) como a

construção em que o DP [+possuído] – nomes de partes do corpo ou de partes de

objetos – é uma parte intrínseca do DP [+possuidor]. Este DP pode checar os casos

Nominativo, sendo o sujeito da sentença, mas também o dativo ou o genitivo, atuando

como adjunto adnominal ou complemento nominal.

Ou seja, a posse inalienável é uma estrutura em que a relação semântica não é

construída no contexto discursivo, não é definida pela pragmática, como ocorre na posse

alienável, mas sim em uma relação inerente aos dois objetos relacionados: uma relação

de parte-todo que pode ser partes do corpo ou relações de parentesco. Segundo Baker

(1995), a relação de posse inalienável é tão forte que pode, estruturalmente, ser

entendida como uma relação entre predicador e argumentos, na medida em que o DP

[+possuído] é dependente do DP [+possuidor]. Ainda seguindo Baker (1995), são

possíveis construções com interpretação inalienável em que aparentemente não há uma

relação intrínseca entre o DP [+possuído] e o [+possuidor] como se nota no exemplo em

7 A sentença expressa em (22a) é gramatical se a interpretação for de que o DP “Elaine” tem o papel

temático de [+agente], entretanto, a sentença não é classificada como de tópico sujeito, mas sim apresenta

uma leitura causativa.

Page 34: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

16

(23). Nesses casos, Baker defende que há uma extensão de significado, permitindo uma

leitura intrínseca.

(23) O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea)

Finalmente, a relação de posse meronímica é assim definida por Kleiber (2002).

“8No caso de uma relação meronímica, a entidade x denotada

pelo nome anafórico é uma parte do todo y, e a entidade x tem

por função ser uma parte de y”. (Tradução minha) (KLEIBER,

2002:45)

Na literatura sobre a marcação de posse, em geral, se assume que só pode haver

posse quando há em questão ao menos um sintagma com traços [+humano] ou

[+animado]. Entretanto, Kleiber (2002) afirma que existem construções que indicam

posse e que não necessariamente apresentam ao menos um sintagma com traços

[+humanos] ou [+animados]. Em geral, o que se pressupõe para que haja posse é que as

entidades envolvidas no sintagma sejam de categorias distintas obedecendo à escala

exposta no quadro abaixo.

Quadro 1 Escala das categorias envolvidas na relação de posse

(KLEIBER, 2002:62)

Nesse sentido, o PP deve estar sempre mais à esquerda no continuum em relação

ao termo determinado. Assim são tratadas como posse relações como as expostas em

(24a-d), mas, em princípio, não as observadas em (25a-c), visto que os itens lexicais

ocupam a mesma posição na escala ontológica. As sentenças em (25a-c) expressariam,

assim, uma relação parte-todo.

(24) a. posseO cabelo da garota é preto

[+objeto] [+ humano]

8 “In the case of meronymic anaphors, the entity x denoted by the anaphoric noun is a part of whole y, and

it plays, inside functional anaphors, a part with respect to y” (KLEIBER, 2002:45)

Humanos> animais> objetos concretos> eventos> propriedades.

Page 35: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

17

b. posseA ração da cachorra acabou

[+objeto] [+animais]

c. posseO show do Djavan será no dia 26 de Abril.

[+evento] [+humano]

d. posseA bola de couro rasgou com o vidro.

[+objeto] [+propriedade]

(25) a. A criança jogou não possea bateria do celular no lixo.

[+objeto] [+objeto]

b. O homem pegou não posseo pneu do carro na garagem.

[+objeto] [+objeto]

c. Os garotos destruíram não posseO ponteiro do relógio.

[+objeto] [+objeto]

Kleiber (2002) acrescenta que em sentenças como (26) há um caso de posse

marcado pela relação funcional de localidade e outro de posse meronímica, em que

existe uma relação parte-todo. Em sentenças com posse meronímica, o DP é definido

como a parte relativa do todo. Ele não contém os traços semânticos da totalidade, assim

como o recurso meronímico de “parte de”. Observando (26b), podemos notar que na

escala do quadro 1 os dois itens lexicais são objetos concretos.

(26) a. L‟eglise du village. (KLEIBER, 2002:57)

A igreja da aldeia

b. Le tronc du tilleul. (KLEIBER, 2002:52)

O tronco da cal

A proposta de Kleiber (2002) é de que essa relação de assimetricidade entre os

itens que compõem o sintagma possessivo, como os expressos em (26), pode ser

aplicada a partir de uma relação parte-todo em que o item lexical que representa o

“todo” está mais à esquerda na escala do que aquele que representa a “parte”. Nesse

sentido, podemos, seguindo Kleiber (2002), assumir que nos exemplos em (27), também

há uma expressão de posse: a posse meronímica.

(27) a. A criança jogou posse meronímicaa bateria do celular no lixo.

Page 36: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

18

[+parte] [+todo]

b. O homem pegou posse meronímicao pneu do carro na garagem.

[+parte] [+todo]

c. Os garotos destruíram posse meronímicao ponteiro do relógio de propósito.

[+parte] [+todo]

A proposta de Kleiber (2002) nos auxilia no trabalho com as construções de

tópico-sujeito no PB que apresentam uma relação parte-todo, como as expressas em

(26). Nessas sentenças, há, portanto, posse meronímica, expressa via concatenação de

dois DPs.

(28) a. [+possuidor]O celular acabou [+possuído]a bateria.

[+todo] [+parte]

b. [+possuidor]O carro furou [+possuído]o pneu.

[+todo] [+parte]

c. [+possuidor]O relógio quebrou [+possuído]o ponteiro.

[+todo] [+parte]

Apresentados os três tipos de posse, é preciso apresentar os contextos em que o

tópico sujeito foi encontrado. Em síntese, há tópico sujeito em construções que

envolvem posse inalienável, (29), e meronímica, (30).

(29) a. Espanta com qualquer coisa, pula, arrebenta a barrigueira, derruba quem está

montado. Henricão não quebrou a perna numa queda de cavalo? E ele é peão,

estava acostumado (CRPC, Brasil)

b. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)

(30) a. Meu relógio soltou o ponteiro do minuto e quero saber onde tem assistência

técnica (Buscas on line, Brasil)

b. Segundo testemunhas, o ônibus faltou freio, colidindo na traseira de um micro

da Princesinha, que bateu na traseira de outro veículo e que esse outro veículo

bateu (Buscas on line, Brasil)

Page 37: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

19

1.2 O tópico sujeito: um caso de posse externa

A posse externa é definida e caracterizada por Payne e Barshi (1999) como uma

construção em que uma relação semântica de possuído-possuidor é expressa a partir da

codificação do possuidor como um argumento do verbo e em um constituinte

separado/descontínuo daquele que contém o item possuído.

“Nós tomamos como exemplos centrais de posse externa uma

construção em que a relação semântica possuidor-possuído é

expressa pela codificação do possuidor como uma relação

gramatical do verbo e em constituinte separado daquele que

contém o possuído.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)9

Outras propriedades da posse externa também são destacadas por Payne e Barshi

(1999): o tipo de predicado é, preferencialmente, [+eventivo] e [+estativo (somente nos

verbos inacusativos)]; ela ocorre com mais frequência em construções com posse

inalienável; é mais frequente quando o item [+possuidor] tem o traço de animacidade

[+humano] ou [+ animado], entre outros fatores que desenvolverei ao longo dessa

seção. Em ordem, descrevo e relaciono com as construções de tópico sujeito as

seguintes propriedades da posse externa: os constituintes descontínuos, o verbo

inacusativo, os aspectos morfológicos, o papel temático, o Caso, os tipos de predicado,

o traço de animacidade e a inalienabilidade.

1.2.1 Os constituintes descontínuos

Destacada na definição de posse externa a propriedade de uma construção

exprimir uma relação de posse por meio de constituintes descontínuos é verificada no

tópico sujeito. Observemos que nos exemplos em (31), os DPs [+possuidor/todo] se

comportam como um item sintaticamente ligado ao verbo, um sujeito pré-verbal,

enquanto os DPs [+possuído/parte] se comportam como objeto do verbo em uma

posição pós-verbal. Apesar da distribuição sintática descontínua dos DPs,

semanticamente os DPs [+possuidor/todo] estão ligados aos DPs [+possuído/parte]. A

evidência para a afirmação anterior está exatamente na interpretação que fazemos de

9 “We take core instances of external possession to be constructions in which a semantic possessor-

possessum relation is expressed by coding the possessor as a core grammatical relation of the verb and in

a constituent separate from that which contains the possessum.” (PAYNE e BARSHI, 1999:3)

Page 38: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

20

sentenças com tópico sujeito. Ou seja, ainda que sejam constituintes descontínuos, o

falante interpreta esses DPs como em uma relação de posse inalienável, (31a-b) ou

como parte-todo, (31c).

(31) a. [+possuidor]O bebê cresce [+possuído]a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar

a unha dele pra ele não se machucar (Fala espontânea)

b. [+possuidor]A minha filha amadureceu [+possuído]a cabeça porque ficou grávida e

teve que criar o meu neto. (Fala espontânea)

c. [+todo]O rádio da sala estragou [+parte]a caixa de som quando eu tava ouvindo o

jogo na Rádio Globo. (Fala espontânea)

1.2.2 O verbo inacusativo

Em uma construção de posse externa, segundo Payne e Barshi (1999), o DP

[+possuidor] pode se tornar um argumento direto de qualquer um dos três tipos de

predicadores básicos: intransitivos, transitivos ou ditransitivos. No PB, o único tipo de

predicador que admite a construção de tópico sujeito é o inacusativo, ou seja, um tipo de

verbo monoargumental. Ainda assim ao observar os exemplos em (32) se verifica que

duas posições sintáticas estão preenchidas: a posição de sujeito, [Spec-TP], e a posição

de objeto, [Compl-VP].

(32) a. O meu celular descarregou a bateria, não vi sua mensagem, por isso só estou

respondendo agora, desculpa. (Fala espontânea)

b. O computador estragou o roteador e não dá pra falar com você pelo skype.

(Fala espontânea)

c. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)

Chappell (1999) observando dados de línguas Siníticas como, por exemplo, o

cantonês identifica construções de posse externa, como as expressas em (33), que têm

quase a mesma estrutura sintática de construções como (32). De um modo geral, o autor

classifica a sintaxe dessas sentenças como “uma aberração” (CHAPPELL,1999:195) e

afirma que elas se caracterizam por ter a estrutura exposta em (34), ou seja, os nomes da

Page 39: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

21

relação possessiva ocorrem descontinuamente, visto que o possuidor aparece na posição

canônica de sujeito, enquanto o possuído aparece na posição canônica de objeto.

(33)10

a. Poh1 sue

6 lok

6 joh

2 ho

2 doh

1 yip

6

ClasseRef árvore cair pretérito perfeito muitas muitas11

folhas

PB: A árvore caiu muitas folhas

(34) Nome[possuidor] Verbo[intransitivo]12

Nome[possuído/partes]

O autor ressalta ainda que o movimento do DP [+possuidor] para a posição de

sujeito só pode ocorrer em construções que exibam um verbo inacusativo e em que haja

uma posse inalienável. Conforme apresentei, os casos de tópico sujeito ocorrem apenas

com verbos inacusativos e com posse inalienável ou meronímica que também representa

uma relação de parte-todo.

1.2.4 A morfologia da posse externa na construção de tópico sujeito genitivo

Segundo Payne e Barshi (1999), em uma construção de posse externa o DP

[+possuidor] pode ser expresso como sujeito, objeto direto ou por um dativo, mas,

dificilmente, por um PP. Além disso, em algumas gramáticas o DP [+possuidor] pode

simultaneamente ser expresso por um pronome ou por um afixo interno ao DP que

contém o item [+possuído].

Em geral, a expressão da posse externa se dá por meio de três tipos de itens

lexicais: morfemas aplicativos, clíticos ou DPs plenos ou nus. A variação nas

possibilidades de marcação de uma relação de posse externa está ligada às propriedades

sintáticas e singulares de cada gramática. Assim, podemos, por exemplo, em (35),

observar sentenças do catalão em que há posse externa e notar que há um clítico, “li”,

entretanto, as estruturas sintáticas são distintas. Observemos, primeiramente, os dados

10

Chappel (1999) não identifica o que sejam os índices acima de cada vocábulo em cantonês.

11

Na glosa proposta por Chappell (1999), os vocábulos “ho” e “doh” são traduzidos respectivamente por

“very” e “many”. No português, a tradução para os dois advérbios é a mesma “muito”.

12

Chappell (1999) adota o termo “intransitivo” em uma perspectiva bem geral em que este significa um

predicador monoargumental. O autor não faz, no trecho citado, menção à dicotomia “inacusativo/ergativo

x intransitivo/inergativo”

Page 40: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

22

em (35a-b). Nesses casos ocorre o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de

tópico da sentença, conforme demonstram as representações sintáticas em (36). Além da

realização do item [+possuidor] com o Caso Dativo, há o clítico adjacente ao verbo que

garante o estatuto de posse externa à construção visto que, por definição, essas

construções ocorrem quando um termo ligado ao DP pós-verbal passa a se relacionar

sintaticamente com o verbo.

Por outro lado, em (35c), há um clítico dativo junto ao verbo, mas não há uma

construção em que dois itens marquem a posse externa como ocorre em (35a-b), ou seja,

não há redobro.

(35) a. A aquest cotxe li falla el carburador.

b. A Joan li suen las mans.

c. L‟accident li va desfigurar la cara

(PICALLO & RIGAU, 1999)

(36) a. CP 3 DP C‟

A aquest 3 cotxei C TP 3 DP T‟

lik 3 T vP

fallaj 3

DP v‟ 3 v VP

lik 3

DP V 3

V DP

fallaj 4

el carburador [-]i

Page 41: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

23

b. CP 3 DP C‟

A Joani 3 C TP 3 DP T‟

lik 3 T vP

suenj 3

DP v‟ 3 v VP

lik g V‟ 3

V DP

suenj 4

las mans [-]i

c. . CP 3 DP C‟

L‟ accident 3 C TP 3 DP T‟

lik 3 T vP

vai desfigurarj 3

DP v‟

lik 3 v VP

vai 3

DP V 3

V DP

desfigurarj la cara

Page 42: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

24

Em construções como (35), os autores assumem que o clítico, em geral com o

Caso dativo, é um morfema aplicativo13

, visto que, em construções com redobro sua

única função é marcar a emergência de uma nova estrutura sintática em que o verbo

“passa” a ter um “novo argumento”.

Essa mesma construção é encontrada no português europeu por Miguel,

Gonçalves e Duarte (2011). Observemos que nos dados em (37) as autoras comparam

os três tipos de estruturas sintáticas que podem expressar a posse. Enquanto em (37a-b),

há posse interna com a preposição genitiva “de” ou com a preposição dativa “a”, em

(37c), há posse externa.

(37) a. O professor avaliou as provas dos estudantes.

b. O professor avaliou as provas aos estudantes.

c. O professor avaliou-lhes as provas.

(MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE, 2011:390)

No que concerne à morfologia, é possível destacar que em (37a-b) há uma

preposição que delimita o Caso dos adjuntos adnominais e expressa a relação de posse.

Por outro lado, em (37c), o clítico “lhe” é o responsável por exercer a função que em

(37a-b) é cumprida pela preposição.

É evidente, entretanto, que a construção de tópico sujeito é sintaticamente

distinta das construções de posse externa que mencionei até o momento. Em um

primeiro momento, a diferença mais clara é o fato de não haver um morfema ou clítico

que se adjunja ao verbo para marcar a construção de posse externa. Em seguida, é

possível mencionar que não há no tópico sujeito um item com o Caso dativo, tal qual

ocorre em todas as sentenças listadas até aqui. Do mesmo modo, construções com

redobro são agramaticais no PB.

Entretanto, são listáveis também as semelhanças entre construções como as

expressas em (36) e (37) e o tópico sujeito do PB apresentado em (38). A primeira das

semelhanças morfológicas que destaco é a checagem de traços Se por um lado, há no

clítico dativo marcas de número e pessoa, nas construções de tópico sujeito essa

13

“The applicative is usually understood as a construction in which a verb bears a specific morpheme

which licenses an oblique, or non core, argument that would not otherwise be considered a part of the

verb‟s argument structure.” (JEONG, 2007:2)

Page 43: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

25

morfologia é expressa no DP pré-verbal que atua como o sujeito da sentença e concorda

com o verbo em número e pessoa, como pode ser observado nos dados em (38).

(38) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala

espontânea)

b. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta

da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que

possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no

laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas

respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais, Brasil)

c. Xiii....os carros arrebentaram os parachoques na batida. (Fala espontânea)

Observemos que a projeção do DP [+possuidor] para um constituinte distinto

daquele ocupado pelo DP [+possuído] não muda a grade argumental de nenhuma das

construções. Em (39a), o clítico atua como um dativo de posse, enquanto em (39b-c) o

DP [+possuidor] não ocupa a posição de [Spec-VP], mas sim a de [Spec-TP], uma

posição não ligada ao verbo.

(39) a. O professor avaliou-lhes as provas. (MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE,

2011:390)

b. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra

ele não machucar (Fala espontânea)

c. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)

(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)

1.2.5 O papel temático do DP [+possuidor] em construções de posse externa

Nessa seção, apresento a semelhança entre a posse externa que envolve o clítico

“lhe” e o tópico sujeito no que concerne ao papel temático do item lexical que marca a

posse externa.

Page 44: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

26

Observemos que em (40), (41), (42) e (43) - respectivamente, dados do PE, do

Catalão, do Castelhano e do PB - o clítico, em (40-42), e o DP em (43), apresentam o

papel temático ou de [+experienciador] ou de [+afetado]. Ou seja, independente da

forma como o item lexical se realiza o único papel temático que pode, nessas

construções, ser o elemento que marca a relação de posse externa é aquele que respeita

um desses dois papeis temáticos.

(40) a. O professor avaliou-lhes as provas

b. O professor sublinhou-lhes o texto.

(MIGUEL, GONÇALVES e DUARTE, 2011: 390-391)

(41) a. A Joan li suen las mans

b. Li han dissenyat um vestit a Maria

(PICALLO e RIGAU, 1999)

(42) a. Al bebé le salieron los dientes.

(PICALLO e RIGAU, 1999)

b. Juan le respecta las opiniones a María

(PUJALTE, 2010)

(43) a. Passei por lá estes dias e a terra continua tomando conta da cidade, o hospital

ainda falta terminar a reforma, o saneamento básico precisa ser acelerado,

etc.....(Fala espontânea)

b. O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea)

1.2.6 O Caso

Uma das propriedades do tópico sujeito no PB é a ausência da preposição que

checa o Caso genitivo. Essa característica é por si só uma propriedade das construções

de posse externa em que, em geral, não é possível a realização de um PP (PAYNE e

BARSHI, 1999). Por outro lado, a ausência dessa categoria gramatical levanta a questão

de como o Caso genitivo está sendo checado, visto que é a preposição “de” a

responsável por essa operação sintática. Mais do que isso, a ausência dessa preposição

Page 45: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

27

põe em questão se de fato o Caso do DP [+possuidor] em construções de posse externa

no PB é o genitivo.

Considerar que um Caso distinto ao genitivo expresse uma relação de posse não

é uma opção inviável visto que há inúmeros exemplos na literatura em que essa

estrutura é gramatical. Assim, por exemplo, podemos falar da posse externa no espanhol

em que um clítico com Caso Dativo marca essa relação, como pode ser visto nos

exemplos em (44).

(44) a. Al bebé le salieron los dientes.

(PICALLO & RIGAU, 1999)

b. Juan le respecta las opiniones a María

(PUJALTE, 2010)

Observemos que sentenças como (44) são distintas da estrutura expressa no

tópico sujeito, visto que em (44a) o clítico dativo “le” é correferente ao PP que está na

posição de tópico da sentença, conforme mostra a comparação com (45a). Do mesmo

modo, em (44b), o clítico “le” é correferente ao PP “a Maria” que não sofreu a operação

“move” da sua posição original, conforme pode ser visto em (45b).

(45) a. Al bebéi lei salieron los dientes [-]i.

(PICALLO & RIGAU, 1999)

b. Juan lei respecta las opiniones a Maríai

(PUJALTE, 2010)

No PE, também encontramos estruturas semelhantes a (45), como a expressa em

(46b). Observemos que em (46b), de modo distinto ao espanhol, o clítico “lhe” não tem

um redobro. Mas a observação do exemplo em (46a) permite entendermos que esse

clítico funciona como o adjunto do DP “as opiniões”. Ainda que esteja semanticamente

relacionado ao DP pós-verbal, o clítico é interpretado como sintaticamente ligado ao

verbo.

(46) a. O João respeita as opiniões à mulher.

b. O João respeita-lhe as opiniões.

(MIGUEL, GONÇALVEZ e DUARTE, 2011:392)

Page 46: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

28

Observemos, então, que o Caso dos clíticos que marcam a posse externa é o

dativo. Nessas sentenças, entretanto, é preciso destacar que o Caso da posse interna, ou

seja, da construção em que sintaticamente e semanticamente o DP [+possuidor] está

ligado ao DP [+possuído], também é o dativo como pode ser visto na sentença em (46a)

para o PE e em (45a) para o espanhol, sentenças em que o item que checa o Caso é a

preposição dativa “a”.

Além do dativo, o Caso nominativo também pode expressar a relação de posse

em uma construção de posse externa. Essa é, por exemplo, a estrutura observada no

japonês. Em sentenças como (48), observemos que o DP [+possuidor] tem o Caso

nominativo que é marcado pelo morfema –ga.

(48) John-ga oneesan-ga totemo kirei-da

John-Nom irmã mais velha-Nom muito bonita-é

A irmã mais velha do John é muito bonita.

(UEHARA, 1999:200)

Segundo Uehara (1999), nessas construções apesar de o Caso marcado ser o

nominativo, há naturalmente uma interpretação de posse inalienável que o autor afirma

só ser possível por haver uma “força genitiva”. Estruturalmente, o autor observa que

construções como (48), em que a “força genitiva” se faz presente, mas em que o Caso

do DP [+possuidor] é o Nominativo, só são gramaticais se este DP ocupar a posição de

sujeito. De algum modo, as construções do japonês expressas em (48) são semelhantes

ao tópico sujeito do PB. Assim como no japonês, o DP [+possuidor] ocupa a posição de

sujeito no tópico sujeito do PB e concorda com o verbo. Observemos os dados em (49).

(49) a. Os computadores do colégio queimaram os monitores por conta da queda de

energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que possamos consertá-

los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no laboratório. Nesse

período, os professores ministrarão aulas teóricas nas respectivas salas de aula.

(Comunicado aos pais, Brasil)

b. Xiii....os carros arrebentaram os parachoques na batida. (Fala espontânea)

Page 47: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

29

Assim no PB, os traços de número e pessoa que desencadeiam a checagem do

Caso Nominativo em construções de tópico sujeito, e, portanto, a efetivação do DP

topicalizado como o sujeito da sentença, são também os responsáveis por marcar a

relação de posse externa na construção.

É preciso ressaltar que em falas espontâneas foram coletados dois dados em que

a relação de concordância não é estabelecida entre o verbo finito e o DP [+possuidor],

como pode ser visto em (50). Note, entretanto, que construções em que o sujeito não

concorda foneticamente com o verbo finito não inviabilizam a checagem do Caso

nominativo.

(50) a. As bicicleta dos menino quebra os aro fácil nós vai ter que trocar tudo. (Fala

espontânea)

b. As árvore estragaram as fruta antes de amadurecer. Esse ano a gente tamo sem

jambo e manga...(Fala espontânea)

Assim, assumo para a análise dessa tese que o DP [+possuidor] checa o Caso

Nominativo e que a relação de posse é expressa por meio deste Caso, como ocorre no

japonês. Da mesma forma tomo a afirmação de Uehara (1999)14

de que ainda que o

Caso expresso em sentenças como (49) e (50) seja o Nominativo, há uma “força

genitiva” que é indicada pela relação estabelecida entre o DP1 [+possuidor] e o DP2

[+possuído];

“Apesar de a marcação de caso do possuidor nas construções de

posse externa ser nominativa, ela é naturalmente interpretada

como dotada de uma força genitiva.” (UEHARA, 1999:46)

1.2.7 O tipo de predicado

Payne e Barshi (1999) afirmam que existem dois padrões de tipos de predicados

mais comuns em construções de posse externa: predicados que indicam mudança de

estado e predicados inacusativos que indicam estados. Observemos que nos exemplos

em (51-52) há dados de tópico sujeito com um predicado que indica mudança de estado.

14

“Although the case-marking of the possessor in external possession constructions is nominative, it is

naturally interpreted as having genitive force.” (UEHARA, 1999:46)

Page 48: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

30

(51) a. A Manu nasceu o primeiro dentinho, estou muito feliz (Fala espontânea)

b. O celular já carregou a bateria, já pode tirar do carregador. (Fala espontânea)

c. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o

meu neto. (Fala espontânea)

(52) a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra

ele não machucar (Fala espontânea, Brasil)

b. José Simão da equipe de articulistas Páscoa animada! Mulher usa cueca, Ruth

Cardoso quebra o braço, o marido quebra o país e a Carmen Mayrink Veiga

quebra geral! A falida mais falada do país! (CRPC)

1.2.8 O traço de animacidade

Haspelmath (1999) argumenta que em construções de posse externa há uma

hierarquia que “governa” os traços de animacidade do DP [+possuidor]. Essa primeira

hierarquia, que apresento no quadro 2, é considerada pelo autor como uma propriedade

universal desse tipo de construção. Entretanto, isso não significa que em todas as

gramáticas haverá construções de posse externa que deem conta de todos os níveis da

hierarquia. Segundo o autor, as línguas europeias que apresentam esse tipo de posse, em

geral, só a admitem quando o DP [+possuidor] é [+humano] ou [+animado].

Humano > Animado > Inanimado

Quadro 2 Hierarquia de Animacidade nas construções de posse externa

De fato, os dados de tópico sujeito demonstram que há os traços de animacidade

[+humano], [+animado] e também [+inanimado], como pode ser visto, respectivamente,

nos exemplos em (53), (54) e (55).

(53) a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra

ele não machucar (Fala espontânea)

b. Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)

(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)

Page 49: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

31

c. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o meu

neto. (Fala espontânea)

d. A minha filha cresceu o cabelo muito rápido porque eu cortei o cabelo dela na

lua crescente (Fala espontânea)

(54) a. O cachorrinho lá de casa caiu o dentinho dentro do meu sapato (Fala

espontânea)

b. A minha vaquinha quebrou a pata e tive que mandar sacrificar (Fala

espontânea)

(55) a. A televisão da sala estragou a tela quando eu tava vendo o Jornal Nacional.

(Fala espontânea)

b. O celular dela acabou a bateria e não consegui falar com ela. (Fala espontânea,

Brasil)

c. O computador estragou o roteador e não dá pra falar com você pelo skype. (Fala

espontânea)

d. O dente já tá saindo a anestesia (Fala espontânea, Brasil)

Sem dúvida alguma, esses dados mostram que no PB pode haver posse externa

com qualquer tipo de traço de animacidade no DP [+possuidor]. Um fato, entretanto,

chama a atenção no que concerne a esse fator: predominam, nos dados coletados na

internet ou em fala espontânea, as construções em que o DP [+possuidor] é

[+inanimado]. Observemos na tabela 1 que 73% dos dados correspondem às

construções em que o DP [+possuidor] tem traço de animacidade [+inanimado],

enquanto integram a amostra apenas 23% de dados em que o DP [+possuidor] tem

traços [+humano] e 4% traços [+animado].

Tópico sujeito

N %

[+Humano] 10 23%

[+Animado] 2 4%

[+Inanimado] 33 73%

Total 45

Tabela 1 A frequência do traço de animacidade nas construções de tópico sujeito do PB

Page 50: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

32

A explicação para essa aparente incongruência com relação à hierarquia de

animacidade proposta por Haspelmath (1999) pode estar na constituição da amostra. É

preciso mencionar que a coleta dos dados em falas espontâneas ou mesmo em buscas

on-line em sites de reclamação foi extremamente difícil devido à especificidade da

construção. Nesse sentido, a maior parte dos dados de tópico sujeito com os quais

trabalho nesse capítulo é de fala espontânea que pude captar durante conversas ao longo

do processo de produção da tese. Sem dúvidas, essa metodologia pode “esconder”

dados em que os traços [+Humano] ou o [+Animado] sejam predominantes, mas

também a alta frequência do DP [+Inanimado] já indica que esta é uma construção

muito produtiva no PB com todos os tipos de traços de animacidade.

A hierarquia de animacidade proposta por Haspelmath (1999) é, posteriormente,

melhor detalhada pelo autor que acrescenta os traços de pessoa que predominam no DP

[+possuidor] em línguas europeias. Apresento esta nova hierarquia abaixo. Observemos,

inicialmente, que os dois primeiros níveis da hierarquia são compostos por pronomes,

respectivamente, primeira e segunda pessoa e terceira pessoa, apenas no terceiro nível é

que constam DPs e, posteriormente, outros DPs animados e DPs inanimados.

Quadro 3 Refinamento da hierarquia de animacidade nas construções de posse externa

O fato de os primeiros níveis hierárquicos serem compostos por pronomes pode

ser a explicação para entendermos o porquê de predominar na amostra dessa tese o

tópico sujeito com DP [+possuidor] com traços [+inanimado]. Ora, na construção em

estudo nessa tese, não há pronomes, há DPs que são alçados para posições mais altas na

sentença. Nesse sentido, se por um lado, havendo pronomes é esperado que haja o

predomínio de itens [+animados] e [+humanos], o oposto pode ser esperado quando

ocorre um DP como item que marca a posse externa.

1.2.9 A inalienabilidade na posse externa

Primeira/Segunda pessoa (pronomes) > Terceira pessoa (pronome) > Nomes próprios

> Outros animados > Inanimados.

Page 51: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

33

Payne e Barshi (1999) afirmam que em sentenças com posse externa há o

predomínio de construções com posse inalienável, em relação à posse alienável. Mais

precisamente os autores refinam a análise e propõem uma hierarquia para observar a

importância da inalienabilidade nas construções de posse externa. Observemos a

proposta dos autores no quadro 4.

Quadro 4 Hierarquia de inalienabilidade na posse externa

(PAYNE e BARSHI, 1999:14)

Ao comparar o quadro de Payne e Barshi (1999) com as construções de tópico

sujeito da amostra, notamos que é justamente nos dois primeiros níveis da hierarquia

que se encontram a maioria dos dados. Ou seja, o tópico sujeito do PB é um caso de

posse externa que ocorre, preferencialmente, em dois tipos de relações semânticas:

partes do corpo, como em (54) e (56), ou parte-todo, como em (55) e (57).

