CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE? · Mesmo o conceito de construção sustentável...

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VII Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente Lisboa, 6 e 7 de Novembro de 2003 CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE ? CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE? Manuel Duarte Pinheiro 1 1 - Engenheiro do Ambiente, Prof. Auxiliar Convidado, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura / IST, Docente de Impactes Ambientais, Sistemas de Gestão Ambiental e Ambiente Urbano e Espaços Construídos. Director da IPA – Inovação e Projectos em Ambiente, Lda. ([email protected]) SUMÁRIO São apresentados nesta comunicação, os conceitos chaves de construção sustentável, os sistemas de avaliação desta tipologia de construção e especificam-se quais os mitos mais usuais, ilustrando a seguir a sua efectiva realidade. Palavras-chave: Construção sustentável, sistemas de avaliação da construção sustentável, Impacte Ambiental, Certificação. 1. INTRODUÇÃO - IMPACTES A indústria da construção, respondendo às necessidades sociais e económicas, cria e implanta infra-estruturas (estradas, barragens, linhas de caminho de ferro), zonas urbanas (Edifícios e Parques), promovendo o crescimento (representava na Europa em 1999 – OCDE, 2003 - 9,7 % do Produto Nacional Bruto e 7,5 % do emprego) e suporte os processos de desenvolvimento. As actividades da sua tipologia induzem também, em muitos casos, alterações substanciais no ambiente, incluindo impactes ambientais muito significativos. Em muitos casos, esses impactes, ou pelo menos parte deles, são de carácter negativo e afectam decisivamente o ambiente actual e futuro. A construção civil é uma actividade tendencialmente consumidora de recursos e em muitos casos com um impacte significativo no ambiente, embora procure crescentemente minimizar ou compensar os impactes negativos e valorizar os impactes positivos (CANTER, L., 1995, CARPENTER, T. 2001). Entre os sistemas construtivos, os edifícios são por vezes menos considerados, embora, em termos práticos, sejam neles que vivemos cerca de 80 % do nosso tempo. Associados ao seu ciclo de vida estão também elevados valores de utilização de energia, água, matérias- primas e produção de resíduos, entre outros. 2. CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL Ao longo dos tempos a sustentabilidade tem sido definida e procurada, embora a assunção da sua importância tenha vindo a ganhar destaque em termos internacionais sobretudo nos anos 90. Uma das definições mais comuns é a da antiga Primeiro-ministro da Noruega H. Brundtland: “assegurar os recursos suficientes para Worldwatch Institute & U.S. EPA Impacte Ambiental dos Edifícios (% EUA) Utilização de Energia Emissões Atmosféricas Matérias Primas Resíduos Sólidos Água Utilizada Efluentes Líquidos Uso do Solo Outras Libertações/ Emissões

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VII Congresso Nacional de Engenharia do Ambiente Lisboa, 6 e 7 de Novembro de 2003

CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE ?

CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE?

Manuel Duarte Pinheiro 1

1 - Engenheiro do Ambiente, Prof. Auxiliar Convidado, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura / IST, Docente de Impactes Ambientais, Sistemas de Gestão Ambiental e Ambiente Urbano e Espaços Construídos. Director da IPA – Inovação

e Projectos em Ambiente, Lda. ([email protected]) SUMÁRIO

São apresentados nesta comunicação, os conceitos chaves de construção sustentável, os sistemas de avaliação desta tipologia de construção e especificam-se quais os mitos mais usuais, ilustrando a seguir a sua efectiva realidade.

Palavras-chave: Construção sustentável, sistemas de avaliação da construção sustentável, Impacte Ambiental, Certificação.

1. INTRODUÇÃO - IMPACTES

A indústria da construção, respondendo às necessidades sociais e económicas, cria e implanta infra-estruturas (estradas, barragens, linhas de caminho de ferro), zonas urbanas (Edifícios e Parques), promovendo o crescimento (representava na Europa em 1999 – OCDE, 2003 - 9,7 % do Produto Nacional Bruto e 7,5 % do emprego) e suporte os processos de desenvolvimento. As actividades da sua tipologia induzem também, em muitos casos, alterações substanciais no ambiente, incluindo impactes ambientais muito significativos. Em muitos casos, esses impactes, ou pelo menos parte deles, são de carácter negativo e afectam decisivamente o ambiente actual e futuro.

