CONSTITUIÇÃO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO · 2015. 3. 19. · CONSTITUIÇÃO, ECONOMIA E...

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CONSTITUIÇÃO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO Revista Eletrônica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Volume 4 Número 7 Julho/Dezembro 2012 Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2012, vol. 4, n. 7, Jul.-Dez.

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CONSTITUICcedilAtildeO ECONOMIA E

DESENVOLVIMENTO Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Volume 4 Nuacutemero 7 JulhoDezembro 2012

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

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Ficha Catalograacutefica

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito

Vol 4 n 7 (juldez 2012) - Curitiba 2012 Publicaccedilatildeo semestral

ISSN 2177-8256

1 Direito 2 Academia brasileira de Direito Constitucional

Endereccedilo para correspondecircncia

CONSTITUICcedilAtildeO ECONOMIA E

DESENVOLVIMENTO REVISTA ELETROcircNICA

DA ACADEMIA BRASILEIRA

DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Editor responsaacutevel Ilton Norberto Robl Filho

E-mail iltonabdconstcombr

Publicaccedilatildeo semestral Todos os direitos reservados A reproduccedilatildeo ou traduccedilatildeo de qualquer parte desta publicaccedilatildeo somente seraacute permitida apoacutes a preacutevia permissatildeo escrita do autor Os conceitos em artigos assinados satildeo de responsabilidade de seus autores As mateacuterias desta revista podem ser livremente transcritas desde que citada a fonte

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CONSELHO EDITORIAL

Editor Responsaacutevel

Ilton Norberto Robl Filho

Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Substituto da UFPR e UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Visiting Scholar na Universidade de Toronto - Canadaacute Pesquisador Visitante no Max Plank Institut em Heidelberg - Alemanha Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR

Editor Assistente

Rafael dos Santos Pinto

Graduado em Direito pela UNESP Mestrando pela UFPR

Membros do Conselho Editorial

Antonio Carlos Wolkmer

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC

Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes

Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra

Eroulths Cortiano Junior

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR e Doutor em Direito pela UFPR

Faacutebio Nusdeo

Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP

Marco Aureacutelio Marrafon

Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR

Marcos Augusto Maliska

Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e Doutor em Direito pela UFPR

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Marcus Firmino Santiago

Professor do Curso de Direito das Faculdades EspamProjeccedilatildeo ndash Brasiacutelia e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho

Mariana Mota Prado

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale

Ricardo Lobo Torres

Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF

Editoraccedilatildeo

Karla Knihs

Conselho de Pareceristas da Revista do ABDConst

Abraatildeo Soares Dias dos Santos Gracco Aldo Muro Juacutenior Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Alexandre Hamilton Oliveira Santos Alexandre Morais da Rosa Alvaro Borges de Oliveira Alvaro de Oliveira Azevedo Neto Angela Issa Haonat Acircngela Maria Cavalcanti Ramalho Antonio Baptista Gonccedilalves Antonio Celso Baeta Minhoto Antonio Gomes Moreira Maueacutes Carla Izolda Fiuza Costa Marshall Carlos Bolonha Carlos Victor Nascimento dos Santos Ceacutelia Barbosa Abreu Claudio Gonccedilalves Munhoz Claudio Smirne Diniz

Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira Daniela Rezende Oliveira Delmo Mattos da Silva Demetrius Nichele Macei Eduardo Biacchi Gomes Eduardo Molan Gaban Eleonora Mesquita Ceia Eliana Franco Neme Eliana Franco Neme Eloi Martins Senhoras Emerson Gabardo Emilio Peluso Neder Meyer Eacuterico Hack Eroulths Cortiano Juacutenior Everton das Neves Gonccedilalves Fabianne Manhatildees Maciel Fabriacutecio de Assis Campos Vieira Fabriacutecio Ricardo de Limas Tomio Fausto Santos de Morais Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha Juacutenior

Germano Andreacute Doederlein Schwartz Gustavo Almeida Paolinelli de Castro Gustavo Rabay Guerra Hamilton da Cunha Iribure Juacutenior Heder Carlos de Oliveira Heitor de Carvalho Pagliaro Henrique Napoleatildeo Alves Henry Atique Jackelline Fraga Pessanha Jacqueline de Souza Gomes Janaiacutena Machado Sturza Jean Carlos Dias Jorge Jose Lawand Joseacute Carlos Buzanello Joseacute Francisco de Assis Dias Joseacute Luiz Ragazzi Joseacute Renato Martins Josemar Sidinei Soares Juliana Cordeiro Schneider Julio Pinheiro Faro Jussara Maria Leal de Meirelles

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

Katiucia Boina Leonardo Vieira Wandelli Lilian Maacutercia Balmant Emerique Lucas Abreu Barroso Lucas Catib de Laurentiis Lucas Gonccedilalves da Silva Luciana Costa Poli Luciana Fernandes Berlini Luciene Dal Ri Luis Fernando Sgarbossa Luiz Claudio Arauacutejo Coelho Luiz Eduardo Anesclar Luiz Ricardo Guimaraes Maraluce Maria Custodio Marcelo Lamy Marcelo Sant Anna Vieira Gmes Maacutercia Jucaacute Teixeira Diniz Maacutercio Pugliesi Marco Aureacutelio Marrafon Marcos Alves da Silva

Marcos Augusto Maliska Marcos Catalan Marcus Firmino Santiago Margareth Anne Leister Margareth Vetis Zaganelli Maacuterio Ferreira Neto Martinho Martins Botelho Mateus de Oliveira Fornasier Micheli Pereira Miguel Calmon Teixeira de Carvalho Dantas Monica Bonetti Couto Mocircnica Helena Harrich Silva Goulart Murilo Melo Vale Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi Nina Tricia Disconzi Rodrigues Paulo Ricardo Schier Paulo Seacutergio da Silva Rafael Silveira e Silva Ricardo Aronne

Ricardo Carneiro Neves Juacutenior Rodrigo Fortunato Goulart Ronaldo Lindimar Joseacute Marton Samantha Ribeiro Meyer Pflug Sandra Sereide Ferreira da Silva Sebastiatildeo Neto Ribeiro Guedes Simone Tassinari Cardoso Sonia Barroso Brandatildeo Soares Sulamita Crespo Carrilho Machado Tiago Resende Botelho Tuacutelio Lima Vianna Tuacutelio Lima Vianna Valeacuteria Cristina Pereira Furlan Valeacuteria Silva Galdino Cardin Vanessa Oliveira Batista Berner

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez

EDITORIAL

A Seacutetima ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional continua o projeto editorial de oferecer agrave comunidade acadecircmica e ao puacuteblico leitor instigantes e inovadoras anaacutelises dos mais correntes temas de direito constitucional

Nesta ediccedilatildeo temos em destaque dois trabalhos sobre desenvolvimento O artigo submetido pela professora Patriacutecia Galvatildeo Ferreira pesquisadora da Cadeira Nabuco em estudos brasileiros na Universidade de Stanford nos apresenta a construccedilatildeo da literatura do chamado movimento direito e desenvolvimento e suas ideias primordiais Igualmente o trabalho enviado por Adriano Martinelli aborda o regime juriacutedico do direito humano fundamental ao desenvolvimento

Dois outros trabalhos apresentam interessantes perspectivas do direito ambiental Um efetiva estudo comparado com o constitucionalismo equatoriano sob a perspectiva do direito das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sadio O segundo aponta as interaccedilotildees entre o novo constitucionalismo e a efetivaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Outro importante eixo eacute referente agrave efetivaccedilatildeo dos direitos constitucionais nas suas variadas modalidades Temos aqui um trabalho sobre constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e direitos sociais fundamentais reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial e a proteccedilatildeo do trabalho na constituiccedilatildeo de 1988

Os uacuteltimos trabalhos tratam de interessantes temas dentro da perspectiva constitucional Aqui temos estudos sobre a adoccedilatildeo internacional sobre a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos e fornecimento de medicamentos pelo Estado

Continuamos assim nossa meta editorial de difusatildeo do pensamento constitucional de ponta e o fomento ao debate acadecircmico

Ilton Norberto Robl Filho

Editor Responsaacutevel da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Rafael dos Santos Pinto

Editor Assistente da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 271

SUMAacuteRIO

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL Caacutessia Cristina Moretto da Silva 274

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo E GOVERNANCcedilA GLOBAL

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE Patriacutecia Galvatildeo Ferreira 302

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES Marianna de Queiroz Gomes 350

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION Daniela Richter Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso 376

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE Adriano Justi Martinelli 401

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION Caroline Alessandra Taborda dos Santos 439

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM Vitor Soliano 448

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 272

Sumaacuterio

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE Robson de Vargas 488

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME Luiacutes Henrique Bortolai Juliane Cavalcanti Pereira 507

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY Lucas Daniel Ferreira de Souza 528

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS 547

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 273

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO

FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL1

LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL

Caacutessia Cristina Moretto da Silva2

Resumo O direito do trabalho recebeu especial atenccedilatildeo por parte do legislador

constituinte brasileiro de 1988 Observa-se que a proteccedilatildeo ao trabalho trata-se de uma construccedilatildeo histoacuterica seja no contexto mundial ou no Brasil sendo que as primeiras regras em mateacuteria trabalhista datam do seacuteculo XIX De outra parte natildeo foram poucos os acontecimentos que vieram a repercutir de forma substancial no regramento trabalhista contemporacircneo tanto no seu surgimento propriamente dito como na sua configuraccedilatildeo atual A flexibilizaccedilatildeo das regras trabalhistas fenocircmeno contemporacircneo e inerente agrave condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se como de especial interesse agrave esfera laboral Assim o presente trabalho propotildee-se a estudar o surgimento do direito do trabalho analisar as principais regras que tem por objeto a tutela ao labor humano bem como compreender o regramento trabalhista exposto na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 especialmente no que refere agrave adoccedilatildeo do permissivo constitucional agrave flexibilizaccedilatildeo das leis do trabalho Para tanto utilizou-se o meacutetodo de revisatildeo bibliograacutefica e legislativa justificado pelo contexto que ensejou a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Palavras-Chave Direito do Trabalho Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Flexibilizaccedilatildeo Poacutes-modernidade

Abstract Labor Law received special attention from the constitutional legislator of

1988 Labor protection is a historical construction be it in a worldwide context or localy in Brazil As the first rules related to labor derive from the XIX century on the other hand there were many events that substantially influenced the development of the contemporary labor law both on its emergence and on its current configuration The easing of labor laws a contemporary phenomenon part of the postmodern condition is presented as being in laborrsquos particular interest This article aims to

1 Artigo submetido em 061212 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 10072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 05082013

2 Mestre em Cultura e Sociedade Diaacutelogos Interdiciplinares E-mail ltcassiamorettohotmailcomgt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 274

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

study the emergence of labor law analyze its main rules that intends to protect human labor as well as to understand the regulations exposed in the Federal Constitution of 1988 specially the ones that refer to the adoption of the constitutional permissive of labor laws Therefore the method used is a legislative and bibliographic review justified by the context that made the inserting of the flexible element possible in the Federal Constitution of 1988

Keywords Labor Law Brazilian Federal Constitution of 1988 Flexibility Post-modernism

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo busca analisar o tratamento dedicado agrave proteccedilatildeo ao trabalho pelo legislador constitucional de 1988 bem como suas implicaccedilotildees especialmente no que se refere agrave permissatildeo da adiccedilatildeo de praacuteticas flexibilizadoras das condiccedilotildees de trabalho no Brasil

Sabe-se que a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel nas diversas relaccedilotildees sociais apresenta-se como uma das caracteriacutesticas da poacutes-modernidade e tambeacutem o direito de trabalho como um produto histoacuterico marcado pelos conflitos existentes entre os empregados e empregadores mediados pela instituiccedilatildeo estatal e pela atuaccedilatildeo das entidades sindicais Nesse contexto a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como importante tema do direito do trabalho e por isso merecedor de uma anaacutelise detalhada

Assim inicia-se o presente artigo com uma pequena incursatildeo sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do direito do trabalho no mundo e no Brasil especialmente no que se refere a sua tutela constitucional na sequecircncia foca-se a configuraccedilatildeo do trabalho na poacutes-modernidade para em seguida compreender-se a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na esfera trabalhista tomando-se como referencial o texto legal da Carta Magna brasileira de 1988

1 O REGRAMENTO JURIacuteDICO DO TRABALHO ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS

Cabe aqui destacar que o direito do trabalho tem o marco de seu surgimento

nos seacuteculos XIX e XX Por isso a anaacutelise engendrada nesta seccedilatildeo tem por

finalidade situar de forma histoacuterica e cronoloacutegica o surgimento do direito do trabalho

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

no contexto mundial para na sequecircncia verificar a tutela dada pelo Brasil ao

trabalho Sem objetivo de se esgotar tal temaacutetica em face a proacutepria complexidade

da mesma seratildeo pontuados os principais acontecimentos histoacutericos sociais

vivenciados de forma correlacionada com o surgimento e desenvolvimento do

regramento trabalhista

Assim embora as relaccedilotildees de trabalho natildeo disponham de um marco histoacuterico especiacutefico que denotem o momento exato de seu surgimento sabe-se que o homem sempre necessitou empreender suas forccedilas humanas para garantir sua sobrevivecircncia

Para Glaucia Barreto a ldquoorigem do trabalho coincide com a origem do mundordquo (BARRETO 2008 p 01) jaacute que se podem visualizar as primeiras relaccedilotildees de trabalho nos tempos biacuteblicos quando da criaccedilatildeo do mundo presente no livro Gecircnesis Adatildeo come do fruto proibido e recebe de Deus o trabalho como puniccedilatildeo

Relatos histoacutericos apontam que as primeiras relaccedilotildees de trabalho durante a Antiguidade (especialmente Greacutecia e Roma) ocorreram com base na escravidatildeo momento que ao escravo natildeo cabia nenhum direito eis que era tratado como objeto de troca Remonta a esse momento histoacuterico a origem da palavra trabalho Tal expressatildeo tem suas raiacutezes na expressatildeo latina ldquotripaliumrdquo - instrumento utilizado entre os romanos para fazer referecircncia a um dispositivo empregado agrave tortura de escravos

Mais tarde na Idade Meacutedia o trabalho escravo foi substituiacutedo pelo trabalho servil momento em que o servo era obrigado a trabalhar para o senhor feudal em troca de sua subsistecircncia e proteccedilatildeo pessoal

Com o fim da Idade Meacutedia e o iniacutecio da Idade Moderna as transformaccedilotildees ocorridas nas relaccedilotildees sociais e o desenvolvimento do mercantilismo fomentaram-se as primeiras manifestaccedilotildees do trabalho livre

Poreacutem foi com a Revoluccedilatildeo Industrial de modo especial a partir do seacuteculo XVIII e XIX quando os meios de produccedilatildeo passaram a se concentrar nas unidades fabris que o trabalho livre se desenvolveu de forma plena

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

A invenccedilatildeo de maacutequinas e consequentemente o seu emprego em faacutebricas acabou por inovar a metodologia laboral fazendo surgir uma nova relaccedilatildeo binomial quando o assunto eacute trabalho a relaccedilatildeo entre patrotildees e trabalhadores assalariados

Como a matildeo de obra era farta provinda das fontes mais diversas como camponeses empobrecidos e tambeacutem desempregados em razatildeo da automaccedilatildeo as condiccedilotildees de trabalho eram realmente precaacuterias

Homens mulheres e crianccedilas amanheciam e anoiteciam nas faacutebricas praticamente na carecircncia do necessaacuterio a sobrevivecircncia quando natildeo em povoados aos redores destas padecendo diuturnamente com epidemias fome e sem condiccedilotildees ainda que miacutenimas de higiene e saneamento

Delineia-se pois uma figura inovadora e importantiacutessima o proletaacuterio caracterizado por Amauri Mascaro Nascimento como

[] um trabalhador que presta serviccedilos em jornadas que variam de 14 a 16 horas natildeo tem oportunidade de desenvolvimento intelectual habita em condiccedilotildees subumanas em geral nas adjacecircncias do proacuteprio local da atividade tem prole numerosa e ganha salaacuterio em troca disso tudo (NASCIMENTO 2005 p 12)

Para Seacutergio Martins ldquoA Revoluccedilatildeo Industrial acabou transformando o trabalho em emprego Os trabalhadores de maneira geral passaram a trabalhar por salaacuterios Com a mudanccedila houve uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga a ser desconsideradardquo (MARTINS 2005 p 39)

Eacute justamente neste momento histoacuterico que se evidencia o marco do nascimento do Direito do Trabalho qual seja a sistematizaccedilatildeo do trabalho livre e subordinado como bem destaca Mauriacutecio Godinho Delgado

O Direito Trabalho eacute pois produto cultural do seacuteculo XIX e das transformaccedilotildees econocircmico-sociais e poliacuteticas ali vivenciadas Transformaccedilotildees todas que colocam a relaccedilatildeo de trabalho subordinado como nuacutecleo motor do processo produtivo caracteriacutestico daquela sociedade (DELGADO 2007 p 86)

Karl Korsch (1980) em sua obra intitulada Lutas de Classe e Direito do

Trabalho tambeacutem relaciona o histoacuterico do direito coletivo do trabalho com o citado momento histoacuterico ao destacar Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 277

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

A la eacutepoca de la constitucioacuten feudal-patriarcal del trabajo propia de la Edad Media y de los comienzos de La Edad Moderna en la que la mayoriacutea de los trabajadores industriales y agriacutecolas careciacutean todavia ndash total ou parcialmente ndash de liberdad le sigue alrededor de 1800 la eacutepoca de la constitucioacuten capitalista del trabajo caracterizada por la total falta de derechos del asalariado personalmente libre tanto en la empresa como en la totalidad de la economia (KORSCH 1980 p 103)3

Logo ao direito do trabalho deu-se a missatildeo de regrar a relaccedilatildeo entre

empregados e empregadores com vista a estabelecer determinadas condiccedilotildees

baacutesicas e obrigatoacuterias quando se falam em relaccedilotildees laborais Fruto portanto de

uma sociedade que passou a adotar um modo de produccedilatildeo que necessitava de

matildeo-de-obra humana em larga escala na qual o Estado foi chamado a intervir de

modo a assegurar aos trabalhadores determinadas condiccedilotildees de trabalho

Nesse sentido tambeacutem escreve Rodrigo Carelli ao destacar ldquoO Direito do Trabalho nasce em um momento iacutempar da histoacuteria da civilizaccedilatildeo fruto direto da alta exploraccedilatildeo dos trabalhadores e como meio de sustentaccedilatildeo do status quo diante das ameaccedilas mais diretas agrave propriedade privadardquo (CARELLI 2011 p 60) Nota-se em suas palavras que natildeo se pode ignorar que as concessotildees feitas aos trabalhadores vieram de certa forma a permitir que as relaccedilotildees de produccedilatildeo capitalistas tiacutepicas do fim do seacuteculo XIX e do seacuteculo XX em especial pudessem manter-se

Observa-se desse momento em diante o surgimento das primeiras leis e tinham por objeto proteger o trabalho leis que foram fruto da interferecircncia do Estado na relaccedilatildeo estabelecida entre patrotildees e empregados na mediaccedilatildeo da relaccedilatildeo estabelecida entre proletaacuterios e empregadores

Na Inglaterra publicou-se a Lei de Peel (1802) cujo escopo era proteger o trabalho daqueles que aprendiam uma profissatildeo no acircmbito dos moinhos Limitou-se tambeacutem a jornada de trabalho a 12 horas diaacuterias excluiacutedo o intervalo para alimentaccedilatildeo Estabeleceu-se o periacuteodo em que a jornada de trabalho deveria se

3 Traduccedilatildeo do trecho escrito por Karl Korsch ldquoA eacutepoca da constrituiccedilatildeo do trabalho feudal-patriarcal proacutepria da Idade Meacutedia e do iniacutecio da idade Moderna na que a maioria dos trabalhadores industriais e agriacutecolas ainda careciam - total ou parcialmente - da liberdade segue-se em torno de 1800 o momento da constituiccedilatildeo do trabalho capitalista caracterizada pela total falta de direito do assalariado pessoalmente livre tanto nas empresas como na totalidade da economiardquo (KORSCH 1980 p 103)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

desenvolver isto eacute das 06 horas agraves 21 horas Passou-se a se observar a ediccedilatildeo de regras que protegiam a educaccedilatildeo e a higiene no ambiente de trabalho

Na Franccedila o labor de menores em minas foi proibido em 1813 Em 1814 proibiu-se o trabalho em domingos e feriados Em 1839 na sequecircncia foram expedidas regras com o objetivo de demarcar o iniacutecio da vida laboral humana vedando-se o exerciacutecio de atividade laboral pelo menor de 09 anos de idade e limitando-se a jornada de trabalho do menor entre 09 anos e 16 anos a 10 horas diaacuterias

Nota-se neste cenaacuterio que o trabalho se configura como verdadeira mercadoria sujeita agraves leis do mercado econocircmico de maneira que os trabalhadores muitas vezes submetiam-se a condiccedilotildees degradantes de trabalho em busca de sua sobrevivecircncia Haacute que se mencionar ainda que a elaboraccedilatildeo das primeiras regras em direito do trabalho evidenciaram o nascimento da tutela juriacutedica do trabalho e igualmente evidenciar o surgimento do direito do trabalho

Mas foi com o teacutermino da Primeira Guerra Mundial com um movimento denominado de Constitucionalismo Social que as primeiras regras sociais passaram a ser incorporadas nas diferentes Constituiccedilotildees dos paiacuteses Houve a inserccedilatildeo nas Constituiccedilotildees de ldquo[] preceitos relativos agrave defesa social da pessoa de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais incluindo o direito do trabalhordquo (MARTINS 2005 p 42) conforme Seacutergio Pinto Martins esclarece

A primeira Constituiccedilatildeo a inserir a temaacutetica da proteccedilatildeo ao trabalho foi a do Meacutexico de 1917 Tal legislaccedilatildeo previu a limitaccedilatildeo da jornada de trabalho a 8 horas diaacuterias proibiu o trabalho de menores de 12 anos limitou a jornada de trabalho dos menores de 16 anos a 6 horas diaacuterias limitou a jornada noturna a 7 horas estabeleceu a concessatildeo de descanso remunerado ao trabalhador e ainda previu algumas regras relacionadas agrave proteccedilatildeo agrave maternidade ao salaacuterio miacutenimo ao direito do trabalhador sindicalizar-se e fazer greves agrave indenizaccedilatildeo no caso de dispensa seguro social e proteccedilatildeo contra acidentes de trabalho

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de Weimar de 1919 trouxera tambeacutem regras de

cunho trabalhista nas palavras de Seacutergio Pinto Martins tal documento ldquo[]

Disciplinava a participaccedilatildeo dos trabalhadores nas empresas autorizando a liberdade

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

de coalizaccedilatildeo dos trabalhadores tratou tambeacutem da representaccedilatildeo dos

trabalhadores na empresas []rdquo (MARTINS 2005 p 42) E mais o referido diploma

legal estabeleceu o sistema de seguro social e permitiu que empregados ajudassem

os empregadores a definir aspectos relativos agrave contrataccedilatildeo como a fixaccedilatildeo de

salaacuterios

No mesmo ano o Tratado de Versalhes previu a criaccedilatildeo da OIT ndash

Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho que passou a ter por missatildeo salvaguardar as

relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores no cenaacuterio internacional

atraveacutes da ediccedilatildeo de convenccedilotildees e recomendaccedilotildees sobre a proteccedilatildeo ao labor

humano

Na Itaacutelia teve-se a elaboraccedilatildeo da Carta Del Lavoro em 1927onde se

instituiu o sistema corporativista-fascista que serviu de base para a criaccedilatildeo de outros

sistemas semelhantes em outros paiacuteses como Portugal Espanha e o Brasil

Conforme esclarece Seacutergio Pinto Martins nesse sistema preponderava o

papel da figura estatal

O Estado interferia nas relaccedilotildees entre as pessoas com o objetivo de poder moderador e organizador da sociedade Nada escapava a vigilacircncia do Estado nem ao seu poder O Estado regulava praticamente tudo determinando o que seria melhor para cada um organizando a produccedilatildeo nacional [] (MARTINS 2005 p 42)

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem expedida em 1948 que

consistiu em uma recomendaccedilatildeo aos povos que adotassem determinadas garantias

fundamentais inerentes agrave figura humana previu dentre essas garantias vaacuterios

preceitos de cunho trabalhista como limitaccedilatildeo da jornada de trabalho descanso

remunerado e perioacutedico proteccedilatildeo agrave sauacutede e higiene do trabalhador entre outros

direitos

Assim progressivamente durante o seacuteculo XX os paiacuteses foram inserindo

em seus ordenamentos juriacutedicos especialmente em suas Constituiccedilotildees normas de

caraacuteter trabalhistas com o objetivo uacuteltimo de assegurar ao trabalhador as garantias

miacutenimas ao exerciacutecio laboral

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

2 A FORMACcedilAtildeO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

O Brasil descoberto em 1500 por Portugal vivenciou um processo de colonizaccedilatildeo marcado pela utilizaccedilatildeo da matildeo de obra escrava As primeiras constituiccedilotildees brasileiras trataram basicamente do modelo estatal adotado e das formas de organizaccedilatildeo e exerciacutecio dos poderes Por isso o surgimento da normatizaccedilatildeo trabalhista no Brasil teve como pressuposto dois acontecimentos de suma importacircncia a aboliccedilatildeo da escravatura e a proclamaccedilatildeo da repuacuteblica

A Constituiccedilatildeo Imperial de 1824 documento no qual se notam algumas regras que tiveram por objeto a atividade laboral humana tratou de proibir a organizaccedilatildeo de corporaccedilotildees de ofiacutecio proporcionando o livre exerciacutecio do trabalho

Apoacutes esta constituiccedilatildeo foram promulgadas algumas leis esparsas que detinham como pano de fundo as relaccedilotildees laborais como a Lei 396 e a Lei 1846 que estabeleciam algumas limitaccedilotildees agrave admissatildeo de trabalhadores estrangeiros por empresas brasileiras Tambeacutem o Coacutedigo Comercial de 1850 que procurou regular algumas situaccedilotildees especiacuteficas como por exemplo a contrataccedilatildeo de caixeiros

A promulgaccedilatildeo da Lei do Ventre Livre garantiu a liberdade aos filhos de matildees escravas nascidos a partir de 28091871 a Lei Saraiva-Cotegipe de 28091885 conhecida como Lei dos Sexagenaacuterios assegurou o direito agrave liberdade ao escravo maior de 60 anos de idade de forma parcial pois mesmo depois de livre o escravo trabalhava por mais trecircs anos para o seu senhor Trecircs anos mais tarde em 13051888 a Princesa Isabel assinou a lei que aboliu a escravatura no Brasil mais conhecida como Lei Aacuteurea Essa lei eacute considerada por Russomano como ldquoa lei trabalhista mais importante ateacute hoje promulgada no Brasilrdquo (RUSSOMANO 2002 p 30) Tais leis foram de especial relevacircncia neste contexto

O Brasil proclamou a Repuacuteblica em 1889 A Constituiccedilatildeo seguinte de 1891 previu a liberdade de associaccedilatildeo para fins liacutecitos e paciacuteficos cabendo intervenccedilatildeo policial somente quando fosse necessaacuteria a garantia da ordem puacuteblica Data do mesmo ano o Decreto 1313 que objetivou regrar o trabalho de menores de 12 ateacute 18 anos

No ano de 1903 foram instituiacutedos os sindicatos rurais e no de 1907 houve a ediccedilatildeo de uma lei que versou sobre os sindicatos de uma forma geral Em 1916

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publicou-se o Coacutedigo Civil brasileiro que tratava da regulaccedilatildeo das locaccedilotildees de serviccedilos pois ateacute aqui natildeo existiam normas relacionadas agrave regulaccedilatildeo das prestaccedilotildees de serviccedilo de forma especiacutefica Criaram-se na sequecircncia em 1917 o Departamento Nacional do Trabalho pela Lei Mauriacutecio de Lacerda em 1922 em Satildeo Paulo Tribunais Rurais em 1923 com a promulgaccedilatildeo da Lei Eloy Chaves as Caixas de Aposentadorias e Pensotildees e por fim em 1927 o Coacutedigo de Menores que versou sobre a proteccedilatildeo do menor que exercia atividades laborais

Neste momento histoacuterico observa-se a influecircncia das transformaccedilotildees decorrentes da Primeira Guerra Mundial e da criaccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (1919) de modo a fomentar a criaccedilatildeo de leis que versassem sobre o conteuacutedo trabalhista Para Seacutergio Pinto Martins um dos fatores que contribuiu para o surgimento de regras em mateacuteria trabalhista foi o fato de que ldquo[] Existiam muitos imigrantes no Brasil que deram origem a movimentos operaacuterios reivindicando melhores condiccedilotildees de trabalho e de salaacuterios []rdquo (MARTINS 2005 p 43) No entanto o autor afirma ainda que a poliacutetica trabalhista no Brasil aconteceu de forma plena com o governo de Getuacutelio Vargas na deacutecada de 1930 (MARTINS 2005 p 43)

Para Amauri Mascaro Nascimento notou-se na deacutecada de 30 ldquoa expansatildeo do direito do trabalho em nosso paiacutes como resultado de vaacuterios fatores dentre os quais o prosseguimento das conquistas que jaacute foram assinadas poreacutem com um novo impulso quer no campo poliacutetico quer no legislativordquo (NASCIMENTO 2011 p 98)

O referido autor ressalta o importante papel do governo Vargas para a proacutepria estruturaccedilatildeo do direito do trabalho ao afirmar

Sem discutir os fins visados por Vargas eram de dominaccedilatildeo ou de elevaccedilatildeo das classes trabalhadoras o certo eacute que nesse periacuteodo foi estruturada a ordem juriacutedica trabalhista em nosso paiacutes adquirindo fisionomia que em parte ateacute hoje se manteacutem (NASCIMENTO 2011 p 99)

Assim neste periacuteodo viu-se uma intensa produccedilatildeo de decretos que regraram uma atividade laboral em especiacutefico ou um determinado componente da relaccedilatildeo empregatiacutecia Foram decretos que versavam sobre os seguintes temas instituiccedilatildeo da Carteira Profissional limitaccedilatildeo da duraccedilatildeo da jornada de trabalho para Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 282

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

os que trabalham no comeacutercio nas induacutestrias nas farmaacutecias nas casas de diversotildees nas casas de penhores nos bancos e casas bancaacuterias nos transportes na educaccedilatildeo entre outros

Em 1932 foi expedido o decreto que dispocircs sobre o trabalho feminino em 1936 o decreto que teve por finalidade estabelecer o salaacuterio miacutenimo e em 1939 via decreto mais uma vez criou-se a Justiccedila do trabalho

3 A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DOS PRECEITOS TRABALHISTAS NAS PRIMEIRAS CONSTITUICcedilOtildeES BRASILEIRAS

A primeira Constituiccedilatildeo brasileira que tratou especificamente do direito do trabalho foi a de 1934 Essa versou basicamente sobre a organizaccedilatildeo dos sindicatos o caraacuteter nacional do trabalho a isonomia salarial o salaacuterio miacutenimo a jornada de oito horas de trabalho a proteccedilatildeo ao trabalho das mulheres e dos menores o repouso semanal as feacuterias anuais remuneradas os acidentes de trabalho as convenccedilotildees coletivas e a Justiccedila do Trabalho

Sobre a mesma Mozart Victor Russomano destaca que essa carta magna absorveu muito das Constituiccedilotildees que a precederam em niacutevel mundial e buscaram incorporar preceitos trabalhistas ao afirmar

A Constituiccedilatildeo de 1934 colocando-se em plano totalmente diverso da Carta de 1891 sendo essencialmente liberal sofreu influecircncia de todas as constituiccedilotildees posteriores agraves Constituiccedilotildees do Meacutexico (1917) e de Weimar (1919) e pocircs ecircnfase nas normas econocircmico-sociais (RUSSOMANO 2002 p 32)

Na sequecircncia teve-se a Constituiccedilatildeo de 1937 que incorporou muito da ideologia nazista e fascista que se apresentavam em expansatildeo na Europa por isso viu-se o florescimento de vasta legislaccedilatildeo trabalhista durante sua vigecircncia que para Russomano tinham ldquo[] inclusive o intuito poliacutetico de seduzir e aliciar as grandes massas operaacuterias em torno do poder constituiacutedordquo (RUSSOMANO 2002 p 32)

Seacutergio Martins esclarece com propriedade o sistema sindical instituiacutedo na Constituiccedilatildeo de 1937 inspirado na Carta Del Lavoro de 1917 e na Constituiccedilatildeo Polonesa ao afirmar

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[] A Constituiccedilatildeo de 1937 instituiu o sindicato uacutenico imposto por lei vinculado ao Estado exercendo funccedilotildees delegadas de poder puacuteblico podendo haver intervenccedilatildeo estatal em suas atribuiccedilotildees Foi criado o imposto sindical como uma forma de submissatildeo das entidades de classe ao Estado pois este participava do produto de sua arrecadaccedilatildeo (MARTINS 2005 p 44)

Data de 1ordm de maio de 1943 a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) legislaccedilatildeo que trouxe a reuniatildeo das disposiccedilotildees trabalhistas ateacute entatildeo dispersas em decretos para um diploma legal uacutenico Tal legislaccedilatildeo possui suma importacircncia pois veio definitivamente estabelecer regras concretas a serem observadas na relaccedilatildeo estabelecida entre empregadores e empregados estando vigente ateacute o momento embora tenha isso altera em alguns aspectos de seu corpo normativo

Seacutergio Pinto Martins explica a concepccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho ao afirmar

Existiam vaacuterias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas Houve a necessidade de sistematizaccedilatildeo dessas regras Para tanto foi editado o decreto-lei nordm 5452 de 1943 aprovando a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) O objetivo da CLT foi apenas reunir as leis esparsas existentes na eacutepoca consolidando-as Natildeo se trata de um coacutedigo pois este pressupotildee um Direito novo Ao contraacuterio a CLT apenas reuniu a legislaccedilatildeo existente agrave eacutepoca consolidando-a (MARTINS 2005 p 44)

A CLT brasileira foi concebida em um momento onde o direito do trabalho apresentava-se fragmentado e com lacunas demasiadamente exacerbadas pois cada profissatildeo detinha seu regramento e havia muitos outros profissionais que ficavam agrave margem da legislaccedilatildeo sem nenhuma proteccedilatildeo Por isso a elaboraccedilatildeo da citada legislaccedilatildeo representou uma decisatildeo poliacutetica que para Amauri Mascaro Nascimento mostrou-se mais que a mera e ldquosimples compilaccedilatildeo porque embora denominada Consolidaccedilatildeo a publicaccedilatildeo acrescentou inovaccedilotildees aproximando-se de um verdadeiro Coacutedigordquo (NASCIMENTO 2011 103)

De uma breve anaacutelise do referido diploma legal nota-se a continuidade da separaccedilatildeo das mateacuterias de previdecircncia social e de acidentes de trabalho comparadas com as demais regras e tambeacutem a unificaccedilatildeo do direito do trabalho no que se refere especialmente aos trecircs aspectos individual coletivo e processual

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Amauri Mascaro Nascimento destaca ainda que infelizmente a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho natildeo atendeu a todas as expectativas sociais e laborais pois

[] o instrumento de cristalizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas que se esperava A mutabilidade e a dinacircmica da ordem trabalhista exigiam constantes modificaccedilotildees legais como fica certo pelo nuacutemero de decretos decretos-leis e leis que depois foram elaborados alterando-a (NASCIMENTO 2011 p 104)

Contudo haacute que se destacar que a CLT constitui-se em um importante marco normativo do trabalho na medida em que trouxe uma maior seguranccedila juriacutedica agraves relaccedilotildees de trabalho naquele momento histoacuterico e permitiu a expansatildeo do trabalho livre remunerado e subordinado mediante as regras proacuteprias e aptas a disciplinar as relaccedilotildees de trabalho em seus aspectos mais gerais

A Constituiccedilatildeo seguinte datada do ano de 1946 por sua vez restabeleceu o regime democraacutetico no Brasil e rompeu com o sistema corporativo previsto na Constituiccedilatildeo anterior Observou-se a repeticcedilatildeo de alguns direitos outrora concebidos aos trabalhadores bem como a instituiccedilatildeo da participaccedilatildeo dos trabalhadores nos lucros do repouso semanal remunerado da previsatildeo da estabilidade e tambeacutem foi assegurado ao trabalhador o direito agrave greve A Justiccedila do trabalho foi incorporada ao rol dos oacutergatildeos que compunham Justiccedila Federal

Acrescenta Mozart Victor Russomano mais algumas inovaccedilotildees legislativas datadas do citado periacuteodo a saber

[] Nessa Linha Evolutiva trecircs fatos merecem registro especial a) a promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social com a uniformizaccedilatildeo legislativa nessa mateacuteria e a unificaccedilatildeo dos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensotildees INPS b) a promulgaccedilatildeo do Estatuto do Trabalhador Rural e da legislaccedilatildeo complementar c) a integraccedilatildeo do seguro contra acidentes do trabalho no sistema de Previdecircncia Social (RUSSOMANO 2002 p 33)

A partir de 1964 o Brasil passou a reformular sua poliacutetica econocircmica mediante a adoccedilatildeo de algumas metas prioritaacuterias que se refletiram de forma muito acentuada na legislaccedilatildeo trabalhista Houve a instituiccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica salarial de governordquo com o objetivo de normatizar o reajuste de salaacuterios

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Foi justamente no referido momento histoacuterico que se institui o Fundo de Garantia do Tempo de Serviccedilo (FGTS) atraveacutes da Lei nordm 51071966 com a finalidade captar recursos para subsidiar o sistema habitacional o que acabou por si soacute por se projetar de forma muito acentuada nas relaccedilotildees de trabalho especialmente no que se refere agraves indenizaccedilotildees e estabilidades empregatiacutecias

A Constituiccedilatildeo Federal de 1967 por sua vez marcou o recesso do Congresso Nacional e o retorno agrave expediccedilatildeo de decretos-lei o que veio a permitir a criaccedilatildeo de novas leis em sede trabalhista que alteraram e melhoraram o texto da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) Importante mencionar que tal postura estatal expressava o novo regime poliacutetico vivenciado no Brasil naquela eacutepoca a ditadura militar

No que se refere a este momento eacute importante mencionar a ediccedilatildeo da Lei Complementar nordm 7 de 1970 que instituiu o Programa de Integraccedilatildeo Social e da Lei nordm 43301964 que regulou o direito de greve previsto no corpo normativo constitucional

Destaca-se a publicaccedilatildeo da Lei nordm 585972 que tratou inicialmente do trabalho dos empregados domeacutesticos tambeacutem da Lei nordm 588973 que disciplinou o trabalho rural e ainda da Lei nordm 601974 que por sua vez cuidou do trabalho temporaacuterio

Mas neste contexto a norma constitucional contribuiu de forma mais abrangente e positiva com o regramento trabalhista e com o direito do trabalho propriamente dito foi a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na medida em que afirmou e estendeu o rol de garantias acerca das relaccedilotildees de trabalho e por isso eacute objeto de anaacutelise da proacutexima seccedilatildeo

4 A TUTELA AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Fruto de um processo de redemocratizaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 promulgada em cinco de outubro do mesmo ano alterou por completo o sistema de proteccedilatildeo do direito do trabalho em seu vieacutes constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Notou-se por parte do legislador constituinte uma grande preocupaccedilatildeo em proteger o trabalho especialmente pelo grande nuacutemero de dispositivos constitucionais reservados agrave mateacuteria trabalhista na Carta Magna de 1988 Domingos Saacutevio Zainaghi destaca as novidades trazidas na atual constituiccedilatildeo vigente nos seguintes termos [] ldquoAs principais novidades satildeo feacuterias remuneradas com um terccedilo a mais direitos dos empregados domeacutesticos licenccedila paternidade FGTS ampliaccedilatildeo do prazo prescricional para a cobranccedila de creacuteditos trabalhistas para cinco anos etcrdquo (ZAINAGHI 2011 p 07)

O direito do trabalho individual estaacute regrado a partir do artigo seacutetimo e se estende ateacute o artigo de nuacutemero onze da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (CF) Na sequecircncia empreende-se uma anaacutelise mais acurada dos citados dispositivos constitucionais

Iniciando-se pelo artigo seacutetimo cujo conteuacutedo objetiva estabelecer em que termos a proteccedilatildeo ao trabalho individual aconteceu a partir de 1988 no Brasil Trata-se de um dispositivo bastante extenso e que tem por finalidade apresentar o rol de direitos assegurados aos trabalhadores dos quais se destacam a equiparaccedilatildeo em termos de direito dos trabalhadores urbanos e rurais a proteccedilatildeo a relaccedilatildeo de emprego no que se refere agrave despedida arbitraacuteria a previsatildeo de seguro-desemprego para as situaccedilotildees em que esse resultar de ato involuntaacuterio a institucionalizaccedilatildeo do Fundo de Garantia do tempo de Serviccedilo como regime uacutenico para todos os trabalhadores a estipulaccedilatildeo de salaacuterio miacutenimo a previsatildeo de piso salarial a proteccedilatildeo contra a diminuiccedilatildeo dos salaacuterios salvo negociaccedilatildeo coletiva Aos trabalhadores que recebem por produtividade garante-se o direito a uma remuneraccedilatildeo miacutenima direito ao deacutecimo terceiro salaacuterio previsatildeo de adicional noturno regras de proteccedilatildeo ao salaacuterio em razatildeo de sua natureza alimentar direito agrave participaccedilatildeo nos lucros e na gestatildeo da empresa direito ao salaacuterio-famiacutelia limitaccedilatildeo das jornadas previsatildeo do repouso semanal remunerado devendo este acontecer preferencialmente aos domingos direito agrave remuneraccedilatildeo superior pela hora-extra efetuada direito agraves feacuterias anuais remuneradas e acrescidas de 13 direito agrave licenccedila agrave gestante e licenccedila-paternidade proteccedilatildeo especial ao trabalho da mulher aviso preacutevio e proporcional ao tempo de serviccedilo proteccedilatildeo agrave sauacutede seguranccedila e higiene do trabalho previsatildeo de adicional para atividades laborais de risco direito agrave

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aposentadoria para todos os trabalhadores proteccedilatildeo agrave crianccedila reconhecimento de acordos e convenccedilotildees coletivas proteccedilatildeo ao trabalho em razatildeo da automaccedilatildeo seguro contra acidentes de trabalho extensivo a todos os trabalhadores da organizaccedilatildeo empresarial previsatildeo de prazos prescricionais para ajuizamento de reclamatoacuterias trabalhistas e cobranccedila de haveres laborais proteccedilatildeo contra discriminaccedilatildeo no que se refere ao trabalhador portador de algum tipo de deficiecircncia proteccedilatildeo contra tratamento diferenciado agraves diferentes modalidades de trabalho trabalho manual trabalho teacutecnico e trabalho intelectual previsatildeo de proteccedilatildeo ao trabalho desenvolvido pelo menor de 18 anos equiparaccedilatildeo entre os trabalhadores dotados de viacutenculo empregatiacutecio e o trabalhador avulso atribuiccedilatildeo de garantias baacutesicas ao trabalhador domeacutestico4

Na sequecircncia no artigo oitavo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nota-se o cuidado do legislador constituinte em assegurar o direito de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores bem como estabelecer algumas premissas para a instituiccedilatildeo legiacutetima dessas organizaccedilotildees

Observa-se sobretudo que no artigo oitavo a consagraccedilatildeo constitucional da liberdade de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores de forma desvinculada agrave autorizaccedilatildeo do Estado vedando-se inclusive a intervenccedilatildeo e a interferecircncia estatal nessas organizaccedilotildees Haacute tambeacutem a adoccedilatildeo do sistema sindical uacutenico que consiste no fato de que em uma mesma base territorial natildeo seja possiacutevel a instituiccedilatildeo de mais de um sindicato que busque salvaguardar os interesses de uma mesma categoria profissional Daacute-se ao sindicato a missatildeo de defender no acircmbito judicial ou no acircmbito administrativo os interesses da categoria integrada por seus sindicalizados Haacute a institucionalizaccedilatildeo obrigatoacuteria da contribuiccedilatildeo sindical assim como o direito de liberdade de associaccedilatildeo daqueles que pertenccedilam a uma determinada categoria profissional o que significa dizer em uacuteltima anaacutelise que nenhum trabalhador eacute obrigado a filiar-se a qualquer entidade sindical mas eacute sim obrigado a contribuir com o custeio da mesma mediante contribuiccedilatildeo anual definida em assembleia Resta estabelecida a obrigatoriedade da participaccedilatildeo das entidades de associaccedilatildeo

4 Recentemente por intermeacutedio da Emenda Constitucional nordm 722013 estendeu-se aos trabalhadores domeacutesticos todos os direitos assegurados aos demais trabalhadores no acircmbito constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

profissional coletiva quando da realizaccedilatildeo de negociaccedilotildees coletivas de trabalho Garante-se ao filiado ainda que aposentado a prerrogativa de votar e ser votado nas assembleias sindicais Por fim assegura-se a estabilidade provisoacuteria no emprego isto eacute a proteccedilatildeo contra despedida arbitraacuteria ao empregado que tornar-se dirigente sindical seja titular ou suplente ateacute 01 ano apoacutes o fim de seu mandato

No artigo nono o legislador constituinte se preocupou em garantir o direito de greve aos trabalhadores Vecirc-se que por este dispositivo legal assegura ao trabalhador o direito agrave greve cabendo poreacutem a eles a responsabilidade para avaliarem aos proacuteprios trabalhadores a oportunidade e a conveniecircncia do exerciacutecio deste Foi reservada inclusive a lei especiacutefica o papel de regulamentar o direito de greve tambeacutem a realizaccedilatildeo de serviccedilos ou atividades essenciais ou atendimento de necessidades inadiaacuteveis bem como estabelecer puniccedilatildeo em caso do cometimento de abusos por parte dos grevistas

Por sua vez o artigo deacutecimo tem por objetivo assegurar aos trabalhadores o direito de representaccedilatildeo em oacutergatildeos puacuteblicos colegiados em que sejam discutidos assuntos de interesses profissionais ou previdenciaacuterios

Por fim o artigo onze garante aos trabalhadores que trabalhem em organizaccedilotildees com mais de 200 empregados a eleiccedilatildeo de um representante que trataraacute dos interesses dos empregados de forma direta

Ainda no que se referem aos dispositivos legais elaborados de modo a enfocar a mateacuteria trabalhista menciona-se que nos artigos 111 112 e 113 (CF 1988) o legislador constituinte tratou da Organizaccedilatildeo da Justiccedila do Trabalho bem como estabeleceu a competecircncia dos oacutergatildeos que integram a Justiccedila do trabalho nos artigos 114 115 e 116 Desses dispositivos constitucionais nota-se que compotildeem a Justiccedila do Trabalho no Brasil os Juiacutezes do trabalho os Tribunais Regionais do Trabalho Assim como o Tribunal Superior do Trabalho o qual eacute competente em julgar as seguintes accedilotildees demandas advindas da relaccedilatildeo de trabalho em geral processos que envolvam o exerciacutecio do direito de greve os litiacutegios resultantes da accedilatildeo das entidades coletivas que representam os trabalhadores (sindicatos) as accedilotildees resultantes da aplicaccedilatildeo dos remeacutedios constitucionais ndash mandados de seguranccedila habeas corpus e habeas data ndash quando se referirem agraves questotildees pertinentes ao trabalho todas as situaccedilotildees conflituosas que pairarem sobre os

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proacuteprios juiacutezos trabalhistas referidos agrave competecircncia desses todas as accedilotildees envolventes agraves indenizaccedilotildees por danos patrimoniais ou por dano moral em decorrecircncia das relaccedilotildees de trabalho demandas oriundas de fiscalizaccedilatildeo trabalhista accedilotildees relativas agrave cobranccedila de contribuiccedilotildees sociais enfim todas as controveacutersias originadas nas relaccedilotildees trabalhistas conforme as leis vigentes

Joseacute Afonso da Silva explica com muita propriedade o significado do reconhecimento dos direitos trabalhistas sob o ponto de vista de sua eficaacutecia no corpo normativo constituinte de 1988 ao afirmar

Satildeo direitos dos trabalhadores os enumerados nos incisos do art 7ordm aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social Temos assim direitos expressamente enumerados e direitos simplesmente previstos Dos enumerados uns satildeo imediatamente aplicaacuteveis outros dependem de lei para sua efetivaccedilatildeo praacutetica [] (SILVA 2003 p 288)

O mesmo autor destaca o caraacuteter imperativo das referidas normas ao escrever ldquoAs normas que os definem com eficaacutecia imediata ou natildeo importam em obrigaccedilotildees estatais no sentido de proporcionar aos trabalhadores os direitos assegurados e programados Toda atuaccedilatildeo em outro sentido infringe-asrdquo (SILVA 2003 p 288) Isso significa dizer que todos os direitos trabalhistas postos na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 precisam ser observados em uma relaccedilatildeo de emprego sob pena de ferir o ordenamento juriacutedico vigente

Para Walter Ceneviva o tratamento conferido ao regramento trabalhista pelo legislador constituinte de 1988 [] ldquoembora extenso estaacute longe de ser exaustivo Quando repete conceito incluiacutedo entre direitos e garantias individuais quer acentuar a importacircncia para a comunidade geralrdquo [] (CENEVIVA 2003 p 95) Da afirmaccedilatildeo de Ceneviva destaca-se a importacircncia dos direitos trabalhistas enquanto direitos fundamentais assegurados constitucionalmente inerentes agrave condiccedilatildeo humana

5 A CONDICcedilAtildeO POacuteS-MODERNA E SUA REPERCUSSAtildeO NO MUNDO DO TRABALHO

Atualmente vive-se em uma sociedade marcada pela efemeridade das relaccedilotildees e pela fluidez de paradigmas sujeita agraves mudanccedilas constantes nas conjecturas relacionais e sociais marcada pela instabilidade dos institutos sociais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 290

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Todas essas caracteriacutesticas revelam o caraacuteter preponderante da eacutepoca vivida chamada por muitos como poacutes-moderna e que em muito repercute no mundo do trabalho

No entanto existe um verdadeiro dissenso entre os autores sobre o que os termos poacutes-modernismo e poacutes-modernidade querem significar Sobre esta dificuldade afirma Perry Anderson ldquouma vez que o moderno ndash esteacutetico ou histoacuterico ndash eacute sempre em princiacutepio o que se deve chamar de presente absoluto ele cria uma dificuldade peculiar para a definiccedilatildeo de qualquer periacuteodo posterior que o converteria em um passado relativordquo (Anderson 1999 p 20)

Alguns autores caracterizam a condiccedilatildeo poacutes-moderna como o momento histoacuterico experimentado apoacutes a queda do Muro de Berlim nas sociedades capitalistas Outros pensadores consideram o poacutes-modernismo como uma espeacutecie de reaccedilatildeo agrave sociedade moderna Nesse sentido David Harvey destaca ldquo[] talvez soacute haja concordacircncia em afirmar que o ldquopoacutes-modernismordquo representa alguma espeacutecie de reaccedilatildeo ao ldquomodernismordquo ou de afastamento delerdquo (Harvey 2000 p 19)

Perry Anderson ao fazer uma anaacutelise sobre o emprego da expressatildeo condiccedilatildeo poacutes-moderna afirma que foi Jean-Franccedilois Lyotard quem pioneiramente utilizou-a com o objetivo de identificar a situaccedilatildeo histoacuterica relativa agraves alteraccedilotildees da organizaccedilatildeo da vida humana que se seguiram a modernidade (Anderson 1999 pp32-33)

Veja-se como Angelo Peres caracteriza a poacutes-modernidade

[] na era poacutes-moderna temas como razatildeo sujeito totalidade verdade e progresso satildeo conceitos vazios e em crise A poacutes-modernidade eacute a era do efecircmero do fragmentaacuterio do caoacutetico Na verdade eacute descontiacutenua sempre enfatizando a possibilidade de lidar com a realidade atraveacutes do pensamento racional (PERES 2006 p 02)

Angelo Peres eacute enfaacutetico ao destacar o caraacuteter instaacutevel que permeia a condiccedilatildeo poacutes-moderna

Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl destacam a alteraccedilatildeo da subjetividade humana no contexto da poacutes-modernidade ao escreverem

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As mudanccedilas nas maneiras dos sujeitos compreenderem o contexto na poacutes modernidade transformaram os viacutenculos entre os sujeitos e destes com as praacuteticas culturais que satildeo atividades humanas atribuiacutedas de valores e inscritas em uma determinada sociedade (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 02)

Para as referidas autoras a cultura tem como pressuposto o agir humano em sociedade de modo que na poacutes-modernidade observa-se uma alteraccedilatildeo acentuada nas relaccedilotildees humanas em si repercutindo portanto no elemento subjetivo inerente ao indiviacuteduo Para Fredric Jameson eacute essencial ldquo[] entender o poacutes-modernismo natildeo como um estilo mas como um dominante cultural uma concepccedilatildeo que daacute margem agrave presenccedila e agrave coexistecircncia de uma seacuterie de caracteriacutesticas que apesar de subordinadas umas as outras satildeo bem diferentes (JAMESON 1991 p 29)

Assim eacute interessante notar que a condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se marcada notadamente pela fragmentaccedilatildeo pelas complexidades efemeridades e inconstacircncias seja no aspecto individual ou no aspecto coletivo Mostra-se pois como um periacuteodo que trouxe profundas alteraccedilotildees no pensar filosoacutefico artiacutestico e cultural e tambeacutem para o mundo do trabalho na medida em que tecircm no individualismo na ausecircncia de credos medos e na liberdade de expressatildeo do pensamento alguns de seus traccedilos delineadores Ao mesmo tempo utiliza-se das modernas ferramentas tecnoloacutegicas para pulverizar na sociedade informaccedilotildees estimular o consumo desenfreado o que por si soacute acaba por conduzir a ausecircncia de uma identidade definida ou definitiva do homem poacutes-moderno concebido culturalmente a partir da intersubjetividade

No que se refere agrave esfera laboral sobreleva notar que as relaccedilotildees de trabalho experimentaram uma situaccedilatildeo peculiar a inserccedilatildeo do aspecto flexiacutevel em sua configuraccedilatildeo

Para David Harvey a flexibilizaccedilatildeo foi internalizada no acircmbito das relaccedilotildees de trabalho objetivando propiciar a manutenccedilatildeo do sistema capitalista onde a inserccedilatildeo de elemento flexiacutevel acabou por permitir a reorganizaccedilatildeo das estruturais laborais sem que a premissa do lucro atrelado ao capital fosse rechaccedilada (HARVEY 2000 p174-75)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Vaacuterios fatores influenciaram para a configuraccedilatildeo da flexibilizaccedilatildeo laboral desde a reestruturaccedilatildeo dos meios produtivos passando pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que permitiram propriamente a mundializaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de produtos e serviccedilos

Sobre o trabalho flexiacutevel argumentam ainda Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl

[] o trabalho flexiacutevel por ser central na maioria da vida dos sujeitos colocou-os sob o risco do desemprego e do fracasso profissional Esse medo do fracasso pode redundar em uma coerccedilatildeo interna que se torna alienante ao sujeito quando causa a ele uma consciecircncia fragmentada com pensamentos que natildeo se associam e uma compreensatildeo simplificada do contexto (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 14)

O trabalhador poacutes-moderno portanto paulatinamente eacute compelido ao desenvolvimento de multifuncionalidades com vistas a permitir o atendimento dos anseios da sociedade laboral poacutes-moderna Como exemplo de tal processo pode-se citar controle da jornada de trabalho multifacetada minimizaccedilatildeo da figura do liacuteder em prol do trabalho em equipe estabelecimento de mecanismos de avaliaccedilatildeo funcional pautados na produtividade e na diminuiccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo achatamento de salaacuterios e rendimentos e ainda a supervalorizaccedilatildeo das entidades empregadoras

Tudo isso refletiu-se no modo como o direito do trabalho passou a tratar as relaccedilotildees de emprego que se deu ao legislador trabalhista a tarefa de regrar as relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores com a finalidade de minimizar os conflitos entre as classes e principalmente garantir condiccedilotildees baacutesicas ao trabalhador que se viu inserido no contexto poacutes-moderno de forma a dar-lhe maior seguranccedila e certeza na execuccedilatildeo de seu labor

6 A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Conforme se visualiza ateacute aqui a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tutelou a proteccedilatildeo ao trabalho de forma ampla com vistas a assegurar condiccedilotildees miacutenimas de trabalho agrave classe trabalhadora brasileira Por outro lado vive-se um momento

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

histoacuterico marcado fortemente pela flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas em geral e em que muito se reflete no mundo do trabalho

Conveacutem destacar nesse sentido que o legislador constituinte de 1988 acabou por internalizar essa concepccedilatildeo poacutes-moderna ligada agrave maleabilidade das relaccedilotildees quando inseriu no texto constitucional dispositivos que permitiram a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista no Brasil a saber

Art 7ordm Satildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social () VI - irredutibilidade do salaacuterio salvo o disposto em convenccedilatildeo ou acordo coletivo () XIII - duraccedilatildeo do trabalho normal natildeo superior a oito horas diaacuterias e quarenta e quatro semanais facultada a compensaccedilatildeo de horaacuterios e a reduccedilatildeo da jornada mediante acordo ou convenccedilatildeo coletiva de trabalho XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento salvo negociaccedilatildeo coletiva

Nota-se do texto constitucional destacado a admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva com a finalidade de fixar salaacuterios e estabelecer jornada de trabalho de forma diferenciada respeitadas as leis em vigor sobre o assunto

Para Glaucia Barreto trata-se de uma nova fase na qual a autonomia da vontade de empregados e empregadores toma local de destaque no acircmbito das relaccedilotildees jus laborativas local este antes ocupado pelo legislador ndash de forma exclusiva Poreacutem com uma condiccedilatildeo peculiar da preservaccedilatildeo da funccedilatildeo tutelar do Estado com o intuito de se garantir uma proteccedilatildeo legal miacutenima (BARRETO 2008 p 6)

Tem-se como exemplo do processo de flexibilidade atribuiacuteda agraves regras do trabalho a ediccedilatildeo da suacutemula 453 do Tribunal Superior do Trabalho que assim dispotildee

Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociaccedilatildeo coletiva os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento natildeo tem direito ao pagamento da seacutetima e oitava horas como extras

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Tambeacutem como exemplo vale citar o inciso II da Suacutemula 364 igualmente do Tribunal Superior do Trabalho que assim versa

A fixaccedilatildeo do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposiccedilatildeo ao risco deve ser respeitada desde que pactuada em acordos ou convenccedilotildees coletivas

Nos dois exemplos apontados observa-se a condiccedilatildeo de desvantagem ocupada pelo trabalhador que em um primeiro momento se vecirc obrigado a estender sua jornada de trabalho em turnos de revezamento (originariamente limitadas haacute seis horas diaacuterias) sem direito ao recebimento da seacutetima e da oitava horas com adicional de horas extras e no segundo exemplo em que se visualiza a possibilidade de diminuiccedilatildeo do percentual do adicional de periculosidade de forma proporcional agrave exposiccedilatildeo do mesmo ao perigo

O ponto central da discussatildeo aqui proposta eacute a avaliaccedilatildeo sobre em que medida a condiccedilatildeo mais maleaacutevel admitida perante a legislaccedilatildeo trabalhista beneficia a classe trabalhadora pois essa surge com o intuito de afastar o rigorismo legal tantas vezes apontado como o vilatildeo do desemprego e da falta da oferta de novos postos de trabalho poreacutem paradoxalmente acaba por rechaccedilar a aplicaccedilatildeo de direitos inerentes a condiccedilatildeo do trabalhador outrora assegurados

Nesse sentido argumenta Valdete Souza Severo ldquoO problema eacute que a flexibilizaccedilatildeo em si implica a destruiccedilatildeo dessa estrutura riacutegida de direitos fundamentais protegidos por uma loacutegica de proibiccedilatildeo ao retrocessordquo (SEVERO 2008 p 2)

Por outro lado Maria Christina Figueira de Morais destaca a inssustentabilidade de um regramento trabalhista riacutegido frente agraves necessidades da sociedade contemporacircnea

O Direito do Trabalho reclama por reformas profundas como meio de remoccedilatildeo de entraves propiciando sua vocaccedilatildeo maior que eacute a instrumentalidade das formas a flexibilizaccedilatildeo do caraacuteter protecionista excessivo em relaccedilatildeo ao trabalhador e a promoccedilatildeo de uma maior celeridade e justiccedila social desobstruindo inclusive as varas trabalhistas aleacutem de procurar minimizar e suprir as deficiecircncias do sistema adequando-o agrave realidade (MORAIS 2008 p 1)

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

Para Andreacutea Marin dos Santos ldquoA flexibilizaccedilatildeo das normas trabalhistas deve ter por escopo a adequaccedilatildeo de seus conteuacutedos agrave realidade faacutetica das relaccedilotildees empregatiacutecias e natildeo a mitigaccedilatildeo de direitos trabalhistas sob o mote do ldquonegociado sobre o legisladordquo (SANTOS 2004 p 1)

Observa-se que a verdadeira discussatildeo impera sobre a flexibilizaccedilatildeo trabalhista concebida como poliacutetica puacuteblica estatal engendrada na qual objetiva-se a adequaccedilatildeo das leis agraves necessidades sociais de uma economia neoliberal de um mundo globalizado no contexto da poacutes-modernidade com a finalidade da mitigaccedilatildeo dos conflitos entre a classe dos trabalhadores e dos empregadores

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

De todo o exposto pode-se concluir que a legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como ferramenta de intervenccedilatildeo puacuteblica estatal objetivando regrar o trabalho livre subordinado e remunerado Tudo isso com o objetivo uacuteltimo de assegurar aos trabalhadores direitos baacutesicos e inerentes a sua condiccedilatildeo

Embora natildeo se possa mencionar com exatidatildeo desde quando o homem trabalha as primeiras regras trabalhistas somente surgiram no contexto mundial no fim do seacuteculo XIX e no iniacutecio do seacuteculo XX como forma de se amenizarem muitos dos conflitos estabelecidos entre a classe operaacuteria e os detentores dos modos de produccedilatildeo

O Estado brasileiro produziu suas primeiras normas em mateacuteria trabalhista especialmente a partir do ano de 1930 com o surgimento do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio durante o governo de Getuacutelio Vargas Desde entatildeo experimentou-se em terras brasileiras uma intensa produccedilatildeo normativa sobre esta temaacutetica seja com o objetivo de regulamentar as profissotildees existentes ou no sentido de se assegurarem garantias miacutenimas aos trabalhadores

Naquele momento histoacuterico a legislaccedilatildeo trabalhista visava reger de forma absoluta as relaccedilotildees de emprego de modo imperativo e categoacuterico dessa forma natildeo era considerado vaacutelido o exerciacutecio da autonomia da vontade das partes (Empregador X Empregado) decidirem sobre quaisquer dos direitos afetos ao exerciacutecio empregatiacutecio Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 296

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Com o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo somado agrave adoccedilatildeo de praacuteticas neoliberais e ao aumento da taxa de desemprego de modo especial nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX tem-se um novo marco nas relaccedilotildees de trabalho a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista

A flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista de uma forma geral pode ser entendida como um processo segundo o qual o Estado permite que as normas do trabalho sejam adaptadas agraves condiccedilotildees de trabalho presentes em uma determinada situaccedilatildeo concreta a partir de negociaccedilatildeo coletiva estabelecida entre o empregador e o sindicato da categoria profissional em que o empregado estaacute inserido

Caracteriza-se como uma postura adotada pelo Estado brasileiro

contemporacircnea na medida em que surge com o intuito maior de fomentar a geraccedilatildeo

de emprego priorizar a manutenccedilatildeo de postos de trabalho e diminuir a

informalidade Tudo isso atraveacutes da admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva sobre as

condiccedilotildees do contrato de trabalho (alteraccedilatildeo dos limites legais de duraccedilatildeo da

jornada de trabalho modificaccedilatildeo de valores salariais entre outros)

Tem por escopo dotar as regras trabalhistas de maior adaptabilidade de

modo a rechaccedilar uma recorrente reclamaccedilatildeo da classe empregadora o excessivo

rigorismo das leis do trabalho como entrave ao aumento de contrataccedilotildees formais

Por tais motivos esta postura estatal gerou imensa repercussatildeo no mundo

do trabalho seja sobre as relaccedilotildees sociais estabelecidas no acircmbito da classe

trabalhadora ou no aspecto juriacutedico pois o princiacutepio maacuteximo de proteccedilatildeo a figura do

empregado passa a ser discutido

Em prol do pretendido aumento da proximidade e igualdade entre as partes envolvidas na relaccedilatildeo de trabalho e tambeacutem da diminuiccedilatildeo do rigorismo das leis do trabalho passou-se a observar de outro lado a mitigaccedilatildeo de vaacuterias garantias outrora concedidas aos trabalhadores

Logo diante do conjunto normativo existente no Brasil na atualidade

observa-se que para aleacutem de meramente tutelar interesses dos trabalhadores existe

uma preocupaccedilatildeo recorrente em harmonizar de forma otimizada os diferentes

conflitos advindos muitas vezes da proacutepria relaccedilatildeo estabelecida entre

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

empregadores e empregados A admissatildeo pelo legislador constituinte de 1988 de

instrumentos aptos a possibilitar a flexibilizaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de

trabalho desde que intermediada a negociaccedilatildeo pela entidade coletiva que

representa os trabalhadores mostra-se como uma forma de se tentar ao menos

minimizar possiacuteveis efeitos nocivos a proacutepria classe trabalhadora Ao mesmo tempo

tal posicionamento estatal fortalece ateacute mesmo os proacuteprios oacutergatildeos classistas

Dentro desse processo tais instituiccedilotildees acabam por se afirmar na defesa dos

interesses de uma determinada categoria

Quando a Carta Magna de 1988 condicionou a validade das negociaccedilotildees

estabelecidas no acircmbito das relaccedilotildees laborais engendradas entre trabalhadores e

empregadores a mediaccedilatildeo realizada pelo sindicato obreiro quis tambeacutem o

legislador evitar possiacuteveis conflitos judiciais e favorecer a composiccedilatildeo coletiva

Dentro da loacutegica que rege o ordenamento juriacutedico paacutetrio e pelo conjunto de

princiacutepios que lhe serve de sustentaacuteculo o que eacute negociado natildeo pode prejudicar o

conteuacutedo das leis pois vigora a supremacia constitucional Dessa forma tudo que

contraria as regras constitucionais apresenta-se como invaacutelido

Nesse contexto ainda que haja o permissivo constitucional apto a

possibilitar a negociaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de trabalho esta negociaccedilatildeo

natildeo ficou a cargo uacutenico e exclusivo das partes envolvidas mas sujeita a todas as

regras existentes em sede trabalhista no Brasil

Assim a flexibilizaccedilatildeo apresenta-se como realidade na sociedade

contemporacircnea consolida-se na medida em que se constitui no instrumento apto a

ajustar as normas vigentes agraves condiccedilotildees sociais e econocircmicas experimentadas de

forma direta pelos cidadatildeos

Importante se faz neste contexto o entendimento que sob nenhum

argumento a flexibilizaccedilatildeo pode ser utilizada para subtraccedilatildeo de direitos miacutenimos aos

trabalhadores Por isso eacute fundamental o fortalecimento das entidades sindicais e a

accedilatildeo vigilante da justiccedila do trabalho no sentido de coibir abusos e praacuteticas ilegais

sob o argumento flexibilizador

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

REFEREcircNCIAS

ANDERSON Perry As origens da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 APPEL-SILVA Marli e Biehl Kaacutetia Trabalho na poacutes-modernidade crenccedilas e concepccedilotildees Revista mal-estar e subjetividade Fortaleza V VI nordm 2 p 518-534 set2006 Disponiacutevel em lthttppepsicbvsaludorgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S1518-61482006000200011gt Acesso em 01 nov 2011 BARRETO Glaucia Curso de direito do trabalho Niteroacutei Impetus 2008 BRASIL Constituiccedilatildeo (1824) Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brazil de 25 de marccedilo de 1824 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao Constituicao24htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1891) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicao91htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1934) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogov brccivil_03ConstituicaoConstituicao34htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1937) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03 ConstituicaoConstituicao37htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1946) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao46htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao67htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Emenda Constitucional nordm 1 de 17 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoEmendas Emc_anterior1988emc01-69htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de1988 de 05 de outubro de 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicaohtmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 3353 de 13 de maio de 1888 Declara extinta a escravidatildeo no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LeisLIMLIM3353htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Decreto-Lei nordm 5452 de 1ordm de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Decreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 4330 de 1ordm de junho de 1964 Regula o direito de greve na forma do art 158 da Constituiccedilatildeo Federal Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03Leis1950-1969L4330htmgt Acesso em 17 fev 2013

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

NASCIMENTO Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho histoacuteria e teoria do direito do trabalho relaccedilotildees individuais e coletivas do trabalho 26 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 PERES Angelo Poacutes-modernidade e mercado de trabalho Disponiacutevel em lthttpinternativacombrartigo_rh_09_06htmlgt Acesso em 24 jan 2012 RUSSOMANO Mozart Victor Curso de direito do trabalho 9 ed Curitiba Juruaacute 2002 SANTOS Andreacutea Marin dos A reforma trabalhista garantia ou mitigaccedilatildeo de direitos Jus Navigandi Teresina ano 9 n 189 11 jan 2004 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombrrevistatexto4677 gt Acesso em 11 jun 2011 SEVERO Valdete Souto O mundo do trabalho e a flexibilizaccedilatildeo Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1946 29 out 2008 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombr revistatexto11903gt Acesso em 15 jun 2011 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 26 ed Satildeo Paulo Malheiros 2003 ZAINAGHI Domingos Saacutevio Curso de legislaccedilatildeo social direito do trabalho 12 ed Satildeo Paulo Atlas 2001

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo

E GOVERNANCcedilA GLOBAL1

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE

Patriacutecia Galvatildeo Ferreira2

Resumo Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os

Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes3 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo

1 Artigo submetido em 09072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 01112013 Trabalho baseado no Capiacutetulo 3 da tese doutoral ldquoBreaking the Weak Governance Curse Global Regulation and Governance Reform in Resource-Rich Developing Countriesrdquo defendida em 2012 na Faculty of Law da Universidade de Toronto Traduccedilatildeo de Rafael dos Santos-Pinto Revisto e editado pela autora

2 Doutora em direito e desenvolvimento e estudos internacionais pela Universidade de Toronto pesquisadora associada do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro atualmente pesquisadora visitante da FGVDireito Satildeo Paulo ocupou a Caacutetedra Nabuco de Estudos Brasileiros na Universidade de Stanford de Marccedilo a Setembro de 2013 E-mail pgalvaoietsorgbr

3 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma

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Abrindo fronteiras

com teoacutericos institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Palavras-chave Desenvolvimento Globalizaccedilatildeo Governanccedila