(56) Partes do corpo

a. O bebê cresce a unha e arranha o rostinho todo. Tem que cortar a unha dele pra

ele não machucar (Fala espontânea)

b. A minha filha amadureceu a cabeça porque ficou grávida e teve que criar o meu

neto. (Fala espontânea)

c. A minha filha cresceu o cabelo muito rápido porque eu cortei o cabelo dela na

lua crescente (Fala espontânea)

(57) Parte-todo

a. O carro descarregou a bateria e eu não demorei pra sair de casa pra trabalhar

(Fala espontânea)

b. As árvore estragaram as fruta antes de amadurecer. Esse ano a gente tamo sem

jambo e manga...(Fala espontânea, Brasil)

Partes do corpo > Parte- todo > Outros inalienáveis > Alienáveis mais próximos

>Alienáveis mais distantes > Não posse

Page 52: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

34

c. Senhores pais, os computadores do colégio queimaram os monitores por conta

da queda de energia ocorrida no último dia 26/05/2014, portanto, até que

possamos consertá-los, os alunos ficarão sem aula prática de informática no

laboratório. Nesse período, os professores ministrarão aulas teóricas nas

respectivas salas de aula. (Comunicado aos pais)

A preferência pela construção de posse externa em relações semânticas de parte-

todo ou de partes do corpo não é categórica, visto que há na amostra dados como o

expresso em (58) em que há uma relação de parentesco, a qual pode ser inserida como

“outros contextos inalienáveis” na hierarquia proposta por Payne e Barshi (1999).

(58) Uma parenta dum amigo nosso morreu a avó. (Buscas on line, Brasil)

(www.globo.com/esquenta/ Acesso em 21 de Abril de 2013)

1.3 O tópico sujeito como expressão da posse externa em variedades

africanas do português.

Nesta nova seção apresento alguns dados que mostram que a construção de

tópico sujeito também é encontrada nas seguintes variedades africanas do português:

Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. É importante

apontar que esses dados foram recolhidos na amostra do CRPC15

, em buscas on line e

nos corpora do projeto Vapor16

. O resultado da recolha é expresso no quadro 5 em que

apresento a distribuição dos dados por variedade do português e amostra consultada. Ao

total, há 10 dados de tópico sujeito distribuídos da seguinte forma: 3 dados do Português

de Angola, 2 dados do Português de Moçambique, 1 dado do Português de Cabo Verde,

1 dado do Português de Guiné Bissau e 3 dados do Português de São Tomé e Príncipe.

15

O CRPC é um corpus eletrônico da variedade europeia do português, bem como de variedades do

português oriundas do processo de colonização portuguesa (Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,

Moçambique, São Tomé e Príncipe, Goa, Macau e Timor Leste). A amostra contém 311,4 milhões de

palavras e abrange tipos de textos escritos (literários, jornalístico, técnico) e de registro oral (formal e

informal). O corpus do CRPC está disponível em http://alfclul.clul.ul.pt/CQPweb/ 16

O projeto Vapor tem por objetivo recolher dados de L1 e L2 faladas nas cinco variedades africanas do

português. O corpus está disponível em http://www.clul.ul.pt/pt/recursos/184-vapor-african-varieties-of-

portuguese

Page 53: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

35

Quadro 5 Distribuição da amostra considerando as variedades africanas do português e os corpora utilizados

Em (59-63), apresento os dez dados de tópico sujeito encontrados em variedades

africanas do português. Em (59), estão os três dados do Português de Angola; em (60),

os dois dados encontrados em amostras do Português de Moçambique; em (61), o único

dado que encontrei em amostras do Português de Cabo Verde; em (62), o único dado do

Português de Guiné Bissau; e, por fim, em (63), os três dados coletados em amostras do

Português de São Tomé e Príncipe.

(59) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o

álcool. (CRPC, Angola)

b. Benicio Del Toro, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Traffic

quebrou o pulso ao cair mal. (CRPC, Angola)

c. Depois o barbeiro encarava o aleijado e era como os seus sonhos quebrasse as

asas e tombasse naquela areia. (CRPC, Angola)

(60) a. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,

Moçambique17

)

b. O piloto quebrou a clavícula, fraturou o crânio e sofreu duas paradas

cardíacas. "Foi uma fatalidade. Estou muito triste".18

(Busca online,

Moçambique)

(61) a. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,

dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão

17

Este dado foi fornecido, gentilmente, pela professora Perpétua Gonçalves em conversa pessoal. 18

Retirado do site:

http://www.cofirve.org/site/s001/pagina.php?pagina=pag_noticiasVer.php&id=1267&idt=23

Angola Moçambique Cabo Verde Guiné Bissau São Tomé e Príncipe Total

Jornal 2

Revista

Vários 1

Livros 1

Oral 1

Escrito 1 2

Youtube

Fala espontânea 1

Vapor Entrevistas 1

Total 3 2 1 1 3 10

CRPC

Busca online

Page 54: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

36

perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.

(CRPC, Cabo Verde)

(62) a. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)

(63) a. A lambreta Damião furou o pneu.19

(Busca online, São Tomé e Príncipe)

b. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas20

(Busca online, São Tomé e

Príncipe)

c. Eu dantes trabalhava num bar, da minha irmã, xxxx depois caí parti o braço,

desisti de lá trabalhar (VAPOR21

, São Tomé e Príncipe)

Observemos que todas as construções listadas entre (59-63) apresentam as

mesmas características daquelas que foram recolhidas e apresentadas na amostra do

Português Brasileiro. Assim, podemos dizer que, nas variedades africanas do português,

uma das formas de expressar a posse externa é o tópico sujeito. A seguir enumero

algumas das características presentes no tópico sujeito do Português da África que são

as mesmas observadas nos dados do português brasileiro.

Em todas as construções há dois tipos de posse: inalienável ou meronímica

O DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo

O papel temático do DP [+possuidor] é [+afetado/beneficiário]

O verbo de todas as sentenças é inacusativo

O predicado indica mudança de estado

Há constituintes descontínuos

Há DPs [+inanimado] e [+animado] na função de sujeito

Notemos nos exemplos em (64) algumas características do tópico sujeito. Em

primeiro lugar, observemos que (64a) e (64c-d) há posse inalienável. Por outro lado, em

(64b) e (64e) há posse meronímica. Em todas as sentenças o DP [+possuidor] checa o

19

Retirado do site:

http://siga.st/futebol/internacional/info/513277/a-lambreta-damiao-furou-o-pneu

20

Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/

21

Registro meu agradecimento ao professor Tjerk Hagemeijer por gentilmente ter me cedido a amostra de

São Tomé e Príncipe do projeto Variedades do Português (VARPOR)

Page 55: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

37

Caso Nominativo. Do mesmo modo é importante ressaltar que os verbos “quebrar”,

“furar”, “murchar” e “cair” são classificados por Duarte (2013) como inacusativos.

Outras duas características comuns a todas as sentenças são: (i) presença dos

constituintes descontínuos, ou seja, os itens lexicais que carregam os traços semânticos

de [+possuidor] e [+possuído] se encontram em constituintes sintáticos distintos; (ii) em

todas as sentenças, o predicado indica mudança de estado.

(64) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o

álcool. (CRPC, Angola)

b. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,

Moçambique)

c. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,

dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão

perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.

(CRPC, Cabo Verde)

d. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)

e. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas22

(Busca online, São Tomé e

Príncipe)

Por fim, gostaria de ressaltar que os dados encontrados revelam que o traço de

animacidade observado pode ser [+animado], [+humano] ou [+inanimado]. Não é

possível, entretanto, apontar qual destes traços seja o preferencial do DP [+possuidor]

nas construções de tópico sujeito das variedades africanas do português dado o pequeno

número de dados.

1.4 Síntese do capítulo

A descrição das construções de tópico sujeito apresentadas nesse primeiro

capítulo comprovou a hipótese inicial de que este é um tipo de sentença em que há

posse externa. Há algumas características que são prototípicas e que fazem parte da

estrutura sintática do tópico sujeito, bem como da posse externa. A primeira propriedade

do tópico sujeito que destaco é o estabelecimento de uma relação de concordância entre

o DP [+possuidor] e o verbo inacusativo. Além disso, é possível destacar que há uma

22

Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/

Page 56: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

38

relação de posse expressa sem a codificação de uma preposição capaz de checar o Caso

do DP [+possuidor]. É, sem dúvidas, essa propriedade que permite ao DP [+possuidor]

o alçamento para uma posição mais alta na sentença. Este alçamento, por sua vez, será o

caracterizador da formação da estrutura de posse externa.

É interessante destacar as propriedades que o tópico sujeito compartilha com a

posse externa. Conforme destaquei, a gramaticalidade de sentenças de tópico sujeito no

PB é restrita às sentenças em que há posse inalienável ou meronímica. Do mesmo

modo, o DP [+possuidor] tem o papel temático de [+experienciador] e o tipo de

predicado é, em geral, [+eventivo] ou [+estativo]. A síntese dessas propriedades pode

ser observada no quadro 6.

Quadro 6 Propriedades da posse externa nas línguas românicas x as propriedades da posse externa no PB e

nas variedades africanas do português

Na última seção deste capítulo, apresentei um total de 10 dados coletados em

amostras de variedades africanas do português e mostrei que o tópico sujeito é

encontrado não apenas no Brasil, mas também em outras ex-colônias portuguesas:

Guiné Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Cabo Verde que estão

destacadas na figura abaixo. Em Portugal, país colonizador de todas essas nações, por

outro lado, não foram encontrados dados de tópico sujeito.

Posse externa nas línguas

românicas em geral

Posse externa no PB: o

tópico sujeito

Posse externa nas variedades africanas

do português: o tópico sujeito

Mudança na grade argumental do verbo X X X

Caso Dativo X

Caso Nominativo XX

Redobro X

[+beneficiário/afetado] X X X

Traços X X X

Tipo de verbo: transitivos X

Tipo de verbo: Inacusativos X X

Page 57: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

39

Figura 1 O tópico sujeito em ex-colônias portuguesas na América e na África

No que concerne aos dados de tópico sujeito encontrados nas variedades

africanas do português, é importante ressaltar que na maior parte das ex-colônias

portuguesas na África, a língua portuguesa é majoritariamente aprendida nos bancos

escolares. Isto é, não é uma língua materna. Este fato, claro, traz uma diferença na

análise dos dados em relação ao português brasileiro, entretanto, por agora, meu

objetivo era apenas apontar que há tópico sujeito nas variedades africanas do português

e que tal construção exibe a mesma característica de posse externa que foi descrita nos

dados do português brasileiro. Retomo esse tópico no quarto capítulo.

Diante da caracterização das construções de tópico sujeito como posse externa,

apresento, no próximo capítulo, uma análise diacrônica da posse externa x a posse

interna em textos de portugueses e brasileiros nascidos entre os séculos XVI e XX.

Passemos, então, ao capítulo dois.

Page 58: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

40

Capítulo 2: As origens do tópico sujeito remontam ao

Português?

Neste capítulo, apresento uma análise diacrônica das construções de posse

externa x posse interna no português. O capítulo está organizado da seguinte maneira:

na seção 2.1, descrevo a amostra estudada e, na seção 2.2, apresento uma análise

quantitativa do fenômeno.

2.1 A amostra

Um dos problemas com que o pesquisador em Linguística Histórica se confronta

é a organização da amostra. Basicamente, se podem tomar dois caminhos: a busca por

manuscritos ou a recolha de materiais já editados. Nos dois casos, há problemas que

precisam ser enfrentados. Por um lado, os materiais manuscritos requerem uma

habilidade com a decodificação da grafia, por vezes impossibilitam identificar a autoria

e a datação do documento ou mesmo o estado do material não permite o manuseio

adequado. Por outro lado, as amostras editadas nem sempre apresentam as versões

originais e mesmo a metodologia filológica que foi utilizada durante a edição pode não

favorecer o desenvolvimento da pesquisa. Segundo Mattos e Silva (1989), ainda é

preciso destacar outras questões quando se fala na constituição da amostra para pesquisa

em Linguística Histórica, como por exemplo, o gênero do texto, a opção por trabalhar

com textos literários ou não literários, entre outros fatores. Nesta tese, ciente dos

problemas metodológicos, opto pela constituição de uma amostra que já se encontra

editada. Esta escolha foi condicionada, principalmente, pela baixa frequência dos dados

de tópico sujeito e, consequentemente, pela necessidade de que fosse utilizado um

número grande de textos. Nesse sentido, o corpus diacrônico é constituído por peças de

teatro escritas por autores portugueses e brasileiros, nascidos entre os séculos XVI e

XX. Além das peças de teatro, a fim de aumentar o número de dados do século XVII,

recorri a alguns textos que fogem a este gênero: Sermões e Cartas.

Todas as peças de teatro, Sermões e Cartas utilizadas foram recolhidas em

buscas on-line, nos acervos on-line da Biblioteca Digital de Peças de Teatro da

Universidade Federal de Uberlândia23

e do Centro de Estudos de Teatro da

23

A amostra da Biblioteca Digital de Peças de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia está

disponível em http://www.bdteatro.ufu.br/

Page 59: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

41

Universidade de Lisboa24

, bem como no acervo de impressos da Biblioteca da

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No que concerne ao acervo do Centro

de Estudos de Teatro, é preciso destacar que a transcrição dos textos obedece a alguns

critérios rigorosos: tendência à modernização da ortografia, eliminação de alguns erros

de tipografia e manutenção das marcas fonéticas. Entretanto, o restante das obras foi

coletado em publicações de livros ou em transcrições feitas para a internet, não sendo

possível determinar quais os critérios de edição que foram utilizados.

Há de se ressaltar que os gêneros textuais escolhidos para essa amostra trazem

algumas questões que precisam ser discutidas. Em um primeiro momento, nesta tese, há

obras escritas desde o século XVI até o XX. Portanto, estou tratando de textos escritos

em verso, mas também em prosa, visto que toda a produção de Luis de Camões, por

exemplo, é feita em verso, enquanto obras contemporâneas são majoritariamente

escritas em prosa. Conforme Cambraia (1996) destaca, um estudo em que há

comparação de um fenômeno do século XVI ao XX por meio de distintos gêneros

textuais “tem o inconveniente de misturar textos de diferentes naturezas” (CAMBRAIA,

1996:14). Entretanto, o que me permite usá-los é o fato de que independente da natureza

do texto há em todas as obras ou a tentativa da representação da fala por meio de um

texto escrito ou um texto que foi escrito para ser lido.

As peças de teatro são um gênero textual que é produzido para ser representado

e, por isso, há a construção de personagens. Esta última característica pode suscitar uma

discussão sobre que gramática está sendo expressa nas obras. Pode-se pensar que as

peças de teatro representam a gramática do autor. Porém é possível também considerar

que os dramaturgos tentam na constituição dos diálogos ressaltar características da fala

de cada um dos personagens. Assim, as peças podem também trazer traços que mostrem

as diferenças entre as distintas gramáticas. É importante ressaltar que a amostra de peças

de teatro dessa tese é constituída por dramas e comédias. É fato, entretanto, que nos

dramas, conforme Duarte (2013), há uma tendência maior à utilização de uma gramática

culta enquanto nas comédias a possibilidade da construção de personagens

estereotipados permite que sejam expressos traços de uma gramática vernacular. Assim,

no quadro 7, a fim de resolver este problema, faço um controle da tipologia da peça

teatral.

24

O site do Centro de Estudos de Teatro da Universidade de Lisboa possui em seu acervo peças de teatro

de autores portugueses nascidos no século XVI. A amostra está disponível em http://www.cet-e-

quinhentos.com/info

Page 60: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

42

Quadro 7 Os subgêneros presentes na amostra

É ainda importante ressaltar que esta amostra diacrônica é constituída por textos

que integram dois gêneros literários. Se por um lado as peças de teatro fazem parte do

gênero dramático, por outro lado as cartas e os sermões se caracterizam por pertencerem

ao gênero narrativo. Desde a Grécia Antiga, já havia nas discussões filosóficas a

tentativa de delimitar e caracterizar o que seriam os diversos gêneros literários.

Há uma primeira espécie de poesia e de ficção inteiramente

imitativa, que abrange, [...] a tragédia e a comédia; uma

segunda, em que os fatos são relacionados pelo próprio poeta, e

Lista de Autores Obra Subgêneros

Luís de Camões Auto Del rei Seleuvo Auto

Antônio Ferreira Comédia do Cioso Comédia

Baltasar Dias O Auto de Santo Aleixo Auto

Francisco Manuel de Melo O Fidalgo Aprendiz Comédia

Padre Antônio Vieira Sermão da Sexagésima Sermão

Frei Antônio das Chagas Cartas espitituais Carta

José da Cunha Brochado Cartas J.C. Brochado Carta

Antônio José da Silva Esopaida ou vida de Esopo Drama

Manuel Figueiredo Viriato Drama

Almeida Garrett Frei Luis Sousa Drama

Camilo Castelo Branco Espinhos e Flores Drama

Ramada Curto A Recompensa Drama

Norberto Ávila As Histórias de Hakim Drama

Martins Pena Os três médicos Comédia

José de Alencar O demônio familiar Comédia

França Junior Caiu o ministério Comédia

Machado de Assis Lição de Botânica Comédia

Arthur Azevedo O Oráculo Comédia

Abdon Milanez A centelha Drama

Roberto Gomes A casa fechada Drama

Nelson Rodrigues A falecida Drama

Maria Clara Machado O rapto das cebolinhas Drama

Dias Gomes O Santo Inquérito Drama

Plínio Marcos Balada de um palhaço Tragicomédia

Aziz Bajur Tudo isto e o céu também Comédia

Pedro Bandeira O Fantástico mistério da Feiurinha Comédia

Miguel Oniga Caratinga Blues Comédia

Ticha Vianna Birosca-Bral Comédia

Aloísio Villar Cabra Cega Drama

Yuri Montezuma A botija Comédia

Nilton Ribeiro O reino de borbolin Comédia

Adailton Alcper A lenda de Tonho cabreira Drama

Karen Lancerotti Ana e o mar Drama

Vinis Fernandes Lua cheia Drama

Portugueses

Brasileiros

Page 61: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

43

hás de encontrá-la sobretudo nos ditirambos25

, e enfim uma

terceira, formada pela combinação das duas precedentes, em uso

na epopeia e em muitos outros gêneros. (PLATÃO).

Pela definição de Platão, estamos, pois, trabalhando com dados que provêm de

uma poesia ficcional inteiramente imitativa e de uma poesia que combina a ficção com

os fatos relacionados pelo próprio poeta. Nesse sentido, é possível dizer que o trabalho

com uma amostra que conjuga textos do gênero dramático e do gênero narrativo é

metodologicamente possível visto que em ambos há obras ficcionais.

No que concerne aos subgêneros dramáticos, Aristóteles já destacava que havia

uma divisão entre o drama e a comédia. De modo geral, atualmente, é possível dizer que

drama é um subgênero em que há cenários e personagens tristes e sombrios. As

comédias, por outro lado, são mais leves, sendo centradas em um personagem comum

que se defronta com os problemas da vida e que comete erros. Há ainda um terceiro

subgênero presente na amostra dessa tese: a tragicomédia.

Quanto à escolha do recorte temporal, ressalto que está relacionada a dois

fatores. O primeiro destes é o fato de o século XVI ser o período mais recuado em que

são encontradas peças de teatro em português. Especificamente, me refiro às obras de

Gil Vicente; por outro lado, as primeiras peças de teatro escritas por autores brasileiros

são do início do século XIX. Este também é o período em que Galves, Namiutti e

Paixão de Sousa (2006), considerando o período de aquisição da linguagem, afirmam

que emerge a gramática do Português Brasileiro. Desse modo, a amostra recobre um

período representativo da história do português que pode ser sintetizado em três

momentos: Português Clássico (século XVI e XVII), Português Europeu (a partir do

século XVIII) e Português Brasileiro (a partir do século XIX).

Apresento a seguir a lista das obras utilizadas na amostra desta tese,

considerando os autores, as suas respectivas datas de nascimento e os gêneros ou

subgêneros que caracterizam os textos.

25

Forma de lírica oral popularizada na Grécia Antiga de inspiração dionisíaca e própria de ocasiões

festivas. O ditirambo precede as comédias e as tragédias gregas.

Page 62: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

44

Quadro 8 A amostra

Por fim, é possível dizer que a amostra diacrônica é composta por 34 textos que

recobrem o período de cinco séculos e que foram produzidos por brasileiros e

portugueses, nascidos entre 1524 e 1998. Na próxima seção, apresento os

procedimentos metodológicos utilizados na descrição quantitativa e na análise

qualitativa dos dados coletados.

2.2 Procedimentos Metodológicos

A análise quantitativa que será apresentada neste capítulo seguiu os seguintes

procedimentos metodológicos: coleta dos dados, codificação dos fatores

morfossintáticos, tratamento estatístico dos dados pelo programa Goldvarb-X

(SANKOFF, TAGLIAMONTE e SMITH, 2012), descrição e análise dos resultados.

Lista de Autores Data de Nascimento Obra Gênero

Luís de Camões 1524 Auto Del rei Seleuvo Auto

Antônio Ferreira 1528 Comédia do Cioso Comédia

Baltasar Dias Segunda metade XVI O Auto de Santo Aleixo Auto

Francisco Manuel de Melo 1608 O Fidalgo Aprendiz Comédia

Padre Antônio Vieira 1608 Sermão da Sexagésima Sermão

Frei Antônio das Chagas 1631 Cartas espitituais Carta

José da Cunha Brochado 1651 Cartas J.C. Brochado Carta

Antônio José da Silva 1705 Esopaida ou vida de Esopo Drama

Manuel Figueiredo 1725 Viriato Drama

Almeida Garrett 1799 Frei Luis Sousa Drama

Camilo Castelo Branco 1825 Espinhos e Flores Drama

Ramada Curto 1886 A Recompensa Drama

Norberto Ávila 1936 As Histórias de Hakim Drama

Martins Pena 1815 Os três médicos Comédia

José de Alencar 1829 O demônio familiar Comédia

França Junior 1838 Caiu o ministério Comédia

Machado de Assis 1839 Lição de Botânica Comédia

Arthur Azevedo 1855 O Oráculo Comédia

Abdon Milanez 1858 A centelha Drama

Roberto Gomes 1882 A casa fechada Drama

Nelson Rodrigues 1912 A falecida Drama

Maria Clara Machado 1921 O rapto das cebolinhas Drama

Dias Gomes 1922 O Santo Inquérito Drama

Plínio Marcos 1935 Balada de um palhaço Tragicomédia

Aziz Bajur 1938 Tudo isto e o céu também Comédia

Pedro Bandeira 1942 O Fantástico mistério da Feiurinha Comédia

Miguel Oniga 1953 Caratinga Blues Comédia

Ticha Vianna 1960 Birosca-Bral Comédia

Aloísio Villar 1977 Cabra Cega Drama

Yuri Montezuma 1983 A botija Comédia

Nilton Ribeiro 1987 O reino de borbolin Comédia

Adailton Alcper 1993 A lenda de Tonho cabreira Drama

Karen Lancerotti 1995 Ana e o mar Drama

Vinis Fernandes 1998 Lua cheia Drama

Portugueses

Brasileiros

Page 63: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

45

Vejamos os contextos morfossintáticos controlados.

1. Tipo de posse: se o item [+possuidor] está dentro de um constituinte contínuo ou

descontínuo em relação ao DP [+possuído]

a. Posse interna

(65) É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, vadio! (Peça de teatro, O demônio

familiar, José de Alencar, 1829)

b. Posse externa

(66) Põe-lhe a mão na cabeça, e beija-lha (Peça de teatro, Espinhos e flores, Camilo

Castelo Branco, 1825)

2. Tipo de estrutura de posse: se na estrutura possessiva, havia um clítico, um DP ou um

sintagma preposicional.

a. Clítico

(67) Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,

desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de

Santo Aleixo, Baltasar Dias, segunda metade do século XVI)

(68) Que tal marido lhe fosses tu, como te é molher.

Tal molher me fosse ela, qual lhe eu sou marido. (Peça de teatro, Comédia do

Cioso, António Ferreira, 1528)

b. Sintagma preposicional

(69) É melhor que arrumes o quarto de teu senhor, vadio! (Peça de teatro, O demônio

familiar, José de Alencar, 1829)

Page 64: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

46

(70) Depois de alguma resistência, entre as vozes dos soldados dirá o rei. (Peça de

teatro, Esopaida ou vida de Esopo, Antônio José da Silva, 1705)

c. DP

(71) Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça de

lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A lagartixa ria

escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)

(72) Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de

joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o

choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,

1977)

3. Tipo de posse: Se a relação de posse era do tipo alienável, inalienável ou meronímica.

a. Posse alienável

(73) Não mereci a Deus essa esmola (Peça de teatro, Espinhos e flores, Camilo

Castelo Branco, 1825)

b. Posse inalienável

(74) Mas um homem já foi ferido, está entre a vida e a morte e a população quer a

cabeça do Majestade. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)

c. Posse meronímica

(75) No telão o relógio começa a passar o tempo mais rápido e as ações dos

personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de teatro, Ana e o Mar,

Karen Lancelotti, 1995)

4. Traço de animacidade do item [+possuidor]: Se o item [+possuidor] é [+animado],

[+humano] ou [+inanimado]

Page 65: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

47

(76) [+inanimado]

Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de

joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o

choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,

1977)

(77) [+humano]

E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora.Á parte, indo-se depois

de lhe tomar as mãos Que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as

mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça de

teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)

5. Tempo: em que século o autor da peça de teatro, do sermão ou da carta nasceu.

a. XVI

(78) Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,

desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de

Santo Aleixo, Baltasar Dias, segunda metade do século XVI)

b. XVII

(79) Vós vedes quanto cachorro lhe vem fazendo terreiro? (Peça de teatro, O Fidalgo

Anprendiz, Francisco Manuel de Melo, 1608)

c. XVIII

(80) E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora. Á parte, indo-se depois

de lhe tomar as mãos Que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-lhe as

mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça de

teatro, Frei Luiz Souza, Almeida Garrett, 1799)

Page 66: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

48

d. XIX

(81) É homem probo e honrado; tem a alma de um anjo. Far-te-á feliz. Isto posso eu

dizer porque o conheço há muito tempo. Tenho-lhe estudado o caráter; andamos

juntos na escola e desde êsse tempo dura a nossa amizade. (Peça de teatro, Os

três médicos, Martins Pena, 1815)

e. XX

(82) Beto serve os dois copos com a nova cerveja, dando aquela de jogar o restinho

da cerveja dele no chão, mas deixando o copo de Álfio como está. (Peça de

teatro, Caratinga Blues, Miguel Oniga, 1953)

6. Local: em que país o autor da peça de teatro, do sermão ou da carta nasceu.

a. Portugal

(83) Mato-o, ferve-lhe o sangue. (Peça de teatro, Comédia do Cioso, António

Ferreira, 1528)

(84) nas caras Estava escrito o firme sentimento Daquelas almas nobres, que se

rendem. (Peça de teatro, Viriato, Manuel Figueiredo, 1725)

b. Brasil.

(85) Sabe aquele gordao riu ate quase rachar o bico? (Peça de teatro, Balada de um

palhaço, Plínio Marcos, 1935)

(86) Cigana pega o rosto do Bobo Plin e oIha bem no fundo dos seus olhos. Depois

de um tempo, fala como se profetizasse. (Peça de teatro, Balada de um palhaço,

Plínio Marcos, 1935)

Page 67: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

49

Apresentados os fatores morfossintáticos passo, na próxima seção, a tratar dos

resultados quantitativos dessa amostra.

2.3 Diacronia das construções de posse externa no português

Tendo em vista o que foi apresentado no primeiro capítulo sobre a relevância da

posse externa na descrição do tópico sujeito do PB, utilizo os fatores morfossintáticos

destacados na seção anterior para descrever quantitativamente, na diacronia, a relação

entre a emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro e a construção de posse

externa. A seção que segue está organizada assim: em um primeiro momento, apresento

a distribuição geral dos dados; posteriormente, a discussão passará a tratar da expressão

da posse externa x a posse interna nos textos de portugueses nascidos entre os séculos

XVI e XX. A seguir, trago os resultados da posse externa x posse interna nos textos de

brasileiros nascidos entre os séculos XIX e XX. E por fim, apresento uma análise em

que estabeleço uma relação entre a emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro

por um lado, e, por outro lado, a não emergência no Português Europeu.

Conforme mostrei no capítulo anterior, as construções de tópico sujeito se

constituem como sentenças em que há posse externa. Assim, fiz um levantamento de

571 sentenças em que há posse externa ou posse interna em peças de teatro, Sermões ou

Cartas escritos por portugueses e brasileiros. Na tabela 2, apresento a distribuição geral

dos dados. Observemos que há um número semelhante de dados de portugueses e

brasileiros. Entretanto, é preciso destacar que no Brasil a frequência de posse externa é

muito menor do que em Portugal, respectivamente, 22% e 43%. Essa diferença será

explicada nas seções seguintes e tem relação com uma mudança na diacronia do

Português Brasileiro que tornou a posse interna mais frequente.

Tabela 2 A distribuição geral dos dados de posse interna x posse externa

Total

N % N %

Posse interna 166 57% 219 78%

Posse externa 123 43% 63 22%

Total 289 282 571

BrasilPortugal

Page 68: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

50

Outro fator que destaco nessa primeira observação dos dados é a relação entre o

tipo de estrutura de expressão da posse e o traço de inalienabilidade. Conforme

ressaltam Payne e Barshi (1999), a construção de posse externa é prototípica da posse

inalienável. Entretanto, são também gramaticais, segundo os autores, sentenças em que

há posse externa e há posse alienável. Na tabela 2, podemos verificar que os resultados

expressos pela amostra desta tese estão de acordo com a assunção de Payne e Barshi.

Observemos que apenas 11% das sentenças em que há posse alienável são estruturas em

que o item lexical [+possuidor] se encontra em um constituinte descontínuo a aquele em

que aparece o item [+possuído], como pode ser visto nos exemplos em (87).

(87) a. Como? Se todos meus trabalhos são segurar-lhe a fama contra a infâmia. (Peça

de teatro, Comédia do Cioso, António Ferreira, 1528)

b. Maria beija-lhe o escapulario e depois a mão; Magdalena somente o escapulário

(Peça de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)

c. Que mão. Santo Deus! Estou aqui, estou-lhe em casa (Peça de teatro, Caiu o

Ministério, França Junior, 1838)

d. Não sabia que lhe frequentavas a casa (Peça de teatro, A centelha, Abdon

Milanez, 1858)

Por outro lado, quando observados os resultados da posse inalienável,

verificamos que as frequências de uso da posse interna e da posse externa são muito

próximas, respectivamente, 54% e 46% das ocorrências. Do mesmo modo, a posse

meronímica apresenta uma frequência de 28% de construções com posse externa.

Semanticamente, seguindo Vergnaud e Zubizarreta (1992) e Kleiber (2002), é preciso

ressaltar que na posse inalienável e na meronímica há a codificação da relação parte-

todo.

Tabela 3 Distribuição geral do tipo de estrutura x tipo de posse

Total

N % N % N %

Posse interna 184 89% 188 54% 13 72%

Posse externa 22 11% 159 46% 5 28%

Total 206 347 18 571

Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica

Page 69: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

51

Estruturalmente, sabemos desde Givón (1985) que uma leitura de parte-todo

ocorre quando o NP que apresenta o traço [+possuído] é uma parte intrínseca do NP

[+possuidor] que pode aparecer na função de sujeito ou de dativo possuidor, conforme

os já tradicionais exemplos do francês elencados pela autora e apresentados em (88).

Observemos que em (88a) o sujeito da sentença é o item [+possuidor], enquanto o item

[+possuído] exerce a função de objeto direto. Em (88b), o clítico dativo “lui” é o item

[+possuidor].