A construção civil é uma actividade tendencialmente consumidora de recursos e em muitos casos com um impacte significativo no ambiente, embora procure crescentemente minimizar ou compensar os impactes negativos e valorizar os impactes positivos (CANTER, L., 1995, CARPENTER, T. 2001).

Entre os sistemas construtivos, os edifícios são por vezes menos considerados, embora, em termos práticos, sejam neles que vivemos cerca de 80 % do nosso tempo. Associados ao seu ciclo de vida estão também elevados valores de utilização de energia, água, matérias-primas e produção de resíduos, entre outros.

2. CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

Ao longo dos tempos a sustentabilidade tem sido definida e procurada, embora a assunção da sua importância tenha vindo a ganhar destaque em termos internacionais sobretudo nos anos 90. Uma das definições mais comuns é a da antiga Primeiro-ministro da Noruega H. Brundtland: “assegurar os recursos suficientes para

Worldwatch Institute & U.S. EPA

Impacte Ambiental dos Edifícios (% EUA)

Utilização de Energia

Emissões Atmosféricas

Matérias Primas

Resíduos Sólidos

Água Utilizada

Efluentes Líquidos

Uso do Solo

Outras Libertações/ Emissões

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CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE ?

EnergiaEficiência Renovável

Conservação de ÁguaReduzir Reciclar

Fase de PréConstrução

Fase deConstrução

Fase de PósConstrução

Projecto

Construção

Operação/Manutenção

Demolição/Deposição

Projectistas

Construtores

Utilizadores

Gestão de ResíduosReduzir Reciclar

Materiais e SistemasReduzir Selecionar

Construção de Edificios e Construção Sustentável

Local / Zona

as gerações futuras terem uma qualidade de vida similar à nossa”1. O termo foi firmemente reconhecido na Cimeira Mundial do Rio em 1992, onde foi incluído nos documentos como um alvo a ser atingido pelo Mundo.

Dois anos mais tarde, em Novembro de 1994, foi efectuada a Primeira Conferência Mundial sobre Construção Sustentável (First World Conference for Sustainable Construction, Tampa, Florida), onde o futuro da construção, no contexto da sustentabilidade, foi discutido. A construção sustentável refere-se à aplicação da sustentabilidade às actividades construtivas, sendo definida como a criação e responsabilidade de gestão do ambiente construído, baseado nos princípios ecológicos e no uso eficiente de recursos.

Durante essa primeira conferência foram sugeridos desde logo os seguintes seis princípios (KIBERT, C., 1994) para a sustentabilidade na construção:

1. Minimizar o consumo de recursos;

2. Maximizar a reutilização dos recursos;

3. Utilizar recursos renováveis e recicláveis;

4. Proteger o ambiente natural;

5. Criar um ambiente saudável e não tóxico;

6. Fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído.

Esses seis princípios começaram por ser a essência da operacionalização da perspectiva da construção sustentável e da identificação das áreas de desenvolvimento tecnológico. Contudo, a Construção Sustentável é, ainda hoje, um conceito novo para a Indústria da Construção. Mesmo o conceito de construção sustentável dispõe de múltiplas perspectivas e formas de a medir diferenciadas consoante as diferentes correntes .

Como contributo para a consolidação das estratégias destaca-se a assunção de uma Agenda 21 especificamente dirigida para a construção sustentável, em particular pela importante organização International Council for Building Research Studies and Documentation (CIB2) como um passo para assegurar a consensualização das abordagens a implementar (CIB, 1999).

Nesse contexto as aproximações (KIBERT, C., 1999) da forma como a construção e o ambiente construído são perspectivados devem fazer uma referência específica às componentes ecológicas, éticas e económicas, envolvendo os vários agentes no processo ao longo do seu ciclo de vida. Independentemente do seu papel, do desenho do processo, assim como do seu produto, as construções devem ser um reflexo dos processos naturais, perspectivados numa lógica complementar, ao invés de destruir os sistemas naturais. Esta lógica de construção sustentável não é binária no sentido de ser ou não ser, mas progressiva e por níveis, havendo assim níveis crescentes de sustentabilidade (PINHEIRO, M. et all, 2002).