Abstract The last two decades have witnessed the elevation of institutional theories of

development to the forefront of mainstream development studies Exponents of institutional theories recognize that promoting development requires policies to improve physical infrastructure to enhance financial and human capital andor to address geopolitical geographic historical and cultural factors Institutionalists make a compelling case however that investing in the improvement of the institutional or governance framework within developing nations is the most effective way even a pre-requisite to promote development A ldquogood governancerdquo framework according to institutional theorists is key to facilitate the achievement of all development objectives and to address negative disruptions and externalities inherent in the development process

Keywords Development Globalization Governance

INTRODUCcedilAtildeO

Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes4 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo com teoacutericos

discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

4 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-

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institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Esse consenso predominante sobre a importacircncia de um soacutelido sistema nacional de governanccedila para garantir desenvolvimento natildeo foi seguido no entanto por um consenso similar sobre o que exatamente caracteriza um bom sistema de governanccedila ou ainda menos sobre quais mecanismos de governanccedila satildeo importantes para quais indicadores de desenvolvimento Alguns autores argumentam que esta ambiguidade teoacuterica e conceitual eacute problemaacutetica a ponto de dissipar o poder elucidativo das teorias institucionais de desenvolvimento (Lecours 2005) A maioria dos estudiosos da aacuterea de desenvolvimento entretanto estaacute engajada em uma agenda construtiva de investigaccedilotildees para decifrar toda uma constelaccedilatildeo de questotildees que foram colocadas pelas teorias institucionais Questotildees como por exemplo o que exatamente se quer dizer por governanccedila como e porque exatamente os paiacuteses vieram a construir sistemas de governanccedila tatildeo distintos como e porque exatamente sistemas de governanccedila sofrem - ou natildeo ndash alteraccedilotildees importantes ao longo do tempo que mecanismos de governanccedila importam para quais objetivos de desenvolvimento e como etc5

O fato da maior parte destas questotildees de pesquisa continuarem sem respostas claras na literatura institucional de desenvolvimento natildeo impediu que nas uacuteltimas deacutecadas houvesse uma proliferaccedilatildeo de iniciativas para a promoccedilatildeo de reformas de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Diversos programas multilaterais e bilaterais de assistecircncia ao desenvolvimento tecircm dado ecircnfase especial a iniciativas para promover boa governanccedila em paiacuteses com um deacuteficit institucional agudo Este natildeo eacute mais o caso do Brasil jaacute que inegavelmente

estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

5 Veja por exemplo Fukuyama 2013 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 304

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construiacutemos ao longo do tempo uma densidade institucional razoaacutevel ainda que em muitas aacutereas incompleta imperfeita eou vulneraacutevel Eu me refiro a muitos paiacuteses da Aacutefrica Aacutesia e em menor grau da Ameacuterica Latina Essas iniciativas multilaterais e bilaterais de promoccedilatildeo de boa governanccedila majoritariamente baseadas em acordos de cooperaccedilatildeo teacutecnica ou na imposiccedilatildeo de condicionalidades em programas de empreacutestimos e doaccedilotildees se provaram pouco frutiacuteferas Apesar do alto valor investido o deacuteficit institucional em diversos paiacuteses em desenvolvimento permanece praticamente inalterado

Apesar desse claro recorde negativo em melhorias institucionais ou talvez por causa disso recentemente um nuacutemero crescente de mecanismos regulatoacuterios globais natildeo convencionais estatildeo sendo criados com o objetivo de influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila Exemplos desses mecanismos satildeo as diversas parcerias transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para Transparecircncia das Induacutestrias Extrativas (EITI na sigla em inglecircs) bem como acordos de parceria para governanccedila (VPAs na sigla em inglecircs) inseridos em acordos bilaterais de comeacutercio O desenho institucional dessas iniciativas eacute muito distinto de mecanismos tradicionais de regulaccedilatildeo internacional Atores natildeo estatais - como organizaccedilotildees da sociedade civil e corporaccedilotildees - participam da concepccedilatildeo e administraccedilatildeo desses mecanismos em peacute de igualdade com Estados A verificaccedilatildeo da implementaccedilatildeo dessas iniciativas tambeacutem fica tambeacutem a cargo de grupos multisetoriais e frequentemente requerem a contrataccedilatildeo de oacutergatildeos independentes para avaliar indicadores de ldquocompliancerdquo

Este movimento expansivo no cardaacutepio de opccedilotildees de mecanismos globais de regulaccedilatildeo para influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila responde a outros fatores aleacutem da influecircncia ideoloacutegica das teorias institucionalistas no entanto Para Anne-Marie Slaughter amp William Burke-White (2006) e para Francis Fukuyama (2004) por exemplo a preocupaccedilatildeo mundial com o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento estaacute em ascensatildeo porque as atuais ameaccedilas agrave seguranccedila de muitos paiacuteses (em especial os desenvolvidos) natildeo estatildeo mais limitadas ao comportamento imprevisiacutevel de Estados controlados por liacutederes paacuterias (como o Iraque de Saddam Hussein ou a Coreacuteia do Norte de Kim Jong-un) que

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devem ser contidos por meio de diplomacia uso da forccedila militar ou mecanismos multilaterais convencionais6 As origens das principais ameaccedilas contemporacircneas agrave seguranccedila satildeo cada vez mais de ordem intra-estatal uma vez que eacute o deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses que tem facilitado o surgimento e a proliferaccedilatildeo de grupos terroristas e maacutefias de crime organizado cujas atividades facilmente cruzam fronteiras Dessa forma somente o fortalecimento de sistemas domeacutesticos de vigilacircncia seriam capazes de lidar eficazmente com esses desafios

Para estes autores novos mecanismos globais para influenciar a forma como Estados organizam seus proacuteprios sistemas domeacutesticos de governanccedila estatildeo sendo discutidos e testados para melhor lidar com as crescentes raiacutezes domeacutesticas dos principais problemas da ordem mundial contemporacircnea Seja qual for a razatildeo ndash para promover indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico ou para defender a seguranccedila nacional de ameaccedilas originadas do deacuteficit institucional de outros paiacuteses ndash existe um crescente reconhecimento para usar as palavras de Fukuyama (2004 traduccedilatildeo nossa) de que a questatildeo de como promover melhorias de governanccedila em Estados fracos de como reforccedilar sua legitimidade democraacutetica e de como fortalecer instituiccedilotildees autossustentaacuteveis se tornou o projeto central da poliacutetica internacional contemporacircnea

Neste artigo argumento que apesar desta crescente diversificaccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios globais criados para interagir e influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a pesquisa predominante nos Estudos de Desenvolvimento e especialmente na sua subdisciplina conhecida como Direito e Desenvolvimento (DampD) ainda natildeo estaacute acompanhando esta nova realidade A literatura de DampD tem centrado no estudo da

6 Anne-Marie Slaughter e William Burke-White (2006) por exemplo argumentam que enquanto o direito internacional foi originalmente construiacutedo para influenciar como os Estados se comportam em relaccedilatildeo uns aos outros e o direito internacional moderno passou a influenciar tambeacutem a conduta dos Estados para com seus proacuteprios cidadatildeos (a exemplo das normas internacionais de direitos humanos) hoje uma terceira geraccedilatildeo de normas internacionais (traduccedilatildeo nossa) ldquoprocura influir ativamente natildeo soacute no Direito domeacutestico mas tambeacutem no ambiente poliacutetico domeacutestico buscando catalizar a accedilatildeo domeacutestica dos governos Slaughter e Burke-White argumentam que estas novas normas internacionais satildeo muito mais invasivas e ao menos potencialmente muito mais transformadoras do que as normas que formam o regime internacional de direitos humanos criado poacutes Segunda Guerra

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dinacircmica nacional das tentativas de reforma institucional7 deixando em segundo plano os efeitos de instrumentos globais ndash tais como mecanismos bilaterais e multilaterais e iniciativas multisetoriais transnacionais ndash nas dinacircmicas de promoccedilatildeo de reformas domeacutesticas

Para ser precisa a literatura de DampD natildeo nega o papel potencial de atores externos em processos domeacutesticos de reforma No entanto o foco dos estudos estaacute em identificar quais obstaacuteculos domeacutesticos estatildeo dificultando as tentativas externas de promover reformas efetivas de sistemas de governanccedila no acircmbito nacional Existe entatildeo uma grande ecircnfase em decifrar os detalhes das estruturas e processos endoacutegenos de reforma Na melhor das hipoacuteteses esta literatura tem investigado a eficaacutecia (ou natildeo) de meacutetodos relacionados a mecanismos internacionais convencionais - como o uso de condicionalidades para empreacutestimos e doaccedilotildees multilaterais e bilaterais ou o uso de sanccedilotildees eou incentivos comerciais (financiamento direto assistecircncia teacutecnica e capacity building) ndash para pressionar ou encorajar paiacuteses em desenvolvimento a desencadear processos nacionais de reforma (TREBILCOCK amp DANIELS 2008 p 341)

Esta perspectiva que eu chamo de cocircncava entretanto ignora a possibilidade de que mecanismos regulatoacuterios globais em especial os natildeo convencionais tambeacutem possam catalizar ou constranger o processo de reforma domeacutestica de forma muito mais complexa e potencialmente mais eficiente do que ateacute agora reconhecido Iniciativas transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para

Transparecircncia das Industrias Extrativas (EITI)8 ou a Parceria para Governos Abertos (OGP)9 por exemplo procuram explorar uma diversa gama de meacutetodos para influenciar processos nacionais de reforma de governanccedila (como participaccedilatildeo social horizontal ao Estado desde a gecircnese da idealizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das reformas sistemas para amplificar ldquopeer pressurerdquo apoio muacutetuo para definir e manter padrotildees nacionais de transparecircncia incentivos de mercado etc) em um soacute mecanismo

A literatura de DampD aparentemente ainda natildeo estaacute investigando em profundidade o efeito dessas novas iniciativas globais nas dinacircmicas domeacutesticas de

7 Para uma anaacutelise recente e abrangente desta literatura veja Trebilcock amp Prado 2011 8 Veja ldquoEITIrdquo site EITI Disponiacutevel em lthttpeitiorggt 9 Veja ldquoOGPrdquo site OGP Disponiacutevel em lthttpwwwogporggt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 307

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mudanccedila institucional mantendo o seu foco em estrateacutegias domeacutesticas para lidar com obstaacuteculos domeacutesticos a tentativas de reforma Esta perspectiva cocircncava (isto eacute este olhar circunscrito aos processos institucionais domeacutesticos) natildeo eacute exclusivo agrave literatura de DampD mas pode tambeacutem ser reconhecido na disciplina mais ampla de estudos de desenvolvimento a partir dos anos 90 Depois da segunda metade dos anos 2000 entretanto um grupo de economistas e cientistas poliacuteticos de desenvolvimento comeccedilaram a devotar mais atenccedilatildeo agraves interaccedilotildees complexas entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos nacionais para lidar com os deacuteficits domeacutesticos de governanccedila Na concepccedilatildeo desses estudiosos os vaacuterios mecanismos globais de governanccedila tecircm uma dinacircmica externa proacutepria a ser estudada assim como devem ser estudadas as formas complexas de interaccedilatildeo pelas quais esses mecanismos podem catalizar influenciar ou dificultar mudanccedilas institucionais na esfera domeacutestica Para iluminar os rumos dessa nossa agenda de pesquisa esses estudiosos do desenvolvimento estatildeo comeccedilando a olhar para a literatura de governanccedila global Com pouquiacutessimas exceccedilotildees acadecircmicos de DampD contemporacircneos ainda natildeo estatildeo engajados nesse importante movimento para desvendar a interaccedilatildeo dinacircmica entre mecanismos regulatoacuterios globais e processos domeacutesticos de reforma institucional

Eu sustento que a agenda de pesquisa de DampD sobre reformas institucionais no acircmbito nacional pode se beneficiar enormemente dessas investigaccedilotildees nascentes sobre as interaccedilotildees entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos de reforma de sistemas domeacutesticos de governanccedila Em outras palavras este artigo propotildee que acadecircmicos de DampD devem expandir a sua perspectiva sobre o processo de reforma institucional domeacutestico levando em consideraccedilatildeo os vaacuterios mecanismos endoacutegenos e exoacutegenos que afetam esse processo e a forma como eles interagem Esta perspectiva expansiva deve iluminar a nova fronteira de estudos sobre reformas institucionais para desenvolvimento Este artigo estaacute dividido da seguinte forma A primeira parte argumenta que a literatura de DampD tem adotado uma perspectiva predominantemente cocircncava focando nos processos nacionais de reforma institucional para desenvolvimento A segunda parte argumenta que a literatura de governanccedila global predominante tem adotado uma perspectiva oposta convexa apenas considerando mecanismos regulatoacuterios globais como ferramentas para contornar (sem necessariamente influenciar) o deacuteficit de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 308

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governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento A terceira parte descreve a nascente literatura que estaacute investigando as interaccedilotildees entre mecanismos globais e sistemas domeacutesticos que sofrem de um deacuteficit institucional agudo e propotildee que esta literatura deveria ser usada para expandir a perspectiva ateacute entatildeo adotada pela literatura de DampD

1 LITERATURA DE DampD A PERSPECTIVA COcircNCAVA

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial muitos ideoacutelogos poliacuteticos e ativistas se preocupam com o abismo pronunciado ndash e crescente ndash entre indicadores de desenvolvimento de naccedilotildees ricas e de naccedilotildees pobres Esforccedilos concretos para reduzir esse abismo tem gerado muitos desafios morais analiacuteticos e normativos e inspirado uma gama de investigaccedilotildees acadecircmicas em vaacuterias disciplinas Estas investigaccedilotildees acadecircmicas satildeo coletivamente conhecidas como estudos de desenvolvimento Os estudos de desenvolvimento englobam disciplinas acadecircmicas heterogecircneas como economia ciecircncia poliacutetica e direito entre outras Esses estudos tecircm influenciando uns aos outros ao longo dos anos de forma tatildeo complexa que eacute muitas vezes difiacutecil separar uma linha disciplinar da outra Reconhecendo esta dificuldade este artigo adotaraacute o ponto de vista da ainda nascente subaacuterea dos estudos de desenvolvimento conhecida como direito e desenvolvimento (DampD) fazendo todavia tambeacutem referecircncia agrave literatura mais ampla e interdisciplinar sobre desenvolvimento da qual esta faz parte

David Trubek e Alvaro Santos (2006) dividiram a literatura de DampD em dois momentos histoacutericos distintos para propoacutesitos analiacuteticos10 No primeiro momento

10 Se o DampD eacute de fato um ramo autocircnomo de estudos juriacutedicos ou somente um movimento eacute ainda amplamente debatido no meio acadecircmico Carothers (2006) e Davis amp Trebilcock (2007) argumentam que existe ainda enorme ambiguumlidade sobre a maioria das premissas centrais que justificariam a existecircncia de uma disciplina especiacutefica de DampD Estatildeo ainda em aberto questotildees como 1) se as regras juriacutedicas exercem um efeito significativo em indicadores de desenvolvimento 2) se eacute factiacutevel idealizar e prescrever marcos normativos para influenciar desenvolvimento e 3) se eacute possiacutevel para acadecircmicos de um determinado paiacutes identificar possiacuteveis modelos de reforma para promover desenvolvimento em paiacuteses estrangeiros Esta terceira questatildeo estaacute relacionada ao fato de que foram os desafios para promover desenvolvimento no chamado Sul Global que deram origem agraves primeiras linhas de pesquisa sobre DampD nos Estados Unidos e depois na Europa Thomas Carothers apelidou esse grupo de questotildees como o problema do conhecimento do DampD Carothers (2006 traduccedilatildeo nossa) afirma que estas ambiguumlidades tornam o direito e desenvolvimento um ramo feacutertil para pesquisa acadecircmica ao

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eles incluem o movimento que gerou uma seacuterie de estudos pela comunidade juriacutedica americana nos anos 70 No segundo momento eles incluem o que ficou conhecido como o movimento de Rule of Law (ROL) studiesrdquo que se iniciou nos anos 9011 Eu adotarei a divisatildeo destes autores com o propoacutesito de demonstrar que o DampD ndash genericamente falando ndash tem adotado uma perspectiva cocircncava ignorando como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou podem afetar processos de reformas institucionais domeacutesticas com vistas a promover desenvolvimento A uacutenica exceccedilatildeo foi o breve periacuteodo nos anos 80 em que juristas examinaram como o direito internacional estava impactando paiacuteses em desenvolvimento Mas esse tema natildeo eacute geralmente discutido por acadecircmicos envolvidos especificamente com DampD e tampouco houve uma anaacutelise da interaccedilatildeo dos mecanismos regulatoacuterios globais e processos internos de reforma de governanccedila na forma que proponho neste artigo

11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD

As primeiras tentativas de institucionalizar o DampD como um campo definido de pesquisa juriacutedica aconteceram em universidades americanas nos anos 70 (Trubek 2006) Na eacutepoca os estudos sobre desenvolvimento econocircmico impulsionados por teorias da modernizaccedilatildeo jaacute estavam bem estabelecidos nas faculdades de economia Naquela deacutecada economistas de desenvolvimento acreditavam que a convergecircncia econocircmica entre paiacuteses pobres do Sul Global e paiacuteses ocidentais industrializados era uma questatildeo de planejamento inteligente e tempo Os estudos focavam em quais medidas de poliacutetica econocircmica os estados

contraacuterio de negar caraacuteter autocircnomo ao ramo Trebilcock e Davis (2007) adotam a mesma posiccedilatildeo Mariana Prado (2010) diverge ressaltando que o DampD natildeo pode ainda ser considerado um ramo acadecircmico em virtude da falta de um corpo unificado miacutenimo de conceitos e pressupostos O fato eacute que o DampD jaacute produziu um rico manancial de estudos e que vaacuterias faculdades de direito jaacute consideram o ramo como suficientemente estabelecido para estruturar cursos e contratar professores para trabalhar na aacuterea incluindo no Sul Global

11 Em constraste Heller (2003) argumenta que houve na verdade trecircs ondas de promoccedilatildeo de reformas do Estado de Direito (ROL em Inglecircs) desde a Segunda Guerra A primeira onda teria ocorrido nos anos 60 sob o antigo movimento acadecircmico americano de direito e desenvolvimento A segunda onda teria ocorrido nos anos 70 e 80 caracterizando-se pelos esforccedilos de promover a internacionalizaccedilatildeo de padrotildees de direitos humanos relativos a ordem juriacutedica em constituiccedilotildees e sistemas juriacutedicos em todo o mundo Finalmente uma terceira onda englobou os esforccedilos para construir as fundaccedilotildees institucionais para facilitar atividades de mercado eficientes a partir dos anos 80

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desenvolvimentistas poderiam adotar no acircmbito domeacutestico para efetivar esta convergecircncia (Trubek amp Galanter 1974)12 Em paralelo cientistas poliacuteticos estavam conduzindo investigaccedilotildees sistemaacuteticas sobre quais fatores poliacuteticos e sociais poderiam afetar o desenvolvimento social e econocircmico de um paiacutes (PRADO amp TREBILCOCK 2011)13 Juristas se uniram a esse empreendimento acadecircmico um pouco mais tarde para investigar a relaccedilatildeo especiacutefica entre sistemas legais formais e as mudanccedilas econocircmicas pretendidas nos paiacuteses em desenvolvimento De acordo com Trubek e Galanter (1974) a agenda de pesquisa do DampD neste periacuteodo se desenvolveu em estreita relaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo com processos concretos de reformas juriacutedicas sendo empreendidos agrave eacutepoca A pesquisa acadecircmica era em larga medida instrumental com os objetivos principais de justificar e guiar as reformas juriacutedicas para promover desenvolvimento que jaacute ocorriam na praacutetica promovidas por organizaccedilotildees filantroacutepicas privadas ou por agecircncias multilaterais e bilaterais de desenvolvimento (ALMOND amp POWELL JR 1966 NOVACK amp LEKACHMAN 1969) O principal desafio era identificar as mudanccedilas juriacutedicas necessaacuterias para alcanccedilar alguns objetivos de desenvolvimento especiacuteficos (TRUBEK amp GALANTER 1974 p 1074 traduccedilatildeo nossa) Juristas de DampD investigavam por exemplo que deficiecircncias estavam inibindo o funcionamento correto das instituiccedilotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento bem como se e de que forma estas instituiccedilotildees poderiam ser reparadas ou adaptadas para funcionar de forma similar a dos paiacuteses desenvolvidos Assim como nas outras disciplinas de estudos de desenvolvimento existia forte ecircnfase no papel do Estado em regulamentar a economia de mercado direcionando-a para os fins desejados A ideia era que o desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas assim como as de democracia poliacutetica e social seguiria naturalmente o processo de desenvolvimento econocircmico (TRUBEK 2006 p 75)

Havia uma convicccedilatildeo generalizada de que os sistemas juriacutedicos em paiacuteses em desenvolvimento permaneciam rudimentares ou estavam engessados em

12 Jaacute para Duncan Kennedy (em Trubek amp Santos 2006) o interesse acadecircmico pela relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento tem uma histoacuteria muito mais antiga datada ao menos do seacuteculo XVIII Kennedy traccedila uma histoacuteria intelectual detalhada dos primeiros trabalhos acadecircmicos sobre a interaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento

13 Prado e Trebilcock (2011) traccedilam um panorama da evoluccedilatildeo das vaacuterias teorias de desenvolvimento

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formalidades legais vazias revelando-se incapazes de promover poliacuteticas puacuteblicas com objetivos concretos Uma aacuterea de pesquisas centrou em como apoiar o desenvolvimento do ensino juriacutedico na Aacutefrica Aacutesia e Ameacuterica Latina este sendo considerado o instrumento mais eficaz para propiciar a modernizaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos dos paiacuteses em desenvolvimento a longo prazo Outra aacuterea de foco era como expandir o acesso agrave justiccedila que na eacutepoca significava principalmente incluir acesso formal aos tribunais e providenciar serviccedilos juriacutedicos profissionais subsidiados para os setores mais pobres da sociedade (TRUBEK 2006) Havia o questionamento sobre como atores externos poderiam melhor contribuir para a modernizaccedilatildeo do Direito Puacuteblico da administraccedilatildeo puacuteblica e das profissotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento Os meacutetodos propostos eram a transferecircncia de conhecimento programas de capacidade teacutecnica e injeccedilotildees de capital para facilitar o transplante de modelos de instituiccedilotildees juriacutedicas de paiacuteses desenvolvidos para os paiacuteses em desenvolvimento O foco era portanto eminentemente em identificar como exatamente ldquomodernizarrdquo instituiccedilotildees domeacutesticas deficientes

Os estudos de DampD dos anos 70 foram entatildeo motivados pela mesma premissa subjacente nas teorias econocircmicas de modernizaccedilatildeo a soluccedilatildeo ideal para reduzir o abismo de desenvolvimento entre paiacuteses industrializados e os demais estava em ajudar paiacuteses em desenvolvimento a reformar as suas praacuteticas e instituiccedilotildees legais econocircmicas e sociais aproximando-as dos modelos liberal-democraacuteticos dos paiacuteses desenvolvidos considerados exitosos No momento em que a sub-aacuterea de DampD comeccedilou finalmente a acumular uma massa criacutetica de estudos que fizesse frente ao volume acadecircmico jaacute estabelecido nas aacutereas de economia e ciecircncia poliacutetica do desenvolvimento entretanto o paradigma da modernizaccedilatildeo que havia informado as teorias dessas disciplinas jaacute havia entrado em decadecircncia pelo fracasso em gerar melhorias concretas em indicadores de desenvolvimento

A decepccedilatildeo com duas deacutecadas de tentativas frustradas de pensar e promover modelos juriacutedicos para facilitar o desenvolvimento do Sul Global a partir principalmente de entidades acadecircmicas americanas levou David Trubek e Mark Galanter a declararem a morte antecipada do projeto intelectual do DampD em um proeminente artigo de 1974 intitulado Acadecircmicos Auto-alienados (Scholars in Self-Estrangement) Para Trubek e Galanter a proacutepria ideia de que seria possiacutevel Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 312

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transplantar modelos juriacutedicos liberal-democraacuteticos provenientes de paiacuteses desenvolvidos para paiacuteses em desenvolvimento havia sido ingecircnua e etnocecircntrica14 Brian Tamanaha (1995) no entanto argumenta que a extinccedilatildeo do primeiro movimento de DampD foi na verdade uma crise interna da academia americana Para ele a crise surgiu essencialmente da crescente desconfianccedila de acadecircmicos americanos em relaccedilatildeo agraves credenciais democraacuteticas do modelo liberal americano tanto em assuntos domeacutesticos como na poliacutetica externa15

Natildeo haacute como negar entretanto que esta crise acadecircmica americana fazia parte de uma crise ideoloacutegica de proporccedilotildees mundiais O fim do que foi considerado o primeiro movimento de DampD ocorreu no contexto de acalorados debates globais sobre neocolonialismo e sobre a necessidade de uma nova ordem econocircmica internacional A ideia de que as teorias de modernizaccedilatildeo e desenvolvimento dos anos 70 eram projetos etnocecircntricos usados potencialmente por paiacuteses industrializados como instrumentos para interferir em assuntos internos dos paiacuteses em desenvolvimento ecoava muito aleacutem dos ciacuterculos acadecircmicos americanos (APTER 1987)

Tamanaha (1995) argumenta de forma convincente que esta crise ideoloacutegica do projeto acadecircmico de DampD cuja dimensatildeo nunca foi bem estabelecida agrave eacutepoca natildeo chegou a afetar a praacutetica de assistecircncia ao desenvolvimento em geral e a

14 Trubek e Galanter apresentaram uma visatildeo ciacutenica natildeo soacute dos esforccedilos de DampD dos anos 70 mas do projeto mais amplo de tentar promover desenvolvimento em paiacuteses do Sul Global Em recente apresentaccedilatildeo na Universidade de Toronto (Trubek 2013) Trubek afirma que na verdade Galanter e ele tinham como verdadeiro objetivo fazer uma criacutetica construtiva ao projeto acadecircmico de DampD no lugar de condenar o projeto mas admite que o foco na parte criacutetica foi consideravelmente maior do que a parte construtiva

15 Uma questatildeo vaacutelida eacute porque em 1974 Trubek e Galanter ignoraram a possibilidade de usar as tentativas fracassadas de transplantar modelos juriacutedicos do ocidente para repensar que modelos poderiam ser mais adequados agrave realidade dos paiacuteses em desenvolvimento Os dois autores estavam convencidos que o primeiro movimento de DampD estava radicado intrinsecamente em pressupostos liberais impliacutecitos sobre a natureza do Estado e o papel do Direito na sociedade que haviam sido desacreditados nos proacuteprios paiacuteses desenvolvidos Em Scholars in Self-Estrangement Trubek e Galanter discutem estes pressupostos em detalhe Eles basicamente concluem que 1) natildeo eacute possiacutevel presumir que qualquer Estado iraacute utilizar o controle e poderes coercitivos cedidos pela sociedade para avanccedilar o bem-estar individual e coletivo 2) a ideacuteia de que normas juriacutedicas satildeo o principal veiacuteculo utilizado pelo Estado para promover o interesse puacuteblico seria uma falaacutecia ainda mais em paiacuteses em desenvolvimento onde o aparelho estatal estaacute frequumlentemente capturado por elites e o controle social eacute exercido primariamente por meio de normas informais Esta anaacutelise reflete os profundos debates sobre o papel do Estado e normas juriacutedicas formais que ocorriam nos ciacuterculos acadecircmicos da eacutepoca

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assistecircncia ao desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas em particular A demanda de juristas e formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em paiacuteses em desenvolvimento por projetos de cooperaccedilatildeo com governos e acadecircmicos de paiacuteses desenvolvidos na aacuterea juriacutedica permaneceu inalterada As Naccedilotildees Unidas fundaccedilotildees privadas e agecircncias de auxiacutelio bilateral mantiveram a oferta de projetos de assistecircncia relacionados a direito e desenvolvimento Na praacutetica portanto o projeto de DampD sobreviveu bem agraves turbulentas transformaccedilotildees nas percepccedilotildees das relaccedilotildees entre Estado e sociedade dessa eacutepoca Enquanto o movimento de DampD permaneceu adormecido na academia americana o impulso para compreender as relaccedilotildees entre regras juriacutedicas e desenvolvimento comeccedilou a florescer em outras partes Ciacuterculos acadecircmicos na Franccedila e Reino Unido bem como em paiacuteses em desenvolvimento sustentaram a aacuterea de estudos de DampD ainda que de forma esparsa e marginalizada (Tamanaha 1995)

Para os efeitos deste artigo o ponto central a ser destacado eacute que o primeiro movimento de DampD enquanto existiu esteve sempre preocupado em identificar discrepacircncias entre modelos juriacutedicos de paiacuteses industrializados e sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento bem como em formas de promover convergecircncias Eacute verdade que foram atores estrangeiros com experiecircncia e recursos que promoveram grande parte dos esforccedilos de reforma Mas isto natildeo altera o fato que o foco estava em mecanismos domeacutesticos e reformas domeacutesticas em oposiccedilatildeo agrave interaccedilatildeo entre mecanismos internacionais e processos domeacutesticos de reforma

12 Breve temporada no Direito Internacional

No final da deacutecada de 1970 e durante a deacutecada de 1980 enquanto o projeto de DampD permanecia dormente na academia americana e marginalizado em outros paiacuteses a discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento natildeo desapareceu completamente dos estudos juriacutedicos Estes debates foram na verdade deslocados ao campo do Direito Internacional dentro de uma agenda de pesquisa muito diferente claramente divorciada de preocupaccedilotildees com as particularidades das reformas dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos (CARTY 1992) Inspirados por teorias da dependecircncia econocircmica e ressentidos pelo que viam como um projeto neocolonialista liberal levado a cabo por paiacuteses industrializados muitos estudiosos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 314

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provocaram uma guinada de 180 graus no foco acadecircmico e poliacutetico sobre a relaccedilatildeo entre direito e desenvolvimento No lugar de concentrar em como ldquomodernizarrdquo sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a academia passaria a investigar os impactos negativos causados nesses paiacuteses pelos processos de colonizaccedilatildeo e perpetuados ou agravados por uma estrutura econocircmica e poliacutetica internacional desigual

Juristas de direito internacional por exemplo analisaram extensamente os esforccedilos para institucionalizar um direito ao desenvolvimento considerado como uma das ferramentas principais para avanccedilar a desejada ldquoNova Ordem Econocircmica Internacionalrdquo (New International Economic Order - NIEO (DONNELLY 1985) Muitos debates acadecircmicos versaram sobre se e como normas do direito internacional e estruturas poliacuteticas internacionais herdadas da eacutepoca colonial estariam afetando as possibilidades de paiacuteses do Sul Global de promover seus proacuteprios interesses tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional (TAMANAHA 1995) Pesquisadores de direito internacional e direito constitucional desta eacutepoca tambeacutem desenvolveram outro rico ramo de literatura sobre as relaccedilotildees entre o arcabouccedilo nascente de padrotildees internacionais de direitos humanos e o desenho de sistemas constitucionais e legais em paiacuteses em desenvolvimento (GARCIA-AMADOR 1990)

Esta pode ser considerada como a primeira instacircncia em que estudiosos interessados em direito e desenvolvimento passaram a estudar mecanismos internacionais e transnacionais no lugar de focar somente em estruturas institucionais domeacutesticas Esta agenda de pesquisa se manteve no entanto muito distante do caraacuteter instrumental que caracterizou o primeiro movimento de DampD Discussotildees acadecircmicas sobre direitos humanos em geral e sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo em particular eram eminentemente deontoloacutegicas Muitos trabalhos acadecircmicos sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo por exemplo tinham como principal objetivo estabelecer a ldquoextensatildeo em que o Ocidente [durante o passado colonial] havia arruinado as estruturas poliacuteticas e econocircmicas das sociedades do Terceiro Mundo e de como haviam utilizado seus sistemas juriacutedicos para fazecirc-lo (CARTY 1992 p xiii traduccedilatildeo nossa) Os debates acalorados nessa eacutepoca versavam sobre questotildees como a) se os fatos histoacutericos haviam gerado uma responsabilidade legal dos paiacuteses desenvolvidos em reconstruir a faacutebrica social Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 315

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poliacutetica e econocircmica das naccedilotildees em desenvolvimento e b) como esta responsabilidade legal de paiacuteses industrializados deveria interagir ou ser balanceada com a responsabilidade atual de cada paiacutes em desenvolvimento de promover seu proacuteprio projeto de desenvolvimento e os interesses de seus cidadatildeos

Similarmente o movimento dos direitos humanos buscou institucionalizar a responsabilidade moral dos Estados em defender e promover o bem-estar de seus proacuteprios cidadatildeos em escala mundial A investigaccedilatildeo aprofundada sobre os obstaacuteculos que dificultam a traduccedilatildeo do reconhecimento formal de direitos humanos pelos Estados em mudanccedilas institucionais e sociais no acircmbito domeacutestico estava em grande parte fora da agenda de pesquisa dos acadecircmicos de direitos humanos da eacutepoca Havia uma expectativa de que uma vez que Estados reconhecessem formalmente os direitos humanos seus grupos sociais e poliacuteticos iriam ser capazes de pressionar pela criaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas para fazer defender e respeitar esses direitos16 Como essa expectativa na sua maior parte natildeo foi concretizada a literatura de direitos humanos teria que mergulhar na investigaccedilatildeo da lacuna entre o reconhecimento formal e a implementaccedilatildeo praacutetica dos padrotildees internacionais de direitos humanos O foco dessa literatura no entanto se manteria principalmente em como os instrumentos internacionais de direitos humanos poderiam evoluir para garantir a implementaccedilatildeo por parte dos Estados

Aleacutem disto as discussotildees acadecircmicas sobre a incorporaccedilatildeo de padrotildees internacionais de direitos humanos em sistemas juriacutedicos e poliacuteticos de paiacuteses em desenvolvimento natildeo estavam primariamente centradas no conceito de

16 De fato estudos posteriores mostrariam que a assinatura de tratados de direitos humanos internacionais de forma isolada eacute insuficiente para reduzir significativamente o nuacutemero ndash e a gravidade ndash de casos de violaccedilotildees de direitos humanos Oona Hathaway por exemplo investigou a seriedade com que paiacuteses que firmaram tratados internacionais de direitos humanos haviam implementado as normas no acircmbito domeacutestico Ela encontrou elementos para afirmar que o compromisso com os padrotildees internacionais de proteccedilatildeo de direitos humanos acontecia na realidade apenas quando o paiacutes possuiacutea instituiccedilotildees domeacutesticas que permitissem a atores sociais responsabilizar o governo Quando um paiacutes natildeo possuiacutea ainda instituiccedilotildees domeacutesticas miacutenimas que pudessem garantir o cumprimento dos tratados estes eram na maior parte solenemente ignorados Paradoxalmente Hathaway encontrou evidecircncias de que ao ratificar tratados internacionais de direitos humanos tais como a Convenccedilatildeo sobre Tortura e a Convenccedilatildeo de Direitos Civis e Poliacuteticos muitos paiacuteses natildeo democraacuteticos terminaram apresentando um aumento no iacutendice de violaccedilotildees de direitos humanos Hathaway 2007 e Hathaway 2002 Para uma posiccedilatildeo mais positiva sobre o impacto dos tratados de direitos humanos veja Simmons 2009 e Abramovich 2009

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desenvolvimento como compreendido pelo primeiro movimento DampD Enquanto o DampD estava preocupado com a concepccedilatildeo de um sistema legal funcional o movimento de direitos humanos estava focado no indiviacuteduo seu objetivo principal era estabelecer a existecircncia de direitos civis poliacuteticos sociais e econocircmicos dos cidadatildeos de paiacuteses no Sul Global Os mecanismos exatos pelos quais estes direitos individualmente reconhecidos seriam traduzidos nos ordenamentos constitucionais e infraconstitucionais e em indicadores concretos de desenvolvimento socioeconocircmico e poliacutetico esteve por muito tempo fora do foco da pesquisa de direitos humanos

Anthony Carty (1992) tambeacutem descreve uma seacuterie de discussotildees acadecircmicas sobre a interface entre direito internacional ordem econocircmica internacional e desenvolvimento que ocorreram nesta eacutepoca na Franccedila Holanda e Reino Unido bem como em alguns ciacuterculos nos EUA A agenda de pesquisa desta literatura incluiu temas como a influecircncia poliacutetica e econocircmica exacerbada de corporaccedilotildees multinacionais ocidentais nas instituiccedilotildees nacionais de paiacuteses em desenvolvimento e a influecircncia poliacutetica desproporcional de paiacuteses ocidentais industrializados nas estruturas econocircmicas internacionais Soluccedilotildees propostas incluiacuteram tratamento preferencial a paiacuteses em desenvolvimento em leis comerciais internacionais renegociaccedilatildeo de diacutevidas externas transferecircncia de tecnologia e mecanismos de controle internacional sobre multinacionais Ainda que estas discussotildees sejam relativamente mais proacuteximas do que eu denomino neste artigo de perspectiva expansiva elas natildeo avanccedilaram a ponto de investigar como mecanismos complexos de interaccedilatildeo entre processos institucionais internacionais e processos institucionais domeacutesticos poderiam afetar indicadores de desenvolvimento Esta literatura parecia assumir que a criaccedilatildeo de 1) novas regras internacionais de investimento e comeacutercio em substituiccedilatildeo as regras majoritariamente favoraacuteveis aos paiacuteses desenvolvidos e 2) normas e institutos internacionais para limitar o poder de multinacionais gerariam automaticamente efeitos positivos em indicadores de desenvolvimento

Em outras palavras a literatura de direito internacional e desenvolvimento natildeo questionou se paiacuteses em desenvolvimento necessitariam de uma seacuterie de reformas domeacutesticas ndash e quais exatamente - para que pudessem se beneficiar plenamente de mudanccedilas potenciais em normas internacionais sobre investimento e Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 317

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comeacutercio A mesma lacuna se aplica agraves possiacuteveis vantagens derivadas do reconhecimento poliacutetico formal de um ldquodireito internacional ao desenvolvimentordquo17 Portanto apesar dessas literaturas ndash de direito internacional ao desenvolvimento e de direitos humanos internacionais ndash terem focado em como mecanismos externos exerciam influecircncia sobre a capacidade domeacutestica de paiacuteses em desenvolvimento elas natildeo chegaram a se aprofundar na investigaccedilatildeo dos possiacuteveis caminhos mais concretos pelos quais estes mecanismos poderiam permitir a transformaccedilatildeo de sistemas juriacutedicos domeacutesticos nesses paiacuteses Por essa razatildeo essas literaturas natildeo adotaram a perspectiva que eu discuto nesse artigo

13 O segundo movimento de DampD18

O fim da Guerra Fria nos uacuteltimos anos da deacutecada de 1980 inaugurou um novo momento de otimismo em relaccedilatildeo agrave capacidade de atores externos de identificar e promover reformas juriacutedicas para gerar desenvolvimento econocircmico em paiacuteses em desenvolvimento Entretanto profundas transformaccedilotildees de economia poliacutetica no plano mundial e nas principais economias desenvolvidas viriam a provocar uma mudanccedila pronunciada no pensamento acadecircmico predominante sobre desenvolvimento Teorias e poliacuteticas neoliberais ganharam proeminecircncia e legitimidade no Reino Unido (com Thatcher) nos EUA (com Reagan) e na Alemanha (com Kohl) enquanto o mundo se tornava cada vez mais integrado economicamente Alguns paiacuteses em desenvolvimento que haviam investido em crescimento econocircmico ancorado em exportaccedilatildeo e livre-comeacutercio majoritariamente na Aacutesia Oriental estavam claramente alcanccedilando maior sucesso econocircmico do que aqueles que adotaram poliacuteticas de substituiccedilatildeo de importaccedilatildeo e protecionismo Um novo consenso foi sendo formado consenso que considerava mercados livres investimento direto estrangeiro e privatizaccedilotildees como fatores chave para promover o

17 Para Tamanaha (1995 p 480 traduccedilatildeo nossa) ainda que natildeo se possa negar que os paiacuteses em desenvolvimento sofrem seacuterias desvantagens no atual sistema econocircmico mundial a resposta a este problema natildeo seria juriacutedica [NA estabelecendo um direito ao desenvolvimento] embora certamente o direito poderia ajudar a implementar soluccedilotildees poliacuteticas que foram acordadas ou decididas por outros meios

18 David Trubek daacute um nome distinto a este segundo movimento Rule of law (ROL) ou Estado de Direito para diferenciar do primeiro movimento de direito e desenvolvimento que ele e Galanter haviam declarado extinto em 1970 Trubek amp Santos 2006

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crescimento econocircmico de paiacuteses em desenvolvimento Foi nessa nova conjuntura poliacutetico-econocircmica que o segundo movimento de DampD surgiu e floresceu

Em 1995 John Harris Janet Hunger e Colin M Lewis editaram o livro A Nova Economia Institucional e Desenvolvimento no Terceiro Mundo Neste livro economistas historiadores e cientistas poliacuteticos propuseram o uso de ideias de um ramo nascente da literatura de estudos econocircmicos conhecido como New

Institutional Economics (NIE) para entender como obstaacuteculos institucionais domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento estavam prejudicando esforccedilos para promover desenvolvimento socioeconocircmico O foco de estudos de desenvolvimento seria desviado do direito internacional e estruturas globais novamente para os sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento como no primeiro movimento de DampD A agenda de pesquisa do NIE eacute primordialmente introvertida ela privilegia anaacutelises sobre como instituiccedilotildees domeacutesticas foram criadas historicamente como elas evoluiacuteram atraveacutes do tempo e as relaccedilotildees de correlaccedilatildeo e causalidade entre instituiccedilotildees domeacutesticas histoacutericas e atuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Esta literatura seguindo o mantra liberal de sua eacutepoca privilegiava a identificaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas que poderiam mais eficazmente possibilitar o bom funcionamento de uma economia de livre mercado

A literatura de DampD que surgiu na esteira do NIE centrou-se inicialmente em auxiliar os atores internos e externos dispostos a engajar paiacuteses em desenvolvimento em reformas para melhorar seus niacuteveis de crescimento econocircmico naquele contexto poliacutetico e econocircmico mundial Na medida em que a perspectiva institucional foi alcanccedilando a posiccedilatildeo dominante nos estudos de desenvolvimento o debate poliacutetico acirrado dos anos 70 e 80 sobre uma nova ordem econocircmica internacional foi sendo empurrado para as margens dos estudos acadecircmicos19 A principal ideia das teorias de desenvolvimento inspiradas pelo NIE era a de que para promover o desenvolvimento econocircmico os paiacuteses em desenvolvimento deveriam focar no fortalecimento de direitos de propriedade de direitos contratuais e de garantias judiciais domeacutesticas contra interferecircncia estatal indiscriminada nos

19 Em realidade uma ala criacutetica da academia nunca deixou de enfatizar que a neutralidade poliacutetica e ideoloacutegica das teorias de desenvolvimento ndash afirmada ou subentendida ndash eacute um mito e deve portanto ser sempre objeto de debate Trubek amp Santos 2006 Ziai 2007

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mercados Juristas foram outra vez alccedilados agrave linha de frente dos estudos que investigavam as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees e desenvolvimento econocircmico Em paralelo juristas envolvidos na promoccedilatildeo de direitos humanos estavam reconhecendo que a implementaccedilatildeo efetiva de sistemas nacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos exigiam mais do que a criaccedilatildeo de padrotildees internacionais e seus mecanismos limitados para promover a incorporaccedilatildeo pelos estados Essa literatura passou a prestar maior atenccedilatildeo aos processos complexos de mudanccedila estrutural nos sistemas domeacutesticos de governanccedila

A agenda de pesquisa deste segundo movimento de DampD acompanhou de perto a agenda concreta de reformas de atores externos e internos envolvidos em reformas institucionais para desenvolvimento Virtualmente todos os aspectos do sistema juriacutedico se tornaram objeto de investigaccedilotildees pedagogia juriacutedica administraccedilatildeo eficiente do poder judiciaacuterio acesso agrave justiccedila reformas de institutos legais independecircncia judicial etc (TREBILCOCK and DANIELS 2008) Em termos substantivos a literatura inicialmente esteve centrada na compreensatildeo dos viacutenculos entre diretos de propriedade e direitos contratuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Na medida em que criacuteticos passaram a denunciar de forma convincente a incapacidade do Consenso de Washington e o seu foco limitado no crescimento econocircmico para assegurar resultados positivos em indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico em termos mais amplos a agenda de pesquisas do DampD tambeacutem foi se expandindo Estudos sobre direitos de propriedade e contratos continuam mas a literatura agora inclui investigaccedilotildees sobre como reformas judiciais podem influenciar diretamente e independentemente resultados sociais e poliacuteticos (RITTICH in TRUBEK amp SANTOS 2006) Tambeacutem houve uma expansatildeo gradual em direccedilatildeo agrave compreensatildeo de como normas informais interagem com regras juriacutedicas formais para impactar resultados de desenvolvimento Essa agenda mais expansiva tem aproximado o DampD de outras disciplinas que integram o campo mais amplo de estudos de desenvolvimento (PALOMBELLA amp WALKER 2009)

Atualmente a agenda dominante de pesquisa dos estudos de desenvolvimento tem centrado em questotildees tais como 1) quais satildeo as principais instituiccedilotildees domeacutesticas formais e informais conhecidas coletivamente como sistemas de governanccedila que podem afetar positivamente indicadores de desenvolvimento (KAUFMANN amp KRAY 2008 DAVIS et al 2012 FUKUYAMA Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 320

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2013)20 2) porque e como exatamente muitos paiacuteses vieram a criar sistemas de governanccedila com disfunccedilotildees crocircnicas (PIERSON 2000 MAHONEY amp THELEN 2009)21 3) quais satildeo os obstaacuteculos domeacutesticos que podem inibir reformas institucionais promovidas tanto por atores externos quanto por atores internos (KRUEGER 1993 TREBILCOCK amp DAVIS 2007) O debate sobre como promover reformas de governanccedila de forma efetiva estaacute agora no palco central dos estudos de DampD Ainda existem muitas questotildees em aberto neste debate tais como 1) reformas institucionais devem ser fins em si mesmas ou meios para determinados fins (KLEINFELD 2012) 2) que categoria de reformas de direito gera mais efeitos positivos no desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes reformas claacutessicas focadas no judiciaacuterio e poliacutecia reformas concentradas em diminuiccedilatildeo da pobreza (GOLUB 2003 2009) reformas voltadas a capacitaccedilatildeo profissional eou ciacutevica (Mednicoff 2005) ou reformas focadas em promover maior justiccedila social (TRUBEK amp SANTOS 2006)

Em siacutentese o novo movimento de DampD tem tambeacutem ateacute agora cultivado uma perspectiva cocircncava (ou introvertida) focando em como sistemas domeacutesticos de governanccedila se formam porque eles se tornam resistentes agrave mudanccedila e como melhor promover reformas de sistemas de governanccedila que se tornaram disfuncionais Essa literatura tem em geral se mantido alheia a investigaccedilotildees sobre como atuais mecanismos globais de regulaccedilatildeo podem interagir com sistemas domeacutesticos de governanccedila Eacute possiacutevel identificar entretanto uma mudanccedila recente nessa literatura Economistas e cientistas poliacuteticos da aacuterea de desenvolvimento

20 Uma parte significativa da nova literatura de economia institucional tem por exemplo se concentrado em identificar indicadores de governanccedila que possam informar estrateacutegias de reforma em paiacuteses especiacuteficos Esta literatura tambeacutem objetiva possibilitar a anaacutelise infra-nacional da correlaccedilatildeo e causalidade das vaacuterias dimensotildees de governanccedila e indicadores de desenvolvimento Veja Kaufmann amp Kraay 2008 Um apanhado histoacuterico e anaacutelise criacutetica detalhada de indicadores de governanccedila pode ser encontrado em Davis et al 2012 Fukuyama lidera tambeacutem em Stanford um amplo projeto de pesquisa sobre o que exatamente constitui boa governanccedila com impacto em desenvolvimento centrando nesse caso em qualidade burocraacutetica Veja httpgovernanceprojectstanfordedu Para as notas conceituais sobre este projeto de pesquisa veja Fukuyama 2013

21 A literatura sobre institucionalismo histoacuterico na ciecircncia poliacutetica tem se debruccedilado sobre as origens e dinacircmicas de mudanccedila institucional em sistemas poliacuteticos buscando compreender como sistemas disfuncionais de governanccedila satildeo criados e como ficam ldquopath dependentrdquo Pierson 2000 Mahoney amp Thelen 2009

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estatildeo liderando um movimento para trazer sistemas institucionais globais de volta agrave equaccedilatildeo sobre desenvolvimento institucional no acircmbito domeacutestico

Esta tendecircncia recente eacute diferente do movimento dos anos 80 Na era do auge da teoria da dependecircncia o foco principal estava em identificar mudanccedilas necessaacuterias nas instituiccedilotildees internacionais jaacute que se acreditava que sem essas mudanccedilas estruturais globais os paiacuteses em desenvolvimento natildeo teriam chances reais de melhorar substancialmente seus indicadores de desenvolvimento Mudanccedilas estruturais de governanccedila no acircmbito domeacutestico terminaram relegadas a segundo plano Em contraste o principal enfoque desta nova literatura de desenvolvimento estaacute no acircmbito domeacutestico Novos estudos comeccedilam a investigar pela primeira vez entretanto como mecanismos institucionais globais podem interagir complexamente com sistemas domeacutesticos de governanccedila Esses estudos questionam se alguns mecanismos externos podem por exemplo servir para preencher um deacuteficit criacutetico de governanccedila domeacutestica em determinadas aacutereas ou provocar efeitos em possiacuteveis equiliacutebrios de poder de forma a facilitar a implementaccedilatildeo de reformas domeacutesticas onde haacute resistecircncia poliacutetica Isto eacute exatamente o que denomino aqui de perspectiva expansiva Esta atividade recente indica que a literatura estaacute seguindo no meu entender uma linha promissora de investigaccedilotildees embora esta mudanccedila natildeo tenha ainda sido articulada de acordo com o marco analiacutetico que eu proponho aqui

Antes de descrever estes desenvolvimentos recentes (e ainda limitados) da literatura de desenvolvimento entretanto eu irei traccedilar um panorama da literatura de governanccedila global que vem tradicionalmente investigando mecanismos regulatoacuterios internacionais e transnacionais Esta literatura eacute relevante porque os desenvolvimentos recentes na literatura DampD que exploro na secccedilatildeo 4 comeccedilaram a convergir com estudos recentes conduzidos pelos pesquisadores de governanccedila global Essa fronteira de convergecircncia eacute que estaacute a exigir a adoccedilatildeo da perspectiva expansiva proposta por este artigo

2 A LITERATURA DE GOVERNANCcedilA GLOBAL A PERSPECTIVA CONVEXA

A proliacutefica literatura de Governanccedila Global (GG) ou regulaccedilatildeo global engloba pesquisas em relaccedilotildees internacionais ciecircncia poliacutetica e direito internacional

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Acadecircmicos e pesquisadores de GG investigam porquecirc e como em um mundo anaacuterquico e sem governo centralizado atores estatais e natildeo-estatais decidem cooperar para formar regimes internacionais que venham a regular determinadas mateacuterias (issue-areas) Em que medida esses atores satildeo motivados por interesses ideias ou poder Pesquisadores de GG tambeacutem investigam as causas e implicaccedilotildees das crescentes transferecircncias de autoridade regulatoacuteria tanto do acircmbito nacional para o acircmbito global quanto de mecanismos puacuteblicos para mecanismos privados e hiacutebridos de regulaccedilatildeo Um panorama completo desta ampla literatura de GG estaacute aleacutem do escopo deste artigo Eacute interessante entretanto identificar se esta literatura poderia contribuir para entender melhor o crescente uso de mecanismos globais como instrumento para influenciar reformas de sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento

Quando olhamos para a literatura de GG sob esse enfoque algumas caracteriacutesticas se tornam imediatamente evidentes Primeiro um nuacutemero significativo de estudos de GG analisa a criaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios transnacionais de forma generalizada Em sua maior parte a literatura natildeo diferencia quando as iniciativas globais foram criadas para enfrentar problemas que escapam do poder regulatoacuterio tanto de paiacuteses desenvolvidos quanto de paiacuteses em desenvolvimento (eg mudanccedila climaacutetica) de iniciativas globais criadas para enfrentar problemas gerados especificamente pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento mas que natildeo afetam paiacuteses desenvolvidos ou pelo menos natildeo na mesma medida (eg a ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo que afeta majoritariamente paiacuteses ricos em recursos naturais e pobres em governanccedila domeacutestica)

Esta literatura tambeacutem tende a ignorar a diferenccedila entre paiacuteses desenvolvidos e paiacuteses em desenvolvimento em outro aspecto o do impacto da crescente internacionalizaccedilatildeo da autoridade regulatoacuteria em sistemas institucionais domeacutesticos Por exemplo existe uma ampla literatura investigando a forma como Estados vecircm buscando harmonizar seus sistemas domeacutesticos de regulaccedilatildeo com outras jurisdiccedilotildees para melhor competir no mercado global assim como para assegurar condiccedilotildees de concorrecircncia mais equitativas na economia globalizada Essa literatura tambeacutem analisa como a escolha de diferentes iniciativas para criar padrotildees internacionais de regulaccedilatildeo podem desempenhar um papel importante Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 323

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neste processo de convergecircncia regulatoacuteria (DREZNER 2005 LEVI-FAUR 2005 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 BERNSTEIN amp CASHORE 2000) Esses ramos da literatura de GG satildeo relevantes para a perspectiva expansiva de DampD na forma que estou propondo na medida em que eles investigam as formas como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou satildeo afetados por sistemas de governanccedila domeacutestica Entretanto essa literatura ainda precisa considerar as diferenccedilas ndash muitas vezes marcantes ndash na forma em que regulaccedilotildees globais afetam um determinado paiacutes dependendo do seu niacutevel de desenvolvimento institucional domeacutestico Essa diferenciaccedilatildeo permitiraacute que essas discussotildees acadecircmicas ganhem maior relevacircncia na aacuterea de estudos de desenvolvimento

Recentemente uma seacuterie de estudos de GG que eu resenho na seccedilatildeo 3 comeccedilou a considerar o deacuteficit institucional domeacutestico de paiacuteses em desenvolvimento como um elemento importante de pesquisa Alguns autores de GG por exemplo se baseiam em um ramo de estudos regulatoacuterios que investigam se a existecircncia de uma sombra de hierarquia estatal eacute necessaacuteria para assegurar a eficaacutecia de iniciativas regulatoacuterias globais que escapam ao modelo multilateral tradicional22 Essas iniciativas classificadas muitas vezes como nova governanccedila23 se tornaram comuns nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Esta literatura de GG a que me refiro ainda manteacutem o foco das investigaccedilotildees em soluccedilotildees regulatoacuterias que estatildeo fora do acircmbito domeacutestico (soluccedilotildees essas que podem ser puacuteblicas privadas ou hiacutebridas) A questatildeo que se coloca eacute se e quais mecanismos regulatoacuterios globais poderiam constituir equivalentes funcionais agrave sombra da hierarquia estatal em paiacuteses em que essa sombra inexiste Dessa forma esse ramo da literatura de GG observa apenas

22 Natildeo existe definiccedilatildeo clara sobre o conceito de sombra da hierarquia ou ldquosombra estatalrdquo ou ldquosombra da hierarquia estatalrdquo Borzel e Risse (2010 2011) argumentam que uma sombra da hierarquia existe quando o Estado ameaccedila - expliacutecita ou implicitamente - impor regras vinculantes a atores privados para alterar seus caacutelculos custo-benefiacutecio levando-os a se auto-regular em prol do interesse puacuteblico Veja tambem Heritier e Eckert 2008

23 Abbott e Snidal (2009) por exemplo argumentam que atores poliacuteticos operando em um ambiente globalizado cada vez dependem mais do que eles chamam de mecanismos da nova governanccedila transnacional Estes novos mecanismos de governanccedila satildeo caracterizados a) pelo papel central de atores privados nas criaccedilatildeo de normas e na implementaccedilatildeo das mesmas com diferentes niacuteveis de colaboraccedilatildeo por Estados dependendo da iniciativa b) por basearem-se em uma expertise dispersa c) por usar normas voluntaacuterias Em contraste mecanismos da velha governanccedila internacional dependem primariamente dos Estados e instituiccedilotildees inter-estatais para criarem e implementarem normas se baseiam em expertise burocraacutetica centralizada podem (ou natildeo) utilizar regras cogentes (mandatoacuterias) no lugar de apenas normas voluntaacuterias

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um dos elementos da perspectiva expansiva que proponho aqui perspectiva essa que visa investigar todas as possiacuteveis interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios domeacutesticos e mecanismos regulatoacuterios globais

Outro ramo recente da literatura de GG examina mais aprofundadamente a diferenccedila marcante de resultados da interaccedilatildeo de padrotildees globais de governanccedila com sistemas nacionais de governanccedila dependendo se esta interaccedilatildeo ocorre em paiacuteses ocidentais desenvolvidos com sistemas domeacutesticos de governanccedila jaacute consolidados ou em paiacuteses em desenvolvimento com capacidade institucional domeacutestica fraca ou inexistente (Dubash amp Morgan 2012) Esta agenda de pesquisas emergente conhecida como O Estado Regulamentador no Sul [Global] (The Regulatory State of the South) propotildee investigar como as caracteriacutesticas singulares dos sistemas domeacutesticos de governanccedila bem como as demandas especiacuteficas de desenvolvimento de paiacuteses do Sul Global impactam (ou ao menos deveriam impactar) 1) que objetivos deveriam ser perseguidos por mecanismos de regulaccedilatildeo global que promovem convergecircncia regulatoacuteria ao redor do mundo 2) que resultados pode-se esperar das interaccedilotildees entre determinados modelos globais de regulamentaccedilatildeo e sistemas deficientes de governanccedila domeacutestica24 Esta linha promissora de pesquisa se preocupa assim em entender como normas internacionais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila considerados disfuncionais ou inacabados ou em consolidaccedilatildeo Poreacutem essa agenda de pesquisas ainda natildeo esgota as possibilidades da perspectiva que proponho nesse artigo por duas razotildees Primeiro o foco dessa linha de pesquisa ateacute o momento estaacute restrito a mecanismos muito especiacuteficos de governanccedila no acircmbito domeacutestico agecircncias independentes de regulaccedilatildeo do setor de infraestrutura Segundo essa linha de pesquisa natildeo investiga especificamente se e como os vaacuterios tipos de mecanismos globais podem ndash e se devem ndash ser explorados para melhorar as chances de promover reformas em sistemas domeacutesticos de governanccedila reformas que venham a impactar positivamente em indicadores de desenvolvimento Em

24 Esta literatura sustenta por exemplo que para aumentar as chances de sucesso em iniciativas de reforma em sistemas regulatoacuterios domeacutesticos em alguns paiacuteses em desenvolvimento processos multisetoriais de discussatildeo e participaccedilatildeo no processo regulatoacuterio se tornam essenciais para garantir a legitimidade e futura eficaacutecia das normas Dubash e Morgan 2012

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outras palavras a pesquisa referida tem um vieacutes de anaacutelise histoacuterica natildeo incluindo um aspecto normativo

Em siacutentese apesar da literatura de governanccedila global ter como objeto a anaacutelise de mecanismos globais de regulamentaccedilatildeo a doutrina dominante ainda natildeo inclui um estudo sistemaacutetico de como instrumentos regulatoacuterios globais podem interagir de forma complexa com instrumentos domeacutesticos de governanccedila ou afetar tentativas de promover reformas de governanccedila no acircmbito nacional Assim essa literatura natildeo adotou ainda a perspectiva que eu denomino de expansiva O objeto uacuteltimo de pesquisa nessa perspectiva seria o sistema domeacutestico de governanccedila mas para entender como esse sistema eacute formado ou transformado devemos tambeacutem voltar o foco para influecircncias externas nesse caso os mecanismos globais de governanccedila No caso da governanccedila global o foco de pesquisa estaacute nos proacuteprios mecanismos globais como satildeo criados e transformados relegando os sistemas domeacutesticos a segundo plano Existe entretanto um pequeno nuacutemero de estudos que comeccedilam a investigar mais especificamente se e como regimes transnacionais podem ajudar a preencher o deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Estes estudos seratildeo discutidos na seccedilatildeo 3

21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional

A deacutecada de 1990 testemunhou o iniacutecio de uma mudanccedila pronunciada na forma como vaacuterios paiacuteses ocidentais industrializados formulam poliacuteticas regulatoacuterias Esses paiacuteses passaram de uma perspectiva de regulaccedilatildeo formulada eminentemente por oacutergatildeos e atores puacuteblicos de forma hieraacuterquica e verticalizada (top-down) para uma perspectiva mais horizontal e hiacutebrida envolvendo parcerias entre atores e oacutergatildeos puacuteblicos e privados A expectativa era a de que o Estado pudesse guiar e controlar as iniciativas privadas de forma a assegurar objetivos sociais e econocircmicos almejados (incluindo sauacutede seguranccedila meio-ambiente e natildeo discriminaccedilatildeo) ao inveacutes de tentar assegurar estes objetivos exclusivamente de forma direta (ZUMBANSEN 2004 MAJONE 1994 BALDWIN SCOTT amp HOOD 1998 JORDANA amp LEVI-FAUR 2005) Esse movimento passou pelo uso de mecanismos extralegais de regulaccedilatildeo tais como iniciativas de autorregulaccedilatildeo por empresas ou acordos voluntaacuterios entre empresas e organizaccedilotildees da sociedade civil (como atesta Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 326

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o crescimento de iniciativas classificadas como de ldquoresponsabilidade social corporativardquo) que podem contar ou natildeo com o aval do Estado (SCOTT 2005) Uma das principais caracteriacutesticas dessas formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo eacute sua capacidade de cruzar fronteiras mais facilmente do que formas convencionais de regulaccedilatildeo puacuteblica Dessa forma o movimento em direccedilatildeo agrave formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo se encontra profundamente entrelaccedilado com o movimento que tem transferido autoridade regulatoacuteria do acircmbito nacional ao global

Setores acadecircmicos de paiacuteses ocidentais envolvidos com estudos regulatoacuterios acompanharam estas tendecircncias poliacuteticas deslocando o foco de seus estudos Da ecircnfase em entender o potencial e limitaccedilotildees da regulaccedilatildeo estatal passou-se a uma investigaccedilatildeo mais ampla incluindo um escopo abrangente de normas e mecanismos pelos quais o controle [regulatoacuterio] eacute afirmado ou alcanccedilado mesmo que indiretamente (SCOTT 2005 p 145 traduccedilatildeo nossa)25 Um nuacutemero significativo e crescente de estudos busca decifrar o Estado regulamentador e os novos modelos de regulaccedilatildeo e governanccedila (SALOMON 2002 DE BURKA amp SCOTT 2006 TRUBEK amp TRUBEK 2003) Diversos estudiosos de modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional passaram a olhar para o rico manancial de pesquisas que a disciplina de relaccedilotildees internacionais passou a desenvolver para entender como Estados estavam tentando solucionar problemas globais em um ambiente regulatoacuterio extremamente plural descentralizado e mais horizontal

No lugar de considerar tratados e costumes inter-estatais como a fonte primaacuteria e primordial de regulaccedilatildeo global a literatura de GG comeccedilou a produzir um volume consideraacutevel de estudos sobre outros tipos de mecanismos regulatoacuterios que estavam em ascensatildeo Esses novos mecanismos criados ou encorajados tanto por agentes estatais quanto natildeo estatais tendem a ser extralegais e horizontais Os estudos de ciecircncia poliacutetica com foco em regulaccedilotildees no acircmbito nacional passaram a denominar essa forma mais abrangente de processos regulatoacuterios hiacutebridos e horizontais de governanccedila sem governo (GRANDE amp PAULY 2005)26 Os estudos

25 Veja tambeacutem a rica discussatildeo acadecircmica sob a perspectiva da escolha de instrumento (instrument-choice) na administraccedilatildeo puacuteblica que investiga quais opccedilotildees regulatoacuterias poderiam servir melhor para traduzir determinados objetivos poliacuteticos em resultados praacuteticos em sociedades complexas Eliadis Hill amp Howlett 2005

26 Para mais discussotildees sobre ldquo governanccedila sem governordquo veja por exemplo Rosenau amp Czempiel 1992) Pierre amp Peters ldquo1998 Cutler Haufler amp Porter 1999) Hall amp Bierstecker 2002

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de governanccedila global por outro lado passaram a se referir a esses novos modelos de regulaccedilatildeo como nova governanccedila transnacional em contraste com a antiga governanccedila internacional na qual Estados e instituiccedilotildees internacionais eram os uacutenicos criadores e implementadores de normas (ABBOTT amp SNIDAL 2009 HERITIER amp LEHMKUHL 2008 BERNSTEIN amp CASHORE 200727 CASHORE 2002)

Alguns ramos de estudos juriacutedicos tambeacutem foram fortemente influenciados por estas tendecircncias A perspectiva do pluralismo juriacutedico por exemplo passou a ser usada como plataforma para compreender a multiplicaccedilatildeo e crescente inter-relaccedilatildeo entre diferentes campos de autoridade normativa tanto no acircmbito nacional quanto no acircmbito global28 Ramos inteiros de estudos juriacutedicos foram se desenvolvendo mesmo que de forma pouco confortaacutevel nesta intersecccedilatildeo entre os acircmbitos nacional e global tais como a justiccedila de transiccedilatildeo (transitional justice) e o direito ambiental Acadecircmicos vecircm propondo diversas metodologias marcos ou perspectivas analiacuteticas para melhor investigar esta teia multifacetada e complexa de iniciativas regulatoacuterias puacuteblicas privadas eou hiacutebridas bem como nacionais eou globais

O direito transnacional por exemplo eacute proposto como uma perspectiva que permite unir as agendas independentes de pesquisa dos estudos de pluralismo juriacutedico no acircmbito nacional e estudos sobre governanccedila global (GAILLARD 2001 KOH 2006 ALEINIKOFF 2008 CALLIES amp ZUMBANSEN 201029 COTERREL 2012) O contraste Hard law versus soft law eacute proposto como um modelo para investigar as diferentes caracteriacutesticas e graus de eficiecircncia de distintos tipos de

27 Steven Berstein amp Benjamin Cashore focused on private forms of regulation in the global market place which they called ldquonon-state market drivenrdquo (NSMD) governance mechanisms

28 De acordo com Tamanaha (2008 traduccedilatildeo nossa) Nas uacuteltimas duas deacutecadas a noccedilatildeo de pluralismo juriacutedico tem se tornado um dos principais toacutepicos em antropologia juriacutedica sociologia juriacutedica direito comparado direito internacional e estudos soacutecio-juriacutedicos e parece estar ganhando ainda mais popularidade Veja tambeacutem Michaels 2009

29 Callies and Zumbansen propotildeem o uso do direito transnacional como metodologia para investigar a regulaccedilatildeo global Nas palavras dos autores (prefaacutecio traduccedilatildeo nossa) Observamos de saiacuteda que o Direito hoje eacute claramente e irreversivelmente transnacional A nova literatura de governanccedila global visa compreender de que forma a mudanccedila na proacutepria natureza da regulaccedilatildeo e a crescente globalizaccedilatildeo dos processos de regulatoacuterios tem desafiado antigas dicotomias tais como o direito internacional puacuteblico versus o direito internacional privado ou criado novas dicotomias tais como as iniciativas regulatoacuterias da antiga governanccedila versus iniciativas regulatoacuterias da nova governanccedila

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mecanismos de regulaccedilatildeo (KIRTON amp TREBILCOCK 2004) A recente agenda de pesquisa conhecida como ldquodireito administrativo global (global administrative LawGAL)rdquo procura examinar os fundamentos normativos de diversos tipos de regulaccedilatildeo global GAL tem com foco principal entender se e em que medida mecanismos regulatoacuterios globais padecem de um deacuteficit de accountability e legitimidade vis-agrave-vis processos regulatoacuterios nacionais e se princiacutepios de direito administrativo desenvolvidos no acircmbito de processos nacionais poderiam assegurar maior accountability e legitimidade a regulaccedilotildees globais30

Vaacuterios estudiosos de sistemas regulatoacuterios passaram a considerar a retirada do Estado de muitos dos espaccedilos tradicionais de regulaccedilatildeo como uma caracteriacutestica essencial dos novos sistemas de governanccedila ndash tanto no acircmbito nacional quanto global ndash criados a partir dos anos 90 (COX 1997 STRANGE 1996 HELD et al 199931) Existem vaacuterias teorias sobre o que levou agrave proliferaccedilatildeo de modelos de ldquogovernanccedila sem governordquo Por exemplo para muitos a globalizaccedilatildeo de sistemas econocircmicos e de comunicaccedilatildeo fez com que vaacuterios elementos do processo regulatoacuterio que no passado eram debatidos e resolvidos nacionalmente tenham migrado para instituiccedilotildees internacionais ou transnacionais em aacutereas tatildeo diversas quanto comeacutercio financcedilas meio ambiente e direitos humanos (MATTLI amp WOODS 2009 p 1 traduccedilatildeo nossa) Um nuacutemero consideraacutevel de estudiosos considera que os Estados nacionais perderam a capacidade efetiva para regular diversas questotildees com relevacircncia nacional porque essas questotildees agora cruzam facilmente as fronteiras exigindo soluccedilotildees negociadas com outros Estados e cada vez mais com atores natildeo estatais

30 Em 2004 Benedict Kingsbury Nico Krisch e Richard Stewart iniciaram um projeto de pesquisa na Universidade de Nova Iorque para investigar se e como princiacutepios juriacutedicos administrativos tais como transparecircncia participaccedilatildeo revisatildeo razoabilidade responsabilidade (accountability) primariamente associadas a sistemas juriacutedicos nacionais poderiam e deveriam ser aplicados a mecanismos globais de governanccedila O artigo que deu origem a esse projeto chamado de GAL (Global Administrative Law) eacute Kingsbury Krisch amp Stewart 2005 Para uma bibliografia detalhada sobre a pesquisa relacionada ao GAL ateacute 2005 veja ldquoA Global Administrative Law Bibliographyrdquo (2005) 6834 Law amp Contemporary Problems 357 Para trabalhos acadecircmicos mais recentes relacionados ao projeto de pesquisa GAL veja IILJ Institute for International Law and Justice at the New York University School of Law online IILJ lthttpwwwiiljorggalbibliographydefaultaspgt

31 Held et al 1999 fazem um apanhado dos argumentos contrastantes no que se refere a posiccedilatildeo do Estado na regulaccedilatildeo de um mundo globalizado