(88) a. Jean lève la main. (João levanta a mão)

b. Je lui ai coupé les cheveux. (Eu lhe cortei os cabelos)

A recolha de dados diacrônicos nesta tese permitiu mostrar que o PB e o PE têm

pelo menos duas estratégias para a expressão da posse inalienável. O uso do clítico

“lhe”, (89a), assim como ocorre no francês e pode ser visto (88b), mas também a

estratégia do tópico-sujeito expressa em (89b). Cabe acrescentar que uma sentença

como (89c) em que o DP sujeito tem o traço [+possuidor] também é gramatical no

Português Brasileiro

(89) a. Aperta-lhe com veemência as mãos; e a meia voz (Peça de teatro, Espinhos e

Flores, Camilo Castelo Branco, 1825)

b. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça

de lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. (Peça de

teatro, Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)

c. João levanta a mão.

Observemos que há uma diferença estrutural entre (89b) e (89c), ou seja, entre as

duas sentenças em que o item com traço [+possuidor] exerce a função de sujeito. A

diferença estrutural mencionada pode ser captada pela observação dos papéis temáticos

dessas sentenças. Enquanto em (90a) o sujeito origina-se em [Spec-TP] dado que o seu

papel temático é o de agente, em (90b), o sujeito se origina em uma posição pós-verbal,

visto que seu papel temático é de paciente.

(90) a. [Agente]João levanta a mão.

Page 70: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

52

b. Quase que [paciente]o filho da puta rachou o bico de tanto rir. (Peça de teatro,

Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)

Os três tipos de estrutura sintática que, no PB e no PE, permitem a posse externa

são em geral construções em que há posse inalienável. No gráfico 1, abaixo, é possível

verificar que em toda a amostra desta tese as construções que envolvem a posse externa

são em 85% dos casos exemplos de posse inalienável.

Gráfico 1 Posse externa x Tipo de posse

Há de se ressaltar, entretanto, que conforme os exemplos em (87) há dados

também de posse alienável sendo expressos por meio da posse externa. Todavia, estes

correspondem a apenas 12% da amostra, restando os outros 3% aos casos de posse

meronímica, como os apresentados em (91). No que concerne à posse interna, o gráfico

2 mostra que a frequência de uso desse tipo de estrutura não é condicionada pelo traço

de inalienabilidade entre o termo [+possuído] e o [+possuidor]. Na verdade, as

frequências de posse alienável e inalienável são quase as mesmas, respectivamente,

48% e 49% dos dados.

Gráfico 2 Posse interna x Tipo de posse

12%

85%

3%

Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica

48%

49%

3%

Posse Alienável Posse Inalienável Posse Meronímica

Page 71: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

53

Quanto à posse meronímica, os mesmos 3% de dados encontrados na posse

externa são também verificados na posse interna. Fato que indica serem construções

como as expressas em (91) e (92) marginais na língua portuguesa.

(91) a. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de

joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o

choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Ana e o mar, Karen

Lanceroti, 1995)

b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma

coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.

(Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)

(92) a. Se de cada areia do mar, de cada estrêla do Céu, de cada argueiro da terra, de

cada ervinha do campo, de cada fôlha das árvores, de cada letra dos livros

pudera fazer mil mundos de almas. (Cartas, Cartas Espirituais, Antônio das

Chagas, 1631)

b. Que sem isto para nada servem os bens do mundo, mais que para condenação

eterna. (Cartas, Cartas Espirituais, Antônio das Chagas, 1631)

Vemos, portanto, que os resultados gerais, ou seja, aqueles que foram obtidos

sem a separação das amostras do Brasil e de Portugal confirmam a descrição

apresentada no capítulo anterior de que a posse externa ocorre, preferencialmente,

quando há posse inalienável. Vejamos, então, o comportamento da posse externa e da

posse interna nos dados produzidos por portugueses.

2.4 O período entre os séculos XVI e XX na amostra de autores

portugueses.

Não é meu objetivo nessa tese discutir o sistema de posse do português europeu.

Meu objetivo é olhar para os dados produzidos por portugueses nascidos entre os

séculos XVI e XX e verificar em que medida eles podem contribuir para a descrição do

sistema de posse externa no Português Brasileiro. Para tanto, apresento a seguir, uma

Page 72: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

54

série de tabelas e gráficos em que constam os resultados quantitativos da amostra de

textos escritos por portugueses.

A primeira observação que destaco é a de que os dados coletados indicam que há

três formas para expressar a posse nas gramáticas dos portugueses: o uso do clítico

“lhe” como dativo de posse, em uma estrutura de posse externa, tal qual pode ser

observado em (93). E duas estratégias para a expressão da posse interna. Na primeira

estratégia, que pode ser observada em (94), ocorre um dativo de posse, sendo codificado

pela preposição “a”. Por outro lado, os dados em (95) indicam a terceira estratégia, o

uso do genitivo de posse que é expresso por meio da preposição “de”.

(93) a. Senhor, por tantas mercês, como me faz de contino, lhe quero beijar os pés,

desta que agora me fez, me acho por muito indino. (Peça de teatro, O Auto de

Santo Aleixo, Baltasar Dias, século XVI)

b. Entra o Mestre da dança, muito polido, fazendo mesuras; põe-se de joelhos

diante de D. Gil; pega-lhe nas mãos para lhas bejar. (Peça de teatro, O Fidalgo

Aprendiz, Francisco Manuel de Melo, 1608)

(94) a. Porque foi a gente tanta que não ficou capa com frisa, nem talão de sapato que

não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, quiseram entrar por

força, ei-lo arrancamento na mão. Deram ũa pedrada na cabeça ao Anjo e

rasgaram ũa meia calça ao Ermitão. (Peça de teatro, Auto Del rei Seleuco, Luís

de Camões, 1524)

b. Porque foi a gente tanta que não ficou capa com frisa, nem talão de sapato que

não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, quiseram entrar por

força, ei-lo arrancamento na mão. Deram ũa pedrada na cabeça ao Anjo e

rasgaram ũa meia calça ao Ermitão, e agora diz o Anjo que não há de entrar até

lhe não darem ũa cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem ũa estopada na

calça. Este pantufo se perdeu, assi mande-o vossa mercê domingo apregoar nos

púlpitos, que não quero nada do alheo. (Peça de teatro, Auto Del rei Seleuco,

Luís de Camões, 1524)

(95) a. Mais chorou e chora hoje em dia aquele filho do mercador biscainho. (Peça de

teatro, Comédia do Cioso, António Ferreira, 1528)

Page 73: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

55

b. Filha, vós deveis de dar graças ao Rei dos Reis. (Peça de teatro, O Auto de

Santo Aleixo, Baltasar Dias, século XVI)

A observação dos três tipos de estratégias de posse ao longo do tempo revela que

no século XVI havia duas estratégias capazes de expressar a posse por meio do Caso

dativo, a saber, a posse externa com o clítico “lhe” e a posse interna com a preposição

“a”. Entretanto, na passagem do século XVI para o XVII, há uma queda na frequência

de uso da estratégia em que há a preposição “a”. No período entre os séculos XVII e

XX, a posse interna com a preposição dativa atinge respectivamente as frequências de

1%, 2%, 2% e 0%, ou seja, é possível dizer que tal construção já é um fóssil linguístico,

não sendo, portanto, um dado de input robusto para o período de aquisição da

linguagem dos portugueses.

Desta maneira, o resultado expresso no gráfico 3 indica que a partir do século

XVII há ainda uma oposição entre posse com dativo x posse com genitivo, mas o Caso

passa a representar o tipo de estrutura de posse. Em outras palavras, o Caso Dativo é

checado quando há posse externa e as construções de posse interna tornam-se restritas

àquelas em que o item [+possuidor] checa o Caso genitivo.

Gráfico 3 As estratégias de posse na amostra de portugueses.

Quando observados os resultados expressos no gráfico 3, é importante ressaltar

que em números absolutos a construção que envolve a expressão da posse por meio do

Caso dativo em uma estrutura de posse interna é pouco produtiva. Assim, por exemplo,

11%

1% 2% 2% 0%

57% 54%

44%

63%56%

32%

45%

54%

35%

44%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

XVI XVII XVIII XIX XX

A DE LHE

Page 74: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

56

nos séculos XVII, XVIII e XIX, há apenas um dado desse tipo de estrutura, conforme a

tabela 4.

Tabela 4: As estratégias de expressão de posse na amostra de portugueses.

Dessa maneira, a partir dos resultados expressos no gráfico 3 e na tabela 4, opto

por amalgamar os dados de posse interna, analisando-os em comparação à estratégia de

posse externa. Observemos na tabela 5 que, durante cinco séculos, há variações muito

pequenas nas frequências de uso dos dois tipos de estruturas de posse. No século XVI,

por exemplo, há 68% de sentenças com posse interna enquanto no século XX há uma

pequena queda nesta frequência. Especificamente, atinge 52% dos dados. Ao mesmo

tempo, quando observamos a posse externa há um pequeno aumento na sua frequência

de uso, visto que no século XVI há 32% de ocorrências enquanto no século XX há 48%.

Tabela 5 Distribuição do tipo de estrutura de posse ao longo do tempo

Ao observar o gráfico 4, é interessante notar que no século XVIII as curvas que

representam a posse interna e a posse externa se cruzam. Esse resultado poderia indicar

a emergência da gramática do Português Europeu em detrimento à gramática do

Português Clássico. No sentido de que a gramática do Português Europeu apresentaria

preferencialmente posse externa. Entretanto, o quadro que vemos nos séculos XIX e XX

é novamente a frequência de posse interna sendo mais alta do que a frequência de posse

externa, estando os dois tipos de estruturas em competição, com frequências de uso

muito próximas.

N % N % N % N % N %

A 6 11% 1 1% 1 2% 1 2% 0 0%

DE 30 57% 57 54% 20 43% 33 63% 15 56%

LHE 17 32% 47 45% 25 54% 18 35% 12 44%

Total 53 105 46 52 27

XVI XVII XVIII XXXIX

Total

N % N % N % N % N %

DE/A 36 68% 60 56% 21 46% 34 64% 15 52%

Clítico 17 32% 47 44% 25 54% 19 36% 14 48%

Total 53 107 46 53 29 288

XVI XVII XVIII XIX XX

Page 75: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

57

Gráfico 4 Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses

Desta maneira os resultados até aqui apresentados não indicam que a gramática

do Português Europeu tem como característica a expressão da posse via uma estrutura

de posse externa. É preciso, entretanto, ressaltar que na tabela 5 estão dispostos de

forma conjunta os dados dos três tipos de posse e como vimos, anteriormente, a posse

externa é mais frequente em estruturas com posse inalienável, em dados como os

expressos em (96).

(96) a. ajoelhando e beijando-lhe a mão_. Senhora... senhora D. Magdalena, minha

ama, minha senhora... castigae-me... mandae-me já castigar, mandae-me cortar

ésta lingua pêrra que não toma insino. (Peça de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida

Garrett, 1799)

b. E é assim: não se falla mais n'isso. E eu vou-me embora.Á parte, indo-se

depois de lhe tomar as mãos que febre que ella tem hoje, meu Deus! queimam-

lhe as mãos... e aquellas rosetas nas faces...Se o perceberá a pobre da mãe! (Peça

de teatro, Frei Luis Sousa, Almeida Garrett, 1799)

Todavia, quando observamos os resultados considerando o tipo de posse não é

possível, a partir dessa amostra, afirmar que a posse externa é prototípica na posse

alienável ou na posse inalienável. Entretanto, podemos dizer que na posse alienável a

construção de posse externa aumenta a frequência de uso ao longo do tempo.

Observemos que no século XVI é quase categórica a utilização da posse interna na

posse alienável, por outro lado, no século XX há competição entre os dois tipos de

estruturas de posse.

68% 56%

46%

64% 52%

32% 44%

54%

36% 48%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

XVI XVII XVIII XIX XX

DE/A Clítico

Page 76: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

58

Gráfico 5 Tipo de posse x Tipo de estrutura ao longo do tempo na amostra de portugueses

A partir da tabela 6 é possível observar que as construções de posse externa no

português europeu sempre apresentam o traço [+humano]. Essa característica tem

íntima relação com o Caso que é checado pelo clítico “lhe”, o dativo.

Tabela 6 Traço de animacidade x Tipo de estrutura de posse ao longo do tempo na amostra de portugueses

Vale ressaltar que uma busca rápida no google permite mostrar que, em

Portugal, há outra forma de expressão da posse externa que não envolve o clítico “lhe”.

Em sentenças como (97) há um DP na posição de sujeito que tem o traço [+possuidor]

em relação ao termo que ocupa a posição de objeto. Mesmo nessas construções a busca

no google encontrou apenas dados em que o sujeito tem o traço [+animado] ou

[+humano].

(97) a. Uma em cada cinco pessoas não lava as mãos depois de utilizar a casa-de-

banho, aumentando o risco de transmissão de doenças infecto-contagiosas

(Acessado em 25/09/2015. Disponível em http://www.quartzquality.com/Sabia-

que/Uma-em-5-pessoas-nao-lava-as-maos-depois-de-ir-a-casa-de-banho)

51%

95%

54% 56%

35%

67% 62%74%

53%58%

49%

5%

46% 44%

65%

33% 38%26%

47%42%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

XVI XVII XVIII XIX XX

Posse Interna Posse Externa

N % N % N % N % N %

Posse interna 33 65% 48 48% 16 39% 13 43% 11 46%

Posse externa 18 35% 52 52% 25 61% 17 57% 13 54%

Total 51 100 41 30 24

Posse interna 3 100% 14 100% 5 100% 1 100% 4 100%

Posse externa 0 0% 0 0% 0 0% 0 0% 0 0%

Total 3 14 5 1 4

XIX XX

Humano

Inanimado

XVI XVII XVIII

Page 77: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

59

No que concerne à sintaxe de construções como (97), é preciso ressaltar que o

DP [+possuidor] tem o papel temático de agente, e, portanto, “nasce” na posição de

[Spec-TP] e lá já checa o Nominativo.

2.4.1 A relevância dos dados do Português Clássico e Português Europeu

Em síntese, os resultados da análise dos dados na amostra de textos portugueses

revelam algumas características que precisam ser ressaltadas.

A posse externa nas gramáticas dos lusitanos pode ser expressa por meio do

clítico “lhe” ou por uma construção com um DP na posição de sujeito, desde que

esse tenha o papel temático de [+agente].

A posse externa ocorre tanto em contextos em que há posse alienável quanto em

contextos em que há posse inalienável.

As construções de posse externa ocorrem apenas quando o item [+possuidor]

tem o traço [+animado] ou [+humano].

Os resultados apresentados indicam que três tipos de estruturas são possíveis

nessas gramáticas: o uso da preposição “a” ou do clítico “lhe”, indicando o dativo de

posse e o uso da preposição “de”, indicando o genitivo de posse. Não há dados na

amostra que indiquem a expressão da posse por meio do alçamento de um DP. Em

outras palavras, não há tópico sujeito. Proponho, então, discutir os resultados acerca da

posse externa x posse interna em dados produzidos por brasileiros nascidos entre os

anos de 1801 e 2000, portanto, entre o início do século XIX e o final do século XX.

2.5 A posse externa no Português do Brasil

A primeira observação que destaco é a variação na frequência de uso da posse

externa x a posse interna em dados produzidos por brasileiros. Observemos na tabela 7

que no século XIX a frequência de uso dos dois tipos de posse está em competição,

visto que, na primeira metade do século XIX, 64% dos dados são de posse interna,

alcançando 70% de uso na segunda metade deste século. Ao longo do século XX, a

Page 78: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

60

construção de posse interna torna-se ainda mais frequente e chega a quase ser categórica

na última metade, quando 91% dos dados correspondem à posse interna.

Tabela 7 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB

Estou, portanto, trabalhando com um tipo de construção, a posse externa, que no

PB é bem menos frequente do que a construção de posse interna. Mais do que a baixa

frequência da posse externa ao final do século XX, a tabela 7, assim como o gráfico 6

abaixo, revelam que já houve um tempo em que a posse externa era mais produtiva

apesar de, nesse período, nunca ter superado a frequência de uso da posse interna.

Gráfico 6 Distribuição geral das construções de posse ao longo do tempo no PB

Uma possível explicação para o aumento da frequência de uso da posse interna,

ou seja, da construção em que o DP [+possuidor] está foneticamente realizado dentro do

DP ao qual se adjunge, como pode ser visto nos exemplos em (98), está na mudança do

paradigma pronominal da expressão de posse do PB.

N % N %

1801-1850 49 64% 28 36%

1851-1900 40 70% 17 30%

1901-1950 75 82% 16 18%

1951-2000 49 91% 5 9%

Posse Interna Posse Externa

64% 70%82%

91%

36% 30%18%

9%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Posse Interna Posse Externa

Page 79: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

61

(98) a. Anda lá!.. Oh! Meu Deus! Que desordem! Aquele moleque não arranja o

quarto do senhor; depois mano vem e fica maçado. (Peça de teatro: O demônio

familiar, José de Alencar, 1829)

b. OH! Estás, aí com o Renato? Já conseguiste algumas palavras dele? (Peça de

teatro, A centelha, Abdon Milanez, 1858)

c. É este mesmo. Seu Camaleão Alface, cujo verdadeiro nome é Camaleão

Tiririca, roubou a horta da rainha Elizabeth e fugiu para o Brasil. (Peça de teatro,

O rapto das cebolinhas, Maria Clara Machado, 1921)

Estou, especificamente, me remetendo à mudança no paradigma das formas

possessivas do PB apontada, por exemplo, por Silva (1984) e Cerqueira (1996) em que

um paradigma com seis formas genitivas é reduzido para um paradigma com apenas três

formas, como pode ser visto no quadro 9. Especificamente, na terceira pessoa,

observemos que passam a ser prototípicas formas analíticas em detrimento do primeiro

paradigma em que havia formas sintéticas.

Primeiro paradigma Segundo paradigma

Primeira pessoa (singular) Meu Meu

Segunda pessoa (singular) Teu Seu

Terceira pessoa (singular) Seu Dele

Primeira pessoa (plural) Nosso Nosso

Segunda pessoa (plural) Vosso De vocês

Terceira pessoa (plural) Seus Deles

Quadro 9 Os dois paradigmas do sistema de possessivos do PB

É preciso ressaltar também que o aumento da frequência de uso das formas

analíticas não se dá apenas em estruturas de “de + pronome”, mas também em

construções de “de + DP”. O importante, na verdade, diante da mudança no paradigma

pronominal dos possessivos é que a posição de adjunto esteja preenchida. Na construção

de posse externa, há uma categoria vazia na posição de adjunto, por outro lado, nas

construções que tenho chamado de posse interna essa mesma posição está sempre

preenchida. Assim, posso refazer o gráfico 6, apontando uma distinção entre adjunto

Page 80: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

62

nulo x adjunto pleno. Os resultados indicam, como pode ser visto no gráfico 7, a

tendência ao aumento da frequência de adjuntos plenos.

Gráfico 7 Adjuntos plenos x Adjuntos nulos ao longo do tempo na marcação da relação de posse no PB

No que concerne aos adjuntos plenos, ou seja, à posse interna, dois tipos de

estruturas de adjunção são possíveis no PB, no período de 1801 a 2000. No início do

século XIX, são gramaticais construções como (99) em que há uma estrutura de “a +

DP” com a relação de posse sendo expressa por meio da checagem do Caso dativo. Há

também, a estrutura com “de + DP/pronome”, como as expressas em (100), que, sem

dúvida alguma, predomina na amostra e em que a relação de posse é expressa por meio

da checagem do Caso genitivo.

(99) Simples; é aquele que acabo de empregar e que V. Mce estranhou. Tire ao amor

os obstáculos que o irritam, a distância que o fascina, a contrariedade que o cega,

e ele se tornará calmo e puro como a essência de que dimana. (Peça de teatro, O

demônio familiar, José de Alencar, 1829)

(100) a. A Espada de Dâmocles, trazendo o grande escândalo da Câmara dos Deputados,

a história do ministério, o movimento do porto, e também trazendo o assassinato

da rua do Senado. (Peça de teatro: Caiu o Ministério, França Junior, 1838)

b. Ajoelha-se inclinando o corpo sobre o regaço de D. Helena (Peça de teatro:

Lição de Botânica, Machado de Assis, 1839)

64%70%

82%

91%

36%30%

18%

9%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Adjunto pleno Adjunto Nulo

Page 81: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

63

c. Abrace o amigo do senhor seu pai (Peça de teatro: A centelha, Abdon Milanez,

1858)

d. Se faz questão destas respostas decadentes e óbvias o nome dele era Leonardo

mas agora é Dog. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também, Azis Bajur, 1938)

e. Os desenhos dele são uma obra de arte (Peça de teatro: Birosca Bral, Ticha

Vianna, 1960)

Por outro lado, nas construções de posse externa, ou seja, naquelas em que há

uma categoria vazia na posição de adjunto, também há, no PB, duas estruturas para

expressar a relação de posse. A primeira estrutura é aquela em que ocorre um clítico,

como nos exemplos em (101), que checa o Caso dativo. Observemos que em sentenças

como (101), o clítico “lhe” é correferente à categoria vazia dentro do DP. É, portanto,

um exemplo de uma estrutura em que o DP [+possuidor] está sintaticamente ligado ao

verbo da sentença e semanticamente estabelece uma relação de posse com o DP

[+possuído].

(101) a. Cale-se ou tapo-lhei a boca [-]i. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu também,

Azis Bajur, 1938)

b. Não sabia que lhei frequentavas a casa [-]i. (Peça de teatro: Tudo isto e o céu

também, Azis Bajur, 1938)

c. Fui chegando de mansinho até a janela, que tinha ficado entreaberta, e espiei

lá para dentro. Gente! Estava o Matias com os olhos a saltar, agarrado à mulher,

torcendo-lhei os braços [-]i. E batendo-lhei com a cabeça [-]i no chão (Peça de

teatro: A casa fechada, Roberto Gomes, 1882)

A outra estrutura de posse externa que encontro na amostra de peças de teatro

escritas por autores brasileiros nascidos a partir do século XIX é o tópico sujeito.

Observemos que nas sentenças em (102), a posse externa não é marcada por um clítico,

mas sim por um DP. Se por um lado, o clítico das sentenças em (101) checa o Caso

dativo, o DP das sentenças em (102) checa o Caso nominativo.

(102) a. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça

de lagartixa? Quase que o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A lagartixa ria

escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio Marcos, 1935)

Page 82: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

64

b. Eu olhei para aquelas estranhas visitas, tão ou mais preocupado do que elas,

temendo o momento em que, em minha própria casa, uma daquelas heroínas

desapareceria, quebraria uma perna, prenderia o dedo numa porta ou se afogaria

na banheira. (Peça de teatro: O Fantástico mistério de feiurinha, Pedro Bandeira,

1942)

c. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma

coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.

(Peça de teatro: Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)

Já é possível, portanto, notar que há uma diferença do PB em relação ao PE e ao

Português Clássico, visto que há outra via para expressar a posse externa: um DP

nominativo. A pergunta que fica muito clara nesse momento é: em que período

começam a emergir os primeiros dados de tópico sujeito? A fim de tentar responder a

esta pergunta, apresento a tabela 8.

Observemos, primeiramente, que a maioria dos dados corresponde à estrutura

em que há as preposições “a” ou “de”, ou seja, casos de posse interna. No que concerne

à posse externa, o primeiro dado de DP [+possuidor] alçado para a posição de sujeito foi

encontrado em uma peça de teatro escrita por um autor nascido na segunda metade do

século XIX. Ao longo dos séculos, a frequência de uso do clítico “lhe” diminui e

progressivamente há um aumento na frequência da posse externa com um DP

[+possuidor] na posição de sujeito. É interessante observar que na última metade do

século XX a frequência de uso da construção de posse externa com DP já é maior do

que a frequência de uso da construção de posse externa com o clítico “lhe”,

respectivamente, 8% e 1% das ocorrências.

Tabela 8 Tipo de sintagma que expressa posse ao longo do tempo no PB

É fato que a tabela 8 torna evidente a emergência de uma nova via para

expressar a posse externa no PB a partir da segunda metade do século XIX. Entretanto,

N % N % N %

1801-1850 51 64% 25 36% 0 0%

1851-1900 40 70% 16 28% 1 2%

1901-1950 75 82% 13 14% 3 4%

1951-2000 49 91% 1 1% 4 8%

DE/A CLÍTICO DP

Page 83: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

65

a comparação da construção com clítico ou DP com o uso da preposição “de/a” pode

esconder o que está acontecendo, especificamente, em dados que envolvem a posse

externa. Dessa maneira, apresento a tabela 9 em que são considerados apenas os dados

de posse externa.

Observemos, primeiramente, que na primeira metade do século XIX as

construções de posse externa no PB são restritas às estruturas em que há o clítico “lhe”.

O uso categórico do clítico “lhe” na primeira metade do século XIX é idêntico ao

padrão que observamos no PE e no Português Clássico, gramáticas em que a única

estrutura capaz de expressar a posse externa é exatamente o uso do clítico dativo.

Tabela 9 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB

Já, na segunda metade do século XIX, é encontrado um dado ambíguo de posse

externa com um DP na posição de sujeito, como ilustrado em (103a). O primeiro ponto

a destacar é que este é um dado em que parece haver um tópico nulo na posição de

sujeito. Notemos que a categoria vazia dentro do DP que tem como núcleo o DP

[+possuidor], se comporta como um pro e como tal precisa ser livre no seu domínio de

vinculação a fim de que a sentença convirja. Ou seja, é necessário que ocorram as

operações de mover e concatenar do DP [+possuidor] para a posição de sujeito da

oração que tem o verbo “morrer” e, novamente, as mesmas operações do DP

[+possuidor] na oração em que há o verbo “ser”. Isso porque a categoria vazia abaixo

do verbo morrer precisa de um correferente.

(103) a. Henriquetai também era órfã de mãe, e de um dia para outro, proi morreu o pai

proi, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e

cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua

colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que

viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,

Abdon Milanez,1858)

N % N %

1801-1850 25 100% 0 0%

1851-1900 16 94% 1 6%

1901-1950 13 81% 3 19%

1951-2000 1 18% 4 88%

DPCLÍTICO

Page 84: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

66

b. Henriquetai também era órfã de mãei, e de um dia para outro, morreu o pai [-

]i, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e

cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua

colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que

viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,

Abdon Milanez,1858)

Observemos ainda que, independente da análise, o dado expresso em (103) é a

primeira evidência que encontro em que há uma nítida relação de posse externa

expressa sem um clítico dativo junto ao verbo. O fato de haver um sujeito nulo/tópico

nulo com o verbo “morrer” vai ao encontro à característica de o português no século

XIX do Brasil ser tipicamente prodrop. Em (103a), há uma relação de coordenação

entre a oração em que está o termo antecedente e a oração em que está a categoria vazia:

um contexto em que, prototipicamente, há sujeitos nulos.

O processo de mudança linguística que se inicia na primeira metade do século

XIX tem continuidade e é possível observar que há uma relação inversamente

proporcional entre o aumento da frequência de uso de DPs na posição de sujeito e a

diminuição da frequência de uso do clítico “lhe” em construções de posse externa, como

pode ser visto no gráfico 8 que apresenta os mesmos índices da tabela 9. Observemos

que na passagem da primeira metade do século XX para a segunda metade desse mesmo

século as frequências de uso do clítico e do DP expressando a posse externa são

invertidas.

Gráfico 8 Tipo de sintagma que expressa posse externa ao longo do tempo no PB

100% 94%

81%

20%

0% 6%

19%

80%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1800-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Clítico DP

Page 85: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

67

É interessante observarmos que o início do século XX é o momento em que são

encontrados diversos casos de mudanças linguísticas que caracterizam o português

brasileiro: aumento da frequência de uso de sujeito pleno, objeto nulo, mudança no

sistema pronominal. Portanto, a mudança que se apresenta na posse externa e a

consequente emergência do tópico sujeito são mais um fenômeno que caracteriza a

gramática do PB.

Se há nitidamente uma mudança na posse externa, é necessário verificar quais os

contextos sintáticos que favorecem essa mudança. A fim de analisá-los, na próxima

seção, discuto uma das questões mais importantes na posse externa que é o tipo de

posse (PAYNE e BARSHI, 1999), ou seja, se é inalienável ou alienável.

2.5.1 A relação entre o tipo de posse e a emergência do tópico sujeito no PB

No primeiro capítulo, quando apresentei o tópico sujeito como um caso de posse

externa, mostrei que uma das principais características desse tipo de construção é ser

mais frequente em sentenças com posse inalienável. Em virtude desta propriedade, as

hipóteses que nortearão essa seção são: (i) a posse externa será mais frequente em

construções com posse inalienável; (ii) a mudança na expressão de posse externa está

nas construções em que há posse inalienável.

Observemos, inicialmente, na tabela 10, que a distribuição geral dos dados

mostra que a posse externa predomina em construções que envolvem uma posse

inalienável, visto que em 36% das ocorrências desse tipo de posse há uma estrutura de

posse externa. É evidente, entretanto, que esse tipo de estrutura não é o mais frequente

na amostra do PB, assim como também não o foi na amostra do Português Clássico e do

Português Europeu, visto que em 64% das ocorrências há posse interna.

Tabela 10 Distribuição geral do tipo de posse x estrutura de posse

N % N %

Posse Inalienável 98 64% 57 36%

Posse Alienável 115 93% 9 7%

Total 213 66 279

Posse Interna Posse Externa

Page 86: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

68

É preciso ressaltar que a tabela 10 também revela que a construção de posse

externa não está restrita a dados em que há posse inalienável, como nas sentenças em

(104), mas que pelo contrário, há nove dados de posse externa com posse alienável, dos

quais alguns são apresentados em (105).

(104) a. Não tenhas mêdo...Em primeiro lugar, porque êle não quererá também

denunciar-te; em segundo, por ainda teres fortuna para lhe pagares a discrição. O

tratante achou em ti uma mina de caroço. (Peça de teatro: Os três médicos,

Martins Pena, 1815)

b. fugindo-lhe dos braços Experimentar-me! Não compreendo! Se de nada

sabias, como e por que me lançaste em rosto a minha culpa? (Peça de teatro: O

oráculo, Arthur Azevedo, 1855)

c. Entra Florípedes puxando Simeão pela mão. Sobe no banco e com pequenos

miados e grandes gestos procura convencer Simeão, falando-lhe ao ouvido.

(Peça de teatro: O rapto da cebolinha, Maria Clara Machado, 1921)

d. Vagarosamente, Branca de Neve levanta a cabeça e dirige o olhar para o

Escritor a sua frente, ainda segurando-lhe as mãos. Juntos, os dois compreendem

o que acontecera com Feiurinha. (Peça de teatro, O Fantástico mistério de

feiurinha, Pedro Bandeira, 1942)

(105) a. baixo, puxando-lhe a manga (Peça de teatro, O demônio Familiar, José de

Alencar, 1829)

b. Que mão. Santo Deus! Estou aqui, estou-lhe em casa (Peça de teatro, Caiu o

Ministério, França Junior, 1838)

c. Uma paixão louca de meu sobrinho pode impedir que... Minhas senhoras, não

desejo roubar-lhes mais tempo. (Peça de teatro, Lição de Botânica, Machado de

Assis, 1839)

d. Bem se vê que você sofre da bola. Então supõe que eu vou guardar o recibo

sem lhe pagar o trabalho que não produziu? (Peça de teatro, A centelha, Abdon

Milanez, 1858)

Observemos que a presença de construções com posse alienável está de acordo

com a hierarquia de inalienabilidade proposta por Payne e Barshi (1999), visto que as

Page 87: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

69

construções com esse tipo de posse são menos frequentes na amostra do que aquelas

que expressam a posse inalienável.