1 - “Leaving sufficient resources for future generations to have quality of life similar to ours” 2 CIB - Conseil International du Bâtiment pour la Recherche l´Etude et la Documentation. International Council for Building Research Studies and Documentation

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CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE ?

3 - CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITOS E REALIDADE

Na última década, o conceito “sustentável” ou de edifícios “verdes” ou “ecológicos, tornou-se, pelo menos em teoria, aceite e incontornável, mas na prática, ele é por vezes mítico ou até ignorado. Exemplo dessa vertente é a indústria da construção, onde em muitos casos a dimensão ambiental está omissa ou aparece mais como um problema do que como uma solução ou um factor chave de desenvolvimento.

No entanto a terminologia não familiar, indicações de meias soluções ou simples ignorância (ROBERT, G., 2003) levaram a interpretações erradas sobre a sustentabilidade, nomeadamente quanto aos edifícios ditos “ecológicos” ou sustentáveis. Na verdade, muitos proprietários (em alguns países como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá.) estão a atingir práticas sustentáveis. Entre os mitos e razões mais referenciados (por exemplo por ROBERTS, G., 2003) destacam-se:

1. Os Edifícios Sustentáveis que não funcionam!

2. A informação sobre edifícios “Sustentáveis” que não está facilmente disponível!

3. Os edifícios sustentáveis parecem estranhos e diferentes!

4. Os Edifícios “Sustentáveis” são da responsabilidade do arquitecto!

5. Os Edifícios “Sustentáveis” custam mais!

6. Os Edifícios “Sustentáveis” são apenas senso comum, isto é, não existe forma de os avaliar!

7. Os Donos não se preocupam com ser “ecológico”!;

8. Os Materiais “Sustentáveis” não estão disponíveis!

9. Os Edifícios “Sustentáveis” constituem uma moda ultrapassada!

10. Não existem sistemas para avaliar e certificar a Construção Sustentável!

4 - DO MITO À REALIDADE

1. Os Edifícios Sustentáveis não funcionam?

Os edifícios sustentáveis asseguraram grande satisfação aos ocupantes e são de longe mais eficientes a operar e mais saudáveis de utilizar. Na maioria dos casos, dada a sua maior durabilidade e eficiência na utilização dos recursos, as operações e manutenção são mais reduzidas (e menos onerosas). Muitos são os

estudos que evidenciam o aumento de produtividade dos trabalhadores e a redução do absentismo derivado das práticas sustentáveis adoptadas desde o projecto. No caso do Philip Merril Environmental Center, em Cheseapeake Maryland, EUA, para além da elevada funcionalidade registada, os níveis de desempenho ambiental são excepcionais nas várias vertentes.

Destaque-se que inclusive programas de apoio ao desenvolvimento da construção, como é o caso do exemplo francês, assentam

no conceito de elevado desempenho (HQE, Haute Qualité Environnementale dês Bâtiments), (AHQE, 1997) ou do exemplo da cidade de Nova Iorque (High Performance Building).

Em síntese, construir sustentavelmente não significa apenas liderança ambiental, mas significa construir de forma estável, fiável, energeticamente eficiente e na qual os edifícios fazem sentido, não só do ponto de vista funcional, mas também do ponto de vista de negócio.

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2. A Informação sobre Edifícios “Sustentáveis” não está facilmente disponível?

A sustentabilidade na construção regista um número vastíssimo de publicações, sendo de referenciar, por exemplo, livros de Kibert, Muller, Thomas, Medler, Randal, Chiras, destacando-se também que a informação está a passar significativamente, não só do sector académico para a indústria, mas de todas as fontes de informação.