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Eacute importante salientar entretanto que o papel dos Estados na formulaccedilatildeo de regulaccedilotildees nacionais e globais continua a ser objeto de debates acalorados nos meios acadecircmicos Existe na verdade pelo menos trecircs teorias distintas na literatura de governanccedila global sobre a evoluccedilatildeo do papel estatal no que diz respeito a regulaccedilotildees globais ao longo dos anos Vaacuterios autores argumentam que atores privados tecircm adquirido cada vez maior dominacircncia nos sistemas regulatoacuterios globais enquanto a autoridade regulatoacuteria estatal tem enfraquecido significativamente Uma segunda teoria sustenta que Estados natildeo tecircm se retirado do ambiente regulatoacuterio mas sim transformado o caraacuteter da sua autoridade regulatoacuteria (Sassen 2002 2006 Picciotto 2006 2011 Levi-Faur 2005)32 Para muitos os Estados mais fortes ainda influenciam desproporcionalmente os objetivos e destinos das principais regulaccedilotildees globais (BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 SIMMONS 2001)33 De acordo com essa segunda posiccedilatildeo primeiro os EUA seguido pela Comunidade Europeia seriam de longe os atores com maior poder regulatoacuterio no cenaacuterio global (DREZNER 2007 SIMMONS 2001 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000)34 Uma terceira teoria sustentada por Walter Mattli e Ngaire Woods (2009)

32 Saskia Sassen (2002 2006) argumenta que a retirada do Estado das formas convencionais de regulaccedilatildeo verticalizadas natildeo constitui uma retirada completa da autoridade regulatoacuteria nem o enfraquecimento ou impotecircncia do Estado Ao contraacuterio estariacuteamos presenciando uma transformaccedilatildeo completa da forma como Estados exercem autoridade nos planos nacional e global Sol Piccioto (2006 2011) tambeacutem argumenta que ao inveacutes de uma retirada do Estado houve uma profunda transformaccedilatildeo do papel de regulamentaccedilatildeo dos Estados nas esferas puacuteblica e privada Este processo leva a um ofuscamento das fronteiras entre regulaccedilatildeo puacuteblica e privada Existe crescente reconhecimento de que a nova ordem Internacional eacute na verdade fortemente regulada quando se leva em consideraccedilatildeo as formas de nova governanccedila que transcendem a regulamentaccedilatildeo claacutessica inter-estatal vertical e cogente Veja por exemplo a literatura sobre capitalismo regulatoacuterio inaugurada por John Braithwaite 2008

33 John Braithwaite and Peter Drahos (2000) fazem uma ampla e detalhada descriccedilatildeo de estudos de caso sobre regulaccedilatildeo da economia global ao longo de vaacuterias aacutereas e alegam ter encontrado evidecircncia de que ateacute o momento a histoacuteria da regulaccedilatildeo global eacute uma histoacuteria de dominaccedilatildeo por paiacuteses ocidentais industrializados Apesar de vaacuterios Estados mais fraacutegeis e tambeacutem atores natildeo-estatais terem conseguido promover a criaccedilatildeo de um nuacutemero de mecanismos regulatoacuterios internacionais os resultados tem sido claramente desiguais em termos de quantidade e relevacircncia Esta posiccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por Beth Simmons que analisou a evoluccedilatildeo de mecanismos globais de regulaccedilatildeo financeira Simmons (2001) mostra como nesta aacuterea-chave os EUA tem unilateralmente partido para o uso de regulaccedilotildees financeiras extraterritoriais e subsequumlentemente pressionado outros Estados fortes (especialmente os integrantes da OECD) a criar mecanismos transnacionais para encorajar ou coagir outros paiacuteses a adotar regulaccedilotildees semelhantes

34 Braithwaite e Drahos atribuem esta influecircncia desproporcional agrave capacidade superior de Estados poderosos de produzir controlar e utilizar conhecimento bem como sua maior capacidade de utilizar mecanismos de coaccedilatildeo [diplomaacuteticos comerciais ou militares] Daniel W Drezner em seu

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entre outros apresenta uma anaacutelise com maior nuance Para esses autores o grau de influecircncia exercido por Estados fortes por Estados mais fracos e ainda por atores natildeo estatais sofre grande variaccedilatildeo dependendo da mateacuteria ou preocupaccedilatildeo objeto da regulaccedilatildeo

De acordo com esta posiccedilatildeo mais matizada os Estados mais fortes ainda exercem uma influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais quando se trata de questotildees que envolvem alguns de seus interesses mais estrateacutegicos ou quando existe um desequiliacutebrio mais pronunciado de poder entre paiacuteses negociantes eou quando um Estado forte pode facilmente adotar uma regulaccedilatildeo unilateral com alcance global e depois desconsiderar divergecircncias ou promover convergecircncia Em todos os outros casos entretanto a influecircncia dos Estados mais fracos mas tambeacutem de instituiccedilotildees internacionais e de atores natildeo estatais na criaccedilatildeo e na evoluccedilatildeo de sistemas globais de regulaccedilatildeo ganha relevacircncia e eacute na verdade essencial para explicar tendecircncias de regulaccedilatildeo global Acredito que a teoria de Mattli e Woods eacute a que melhor reflete a ampla diversidade de mecanismos regulatoacuterios globais

Uma deficiecircncia marcante da literatura predominante de governanccedila global eacute exatamente o fato de que suas anaacutelises natildeo diferenciam uma regulaccedilatildeo global que foi motivada por um problema que envolve importantes interesses estrateacutegicos de paiacuteses industrializados com maior poder no cenaacuterio global de uma regulaccedilatildeo global que tem como objetivo por exemplo resolver problemas que derivam do deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento Por exemplo regulaccedilotildees globais para lidar com a mudanccedila climaacutetica ou com o crime transnacional organizado (que afetam interesses importantes de Estados ocidentais industrializados) satildeo discutidas conjuntamente com regulaccedilotildees globais que visam reduzir casos de trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes (que ocorrem quase que

influente ldquoAll Politics is Globalrdquo (2007) tambeacutem argumenta que Estados poderosos tal como os EUA e os integrantes da Uniatildeo Europeacuteia ainda exercem influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulacoes globais Drezner ( 2007 traduccedilatildeo nossa) acrescenta que a convergecircncia [de interesses] entre os Estados mais fortes eacute condiccedilatildeo necessaacuteria e suficiente para a criaccedilatildeo de sistemas efetivos de governanccedila global Drezner ainda argumenta que valores e interesses de organizaccedilotildees internacionais e Estados mais fraacutegeis bem como valores e interesses de corporaccedilotildees transnacionais ONGs e comunicadades epistecircmicas soacute podem ser traduzidas em mecanismos de regulaccedilatildeo global com aceitaccedilatildeo ou apoio dos Estados mais poderosos

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exclusivamente em paiacuteses em desenvolvimento)35 Regulaccedilotildees globais para encorajar praacuteticas de manejo sustentaacutevel de florestas ou para lidar com corrupccedilatildeo transnacional que satildeo preocupaccedilotildees comuns tanto em paiacuteses desenvolvidos quanto em paiacuteses em desenvolvimento satildeo analisadas conjuntamente com regulaccedilotildees globais para evitar o comeacutercio de diamantes oriundos de zonas de conflito problema que afeta apenas paiacuteses em desenvolvimento

A literatura que visa construir um marco teoacuterico para explicar processos de governanccedila global estuda quais opccedilotildees regulatoacuterias podem melhor resolver os principais problemas soacutecio-econocircmicos contemporacircneos independentemente se eles ocorrem em paiacuteses desenvolvidos ou em paiacuteses em desenvolvimento (ABBOT amp SNIDAL 2009)36 Esse enfoque generalista da literatura ofusca as singularidades de iniciativas regulatoacuterias criadas para lidar com um problema contemporacircneo que eacute especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento o profundo deacuteficit de governanccedila domeacutestico

Certamente existe grande diferenccedila entre criar regulaccedilotildees globais para alcanccedilar objetivos econocircmicos e sociais que escapam agrave capacidade regulatoacuteria de qualquer instituiccedilatildeo nacional puacuteblica agindo isoladamente (independente da qualidade institucional do paiacutes) e criar regulaccedilotildees globais para solucionar problemas econocircmicos e sociais que derivam primordialmente do pronunciado deacuteficit de governanccedila especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento No meu entender essa diferenccedila eacute marcante a ponto de exigir diferentes marcos teoacutericos para explicar porque e como exatamente essas regulaccedilotildees distintas nascem e se desenvolvem e

35 O trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes em paiacuteses do sul asiaacutetico afeta companhias ocidentais que comercializam estes tapetes apenas na medida em a pressatildeo de consumidores e de grupos sociais organizados passa a ameaccedilar a reputaccedilatildeo ou legitimidade dessas empresas Eacute possiacutevel ainda que algumas corporaccedilotildees promovam ou apoacuteiem medidas para prevenir e combater trabalho infantil e degradante nas suas linhas de produccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento por consideraccedilotildees eacuteticas e natildeo apenas quando motivadas pelo ldquobusiness caserdquo Alguns setores corporativos podem genuinamente considerar que o deacuteficit de governanccedila domeacutestico em paiacuteses onde eles atuam pode afetar significativamente seus interesses A questatildeo no entanto eacute se isso poderia se considerado ldquohigh stakesrdquo para paiacuteses industrializados de acordo com as teorias realistas sobre criaccedilatildeo de regras globais em relaccedilotildees internacionais

36 Para Abbott e Snidal por exemplo a enorme quantidade de mecanismos privados ou hiacutebridos que vecircm criando novos padrotildees regulatoacuterios globais em diversas aacutereas desde 1980 tenta preencher supostas lacunas na regulaccedilatildeo estatal e internacional (inter-estatal) sem qualificar quando esse deacuteficit eacute possivelmente estrateacutegico (paiacuteses industrializados) ou inerente aos sistemas nacionais (paiacuteses pobres em governanccedila)

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para iluminar as tentativas daqueles que estejam interessados em influenciar o desenho dessas regulaccedilotildees

A diferenccedila mais oacutebvia diz respeito aos objetivos diretos e objetivos indiretos da regulaccedilatildeo global Quando um problema socioeconocircmico eacute derivado do deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico a regulaccedilatildeo global poderaacute ser criada com o objetivo direto de resolver esse deacuteficit de governanccedila Os benefiacutecios socioeconocircmicos esperados dessa regulaccedilatildeo global seratildeo apenas indiretos Essa particularidade afeta por exemplo as tentativas de avaliar a eficaacutecia dessas regulaccedilotildees Eacute muito mais complexo avaliar a eficaacutecia de uma regulaccedilatildeo olhando-se apenas para seus resultados indiretos Uma segunda diferenccedila diz respeito a motivaccedilatildeo que leva os diferentes atores em especial os paiacuteses fortes a apoiar os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo global A teoria (realista) dominante eacute que paiacuteses fortes natildeo iratildeo apoiar regulaccedilotildees globais que visam resolver problemas especiacuteficos de paiacuteses em desenvolvimento (que os afetam apenas indiretamente) Certamente natildeo na mesma medida em que apoiam regulaccedilotildees globais que afetam seus interesses estrateacutegicos Isto requer atenccedilatildeo analiacutetica especial ao papel dos demais atores ndash paiacuteses mais perifeacutericos atores natildeo estatais organismos internacionais ndash para explicar a emergecircncia e evoluccedilatildeo da regulaccedilatildeo global que natildeo afete interesses relevantes diretos de paiacuteses ocidentais industrializados

Os atuais marcos teoacutericos desenvolvidos pela literatura dominante de governanccedila global natildeo diferenciam entre esses dois tipos muito distintos de regulaccedilatildeo o que impede que sejam utilizados para iluminar as tentativas de criaccedilatildeo de novas regulaccedilotildees globais para solucionar problemas socioeconocircmicos especificamente gerados pelo deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento O diaacutelogo entre as literaturas de desenvolvimento e de governanccedila global se encontra assim dificultado Mesmo sem esse marco analiacutetico eacute possiacutevel traccedilar algumas observaccedilotildees e hipoacuteteses iniciais sobre como a criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais para lidar com o deacuteficit de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento vem evoluindo ao longo dos uacuteltimos anos Ateacute os anos 2000 vaacuterios mecanismos globais foram criados para permitir a diversos atores desviar dos sistemas domeacutesticos disfuncionais de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Em mateacuteria de direitos humanos e ambiental por exemplo houve enorme pressatildeo social em paiacuteses desenvolvidos para que as corporaccedilotildees multinacionais e seus paiacuteses sede criassem

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mecanismos para lidar diretamente com os problemas econocircmicos sociais e ambientais provocados por atividades econocircmicas transnacionais no Sul Global

A loacutegica parecia a mesma dos mecanismos de ldquonova governanccedilardquo que

ocorriam em paiacuteses desenvolvidos transfere-se a autoridade regulatoacuteria para

aqueles agentes que demonstrem maior capacidade de regular determinado

problema e que tenham responsabilidade pelos efeitos da atividade a ser regulada

Na medida em que as experiecircncias com esses mecanismos regulatoacuterios

transnacionais que basicamente desviavam dos sistemas domeacutesticos de governanccedila

comeccedilaram a acumular entretanto tornou-se evidente que eles estavam

demonstrando resultados muito diversos de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo

implementadas em paiacuteses ocidentais industrializados Foram esses resultados

frustrantes que levaram um ramo recente da literatura de governanccedila global a

estudar melhor esse fenocircmeno Eu analiso esta literatura a seguir

22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio

Vaacuterias questotildees passaram a ser levantadas sobre a eficaacutecia e a legitimidade

de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo envolvendo paiacuteses com deacuteficits agudos de

governanccedila o que gerou um debate central sobre possiacuteveis preacute-condiccedilotildees para

estes mecanismos funcionarem efetivamente Ou talvez alguns tipos de problema

fossem mais amenos do que outros a este tipo de regulaccedilatildeo Mais relevante para os

propoacutesitos deste artigo vaacuterios estudos empiacutericos comparados sobre iniciativas de

ldquonova governanccedilardquo em paiacuteses da Uniatildeo Europeia e da Europa Oriental

demonstraram que mecanismos privados ou hiacutebridos mais horizontais tinham maior

probabilidade de serem eficazes quando havia um Estado forte na retaguarda para

garantir que atores natildeo estatais realmente contribuam para a provisatildeo de bens

coletivos (BORZEL amp RISSE 2010 traduccedilatildeo nossa) Uma parte importante da

literatura sobre modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional chegou a um consenso de

que em paiacuteses desenvolvidos os diversos atores puacuteblicos e privados que estatildeo

envolvidos em formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo atuam sob a sombra da

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hierarquia estatal (SCHMITTER amp STREECK 1985 SCHARPF 1997 RICHARDS

2004 SCHILLEMANS 2008)37

Na literatura sobre GG no entanto a maior parte dos estudos sobre ldquonova governanccedilardquo continuou ndash implicitamente - examinando a eficaacutecia e a legitimidade das vaacuterias iniciativas hiacutebridas ou privadas quando empregadas especificamente no contexto de um tipo de Estado o Estado institucionalmente forte Apenas uma minoria de autores passou a traduzir a conclusatildeo de estudos regulatoacuterios no acircmbito nacional para a arena global afirmando que iniciativas regulatoacuterias supranacionais hiacutebridas ou privadas tambeacutem seriam eficazes apenas quando ancoradas por Estados soberanos com sistemas domeacutesticos de governanccedila eficientes (WEISS 1998) Somente a partir da segunda metade dos anos 2000 um grupo de acadecircmicos e pesquisadores passou a investigar as implicaccedilotildees do uso destes modelos de governanccedila em paiacuteses carentes desta sombra da hierarquia estatal38 Em outras palavras apenas recentemente surgiu um ramo separado da literatura de GG que reconhece o deacuteficit de governanccedila domeacutestica como uma importante variaacutevel de pesquisa especialmente quando se busca identificar qual a melhor estrateacutegia regulatoacuteria para atacar determinado problema econocircmico ou social Esta literatura investiga se e como os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo podem funcionar eficazmente em relaccedilatildeo a paiacuteses com deacuteficits agudos de governanccedila onde inexiste uma sombra de hierarquia estatal considerada adequada

Uma das principais ideias exploradas por essa literatura eacute o possiacutevel uso de mecanismos regulatoacuterios externos como equivalentes funcionais dessa sombra de hierarquia estatal ausente A questatildeo crucial seria identificar quais tipos de

37 Em 1985 Schmitter e Streeck jaacute argumentavam (traduccedilatildeo nossa) a espada de Dacircmocles da ameaccedila de intervenccedilatildeo estatal direta eacute necessaacuteria para provocar auto-regulaccedilatildeo privada ou regulaccedilatildeo puacuteblico-privada O Estado ameaccedila - impliacutecita ou explicitamente ndash legislar regras para atividades privadas mudando assim os caacutelculos de custo-benefiacutecio das corporaccedilotildees favorecendo assim a adoccedilatildeo de regras voluntaacuterias mais proacuteximas do interesse coletivo Aleacutem disto boa parte da literatura afirma que mecanismos de ldquonova governanccedilardquo requerem a existecircncia de um niacutevel miacutenimo de demanda social ou incentivos de mercado para funcionar eficientemente

38 Em 2006 por exemplo Thomas Risse e Ursula Lehmkuhl iniciaram uma linha de pesquisa na Freie Universitat Berlin sobre novos modelos de governanccedila em areas of limited statehoodrdquo ou aacutereas com capacidade estatal limitada Em 2006 Risse amp Lehmkuhl publicaram um artigo especificando os marcos conceituais do projeto A questatildeo central do projeto foi articulada da seguinte forma (traduccedilatildeo nossa) como se pode desenvolver e sustentar sistemas legiacutetimos e eficientes de governanccedila em aacutereas com capacidade estatal limitada A ideacuteia eacute identificar os desafios regulatoacuterios que emergem nestas condiccedilotildees especiacuteficasrdquo

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mecanismos externos poderiam efetivamente substituir essa sombra da hierarquia em paiacuteses que apresentam graus distintos de deficiecircncia de governanccedila Estes estudos sobre equivalentes funcionais a sombra de hierarquia estatal formam parte de um ramo emergente de estudos de regulaccedilatildeo global que estaacute comeccedilando a realizar uma investigaccedilatildeo sistemaacutetica sobre as complexas interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios transnacionais e sistemas de governanccedila domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento Eu discuto estes novos estudos a seguir

3 NOVA FRONTEIRA ESTUDOS DE DESENVOLVIMENTO ENCONTRAM ESTUDOS DE GOVERNANCcedilA GLOBAL

A seriedade dos problemas socioeconocircmicos que satildeo causados ou agravados pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento estaacute por traacutes da demanda de produccedilatildeo de conhecimento acadecircmico para informar tentativas de lidar com este deacuteficit O envolvimento de acadecircmicos da aacuterea de desenvolvimento em investigaccedilotildees sobre se e como iniciativas globais de regulamentaccedilatildeo podem auxiliar na soluccedilatildeo do deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento eacute bastante recente Estes estudos comeccedilam a convergir com as investigaccedilotildees tambeacutem recentemente iniciadas por acadecircmicos envolvidos em estudos sobre governanccedila global que tentam entender se eacute possiacutevel criar ou adaptar mecanismos regulatoacuterios globais para situaccedilotildees nas quais a sombra de hierarquia estatal estaacute ausente isto eacute quando existe um deacuteficit significativo de governanccedila domeacutestica39

Para ser clara os autores dos estudos que eu descrevo nesta seccedilatildeo estatildeo aparentemente implementando esta mudanccedila de perspectiva analiacutetica ndash passando da observaccedilatildeo das regulaccedilotildees globais como mecanismos independentes para a observaccedilatildeo dos efeitos da interaccedilatildeo destes mecanismos em sistemas domeacutesticos de governanccedila - de forma intuitiva sem que tenha havido ainda uma discussatildeo teoacuterica sobre essa mudanccedila A meu ver o impacto desses estudos na evoluccedilatildeo da literatura de governanccedila global eacute notaacutevel e um exemplo concreto eacute justamente os

39 Para Borzel e Risse (2006) esta questatildeo deve ser respondida afirmativamente tanto mecanismos internacionais quanto normas sociais nos acircmbitos local nacional e internacional podem servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado

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efeitos potenciais desse novo ramo da literatura para outras aacutereas de estudo como os estudos de desenvolvimento Essa nova perspectiva de investigaccedilatildeo teoacuterica e empiacuterica poderaacute instruir os esforccedilos de pesquisa em DampD que buscam resolver o complexo quebra-cabeccedilas de como lidar com sistemas domeacutesticos de governanccedila disfuncionais ou incompletos que parecem estar imunes ou incrivelmente resistentes a tentativas de reforma Eacute possiacutevel que estes estudos de GG venham a aumentar as chances de implementar reformas efetivas para diminuir o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento ainda que seus autores natildeo tenham reconhecido esse potencial explicitamente

Eacute tambeacutem importante notar que os estudos emergentes que eu descrevo brevemente nesta seccedilatildeo ainda satildeo esparsos e estatildeo sendo realizados de forma bastante independente uns dos outros Apesar de diversos autores usarem conceitos que satildeo similares esses conceitos natildeo satildeo exatamente os mesmos Cada autor tambeacutem parece abordar o problema do deacuteficit de governanccedila domeacutestica a partir de perspectivas diferentes alguns partem de uma perspectiva desenvolvimentista outros de uma perspectiva ambientalista outros ainda de uma perspectiva de seguranccedila internacional Finalmente estes autores natildeo reconhecem explicitamente que eles estatildeo se afastando do mainstream da pesquisa de seus campos acadecircmicos respectivos Quando algueacutem se propotildee a identificar um grupo diverso de tendecircncias acadecircmicas emergentes como potencialmente integrando uma linha teoacuterica singular existe o risco inevitaacutevel de generalizar ou de simplificar demasiado o objetivo de cada linha de pesquisa Acredito entretanto que eacute importante iluminar estas novas tendecircncias tanto nos estudos de desenvolvimento quanto nos estudos de governanccedila global porque em conjunto eles possuem poder explicativo suficiente para nos auxiliar a compreender a recente evoluccedilatildeo das vaacuterias estrateacutegias para lidar com o deacuteficit agudo de governanccedila em alguns paiacuteses em desenvolvimento

Conforme citei acima um grupo de acadecircmicos estaacute usando as ideias da literatura da sombra da hierarquia estatal para examinar como mecanismos regulatoacuterios globais poderiam lidar com o deacuteficit agudo e crocircnico de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Stephen Krasner (2004) um estudioso de relaccedilotildees internacionais investiga o caso especiacutefico de Estados ldquoquase falidosrdquo que se encontram presos a um ciclo crocircnico de caos poliacutetico e de violecircncia Esses Estados Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 337

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satildeo considerados uma ameaccedila agrave seguranccedila de outras naccedilotildees agora eou no futuro Em 2004 Krasner publicou um artigo afirmando que a comunidade internacional precisa transcender princiacutepios convencionais de direito internacional como por exemplo o princiacutepio da soberania estatal e assumir a responsabilidade de promover melhor governanccedila domeacutestica em regimes mal governados falidos e sob ocupaccedilatildeo (Krasner 2004 p 85 traduccedilatildeo nossa) Para Krasner apesar de terem sua soberania internacional reconhecida por outros Estados alguns paiacuteses estatildeo claramente falhando quando se trata de exercer a soberania domeacutestica de forma efetiva Nestes casos Krasner argumenta mecanismos convencionais disponiacuteveis a atores poliacuteticos estrangeiros ndash tais como a assistecircncia bilateral e multilateral para promover melhorias de sistemas de governanccedila e administraccedilatildeo transitoacuteria (durante ocupaccedilatildeo militar) ndash natildeo satildeo efetivas ou suficientes

Segundo Krasner eacute preciso expandir o menu de opccedilotildees regulatoacuterias para lidar com esse deacuteficit de governanccedila Ele propotildee duas novas formas para lidar com o problema No caso de Estados completamente falidos como a Somaacutelia ele propotildee protetorados consensuais (trusteeships) Protetorados consensuais basicamente seriam o reconhecimento formal pela comunidade internacional que um paiacutes especiacutefico se encontra incapaz de exercer sua soberania juriacutedica internacional Krasner admite que sensibilidades poliacuteticas tornam improvaacutevel que a comunidade internacional venha a endossar essa opccedilatildeo publicamente embora ele afirme que uma espeacutecie de trusteeship jaacute ocorre na praacutetica40 Uma segunda opccedilatildeo seria o que Krasner denomina de ldquosoberania compartilhadardquo Em suas palavras

Soberania compartilhada envolveria o engajamento de atores externos em algumas das estruturas domeacutesticas de governanccedila do Estado em questatildeo por um periacuteodo indeterminado Tais arranjos poliacuteticos seriam legitimados por acordos assinados por autoridades nacionais reconhecidas (KRASNER 2004 p 108 traduccedilatildeo nossa)

Ainda que o princiacutepio da autonomia poliacutetica reconhecido em relaccedilotildees

internacionais fique comprometido o paiacutes ainda estaria exercendo sua soberania no

40 Segundo Krasner (2004) as principais barreiras impedindo a adoccedilatildeo de um tratado internacional codificando uma forma de trusteeship ou protetorado eacute a falta de vontade poliacutetica dos paiacuteses desenvolvidos que teriam o ocircnus de implementaacute-lo e tambeacutem dos mais fracos que correriam o risco de ser pressionados a aderir

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momento da assinatura voluntaacuteria do acordo de soberania compartilhada e estaria

livre para rescindir esse acordo a qualquer tempo Krasner reconhece que por

razotildees poliacuteticas e legais a expressatildeo ldquosoberania compartilhadardquo poderia trazer

problemas e sugere que esses arranjos sejam chamados de parcerias Em outras

palavras Krasner estaacute defendendo a criaccedilatildeo de mecanismos internacionais para

servirem no acircmbito domeacutestico como equivalentes funcionais dos sistemas de

governanccedila ausentes por tempo indeterminado41 Krasner natildeo explora como

exatamente estes mecanismos externos poderiam interagir com sistemas de

governanccedila domeacutestica em estaacutegio embriocircnico ou se esses mecanismos poderiam

ser intencionalmente desenhados de forma a favorecer a criaccedilatildeo de sistemas de

governanccedila autossuficientes ao longo do tempo Seu argumento eacute naturalmente

muito polecircmico e existem seacuterias criacuteticas sobre os tons imperialistas de sua proposta

Outra ideia baseada no mesmo conceito de soberania compartilhada foi

introduzida pelo economista Paul Romer com seu projeto charter cities (cidades

projetadas) Romer argumenta que paiacuteses pobres em governanccedila podem explorar a

opccedilatildeo de criar novas cidades partindo do zero em locais previamente natildeo

habitados Os habitantes destas novas cidades aceitariam se submeter a uma seacuterie

de regras de governanccedila reunidas em uma Carta regras cuja implementaccedilatildeo e

cumprimento seriam monitorados e controlados por autoridades externas A visatildeo eacute

de que estas cidades projetadas e bem governadas atrairiam capital financeiro e

humano estrangeiros favorecendo o crescimento econocircmico dessa zona do paiacutes e

41 Nas palavras de Krasner (2004 traduccedilatildeo nossa) esforccedilos externos para influenciar estruturas de autoridade de outros estados eacute o desafio central da poliacutetica externa contemporacircnea A pesquisa de Krasner natildeo estaacute necessariamente focada em encontrar formas de promover melhorias em indicadores de desenvolvimento nos paiacuteses fracos em governanccedila per se O objetivo principal parece ser o de administrar os riscos agrave seguranccedila global provocados por esses paiacuteses que podem mais facilmente se tornar focos de terrorismo traacutefico de drogas e outras formas de crime organizado Neste caso pode-se argumentar que paiacuteses desenvolvidos influentes teriam incentivos para discutir e promover regulaccedilatildeo global nessa aacuterea Mas nem todos os paiacuteses com deacuteficit grave de governanccedila satildeo necessariamente paiacuteses falidos e ninhos de terroristas e crime organizado Uma questatildeo diferente surge dessa forma no caso desses paiacuteses que em princiacutepio natildeo oferecem ameaccedilas a seguranccedila global Se os riscos satildeo primariamente suportados pelas proacuteprias sociedades desses paiacuteses haveria ainda incentivos suficientes para os paiacuteses desenvolvidos apoiarem a criaccedilatildeo de mecanismos globais para servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado nestes casos

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possivelmente tendo um efeito positivo em outras aacutereas ao longo do tempo

(SHERIDAN 2009 CHEONG 2010 SUTHERLAND 2012)42

Em seu livro de 2009 Wars Guns and Votes (Guerras Armas e Votos) o economista de desenvolvimento Paul Collier afirma que nas uacuteltimas deacutecadas vaacuterios paiacuteses no grupo dos paiacuteses em desenvolvimento mais pobres deram uma guinada marcante ao adotar sistemas formais de democracia eleitoral Collier entatildeo pergunta porque esse grupo (que alberga o bottom billion ou o bilhatildeo mais pobre da humanidade para usar a expressatildeo cunhada por Collier em seu livro anterior de 2008) ainda natildeo mostra indiacutecios de que essa guinada gerou melhorias reais em indicadores de desenvolvimento poliacutetico ou econocircmico Collier conclui que muitas vezes as reformas poliacuteticas e econocircmicas adotadas por esses paiacuteses apoacutes a democratizaccedilatildeo formal foram cosmeacuteticas e eles ainda apresentam um deacuteficit agudo de governanccedila O resultado dessa guinada democraacutetica foi contraditoriamente um aumento da violecircncia poliacutetica da instabilidade social e da pobreza generalizada em alguns paiacuteses

Collier argumenta que os paiacuteses que albergam o bottom billion estatildeo presos em uma armadilha de pobreza e violecircncia da qual eles natildeo conseguiratildeo escapar sozinhos Ele afirma que os mecanismos existentes para promover ajuda para o desenvolvimento mesmo focados em promover reformas de governanccedila domeacutestica tambeacutem natildeo seratildeo capazes de ajudar esses paiacuteses a escapar dessa armadilha porque eles carecem de sistemas miacutenimos de seguranccedila poliacutetica e de sistemas de accountability governamental que satildeo preacute-requisitos para a construccedilatildeo de sistemas domeacutesticos de governanccedila mais amplos Collier tambeacutem natildeo acredita que os mecanismos regulatoacuterios tradicionais satildeo o melhor caminho para lidar com esse problema ao menos inicialmente

Em seu livro de 2010 Plundered Planet (O Planeta Saqueado) Paul Collier centra no caso de paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila Aleacutem da armadilha da violecircncia esses paiacuteses estariam tambeacutem presos em uma ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo Collier explica que embora paiacuteses ricos em recursos naturais precisem ainda mais de bons sistemas domeacutesticos de governanccedila para lidar

42 Para informaccedilatildeo sobre o projeto ldquocharter citiesrdquo veja Charter Cities online Disponiacutevel em lthttpwwwchartercitiesorggt

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com os impactos sociais ambientais e econocircmicos negativos que caracterizam as atividades extrativas rendas expressivas da exportaccedilatildeo de recursos abundantes podem financiar as elites autoritaacuterias desses paiacuteses sem que precisem prestar contas a sociedade tornando ainda mais difiacutecil a construccedilatildeo das instituiccedilotildees [de governanccedila] necessaacuterias [no acircmbito domeacutestico] Assim como Krasner Collier (2008 2009 2010) argumenta que estes casos complexos exigem uma desconstruccedilatildeo radical dos conceitos de soberania internacional e nacional No caso de paiacuteses que passam por violecircncia poliacutetica crocircnica a proposta de Collier eacute fazer uso de mecanismos externos para proporcionar seguranccedila e accountability miacutenimos ateacute que os paiacuteses albergando o bottom billion possam escapar da armadilha da violecircncia poliacutetica em que se encontram presos

Assim Collier tambeacutem propotildee que mecanismos transnacionais sejam usados como equivalentes funcionais das estruturas de governanccedila domeacutesticas ausentes para propiciar seguranccedila e accountability pre-requisitos para a construccedilatildeo de outros sistemas de governanccedila Em outras palavras ele sugere que instituiccedilotildees domeacutesticas disfuncionais ou ausentes sejam temporariamente substituiacutedas Collier natildeo detalha entretanto como exatamente estes mecanismos externos de governanccedila abririam caminho para seus equivalentes domeacutesticos ao longo do tempo No caso de paiacuteses ricos em recursos naturais Collier advoga a criaccedilatildeo de uma Carta de Recursos Naturais (Natural Resources Charter) uma seacuterie de padrotildees internacionais de boa gestatildeo de recursos naturais Mas essa Carta serviria apenas como um guia voluntaacuterio para aqueles paiacuteses ricos em recursos que desejem contar com cooperaccedilatildeo teacutecnica para melhor administrar os seus recursos

Outros autores jaacute estatildeo investigando que efeitos alguns mecanismos de governanccedila global jaacute existentes ndash que satildeo muito menos intrusivos na soberania dos paiacuteses ndash estatildeo provocando ou podem provocar em sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Em um artigo de 2009 intitulado A globalizaccedilatildeo do direito anticorrupccedilatildeo ajuda paiacuteses em desenvolvimento o acadecircmico de DampD Kevin Davis analisa se o emergente regime transnacional de combate a corrupccedilatildeo ndash formado por convenccedilotildees internacionais mecanismos multisetoriais e regulaccedilotildees extraterritoriais - estaria provocando efeitos positivos reais na reduccedilatildeo de iacutendices de corrupccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento Neste artigo Davis inclui uma discussatildeo interessante ainda que breve sobre se estas Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 341

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normas transnacionais de combate a corrupccedilatildeo poderiam estar causando efeitos imprevistos e indesejaacuteveis em sistemas domeacutesticos de governanccedila Ele sugere que como em alguns casos estas normas tentam desviar ou substituir o sistema domeacutestico de governanccedila elas podem estar anulando incentivos para a criaccedilatildeo ou o fortalecimento de mecanismos domeacutesticos para inibir a corrupccedilatildeo nos paiacuteses em desenvolvimento Davis afirma que ainda natildeo existe evidecircncia de que isso esteja efetivamente acontecendo e uma outra possibilidade eacute a de que esses mecanismos tenham uma interaccedilatildeo positiva complementando sem anular os mecanismos de governanccedila no acircmbito domeacutestico

Tambeacutem em 2009 um antropologista social e pesquisador secircnior no think

tank Britacircnico Overseas Development Institute (ODI) David Brown realizou uma avaliaccedilatildeo criacutetica da crescente praacutetica da Uniatildeo Europeia de usar mecanismos de pressatildeo tais como Acordos Voluntaacuterios de Parceria (Voluntary Partnership AgreementsVPAs) em seus acordos bilaterais de comeacutercio com paiacuteses ricos em madeira e pobres em governanccedila Para Brown (2009) os VPAs tecircm o objetivo claro de lidar com a questatildeo do comeacutercio iliacutecito e insustentaacutevel de madeira promovendo melhorias no sistemas de governanccedila de florestas e madeira dos parceiros comerciais europeus menos desenvolvidos Ao analisar se os VPAs efetivamente melhoraram essa governanccedila entretanto Brown encontrou resultados mistos Por um lado ele encontrou evidecircncias de que VPAs tecircm o potencial para encorajar o desenvolvimento de padrotildees globais de desmatamento sustentaacutevel a longo prazo Ele tambeacutem viu potencial para o mecanismo reduzir o volume de madeira ilegal que ingressa no mercado europeu e para melhorar a transparecircncia do setor madeireiro Entretanto baseado em suas anaacutelises de campo Brown foi mais ceacutetico em relaccedilatildeo aos impactos dos VPAs em termos de provocar melhorias concretas nos sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento

Em 2011 Gilles Carbonnier Fritz Brugger e Jana Krause do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra avaliaram vaacuterias iniciativas multisetoriais criadas para enfrentar a maldiccedilatildeo dos recursos e influenciar indicadores de desenvolvimento em paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila domeacutestica com ecircnfase especial na Iniciativa de Transparecircncia das Induacutestrias Extrativistas (EITI) uma iniciativa multisetorial transnacional com a participaccedilatildeo de governos induacutestria e sociedade civil Carbonnier Brugger amp Krause Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 342

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(2011) analisam os vetores de comportamento incluindo os incentivos de mercado e regulamentaccedilotildees que podem influenciar as decisotildees de atores puacuteblicos e privados envolvidos no setor extrativo em paiacuteses em desenvolvimento Eles argumentam que a principal premissa do EITI eacute de que a maior participaccedilatildeo da sociedade civil nos sistemas de governanccedila de recursos no acircmbito domeacutestico levaria a mudanccedila de comportamento em paiacuteses ricos em recursos e em empresas extrativas Os autores concluem que em muitos dos casos que eles estudaram a sociedade civil ainda natildeo era forte o suficiente para responder positivamente a estas expectativas

Esses estudos ainda natildeo investigam detalhadamente as possiacuteveis interaccedilotildees positivas e negativas de mecanismos regulatoacuterios globais com sistemas domeacutesticos de governanccedila altamente disfuncionais Esta importante agenda de pesquisa estaacute ainda tateando Eacute preciso ainda reconhecer que os efeitos dessa interaccedilatildeo podem tambeacutem ser sentidos na outra direccedilatildeo Isto eacute regimes domeacutesticos de governanccedila podem afetar ou influenciar os vaacuterios mecanismos globais de regulaccedilatildeo Em siacutentese existe ainda um longo caminho pela frente para que possamos compreender melhor de que formas mecanismos globais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila e se e como podemos fazer melhor uso dos mecanismos globais para lidar com deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico

4 CONCLUSAtildeO

Atualmente existe uma ampla constelaccedilatildeo de mecanismos globais que podem potencialmente interagir de formas complexas com sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento e que possivelmente podem ser usados como instrumentos para promover reformas de governanccedila que venham a preencher graves lacunas ou deacuteficits nos sistemas domeacutesticos de alguns paiacuteses Este artigo sugere que para entender melhor como esses diversos mecanismos satildeo criados e como evoluem e quais seus possiacuteveis efeitos negativos ou positivos em sistemas domeacutesticos de governanccedila a literatura de DampD deveria expandir seu foco para aleacutem de mecanismos endoacutegenos e de formas tradicionais de promover governanccedila A agenda de pesquisa de DampD precisa incluir questotildees tais como qual tem sido a evoluccedilatildeo de tentativas externas de se lidar com o deacuteficit de governanccedila Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 343

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em paiacuteses em desenvolvimento Quais as premissas dos atores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo desses mecanismos Como eles interagem com sistemas de governanccedila domeacutesticos na teoria e na praacutetica Estes estudos devem estar informados e ser conduzidos em conjunto com estudos de governanccedila global que analisam os mesmos fenocircmenos por acircngulos diferentes poreacutem complementares Mais importante a agenda expansiva de pesquisa de DampD deve investigar se e como exatamente estes mecanismos globais podem contribuir para melhorar os indicadores de desenvolvimento de paiacuteses do sul global a longo prazo Esta eacute a nova ainda inexplorada fronteira para os estudos de DampD

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Marianna de Queiroz Gomes

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO

AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS1

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES

Marianna de Queiroz Gomes2

Resumo Contextualiza a questatildeo ambiental a partir do paradigma de sociedade de

risco Discorre sobre Neoconstitucionalismo constituiccedilatildeo dirigente e efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio Demonstra que o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula legislador administrador e juiz agrave Constituiccedilatildeo e agrave concretizaccedilatildeo dos direitos ali prescritos Analisa a viabilidade da judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais no modelo do Estado Democraacutetico de Direito Estuda o papel do Poder Judiciaacuterio ante uma jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Explora a contribuiccedilatildeo do Judiciaacuterio para a efetivaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Palavras-chave Neoconstitucionalismo Judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Abstract The paper contextualizes the environmental issue from the paradigm of the

risk society Its analysis is based on neoconstitutionalism the directive constitution and effectiveness of the fundamental right to a healthy environment It demonstrates that directive constitutionalism binds lawmakers administrators and judges to the Constitution and the implementation of the rights therein prescribed It analyzes the viability of the justiciability of environmental public policies in the democratic state model It studies the role of the judiciary over a constitutional and environmental jurisdiction It explores the contribution of the judiciary for the enforcement of the fundamental right to an ecologically balanced environment

1 Artigo submetido em 30062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 23072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Mestranda em Direito e Ordem Constitucional pela UFC Especialista em Processo Civil pela Unichristus Especialista em Direito e Processo Tributaacuterio pela Universidade de Fortaleza E-mail ltmariannaqueirozyahoocombrgt

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Keywords Neoconstitutionalism Judicialization of environmental public

policies

INTRODUCcedilAtildeO

Vivemos um momento histoacuterico de crise ambiental De certo no Brasil paiacutes da falta de aacutegua das secas das enchentes dos sem-terra das obras puacuteblicas feitas sem licenciamento ambiental existe um grande espaccedilo para discussatildeo da questatildeo ambiental Esta eacute notiacutecia todos os dias nos jornais eacute tema de conferecircncias eacute (ou deveria ser) preocupaccedilatildeo diaacuteria de nossos governantes e ainda de um sem nuacutemero de ONGs

Nesse contexto de escasseamento de recursos ambientais e de reavaliaccedilatildeo do nosso assim chamado ldquodesenvolvimento econocircmicordquo a conservaccedilatildeo da natureza estaacute na ordem do dia Nossos panoramas social poliacutetico econocircmico e cultural nos mostram que eacute urgente a mudanccedila de comportamentos quanto ao meio ambiente Destaque-se ainda que a contemporaneidade desenvolve um paradigma social que tem sido chamado de ldquosociedade de riscordquo na terminologia apresentada por Ulrich Beck A produccedilatildeo da riqueza natildeo mais domina a produccedilatildeo dos riscos

Por outro lado experimentamos um momento de Neoconstitucionalismo em que ganham importacircncia discussotildees sobre a viabilidade das promessas constitucionais da aplicabilidade dos princiacutepios e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais entre eles o direito fundamental ao meio ambiente sadio mote do trabalho Em nosso Estado Democraacutetico de Direito sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo dirigente transformadora da realidade ganham importacircncia as poliacuteticas puacuteblicas ambientais necessaacuterias ante o texto constitucional

Mas o que fazer quando no nosso contexto de crise ambiental de sociedade de risco Executivo e Legislativo falham em implementar poliacuteticas puacuteblicas que concretizem o direito fundamental em anaacutelise Resta o recurso ao Judiciaacuterio terceiro poder a quem incumbe a jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Analise-se entatildeo a possibilidade da chamada ldquojudicializaccedilatildeo das poliacuteticas ambientaisrdquo Perquirem-se doutrina e jurisprudecircncia sobre seus fundamentos e possibilidades ante o novo constitucionalismo brasileiro objetivando contribuir para o debate acadecircmico sobre a mateacuteria

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Nesse sentido pretende-se realizar uma pesquisa bibliograacutefica e documental de objetivo exploratoacuterio sobre a possibilidade de o Judiciaacuterio por meio da judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais efetivar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Os meacutetodos seratildeo monograacuteficos quanto ao procedimento e prioritariamente dedutivos no que toca agrave abordagem

1 A QUESTAtildeO AMBIENTAL O PARADIGMA DA SOCIEDADE DE RISCO E A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O homem eacute absolutamente dependente da natureza pois natildeo respira sem ela Por outro lado vivemos um contexto de superexploraccedilatildeo da natureza com nossa ideologia consumista corolaacuterio de uma produccedilatildeo industrial cada vez maior produto ainda de um desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico nunca antes visto Nossas necessidades satildeo infinitas ao passo que os recursos naturais satildeo escassos Por outro acircngulo a populaccedilatildeo humana cresce em escala nunca antes experimentada (UNFPA 2011) A brasileira no mesmo sentido (IBGE 2011)

Em outra visatildeo do prisma nossa tecnologia e ciecircncia avanccedilam mas seu emprego com os alimentos transgecircnicos a energia nuclear a construccedilatildeo de projetos de grande impacto ambiental criam riscos e ameaccedilam a proacutepria sociedade a quem deveriam proteger Nosso modelo de desenvolvimento em cuja contabilidade natildeo costuma estar posta a variaacutevel ambiental mostra-se matematicamente insustentaacutevel a meacutedio e longo prazos Natildeo se pode esquecer ainda da desigualdade social alimentada pelo atual modelo de desenvolvimento (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010) Estaacute posta a questatildeo ambiental que natildeo eacute apenas nacional mas sim mundial

Em verdade a preocupaccedilatildeo social com o meio ambiente ganha relevacircncia na segunda metade do seacuteculo passado especialmente depois da crise do petroacuteleo e de desastres ambientais motivados por contaminaccedilatildeo nuclear Nesse momento histoacuterico nosso padratildeo de desenvolvimento calcado no ideal liberal e produto da Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XIX comeccedila a dar claros sinais de desgaste

ldquoA avaliaccedilatildeo eacute a seguinte enquanto na sociedade industrial a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riqueza domina a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riscos na sociedade de risco Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 352

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

essa relaccedilatildeo se inverterdquo (BECK 2010 p 9) Natildeo se trata de um risco apocaliacuteptico de perigo nuclear nem simplesmente de medo O risco eacute um fator a mais dentro dos processos decisoacuterios da nossa sociedade altamente industrializada

Para Beck (2010 p 15) a produccedilatildeo social da riqueza na modernidade caminha junto de uma produccedilatildeo social de riscos que satildeo tambeacutem ambientais Constata-se que uma das principais consequecircncias do nosso desenvolvimento cientiacutefico industrial eacute a exposiccedilatildeo da humanidade a riscos e a inuacutemeras modalidades de contaminaccedilatildeo nunca observados anteriormente A industrializaccedilatildeo poacutes-moderna natildeo se dissocia de um processo contiacuteguo de criaccedilatildeo de riscos A questatildeo se torna mais criacutetica ante a projeccedilatildeo de que os riscos criados hoje alcanccedilaratildeo geraccedilotildees futuras

ldquoA problemaacutetica ambiental global constitui um problema fundamental de nosso tempo []rdquo (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010 p 18) Sintomaacutetica da conscientizaccedilatildeo global da segunda metade do seacuteculo XX sobre a questatildeo ambiental eacute a Conferecircncia de Estocolmo Ali o meio ambiente ecologicamente equilibrado eacute tratado pela primeira vez como direito fundamental do homem Estabelece seu Princiacutepio 013

O homem tem o direito fundamental agrave liberdade agrave igualdade e ao desfrute de condiccedilotildees de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar tendo a solene obrigaccedilatildeo de proteger e melhorar o meio ambiente para as geraccedilotildees presentes e futuras A este respeito as poliacuteticas que promovem ou perpetuam o apartheid a segregaccedilatildeo racial a discriminaccedilatildeo a opressatildeo colonial e outras formas de opressatildeo e de dominaccedilatildeo estrangeira satildeo condenadas e devem ser eliminadas

Com a emergecircncia da questatildeo ambiental decorrente da sociedade de risco em que vivemos observado ainda o panorama ideoloacutegico e juriacutedico que elevam o meio ambiente a bem de primeira grandeza a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 natildeo

3 Traduccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwmmagovbrestruturasagenda21_arquivosestocolmodocgt acesso em 30 de abril de 2013 No texto original ldquoMan has the fundamental right to freedom equality and adequate conditions of life in an environment of a quality that permits a life of dignity and well-being and he bears a solemn responsibility to protect and improve the environment for present and future generations In this respect policies promoting or perpetuating apartheid racial segregation discrimination colonial and other forms of oppression and foreign domination stand condemned and must be eliminatedrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwuneporgDocuments MultilingualDefaultPrintaspdocumentid=97amparticleid=1503gt acesso em 19062013

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poderia se omitir sobre a preocupaccedilatildeo ambiental De forma ineacutedita em nosso constitucionalismo o meio ambiente eacute ali tutelado expressamente no art 225 como direito fundamental apesar de natildeo alocado geograficamente no art 5ordm Eacute o texto da nossa Lei Maior

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees

Conforme Canotilho e Leite (2007 p 96) podemos dizer que ldquoFormalmente direitos fundamentais satildeo aqueles que reconhecidos na Constituiccedilatildeo ou em tratados internacionais atribuem ao indiviacuteduo ou a grupos de indiviacuteduos uma garantia subjetiva ou pessoalrdquo Percebemos entatildeo que formalmente eacute direito fundamental aquilo que a Constituiccedilatildeo diz ser Mas essa definiccedilatildeo natildeo eacute bastante Afinal qual a essecircncia de um direito fundamental qual seu elemento de reconhecimento

Na liccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva (2006 p 178) numa definiccedilatildeo de nuance material no qualificativo ldquofundamentaisrdquo encontra-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees juriacutedicas sem as quais a pessoa humana natildeo se realiza natildeo convive ou agraves vezes nem mesmo sobrevive fundamentais ao homem no sentido de que a todos por igual devem ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente efetivados

A doutrina classicamente elabora trecircs dimensotildees de direitos fundamentais De antematildeo cabe ponderar que a nomenclatura ldquogeraccedilotildeesrdquo embora tradicionalmente usada nesse contexto natildeo parece ser a mais adequada pois transmite uma ideia de que os direitos fundamentais evoluiriam e os mais novos substituiriam outros ou teriam preferecircncia ou sobre os antigos o que natildeo acontece Conforme melhor doutrina os direitos fundamentais estatildeo ligados por relaccedilatildeo de interdependecircncia Natildeo se pode gozar plenamente de um se natildeo assegurados tambeacutem os demais e nessa ordem de ideias tem-se preferido agravequele o termo ldquodimensotildeesrdquo (SARLET 2007 p 54)

Fixados os aspectos terminoloacutegicos vejamos propriamente como evoluem as dimensotildees de direitos fundamentais Antecipe-se a curiosidade de frequentemente fazer-se o paralelo entre as dimensotildees e o lema da Revoluccedilatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 354

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Francesa ldquoLiberdade igualdade e fraternidaderdquo Bem por essa vereda percebe-se que a primeira eacute atinente a direitos civis e poliacuteticos relacionados ao proacuteprio indiviacuteduo como tal Sua construccedilatildeo ocorreu como produto da Revoluccedilatildeo Francesa sob a eacutegide de uma doutrina liberal em um momento histoacuterico em que existia a necessidade de proteger o homem do Estado ateacute entatildeo todo poderoso Nesse sentido pode-se pensar que tecircm o grande meacuterito de transformar relaccedilotildees de poder em relaccedilotildees juriacutedicas Observe-se ainda ser frequente adjetivaacute-los como direitos negativos pois impotildeem ao Estado um dever de natildeo-intervenccedilatildeo em uma determinada oacuterbita de liberdade individual Como exemplos podemos citar o direito agrave vida agrave liberdade o direito de voto a igualdade de todos ante a lei (igualdade formal)

A segunda dimensatildeo remonta ao iniacutecio do seacuteculo XX quando o liberalismo claacutessico comeccedila a dar seus primeiros sinais de desgaste Entre os fortes impactos da industrializaccedilatildeo com suas implicaccedilotildees sociais e econocircmicas acirravam-se os conflitos de classes Apenas a igualdade formal no papel sem efetivaccedilatildeo praacutetica jaacute natildeo se mostrava suficiente a aplacar os anseios sociais Exigia-se a igualdade material com mudanccedilas de postura do Estado que deveria ser agora natildeo apenas negativa mas sim positiva O Estado teria o dever de agir para propiciar ao indiviacuteduo bem-estar social com acesso a sauacutede educaccedilatildeo e lazer por exemplo no que se observa um agir afirmativo daquele na consecuccedilatildeo da justiccedila social (SARLET 2007 p 56)

Apoacutes a Segunda Guerra Mundial detectou-se que alguns grandes temas diziam respeito agraves necessidades coletivas natildeo individuais Inviaacuteveis seu gozo e proteccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo o todo social fortalecendo-se viacutenculos de solidariedade Nessa toada os direitos fundamentais de terceira geraccedilatildeo trazem uma importante nota distintiva visam agrave proteccedilatildeo de interesses difusos coletivos Transcendem a titularidade individual posto natildeo se referirem apenas agrave tutela do homem enquanto indiviacuteduo mas sim agrave proteccedilatildeo de grupos humanos Nas palavras de Bonavides (2011 p 569) eacute seu destino ldquoo gecircnero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmaccedilatildeo como valor supremo em termos de existencialidade concretardquo Por tal motivo satildeo denominados direitos de fraternidade

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ou de solidariedade e podemos citar como exemplo a paz a autodeterminaccedilatildeo dos povos e com especial importacircncia a esta obra o meio ambiente

Eacute tendecircncia ainda a discussatildeo em torno de uma quarta geraccedilatildeo de direitos No cenaacuterio juriacutedico brasileiro destaque-se a posiccedilatildeo favoraacutevel do professor Paulo Bonavides segundo a qual integrariam essa categoria os direitos agrave democracia (direta) informaccedilatildeo e pluralismo correspondendo a uma fase de institucionalizaccedilatildeo do Estado social (BONAVIDES 2011 p 570-571)

Do exposto infere-se que o direito fundamental ao meio ambiente eacute uma construccedilatildeo recente integrante de uma terceira dimensatildeo desses direitos conforme jaacute tradicional classificaccedilatildeo Assim resguarda-se nesse conceito juriacutedico um bem reputado fundamental agrave vida sem o qual esta natildeo pode se realizar plenamente Destaca-se assim um viacutenculo de solidariedade social com a tutela de um interesse difuso transindividual que nas palavras de Fiorillo (2012 p 61) pertence ldquoa todos e a ningueacutem ao mesmo tempordquo

2 NEOCONSTITUCIONALISMO CONSTITUICcedilAtildeO DIRIGENTE E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

Como se sabe nosso amplo rol de direitos fundamentais a despeito da ampla proteccedilatildeo conferida pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 carece de efetivaccedilatildeo Nosso Estado tem falhado na implementaccedilatildeo de tais direitos especialmente em se tratando do direito fundamental ao meio ambiente sadio Perceba-se que conforme a proacutepria redaccedilatildeo do art 225 eacute obrigaccedilatildeo do Estado e da coletividade a defesa e preservaccedilatildeo de tal direito no que emergem as questotildees dos deveres fundamentais para os cidadatildeos e da formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais por parte do Estado

Hoje vivemos um momento no Direito que a doutrina convencionou chamar ldquoNeoconstitucionalismordquo Nessa nova realidade poacutes-positivista natildeo mais se vincula o constitucionalismo agrave ideia de limitaccedilatildeo do poder poliacutetico mas acima de tudo busca a eficaacutecia da Constituiccedilatildeo A norma fundamental ganha importacircncia de centro do sistema juriacutedico norma imperativa e superior numa hierarquia natildeo apenas formal mas sobretudo axioloacutegica

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Presenciamos uma fase de constitucionalizaccedilatildeo do Direito e a Constituiccedilatildeo tem forccedila normativa proacutepria Suas normas satildeo cogentes natildeo apenas meras promessas a serem realizadas por opccedilatildeo poliacutetica em um futuro distante A norma existe para ser realizada e pode condicionar a realidade Pontue-se que a Constituiccedilatildeo natildeo representa apenas a expressatildeo de um ser mas tambeacutem de um dever ser Graccedilas a sua pretensatildeo de eficaacutecia a Constituiccedilatildeo procura imprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade poliacutetica e social E ela tanto eacute determinada como eacute determinante da conjuntura social A forccedila condicionante da realidade e a normatividade da Constituiccedilatildeo podem ateacute ser diferenciadas mas natildeo definitivamente separadas ou confundidas (HESSE 1991 p 15)

Sobre o marco inicial do processo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito ensina Luis Roberto Barroso (2006 p 17) haver razoaacutevel consenso de que foi estabelecido na Alemanha do poacutes-guerra Sob a eacutegide da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinaacuterios que jaacute vinham de mais longe o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais aleacutem de sua dimensatildeo subjetiva de proteccedilatildeo de situaccedilotildees individuais desempenham uma outra funccedilatildeo a instituiccedilatildeo de uma ordem objetiva de valores O ordenamento juriacutedico deve tutelar determinados direitos e valores natildeo apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfaccedilatildeo Tais normas constitucionais condicionam a interpretaccedilatildeo de todos os ramos do Direito puacuteblico ou privado e vinculam os Poderes

Nesse passo reaproximam-se Direito Moral Justiccedila e outros valores substantivos revelando a importacircncia do homem como filtro axioloacutegico de todo o sistema poliacutetico e juriacutedico (BARROSO 2006 p 20) Incorporam-se valores e opccedilotildees poliacuteticas aos textos constitucionais especialmente no que diz respeito agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais A lei e de modo geral os Poderes Puacuteblicos devem natildeo soacute observar a forma prescrita na Constituiccedilatildeo mas com especial relevo estar em consonacircncia com seu espiacuterito seu caraacuteter axioloacutegico e os seus valores baacutesicos

Esse movimento tem como marco tentativa de concretizaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais prometidas servindo como ferramenta agrave implantaccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito Nesse modelo de Estado natildeo basta que direitos sejam

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previstos eles devem ser materialmente garantidos Na evoluccedilatildeo do conceito ao modelo atual passou-se de um Estado Legislativo de Direito no qual o Direito se limitava agrave lei a um modelo de Estado Social de Direito natildeo necessariamente democraacutetico cujo objetivo era atender agraves reivindicaccedilotildees da justiccedila social (BONAVIDES 2009 p 203-205)

O paradigma atual almeja aliar democracia (soberania popular) ao elemento baacutesico do Estado de Direito (a lei) natildeo mais como mero enunciado formal do legislador mas como ato de concretizaccedilatildeo dos valores humanos morais e eacuteticos fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo A lei que natildeo atende a essa exigecircncia eacute inconstitucional e deve ser desprezada (CUNHA JR 2010 p 543)

No contexto brasileiro o Neoconstitucionalismo emerge no cenaacuterio da Constituinte de 1988 e aiacute chegamos a um impasse O legislador constituinte foi profiacutecuo no estabelecimento de direitos fundamentais na Carta de 1988 legando aos inteacuterpretes o compromisso de efetivaacute-los transformando uma realidade que natildeo poderia parecer mais distante da estabelecida naquele texto

Ressalte-se ainda que nossa CF88 eacute dirigente compromissaacuteria esboccedilando um pacto entre Direito e transformaccedilatildeo social Preleciona Canotilho (1982 p 224) que ldquoConstituiccedilatildeo dirigente pode ser entendida como o bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado se estabelecem diretivas e estatuem imposiccedilotildeesrdquo conceito que se aproxima do de ldquoConstituiccedilatildeo programaacuteticardquo Nesse sentido a Constituiccedilatildeo deixa de ser concebida como um estatuto organizatoacuterio do Estado definidor de competecircncias e regulador de processos transformando-se num verdadeiro plano global normativo do Estado e da sociedade determinante das tarefas dos programas e fins do Estado (TRINDADE 2009 p 29)

Esse conceito de constituiccedilatildeo dirigente trazido por Canotilho muito debatido celebrado e tambeacutem criticado mereceu revisatildeo na segunda ediccedilatildeo de sua obra Constituiccedilatildeo dirigente e vinculaccedilatildeo do legislador (2001 prefaacutecio)

a Constituiccedilatildeo dirigente estaacute morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionaacuterio capaz de por si soacute operar transformaccedilotildees emancipatoacuterias Tambeacutem suportaraacute impulsos tanaacuteticos qualquer texto constitucional dirigente introvertidamente vergado sobre si proacuteprio e alheio aos processos de abertura do direito constitucional

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ao direito internacional e aos direitos supranacionais Numa eacutepoca de cidadanias muacuteltiplas e de muacuteltiplos de cidadanias seria prejudicial aos proacuteprios cidadatildeos o fecho da Constituiccedilatildeo erguendo-se agrave categoria de linha Maginot contra invasotildees agressivas dos direitos fundamentais Alguma coisa ficou poreacutem da programaticidade constitucional Contra os que ergueram as normas programaacuteticas a linha de caminho de ferro neutralizadora dos caminhos plurais da implantaccedilatildeo da cidadania acreditamos que os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das poliacuteticas puacuteblicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito democraacuteticas e sociais

Por essa vereda o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula natildeo apenas o legislador mas tambeacutem o administrador ao elaborar poliacuteticas puacuteblicas e ao praticar atos administrativos desconstruindo em certa medida a blindagem da discricionariedade e do meacuterito administrativo Por outro lado traz tambeacutem o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas e as condiccedilotildees de possibilidade para a implementaccedilatildeo do Estado social e democraacutetico de direito

Nessa quadra da ciecircncia juriacutedica constitucionaliza-se o Direito Administrativo com a redefiniccedilatildeo da ideia de supremacia do interesse puacuteblico (agora dividido em primaacuterio e secundaacuterio) sobre o interesse privado e a vinculaccedilatildeo do administrador agrave Constituiccedilatildeo e natildeo apenas agrave lei ordinaacuteria Abre-se ainda a possibilidade de controle do meacuterito do ato administrativo atraveacutes dos princiacutepios constitucionais gerais como moralidade eficiecircncia e sobretudo a razoabilidade-proporcionalidade (BARROSO 2006 p 36-40)

Observa-se todavia especialmente em paiacuteses de modernidade tardia como o nosso um abismo largo entre o que propotildee a Constituiccedilatildeo dirigente e a efetiva operacionalizaccedilatildeo do Direito Constitucional Lecircnio Streck chama esse fenocircmeno de ldquosolidatildeo constitucionalrdquo (2006 p 5) Nesse contexto ganha relevo a jurisdiccedilatildeo constitucional Se Executivo e Judiciaacuterio falham em efetivar a Constituiccedilatildeo a missatildeo soccedilobra ao Judiciaacuterio Por essa linha Bachof (1996 p 10) chama atenccedilatildeo a uma relaccedilatildeo tensionante entre o Direito e a poliacutetica ldquoO juiz constitucional aplica certamente direito mas a aplicaccedilatildeo deste direito acarreta consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a valoraccedilotildees poliacuteticasrdquo

Afirma Streck (2006 p 25) que a dimensatildeo poliacutetica da Constituiccedilatildeo natildeo eacute uma dimensatildeo separada mas sim o ponto de estofo em que convergem as dimensotildees democraacutetica liberal e social daquilo que se pode denominar de

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ldquoessecircnciardquo do constitucionalismo do segundo poacutes-guerra Nenhuma dessas dimensotildees pode ser entendida isoladamente Propugna Streck (2006 p 34)

[] que os mecanismos constitucionais postos agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo e das instituiccedilotildees sejam utilizados eficazmente como instrumentos aptos a evitar que os poderes puacuteblicos disponham livremente da Constituiccedilatildeo A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar a opccedilatildeo pelo cumprimento ad hoc de dispositivos ldquomenos significativosrdquo da Lei Maior e o descumprimento sistemaacutetico daquilo que eacute mais importante ndash o seu nuacutecleo essencial-fundamental Eacute o miacutenimo a exigir-se pois

Democracia hoje eacute sinocircnimo de participaccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem de afirmaccedilatildeo de direitos fundamentais Por essa vereda eacute possiacutevel perceber a democracia de nosso tempo apontar para a predominacircncia do Judiciaacuterio sobre o Legislativo Na democracia do velho Estado de Direito esta relacionava-se com a formulaccedilatildeo textual das normas juriacutedicas pela via representativa ldquoAgora os direitos fundamentais natildeo podem ter sua determinaccedilatildeo de sentido na atividade legiferante visto que esta teraacute de atuar em consonacircncia com os mesmosrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2004 p 110)

A legislaccedilatildeo com finalidade social (do welfare state) eacute muito diferente da legislaccedilatildeo tradicional O estado social eacute promocional e isso gera tambeacutem problemas De um lado o legislador chamado a intervir em esferas sempre maiores de assunto ou atividade de outro o gigantismo do administrador Nesse contexto o Judiciaacuterio natildeo pode simplesmente se furtar agrave necessidade de controlar a constitucionalidade das leis e dos atos do executivo Os juiacutezes assim tornam-se ldquocontroladoresrdquo natildeo soacute da atividade civil e penal dos cidadatildeos mas tambeacutem dos ldquopoderes poliacuteticosrdquo talvez justamente pelo crescimento destes no estado moderno (CAPPELLETTI p 49)

Revecirc-se a tradicional separaccedilatildeo de poderes liberal privatista nascida da Revoluccedilatildeo Francesa O equiliacutebrio de freios e contrapesos estabelecido no seacuteculo passado natildeo mais serve ao nosso cenaacuterio que demanda uma jurisdiccedilatildeo constitucional

Em verdade o Estado tem papel de relevo na efetivaccedilatildeo dos direitos e na implementaccedilatildeo de valores socialmente relevantes Desta forma num momento histoacuterico em que a questatildeo ambiental ganha relevacircncia em nossa agenda poliacutetica

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

faz-se premente analisar a judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais Ora as normas constitucionais que prescrevem o direito fundamental ao meio ecologicamente equilibrado estatildeo longe de ser ldquomeramente programaacuteticasrdquo Vinculam a atuaccedilatildeo legislativa executiva e judiciaacuteria do aparato estatal (GAVIAtildeO FILHO 2005)

O direito fundamental ao meio ambiente determina posiccedilotildees fundamentais juriacutedicas definitivas a fim de que o Estado atue positivamente no sentido de realizar accedilotildees faacuteticas Caracteriza um direito a prestaccedilotildees em sentido estrito Todos os titulares do direito fundamental ao ambiente podem exigir do Estado algo correspondente a prestaccedilotildees positivas ou materiais as poliacuteticas puacuteblicas (GAVIAtildeO FILHO 2005 p 17)

Natildeo se deve interpretar a Constituiccedilatildeo de forma dissociada de seus fundamentos e objetivos A CF88 (artigo 225 caput e art 5ordm sect 2ordm) natildeo soacute atribuiu ao direito ao meio ambiente o status de direito fundamental do indiviacuteduo e da coletividade como consagrou a proteccedilatildeo ambiental (art 170) como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado ndash Socioambiental - de Direito brasileiro (SARLET FENSTERSEIFER p 13)

Desse raciociacutenio o Estado na busca de satisfaccedilatildeo desse direito humano e fundamental tem direito a explorar seus proacuteprios recursos segundo poliacuteticas de meio ambiente e desenvolvimento No reverso da moeda tem o dever de assegurar que atividades sob sua jurisdiccedilatildeo ou controle natildeo causem danos ao seu meio ambiente nem aos de outros Estados (TREVIZAN 2007 p 56)

Na verdade lembra Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias (2013) que a exigecircncia de postura mais ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo de direitos eacute exigecircncia do que se convencionou chamar Estado Democraacutetico de Direito Avanccedilamos de um direito reprodutor de realidades a um Direito com potencialidade de transformar a sociedade Assim aleacutem de suas funccedilotildees tiacutepicas atribui-se ao Judiciaacuterio a funccedilatildeo de efetivar as normas constitucionais em caso de omissatildeo dos Poderes Legislativo e Executivo Tem-se uma nova percepccedilatildeo da funccedilatildeo desse terceiro Poder com a jurisdiccedilatildeo constitucional

Ao falar em controle difuso de constitucionalidade em jurisdiccedilatildeo constitucional logo vem a associaccedilatildeo com a obra de Haumlberle e sua proposta de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 361

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ampliaccedilatildeo da sociedade aberta de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo Em suma no contexto de um Estado de Direito que se pretende democraacutetico e social eacute fundamental que a leitura da Constituiccedilatildeo se faccedila em voz alta e agrave luz do dia em um processo verdadeiramente puacuteblico e republicano pelos diversos atores da cena institucional ndash agentes poliacuteticos ou natildeo ndash porque ao fim e ao cabo todos os membros da sociedade poliacutetica fundamentam na Constituiccedilatildeo de forma direta e imediata os seus direitos e deveres (CANOTILHO 1991 p 208)

Assegurando o dissenso hermenecircutico e racionalizando as divergecircncias de interpretaccedilatildeo em torno da Constituiccedilatildeo perspectivas como as de Haumlberle auxiliam a preservaccedilatildeo da unidade poliacutetica e mesmo da manutenccedilatildeo da ordem juriacutedica objetivos fundamentais de toda Constituiccedilatildeo (TRINDADE 2008)

A Constituiccedilatildeo promete mas o estado natildeo entrega Nas democracias atuais o balcatildeo do Judiciaacuterio surge como soluccedilatildeo para as frustraccedilotildees dos jurisdicionados Ingeborg Maus bem observa essa tendecircncia apontando um certo paternalismo na atuaccedilatildeo do terceiro poder o alcunhado pela autora ldquosuperego da sociedade oacuterfatilderdquo (2000)

A aproximaccedilatildeo entre Direito e Moral torna a Justiccedila a mais alta instacircncia da moral que escapa ao controle social Esse tipo de conjuntura eacute passiacutevel da criacutetica de infantilizaccedilatildeo social As expectativas sociais satildeo depositadas no Judiciaacuterio que aparece como ldquosalvador da paacutetriardquo ao inveacutes de a sociedade procurar se organizar e buscar ela mesma o protagonismo no cumprimento das promessas constitucionais Nas palavras de Maus (2000 p 190 grifou-se)

A Justiccedila aparece entatildeo como uma instituiccedilatildeo que sob a perspectiva de um terceiro neutro auxilia as partes envolvidas em conflitos de interesses e situaccedilotildees concretas por meio de uma decisatildeo objetiva imparcial e por isto justa O infantilismo da crenccedila na Justiccedila aparece de forma mais clara quando se espera da parte do Tribunal Federal Constitucional uma retificaccedilatildeo de sua proacutepria postura frente agraves questotildees que envolvem a cidadania Exigecircncias de Justiccedila social e proteccedilatildeo ambiental aparecem com pouca frequumlecircncia no proacuteprio comportamento eleitoral e muito menos em processos natildeo institucionalizados de formaccedilatildeo de consenso sendo transferidas tais expectativas para o criteacuterio distributivo da mais alta Corte

Reflita-se que esse ganho de poder do Judiciaacuterio natildeo vem sem riscos agrave proacutepria Constituiccedilatildeo A intervenccedilatildeo da justiccedila constitucional a criaccedilatildeo judicial do Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 362

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

direito ante o caso concreto pode ir contra a CF88 A sociedade civil nesse processo de dirigismo constitucional tem importante papel numa luta que eacute natildeo soacute juriacutedica mas tambeacutem poliacutetica Adverte Streck (2006 p 40) que o grau de dirigismo e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo dependeraacute natildeo somente mas tambeacutem da atuaccedilatildeo da sociedade civil instando as instacircncias judiciaacuterias ao cumprimento da Constituiccedilatildeo mediante o uso dos diversos mecanismos institucionais (accedilotildees constitucionais controle difuso e concentrado de constitucionalidade) E isto tambeacutem implica lutas poliacuteticas

Aponte-se que a criatividade judicial eacute por vezes confundida com ativismo criaccedilatildeo de Direito natildeo legislado o que acaba por trazer um cunho depreciativo agrave expressatildeo ldquoativismo judicialrdquo por vezes usada como sinocircnimo de ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo Nesse ponto cabe buscarmos uma definiccedilatildeo para os termos ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo e ldquopoliacuteticas puacuteblicasrdquo noccedilotildees fundamentais ao estudo da jurisdiccedilatildeo constitucional

ldquoJudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo eacute termo que vem da sociologia cunhado por Tate e Vallinder (1996) sinocircnimo de ldquopolitizaccedilatildeo da justiccedilardquo e significa os efeitos da expansatildeo do Poder Judiciaacuterio no processo decisoacuterio das democracias contemporacircneas Nesse sentido ldquojudicializarrdquo a poliacutetica eacute utilizar os meacutetodos tiacutepicos da decisatildeo judicial na resoluccedilatildeo de disputas e demandas nas arenas poliacuteticas em dois contextos