Quadro 10 Hierarquia de Inalienabilidade x Alienabilidade na posse externa

(Retirado de PAYNE e BARSHI, 1999:14)

No que concerne à posse inalienável, é possível destacar que há dados que

expressam uma relação de partes do corpo, parte-todo, assim como relações de

parentesco como pode ser visto, respectivamente, nos exemplos em (106-108).

Entretanto, não é possível afirmar que a escala de posse inalienável é corroborada, visto

que não fiz um controle dos diversos tipos de posse inalienável.

(106) a. Cale-se ou tapo-lhe a boca. (Peça de teatro, A centelha, Abdon Milanez, 1858)

b. Depois... Ele puxava-lhe os cabelos, torcia-lhe os braços, sacudindo-a e

repetindo sempre com raiva: "Diga o nome... Diga o nome! (Peça de teatro, A

casa fechada, Roberto Gomes, 1882)

(107) a. Ana já está no palco em pé em frente a ribalta e começa a chorar, até cair de

joelhos, a música começa a diminuir o volume e fica de fundo e se pode ouvir o

choro de Ana, os gritos, os berros. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar,

1977)

b. É impressionante como a música caiu o nível hoje em dia. Você ouve uma

coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias hoje em dia.

(Peça de teatro: Ana e o mar, Karen Lanceroti, 1995)

(108) a. Henriquetai também era órfã de mãe, e de um dia para outro, [-]i morreu o pai

[-]i, um modesto funcionário público, deixando à filha um montepio de cento e

cincoenta mil réis. Foi aquela ocasião que Suzana pediu-me para colocar sua

colega e amiguinha aqui como datilógrafa. Concordei, não porque contasse que

viesse prestar grandes serviços, mas... por caridade. (Peça de teatro: A centelha,

Abdon Milanez, 1858)

Partes do corpo > Parte- todo > Outros inalienáveis > Alienáveis mais próximos

>Alienáveis mais distantes >Não posse

Page 88: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

70

Os resultados apresentados na tabela 10 mostram a competição dos tipos de

posse nas estruturas de posse interna e externa. Esses resultados já são, inegavelmente,

importantes para o desenvolvimento do trabalho, visto que já permitem confirmar a

primeira hipótese que levantei para essa seção: a posse externa ser mais frequente em

construções em que haja posse inalienável.

É importante ainda observar, nessa distribuição geral, como se dá a frequência

de uso dos dois tipos de posse considerando apenas a estrutura de posse externa.

Observemos na tabela 11 que a maior frequência de posse externa está na posse

inalienável, correspondendo a 86% dos dados.

Tabela 11 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB

A posse alienável apesar de ser menos frequente pode ser considerada produtiva

como evidenciam a tabela 11 e o gráfico 9 em que é possível verificar que há 14% de

dados de posse externa em construções que envolvem sentenças com posse alienável.

Gráfico 9 Distribuição geral do tipo de posse nas estruturas de posse externa no PB

Dessa maneira a tabela 11 e o gráfico 9 somam-se à tabela 10 e ajudam a

confirmar a primeira hipótese dessa seção de que a posse externa é mais frequente em

N %

Posse Inalienável 57 86%

Posse Alienável 9 14%

Total 66

Posse Externa

86%

14%

Posse Inalienável Posse Alienável

Page 89: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

71

construções em que haja posse inalienável. Por outro lado, não permitem ainda refutar

ou confirmar a segunda hipótese dessa seção: a mudança na expressão de posse externa,

ou seja, a diminuição da frequência o uso do clítico “lhe” e o aumento da frequência do

DP, está nas construções em que há posse inalienável. A fim de verificar essa hipótese,

é necessário observarmos os resultados ao longo do tempo.

2.5.2 O tipo de posse x o tipo de estrutura: uma análise na diacronia

Proponho, para essa seção, que seja observada em uma perspectiva diacrônica a

relação entre o tipo de posse e a estrutura que codifica essa noção semântica, ou seja, se

há posse interna ou externa. Observemos, primeiramente, que a tabela 12 evidencia um

padrão em que novamente a posse externa é mais frequente em sentenças que envolvem

a posse inalienável. No primeiro período, ou seja, com autores nascidos na primeira

metade do século XIX, a construção de posse inalienável é preferencialmente realizada

sob a forma de posse externa. Em 52% das ocorrências de posse inalienável, nesse

período, há uma relação de posse externa. Por outro lado, a frequência da posse externa

em contextos de posse alienável é muito menor, apenas 17%. Há nitidamente uma

competição muito maior entre o uso de posse interna ou externa quando ocorre a posse

inalienável.

Outro ponto interessante a ser destacado na tabela 12 é como a posse interna vai

ao longo do tempo ganhando espaço em contextos de posse inalienável. Refiro-me ao

fato de que se na primeira metade do século XIX, há uma nítida variação entre os dois

tipos de estruturas de posse, isto é, 48% de posse interna e 52% de posse externa, na

segunda metade desse mesmo século, as frequências de uso ainda estão muito próximas,

mas a posse interna já supera a frequência da posse externa, especificamente, 53% de

posse interna e 47% de posse externa. Na passagem do século XIX para o XX, a posse

interna ganha ainda mais força e chega ao final do século XX com uma frequência de

uso de 81% das ocorrências.

Page 90: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

72

Tabela 12 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do tempo no PB

Se por um lado, é muito nítida a mudança que se procede na posse inalienável, o

outro tipo de posse, a alienável, que já tinha uma baixa frequência de posse externa na

primeira metade do século XIX, especificamente 17% das ocorrências, chega ao final do

século XX com a realização categórica de posse interna, como pode ser visto de modo

mais claro no gráfico 10 abaixo. Ou seja, se consolida assim a posse interna como a

estrutura prototípica da gramática do PB, independente do tipo de posse.

Gráfico 10 Inalienável x Alienável em relação ao tipo de estrutura de posse ao longo do tempo no PB

Ainda assim, no que concerne à posse externa, é evidente que a diminuição na

sua frequência de uso não torna categórico o uso da posse interna. Dessa maneira é

importante observar, como se dá esse processo de mudança, considerando os dois tipos

de posse e as estruturas que estão envolvidas nesse processo, isto é, se há o uso da

N % N %

Posse Interna 20 48% 29 83%

Posse Externa 22 52% 6 17%

Total 42 35 77

Posse Interna 17 53% 23 92%

Posse Externa 15 47% 2 8%

Total 32 25 57

Posse Interna 40 73% 35 97%

Posse Externa 15 27% 1 3%

Total 55 36 91

Posse Interna 21 81% 28 100%

Posse Externa 5 19% 0 0%

Total 26 28 54

Posse Inalienável Posse Alienável

1801-1850

1851-1900

1901-1950

1951-2000

48%

83%

53%

92%73%

97%81%

100%

52%

17%

47%

8%27%

3%19%

0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

Posse Inalienável

Posse Alienável

1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Posse Interna Posse Externa

Page 91: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

73

preposição “de/a”, (109a-b), do clítico “lhe”, (109c), ou do DP, (109d), como o item que

expressa o traço de [+possuidor]

(109) a. Frederico Pontes? Não quero que me veja! É um velho amigo de minha

família. (Peça de teatro: O oráculo, Arthur Azevedo, 1855)

b. simples; é quele que acabo de empregar e que V. Mce estranhou. Tire ao amor

os obstáculos que o irritam, a distância que o fascina, a contrariedade que o cega,

e ele se tornará calmo e puro como a essência de que dimana. (Peça de teatro: O

demônio familiar, José de Alencar, 1829)

c. É realmente uma desgraça! Êstes velhos são teimosos...E que remédio, senão

fazer-lhes a vontade? Mas custa! Casar-se a minha pobre irmã, a minha querida

Rosinha! (Peça de teatro: Os três médicos, Martins Pena, 1815)

d. No telão o relógio começa a passar o tempo mais rápido e as ações dos

personagens no bar também e as luzes apagam. (Peça de teatro, Ana e o mar,

Karen Lanceroti, 1995)

Ao considerar os três tipos de estruturas, já deve estar claro que o uso da

preposição está restrito às sentenças que envolvem a posse interna. Em virtude desta

propriedade, os resultados expressos na tabela 13, em que apresento apenas os dados de

posse inalienável, mostram que, no início do século XIX, há uma competição entre o

uso do clítico ou da preposição. Na verdade, nesse período, há apenas essas duas

possibilidades. A mudança tem início na segunda metade do século XIX quando

começam a ser produzidas construções de posse externa que envolvem uma posse

inalienável com um DP [+possuidor] na posição de sujeito.

Mesmo com a inserção de um terceiro tipo de estrutura capaz de expressar a

posse inalienável observe que a frequência da posse interna só aumenta ao longo do

tempo. Por outro lado, há uma nítida mudança na posse externa em que na passagem da

primeira para a segunda metade do século XX a frequência de uso do DP [+possuidor]

supera a frequência do clítico com traços [+possuidor]. Assim, no final do século XX,

há uma competição entre três estruturas: clítico, DP e preposição, respectivamente, com

as seguintes frequências de uso, 4%, 16% e 80%.

Page 92: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

74

Tabela 13 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo no PB

No que concerne à posse alienável, não há dados de DP [+possuidor], ou seja, há

uma competição apenas entre o clítico “lhe” e as construções que envolvem uma

preposição. Ainda assim, a frequência de uso da construção que envolve o clítico “lhe”

diminui a tal ponto que a posse externa deixa de existir.

Tabela 14 Tipo de sintagma que expressa posse alienável ao longo do tempo no PB

Ao observar os resultados expressos nas tabelas 13 e 14 é possível, portanto,

afirmar que a mudança na posse externa que permite a emergência da construção de

tópico sujeito, ou seja, de um DP [+possuidor] ocupar a posição de sujeito e estar

semanticamente relacionado ao DP [+possuído], ocorre nas construções que envolvem

uma posse inalienável.

Os resultados obtidos acerca da relação entre a posse inalienável e a posse

externa no PB podem ser comparados com os resultados obtidos na amostra do

Português Clássico e do Português Europeu. Observemos no gráfico 11 que em

construções em que há posse inalienável nas duas gramáticas do português lusitano não

há evidências da emergência de uma construção em que a posse seja codificada por um

DP [+possuidor] na posição de sujeito.

N % N % N %

1801-1850 20 47% 0 0% 22 53%

1851-1900 14 43% 1 3% 17 54%

1901-1950 12 22% 3 5% 40 73%

1951-2000 1 4% 4 16% 21 80%

CLÍTICO DP DE/A

N % N %

1801-1850 5 14% 30 86%

1851-1900 2 8% 23 92%

1901-1950 1 2% 35 98%

1951-2000 0 0% 28 100%

CLÍTICO DE/A

Page 93: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

75

Gráfico 11 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE e PB

A comparação entre a frequência de uso da posse interna x a posse externa nas

três gramáticas do português observadas na amostra permite afirmar que do século XVI

até o século XX há uma competição, no que concerne à posse inalienável, entre o uso do

clítico “lhe” ou do genitivo de posse em uma estrutura de posse interna.

Observemos ainda que, no que concerne aos resultados dos autores nascidos no

Brasil, a posse externa, mesmo em contexto de posse inalienável, nunca foi majoritária,

respectivamente, ao longo do tempo, 47%, 43%, 27% e 20% dos dados. Na verdade, o

padrão encontrado na amostra do PB, principalmente no início do século XIX, se

assemelha muito mais aos resultados encontrados no século XVI, ou seja, no Português

Clássico. Refiro-me, especificamente, às frequências de uso de 49% de clíticos e 53%

de construções com preposição no século XVI e às frequências de 53% de construções

com preposição e, por conseguinte, 47% de clítico no português de brasileiros. Esse

resultado remonta ao já conhecido fato do Português do Brasil ser uma gramática mais

conservadora, visto que há uma nítida mudança no português dos lusitanos.

A mudança na expressão da posse externa no PB, em sentenças com posse

inalienável, fica ainda mais clara, quando observamos a tabela 15 em que considero

apenas os dados de posse externa. Observemos que se no início do século XIX é

categórica a expressão desse tipo de posse por meio de um clítico, ao final do século

XX, essa mesma forma de expressar a posse corresponde a apenas 20% das ocorrências.

Ou seja, o tópico sujeito já é na segunda metade do século XX a estratégia de realização

da posse externa prototípica no PB quando há posse inalienável.

49%42%

65%

38%

47% 47%43%

22%

4%

51%54%

35%

62%

53% 53% 54%

73%80%

0% 0% 0% 0% 0% 0%3% 5%

16%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

XVI XVII XVIII XIX XX 1801-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Português Clássico Português Europeu Português Brasileiro

Clítico DE/A DP

Page 94: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

76

Tabela 15 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável ao longo do tempo, no PB, em construções de posse

externa.

Ao comparar os resultados do Português Clássico e Português Europeu aos do

PB, conforme o gráfico 12, se nota o uso categórico do clítico no português lusitano,

sem competição ao longo do tempo, e a competição no PB.

Gráfico 12 Tipo de sintagma que expressa posse inalienável no Português Clássico, PE e PB em construções de

posse externa

Um fato importante que precisa ser ressaltado nessa análise comparativa entre a

posse externa no português Clássico e Europeu com relação ao Português Brasileiro é a

frequência de uso de clíticos nessas gramáticas. É sabido que a gramática do PB se

caracteriza pela baixa frequência de uso de pronomes clíticos de terceira pessoa em

oposição ao quadro do PE, por exemplo, em que clíticos são altamente produtivos.

(BARROS, 2011; SILVEIRA, 1997)

Se observarmos o aumento da frequência de uso da posse interna perceberemos

que ao longo do tempo a posição de adjunto passa também a ser preenchida por

pronomes tônicos tal qual ocorre em diversos outros contextos do sistema pronominal.

Nesse sentido a perda do clítico dativo que indica posse é uma mudança encaixada

naquela já conhecida mudança no paradigma pronominal de terceira pessoa no PB.

N % N %

1801-1850 20 100% 0 0%

1851-1900 14 93% 1 7%

1901-1950 12 80% 3 20%

1951-2000 1 20% 4 80%

CLÍTICO DP

100% 100% 100% 100% 100% 100%94%

81%

20%

0% 0% 0% 0% 0% 0%6%

19%

80%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

XVI XVII XVIII XIX XX 1800-1850 1851-1900 1901-1950 1951-2000

Português Clássico Português Europeu Português Brasileiro

Clítico DP

Page 95: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

77

Por outro lado, o PE tem um sistema de clíticos rico o que não impede que haja

um aumento da frequência de uso da posse interna, mas impede que o uso da posse

externa seja extinto. Do mesmo modo a possibilidade de realização de clíticos nessa

gramática não torna necessária a emergência de uma construção com DP [+possuidor],

visto que o clítico exerce essa função.

Estou, portanto, relacionando a emergência do tópico sujeito no PB à

possibilidade de um DP [+possuidor] ocupar a posição de sujeito, enquanto o DP

[+possuído] está abaixo do verbo, ao fato de que clíticos de terceira pessoa não fazem

parte da gramática do PB. E por oposição, a não realização da posse externa com um DP

[+possuidor] no PE ao fato de clíticos de terceira pessoa integrarem o sistema

pronominal dessa gramática.

2.6 Em resumo

Neste capítulo, vimos que ocorre uma mudança na expressão da posse externa

no Português Brasileiro que deixa de ser expressa por meio do clítico “lhe” e passa a ser

realizada com o alçamento de um DP para a posição de sujeito. Vimos ainda que as

construções de posse externa no PB são prototípicas de estruturas em que há posse

inalienável ou meronímica e que, ao contrário dos dados do português europeu, há a

expressão da posse externa quando o DP [+possuidor] tem traço [+inanimado].

Tendo em vista os resultados diacrônicos aqui apresentados, duas questões

merecem uma discussão: o PB como língua de tópico e a influência bantu nas

construções de tópico sujeito. Essas questões serão aprofundadas nos capítulos 3 e 4

respectivamente.

Page 96: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

78

3.0 As construções de tópico no português.

O estudo das construções de tópico marcado no português tem suscitado diversas

análises diacrônicas e sincrônicas feitas a partir dos mais distintos arcabouços teóricos.

Um princípio geral tomado pelas análises de cunho formalista e funcionalista é o de que

o usuário da língua dispõe de diversas estruturas sintáticas que podem ser usadas na

combinação dos itens lexicais a fim de que uma sentença seja formada. Entretanto, a

forma como os itens se organizam na sentença tem íntima relação com o conhecimento

que o falante possui da sua língua materna (CASTILHO, 2010:280). Esse princípio

geral, quando tomado pelas análises das construções de tópico marcado, nos leva a

refletir sobre a ordem em que os itens lexicais são dispostos na estrutura sintática.

Em geral, é possível afirmar que toda língua dispõe de estruturas marcadas e não

marcadas para expressar as suas informações. Podemos observar exemplos como os

expressos em (110) em que, se por um lado, em (110a), há uma sentença na ordem

canônica do português - não marcada -, ou seja, SVO, por outro lado, em (110b), o DP

com a função de objeto direto aparece deslocado da sua posição original, ocupando a

posição mais à esquerda da sentença, em uma ordem marcada.

(110) a. Aqui em casa nós fazemos carne de todas as formas.

b. E carnei, aqui em casa nós fazemos [ - ]i de todas as formas.

(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:157)

É evidente, entretanto, que apesar das duas sentenças expressas em (110)

apresentarem os mesmos itens na numeração, a posição que os itens lexicais ocupam na

sentença demonstra que há outras informações sendo transmitidas aos interlocutores.

Neste terceiro capítulo da tese, meu objetivo é discutir as construções de tópico

marcado do português, visto que algumas das discussões mais detalhadas sobre tópico

sujeito são aquelas que o caracterizam como uma construção de tópico. Para tanto,

trago, na próxima seção, as construções de tópico marcado que são descritas na

literatura como pertencentes às gramáticas do PB e do PE. Por fim, apresento de forma

mais detalhada a literatura acerca do tópico sujeito.

Page 97: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

79

3.1 Os tipos de tópico marcado no Português Europeu.

Brito, Duarte e Matos (2003) e Duarte (2013) descrevem as construções de

tópico marcado e suas características sintático-semânticas. As autoras afirmam haver no

português europeu as seguintes construções de tópico marcado: tópico pendente,

deslocação à esquerda de tópico pendente, deslocação à esquerda clítica, topicalização,

topicalização selvagem que é chamada por Duarte (2013) de topicalização não canônica.

Segundo Brito, Duarte e Matos (2003), a construção de tópico pendente pode ser

ilustrada pelas sentenças em (101). Nessas sentenças não há qualquer nível de conexão

entre o tópico e o restante da oração. Para as autoras, em sentenças como (111), há um

grau mínimo de sintatização e o tópico funciona como um “enquadramento da

eventualidade descrita pelo comentário ou como um hiperônimo do constituinte

presente no comentário.” (BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:492).

(111) a. Quanto ao debate de ontem à noite, é forçoso reconhecer que há políticos que

falam sobre um país que não conhecem.

b. Filmes estrangeiros, estamos a ver o filme até ao fim e não sabemos do que se

trata.

(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:492)

Para Duarte (2013), tópicos pendentes são mais frequentes em sentenças

matrizes, embora possam também ocorrer em orações relativas ou em subordinadas

interrogativas indiretas, como podemos ver, respectivamente, nos exemplos em (112).

(112) a. Sobremesas, como vê, temos laranjas.

(DUARTE, 2013:409)

b. Sobremesas, como vê, hoje é o dia da semana em que sugerimos laranjas.

(DUARTE, 2013:410)

c. Por falar em férias, alguém conhece um alojamento interessante em Caminha?

(DUARTE, 2013:410)

Além das construções de tópico pendente apresentadas em (112), o Português

Europeu dispõe da chamada deslocação à esquerda de tópico pendente. Como podemos

observar em (113), nesse tipo de sentença o tópico é retomado por um epíteto, (113a),

Page 98: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

80

ou por um pronome, (113b). É preciso ainda ressaltar que a preposição não é realizada,

conforme demonstra a agramaticalidade de (114a-b). Segundo Duarte (2013),

construções como (113-114) ocorrem preferencialmente em frases matrizes, mas os

epítetos ou pronomes que retomam o tópico podem aparecer nas sentenças subordinadas

como ocorre, por exemplo, em (113a).

(113) a. O Joãoi, não sei quem possa simpatizar com esse anormali.

b. Água de cocoi, gosto imenso desse néctar deliciosoi.

(DUARTE, 2013:410)

(114) a. *Com o Joãoi, não sei quem possa simpatizar com esse anormali.

b. *De água de cocoi, gosto imenso desse néctar maravilhosoi.

(DUARTE, 2013:411)

Segundo Duarte, Brito e Matos (2003), as construções de tópico pendente e de

Deslocação à esquerda de tópico pendente exibem em geral as mesmas propriedades

sintáticas: (i) não são sensíveis às ilhas, conforme os exemplos em (115); (ii) estão

limitadas a contextos de orações matrizes.

(115) a. Filmes estrangeiros...há [gente [que vê um filme sem perceber nada do

princípio ao fim]]

b. O Carreras...[muitas pessoas compraram bilhetes no mercado negro [para o

ouvirem]]

(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)

No que concerne às operações de Mover e concatenar, Brito, Duarte e Matos

(2003) advogam que nos dois tipos de construções de tópico pendente, não há o

movimento de um constituinte para a posição de tópico, mas sim a concatenação em

[SPEC-CP] do DP topicalizado.

Outra construção de tópico marcado que envolve um deslocamento à esquerda é

a chamada Deslocação à esquerda clítica que pode ser exemplificada com os dados em

(116).

Page 99: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

81

(116) a. “...às pessoas, há-de-lhes fazer espécie como é que podemos tirar as

impressões.”

b. “...os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos.”

(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)

Sentenças como (116) caracterizam-se por apresentar um grau elevado de

sintatização, visto que o tópico apresenta “identidade referencial e concordância com os

traços de número, pessoa e gênero do clítico” (DUARTE, 2013:415). Além disso, a

deslocação à esquerda clítica pode ocorrer em sentenças matrizes, mas também em

coordenadas e subordinadas finitas conforme, respectivamente, os exemplos em (117-

118).

(117) a. O João ofereceu-me um livro, [mas ao Pedro não lhe deu nada.]

b. As flores, rego-as, [e aos pássaros, dou-lhes comida e água.]

(118) a. Podes crer [que a mim, ninguém me contou essa versão da história.]

b. Lamento [que aos gerentes, ele os trate como se fossem míseros contínuos.]

Há outro tipo de tópico marcado na gramática do Português Europeu. Refiro-me,

especificamente, à topicalização. Nesse tipo de sentença “o tópico é interpretado como o

elemento interno ao comentário, sendo obrigatório que ocorra neste uma retomada,

pronominal ou outra.” (DUARTE, 2013:416). Vejamos alguns exemplos de

topicalização em (119).

(119) a. A essa conferênciai, confesso que não assisti [-]i

b. Essa conferênciai, confesso que não assisti [-]i

(DUARTE, 2013:416)

Construções em que há topicalização se caracterizam pelo elevado grau de

sintatização, ou seja, assim como na deslocação à esquerda clítica, apresenta identidade

referencial e concordância com os traços de número, pessoa e gênero. Além disso, o

constituinte conectado com o tópico é sempre uma categoria vazia.

No que concerne ao tipo de oração em que a topicalização ocorre, Duarte (2013)

afirma que esse tipo de construção é gramatical em orações matrizes, (120),

Page 100: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

82

subordinadas completivas, (121), mas agramatical nas subordinadas adverbiais, (123), e

relativas, (122).

(120) a. Nesse político, não voto

(121) a. Piscina, não sabia que tinha

b. Nesse político, os meus amigos dizem que não votam

(122) a. *Piscinas, alguns amigos meus já foram a casa dela que não tinha

(123) a. * Nesse político, os meus amigos ficam doentes quando as pessoas não votam

Por fim, é preciso ressaltar que há um tipo de topicalização, chamado por Duarte

(2013) de topicalização não canônica, em que há uma categoria vazia no comentário,

mas as propriedades de subcategorização do verbo não são integralmente respeitadas.

Estruturas de topicalização não canônica podem ser exemplificadas com as sentenças

em (124)

(124) a. Cenas dessas, não precisamos [-].

b. Essa conferência, não assisti [-].

Conforme ressalta Duarte (2013), os falantes interpretam os constituintes

topicalizados em (124) como complementos dos verbos “precisar” e “assistir”,

entretanto, apesar de estes verbos selecionarem complementos preposicionados, o

constituinte topicalizado não apresenta a preposição. Sentenças como (124) são

gramaticais apenas em contexto de oração raiz e quando a preposição apagada é

funcional, não apresentando, portanto, conteúdo semântico.

Dados os tipos de construções de tópico marcado do Português Europeu,

apresento a seguir um quadro que sintetiza suas propriedades mais gerais.

Quadro 11 Propriedades das construções de tópico marcado no PE

(Adaptado de DUARTE, 2013:422)

Construções Retomada no comentário Subcategorização e seleção do verbo respeitada Somente frase raíz

Tópico pendente Não Não Sim

Deslocação à esquerda de tópico pendente Sim: epíteto e pronome Parcialmente Sim

Deslocação à esquerda clítica Sim: pronome clítico Sim Não

Topicalização Não Sim Não

Topicalização não canônica Não Parcialmente Sim

Page 101: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

83

3.2 Os tipos de tópico no PB

Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) afirmam que há no Português Brasileiro os

seguintes tipos de tópico: anacoluto ou tópico pendente, deslocamento à esquerda,

topicalização, tópico sujeito e o antitópico. Vejamos a seguir a descrição das

construções de tópico marcado do PB.

A primeira construção que as autoras destacam é o chamado anacoluto ou tópico

pendente. Assim como no PE, esse tipo de estrutura se caracteriza pela ausência de um

vínculo sintático entre o tópico e algum item lexical presente no comentário. Apesar da

ausência de conexão sintática, Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) destacam que em

construções como (125), ou seja, naquelas em que há tópico pendente, há conectividade

semântica entre os tópicos destacados e a sentença comentário.

(125) a. Drama, já basta a vida.

b. Filme, eu gosto mais de comédia.

c. A BR 101 não precisa ir a Campos, cê dobre em Vitória...pega a Vitória-Belo

Horizonte.

(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:152)

Um segundo tipo de construção de tópico marcado presente na gramática do PB

é o chamado Deslocamento à esquerda. Conforme apresentei na seção anterior, no PE,

há deslocamento à esquerda clítico26

e deslocamento à esquerda de tópico pendente. No

PB, entretanto, o deslocamento à esquerda é um tipo de construção em que há uma

vinculação entre o sujeito da sentença e o tópico em uma posição à esquerda, como

pode ser visto nos exemplos em (126).

(126) a. Bom essas assembleias, habitualmente elas tratam dos assuntos.

b. O IBGE, por exemplo, ele já é do Estado.

26

Segundo Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) são raras no PB construções de deslocamento à esquerda

em que um clítico, objeto direto, é correferente ao tópico, conforme ocorre nas sentenças de

Deslocamento à esquerda clítico no PE. No exemplo (i), podemos observar que há uma hipercorreção já

que na oração há o pronome relativo “que”, sendo retomado pelo clítico.

(i) É a categoria conhecimento que nós vamos separá-la.

Page 102: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

84

c. Ela de manhã ela sempre faz uma merenda pra mim.

(BERLINCK, DUARTE e OLIVEIRA, 2009:154-155)

Em construções com deslocamento à esquerda no PB, o tópico pode ser um SN,

(127a-b) ou um pronome (127c) e estar vinculado a um pronome nominativo, como em

(126), ao SN anafórico, (127a), ou ao pronome demonstrativo, (127b). No que concerne

ao traço de animacidade do item que ocupa a posição de tópico, há de ser ressaltado que

ele pode ser [+animado] ou [- animado] e, em relação à definitude, ele pode ser

[+definido] ou [- definido].

(127) a. [A pessoa]i, muitas vezes, a pessoai não quer nada.

b. [Esse problema de puxar pela criança]i (...) eu acho que issoi não funciona

muito.

(DE PAULA, 2012:11-12)

Já tendo sido apresentadas as características do deslocamento à esquerda e do

tópico pendente, passo agora a discutir a construção de topicalização que é

exemplificada em (128). Em sentenças como (128), assim como no PE, o tópico está

vinculado à categoria vazia presente na sentença comentário que pode ser um objeto

direto, (128a), ou um complemento circunstancial, (128b), ou um adjunto adverbial,

(128c).

(128) a. Aquele arroz com frutos do mar, a minha mulher é incapaz de, de provar [-].

b. Olindai, ninguém mora [-]i. Ninguém diz é lá que eu moro; não, diz é lá que

eu pernoito.

c. Parisi, eu não pago hotel [-]i Parisi eu fico nas casas de um amigo [-]i

Em construções como (128), Brito, Duarte e Matos (2003), Duarte (2013) e

Orsini (2012) assumem que há o movimento do item topicalizado para a posição mais à

esquerda da sentença o que deixa o vestígio na sentença comentário. Entretanto,

Berlinck, Duarte e Oliveira (2009) questionam se de fato há um movimento de um item

para a posição de tópico, visto que em sentenças como (129) um constituinte com

função oblíqua aparece sem preposição na posição de tópico.

Page 103: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

85

(129) a. O Nortei principalmente no Amazonas e no Pará, a influência indígena sobre a

alimentação é muito grande [-]i.

b. Mas eu ah merenda escolari eu tenho pouca noção [-]i

Para as autoras, a ausência da preposição em sentenças como (129) “parece

afrouxar, de certa forma, o vínculo sintático entre tópico e comentário, aproximando

essas construções dos anacolutos ou tópico pendente” (BERLINCK, DUARTE e

OLIVEIRA, 2009:158). Além disso, como vimos nas construções de tópico marcado

expressas em (124) e reescritas abaixo como (130), na gramática do PE, também são

produtivas construções em que um constituinte com função oblíqua aparece sem

preposição na posição de [Spec-CP].

(130) a. Cenas dessas, não precisamos [-].

b. Essa conferência, não assisti [-].

É interessante verificar que, conforme descrito no capítulo 1, em construções de

tópico sujeito a preposição também não está presente na sentença. Conforme apontarei

no capítulo cinco, o caminho que seguirei para explicar o tópico sujeito é o de que a

preposição genitiva não está presente na numeração e, talvez, essa seja a mesma

explicação para a convergência de derivações como (129), no PB, e (130), no PE.

Antes de tratarmos do que a literatura sobre tópico marcado descreve como

tópico sujeito, cabe ainda mencionar o chamado antitópico. Um tipo de sentença,

exemplificado em (131), em que o tópico aparece à direita da sentença.

(131) a. [-]i Leva azeite de dendê, o acarajéi

b. Dizem que [-]i tá tudo abandonado aquele troçoi.