Construction Ecology: Nature as a Basis for Green Buildings, Jan Sendzimir (Editor), G. Bradley Guy (Editor), Charles J. Kibert, Routledge mot E F & N Spon; (December 27, 2001)

Sustainable Architecture and Urbanism: Design,

Construction, Examples, Dominique Gauzin-

Muller, Nicolas Favet, Birkhauser

(Architectural); (July 2002)

Reshaping the Built Environment:

Ecology, Ethics, and Economics, Charles

J. Kibert (Editor), Alex Wilson, Island

Press; 1st edition (December 15, 2000)

Environmental Design: An Introduction for

Architects and Engineers, Randall Thomas

(Editor), Edward Cullinan, Routledge mot

E F & N Spon; 2nd edition (April 1999)

The HOK Guidebook to Sustainable Design,

Sandra F. Mendler (Author), William Odell

(Author) John Wiley & Sons; 1st edition

(January 15, 2000)

The Natural House: A Complete Guide to

Healthy, Energy-Efficient, Environmental

Homes, Daniel D. Chiras Chelsea Green

Pub Co; (June 2000)

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Talvez a questão chave seja a de se saber por onde começar a procurar primeiro, quer tal questão se refira ao projecto, aos materiais, à produção, à ecologia ou até a especificações. Com efeito, existe uma multiplicidade de informações, trata-se sobretudo de uma questão de delimitar a escolha.

O congresso mundial de edifícios sustentáveis (Sustainable Building - SB 2002) quê se realizou em Oslo de 23 a 25 de Setembro, recebeu 1000 Participantes de 68 países, entre os quais estava Portugal, tendo sido publicadas 572 Comunicações.

Em Portugal, as diferentes Universidades, e nomeadamente o Instituto Superior Técnico (que possui disciplinas neste domínio), através do Fundec –

Fundação para Formação Contínua em Engenharia Civil - tem regularmente efectuado cursos sobre avaliação e projecto da construção sustentável, para o sector empresarial.

Mesmo uma simples pesquisa na internet, utilizando as palavras sustentável, construção sustentável, edifícios ecológicos ou em inglês “sustainable” ou “green building” traduz-se num vasto acesso a informações presentes, incluindo especificações quanto ao modo de a implementar e avaliar (por exemplo www.usgbc.org ou http://www.bre.co.uk/index.jsp).

3. O Desenho Ecológico parece estranho e diferente?

Não existe, pelo menos por enquanto, o “look” de construção sustentável. No geral o projecto de edifícios de construção sustentável não difere em muitos casos do tradicional. A maior parte dos edifícios a atingirem a reconhecimento pelas qualidades ambientais, têm até um aspecto similar aos projectos existentes à data. Veja-se o exemplo de 6 dos 10 projectos seleccionados no dia da Terra de 2003, pela Associação Americana de Arquitectos (AIA), como revelando aplicação dos princípios da construção sustentável.

Argonne Child Development Center

450 Architects

San Francisco, CA

Chicago Center for Green Technology

Farr Associates Architecture and Urban Design

Chicago, Ill.

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Colorado Court

Pugh Scarpa Kodama

Santa Monica, Calif.

Cusano Environmental Education Center

Susan Maxman & Partners, Ltd

Philadelphia, Penn.

Fisher Pavilion

Miller|Hull Partnership, LLP

Seattle, Wash.

Herman Miller Marketplace

Integrated Architecture

Grand Rapids, Mich.

4.Os Edifícios “Sustentáveis” são da responsabilidade do arquitecto?

A nível internacional, agentes chaves do sector da construção, como por exemplo o CIB (International Council for Research and Inovation in Building and Construction), definiram uma Agenda 21 para Construção Sustentável (CIB, 1999), como estratégia chave para a adequabilidade do sector, A base para a intervenção aposta, de acordo com o consenso encontrado, em definir que a construção sustentável envolve todos os agentes desde os utilizadores e empreiteiros aos projectistas.

5. Os Edifícios “Sustentáveis” custam mais?

A inovação no projecto de edifícios sustentáveis demonstra que o seu custo-eficiência não é sacrificado à liderança ambiental. Em muitas circunstâncias, atingir a sustentabilidade pode permitir atingir um balanço integrado nos materiais e sistemas, podendo mesmo ser mais eficiente nos custos que os projectos tradicionais.