O primeiro resultaria da ampliaccedilatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo dos tribunais pela revisatildeo judicial de accedilotildees legislativas e executivas fruto da constitucionalizaccedilatildeo de direitos e de mecanismos de checks and balances Jaacute o segundo contexto mais difuso seria constituiacutedo pela introduccedilatildeo ou expansatildeo de staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (casos de tribunais eou juiacutezes administrativos como o contencioso tributaacuterio o contencioso das agecircncias reguladoras e autarquias de controle) e no Legislativo ndash com as Comissotildees Parlamentares de Inqueacuterito eg (MACIEL KOERNER 2002 p 114)

Na perspectiva constitucional a judicializaccedilatildeo diz respeito ao novo estatuto dos direitos fundamentais e agrave superaccedilatildeo de um determinado modelo da separaccedilatildeo dos poderes do Estado que levaria agrave ampliaccedilatildeo dos poderes de intervenccedilatildeo dos tribunais na poliacutetica Por outro lado se considerarmos tal como um processo que

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potildee em risco a democracia a tendecircncia seria agravada pelo nosso sistema hiacutebrido de controle da constitucionalidade (MACIEL KOERNER 2002 p 117)

Mas o Direito natildeo eacute esfera independente da poliacutetica Esclarece Bucci (2006 p 1) que o fenocircmeno do direito especialmente o puacuteblico eacute inteiramente permeado pelos valores e pela dinacircmica da poliacutetica Para essa autora (2006 p 6) um aspecto notaacutevel desse novo constitucionalismo eacute justamente a introduccedilatildeo da dimensatildeo do conflito na vida institucional cotidiana Os conflitos sociais natildeo satildeo negados ou mascarados pela idealizaccedilatildeo de uma liberdade individual Ao contraacuterio os embates sociais por direitos ganham lugar privilegiado nas arenas de socializaccedilatildeo poliacutetica em especial no Poder Legislativo mas tambeacutem de certa forma no Poder Judiciaacuterio

Maria Paula Dallari Bucci (2006 p 39) formula ainda a seguinte proposiccedilatildeo acerca do alcance da expressatildeo ldquopoliacutetica puacuteblicardquo

Poliacutetica puacuteblica eacute o programa de accedilatildeo governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados ndash processo eleitoral processo de planejamento processo de governo processo orccedilamentaacuterio processo legislativo processo administrativo processo judicial ndash visando coordenar os meios agrave disposiccedilatildeo do Estado e as atividades privadas para a realizaccedilatildeo de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados Como tipo ideal poliacutetica puacuteblica deve visar a realizaccedilatildeo de objetivos definidos expressando a seleccedilatildeo de prioridades a reserva de meios necessaacuterios agrave sua consecuccedilatildeo e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados

Por outro lado com a revalorizaccedilatildeo da eacutetica e da moral o magistrado tem maior liberdade para proferir suas decisotildees com o objetivo de concretizar os princiacutepios constitucionalmente eleitos Inegaacutevel entatildeo a funccedilatildeo nuclear do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo de direitos Os tribunais criam jurisprudecircncia cultura juriacutedica e satildeo observados de perto por todo o paiacutes

Como lembra Cappelletti (p 68) o tribunal investido da aacuterdua tarefa de efetivar a constituiccedilatildeo eacute desafiado pelo dilema de dar conteuacutedo a por vezes enigmaacuteticos e vagos preceitos conceitos e valores (tarefa inegavelmente criativa) Ou por outro caminho pode essa corte considerar como natildeo vinculantes justamente a parte dos textos constitucionais relativa agrave salvaguarda dos direitos fundamentais do homem em face do Poder Puacuteblico A longo prazo esta segunda escolha embora mais faacutecil mostra-se dificilmente defensaacutevel Reside aiacute um paradoxo pois ao passo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 364

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

que por exigecircncia de nosso constitucionalismo o juiz por vezes cria direito ao interpretar a lei ao caso concreto aiacute tambeacutem reside o ponto de maior inseguranccedila e menor legitimidade democraacutetica do direito jurisprudencial

Sobre a praacutexis do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais lembra Matias (2013 p 73) que inovaccedilotildees como a responsabilizaccedilatildeo objetiva pelos danos ambientais a imprescritibilidade do dano ambiental ou a funcionalizaccedilatildeo do direito de propriedade satildeo instrumentos de frequente utilizaccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo do direito em anaacutelise Mas como soacutei ocorrer diante de qualquer mudanccedila de paradigmas haacute ainda muita resistecircncia na aceitaccedilatildeo dos novos padrotildees

Merece realce nessa toada a posiccedilatildeo que o STF tem adotado em algumas decisotildees no sentido da busca pelos fundamentos e limites do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Vejamos trecho do voto do Ministro Celso de Mello no Recurso Extraordinaacuterio 410715-54

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do Poder Judiciaacuterio mdash e nas desta Suprema Corte em especial mdash a atribuiccedilatildeo de formular e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio com o adverte a doutrina o encargo reside primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Impende assinalar entanto que tal incumbecircncia poderaacute atribuir-se embora excepcionalmente ao Poder Judiciaacuterio se e quando os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos que sobre eles incidem em caraacuteter mandatoacuterio vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e a integridade de direitos individuais e o u coletivos impregnados de estatura constitucional como sucede na espeacutecie ora em exame

No acoacuterdatildeo do Recurso Especial 650728SC5 (julgado em 23102007 publicado em 02102009) observa-se afirmaccedilatildeo elucidativa sobre como o STJ

4 RE 410715 AgR SP - SAtildeO PAULO AGREGNO RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO Relator(a) Min CELSO DE MELLO Julgamento 22112005 Oacutergatildeo Julgador Segunda Turma Publicaccedilatildeo DJ 03-02-2006

5 REsp 650728 SC Recurso Especial 20030221786-0 relator(a) Ministro Herman Benjamin (1132) oacutergatildeo julgador T2 - segunda turma data do julgamento 23102007 data da publicaccedilatildeofonte dje 02122009 Ementa PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL NATUREZA JURIacuteDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS TERRENOS DE MARINHA AacuteREA DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE ATERRO ILEGAL DE LIXO DANO AMBIENTAL RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM NEXO DE CAUSALIDADE AUSEcircNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTACcedilAtildeO DA LEGISLACcedilAtildeO AMBIENTAL ATIVISMO JUDICIAL MUDANCcedilAS CLIMAacuteTICAS DESAFETACcedilAtildeO OU DESCLASSIFICACcedilAtildeO JURIacuteDICA TAacuteCITA SUacuteMULA

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naquela ocasiatildeo percebeu o papel do juiz na implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ambiental ldquoNo Brasil ao contraacuterio de outros paiacuteses o juiz natildeo cria obrigaccedilotildees de proteccedilatildeo do meio ambiente Elas jorram da lei apoacutes terem passado pelo crivo do Poder Legislativo Daiacute natildeo precisarmos de juiacutezes ativistas pois o ativismo eacute da lei e do texto constitucionalrdquo

Frequentemente satildeo opostas algumas criacuteticas ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais dentre elas a ilegitimidade do Judiciaacuterio para apreciar tais questotildees pelo fato de os juiacutezes natildeo terem sido eleitos via voto popular a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes pela invasatildeo indevida de um Poder na esfera de competecircncia de outro a discricionariedade do Executivo na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas a reserva do possiacutevel

Ilegiacutetima eacute a atuaccedilatildeo estatal em desconformidade com a Lei Maior fundamento de validade dos atos e leis estatais A democracia (substancial) no Estado Democraacutetico de Direito demanda um Poder contramajoritaacuterio que possa efetivar direitos e obedecer agrave Constituiccedilatildeo se natildeo o fazem os demais e nisso o Judiciaacuterio ganha legitimidade democraacutetica

Sobre a separaccedilatildeo de poderes como visto esta no atual constitucionalismo natildeo eacute tatildeo riacutegida como no seacuteculo passado O ideal da estrita separaccedilatildeo de poderes teve como consequecircncia um Judiciaacuterio deacutebil com um Executivo e um Legislativo natildeo controlados Daacute-se um salto paradigmaacutetico No Neoconstitucionalismo a leitura claacutessica do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes com limites riacutegidos agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio cede a outras visotildees mais favoraacuteveis ao ldquoativismo judicialrdquo em defesa dos valores constitucionais (SARMENTO 2009 p 8)

Em verdade o Poder eacute um soacute do Estado que exerce funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas por seus oacutergatildeos todos vinculados e compromissados com a Constituiccedilatildeo Importam menos a separaccedilatildeo de poderes e as maiorias e ganha relevacircncia a decisatildeo judicial de legitimidade constitucional

Quanto agrave reserva do possiacutevel devemos perceber que o orccedilamento eacute lei

autorizativa ela natildeo faz o gasto puacuteblico mas autoriza-o Assim acerca da

282STF VIOLACcedilAtildeO DO ART 397 DO CPC NAtildeO CONFIGURADA ART 14 sect 1deg DA LEI 69381981

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo basta a ausecircncia da rubrica orccedilamentaacuteria

deve-se perquirir pela real ausecircncia do recurso financeiro que iria arcar com o ocircnus

daquela Por outro lado deve-se questionar se a real questatildeo eacute a ausecircncia do

recurso financeiro ou a destinaccedilatildeo de recursos para aacutereas que natildeo deveriam ser

prioritaacuterias como propaganda institucional do governo e verbas de gabinetes por

exemplo

No acircmbito da Uniatildeo registre-se que o total de recursos destinados na lei

orccedilamentaacuteria ao Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) por exemplo nem sempre eacute

totalmente liquidado Em palavras simples o problema natildeo eacute apenas ldquocaixardquo mas

tambeacutem direcionamento poliacutetico e organizaccedilatildeo gerencial No ano de 2006 diga-se o

iacutendice de execuccedilatildeo geral do orccedilamento do MMA no ano ficou em apenas 54 o

que eacute muito pouco e rebate de forma contundente o argumento da reserva do

possiacutevel (DUTRA OLIVEIRA PRADO 2006)

Cabe lembrar que a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente

relaciona-se de forma muito proacutexima ao princiacutepio da maacutexima efetividade da

Constituiccedilatildeo Ressalte-se ainda o princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo

segundo o qual natildeo se deve compreender a Constituiccedilatildeo agrave luz da legislaccedilatildeo

infraconstitucional mas sim as leis agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal Postas essas duas

premissas reforccedila-se a aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos constitucionais e legais

com a possibilidade de o Poder Judiciaacuterio concretizar os preceitos que utilizam

conceitos indeterminados sem aguardar por sua definiccedilatildeo legislativa ou

regulamentar

Vale lembrar ainda que conforme o art 5ordm sect1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 a norma constitucional que prevecirc o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado tem aplicabilidade imediata Natildeo se trata de mera

possibilidade de governo ou exortaccedilatildeo ao Poder Puacuteblico fato que nada contribui

para a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Trata-se de um direito

justiciaacutevel como tem se mostrado em accedilotildees ordinaacuterias e accedilotildees civis puacuteblicas pelo

paiacutes (BRAZ 2006)

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O assunto todavia natildeo eacute paciacutefico e estaacute em construccedilatildeo Vejamos ementa de decisatildeo do STJ (grifou-se)6

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL IMPORTACcedilAtildeO DE PNEUS USADOS PROVA PERICIAL INDEFERIMENTO AUSEcircNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA INUTILIDADE NO CONTROLE DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS ESTUDO PREacuteVIO DE IMPACTO AMBIENTAL ESTRATEacuteGICO 1 Cuidam os autos de Accedilatildeo Ordinaacuteria movida pelo recorrente contra a Uniatildeo e o Ibama com o fito de obter licenccedila de importaccedilatildeo de pneus usados reputando invaacutelidas as normas ambientais que vedam tal operaccedilatildeo O Tribunal de origem manteve o indeferimento do pedido de realizaccedilatildeo de prova pericial por consideraacute-la desnecessaacuteria[] 5 Como regra natildeo passa de despropoacutesito querer submeter Poliacuteticas Puacuteblicas mais ainda as legisladas agrave periacutecia judicial excluiacuteda a possibilidade de exigecircncia de Estudo Preacutevio de Impacto Ambiental Estrateacutegico quando a sua implementaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo demandarem a realizaccedilatildeo futura de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradaccedilatildeo do meio ambiente exatamente o oposto da hipoacutetese dos autos

Um caso emblemaacutetico sobre o tratamento que o estado brasileiro vem dando agraves poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute o da BR-319 Nessa situaccedilatildeo percebe-se a preocupaccedilatildeo ambiental como secundaacuteria ou ateacute inexistente tendo em vista a Portaria Interministerial 2732004 firmada entre Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes e a qual estabelecia como desnecessaacuterio o licenciamento ambiental para obras daquela rodovia7

No resumo da SECEX-AM (2006 p 31 grifou-se) sobre a continuidade de obras naquela rodovia ante a Portaria 2732004

Na verdade o Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes em 3 de novembro de 2004 expediram a Portaria Interministerial 2732004

6 Data da Decisatildeo 15122009 Data da Publicaccedilatildeo 04052011 Processo RESP 200901441254 RESP -RECURSO ESPECIAL ndash 1129785 Relator(a) ELIANA CALMON Oacutergatildeo julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA04052011

7 Art 6ordm da Portaria Interministerial 2732004 de 3 de novembro de 2004 ldquoAs obras de ampliaccedilatildeo da capacidade de rodovias pavimentadas jaacute iniciadas especificadas no art 2o inciso IV da presente Portaria que natildeo possuem licenciamento ambiental somente poderatildeo ter continuidade apoacutes a celebraccedilatildeo de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com forccedila de tiacutetulo executivo extrajudicial nos termos do art 5o sect 6o da Lei no 7347 de 24 de julho de 1985 entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA nas condiccedilotildees e prazos estipulados nesse ajusterdquo Disponiacutevel em lthttpwwwiapprgovbrarquivosFileLegislacao_ambientalLegislacao_federal PORTARIASPORTARIA_INTERMINISTERIAL_MMA_DNIT_273_2004_OBRAS_RESTAURACAO_RODOVIAS_DNIT_020609pdfgt Acesso em 19 jun 2013

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

criando o Programa Nacional de Regularizaccedilatildeo Ambiental de Rodovias Federais com o objetivo de adequar a malha rodoviaacuteria federal pavimentada existente agraves normas ambientais Assim nas rodovias pavimentadas autorizaram-se as atividades de manutenccedilatildeo conservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo Estabeleceu-se que o MT apresentaria ao MMA um levantamento da situaccedilatildeo ambiental das rodovias pavimentadas visando definir um cronograma para sua respectiva regularizaccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo de TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) entre o DNIT e o IBAMA Ou seja para as rodovias pavimentadas onde se tratasse de conservaccedilatildeo restauraccedilatildeo ou manutenccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo do TAC estaria dispensado o licenciamento ambiental O fato eacute que a obra [manutenccedilatildeo da BR-319] natildeo dispotildee de licenccedila ambiental vaacutelida ou mesmo o TAC O TAC apresentado natildeo foi assinado pelo IBAMA e neste caso natildeo existe documento que resguarde o empreendimento de regularizaccedilatildeo ambiental

Registremos nesse passo Accedilatildeo Cautelar Preparatoacuteria de Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200004906-78 em 1272005 com pedido de liminar ajuizada pelo que o Ministeacuterio Puacuteblico Federal do Amazonas (MPF) objetivando em resumo impedir o iniacutecio das obras de recuperaccedilatildeo da BR-319 ateacute que se atendessem aos requisitos exigidos pela legislaccedilatildeo ambiental brasileira especialmente o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatoacuterio de Impacto Ambiental (EIARIMA) O juiacutezo da 1ordf Vara da Justiccedila Federal no Amazonas deferiu em 28072005 a liminar A decisatildeo foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (BRAZ 2006 p 140)

Em 28092005 o MPF ajuizou a Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200005731-49 contra o DNIT e as construtoras responsaacuteveis pela restauraccedilatildeo da rodovia BR-319 tendo como objetivo final a nulidade da licitaccedilatildeo da obra pela ausecircncia estudos preacutevios de impacto ambiental Como fundamento do pedido a inconstitucionalidade da Portaria Interministerial 2732004 que dispensaria o EIARIMA A Justiccedila Federal do Amazonas deferiu a liminar mas a decisatildeo foi posteriormente suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (TRF1)10 Dentre outros argumentos esta

8 Processo 20053200004906-7 Nova Numeraccedilatildeo 0004894-8120054013200 Classe 183 - CAUTELAR INOMINADA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 12072005

9 Processo 20053200005731-4 Nova Numeraccedilatildeo 0005716-7020054013200 Classe 65 - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 29082005 Distribuiccedilatildeo 11 - REDISTRIBUICAO POR DEPENDENCIA (21052010)

10 Suspensatildeo de seguranccedila 20050100066991-0AM Nova Numeraccedilatildeo 0000479-5220054010000 Autuado em 26102005 Oacutergatildeo Julgador CORTE ESPECIAL Juiz Relator DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE Processo Originaacuterio 20053200005731-4AM (accedilatildeo civil puacuteblica)

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Marianna de Queiroz Gomes

Corte alegou que o impacto ambiental jaacute fora suportado quando da abertura da estrada na deacutecada de 70 argumento esse que natildeo se coaduna com a proteccedilatildeo ambiental efetiva e com o fator de induccedilatildeo ao desmatamento que o asfaltamento vai trazer11

Jaacute num caso de exploraccedilatildeo de recursos energeacuteticos em aacuterea indiacutegena12 percebe-se inclinaccedilatildeo do TRF1 a uma tutela judicial mais efetiva do direito fundamental ao meio ambiente referindo-se a corte ainda a um ldquomiacutenimo existencial-ecoloacutegico indiacutegenardquo Nesse caso da Apelaccedilatildeo Ciacutevel ndash 200639030007118 manifestou-se o TRF pela procedecircncia da accedilatildeo para impedir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA de praticar qualquer ato administrativo e tornar insubsistentes aqueles jaacute praticados referentes ao licenciamento ambiental da Usina Hidreleacutetrica de Belo Monte no Estado do Paraacute Ordenou ainda agraves empresas executoras do empreendimento hidreleacutetrico Belo Monte em referecircncia a imediata paralisaccedilatildeo das atividades de sua implementaccedilatildeo sob pena de multa coercitiva no montante de R$50000000 (quinhentos mil reais) por dia de atraso no cumprimento da ordem

Temos como parte da ementa do acoacuterdatildeo

Nesse contexto de desafios das metas de desenvolvimento para todos os seres vivos neste novo milecircnio na perspectiva da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas - Rio+20 a tutela jurisdicional-inibitoacuteria do risco ambiental que deve ser praticada pelo Poder Judiciaacuterio Republicano como instrumento de eficaacutecia dos princiacutepios da precauccedilatildeo da prevenccedilatildeo e da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico como no caso em exame no controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas do meio ambiente a garantir inclusive o miacutenimo existencial-ecoloacutegico dos povos indiacutegenas atingidos diretamente e indiretamente em seu patrimocircnio de natureza material e imaterial (CF art 216 caput incisos I e II) pelo Programa de Aceleraccedilatildeo Econocircmica do Poder Executivo Federal haacute de resultar assim dos comandos normativos dos arts 3ordm incisos I a IV e 5ordm caput e incisos XXXV e LXXVIII e respectivo

11 Nas palavras do relator para a suspensatildeo de seguranccedila que possibilitou a continuidade das obras ldquoResta saber se existe ou natildeo a possibilidade de dano irreparaacutevel ao meio ambiente A Rodovia BR-319 liga Manaus a Porto Velho e teve a construccedilatildeo concluiacuteda em 1977 com 8774 quilocircmetros de extensatildeo Portanto lesatildeo jaacute houve ao meio ambiente e consolidou-se com a construccedilatildeo da rodovia tendo em vista o impacto causado agrave flora e agrave fauna da regiatildeo para a abertura da estrada (MINISTEacuteRIO DOS TRANSPORTES 2006 p 109)rdquo

12 EDAC 200639030007118 EDAC - EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO NA APELACcedilAtildeO CIVEL ndash 200639030007118 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE Sigla do oacutergatildeo TRF1 Oacutergatildeo julgador QUINTA TURMA Fonte e-DJF1 DATA27082012 PAGINA316 Data da Decisatildeo 13082012 Data da Publicaccedilatildeo 27082012

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

paraacutegrafo 2ordm cc os arts 170 incisos I a IX e 225 caput e 231 sect 3ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil em decorrecircncia dos tratados e convenccedilotildees internacionais neste sentido visando garantir a inviolabilidade do direito fundamental agrave sadia qualidade de vida bem assim a defesa e preservaccedilatildeo do meio ambiente ecologicamente equilibrado em busca do desenvolvimento sustentaacutevel para as presentes e futuras geraccedilotildees

Percebe-se assim que a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute um fato e a tendecircncia eacute que nossos Tribunais mais e mais sejam instados a se manifestar sobre accedilotildees com esse teor Todavia as decisotildees tomadas nesse sentido tendem a ser tiacutemidas e muitas vezes se proferidas em primeira instacircncia satildeo reformadas pelos Tribunais mais conservadores em geral quanto ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Aponta Matias (2013 p 89) existir em construccedilatildeo um sistema judicial efetivo de privileacutegio do direito ao meio ambiente sadio e sua proteccedilatildeo A marcha nesse sentido parece irreversiacutevel

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diz-se que nosso Direito Constitucional passou por uma revoluccedilatildeo copernicana nas uacuteltimas deacutecadas com o primado da Carta Magna cobre as outras leis De fato vivemos sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo que eacute o aacutepice do ordenamento juriacutedico e agrave qual devem obediecircncia todos os atos normativos e materiais do Estado Esse eacute ponto paciacutefico

O desafio para as proacuteximas deacutecadas agora parece ser a efetivaccedilatildeo dessa Constituiccedilatildeo engajada que clama pela transformaccedilatildeo social Em tese percebe-se a Constituiccedilatildeo como dirigente anui-se com sua forccedila normativa com a necessidade da jurisdiccedilatildeo constitucional com a necessidade de as poliacuteticas estatais efetivarem direitos e estarem conforme as finalidades erigidas no art 3ordm Entretanto quando se fala na praacutetica em controle de atos estatais desconformes com essa Constituiccedilatildeo existe um recuo

Especificamente quanto ao objeto deste estudo percebe-se que na teoria tem-se todo o embasamento legal teacutecnico e filosoacutefico para que a Lei Maior seja efetivada e concretizado o direito fundamental ao meio ambiente sadio se natildeo por

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Marianna de Queiroz Gomes

leis ou por atos administrativos pela matildeo do Judiciaacuterio Mas isso natildeo acontece ou pelo menos com a frequecircncia necessaacuteria ou com a abrangecircncia determinada por nossa Lei Maior Surgem barreiras poliacuteticas econocircmicas socioloacutegicas Separam-se validade e eficaacutecia das normas constitucionais

E aiacute se desenham alguns oacutebices como a alegada separaccedilatildeo de poderes a discricionariedade da Administraccedilatildeo a reserva do possiacutevel os quais como demonstrado natildeo se mostram suficientes a obstaculizar o controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Mais importante que a separaccedilatildeo de poderes que a discricionariedade da Administraccedilatildeo eacute a efetividade da Constituiccedilatildeo A reserva do possiacutevel mostra-se um obstaacuteculo relativizaacutevel Para fazer frente ao mastodonte Legislativo e ao leviatanesco Executivo emerge o Judiciaacuterio a quem incumbe no Estado Democraacutetico de Direito a derradeira defesa da Constituiccedilatildeo O terceiro poder todavia ainda se mostra vacilante no contexto da jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental com posturas permeadas por avanccedilos e retrocessos Espera-se que essa resistecircncia na aceitaccedilatildeo de novos padrotildees de jurisdiccedilatildeo ambiental cedam com o tempo Em nome da Constituiccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BACHOF Otto Estado de Direito e Poder Poliacutetico Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra vol LVI Coimbra Coimbra Editora 1996 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do Direito O triunfo tardio do direito constitucional no brasil THEMIS Revista da ESMEC Escola Superior da Magistratura do Estado do Cearaacute Fortaleza v 4 n 2 p 18-19 juldez 2006 Disponiacutevel em lthttpwww2tjcejusbr8080esmecwp-contentuploads 200810 themis_v4_n_2pdfgt acesso em 19062013 BECK Ulrich Sociedade de risco rumo a uma outra modernidade Satildeo Paulo Ed 34 2010 BONAVIDES Paulo Do estado liberal ao estado social 9 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 26 ed atual Satildeo Paulo Malheiros 2011 BRAZ Sebastiatildeo Ricardo Braga Exigibilidade e poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea ambiental no estado do Amazonas Dissertaccedilatildeo de mestrado Orientador Profordf Drordf Clarice Seixas Duarte Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas Manaus AM 2006 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 372

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

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Marianna de Queiroz Gomes

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

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Daniela Richter e Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E

ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS

INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA1

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW

INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION

Daniela Richter 2

Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso3

Resumo

O presente trabalho analisa no contexto do constitucionalismo se o direito difuso das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sustentaacutevel eacute concretizado no direito paacutetrio e no direito equatoriano Objetiva descrever sobre o constitucionalismo contemporacircneo e seus ciclos na Ameacuterica Latina e nesse contexto resgata aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um meio ambiente saudaacutevel abordando a doutrina da proteccedilatildeo integral e sua positivaccedilatildeo no Brasil para ao final buscar um diaacutelogo entre o ordenamento brasileiro e equatoriano no que tange a concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral quanto ao direito ao meio ambiente sustentaacutevel Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma constitucional brasileiro para se chegar no tratamento conferido agraves crianccedilas e adolescentes na Constituiccedilatildeo Equatoriana bem como o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

1 Artigo submetido em 02062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 26092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Professora de Direito Civil Constitucional e de Direito da Crianccedila e do Adolescente do Centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria- FAMES Especialista em Direito Constitucional Mestre em Direito Doutoranda pela Universidade Federal de Santa CatarinaUFSC integrante do grupo de Pesquisa Teoria Juriacutedica no Novo Milecircnio do Curso de Direito da UNIFRA e do Nuacutecleo de Estudos Juriacutedicos e Sociais de Crianccedila e Adolescente ndash NEJUSCA ndash da UFSCEndereccedilo eletrocircnico danielarichteribestcombr

3 Advogada Professora de Direito Civil e Direito Processual Civil do centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria-FAMES Mestre em Direito pela Universidade Federal de santa Maria-UFSM Endereccedilo eletrocircnico joseanemarianiyahoocombr

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O direito ao meio ambiente sadio

Palavras-chave Neoconstitucionalismo proteccedilatildeo integral direitos difusos

e coletivos direito agrave sustentabilidade crianccedila e adolescente

Abstract This paper examines the context of constitutionalism the diffuse right of

children and adolescents to sustainable environments is embodied in parental rights and Ecuadorian law The paper aims to describe the contemporary constitutionalism and its cycles in Latin America and in this context rescue conceptual aspects of the right of children and adolescents living together in a healthy environment addressing the doctrine of integral protection and its positiveness in Brazil for at the end seek a dialogue between the Brazilian and Ecuadorian planning regarding the achievement of full protection to the right to a sustainable environment Thus to carry out the work it will use the method of deductive approach starting from the Brazilian constitutional paradigm to entake the treatment given to children and adolescents in the Ecuadorian Constitution as well as the method of comparative procedure selecting if the articles of the two constitutions in order to respond to analyze which one responds more adequately to the full protection of children and adolescents

Keywords Neoconstitutionalism full protection diffuse and collective rights the right to sustainability children and adolescents

INTRODUCcedilAtildeO

Hodiernamente tema de grande destaque eacute o debate das questotildees ambientais e de sua consequente sustentabilidade jaacute que na atual conjuntura econocircmica em meio ao mundo globalizado isto se apresenta como um desafio a ser enfrentado por todos Desta maneira torna-se salutar a necessidade de implementaccedilatildeo de uma cultura preventiva e preservacionista para garantir o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado as presentes e futuras geraccedilotildees como reza a Carta Maior no verdadeiro desdobramento do direito agrave paz

Pensando nisso o estudo ora apresentado analisa dentro do contexto de um neoconstitucionalismo se o direito difuso de crianccedilas e adolescentes a tal meio ambiente eacute possiacutevel de concretizaccedilatildeo no direito brasileiro e no direito equatoriano a tal ponto de se comparar os dois institutos buscando igualmente averiguar qual deles concretiza de maneira integralizada a proteccedilatildeo integral estendida a crianccedilas e adolescentes

Para tanto num primeiro momento objetiva-se delinear os aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um ambiente

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saudaacutevel e a consequente caracterizaccedilatildeo como novos direitos de terceira dimensatildeo enquadrado na categoria juriacutedica de direitos difusos ou coletivos para depois abordar-se a questatildeo da doutrina da proteccedilatildeo integral e a positivaccedilatildeo juriacutedica do direito brasileiro

Ao final pretende-se realizar um possiacutevel diaacutelogo entre os dois ordenamentos juriacutedicos citados acima ndash Brasil e Equador - comentados no objetivo da exposiccedilatildeo do paradigma do desenvolvimento humano e sustentaacutevel de crianccedilas e adolescentes

Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma normativo inaugurado pelos artigos 225 e 227 da Carta Constitucional Brasileira que segundo o primeiro elege o direito humano como direito fundamental das presentes e futuras geraccedilotildees enquanto que o uacuteltimo consagra a doutrina da proteccedilatildeo integral como princiacutepio que deve nortear o tratamento conferido a Crianccedilas e adolescentes bem como dos artigos 14 26 30 32 e 71 da Constituiccedilatildeo Equatoriana a fim de entender e desenvolver o direito de sumak kawsay ou seja do direito agrave vida em sua plenitude Para dar conta da segunda parte do artigo empregar-se-aacute o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

Eacute o que se passa a mencionar

1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES

Pode-se dizer que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 foi o grande marco para instauraccedilatildeo do novo modelo constitucionalista no Brasil ou seja do constitucionalismo contemporacircneo Tal fato se deve ao caraacuteter axioloacutegico desta Constituiccedilatildeo Nas palavras de Barroso (2007 p 10) a referida Constituiccedilatildeo foi o ponto culminante de processo de restauraccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito e superaccedilatildeo de uma perspectiva autoritaacuteria onisciente e natildeo pluralista de exerciacutecio de poder timbrada na intoleracircncia e na violecircncia Lembre-se aqui a frase dita por

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O direito ao meio ambiente sadio

Konrad Hesse ldquoa essecircncia constitucional encontra suporte na sua vigecircnciardquo (HESSE 1991 p 26)

A este passo a ideia de Estado Democraacutetico de Direito elencada no art 1ordm da Carta Magna Brasileira traz conceitos que satildeo proacuteximos mas natildeo devem ser confundidos que satildeo constitucionalismo e a democracia Constitucionalismo em essecircncia significa limitaccedilatildeo do poder e supremacia da lei jaacute democracia traduz-se em soberania popular e governo da maioria

Rememore-se portanto que o constitucionalismo contemporacircneo surge como um instrumento de concretizaccedilatildeo dos valores normas e direitos fundamentais trazidos pela Carta Magna de 1988 Deste modo haacute elevaccedilatildeo do indiviacuteduo para com o encontro de questotildees ligadas a solidariedade e responsabilidade para com o Estado para a realizaccedilatildeo destes preceitos constitucionais Novamente pode-se citar Hesse (1991 p26) que afirma que a Constituiccedilatildeo eacute capaz de transformar a sociedade mas ao mesmo tempo tem que ser lida a partir dessa sociedade ou seja de sua realidade Aiacute se constata sua forccedila normativa

Portanto nesse limiar da evoluccedilatildeo do constitucionalismo contemporacircneo tem-se o neoconstitucionalismo que de uma forma bem sucinta vai se preocupar com a eficaacutecia das normas constitucionais Assim Dimoulis e Duarte (2008 p 435) tentam encontrar um conceito para que o neoconstitucionalismo possa ser definido

infelizmente natildeo existe ainda uma precisatildeo conceitual para a terminologia neoconstitucionalismo Esse neologismo nasceu pela necessidade de exprimir algumas qualificaccedilotildees que natildeo poderiam ser devidamente explicadas pelas conceituaccedilotildees vigentes no constitucionalismo avanccedilado ou paradigma argumentativo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

A princiacutepio pode-se destacar o sentido do prefixo ldquoneordquo que presume considerar algo que eacute novo ou que ainda natildeo foi desvendado que estaacute em desenvolvimento determinando certo avanccedilo em relaccedilatildeo ao estado anterior Tal eacute a premissa do neoconstitucionalismo ou seja visualizar o constitucionalismo contemporacircneo ou como prefere expor Tavares (2007 p4) trata-se de um ldquoconstitucionalismo do por virrdquo

Em suma nas palavras de Barroso

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Daniela Richter e Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso

o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional na acepccedilatildeo aqui desenvolvida identifica um conjunto amplo de transformaccedilotildees ocorridas no Estado e no direito constitucional em meio agraves quais podem ser assinalados como marco histoacuterico a formaccedilatildeo do Estado constitucional de direito cuja consolidaccedilatildeo se deu ao longo das deacutecadas finais do seacuteculo XX como marco filosoacutefico o poacutes-positivismo com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximaccedilatildeo entre Direito e eacutetica e como marco teoacuterico o conjunto de mudanccedilas que incluem a forccedila normativa da Constituiccedilatildeo a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional Desse conjunto de fenocircmenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito (BARROSO 2009 p 40)

Assim conforme a doutrina pode-se dizer que o neoconstitucionalismo foi propulsionado por diversos aspectos como a falecircncia do padratildeo normativo que foi desenvolvido no seacuteculo XVIII baseado na supremacia do parlamento na influecircncia da globalizaccedilatildeo na poacutes-modernidade na superaccedilatildeo do positivismo claacutessico na centralidade dos direitos fundamentais na diferenciaccedilatildeo qualitativa entre princiacutepios e regras e na revalorizaccedilatildeo do Direito

Para Suzana Pozzolo (1998 p 234) o neoconstitucionalismo apresenta peculiares caracteriacutesticas como a adoccedilatildeo de uma noccedilatildeo especiacutefica de Constituiccedilatildeo juntamente com teacutecnicas interpretativas denominadas ponderaccedilatildeo ou balanceamento e tambeacutem com a consignaccedilatildeo de tarefas de integraccedilatildeo agrave jurisprudecircncia e de tarefas pragmaacuteticas agrave teoria do Direito

Ademais enfatizam Dimoulis e Duarte (2008) que o modelo normativo do neoconstitucionalismo natildeo eacute o descritivo ou o prescritivo mas sim o axioloacutegico No constitucionalismo claacutessico a diferenccedila entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau no neoconstitucionalismo a diferenccedila tambeacutem eacute axioloacutegica A Constituiccedilatildeo eacute considerada como ldquovalor em sirdquo

Nessa senda quanto agrave expansatildeo do neoconstitucionalismo pode ser aferir que ldquoo neoconstitucionalismo natildeo postula o surgimento de um judicial power os marcos normativos devem ser obedecidos pelos poderes estataisrdquo Ocorre que em paiacuteses como o Brasil ldquoo ativismo judicial pode ser admitido quando houver a premecircncia da realizaccedilatildeo de direitos fundamentais assegurando a densidade suficiente estabelecida de forma conjunta pela seara poliacutetica e pela seara juriacutedicardquo enquanto que ldquoo caraacuteter ideoloacutegico do constitucionalismo claacutessico era apenas o de limitar o poder dentro do delineamento estabelecido pela separaccedilatildeo de poderes

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O direito ao meio ambiente sadio

enquanto que o caraacuteter ideoloacutegico do neoconstitucionalismo eacute o de concretizar os direitos fundamentaisrdquo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

Ressalte-se que Moreira faz uma distinccedilatildeo entre dois momentos do neoconstitucionalismo o teoacuterico embasado pela teoria de Direito e o neoconstitucionalismo total Em suas palavras

o neoconstitucionalismo teoacuterico estabelece que o Direito Constitucional eacute o centro do ordenamento e da teoria do Direito em que os outros campos juriacutedicos satildeo todos constitucionalizados Parte da conexatildeo entre direito e moral embora tal medida natildeo seja um consenso entre seus adeptos Trabalha seu principal elementos os princiacutepios constitucionais estabelecidos e a serem preenchidos pela interpretaccedilatildeo juriacutedica que integra o Direito e o Estado eacute visto como Estado ponderador Enfoca uma teoria dos princiacutepios positivados essencial para o desenvolvimento do modelo os quais atuam diretamente em todo o sistema principalmente pela leitura da constitucionalizaccedilatildeo do Direito (MOREIRA 2008 p 52)

Por outro lado o mesmo autor diz que ldquoo neoconstitucionalismo total faz a uniatildeo entre o direito constitucional e a filosofia do direto em que os dois estudos ocupam o ponto maacuteximo regendo conjuntamente o ordenamentordquo Aliaacutes ele ldquoaceita as premissas conquistadas no neoconstitucionalismo teoacuterico como ponto de partida Diz-se antipositivista e quer chegar ainda a ser tambeacutem vetor da filosofia do direito aplicada e da filosofia poliacutetica do Estado um completo e novo paradigmardquo Ainda para ele o referido modelo ldquofaz a conexatildeo necessaacuteria entre o direito e a moral por via dos princiacutepios e insere a poliacutetica na relaccedilatildeo e todos os seus efeitosrdquo trabalhando ldquoo Direito em um sistema de regras e princiacutepios estes agindo pela pretensatildeo de correccedilatildeo e o ponto de vista eacute o do participante interno ativo e moral Ensina o Direito como ele pode ser com aberturasrdquo (MOREIRA 2008 p 52)

Em anaacutelise peculiar Moreira explica ainda que para o neoconstitucionalismo ser alcanccedilado alguns pressupostos oriundos da afirmaccedilatildeo do constitucionalismo devem estar necessariamente presentes Sem eles jamais se poderia falar em Estado Constitucional de Direito Deste modo para ele

satildeo sete as condiccedilotildees para que se possa verificar a constitucionalizaccedilatildeo do Direito As trecircs primeiras satildeo condiccedilotildees que chamamos de pressupostos satildeo de natureza formal a saber uma constituiccedilatildeo riacutegida a presenccedila de uma jurisdiccedilatildeo constitucional e a forccedila vinculante da Constituiccedilatildeo As outras condiccedilotildees satildeo de natureza material a aplicaccedilatildeo direta das normas constitucionais a sobreinterpretaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo conforme a

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Constituiccedilatildeo e a influecircncia da mesma sobre as relaccedilotildees poliacuteticas (MOREIRA 2008 p 73)

Portanto ldquoesse rol pode ser percebido como integrador de elementos comuns ao neoconstitucionalismo que utiliza todos eles Podem ainda ser incluiacutedos outros mas aqueles que realmente satildeo antecedentes e por isso pressupostos na melhor acepccedilatildeo da palavrardquo (MOREIRA 2008 p 73)

Por fim nas palavras de Cambi (2009 p136) pode-se concluir que ldquoo neoconstitucionalismo eacute a teoria que abrange e explica essa linha comum de pensar o direito contemporacircneordquo E neste sentido pode-se ldquoenfrentar o estudo do neoconsitucionalismo como um novo paradigma do Direitordquo jaacute que ele ldquoenxerga o direito como ele pode ser transformador Mais do que a superaccedilatildeo de uma metodologia juriacutedica ndash o que jaacute seria uma grande proposta ndash o neoconstitucionalismo muda a forma de pensar pois pretende superar o debate entre positivistas e jusnaturalistas lanccedilando matildeo de uma nova teoria para o direito tomando como ponto central a Constituiccedilatildeordquo Dito de outro modo passa-se de ldquoum direito em que as normas ditam o que fazer para um direito em que os princiacutepios indicam o que se pode fazerrdquo jaacute que

a diferenccedila entre o pensamento formalista e o pensamento neoconstitucionalista eacute que o segundo consegue alcanccedilar as transformaccedilotildees praacuteticas dentro do sistema juriacutedico neste ponto se afasta por completo de qualquer tese jusnaturalista pois natildeo sai do sistema nem defende valores universais (CAMBI 2009 p 136)

Por fim pode-se dizer entatildeo que as duas constituiccedilotildees objeto deste estudo no afatilde de se adequar as novas conquistas constitucionais acrescentaram valores axioloacutegicos ao seu texto Antes de analisaacute-los especificamente cabe por fim acrescentar os atuais estaacutegios do constitucionalismo latino americano para apoacutes continuar o desdobramento proposto do tema

Assim um primeiro ciclo multicultural vai ser enquadrado de 1982-1988 e vai introduzir o conceito de diversidade cultural do reconhecimento da configuraccedilatildeo multicultural da sociedade e alguns direitos especiacuteficos para os povos indiacutegenas (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

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O direito ao meio ambiente sadio

Alguns paiacuteses como Canadaacute (1982) por exemplo reconhece sua heranccedila multicultural e os ldquodireitos aboriacutegenesrdquo enquanto que a Guatemala (1985) Nicaraacutegua (1987) e Brasil (1988) reconhecem a ldquoconformaccedilatildeo multicultural da naccedilatildeo ou Estado o direito agrave identidade cultural e novos direitos indiacutegenasrdquo (FAJARDO 2006)

Especificamente quanto ao Brasil tecircm-se dois artigos incorporando os direitos indiacutegenas e outros dois tratando de direitos das comunidades quilombolas (neste uacuteltimo ponto com muitas disputas judiciais para seu reconhecimento exemplificativamente a luta dos proprietaacuterios contra os remanescentes de quilombos de Satildeo Miguel e dos Martiminianos- Restinga Seca-RS)

Jaacute o segundo periacuteodo de reformas o constitucionalismo pluricultural estaacute compreendido entre 1989-2005 marcando a internacionalizaccedilatildeo da Convenccedilatildeo 169-OIT que revisa a Convenccedilatildeo 107 e adota um amplo leque de direitos indiacutegenas exemplificativamente o caso da liacutengua da educaccedilatildeo biliacutengue das formas de participaccedilatildeo etc4 (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Pode-se ainda citar um uacuteltimo ciclo o do constitucionalismo plurinacional que vai de 2006-2009 e traz nessa seara as Constituiccedilotildees boliviana e equatoriana no contexto da discussatildeo sobre os direitos dos povos indiacutegenas e pois fundado em dispositivos para ldquorefundaccedilatildeo do Estadordquo reconhecimento de indiacutegenas como naccedilotildeespovos originaacuterios e nacionalidades e portanto como ldquosujeitos poliacuteticos coletivos com direito a definir seu proacuteprio destino governar-se em autonomias e participar nos novos pactos de Estadordquo (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Realizados os apontamentos sobre o atual estaacutegio do direito constitucional brasileiro e dos ciclos do constitucionalismo passa-se a delinear sobre o direito da crianccedila e do adolescente e o direito ambiental serem enquadrados nesse contexto como novos direitos direitos de fraternidade e consequentemente de terceira

4 A jurisdiccedilatildeo indiacutegena eacute reconhecida na Constituiccedilatildeo colombiana de 1991 e depois pelo Peru (1993) Boliacutevia(1994-2003) Equador (1998) e Venezuela(1999) Paraguai (1992) e Meacutexico(1992-2001)por sua vez reconhecem pluralismo juriacutedico e direito indiacutegena Argentina altera em 1994 o texto original da Constituiccedilatildeo de 1853 admitindo a preexistecircncia de direitos indiacutegenas assegurando-lhes direitos especiacuteficos mas deixando ao Congresso a competecircncia para regulaccedilatildeo em mateacuteria indiacutegena Ver Ramiacuterez 2008

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dimensatildeo jaacute que o uacuteltimo ciclo em especial seraacute retomado adiante na questatildeo especiacutefica da incorporaccedilatildeo do suma kawsay ao texto constitucional equatoriano5

2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL

Inicialmente cumpre rememorar que as crianccedilas ao longo da histoacuteria foram tratadas como objetos sem direitos e que com a promulgaccedilatildeo da Convenccedilatildeo da ONU de 1989 introduziu-se a teoria da proteccedilatildeo integral Esta teoria tem a sua culminacircncia e consagraccedilatildeo na referida Convenccedilatildeo que tem entre seus sustentaacuteculos o interesse maior da crianccedila sendo um documento que ldquoexpressa de forma clara sem subterfuacutegios a responsabilidade de todos com o futurordquo (VERONESE 1999 p 101)

No acircmbito interno a proteccedilatildeo integral estaacute estabelecida na Carta Magna em seu art 227 caput onde todos esses direitos especiais da crianccedila e do adolescente6 devem ser garantidos pela famiacutelia pelo Estado e pela sociedade

Esclarece Veronese e Silveira que

satildeo eles que iratildeo proteger e promover o desenvolvimento integral da crianccedila e do adolescente devendo cada qual cumprir seu dever desempenhar os seu papeacuteis objetivando assegurar a efetividade e o respeito aos direitos da crianccedila e do adolescente (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Eacute inevitaacutevel pois tal referecircncia aos entes responsaacuteveis jaacute que tambeacutem eacute reafirmada no art 4ordm do ECA E mais o paraacutegrafo uacutenico deste artigo fala acerca da prioridade absoluta que deve ser ostentada a estes sujeitos No entanto conforme o entendimento da autora acima mencionada trata-se de caraacuteter natildeo exaustivo ldquoe sim

5 Reitera-se aqui que se partiraacute do pressuposto de que as demais dimensotildees de direitos fundamentais jaacute satildeo de conhecimento comum analisando-se especificamente os direitos de terceira dimensatildeo pelos limites permeados a este trabalho

6 Nessa seara conveacutem relembrar que a emenda 652010 estendeu tal proteccedilatildeo tambeacutem ao jovem e que o projeto de Lei 272007 que dispotildee sobre a criaccedilatildeo do Estatuto da Juventude estaacute em tramitaccedilatildeo na Cacircmara dos Deputados e foi apensado ao Projeto 45292004 cuja finalidade primordial eacute estabelecer poliacuteticas puacuteblicas para este novo segmento que vai de 15 a 29 anos

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meramente exemplificativo pois natildeo preveem todas as situaccedilotildees de preferecircnciardquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Para Liberati a Doutrina de Proteccedilatildeo Integral

Eacute baseada nos direitos proacuteprios e especiais das crianccedilas e adolescentes que na condiccedilatildeo peculiar de pessoas em desenvolvimento necessitam de proteccedilatildeo diferenciada especializada e integral Eacute diferenciada porque impotildee uma distinccedilatildeo entre o tratamento que se deve dar agrave maioridade e agrave menoridade Por serem pessoas em desenvolvimento as crianccedilas e os adolescentes satildeo considerados absolutamente incapazes no campo civil (LIBERATI 1991 p 2)

Alerte-se de que natildeo se tem como limitadamente conceituar essa prioridade pois ldquoeacute sua condiccedilatildeo peculiar de desenvolvimento e sua consequente fragilidade fiacutesico-psiacutequicardquo que garantem os direitos a este grupo ldquoseja com relaccedilatildeo ao atendimento de suas necessidades seja no tocante agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Jaacute Fonseca (2011 p 19) expotildee a mesma prioridade sob o aspecto da responsabilidade momento em que diz que ela

vincula a famiacutelia os administradores os governantes em geral os legisladores em suas esferas de competecircncia os magistrados da Infacircncia e da Juventude os membros do Ministeacuterio Puacuteblico os Conselhos Tutelares bem como as demais autoridades e organizaccedilotildees em virtude dos riscos a que constantemente estatildeo submetidas crianccedilas e adolescentes (FONSECA 2011 p19)

Referido autor ainda complementa dizendo que esta prioridade de proteccedilatildeo daacute-se pela necessidade de cuidados especiais que seus destinataacuterios necessitam ldquoisso em decorrecircncia da fragilidade com que se relacionam no meio social e o status de pessoas em desenvolvimentordquo (FONSECA 2011 p 19)

Nesse iacutenterim o Estado confere agraves crianccedilas e adolescentes tratamento especial e diferenciado objetivando sua proteccedilatildeo integral Esse conceito de proteccedilatildeo resulta no reconhecimento e promoccedilatildeo de direitos sem violaacute-los e nem restringi-los podendo ser um meio coercitivo da intervenccedilatildeo estatal Exemplo disso eacute justamente o caso da Accedilatildeo Civil Puacuteblica que por menccedilatildeo especiacutefica do art 201 V

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do ECA tem cabimento para a defesa de direitos difusos e coletivos relativos agrave infacircncia e agrave adolescecircncia

Para explicar esta proteccedilatildeo judicial Ischida diz que se costuma ldquodividir os interesses individuais e interesses metaindividuaisrdquo os primeiros se referem a pessoas determinadas enquanto que os uacuteltimos ldquoatingem um grupo de pessoasrdquo (2010 p 453) Ainda na sua visatildeo

Os interesses individuais podem ser estritamente individuais e tambeacutem os individuais homogecircneos que possuem uma origem comum Jaacute os interesses metaindividuais satildeo divididos em coletivos quando pertencentes a uma categoria determinada de pessoas e os interesses difusos pertencentes a uma categoria indeterminaacutevel de pessoas (ISCHIDA 2010 p 453)

O artigo 208 do ECA trata dos direitos individuais homogecircneos coletivos e difusos da crianccedila e do adolescente a ser defendidos em especial pelo representante do Ministeacuterio Puacuteblico Para fins deste artigo dar-se-aacute ecircnfase aos direitos difusos Segundo Veronese (1997) os direitos difusos possuem origem no direito romano mas foi somente a partir dos anos 60-70 que se comeccedilou a preocupaccedilatildeo cientiacutefica com os mesmos Tal mudanccedila de paradigma estaacute profundamente ligada a complexidade das sociedades hodiernas na qual ldquoas atividades econocircmicas e sociais podem atingir prejudicialmente um grande nuacutemero de pessoas lesando direitos e interesses natildeo soacute do indiviacuteduo considerado como ente isolado mas de grupos classesrdquo (VERONESE 1997 p 69)

Para Fiorillo (2003 p 6-7) o direito difuso apresenta-se ldquocomo um direito transindividual tendo um objeto indivisiacutevel titularidade indeterminada e interligada por circunstacircncias de fatordquo ou seja satildeo aqueles que ldquotranscendem o indiviacuteduo ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigaccedilotildees de cunho individualrdquo Possuem natureza indivisiacutevel pois ldquoao mesmo tempo a todos pertence mas ningueacutem especificamente o possuirdquo e deste modo natildeo possui um titular determinado satildeo pessoas que estatildeo ldquointerligadas por uma situaccedilatildeo faacuteticardquo mas ldquoinexiste uma relaccedilatildeo juriacutedicardquo entre eles

Ressalte-se que essa categoria de direitos tem sido cada vez mais importante e de caraacuteter imprescindiacutevel no contexto das sociedades pluralistas e multiculturais e de difiacutecil caracterizaccedilatildeo haja vista que alguns autores os tratam

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como sinocircnimos No entanto Vigoritti (apud Veronese p 71) menciona que apesar dos direitos coletivos e difusos possuiacuterem o mesmo conteuacutedo de agrupamento de interesses eacute possiacutevel diferenciaacute-los Em suas palavras

[] enquanto o interesse coletivo caracteriza-se por ser organizado e coordenado o difuso constituiacutea-se numa fase de formaccedilatildeo do interesse coletivo portanto sem sistematizaccedilatildeo mas de qualquer forma estava este uacuteltimo inserido no processo de agregaccedilatildeo de interesses (VERONESE p 71)

Portanto verifica-se que os direitos difusos satildeo marcados pela caracteriacutestica da indeterminaccedilatildeo do sujeito e abstratividade ultrapassando a esfera individual Dentre os mais debatidos na sociedade contemporacircnea cita-se o direito ao meio ambiente de extrema importacircncia para fins deste trabalho A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 reconheceu o meio ambiente como sendo um interesse difuso ou seja interesse que pertence a todos os homens independentemente do grupo oacutergatildeo ou associaccedilatildeo a que pertenccedila ldquoProva disso eacute o local de inserccedilatildeo das normas atinentes ao meio ambiente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica ldquoTiacutetulo VIII ndash Da Ordem Social (arts 193 a 232) Ora Se importa agrave ordem social eacute coletivordquo (MORAES 2001 p 15)

Aleacutem de ser um direito difuso acredita-se ferrenhamente que o direito ao meio ambiente se constitui em um Direito Humano e Fundamental de terceira dimensatildeo Trata-se de direito individual e coletivo porque a vivecircncia em um local agradaacutevel ambientalmente sempre estaraacute vinculada ao princiacutepio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana especialmente em relaccedilatildeo ao fato do meio ambiente ecologicamente equilibrado e agrave sadia qualidade de vida estar preconizados no caput do artigo 225 da CF como direitos de todos das presentes e futuras geraccedilotildees o que seraacute explorado adiante Antunes (2012 p 21) reforccedila essa afirmativa dizendo que ldquoo direito ao desfrute de um ambiente sadio eacute uma condiccedilatildeo para o exerciacutecio da dignidade humanardquo

Neste passo nos limites que permeiam este trabalho eacute preciso que se caracterize o dever de respeito e a necessidade de accedilotildees sustentaacuteveis para apoacutes fazer-se a relaccedilatildeo de que a proteccedilatildeo integral pode ser um meio concretizador daqueles objetivos (frise-se caminhar para o desenvolvimento de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e asseguraacute-los agraves presentes e futuras geraccedilotildees) pois o

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proacuteprio art 7ordm do ECA exige o fomento de poliacuteticas sociais puacuteblicas que ldquopermitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condiccedilotildees dignas de existecircnciardquo como um direito comum de toda crianccedila e adolescente e para este objetivo perpassa-se por aquele

Cabe acrescentar com Milareacute (2007 p 61) que a sociedade atual convive com trecircs metas indispensaacuteveis ldquoa conciliaccedilatildeo entre o desenvolvimento integral a preservaccedilatildeo do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vidardquo o que pode ser traduzido nas condiccedilotildees necessaacuterias para um desenvolvimento de um ambiente sustentaacutevel No entanto para o tatildeo sonhado meio eacute preciso abarcar vaacuterios ramos do saber natildeo apenas o direito e sim a economia a cultura a poliacutetica o campo socioloacutegico tecnoloacutegico etc ou seja eacute de difiacutecil conceituaccedilatildeo o que seja o tal ldquodesenvolvimento sustentaacutevelrdquo apesar de sua presenccedila constante na miacutedia

Completa o autor

melhor do que falar em desenvolvimento sustentaacutevel ndash que eacute um processo ndash eacute preferiacutevel insistir na sustentabilidade que eacute um atributo necessaacuterio a ser respeitado no tratamento dos recursos ambientais em especial dos recursos naturais (MILAREacute 2007 p 68)

O paradigma da sustentabilidade estaacute em constante processo de construccedilatildeo e infelizmente a ldquovida sustentaacutevel carece de princiacutepios que a sustentemrdquo (MILAREacute 2007 p 72) Para ele ldquoviver de forma sustentaacutevel implica aceitar a imprescindiacutevel busca de harmonia com as outras pessoas e com a natureza no contexto do direito natural e do direito positivordquo (MILAREacute 2007 p 74)

Diante do permanente desafio sendo o direito ao meio ambiente claramente regrado por diretrizes da Constituiccedilatildeo Federal e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria eacute confiado ao Estado tarefas de controle e fiscalizaccedilatildeo onde se verifica a conformaccedilatildeo de um direito subjetivo puacuteblico em face desse mesmo Estado ou no miacutenimo de um interesse difuso a que crianccedilas e adolescentes tenham pela proteccedilatildeo integral a eles ostentada o direito de convivecircncia em um meio ecologicamente equilibrado e sustentaacutevel

Frise-se conforme Ayala que

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Em uma perspectiva de interdependecircncia que tambeacutem eacute aquela que orienta a compreensatildeo do conteuacutedo do proacuteprio direito fundamental ao meio ambiente e do princiacutepio da livre iniciativa (do modo como este se encontra protegido pela Constituiccedilatildeo brasileira) as liberdades econocircmicas somente tecircm o seu exerciacutecio viabilizado sob o condicionamento de imperativos ecoloacutegicos ao mesmo tempo em que a proteccedilatildeo do meio ambiente somente tem sua justificativa se esta tambeacutem puder ser integrada com um dos pressupostos que viabilizam a existecircncia humana e de todas as demais formas de vida (AYALA 2011 p 8)

Trata-se pois de uma gestatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel a ser protagonizada pelo comprometimento do poder puacuteblico e pela completude do direito de crianccedilas e adolescentes podendo eles proacuteprios participar deste processo salvaguardando os seus proacuteprios direitos O processo de mudanccedila eacute um caminho longo e requer interdisciplinaridade pois no mundo sustentaacutevel nada pode ser praticado em apartado eacute preciso um diaacutelogo permanente entre as pessoas de uma sociedade e aqui quer-se demonstrar a viabilidade do direito da crianccedila e do adolescente em especial da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico juntamente com os principais atores da concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral ser capazes de desenvolver um mundo sustentaacutevel que ratifique a condiccedilatildeo de direitos das presentes geraccedilotildees

Natildeo se pode esquecer que a realidade que se apresenta eacute que a economia ambiental estaacute ldquoassentada na poliacutetica e por intermeacutedio dela se realiza Por isso um caminho a ser apresentado para a reconciliaccedilatildeo da economia com a natureza localiza-se longe da monetarizaccedilatildeo do ambiente e eacute dependente da modificaccedilatildeo vinculada a praacuteticas poliacuteticasrdquo (DERANI p 125-126)

Quanto ao aspecto da proteccedilatildeo integral eacute indubitaacutevel que ela por proteger e promover a corresponsabilidade de famiacutelia Estado e sociedade no que tange aos direitos dos infanto-adolescentes eacute parte integrante da luta pela efetivaccedilatildeo de padrotildees sustentaacuteveis para inclusive poder concretizar os demais direitos7

Tais assertivas reforccedilam a renomada teoria de Bobbio (1992 p 1) que expressa sobre a estrutura juriacutedica dos direitos fundamentais de que se deve

7 Rememore-se o artigo 5ordm e 15 do ECA exemplificativamente ldquoNenhuma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo punido na forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentaisrdquo ldquoArt 15 A crianccedila e o adolescente tecircm direito agrave liberdade ao respeito e agrave dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis humanos e sociais garantidos na Constituiccedilatildeo e nas leisrdquo

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distinguir entre ldquoum direito que se temrdquo do ldquodireito que se gostaria de terrdquo Assim segundo ele ldquono primeiro caso investigo no ordenamento juriacutedico positivo do qual faccedilo parte como titular de direitos e deveres se haacute uma norma vaacutelida que a reconheccedila e qual eacute essa normardquo enquanto que na segunda situaccedilatildeo ele tenta ldquobuscar boas razotildees para defender a legitimidade do direito em questatildeo e para convencer um nuacutemero maior de pessoas [] a reconhececirc-lordquo (BOBBIO 1992 p 15)

Deste modo tal direito necessita de caracteriacutesticas que podem emanar dos direitos civis e poliacuteticos como tambeacutem dos direitos econocircmicos sociais e culturais para chegar agrave sadia qualidade de vida tudo apoacutes a anaacutelise da previsatildeo legal e da tentativa do seu reconhecimento como dito Ressalte-se outrossim que tanto o direito ambiental quanto o direito da crianccedila e do adolescente satildeo direitos de terceira dimensatildeo e satildeo aqueles designados como os ldquode direitos dos povosrdquo de ldquocooperaccedilatildeordquo de ldquofraternidaderdquo e ateacute mesmo de ldquodireitos humanos morais e espirituaisrdquo Ademais eles surgiram ldquocomo resposta agrave dominaccedilatildeo cultural e como reaccedilatildeo ao alarmante grau de exploraccedilatildeo natildeo mais da classe trabalhadora dos paiacuteses industrializados mas das naccedilotildees em desenvolvimento por aquelas desenvolvidasrdquo e dos quadros de extrema injusticcedila do ambiente dessas naccedilotildees (LEITE 2004 p 293)

Diante do contexto salutar as palavras de Ayala

O art 225 caput da CF1988 tambeacutem define um direito fundamental ao meio ambiente como um dos instrumentos que poderia viabilizar esta realidade adicional para o conceito de existecircncia digna comprometida com um projeto de justiccedila que natildeo se restringe ao tempo e que se tem sua definiccedilatildeo sujeita agrave revisatildeo permanente das demandas condicionadas por padrotildees intergeracionais de justiccedila Sob essa configuraccedilatildeo de ordem constitucional esboccedilada na experiecircncia nacional o valor solidariedade e o objetivo dignidade de vida integram-se neste momento como partes de um projeto de sociedade de um modelo de organizaccedilatildeo do poder e sobretudo como um dos fundamentos de uma Repuacuteblica ecologicamente sensiacutevel (AYALA 2011 p 7)

Especificamente entatildeo se estaacute diante de um Direito Fundamental e Humano como afirmado alhures tal qual o direito agrave vida agrave liberdade pois assegurado nas principais declaraccedilotildees ao niacutevel internacional e subscrito pela Carta Magna em momento posterior Resguarda-se aqui atenccedilatildeo especial a Convenccedilatildeo dos Direitos da Crianccedila da ONU de 1989 ndash ponto fulcral da ligaccedilatildeo dos temas da

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O direito ao meio ambiente sadio

presente pesquisa ndash de que em seu artigo 29 item 1 letra ldquoerdquo houve previsatildeo expressa da necessidade de ldquoimbuir na crianccedila o respeito ao meio ambienterdquo e em seu artigo 24 2 ldquocrdquo previu que a crianccedila tem direito de gozar do melhor padratildeo de sauacutede possiacutevel com o dever dos estados-membros de erradicar as doenccedilas e o comprometimento na aplicaccedilatildeo de ldquotecnologia disponiacutevel e o fornecimento de alimentos nutritivos e de aacutegua potaacutevel tendo em vista os perigos e riscos da poluiccedilatildeo ambientalrdquo (ORGANIZACcedilAtildeO 1989) o que sem duacutevida corrobora a necessidade de um padratildeo de vida sustentaacutevel e com o direito que os infantes tecircm de conviver em ambientes livres de tratamentos desumanos seja pela completude da proteccedilatildeo integral estendida a eles seja pelas previsotildees legais acima mencionadas

Portanto quer-se instaurar um clima de fraternidade na sociedade onde todos possam lutar pela concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral e da preservaccedilatildeo ambiental por meio de atitudes sustentaacuteveis pois se acredita no sopesamento dos direitos envolvidos em especial pelo aspecto antropocentrista dos direitos citados Fraternidade pois como conceito juriacutedico como valor maior do que um respeito ao Direito mas como forma de ldquosolidariedade que interpela diretamente o comportamento individual e o responsabiliza pela sorte do(s) irmatildeo(s) (BRITO 2013 p 175)

A fraternidade revela-se como

valor com condiccedilatildeo de possibilidade comum para todas as formas de Sociedade nos diferentes campos de atuaccedilatildeo da atividade humana em uma verdadeira resposta da conjugaccedilatildeo de unidade que anseia a humanidade e que foi sinalizada pela trilogia Liberteacute egaliteacute fraterniteacute (SILVA 2011 p 141)

No plano ideal da existecircncia humana pois eacute necessaacuterio uma reconstruccedilatildeo da fraternidade ldquoque parte da compreensatildeo de que o movimento circular de interdependecircncia muacutetua entre os trecircs princiacutepios se daraacute a partir da vivecircncia no contexto das relaccedilotildees humanasrdquo o que acarreta ldquocompromissos novos e adequados para a resoluccedilatildeo de problemas que envolvem bem-estar dos outros que direta e indiretamente por consequecircncia acabam preservando o proacuteprio bemrdquo (SILVA

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2011 p 141-142) Este eacute um dos desafios do processo de desenvolvimento sustentaacutevel

Enfim retomando o aspecto sob o ponto de vista da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 tem-se que mencionar ainda o sect 1ordm do supracitado artigo que traz a imposiccedilatildeo ao Poder Puacuteblico de accedilotildees com o desiacutegnio de asseverar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Ressalte-se que haacute um vasto campo de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional a respeito Exemplificativamente pode-se citar o Coacutedigo Florestal e a Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 96051998)

Realizados os apontamentos sobre a contextualizaccedilatildeo geral do direito ambiental como direito humano e fundamental no Brasil e demonstrada a aproximaccedilatildeo do direito ambiental com a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes como direitos fundamentais das presentes e futuras geraccedilotildees cumpre fazer o comparativo com o direito de sumak kawsay incorporado na Constituiccedilatildeo do Equador tendo em vista que o desdobramento dos dois temas levaratildeo a meacutedio e longo prazo ao desenvolvimento do direito agrave paz entre as naccedilotildees

3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY

Inicialmente cumpre salientar que se faraacute um conceito do termo sumak

kawsay para somente apoacutes tratar-se do conjunto de direitos estendidos na Constituiccedilatildeo de 2008 do Equador que representa uma nova fase do constitucionalismo hodierno

Assim tem-se que sumak kawsay descreve um antigo modo de viver em harmonia no seio das comunidades indiacutegenas da sua vivecircncia entre as pessoas e em especial desse contato com a natureza Numa traduccedilatildeo literal significa ldquovida boardquo ou ldquoboa vidardquo Mas o seu sentido eacute muito mais profundo do que parece a primeira vista eis que na Ameacuterica do Sul este sentido estaacute embutido nos valores culturais e eacuteticos dos povos principalmente dos indiacutegenas e tem sido considerado como uma forma de viver em harmonia no seio da comunidade e do seu contato com a natureza como dito (PACHAMAMA 2013)

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O direito ao meio ambiente sadio

Ressalte-se que a Constituiccedilatildeo do Equador de 2008 foi a primeira Constituiccedilatildeo a incorporar os direitos de natureza em seu corpo legal o que vai aleacutem do reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado agraves presentes e futuras geraccedilotildees asseguradas pela CRFB88

Neste iacutenterim cita-se o fato de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana inova trazendo direitos em sete categorias De acordo com Baldi apud Santamariacutea (2011)

um cataacutelogo de direitos que rompe tanto com o geracional (civis e poliacuteticos econocircmicos sociais e culturais terceira geraccedilatildeo) quanto o eurocentrado Isto fica mais evidente no caso do Equador (tiacutetulo II arts 10 a 83) que reconhece sete categorias de direitos do ldquobuen vivirrdquo de pessoas e grupos de atenccedilatildeo prioritaacuteria (velhos jovens gestantes pessoas com deficiecircncia privadas de liberdade usuaacuterios e consumidores mobilidade humana enfermidades catastroacuteficas) de comunidades povos e naccedilotildees de participaccedilatildeo de liberdade da natureza de proteccedilatildeo aleacutem de um apartado de responsabilidades Mas pode ser visto no caso boliviano com a introduccedilatildeo de direitos das naccedilotildees indiacutegenas e um cataacutelogo de deveres constitucionais (arts 30 a 32 e 108) (SANTAMARIA 2011)

Portanto este novo ciclo constitucional equatoriano se embasa no protagonismo indiacutegena se sobrepondo inclusive sobre o direitodever dos juiacutezes de paz o que se pode facilmente aferir no artigo 189 da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo citada

Neste contexto Santos (2011 p 15) destaca que Boliacutevia e Equador foram justamente os dois paiacuteses latinoamericanos que passaram por maiores transformaccedilotildees constitucionais

[] protagonizadas por los movimientos indiacutegenas y por otros movimientos y organizaciones sociales y populares No es de extrantildear por tanto que las constituciones de ambos paiacuteses contengan embriones de una trans-formacioacuten paradigmaacutetica del derecho y el Estado modernos hasta el punto de resultar legiacutetimo hablar de un proceso de refundacioacuten poliacutetica social econoacutemica y cultural El reconocimiento de la existencia y legitimidad de la justicia indiacutegena que para remitirnos al periodo posterior a la independencia veniacutea de deacutecadas atraacutes adquiere un nuevo significado poliacutetico (SANTOS 2011 p15)

Portanto natildeo se trata de uma mera intenccedilatildeo poliacutetica mas de uma poliacutetica capaz de terminar com a visatildeo descolonizadora e anticapitalista que seja capaz de romper com o ciacuterculo eurocentrista de ditames de direitos representando uma

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ldquodemostracioacuten viva y realista de las posibilidades creadas por la plurinacionalidadrdquo (SANTOS 2011 p 17)

No que tange especificamente ao tema do presente artigo analisar-se-aacute apenas aqueles dispositivos que contribuam para os direitos de natureza e ao direito da crianccedila e do adolescente

Deste modo o segundo capiacutetulo da Constituiccedilatildeo Equatoriana comenta os ldquoDerechos del buen vivirrdquo dos artigos 12 a 34 englobando direitos elementares agrave aacutegua agrave soberania da alimentaccedilatildeo ao meio ambiente sadio que seja capaz de assegurar de modo equilibrado o ldquobem vivirrdquo e portanto o direito de ldquosuma

kawsayrdquo a sustentabilidade o direito agrave informaccedilatildeo e a comunicaccedilatildeo a cultura e a ciecircncia a educaccedilatildeo ao habitat seguro e saudaacutevel agrave sauacutede agrave seguridade social e o direito ao trabalho

Adiante prevecirc a exemplo do que jaacute assegurou a Constituiccedilatildeo Brasileira (art 227) o mesmo direito agrave proteccedilatildeo integral e ao princiacutepio do melhor interesse agraves crianccedilas e adolescentes em seus artigos 44-46

Especificamente no artigo 71 trata dos direitos de natureza e do reconhecimento do Pacha Mama8 Pode-se citar ademais o fato da soberania energeacutetica natildeo se fazer em detrimento da soberania alimentar e do fomento da economia solidaacuteria e social (art 2811) bem como da proibiccedilatildeo de cultivos e sementes transgecircnicos (art 401)

Assim apresentados os principais artigos passa-se aos devidos comentaacuterios relativos agrave relevacircncia dessas modificaccedilotildees do niacutevel constitucional Equatoriano

Pode-se afirmar que um grande ecircxito das constituiccedilotildees do novo constitucionalismo da Ameacuterica Latina eacute a preocupaccedilatildeo com a questatildeo da

8 Art 71 La naturaleza o Pacha Mama donde se reproduce y realiza la vida tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y El mantenimiento y regeneracioacuten de sus ciclos vitales estructura funciones y procesos evolutivos

Toda persona comunicadad pueblo o nacionalidad podraacute exigir a La autoridad puacuteblica el cumplimiento de los derechos de la naturaleza Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los princiacutepios establecidos en la Constitucioacuten en lo que proceda

El Estado incentivaraacute a las personas naturales y juriacutedicas y a loacutes colectivos para que protejan la naturaleza y promoveraacute el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema

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O direito ao meio ambiente sadio

descolonizaccedilatildeo e da importacircncia dos direitos humanos como dito anteriormente Isso fica claro no caso do Equador quando revela que a educaccedilatildeo eacute uma ldquocondiccedilatildeo indispensaacutevel para o buen vivirrdquo (art 26) e que ela deve ser guiada pelo respeito aos direitos humanos ao meio ambiente e a democracia sendo intercultural includente e diversa impulsionando a igualdade de gecircnero e a paz (art 27) Ao mesmo tempo fica assegurado o direito a aprender em sua proacutepria liacutengua e ambiente cultural (art 29) devendo o Estado promover o diaacutelogo intercultural em suas muacuteltiplas dimensotildees (art 28)

Nas palavras de Prada

Asumir el vivir bien como un objetivo estatal y de gestioacuten gubernamental como se ha hecho en las Constituciones de Bolivia y Ecuador es un acto profundamente descolonizador pues por un lado reconoce que la fuente de vivencia de este concepto nos viene desde la cosmovisioacuten indiacutegena e inspira y recrea otro sentido de convivencia plurinacional para convertirse en el rumbo que orienta nuestra convivencia social econoacutemica poliacutetica y cul-tural (PRADA 2011 p 231)

Destaque-se a visatildeo inversa desse povo Enquanto todos tendiam a separar os direitos da natureza eles se preocuparam em mantecirc-los unidos e a desenvolvecirc-los em conjunto Veja-se nas palavras de Simbantildea

Para ellos alcanzar niveles altos de civilizacioacuten necesariamente tiene que estar ligado a la naturaleza porque no es posible entenderse fuera de ella sociedad y naturaleza son una totalidad Por lo tanto concebirse ldquoparte derdquo no es sinoacutenimo de barbarie al contrario Este es el caso de los pueblos originarios de Ameacuterica para estos pueblos Abya Ayala no era un continente rico en recursos naturales sino una ldquotierra de abundante vidardquo la naturaleza no era un recurso sino la Pachamama la ldquomadrerdquo de todo lo existente (SIMBANtildeA 2011 p 221)

Assim o direito de sumak kawsay eacute um grande exemplo de direito construiacutedo historicamente pelos povos indiacutegenas que representa esta ligaccedilatildeo revelada acima ou seja um direito pautado na harmonia e no equiliacutebrio com a natureza pois a vida humana natildeo pode ser concebida sem uma adequaccedilatildeo ao pacha mama ldquoPor lo tanto garantizar el buen vivir de la sociedad implica considerar

a la Naturaleza como ldquosujetordquo (SIMBANAtilde p 222)

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Frise-se que ldquoel sumak kawsay como sistema del brazo de los derechos de

la Naturaleza exige una reorganizacioacuten y nuevos enfoques en el modelo poliacutetico-

econoacutemico lo que transformariacutea a su vez no solo a la sociedad sino y sobre todo al Estadordquo (SIMBANAtilde p 223)

Portanto o ideal de bem viver eacute uma nova perspectiva para encarar o futuro ou seja uma nova forma de pensar em desenvolvimento econocircmico poliacutetico e social revelando-se como uma verdadeira criacutetica aos ideais capitalistas ou seja um direito integral Optar por uma ideologia de bem viver eacute optar por resguardar direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees ponto esse que se aproxima com a Constituiccedilatildeo Brasileira mas estaacute de forma bem mais tiacutemida por assegurar apenas que o ldquodireito ao meio ambiente sadio e equilibrado deve ser resguardado agraves presentes e futuras geraccedilotildeesrdquo Andou bem a Constituiccedilatildeo equatoriana ao ampliar o reconhecimento e o significado do bem viver e da matildee natureza e da resignificaccedilatildeo do caraacuteter intercultural e interdisciplinar do Estado que precisa pautar-se num conceito de economia plural e anticapitalista

Assim para Prada

Decir que el vivir bien es un modelo civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la modernidad es mostrar plenamente el caraacutecter de un proyecto que contiene la irradiacioacuten de voluntades colectivas de perspectivas poliacuteticas que apunta a las transformaciones institucionales econoacutemicas poliacuteticas culturales (PRADA 2011 p 253-254)

Portanto resta o dever de transformar tais desejos em realidade para que o novo projeto poliacutetico do Equador natildeo passe de uma mera ilusatildeo de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana enquanto Carta Poliacutetica seja capaz de conceber uma poliacutetica de Estado compatiacutevel com este momento de transiccedilatildeo pluralista sendo capaz de efetivar as condiccedilotildees interculturais e reconstrutivas desse novo pluralismo

Desta maneira a vista do exposto e cientes dessa importacircncia ocupar-se-aacute a partir de agora sobre a relaccedilatildeo dos direitos de bem viver com o direito da crianccedila e do adolescente como meio de desenvolvimento desta sustentabilidade agraves presentes e futuras geraccedilotildees ou seja acredita-se que o Equador com tais inserccedilotildees na sua Carta poliacutetica pode veementemente por meio de poliacuteticas puacuteblicas fomentar em primeiro plano a melhoria de vida de crianccedilas e adolescentes

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O direito ao meio ambiente sadio

para num segundo momento empreender transformaccedilotildees sociais a partir de sua consciecircncia e de sua atuaccedilatildeo de preocupaccedilotildees com um mundo sustentaacutevel incutindo nelas o objetivo da Convenccedilatildeo dos direitos da Crianccedila da ONU onde se imbuiacutea jaacute em 1989 a necessidade do respeito ao meio ambiente

Eacute pois pela via do desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que se partiraacute para a tentativa de concretizaccedilatildeo da educaccedilatildeo ambiental e de um direito sustentaacutevel Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula natildeo soacute o administrador a produzir poliacuteticas que respeitem o resguardo dos direitos ambientais como ainda o legislador e o julgador que ao atuarem no exerciacutecio de suas funccedilotildees de Poderes de Estado natildeo podem contrariar os preceitos a que estas normas se destinam sob o risco de criarem-se normas inconstitucionais e de interpretaccedilotildees contraacuterias agrave constituiccedilatildeo

Deste modo afirma-se que para o direito humano-fundamental ao meio ambiente equilibrado poder ser realizado seja no Brasil seja no Equador eacute necessaacuterio uma visatildeo humaniacutestica tal qual a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes ou o direito de sumak kawsay pois eles devem estar no centro das preocupaccedilotildees daquele direito Por fim atraveacutes de novas posturas sociais poliacutetica econocircmica filosoacutefica e eacutetica que se poderaacute assegurar a existecircncia da educaccedilatildeo ambiental capaz de preservar os direitos das presentes e futuras geraccedilotildees e em longo prazo ser capaz de desenvolver atitudes que levem ao direito agrave paz

CONCLUSAtildeO

Inicialmente cumpre salientar que muitos pontos poderatildeo ter ficado em aberto mas que apenas se arrazoou aqueles mais importantes para o desdobramento do tema A discussatildeo sobre o direito ambiental natildeo pode fugir da contextualizaccedilatildeo da teoria e praacutetica do constitucionalismo contemporacircneo jaacute que os novos direitos vecircm sofrendo o impacto de aglutinaccedilatildeo dos problemas essenciais e corriqueiros das condiccedilotildees de vida aceleradas pela expansatildeo do capitalismo Tal situaccedilatildeo estimula e determina o esforccedilo de se propor novos instrumentos juriacutedicos novas poliacuteticas puacuteblicas mais flexiacuteveis mais aacutegeis capazes de regular essas novas transformaccedilotildees

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No presente caso demonstrou-se a caracterizaccedilatildeo do modelo constitucional atual enquadrando-o no neoconstitucionalismo Foram demonstradas suas caracteriacutesticas e preocupaccedilotildees bem como os ciclos do constitucionalismo dos quais se retirou dois exemplos de Constituiccedilotildees para anaacutelise qual seja a do Brasil e a do Equador no que tange a promoccedilatildeo e desenvolvimento do direito e promoccedilatildeo de sustentabilidade ambiental

Apoacutes descreveu-se a relaccedilatildeo entre o direito ambiental e a categorizaccedilatildeo do direito de crianccedilas e adolescentes como direitos humanos e fundamentais cotejando a necessidade da preservaccedilatildeo ambiental e da garantia dos direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees como meio necessaacuterio agrave concretizaccedilatildeo dos pilares da teoria da proteccedilatildeo integral

Natildeo haacute como negar que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 traz a noccedilatildeo de uma cidadania solidaacuteria ou seja corresponsaacutevel pela definiccedilatildeo de que o Estado por meio da apresentaccedilatildeo dos serviccedilos e poliacuteticas puacuteblicas sejam necessaacuterios com vistas ao atendimento dos interesses da sociedade em especial construir uma sociedade livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalizaccedilatildeo e reduzir as desigualdades sociais e regionais promover o bem de todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeo (art 3ordm CRFB)

Ao final demonstraram-se os artigos da Constituiccedilatildeo Equatoriana sobre o desenvolvimento do direito de bem viver e portanto do sumak kausay Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula os trecircs poderes a execuccedilatildeo de um direito ambiental e com vistas de sustentabilidade como meio de promoccedilatildeo e reconhecimento da interaccedilatildeo com os direitos de natureza Isto eacute aleacutem da preocupaccedilatildeo ambiental este Estado preocupou-se em fomentar o processo de descolonialismo e do antimovimento capitalista

Portanto diante do exposto os direitos das duas naccedilotildees devem ser compreendidos como elementos de reconhecida imprescindibilidade relacional ou seja como elemento presente (fundante) nas relaccedilotildees seja na relaccedilatildeo com o outro singularmente considerado seja na relaccedilatildeo com o outro em termos institucionais pois por meio da proteccedilatildeo integral e do direito integralizado ao sumak kauwsay eacute

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O direito ao meio ambiente sadio

possiacutevel viabilizar o sonho de muitos uma sociedade fomentada e fomentadora da cultura fraterna da cultura da natildeo violecircncia e num ambiente de bem viver sadio e equilibrado

REFEREcircNCIAS

AYALA Patryck de Arauacutejo Direito ambiental de segunda geraccedilatildeo e o princiacutepio de sustentabilidade na poliacutetica nacional do meio ambiente Revista de Direito Ambiental vol 63 p 103 Jul BARROSO Luiz Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo Satildeo Paulo Saraiva 2009 BARROSO Luiz Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado nordm 9 marabrmaio de 2007 BRITO Rafaela Silva Os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade como vetores na aplicabilidade do direito ambiental In CURY M CERQUEIRA M do R F PIERRE L A A FULAN V (Orgs) Fraternidade como categoria juriacutedica Satildeo Paulo Cidade Nova 2013 p 169-180 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 DERANI Cristiane Direito Ambiental Econocircmico Satildeo Paulo Saraiva 2008 DIMOULIS Dimitri e DUARTE Eacutecio Oto Teoria do direito neoconstitucional Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 FAJARDO Raquel Yrigoyen El pluralismo juriacutedico en la historia constitucional latinoamericana de la sujecioacuten a la descolonizacioacuten Disponiacutevel em lthttpccr6pgrmpfgovbrdestaques-do-siteseminario-pluralismo-juridico-e-muticulturalismo-material-remetido-pelos-expositoresgt Acesso em 03 mar 2013 FAJARDO Raquel Yrigoyen Hitos del reconocimiento del pluralismo juriacutedico y el derecho indiacutegena en las poliacuteticas indigenistas y el constitucionalismo andino Disponiacutevel em ltwwwalertanetorgryf-hitos-2006pdfgt Acesso em 03 mar de 2013 FONSECA Antonio Ceacutesar Lima da Direitos da Crianccedila e do Adolescente Satildeo Paulo Atlas 2011 HESSE Konrad A forccedila normativa da constituiccedilatildeo Porto Alegre Safe 1991 ISHIDA Valter Kenji Estatuto da Crianccedila e do Adolescente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Atlas 2013 LIBERATI Wilson Donizeti O Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentaacuterios Brasiacutelia Instituto Brasileiro de Pedagogia 1991 MILAREacute Edis Direito do Ambiente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 MORAES Luiacutes Carlos Silva de Curso de Direito Ambiental Satildeo Paulo Atlas 2001 p 15 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 376-400 399

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MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 PACHAMAMA Disponiacutevel em lthttpwwwpachamamaorggt Acesso em 5 maio 2013 POZZOLO Susanna Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretacion constitucional Doxa 21-II 1998 RAMIacuteREZ Silvina Derechos de los pueblos indiacutegenasproteccioacuten normativa reconocimiento constitucional y decisiones judiciales In GARGARELLA Roberto Teoriacutea y criacutetica del Derecho Constitucional Tomo II Derechos Buenos Aires Abeledo Perrot 2008 p 912-932 SANTAMARIacuteA Ramiro Aacutevila Los derechos y sus garantias ensayos criacuteticos Quito Corte Constitucional para el periacuteodo de transicioacuten 2011 SANTOS Boaventura de Sousa Cuando los excluidos tienen Derecho justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad In SANTOS B de S JIMENEZ A G (Orgs) Justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad en Ecuador Quito Rosa Luxemburg 2012 TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2007 VERONESE Josiane Rose Petry Interesses difusos e direito da crianccedila e do adolescente Belo Horizonte Del Rey 1997 VERONESE Josiane Rose Petry Os direitos da crianccedila e do adolescente Satildeo Paulo 1999 VERONESE Josiane Rose Petry SILVEIRA Mayra Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentado

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O direito humano e fundamental

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO1

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE

Adriano Justi Martinelli2

Resumo

No presente estudo buscou-se pesquisar mais a fundo o direito humano e fundamental ao desenvolvimento e para tanto partiu-se da diferenciaccedilatildeo terminoloacutegica entre direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos Apoacutes analisou-se o regime juriacutedico dos direitos humanos buscando-se situar o direito ao desenvolvimento dentro deste Ato contiacutenuo passou-se a investigar a forma como o direito ao desenvolvimento eacute tratado dentro da oacuterbita interna do Estado Brasileiro

Palavras-chave Direito desenvolvimento regime juriacutedico

Abstract The present study sought to research more deeply the human and

fundamental right to development and with that objective started with the main diference between righs of man fundamental rights and human rights After that it analyzed the legal regime of human rights seeking to situate the right of development therewithin Immediatly thereafter it moved to investigate how the right of development is treated wihtin the Brasilian State

Keywords Law development legal regime

1 A DIFERENCIACcedilAtildeO ENTRE AS TERMINOLOGIAS DIREITOS DO HOMEM DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS (E AS SUAS RESPECTIVAS CARACTERIacuteSTICAS)

Em breves palavras por direitos do homem se entende os direitos de conotaccedilatildeo jus-naturalista que natildeo satildeo positivados mas cuja existecircncia conhecia-se

1 Artigo submetido em 15102012 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 30092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogado da Companhia Ambiental do Estado de Satildeo Paulo (CETESB) poacutes graduado em Direito e Processo Civil pela Universidade Catoacutelica Don Bosco (UCDB) e poacutes graduado em Direito Constitucional pela UNISULIDP Agradecemos aos Professores Dra Priscila da Mata Cavalcante e Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho pela gentileza e auxiacutelio na elaboraccedilatildeo desta pesquisa E-mail adrianojustigmailcom

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Adriano Justi Martinelli

independentemente de uma fonte escrita Dentre eles podemos exemplificar o direito agrave vida e o direito agrave seguranccedila

Com o passar dos anos agrave medida que o ser humano foi evoluindo e se

desenvolvendo houve a necessidade de corporificar tais direitos de modo que sua

observacircncia passasse a ser obrigatoacuteria dentre os demais integrantes de uma dada

sociedade momento em que surgiram os direitos fundamentais precipuamente

como forma de controle agraves arbitrariedades do Estado Os direitos subjetivos

traduzem a ideia de direitos naturais constitucionalizados ou seja estabelecidos em

um documento escrito

Por fim quando essas normas deixam a jurisdiccedilatildeo domeacutestica e ascendem

ao patamar internacional ao ocorrer esse desligamento do plano interno para o

plano internacional elas passam a receber o nome de direitos humanos

Assim tem-se uma conotaccedilatildeo de direitos esculpidos em tratados e

convenccedilotildees internacionais especiacuteficas que podem integrar tanto o sistema global

(este consiste no plano da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas ndash ONU) quanto o

regional (composto pelos sistemas americano europeu e africano3)

Dentro da oacutetica da teoria geral dos direitos humanos a doutrina mais

balizada jaacute se deitou sobre o tema e identificou as seguintes caracteriacutesticas4 das

liberdades puacuteblicas a) historicidade b) universalidade c) essencialidade d)

irrenunciabilidade e) inalterabilidade f) inexauribilidade g) vedaccedilatildeo ao retrocesso

h) imprescritibilidade i) interdependecircncia j) indivisibilidade l) interrelacionalidade

m) inerecircncia e n) transnacionalidade

3 Flaacutevia Piovesan nos informa que jaacute haacute um incipiente sistema aacuterabe bem como tambeacutem jaacute existe a proposta para criaccedilatildeo de um sistema regional asiaacutetico (PIOVESAN 2010 p 65-81)

4 Cite-se as caracteriacutesticas que satildeo mais apresentadas pela doutrina Neste sentido Mazzuoli 2007 p 675 Ademais algumas dessas caracteriacutesticas podem ser encontradas no artigo 5ordm da Declaraccedilatildeo de Viena de 1948 Ressalte-se tambeacutem que as caracteriacutesticas da inerecircncia e da transnacionalidade foram abordadas por Carlos Weiss in WEIS Carlos Os direitos humanos e os interesses transindividuais Disponiacutevel em lthttpwwwpgespgovbrcentrodeestudos bibliotecavirtualcongressoTese3docgt Acesso em 24 ago 2011

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O direito humano e fundamental

2 EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DO DIREITO HUMANO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO E A SUA LOCALIZACcedilAtildeO DENTRO DA TEORIA DAS GERACcedilOtildeES (OU DIMENSOtildeES) DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais

Eacute impossiacutevel falar-se na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais em geraccedilotildees ou dimensotildees sem sequer tocar o nome de seu idealizador Karel Vasak5

Vasak6 pontuou esta teoria em 2 oportunidades em 1977 e em 1979 Na primeira oportunidade o fez por meio do texto7 ldquoHuman rights A thirty-year strunggle the Sustained Efforts to give Force of Law to the Universal Declaration of Human Rightsrdquo No entanto dois anos depois expocircs a tese em aula inaugural perante o Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo (Franccedila) onde Vasak relacionou os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa (liberdade igualdade e fraternidade) aos direitos humanos de modo que os direitos de 1ordm geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) quais sejam os direitos civis e poliacuteticos estariam relacionados com a liberdade os de 2ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) seriam os direitos sociais econocircmicos e culturais estando estes adstritos agrave igualdade e por fim ocupando a 3ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) ter-se-iam os direitos difusos que se vinculariam com a fraternidade

Vale o registro de que Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade (1993 p 223) critica severamente essa tese defendida por Vasak Para Canccedilado Trindade natildeo haacute como fazer essa correlaccedilatildeo entre os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa e o surgimento linear e cronoloacutegico dos direitos fundamentais

Dentre os diversos argumentos utilizados por Canccedilado Trindade (1993) para criticar essa teoria pensada por Karel Vasak o mencionado autor afirma que ldquo()

5 Karel Vasak tambeacutem escreveu um artigo analisando o direito ao desenvolvimento tendo sido o mesmo publicado no ldquoCorreio da Unescordquo (ESPIELL Hector Gross El Derecho al Desarrollo como un Derecho Humano in Revista de Estudios Internacionales n1 janeiro-marccedilo de 1980 p 41-60)

6 Disponiacutevel em lthttpwwwdhnetorgbrdireitosmilitantescancadotrindadecancado_bobhtmgt Acesso em 14 ago 2011

7 MORALES Patricia UNESCOrsquos Philosophy of ldquointellectual and moral solidarityrdquo in attaining peace Disponiacutevel em lthttpwwwonlineunescoorgUNESCO27s20Philosophyhtmlgt Acesso em 14 ago 2011

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Adriano Justi Martinelli

essa tese das geraccedilotildees de direitos natildeo tem nenhum fundamento juriacutedico nem na realidaderdquo Ele afirma que o direito agrave vida por exemplo eacute um direito com respaldo em todas as geraccedilotildees jaacute que eacute um direito civil poliacutetico econocircmico-social e cultural Canccedilado Trindade tambeacutem leciona que no aspecto histoacuterico essa divisatildeo natildeo possui correlaccedilatildeo faacutetica no que diz respeito ao direito internacional uma vez que ldquo() No plano internacional os direitos que apareceram primeiro foram os econocircmicos e os sociais As primeiras convenccedilotildees da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (OIT) anteriores agraves Naccedilotildees Unidas surgiram nos anos 20 e 30rdquo

E assim critica severamente Canccedilado Trindade (1993)

Somente uma visatildeo atomizada ou fragmentada do universo dos direitos humanos pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da teoria das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo Seu aparente poder de persuasatildeo muito deve a comentaacuterios apressados e descuidados somados agrave indolecircncia mental com que conta para propagar-se Ainda que agrave primeira vista atraente para fins didaacuteticos tal teoria do ponto de vista da ciecircncia do direito em nada eacute convincente e natildeo resiste a uma exame mais cuidadoso da mateacuteria Os riscos desta visatildeo atomizada da fantasia das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo satildeo manifestos Quantos governos a pretexto de buscarem a realizaccedilatildeo progressiva de certos direitos econocircmicos e sociais em futuro indeterminado violaram sistematicamente os direitos civis e poliacuteticos ()

No entanto as criticas agrave teoria desenvolvida por Vasak em que pese o respeitaacutevel posicionamento de Canccedilado Trindade natildeo prejudicam a importacircncia propedecircutica das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos humanos

Sem prejuiacutezo da existecircncia da dupla terminologia (geraccedilotildees e dimensotildees) adotar-se-aacute o termo ldquodimensotildeesrdquo apenas a tiacutetulo pedagoacutegico mesmo entendendo como Canccedilado Trindade que a histoacuteria eacute pendular logo natildeo haacute razatildeo para separar os direitos fundamentais em periacuteodos histoacutericos de forma estaacutetica pois fazer isso significa afirmar que no periacuteodo da 3ordf dimensatildeo natildeo temos direitos de 1ordf dimensatildeo fato que se revela completamente inadmissiacutevel

22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais

Superada essa divergecircncia existente a respeito da teoria das dimensotildees de direitos eacute certo que a doutrina situa o direito ao desenvolvimento dentro da 3ordf dimensatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 404

O direito humano e fundamental

Seguindo a linha doutrinaacuteria de Karel Vasak como lecionam Paulo Bonavides (2009 p 569)8 e outros autores o direito fundamental ao desenvolvimento estaacute inserido dentro da 3ordf dimensatildeo junto com outros direitos dentre os quais destacam-se direito ao meio ambiente agrave propriedade agrave conservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural etc

3 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO9 E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Foi Keba Mbaye Chefe de Justiccedila (Ministro da Justiccedila Ministro da Corte Suprema) do Senegal quem cunhou pela primeira vez em 1972 o conceito de direito ao desenvolvimento humano10

O estudo do direito ao desenvolvimento exige a menccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana e esta foi extraiacuteda diretamente do pensamento de Immanuel Kant

Ora o direito ao desenvolvimento eacute um meio para que a dignidade seja assegurada e respeitada

Dentro do contexto da dignidade da pessoa humana e do direito ao desenvolvimento tem-se tambeacutem o miacutenimo existencial deve ser citado jaacute que possui relevacircncia direta e somente com o desenvolvimento eacute que alcanccedila-se a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial

Feitas essas pontuaccedilotildees passa-se a analisar a Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento11 de 1986 que logo em seu preacircmbulo assim dispotildee

8 Neste sentido tambeacutem Sarlet 1998 p 51 Mendes 2008 p 234 9 O dicionaacuterio Michaelis assim define o termo desenvolvimento 1 Ato ou efeito de desenvolver 2

Crescimento ou expansatildeo gradual 3 Passagem gradual de um estaacutedio inferior a um estaacutedio mais aperfeiccediloado 4 Adiantamento progresso 5 Extensatildeo prolongamento amplitude 6 Muacutes Elaboraccedilatildeo de um tema motivo ou ideacuteia musicais por modificaccedilotildees riacutetmicas meloacutedicas ou harmocircnicas 7 Muacutes Parte em que tal elaboraccedilatildeo ocorre 8 Mat Expressatildeo de uma funccedilatildeo qualquer na forma de uma seacuterie 9 Mat Transformaccedilatildeo de uma expressatildeo em outra equivalente mais extensa poreacutem mais acessiacutevel ao caacutelculo D direito Biol desenvolvimento sem metamorfose Sin desenvoluccedilatildeo Dicionaacuterio Michaelis Disponiacutevel em lthttpmichaelisuolcombrmoderno portuguesindexphplingua=portugues-portuguesamppalavra=desenvolvimentogt Acesso em 15 ago 2011

10 PEIXINHO Manoel Messias FERRARO Suzani Andrade Direito ao desenvolvimento como direito fundamental Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhmanoel _messias_peixinhopdfgt Acesso em 24 ago 2011 Ainda sobre o tema consultar Espiell 1980 p 41-60

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() eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantes

O desenvolvimento pode ser social humano econocircmico cientiacutefico ambiental etc enfim todas as aacutereas do conhecimento humano admitem o desenvolvimento

O glossaacuterio do relatoacuterio de desenvolvimento humano 2000 realizado pelo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento12 assim conceitua o desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano eacute o processo de alargamento das escolhas das pessoas atraveacutes da expansatildeo das funccedilotildees e capacidades humanas Deste modo o desenvolvimento humano tambeacutem reflete os resultados nestas funccedilotildees e capacidades Representa um processo bem como um fim () Em uacuteltima anaacutelise o desenvolvimento humano eacute o desenvolvimento das pessoas para as pessoas e pelas pessoas

Da doutrina estrangeira pode-se destacar os ensinamentos de Hector Gros Spiell (1980 p 41-60) que assim leciona sobre o tema

Este derecho al desarrollo fue inicialmente pensado como un derecho en el aacutembito internacional en cuanto derecho de las comunidades poliacuteticas de los Estados y de los pueblos sometidos a uma dominacioacuten colonial y extranjera

A respeito do desenvolvimento econocircmico eacute importante traz-se agrave baila as ilaccedilotildees de Orlando Gomes (1961 p 19)13 ldquo() o desenvolvimento econocircmico eacute condicionado por crenccedilas substantivas e adjetivas de uma comunidade Eacute um

11 Adotada pela Resoluccedilatildeo nordm 41128 da Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas de 4 dez 1986 (TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Direitos humanos e meio-ambiente paralelo dos sistemas de proteccedilatildeo Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre 1993 p 194)

12 PNUD Disponiacutevel em lthttpwwwpnudorgbrhdrhdr2000docsGlossario_de_DDHHpdfgt Acesso em 12 set 2011

13 A respeito do pensamento de Orlando Gomes remete-se ao seguinte texto CAVALCANTE Priscila da Mata O sistema internacional de cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento uma reflexatildeo acerca das poliacuteticas de ajuste estrutural e a transiccedilatildeo da assistecircncia teacutecnico-financeira agrave cooperaccedilatildeo humana Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbh priscila_da_mata_cavalcante2pdfgt Acesso em 26 ago 2011

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O direito humano e fundamental

processo que ocorre dentro de condiccedilotildees institucionais que conduzem agrave transformaccedilatildeo estrutural da sociedade ()rdquo

Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 54) assim analisa o desenvolvimento sob o ponto de vista econocircmico ldquoconstitui um crescimento da produccedilatildeo de bens e recursos endoacutegeno (baseado em fatores internos) e sustentado (com vistas agrave preservaccedilatildeo dos recursos)rdquo

Ana Paula Ornellas Mauriel14 cita o conceito de desenvolvimento cunhado por Werneck Vianna e Bartholo Jr que assim tratam o assunto

() desenvolvimento eacute uma noccedilatildeo moderna que passa a frequumlentar o vocabulaacuterio dos pensadores apoacutes profundas mudanccedilas operadas no Ocidente com a expansatildeo das atividades mercantis e sobretudo com o advento da induacutestria Pois foi entatildeo que o proacuteprio sentido de mudanccedila pode ser mais fortemente percebido na medida em que o ritmo da vida se acelerou e o mundo deixou de ser apreendido como estaacutetico A ideacuteia de provisoriedade se tornou visiacutevel

Arjun Sengupta15 analisa o direito fundamental ao desenvolvimento da seguinte maneira

Em primeiro lugar haacute um direito humano que eacute ldquoinalienaacutevelrdquo o que quer dizer que natildeo pode ser negociado Depois haacute um processo de ldquodesenvolvimento econocircmico social cultural e poliacuteticordquo que eacute reconhecido como um processo no qual ldquotodos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser plenamente realizadosrdquo O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano em virtude do qual ldquocada pessoa humana e todos os povos tecircm o direito de participar contribuir e gozarrdquo desse processo de desenvolvimento

Ivanilda Figueiredo16 assim proclama o direito ao desenvolvimento

14 Vianna Werneck Bartholo Jr Apud Mauriel Ana Paula Ornellas Desenvolvimento humano e proteccedilatildeo social em um contexto de crescente interdependecircncia Coleccedilatildeo relaccedilotildees internacionais e globalizaccedilatildeo

15 SENGUPTA Arjun O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano Disponiacutevel em lthttpww1psdborgbropartidoItvrevistarevista_02p7292_o_direitopdf gt Acesso em 26 ago 2011

16 FIGUEIREDO Ivanilda Algumas consideraccedilotildees sobre o direito fundamental ao desenvolvimento humano e o projeto de lei de responsabilidade fiscal e social Disponiacutevel em lthttppublique rdcpuc-riobrdireitomediaFigueiredo_n32pdfgt Acesso em 01 set 2011

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() o direito ao desenvolvimento traduz-se direito de todo indiviacuteduo desenvolver plenamente sua capacidade de agente e que a capacidade de agente eacute a competecircncia obtida por cada um para escolher de modo formal e materialmente livre o modo de vida que mais lhe agrade A majoraccedilatildeo dessa capacidade gera um aumento da liberdade por o indiviacuteduo estar desfrutando de direitos essenciais e sendo chamado a tomar a sua parcela de responsabilidade por si e por sua comunidade Portanto ao desfrutar do direito ao desenvolvimento os cidadatildeos incrementam a democracia

Importa neste mister diferenciar duas terminologias que podem induzir o leitor ao erro o DIREITO DO DESENVOLVIMENTO e o DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Para tanto nos valemos das liccedilotildees de Canccedilado Trindade (1993 p 175)

Importa ter em mente a distinccedilatildeo entre ldquodireito internacional do desenvolvimento (ldquointernational law of developmentrdquoldquodroit internacional du deacutevelopementrdquo) e o ldquodireito ao desenvolvimentordquo (ldquoright to developmentrdquo ldquodroit au deacutevelepementrdquo) como um direito como proclamado na Declaraccedilatildeo de 1986 O primeiro com seus vaacuterios componentes (direito agrave autodeterminaccedilatildeo econocircmica soberania permanente sobre a riqueza e os recursos naturais princiacutepios do tratamento natildeo-reciacuteproco e preferencial para os paiacuteses em desenvolvimento e da igualdade participatoacuteria dos paises em desenvolvimento nas relaccedilotildees internacionais e nos benefiacutecios da ciecircncia e tecnologia) emerge um sistema normativo internacional objetivo a regular as relaccedilotildees entre Estados juridicamente iguais mas economicamente desiguais e visando a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees com base na cooperaccedilatildeo internacional (Carta das Naccedilotildees Unidas artigos 55-56) e em consideraccedilotildees de equidade de modo a remediar os desequiliacutebrios econocircmicos entre os Estados e a proporcionar a todos os Estados ndash particularmente os paises em desenvolvimento O segundo como sustentado pela Declaraccedilatildeo de 1986 e inspirado em disposiccedilotildees de direitos humanos tais como o artigo 28 da Declaraccedilatildeo Universal de 1948 e o artigo 1ordm de ambos os Pactos de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas afigura-se como um direito humano subjetivo englobando exigecircncias da pessoa humana e dos povos que devem ser respeitadas

No dizer de Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 59) a doutrina divergiu a respeito da natureza do direito do desenvolvimento questionando-se a sua inclusatildeo dentro do Direito Internacional Econocircmico no entanto para este autor a pertinecircncia reside em saber que este tema busca a ldquoseparaccedilatildeo das disparidades de desenvolvimento dos Estadosrdquo

Em siacutentese o direito do desenvolvimento estaacute relacionado com o Direito Internacional Econocircmico Jaacute o direito ao desenvolvimento este como analisaremos de forma mais detida abaixo eacute um direito humano e fundamental

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O direito humano e fundamental

Flavia Piovesan (2010 p 65-81) tambeacutem identifica com base na doutrina de Allan Rosas 3 (trecircs) dimensotildees centrais para o direito ao desenvolvimento a) Justiccedila social b) Participaccedilatildeo e accountability e c) Programas e poliacuteticas nacionais e cooperaccedilatildeo internacional

O conceito de desenvolvimento passa por diversos ramos do conhecimento humano possuindo aspectos socioloacutegico econocircmico e juriacutedico

Eacute pertinente aqui fazer um recorte e afirmar que o direito ao desenvolvimento estaacute tambeacutem diretamente ligado agrave ciecircncia criminal Certamente o leitor questionaraacute essa nossa assertiva jaacute que o presente estudo natildeo se destina ao estudo do direito penal

Entende-se importante fazer essa ligaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento com a coculpabilidade e aqui nos arrisca-se ainda que superficialmente ao estudo deste tema

O conceito de coculpabilidade foi cunhado por Eugenio Rauacutel Zaffaroni (2006 p 525) que assim o ensina verbis

Todo sujeito age numa circunstacircncia determinada e com um acircmbito de autodeterminaccedilatildeo tambeacutem determinado Em sua proacutepria personalidade haacute uma contribuiccedilatildeo para esse acircmbito de autodeterminaccedilatildeo posto que a sociedade - por melhor que organizada seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas possibilidades Em consequecircncia haacute sujeitos que tecircm um menor acircmbito de autodeterminaccedilatildeo condicionado desta maneira por causas sociais Natildeo seraacute possiacutevel atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregaacute-lo com estas no momento da reprovaccedilatildeo da culpabilidade Costuma-se dizer que haacute aqui uma co-culpabilidade com a qual a proacutepria sociedade deve arcar Tem-se afirmado que este conceito de co-culpabilidade eacute uma ideacuteia introduzida pelo direito penal socialista Cremos que a co-culpabilidade eacute herdeira do pensamento de Marat (ver n 118) e hoje faz parte da ordem juriacutedica de todo o Estado Social de Direito que reconhece direitos econocircmicos e sociais e portanto tem cabimento no Coacutedigo Penal mediante a disposiccedilatildeo geneacuterica do art 66

A coculpabilidade17 (ou vulnerabilidade como preferem alguns doutrinadores) nada mais eacute do que a codivisatildeo da responsabilidade por parte do

17 Atualmente a coculpabilidade jaacute foi inclusive reconhecida pelo legislador infraconstitucional como se verifica no artigo 19 inciso IV da Lei Federal nordm 113432006 bem como pela jurisprudecircncia a qual a tiacutetulo de exemplo cita-se ldquo()7- Possibilidade de para o caso concreto uma soluccedilatildeo mais beneacutefica para o acusado no reconhecimento da vulnerabilidade do mesmo morador de rua que natildeo completou os estudos vivendo agrave margem da sociedade catando lixo para sobreviver

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agente que delinquiu e do Estado que natildeo preparou o agente para integrar a sociedade

Ora se o Estado daacute efetividade ao direito ao desenvolvimento por meio de poliacuteticas puacuteblicas de modo que a dignidade humana dos administrados seja respeitada tem-se como consequecircncia o engrandecimento do ser humano e a sua inclusatildeo no meio social conferindo-lhe entatildeo mais oportunidades e mais autodeterminaccedilatildeo de modo que este mesmo administrado natildeo poderaacute entatildeo alegar uma pretensa ldquohipossuficiecircncia culpanterdquo ou vulnerabilidade no momento de sua conduta delitiva pois a sua autodeterminaccedilatildeo teraacute sido preenchida pelo agir estatal

Como citado acima Zaffaroni ensina que eacute possiacutevel que alguns homens possuam menos oportunidades e isso eacute inerente em um sistema capitalista mas o papel de um Estado do Bem Estar Social Democraacutetico de Direito18 eacute justamente minorar as desigualdades e isso certamente pode ser alcanccedilado agrave medida que o direito ao desenvolvimento eacute concretizado

Analisando a conexatildeo do pensamento econocircmico de Amartya Sen com o princiacutepio da coculpabilidade Eduardo Luiz Santos Cabette (2008 p 9-10) faz um paralelo entre a eacutetica e o direito penal e assim assevera

() E quem sabe algum dia em uma sociedade realmente desenvolvida em que imperem a liberdade e a igualdade natildeo somente formais mas materiais se possa atribuir a cada um a responsabilidade uacutenica e integral por suas escolhas e condutas

Assim temos que o direito ao desenvolvimento possui uma ampla gama de reflexos repercutindo no aspecto social e socioloacutegico humano ambiental econocircmico e ateacute mesmo criminal

acatando a sugestatildeo tanto do Ministeacuterio Puacuteblico Federal local quanto da Procuradoria Regional no reconhecimento da coculpabilidade do Estado no dizer da doutrina garantista para reduzir-lhe a pena ()rdquo BRASIL TRF5 - ACR - Apelaccedilatildeo Criminal ndash 7868 ndash Relator Desembargador Federal Heacutelio Siacutelvio Ourem Campos - Primeira Turma - DJE - Data 25022011 (grifos nossos)

18 Em que pese as recentes alteraccedilotildees na CF88 realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e que visaram implementar nuances de um neoliberalismo pensamos que a CF88 ainda consegue manter essa caracteriacutestica de sermos um Wellfare State ndash Estado do Bem Estar Social Neste sentido NASCIMENTO Samuel Pontes do Do Estado miacutenimo ao Estado regulador Uma visatildeo do Direito Econocircmico Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1968 20 nov 2008 Disponiacutevel em lthttpjuscombrrevistatexto11990gt Acesso em 22 set 2011

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O direito humano e fundamental

4 PREVISOtildeES NORMATIVAS DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA

ORDEM INTERNACIONAL

Em sede de proteccedilatildeo internacional aos direitos humanos dentre os diplomas existentes merecem destaque a) Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 b) a Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento de 1986 c) Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 d) Declaraccedilatildeo do Milecircnio de 2000 e) Declaraccedilatildeo e Programa de Accedilatildeo de Durban em 200219 e f) Convenccedilatildeo Europeia de direitos humanos20

A primeira documentaccedilatildeo internacional que conteve o direito ao desenvolvimento eacute a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 documento que foi originado da Assembleia da ONU cuja importacircncia para os direitos humanos dispensa apresentaccedilatildeo verbis

Artigo XXII Toda pessoa como membro da sociedade tem direito agrave seguranccedila social e agrave realizaccedilatildeo pelo esforccedilo nacional pela cooperaccedilatildeo internacional e de acordo com a organizaccedilatildeo e recursos de cada Estado dos direitos econocircmicos sociais e culturais indispensaacuteveis agrave sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade () Artigo XXV 1 Toda pessoa tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua famiacutelia sauacutede e bem estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistecircncia fora de seu controle 2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma proteccedilatildeo social

O direito ao desenvolvimento eacute reconhecido inclusive no primeiro

considerando da Declaraccedilatildeo especiacutefica sobre o direito ao desenvolvimento

Reconhecendo que o desenvolvimento eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo

19 Estes dois uacuteltimos diplomas internacionais foram apontados por Barbosa Pedro Henrique Batista Comeacutercio internacional direitos humanos e direito ao desenvolvimento o acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil Disponiacutevel em lthttppubliquerdcpuc-riobr direitomediaBarbosa_n32pdf gt Acesso em 08 ago 2011

20 Disponiacutevel em lthttpwwwcidhorgrelatoriashowarticleaspartID=536amplID=4gt Acesso em 01 set 2011

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ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantesrdquo (grifos nossos)

Aleacutem de o termo desenvolvimento ser mencionado em outras passagens do

preacircmbulo da Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento o seu artigo 1ordm traz o

conceito normativo de desenvolvimento

Artigo 1 1 O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano inalienaacutevel em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estatildeo habilitados a participar do desenvolvimento econocircmico social cultural e poliacutetico a ele contribuir e dele desfrutar no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados 2 O direito humano ao desenvolvimento tambeacutem implica a plena realizaccedilatildeo do direito dos povos de autodeterminaccedilatildeo que inclui sujeito agraves disposiccedilotildees relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos o exerciacutecio de seu direito inalienaacutevel de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais (grifos nossos)

Como dito acima a Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 tambeacutem regulamenta o

direito humano ao desenvolvimento

10 A Conferecircncia Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento conforme estabelecido na Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento como um direito universal e inalienaacutevel e parte integrante dos direitos humanos fundamentais (grifos nossos)

Portanto abordou-se os principais diplomas internacionais que positivam expressamente o direito fundamental ao desenvolvimento

5 A ESTRUTURA DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O Prof Hector Gros Espiell (1980 p 53) em seu texto ldquoEl derecho al desarrollordquo analisa a estrutura do direito ao desenvolvimento e identifica a) os sujeitos ativos (seus titulares) b) seus sujeitos passivos (obrigados ao

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O direito humano e fundamental

cumprimento) mas o faz primeiro sob um prisma coletivo e depois sob um prisma individual21 e por fim analisa o objeto

Desta feita segundo as liccedilotildees do Prof Espiell (1980 p 52) seriam titulares coletivos do direito ao desenvolvimento ldquo() todos los Estados pero especial y particularmente a los paiacuteses en viacuteas de desarrollo y a los pueblos que luchan por su libre determinacioacuten contra una dominacioacuten colonial y extranjera ()rdquo

Mas o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 52) tambeacutem analisa este direito sob o vieacutes individual e nesta esfera ele identifica como titulares

() los individuos partiendo de la base de que seguacuten la foacutermula empleada por la Convencioacuten Interamericana de Derechos Humanos ()Esta afirmacioacuten implica la necesidad evidente por lo demaacutes de reconocer el derecho al desarrollo en principio a todo ser humano sin discriminacioacuten alguna por razoacuten de raza sexo religioacuten ideologiacutea o nacionalidad

No que tange aos obrigados a assegurar este direito em um acircmbito coletivo identifica o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 53) como sujeitos passivos ldquo() el Estado y las entidades colectivas de las que dependen a su vez los otros entes colectivos titulares del derecho al desarrollordquo

E sob o ponto de vista individual o autor (ESPIELL 1980 p 53) aponta como coobrigados ldquo() de las personas colectivas o entes puacuteblicos competentes y de la Comunidad Internacionalrdquo

O prof Hector (ESPIELL 1980 p 55) ainda aborda 3 pontos quanto objeto do direito ao desenvolvimento Em um primeiro momento ele o faz como um direito coletivo que condiciona o direito individual e vice-versa Em um segundo lugar ele afirma que se funda na premissa de que todo homem possui o direito da uma vida livre e digna dentro da Comunidade e isso gera o direito ao desenvolvimento aos indiviacuteduos como decorrecircncia do direito da dignidade da pessoa humana E por fim em uma terceira ponderaccedilatildeo Espiell afirma que o direito ao desenvolvimento natildeo

21 Nesse mesmo sentido Canccedilado Trindade (1993 p 174) afirma que ldquo() e como contrapartida do direito ao desenvolvimento as responsabilidades recaem tambeacutem sobre os seres humanos individual e coletivamente (comunicadades associaccedilotildees grupos) Os sujeitos passivos do direito ao desenvolvimento satildeo assim os que arcam com tais responsabilidades com ecircnfase nas obrigaccedilotildees atribuiacutedas pela Declaraccedilatildeo aos Estados individual e coletivamente (a coletividade dos Estados)rdquo

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pode ser identificado como sinocircnimo de crescimento econocircmico mas sim um conceito que ldquotraz uma ideia muacuteltipla e complexa a respeito do progresso econocircmico social cultural e poliacutetico com um objetivo final de justiccedila realizado de maneira harmocircnica e equilibrada entre os diferentes elementosrdquo

6 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL

O histoacuterico constitucionalista brasileiro passou por momentos de percalccedilos avanccedilos e retrocessos assim como a histoacuteria em geral uma vez que eacute sabido que a histoacuteria eacute ciacuteclica e pendular e natildeo retiliacutenea

Nos uacuteltimos trinta anos o Brasil viu se encerrar um periacuteodo ditatorial para se inaugurar um Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tambeacutem chamada de constituiccedilatildeo cidadatilde assim o eacute em virtude do extenso e natildeo exauriente rol de direitos e garantias fundamentais asseguradas aos brasileiros (natos e naturalizados) assim como aos estrangeiros (que aqui residem ou que de passagem estejam segundo entendimento do STF)

A presenccedila dos direitos fundamentais jaacute fica demarcada desde a leitura do preacircmbulo da constituiccedilatildeo

Noacutes representantes do povo brasileiro reunidos em Assembleacuteia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional com a soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte CONSTITUICcedilAtildeO DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifos nossos)

Como se pode constatar o proacuteprio preacircmbulo da Constituiccedilatildeo jaacute exalta que a Assembleia Nacional Constituinte pretendeu instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar direitos fundamentais de todas as dimensotildees Ademais

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O direito humano e fundamental

quando o constituinte se valeu do termo DESENVOLVIMENTO o fez no sentido de DESENVOLVIMENTO HUMANO22

O Supremo Tribunal Federal (STF) jaacute firmou entendimento de que o preacircmbulo natildeo eacute norma passiacutevel de funcionar como paracircmetro no controle de constitucionalidade mas pode facilmente ser utilizado como fonte hermenecircutica logo o termo DESENVOLVIMENTO pode e deve ser interpretado em consonacircncia com todos os demais dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre os quais pode-se destacar artigo 1ordm incisos I II III IV e V artigo 3ordm incisos I II III e IV artigo 5ordm e seus incisos mais adiante o regime do sistema tributaacuterio e financeiro pois somente com um sistema tributaacuterio equalizado e correto eacute que se permite que se faccedila uma justiccedila fiscal de modo que se observe o principio da capacidade contributiva Tambeacutem eacute importante citar o artigo 219 que estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional porque gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano

Ora este direito subjetivo pode ser visto sob diversos aspectos como jaacute dito acima dentre eles o ambiental econocircmico socioloacutegico etc

Dentro do aspecto do direito ambiental vige o principio do desenvolvimento sustentaacutevel O artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF88) possui relaccedilatildeo direta com o desenvolvimento humano uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado por ser regido pela intergeracionalidade deve ser preservado pelas presentes geraccedilotildees para os credores presentes e futuros o que implica exigir que o desenvolvimento humano natildeo seja buscado a qualquer custo

Com relaccedilatildeo ao direito ao desenvolvimento eacute possiacutevel encontrar os trabalhos realizados pela ONU mais especificamente os relatoacuterios de desenvolvimento humano que tecircm como paracircmetros comparativos a sauacutede (por meio da expectativa de vida) a educaccedilatildeo (por meio da taxa de alfabetizaccedilatildeo) a renda (por meio da fixaccedilatildeo da renda per capta)

Importante tambeacutem relacionar o desenvolvimento econocircmico com a RENDA

O desenvolvimento previsto no preacircmbulo da constituiccedilatildeo eacute o desenvolvimento nacional assim logo no iniacutecio do texto da Magna Carta Federal23

22 Esses pensamentos relativos ao direito fundamental ao desenvolvimento humano no ordenamento juriacutedico paacutetrio tambeacutem foram mencionados pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

23 Expressatildeo utilizada pelo Ministro Carlos Ayres Brito em seu voto proferido nos autos da ADI 3510 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 415

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(artigo 3ordm) traccedilam-se os objetivos da Repuacuteblica Federativa do Brasil e dentre eles pode-se encontrar o DESENVOLVIMENTO HUMANO

No entanto eacute certo que natildeo se pode falar em desenvolvimento humano quando se tem concentraccedilatildeo de renda logo eacute necessaacuterio que ocorra um processo de desconcentraccedilatildeo de renda para podermos alcanccedilar este objetivo da repuacuteblica O legislador constituinte cunhou o artigo 219 da CF8824 justamente visando esta finalidade

Ora se este comando estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional quando os fatores reais de poder25 estabeleceram esta norma certamente o fizeram sob o fundamento de que eacute o mercado interno que gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano pois somente com a produccedilatildeo de divisas e creacuteditos eacute que se torna possiacutevel a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas com vistas a se construir uma sociedade livre justa etc

Natildeo basta ao Estado respeitar os direitos de primeira dimensatildeo conferindo as chamadas ldquoliberdadesrdquo mas eacute necessaacuterio implementar efetivamente os direitos econocircmicos sociais e culturais e isso se conclui da caracteriacutestica da indivisibilidade dos direitos humanos de modo que natildeo adianta ser conferida liberdade de ir e vir ao cidadatildeo se este natildeo tem o miacutenimo de condiccedilatildeo financeira para prover suas necessidades diaacuterias

7 OS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE FUNDAMENTAM O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Diante do ateacute aqui exposto natildeo pairam duacutevidas de que o direito ao desenvolvimento eacute um direito humano Ocorre que tambeacutem eacute necessaacuterio pontuar-se que este tambeacutem eacute um direito fundamental haja vista a diferenciaccedilatildeo que a doutrina faz entre estas terminologias (vide capiacutetulo 1 deste trabalho)

24 Art 219 CF88 O mercado interno integra o patrimocircnio nacional e seraacute incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e soacutecio-econocircmico o bem-estar da populaccedilatildeo e a autonomia tecnoloacutegica do Paiacutes nos termos de lei federal

25 A expressatildeo ldquofatores reais de poderrdquo foi cunhada por Ferdinand Lassale em sua obra ldquo Que eacute uma Constituiccedilatildeordquo Disponiacutevel em lthttpwwwebooksbrasilorgeLibrisconstituicaolhtmlgt Acesso em 26 out 2011

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O direito humano e fundamental

Neste sentido conjugando diversos dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre eles o preacircmbulo tambeacutem devemos nos ater agrave leitura de outros comandos tais quais artigo 1ordm e incisos artigo 3ordm e incisos artigo 5ordm e incisos artigo 21 incisos IX e XX artigo 43 cabeccedila artigo 48 inciso IV artigo 151 e incisos artigo 170 e incisos artigo 174 cabeccedila artigo 180 cabeccedila artigo 182 artigo 192 artigo 218 e todo o capiacutetulo do desenvolvimento nacional

Apoacutes a leitura detida de todos estes comandos pode-se concluir pela existecircncia do direito fundamental ao desenvolvimento no ordenamento juriacutedico paacutetrio

A doutrina elenca diversas variaacuteveis no que tange agraves classificaccedilotildees das Constituiccedilotildees e dentre estas classificaccedilotildees mais especificamente quanto ao conteuacutedo a CF88 eacute analiacutetica ou seja longa e prolixa mas que aborda diversos direitos e natildeo poderia ser diferente no que tange ao direito ao desenvolvimento

Eacute importante pontuar que o desenvolvimento (visando assim atingir os objetivos da repuacuteblica) natildeo pode ser buscado de forma predatoacuteria jaacute que em sendo um direito fundamental tambeacutem deve respeitar os direitos da populaccedilatildeo que estejam nesse mesmo niacutevel de importacircncia

8) Do regime juriacutedico aplicaacutevel ao direito humano e fundamental ao

desenvolvimento

71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais

Como afirmado acima o direito ao desenvolvimento possui um duplo espectro de proteccedilatildeo eis que se trata de a) direito humano com proteccedilatildeo em diversos tratados internacionais e b) direito fundamental com ampla positivaccedilatildeo constitucional

Deve-se observar que o direito ao desenvolvimento possui 2 (dois) niacuteveis de proteccedilatildeo interno e internacional no entanto haacute um embate doutrinaacuterio quanto agrave posiccedilatildeo ocupada pelos tratados de direitos humanos frente ao ordenamento juriacutedico como um todo

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Em sua obra Flaacutevia Piovesan (2006)26 afirma existirem quatro correntes a respeito da hierarquia dos tratados de proteccedilatildeo de direitos humanos ldquoa) hierarquia supraconstitucional de tais tratados b) hierarquia constitucional c) hierarquia infraconstitucional mas supralegal e d) paridade hieraacuterquica entre tratado e lei federalrdquo

Para Celso Albuquerque de Mello27 os tratados internacionais satildeo superiores agrave Constituiccedilatildeo Aqui entende-se contudo que os tratados internacionais estatildeo em posiccedilatildeo superior agrave Constituiccedilatildeo apenas se tratarem de direitos humanos

Pensa-se dessa forma jaacute que tendo por base o principio da dignidade da pessoa humana e o principio pro homine natildeo haacute duacutevida de que os tratados que estabelecem direitos humanos estatildeo eivados de alta densidade axioloacutegica e essa caracteriacutestica eacute diametralmente oposta a outros tipos de tratados Logo os demais tratados certamente natildeo podem ascender ao mesmo niacutevel hieraacuterquico que primeiros

Portanto aqui faz-se mister a citaccedilatildeo dos ensinamentos de Celso Albuquerque de Mello (2003) que desenvolveu uma seacuterie de argumentos para defender sua tese Ele parte do fundamento de ldquo() a noccedilatildeo de soberania natildeo eacute absoluta mas sim um conceito juriacutedico indeterminado e que varia de acordo com a eacutepoca histoacutericardquo

No entanto para se definir qual corrente doutrinaacuteria seraacute adotada eacute relevante ter conhecimento das teorias que explicam as relaccedilotildees existentes entre o Direito Internacional e o Direito Interno

26 E continua Piovesan ao afirmar que seguem o entendimento da supraconstitucionalidade Agustiacuten Gordillo Andreacute Gonccedilalves Pereira e Fausto de Quadros Marcelo Neves (2009) tambeacutem aborda a questatildeo das constituiccedilotildees supranacionais e analisa outras concepccedilotildees e terminologias Importante tambeacutem trazermos os ensinamentos de Mazzuolli e Luiz Flaacutevio Gomes que separam os tratados de direitos humanos em centriacutefugos (aqueles que regem as relaccedilotildees juriacutedicas dos Estados ou dos indiviacuteduos com a chamada jurisdiccedilatildeo global Satildeo centriacutefugos porque saem do seu centro) e centriacutepetas (aqueles que cuidam das relaccedilotildees dos indiviacuteduos ou do Estado no plano domeacutestico) de modo que para ambos os tratados centriacutefugos possuem natureza supraconstitucional e os centriacutefugos possuem status constitucional GOMES Luiz Flaacutevio MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Tratados internacionais valor legal supralegal constitucional ou supraconstitucional Disponiacutevel em lthttpsareunianhangueraedubrindexphprdirearticleviewPDFInterstitial895625gt Acesso em 01 set 2011

27 O autor afirma categoricamente que ldquo() a norma internacional prevalece sobre a norma constitucionalrdquo (MELLO 2003 p 25)

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Assim passa-se a citaacute-las a) teoria dualista e b) teoria monista sendo que segundo Valeacuterio de Oliveira Mazzuoli (2007 p 60-66) o monismo pode ser b1) monista internacionalista ou b2) monista nacionalista E mais o autor afirma existir uma terceira corrente mista denominada de corrente coordenadora ou conciliatoacuteria segundo a qual se defende ldquo() a coordenaccedilatildeo de ambos os sistemas a partir de normas superiores a ambos a exemplo das regras do Direito Natural Esta posiccedilatildeo conciliatoacuteria natildeo encontrou guarida nem nas normas e tampouco na jurisprudecircncia ()rdquo

E neste ponto Mello (2003) analisando criticamente a corrente dualista (que pregava o prevalecimento da norma posterior ou seja aplicava-se o que se chama de criteacuterio cronoloacutegico de modo que a norma posterior revogaria a anterior independentemente desta ser um tratado ou uma norma interna) afirma que ldquo() Jean Bodin ao formular a teoria da soberania afirmou que ela tinha o direito natural e o direito das gentes acima delasrdquo

E continua (MELLO 2003 p 22) ao defender que

Dualismo natildeo significa mais hoje que o DI incorporado fique igualado ao direito interno Na verdade quer dizer que o DIP precisa ser incorporado ao direito interno mas natildeo que o direito interno posterior possa revogar uma norma do DIP internalizada

Em siacutentese pode-se sistematizar os argumentos de Mello da seguinte forma

a) Natildeo existe soberania absoluta de modo que o direito natural e o direito das gentes estatildeo acima do direito interno b) A Corte de Justiccedila da Comunidade Europeia tem afirmado que o direito comunitaacuterio eacute uma nova ordem juriacutedica em que ocorre a limitaccedilatildeo da soberania dos Estados c) Kelsen jaacute determinava que a norma fundamental era do DIP d) Natildeo eacute possiacutevel que uma norma de direito internacional internalizada possa ser substituiacuteda por uma norma de direito interno que seja somente posterior (adoccedilatildeo do criteacuterio cronoloacutegico) e) Em uma eacutepoca de globalizaccedilatildeo isso acarreta uma importacircncia muito grande ao DIP f) O Estado natildeo existe sem que esteja inserido em um contexto internacional eis que a noccedilatildeo de Estado depende da existecircncia de uma sociedade internacional no entanto para que haja Estado eacute necessaacuterio que haja uma Constituiccedilatildeo mas a reciacuteproca eacute verdadeira e a Constituiccedilatildeo tambeacutem depende da sociedade internacional logo o DIP estaacute acima do DI

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Inicialmente o STF entendeu que os tratados de direitos humanos

celebrados antes da Emenda Constitucional nordm 452004 e que natildeo tenham sido

recebidos pelo Brasil seguindo o regime do artigo 5ordm sect 2ordm CF88 possuiacuteam natureza

juriacutedica supralegal

O STF em um primeiro momento pensou desta forma no entanto em seu

voto proferido no HC nordm 87855 (com julgamento jaacute concluiacutedo) o Ministro Celso de

Mello (revendo sua posiccedilatildeo) parece ter ido aleacutem da posiccedilatildeo de supralegalidade

defendida pelo Ministro Gilmar Mendes e deixou consignado que para ele os

tratados de direitos humanos possuem natureza CONSTITUCIONAL mesmo

aqueles assinados antes da EC 452004

Assim alguns ministros passaram a defender a tese que mesmo antes da

EC nordm 452004 os tratados de direitos humanos jaacute poderiam ter natureza

constitucional embora a posiccedilatildeo vencedora tenha sido a da SUPRALEGALIDADE

Mas natildeo termina aiacute

O Ministro Joaquim Barbosa (vide ADI 3937) tambeacutem reconheceu no miacutenimo

um status supralegal a estes tratados Portanto se eles possuem no miacutenimo este

status nada impediria sua hierarquia constitucional

O reforccedilo a essa tese veio com a Suacutemula Vinculante (SV) nordm 25 contendo o

seguinte teor ldquoEacute iliacutecita a prisatildeo civil de depositaacuterio infiel qualquer que seja a

modalidade de depoacutesitordquo

O artigo 7ordm sect 7ordm do Pacto de San Joseacute estabelece o principio de que

ningueacutem deve ser detido por diacutevidas A norma estabelecida neste tratado natildeo limita

os mandados de autoridade judiciaacuteria competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigaccedilatildeo alimentar de forma que pelo texto do pacto somente

seria possiacutevel a prisatildeo para inadimplemento alimentar O Pacto poreacutem eacute de 1969

Posterior e confrontando com o tratado tem-se a CF88 (artigo 5ordm LXVII)

que estabelece a prisatildeo civil por diacutevida para dois casos depositaacuterio infiel e devedor

de alimentos

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O direito humano e fundamental

A leitura mais detida da SV nordm 25 nos remete agrave conclusatildeo de que houve o

prevalecimento de um tratado agrave norma do texto constitucional28 e aiacute pode-se

constatar a SUPRACONSTITUCIONALIDADE dos tratados de direitos humanos29

frente agrave Constituiccedilatildeo conforme defendido acima

72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela

Neste toacutepico pretendemos analisar o regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave

aplicabilidade do direito ao desenvolvimento nas searas internacional e interna Para

tanto visando instigar o leitor fizemos um fluxograma inicial que segue abaixo de

modo que procuraremos desenvolver estas ideias a seguir

28 Quem fez toda essa digressatildeo desenvolvida nos uacuteltimos 8 paraacutegrafos incluindo o que citou o julgado de nordm 87855 foi o professor e procurador regional da repuacuteblica Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

29 Elival da Silva Ramos defende posiccedilatildeo diversa no sentido de que ldquo() natildeo eacute possiacutevel haver dois regimes juriacutedicos distintos aplicaacuteveis aos tratados internacionais sob o prisma do procedimento e efeitos de sua incorporaccedilatildeo ao ordenamento interno emprestando-se tratamento privilegiado aos tratados sobre direitos humanos Por mais intencionados que sejam esquecem-se os festejados defensores dessa dicotomia que o primado dos direitos fundamentais da pessoa humana natildeo prescinde dos instrumentos baacutesicos do Estado de Direito e do funcionamento democraacutetico das instituiccedilotildees estatais ()rdquo (RAMOS 2009 p 188)

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721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional

Jaacute pontuamos que o direito ao desenvolvimento possui previsatildeo internacional e interna Isso significa dizer que tal direito pode ser tutelado tanto no acircmbito interno quanto no internacional

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O direito humano e fundamental

Na seara internacional a principal indagaccedilatildeo que se coloca eacute a seguinte havendo omissatildeo ou desrespeito de um Estado a um direito humano (e nesse caso especificamente ao direito ao desenvolvimento) como seria possiacutevel assegurar-se a aplicaccedilatildeo deste direito

Jaacute afirmou-se anteriormente que o direito ao desenvolvimento eacute um direito coletivo de 3ordf dimensatildeo que representa assim a fraternidade

Em sede do sistema global especificamente para a proteccedilatildeo dos direitos humanos tem-se como principais diplomas a Carta das Naccedilotildees Unidas (1945) e a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) que eacute composta dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Poliacuteticos (1966) e dos Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais dos seus respectivos protocolos facultativos e de outras Convenccedilotildees dentre os quais citam-se as Convenccedilotildees Internacionais Sobre Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo Racial Sobre a Eliminaccedilatildeo de todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Contra a tortura e outros tratamentos ou penas crueacuteis desumanos ou degradantes etc

Para a tutela dos direitos humanos o sistema global dispotildee da Corte Internacional de Justiccedila Esta Corte possui previsatildeo no artigo 66 da Convenccedilatildeo de Viena e foi regulamentada pelo Estatuto desta mesma Corte que no artigo 38 estabelece sua competecircncia material e esta pode ser contenciosa ou consultiva

Jaacute no sistema regional deve-se destacar a existecircncia de trecircs sistemaacuteticas americana africana e europeia Somente a sistemaacutetica americana seraacute objeto estudo

a) Sistemaacutetica Americana de proteccedilatildeo dos direitos humanos

Eacute sabido que recentemente a Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (tambeacutem chamada de Pacto de San Joseacute da Costa Rica) foi internalizada no direito interno pelo decreto nordm 6781992

A Convenccedilatildeo Interamericana trouxe dentro da sua sistemaacutetica de tutela os seguintes oacutergatildeos de proteccedilatildeo a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 1ordm 34 e seguintes) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 2ordm 52 e seguintes)

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O sistema de peticionamento perante a Corte Interamericana foi regulamentado pelo Pacto de San Salvador e este dispotildee que seraacute objeto de anaacutelise perante aquela instituiccedilatildeo somente as violaccedilotildees ao direito sindical e agrave educaccedilatildeo nos termos dos seguintes comandos

Artigo 19 6 Caso os direitos estabelecidos na aliacutenea a do artigo 8 e no artigo 13 forem violados por accedilatildeo imputaacutevel diretamente a um Estado Parte deste Protocolo essa situaccedilatildeo poderia dar lugar mediante participaccedilatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos e quando cabiacutevel da Corte Interamericana de Direitos Humanos agrave aplicaccedilatildeo do sistema de peticcedilotildees individuais regulado pelos artigos 44 a 51 e 61 a 69 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos

Artigo 8 - Direitos sindicais 1 Os Estados Partes garantiratildeo a O direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha para proteger e promover seus interesses Como projeccedilatildeo desse direito os Estados Partes permitiratildeo aos sindicatos formar federaccedilotildees e confederaccedilotildees nacionais e associar-se agraves jaacute existentes bem como formar organizaccedilotildees sindicais internacionais e associar-se agrave de sua escolha Os Estados Partes tambeacutem permitiratildeo que os sindicatos federaccedilotildees e confederaccedilotildees funcionem livremente Artigo 13 Direito agrave educaccedilatildeo 1 Toda pessoa tem direito agrave educaccedilatildeo 2 Os Estados Partes neste Protocolo convecircm em que a educaccedilatildeo deveraacute orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deveraacute fortalecer o respeito pelos direitos humanos pelo pluralismo ideoloacutegico pelas liberdades fundamentais pela justiccedila e pela paz Convecircm tambeacutem em que a educaccedilatildeo deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democraacutetica e pluralista conseguir uma subsistecircncia digna favorecer a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e todos os grupos raciais eacutetnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenccedilatildeo da paz 3 Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que a fim de conseguir o pleno exerciacutecio do direito agrave educaccedilatildeo a O ensino de primeiro grau deve ser obrigatoacuterio e acessiacutevel a todos gratuitamente b O ensino de segundo grau em suas diferentes formas inclusive o ensino teacutecnico e profissional de segundo grau deve ser generalizado e tornar-se acessiacutevel a todos pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito c O ensino superior deve tornar-se igualmente acessiacutevel a todos de acordo com a capacidade de cada um pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito d Deve-se promover ou intensificar na medida do possiacutevel o ensino baacutesico para as pessoas que natildeo tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instruccedilatildeo do primeiro grau

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e Deveratildeo ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os deficientes a fim de proporcionar instruccedilatildeo especial e formaccedilatildeo a pessoas com impedimentos fiacutesicos ou deficiecircncia mental 4 De acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes os pais teratildeo direito a escolher o tipo de educaccedilatildeo a ser dada aos seus filhos desde que esteja de acordo com os princiacutepios enunciados acima 5 Nada do disposto neste Protocolo poderaacute ser interpretado como restriccedilatildeo da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituiccedilotildees de ensino de acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes

Assim seguindo esta regra o direito ao desenvolvimento natildeo poderia ser questionado perante a Corte Interamericana

No entanto jaacute existe jurisprudecircncia deste mesmo oacutergatildeo do sistema interamericano dando interpretaccedilatildeo ampliativa de modo em que efetuou-se a anaacutelise de direitos sociais30

Portanto partindo da premissa da interrelacionalidade e indivisibilidade31 dos direitos humanos a Corte Interamericana vem reconhecendo os direitos sociais

30 Aqui eacute importante citar-se dois precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos Primeiro cita-se o caso Albaacuten Cornejo e outros contra o Estado-parte do Equador trata-se de suposta negligecircncia meacutedica em hospital particular em que a viacutetima deu entrada no hospital com suposto quadro de meningite bacteriana vindo assim a ser medicada inobstante a isso culminou em oacutebito no dia seguinte provavelmente em decorrecircncia do medicamento prescrito Ocorre que segundo relata o julgado o Poder Judiciaacuterio do Equador reconheceu a prescriccedilatildeo da accedilatildeo penal em de um dos responsaacuteveis sendo que quanto ao outro meacutedico a accedilatildeo penal estava agrave eacutepoca ainda em tracircmite Neste julgado a Corte julgou ser parcial a responsabilidade do Estado e decidiu o caso com fundamento na proteccedilatildeo agrave integridade fiacutesica (em virtude da omissatildeo estatal mas em detrimento do direito agrave vida por entender que a responsabilidade por essa violaccedilatildeo deveria ser movida em outra via responsabilizatoacuteria) agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo (para assegurar agrave famiacutelia o direito de saber o conteuacutedo do laudo meacutedico) agrave proteccedilatildeo da famiacutelia e agrave obrigaccedilatildeo de respeito aos direitos contidos na Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 12406 Laura Albaacuten Cornejo e Equador 22 set 2007) Em segundo lugar insta mencionar o caso Villagran Morales contra o Estado-parte da Guatemala (Street Children case 1999) em que este Estado foi condenado pela Corte em virtude da impunidade relativa agrave morte de 5 (cinco) crianccedilas brutalmente torturadas e assassinadas por policiais nacionais da Guatemala tendo sido reconhecida a lesatildeo aos artigos 4ordm da Convenccedilatildeo (direito agrave vida) 5ordm incisos 1 e 2 (direito agrave integridade fiacutesica) 19 (direitos da crianccedila) e 8ordm combinado com o artigo 25 (garantias judiciais) aleacutem de violaccedilotildees ao Tratado de Proibir e Punir a Tortura (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 11383 Anstraum Villagraacuten Morales e outros e Repuacuteblica da Guatemala 19 nov 1999) Nestes dois julgados reconheceu-se a existecircncia de lesatildeo a direitos sociais diversos daqueles que a Corte Interamericana em tese teria competecircncia para apreciar quais sejam o direito sindical e direito agrave educaccedilatildeo Disponiacuteveis em lthttpwwwcorteidhorcrexpedientescfmgt Acesso em 6 out 2011

31 Vide toacutepico 1 do presente trabalho Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 425

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como possiacuteveis objetos de anaacutelise embora o Protocolo de San Salvador tenha sido mais restritivo

Entende-se aqui um ponto fulcral de questionamento diante das caracteriacutesticas dos direitos humanos da interrelacionalidade e indivisibilidade seria possiacutevel que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tambeacutem possa analisar questionamentos relativos ao descumprimento por parte dos Estados-parte de direitos coletivos (dentre eles o proacuteprio direito humano ao desenvolvimento)

Ousa-se responder afirmativamente

Tomando por base as jurisprudenciais mencionadas anteriormente (julgado de nordm 87855 comentado pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011) pode-se argumentar que o direito ao desenvolvimento possui total relaccedilatildeo com os direitos estabelecidos no Protocolo de San Salvador uma vez que a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais certamente satildeo um fim para que se alcance o desenvolvimento humano e por consequecircncia seja assim atingida a dignidade da pessoa

Como exemplo pode-se mencionar a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de criaccedilatildeo de quadras poliesportivas jaacute que dentro de um contexto educacional eacute possiacutevel se possibilitar o desenvolvimento humano daqueles que buscam esse tipo de inclusatildeo fazendo assim com que a sua dignidade seja preenchida

O presente caso encontra-se diante do que a professora Flaacutevia Piovesan32 chamou de ldquoaplicaccedilatildeo do princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais

especialmente para a proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo

Ora as classes menos favorecidas satildeo grupos socialmente vulneraacuteveis assim eacute certo que a anaacutelise da omissatildeo do poder puacuteblico quanto ao respeito do direito ao desenvolvimento como corolaacuterio para que se alcance a potencialidade dessas pessoas e por consequecircncia seja completada a dignidade humana de cada