Em construções como (131) o tópico ocupa uma posição não argumental,

externa à sentença e simétrica à posição ocupada pelo tópico quando em deslocamento à

esquerda ou em topicalização. O DP tópico de sentenças como (131) é sempre

[+definido]. E há uma restrição de monoargumentalidade, visto que sentenças como

(132) em que há verbos inacusativos e intransitivos são gramaticais, enquanto sentenças

como (133) são agramaticais ou têm um grau menor de aceitabilidade.

Page 104: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

86

(132) a. Chegou cedo a chuva.

b. Telefonou ontem o cliente.

(133) a. ? Mandou uma carta o cliente

b. * Mandou uma carta para o hospital o cliente.

O último tipo de tópico descrito na gramática do PB é o tópico sujeito27

. Como

este é o objeto de estudo desta tese, opto por abrir uma subseção a fim de poder tecer

uma discussão mais ampla.

3.3 Enfim, o tópico sujeito no PB.

As diferenças entre as sintaxes do PB e do PE desde muito tempo têm inspirado

várias pesquisas. Especificamente em relação à questão das construções que envolvem a

topicalização de DPs ou PPs, os resultados têm mostrado que são significantes as

diferenças entre as duas gramáticas. No que concerne ao tópico sujeito, os resultados

apontam para o fato de que não há tal construção no PE, mas há no PB (PONTES, 1986

e 1987; GALVES, 1998 e 2001; VASCO, 2006; COSTA, 2010; ORSINI e VASCO,

2012; MUNHOZ e NAVEZ, 2012; TONIETTE, 2013; KATO, 2015).

Os primeiros trabalhos a identificar o tópico sujeito tinham na verdade o

objetivo de descrever, sob à luz do funcionalismo, todas as construções de tópico do PB

(PONTES, 1986 e 1987). Segundo Pontes (1987), nas construções de tópico sujeito,

27

Araújo (2009) em um trabalho sobre o português das comunidades quilombolas encontra 29 dados de

tópico sujeito, conforme pode ser visto no exemplo em (i). Os resultados da autora descrevem ainda o fato

de que na variedade do português destas comunidades quilombolas são encontradas as construções de

tópico destacadas no quadro abaixo.

(i) o carro afundô as roda... (CZ-6)

(Retirado de ARAÚJO, 2009:239)

Quadro I: Tipos de construções de Tópico no Português Quilombolas da Bahia

(Adaptado de ARAÚJO, 2009:242)

Tipo de Tópico Exemplos

Topicalização de objeto direto os pé de café trocô. (HV-20)

Topicalização de Locativo nesse sertão nosso aqui tem cascavel demais. (CZ-6)

Topicalização com retomada agora, Teofil‟Otone, num conheço Teofil‟Otone direito... (HV-12)

Tópico Pendente médico sempre aí nas Serra, nesse Rapa mermo tem um posto... (SP-4)

Tópico Pendente com retomada Mas, meus porco, você pricisa de vê, quand‟eu crio um… um leitão (HV-20)

Deslocamento à esquerda E aqueles mele, eles é que faz arco. (RC-26)

Tópico sujeito o carro afundô as roda... (CZ-6)

Tópico selvagem Futebol, a gente brincava, né... (HV-4)

Page 105: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

87

como (134), o sujeito gramatical da oração encontra-se posposto ao verbo e a posição

pré-verbal é ocupada por um sintagma que tem a função de tópico da sentença e

funciona como sujeito lógico.

(134) a. A Sarinha[sujeito lógico] tá nascendo dente[sujeito gramatical]

b. Esse carro[sujeito lógico] cabe 60l de gasolina[sujeito gramatical]

c. O meu carro [sujeito lógico] furou o pneu[sujeito gramatical]

d. O jasmim[sujeito lógico] amarelou as pontas[sujeito gramatical].

(PONTES, 1987: 34-35)

Testes de gramaticalidade para (135) têm mostrado que estas são gramaticais, se

um dos DPs estiver na posição de tópico e o outro na posição de sujeito, como ilustra

(136a). Todavia, se a interpretação for com os dois DPs ocupando a posição de sujeito,

de fato, como propõe Pontes (1987), há agramaticalidade, conforme representado

(136b) para a sentença expressa (135d)

(135) a. *A Sarinha o dente tá nascendo

b. *Esse carro 60l de gasolina cabe

c. *O meu carro o pneu furou

d. *O jasmim as pontas amarelou (-ram)

(PONTES, 1987: 36)

(136) a. [CPO jasmink[C‟[C[TP as pontasj[I‟[T amarelarami[VP[V ti [DP tj [DP tk]

b. *[TP O jasmim as pontasj[T‟[T amarelarami[VP[V ti [DP tj [DP tk]

Ainda que Pontes não explique o porquê da agramaticalidade de (135) visto que

este não é objetivo da sua pesquisa, é possível perceber que esta resulta da justaposição

de dois DPs na posição de sujeito, o que fere um dos princípios da gramática de que

para cada DP existe uma posição sintática. Assim, a existência de dois DPs em [Spec-

TP], inviabiliza a convergência da derivação.

Por outro lado, Pontes destaca ainda que se o DP estiver posposto ao verbo não

são gramaticais construções que exibam concordância, conforme mostram os exemplos

Page 106: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

88

em (137). Entretanto, a construção com concordância é gramatical em contextos como

em (138a-b) em que o DP está posposto e há a presença da preposição.

(137) a. *Furaram os pneus os carros.

b. *Amarelaram as pontas os jasmins

(138) a. Nasceram os dentes da Sarinha

b. Cabem 60l de gasolina nesse carro

(PONTES, 1987:37)

Assim, apesar de inicialmente, o DP posposto ao verbo ter sido tomado por

Pontes (1987) como o sujeito da oração, ele parece ter mais características de objeto do

que de sujeito: preferencialmente, posposto ao verbo finito e não estabelecimento de

uma relação de concordância. Por outro lado, o DP posposto não pode ser substituído

por clíticos acusativos e nem pode exercer a função de sujeito em sentenças passivas,

como demonstram, respectivamente, os exemplos em (139a-b). A agramaticalidade dos

dois exemplos em (139) resulta do tipo de verbo dessas sentenças: o inacusativo que

não permite a passivização e a substituição do DP posposto por clíticos acusativos.

(139) a. *A Sarinha nasceu-o.

b. *O dente é nascido pela Sarinha.

(PONTES, 1987:23)

No que concerne ao DP antesposto, Pontes (1987) destaca que este estabelece

relação de concordância com o verbo finito, conforme pode ser visto nos exemplos em

(140). O fato de haver uma relação de concordância nas sentenças em (140) é o

indicativo, para a autora, de que o tópico, por meio de um processo de gramaticalização,

foi reanalisado como o sujeito dessas orações.

(140) a. Essas casas batem bastante sol

b. Meus carros furaram o pneu

(PONTES, 1987:36)

Page 107: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

89

Os trabalhos de Pontes (1986 e 1987), sem dúvida, trouxeram às pesquisas uma

construção nova que, ao longo das últimas décadas, foi discutida à luz da

sociolinguística variacionista como o fizeram Vasco (2006), Vasco e Orsini (2012),

entre outros, seja à luz de teorias formalistas como fizeram Galves (2001), Munhoz

(2011), Lunguinho (2006), Lobato (2006), Toniette (2013), Kato (2015), entre outros.

Assim, apresento a seguir alguns dos trabalhos que instigados por Pontes gastaram

imensa tinta no debate do que é a construção de tópico sujeito do PB.

3.3.1 A relação entre a posição do sujeito e a emergência do tópico sujeito.

Galves (1998) define o tópico sujeito da seguinte forma:

“Estruturas pseudotransitivas em que um verbo ergativo vem

precedido de um NP que não é interpretado como agente ou

causa do processo expresso pelo verbo, mas como locativo ou o

todo do qual o NP pós-verbal é a parte.”

(GALVES, 1998:19)

A definição dada por Galves (1998) salienta que o DP pré-verbal de sentenças

como (141a) é o sujeito da oração por poder estabelecer concordância com o verbo

finito no plural, como pode ser visto em (141b).

(141) a. O relógio quebrou o ponteiro.

(GALVES, 1998:19)

b. Os relógios quebraram os ponteiros.

Outras características do tópico sujeito para Galves são a não projeção de um DP

com papel temático de agente, conforme demonstra a agramaticalidade de (142a). Do

mesmo modo, as sentenças que exibem o DP anteposto retomado por um pronome in

situ são gramaticais apenas se o DP estiver na posição de tópico – [Spec-CP] - e não na

posição de sujeito [Spec-TP] como pode ser visto em (142b). Segundo Galves (1998), a

sentença (142c) é agramatical, pois o DP anteposto ao verbo está no mesmo domínio

que o pronome que o retoma, característica que não obedece ao princípio B28

da Teoria

de ligação.

28

Teoria da Ligação

Page 108: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

90

(142) a. *[agente]O celular acabou [paciente]a bateria

b. O celular, acabou a bateria dele.

c. * O celular acabou a bateria dele.

Na perspectiva de Galves (1998), a derivação da construção de tópico sujeito

apresenta duas premissas básicas: Agr ser um traço formal e a existência de uma

categoria funcional [PersP] entre as projeções [CP] e [TP]. Galves (1998) ressalta que

embora Agr, desde Chomsky (1995), tenha deixado de ser projetado como uma

categoria acima de T, os seus traços são importantes na derivação sintática e, portanto,

são adquiridos parametricamente. No que concerne à categoria [PersP], a autora destaca

que essa é relevante em várias línguas ergativas, sendo dotada de traços- não

interpretáveis.

Para Galves (1998), como [PerspP] tem traços- não interpretáveis é necessário

que eles sejam checados para que a derivação convirja. A checagem pode se dar de duas

formas: a primeira é a presença de um DP em [Spec-PersP]; a segunda se dá pelo

movimento de traços- para o núcleo [PersP]. Esse movimento pode ocorrer de forma

visível ou coberta. Segundo Galves (2001), se uma derivação prescinde do núcleo

[PersP], obrigatoriamente há uma configuração como (143).

(143) [PersP Pessoa[TP DP V]]

Um problema que a proposta de um núcleo funcional [PersP] traz é como se dá a

checagem dos traços-φ. Para Galves, a projeção [PersP] não tem nem os traços de Agr e

nem os traços V, em virtude disso, a única forma dos traços- de [PersP] serem

checados é o movimento coberto de traços pronominais. Assim, uma sentença como

(144a) em que há a projeção de um pronome resumitivo seria o produto da derivação

expressa em (144b). Em (144b), os traços- do pronome “ela” se movem abaixo de

spell-out e checam os traços- de [PersP].

(I) Princípio A: Uma anáfora deve estar ligada em seu domínio de regência.

(II) Princípio B: Um pronome deve estar livre em seu domínio de regência.

(III) Princípio C: Uma expressão-R deve estar livre.

(CHOMSKY, 1981:188)

Page 109: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

91

(144) a. Essa competênciai, elai é de natureza mental.

b. [PersP Essa competência, [PersP ᵩi [TP elai é de natureza mental.]]]

A derivação em (144b), portanto, consegue dar conta de uma construção com

deslocamento à esquerda. Entretanto, em sentenças com tópico sujeito, em princípio,

não há a projeção de um [Spec-TP] e, por isso, não pode ser assumida a presença de um

pronome lexical, como “ela” em (144a-b) ou de um pronome expletivo nulo. Galves

(2001) propõe que a única forma de que uma derivação com tópico sujeito convirja é

que os traços- do verbo se movam de forma coberta até [PersP], possibilitando assim a

checagem dos traços.

Costa e Galves (2001) seguem uma linha de análise teórica semelhante a adotada

por Galves (1998) para o tópico sujeito do PB. A diferença é que neste novo trabalho os

autores, à luz da Teoria Gerativa de Princípios e Parâmetros em sua versão Minimalista

(CHOMSKY, 1995), propõem uma análise comparativa entre sentenças do PB e do PE

a fim de explicar o porquê de o tópico sujeito ser gramatical no PB e agramatical no PE.

A explicação de Costa e Galves para essa diferença de interpretação entre as duas

gramáticas reside nas distintas posições sintáticas em que o sujeito se realiza.

Costa e Galves (2001) defendem que enquanto no PE o sujeito externo de

sentenças como (145), ou seja, aquele que não se encontra adjacente ao verbo, está em

[Spec-AgrS] ou [Spec-TP] e o verbo sofre movimento curto até T, no PB, as sentenças

em (145) apesar de superficialmente terem a mesma estrutura do PE, apresentam uma

diferença em relação à posição do sujeito. Nessa gramática, sujeitos externos ocupam

uma posição periférica apesar do verbo, assim como no PE, sofrer um movimento curto

até T.

(145) a. O Pedro provavelmente viu a Maria.

b. Os meninos todos viram a Maria.

(COSTA e GALVES, 2001:1)

(146) A mesa quebrou as pernas

(COSTA e GALVES, 2001:4)

A diferença na posição do sujeito nas duas gramáticas se dá em virtude do

caráter defectivo de AgrS no PB, já exaustivamente discutido na literatura e que é

Page 110: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

92

comprovado pela alta frequência de construções sem concordância nessa gramática.

Como AgrS é defectivo no PB, o traço de EPP só pode ser satisfeito em [Spec-TP].

Assim, a representação para a estrutura de uma sentença com sujeito externo no PB

seria a apresentada em (147). Observemos que obrigatoriamente um pronome, seja na

forma nula ou plena, ocupa a posição de [Spec-TP].

(147) [AgrS Subj [AgrSP [TP pro/ele V [VP tpro tv]]]]

(COSTA e GALVES, 2001:5)

Segundo Costa e Galves (2001), uma pequena distinção na estrutura

representada em (147) pode também dar conta de explicar construções do PB em que

não há um argumento agente explícito, como nas sentenças expressas em (148). Nessas

construções, segundo os autores, a ausência do argumento [+agente] indica que não há a

projeção de [Spec-TP] e nesse caso é com os traços do núcleo AgrS que o DP pré-verbal

estabelece uma relação de concordância, gerando a representação expressa em (149).

(148) a. As mesas quebraram as pernas.

b. Os celulares acabaram as baterias.

(149) [AgrS DPi [AgrSP AgrSi [TP V-fi [VP tv proi]]]]

Kato e Duarte (2008) também correlacionam a emergência do tópico sujeito no

PB às mudanças pelas quais o PB está passando no que concerne ao preenchimento da

posição do sujeito. As autoras apontam que a mudança no parâmetro do sujeito nulo no

PB tem permitido que posições de sujeitos não referenciais, como nos casos dos verbos

inacusativos, existenciais e que indicam fenômenos metereológicos, (150-151), sejam

preenchidas por sintagmas referenciais, em detrimento dos expletivos lexicais como

ocorre, por exemplo, no francês.

(150) a. Londresi tem prédios lindos [-]i

b. O pneu do carroi furou [-]i

(151) a. Minhas pernasi racharam a pele [-]i

b. Essas florestasi chovem muito [-]i

Page 111: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

93

Segundo Kato e Duarte (2008), a presença no PB de construções como (151) e

(152) faz com que essa gramática seja classificada como orientada para o tópico e para

o sujeito. No que concerne à discussão sobre a posição de sujeito, as autoras defendem

que o PB tem duas posições para o sujeito: [Spec-SubjP] e [Spec-TP]. A depender do

tipo de construção, a derivação convergirá com a primeira ou a segunda estrutura, em

outras palavras, o traço de EPP será checado em [Spec-SubjP] ou [Spec-TP].

As autoras acrescentam que, em virtude de o PB ser classificado como uma

língua orientada para o tópico e para o sujeito, é possível haver construções em que

ocorra a projeção do núcleo [SubjP], assim como do núcleo [TP]. Na proposta de Kato e

Duarte (2008), em construções existenciais como (153a) que envolvem o alçamento do

adjunto adverbial para uma posição mais alta da sentença, a derivação reflete a estrutura

expressa em (153b).

(153) a. Londres tem prédios lindos

b. [SubjP Londresi [TP tem [VP [V prédios lindos ti]]]]

Finalmente, as autoras sintetizam a análise afirmando que em construções de

tópico sujeito a derivação converge da mesma forma que em sentenças como (153),

visto que a oração em (154) exibe um sujeito referencial em uma posição não

argumental. Assim, no tópico sujeito, o DP com a função de sujeito ocupa a posição de

[Spec-subjP] e não [Spec-TP], como pode ser visto em (154b).

(154) a. O carroi furou o pneu ti

b. [SubjP O carroi [TP furou[TP tv [VP o pneu [DP ti] tv]]]]

Uma questão que a análise de Kato e Duarte (2008) levanta é a de que o DP com

a função de sujeito de construções como (154a) não ocupa uma posição capaz de checar

os traços-φ. Na proposta das autoras, os traços φ são checados em [Spec-TP] e não em

[SubjP], assim o que garante ao DP “o carro” o estatuto de sujeito da sentença é o fato

de ele checar o traço de EPP e não o fato de ele concordar com o verbo finito.

Por sua vez, Lobato (2006) e Lunguinho (2006) propõem que o tópico sujeito é o

resultado da propriedade que o PB possui de “vasculhar” o interior de um NP, podendo

extrair um subconstituinte, ou seja, um adjunto adnominal, permitindo a

Page 112: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

94

gramaticalidade de uma construção em que há partição de constituintes. Conforme

destaca Lunguinho (2006), as propostas de Galves (1998) e Costa e Galves (2001)

apresentam um problema teórico na medida em que os traços- do verbo, não

interpretáveis, não poderiam ser checados pelos traços- de [PersP] que também são

não interpretáveis.

Além do problema na checagem dos traços-, as propostas de Galves (1998) e

Costa e Galves (2001) não explicam como se dá a derivação de sentenças com tópico

sujeito em que uma relação de parte-todo é expressa sem a presença da preposição “de”.

Lunguinho (2006), em uma análise que considera que construções como (155a-b) têm

numerações diferentes e que há em (155b) o fenômeno de partição dos constituintes,

traz uma nova proposta para tratar do tópico sujeito. O fenômeno de partição de

constituintes se caracteriza pelo fato de relações de parte-todo, como em (155b), serem

expressas por dois constituintes descontínuos, ou seja, não adjacentes.

(155) a. Acabou a bateria do celular.

b. O celular acabou a bateria.

A pesquisa de Lunguinho (2006) tem por objetivo responder duas perguntas:

como se dá a derivação de construções como (155b) em que há partição de

constituintes? E se há diferença nas numerações que originarão as sentenças (155a) em

que não há partição de constituintes e (155b) em que o fenômeno ocorre.

Opto por tratar, primeiramente, da diferença ou não nas numerações de

construções como (155a-b). No que concerne a esse tópico, Lunguinho (2006) defende

que sentenças como as expressas em (155) apresentam numerações distintas, visto que

enquanto (155a) apresenta a numeração expressa em (156a), (155b) expressa a

numeração presente em (156b)

(156) a. {o2, pneu1, de1, carro1, furou1, pro1, T1, C1}

(LUNGUINHO, 2006: 139)

b. {o2, pneu1, carro1, furou1, T1, C1}

(LUNGUINHO, 2006: 141)

Page 113: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

95

Ao comparar as numerações em (156a-b), é possível notar que existem duas

diferenças. A primeira é a já mencionada ausência da preposição “de” em (156b), mas

há também a ausência de pro. Segundo Lunguinho, a derivação da numeração em

(156a) é expressa em (157a). Nesse tipo de sentença, o traço EPP de T é valorado com o

preenchimento da posição de [Spec-TP] por um pro expletivo. Por outro lado, a

derivação da numeração expressa em (156b), ou seja, aquela em que há partição de

constituintes, é a apresentada em (157b). Nessa derivação, o traço de EPP é checado via

movimento/alçamento do DP com a relação semântica de todo para a posição de [Spec-

TP].

(157) a. [TP pro expletivo [T acabou [VP acabou [DP a bateria do celular]]]]

(LUNGUINHO, 2006:139)

b. [TP [DP o carro] [T furou [VP furou [DP [DP o carro] [D o [NP pneu]]]]]]

(LUNGUINHO, 2006:142)

Dadas as diferentes derivações expressas em (157-b), fica ainda a primeira

pergunta a ser respondida, ou seja, como se dá a derivação de uma sentença com

partição de constituintes? Mais precisamente, como é possível que uma relação parte-

todo seja expressa sem a presença da preposição “de” na numeração?

Para Lunguinho, em numerações como (158), a ausência da preposição impede

que seja formado um constituinte como “a bateria do celular”, nesse caso a interpretação

semântica de parte-todo é garantida em virtude de como os DPs se concatenam. Na

proposta do autor, o DP com a interpretação semântica de todo c-comanda o DP com a

interpretação semântica de parte, gerando uma estrutura sintática como a expressa em

(159).

(158) {o2, pneu1, carro1, furou1, T1, C1}

(LUNGUINHO, 2006: 141)

Page 114: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

96

(159) DP

3

D todo D‟

3

NP

g

N parte

Segundo Lunguinho (2006), a evidência para propor uma representação como

(159) em que o DP com a relação semântica de todo c-comanda o DP com a relação

semântica de parte está em sentenças como (160) nas quais há um quantificador

flutuante – todos -. Notemos também que em (160a) o constituinte “todos os carros” é

alçado para a posição de sujeito. Em (160b), o quantificador flutuante “todos” fica in

situ, abaixo de VP, mas acima do DP que representa a parte e apenas o DP “os carros” é

alçado para a posição de sujeito. Ambas as sentenças são gramaticais. Por outro lado,

em (160c), o alçamento apenas do DP “os carros” para a posição de sujeito produz uma

sentença agramatical. Em (160c) é importante observar que o quantificador “todos” está

abaixo do DP que representa a parte. Para Lunguinho, a gramaticalidade de (160a-b) e a

agramaticalidade de (160c) são a comprovação de que em construções que envolvem a

partição de constituintes o DP com a relação semântica de “todo” c-comanda o DP com

a relação semântica de parte.

(160) a. Todos os carros furaram o pneu dianteiro.

b. Os carros furaram todos o pneu dianteiro.

c. *Os carros furaram o pneu dianteiro todos.

(LUNGUINHO, 2006:142)

Em linhas gerais, a questão do DP “todo” c-comandar o DP “parte” explica o

fato de sentenças como (161) serem agramaticais. Em (161), observemos que o DP

alçado para a posição de sujeito é aquele que expressa parte. A agramaticalidade de

(161) resulta do fato, segundo Lunguinho (2006), de que a sonda que participa da

operação “probe/goal” não pode ter como alvo o DP “parte”, pois este é c-comandado

Page 115: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

97

pelo DP todo. Isto ocorre porque o DP todo é o DP mais próximo c-comandado pela

sonda que tem traços-, possibilitando que Agree ocorra, os traços- da sonda sejam

checados e o Caso do Alvo valorado.

(161) *Os pneus dianteiros furaram todos os carros.

Assim como Kato e Duarte (2008), Lunguinho (2006) acaba por defender que o

movimento do DP todo para a posição de sujeito ocorre em virtude da necessidade de

satisfação do EPP que, no PB, é codificado na posição de sujeito. Não vou entrar em

detalhes acerca de que posição é essa, pois como já mostrei, existem inúmeras propostas

que tentam explicar em que posição está o sujeito nas sentenças do PB. A mim,

especificamente, interessam três fatos: o primeiro é a explicação de Lunguinho (2006)

para a não realização da preposição “de” nas sentenças de tópico sujeito. Ao longo da

tese, a adotarei; o segundo é a explicação para o alçamento do DP todo e não do DP

parte para a posição de sujeito, mais do que isso, a configuração estrutural estabelecida

por esses DPs; e, por fim, mas não menos importante, o movimento do DP adjunto para

a posição de sujeito ser motivado pela satisfação do traço de EPP, um traço puramente

sintático.

Além das propostas de Galves (1998 e 2001) e Lunguinho (2006), outros

trabalhos têm sido realizados a fim de analisar o tópico sujeito. Na próxima seção, trago

à discussão o trabalho de Toniette (2013) e abordo também alguns pontos do trabalho

de Munhoz e Naves (2012).

3.3.2 Um DP não argumental na posição de sujeito

Munhoz e Naves (2012) e Toniette (2013) apresentam duas análises para o

tópico sujeito que de certa forma se aproximam. As análises têm como ponto central a

discussão da propriedade do PB de construir sentenças com flexão verbal, mas em que o

DP na posição de sujeito é, canonicamente, tido como um não argumento. Os autores

afirmam que a concordância entre um DP em uma posição não argumental e o verbo é

possível, pois no PB a projeção [CP] pode compartilhar traços com [TP]. Opto por tratar

mais especificamente da proposta de Toniette (2013), visto que o autor segue em grande

parte a proposta de Munhoz e Naves (2012).

Page 116: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

98

Toniette (2013) argumenta em favor de uma proposta que considera que, no PB,

os núcleos C e T compartilham os traços por isso, a relação de concordância pode ser

estabelecida em duas posições de especificador [Spec-CP] ou [Spec-TP], assim como o

Caso nominativo pode ser checado nas mesmas posições. Além do traço o núcleo C

tem traços de borda que são capazes de atrair outros itens lexicais que satisfarão os

requerimentos do estatuto informacional da sentença, ou seja, foco, tópico,

interrogativas QU.

Em virtude das propriedades dos núcleos listados, Toniette (2013) defende que

para a construção de tópico sujeito ser gramatical no PB é necessário que o DP

[+possuidor] seja alçado para a posição de tópico. O autor, portanto, defende que assim

como todos os outros tipos de construção de tópico, no tópico sujeito, também há

movimento para [Spec-CP] a fim de que os traços relacionados ao estatuto

informacional sejam satisfeitos. A concordância entre o DP [+possuidor] alçado e o

verbo finito pode ser explicada porque CP compartilha traços- com T, permitindo

assim que o DP alçado cheque nominativo. Assim, a configuração da estrutura de uma

sentença com tópico sujeito seria, na proposta de Toniette (2013), a expressa em (162).

(162) CP 3 DP C‟ 3 C [Borda, Foco, tópico…] TP 3 T [EPP] vP 3 v VP 3 V DP

4 [

Observemos que a representação proposta por Toniette (2013) parece dar conta

de fato da construção de tópico sujeito. Como dito acima a derivação, mediante à

configuração das projeções C e T no PB, pressupõe que o DP [+possuidor] seja alçado

para a projeção C satisfazendo os requerimentos do estatuto informacional. Para que

Page 117: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

99

isso ocorra, os traços de borda presentes em C atraem por meio de uma operação de

“sonda/alvo” os traços-que estão no DP concatenado abaixo de VP. Essa configuração

sintática permite que (i) os traços não interpretáveis de C sejam checados, (ii) haja o

estabelecimento de uma relação de concordância e (iii) o Caso nominativo seja checado.

As linhas tracejadas (1) e (2) representam as duas operações envolvidas na derivação da

sentença expressa em (163a).

(163) a. O celular acabou a bateria.

b. CP 3 DP[+K Nom] C‟

- - o celular 3 g C [ópico, borda] TP

g - - - 3 g g T [EPP] vP

g g acabou 3 (2)

29g (1)30

g v VP

g g 3 g g V DP [

g g acabar 4 g g a bateria o celular

g g - - - - - - - - - - - - -

g - - - - - - - - - - - - - - - -

Segundo Toniette (2013), a evidência para afirmar que o DP [+possuidor] é

alçado para a posição de tópico e não a de sujeito em construções como (163a) está na

agramaticalidade de sentenças como (164a) em que um constituinte QU é projetado em

uma posição mais alta do que o DP [+possuidor]. Entretanto, sentenças como (164b-c)

em que um constituinte QU também é projetado em uma posição mais alta do que

aquela em que está o DP [+possuidor] são gramaticais.

(164) a. * Que bateria os celulares acabaram?

29

A linha (1) representa a operação desencadeada pelos traços de borda que por meio de uma sonda

buscam um alvo capaz de satisfazer o traço de tópico e de checar os traços não interpretáveis do núcleo.

30

A linha (2) representa o movimento desencadeado pela operação expressa pela linha (1) no que resulta

a expressão do item “o celular” na posição de [Spec-CP] onde o Caso nominativo é checado.

Page 118: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

100

(TONIETTE, 2013:66)

b. Qual dente o Miguel nasceu?

c. Qual pneu o carro furou?

Uma explicação para a gramaticalidade de sentenças como (164a), em minha

opinião, pode estar relacionada à noção semântica expressa entre o DP celular e o DP

bateria. O nosso conhecimento de mundo nos faz acessar a interpretação de que para

cada celular existe apenas uma bateria, assim é impossível gerar uma pergunta sobre

“qual a bateria do celular”. Por outro lado, sentenças como as expressas em (164b-c)

apresentam uma relação parte-todo em que é possível haver uma interpretação restritiva.

Em outras palavras, há respostas possíveis para as perguntas apresentadas em (164b-c),

como podemos verificar nos exemplos em (165). Há, entretanto, uma restrição para a

gramaticalidade de sentenças como (165): o QU, obrigatoriamente, é o tópico da

sentença.

(165) a. Qual dente o Miguel nasceu?

Resposta: O primeiro dente; a presa

b. Qual pneu o carro furou?

Resposta: O dianteiro esquerdo; o traseiro direito.

A agramaticalidade de (164a), portanto, não estaria relacionada às questões da

sintaxe, mas sim a semântica dos constituintes envolvidos na sentença. Nesse sentido, a

proposta de Toniette (2013) de que o DP [+possuidor] é alçado para a posição de [Spec-

CP] e não de [Spec-TP] apresenta um problema à medida que não recobre a estrutura de

outras sentenças.

Até este ponto, apresentei a proposta de Toniette (2013) para a posição para

onde o DP alçado é movido e a explicação de como se dá a concordância. Mas ainda

falta mencionar outra questão levantada pelo autor que é muito importante para a

discussão do tópico sujeito: como se dá a projeção dos dois DPs abaixo de VP? Em

síntese, como a derivação converge sem que a preposição “de” esteja presente e a noção

de posse ou parte-todo é expressa.

Para tratar da adjunção de dois DPs, Toniette (2013) e Munhoz e Naves (2012)

assumem a proposta de Avelar (2006) segundo a qual em construções como (156)

adjuntos adnominais como o expresso em “a bateria do celular” não podem ser tratados

Page 119: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

101

como PPs, visto que a preposição “de” só se concatena no componente morfonológico.

Dessa maneira, para que a derivação convirja, um adjunto adnominal como “o celular”

se concatena a “bateria” sem a presença da preposição e, posteriormente, sofre um

movimento para o complexo C-T onde satisfará os requisitos de EPP, como pode ser

visto na representação em (166b).

(166) a. O celular acabou a bateria.

b. [CP-TP Os celulares [T acabaram [VP acabar- [DP [D‟ a [NP bateria ] ] [DP os

celulares ] ] ]

(MUNHOZ E NAVES, 2012)

A proposta de inserção da preposição “de” no componente morfofonológico é

mais custosa do que a apresentada por Lunguinho (2006) em que há menos itens na

numeração e a relação de parte-todo é estabelecida a partir da ordem dos itens lexicais

na sentença. Por isso, assumo a proposta de Lunguinho (2006).