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O verdadeiro desafio consiste em analisar os custos numa perspectiva equilibrada no seu ciclo de vida, mais do que pensar apenas no custo de investimento. Quando se consegue poupar energia, aumentar a durabilidade, poupar água e ao mesmo tempo aumentar a produtividade, as características de sustentabilidade do projecto e dos materiais são muito fáceis de justificar. A comparação de 30 casos de edifícios sustentáveis (KATS, 2003) mostra que os custos de projecto e de construção nos edifícios de trabalho são apenas 2% do custo do ciclo de vida do edifício, no período de 30 anos. Os empregados são a maior componente, contabilizando 92 % do custo no ciclo de vida. Assim, 1 % de melhoria na produtividade e na saúde e segurança no trabalho, pode justificar

custos iniciais na melhoria do ar condicionado para melhorias na qualidade do ar interior. Benefícios nos custos de operação previstos, como por exemplo poupanças na energia (para o que existem muitos casos e trabalhos), podem ser facilmente entendívéis pelos donos das habitações, os quais podem utilizar as mesmas por períodos alargados, de 15 a 50 anos.

Veja-se que, mesmo para escritórios o caso da zona comercial de South Lake Union em Seattle Washington.. Nela foi efectuada uma análise em termos de retorno económico das medidas (UEI; 2002), e comprovado o elevado interesse de um vasto conjunto de

medidas de retorno imediato, como a orientação dos edifícios, zonas para transportes alternativos, vegetação e formas eficientes de rega, ventilação natural, reutilização de materiais, uso de materiais locais, até medidas com período de retorno de 5 anos (optimização da eficiência energética de 50 %) ou mais alargados.

6. Os Edifícios “Sustentáveis” são apenas senso comum?

O projecto de construção sustentável é holistico, não basta escolher materiais ecológicos. Assim, o projecto requere muito mais pré-planeamento e investigação, com colaboração estreita entre os engenheiros das diferentes especialidades (civil, mecânica, química,

ambiente, entre outros), arquitectos e outros agentes, de modo a atingir um sistema “vivo” mais preciso em engenharia de que os edifícios convencionais. Construção sustentável é fazer mais com menos e encontrar eficiências nos sistemas e nos materiais, que resultem em menores utilizações de energia e que também aumentem a vida dos edifícios, para além dos

tradicionais 50 anos de vida.

Este processo requere uma aproximação integrada, na qual as metas mensuráveis são estabelecidas na fase inicial do projecto e as alternativas são exploradas, documentadas e avaliadas numa perspectiva de desempenho de longo prazo, tendo em consideração os impactes ambientais desta decisão. Os membros da equipa de projecto devem ser re-educados nas práticas e oportunidades sinergéticas disponíveis na perspectiva de construção sustentável, como o bio-mimetismo, no sentido de aproveitar as características naturais (por exemplo orientação, iluminação e ventilação.).

Feilden Clegg of Bath,

Edifício BRE - Reino Unido

(UEI, 2002)

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7. Os Donos não se preocupam com ser “ecológico”?

Em Maio de 2002 o Environmental Building News, indicou que 32 iniciativas de programas de construção sustentável a nível do governo central e local dos Estados Unidos estavam a ser implementadas, sem incluir neste número os programas de agências do Departamento de Defesa, Agencia de Protecção do Ambiente (US EPA), Parques Nacionais, Correios e a própria Casa Branca.

Actualmente, nos Estados Unidos da América, no Reino Unido e nos Países Nórdicos são crescentes as entidades centrais e locais que promovem a implementação destas soluções. Note-se que desde 1995, o programa Build Green Colorado, que dispõe de umas das certificações de terceira parte (entidade independente) mais dinâmicas dos Estados Unidos, certificou já mais 13.500 Casas, recorrendo a estes critérios de desempenho ambiental.

A nível nacional, o conceito de construção sustentável e a sua aplicação prática ainda se encontra, por agora, limitado a algumas componentes, embora comecem já a existir vários casos de construção nesta vertente, por exemplo em alguns dos edifícios construídos (apostando-se na vertente bioclimática) em algumas zonas da Parque Expo, em zonas sensíveis (edifícios de madeira em restaurantes de praias, como o Carvalhal) e em algumas das soluções adoptadas na área imobiliária e comercial da Sonae.

8. Os Materiais “Sustentáveis” não estão disponíveis?

Os produtores estão a descobrir que os produtos “ecológicos” podem reduzir as quantidades de resíduos e ajudar a recapturar os lucros perdidos. Produtos como o cartão de gesso e painéis acústicos para o tecto, têm já uma percentagem de produtos reciclados há vários anos. Materiais como o aço e alumínio são reciclados desde os

anos 40. Novos e inovadores produtos de materiais sustentáveis naturais e agri-produtos, estão aumentar o seu conteúdo reciclado dia a dia. Com a escassez e o aumento de custo de algumas matérias-primas e dos custos de deposição em aterro, a procura por materiais reciclados vai certamente aumentar. Paralelamente,

existem já a nível do rótulo ecológico produtos como tintas, bem como um vasto conjunto de instrumentos que permitem seleccionar materiais com melhor desempenho ambiental.