32 PIOVESAN Flaacutevia Direitos sociais proteccedilatildeo nos sistemas internacional e regional interamericano Disponiacutevel em lthttpwwwreidorgbrarquivos00000122-reid-5-05-flaviapdfgt Acesso em 10 set 2011

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O direito humano e fundamental

uma dessas pessoas nos parece que seria possiacutevel essa teacutecnica da ldquoaplicaccedilatildeo do

princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais especialmente para a

proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo no entanto para que seja feita a

aplicaccedilatildeo progressiva de DIREITOS COLETIVOS A proacutepria Defensoria Puacuteblica pode provocar a Corte para que esta seja instada a se manifestar sobre o tema Neste sentido a Lei Complementar nordm 8094 estabelece expressamente

Art 4ordm LC 801994 Satildeo funccedilotildees institucionais da Defensoria Puacuteblica dentre outras () VI ndash representar aos sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos postulando perante seus oacutergatildeos

O art 4ordm inciso VI da LC 8094 alterado pela LC 1322009 eacute expresso em assegurar tal legitimidade

Desta feita o espectro de proteccedilatildeo aos direitos humanos no cenaacuterio internacional tem como sustentaccedilatildeo tanto a Corte Internacional de Justiccedila quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos e quanto a isso eacute importante destacar a legitimidade da defensoria puacuteblica para perante a segunda

722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna

Em sede de proteccedilatildeo interna o direito ao desenvolvimento possui natureza de direito fundamental e se ampara em diversos comandos da CF88

Assim resta investigar seguindo a claacutessica orientaccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva se este direito fundamental seria uma norma constitucional de eficaacutecia plena contida ou limitada

Entende-se que o direito ao desenvolvimento eacute uma norma de eficaacutecia limitada e segundo Joseacute Afonso da Silva (2003 p 147)33 estas se dividem em normas de principio institutivo e ou normas programaacuteticas

33 Adotamos a classificaccedilatildeo feita por Joseacute Afonso da Silva mas aproveitamos o ensejo para ressaltar que existem outras formas classificatoacuterias elaboradas pela doutrina dentre elas a formulada por Luis Roberto Barroso que tambeacutem reconhece a existecircncia de normas

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Descendo a fundo nos ensinamentos de Joseacute Afonso da Silva pode-se ver que ele ainda identifica uma nova subdivisatildeo paacutera as normas programaacuteticas a) normas programaacuteticas vinculadas ao principio da legalidade b) normas programaacuteticas referidas aos Poderes Puacuteblicos e c) normas programaacuteticas dirigidas agrave ordem econocircmico-social

Visando facilitar a compreensatildeo quanto agrave classificaccedilatildeo construiacuteda por Joseacute Afonso da Silva elaborou-se o fluxograma abaixo

Por ser o direito ao uma norma constitucional limitada programaacutetica ele se classifica como uma norma programaacutetica destinada aos poderes puacuteblicos jaacute que dentro delas Joseacute Afonso da Silva insere os jaacute citados artigos 21 inciso X e 218 da CF

constitucionais programaacuteticas (mas com caracteriacutesticas diversas das pensadas por Joseacute Afonso) dentre aquelas que integram a classificaccedilatildeo criada por ele e prossegue distinguindo quanto agrave existecircncia de normas constitucionais de organizaccedilatildeo e das normas constitucionais definidoras de direitos (BARROSO 2009 p 196) Jaacute Maria Helena Diniz as classifica da seguinte forma eficaacutecia absoluta ou supereficazes eficaacutecia plena eficaacutecia relativa restringiacutevel e com eficaacutecia relativa complementaacutevel ou dependente de complementaccedilatildeo legislativa (apud LENZA p 141) Tambeacutem eacute importante citarmos a doutrina tradicional que classifica as normas em auto-aplicaacuteveis e natildeo auto-aplicaacuteveis

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O direito humano e fundamental

Feita a distinccedilatildeo eacute certo que a CF88 eacute dirigente e por isso elenca um rico rol de direitos e garantias fundamentais

Identificado esse primeiro ponto ou seja o fato do direito ao desenvolvimento se caracterizar como norma limitada programaacutetica referida ao poder puacuteblico e com olho nas liccedilotildees de Joseacute Afonso da Silva (2003 p 164) passa-se a analisar as caracteriacutesticas das normas programaacuteticas seguindo a doutrina deste jurista que de forma sinteacutetica assim as caracteriza

a) Normas que estabelecem um dever para o legislador ordinaacuterio b) Normas que condicionam a legislaccedilatildeo futura com a consequumlecircncia de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem c) Informam a concepccedilatildeo do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenaccedilatildeo juriacutedica mediante a atribuiccedilatildeo de fins sociais proteccedilatildeo dos valores da justiccedila social e revelaccedilatildeo dos componentes do bem comum d) Possuem sentido teleoloacutegico para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e) Condicionam a atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Judiciaacuterio f) Criam situaccedilotildees juriacutedicas subjetivas de vantagem ou desvantagem

Primeiramente eacute importante ressaltar que o artigo 5ordm sect 1ordm CF88 estabelece o

seguinte regime juriacutedico para as normas constitucionais fundamentais elas possuem

uma presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia

Neste ponto se faz necessaacuterio se distinguir eficaacutecia de aplicabilidade e para tanto nos valeremos das preciosas liccedilotildees de Carlos Maximiliano (apud SILVA 2006 p 51)

() Aplicabilidade exprime uma possibilidade de aplicaccedilatildeo Esta consiste na atuaccedilatildeo concreta da norma lsquono enquadrar um caso concreto em a norma juriacutedica adequada Submete agraves prescriccedilotildees da lei uma relaccedilatildeo da vida real procura e indica o dispositivo adaptaacutevel a um fato determinado Por outras palavras tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humanorsquo

Mais agrave frente em sua obra Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 60) afirma que ldquouma norma soacute eacute aplicaacutevel na medida em que eacute eficazrdquo e conclui que ldquoeficaacutecia e aplicabilidade satildeo fenocircmenos conexosrdquo mas as distingue da seguinte forma ldquoa eficaacutecia se relaciona com a potencialidade e a aplicabilidade estaacute relacionada agrave realizabilidaderdquo

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Ocorre que Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 65) vai aleacutem e nos ensina que a eficaacutecia pode ser a) social e b) juriacutedica

Poreacutem por mais referendada que seja a doutrina de Joseacute Afonso da Silva natildeo eacute possiacutevel investigar este tema com base em somente uma obra e ao consultar-se os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet (1998 p 208) descobre-se que o autor aponta o dissenso doutrinaacuterio a respeito dos seguintes termos vigecircncia validade existecircncia e eficaacutecia mas no que tange agrave noccedilatildeo de existecircncia e de validade da norma o autor (SARLET 1998 p 209) ldquoopta por identificar a noccedilatildeo de existecircncia com a de vigecircncia da norma (se aproximando do entendimento de Meirelles Teixeira e de Joseacute Afonso da Silva)rdquo apontando a ressalva de que ldquoa vigecircncia natildeo se confunde com a validaderdquo e neste ponto ele se curva aos ensinamentos de Luis Roberto Barrosordquo eis que Barroso (SARLET 1998 p 208) entende que a validade eacute a ldquoconformaccedilatildeo do ato normativo aos requisitos estabelecidos no ordenamento quanto agrave competecircncia forma licitude e a possibilidade de seu objetordquo

Assim prossegue Sarlet (1998 p 210)34

Do que ateacute agora foi exposto deduz-se que as noccedilotildees de aplicabilidade e eficaacutecia juriacutedica podem ser consideradas na verdade as duas faces da mesma moeda na medida em que uma norma somente seraacute eficaz (no sentido juriacutedico) por ser aplicaacutevel e na medida de sua aplicabilidade Assim sempre que dizemos referencia ao termo lsquoeficaacutecia juriacutedicarsquo faacute-lo-emos abrangendo a noccedilatildeo de aplicabilidade que lhe eacute inerente e dele natildeo pode ser dissociada

Ingo Sarlet (1998 p 265) ao tratar a respeito das normas programaacuteticas afirma que no seu entender ldquo() as normas constitucionais de cunho programaacuteticordquo podem ser ldquo() normas programa normas-tarefa normas-fim imposiccedilotildees legiferantes ()rdquo

Sarlet (1998 p 265) entende que as normas programaacuteticas ldquotambeacutem satildeo dotadas de eficaacutecia e natildeo podem ser consideradas meras proclamaccedilotildees de cunho ideoloacutegico ou poliacutetico ()rdquo

34 Sobre o tema Sarlet ainda pontua a doutrina divergente de Eros Roberto Grau e para tanto direcionamos o leitor agrave consulta da pagina 211 da jaacute citada obra

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O direito humano e fundamental

Em sua obra Ingo afirmando fundamentaccedilatildeo em doutrina majoritaacuteria lista as eficaacutecias que as normas programaacuteticas definidoras de direitos fundamentais possuem

a) Acarretam a revogaccedilatildeo dos atos normativos anteriores e contraacuterios ao conteuacutedo da norma definidora de direito fundamental e por via de consequumlecircncia sua desaplicaccedilatildeo independentemente de sua declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade () b) Conteacutem imposiccedilotildees que vinculam o legislador no sentido que este natildeo apenas estaacute obrigado a concretizar os programas tarefas fins e ordens mas tambeacutem que o legislador ao cumprir seu desiderato natildeo pode afastar-se dos paracircmetros preestabelecidos nas normas definidoras de direitos fundamentais a prestaccedilotildees () c) () impotildee a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados apoacutes a vigecircncia da Constituiccedilatildeo caso colidentes com o conteuacutedo dos direitos fundamentais isto eacute caso contraacuterios ao sentido dos princiacutepios e regras contidos nas normas que os consagram d) Os direitos fundamentais prestacionais de cunho programaacutetico constituem paracircmetro para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas (demais normas constitucionais e normas infraconstitucionais) jaacute que conteacutem princiacutepios diretrizes e fins que condicionam a atividade dos oacutergatildeos estatais e influenciam neste sentido toda a ordem juriacutedica resultando ainda neste contexto no condicionamento da atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Poder Judiciaacuterio () e) Os direitos fundamentais a prestaccedilotildees ndash mesmo os que reclamam uma interpositio legislatoris ndash geram sempre algum tipo de posiccedilatildeo juriacutedico-subjetiva tomando-se esta consoante assinado alhures em um sentido amplo e natildeo restrita agrave concepccedilatildeo de direito subjetivo individual a determinada prestaccedilatildeo estatal ()

Eacute importante tambeacutem trazer-se agrave baila as liccedilotildees de Maria Helena Diniz cuja classificaccedilatildeo quanto agraves normas constitucionais jaacute fora citadas na nota de rodapeacute nordm 52 e esta jaacute foi inclusive objeto de citaccedilatildeo em julgado do STF35 ao analisar as normas natildeo auto-aplicaacuteveis (classificaccedilatildeo adotada pela doutrina claacutessica e qual jaacute fora mencionada acima vide nota 41) citou a doutrina do efeito paralisante das normas constitucionais de modo que transcreve-se abaixo este ensinamento

24 Aliaacutes no tocante ao caraacuteter da norma constitucional em exame cumpre consignar que o fato de natildeo ser auto-aplicaacutevel ou seja de natildeo poder produzir efeitos positivos enquanto natildeo regulamentada natildeo significa que produza efeitos negativos ateacute a complementaccedilatildeo legislativa A Administraccedilatildeo Puacuteblica ao exonerar a servidora por tal fundamento acabou conferindo efeitos negativos ao texto constitucional As normas natildeo-auto-aplicaacuteveis outorgam direitos ao indiviacuteduo poreacutem postergam sua eficaacutecia

35 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio 211301 Estado do Rio Grande do Sul e Vania Maria Dias de Freitas

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plena a regramento infraconstitucional posterior Tal caracteriacutestica da norma contudo natildeo lhe retira a eficaacutecia relativa isto eacute a Lei Maior garante relativamente o direito Eacute bem verdade que tal circunstacircncia implica ausecircncia de efeitos positivos Poreacutem confere efeitos concretos que inibem a aplicaccedilatildeo de normas contraacuterias ao direito relativamente conferido Eacute o que a doutrina denomina de eficaacutecia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatiacuteveis com o texto constitucional Nesse sentido vale transcrever os comentaacuterios insertos na obra de Alexandre de Morais (Direito Constitucional 6 ed paacuteg 40) ao narrar a nova classificaccedilatildeo das normas constitucionais proposta por Maria Helena Diniz

Novamente vale-se dos ensinamentos de Ingo Sarlet (1998 p 235-248) que assevera o fato do artigo 5ordm sect1ordm CF88 trazer em si uma ldquoPRESUNCcedilAtildeO RELATIVA de que satildeo normas de eficaacutecia plena ou no maacuteximo contidas e natildeo de que satildeo normas de eficaacutecia limitadardquo Ocorre que em sendo uma presunccedilatildeo relativa deve-se reconhecer que existem exceccedilotildees e diante das hipoacuteteses excepcionais desde que fundamentadamente o Estado pode natildeo atribuir-lhe eficaacutecia imediata

Inobstante a isso o constituinte trouxe no texto da CF88 dois instrumentos destinados a sanar as omissotildees inconstitucionais a) Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por omissatildeo (ADO) e b) Mandado de Injunccedilatildeo (MI)

Por conseguinte apesar do art 5ordm sect1ordm CF88 falar que a eficaacutecia eacute imediata em casos extremos a eficaacutecia natildeo eacute imediata o que demanda um agir do legislador No entanto essas satildeo situaccedilotildees extremas de modo que sempre que possiacutevel deve-se dar aplicaccedilatildeo imediata a tais normas

Assim transcrevemos suas liccedilotildees a respeito do tema

() Para aleacutem disso (e justamente por este motivo) cremos ser possiacutevel atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que eventual recusa de sua aplicaccedilatildeo em virtude da ausecircncia de ato concretizador deveraacute ser necessariamente fundamentada 88 presunccedilatildeo esta que natildeo milita em favor das demais normas constitucionais que como visto nem por isso deixaratildeo de ser imediatamente aplicaacuteveis e plenamente eficazes na medida em que natildeo reclamarem uma interpositio legislatoris aleacutem de gerarem - em qualquer hipoacutetese - uma eficaacutecia em grau miacutenimo Isto significa em uacuteltima anaacutelise que no concernente aos direitos fundamentais a aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena assumem a condiccedilatildeo de princiacutepio geral ressalvadas exceccedilotildees que para serem legitimas dependem de convincente justificaccedilatildeo agrave luz do caso concreto (grifos inseridos pelo autor)

E continua o professor

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O direito humano e fundamental

() aos poderes puacuteblicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficaacutecia possiacutevel outorgando-lhes neste sentido efeitos reforccedilados relativamente agraves demais normas constitucionais jaacute que natildeo haacute como desconsiderar a circunstacircncia de que a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui em verdade um dos esteios de sua fundamentalidade formal no acircmbito da Constituiccedilatildeo () (grifos nossos)

Por fim Ingo Sarlet menciona inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito

() Em que pese a argumentaccedilatildeo vitoriosa conduzida pelo culto voto do Relator Ministro Celso de Mello entendemos ser questionaacutevel o ponto de vista adotado jaacute que inexistindo no caso qualquer obstaacuteculo (como a inexistecircncia de recursos a necessidade de implementar programas sociais ou econocircmicos etc) a natildeo ser a remissatildeo expressa ao legislador natildeo haveria justificativa idocircnea a afastar a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plenitude eficacial consagrada no art 5ordm sect 1deg de nossa Constituiccedilatildeo E justamente neste particular - do que daacute conta o exemplo referido - que a posiccedilatildeo ora sustentada se afasta (no sentido de ir aleacutem) das concepccedilotildees mais tiacutemidas a respeito da aplicabilidade imediata das normas que versam sobre direitos fundamentais sem recair no extremo oposto isto eacute na desconsideraccedilatildeo da existecircncia ndash ainda que em caraacuteter excepcional ndash de hipoacuteteses em que natildeo haacute como dispensar uma concretizaccedilatildeo pelo legislador

Outrossim o direito ao desenvolvimento eacute uma norma programaacutetica que possui ao menos uma eficaacutecia miacutenima reside justamente no efeito paralisante qual seja de declarar a inconstitucionalidade de qualquer que com ela venha a conflitar em qualquer espeacutecie de controle de constitucionalidade

O regime juriacutedico no acircmbito constitucional dos direitos fundamentais natildeo se resume somente ao artigo 5ordmsect1ordm CF88 assim eacute importante tambeacutem asseverar que em sendo o direito ao desenvolvimento um direito fundamental esta norma constitucional TAMBEacuteM SERVE COMO PRECEITO FUNDAMENTAL36

36 Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal pode ser constatado na ementa da ADPF-MC 33 () Direitos e garantias individuais claacuteusulas peacutetreas princiacutepios sensiacuteveis sua interpretaccedilatildeo vinculaccedilatildeo com outros princiacutepios e garantia de eternidade Densidade normativa ou significado especiacutefico dos princiacutepios fundamentais () 9 Cautelar confirmada (ADPF 33 MC Relator(a) Min GILMAR MENDES Tribunal Pleno julgado em 29102003 DJ 06-08-2004 PP-00020 EMENT VOL-02158-01 PP-00001)

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Aleacutem do controle concentrado de constitucionalidade haacute que se ponderar que no ordenamento juriacutedico paacutetrio os direitos fundamentais (e isso tambeacutem se aplica ao direito ao desenvolvimento) podem ser tutelados de duas outras formas a) por meio das accedilotildees coletivas (em sentido amplo) tendo em vista a existecircncia de um microssistema de tutela coletiva37 ou b) por meio das accedilotildees individuais

Em siacutentese o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito humano possui status SUPRACONSTITUCIONAL e em sede de direito interno em decorrecircncia do seu status constitucional eacute NORMA FUNDAMENTAL que goza de presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e de plena eficaacutecia

8 DA RECENTE ALTERACcedilAtildeO DA LEI FEDERAL Nordm 866693 APLICACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Recentemente ocorreu a alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 diploma normativo federal que trata das licitaccedilotildees puacuteblicas de modo que o seu artigo 3ordm foi alterado pela Lei Federal nordm 123492010 passando a dispor da seguinte redaccedilatildeo

Art 3ordm Lei 866693 A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 12349 de 2010) (grifos nossos)

O artigo 3ordm em sua redaccedilatildeo original trazia como finalidades da licitaccedilatildeo segundo a doutrina a) selecionar a melhor proposta para o poder puacuteblico e b) dar atendimento ao principio da impessoalidade para que qualquer um que preencha os requisitos possa contratar com o poder puacuteblico

37 O microssistema processual e material de tutela coletiva existente no ordenamento brasileiro eacute composto de diversos diplomas normativos dentre os quais pode-se destacar Lei da Accedilatildeo popular (Lei Federal nordm 471765) Lei Federal nordm 693881 Lei da Accedilatildeo Civil Puacuteblica (Lei Federal nordm 734785) Coacutedigo de Defesa do Consumidor (Lei Federal nordm 807890) Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (Lei Federal nordm 806990) Estatuto do Idoso (Lei Federal nordm 107412003) dentre outros comandos normativos

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O direito humano e fundamental

No entanto a mencionada alteraccedilatildeo realizada em 2010 teve o condatildeo de incluir tambeacutem dentre as finalidades a de ldquopromover o desenvolvimento nacional sustentaacutevelrdquo

Esse desenvolvimento nacional sustentaacutevel eacute aferiacutevel nos paraacutegrafos 5ordm e seguinte do art 3ordm alterado pela lei 123492010

Denis Borges Barbosa38 em artigo analisando a nova lei afirma com base no item 6 da exposiccedilatildeo de motivos do executivo que

Embora a Lei 123492010 natildeo defina normativamente qual ldquodesenvolvimentordquo seria o objeto do estiacutemulo do poder de compra do estado parece claro que o desenvolvimento econocircmico e em particular tecnoloacutegico seria um de suas vertentes principais

Desta forma o ordenamento juriacutedico paacutetrio em que pese as criacuteticas que jaacute se formam ou que venham a ser construiacutedas eacute certo que partindo-se da presunccedilatildeo de constitucionalidade das normas tem-se mais um diploma (a exemplo de outros tal qual o Estatuto da Cidade plasmado na Lei Federal nordm 102572001) que certamente seraacute de grande valia (desde que aplicado corretamente) para impulsionar o desenvolvimento brasileiro

CONCLUSAtildeO

O direito humano e fundamental ao desenvolvimento possui muacuteltiplas frentes de irradiaccedilatildeo podendo abranger os aspectos sociais econocircmicos e humanos

Como analisado o direito ao desenvolvimento pode ser objeto de tutela tanto em seara internacional quanto interna e isso reforccedila a sua importacircncia

Demonstrou-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem permitindo a anaacutelise de direitos sociais e em decorrecircncia da intergeracionalidade e indivisibilidade dos direitos humanos concluiu-se pela possibilidade do direito ao desenvolvimento tambeacutem poder ser submetido a esta Corte

38 BARBOSA Denis Borges Licitaccedilatildeo como instrumento de incentivo agrave Inovaccedilatildeo o impacto da Lei 123492010 Disponiacutevel em lthttpwwwdenisbarbosaaddrcomarquivos200poder_compra licitacao_instrumento_incentivo_inovacaopdf Acesso em 01 de set 2011

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Ademais com lastro em amplo conteuacutedo doutrinaacuterio pode-se concluir que em acircmbito interno o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito fundamental eacute uma norma que possibilita o efeito paralisante perante outras normas e dentre outros efeitos possibilita inclusive a sua adoccedilatildeo como preceito fundamental em sede de Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental

Identificou-se no ordenamento paacutetrio recente comando normativo que eacute apontado pela doutrina como positivaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento

Por fim citou-se entendimento doutrinaacuterio que indica os principais desafios para o direito ao desenvolvimento

REFEREcircNCIAS

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O direito humano e fundamental

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Adriano Justi Martinelli

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL1

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION

Caroline Alessandra Taborda dos Santos 2

Resumo O presente trabalho teve como objetivo abordar os aspectos poliacuteticos e

sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional Para tanto foram realizados estudos juriacutedicos e sociais por meio de consulta a jurisprudecircncias doutrinas e leis aleacutem de pesquisa de campo entrevista com colaboradores e fundadores do CEJAPR O presente estudo resultou na anaacutelise de como os organismos sociais podem interferir no resultado praacutetico das adoccedilotildees internacionais

Palavras-chave Adoccedilatildeo Internacional Sociedade SSI CEJAPR Abstract

The paper had as its objective the approach of social and political aspects that surround international adoption As such it analyses legal and social studies by means of consultation of jurisprudence doctrines and laws as well as field studies interviews with participants and founders of CEJAPR The present study resulted in the analysis of how social organisms may interfere in the practical outcome of international adoptions

Keywords Adoption International Society SSI CEJAPR

INTRODUCcedilAtildeO

A arte e a cultura rompem fronteiras pondo os Estados em contiacutenuo intercacircmbio Para a manutenccedilatildeo das bases criadas o Estado teraacute sempre a necessidade de ampliar e intensificar as suas relaccedilotildees com os demais sujeitos do Direito Internacional

Neste diapasatildeo eacute que o presente estudo pretende mostrar que a adoccedilatildeo internacional repercute natildeo apenas na famiacutelia adotante mas tambeacutem numa

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada bacharel em Direito pela PUCPR Poacutes-graduada pela EMAPPR E-mail ltcarolinetabordahotmailcomgt

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

conscientizaccedilatildeo social de sua finalidade seu reflexo na sociedade em que vivemos e na qual desejamos viver

E para o melhor desempenho deste instituto entram em cena os organismos de regulaccedilatildeo e proteccedilatildeo como eacute o caso do Serviccedilo Social Internacional e das Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo

Ainda seraacute apresentado o quadro de adoccedilotildees internacionais no Estado do Paranaacute entre os anos de 2005 a 2010 como resultado da atuaccedilatildeo social e poliacutetica aleacutem da juriacutedica no instituto da Adoccedilatildeo Internacional

1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

O Direito eacute visto como um produto da sociedade em consequecircncia a sociedade eacute tanto um fenocircmeno juriacutedico como tambeacutem social Celso Mello em um trecho do Capiacutetulo I ndash A Sociedade Internacional do Curso de Direito Internacional disserta sobre o Direito como um produto da sociedade

A sociedade internacional dos nossos dias eacute completamente diversa da do seacuteculo anterior em virtude de um fator principal os Estados compreenderam que existem certos problemas que natildeo podem ser resolvidos por eles sem a colaboraccedilatildeo dos demais membros da sociedade internacional () Os direitos do homem se internacionalizam As organizaccedilotildees internacionais especialmente as de aspecto social visam satisfazer as suas necessidades () Estes satildeo os principais entes que atuam na vida internacional mas ao lado deles forccedilas culturais econocircmicas e religiosas influem ou influenciaram a sociedade internacional As forccedilas culturais se manifestam pela realizaccedilatildeo de acordos culturais entre os Estados na criaccedilatildeo de organismos internacionais destinados agrave cultura e aproximaccedilatildeo entre os Estados (MELLO 2004 p 53)

Neste aspecto social do direito devemos tambeacutem observar o conteuacutedo social da adoccedilatildeo aleacutem de sua definiccedilatildeo no mundo juriacutedico Para o doutrinador Paulo Nader o conteuacutedo social da adoccedilatildeo natildeo eacute superado por nenhum instituto juriacutedico

Mais do que uma relaccedilatildeo juriacutedica constitui um elo de afetividade que visa a substituir por ato de vontade o geneticamente formado pela natureza Sob o acircngulo moral a adoccedilatildeo apresenta um componente especial nem sempre presente na procriaccedilatildeo a paternidade desejada Qualquer que seja a motivaccedilatildeo iacutentima a adoccedilatildeo deve ser um ato de amor propoacutesito de envolver o novo ente familiar com igual carinho e atenccedilatildeo dispensados ao filho cosanguiacuteneo (NADER 2006 p 373)

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Ao tratar especificamente da adoccedilatildeo internacional vislumbrando os fenocircmenos sociais no iniacutecio do seacuteculo XX foi possiacutevel constatar a movimentaccedilatildeo de crianccedilas principalmente entre paiacuteses do Primeiro e do Terceiro Mundo em que a alta taxa de desenvolvimento cumulada com a baixa taxa de natalidade e a alta taxa de natalidade somada com a baixa taxa de desenvolvimento unidas trouxeram como resultado a adoccedilatildeo entre esses paiacuteses

No entendimento de Jane Prestes (1998 p 32) este movimento foi decorrente de dois fenocircmenos

O primeiro refere-se a paiacuteses europeus ou mesmo aos Estados Unidos da Ameacuterica ou Canadaacute onde existem programas amplos de planejamento familiar os abortos satildeo legalizados e as matildees solteiras natildeo entregam seus filhos em adoccedilatildeo face agrave existecircncia por parte da sociedade e mesmo da legislaccedilatildeo de maior aceitaccedilatildeo e proteccedilatildeo a ambos O segundo fenocircmeno envolve crianccedilas eou adolescentes abandonados com deficiecircncia ou outros impedimentos que necessitam de uma inserccedilatildeo familiar mas que face agraves questotildees sociais e legais e mesmo culturais natildeo se encontram incluiacutedas nos projetos de adoccedilatildeo de pessoas nacionais

Neste aspecto importante eacute o papel exercido pelo Serviccedilo Social Internacional - SSI objetivando uma melhora na proteccedilatildeo social e legal das partes envolvidas em adoccedilatildeo internacional Desde a sua fundaccedilatildeo em 1921 sem fins poliacuteticos-partidaacuterios e como Agecircncia Social interveacutem nos supracitados fenocircmenos social que circundam paiacuteses envolvidos em adoccedilatildeo assegurando a colaboraccedilatildeo e coordenando as agecircncias de adoccedilatildeo (PRESTES 1998 p 32-33)

Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional e da Uniatildeo Mundial de Proteccedilatildeo agrave Infacircncia na proteccedilatildeo e prevenccedilatildeo de consequecircncias danosas colaboraram para o Seminaacuterio Europeu sobre Adoccedilatildeo entre paiacuteses (Seminaacuterio de Leysin) realizado em Leysin Suiccedila em maio de 1960 promovido pelo Escritoacuterio Teacutecnico da ONU e Governo Suiccedilo (PRESTES 1998 p 33) Neste Seminaacuterio a problemaacutetica da adoccedilatildeo entre paiacuteses foi estudada com enfoque no aspecto social e cultural onde foram estabelecidos princiacutepios baacutesicos que estatildeo inseridos nos documentos internacionais que regulam a adoccedilatildeo Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional tambeacutem estiveram presentes na Convenccedilatildeo de Haia objetivando uma proteccedilatildeo social agraves crianccedilas a ser realizados atraveacutes de maior atuaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas e de organizaccedilotildees qualificadas

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Aleacutem do retrato histoacuterico da busca por qualidade e eficaacutecia de medidas protetoras da adoccedilatildeo internacional observar o paiacutes de origem da crianccedila assim como o de destino para obter informaccedilotildees detalhadas no processo de seleccedilatildeo de famiacutelia acompanhamento e supervisatildeo no periacuteodo do estaacutegio probatoacuterio (dois anos) e a validade da adoccedilatildeo entre os paiacuteses satildeo importantes detalhes a serem exauridos

O contato e a troca de informaccedilotildees entre as agecircncias de adoccedilatildeo assim como o conhecimento dos antecedentes aleacutem dos fatores ambientais e soacutecio-culturais satildeo de suma importacircncia para a seleccedilatildeo da crianccedila e da famiacutelia

Nesta seara comprometidos com o desenvolvimento das crianccedilas e adolescentes como cidadatildeos e preservando sua dignidade cuida da inserccedilatildeo social seja no Brasil como no estrangeiro e evidenciando assim sua proteccedilatildeo estatildeo as atuais Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo ndash CEJA que contam com a colaboraccedilatildeo de psicoacutelogos e assistentes sociais

Seguindo a linha programaacutetica do Serviccedilo Social Internacional Jane Prestes Coordenadora teacutecnico-administrativa e assistente social da CEJAPR explica que a CEJA Paranaacute interveacutem na adoccedilatildeo dialogando com pessoas internacionais que requerem sua inscriccedilatildeo orientando os representantes das agecircncias conveniadas de forma a refletir sobre as expectativas evidenciadas dando uma visatildeo realista exame minucioso dos relatoacuterios teacutecnicos e da documentaccedilatildeo apresentada pelos paiacuteses de origem dos candidatos a pais adotivos emitindo os respectivos pareceres estudo aprofundado natildeo soacute da legislaccedilatildeo mas dos aspectos soacutecio-culturais e das motivaccedilotildees eacutetnicas e sociais objetivando os convecircnios a serem firmados com entidades internacionais o cadastramento de crianccedilas e candidatos a adotar em um sistema central e unificado a preparaccedilatildeo individual e documental de crianccedilas adotaacuteveis com histoacuterico de vivecircncia institucional em Obras Particulares abrangendo o diagnoacutestico bio-psico-social e a elaboraccedilatildeo de laudos do histoacuterico da vivecircncia das crianccedilas inclusive institucional preparando um dossiecirc da crianccedila em que conecta trecircs planos da formaccedilatildeo do processo de identidade Psicoloacutegico Psicossocial e Psico-Histoacuterico (PRESTES 1998 p 38)

O enfoque social das entidades de adoccedilatildeo nos termos de Jane Prestes (1998 p 39) se constitui

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

em procedimentos metoacutedicos de um processo de ajuda psicossocial desenvolvido num diaacutelogo a partir do qual ocorrem transformaccedilotildees inerentes agraves experiecircncias humanas O processamento de transformaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo social intenciona provocar mudanccedilas no crescimento e desenvolvimento da pessoa grupos ou comunidades que se traduzem em modificaccedilotildees no movimento do seratildeo-mais-ser

Participa do aspecto social da adoccedilatildeo natildeo soacute os paracircmetros para que ela ocorra de forma a satisfazer os interesses do menor abandonado e dos pais adotante sem desvios de finalidade mas principalmente analisar o bem estar familiar da infacircncia a fim de prevenir abandonos A inadequada educaccedilatildeo de crianccedilas e adolescentes decorre muitas vezes de problemas econocircmicos que necessitam de intervenccedilatildeo das autoridades nacionais e internacionais com o objetivo de propiciar programas de proteccedilatildeo agrave matildee e agrave crianccedila (PRESTES 1998 p 39)

Ainda conforme entendimento de Paulo Nader (2006 p 374) ldquoeacute fundamental a organizaccedilatildeo de mecanismos de proteccedilatildeo e estiacutemulos ao desenvolvimento saudaacutevel de menores sob pena de comprometimento da paz socialrdquo

Luiz Carlos Barros Figueiredo salienta que a adoccedilatildeo natildeo eacute um ato caritativo nem resolve as mazelas sociais de paiacuteses a adoccedilatildeo eacute dar a possibilidade de dar uma famiacutelia a quem natildeo a tem Aleacutem de que natildeo se busca melhor crianccedila para a famiacutelia e sim a melhor famiacutelia para a crianccedila (FIGUEIREDO 1998 p 19)

E aleacutem de atender os interesses particulares como a carecircncia afetiva dos pais e proporcionar uma famiacutelia substituta ao destituiacutedo do poder familiar para Paulo Nader a adoccedilatildeo atende tambeacutem os interesses da proacutepria sociedade ldquopois crianccedilas e adolescentes desamparados sem uma lar que lhes proporcione ambiente e condiccedilotildees indispensaacuteveis ao crescimento fiacutesico e moral eacute um problema a desafiar a solidariedade coletivardquo (NADER 2006 p 374)

O desejo pela maternidade sucumbida por motivos geneacuteticos ou externos assim como o uso de menores estrangeiros para o trabalho barato satildeo motivos dentre os mais variados que trazem agrave histoacuteria da humanidade um terriacutevel capiacutetulo recheado de infraccedilotildees aos direitos humanos de crianccedilas e muitas vezes de seus familiares

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Natildeo obstante a tutela aos direitos humanos que satildeo direitos fundamentais do ser humano e encontram-se enumerados na Declaraccedilatildeo Universal de 1948 abrangentes de Direitos civis e poliacuteticos Direitos econocircmicos sociais e culturais e os Direitos de solidariedade (ACCIOLY SILVA CASELLA p 462)3 foi necessaacuterio um reconhecimento poliacutetico e social de uma proteccedilatildeo especial principalmente da crianccedila a fim de combater ou ao menos restringir ao maacuteximo praacuteticas delituosas

Desta feita observados os fatores poliacuteticos e sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional vejamos a realidade da adoccedilatildeo internacional dentro do Estado do Paranaacute

2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010

Apoacutes a criaccedilatildeo e instalaccedilotildees das CEJArsquos a partir do ano de 1989 foi possiacutevel realizar aleacutem dos cadastros de pretensos adotantes e de menores prontos para a adoccedilatildeo o armazenamento dos dados referentes agrave vida pregressas desses menores Este banco de dados eacute de suma importacircncia para que o adotado querendo possa exercer seu ldquodireito de conhecer sua origem bioloacutegica bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes apoacutes completar 18 (dezoito) anos (art 48 ECA)

Assim uma vez que todas as adoccedilotildees satildeo registradas eacute possiacutevel ter conhecimento do nuacutemero de adoccedilotildees realizadas por Comarca bem como a quantidade total de crianccedilas adotadas no exterior e ainda quantas adoccedilotildees foram realizadas sendo levados grupos de irmatildeo

No Estado do Paranaacute desde a instalaccedilatildeo da CEJA em 1989 ateacute o ano de 2010 foram realizadas 970 adoccedilotildees internacionais envolvendo 1528 crianccedilas sendo que 192 dessas adoccedilotildees foram realizadas durante o periacuteodo de 2005 ateacute 2010 proporcionando nova famiacutelia a 402 crianccedilas e adolescentes Os paiacuteses

3 Explica o referido autor que os direitos de solidariedade seriam por exemplo o direito do homem a ambiente sadio e ao citar Reneacute Cassin (Les droits de Irsquohomme RDCADI 1974 t140 p321-332) salienta que ldquoa tese de que a proteccedilatildeo dos direitos humanos deveria ser ampliada a fim de incluir o direito a meio ambiente sadio isto eacute livre de poluiccedilatildeo com o correspondente direito agrave aacutegua e ar purosrdquo

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

adotantes neste lapso temporal satildeo Itaacutelia Franccedila Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Luxemburgo Holanda Espanha e Alemanha E dentre eles o paiacutes que mais realizou adoccedilotildees foi a Itaacutelia com 100 adoccedilotildees e levando 186 crianccedilas destacando que as adoccedilotildees foram realizadas anualmente

Em contrapartida os paiacuteses que menos adotaram foram Luxemburgo e Espanha que realizaram apenas uma adoccedilatildeo envolvendo uma uacutenica crianccedila realizadas respectivamente nos anos de 2006 e 2009

Delimitando a pesquisa entre os anos de 2005 e 2010 na Comarca de CuritibaPR vislumbra-se que foram adotadas 124 crianccedilas em 63 procedimentos de adoccedilatildeo realizados Neste periacuteodo o nuacutemero de grupos de irmatildeos adotados em conjunto foi de 28 em 2005 27 em 2006 25 em 2007 26 em 2008 13 em 2009 e de apenas 10 em 2010

Outro dado a ser observado eacute a faixa etaacuteria das crianccedilasadolescentes adotados nos uacuteltimos cinco anos no Paranaacute Entre zero e trecircs anos de idade foram adotadas 54 crianccedilas entre quatro e sete anos foram 133 adotados entre oito e onze anos foram 179 adotados entre doze e quinze anos foram 44 adotados e apenas quatro adoccedilotildees realizadas com crianccedilas maiores de quinze anos

A Itaacutelia aleacutem de se destacar como o paiacutes que mais adota no Brasil destaca-se por adotar anualmente Nas estatiacutesticas do CEJAPR este paiacutes se mostra atuante e no ano de 2011 realizou a adoccedilatildeo conjunta de trecircs diferentes famiacutelias que juntas adotaram um grupo com cinco irmatildeos Os irmatildeos com idade entre cinco e dezesseis anos estavam em abrigo desde 2004 e cadastrados para a adoccedilatildeo internacional desde 2007 As famiacutelias provenientes de Milatildeo assumiram o compromisso de manter contato entre os irmatildeos e selou o novo viacutenculo familiar com as palavras do Corregedor-Geral de Justiccedila o desembargador Noeval de Quadros4

Paternidade e maternidade satildeo uma missatildeo Vocecircs estatildeo levando estas crianccedilas com responsabilidade muito grande de fazer deles cidadatildeos uacuteteis agrave sociedade Temos certeza de que eles teratildeo todas as condiccedilotildees de se desenvolver e daratildeo a vocecircs momentos de muita alegria Haveraacute momentos difiacuteceis eacute claro mas as compensaccedilotildees seratildeo infinitamente maiores A justiccedila confia que estamos entregando essas crianccedilas em boas matildeos

4 CEJA conclui adoccedilatildeo de cinco irmatildeos por trecircs casais italianos Notiacutecia disponiacutevel no site do TJPR Disponiacutevel em lthttpportaltjprjusbrwebguesthomegt Acesso em 31 maio 2011

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A adoccedilatildeo internacional natildeo trata apenas de estrangeiros pretensos a adotar nacionais A adoccedilatildeo realizada por brasileiros residentes no exterior tambeacutem eacute internacional e requer o cadastro no organismo do domiciacutelio de quem pretende adotar e posteriormente nas autoridades brasileiras Natildeo preenchendo tais requisitos torna-se impossiacutevel a adoccedilatildeo como ocorreu no ano de 2007 em Satildeo Joseacute dos Pinhais vejamos o acoacuterdatildeo5

Agravo de intrumento - accedilatildeo de adoccedilatildeo e destituiccedilatildeo de patrio poder - pretensos adotantes de nacionalidade brasileira poreacutem residentes no exterior - pedido de deslocamento do adolescente adotado a paiacutes estrangeiro - configuraccedilatildeo de adoccedilatildeo internacional - norma prevista na convenccedilatildeo relativa agrave proteccedilatildeo das crianccedilas e agrave cooperaccedilatildeo em mateacuteria de adoccedilatildeo internacional recepcionada por decreto legislativo e presidencial - necessidade de habilitaccedilatildeo dos requerentes agrave adoccedilatildeo junto a ceja (comissatildeo estadual judiciaacuteria de adoccedilatildeo) - decisatildeo mantida - recurso desprovido (TJPR - 12ordf CCiacutevel - AI 0362862-2 - Foro Regional de Satildeo Joseacute dos Pinhais da Regiatildeo Metropolitana de Curitiba - Rel Des Clayton Camargo - Unacircnime - J 04042007)

A diminuiccedilatildeo no nuacutemero de adoccedilotildees realizadas ao passar anos decorre das dificuldades encontradas pelas instituiccedilotildees responsaacuteveis por adoccedilotildees internacionais em nosso paiacutes

3 CONCLUSAtildeO

A adoccedilatildeo natildeo repercute apenas na famiacutelia envolvida Seus reflexos podem ser observados em toda uma sociedade e eacute por isso que o Serviccedilo Social Internacional ndash SSI interveacutem nos fenocircmenos sociais que envolvem os paiacuteses no processo de adoccedilatildeo visando proteger e prevenir consequecircncias danosas As Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo presentes em cada estado da Federaccedilatildeo Brasileira realizam estudos bio-psico-sociais que demonstram a viabilidade da adoccedilatildeo para as famiacutelias que desejam ser formadas visualizando as possibilidades pessoais sociais e psicoloacutegicas dos indiviacuteduos

5 Agravo De Instrumento Ndeg 362862-2 Do Foro Regional De Satildeo Joseacute Dos Pinhais Da Comarca Da Regiao Metropolitana De Curitiba - Vara Infacircncia Juventude Familia E Anexos Disponiacutevel em ltwwwtjprgovbrgt Acesso em 31 maio 2011

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Da anaacutelise dos casos de adoccedilatildeo no Paranaacute aleacutem do depoimento dos responsaacuteveis pela adoccedilatildeo internacional no Estado do Paranaacute mostram que o Brasil pela vasta regulamentaccedilatildeo acaba por se excluir do acircmbito internacional A facilidade de adotar em outros paiacuteses faz com que inuacutemeras crianccedilas e adolescentes cresccedilam e se desenvolvam em abrigos onde uma matildee eacute matildee de todos

Por outro lado atualmente eacute possiacutevel constatar a inexistecircncia de casos de desvio de finalidade da adoccedilatildeo diferentemente do que ocorrera nos anos 80 quando crianccedilas principalmente receacutem-nascidos eram postos agrave venda como se mercadorias fossem

REFEREcircNCIAS

MELLO Celso D Albuquerque Curso de Direito Internacional Puacuteblico 15 ed Rio de Janeiro Renovar 2004 NADER Paulo Curso de Direito Civil Direito de Famiacutelia Vol 5 Rio de Janeiro Forense 2006 PRESTES Jane Pereira Comissatildeo Estadual Judiciaacuteria de Adoccedilatildeo Intervenccedilatildeo teacutecnica em muacuteltiplos aspectos Infacircncia e Cidadania Satildeo Paulo Scrinium 1998 FIGUEIREDO Luiz Carlos Barros Adoccedilotildees Internacionais Convenccedilotildees Internacionais Infacircncia e Cidadania Satildeo Paulo Scrinium 1998 ACCIOLY Hildebrando SILVA G E do Nascimento e CASELLA Paulo Borba Manual de Direito Internacional Puacuteblico Satildeo Paulo Saraiva

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Vitor Soliano

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS

NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA1

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM

Vitor Soliano2

Resumo O presente artigo pretende relacionar trecircs ideias fundamentais da teoria

constitucional contemporacircnea a Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica o Ativismo Judicial e o Neoconstitucionalismo mormente em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Defende-se que a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo de 1988 ocasionou a abertura da doutrina constitucional para o Neoconstitucionalismo e junto a ele modelos teoacutericos ingecircnuos e irresponsaacuteveis promotores do que podemos chamar de Ativismo Judicial Aponta para a judicializaccedilatildeo irresponsaacutevel dos direitos sociais como local privilegiado de observaccedilatildeo deste fenocircmeno Conclui afirmando que o Ativismo em mateacuteria de direitos sociais causa hipertrofia poliacutetica no Poder Judiciaacuterio corrompendo os sistemas sociais e prejudicando o funcionamento adequado da democracia Aponta contudo para um caminho possiacutevelnecessaacuterio para a judicializaccedilatildeo responsaacutevel dos direitos sociais

Palavras-chave Ativismo Judicial Direitos Sociais Neoconstitucionalismo Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica

Abstract This article seeks to relate three key ideas of contemporary constitutional

theory the Symbolic Constitutionalization the Judicial Activism and neoconstitutionalism especially in the field of fundamental social rights It is argued that hypertrophy of the symbolic function of the 1988 Constitution led to the opening of the constitutional doctrine to neoconstitutionalism and with it naive and irresponsible theoretical models promoters of what we call Judicial Activism Points to the irresponsible judicialization of social rights as a privileged spot of observation of this phenomenon Concludes that Judicial Activism in social rights causes a hypertrophy on Judiciary Power corrupting the social systems and misleading the

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Direito Puacuteblico do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGDUFBA) com bolsa financiada pela Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash CAPES Especialista em Direito Puacuteblico pelo JusPodivmFaculdade Baiana de Direito Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS Advogado

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

function of democracy Points however to a path possiblenecessary for responsible judicialization of social rights

Keywords Judicial Activism Social Rights Neoconstitutionalism Symbolic Constitutionalisation

INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 colocou uma seacuterie de questotildees novas ao constitucionalismo brasileiro Dentre elas deve-se destacar a progressiva judicializaccedilatildeo da poliacutetica e principalmente o Ativismo Judicial Nos uacuteltimos anos portanto esta temaacutetica ateacute entatildeo estranha agraves preocupaccedilotildees dos constitucionalistas brasileiros passou a ser assunto fundamental

Luis Roberto Barroso (2011 p 276-278) faz uma conhecida distinccedilatildeo entre os dois termos Para o autor a judicializaccedilatildeo eacute uma consequecircncia inevitaacutevel do modelo de Constituiccedilatildeo e de Estado adotado pelo Brasil em 1988 Trata-se da transferecircncia para o Poder Judiciaacuterio de diversas questotildees antes afeitas agraves instacircncias poliacuteticas Afirma que a redemocratizaccedilatildeo a constitucionalizaccedilatildeo abrangente e o sistema de controle de constitucionalidade adotado por noacutes impulsionam para esse fenocircmeno

O Ativismo em outro giro estaria relacionado a uma escolha uma forma de interpretar e aplicar a Constituiccedilatildeo Estaria marcado pela aplicaccedilatildeo direta do Texto Magno pela declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de leis com base em criteacuterios pouco riacutegidos e pela ldquoimposiccedilatildeo de condutas ou de abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (BARROSO 2011 p 279)

Parece incontroverso dizer que soacute eacute possiacutevel falar em Ativismo Judicial no Brasil a partir da Constituiccedilatildeo Cidadatilde3 Ateacute entatildeo a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na defesa e concretizaccedilatildeo das normas constitucionais era altamente reduzida Soacute a partir daiacute eacute que conceitos como Supremocracia passam a fazer sentido (VIEIRA 2008 p 441-464)

A obra monograacutefica produzida no Brasil mais importante sobre o tema certamente eacute o livro de Elival da Silva Ramos Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos (2010) Natildeo obstante natildeo concordarmos com alguns de seus

3 Nesse sentido Streck 2010 p 23-24 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 449

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pressupostos teoacutericos conforme ficaraacute claro ao final parece imprescindiacutevel trazer a conceituaccedilatildeo de Ativismo Judicial do autor

Ao se fazer menccedilatildeo ao ativismo judicial o que se estaacute a referir eacute agrave ultrapassagem das linhas demarcatoacuterias da funccedilatildeo jurisdicional em detrimento principalmente da funccedilatildeo legislativa mas tambeacutem da funccedilatildeo administrativa e ateacute mesmo da funccedilatildeo de governo [] da descaracterizaccedilatildeo da funccedilatildeo tiacutepica do Poder Judiciaacuterio com incursatildeo insidiosa sobre o nuacutecleo essencial de funccedilotildees constitucionalmente atribuiacutedas a outros Poderes (RAMOS 2010 p 116-117 destaque do original)

E em outra passagem

por ativismo judicial deve-se entender o exerciacutecio da funccedilatildeo jurisdicional para aleacutem dos limites impostos pelo proacuteprio ordenamento que incumbe institucionalmente ao Poder judiciaacuterio fazer atuar resolvendo litiacutegios de feiccedilotildees subjetivas (conflitos de interesse) e controveacutersias juriacutedicas de natureza objetiva (conflito normativo) Haacute como visto uma sinalizaccedilatildeo claramente negativa no tocante agraves praacuteticas ativistas por importarem na desnaturaccedilatildeo da atividade tiacutepica do Poder Judiciaacuterio em detrimento dos demais Poderes (RAMOS 2010 p 129)

Embora a intenccedilatildeo deste trabalho natildeo seja apresentar uma resposta ou uma contra-argumentaccedilatildeo agrave obra de Elival da Silva Ramos parece que esta conceituaccedilatildeo embora aparentemente correta eacute incompleta A proposta eacute demonstrar que a delimitaccedilatildeo conceitual de Ativismo Judicial possui um fundo muito mais teoacuterico do que empiacuterico ou visiacutevel e intimamente ligado com o momento da decisatildeo judicial4 Trata-se assim de se perquirir por uma conceituaccedilatildeo mais complexa

A busca pela delimitaccedilatildeo conceitual do Ativismo Judicial ou pela caracterizaccedilatildeo de uma postura judicante ativista deve perpassar por trecircs questotildees abandono de concepccedilotildees metodoloacutegicas ingecircnuas ou ultrapassadas adequaccedilatildeo agraves opccedilotildees feitas ao longo da histoacuteria e agrave atual feiccedilatildeo do constitucionalismo e consciecircncia do quadro institucional e normativo desenhado pelo ordenamento paacutetrio O foco do presente estudo satildeo as duas primeiras questotildees

4 Importante dizer que o referido autor natildeo ignora a questatildeo teoacuterica e hermenecircutica de fundo Contudo parece natildeo consideraacute-la a mais importante

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

O objetivo do presente estudo eacute analisar a questatildeo do Ativismo Judicial relacionando-a com a Constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e com o neoconstitucionalismo Como ficaraacute claro nos itens que seguem o sentido negativo da primeira e o segundo satildeo os responsaacuteveis pelo surgimento do Ativismo Judicial no Brasil Tal fato eacute especialmente relevante e visiacutevel quando o assunto eacute a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Relevante deixar claro desde o iniacutecio que o texto assenta como premissas a inevitabilidade da criatividade judicial (LINHARES SILVESTRE 2011 p 213-234) assumindo o termo Ativismo Judicial em sentido negativo Natildeo haacute Ativismo Judicial positivo (TEIXEIRA 2012 p 37-58)

1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS

Os eventos da Segunda Guerra Mundial marcaram profundamente o Direito o constitucionalismo e o proacuteprio Estado promovendo uma sensiacutevel alteraccedilatildeo na forma como encaramos esses trecircs elementos Ateacute meados da segunda metade do seacuteculo XX a Constituiccedilatildeo era entendida basicamente como uma carta poliacutetica destinada agrave organizaccedilatildeo e limitaccedilatildeo dos poderes ou no maacuteximo delimitadora de programas sociais a serem implementados pelos poderes representativos ndash sem exigibilidade judicial pois ndash o que no Brasil natildeo passou de um simulacro (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 81-90) A normatividade que ensejava algum controle de constitucionalidade limitava-se a uma atuaccedilatildeo negativa (CARNEIRO 2011 p 162) O Estado a despeito de sua sensiacutevel alteraccedilatildeo (de absentiacutesta para promovedor) ainda podia ser tido mais como um Estado legislativo e menos como Estado constitucional

A partir do marco representado pelo Segundo Poacutes-Guerra as normas constitucionais passam a ser dotadas de imperatividade caracteriacutestica atribuiacuteda a todas as normas juriacutedicas e cujo descumprimento possibilita a deflagraccedilatildeo de mecanismos proacuteprios para garantir a sua observacircncia (BARROSO 2010 p 262) Konrad Hesse em obra fundamental sobre o tema ensina que a Constituiccedilatildeo e sua pretensatildeo de eficaacutecia procuram ldquoimprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade socialrdquo (HESSE 1991 p 15) Ou seja a Constituiccedilatildeo natildeo pode ser entendida como uma

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Vitor Soliano

carta de recomendaccedilotildees5 Seus preceitos exigem cumprimento mesmo quando da ausecircncia de regra (produzida pelo legislador infraconstitucional) regulamentadora

Nesse espeque podemos dizer com Marcelo Neves (2009 p 295) que a

Constituiccedilatildeo apresenta-se como a instacircncia baacutesica de autofundamentaccedilatildeo normativa do Estado como organizaccedilatildeo poliacutetico-juriacutedica territorial Enquanto criteacuterio baacutesico de autocompreensatildeo da ordem juriacutedica estatal a Constituiccedilatildeo natildeo deve ser posta de lado pelos inteacuterpretes-aplicadores do ordenamento constitucional ou melhor por aqueles incumbidos de concretizaacute-lo como ordem com forccedila normativa especialmente pelos juiacutezes e tribunais constitucionais Nesse sentido ela constitui um ldquoniacutevel inviolaacutevelrdquo da ordem juriacutedica do Estado constitucional (destaques nossos)

A normatividade da Constituiccedilatildeo mormente a dos princiacutepios constitucionais ndash agora entendidos em seu sentido deontoloacutegico e natildeo apenas diretivoindicativo ndash confere-lhe uma caracteriacutestica expansiva e invasiva em todo o ordenamento juriacutedico A proacutepria compreensatildeo do direito passa a ser condicionada agrave sua conformidade constitucional em niacutevel muito superior ao que se observou na jurisdiccedilatildeo constitucional ateacute a primeira metade do seacuteculo XX Resume Daniel Sarmento (2012 p 112)

Em suma o que se observa atualmente eacute uma tendecircncia global agrave adoccedilatildeo do modelo de constitucionalismo em que as constituiccedilotildees satildeo vistas como normas juriacutedicas autecircnticas que podem ser invocadas perante o Poder Judiciaacuterio e ocasionar a invalidaccedilatildeo de leis ou outros atos normativos [] muitas destas novas constituiccedilotildees que contemplam a jurisdiccedilatildeo constitucional satildeo inspiradas pelo ideaacuterio do Estado Social Satildeo constituiccedilotildees ambiciosas que incorporam direitos prestacionais e diretrizes programaacuteticas vinculantes que devem condicionar as poliacuteticas puacuteblicas estatais (destaques nossos)

E segue o autor

Naturalmente a conjugaccedilatildeo do constitucionalismo social com o reconhecimento do caraacuteter normativo e judicialmente sindicaacutevel dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importacircncia da Constituiccedilatildeo no sistema juriacutedico ndash ela assumiu uma centralidade outrora inexistente ndash bem como da partilha de poder no acircmbito do aparelho estatal com grande fortalecimento do Poder Judiciaacuterio e

5 ldquoa constituiccedilatildeo eacute uma lei vinculativa dotada de efectividade e aplicabilidade A forccedila normativa da constituiccedilatildeo visa exprimir muito simplesmente que a constituiccedilatildeo sendo uma lei como lei deve ser aplicadardquo (destaques do original) (CANOTILHO 2011 p 1150)

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

sobretudo das cortes constitucionais e supremas cortes muitas vezes em detrimento das instacircncias poliacuteticas majoritaacuterias (SARMENTO 2012 p 112-113)

Eacute no cenaacuterio da constitucionalizaccedilatildeo do direito6 e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo que seraacute forjado um novo modelo de Estado o Estado Democraacutetico de Direito7 constitucionalizado no Brasil a partir do art 1ordm da Constituiccedilatildeo de 1988

A nova forma de Estado desejada natildeo pretende anular as conquistas das versotildees anteriores (ainda que no Brasil como jaacute referido o Estado Social nunca tenha sido uma realidade) Ao contraacuterio ele pretende unir tais conquistas com o incremento de um aspecto normativo Ou seja o Estado Democraacutetico de Direito possui um plus normativo em relaccedilatildeo agraves versotildees anteriores ldquoimpondo agrave ordem juriacutedica e agrave atividade estatal um conteuacutedo utoacutepico de transformaccedilatildeo da realidaderdquo (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 99)

O nuacutecleo central desse modelo estatal eacute a transformaccedilatildeo da realidade Indo aleacutem das garantias formais de intervenccedilatildeo e de uma simples adaptaccedilatildeo melhorada das condiccedilotildees sociais de existecircncia do Estado Social o Estado Democraacutetico de Direito pretende ser um mecanismo de alteraccedilatildeo do status quo O Direito passa a ser entendido como veiacuteculo de mutaccedilatildeo social e aponta para o futuro O elemento democraacutetico aponta para a universalizaccedilatildeo das conquistas modernas ateacute entatildeo incumpridas (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 98-101)

Natildeo eacute por acaso que o Brasil pretende se inserir nesse modelo

paradigmaacutetico Conforme jaacute aventado a histoacuteria brasileira eacute fraco constitucionalismo

e pouca democracia Aleacutem disso as promessas dos modelos anteriores (ateacute mesmo

as do Estado Liberal) satildeo de difiacutecil concretizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo Colocar o

estado brasileiro ainda que ldquoprogramaticamenterdquo no contexto do Estado

6 Paolo Comanducci afirma que a constitucionalizaccedilatildeo do direito trata-se de ldquoun proceso al teacutermino del cual el Derecho es lsquoimpregnadorsquo lsquosaturadorsquo o lsquoembebidorsquo por la Constitucioacuten un Derecho constitucionalizado se caracteriza por una Constitucioacuten invasiva que condiciona la legislacioacuten la jurisprudencia la doctrina y los comportamientos de los actores poliacuteticos Se trata ademaacutes de un concepto graduado un Derecho pude ser maacutes o menos constitucionalizadordquo (COMANDUCCI 2005 p 81)

7 ldquoO chamado Estado Democraacutetico de Direito eacute tambeacutem denominado pelos autores de tradiccedilatildeo alematilde com Estado Constitucional uma vez que as aquisiccedilotildees histoacutericas deixaram claro que natildeo eacute submissatildeo ao Direito que justificaria a limitaccedilatildeo quer do proacuteprio Estado quer dos Governantes mas necessariamente uma subjugaccedilatildeo total agrave Constituiccedilatildeordquo (FERNANDES 2011 p 206)

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Democraacutetico de Direito eacute uma aposta importante e uma exigecircncia dos nossos

tempos

Neste contexto de normatividade constitucional os direitos fundamentais

sociais ganham uma nova forccedila Embora jaacute fizessem parte ao menos formalmente

de textos constitucionais anteriores (BERCOVICI MASSONETTO 2010 p 510-

528) eacute com a Constituiccedilatildeo de 1988 e o constitucionalismo por ela instaurado que

eles passam realmente a poder significar algo de concreto

Os direitos sociais surgem para complementar positivamente as liberdades

puacuteblicas garantidas pela dimensatildeo negativa dos direitos fundamentais Atraveacutes deles

pretende-se alcanccedilar a liberdade e a igualdade em sentidos materiais e natildeo apenas

formais Constituem-se em direitos a algo ou seja exigem uma atuaccedilatildeo positiva do

Estado para sua concretizaccedilatildeo e natildeo apenas um abster-se Nas palavras de Saulo

Joseacute Casali Bahia satildeo direitos atraveacutes do Estado ldquoe correspondem agrave exigecircncia ao

poder puacuteblico certas prestaccedilotildees materiais ou normativas buscando a igualizaccedilatildeo de

situaccedilotildees socais desiguais e criando condiccedilotildees concretas para o gozo efetivo de

direitosrdquo (CASALI BAHIA 2009 p 300)

Aleacutem disso exigem uma nova visatildeo sobre os direitos individuais Nas

palavras de Bernardo Gonccedilalves Fernandes (2011 p 455)

Os direitos sociais constituem-se no segundo grupo integrador do conceito de Direitos Fundamentais que por mais que adicionem ao cataacutelogo anterior (direitos individuais) satildeo responsaacuteveis por empreender uma releitura completa e radical inclusive produzindo alteraccedilotildees no significado destes (direitos individuais) Ou seja os direitos sociais natildeo soacute alargam a taacutebua de direitos fundamentais mas tambeacutem redefinem os proacuteprios direitos individuais

Enfim os direitos sociais tem a pretensatildeo de realizar uma inclusatildeo

generalizada dos cidadatildeos na esfera poliacutetica (NEVES 2007 p 76-78) atraveacutes da

garantia de meios essenciais de vida

Como veremos a seguir entretanto esta positivaccedilatildeo sozinha natildeo eacute o

suficiente

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA

PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL

Como referido acima o Brasil ingressa na fase contemporacircnea do constitucionalismo e no modelo de Estado Democraacutetico de Direito a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O texto constitucional que marca a saiacuteda de um longo periacuteodo ditatorial e o reingresso em um sistema poliacutetico democraacutetico tinha a intenccedilatildeo de apontar um novo rumo para o paiacutes um caminho que levasse a uma sociedade livre justa e solidaacuteria na qual o desenvolvimento nacional fosse garantido e a erradicaccedilatildeo da pobreza e da marginalizaccedilatildeo bem como a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais fossem objetivos estatais (art 3ordm e incisos)

A Constituiccedilatildeo e seu vasto repertoacuterio de direitos e garantias contudo natildeo pode se realizar sozinha nem do dia para a noite A realidade descrita pela Carta Constitucional ainda estaacute distante O Brasil apesar de sua crescente economia ainda se depara com situaccedilotildees de desigualdades sociais proacuteximas de paiacuteses com iacutendices de desenvolvimento econocircmico extremamente inferiores ou seja os direitos sociais natildeo satildeo concretizados de forma adequada Nas palavras de Joseacute Luis Bolzan de Morais (2009 p 44) o projeto constitucional brasileiro ldquose apresenta como de bem-estar mas [] se executa como de mal-estarrdquo Enfim os poderes constituiacutedos mormente os representativos ndash principais responsaacuteveis pela consecuccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ndash tem se mostrado inaptos para dar efetividade aos direitos sociais

Eacute neste cenaacuterio que passa a ser possiacutevel falar no Brasil no que Marcelo Neves (2007) denominou de Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica Em conhecida obra da teoria constitucional brasileira o autor pernambucano vai apresentar o conceito meandros e consequecircncias desta formulaccedilatildeo Pela importacircncia que o conceito assume neste texto vamos exploraacute-lo mais detidamente antes de avanccedilarmos

Segundo Marcelo Neves (2007 p 64) a noccedilatildeo de constitucionalizaccedilatildeo aponta para o fato de uma ordem juriacutedica estatal natildeo ter desenvolvido um sistema constitucional de forma satisfatoacuteria Ou seja soacute se pode falar em constitucionalizaccedilatildeo justamente pelo fato de o sistema juriacutedico natildeo ter ateacute o momento se estabelecido como subordinado agrave Constituiccedilatildeo de forma plena ou ao menos natildeo ter na Constituiccedilatildeo o referencial basilar de todo o restante do sistema O Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 455

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movimento teoacuterico que hoje apregoa a constitucionalizaccedilatildeo do direito no Brasil teria nesse sentido percebido a ldquofalta de Constituiccedilatildeordquo no nosso sistema

A Constituiccedilatildeo (e o proacuteprio constitucionalismo) em sentido moderno aponta para a limitaccedilatildeo do poder e para a garantia de direitos fundamentais aos cidadatildeos ambos atraveacutes do direito (sistema juriacutedico) (CANOTILHO 2011 p 51) Ao mesmo tempo eacute atraveacutes da Constituiccedilatildeo que os sistemas sociais da poliacutetica e do direito podem ser diferenciados e reciprocamente fundamentados Quer isto dizer que o direito eacute legitimado atraveacutes da poliacutetica e a poliacutetica eacute legitimada atraveacutes do direito Esta via de matildeo dupla eacute possibilitada pela Constituiccedilatildeo (NEVES 2007 p 65-66) Podemos afirmar portanto que o processo de constitucionalizaccedilatildeo eacute de um lado a ampliaccedilatildeo e maior efetivaccedilatildeo da limitaccedilatildeo do poder e da garantia de direitos fundamentais e de outro a diferenciaccedilatildeo legiacutetima entre direito e poliacutetica como sistemas sociais autocircnomos Estas ideias seratildeo fundamentais para a compreensatildeo do significado de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

O conceito de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica eacute desenvolvido a partir da problemaacutetica em torno da (falta de) concretizaccedilatildeo das normas constitucionais8 Marcelo Neves natildeo equipara por oacutebvio a norma constitucional com o seu texto Afirma portanto que ldquoo texto e a realidade constitucionais encontram-se em permanente relaccedilatildeo atraveacutes da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretizaccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 83-84) O texto constitucional natildeo se concretiza pois natildeo haacute acircmbito normativo (dados reais) natildeo eacute constituiacutedo de forma suficiente (NEVES 2007 p 85) Ou seja as condiccedilotildees materiais para a concretizaccedilatildeo constitucional natildeo se colocam ou natildeo se colocam de forma adequada Eacute insuficiente que o programa normativo seja adequadamente interpretado (NEVES 2007 p 84)9 Assim do texto constitucional eacute impossiacutevel derivar normatividade

8 Canotilho (2011 p 1201) ldquoConcretizar a constituiccedilatildeo traduz-se fundamentalmente no processo de densificaccedilatildeo de regras e princiacutepios constitucionais A concretizaccedilatildeo das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta ndash norma juriacutedica ndash que por sua vez seraacute apenas um resultado intermeacutedio pois soacute coma descoberta da norma de decisatildeo para a soluccedilatildeo dos casos juriacutedico-constitucionais teremos o resultado final da concretizaccedilatildeo Esta ltltconcretizaccedilatildeo normativagtgt eacute pois um trabalho teacutecnico-juriacutedico eacute no fundo o lado ltltteacutecnicogtgt do procedimento estruturante da normatividade A concretizaccedilatildeo como se vecirc natildeo eacute igual agrave interpretaccedilatildeo do texto da norma eacute sim a construccedilatildeo de uma norma juriacutedicardquo (destaques do original)

9 Marcelo Neves se vale da teoria hermenecircutica de Frederich Muumlller Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 456

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Eacute a partir desse ldquoganchordquo que entra em cena a formulaccedilatildeo mais interessante para os propoacutesitos deste trabalho o sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica Segundo Marcelo Neves (2007 p 91) este conceito afirma que ldquoo texto constitucional natildeo eacute suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizadardquo A partir de Muumlller o autor afirma que do texto normativo natildeo decorre nenhuma normatividade Entende-se aqui esta descriccedilatildeo como caso limite ou seja natildeo quer dizer que a Constituiccedilatildeo seja um nada juriacutedico mas sua normatividade eacute inviabilizada em diversas instacircncias

A ausecircncia de normatividade fica demonstrada pela ldquoausecircncia generalizada de orientaccedilatildeo das expectativas normativas conforme as determinaccedilotildees dos dispositivos da Constituiccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 92) fato que eacute percebido tanto no meio social quanto na atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos estatais (NEVES 2007 p 94) Nas palavras de Marcelo Neves (2007 p 92)

Natildeo estatildeo presentes as condiccedilotildees para o processo seletivo de construccedilatildeo efetiva do acircmbito normativo a partir dos acircmbitos da mateacuteria e do caso com respaldo nos elementos linguiacutesticos contidos no programa normativo O acircmbito da mateacuteria ndash ldquoo conjunto de todos os dados empiacutericos [] que estatildeo relacionados com a normardquo ndash natildeo se encontra estruturado de tal maneira que possibilite o seu enquadramento seletivo no acircmbito normativo Ao texto constitucional natildeo corresponde normatividade concreta nem normatividade materialmente determinada ou seja dele natildeo decorre de maneira generalizada norma constitucional como variaacutevel influenciadora-estruturante e ao mesmo tempo influenciada-estruturada pela realidade a ela coordenada

Neste cenaacuterio o sistema juriacutedico seus procedimentos e argumentos especiacuteficos natildeo conseguem se impor de forma relevante frente aos demais sistemas sociais envolventes como a poliacutetica e a economia Estes sistemas sociais seus criteacuterios e programas atuam de forma bloqueadora ao sistema juriacutedico sobrepondo os seus coacutedigos ao coacutedigo juriacutedico-constitucional (NEVES 2007 p 93) O sistema juriacutedico portanto perde a capacidade de se reproduzir autonomamente

O autor encerra sua anaacutelise do sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica afirmando que nela

ao texto constitucional includente contrapotildee-se uma realidade constitucional excludente do ldquopuacuteblicordquo natildeo surgindo portanto a respectiva normatividade constitucional ou no miacutenimo cabe falar de uma normatividade

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constitucional restrita natildeo generalizada nas dimensotildees temporal social e material (NEVES 2007 p 94)

Esta faceta da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica foi percebida pela doutrina constitucional nos primeiros anos da Constituiccedilatildeo de 1988 ainda que natildeo nos mesmos termos ou na mesma complexidade apresentada por Marcelo Neves A partir desta percepccedilatildeo a teoria constitucional comeccedilou a ser fortemente reformulada e valorizada mormente com a incorporaccedilatildeo do que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Voltar-se-aacute a esta temaacutetica em seguida Antes poreacutem se faz necessaacuterio analisar o outro sentido atribuiacutedo por Marcelo Neves agrave constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Para o autor apesar do aspecto mais marcante da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica ser a ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada das disposiccedilotildees constitucionais eacute possiacutevel perceber que o mesmo texto desempenha um papel poliacutetico-ideoloacutegico Trata-se do que ele chama de sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Fala-se em papel poliacutetico-ideoloacutegico pois a positivaccedilatildeo de diversos direitos e garantias no texto constitucional ldquoresponde a exigecircncias e objetivos poliacuteticos concretosrdquo (NEVES 2007 p 96) Ou seja constitucionaliza-se diversos anseios sociais que contudo natildeo podem ser imediatamente (ou mesmo a meacutedio prazo) concretizados Esta positivaccedilatildeo garante a possibilidade da utilizaccedilatildeo de uma retoacuterica constitucional por parte dos membros do sistema poliacutetico ndash legisladores e governantes em geral ndash e ao mesmo tempo bloqueia a possibilidade alteraccedilatildeo do modelo vigente Atraveacutes deste sentido da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Natildeo apenas podem permanecer inalterados os problemas e relaccedilotildees que seriam normatizados com base nas respectivas disposiccedilotildees constitucionais mas tambeacutem ser obstruiacutedo o caminho das mudanccedilas sociais em direccedilatildeo ao proclamado Estado Constitucional Ao discurso do poder pertencem entatildeo a invocaccedilatildeo permanente do documento constitucional como estrutura normativa garantidora dos direitos fundamentais (civis poliacuteticos e sociais) da ldquodivisatildeordquo de poderes e da eleiccedilatildeo democraacutetica e o recurso retoacuterico a essas instituiccedilotildees como conquistas do estado ou do governo e provas de existecircncia da democracia no paiacutes (NEVES 2007 p 98-99)