O último trabalho que trago para a discussão sobre o tópico sujeito é o de Kato

(2015). Neste trabalho, a autora assume os pressupostos da Teoria Gerativa em sua

versão Minimalista a fim de explicar como se deu a emergência do tópico sujeito no PB.

Kato (2015) retoma alguns resultados de pesquisas anteriores que apontam para

a perda do sujeito nulo referencial no português brasileiro. A autora mostra que há três

mudanças em curso na gramática do PB no período entre a segunda metade do século

XIX e a segunda metade do século XX: perda do sujeito nulo referencial, perda da

inversão livre e perda da subida longa do clítico.

No que concerne à primeira mudança, ou seja, a perda do sujeito nulo

referencial, Kato toma os resultados de Duarte (1993), Duarte (1995) e Duarte e Kato

(2014) e mostra que o sujeito nulo, como o expresso nas sentenças em (167), era a

estratégia preferencial do PB até a segunda metade do século XIX. Por outro lado, os

dados em (168), em que há sujeito pleno, representam a estratégia preferida pelo PB ao

longo do século XX.

(167) a. Quando ( )i te vi pela primeira vez, ( )i não sabia que ( )j eras viúva e rica.

(1845)

b. ( )i Falei ontem com seu tenente-coronéi e elei disse-me que ( )i havia de vir com

sinhá Dona Perpétua e com sinhá moça Rosinha. (1882)

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102

(KATO, 2015:8)

(168) a. Eu acho que eu passaria por causa da base que eu tinha.

b. Vocês dizem isso porque vocês são jovens.

c. Ela ficou solteira porque ela quis.

(KATO, 2015:8)

Os resultados de Duarte (1993) mostram que a perda do sujeito nulo ocorre em

todas as pessoas do discurso, sendo mais acentuada nos contextos em que há primeira e

segunda pessoa. Na terceira pessoa, entretanto, a frequência de uso do sujeito nulo ainda

é ao final do século XX maior do que a frequência de sujeito pleno, conforme pode ser

visto no gráfico 13.

Gráfico 13 Distribuição dos sujeitos de 1ª. 2ª. e 3ª. pessoa nulos

(Adaptado de Duarte, 1993:112-115)

Kato destaca também que além da mudança no preenchimento ou não da posição

do sujeito é possível destacar mais duas mudanças correlacionadas. A primeira,

destacada por Berlinck (1995), Kato e Tarallo (2003) e Kato et ali (2006) mostra que o

PB está perdendo a propriedade da inversão livre. Assim, conforme o gráfico 14, a

ordem VOS em sentenças declarativas com verbos transitivos apresentava na primeira

metade do século XVIII a frequência de 13%, enquanto ao final do século XX a

frequência de uso é de apenas 1%.

69%

79%83%

61%56%

32%

18%

97%

79%

71%

25%21% 20% 22%

83%

67% 66%72%

59%52% 55%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1845 1889 1919 1937 1955 1975 1992

Primeira pessoa Segunda pessoa Terceira pessoa

Page 121: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

103

Gráfico 14 VOS em declarativas com verbos transitivos diretos

(KATO, 2015:9)

Por fim, a autora destaca que a subida longa do clítico, no PB, também sofre

mudança na passagem do século XIX para o XX. Se no século XIX, segundo Pagotto

(1993) e Cyrino (1993) os clíticos subiam até um núcleo acima de TP ao final do século

XX, é categórico o uso do clítico abaixo de TP.

(169) a. João não me tinha cumprimentado. (século XIX)

b. João não tinha me cumprimentado (século XX)

Há dessa maneira uma mudança categórica, a perda da subida longa do clítico,

uma semicategórica, a perda da ordem VOS, conforme o gráfico 14, e por fim, o

preenchimento da posição de sujeito em que há contextos de resistência, especialmente,

na terceira pessoa.

Um dos contextos de resistência ao preenchimento da posição de sujeito no PB

é, justamente, a construção impessoal, como as expressas em (170). Kato (2015) destaca

que em gramáticas que estão passando por mudanças semelhantes às observadas no

Português Brasileiro, como, por exemplo, o espanhol dominicano, a posição do sujeito

em construções impessoais vem sendo preenchida por um expletivo pronominal

(Torobio, 1996), conforme os exemplos em (171).

13% 7% 4% 2% 2% 1% 0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

XVIII/1 XVIII/2 XIX/1 XIX/2 XX/1 XX/2

VOS

Page 122: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

104

(170) a. Øexpl Está querendo chover.

b. Øexpl Tem muitas mangas na Bahia.

c. Øexpl Parece que não tem açúcar.

(KATO & DUARTE, 2008)

(171) a. Ello quiere llover.

b. Ello parece que no hay azúcar.

(TORIBIO, 1996)

Entretanto, pesquisas recentes indicam que no PB também há construções com

um sujeito não referencial foneticamente realizado, justamente as construções de tópico

sujeito. Assim, na gramática do PB são possíveis elementos pessoais ocupando a

posição de sujeito, desde que haja o alçamento do locativo, (172a), o alçamento do

sujeito de completivas de verbos do tipo custar, (172b) ou ainda alçamento do

argumento interno de um DP ligado a um verbo inacusativo, (172c).

(172) a. Londresi tem prédios lindos [ ti ].

b. Elei custou [a ti sair de casa].

c. O carroi furou [o pneu [ ti ]]

A proposta de Kato (2015) é a de que construções como (172) não estão em

competição com as expressas em (173) em que a posição de sujeito não está preenchida,

visto que enquanto as primeiras são sentenças de leitura categórica31

, as segundas

apresentam uma leitura tética32

.

(173) a. Øexpl Tem prédios lindos em Londres.

b. Øexpl Custou pra ele sair de casa.

31

Segundo Kuroda (1972), a leitura categórica é aquela que apresenta dois atos cognitivos: um ato de

reconhecimento do que está sendo feito pelo sujeito e o outro ato de afirmar ou negar o que é expresso

pelo predicado acerca do sujeito.

Categorial judgment is assumed to consist of two separate acts, one the act of

recognition of that which is to be made the subject, and the other, the act of

affirming or denying what is expressed by the predicate about the subject.

(KURODA, 1972)

32

Segundo Kuroda (1972), leitura tética é aquela que descreve um evento, estado ou situação.

Page 123: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

105

c. Øexpl Furou o pneu do carro.

Segundo Kato (2015), no PB, quando há sentenças com verbo inacusativo em

que há ordem VS, a leitura do sujeito é sempre categórica. Por outro lado, em sentenças

com a ordem SV a leitura é tética. Brito (2000) ressalta que a perda de VS no português

brasileiro teria sido o gatilho para que, na fala, sentenças categóricas fossem expressas

por meio do redobro, tendo ficado as sentenças téticas restritas à ordem SV. Dessa

maneira, uma sentença como (174) apresentaria uma leitura categórica apesar de a

ordem de expressão do sujeito ser SV.

(174) O Pedro, ele acabou de telefonar. (categórica: PB)

(KATO, 2015:14)

A hipótese de Kato (2015) é a de que diante das mudanças na expressão da

ordem do português brasileiro, as sentenças em que há um expletivo nulo, como as

expressas em (170 e 173), continuariam a ter a leitura tética. Por outro lado, sentenças

como (172) em que há o alçamento de um adjunto adverbial, de um adjunto adnominal

ou de um sujeito da oração completiva “seriam inovações no domínio das sentenças

categóricas juntamente com as estruturas de redobro (KATO, 2015: 14).”

Em estruturas de redobro, Kato (2015) assume que quando houver um clítico

este aparece no início da derivação junto com o DP associado em uma configuração de

Big DP, conforme proposto por Kayne (2001). Observemos em (175) que há dois tipos

de estrutura de redobro. Em (175a), há um exemplo de redobro do clítico, enquanto em

(175b), há uma estrutura de deslocamento à esquerda. Os dois tipos de sentenças são

derivados em (176). Notemos que (176a) pode convergir em duas estruturas que estão

expressas, respectivamente, em (176 d-e).

(175) a. Le doy un libro a Juan.

b. A Juan le doy un libro.

(176) a. Doy un libro [Juan le]

b. [Juan le]i doy un libro ti

c. Juanj [tj le]i doy un libro ti

d. a Juanj [tj le]i doy un libro ti (Deslocamento à esquerda)

Page 124: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

106

e. [[tj le]i doy un libro ti]k a Juan tk (Redobro)

As construções de tópico sujeito teriam, na visão de Kato (2015), evoluído a

partir de estruturas como (176e) em que há redobro. O gatilho para a mudança teria

ligação com o paradigma de pronomes fracos do português brasileiro que permitiu que

os clíticos de terceira pessoa não fizessem mais parte da gramática. Como podemos

observar no quadro abaixo, enquanto no PE há clítico em todas as pessoas, no PB, não

há mais clíticos de terceira pessoa.

Quadro 12 Pronomes fracos no PE e no PB

(KATO, 2015:15)

Para Kato (2015), na derivação de uma construção de tópico sujeito, como (177),

o sujeito/tópico nasce no interior de um big DP, estando associado a um clítico nulo de

terceira pessoa que não tem Caso. O DP se move para [Spec-T] onde checa nominativo

e concordância (os traços-phi e o traço D), como pode ser visto na derivação em (178)

(177) O meu time faltou sorte

(178) a. [o meu time Ø] derivação do VP

b. [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] subida do verbo para T

c. faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] subida do clítico

d. Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP] EPP

e. [TP o meu time Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time Ø]DP]

FF: f. [TP o meu time Ø-faltou [VP faltou sorte [o meu time]DP]

Em uma sentença com tópico sujeito que envolve um possessivo, como (179),

duas hipóteses são possíveis segundo Kato. A primeira estrutura é a expressa em (180).

Observemos que há um possessivo nulo, tal qual o clítico nulo presente na derivação em

(178), uma sentença em que há um tópico sujeito com locativo.

(179) O Hamilton furou um pneu.

Acusativo Dativo Possessivo Locativo Acusativo Dativo Possessivo Locativo

Primeira pessoa ME ME MEU ME ME MEU

Segunda pessoa TE TE TEU TE TE TEU

Terceira pessoa O/LO LHE SEU/∅ ∅ ∅ ∅ SEU/∅ ∅

PE PB

Page 125: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

107

(180) a. [o Hamilton Ø]

b. furou um pneu [o Hamilton Ø] subida do possessivo

c. furou um Ø-pneu [ o Hamilton Ø] EPP

d. [TP O Hamilton furou um Ø-pneu [ o Hamilton Ø]]

Se na numeração da derivação houver um pronome possessivo, a sentença que

convergirá será (181). Observemos que neste caso é possível também a inserção da

preposição “de” na posição de [Spec-CP].

(181) (D)o Hamilton, furou um pneu seu.

3.4 Sintetizando

Como vimos nas duas seções anteriores, nas gramáticas do PB e do PE, há uma

série de construções de tópico marcado que podem ser sintetizadas de forma

comparativa com o quadro abaixo. Observemos que, nas duas gramáticas, há

construções de tópico marcado dos tipos anacoluto, topicalização, topicalização não

canônica e antitópico.

Quadro 13 Construções de tópico marcado no PB e no PE

Por outro lado, é preciso destacar que apesar de haver deslocamento à esquerda

nas duas gramáticas, como vimos, a estrutura sintática é distinta visto que no PB não há

deslocamento à esquerda clítico, enquanto no PE estruturas como (182) em que o tópico

é retomado por um clítico são gramaticais.

Construções PB PE

Anacoluto/Tópico pendente

Deslocação à esquerda de tópico pendente

Deslocação à esquerda clítica

Deslocamento à esquerda

Topicalização

Topicalização não canônica

Tópico sujeito

Antitópico

Page 126: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

108

(182) a. “...às pessoas, há-de-lhes fazer espécie como é que podemos tirar as

impressões.”

b. “...os gerentes, trata-os como se fossem míseros contínuos.”

(BRITO, DUARTE e MATOS, 2003:494)

A principal diferença entre as duas gramáticas, no tocante às construções de

tópico marcado, é o tópico sujeito que é gramatical no PB, mas conforme Costa

(2010)33

é agramatical no PE como pode ser visto nos exemplos em (183).

(183) a. *Essas casas batem sol.

b. *Os meus vizinhos morreram a mãe.

c. *As minhas duas árvores apodreceram a raiz.

(COSTA, 2010:134)

Costa (2010) ainda afirma que apesar do tópico sujeito não ser gramatical no PE

são gramaticais sentenças com topicalização selvagem/tópico pendente, como as

exemplificadas em (184).

(184) a. Essas casas, bate imenso sol.

b. Os meus vizinhos, morreu a mãe.

c. As minhas duas árvores, apodreceu a raiz.

d. O meu carro, furaram os pneus.

e. As minhas pernas, rachou a pele.

(COSTA, 2010:135)

Para Costa (2010), de forma crucial, a diferença nas gramáticas do PB e do PE

não está na forma de promoção do tópico, visto que “ambas recorrem a mecanismos

33

Costa (2010), em nota de rodapé, afirma ter encontrado em um site português uma ocorrência de

construção de tópico sujeito que está ilustrada em (i). Mas o autor reafirma que a construção é, na

interpretação dele, agramatical e que novos trabalhos precisam ser feitos para discussões futuras.

(i) “O meu carro avariou o elevador do vidro eléctrico”

http://foruns.pinkblue.com/Topic1729434-13-11.aspx

Page 127: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

109

sintáticos de anteposição do tópico para a periferia à esquerda da sentença. O que é

crucialmente diferente nas duas gramáticas é o sistema de concordância.” (COSTA,

2010:135). A diferença apontada por Costa pode ser explicada pela gramaticalidade no

PB de sentenças em que há concordância com o tópico em detrimento do PE em que

tais estruturas não são possíveis de serem realizadas.

É preciso salientar que a discussão apresentada nesse capítulo caracteriza o

tópico sujeito como mais um tipo de construção de tópico marcado presente na

gramática do português brasileiro. A singularidade desse tipo de construção, ressaltada

por Costa (2010) quando o autor observa os dados do PE, nos mostra que a explicação

para a sua origem não pode apenas estar atrelada à propriedade de alçamento de um

item lexical para uma posição mais à esquerda da sentença.

Aqui vale ressaltar a análise de Kato (2015), que trata a emergência do tópico

sujeito como o produto de uma mudança no sistema de clíticos do português brasileiro.

Como vimos no capítulo dois, a análise diacrônica mostra que a decadência da

construção de posse com o clítico lhe caminha junto com a emergência do tópico

sujeito. Há, dessa maneira, uma forte evidência, corroborada agora pela proposta de

Kato (2015), para apontar que a emergência do tópico sujeito tem relação com as

mudanças no sistema de posse do PB.

Resta ainda abordar a questão da influência bantu na emergência do tópico

sujeito. Como afirmei na introdução, trabalhos recentes têm relacionado a emergência

do tópico sujeito no PB ao contato do português do século XIX com as línguas africanas

que vieram para o Brasil durante o período escravocrata. No próximo capítulo, abordo

exatamente a relação entre essa influência e a emergência do tópico sujeito no PB.

Page 128: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

110

Capítulo 4: A origem do tópico-sujeito: uma questão do contato

linguístico com as línguas bantu?

Meu objetivo neste capítulo é discutir a hipótese de que o gatilho para a

emergência do tópico sujeito no Português Brasileiro é um tipo de construção específico

das línguas da família bantu34

trazidas para o Brasil pelos africanos escravizados.

Nessas construções um item com traço [+locativo] ou [+possessivo] estabelece uma

relação de concordância com o verbo. Antes de iniciar o capítulo, remeto o leitor ao fato

de que as línguas bantu, na verdade, “constituem-se de uma família de línguas, com

características comuns, faladas maioritariamente na África subequatorial, a sul de uma

linha divisória que vai desde os montes Camarões (África Ocidental) até a Foz do rio

Tana (África Oriental)”. (CHIMBUNTANE, 1991). A partir do mapa abaixo é possível

visualizar a região onde essa família de línguas é falada, especificamente, na área em

vermelho.

34

Há na literatura linguística uma discussão sobre como deve ser denominada a família de línguas bantu,

visto que são encontrados dois usos distintos para esse termo. O primeiro termo é “bantu”, uma forma não

variável em número e gênero. O segundo termo é “bantu” e, nesse caso, há variação em gênero e número

(bantu/bantu; bantu/bantu). Segundo Chimbutane (1991), a origem do termo “bantu” vem do proto-bantu.

Nessa língua, “ba-” seria o morfema de plural que se anexa ao nome “-ntu” que significa “pessoa”. Em

uma tradução literal, os primeiros autores a nomearem essa família de línguas, chamaram-na de “línguas

de pessoas”. Nesse sentido, o termo “bantu” já teria o morfema de plural “ba” e se tornaria redundante o

acréscimo do morfema “-s” de plural. Por outro lado, o uso da forma variável é defendido por aqueles que

alegam que o falante de português não interpreta “ba” como um prefixo marcador de plural.

Page 129: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

111

Figura 2 Mapa da região onde são faladas as línguas bantu na África

(Fonte: PETTER, 2015:55)

Este capítulo está organizado da seguinte forma: na primeira seção, apresento

uma breve discussão sobre os trabalhos em que o tópico sujeito é interpretado como

oriundo das construções de inversão locativa e concordância possessiva das línguas

bantu. Na seção seguinte, discorro sobre alguns argumentos extralinguísticos e

linguísticos utilizados para discutir a hipótese de que o gatilho para a emergência do

tópico sujeito no PB foi a influência das línguas bantu.

Page 130: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

112

4.2.1 Os contextos linguísticos em análise

Em primeiro lugar, cabe, nessa seção, apresentar o conceito de inversão locativa,

que corresponde a uma estrutura sintática em que constituintes com interpretação

locativa, em geral com a função sintática de adjuntos adverbiais, são estruturalmente

projetados na posição de sujeito. Em outras palavras, constituintes não argumentais são

projetados em uma posição argumental, tal como definem Avelar e Cyrino (2008:59).

A inversão locativa corresponde a casos em que constituintes

locativos, normalmente tidos como não argumentais, ocorrem

em uma posição da sentença que pode ser identificada como a

posição gramatical do sujeito. (AVELAR e CYRINO, 2008: 59)

O fenômeno da inversão locativa é encontrado em línguas não românicas, como

podemos ver no exemplo do inglês expresso em (185), em Línguas bantu como o

Chichewa, em (186), no espanhol, em (187), e no PB em (188). Em todos os casos, um

adjunto adverbial ou um complemento circunstancial ocupa a posição à direita do verbo,

que canonicamente é interpretada como a posição de sujeito. Além disso, é preciso

ressaltar que há um PP ocupando a posição de sujeito e que nesse tipo de construção,

nas línguas em questão, podem aparecer verbos transitivos e intransitivos.

(185) a. From such optical tricks arise all varieties of romanic hallucination.

“A partir de alguns truques ópticos surgem todas as variedades de alucinações

românicas.”

b. Out of the house came a tiny old lady.

“Para fora da casa veio uma pequena velha senhora.”

(LEVIN & RAPPAPORT HOVAV, 1995: 220-221)

(186) a. Ku – um –dzi ku –na –buer –á a -lendô –wo

17 -3 -vila SC17 –PAST -vieram -FV 2 –visitantes -os

“Para a vila vieram os visitantes”

(BRESNAN & KANERVA, 1989)

(187) a. ¿Qué pasó?

Page 131: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

113

En esta casa falta café.

(FERNANDEZ-SORIANO, 1999)

(188) a. Ele disse que naquela loja vende livros.

(AVELAR e CYRINO, 2008:56)

As propriedades da inversão locativa ora mencionadas fazem surgir uma

discussão sobre se de fato o locativo ocupa a posição de sujeito ou se ele está em uma

posição de tópico. Os argumentos para questionar o estatuto de sujeito dos sintagmas

locativos exemplificados em (185-188) passam pelo fato de (a) um PP está na posição

de sujeito; (b) verbos transitivos que têm como argumento externo um constituinte com

papel temático de [+agente] não o selecionarem; (iii) verbos inacusativos que são

monoargumentais terem [Spec-TP] preenchido por um DP; (iv) e, por fim, a questão da

concordância.

Avelar e Cyrino (2008), a partir de dados do PB, argumentam, a partir de quatro

propriedades sintáticas, em favor da análise de que o locativo é projetado na posição de

sujeito. O primeiro argumento está relacionado à propriedade de que, em contextos com

sujeito pós-verbal, o constituinte locativo é obrigatório, enquanto em casos de sujeitos

pré-verbais, a projeção do locativo é opcional, como pode ser verificado,

respectivamente, nos exemplos em (189) e (190).

(189) a. *(Naquele quarto) dormiu várias pessoas.

b. *(Naquela loja) vende todos os tipos de livro

(190) a. (Naquele quarto) várias pessoas dormiram.

b. (Naquela loja) todos os tipos de livro vendem.

(AVELAR e CYRINO, 2008:63)

Para os autores, a agramaticalidade de (189a-b), quando ocorre a ausência do

locativo e o sujeito é pós-verbal, decorre do fato do locativo ser o responsável por

satisfazer os requisitos de EPP da sentença. Assim, na sua ausência, há agramaticalidade

porque EPP não é satisfeito e a posição de [Spec-TP] não está preenchida.

O segundo argumento dos autores é oriundo das construções de hiper-alçamento

com verbo “parecer”. Nessas sentenças, o verbo “parecer” seleciona como argumento

Page 132: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

114

interno uma oração. Observemos em (191a) que há um sujeito na oração subordinada

que pode ser alçado para a posição de sujeito do verbo parecer como mostra a

comparação dos exemplos (191a-b). Construções como (191b) são classificadas como

de hiper-alçamento do sujeito.

(191) a. [IP [øexpl] Parece [CP que [IP as pessoas não sonham]]].

b. [IP As pessoasi parecem [CP que [TopP ti [IP Øi não sonham]]]]

(HENRIQUES, 2013:13)

Segundo Avelar e Cyrino, em construções com alçamento do sujeito que

envolvem o PP locativo como nas sentenças em (192-195), o locativo deve ocorrer em

uma posição pré-verbal caso o sujeito canônico da sentença permaneça posposto. Dessa

forma, os autores defendem que “os locativos funcionam da mesma forma que sujeitos

nominais quanto à obrigatoriedade de serem movidos para [Spec,TP] em construções de

alçamento.” (AVELAR e CYRINO, 2008: 63). Portanto, para os autores, do mesmo

modo que nas sentenças expressas em (190), em que a projeção do locativo para a

posição pré-verbal satisfaz o EPP, nas sentenças em (192-195) a projeção do locativo

para uma posição acima do verbo “parecer” também resulta na satisfação do EPP.

(192) a. * Parece na casa da Maria chegar muitas cartas.

b. Na casa da Maria parece chegar muitas cartas.

(193) a. * Parece naquele shopping trabalhar muita gente.

b. Naquele shopping parece trabalhar muita gente.

(194) a. * Parece naquela loja vender bastante sapato.

b. Naquela loja parece vender bastante sapato.

(195) a. * Não parece nas cidades do interior sequestrar tanto como nas grandes

capitais.

b. Nas cidades do interior não parece sequestrar tanto como nas grande capitais.

(AVELAR e CYRINO, 2008:63)

Page 133: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

115

Acredito que acerca do segundo argumento de Avelar e Cyrino é preciso fazer

menção ao fato de que a agramaticalidade das sentenças expressas em (a), para mim,

não está relacionada à presença de um expletivo nulo na posição de sujeito do verbo

“parecer”. Observemos nos exemplos em (196) que o locativo pode permanecer em uma

posição pós-verbal, ainda que o sujeito esteja posposto.

(196) a. Parece chegar muitas cartas na casa da Maria.

b. Parece trabalhar muita gente naquele shopping.

c. Parece vender bastante sapato naquela loja.

d. Não parece sequestrar tanto como nas grandes capitais, nas cidades do

interior.

Para mim, a agramaticalidade das sentenças expressas em (192a), (193a), (194a)

e (195a) é resultado do fato do português não permitir que constituintes sejam

topicalizados dentro de orações encaixadas não finitas. Raposo e Uriagereka (1996)

afirmam que em sentenças como (197) há agramaticalidade porque o objeto “esses

documentos” está topicalizado dentro da oração encaixada.

(197) *Vai ser difícil esses documentos, os tribunais aceitarem-nos.

Assim a agramaticalidade de (192a), (193a), (194a) e (195a) não teria relação

com o fato do PB precisar ter um sujeito expresso, ainda que este seja um PP. Pelo

contrário, teria relação com uma restrição nas possibilidades de topicalização dos

constituintes do PB.

O terceiro argumento tem relação com o estatuto de foco. A partir da observação

dos dados do espanhol de Fernandez-Soriano (1999) expressos em (198) e da

comparação destes com sentenças estruturalmente semelhantes no PB, como as

expressas em (199), os autores defendem que o PP locativo deve ocupar a posição de

sujeito e não uma posição periférica na sentença. Observemos os dados em (198-199) e,

posteriormente, a análise desenvolvida pelos autores.

(198) a. – ¿Qué pasa / pasó?

b. – En esta casa falta cafe.

– En esta classe sobran estudiantes.

Page 134: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

116

– # Por la colina rodó el carrito del niño.

– # A esta casa llegaron estudiantes.

(AVELAR e CYRINO, 2008:64)

(199) a. – O que está acontecendo? / – O que aconteceu?

b. – Na casa da Maria chegou umas pessoas estranhas.

– Na casa da Maria dormiu umas pessoas estranhas.

– Naquela loja vendeu mais de cem pares de sapatos ontem.

– Na casa do João não está mais cozinhando aos finais de semana.

(AVELAR e CYRINO, 2008:64)

Segundo Fernandez-Soriano (1999), sentenças como (199a) podem ter como

resposta orações com os verbos monoargumentais “faltar” e “sobrar” em que a posição

imediatamente anteposta a esses é ocupada por um PP locativo. Por outro, há um

contraste com verbos também monoargumentais como “rodó” e “llegar” em que a

expressão do PP locativo anteposto ao verbo torna a sentença ruim. Segundo a autora, a

explicação para o contraste entre as respostas possíveis está no fato de que com os

verbos “faltar” e “sobrar” o PP locativo ocupa uma posição argumental, a posição de

sujeito, enquanto nas demais respostas o PP locativo ocupa a posição de tópico. Assim,

segundo Avelar e Cyrino (2008), o estatuto de foco é inteiramente satisfeito apenas nas

sentenças em que o PP locativo ocupa a posição de sujeito, podendo, portanto, serem

respostas para sentenças como “¿Qué pasa / pasó?”

Por fim, os autores mencionam um último argumento para tratar um PP locativo

como o constituinte que ocupa a posição de sujeito nas sentenças com inversão locativa.

Especificamente, construções transitivas ergativizadas, como as expressas em (200-

203). Observemos que nessas sentenças o PP locativo pode trocar de posição com o DP

com o papel temático de tema, conforme demonstra a comparação entre as sentenças em

(a) e (b).

(200) a. Naquela loja vende todas as edições do livro do Harry Potter.

b. Todas as edições do livro do Harry Potter vendem naquela loja.

(201) a. No meu DVD não grava filmes antigos.

b. Filmes antigos não gravam no meu DVD.

Page 135: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

117

(202) a. Naquela fotocopiadora não xeroca os livros novos da biblioteca.

b. Os livros novos da biblioteca não xerocam naquela fotocopiadora.

(203) a. Nas lojas do centro só conserta sapatos importados.

b. Sapatos importados só consertam nas lojas do centro.

Ainda acerca da inversão locativa, Avelar e Galves (2013) mostram uma série de

dados retirados de blogs da internet em que há um locativo anteposto ao verbo, mas sem

a presença da preposição, como pode ser visto nos exemplos em (204). A proposta dos

autores é a de que, assim como nas construções com PP locativo, sentenças como as

expressas em (204) também apresentem um locativo na posição de sujeito, satisfazendo

os requisitos de EPP.

(204) a. “algumas concessionárias tão caindo o preço”

O preço [do carro] tá caindo em algumas concessionárias.

(Retirado http://forum.carrosderua.com.br/index.php?showtopic=122656)

b. “algumas folhas apareceram uma mancha amarelada e pouco rugada”

Uma mancha amarelada e pouco rugada apareceu em algumas folhas da

orquídea.

(Retirado http://www.orquidea.bio.br/conteudo.asp?c=15)

Mais do que simplesmente uma inversão locativa, Avelar e Galves (2013)

defendem que os casos expressos em (204) correspondem, na verdade, a evidências de

que o PB admite a concordância locativa independente da presença ou ausência de um

PP.

“Ao contrário da tendência observada entre as línguas indo-

europeias, no PB, termos com interpretação locativa (quase

sempre interpretados como tópicos sentenciais) que não

equivalem a um sujeito lógico (ou semântico) do verbo podem

concordar com a flexão verbal.” (AVELAR e GALVES,

2013:108)

Page 136: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

118

Do mesmo modo, Avelar e Galves (2013) defendem que há no PB a chamada

concordância com possessivo o que permite a essa gramática ter construções como as

expressas em (205). Observemos que as sentenças com concordância possessiva têm a

mesma estrutura das sentenças de tópico sujeito genitivo, ou seja, são construções que

envolvem as seguintes propriedades: ocorrem apenas com verbos inacusativos; há o

movimento de um sintagma adjunto para a posição de sujeito; há concordância entre

este sintagma e o verbo.

(205) a. “Não sou muito fã dessas calotas que ficam aparecendo a roda”

Paráfrase: “ ...a roda dessas calotas fica aparecendo.”

(Retirado de: www.clubepeugeot.com)

b. “as paredes tão caindo o reboco e o dinheiro mau da para pagar a conta”

Paráfrase: O reboco das paredes tá caindo.

(Retirado de: http://inforum.insite.com.br/68758/11157674.html)

(AVELAR e GALVES, 2013:117)

Avelar e Galves definem a concordância com possessivo da seguinte forma:

“Nessas construções, o sintagma que concorda com a flexão

verbal equivale semanticamente a um termo adnominal

preposicionado interpretado como possuidor.” (AVELAR e

GALVES, 2013:116)

Na verdade, as duas definições apresentadas, ou seja, a da concordância locativa

e da concordância possessiva, vão em direção à proposta de Avelar (2006) em que o

autor defende que em construções como (204-205) ainda que não haja a expressão

fonética de uma preposição, esta integra a derivação da sentença. A preposição estaria

abaixo de spell-out, no componente morfofonológico e, por isso, não é expressa

foneticamente. Assim, essas construções têm os mesmos itens na numeração de

construções como as expressas em (206-207).

(206) a. Fica aparecendo a roda dessas calotas.

b. Estão caindo o reboco das paredes.

Page 137: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

119

(207) a. Uma mancha amarelada e pouco rugada apareceu em algumas folhas da

orquídea.

b. O preço [do carro] tá caindo em algumas concessionárias

Avelar e Cyrino (2008), Avelar e Galves (2013) e Avelar (2015) defendem que a

origem das construções de inversão locativa e concordância possessiva no PB está

relacionada ao contato do português do século XIX, falado no Brasil, com as línguas

africanas da família bantu. Vejamos alguns dos exemplos, em (208-209), das

construções que seriam o gatilho para a emergência do tópico sujeito no PB.