O mercado, para muitos dos materiais de resíduos da construção – como a madeira, o betão, o metal, o vidro, o papel/cartão – está já disponível e as oportunidades para reciclagem aumentam significativamente. Veja-se, por exemplo, o caso da reciclagem de materiais efectuada na desmontagem da fábrica da Portucel Recicla em Mourão e na construção de alguns dos estádios do Euro 2004. As práticas de gestão dos resíduos de construção têm levado ao aumento dos custos de transporte e de deposição dos resíduos em aterro/vazadouro. Os

Built Green Colorado

HBA of Metropolitan Denver 1400 South Emerson Street Denver, CO 80210 Phone: + 1 303-778-1400 Fax:+1 303-733-9440 http://www.builtgreen.org/

Construções do Infantado Aqui há Peixe – Praia do Carvalhal

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empreiteiros demonstram que a gestão dos resíduos não só poupa dinheiro, como a prática de reciclagem pode assegurar lugares mais limpos e seguros em termos de trabalho.

9. Os Edifícios “Sustentáveis” são uma moda ultrapassada?

Utilizar a localização para tirar vantagem da orientação solar, das brisas dominantes e das características naturais, tais como materiais locais, constituem princípios de construção sustentável, que são praticadas efectivamente há séculos. Infelizmente temo-nos esquecidos dessas lições e permitindo que os equipamentos e a

energia dita mais “barata” definam os nossos edifícios e o nosso estilo de vida.

Já no início do século XX, Frank Lloyd Wright cunhou o termos de arquitectura “orgânica”, com projectos ajustados ao ambiente. Os anos 60, com o surgimento do movimento de ambiente e os anos 70 com a crise petrolífera, recolocaram a questão da dimensão ambiental, por exemplo ao colocarem a ênfase nas soluções energéticas mais eficientes.

Soluções como as que ocorrem na Costa da Sardenha e na Califórnia (Sea Ranch), onde esta tipologia de abordagem,

conjugada com a localização, é de tal modo intemporal e prestigiante, constituem um forte exemplo de que a construção sustentável é uma realidade intemporal e assume uma rentável procura distintiva.

No Reino Unido foi lançado, em 16 de Setembro, o sistema de avaliação para o comércio. Entre os

patrocionadores do desenvolvimento do sistema estiveram por exemplo,empresas como a Marks & Spencer PLC, Sainsbury's Property Services, Tescos, BAA. The British Retail Consortium:

British Land Company LTD, Chartwell Land Development LTD, Chelsfield PLC, Grosvenor LTD, Hammerson UK Property PLC, Land Securities PLC, Lend Lease Global Investment PLC. Em Portugal, a Sonae tem procurado crescentemente encontrar níveis de desempenho ambiental elevados. Estes consituem apenas alguns exemplos da dinâmica crescente presente nesta área de mercado, quer na habitação, quer no comércio , quer em escritórios ou em edifícios destinados a outros fins.

10. Não Existe forma de certificar ou reconhecer os Edifícios “Sustentáveis”?

As formas práticas de avaliar e reconhecer a construção sustentável, tornam-se cada vez mais presentes nos diferentes países, destacando-se no Reino Unido o sistema com o acrónimo de BREEAM (Building Research Establishment Environmental Assessment Method), nos Estados Unidos da América o LEED (Leadership in Energy & Environmental Design do USGB), na Austrália o NABERS (National Australian Buildings Environmental Rating System), no Canadá o BEPAC (Building Environmental Performance Assessment Criteria), em França o HQE (Haute Qualité Environnementale dês bâtiments) e o ESCALE, entre outros. Comum aos vários países referidos, referencia-se o Green Building

Challenge e o instrumento de avaliação Green Building Tool.