A emissatildeo do texto constitucional pelo poder constituinte e sua utilizaccedilatildeo no discurso poliacutetico acarretam no contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica o Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 458

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apaziguamento de determinadas pretensotildees sociais que eram percebidas no momento da promulgaccedilatildeo e no decorrer de sua vigecircncia Atraveacutes das positivaccedilotildees responde-se a exigecircncias do momento e gera-se a ilusatildeo de que o Estado estaacute realmente comprometido com sua populaccedilatildeo Eacute sintomaacutetico no caso da Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 o alargamento do rol de direitos sociais previstos no art 6ordm10

Os dois sentidos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo interligados Ao mesmo tempo em que o texto constitucional natildeo eacute concretizado de forma generalizada ele desempenha um papel de ldquopromessardquo de uma sociedade melhor mais justas e desenvolvida O conteuacutedo ldquointencionalrdquo do texto natildeo eacute vivido nem sentido mas ele serve como ldquosaiacuteda pela tangenterdquo para o Estado mormente o sistema poliacutetico A ausecircncia de concretizaccedilatildeo eacute ldquolegitimadardquo pela presenccedila de uma ilusatildeo

Este quadro eacute especialmente observado quando se analisa as assim chamadas ldquonormas programaacuteticasrdquo das quais se destacam as normas que positivam os direitos sociais econocircmicos e culturais As normas programaacuteticas modalidade de normas de eficaacutecia limitada satildeo aquelas cujos efeitos soacute se produzem apoacutes a atuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos (SILVA 2012) mormente o Poder Legislativo (elaboraccedilatildeo da lei) mas tambeacutem o Poder Executivo (elaboraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas) Quer isto dizer que dependem da elaboraccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo especiacutefica que lhe determinem o conteuacutedo concreto e estabeleccedilam os modos de atuaccedilatildeo do Estado

Deve-se dizer contudo que esse tipo de norma natildeo eacute totalmente desprovida de eficaacutecia Funcionam em primeiro lugar em um sentido negativo proibindo que o Estado aja contrariamente a elas Em segundo lugar traccedilam programas que devem ser cumpridos pelo Estado sob pena de omissatildeo ilegiacutetima

10 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo original)

Art 6o Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo(Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 26 de 2000)

Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 64 de 2010)

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No contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica a referida espeacutecie normativa se constitui em verdade em um pseudoprograma Estatildeo ausentes as condiccedilotildees materiais para a realizabilidade das disposiccedilotildees constitucionais Para que essas normas tivessem o conteuacutedo normativo devido as condiccedilotildees sociais e poliacuteticas teriam que ser completamente transformadas A natildeo realizaccedilatildeo desses ldquoprogramasrdquo contudo natildeo eacute uma decorrecircncia apenas da omissatildeo estatal mas tambeacutem da sua accedilatildeo em sentido contraacuterio uma vez que as injunccedilotildees dos particularismos poliacuteticos e econocircmicos no sistema juriacutedico satildeo frequentes (NEVES 2007 p 114-115)

Neste cenaacuterio os sentidos negativos e positivos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo presentes de forma concomitantes Segundo Marcelo Neves

Embora constituintes legisladores e governantes em geral natildeo possam atraveacutes do discurso constitucionalista encobrir a realidade social totalmente contraacuteria ao welfare state proclamado no texto da Constituiccedilatildeo invocam na retoacuterica poliacutetica os respectivos princiacutepios e fins programaacuteticos encenando o envolvimento e interesse do Estado na sua consecuccedilatildeo A constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estaacute portanto intimamente associada agrave presenccedila excessiva de disposiccedilotildees constitucionais pseudoprogramaacuteticas Dela natildeo resulta normatividade programaacutetico-finaliacutestica antes o diploma constitucional atua como aacutelibi para os agentes poliacuteticos (NEVES 2007 p 115-116)

As funccedilotildees de prestaccedilatildeo e inclusatildeo dos direitos sociais satildeo assim prejudicadas Os cidadatildeos satildeo impossibilitados de fruir dos direitos positivados constitucionalmente pois a funccedilatildeo simboacutelica da constituiccedilatildeo eacute maior e mais presente do que sua funccedilatildeo normativa O Estado de forma geral eacute incapaz de fazer valer aquilo que ele mesmo se obrigou atraveacutes das manifestaccedilotildees do poder constituinte originaacuterio e derivado11 Desta forma a proacutepria realizabilidade de um Estado Democraacutetico de Direito fica comprometida jaacute que a inclusatildeo eacute condiccedilatildeo de possibilidade para uma participaccedilatildeo poliacutetica ideal

O duro cenaacuterio apresentado por Marcelo Neves talvez natildeo seja hoje o direito constitucional vivido no Brasil totalmente O crescimento da teoria e da

11 Casali Bahia (2009 p 300) ldquoO capiacutetulo dos direitos sociais passou a integrar textos constitucionais embora isto por si soacute natildeo decirc conta de sua efetividade Vale bem mais a disposiccedilatildeo poliacutetica dos representantes eleitos ou a firmeza do Judiciaacuterio em exigir prestaccedilotildees desejadas pela sociedade previstas em sua Constituiccedilatildeo que o formalismo e a programaticidade extensa e ineficienterdquo

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

doutrina constitucional nos uacuteltimos anos deu mais forccedila ao Texto Magno Embora estejamos longe de alcanccedilar uma plena normatividade constitucional a Constituiccedilatildeo se faz muito mais presente hoje Este sensiacutevel modificaccedilatildeo tem um motivo determinado

Como referido acima os juristas dedicados ao direito constitucional perceberam o quadro de simbolismo constitucional que o Brasil vivia logo depois da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 Esta percepccedilatildeo fez com se passasse a incorporar um movimento teoacuterico e ideoloacutegico denominado de neoconstitucionalismo Este movimento daacute ao direito constitucional uma nova cara reformula dogmas ateacute entatildeo vigentes e concede novo significado e papel agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Em certa medida isto foi positivo Trouxe contudo alguns problemas mormente o de legitimidade da atuaccedilatildeo judicante Fala-se aqui do problema do Ativismo Judicial

Como seraacute demonstrado na sequecircncia o otimismo metodoloacutegico do neoconstitucionalismo e a sua acircnsia por concretizaccedilatildeo a qualquer custo acabaram por fazer surgir distorccedilotildees no sistema juriacutedico quando enxergado em seu todo O ldquocompromisso irresponsaacutevelrdquo (CARNEIRO 2009 p 313-328) do neoconstitucionalismo com a concretizaccedilatildeo causa justamente por sua fragilidade teoacuterica distorccedilotildees no funcionamento adequado do Estado e paradoxalmente na proacutepria concretizaccedilatildeo do texto constitucional de maneira iacutentegra e coerente

Disse-se na introduccedilatildeo deste trabalho que entendemos a expressatildeo Ativismo Judicial de maneira negativa Ou seja quando se afirma que o Poder Judiciaacuterio eacute ativista ou estaacute se comportando de forma ativista faz-se em sentido de criacutetica de reprovaccedilatildeo Nos proacuteximos itens seraacute demonstrado o que se entende por Ativismo e como no Brasil ele foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo Mais a frente tratar-se-aacute do Ativismo em mateacuteria de direitos sociais relacionando-o com uma nova ideia de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido positivo

3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA

Este momento do trabalho exige uma parada metodoloacutegica para que se defina o que significa Ativismo Judicial Deve-se ter em mente como se disse na Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 461

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introduccedilatildeo que o Ativismo eacute entendido como um mal uma atuaccedilatildeo ilegiacutetima do Poder Judiciaacuterio Ao mesmo tempo este trabalho toma como premissas teoacutericas a inevitabilidade da criatividade judicial e a assunccedilatildeo de que o poder judicante tem um papel na concretizaccedilatildeo dos direitos albergados na Constituiccedilatildeo

O ponto de estofo para se diferenciar dentro de uma teoria voltada para o Judiciaacuterio concepccedilotildees ativistas e natildeo ativistas de jurisdiccedilatildeo constitucional reside no como se compreendeinterpretarealiza a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A ocorrecircncia de um deslocamento do polo de tensatildeo entre os poderes do Estado em direccedilatildeo ao Poder Judiciaacuterio12 ndash consequecircncia da inserccedilatildeo no paradigma do Estado Democraacutetico de Direito e da adoccedilatildeo do substancialismo ndash aumentaraacute o caraacuteter hermenecircutico-interpretativo do Direito e a sua consequente necessidade de limitaccedilatildeo (STRECK 2011 p 59)13

Ora se ateacute o contexto da Constituiccedilatildeo de 1988 boa parte da responsabilidade pela inefetividade do texto magno residia em uma precaacuteria teoria da Constituiccedilatildeo e do Direito ndash positivismo sistema de regras racionalidade instrumental e descritiva ndash um eventual excesso na concretizaccedilatildeo (Ativismo Judicial) tambeacutem ocorreraacute por razotildees epistecircmicas Conforme assevera Andreacute Ramos Tavares a ldquoconsistecircncia e o refinamento dos meacutetodos de trabalho da Justiccedila Constitucional [] satildeo parte integrante da discussatildeo acerca de sua legitimidade de atuaccedilatildeo no acircmbito dos direitos fundamentaisrdquo (TAVARES 2012 p 66)

Parece ser este tambeacutem o entendimento de Joatildeo Mauriacutecio Adeodato (2009 p 164-165) ao afirmar que

O debate sobre a funccedilatildeo do judiciaacuterio tambeacutem estaacute por traacutes de toda a discussatildeo hermenecircutica a questatildeo fundamental sobre como os paradigmas de racionalidade podem construir a vaacutelvula de escape e calibraccedilatildeo da legitimidade ou verem-se inutilizados pelo casuiacutesmo trazido por uma exacerbaccedilatildeo da discricionariedade dos julgadores e da importacircncia dos participantes na lide concreta

12 ldquoSabe-se que no quadro da triparticcedilatildeo de funccedilotildees quando qualquer deles natildeo cumpre com eficiecircncia seu papel institucional ocorre uma compensaccedilatildeo sistecircmica que em nosso paiacutes se costuma se atribuir ao Judiciaacuteriordquo (NUNES 2011 p 35)

13 No mesmo sentido cf OLIVEIRA 2008 p 66-74 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 462

Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

Ou seja haacute uma relaccedilatildeo iacutentima entre racionalidade do discurso (e da interpretaccedilatildeo acrescente-se) e a (i)legitimidade da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Se eacute verdade que os deacuteficits de modernizaccedilatildeo vividos em sociedades perifeacutericas e semiperifeacutericas acaba tornado o Poder Judiciaacuterio no ldquouacuteltimo dos moicanosrdquo para defesa e garantia das promessas modernas natildeo eacute menos verdade que o compromisso com o constitucionalismo com a democracia e com a autonomia do Direito possa ser esquecida (CARNEIRO 2011 p 25-26) E o desequiliacutebrio excessivo nesse projeto (Ativismo Judicial) tem repita-se em primeiro lugar uma justificativa epistemoloacutegica

A identificaccedilatildeo do Ativismo Judicial passa prioritariamente natildeo por uma atitude de interferecircncia do Judiciaacuterio em aacutereas tradicionalmente deixadas aos Poderes Representativos mas sim pelo modo pelo como essa interferecircncia ocorre Ou seja o Ativismo Judicial eacute caracterizado por uma forma inadequadaequivocada de se lidar com a inevitabilidade da criatividade da atuaccedilatildeo judicial14 Ele (o Ativismo) encontra-se relacionado a um caraacuteter natildeo democraacutetico e por isso natildeo legiacutetimo da ldquocarga criativa que se encontra em todas as manifestaccedilotildees de criaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direitordquo (CARNEIRO 2009 p 180)

A teoria hermenecircutica contemporacircnea estabeleceu que o fenocircmeno compreensivo natildeo estaacute cindido da aplicaccedilatildeo e acontece mediante uma antecipaccedilatildeo de sentido jaacute carregado pelo inteacuterprete (GADAMER 2006 p 57)

Conforme liccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio Freire Soares a partir de Heidegger a ldquocompreensatildeo passa a ser visualizada natildeo como ato cognitivo de um sujeito dissociado do mundo mas isto sim como um prolongamento essencial da existecircncia humana Compreender eacute um modo de estar antes de configurar-se como um meacutetodo cientiacuteficordquo (SOARES 2011 p 9) A pergunta pela hermenecircutica portanto passa a ter mais em conta a relaccedilatildeo que o inteacuterprete estabelece com sua situaccedilatildeo no mundo (SOARES 2011 p 10)

14 Fundamental nesse sentido a advertecircncia de Lenio Streck ldquohaacute de ser ter o devido cuidado a afirmaccedilatildeo de que o lsquointeacuterprete sempre atribui sentido (Sinngebung) ao textorsquo nem de longe pode significar a possibilidade de este estar autorizado a lsquodizer qualquer coisa sobre qualquer coisarsquo atribuindo sentidos de forma arbitraacuteria aos textos como se texto e norma estivessem separados (e portanto tivessem lsquoexistecircnciarsquo autocircnoma) () Portanto todas as formas de decisionismos e discricionariedades devem ser afastadasrdquo (STRECK 1999 p 142-143)

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Como ato de existecircncia a compreensatildeo natildeo tem um iniacutecio determinado Ela ocorre a todo o tempo a partir do nosso contato com diferentes eventosfatos A ldquoaplicaccedilatildeordquo natildeo eacute um momento diverso ou secundaacuterio agrave compreensatildeo Somente compreendemos algo porque estamos diante de um algo concreto Eacute o que se chama de applicatio Na liccedilatildeo de Gadamer (2006 p 57) a aplicaccedilatildeo

natildeo pode jamais significar uma operaccedilatildeo subsidiaacuteria que venha acrescentar-se posteriormente agrave compreensatildeo o objeto para o qual se dirige a nosso aplicaccedilatildeo determina desde o iniacutecio e em sua totalidade o conteuacutedo efetivo e concreto da compreensatildeo hermenecircutica ldquoAplicarrdquo natildeo eacute ajustar uma generalidade jaacute dada antecipadamente para desembaraccedilar em seguida os fios de uma situaccedilatildeo particular Diante de um texto por exemplo o inteacuterprete natildeo procura aplicar um criteacuterio geral a um caso particular ele se interessa ao contraacuterio pelo significado fundamentalmente original do escrito de que se ocupa15

Esta caracteriacutestica da compreensatildeo demonstra que natildeo existem meacutetodos de interpretaccedilatildeo capazes de constituir eles mesmos os sentidos A ideia de que a verdade ou o acerto podem ser alcanccedilados mediante a utilizaccedilatildeo de meacutetodos (no sentido claacutessico) natildeo possui mais sustentaccedilatildeo

Contudo isso natildeo acarreta a abertura interpretativa e a ausecircncia de qualquer controle nem que natildeo haja espaccedilo dentro do paradigma hermenecircutico atual para se pensar em epistemologia (STRECK 2011 p 153-172) A epistemologia ou seja o controle epistecircmico da compreensatildeo deve transitar em um niacutevel secundaacuterio Como assevera Waacutelber Araujo Carneiro (2009 p 234)

Essa proposta epistemoloacutegica deve portanto atender a dois vetores Primeiro transitar em um espaccedilo existencial isto eacute deve obedecer aos limites e possibilidades da nossa compreensatildeo razatildeo pela qual a propomos em um espaccedilo reflexivo Segundo deve ser compatiacutevel com esse projeto regulatoacuterio (direito) e para tanto proporcionar a normatividade da compreensatildeo juriacutedica Quanto a este segundo verto natildeo fazemos aqui referecircncia a uma compreensatildeo controlada por meacutetodos mas uma compreensatildeo que esteja voltada para uma resposta correta conforme ao direito caso contraacuterio natildeo compatibilizaremos sua aplicaccedilatildeo ao modelo democraacutetico (destaque do original)

15 ldquoA compreensatildeo encerra sempre um momento de aplicaccedilatildeo e todo esse processo eacute um processo linguiacutesticordquo (SOARES 2011 p 11)

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Haacute portanto um espaccedilo para que a criatividade inerente agrave compreensatildeo e aplicaccedilatildeo do direito seja epistemicamente controlada Natildeo estar atento agrave esta possibilidade ou natildeo buscar os paracircmetros para este controle acarreta na abertura para que a criatividade se transforme em discricionariedade e consequentemente a existecircncia de muacuteltiplas respostas O Ativismo Judicial eacute isto a ausecircncia de controle

reflexivo do momento criativo da aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Dito de outra forma o

excesso ou descontrole da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo adveacutem da delegaccedilatildeo agrave discricionariedade subjetiva do julgador

Eacute evidente que os paracircmetros reflexivos devem possibilitar que a decisatildeo natildeo seja dada por uma escolha do operador A decisatildeo judicial que aplica a Constituiccedilatildeo deve se pautar pelos referencias sistecircmicos jaacute disponiacuteveis agrave compreensatildeo Doutrina e jurisprudecircncia portanto desempenho um papel altamente relevante para a ldquodesubjetivizaccedilatildeordquo da decisatildeo (CARNEIRO 2009 p 258-260 263-264 277-278) Aqui eacute possiacutevel tambeacutem falar que a coerecircncia e a integridade (DWORKIN 2007) tem a potencialidade de retirar do decisum um alto iacutendice de ldquoopccedilatildeordquo do inteacuterprete

Natildeo obstante a existecircncia de um espaccedilo de controle epistecircmico da decisatildeo judicial bem como de referecircncias sistecircmicos para a consecuccedilatildeo desse controle sua realizaccedilatildeo oacutetima eacute altamente improvaacutevel Afirma-se isso principalmente por causa da alta complexidade que o sistema juriacutedico assumiu e pelas enormes dificuldades encontradas pela praacutetica judiciaacuteria Assim eacute mais correto afirmar que existem niacuteveis maiores e menores de controle epistecircmico da decisatildeo judicial Uma decisatildeo pode ser mais ou menos epistemicamente controlada quer dizer a discricionariedade pode ser mais ou menos reduzida Desta forma parece ser possiacutevel falar em niacuteveis

de Ativismo Judicial Ou seja uma decisatildeo que aplicaconcretiza a Constituiccedilatildeo pode ser mais ou menos ativista a depender do niacutevel de controle epistecircmico que ela sofra

Marcelo Neves valendo-se de outros pressupostos teoacutericos afirma que a transversalidade entre direito e poliacutetica atraveacutes da Constituiccedilatildeo do Estado constitucional embora seja capaz de resultados produtivos estaacute em constante paradoxo uma vez que natildeo existe soluccedilatildeo definitiva para o problema da politizaccedilatildeo do direito e da juridificaccedilatildeo da poliacutetica Isso quer dizer o judiciaacuterio manteacutem a pretensatildeo de ocupar o espaccedilo da legitimidade democraacutetica enquanto legislativo e

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governo tentam influenciar as soluccedilotildees de casos juriacutedicos A mediaccedilatildeo desse cenaacuterio soacute pode ocorrer diante de casos constitucionais concretos decididos principalmente pelas cortes constitucionais Contudo a formaccedilatildeo de transversalidade entre direito e poliacutetica (pontes de transiccedilatildeo) em niacutevel oacutetimo necessita de amplos pressupostos sociais e estruturais (NEVES 2009 p 77) ou seja sua consecuccedilatildeo eacute extremamente difiacutecil

O controle da criatividade judicial atraveacutes de aparatos epistecircmicos tem uma relaccedilatildeo direta com a autonomia do sistema juriacutedico Quando se refere acima sobre a existecircncia de referenciais sistecircmicos para a operacionalizaccedilatildeo do controle da decisatildeo em niacutevel hermenecircutico estaacute-se falando do sistema juriacutedico Ou seja os demais sistemas sociais natildeo podem determinar a decisatildeo judicial

Em verdade o grande objetivo do referido controle eacute preservar a autonomia do sistema A contrario sensu a ausecircncia de controle acarreta invariavelmente a perda de autonomia do sistema Dito isso eacute possiacutevel acrescentar que o Ativismo Judicial aleacutem de ser marcado pela adoccedilatildeo da discricionariedade como paracircmetro decisoacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo representa a perda de autonomia do sistema juriacutedico em favor de opccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e morais do julgador Ou seja a substituiccedilatildeo dos referenciais sistecircmicos do direito por referenciais de outros sistemas

Acertado o entendimento de Anderson Vichinkeski Teixeira (2012 p 42) quando afirma que o Ativismo Judicial estaacute diretamente relacionado com os limites possiacuteveis entre o Direito e a Poliacutetica Segundo o autor a ldquonocividade maior do ativismo judicial ocorre quando a decisatildeo judicial tem um fim poliacutetico e depende da negaccedilatildeo agrave tutela de interesses legiacutetimos de alguma parte da accedilatildeo fundamentando-se em argumentos que transcendem a racionalidade juriacutedicardquo (TEIXEIRA 2012 p 48) Eacute possiacutevel complementar este pensamento dizendo que o Ativismo tambeacutem se coloca diante dos limites possiacuteveis entre o Direito e a Moral e entre o Direito e a Economia Enfim a problemaacutetica da autonomia dos sistemas sociais Este cenaacuterio como destacado eacute possibilitado pela falta de uma racionalidade consistente no momento da interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito causada pela utilizaccedilatildeo de modelos teoacutericos inadequados

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Ora se se aduz que eacute possiacutevel falar em niacuteveis de controle e consequentemente em niacuteveis de Ativismo Judicial parece mais do que loacutegico ser possiacutevel falar tambeacutem em niacuteveis de perda de autonomia do sistema O sistema juriacutedico portanto sofreraacute mais ou menos perda de autonomia de acordo com o niacutevel de controle da decisatildeo judicial (de acordo com a existecircncia de mais ou menos Ativismo portanto)

Tudo que se disse sobre o controle da criatividade e sobre a preservaccedilatildeo da autonomia do sistema tem efeito imediato sobre a sobrevivecircncia do binocircmio constitucionalismo-democracia Se o constitucionalismo eacute marcado pela garantia de direitos fundamentais e pela limitaccedilatildeo do poder e a democracia (constitucionalizada) eacute marcada pela prevalecircncia das opccedilotildees poliacuteticas feitas pelos cidadatildeos (diretamente ou mediante seus representantes) eacute indispensaacutevel para a existecircncia de ambos que haja um niacutevel tanto maior quanto possiacutevel de controle das decisotildees judiciais e que esse controle se decirc mediante a referecircncia ao proacuteprio sistema A marca do Ativismo (a discricionariedade) deve ser repudiada ao maacuteximo16

Estabeleceu-se aqui o nuacutecleo fundamental do Ativismo Judicial uma atuaccedilatildeo discricionaacuteria do Poder Judicante sob o pretexto de estar dando concretude ao texto constitucional acarretando paradoxalmente a distorccedilatildeo da proacutepria autonomia do sistema juriacutedico e portanto do constitucionalismo e da democracia Cabe agora tentar demonstrar ainda que brevemente porque o Ativismo nesta conceituaccedilatildeo tem se tornado uma realidade em terras brasileiras

Como jaacute referido a forma de lidar com a atuaccedilatildeo judicial no Brasil tem recebido fortes influecircncias do movimento que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Natildeo obstante a importacircncia que esse movimento teve para que o paiacutes comeccedilasse a levar o seu direito constitucional a seacuterio parece que sua recepccedilatildeo tambeacutem tem trazido questotildees e problemas mal resolvidos no que diz respeito ao controle e estabelecimento de limites agrave atividade jurisdicional de

16 Eacute neste ponto que nos afastamos totalmente dos pressupostos teoacutericos utilizados por Elival da Silva Ramos O autor embora afirme que seu modelo absorve as inovaccedilotildees da hermenecircutica contemporacircnea continua a apostar na discricionariedade da decisatildeo judicial Para noacutes eacute impossiacutevel compatibilizar ideias como ldquoescolhardquo ldquoopccedilatildeordquo ldquosentimento de justiccedilardquo e ldquoconsciecircncia eacutetica do julgadorrdquo com uma criacutetica ou um bloqueio ao Ativismo Judicial Cf Ramos 2010 p 97-103

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concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Parece enfim que o neoconstitucionalismo natildeo apresenta mecanismos teoacutericos suficientemente adequados para lidar com a criatividade judicial e com um substancialismo democraacutetico Isso ocorre pela incapacidade do seu ldquopacote teoacutericordquo em lidar com a discricionariedade judicial

Preconizando a superaccedilatildeo de modelos claacutessicos e que natildeo conferiam agrave Constituiccedilatildeo plena aplicabilidade ndash principalmente pela ausecircncia de normatividade dos princiacutepios ndash o neoconstitucionalismo parece tentar recuperar algo que se perdeu na aurora do constitucionalismo moderno (a racionalidade moral-praacutetica) e legitimar uma atuaccedilatildeo substancial do Poder Judiciaacuterio Enfim trata-se do movimento teoacutericoideoloacutegico que operacionalizou e continua a embalar as construccedilotildees doutrinaacuterias e jurisprudenciais desde o estabelecimento do Estado Democraacutetico de Direito no Segundo poacutes-guerra

Daniel Sarmento (2012 p 233-234) segundo o qual satildeo caracteriacutesticas marcantes do neoconstitucionalismo o reconhecimento da forccedila normativa dos princiacutepios a adoccedilatildeo de modelos hermenecircuticos distintos do formalismo claacutessico a constitucionalizaccedilatildeo do direito a reaproximaccedilatildeo entre direito e moral e a judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais ndash posiccedilatildeo natildeo muito diversa da jaacute exposta ndash afirma que esse movimento foi recepcionado no Brasil apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 em dois momentos principais

Assevera o autor que o primeiro momento surge com o que ele chama de constitucionalismo da efetividade forma de positivismo de combate que pregava a normatividade direta da Constituiccedilatildeo e aproximava o Direito Constitucional do Direito Processual afastando-o da Teoria do Estado e centrando-o no protagonismo do juiz (SARMENTO 2012 p 247-248)17 O segundo momento de acordo com ele eacute marcado pelas obras de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional) e Eros Roberto Grau (A Ordem Econocircmica na Constituiccedilatildeo de 1988) que divulgam no Brasil as teorias de Robert Alexy e Ronald Dworkin (SARMENTO 2012 p 248-249) Ainda teria sido fundamental para a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil o avanccedilo dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo em Direito no estudo do

17 O autor ressalta que esse momento natildeo pode ainda ser entendido como neoconstitucionalismo mas o possibilitou na sequecircncia histoacuterica

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

constitucionalismo e a forte produccedilatildeo acadecircmica em torno de teorias hermenecircuticas (SARMENTO 2012 p 249)

Parece natildeo haver duacutevidas de que a adoccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil possibilitou uma forte valorizaccedilatildeo do nosso texto constitucional e em alguma medida uma constitucionalizaccedilatildeo do Direito Esse movimento exigiu dos atores juriacutedicos (teoacutericos e ldquooperadoresrdquo strictu sensu) uma nova forma de lidar com o fenocircmeno juriacutedico e de conceber o papel do Poder Judiciaacuterio na preservaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da Carta Magna Em um paiacutes de fraca histoacuteria democraacutetica e de baixa defesa de direitos fundamentais a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo parece ter

sido (estrategicamente) necessaacuteria para a consolidaccedilatildeo de uma ordem constitucional e democraacutetica adequada aos tempos de constitucionalismo poacutes-guerra18

A questatildeo principal do neoconstitucionalismo para esta investigaccedilatildeo eacute o aparato metodoloacutegico que graccedilas a ele ingressou e passou a fazer parte da teoria da constitucional no Brasil Os modelos de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de normas constitucionais acabam por sobrevalorizar a subjetividade do julgador Na mesma toada este movimento teoacuterico faz surgir aparatos dogmaacuteticos otimistas que desvalorizam as possibilidades reais de realizaccedilatildeo da norma hipertrofiando sua funccedilatildeo normativa O que unifica essas duas problemaacuteticas eacute um ideaacuterio concretista ingecircnuo e que concede forccedila demais ao julgador

O neoconstitucionalismo inseriu no debate constitucional brasileiro e em consequecircncia na forma de atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio modelos interpretativos Um deles eacute a teacutecnica da ponderaccedilatildeo de princiacutepios principalmente a matriz desenvolvida por Robert Alexy (2009 p 90-106 e 116-121) O outro eacute o que se convencionou chamar de Nova Hermenecircutica Constitucional Esta uacuteltima natildeo ocupa o lugar principal nas construccedilotildees doutrinaacuterias mas representa um importante local teoacuterico na doutrina brasileira atual mormente nos ldquoCursos de Direito Constitucionalrdquo19 Fugiria aos limites do presente trabalho a anaacutelise minuciosa desses modelos

18 Por esse motivo Luis Roberto Barroso (2007) considera a incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo um triunfo para o constitucionalismo brasileiro

19 Cf Mendes Coelho Branco 2008 p 97-122 Cunha Juacutenior 2008 p 207-223 Em sentido proacuteximo Silva Neto 2008 p 92-124

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hermenecircuticos Por isso remete-se o leitor agrave anaacutelise jaacute realizada em outro espaccedilo (SOLIANO 2013 p 109-124) e aos autores que deram suporte20

O ideaacuterio concretista ingecircnuo motivado pelo neoconstitucionalismo acarreta

o que Daniel Sarmento chama de ldquooba-oba constitucionalrdquo e a

ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo Tratam-se de duas posturas criacuteticas em relaccedilatildeo ao

referido movimento teoacuterico com as quais coadunamos O ldquooba-oba constitucionalrdquo

seria a invocaccedilatildeo demasiada de princiacutepios constitucionais para fundamentar

decisotildees Segundo o autor

os operadores do Direito satildeo estimulados a invocar sempre princiacutepios muito vagos nas suas decisotildees mesmo quando isso seja absolutamente desncessaacuterio pela existecircncia de regra clara e vaacutelida a reger a hipoacutetese Os campeotildees tecircm sido os princiacutepios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade O primeiro eacute empregado para dar imponecircncia ao decisionismo judicial vestindo com linguagem pomposa qualquer decisatildeo tida como politicamente correta e o segundo para permitir que os juiacutezes substituam livremente as valoraccedilotildees de outras agentes puacuteblicos pelas suas proacuteprias (SARMENTO 2012 p 264)

Este criacutetica tem paridade com o que se disse acima e seu objeto eacute uma

demonstraccedilatildeo de Ativismo Judicial

A ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo seria para o autor um excesso de

constitucionalizaccedilatildeo Eacute certo que natildeo se pode no Brasil preterir de um direito

constitucionalizado legitimado constitucionalmente Contudo o

neoconstitucionalismo leva esta ideia agraves uacuteltimas consequecircncias e por isso atua em

excesso Este excesso amputa em demasia o espaccedilo do legislador e do

administrador em nome do julgador Segundo o autor

quem defende que tudo ou quase tudo jaacute estaacute decidido pela Constituiccedilatildeo e que o legislador eacute um mero executor das medidas jaacute impostas pelo constituinte nega por consequecircncia a autonomia poliacutetica ao povo para em cada momento da sua histoacuteria realizar as suas proacuteprias escolhas O excesso de constitucionalizaccedilatildeo do Direito reveste-se portanto de um vieacutes antidemocraacutetico (SARMENTO 2012 p 269)

20 Silva 2007 p 115-143 Carneiro 2009 p 202-233 Oliveira 2008 p 170-217 e Streck 2011 passim

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

Enfatize-se que aqui a criacutetica eacute ao excesso Como jaacute aduzido entende-se

que o direito deve sim ser constitucionalizado e que o Judiciaacuterio tem um papel

altamente relevante no atual modelo de constitucionalismo que adotamos O

problema do ideaacuterio neoconstitucional eacute pretender constitucionalizar o direito a

qualquer custo

Embora natildeo se concorde com suas premissas teoacutericas e suas conclusotildees

Elival da Silva Ramos tambeacutem coloca o neoconstitucionalismo como fator propulsor

do Ativismo Judicial no Brasil Segundo ele este movimento teoacuterico sofre de fortes

fragilidades teoreacuteticas (RAMOS 2010 p 279) (talvez pela diversidade de

concepccedilotildees que abarca) e abre a possibilidade para o moralismo (subjetivismo

axioloacutegico) e para o realismo juriacutedico atraveacutes do que ele chama de

ldquoprincipiologizaccedilatildeo do direito constitucionalrdquo (RAMOS 2010 p 283-286)

Humberto Aacutevila (2009) tambeacutem em tom criacutetico afirma que o

neoconstitucionalismo nem sequer deveria ter sido incorporado no Brasil haja vista

que seus pressupostos teoacutericos natildeo se coadunam com o texto constitucional

brasileiro Assim aduz que ldquonada eacute mais premente do que rever a aplicaccedilatildeo desse

movimentordquo

Enfim a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo marcada de um

lado pela ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada de seus dispositivos e de outro

pelo desgaste poliacutetico que nem o sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

consegue ldquosegurarrdquo causou uma irresponsaacutevel hipertrofia da atuaccedilatildeo do Poder

Judiciaacuterio Este excesso como aventado eacute observado na ingenuidade metodoloacutegica

e na acircnsia por concretizaccedilatildeo decorrentes do neoconstitucionalismo21 Pode-se

identificar esta situaccedilatildeo no sistema como um todo Contudo como se demonstraraacute a

seguir ela eacute especialmente problemaacutetica e danosa quando se trata da concretizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais sociais pelo Judiciaacuterio

21 Haacute ainda uma criacutetica importante ao neoconstitucionalismo aduzidas por Lenio Streck O primeiro afirma que o movimento teoacuterico natildeo ultrapassou o positivismo juriacutedico por natildeo conseguir lidar de forma adequada com a discricionariedade judicial (STRECK 2011p 9-27)

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4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL

DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA22

O presente item tem a intenccedilatildeo de mostrar a especificidade do Ativismo

Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Como referido nos itens

anteriores entende-se Ativismo a partir de uma concepccedilatildeo mais teoacuterica relacionada

com o grau de controle epistecircmico da criatividade judicial no momento da decisatildeo O

niacutevel maior ou menor de Ativismo causaraacute uma maior ou menor perda de autonomia

do sistema juriacutedico Ainda conforme o que se aventou anteriormente entende-se

que o Ativismo no Brasil foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo e

seu ideaacuterio concretista ingecircnuo ainda que este movimento tenha representado

importante momento na histoacuterica constitucional recente

Como jaacute referido no item 2 os direitos sociais consubstanciam direitos a

prestaccedilotildees estatais Satildeo nas palavras de Robert Alexy direitos a prestaccedilatildeo em

sentido estrito Aqueles que ldquose o particular dispusesse de recursos financeiros

suficientes e se houvesse uma oferta no mercado poderia tambeacutem obter de

particularesrdquo (ALEXY 2009 p 499) Direitos sociais satildeo por exemplo direito agrave

sauacutede educaccedilatildeo previdecircncia moradia etc Em acircmbito normativo o art 6ordm da

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute responsaacutevel por positivaacute-los

Ainda segundo Alexy (ALEXY 2009 p 499) existem grandes polecircmicas em

relaccedilatildeo aos direitos a prestaccedilatildeo Para o autor estas polecircmicas satildeo marcadas

por uma profunda divergecircncia de opiniotildees acerca da natureza e da funccedilatildeo do Estado do Direito e da Constituiccedilatildeo ndash e tambeacutem dos direitos fundamentais ndash bem como acerca da percepccedilatildeo da atual situaccedilatildeo da sociedade Visto que essa polecircmica se relaciona entre outros a problemas distributivos seu ldquocaraacuteter politicamente explosivordquo eacute facilmente compreensiacutevel Em quase nenhuma aacuterea a conexatildeo entre o efeito juriacutedico e as valoraccedilotildees praacuteticas gerais ou poliacuteticas eacute tatildeo clara em quase nenhum campo a polecircmica eacute tatildeo tenaz

22 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011 (texto ineacutedito cedido pelo autor)

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

Natildeo haacute como discordar de tal colocaccedilatildeo Os direitos a prestaccedilotildees em sentido amplo e os direitos sociais especificamente causam grande ldquorebuliccedilordquo tanto na aacuterea acadecircmica quanto na arena jurisdicional e ainda no dia-a-dia do cidadatildeo Esses direitos tem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com as condiccedilotildees de vida do cidadatildeo e por isso mesmo a concretizaccedilatildeo ou natildeo deles eacute sentida muito de perto Enfim o as valoraccedilotildees poliacuteticas e praacuteticas gerais satildeo bem claras

No Brasil o simbolismo constitucional eacute particularmente visiacutevel nesta aacuterea Embora seja possiacutevel perceber alguma mudanccedila nos uacuteltimos anos as estatiacutesticas de desenvolvimento social ainda demonstram que o Estado ainda deixa muito a desejar Na medida em que esses direitos satildeo prioritariamente realizados mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute possiacutevel dizer que os poderes representativos vecircm falhando na sua implementaccedilatildeo

Neste contexto e sob o influxo do neoconstitucionalismo passou a fazer parte da retoacuterica doutrinaacuteria e da praacutetica judicial brasileira a possibilidade e necessidade de interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta ceara

Vem se entendendo que as decisotildees quanto ao cumprimento dos direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas natildeo estatildeo em agrave disposiccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica mas decorrem imediatamente da normatividade constitucional e por isso podem e devem ser controladas pelo Poder Judiciaacuterio (KRELL 2002 p 100) Afirma-se que a funccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica eacute diferenciar e definir as formas adequadas de distribuiccedilatildeo de recursos disponiacuteveis Quando os oacutergatildeos prioritariamente responsaacuteveis falham os juiacutezes e tribunais tecircm a funccedilatildeo de correccedilatildeo (KRELL 2002 p 101) Este raciociacutenio estaacute embasado na ideia de que os direitos sociais natildeo podem ficar a mercecirc da ineacutercia legislativa ou de uma momentacircnea ou crocircnica ausecircncia de fundos (KRELL 2002 p 102)

Ana Paula Barcellos afirma que o nosso sistema constitucional escolheu a democracia como modelo de governo e por isso o debate democraacutetico deve ser a regra para direccedilatildeo do paiacutes Segundo a autora a definiccedilatildeo de como os recursos puacuteblicos seratildeo empregados para a efetivaccedilatildeo de direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute um espaccedilo privilegiado para o debate democraacutetico Contudo estaacute deliberaccedilatildeo natildeo estaria livre de condicionantes constitucionais Afirma a autor carioca

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Se a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata da absorccedilatildeo do poliacutetico pelo juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (BARCELLOS 2005 p 96)

Na mesma toada Flaacutevia Piovesan informa que a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais estaria assegurada pela claacuteusula da maacutexima efetividade das normas constitucionais claacuteusula esta que assume especial relevacircncia no que toca os direitos fundamentais (sociais) Aleacutem disso a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta aacuterea natildeo poderia deixar de acontecer por causa do disposto no inciso XXXV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal que positiva a regra da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo (PIOVESAN 2006 p 7)

No que diz respeito especificamente ao direito agrave sauacutede ndash certamente o que gera maiores polecircmicas quando o tema eacute judicializaccedilatildeo dos direitos sociais ndash a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio estaria fundamentada na imperiosa proteccedilatildeo ao direito agrave vida A ponderaccedilatildeo neste caso sempre deveria fazer prevalecer este direto fundamental Atuando desta forma o Judiciaacuterio estaria rompendo com uma concepccedilatildeo formalista e procedimental de direito (PIOVESAN 2006 p 12) Aleacutem disso a justiciabilidade dos direitos sociais seria capaz de causar uma transformaccedilatildeo emancipadora da sociedade rompendo com posturas conservadoras (PIOVESAN 2006 p 13)

Todas essas concepccedilotildees tem em comum a criacutetica agrave reserva do possiacutevel A reserva do possiacutevel nada mais eacute do que uma estrutura analiacutetica que pretende passar para o mundo do direito as inevitaacuteveis limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias presentes na execuccedilatildeo de qualquer poliacutetica puacuteblica Pode-se falar em reserva do possiacutevel faacutetica e juriacutedica A primeira ldquodiz respeito agrave efetiva disponibilidade dos recursos econocircmicos necessaacuterios agrave satisfaccedilatildeo do direito prestacionalrdquo enquanto a segunda ldquorelaciona-se agrave existecircncia de autorizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para o Estado incorrer nos respectivos custosrdquo (SARMENTO 2010 p 197)

Para Andreas Krell (2002 p 51-59) o argumento da reserva do possiacutevel eacute uma falaacutecia e trata-se de uma maacute incorporaccedilatildeo de categoria do direito comparado ao Brasil Afirma que o Executivo natildeo pode fazer escolhas entre atender uns ou outros

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cidadatildeos tendo como base as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias disponiacuteveis Especialmente no que diz respeito ao direito agrave sauacutede esses recursos segundo o autor devem se for o caso de inexistecircncia ser retirados de outros setores como transporte fomento econocircmico e serviccedilo de diacutevida Encerra afirmando que a escolha do que eacute possiacutevel ou natildeo com base no orccedilamento tem que ser revista (KRELL 2002 p 53) Lembrando que a escolha hoje eacute dos oacutergatildeos representativos o autor deseja fundamentar a possibilidade desta escolha pelo Poder Judiciaacuterio

Dirley da Cunha Juacutenior tambeacutem se coloca de forma contraacuteria agrave claacuteusula da reserva do possiacutevel Aduz que a construccedilatildeo conceitual se deu na Alemanha paiacutes que vive condiccedilatildeo de desenvolvimento muito distinta da brasileira e por isso natildeo se deve absorve de logo suas construccedilotildees doutrinaacuterias Resume o seu pensamento na seguinte passagem

Num Estado em que o povo carece de um padratildeo miacutenimo de prestaccedilotildees sociais para sobreviver onde pululam cada vez mais cidadatildeos socialmente excluiacutedos e onde quase meio milhatildeo de crianccedilas satildeo expostas ao trabalho escravo enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que natildeo lhes garante a miacutenima dignidade os direitos sociais natildeo podem ficar refeacutens de condicionamentos do tipo reserva do possiacutevel Natildeo se trata de desconsiderar que o Direito natildeo tem a capacidade de gerar recursos materiais para sua efetivaccedilatildeo Tampouco negar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe Natildeo eacute este o caso pois aquele ldquoalgordquo existe e sempre existiraacute soacute que natildeo se encontra ndash este sim eacute o caso ndash devidamente distribuiacutedo Cuida-se aqui de se permitir ao Poder Judiciaacuterio na atividade de controle das omissotildees do poder puacuteblico determinar uma redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos existentes retirando-os de outras aacutereas (fomento econocircmico a empresas concessionaacuterias ou permissionaacuterias mal administradas serviccedilo da diacutevida mordomias no tratamento de certas autoridades poliacuteticas como jatinhos palaacutecios residenciais festas pomposas seguranccedilas desnecessaacuterios carros de luxo blindados comitivas desnecessaacuterias em viagens internacionais pagamento de diaacuterias excessivas manutenccedilatildeo de mordomias a ex-Presidentes da Repuacuteblica gasto em publicidade etc) para destinaacute-los ao atendimento das necessidades vitais do homem dotando-o das condiccedilotildees miacutenimas de existecircncia (CUNHA JUacuteNIOR 2008 p 713)

Flaacutevia Piovesan caminha em sentido proacuteximo ao afirmar que a efetividade da Constituiccedilatildeo natildeo estaacute condicionada ao orccedilamento puacuteblico mas ao contraacuterio eacute o orccedilamento que ldquoa partir da preferecircncia constitucional que se deu aos direitos fundamentais merecem reformulaccedilatildeo caso os recursos financeiros sejam escassos agrave cobertura geral da demanda financeira do Estadordquo (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Assim o legislador (e o administrador) natildeo teria liberdade de conformaccedilatildeo

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quando o assunto eacute a ldquodevidardquo alocaccedilatildeo de recursos para satisfaccedilatildeo dos direitos sociais (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Entende-se por este argumento que o Judiciaacuterio estaacute apto a ldquopassar por cima das deliberaccedilotildeesrdquo dos poderes representativos

Natildeo obstante a importacircncia das contribuiccedilotildees dos citados autores e o peso que seus argumentos possuem entende-se que estatildeo equivocados Apesar dos posicionamentos serem altamente bem intencionados parece que pecam pelo otimismo e acircnsia concretista estimulada pelo neoconstitucionalismo

Flaacutevio Galdino faz interessante anaacutelise desta forma de posicionamento doutrinaacuterio Assevera o autor a partir do estudo da evoluccedilatildeo doutrinaacuteria a respeito dos custos dos direitos e sua relaccedilatildeo com a proteccedilatildeo jurisdicional que este tipo de raciociacutenio pode ser classificado como ldquomodelo teoacuterico da utopiardquo Neste sentido as prestaccedilotildees puacuteblicas natildeo possuem limites Afirma o autor que natildeo se daacute a correta compreensatildeo da diferenccedila entre as prestaccedilotildees positivas e negativas na medida em que nega-se qualquer relevacircncia a ela Para esta concepccedilatildeo os recursos natildeo faltam sendo irrelevante a distinccedilatildeo (GALDINO 2005 p 186-187)

Ainda com base no pensamento de Galdino pode-se dizer que as concepccedilotildees acima aventadas assumem ainda que implicitamente os custos e disponibilidades orccedilamentaacuterias e financeiras como algo externo agrave noccedilatildeo de direito subjetivo Ou seja natildeo se analisa a possibilidade real de efetivaccedilatildeo Em siacutentese ldquoo conceito e a eficaacutecia dos direitos subjetivos especificamente considerados [] satildeo analisados em vista dos textos normativos sem qualquer consideraccedilatildeo concernente agraves possibilidades de reais efetivaccedilatildeordquo (GALDINO 2005 p 187-188)

O posicionamento do autor complementa o que se disse acima sobre a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e o ativismo judicial haacute uma hipertrofia na consideraccedilatildeo e anaacutelise do texto sem que tenha a devida atenccedilatildeo para com as possibilidades reais de concretizaccedilatildeo servindo-se de modelos ingecircnuos O aparato metodoloacutegico defendido pelos autores eacute portanto inadequado para lidar com consistecircncia e consciecircncia a problemaacutetica em questatildeo

Repetiu-se vaacuterias vezes que o Judiciaacuterio tem um papel importantiacutessimo na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Contudo eacute preciso separar o joio do trigo Defender uma posiccedilatildeo ldquoativardquo do Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo natildeo conduz Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 476

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imediatamente agrave defesa do Ativismo Judicial Este ocorre quando se vale de mecanismos interpretativos e aparatos dogmaacuteticos indevidos que acabam por sobrevalorizar a discricionariedade e a obscurecer fatores importantes que devem ser analisados A forma como a doutrina vem defendendo a concretizaccedilatildeo e os juiacutezes e tribunais decidindo acerca dos direitos sociais parece equivocada e ativista por alguns motivos

Em primeiro lugar desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o Poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Uma atuaccedilatildeo neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Depois da publicaccedilatildeo do livro de Stephen Holmes e Cass Sustein (The cost

of rights why liberty depends on texes) se tornou (ou deveria ter se tornado) lugar comum a ideia de que todos os direitos tecircm custos E isto eacute assim porque todo os direitos pressupotildee gastos mesmo aqueles que satildeo tradicionalmente chamados de direitos fundamentais negativos na medida em que sua fiscalizaccedilatildeo e salvaguarda contra violaccedilotildees exigem a existecircncia um oacutergatildeo responsaacutevel (AMARAL 2010 p 39)

Atrelada agrave ideia de custo estaacute a ideia de escassez Os recursos do mundo satildeo escassos e precisam ser distribuiacutedos As disponibilidades orccedilamentaacuterias (recursos) satildeo finitas e por isso mesmo satildeo finitas as possibilidades de atendimento agraves demandas Como afirma Gustavo Amaral com esteio em Holmes e Sustein

severas restriccedilotildees orccedilamentaacuterias implicam que algumas viacutetimas potenciais de maus-tratos tornem-se viacutetimas efeitvas e o Estado teraacute feito pouco ou nada a respeito Isso eacute deploraacutevel mas num mundo imperfeito de recursos

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limitados isto eacute tambeacutem inevitaacutevel Levar os direitos a seacuterio significa tambeacutem levar a escassez a seacuterio (AMARAL 2010 p 42)

Neste sentido fica evidente que qualquer resquiacutecio de ideia de direitos absolutos deve ser deletado Nada que exija a alocaccedilatildeo de recursos ou seja gastos monetaacuterios e decisotildees orccedilamentaacuterias pode ser absoluto Os direitos mesmos os fundamentais natildeo satildeo inviolaacuteveis peremptoacuterios e decisivos Estatildeo sujeitos a relativizaccedilotildees e processos de escolha alocativa (AMARAL 2010 p 42) A decisatildeo alocativa (uma ldquoescolha traacutegicardquo) eacute fruto da finitude dos recursos disponiacuteveis para a satisfaccedilatildeo dos direitos Possuem caraacuteter disjuntivo porque ao optar-se por uma satisfaccedilatildeo repudia-se a outra

Tal como feito acima Gustavo Amaral critica a doutrina constitucional preocupada com a concretizaccedilatildeo das normas constitucionais por natildeo levar em conta as questotildees alocativas Aduz que ldquoa nota central parece ser um otimismo positivista em que a inserccedilatildeo no campo do direito positivo afasta conjecturas sobre possibilidades faacuteticasrdquo Afirma ainda que os mesmo autores costumam admitir a existecircncia de limites reais mas simplesmente natildeo aprofundam o tema ou passam por cima dele sem grandes preocupaccedilotildees (AMARAL 2010 p 98) Eacute o caso dos autores citados e de uma vasta gama de outros autores brasileiros23

Nesta toada parece altamente proveitosa a proposta de Flaacutevio Galdino de inserir a noccedilatildeo de custos dos direitos na proacutepria ideia de direito subjetivo Defende o autor que os custos natildeo devem ser vistos como oacutebices agrave concretizaccedilatildeo de direitos mas pressupostos de realizaccedilatildeo Como natildeo se realizam direitos de fato sem a disponibilidade de recursos nada mais aconselhaacutevel do que condicionar a proacutepria existecircncia do direito agrave existecircncia de meios reais e possiacuteveis de implementaccedilatildeo Assim soacute se pode realmente falar que uma pessoa tem um direito a algo depois de verificada a possibilidade faacutetica de sua consecuccedilatildeo (GALDINO 2005 p 336-345)

Um leitor deste artigo poderia acusar seu autor de querer submeter a loacutegica juriacutedica agrave loacutegica econocircmica Nada mais distante da realidade Pelo que foi dito ateacute

23 ldquoQuem pretenda imaginar que satildeo imediatamente passiacuteveis de fruiccedilatildeo por todos os brasileiros ndash como direitos subjetivos tradicionais ndash as normas previstas na Constituiccedilatildeo Federal brasileira [] haveraacute de verificar que a Constituiccedilatildeo seja permitida a expressatildeo eacute proacutedigardquo (GALDINO 2005 p 337)

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aqui deve ter ficado claro que natildeo se subscreve com a defesa de interferecircncias indevidas e excessivas de um sistema social em outro Este tipo de interferecircncia eacute inclusive uma das facetas do que se entende por Ativismo Judicial

O que se defende eacute que se pare de ignorar uma realidade A doutrina e a jurisprudecircncia natildeo podem continuar acreditando que ldquodireitos nascem em aacutervoresrdquo Defender a hipertrofia da norma com a sobrevalorizaccedilatildeo da realidade para superar a hipertrofia do simbolismo constitucional eacute absurdo Paradoxalmente os autores que natildeo levam em conta os custos dos direitos nas suas anaacutelises e defesas da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo satildeo os que mais deixam a loacutegica econocircmica afetar o direito justamente por ignorar esta realidade

Ainda depois de tudo o que se disse um defensor mais aguerrido da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais (Ativismo em verdade) poderia dizer que insistir na possibilidade de alocaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio Parece contudo que esta natildeo eacute a posiccedilatildeo mais adequada

Como se disse a alocaccedilatildeo de recursos escassos exige escolhas traacutegicas Essas escolhas tem um niacutetido caraacuteter poliacutetico por causa da amplitude e complexidade que demandam Possibilitar ao Judiciaacuterio se avocar a ldquoalocadorrdquo de recursos eacute dizer ameacutem agrave sua politizaccedilatildeo e assim ao Ativismo Judicial Aleacutem disso eacute preciso ter em mente que as capacidades institucionais dos membros do Judiciaacuterio natildeo contribuem para uma tal defesa

Daniel Sarmento (2012 p 208) resume com precisatildeo

A realizaccedilatildeo dos direitos sociais pelo Estado daacute-se atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas cuja elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo dependem para o seu ecircxito do emprego de conhecimentos especiacuteficos Os poderes Executivo e Legislativo (mais o primeiro do que o segundo) possuem em seus quadros pessoas com a necessaacuteria formaccedilatildeo especializada para assessoraacute-los na tomada das complexas decisotildees requeridas nesta aacuterea que frequumlentemente envolvem aspectos teacutecnicos econocircmicos e poliacuteticos diversificados O mesmo natildeo ocorre no Judiciaacuterio Os juiacutezes natildeo tecircm em regra tais conhecimentos especializados necessaacuterios nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas o que se torna um elemento complicador no debate sobre a tutela judicial dos referidos direitos

A desconfianccedila que os brasileiros tecircm em relaccedilatildeo aos seus poliacuteticos natildeo pode servir de justificativa para legitimar a atuaccedilatildeo de um oacutergatildeo tecnicamente

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despreparado para lidar com a complexidade que eacute a distribuiccedilatildeo de recursos aptos a satisfazer os direitos fundamentais sociais Este tipo de decisatildeo exige a construccedilatildeo de uma ideia de conjunto algo quase impossiacutevel dentro de um processo judicial (ao menos em demandas individuais ndash que constituem a maioria nos casos de judicializaccedilatildeo de direitos sociais)

Esta questatildeo liga-se com a seguinte a tendecircncia natural de resoluccedilatildeo de demandas individualizadas O sistema processual e a proacutepria formaccedilatildeo do julgador tende a se preocupar muito mais com demandas individuais do que com demandas coletivas E infelizmente a maioria das demandas que pedem ao judiciaacuterio a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais por meio de realocaccedilatildeo de recursos tecircm sido demandas individuais Este fator gera um problema seriacutessimo de estruturaccedilatildeo do sistema como um todo

O Judiciaacuterio acaba por tentar resolver com o aval da doutrina problemas que satildeo essencialmente de macrojusticcedila com mecanismo de microjusticcedila (AMARAL 2010 p 96-97) Costuma-se natildeo levar isso muito em conta porque afinal o que eacute uma decisatildeo alocativa em comparaccedilatildeo com os milhotildees disponiacuteveis Contudo essas demandas individuais tem tendecircncia de massificaccedilatildeo Como afirma Onofre Alves Batista Juacutenior a ldquomassificaccedilatildeo dessas demandas e a multiplicaccedilatildeo de pleitos pode ocasionar a completa desarticulaccedilatildeo financeira do Estadordquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291) Assim ldquoo caminho das demandas individuais mostra-se arriscado e inadequado para a implementaccedilatildeo de direitos sociais pela possibilidade de desarticulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e pelos riscos que impotildee a uma perspectiva de atendimento isonocircmico das necessidades da coletividaderdquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291)

Estaacute-se diante de um novo paradoxo o Judiciaacuterio atuando com a boa intenccedilatildeo de preservar um suposto miacutenimo existencial de um sujeito que ajuiacuteza uma demanda individual acaba por violar outros ldquomiacutenimos existenciaisrdquo por natildeo ter a capacidade teacutecnica ou conhecimento amplo o suficiente para entender e conhecer as poliacuteticas puacuteblicas de fato existentes

Eis aqui um dos maiores problemas do Ativismo Judicial as interferecircncias sistecircmicas Como afirma Luiacutes Roberto Barroso

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o risco de efeitos sistecircmicos imprevisiacuteveis e indesejados pode recomendar em certos casos uma posiccedilatildeo de cautela e deferecircncia por parte do Judiciaacuterio O juiz por vocaccedilatildeo e treinamento normalmente estaraacute preparado para realizar a justiccedila do caso concreto a microjusticcedila Ele nem sempre dispotildee das informaccedilotildees do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisotildees proferidas em processos individuais sobre a realidade de um segmento econocircmico ou sobre a prestaccedilatildeo de um serviccedilo puacuteblico (BARROSO 2011 p 287)

Todos os argumentos aqui levantados conduzem para a perda de autonomia dos sistemas faceta do Ativismo Judicial Seja por interferecircncia excessiva no sistema poliacutetico seja por interferecircncia excessiva no sistema econocircmico ou mesmo interferecircncia nos dois sistemas ao mesmo tempo o Ativismo Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais contribui para a incapacidade do sistema de se autorreproduzir autonomamente Aleacutem disso a interferecircncia nesses sistemas acaba por exigir que o proacuteprio sistema juriacutedico se valha de criteacuterios e racionalidades proacuteprios do sistema interferido o que causa uma perda de autonomia tambeacutem do sistema juriacutedico

A espeacutecie de Ativismo aqui critica acaba por realizar um deslocamento do sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica para o Poder Judiciaacuterio Ou seja a funccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica deixa de ser dos poderes representativos e passa a ser do Judiciaacuterio Essas decisotildees pontuais (ou nem tatildeo pontuais) tomadas atraveacutes de mecanismos interpretativos inviaacuteveis ndash ou seja em desarmonia com a autonomia do direito e perpetradas sem uma atenccedilatildeo agrave integridade e coerecircncia do sistema juriacutedico ndash passam a impressatildeo de que a ordem constitucional ainda eacute legiacutetima e serve para guiar o futuro do Estado Nada obstante natildeo supera de fato a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica por atuar em acircmbitos individualizados Salvaguardam o sentido ideoloacutegico da constitucionalizaccedilatildeo sem contudo realmente concretizaacute-la de forma generalizada

Como aduz Waacutelber Araujo Carneiro

As mudanccedilas percebidas no modo como tribunais e juiacutezes veem a constituiccedilatildeo e suas possibilidades de concretizaccedilatildeo representam em verdade o deslocamento da funccedilatildeo positiva da ldquoconstitucionalizaccedilatildeo simboacutelicardquo Se a funccedilatildeo negativa () deixa de ser sustentaacutevel a funccedilatildeo positiva acabou sendo deslocada para o Judiciaacuterio uma vez que as intervenccedilotildees deste uacuteltimo (tal qual a do Constituinte) natildeo resultaratildeo em uma real e universal concretizaccedilatildeo da norma constitucional Tais intervenccedilotildees se datildeo na maioria das vezes no acircmbito de microjusticcedila () mas natildeo

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encontram respaldo poliacutetico no acircmbito de uma macrojusticcedila (CARNEIRO 2009 p 6)

Afirma-se portanto que a forma como vem se lidando com a questatildeo da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais eacute equivocada e Ativista e por isso mesmo ilegiacutetima

5 CONCLUSOtildeES

Afirmou-se no iniacutecio e em diversas passagens que a posiccedilatildeo deste trabalho eacute de que haacute sim um papel fundamental e ativo do Poder Judiciaacuterio da Concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Afirma-se agora que esse papel existe tambeacutem quando o tema eacute direitos fundamentais sociais

O constitucionalismo contemporacircneo colocou novas questotildees agrave teoria do direito e agrave teoria do direito constitucional A principal delas eacute a normatividade da Constituiccedilatildeo e de todos os seus dispositivos inclusive os que positivam os direitos sociais Nesse cenaacuterio o Judiciaacuterio assume papel importantiacutessimo

A percepccedilatildeo de que o Estado natildeo vinha conseguindo concretizar de forma generalizada os preceitos constitucionais (constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido negativo) acabou fazendo com que o Brasil recepcionasse um movimento teoacuterico intitulado neoconstitucionalismo Este movimento acaba por sobrecarregar a discricionariedade judicial e estimula a criaccedilatildeo de aparatos dogmaacuteticos e metodoloacutegicos ingecircnuos movidos por uma acircnsia concretista tambeacutem ingecircnua

Este cenaacuterio eacute propiacutecio para o surgimento do Ativismo Judicial no Brasil entendido aqui como atuaccedilatildeo discricionaacuteria do julgador movido por mecanismo interpretativos que natildeo lidam suficientemente bem com a criatividade judicial Esta situaccedilatildeo nunca seraacute totalmente impedida mas pode-se falar em niacuteveis de Ativismo O Ativismo em complemento eacute marcado pela perda de autonomia do sistema juriacutedico para os demais sistemas sociais

O lugar por excelecircncia para observaccedilatildeo deste fenocircmeno eacute o da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais Tem-se utilizado cada vez mais de mecanismo que ignoram fatores que natildeo podem ser ignorados e acredita-se (ingenuamente) na

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possibilidade de ser o Judiciaacuterio um oacutergatildeo adequado para realizaccedilatildeo de alocaccedilotildees de recursos escassos

Discorda-se deste posicionamento porque em primeiro lugar ele desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Um atuar neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Enfim critica-se o Ativismo sem abrir matildeo de algum niacutevel de judicializaccedilatildeo Judicializaccedilatildeo esta que natildeo pode se dar atraveacutes do aparato neoconstitucionalista Natildeo se pretende desmerecer por completo a importacircncia que o neoconstitucionalismo teve e tem para o direito constitucional brasileiro Longe disso Se hoje tem-se mais Constituiccedilatildeo e constitucionalismo do que tiacutenhamos em 1988 (ADEODATO 2009 p 147) um dos grandes responsaacuteveis eacute este movimento teoacuterico-ideoloacutegico Contudo eacute chegada a hora de se realizar uma parada teoacuterica para que se possadefender a Constituiccedilatildeo com mais serenidade e coerecircncia A defesa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar um agir irresponsaacutevel na sua concretizaccedilatildeo ainda que esta irresponsabilidade seja camuflada por aparatos teoacutericos e metodoloacutegicos convincentes24

24 ldquonatildeo se deve idealizar que a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por intermeacutedio da jurisdiccedilatildeo constitucional seja panaceia para resolver problemas brasileiros de ordem inteiramente distinta tais como educaccedilatildeo previdecircncia fome e violecircncia Do mesmo modo que a constitucionalizaccedilatildeo de opccedilotildees generalizadas ou seja construir novos e novos texto constitucionais por intermeacutedio de emendas e outros meios legiferantes tampouco o eacute Eacute ingecircnua essa visatildeo messiacircnica da jurisdiccedilatildeo constitucional e das competecircncias do legislativo pois o subdesenvolvimento brasileiro eacute fenocircmeno social de raiacutezes muito mais profundasrdquo (ADEODATO 2009 p 147)

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REFEREcircNCIAS

ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Adeus agrave separaccedilatildeo de poderes In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 155-165 2009 ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Limites agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos eacuteticos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 139-154 2009 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduzido por Virgiacutelio Afonso da Silva 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 AMARAL Gustavo Direito escassez e escolha Criteacuterios juriacutedicos para lidar com a escassez de recursos e as decisotildees traacutegicas 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 AacuteVILA Humberto ldquoNeoconstitucionalismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo Revista Eletrocircnica de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 17 janfevmar 2009 BARCELLOS Ana Paula Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas Revista de Direito Administrativo v 240 p 83-103 2005 BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo ativismo judicial e legitimidade democraacutetica In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda FRAGALE FILHO Roberto LOBAtildeO Ronaldo (Org) Constituiccedilatildeo amp ativismo judicial Limites e possibilidades da norma constitucional e da decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 275-290 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 271-309 BERCOVICI Gilberto MASSONETTO Luiacutes Fernando Os Direitos Sociais e as Constituiccedilotildees Democraacuteticas Brasileiras Breve Ensaio Histoacuterico In RUacuteBIO David Saacutenchez FLORES Joaquiacuten Herrera CARVALHO Salo de Direitos humanos e globalizaccedilatildeo fundamentos e possibilidades desde a teoria criacutetica 2ed Porto Alegre EDIPUCRS p 510-528 2010 BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis A jurisprudencializaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A construccedilatildeo jurisdicional do Estado Democraacutetico de Direito ndash II In STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis (Org) Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica Vol 5 Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 484

Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

CANOTILHO J J Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7 ed Coimbra Almedina 2011 CARNEIRO Waacutelber Araujo A dimensatildeo positiva dos direitos fundamentais a eacutetica e a teacutecnica entre o ceticismo descompromissado e o compromisso irresponsaacutevel In CUNHA JUacuteNIOR Dirley da DANTAS Miguel Calmon (Orgs) Desafios do Constitucionalismo Brasileiro Salvador JusPodivm p 313-328 2009 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011(texto ineacutedito cedido pelo autor) CARNEIRO Waacutelber Araujo Hermenecircutica Juriacutedica Heterorreflexiva Uma teoria Dialoacutegica do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 CASALI BAHIA Saulo Joseacute O Pode Judiciaacuterio e a efetivaccedilatildeo dos Direitos Fundamentais In CUNHA JUacuteNIO Dirley da CALMON DANTAS Miguel Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 297-311 CUNHA JUacuteNIOR Dirley da Curso de Direito Constitucional Salvador JusPodivm 2008 DWORKIN Ronald O impeacuterio do direito 2 ed Traduzido por Jefferson Luiz Camargo Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 GADAMER Hans-Georg Esboccedilo dos fundamentos de uma hermenecircutica In GADAMER Hans-Georg FRUCHON Pierre (org) O problema da consciecircncia histoacuterica 3 ed Traduzido por Paulo Ceacutesar Duque Estrada Rio de Janeiro FGV p 55-71 2006 GALDINO Flaacutevio Introduccedilatildeo agrave teoria dos custos dos direitos Direitos natildeo nascem em aacutervores Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 HESSE Konrad A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1991 KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha Os (des)caminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2002 LINHARES Joseacute Manual Aroso SILVESTRE Ana Carolina de Faria A Necessidade de (re)Pensar a Realizaccedilatildeo do Direito em Tempos de Protagonismo Judicial ndash Um Percurso Possiacutevel em Busca de uma Reflexatildeo Refundadora de um Novo Sentido Sequumlecircncia Estudos juriacutedicos e poliacuteticos vol 32 n 63 p 213-234 dez 2011 LOBAtildeO Ronaldo Curso de direito constitucional contemporacircneo os conceitos fundamentais e a construccedilatildeo do novo modelo 2ed Satildeo Paulo Saraiva 2010 LOBAtildeO Ronaldo Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008

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MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008 NEVES Marcelo A Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 NEVES Marcelo Entre Tecircmis e Leviatatilde uma relaccedilatildeo difiacutecil O Estado Democraacutetico de Direito a partir e aleacutem de Luhmann e Habermas 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 NUNES Dierle Politizaccedilatildeo do judiciaacuterio no direito comparado algumas consideraccedilotildees In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum p 31-49 2011 OLIVEIRA Rafael Tomaz de Decisatildeo judicial e o conceito de princiacutepio a hermenecircutica e a (in)determinaccedilatildeo do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 PIOVESAN Flaacutevia VIEIRA Renato Stanziola Justiciabilidade dos direitos sociais e econocircmicos no Brasil desafios e perspectivas Revista Iberoamericana de Filosofiacutea Poliacutetica y Humanidades Antildeo 8 Nordm 15 Primer semestre de 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwmprsgovbrdirhumdoutrinaid491htmgt Acesso em 28 mar 2013 RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 SARMENTO Daniel A proteccedilatildeo judicial dos direitos sociais alguns paracircmetros eacutetico-juriacutedicos In ______ Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 179-215 SARMENTO Daniel Constitucionalismo trajetoacuteria histoacuterica e dilemas contemporacircneos In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Jurisdiccedilatildeo constitucional democracia e direitos fundamentais Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes Salvador JusPodivm 2012 p 87-124 SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil Riscos e possibilidades In SARMENTO Daniel Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 233-272 2010 SILVA NETO Manoel Jorge e Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 SILVA Joseacute Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 8 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 SILVA Virgiacutelio Afonso da Direitos fundamentais conteuacutedo essencial restriccedilotildees e eficaacutecia 2 ed 2 tir Satildeo Paulo Malheiros 2011 SILVA Virgiacutelio Afonso da Interpretaccedilatildeo constitucional e sincretismo metodoloacutegico In SILVA Virgiacutelio Afonso da (Org) O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado V 4 2006 p 23-51

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

SOARES Ricardo Mauriacutecio Freire Hermenecircutica e interpretaccedilatildeo juriacutedica Satildeo Paulo Saraiva 2011 SOLIANO Vitor Ativismo Judicial no Brasil em busca de uma definiccedilatildeo 2013 Monografia (Especializaccedilatildeo em Direito Puacuteblico) ndash Instituto JusPodivm Salvador STRECK Lenio Luiz Contra o Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2011 n 4 janjun p 9-27 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica e decisatildeo juriacutedica questotildees epistemoloacutegicas In ______ STEIN Ernildo Hermenecircutica e epistemologia 50 anos de Verdade e Meacutetodo Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 p 153-172 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 1999 STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituiccedilatildeo hermenecircutica e teorias discursivas 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis Ciecircncia poliacutetica e teoria do Estado 7 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 TAVARES Andreacute Ramos O juiz ativista concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais In TAVARES Andreacute Ramos Paradigmas do judicialismo constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 59-85 TEIXEIRA Anderson Vichinkeski Ativismo judicial nos limites entre racionalidade juriacutedica e decisatildeo poliacutetica Revista Direito GV v 8 janjun p 37-58 2012 VIEIRA Oscar Vilhena Supremocracia Revista Direito GV v 4 juldez p 441-459 2008

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Robson de Vargas

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO1

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE

Robson de Vargas2

Resumo Como aspecto de garantia do proacuteprio direito agrave vida buscou-se elucidar a

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a partir da questatildeo do fornecimento de medicamentos pelo Estado Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna Poreacutem como se sabe natildeo basta o reconhecimento formal desse direito sendo necessaacuterio investigar a sua efetividade E neste contexto insere-se a problemaacutetica em torno do dever por parte do Poder Puacuteblico em fornecer medicamentos aos cidadatildeos Diante disso a partir de uma leitura histoacuterica dos direitos fundamentais pretendeu-se analisar essa questatildeo visando compreender os limites e alcances em torno do direitodever agrave sauacutede identificando-se os principais valores e princiacutepios que orientam a sua realizaccedilatildeo

Palavras-chave Direitos fundamentais Direitos sociais Direito agrave sauacutede Fornecimento de medicamentos pelo Estado

Abstract As aspect of guaranteeing the right to life itself we sought to elucidate the

effectiveness of the right to health from the issue of drug supply in the State In the 1988 Federal Constitution the right to health is inserted between social rights par excellence as provided in art 6 ordm of the Constitution However as we know not just formal recognition of this right is necessary to investigate its effectiveness And in this context part of the problem is the duty on the part of the government to provide drugs to citizens Thus from a historical reading of fundamental rights we intended to examine this issue aiming to understand the limits and reach around the right duty to health identifying the core values and principles that guide its implementation