A observação dos exemplos em (208-209) revela uma estrutura sintática que é

completamente distinta da sintaxe das línguas românicas. Refiro-me à sintaxe das

classes nominais35

que na glosa de (208a-c) é representada pelos números. Observemos

que cada um desses números corresponde a um prefixo expresso na sentença em língua

bantu, os quais de acordo com Ngunga (2000) indicam que o vocábulo pertence a uma

classe nominal específica que é delimitada a partir de critérios semânticos, morfológicos

e sintáticos. No que concerne a (208), há duas classes nominais em destaque, 17 e 18

que correspondem às classes em que se enquadram vocábulos com a semântica de

locativos. Especificamente, no quadro proposto por Ngunga (2000), a classe 17 é

composta por locativos com significado diretivo, enquanto a classe 18 é integrada por

locativos que indicam interioridade. Ainda em relação às classes nominais, observemos

que o prefixo da classe nominal a qual pertence o DP anteposto ao verbo está também

presente no verbo, estabelecendo com ele uma relação de concordância.

(208) OTJIHERERO

a. mò-ngàndá mw-á-hìtí òvá-ndú

18-9.house C18-PAST-enter 2-people

„Into the house/home entered (the) peoples‟

PB: Na casa entraram as pessoas.

(MARTEN, 2006: 98 apud AVELAR e GALVES, 2013:110)

35

Segundo Ngunga (2000), Bleek (1862) foi o primeiro a perceber que os prefixos das Línguas bantu

se anexam a bases nominais específicas. Assim, há prefixos que se adjungem a nomes de plantas e outros

a nomes de objetos. Às classes as quais os prefixos se anexam foi dado o nome de classes nominais que

são definidas por Ngunga (2000) como “o conjunto de nomes com o mesmo prefixo e/ou o mesmo padrão

de concordância.

Page 138: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

120

SETSWANA (Demuth & Mmusi 1997: p. 8)

b. Kó-Maúng gó-tlá-ya roná maríga

17-Maung 17SM-FUT-go 1pDM winter

„To Maung we shall go in winter.‟

PB: „Para Maung iremos no inverno.‟

(DEMUTH & MMUSI, 1997: 8 apud AVELAR e GALVES, 2013:111)

KINANDE (Baker 2003: exemplo 25)

c. Omo-mulongo mw-a-hik-a (?o-)mu-kali

LOC.18-village 18S-T-arrive-FV (AUG)-CL1-woman.1

„At the village arrived a woman‟

PB: Na aldeia chegou uma mulher

(BAKER, 2003 apud AVELAR e GALVES, 2013:111)

(209) a. CHICHEWA (Simango 2007: exemplo 23)

Mavuto a-na-f-a maso

Mavuto SM-PST-die-FV eyes

„Mavuto became blind‟ (Lit. „Mavuto died eyes‟)

PB: Mavuto morreu os olhos

(SIMANGO, 2007 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)

b. HAIA (Hyman 1977 apud Simango 2007: exemplo 24)

Omwaana n-aa-shaash’ omutwe

child PR-he-ache head

„The child has a headache‟ (Lit. „The child is aching the head‟)

PB: A criança está doendo a cabeça.

(HYMAN, 1977 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)

c. SWAHILI (Keach & Rochemont 1994: p. 83)

mtoto a-li-funik-wa miguu

1child 1-PST-cover-PASS 4legs

„The child‟ legs were covered‟ (Lit. „The child was covered the legs‟)

PB: A criança foi coberta as pernas

Page 139: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

121

(KEACH & ROCHEMONT, 1994 apud AVELAR e GALVES, 2013:113)

Segundo Avelar e Galves (2013), nas sentenças em (209) há concordância com o

possessivo. Entretanto, observemos que a glosa das sentenças em (209) não permite

identificar se realmente há concordância entre o DP [+possuidor] e o verbo finito, visto

que não há a indicação das respectivas classes nominais. Sintaticamente, a partir das

traduções, é possível afirmar que em (209a-b) há sentenças com verbos inacusativos –

“morrer” e “doer” - em que o DP [+possuidor] ocupa a posição de sujeito. Por outro

lado, a sentença em (209c) é uma passiva analítica, apresentando um verbo transitivo

direto e, consequentemente, uma estrutura sintática distinta da expressa em (209b-c).

A fim de explicar como as estruturas sintáticas expressas em (208-209) podem

ter sido o gatilho para a emergência do tópico sujeito, Avelar e Cyrino (2008), a partir

de Roberts (2007), defendem que dados linguísticos primários com baixa transparência

podem acarretar em mudanças gramaticais. Nesse sentido situações de intenso contato

translinguístico possibilitam que os falantes durante o processo de

aquisição/aprendizagem de uma L2, ao usarem essa nova língua, façam uso de uma

estrutura sintática mais próxima àquela que pertence a sua língua materna.

A hipótese de Avelar e Cyrino é a de que, na fase de aquisição da linguagem, as

crianças brasileiras, tinham, no século XIX, contato com o PE e com as Línguas bantu.

Dessa maneira, poderiam atribuir duas estruturas sintáticas distintas para uma sentença

como (210a). Na primeira estrutura, representada em (210b) - a derivação do PE -

observemos que há duas operações ocorrendo: mover e concatenar. Assim, o PP

“naquela loja” é concatenado em uma posição mais periférica na sentença, enquanto a

posição de sujeito, [Spec-TP], é ocupada por uma categoria vazia do tipo pro a qual se

move de [Spec-vP], para só depois se concatenar em [Spec-TP]. Por outro lado, na

derivação expressa em (210c) - aquela que representa o português L2 de falantes de

Línguas bantu - não há a operação “mover”, mas apenas a concatenação do PP “naquela

loja” em [Spec-TP] e a satisfação do EPP, visto que nas Línguas bantu são gramaticais

sentenças em que um PP locativo ocupe a posição de sujeito. Se a hipótese de Avelar e

Cyrino (2008) estiver correta, a opção dos falantes pela derivação expressa em (210c)

teria ocorrido por ser esta uma estrutura que requer menos operações sintáticas, sendo,

portanto, mais econômica.

(210) a. Naquela loja vende livros

Page 140: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

122

b. Português Europeu

Naquela loja vende livros

TP 3 PP TP 4 3 Naquela proi T‟

Loja 3 T vP 4 ti vende livros

c. Português falado como segunda língua

por falantes nativos de línguas Bantu

Naquela loja vende livros

TP

3

PP T‟

4 3

Naquela T vP

4

Vende livros

(Retirado de AVELAR e CYRINO, 2008:67)

O mesmo raciocínio, por hipótese, poderia ser utilizado para explicar a

emergência das construções com concordância possessiva. Observemos que em (211b),

assim como em (210b), são processadas duas operações sintáticas: o movimento e a

concatenação de um pro de [Spec-vP] até [Spec-TP] e a concatenação do DP “o carro”

em uma posição periférica. Já na derivação expressa em (211c), que é semelhante a

(210c), só ocorre a concatenação do DP “o carro” na posição de sujeito, [Spec-TP].

(211) a. O carro furou o pneu.

Page 141: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

123

b. Derivação no PE

TP

3

DP TP

O carro 3

proi T‟

3

T vP

4

Furou o pneu ti

c. Derivação no português L2 de falantes

de Línguas bantu

TP

3

O carro T‟

3

T vP

4

Furou o pneu

Há que se destacar que existe uma diferença importante entre as derivações

expressas em (210) e (211). Enquanto em (210) há um PP foneticamente expresso, em

(211), superficialmente há um DP na posição de sujeito. Entretanto, nos dois casos, a

gramática do PE só admite tais sentenças se o DP ou PP estiver em uma posição

periférica na sentença, atuando, portanto, como um tópico e não como o sujeito.

Observemos, por exemplo, que em sentenças como (212) em que há o verbo parecer no

português europeu o DP “as crianças” estabelece uma relação de concordância com o

verbo da oração completiva e não com o verbo “parecer”. Em outras palavras, o

alçamento do DP “as crianças” se dá para a posição de [Spec-CP] e não para [Spec-TP]

do verbo “parecer”, como podemos ver nas derivações em (213).

(212) As crianças parece brincarem.

Page 142: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

124

(213) a. CP

3

DP TP

As criançasi 3

T‟

3

T vP

parece 4

as criançasi brincarem

b. * TP

3

As crianças T‟

3

T vP

parece 4

brincarem

4.1 A questão do contato linguístico na emergência do PB

Após cinco séculos de contato entre as línguas indígenas, africanas, indo-

europeias no território do Brasil é preciso observar com atenção, quando se objetiva

estudar as origens do português brasileiro, em que medida as línguas dos povos que

vieram para a América portuguesa contribuíram na sua formação. Ao mesmo tempo,

para traçar esse paralelo, é preciso fazer menção não apenas aos dados linguísticos, mas

também aos fatos sócio-históricos que possam estar interligados.

Diversos trabalhos têm mostrado diferenças entre as gramáticas do Português

Brasileiro e do Português Europeu. Tessyier (1997), por exemplo, indaga sobre como é

possível explicar as particularidades do Português do Brasil em relação ao Português

Europeu. Para Mattos e Silva (2006), a fim de responder a indagação de Tessyier é

preciso o reconhecimento de que “a história brasileira é muito recente e a consciência da

transplantação do português europeu para o que veio a ser o Brasil está presente por

muitos lados. [...] assim como, é preciso reconhecer as variantes do português brasileiro,

presentes no território nacional (MATTOS e SILVA, 2006: 222)”. Para Castro (2006), é

necessário também discutir a influência das línguas africanas no português europeu,

bem como a intensidade dessa influência na formação da gramática do português

brasileiro. Do mesmo modo, é preciso não renegar a importância das línguas indígenas.

Castro (2006) indaga sobre o que teria acontecido com as línguas negro-

africanas que foram faladas durante o período de escravidão no Brasil. Afinal, por

longos três séculos seus falantes foram numericamente superiores ao de portugueses.

Page 143: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

125

Petter e Cunha (2015) afirmam que entre 1502 e 1860 aproximadamente 3.600.000

africanos desembarcaram no Brasil em quatro grandes ciclos que são divididos

conforme o quadro abaixo:

Quadro 14 Os grandes ciclos de chegada de escravos africanos no Brasil

(Fonte: PETTER e CUNHA, 2015:222)

É importante ressaltar que o final de um ciclo não implica que tenha sido

interrompido em 100% o transporte de africanos escravizados de uma região. Esse fato

é relevante porque a política de distribuição dos escravos implantada pelos portugueses

tinha como premissa proporcionar que grupos étnicos distintos fossem levados para as

mesmas capitanias (PETTER, 2006; BONVINI, 2008). O grande número de

escravizados proporcionou a chegada de um elevado número de línguas africanas ao

Brasil. Para Bonvini (2008), as regiões de onde provêm os escravos permitem afirmar

que as línguas “importadas” tinham origem em duas grandes áreas: a área oeste-africana

e a área austral, conforme pode ser visto no mapa a seguir.

Figura 3 Principais rotas do tráfico transatlântico

XVI XVII XVIII XIX

Sudaneses

Congo

Angola

Baía do Benim

Moçambique

Page 144: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

126

(Fonte: PETTER & CUNHA, 2015:224)

A área oeste-africana onde estão Guiné Bissau, São Jorge da Mina, São João da

Ajuda e Lagos foi de onde veio o maior número de línguas. Estas pertenciam a três

troncos linguísticos: nigero-congolês, afro-asiático e Nilo-saariana. É preciso ressaltar

que o tronco Nigero-congolês também se faz presente na área austral de onde vieram

escravos que falavam línguas da família bantu. No quadro 15, é possível perceber a

distribuição das famílias linguísticas nas duas grandes áreas do território africano.

Quadro 15 Famílias e troncos linguísticos africanos trazidos para o Brasil

(Fonte: PETTER & CUNHA, 2015:222-223)

Dada a complexidade das relações que podem ser estabelecidas entre as línguas

africanas, bem como o difícil trabalho de remontar o quadro dessas línguas que foram

trazidas para o Brasil e as suas distribuições no vasto território brasileiro, é preciso uma

atenção especial a todo o contexto sócio-histórico quando se propõe que a gênese de

uma construção do português brasileiro está em um processo de transferências de traços

das línguas africanas.

Outro problema que precisa ser destacado é a datação dos dados que estão sendo

veiculados como fontes de evidência empírica. Os dados que vimos na seção anterior,

apesar de não datados, devem recobrir o período histórico do final do século XX e início

do século XXI. Entretanto, quando falamos de processos escravocratas estamos nos

referindo a um contexto de intenso contato linguístico, de aquisição de L2 decorrido

entre os séculos XVI e XIX. Conforme destacam Petter e Cunha (2015), é muito

Nígero-congolês Afro-asiático Nilo-saariana

Atlântica

Mandê

Gur

Cua [Kwa]

Ijoide

Defóide

Edóide

Nupóide

Iboide

Cross-river

Chadica

Saariana

Área Austral Banto

Área oeste-africana

Page 145: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

127

complexo comparar a partir dos parcos documentos manuscritos que foram produzidos

as línguas faladas atualmente e no passado.

“É complexo interpretar documentos de quase três séculos, visto

que não se pode comparar o conjunto de línguas faladas

atualmente na região com as línguas representadas no

manuscrito, pois aquelas se transformaram no espaço e no

tempo e além do mais não exercem a função veicular que a

língua geral de uma mina exercia.”

(PETTER &CUNHA, 2015:228)

Dito isso é preciso observar os argumentos extralinguísticos adotados para

considerar a relevância das línguas dos escravos na formação do tópico sujeito do PB.

4.2 A hipótese da influência bantu na emergência das construções de

tópico sujeito

4.2.1 Argumentos extralinguísticos

O principal argumento extralinguístico levantado por Avelar e Galves (2013)

para defender que as construções que envolvem a concordância locativa e possessiva

emergem no PB via influência bantu tem relação com a demografia brasileira durante os

períodos colonial e imperial. Nesses dois períodos históricos, as porcentagens da

população brasileira, considerando as etnias que habitavam o seu território, indicam um

quadro em que os indígenas desde o início do século XVII não constituem a maior parte

da população e que, principalmente, ao longo do tempo, a presença dos africanos

escravizados foi se tornando mais massiva.

Segundo Avelar e Galves, o fato de os indígenas já no início do século XVII

corresponderem a 10% da população brasileira, chegando a atingir apenas 2% no final

do século XIX, é uma evidência de que eles tiveram pouca força para “implementar e

difundir inovações gramaticais” (AVELAR e GALVES, 2013:120). Por outro lado, os

africanos e afrodescendentes correspondem desde o século XVII a mais da metade da

população brasileira, tendo, portanto, “mais força” para implementar e difundir

inovações gramaticais oriundas das suas línguas maternas. Consideremos a tabela

abaixo.

Page 146: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

128

Tabela 16 Demografia da população brasileira por etnia (1583-1890)

(MUSSA, 1991 apud AVELAR e GALVES, 2013)

Conforme apontam Avelar e Galves (2013), Mattos e Silva (2002) já tratava da

importância do contato com as línguas africanas na formação do PB. Indiscutivelmente,

os argumentos da autora também seguiam a linha da demografia populacional e

acrescentavam questões relacionadas ao fato de essas línguas africanas serem os

substratos que serviam de base para o aprendizado da língua do povo dominador: o

português. Dessa maneira, Avelar e Galves (2013) defendem que um peso maior seja

atribuído aos africanos e afrodescendentes na difusão de mudanças linguísticas.

O contexto de contato linguístico, aliado à necessidade de aprender a língua do

povo dominador, assim como a não sistematização dessa língua que era aprendida sem

nenhum processo de ensino regular propiciaram, segundo Avelar e Galves (2013:122),

“a transferência de matrizes oracionais das línguas nativas dos africanos (a

concordância locativa e a concordância possessiva)36

para a língua (e suas variedades)

que ia sendo adquirida pelos nascidos no Brasil”.

Acredito que, para tratar de uma possível influência bantu no PB, como fazem

Avelar e Galves (2013), é preciso fazer indagações acerca das etnias que compunham a

população brasileira no período colonial e imperial. Em linhas gerais, a tabela 1

evidencia que, na sociedade brasileira colonial e imperial, há três grandes períodos, que

marcam a dispersão dos principais grupos étnicos que constituem a população

brasileira: 1583-1600, 1601-1800, 1801-1890. Observemos que o primeiro período é

aquele em que prevalece a população indígena; enquanto no segundo período, a maior

parte da população é formada por africanos ou escravos já nascidos no Brasil; e,

finalmente, um último período, em que predomina a população mestiça e branca.

36

Grifo meu

1583-1600 1601-1700 1701-1800 1801-1850 1851-1890

Africanos 20% 30% 20% 12% 2%

Negros Brasileiros 0% 20% 21% 19% 13%

Mulatos 0% 10% 19% 34% 42%

Brancos Brasileiros 0% 5% 10% 17% 24%

Europeus 30% 25% 22% 14% 17%

Índios integrados 50% 10% 8% 4% 2%

Page 147: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

129

Em princípio, a primeira observação que pode ser feita é a de que as línguas

indígenas tiveram pouco espaço e tempo para influenciar significativamente o PB como

afirmam Avelar e Galves (2013). Ainda assim, é inegável a formação de uma língua

geral de base tupi que contribuiu significativamente para a formação do PB. O período

em que os indígenas constituem a maior parte da população além de curto corresponde a

um espaço temporal em que a colonização ainda era muito incipiente e poucos

portugueses tinham imigrado para o Brasil. Prevaleciam as línguas indígenas, mas a

disseminação da língua portuguesa já era feita por meio do trabalho dos padres jesuítas.

Ainda nesse primeiro período, os portugueses ampliaram o processo de escravização

dos africanos que nessa primeira fase correspondem a 20% da população em território

brasileiro, conforme a tabela 16.

O segundo período é aquele em que a colonização do território brasileiro já

ganhou força e dada a baixa densidade demográfica da população portuguesa, o número

de escravos é constantemente ampliado, principalmente, com o objetivo de trabalho nas

lavouras e, posteriormente, no ciclo do Our. Nesse período – 1601 a 1800 -, a população

africana cresce muito e, por consequência, também o número de negros escravizados já

nascidos no Brasil. Se no primeiro período destacado, os índices demográficos não

permitem apontar para uma forte influência indígena na formação de uma língua

brasileira, não se pode dizer o mesmo do segundo período para os africanos. Entre 1601

e 1800, aproximadamente metade da população residente no Brasil era formada por

negros escravizados. A segunda fase – 1601 a 1800 – traz uma importante questão para

a discussão desse trabalho: o número de línguas que foram levadas para o Brasil. que

pode ser visto na Figura 437

.

37

Apresento na Figura 4 um mapa linguístico da África no período moderno. Entretanto, sei que este não

é exatamente o padrão que deveria existir no século XIX, principalmente, porque muitos dos Estados

ainda não existiam e, sem dúvida alguma, muitas línguas foram extintas durante o processo de

colonização desse continente. Na verdade, tomo o mapa expresso na figura 2 como uma fonte de síntese

da diversidade linguística presente no continente africano.

Page 148: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

130

Figura 4 Mapa Linguístico da África moderna

(Fonte: PETTER, 2015:55)

Segundo Nina Rodrigues (2010), é preciso mencionar também que os grupos

étnicos foram distribuídos ao longo da costa brasileira de uma maneira desigual. Havia

áreas onde predominavam escravos de origem bantu, enquanto em outras havia misturas

de grupos étnicos, mas também áreas onde predominavam grupos etnolinguísticos não

bantu. Segundo Nina Rodrigues (2010), havia no Brasil uma grande massa de

escravizados de diversas regiões da África, conforme a Figura 5. Na verdade, Angola,

Moçambique, Congo, Regalo, Angico e Gabão eram as principais origens dos escravos

de Pernambuco. Na Bahia, praticamente não havia escravo bantu e predominavam os

Page 149: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

131

escravos oriundos do Sudão, enquanto no Rio de Janeiro predominavam os escravos

vindos do Congo, Moçambique, Angola, entre outros, especialmente, os do grupo bantu.

Figura 5 Regiões da África de onde os escravos foram levados para o Brasil, considerando o destino final do

escravo.

A afirmação de Nina Rodrigues (2010) revela um ponto de vista que precisa ser

observado com especial atenção quando pensamos em propor que uma dada construção

tenha emergido no PB como uma transferência ou interferência das Línguas bantu. O

fato é que a infinidade de línguas levadas ao Brasil nos navios negreiros, ainda que

pertencentes, majoritariamente, à mesma família linguística, sem dúvida alguma se

constituem como gramáticas distintas. Em outras palavras, é muito difícil assumir que

dentro do conjunto de Línguas bantu uma construção específica tenha sido

“transferida/interferido” diretamente para/na gramática do emergente PB.

Soma-se à infinidade de línguas que desembarcaram no Brasil colonial e

imperial a questão de que mediante essa pequena torre de babel, os africanos

escravizados passaram a fazer uso na comunicação entre eles de uma língua franca que

no Sul do Brasil foi o Kimbundo, enquanto no Norte, especialmente, na região da

Bahia, foi o Iorubá. Ou seja, o escravo ao chegar ao Brasil, se não tivesse como língua

materna o kimbundo ou o iorubá precisava além de aprender o português, para se

comunicar minimamente com os seus senhores, aprender também o kimbundo ou o

iorubá para se comunicar com os membros do grupo escravizado.

Page 150: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

132

Destarte, ao desembarcar no Brasil, o negro novo era obrigado a

aprender o português para falar com os senhores brancos, com

os mestiços e os negros crioulos e a língua geral para se

entender com os parceiros ou companheiros de escravidão.

(NINA RODRIGUES, 2010:132)

Nesse sentido, em muitos casos, a língua geral entre os escravos era aprendida

como uma L2 ou L3 o que torna ainda mais complicada a assunção de que houve uma

transferência direta do tópico sujeito das Línguas bantu para o PB, pois, em processos

de aprendizado de línguas não maternas, principalmente, nos casos em que não há um

ensino direcionado e os dados de input são completamente descontínuos é presumível

que o aprendizado de certas construções demandará um longo período de tempo e pode,

em geral, não atingir um nível de fluência alto. Em outras palavras, o africano

escravizado aprendendo o PB como segunda língua, ou até terceira, tenderia a fazer

transferências da sua língua materna. Além disso, a não ser que a sintaxe do português

já admitisse tal construção, o processo de disseminação do tópico sujeito na sociedade

não escravizada sofreria imensa resistência devido a ser esta uma construção marcada

por ser oriunda do falar negro. Não parece ter sido esse o processo sócio histórico que

ocorreu na disseminação do tópico sujeito na gramática do PB.

4.3 O tópico sujeito no português em África: uma contribuição para a

hipótese da não influência bantu

Além das questões sócio históricas já mencionadas, vale aqui ressaltar os dados

de tópico sujeito em variedades africanas do português que foram encontrados em

buscas on-line, buscas no CRPC, bem como observados em falas espontâneas. Estes

dados foram apresentados no primeiro capítulo, quando descrevi as construções de

tópico sujeito. Naquele momento, mostrei que a estrutura sintática das sentenças que

retomo em (214-218) é a mesma que podemos observar nos dados de tópico sujeito do

português brasileiro: há dois tipos de posse: inalienável ou meronímica; há mudança na

grade argumental; o DP [+possuidor] checa o Caso Nominativo; o papel temático do DP

[+possuidor] é [+afetado/beneficiário]; o verbo é inacusativo; o predicado indica

mudança de estado; há constituintes descontínuos; e há DPs [+inanimado] e [+animado]

na função de sujeito.

Page 151: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

133

(214) a. Pensado e feito o amigão quebrou uma das pernas. Ao que nos obriga o

álcool. (CRPC, Angola)

b. Benicio Del Toro, que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por Traffic

quebrou o pulso ao cair mal. (CRPC, Angola)

c. Depois o barbeiro encarava o aleijado e era como os seus sonhos quebrasse as

asas e tombasse naquela areia. (CRPC, Angola)

(215) a. tou aqui na feira do Hulene, machimbombo furou pneu (Fala Espontânea,

Moçambique38

)

b. O piloto quebrou a clavícula, fraturou o crânio e sofreu duas paradas

cardíacas. "Foi uma fatalidade. Estou muito triste".39

(Busca online,

Moçambique)

(216) a. sim, por exemplo, há até, há alguns, por exemplo, há algumas espécies raras,

dizem que, que, que devem ser apanhadas logo ao sair do casulo. Porque senão

perdem, eh, as borboletas quebram as asas e então, eh, perdem qualidade.

(CRPC, Cabo Verde)

(217) a. A acácia murchou as pétalas (CRPC, Guiné Bissau)

(218) a. A lambreta Damião furou o pneu.40

(Busca online, São Tomé e Príncipe)

b. Um dia, o céu caiu no mar todas as estrelas41

(Busca online, São Tomé e

Príncipe)

c. Eu dantes trabalhava num bar, da minha irmã, xxxx depois caí parti o braço,

desisti de lá trabalhar (VAPOR42

, São Tomé e Príncipe)

38

Este dado foi fornecido, gentilmente, pela professora Perpétua Gonçalves em conversa pessoal. 39

Retirado do site:

http://www.cofirve.org/site/s001/pagina.php?pagina=pag_noticiasVer.php&id=1267&idt=23

40

Retirado do site:

http://siga.st/futebol/internacional/info/513277/a-lambreta-damiao-furou-o-pneu

41

Retirado do site http://st-pt.qazgames.com/1486/

42

Registro meu agradecimento ao professor Tjerk Hagemeijer por gentilmente ter me cedido a amostra de

São Tomé e Príncipe do projeto Variedades do Português (VARPOR)

Page 152: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

134

Dado que a estrutura sintática do tópico sujeito é a mesma encontrada no

português brasileiro e nas variedades africanas do português cabe aqui um

questionamento sobre as zonas etnolinguísticas em que esses dados foram encontrados.

Por hipótese se o tópico sujeito emerge no português brasileiro por influência bantu, ele

não deveria ser encontrado em variedades africanas do português que não têm contato

com essa família de línguas.

Entretanto, ao observar os mapas a seguir, notemos, em um primeiro momento, a

localização de Angola e Moçambique: ambos os países estão na região Niger congo B

onde predominam as línguas da família bantu. No que concerne à Guiné Bissau,

observemos que se encontra na área onde predominam as famílias linguísticas do grupo

Niger Congo A, ou seja, em uma área não bantu. Especificamente, em relação aos dois

países lusófonos insulares, é preciso salientar que o processo de colonização fez com

que línguas do grupo bantu fossem levadas para essa região e disseminadas em alguns

pontos específicos dos respectivos territórios.

Figura 1 Localização dos países lusófonos na África

(Fonte: http://www.linguaportuguesa.ufrn.br/

Acessado em 27 de Novembro de 2015.)

Figura 2 Mapa Linguístico da África

(Fonte: http://image.slidesharecdn.com/aulafrica

Acessado em 27 de Novembro de 2015)

Por outro lado, em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, há o predomínio de

línguas crioulas em detrimento das línguas bantu. Segundo Hagemeijer (2013), os

Page 153: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

135

crioulos são as línguas maternas da maior parte da população de São Tomé e Príncipe e

Cabo Verde. Além da porcentagem da população que fala as línguas crioulas é

necessário observar que essas línguas têm substratos distintos. Dessa forma, como é

possível perceber no quadro 16, em Cabo Verde e em Guiné Bissau, emergiram línguas

crioulas que não têm como substrato línguas da família bantu, mas sim do grupo Niger

congo A que, geograficamente, está localizado na Alta Guiné, como pode ser visto no

mapa acima. Já os crioulos falados em São Tomé e Príncipe têm línguas bantu como a

fonte de substrato.

Quadro 16 Crioulos de base lexical portuguesa falados na África, considerando os respectivos substratos

Portanto, a análise dos mapas permite afirmar que as regiões mais propícias à

emergência do tópico sujeito via influência bantu seriam Angola e Moçambique, visto

que é justamente na região onde os países estão localizados que predominam as línguas

bantu. Do mesmo modo, São Tomé e Príncipe tem crioulos com substrato bantu e o

tópico sujeito poderia aparecer nessa região. Por outro lado, a emergência dessa

construção em Guiné-Bissau e em Cabo Verde, onde não há contato com as línguas

bantu é mais uma forte evidência de que a explicação para a origem do tópico sujeito

não pode estar somente na influência bantu. Se assim o fosse, não haveria tópico sujeito

em Guiné Bissau e Cabo Verde.

Crioulos do Golfo da Guiné (Substrato Banto)

Crioulos de Sotavento Crioulos de Barlavento

Brava Boa vista Kriol São Tomense (Forro)

Fogo Sal Principiense (Lunguye)

Santiago São Nicolau Angolar

Maio São Vicente Fa d'ambu

Santo Antão

Crioulos de São Tomé e Príncipe

Crioulos da Alta Guiné (Substrato não Banto)

Crioulos de Cabo VerdeCrioulos de Guiné Bissau

Page 154: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

136

Capítulo 5: O tópico sujeito como um caso de mudança

linguística: a reanálise

Nos capítulos anteriores, descrevi o tópico sujeito, que envolve o alçamento de

um DP [+possuidor], como um caso de posse externa. Em seguida, mostrei que

construções de posse externa são encontradas na gramática do português em sentenças

que envolvem o clítico dativo “lhe”, expressando a noção semântica de posse. A partir

de uma análise quantitativa, também mostrei que o tópico sujeito emerge no PB nos

mesmos contextos em que o clítico “lhe” era, até o século XIX, a estratégia preferencial

para expressar a relação de posse. É preciso ressaltar que a diminuição na frequência de

uso do clítico “lhe”, no PB, muito tem a ver com a reorganização do sistema de posse,

bem como com a diminuição na frequência de uso de clíticos nessa gramática.

No capítulo que ora inicio, discutirei como se deu a mudança linguística que

permite a emergência da construção de tópico sujeito que envolve um DP [+possuidor]

na posição de sujeito. Para tanto, o capítulo está organizado da seguinte forma: na

primeira seção, trato da estrutura formal da relação de posse expressa pelo clítico “lhe”

e de como se deu a diminuição na sua frequência de uso. Na segunda seção, abordo a

relação entre a estrutura de posse com o clítico e a emergência do tópico sujeito.

5.1 A posse externa com o clítico lhe: estrutura e decadência da

construção.

Antes de discutir a estrutura e os fenômenos linguísticos que licenciam a

diminuição na frequência de uso do clítico lhe indicando posse, é preciso mencionar de

forma breve a estrutura do sintagma nominal que adotarei ao longo do capítulo. A

importância do sintagma nominal se dá porque farei uso da perspectiva de que a relação

de posse, mesmo em construções de posse externa, é expressa, inicialmente, dentro do

DP pós-verbal. Nesse sentido, a projeção do DP [+possuidor] em uma relação direta

com o predicador verbal se dá por meio de operações de movimento e concatenação.

Chomsky (1981) em seu já célebre trabalho que norteia a Teoria de Princípios e

Parâmetros defende que os sintagmas nominais - (NPs) - são projeções máximas de um

núcleo lexical - (N). Nessa visão mais tradicional de Princípios e Parâmetros, um

sintagma nominal é sintaticamente estruturado, de acordo com X‟, como nas estruturas

Page 155: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

137

arbóreas expressas em (219). Observemos que são possíveis quatro estruturas para um

NP, mas que, em síntese, é possível dizer que um núcleo N pode se combinar ou não

com um complemento, (219a-b), formando a projeção N‟. A projeção N‟ pode se

combinar a adjuntos como em (219c-d) na forma de PP ou AdjP. E, por fim, N‟ se

combina com um especificador e origina a projeção máxima NP.