Principais Áreas1. Consumo de recursos2.Cargas Ambientais3. Qualidade do ArInterior4.Qualidade do serviço5.Economia6. Gestão pré operações7. Transporte …

Áreas de Verificação:1. Locais Sustentáveis2.Eficiência de água3.Energia e atmosfera4.Materiais e recursos5.Qualidade do arinterior6.Inovação e Desenho7. Projecto global

CategoriasPrincipais1.Energia2.Transporte3.Poluição4.Materiais5.Água6.Ecologia e usodo solo7.Saúde e bemestar

GBTool (V1.80)LEED (2.0)Eco-Home (BREEAM)

Principais Áreas1. Consumo de recursos2.Cargas Ambientais3. Qualidade do ArInterior4.Qualidade do serviço5.Economia6. Gestão pré operações7. Transporte …

Áreas de Verificação:1. Locais Sustentáveis2.Eficiência de água3.Energia e atmosfera4.Materiais e recursos5.Qualidade do arinterior6.Inovação e Desenho7. Projecto global

CategoriasPrincipais1.Energia2.Transporte3.Poluição4.Materiais5.Água6.Ecologia e usodo solo7.Saúde e bemestar

GBTool (V1.80)LEED (2.0)Eco-Home (BREEAM)

“Falling Water”, Frank Lloyd Wright Bear Run, Pennsylvania, 1935-39 Em (MULLER, D., 2002)

Residência Brunsell , Obie Browman SEA Ranch, Califórnia, EUA, 1987 Em (MULLER, D., 2002)

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CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – MITO OU REALIDADE ?

A procura pelos programas de certificação e reconhecimento da construção sustentável é muito significativa, o que levou, por exemplo, o sistema LEED a criar critérios para: Edifícios novos e a renovar, habitação, escritórios ou edifícios comerciais, bem como multiplas subdivisões desta iniciativa, em Estados que vão desde o Ilinois, South Carolina e Arizona até ao Idaho. Este sistema assenta na criação de niveis de desempenho sustentável crescente, que permitam obter a certificação ou níveis crescentes

como prata, ouro ou até platina. Ao nível do Reino Unido, o BREEAM, de acordo

com as estatísticas oficiais (DTI, 2003), certificou no último ano mais de 440 792 m2 de construção sustentável, só no que se refere a áreas de escritórios.

CONCLUSÕES

Apresentaram-se sumariamente, nesta comunicação, os conceitos gerais de construção sustentável, tendo-se salientado o impacte dos edificios e a sua importância e tendo-se discutido alguns do principais mitos sobre a contrução sustentável: Edifícios Sustentáveis que não funcionam, que parecem estranhos, que custam mais, que constituem uma moda ultrapassada, que são apenas senso comum, que são apenas da responsabilidade do arquitecto, que não existe informação, que não existe forma de serem avaliados ou que os donos não se preocupam com a sustentabilidade. Evidenciou-se que cada vez mais esses mitos não correspondem à realidade em muitos paises. Espera-se que estas evidências possam desta forma representar um pequeno contributo para que, cada vez mais a nível nacional se concretize a construção sustentável, assegurando assim o o desenvolvimento sustentável pelo ambiente, o qual é cada vez mais indispensável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHQE – Association pour la Haute qualité environnementale dês bâtiments. 1997. Définition dês cibles de la

qualité environmentale dês bâtiments. AHQE. Paris, França. CANTER, LARRY W. (ed), 1996. Environmental Impact Assessment. McGraw-Hill. New York. CARPENTER, T. G. (ed). 2001. Environment, Construction & Sustainable Development - The Environmental

Impact of Construction Volume 1; Volume 2 Sustainable Civil Engineering. John Wiley & Sons, Lda. West Sussex.

DTI- DEPARTMENT OF TRADE AND INDUSTRY. 2003. Construction Statistics Annual, 2003 Edition.TSO (The Stationery Office). Londres, Reino Unido.

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KIBERT, CHARLES J., 1994. Establishing Principles and a Model for Sustainable Construction. in Kibert, C.J., ed. Proceedings of the First International Conference on Sustainable Construction. Tampa, FL, November 6-9. CIB Publications TG 16, Roterdão.

KIBERT, CHARLES J. (ED.). 1999. Reshaping the Built Environment: Ecology, Ethics, and Economics. Island Press. Washington DC.

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