(219) a. NP

3

D N‟

g

N

b. NP

3

D N‟

3

N NP/PP

c. NP

3

D N‟

3

N‟ PP

g 4

N

d. . NP

3

D N‟

3

N‟ AdjP

g 4

N

Observemos em (220) algumas derivações de acordo com o modelo X‟ na

tradicional versão da Teoria de Princípios e Parâmetros. Em (220a), há a derivação do

sintagma “o celular”, nessa construção não há complementos e nem adjuntos. Por outro

lado, em (220b), ocorre a projeção de uma posição para o complemento, visto ser este

um sintagma que tem como núcleo um nome deverbal e que, portanto, sempre projetará

uma posição de complemento. Nos sintagmas expressos em (220c-d), há a projeção de

adjuntos que podem vir sob a forma PP, como em (220c), ou de AdjP, como em (220d).

Observemos ainda que como o núcleo do sintagma é o nome – N - resta ao determinante

a posição de [Spec-NP].

Page 156: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

138

(220) a. O celular

NP

3

D N‟

o g

N

celular

b. A destruição da cidade

NP

3

D N‟

a 3

N PP

destruição 4

da cidade

c. A bateria do celular

NP

3

D N‟

a 3

N‟ PP

g 4

N do celular

bateria

d. O celular caro

NP

3

D N‟

o 3

N‟ AdjP

g 4

N caro

celular

Essa proposta inicial de Princípios e Parâmetros para o NP motivou uma série de

trabalhos que, seguindo a linha de raciocínio proposta por Chomsky (1970),

argumentam que a estrutura de um NP não é restrita aos núcleos projetados em (219-

220). Pelo contrário, os NPs têm uma estrutura sintática semelhante à sentença

(SZABOLCSI, 1983, 1987; ABNEY, 1987; LONGOBARDI, 1996). Ou seja, por meio

da observação de dados linguísticos é possível mostrar que há projeções funcionais

entre a projeção máxima e o núcleo.

Uma das linhas de trabalhos que têm seguido o caminho de propor que há

projeções funcionais em um sintagma nominal é a chamada hipótese do DP que é

amplamente defendida na literatura (SZABOLCSI, 1983, 1987; ABNEY, 1987;

Page 157: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

139

LONGOBARDI, 1996). Segundo essa hipótese, o NP, na verdade, está inserido em um

DP. Nesse sentido, não é o N o núcleo dessa projeção funcional, mas sim o D. Assim, a

nova representação arbórea é a expressa em (221). Essa proposta torna possível a

projeção de categorias como NumP, nP, PersP, GenP, entre o D e o N, aproximando

assim a sintaxe dos nomes à sintaxe da sentença, como pode ser visto na representação

expressa em (222).

(221) DP 3 Spec D‟ 3 D NP

o 3

Spec N‟ 3 N Comp celular

(222) DP 3 Spec D‟ 3 D NumP 3 Spec Num‟ 3 Num nP 3 Spec n‟ 3 n NP 3 Spec N‟ 3 N Comp

Uma das vantagens na utilização de uma estrutura como a expressa em (222) é

poder dar conta de casos como as sentenças em (223), do italiano, que não seriam

contemplados com a sintaxe expressa em (219-220). Observemos que em (223a) há dois

Page 158: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

140

itens lexicais antecedendo o nome “casa”, especificamente, o artigo “la” e o pronome

possessivo “mia”. Em uma sintaxe como a expressa em (219-220), a derivação de

(223a) apresentaria um problema, pois só há uma posição disponível para dois itens

lexicais: a posição de determinante do NP. A solução proposta pelo modelo tradicional

de Princípios e Parâmetros é assumir que um possessivo anteposto ao nome, no italiano,

funciona como um clítico ao núcleo do sintagma (LONGOBARDI, 1996).

(223) a. La mia casa è più bella della tua

PB: minha casa é mais bonita que a tua

b. Casa mia è più bella della tua

PB: casa minha é mais bonita que a tua

c. *Mia casa è più bella della tua

PB: minha casa é mais bonita que a tua

(Retirado de LONGOBARDI, 1996)

Nesse sentido a sentença em (223a) é contemplada pela representação sintática

expressa em (219-220). Em outras palavras, para derivá-la não é necessário pressupor

uma sintaxe do NP paralela à sintaxe da sentença. Entretanto, em (223b), o pronome

possessivo, “mia”, encontra-se posposto ao nome, como expressa a derivação em

(224a). Observemos em (224a) que na versão tradicional não seria possível derivar

“casa mia” porque o pronome possessivo encontra-se posposto, portanto, em posição de

núcleo do NP, função que não lhe cabe.

Por outro lado, em uma derivação como (224b), que toma a hipótese do DP,

observemos que o nome “casa” se concatena, primeiramente, na posição de núcleo do

NP, passa pela operação de mover, se concatenando, novamente no núcleo de D. No que

concerne ao pronome possessivo, notemos que ele “nasce” na posição de [Spec-NP] que

é ocupada pelos determinantes. Assim, a derivação converge porque há uma posição

sintática disponível acima da projeção máxima NP para onde o nome “casa” pode se

mover, gerando a ordem “casa mia”.

A verdade é que (224b) consegue explicar o porquê da hipótese do DP ser mais

vantajosa do que a defendida na visão tradicional de Princípios e Parâmetros: a

vantagem está na projeção de um núcleo acima de NP que permite movimentos dentro

do sintagma determinante. Entretanto, (224b) ainda não explica o porquê de se defender

a projeção de outros núcleos funcionais entre o N e o D.

Page 159: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

141

(224) a. Casa mia

NP

3

D N‟

casa g

N

mia

b. Casa mia

DP 3 D‟ 3 casai NP

| 3 | mia N‟

| 3 | casai

|_______|

O dado linguístico que evidencia a necessidade de projeção de núcleos entre D e

N é o expresso em (223c). Observemos que a anteposição do pronome possessivo “mia”

sem a realização do artigo torna a sentença agramatical, por outro lado, se o artigo

estiver presente como em (223a) a derivação converge, pois o artigo ocupa a posição de

D. A sentença expressa em (223c) revela que, no italiano, um pronome possessivo não

pode ocupar a posição D. Observemos em (225a) que a posição de D não está

preenchida porque não há um artigo, entretanto, a realização do possessivo nesta

posição é agramatical. Assim, o que podemos assumir é que para que a derivação

convirja, conforme (225b), é necessário que o pronome possessivo ocupe uma posição

entre os dois núcleos, D e N. Essa posição pode ser PossP, como proposto por Cinque

(1994).

Page 160: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

142

(225) a. * Mia casa

DP 3 Spec D‟ 3 D NP

*mia 3

Spec N‟ 3 N Comp

casa

b. La mia casa

DP 3 Spec D‟ 3 D PossP

la 3 Spec Poss‟ 3 Poss NP

mia 3

Spec N‟ 3 N Comp

casa

Conforme ressaltei no início dessa seção, a discussão sobre a estrutura do

sintagma nominal se faz necessária em virtude de esta tese tratar de um tipo de posse.

Assim, mediante as representações aqui expostas – a tradicional derivação de Princípios

e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) e a hipótese do DP (ABNEY, 1987) – tomo no

desenvolvimento desta tese a hipótese do DP, visto que para a proposta de análise é

fundamental a projeção de núcleos funcionais entre D e N.

5.2 A derivação do tópico sujeito

Nesta nova seção, meu objetivo é derivar a construção de posse externa do

português brasileiro em que há o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de

sujeito: o tópico sujeito. Para tanto, tomo as propostas de Andrade e Galves (2014), bem

como os pressupostos teóricos de Den Dikken (2006) no que concerne, especificamente,

ao núcleo funcional RP (Relational phrase).

Antes de apresentar os pressupostos teóricos de Den Dikken (2006), cabe

relembrar duas importantes restrições das construções de tópico sujeito. Ao longo dos

capítulos anteriores, vimos que o objeto de estudo dessa tese não pode ocorrer quando

há posse alienável, como pode ser visto nos exemplos agramaticais apresentados em

(226). Além disso, não há tópico sujeito com verbo inergativo ou transitivo, como pode

ser visto nos exemplos em (227).

Page 161: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

143

(226) a. *Essa mesa quebrou o pote

b. * O João pifou o carro

(ANDRADE e GALVES, 2014: 128)

(227) a. * [Essa escola]i trabalha [o funcionário ec i ]θext [todos os dias].

b. * [Esse rapaz] i encontrou [a menina]θext [o carro eci ]θint.

(ANDRADE e GALVES, 2014: 127)

Apresentadas as características em (226) e (227) é preciso retomar o fato de que

o tópico sujeito só ocorre quando há posse inalienável ou meronímica, portanto, quando

ocorre a expressão de uma relação de parte todo, conforme os exemplos em (228). Bem

como, sua gramaticalidade está restrita às sentenças com verbos inacusativos43

.

(228) a. Deixa pra la. Voce estava ótimo. Viu aquele gordao com a mulher com fuça

de lagartixa? Quase que [posse inalienável]o filho da puta rachou o bico de tanto rir. A

lagartixa ria escondendo a cara. (Peça de teatro: Balada de um palhaço, Plínio

Marcos, 1935)

b. É impressionante como [posse meronímica]a música caiu o nível hoje em dia. Você

ouve uma coisa contundente como essa, bem elaborada e tem essas porcarias

hoje em dia. (Peça de teatro, Cabra Cega, Aloísio Villar, 1977)

Dada a importância do traço de inalienabilidade para as construções de tópico

sujeito é preciso pressupor uma análise que considere a estrutura sintática da posse

inalienável. Para Chappel e McGregor (1999), nesse tipo de estrutura há a exigência de

que ocorram duas entidades relacionadas. Assim, estabelece-se uma relação de parte-

todo que não pode ser semanticamente desfeita. Nesse sentido, no que concerne à

43

Munhoz (2011) argumenta que as construções de tópico sujeito no português brasileiro ocorrem apenas

quando há verbo inacusativo que admita alternância causativa. De fato, em sentenças como (i), é possível

que o agente da ação seja expresso, conforme pode ser visto em (226b). Entretanto, há na amostra dessa

tese sentenças de tópico sujeito com o verbo inacusativo “cair” em que a projeção do sintagma agentivo

torna a construção agramatical, como pode ser visto em (227). Por isso, opto, nessa tese, por assumir que

os verbos inacusativos como um todo podem gerar uma construção de tópico sujeito, desde que haja a

expressão da posse inalienável.

(i) a. O carro furou o pneu.

b. O prego furou o pneu do carro.

(ii) É impressionante como [posse meronímica]a música caiu o nível hoje em dia.

Page 162: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

144

sintaxe, é preciso propor uma relação de predicação entre os DPs [+possuidor] e

[+possuído]. Andrade e Galves (2014), Alexiadou (2013), entre outros, defendem que

uma estrutura de posse inalienável é codificada como uma small clause que tem o DP

[+possuidor] e o DP [+possuído] como constituintes.

A evidência para a análise que considera haver na posse inalienável uma small

clause é apresentada por Alexiadou (2003). O autor observa dados de posse, (229), no

grego moderno, e mostra que existem dois tipos de estruturas sintáticas. Em (229a),

uma sentença com posse alienável, vemos que o DP [+possuidor] checa Caso Genitivo,

assim como o determinante que o acompanha, mas que o DP [+possuído] checa o Caso

acusativo, bem como o seu determinante. Por outro lado, em (229b), uma construção

com posse inalienável, o DP [+possuidor] e o DP [+possuído] checam o mesmo Caso:

acusativo. A checagem do mesmo Caso em (229b) indica que há na posse inalienável

uma relação de predicação, estruturalmente expressa por uma small clause.

(229) a. pira to vivlio tu Niku

Levei.1SG o.ACC livro.ACC o.GEN Niko.GEN

PB “Eu levei o livro do Niko”

b. piga s-tin akri to potami

Fui.1SG para-a beira.ACC do.ACC rio.ACC

PB: „Eu fui para a beira do rio”

(ALEXIADOU, 2003: 174)

Outra evidência para afirmar que construções com posse inalienável apresentam

uma small clause é apresentada por Hornstein, Rosen e Uriagereka (2002). Os autores

observam que uma sentença como (230) é ambígua entre duas leituras que estão

expressas em (231). Na primeira, (231a), há uma relação de parte-todo, enquanto na

segunda, (231b), há uma relação de continência, isto é, o motor Ford-T está contido no

carro.

(230) There is a Ford T engine in my Saab.

(231) a. My saab has a Ford T engine.

PB: Meu saab tem um motor ForD-T

Page 163: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

145

b. (Located) In my saab is a Ford T engine.

PB: (Locativo) No meu saab está um motor Ford-T

(HORNSTEIN, ROSEN, e URIAGEREKA, 2002: 179)

A ambiguidade sintática atribuída pelos autores só pode ser o reflexo de duas

derivações distintas. Em (231a), podemos dizer que há uma relação de parte-todo em

que ocorre uma small clause. Por outro lado, em (231b), também há uma small clause,

mas há a expressão de uma relação espacial.

Segundo Muromatsu (1997), a ambiguidade verificada no inglês não é percebida

no japonês, visto que há uma diferenciação morfológica entre o tópico e o sujeito da

sentença. Observemos em (232a) que a partícula “wa” marca que o DP ao qual está

adjungida funciona como o tópico da sentença, enquanto “ga” se concatena ao item que

checa Nominativo.

(232) a. kuruma wa enzin ga aru.

CarroTOP motor NOM Ser/Estar

PB: „No carro está um motor‟

b. enzin ga kuruma ni aru.

Motor NOM carro no ser/estar

PB: Um motor está no carro

Diante das evidências apresentadas anteriormente posso assumir que a posição

em que nasce o DP sujeito das construções de tópico sujeito é interna a uma small

clause, visto que essa é a derivação de sentenças com posse inalienável. Um DP como o

expresso em (233a) pode ser derivado como em (233b).

Page 164: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

146

(233) a. A bateria do celular

b. DP

3

SC

3

DP NP

4 g

O celular N‟

g

N

A bateria

Observemos, entretanto, que a representação proposta em (233) não consegue

capturar o Caso que precisa ser checado pelo DP [+possuidor], visto que não há a

projeção de [Poss-P]. Em uma estrutura de posse alienável, por outro lado, em que não

ocorre a projeção de uma small clause, o Caso genitivo é checado pelo núcleo funcional

[Poss-P], como em (234b), ou pelo PP onde se concatena a preposição “de” marcadora

de Caso genitivo no português, conforme (234d).

(234) a. carro do pai

b. DP

3

Poss-P

3

DP NP

4 g

O pai N‟

g

N

O carro

c. pote da mesa

d. DP

3

NP

3

PP NP

4 g

Da mesa N‟

g

N

O pote

Page 165: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

147

Nesse sentido é preciso propor uma operação sintática que dê conta de resolver o

problema da checagem do Caso quando há posse inalienável, por conseguinte, quando

ocorre a projeção de uma small clause. Den Dikken (2006) propõe que nesse tipo de

construção há um núcleo funcional que tem a função de intermediar a relação entre os

elementos, formando um predicado secundário, como expresso em (235). Observemos

em (235) que o autor não estipula uma posição fixa para o sujeito ou para o predicado,

pressupondo que pode ocorrer a chamada inversão predicativa (DEN DIKKEN, 2010).

(235) RP (small clause)

3

NPsujeito/NPpredicado R‟

3

R NPsujeito/NPpredicado

Conforme discutido no capítulo três, nas construções de tópico sujeito, o DP

[+possuidor] c-comanda o DP [+possuído]. A evidência para essa afirmação está nas

sentenças com quantificador flutuantes que retomo em (236). Observemos que, em

(236a), “todos os carros” que possui a relação semântica de “todo” é alçado para a

posição de sujeito. Em (236b), o quantificador flutuante “todos” fica in situ. Ele está

abaixo de VP, mas acima do DP que tem a relação semântica de “parte”. Nessa

sentença, apenas o DP “carro” é alçado para a posição de sujeito e assim como em

(236a) também é uma sentença gramatical.

A única sentença agramatical é apresentada em (236c). Observemos que o DP

“parte” está abaixo do quantificador flutuante e essa estrutura torna a sentença

agramatical. Há, então, uma evidência para dizermos que o DP [+possuidor] precisa c-

comandar o DP [+possuído]. Assim, a estrutura do RP em construções de posse

inalienável é a expressa em (237)

(236) a. Todos os carros furaram o pneu dianteiro.

b. Os carros furaram todos o pneu dianteiro.

c. *Os carros furaram o pneu dianteiro todos.

(LUNGUINHO, 2006:142)

Page 166: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

148

(237) RP (small clause)

3

DP R‟

[+possuidor] 3

R DP

[+possuído]

A projeção do DP [+possuidor] em [Spec-RP] tem por consequência o fato de

este DP ocupar a borda da fase. Por questões de localidade, como sabemos, somente

itens que ocupam a borda da fase podem ser movidos para fora do DP. Assim, temos

mais uma justificativa para a agramaticalidade de sentenças em que o DP [+possuído] é

alçado para a posição de sujeito como em (238).

(238) *Os pneus dianteiros furaram todos os carros.

Dessa maneira, a derivação possível na small clause de uma sentença com tópico

sujeito é a expressa em (240b). Notemos que o núcleo R está vazio. Isto ocorre porque,

segundo Den Dikken (2006), o núcleo de R só pode ser lexicalizado sob a forma de uma

preposição. Como vimos, logo no primeiro capítulo, uma das características do tópico

sujeito é a expressão de uma relação de posse em uma estrutura de [DP+DP], ou seja,

sem um elemento que garanta a checagem do Caso que tornará visível o papel temático

de [+possuidor].

(240) a. O celular acabou a bateria.

b. RP (small clause)

3

DP R‟

o Celular 3

R DP

4

A bateria

Page 167: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

149

Dado que já exploramos a sintaxe da small clause é preciso passarmos a

observar como ocorre o alçamento do DP [+possuidor] para a posição de [Spec-TP] de

uma sentença com verbo inacusativo. Aqui, cabem serem ressaltadas três características

importantes: (i) o movimento de um DP só pode ocorrer para que traços discursivos ou

sintáticos sejam valorados; (ii) é preciso dar conta de explicar como o papel temático de

possuidor torna-se visível; (iii) ainda não foi explicado qual o Caso checado pelos DPs

na small clause.

Na posse externa, o item com papel temático [+possuidor] se comporta como

uma categoria vazia do tipo anáfora. Essa é a mesma perspectiva adotada por Floripi e

Nunes (2009) para estruturas de posse inalienável, como a expressa em (241). Segundo

os autores, a característica que evidencia ser a categoria vazia de (241) um caso de

anáfora é que esta só pode encontrar o seu antecedente na sentença. Além disso, como

pode ser verificado nos dados em (242), há restrições, típicas de anáforas, que estão

presentes em construções de posse externa: localidade, ou seja, o referente da categoria

vazia de modo obrigatório deve se encontrar na mesma oração que, c-comanda-o.

Observemos que em (242a) a restrição quanto à localidade faz com que apesar

de existirem dois DPs disponíveis na sentença como possíveis antecedentes da categoria

vazia dentro da oração encaixada, a única leitura gramatical é aquela em que o

antecedente está no domínio da oração encaixada. Por outro lado, (242b) é um exemplo

em que o c-comando restringe o possível antecedente, visto que o PP “do João” não c-

comanda a categoria vazia. Por outro lado, esta categoria vazia é c-comandada pelo DP

“o amigo do João” que se torna assim o seu antecedente.

(241) O Joãoi conversou com o pai [-]i

(242) a. [A Marcela]i disse que [o André]k ligou para o amigo [-]k/*i

b. [O amigo [do João]i]k telefonou para a mãe [-]k/*i

Florippi e Nunes (2009) além de classificarem o possuidor nulo de (241-242)

como exemplos de anáforas se preocupam em caracterizar a categoria vazia em termos

de traços, portanto movimento, ou de uma categoria vazia do tipo PRO. Observemos em

(242a) que a única interpretação possível para a categoria vazia é a de que o seu

antecedente seja o DP “o João”. Uma propriedade chama a atenção na sentença (242): a

categoria vazia se encontra em um contexto de ilha que, portanto, impede que haja um

movimento e que esta seja preenchida apenas por traços. Nesse sentido a explicação

Page 168: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

150

para a categoria vazia expressa em (243) é que haja um PRO, ou em outras palavras, um

pronome resumptivo nulo, como pode ser visto em (243)

(243) a. [O João]i disse que o irmão [-] i/*k vai viajar.

b. [O João]i disse que o irmão PROi/*k vai viajar

Um problema que surge com a análise em (243b), segundo os autores, é a

atribuição de Caso. Em geral, se assume que a preposição “de” é a atribuidora de Caso

genitivo, entretanto, em construções como (243) a presença de uma categoria vazia do

tipo PRO produz uma leitura em que não há a realização da preposição e, portanto, não

há a categoria gramatical capaz de atribuir o Caso.

Já tendo traçado o paralelo entre as duas construções do PB em que há posse

externa e o DP ocupa a posição de [Spec-TP] e já tendo também observado que há o

movimento e a concatenação do DP nesta posição, cabe retomar as três questões

anteriores: Por que ocorre o movimento? Qual o Caso checado pelos DPs? e, por fim,

Como é possível tornar visível o papel temático de [possuidor]?

Lembremos que no RP o núcleo R está vazio, pois não há uma preposição capaz

de checar o Caso genitivo. Esse fato não permite que o papel temático de [+possuidor]

seja visível. Nesse momento, é preciso retomar a estrutura sintática de um verbo

inacusativo. Nesse tipo de verbo monoargumental, o DP sujeito “nasce” na posição de

[Comp-VP]. Entretanto, a posição de argumento externo está disponível na sentença,

haja vista que é nela que o Caso Nominativo é encontrado. Observemos em uma

sentença como (244a), sintaticamente representada em (244b), que o DP “o celular”

nasce dentro do núcleo funcional RP, c-comandando o DP “a bateria”. Ele não tem o

Caso genitivo checado, por isso, é alçado para a posição de sujeito da sentença, onde

está o Caso Nominativo disponível pra ser checado. Ao checa-lo, o DP valora as

condições de visibilidade, tornando visível para FL (Fórmula lógica) o papel temático

de [+possuidor].

(244) a. O celular acabou a bateria.

Page 169: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

151

b. TP

3

DP T‟

O celulari 3

T VP

acabouj g

V‟

3

V RP

acabarj 3

DP R‟

o Celulari 3

R DP

4

A bateria

Cabe apresentar uma análise que explique o Caso checado por “a bateria”. Desde

Pontes (1987), sabemos que o Caso deste DP não é o acusativo. Afinal, o verbo dessa

sentença é inacusativo e, portanto, não há a seleção de um DP que cheque acusativo.

Entretanto, partindo da premissa de que a origem do DP “a bateria” ocorre dentro de

uma small clause, em que há um predicador nominal, cabe a este DP o mesmo Caso que

é checado pelo DP “o celular”, ou seja, o nominativo, visto que “a bateria” atua como o

predicativo da small clause.

Por fim, é preciso fazer menção a um tipo de construção gramatical no PB e

exemplificada em (245). Notemos que nessas sentenças, o DP [+possuidor] não ocupa a

posição de sujeito, mas sim a posição de tópico da sentença, estando [Spec-TP]

preenchida pelo DP [+possuído].

(245) a. O Danilo, a irmã morreu de tuberculose.

b. O celular, a bateria acabou.

c. O carro, o pneu furou.

Page 170: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

152

Em sentenças como (245) é preciso assumir que o DP [+possuidor] pode

também ser alçado para a posição de tópico. Se por um lado, o alçamento do DP

[+possuidor] para a posição de sujeito ocorre para a checagem do Caso, o alçamento

deste mesmo DP para a posição de tópico precisa estar relacionado à checagem de

traços discursivos.

Segundo Uriagereka (1995), na sintaxe das línguas naturais, há um núcleo

funcional responsável por codificar a estrutura de informação da sentença: F(Force)P.

Para este núcleo, são movidos os constituintes que codificam a estrutura de informação

da sentença: tópico, foco, ênfase e contraste. O movimento pode ocorrer de forma aberta

e, nesse contexto, o constituinte será superficializado em uma posição à esquerda do

sujeito, mas também pode se dar de forma coberta com o constituinte permanecendo in

situ.

“All I mean is this: F encodes point of view. The claim is that all

information theoretic operation need to be mediated throught a

point of view. That is, when emphasis appears in sentence,

someone is responsible for that emphasis. Old or new

information is old or new for someone. Even the usage of a

referring expression presuppose a speaker who assumes

responsibility for calling someone Smith‟s murderer or Jones,

and similar issues arise for deixis, anaphoras, etc.”

(URIAGEREKA, 1995:155)

Notemos que seguindo a proposta de Uriagereka (1995), em sentenças como

(246), o DP [+possuidor] deve ocupar uma posição mais alta: justamente, FP. Segundo

Mennuzi (2009), no que concerne às propriedades do tópico contrastivo, é preciso

ressaltar que eles respondem em discursos articulados a perguntas tópicas implícitas em

que há QU múltiplos. Observemos nos exemplos em (246) que as perguntas com “QU-

múltiplos” só podem ter como respostas uma estrutura em que um acento secundário

recaia sobre o constituinte que se encontra deslocado à esquerda de [Spec-TP]. Nesse

sentido, a informação nova ou foco está contida no DP [+possuído] que ocupa a posição

de sujeito.

(246) a. O que aconteceu dessa vez com o celular?

R: O celular, a bateria acabou.

b. O que aconteceu dessa vez com o carro?

R: O carro, o pneu furou.

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153

Dessa maneira uma representação para as sentenças respostas de (247) poderia

ser a expressa em (248).

(247) a. O celular acabou a bateria

(248) FP

3

DP F‟

O celulari 3

F TP

3

DP T‟

A bateriak 3

T VP

acabouj g

V‟

3

V RP

acabarj 3

DP R‟

o Celulari 3

R DP

4

A bateriak

Com a representação proposta em (248) é possível dar conta de explicar dois

tipos de construções em que há posse externa no português brasileiro: o tópico sujeito e

aquela em que o DP [+possuidor] é projetado na posição de [Spec-CP]. Acredito que o

fator que aproxima esses dois tipos de sentenças seja a necessidade de checagem de

traços em um novo tipo de construção de posse que emergiu no PB: a posse [DP+DP]

em que os itens [+possuídor] e [+possuído] estão justapostos.

Page 172: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

154

Conclusões

Os primeiros trabalhos a identificar a construção de tópico sujeito como genuína

do português brasileiro apresentavam uma abordagem funcionalista e a descreviam

como um tipo de tópico (PONTES, 1986 e 1987). Pontes afirmava que o item que ocupa

a posição anteposta ao verbo, nesse tipo de sentença, sofrera um processo de

gramaticalização, caracterizado pelo fato de que o tópico passara também a exercer a

função de sujeito.

Por uma abordagem que concebe a língua como uma gramática internalizada

(CHOMSKY, 1986, 1995, 2001) e que pressupõe a atuação de fatores sintáticos na

descrição das construções, como a que propus nessa tese, o tópico sujeito pode ser

caracterizado como um tipo de construção em que há posse externa. Além disso, se

caracteriza também pelo fato de que na numeração não há uma preposição capaz de

checar o Caso genitivo. Dessa maneira, a ausência da preposição torna necessário o

alçamento do DP [+possuidor] para uma posição em que o Caso possa ser checado e as

condições de visibilidade satisfeitas a fim de que o papel temático de [+possuidor] fique

visível. Nessa configuração, o DP [+possuidor] e o DP [+possuído] ocupam

constituintes sintáticos descontínuos, gerando a estrutura de posse externa.

Soma-se à descrição dos dados sincrônicos de tópico sujeito, uma análise

diacrônica quantitativa que mostra que os primeiros dados desse tipo de construção

foram encontrados em textos escritos por brasileiros nascidos no final do século XIX. A

partir dessa análise, foi possível afirmar que a emergência do tópico sujeito está

relacionada a uma mudança no paradigma pronominal do português brasileiro. A

construção de posse externa, que no início do século XIX era expressa por meio do

clítico dativo “lhe”, diminui a sua frequência de uso ao longo do tempo em virtude da

perda do sistema de clíticos de terceira pessoa do português brasileiro e passa a ser

expressa por meio do alçamento do DP [+possuidor] para a posição de sujeito.

As análises qualitativa e quantitativa me permitiram esboçar um novo olhar para

as construções de tópico sujeito. Sem dúvidas, já há ao fim do segundo capítulo um

direcionamento para explicar a origem desse tipo de sentença no PB. Mas era preciso

retomar a literatura desde os primeiros trabalhos de cunho funcionalista (PONTES,

1986, 1987) até os mais recentes que adotam uma perspectiva gerativista

(LUNGUINHO, 2006; MUNHOZ 2011; MUNHOZ E NAVES, 2012; AVELAR E

Page 173: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

155

CYRINO, 2008; AVELAR E GALVES, 2013; AVELAR, 2015; KATO, 2015;

ANDRADE E GALVES, 2015). Em síntese, dois caminhos de pesquisas têm sido

seguidos quando o assunto é o tópico sujeito. O primeiro destes caminhos busca

descrever essa construção a partir de suas propriedades morfossintáticas, bem como

caracterizá-la como mais um tipo de tópico do português brasileiro. Esses trabalhos de

modo geral apontam para o fato de que o tópico sujeito é uma evidência para tratar o

português brasileiro como uma língua voltada para o discurso. A questão, entretanto, é

que o objetivo desta tese não era discutir a proeminência discursiva da gramática do PB,

mas sim abordar a questão da origem do tópico sujeito. Por isso, no capítulo seguinte,

levantei uma série de questionamentos sobre as hipóteses já mencionadas acerca da

emergência desse tipo de construção, especificamente, aquela que faz referência à

influência bantu. Por fim, apresentei no último capítulo uma proposta de análise teórica

para o objeto de estudo dessa tese.

Dessa maneira posso dizer que essa tese contribui com mais uma análise que

descreve uma construção típica do português brasileiro. Em verdade, é preciso

mencionar que os resultados apontam para o fato de que a emergência do tópico sujeito

está relacionada à mudança no paradigma pronominal e que não há como até este

momento afirmar que esta mudança é diretamente relacionada ao contato com as línguas

africanas. No que concerne às evidências que apontam para uma mudança na sintaxe do

português, é preciso ressaltar que novas pesquisas são fundamentais para futuros

desdobramentos dessa tese. É importante olhar para as variedades africanas do

português a fim de verificar em que contextos estão sendo produzidos os dados de

tópico sujeito. Do mesmo modo cabe uma análise diacrônica de construções que

envolvem posse externa em que o DP [+possuidor] checa o Caso nominativo, mas o

verbo é transitivo, como em “Eu molhei a mão”. No que concerne ao tópico sujeito do

português brasileiro, é importante verificar a produtividade dessas sentenças em uma

análise quantitativa que pode ser feita por meio de buscas eletrônicas. Essa análise pode

permitir que tenhamos uma arquitetura das regiões do país em que o tópico sujeito é

produzido.

Page 174: construções de tópico sujeito: um caso de mudança na expressão ...

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