Keywords Fundamental rights social rights right to health supply of medicaments by the state

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Ciecircncias Criminais ndash PUCRS Especialista em Direito Constitucional ndash UNESA Especialista em Ciecircncias Penais ndash PUCRS Professor na aacuterea de Direito Puacuteblico no Centro Universitaacuterio Estaacutecio de Saacute ndash Santa Catarina Advogado

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

INTRODUCcedilAtildeO

Os direitos fundamentais devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito e por isso devem ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados gerando tambeacutem eficaacutecia ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana Sendo assim constitui exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila inserindo-se neste contexto o direito agrave sauacutede

Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF) o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna E uma das formas de preservar esse direito eacute atraveacutes da garantia do fornecimento de medicamentos agrave populaccedilatildeo Entretanto algumas questotildees precisam ser observadas como por exemplo que tipo de medicamentos o Estado estaacute obrigado a custear e quem se enquadra como beneficiaacuterio dessa prestaccedilatildeo Isso porque a limitaccedilatildeo de recursos por parte do poder puacuteblico inegavelmente leva a uma delimitaccedilatildeo dos casos que seratildeo atendidos bem como de quem se enquadra como destinataacuterio

Assim seraacute apresentada uma breve evoluccedilatildeo histoacuterica dos direitos fundamentais visando demonstrar que o direito agrave sauacutede como parte dos direitos sociais encontra-se inserido em uma ordem de valores subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Em seguida seraacute apresentada e enfrentada a problemaacutetica em torno do fornecimento de medicamentos o que se daraacute a partir de postulados doutrinaacuterios e jurisprudenciais de modo a permitir compreender a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na concretizaccedilatildeo desta prestaccedilatildeo bem como o alcance do princiacutepio da reserva do possiacutevel e a representaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

1 EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO Agrave SAUacuteDE

Tradicionalmente os direitos fundamentais satildeo dispostos em trecircs grandes dimensotildees ou geraccedilotildees sendo que foi a partir das bases ideoloacutegicas constitutivas da cidadania ndash que eacute fruto da construccedilatildeo da sociedade moderna pois o termo cidadatildeo sempre se referiu a homens livres ndash que se embasou um individualismo

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racionalista surgindo primeiramente os direitos normativo-subjetivos civis e poliacuteticos e mais tarde os direitos econocircmicos e sociais

A primeira dimensatildeo dos direitos fundamentais ligada a ideia de liberdade surgiu no seacuteculo XVIII mediante as declaraccedilotildees de direitos de 1776 (Declaraccedilatildeo de Virgiacutenia) e a Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 versando acerca dos direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos em relaccedilatildeo ao Estado como forma de limitaccedilatildeo do poder estatal estando esses direitos relacionados ao desenvolvimento do Estado Moderno em sua primeira variante liberal

Essa primeira dimensatildeo tem por fundamento jusfilosoacutefico o pensamento iluminista que pregava limites agrave intervenccedilatildeo estatal em relaccedilatildeo agrave esfera de liberdades individuais dos cidadatildeos Enquadram-se nesta categoria os direitos agrave vida liberdade propriedade igualdade perante a lei e algumas garantias processuais

Jaacute a segunda dimensatildeo dos direitos fundamentais tem como marcos de referecircncia a Constituiccedilatildeo Mexicana (1917) e de Weimar (1919) e por influecircncia da revoluccedilatildeo Russa eacute denominada de direitos econocircmicos e sociais Os direitos de segunda dimensatildeo deveriam ser patrocinados pelo Estado atraveacutes de accedilotildees prestacionais positivas aspirando realizar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana mitigado pelo Estado de Direito Liberal

Conforme esclarece Ingo Wolfgang Sarlet os direitos de segunda dimensatildeo natildeo satildeo de liberdade do e perante o Estado mas de liberdades por intermeacutedio do Estado sendo que caracterizam-se por conceder ao indiviacuteduo direitos a prestaccedilotildees sociais estatais como por exemplo assistecircncia social sauacutede educaccedilatildeo e trabalho Essa segunda dimensatildeo de direitos fundamentais sustenta a ideia de uma justiccedila distributiva (igualdade) visando proteger especialmente os pobres e pretendendo combater as desigualdades sociais (SARLET 2009 p 47)

Esta incorporaccedilatildeo dos direitos sociais ao discurso da cidadania foi o aporte para o surgimento do Estado de bem-estar social superando a visatildeo liberal-individualista proposto pela classe burguesa Desta forma mediante o surgimento da cidadania social o Welfare State busca suprir e conter os excessos individualistas do modelo liberal atraveacutes da intervenccedilatildeo Nessa perspectiva concede a passagem

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

da cidadania liberal para a cidadania social como uma natural decorrecircncia da insuficiecircncia do liberalismo econocircmico

Jaacute a terceira dimensatildeo dos direitos fundamentais eacute conhecida como a dimensatildeo dos direitos de fraternidade e de solidariedade por causa da titularidade dos direitos que transcende o homem-indiviacuteduo para alcanccedilar determinados grupos humanos como a famiacutelia os consumidores o povo a naccedilatildeo etc Eacute por isso que os direitos fundamentais de terceira dimensatildeo satildeo classificados em coletivos e difusos (o gecircnero humano eacute destinataacuterio de proteccedilatildeo) constando ainda a proteccedilatildeo ao meio ambiente ao desenvolvimento sustentaacutevel a qualidade de vida ao patrimocircnio comum da comunidade agrave paz agrave autoderminaccedilatildeo dos povos entre outros

Segundo lembra Sarlet no concernente a positivaccedilatildeo desses direitos de terceira dimensatildeo a maior parte deles natildeo encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional estando em fase de consagraccedilatildeo no acircmbito do direito internacional o que explica o grande nuacutemero de tratados e documentos transnacionais nesta seara (SARLET 2009 p 49)

Destaca-se ainda que entre alguns doutrinadores paacutetrios dentre eles Paulo Bonavides existe a aceitaccedilatildeo da ideia de uma quarta e ateacute quinta dimensatildeo dos direitos fundamentais Enquanto os de quarta dimensatildeo guardam relaccedilatildeo com o direito agrave democracia informaccedilatildeo e pluralismo os direitos de quinta dimensatildeo compreendem os direitos virtuais buscando-se proteger a honra e a imagem da pessoa humana frente aos meios de comunicaccedilatildeo eletrocircnica (BONAVIDES 1997 p 524-526)

Por fim eacute de se destacar que essa distinccedilatildeo das diversas dimensotildees que marcam a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute estabelecida visando situar os diferentes momentos histoacutericos em que esses direitos foram surgindo especialmente como reivindicaccedilotildees acolhidas pelo ordenamento juriacutedico Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco a visatildeo dos direitos fundamentais em dimensotildees representa sua evoluccedilatildeo no tempo natildeo sendo correto deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade sendo que cada direito de cada dimensatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo desse quadro evolutivo (MENDES COELHO BRANCO 2009 p 268)

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11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988

O cataacutelogo de direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988 resultou de um amplo processo de discussotildees oportunizado com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutes apoacutes mais de duas deacutecadas de ditadura militar Conforme destaca Flaacutevia Piovesan eacute de se considerar a Carta de 1988 como um verdadeiro marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico que por sua vez alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria (PIOVESAN 2006 p 2)

O proacuteprio preacircmbulo da Carta Magna realccedila um compromisso com os direitos fundamentais ao gravar que a sua promulgaccedilatildeo se baseava em um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade

Ainda seguindo o magisteacuterio de Sarlet eacute possiacutevel afirmar que trecircs caracteriacutesticas podem ser atribuiacutedas a Constituiccedilatildeo de 1988 como extensivas ao tiacutetulo dos direitos fundamentais seu caraacuteter analiacutetico seu pluralismo e seu forte cunho programaacutetico e dirigente O cunho analiacutetico reflete-se no Tiacutetulo II ndash Dos Direitos e Garantias Fundamentais face o seu grande nuacutemero de dispositivos legais O caraacuteter pluralista eacute representado pela reuniatildeo de dispositivos reconhecendo um grande gama de direitos sociais ao lado dos direitos claacutessicos e de novos direitos Jaacute o caraacuteter programaacutetico resulta de um grande nuacutemero de disposiccedilotildees constitucionais dependentes de regulamentaccedilatildeo legislativa embora amenizado no concernente aos direitos fundamentais especialmente em face do art 5ordm sect 1ordm da CF (as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tecircm aplicaccedilatildeo imediata) (SARLET 2009 p 64)

Essa proteccedilatildeo conferida aos direitos fundamentais manifesta-se ainda com o reconhecimento da ldquogarantia de eternidaderdquo pelo fato de estarem resguardados como claacuteusulas peacutetreas conforme prevecirc o art 60 sect 4ordm da CF Eacute de se destacar o extenso rol de incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo o qual contempla direitos fundamentais das diversas dimensotildees Dos arts 6ordm ao 11 da CF estatildeo estabelecidos os direitos sociais (que vinham sendo desde 1934 inseridos no

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Capiacutetulo da Ordem Econocircmica e Social) seguindo-se ainda o direito a nacionalidade e os direitos poliacuteticos Mas importa registro que o conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais reconhecido no art 5ordm sect 2ordm da CF assinala a existecircncia de outros direitos fundamentais em outros artigos da Constituiccedilatildeo inclusive em tratados internacionais

Os direitos fundamentais representam um verdadeiro sistema de direitos o qual se condiciona pelo princiacutepio da aplicabilidade imediata e espelham a concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana Por isso devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito merecendo ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados

A dignidade da pessoa humana estaacute consubstanciada no respeito pela vida integridade fiacutesica e moral do ser humano em busca de condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna A Constituiccedilatildeo de 1988 foi o primeiro ordenamento do constitucionalismo brasileiro a estabelecer um tiacutetulo proacuteprio aos Princiacutepios Fundamentais tendo sido tambeacutem a primeira a elevar a dignidade humana em niacutevel de princiacutepio fundamental Tais princiacutepios estatildeo prescritos no Tiacutetulo I da Magna Carta e catalogados em quatro artigos

E ao delinear o valor da dignidade da pessoa humana observa-se que esse princiacutepio assume importante funccedilatildeo demarcatoacuteria podendo servir de paracircmetro para avaliar qual o padratildeo miacutenimo em direitos fundamentais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido e preservado

E neste vieacutes mostra-se relevante a proteccedilatildeo judicial aos direitos fundamentais permitindo-se aos indiviacuteduos informar as violaccedilotildees aos seus direitos mas acima de tudo exigir que tais violaccedilotildees sejam evitadas ou saneadas Para Paulo Maacutercio Cruz a proteccedilatildeo judicial representa atualmente um elemento fundamental do sistema constitucional jaacute que faz parte da ordem constitucional o direito de todo indiviacuteduo recorrer aos tribunais para defender suas pretensotildees Segundo ele ldquoa aplicabilidade direta dos direitos e garantias fundamentais eacute a regra na quase totalidade dos paiacuteses do Ocidente e portanto sua proteccedilatildeo imediatardquo (CRUZ 2008 p 176)

Por fim eacute de se asseverar conforme ensina Branco que os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da garantia de posiccedilotildees individuais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 488-506 493

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passando a alcanccedilar a estatura de normas que filtram os valores baacutesicos da sociedade irradiando-se para todo o direito positivo Com isso forma a base do ordenamento juriacutedico de um Estado Democraacutetico de Direito (MENDES COELHO 2009 p 300)

12 A sauacutede como direito fundamental

O direito agrave sauacutede eacute um dos mais amplos e completos direitos no aspecto das dimensotildees dos direitos fundamentais A Constituiccedilatildeo de 1988 foi a primeira a reconhecer o direito agrave sauacutede como direito fundamental de dimensatildeo social sendo que as Constituiccedilotildees de 1934 1937 e 1967 apenas referiam o direito agrave sauacutede na parte da distribuiccedilatildeo das competecircncias O legislador constituinte jaacute no art 3ordm da CF reconheceu como objetivos fundamentais da Repuacuteblica Federativa do Brasil a construccedilatildeo de uma sociedade solidaacuteria com a promoccedilatildeo do bem de todos a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicaccedilatildeo da pobreza e de toda e qualquer forma de marginalizaccedilatildeo

O direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da CF O proacuteprio texto constitucional trata do direito agrave sauacutede no Tiacutetulo VIII merecendo destaque o art 196 da CF que dispotildee ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Tambeacutem encontra fundamento no art 170 da CF (Dos Princiacutepios Gerais da Atividade Econocircmica) o qual estabelece como escopo da ordem econocircmica assegurar a todos uma existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social Jaacute o art 193 da CF destaca que a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiccedila social sendo a garantia do direito a sauacutede um dos principais instrumentos

No art 194 da CF restou definido que a seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave previdecircncia e agrave assistecircncia social tendo o paraacutegrafo uacutenico no seu inciso I definido como objetivo a

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universalidade da cobertura e do atendimento e no inciso V a equidade na forma de participaccedilatildeo no conjunto integrado dessas accedilotildees

Cumpre registrar tambeacutem o caraacuteter prioritaacuterio agraves atividades preventivas para assegurar o direito agrave sauacutede conforme preceitua o art 198 inciso II da CF reconhecendo como uma das diretrizes do SUS - Sistema Uacutenico de Sauacutede o atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assistenciais

Pode-se reconhecer que os direitos sociais encontram-se inseridos em uma ordem de valor subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Como ensina Miguel Reale sob o prisma da dimensatildeo subjetiva representa a possibilidade de exigir-se de maneira garantida aquilo que as normas de direito atribuem a algueacutem como proacuteprio Trata-se do poder de exigir judicialmente o devido cumprimento do direito Jaacute a ordem de valor objetiva traduz a observacircncia de todos a esses direitos vinculando especialmente a atuaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos (REALE 2000 p 262)

Diante disso podemos reconhecer que a sauacutede eacute um dos principais direitos

fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a

adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem

estar de todos Poreacutem o direito agrave sauacutede dificilmente seraacute alcanccedilado de forma

absoluta e incondicional pelo Estado o que natildeo significa que o mesmo natildeo deva

ser entendido como um legiacutetimo valor constitucional que assegura agrave pessoa

humana em especial aos mais vulneraacuteveis o acesso agraves prestaccedilotildees materiais

necessaacuterias as atividades preventivas e agrave proteccedilatildeo da sauacutede para o

desenvolvimento de uma vida digna

Assim eacute inquestionaacutevel a fundamentalidade do direito agrave sauacutede jaacute que

representa um bem jusfundamental assegurado pela ordem constitucional sendo um

dos mais amplos e completos direitos fundamentais no aspecto dimensional Por

outro lado vale destacar que no campo da sua efetividade eacute necessaacuterio buscar

extrair sua forccedila maacutexima papel que cabe a doutrina e jurisprudecircncia mas acima de

tudo aos entes da federaccedilatildeo

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2 O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

Como todo cidadatildeo pode levar agrave apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio qualquer lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direito conforme autoriza o art 5ordm inciso XXXV da CF esta problemaacutetica constantemente acaba sendo decida pelo Poder Judiciaacuterio o que gera uma tormentosa discussatildeo em torno do controle jurisdicional das opccedilotildees legislativas de concretizaccedilatildeo desse direito

Por outro lado eacute importante observar que eacute uma exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila e dentre eles se encontra o direito agrave sauacutede Deste modo diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para isso torna-se salutar garantir minimamente a efetividade desse direito assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede

Desde o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 se tornou recorrente no Poder Judiciaacuterio litiacutegios acerca da interpretaccedilatildeo da integralidade e igualdade do tratamento de sauacutede bem como sobre a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na implementaccedilatildeo e tutela do direito agrave sauacutede E o que se tem visto de maneira recorrente eacute o julgamento favoraacutevel de processos quando o cidadatildeo necessita de medicamentos Diante disso eacute necessaacuterio compreender a forccedila juriacutedica do direito agrave sauacutede assim como a interpretaccedilatildeo dos tribunais em torno do dever do Estado em prestar medicamentos especialmente como forma de efetividade do desse direito

Deste modo a partir da identificaccedilatildeo de alguns valores e princiacutepios que impulsionam a realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede se apresenta uma anaacutelise acerca da obrigaccedilatildeo do Estado no fornecimento de medicamentos especialmente considerando o princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

21 A obrigaccedilatildeo do Estado

Como expotildee Sarlet o direito agrave sauacutede integra o sistema de proteccedilatildeo da seguridade social se manifestando de forma mais contundente a vinculaccedilatildeo do seu

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

objeto (prestaccedilotildees materiais na esfera da assistecircncia meacutedica hospitalar etc) com o direito agrave vida e ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana E por ser um direito fundamental o qual possui um grau maacuteximo de juridicidade e normatividade deve-se buscar sempre sua efetividade a qual nem sempre eacute materializada (SARLET 2009 p 322)

A questatildeo eacute complexa Os entes da federaccedilatildeo encaram o direito agrave sauacutede como norma programaacutetica de modo que em natildeo existindo dinheiro disponiacutevel no orccedilamento puacuteblico destinado para o fornecimento de medicamentos ou se o medicamento solicitado natildeo integrar a portaria GM 25772006 do Ministeacuterio da Sauacutede haveria afronta agrave ordem puacuteblica em termos administrativos jaacute que o fornecimento desses medicamentos encontra-se agrave margem do programa oficial do Estado o qual deve zelar pela programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria e evitar lesatildeo para a economia puacuteblica

Aleacutem disso haveria ofensa tambeacutem a proacutepria sauacutede puacuteblica pois o fornecimento de medicamentos natildeo previstos nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede compromete a racionalizaccedilatildeo do sistema de fornecimento de medicamentos para a populaccedilatildeo de uma maneira geral Todavia embora se reconheccedila que as poliacuteticas de sauacutede implicam a formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de um planejamento amplo elaborado a partir da avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo real e da identificaccedilatildeo dos meios escassos disponiacuteveis com escolha das prioridades a serem atendidas e das metas a ser alcanccedilado o Judiciaacuterio tem assegurado o acesso aos medicamentos quando o cidadatildeo eacute pessoa hipossuficiente quando a enfermidade em questatildeo eacute muito grave e quando haacute urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento

Isso porque o legislador constitucional erigiu o direito agrave sauacutede ao niacutevel dos direitos sociais fundamentais impondo ao Estado a obrigaccedilatildeo de atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas implementar normas e accedilotildees destinadas agrave concretizaccedilatildeo deste direito Ao tratar da responsabilidade do Estado e o direito agrave sauacutede Joseacute Afonso da Silva citando Canotilho e Vital Moreira destaca que esse direito comporta duas vertentes sendo uma negativa que consiste no direito a exigir do Estado que se abstenha de qualquer ato que prejudique a sauacutede e outra de natureza positiva que significa o direito agraves medidas e prestaccedilotildees estaduais visando agrave prevenccedilatildeo das doenccedilas e o tratamento delas Observa ainda que os arts 196 198 e 200 da CF

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tratam de um direito positivo que exige prestaccedilotildees do Estado e que impotildee aos entes puacuteblicos a realizaccedilatildeo de determinadas tarefas de cujo cumprimento depende a proacutepria realizaccedilatildeo do direito e do qual decorre um especial direito subjetivo (SILVA 2000 p 312-313)

O proacuteprio Supremo Tribunal Federal por diversas ocasiotildees jaacute acentuou a importacircncia da efetivaccedilatildeo de programas sociais que concretizem os preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais A esse respeito destaca-se o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinaacuterio nordm 271286 do qual foi relator o Ministro Celso de Mello Naquele julgamento foi mantida a condenaccedilatildeo do Municiacutepio de Porto Alegre solidariamente com o Estado do Rio Grande do Sul obrigando-se ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessaacuterios ao tratamento da AIDS aos portadores do viacuterus HIV carentes

Na ementa ficou gravado que o direito puacuteblico subjetivo agrave sauacutede representa prerrogativa juriacutedica indisponiacutevel assegurada agrave generalidade das pessoas pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal Traduz bem juriacutedico constitucionalmente tutelado por cuja integridade deve velar responsavelmente o Poder Puacuteblico a quem incumbe formular ndash e implementar ndash poliacuteticas sociais e econocircmicas idocircneas que visem a garantir aos cidadatildeos inclusive agravequeles portadores do viacuterus HIV o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica e meacutedico-hospitalar Reconheceu-se tambeacutem que o direito agrave sauacutede aleacutem de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequecircncia constitucional indissociaacutevel do direito agrave vida Deste modo o Poder Puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional

Por fim reconheceu-se que a interpretaccedilatildeo da norma programaacutetica natildeo pode transformaacute-la em promessa constitucional inconsequente sob pena de o Poder Puacuteblico fraudando as justas expectativas da coletividade substituir ilegitimamente o cumprimento de seu inafastaacutevel dever por um gesto irresponsaacutevel de infidelidade governamental ao que prevecirc a Constituiccedilatildeo Federal O reconhecimento pelo Poder Judiciaacuterio da validade juriacutedica de programas de distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

daacute efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo Federal e representa um gesto reverente e solidaacuterio de valor agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente daquelas que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial dignidade

Esse julgamento esclarece agrave posiccedilatildeo adotada pelo STF para questotildees desta natureza Em harmonia com as normas constitucionais a Lei 80801990 que cuida do Sistema Uacutenico de Sauacutede eacute tambeacutem reflexo do direito agrave assistecircncia social destinando-se ainda a resguardar a sauacutede dos cidadatildeos carentes Eacute o que prevecirc o seu art 2ordm quando estatui ser a sauacutede um direito fundamental do ser humano devendo o Estado prover as condiccedilotildees indispensaacuteveis ao seu pleno exerciacutecio E esse dever estatal consiste na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas econocircmicas e sociais que visem agrave reduccedilatildeo de riscos e de outros agravos e no estabelecimento de condiccedilotildees que assegurem acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e aos serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Tambeacutem merece destaque o art 4ordm da Lei 80801990 ao explicitar que o conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede prestados por oacutergatildeos e instituiccedilotildees puacuteblicas federais estaduais e municipais da Administraccedilatildeo direta indireta e das fundaccedilotildees mantidas pelo Poder Puacuteblico constitui o Sistema Uacutenico de Sauacutede

Com todo este fundamento legal reconhecidamente protetor natildeo se pode interpretar a Constituiccedilatildeo Federal e a proacutepria Lei 80801990 de outra forma que natildeo extensivamente para reconhecer o dever dos entes da federaccedilatildeo a fornecer medicamentos desde que sejam os destinataacuterios pessoas carentes a enfermidade em questatildeo seja muito grave e quando existir urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento solicitado

Nesse sentido podemos mencionar ainda o Recurso Extraordinaacuterio (RE) nordm 242859 de relatoria do Ministro Ilmar Galvatildeo 1ordf Turma publicado no DJ de 29061999 o RE nordm 264269-AgR cujo relator foi o Ministro Neacuteri da Silveira 1ordf Turma publicado no DJ de 26052000 o RE nordm 255627-AgR em que foi relator o Ministro Nelson Jobim 2ordf Turma publicado no DJ de 21112000 e ainda o RE nordm 271286-AgR de relatoria do Ministro Celso de Mello 2ordf Turma publicado no DJ de 12092000 entre outros

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Assim a obrigaccedilatildeo de prestar medicamentos pelo Estado natildeo eacute ilimitada e incondicional sendo necessaacuterio analisar a gravidade da enfermidade a condiccedilatildeo financeira do requerente e a urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento Por outro lado eacute importante reconhecer que a impossibilidade de acesso a medicamentos necessaacuterios agrave sobrevivecircncia digna acaba sempre por agravar o direito agrave sauacutede e consequentemente agrave proacutepria vida

Ao que parece eacute equilibrado que o Poder Legislativo atue estabelecendo leis que assegurem o acesso aos medicamentos necessaacuterios que o Poder Executivo implemente poliacuteticas sociais que objetivem a otimizaccedilatildeo do uso de seus recursos financeiros promovendo dessa forma a sauacutede e o atendimento isonocircmico entre os titulares do direito ao fornecimento de medicamentos e por fim que o Poder Judiciaacuterio verifique e julgue a constitucionalidade da poliacutetica eleita

Diante disso importa ressaltar que embora a realizaccedilatildeo da justiccedila social seja dependente de recursos do Estado haacute de se encontrar caminhos para a sua materializaccedilatildeo natildeo parecendo adequado que o Poder Judiciaacuterio fique a mercecirc de um Poder Legislativo e Executivo inoperante na realizaccedilatildeo de suas atribuiccedilotildees ou competecircncia o que sem sendo tratado como uma ldquodificuldade contramajoritaacuteriardquo que nada mais eacute do que a falta de legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para fixar poliacuteticas puacuteblicas no lugar do legislador eou administrador eleitos pelo povo

22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo

A sauacutede eacute um dos principais direitos fundamentais prestacionais impondo a todos os entes federativos o dever compartilhado e solidaacuterio correspondente visando agrave adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos A Constituiccedilatildeo Federal ao prever um vasto elenco de direitos sociais prestacionais obrigou a Uniatildeo os Estados e tambeacutem os Municiacutepios a assegurar de maneira solidaacuteria o direito agrave sauacutede especialmente aos carentes os quais natildeo possuem condiccedilotildees econocircmicas de ter acesso aos medicamentos indispensaacuteveis agrave proacutepria vida

Deste modo quando o pedido de medicamentos natildeo estiver contemplado em determinada poliacutetica puacuteblica estatal especiacutefica (federal estadual ou municipal) e

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

jaacute em fase de execuccedilatildeo a solicitaccedilatildeo pelos medicamentos deve ser direcionada em desfavor de todos os entes da federaccedilatildeo jaacute que o direito agrave sauacutede natildeo pode ser reduzido a uma promessa constitucional

Merece registro o julgamento pelo STF do RE nordm 393175-AgR da 2ordf Turma publicado no DJ de 02022007 em que o relator Ministro Celso de Mello asseverou que o poder puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa brasileira natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Essa orientaccedilatildeo vem sendo consolidada na jurisprudecircncia paacutetria

Mas parece claro que o art 198 da CF natildeo veda que a legislaccedilatildeo infraconstitucional atribua prestaccedilotildees especiacuteficas a determinada esfera de governo ateacute mesmo como estrateacutegia de gestatildeo Assim quando houver norma atribuindo o dever de prestar determinado serviccedilo de sauacutede ou dispensar determinado tipo de medicamento a um determinado ente da federaccedilatildeo apenas este eacute que deveraacute figurar no poacutelo passivo da demanda caso contraacuterio o dever seraacute sempre solidaacuterio entre as trecircs esferas de estatais

Dessa forma parece que natildeo haacute duacutevidas de que existe uma responsabilidade solidaacuteria entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata do direito agrave sauacutede cabendo ao cidadatildeo necessitado escolher quem deveraacute lhe fornecer o medicamento pleiteado O art 198 paraacutegrafo uacutenico da CF estabelece que o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute firmado nos termos do art 195 com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes legais A Lei 808090 disciplina o SUS atribuindo a todos os entes da federaccedilatildeo a prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo podendo o cidadatildeo optar por aquele que venha a prestar assistecircncia agrave sua sauacutede atraveacutes do fornecimento de medicamentos

Diante disso a regra eacute a da solidariedade pura entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata de sauacutede puacuteblica cabendo ao cidadatildeo requerente optar quem deveraacute lhe fornecer o medicamento de que necessita No julgamento do Mandado de Seguranccedila 17425MG publicado no DJ em 22112004 de relatoria da Ministra Eliana Calmon a 2ordf Turma do Superior Tribunal de Justiccedila decidiu que o

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fornecimento gratuito de medicamento eacute dever liacutequido e certo do Estado competindo agrave Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios o seu cuidado conforme estabelece o art 23 II da CF bem como a organizaccedilatildeo da seguridade social garantindo a universalidade da cobertura e do atendimento tudo conforme o art 194 paraacutegrafo uacutenico inciso I todos da Carta Magna

Por se tratar o fornecimento de medicamentos de uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute possiacutevel exigir a prestaccedilatildeo de qualquer um ou de todos os entes federativos A escolha cabe ao cidadatildeo ao formular o seu pedido Deste modo reconhece-se no poacutelo passivo de uma accedilatildeo de medicamentos um litisconsoacutercio facultativo e natildeo obrigatoacuterio pois a responsabilidade solidaacuteria dos entes puacuteblicos natildeo obriga ao chamamento ao processo ou a denunciaccedilatildeo agrave lide de outros entes natildeo demandados pelo requerente

Diferente natildeo eacute com o funcionamento do SUS o qual eacute de responsabilidade solidaacuteria da Uniatildeo Estados e Municiacutepios de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no poacutelo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para pessoas carentes Nesse sentido eacute de se destacar a decisatildeo do STJ proferida pelo Ministro Humberto Martins no julgamento do Recurso Especial nordm 1103889RN publicado no DJ de 19032009 Segundo ele o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute financiado com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes O texto constitucional faz referecircncia agraves trecircs esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade de tal forma que natildeo haacute que se falar em litisconsoacutercio

O STF tambeacutem jaacute se manifestou no sentido de admitir a escolha pelo autor do ente da federaccedilatildeo contra quem deseja solicitar medicamentos como se vecirc no julgamento do Agravo de Instrumento nordm 597141RS de relatoria da Ministra Carmen Luacutecia publicado no DJ de 29062007 Ficou decidido que em razatildeo da responsabilidade prevista no artigo 196 da CF a legitimidade passiva para a causa consiste na coincidecircncia entre a pessoa do reacuteu e a pessoa de qualquer um dos vaacuterios entes federativos A presenccedila de um dos vaacuterios legitimados no poacutelo passivo da relaccedilatildeo processual decorre da escolha do demandante jaacute que todos e qualquer um deles tem o dever de cuidar da sauacutede e assistecircncia puacuteblica na forma do inciso II do art 23 da CF

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Sendo assim o cumprimento do dever poliacutetico-constitucional consagrado no

art 196 da CF consistente na obrigaccedilatildeo de assegurar a todos a proteccedilatildeo agrave sauacutede

representa fator que associado a um imperativo de solidariedade social impotildee-se

como medidas positivas ao poder puacuteblico seja atraveacutes da Uniatildeo dos Estados ou

Municiacutepios

3 O PRINCIacutePIO DA RESERVA DO POSSIacuteVEL E O NUacuteCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Embora haja entendimentos favoraacuteveis ao ldquoPrinciacutepio da Reserva do

Possiacutevelrdquo segundo o qual o juiz natildeo pode alcanccedilar direitos sem que existam meios

materiais disponiacuteveis para tanto as limitaccedilotildees ou dificuldades orccedilamentaacuterias natildeo se

prestam por si soacute como pretexto para negar o direito agrave sauacutede e agrave vida garantido no

art 196 da CF

A Lei 80801990 em seu art 2ordm repetiu que a sauacutede eacute um direito

fundamental do ser humano incumbindo ao Estado prover as condiccedilotildees ao seu

pleno exerciacutecio disciplinando o SUS incumbindo aos entes da federaccedilatildeo a

prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo Diante disto natildeo haacute que se dar

acolhida ao argumento da inexistecircncia de previsatildeo orccedilamentaacuteria por parte do

Estado uma vez que caracterizada a urgecircncia do atendimento devido ao cidadatildeo

carente deve-se primar pelo direito agrave vida acima de tudo

A Constituiccedilatildeo Federal eacute expressa ao assegurar o direito agrave vida e o direito agrave

sauacutede como garantias fundamentais instituiacutedas em norma de caraacuteter imperativo

autoaplicaacuteveis de acordo com a responsabilidade solidaacuteria dos entes federativos

Haacute um bem maior que eacute a vida com um respectivo direito agrave sauacutede assegurado

constitucionalmente como direito fundamental bem este que tem o maior valor

devendo ser sempre o bem preponderante sobre os demais direitos assegurados no

texto constitucional significando que entre os dois valores em jogo direito agrave vida e o

direito do ente puacuteblico de bem gerir as verbas puacuteblicas sob qualquer oacutetica deve

prevalecer o bem maior Assim eacute desnecessaacuteria a previsatildeo orccedilamentaacuteria ou a

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licitaccedilatildeo para a aquisiccedilatildeo dos medicamentos solicitados quando necessaacuterios agrave

sobrevivecircncia digna do ser humano

Ainda frente agrave necessidade de se alcanccedilar medicamentos a quem tem

urgecircncia no pleito a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes natildeo merece

acolhida natildeo havendo duacutevida quanto agrave prioridade absoluta do direito subjetivo

postulado isso porque o Judiciaacuterio natildeo estaacute criando poliacutetica puacuteblica mas apenas

determinando o seu cumprimento o que precisa ficar claro jaacute que se trata de uma

das marcas da justiccedila constitucional na contemporaneidade (BOLZAN DE MORAIS

2010 p 150)

Diante disso visando agrave declaraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo dos direitos e demandas

sociais bem como a correccedilatildeo dos defeitos legislativos o ativismo judicial enquanto

ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio voltada para a concretizaccedilatildeo de direito e

demandas sociais atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional estaacute ligado agrave

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional num claro propoacutesito de afirmaccedilatildeo do princiacutepio

da sumpremacia da Constituiccedilatildeo

E essa atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio natildeo eacute uma atuaccedilatildeo poliacutetica partidaacuteria

mas poliacutetica institucional num indiscutiacutevel propoacutesito de resguardar aquilo que eacute

fundamental Deste modo o ativismo judicial longe estaacute de ser uma afronta ao

Estado Democraacutetico de Direito pelo contraacuterio o reaccedila e o fortalece Por isso eacute

fundamental fazer avanccedilar a hermenecircutica constitucional mediante a sistematizaccedilatildeo

completa da concepccedilatildeo espacial do conteuacutedo total das normas constitucionais

O conteuacutedo total de um direito constitucional possui uma parte central

representada pelo seu nuacutecleo essencial isto eacute seu conteuacutedo miacutenimo e uma parte

ponderaacutevel sujeita a teacutecnicas de avaliaccedilatildeo em caso de conflito com outros direitos

constitucionais No acircmbito do direito agrave sauacutede eacute necessaacuterio preservar a ideia de um

conteuacutedo miacutenimo no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Estado

Por consequecircncia sendo o cidadatildeo pessoa carente com uma enfermidade grave e

existindo urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento o Estado precisa criar condiccedilotildees

em atender essa necessidade elevando dessa forma efetividade a dignidade

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

humana princiacutepio que serve de inspiraccedilatildeo para o reconhecimento e o

desenvolvimento de um Estado Democraacutetico de Direito

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para tanto torna-se salutar garantir minimamente a efetividade natildeo soacute do direito agrave sauacutede mas de todos os direitos fundamentais inerentes agrave pessoa humana assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede pois trata-se de um dos principais direitos fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos

Esse esforccedilo eacute conjunto a responsabilidade eacute de todos e natildeo pode ser negligenciada Deve ser uma pauta contiacutenua sem antinomias (BARROSO 2004 p 9) a ser garantida pelo sistema normativo e poliacutetico a ponto de tornar os valores e princiacutepios constitucionais uma realidade

REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 BOLZAN DE MORAIS Jose Luis O estado constitucional diaacutelogos (ou a falta deles) entre justiccedila e poliacutetica In Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica ndash Anuaacuterio do Programa de Poacutes-Graduccedilatildeo em Direito da Unisinos n 7 Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 7 ed Satildeo Paulo Malheiros 1997 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Satildeo Paulo Saraiva 2010 CRUZ Paulo Maacutercio Fundamentos do direito constitucional 2 ed Curitiba Juruaacute 2008 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 4 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2006

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REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de direito 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 2000 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 17 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA1

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME

Luiacutes Henrique Bortolai2

Juliane Cavalcanti Pereira3

Resumo O presente trabalho objetiva uma anaacutelise criacutetica acerca da possibilidade de

incidecircncia do instituto da imunidade tributaacuteria aos livros eletrocircnicos recente evoluccedilatildeo tecnoloacutegica que tem se revelado um objeto presente na realidade social brasileira principalmente devido ao acesso aos meios de comunicaccedilatildeo Esse estudo almeja a apresentaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo que busque trazer maior efetivaccedilatildeo as disposiccedilotildees constitucionais propondo atingir o maacuteximo de sua realizaccedilatildeo possibilitando o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel

Palavras-chave Imunidade tributaacuteria livro eletrocircnico ordenamento juriacutedico brasileiro Constituiccedilatildeo Federal

Abstract This paper engages in a critical analysis of the possibility of incidence of

the institute of tax immunity over electronic books recent technological developments it has been an object present in the Brazilian social reality mainly due to access to the medium This study aims at presenting an interpretation that seeks to bring greater effectiveness constitutional provisions proposing achieve maximum realization enabling access to culture and knowledge available

Keywords Tax immunity electronic book Brazilian law the Federal Constitution

1 Artigo submetido em 01062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 03072013 e 09092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 09092013

2 Doutorando em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Mestre em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Especialista em Direito Tributaacuterio pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de CampinasSP (PUC-Campinas) Membro da Comissatildeo de Cursos e Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Secccedilatildeo CampinasSP Advogado em CampinasSP Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie ndash Campus Campinas E-mail ltborto04hotmailcomgt

3 Graduanda em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas E-mail ltjuliane_jujuhotmailcomgt

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 507

Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo objetiva de forma pontual possibilitar um estudo aprofundado sobre a interaccedilatildeo entre a imunidade tributaacuteria e o livro eletrocircnico tomando como base a jurisprudecircncia e a doutrina de modo a concluir as disposiccedilotildees apresentadas especialmente tomando como base os julgados tribunais superiores e focando no tribunal de segunda instacircncia do Estado de Satildeo Paulo

A proposta apresentada para o desenvolvimento do presente trabalho se refere a possibilidade ou natildeo da disposiccedilatildeo contida no artigo 150 inciso IV aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil4 ser aplicada ao livro eletrocircnico Tal questionamento busca abordar um tema atual e presente no cotidiano das pessoas graccedilas principalmente as inovaccedilotildees e mudanccedilas que a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica tecircm trazido ao ordenamento juriacutedico brasileiro conjuntamente com a telefonia moacutevel e a banda larga

O presente trabalho natildeo busca esgotar a mateacuteria apresentada mas apenas trazer uma abordagem diferenciada acerca do assunto com uma visatildeo atual deste tema tatildeo relevante que a cada dia que passa assume especial atenccedilatildeo dos inteacuterprete-aplicadores devido aos desdobramentos intriacutensecos e extrinsecos do tema

1 DISCUSSAtildeO JURISPRUDENCIAL

Natildeo se pode negar o fato de que as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas satildeo uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pessoas se tornando muitas vezes meios de substituiccedilatildeo das vias ordinaacuterias ateacute entatildeo existentes A tiacutetulo de exemplo o Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo jaacute se manifestou acerca do instituto da imunidade tributaacuteria por diversas vezes ainda quando da natildeo disseminaccedilatildeo da rede mundial de computadores no seacuteculo passado dentre as quais se destaca o seguinte trecho

4 Artigo 150 Sem prejuiacutezo de outras garantias asseguradas ao contribuinte eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios [] VI - instituir impostos sobre [] d) livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A imunidade deve ter interpretaccedilatildeo extensiva larga natildeo enfrentando o oacutebice do inciso II do artigo 111 do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Trata-se de uma imunidade imposicional objetiva e natildeo condicionada autecircntica norma que natildeo admite complementariedade legislativa vedando peremptoriamente qualquer ingerecircncia de natureza limitatoacuteria5

Somado a isso o Supremo Tribunal Federal em alguns julgados tem mantido posicionamento pela natildeo abrangecircncia deste benefiacutecio estendendo seu alcance apenas a filmes e papeacuteis fotograacuteficos usados na ediccedilatildeo de livros jornais e perioacutedicos e negando tal aplicaccedilatildeo aos livros eletrocircnicos Ocorre que o verdadeiro fim de tal norma eacute possibilitar a disseminaccedilatildeo de cultura e informaccedilotildees Ao se restringir o acircmbito de atuaccedilatildeo da imunidade haveria um verdadeiro contrassenso dentro das disposiccedilotildees contidas no proacuteprio texto constitucional A proacutepria Suprema Corte jaacute entendeu que todos os insumos utilizados na produccedilatildeo do livro devem ser abarcados pela imunidade tributaacuteria Conforme se observa abaixo ainda que com a vigecircncia de outro texto constitucional o entendimento eacute o mesmo

Imunidade Tributaacuteria Livro Constituiccedilatildeo art 19 inciso III aliacutenea lsquodrsquo Em se tratando de norma constitucional relativa agraves imunidades tributaacuterias geneacutericas admite-se a interpretaccedilatildeo ampla de modo a transparecerem os princiacutepios e postulados nela consagrados O livro como objeto da imunidade tributaacuteria natildeo eacute apenas produto acabado mas o conjunto de serviccedilos que o realizam desde a redaccedilatildeo ateacute a revisatildeo da obra sem restriccedilatildeo dos valores que a foram e que a Constituiccedilatildeo protege6

A Oitava Cacircmara de Direito Puacuteblico do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo em julgamento datado de 1999 deu provimento ao recurso de apelaccedilatildeo da Fazenda do Estado para declarar a inexistecircncia de imunidade tributaacuteria para os denominados livros eletrocircnicos ndash CD-Rom ndash valendo-se da aplicaccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico de interpretaccedilatildeo para concluir que a proposta ampliativa de imunidade foi rechaccedilada pelos constituintes e deve ser portanto respeitada A ementa e trechos do acoacuterdatildeo satildeo dispostas a seguir

5 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199

6 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267

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Impostos CD-ROM Imunidade tributaacuteria Inexistecircncia Privileacutegio de natureza constitucional Irrelevacircncia da destinaccedilatildeo do bem e da qualificaccedilatildeo da entidade que o produz Hipoacutetese natildeo contemplada no artigo 150 inciso VI lsquodrsquo da CF Interpretaccedilatildeo natildeo extensiva Recursos providos Entretanto natildeo eacute qualquer papel que estaacute imune a tributaccedilatildeo de impostos mas apenas aquele destinado a impressatildeo de livros jornais e perioacutedicos descabendo estender-se o benefiacutecio de natureza constitucional a outras hipoacuteteses natildeo contempladas pela Constituiccedilatildeo vale dizer para abranger outros insumos bem assim sobre legislaccedilatildeo informatizada em forma de CD-Rom e mais programa de computador ndash software As imunidades configuram privileacutegios de natureza constitucional e natildeo podem estender-se aleacutem das hipoacuteteses expressamente previstas na Constituiccedilatildeo [] Resulta pois que se essa proposta ampliativa de imunidades natildeo foi aceita preferindo o legislador constituinte manter aquele privileacutegio apenas e tatildeo somente em relaccedilatildeo a livros jornais e perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo natildeo se afigura razoaacutevel contrariar a sua real intenccedilatildeo mens legislatoris para abranger hipoacutetese que ele natildeo resolveu agasalhar incluindo-se a legislaccedilatildeo informatizada ndash CD-Rom e software []7

Tal hipoacutetese se revela desconexa com a atual conjuntura da realidade social e principalmente das reais necessidades e anseios da coletividade A configuraccedilatildeo de meacutetodos de interpretaccedilatildeo como o finaliacutestico e o sistemaacutetico por exemplo permitem uma anaacutelise mais aprofundada das disposiccedilotildees apresentadas natildeo podendo se valer apenas de anaacutelises restritivas quando a situaccedilatildeo apresentada se mostra muito mais rica e complexa merecendo especial atenccedilatildeo Aleacutem disso as disposiccedilotildees legais devem se coadunar com as expectativas e asseios da sociedade que a cada dia que passa tem se modificado e evoluiacutedo sem o devido acompanhamento legislativo O Supremo Tribunal Federal na ADIN nordm 939 no voto do Ministro Sepuacutelveda Pertence extrai-se o seguinte trecho

[] salvaguardas fundamentais de princiacutepios liberdades e direitos baacutesicos da Constituiccedilatildeo como a liberdade religiosa de manifestaccedilatildeo de pensamento pluralismo poliacutetico do regime liberdade sindical a solidariedade social o direito agrave educaccedilatildeo e assim por diante8

Importante que se deixe claro que os magistrados e desembargadores devem se manter atualizados agraves mudanccedilas legislativas mas principalmente as

7 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999

8 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755

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sociais de modo a proporcionar as partes e a parcela da populaccedilatildeo atingida uma interpretaccedilatildeo condizente com as suas reais necessidades O professor Hugo de Brito Machado (2003 p 14) assim jaacute se manifestou sobre o assunto

Embora natildeo verse a questatildeo do livro eletrocircnico o certo eacute que o Poder Judiciaacuterio jaacute cunhou a extrema amplitude da imunidade versada no art 150 VI lsquodrsquo verbis ldquo[] visando a difusatildeo da cultura educaccedilatildeo liberdade de pensamento e comunicaccedilatildeo constituiria injustificaacutevel contradiccedilatildeo do constituinte alijar da abrangecircncia tributaacuteria apenas parcela do processo de difusatildeo da cultura e da educaccedilatildeo da liberdade de pensamento e de comunicaccedilatildeo atraveacutes de jornais e perioacutedicos Restaria evidentemente frustrado o alvo constitucionalrdquo

Segundo Yoshiaki Ichihara (2001 p 326)

Natildeo reconhecer a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos eacute o mesmo que parar no tempo e no espaccedilo preso a interpretaccedilatildeo literal e retroacutegrada sem enxergar a realidade atual e do futuro pois em termos de conteuacutedo funccedilatildeo objetividade recursos para pesquisa copiagem transporte divulgaccedilatildeo rapidez na localizaccedilatildeo dos textos etc os CD-Roms superam em muito os tradicionais livros jornais perioacutedicos etc

Tal disposiccedilatildeo se coaduna perfeitamente com as disposiccedilotildees apresentadas ateacute o momento merecendo especial atenccedilatildeo e realce dada a sua explicaccedilatildeo concisa e direta revelando clara hipoacutetese de aplicaccedilatildeo de meacutetodos diferenciados das normas entatildeo vigentes de forma a concretizar de forma efetiva as disposiccedilotildees do texto constitucional

2 APLICACcedilAtildeO PRAacuteTICA DOS MEacuteTODOS DE INTERPRETACcedilAtildeO

As disposiccedilotildees acerca do instituto da imunidade tributaacuteria estatildeo dispostas na Constituiccedilatildeo Federal revelando a importacircncia que o tema possui Ainda neste diploma em seu artigo 5ordm incisos VI e IX eacute disposto que

Art 5ordm Todos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no paiacutes a inviolabilidade do direito agrave vida agrave liberdade agrave igualdade agrave seguranccedila e agrave propriedade nos termos seguintes [] IV - eacute livre a manifestaccedilatildeo do pensamento sendo vedado o anonimato []

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IX - eacute livre a expressatildeo da atividade intelectual artiacutestica cientiacutefica e de comunicaccedilatildeo independentemente de censura ou licenccedila

Tais disposiccedilotildees se complementam com a previsatildeo apresentada no artigo 220 da Carta Magna ao estabelecer expressamente que

Art 220 A manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeo observado o disposto nesta Constituiccedilatildeo sect 1ordm - Nenhuma lei conteraacute dispositivo que possa constituir embaraccedilo agrave plena liberdade de informaccedilatildeo jornaliacutestica em qualquer veiacuteculo de comunicaccedilatildeo social observado o disposto no art 5ordm IV V X XIII e XIV sect 2ordm - Eacute vedada toda e qualquer censura de natureza poliacutetica ideoloacutegica e artiacutestica

Tais normas fornecem embasamento e fortalecem o entendimento de que eacute possiacutevel se realizar uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que toma o ordenamento juriacutedico brasileiro como um todo e natildeo apenas a partir de uma visatildeo segmentada e particular tiacutepica da interpretaccedilatildeo literal Sob o ponto de vista objetivo a imunidade tributaacuteria incidente sobre livros jornais revistas perioacutedicos e seu papel buscando efetivar os princiacutepios basilares e fundamentais do regime democraacutetico tais como a difusatildeo cultural de informaccedilotildees e principalmente do conhecimento disponiacutevel natildeo merecendo ser restringido ou limitado O Coacutedigo Tributaacuterio Nacional expressamente dispotildee em seu artigo 111 que

Art 111 Interpreta-se literalmente a legislaccedilatildeo tributaacuteria que disponha sobre I - suspensatildeo ou exclusatildeo do creacutedito tributaacuterio II - outorga de isenccedilatildeo III - dispensa do cumprimento de obrigaccedilotildees tributaacuterias acessoacuterias

Diante de tal disposiccedilatildeo legal fica evidente que no caso da isenccedilatildeo de tributos anistia renuacutencia e natildeo incidecircncia a interpretaccedilatildeo mais condizente eacute a literal se restringindo as disposiccedilotildees apresentadas no texto infraconstitucional Jaacute quanto ao instituto da imunidade disposta no texto constitucional a interpretaccedilatildeo mais propiacutecia eacute a teleoloacutegica-sistemaacutetica ao buscar a finalidade da norma de forma ampla e que concretize as disposiccedilotildees ali apresentadas Como a imunidade ocorre antes mesmo da criaccedilatildeo do poder de tributar enquanto que a isenccedilatildeo e demais institutos satildeo criados depois em clara hipoacutetese de renuacutencia fiscal revelando a Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 512

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diferenccedila niacutetida entre os dispositivos A primeira deve possuir um acircmbito de atuaccedilatildeo muito maior que as demais devido agrave sua funccedilatildeo protetora dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Walter Barbosa Correcirca (1998 p 130) leciona que

Ao desenvolver a atividade de interpretaccedilatildeo da norma imunizadora a natureza e finalidades da imunidade satildeo essenciais de pronto afastando a interpretaccedilatildeo literal proacutepria das isenccedilotildees instituto esse que ateacute haacute pouco tempo confundia-se com a imunidade e vice-versa

Diante disso natildeo pode haver uma notiacutecia vinculada pela via impressa imune e a mesma informaccedilatildeo transmitida pela rede mundial de computadores natildeo ser contemplada apenas por natildeo estar materializada num papel Nesta linha ainda relevante opiniatildeo eacute trazida por Heleno Taveira Tocircrres e Vanessa Nobeel Garcia ao afirmarem em estudo sobre o tema que ldquo[] exige que o ato de aplicaccedilatildeo reconheccedila os valores fixados pela sociedade no ordenamento juriacutedico e que os garanta com efetividade plenardquo (TOcircRRES 2003 p 83) A ponderaccedilatildeo de valores deve sopesar toda e qualquer comparaccedilatildeo que for feita de modo a proporcionar o meacutetodo mais propiacutecio agravequela situaccedilatildeo apresentada Diante disso o princiacutepio da isonomia deve pautar o estudo entre as formas de livro existentes de modo a natildeo possibilitar a ocorrecircncia de qualquer injusticcedila A utilizaccedilatildeo dos meacutetodos claacutessicos de interpretaccedilatildeo satildeo insuficientes e revelam natildeo alcanccedilar o verdadeiro nuacutecleo essencial preceituado pelo norma constitucional o conhecimento existente

Assim a problemaacutetica levantada sobre o verdadeiro conceito de livro bem como sobre a possibilidade de aplicaccedilatildeo da imunidade tributaacuteria ao livro eletrocircnico pode ser solucionada com a utilizaccedilatildeo de dois meacutetodos de interpretaccedilatildeo de forma simultacircnea o teleoloacutegico e o sistemaacutetico O primeiro busca a finalidade da norma revelando o seu papel essencial quando se tem como objeto de estudo alguma disposiccedilatildeo do texto constitucional Portanto na aplicaccedilatildeo de uma disposiccedilatildeo constitucional deve-se ater aos fins sociais a que esta foi criada buscando o bem estar da coletividade seguindo o preceito disposto no artigo 5ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nordm 465742)9

9 ldquoNa aplicaccedilatildeo da lei o juiz atenderaacute aos fins sociais a que ela se dirige e agraves exigecircncias do bem comumrdquo

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Nesta esteira ainda o outro meacutetodo apresentado o sistemaacutetico se mostra relevante e propiacutecio a presente proposta vez que possibilita segundo as palavras do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiacutes Roberto Barroso a ldquo[] atribuiccedilatildeo de novos conteuacutedos agrave norma constitucional sem modificaccedilatildeo do seu teor literal em razatildeo de mudanccedilas histoacutericas ou de fatores poliacuteticos e sociais que natildeo estavam presentes nas mentes dos constituintesrdquo (BARROSO 2009 p 137) Com isso a aplicaccedilatildeo conjunta destes meacutetodos interpretativos confere aos livros eletrocircnicos o benefiacutecio das garantias da imunidade tributaacuteria O professor Alfredo Augusto Becker (2007 p 272) pondera em quatro etapas o ato de interpretaccedilatildeo da lei quais sejam

1) Distinccedilatildeo dos elementos da hipoacutetese de incidecircncia da regra juriacutedica em apreccedilo 2) Estudo preacutevio das consequecircncias da regra juriacutedica 3) Anaacutelise de todos os fatos da hipoacutetese de incidecircncia de modo a preencher todas as lacunas apresentadas e 4) Ponderar se as consequecircncias da regra de incidecircncia foram respeitadas

De fato natildeo se pode interpretar uma norma imunizante como se interpreta uma norma instituidora de isenccedilatildeo de caraacuteter infraconstitucional por exemplo A norma constitucional foi encartada no texto maior para a proteccedilatildeo de valor fundamental a humanidade a liberdade de expressatildeo sem a qual natildeo se pode falar em uma efetiva democracia participativa Tendo em vista isso deve ser atribuiacutedo o

sentido que traga maior eficaacutecia a estas disposiccedilotildees O professor Joseacute Joaquim Gomes Canotilho faz menccedilatildeo expressa ao princiacutepio da maacutexima efetividade ou seja diante de uma situaccedilatildeo conflitante deve-se proceder pela aplicaccedilatildeo do meacutetodo mais condizente com a realidade faacutetica de forma a possibilitar a maior inclusatildeo possiacutevel do dispositivo (CANOTILHO 2003 p 167) Outro pensador bem pontual a presente demanda eacute Konrad Hesse ao afirmar que a interpretaccedilatildeo do texto constitucional sempre deve almejar a sua efetiva concretizaccedilatildeo Segundo aludido doutrinador ldquoo que natildeo aparece de forma clara como conteuacutedo da Constituiccedilatildeo eacute o que deve ser determinado mediante a incorporaccedilatildeo da lsquorealidadersquo de cuja ordenaccedilatildeo se tratardquo (HESSE 1992 p 40)

A interpretaccedilatildeo de norma constitucional sempre necessita de cuidados Atento ao princiacutepio da supremacia constitucional natildeo pode o inteacuterprete-aplicador se

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esquecer que a Carta Magna alberga os princiacutepios fundamentais do Estado Democraacutetico e Social de Direito e que na interpretaccedilatildeo de suas normas deve se buscar um bem coletivo maior Tais princiacutepios devem ser ponderados como um conjunto harmocircnico e natildeo podem ser subjulgados por forccedila das formas literaacuterias que infelizmente ainda dominam muitos juristas O professor Paulo Bonavides (2012 p 482) ao tratar dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo da nova hermenecircutica leciona que

A adaptaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo agrave sua eacutepoca preocupa de maneira constante o formulador da nova concepccedilatildeo interpretativa tanto que ao fator tempo atribui importacircncia capital Natildeo eacute agrave toa que ele assevera ldquoviver o Direito Constitucional prima face numa especiacutefica problemaacutetica de tempordquo e que ldquoa continuidade da Constituiccedilatildeo somente eacute possiacutevel quando o passado e o futuro se acham nela conjugadosrdquo A controveacutersia acerca dos meacutetodos no Direito Constitucional eacute em uacuteltima anaacutelise segundo Haumlberle uma luta acerca do papel que deve caber ao tempo A velha hermenecircutica pelo seu caraacuteter mais estaacutetico que dinacircmico deve ser vista como instrumento por excelecircncia das ideologias do ldquostatus quordquo A interpretaccedilatildeo concretista por sua flexibilidade pluralismo e abertura manteacutem escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanccedilas mediante as quais a Constituiccedilatildeo permanece estaacutevel na rota do progresso e das transformaccedilotildees incoerciacuteveis sem padecer abalos estruturais como os decorrentes de uma accedilatildeo revolucionaacuteria atualizadora

A Carta Magna fonte de toda forma de interpretaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico tambeacutem pontua em seu artigo 215 que ldquoO Estado garantiraacute agrave todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional a apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturaisrdquo Assim diante destas disposiccedilotildees fica mais do que evidenciado a necessidade de uma constante atualizaccedilatildeo e reestruturaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes adaptando tais anaacutelises a formas mais modernas de interpretaccedilatildeo

3 ANAacuteLISE CRIacuteTICA DO TEMA

Importante ressaltar trecircs fundamentos baacutesicos que sustentam o raciociacutenio de que os livros eletrocircnicos satildeo imunes da incidecircncia de impostos Primeiramente os livros eletrocircnicos satildeo na verdade uma espeacutecie do gecircnero livro tomando como ponto de referecircncia o seu conteuacutedo e natildeo a sua forma apenas A finalidade eacute a mesma seja mediante o papel seja nos e-books revelando o mesmo resultado ou seja o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel Uma interpretaccedilatildeo

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diversificada apenas traz a tona o fato de que ambas as expressotildees serem vocaacutebulos muito proacuteximos merecendo especial atenccedilatildeo dos aplicadores do direito

No estudo proposto acerca do artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal sobre a imunidade tributaacuteria conferida ao livro natildeo eacute trazido um conceito seguro acerca do livro como forma de possibilitar maior seguranccedila ao inteacuterprete e consequentemente aos aplicadores do direito Diante desta situaccedilatildeo parte-se da premissa segundo as liccedilotildees de Roque Antocircnio Carrazza (2011 p 497) de que

[] a palavra livro estaacute empregada no Texto Constitucional natildeo no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas encadernadas e com capa mas sim no de veiacuteculos de pensamento isto eacute de meios de difusatildeo da cultura [] Hoje temos os sucedacircneos dos livros que mais dia menos dia acabaratildeo por substituiacute-los totalmente Tal eacute o caso dos CD-Roms e dos demais artigos da espeacutecie que conteacutem em seu interior os textos dos livros em sua forma tradicional

A partir de tal preceito natildeo se pode tomar como base apenas os livros impressos devendo uma interpretaccedilatildeo ampliativa ser utilizada como pressuposto vez que a sociedade estaacute em constante mutaccedilatildeo Aleacutem disso o livro eacute um mero veiacuteculo de transmissatildeo de conhecimento Tal anaacutelise traz uma verdadeira interpretaccedilatildeo teleoloacutegica ao caso que almeja buscar a verdadeira finalidade da norma ou seja a difusatildeo de informaccedilotildees e culturas proporcionando o desenvolvimento pessoal natildeo se importando muito com o suporte fiacutesico apresentado mas sim com a difusatildeo de pensamentos algo tatildeo almejado

A imunidade pretendida pelo autor do texto constitucional restringe-se aos impostos permanecendo o recolhimento das contribuiccedilotildees sociais (PISCOFINS) e demais tributos devido agrave proacutepria redaccedilatildeo do dispositivo constitucional Apesar disso o artigo 28 inciso VI da Lei n 1068504 reduz ldquoa zero as aliacutequotas da contribuiccedilatildeo para o PISPASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda no mercado interno derdquo livros de acordo com o artigo 2ordm da Lei n 107532003 No entanto tal disposiccedilatildeo infraconstitucional fere o preceito da Carta Magna uma vez que nesta eacute expresso que somente os impostos seratildeo imunes natildeo podendo haver uma expansatildeo quando o texto eacute preciso na sua delimitaccedilatildeo Portanto tal norma juriacutedica fere o disposto da Constituiccedilatildeo Federal ao ampliar algo

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indevidamente O que deveria ser feito eacute possibilitar uma interpretaccedilatildeo diferenciada do disposto no texto constitucional ao dar maior efetividade agraves suas normas e natildeo distorcer as suas normas

Atualmente apenas as pessoas com deficiecircncia visual estatildeo totalmente isentas do pagamento de impostos e contribuiccedilotildees dos digitais segundo os artigos 8ordm sect 12 inciso XII da Lei nordm 108652004 e artigo 2ordm da Lei n 107532003 valendo-se de preceitos diversos daqueles dispostos na Carta Magna revelando a importacircncia do tema que merece especial atenccedilatildeo uma vez que tal situaccedilatildeo pode ser estendida para outras pessoas A aludida lei que institui a Poliacutetica Nacional do Livro estabelece uma definiccedilatildeo ao livro

Art 2o Considera-se livro para efeitos desta Lei a publicaccedilatildeo de textos escritos em fichas ou folhas natildeo perioacutedica grampeada colada ou costurada em volume cartonado encadernado ou em brochura em capas avulsas em qualquer formato e acabamento Paraacutegrafo uacutenico Satildeo equiparados a livro [] VII - livros em meio digital magneacutetico e oacutetico para uso exclusivo de pessoas com deficiecircncia visual

Ocorre que tal apresentaccedilatildeo eacute restritiva e limitadora ao possibilitar apenas aos deficientes visuais tal benefiacutecio Natildeo pode um dispositivo constitucional ser modificado em sua essecircncia O tratamento igualitaacuterio eacute a via mais bem vista e aceita ao caso concreto ao possibilitar as mesmas oportunidades agrave todos

A busca por uma comunicaccedilatildeo entre os homens fez surgir a necessidade de veiculaccedilatildeo de pensamentos por meio de uma forma que natildeo se perdesse aparentemente no tempo Entatildeo surge a inspiraccedilatildeo da criaccedilatildeo dos livros a eternizaccedilatildeo das ideias por meio de um meio fiacutesico vez que a transmissatildeo pela via oral muito utilizada na antiguidade por meio dos liacutederes mais antigos das comunidades levava a uma perda de informaccedilotildees com o passar do tempo Seja pela forma de desenhos seja pelas expressotildees escritas a necessidade de comunicaccedilatildeo eacute inerente ao ser humano estabelecendo-se os criteacuterios e os moldes essenciais ao desenvolvimento da humanidade e a perduraccedilatildeo dos pensamentos por longos periacuteodos natildeo podendo as novas formas de divulgaccedilatildeo serem utilizadas como meras equiparaccedilotildees do conceito tradicional de livro mas sim como verdadeiras espeacutecies do gecircnero livro Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 517

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A proacutepria expressatildeo livro surgiu dos tecidos vegetais utilizados na antiguidade conhecidos como ldquolibersrdquo popularmente conhecidos como papiros E analisando a imunidade dos livros em si Eurico Marcos Diniz de Santi (2003 p 53) leciona

No presente caso eacute assente que o problema suscitado sobre o entendimento do vocaacutebulo ldquolivrordquo nada tem a ver com problemas de composiccedilatildeo fraacutesica a frase constitucional em que se assenta o dispositivo eacute bastante clara eacute vedado lsquoinstituir impostos sobre [] livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

Ocorre que as normas permanecem estagnadas devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a essa mudanccedilas de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes principalmente quando possibilitam uma expansatildeo e difusatildeo de cultura e conhecimento o que favorece toda a sociedade Portanto natildeo pode haver uma limitaccedilatildeo apenas aos portadores de necessidades especiais para serem beneficiados com isenccedilotildees quando na verdade deve haver uma ampliaccedilatildeo deste conceito de modo a possibilitar a formaccedilatildeo intelectual da populaccedilatildeo

Segundo porque o livro eletrocircnico exerce a mesma funccedilatildeo do livro impresso devendo receber tratamento igualitaacuterio Assim natildeo podem ser colocadas barreiras na difusatildeo de conhecimento cultura e pensamentos sob pena de infringecircncia clara dos princiacutepios constucionais principalemente no que tange aos direitos e garantias fundamentais de acesso agrave cultura Por fim os ensinamentos hermenecircuticos que pautam a presente exposiccedilatildeo quando analisam as disposiccedilotildees da Constituiccedilatildeo Federal devem priorizar o estudo que possibilite a maacutexima efetivaccedilatildeo dos dispostos ali presentes como forma de se adequar as constantes mudanccedilas sociais que a modernidade tem causado na sociedade permanecendo os textos originais disciplinados por meio de uma nova anaacutelise com a utilizaccedilatildeo de metodologias diferenciadas

Importante ressaltar que a redaccedilatildeo original do artigo B inciso III aliacutenea d do anteprojeto do CTN do Instituto dos Advogados de Satildeo Paulo (IASP) em parceria com a Associaccedilatildeo Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo livros jornais e perioacutedicos e outros veiacuteculos de comunicaccedilatildeo inclusive audiovisuais assim como papel e outros insumos e atividades

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relacionadas com a produccedilatildeo e a circulaccedilatildeo (MARTINS 2000 p 190) Tal proposta revelava um entendimento mais condizente com as necessidades e anseios da sociedade de forma a possibilitar uma maior efetuaccedilatildeo das disposiccedilotildees contidas no ordenamento graccedilas agrave utilizaccedilatildeo de disposiccedilotildees que podem sofrer uma constante mudanccedila e atualizaccedilatildeo Nas palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins (2000 p 186)

A letra lsquodrsquo do inciso VI reproduz o texto de idecircntica redaccedilatildeo da Emenda Constitucional n 169 artigo 19 III lsquodrsquo A proposta que levei aos constituintes era mais ampla Em face da evoluccedilatildeo tecnoloacutegica dos meios de comunicaccedilatildeo e daqueles para ediccedilatildeo e transmissatildeo tinha sugerido em minha exposiccedilatildeo para eles a incorporaccedilatildeo de teacutecnicas audiovisuais Os constituintes todavia preferiram manter a redaccedilatildeo anterior agrave evidecircncia uacutetil para o Brasil do poacutes-guerra mas absolutamente insuficiente para o Brasil de hoje

A imunidade tributaacuteria portanto possui embasamento na aplicaccedilatildeo praacutetica e implementaccedilatildeo dos direitos fundamentais resguardados na Constituiccedilatildeo Federal principalmente mas natildeo exclusivamente no artigo 5ordm do referido diploma O proacuteprio artigo 220 da Carta Magna dispotildee que ldquoa manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeordquo Os principais direitos respaldados satildeo liberdade de comunicaccedilatildeo manifestaccedilatildeo de pensamento livre acesso agrave infomaccedilatildeo difusatildeo de cultura e da educaccedilatildeo e manifestaccedilatildeo da atividade intelectual artiacutestica e cientiacutefica Segundo a professora Regina Helena Costa (2006 p 192) a norma de imunizaccedilatildeo possibilita

a) a proteccedilatildeo do papel insumo baacutesico dos objetos sob proteccedilatildeo com a incidecircncia de impostos excessivos ou impostos aduaneiros que poderiam encarecer drasticamente essa mateacuteria-prima b) a defesa do livro do jornal e do perioacutedico contra a tributaccedilatildeo desestimuladora extrafiscal destinada a encarecer o produto reduzindo-lhe drasticamente a circulaccedilatildeo e c) a meta da neutralidade da imunidade de tal forma que ela natildeo resulte em eliminaccedilatildeo de grupos de informaccedilao economicamente mais fracos

Tais caracteriacutesticas apenas reiteram o que jaacute vem sendo apresentado no presente trabalho de que a facilitaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de informaccedilotildees por meio da reduccedilatildeo da carga tributaacuteria incidente sobre os livros em qualquer forma em que for

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

materializado deve sempre ocorrer Por meio desta disseminaccedilatildeo de livros haveraacute uma clara e evidente difusatildeo de cultura o que favoreceraacute ainda mais a formaccedilatildeo dos cidadatildeos e a construccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica dos fatos e acontecimentos ocorridos possibilitando um crescimento ainda maior da cultura nacional como vem ocorrendo nos uacuteltimos meses com as manifestaccedilotildees populares Considerando a relevacircncia do conceito de ldquolivrordquo deve-se afastar qualquer subjetivismo que impossibilite a finalidade eminentemente cultural de sua disseminaccedilatildeo O Supremo Tribunal Federal acentua que

O Constituinte ao instituir esta benesse natildeo fez ressalvas quanto ao valor artiacutestico ou didaacutetico agrave relevacircncia das informaccedilotildees divulgadas ou agrave qualidade cultural de uma publicaccedilatildeo Natildeo cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefiacutecio fiscal instituiacutedo para proteger direito tatildeo importante ao exerciacutecio da democracia por forccedila de um juiacutezo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagoacutegico de uma publicaccedilatildeo destinada ao puacuteblico infanto-juvenil10

Diante disso deve a Suprema Corte rever o seu posicionamento tomando como base as exposiccedilotildees dos doutrinadores aliada as apresentaccedilotildees jaacute feitas pelo proacuteprio Pretoacuterio Excelso de utilizaccedilatildeo de meios interpretativos mais modernos que se adeacutequam as necessidades e casos concretos trazendo maior aplicabilidade agraves disposiccedilotildees constitucionais

A tiacutetulo de argumentaccedilatildeo as listas telefocircnicas quando da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de 1946 natildeo eram beneficiaacuterias da imunidade tributaacuteria conforme se extrai do RMS 17804-GB de relatoria do entatildeo Ministro Djaci Falcatildeo (MACHADO 2003 p 54) Nesta linha ainda quando da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1967 o Ministro do Supremo Tribunal Federal Oscar Correcirca considerou que apesar da periodicidade das listas estas natildeo poderiam ser privilegiadas com o instituto da imunidade (MACHADO 2003 p 55) Somente em 1987 um ano antes da promulgaccedilatildeo da atual Magna Carta o STF nas palavras do ministro Sydney Sanches exarou decisatildeo favoraacutevel agrave exoneraccedilatildeo tributaacuteria das

10 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

listas telefocircnicas por meio da incidecircncia da imunidade conforme se atesta pela ementa abaixo transcrita do Recurso Extraordinaacuterio n 101441RS

Imunidade tributaacuteria (art 19 III lsquodrsquo da CF) ISS Listas Telefocircnicas A ediccedilatildeo de listas telefocircnicas (cataacutelogos ou guias) eacute imune ao ISS (art 19 III lsquodrsquo da CF) mesmo que nelas haja publicidade paga Se a norma constitucional visou a facilitar a confecccedilatildeo ediccedilatildeo e distribuiccedilatildeo do livro do jornal e dos perioacutedicos imunizando-os ao tributo assim como o proacuteprio papel destinado agrave sua impressatildeo eacute de se entender que natildeo estatildeo excluiacutedas da imunidade os perioacutedicos que cuidam apenas e tatildeo somente de informaccedilotildees geneacutericas e especiacuteficas sem caraacuteter noticioso discursivo literaacuterio poeacutetico ou filosoacutefico mas de inegaacutevel utilidade puacuteblica como eacute o caso das listas telefocircnicas Recurso extraordinaacuterio conhecido por unanimidade de votos pela letra lsquodrsquo do permissivo constitucional e provendo por maioria para deferimento do mandado de seguranccedila Assim como no passado as listas telefocircnicas natildeo eram contempladas com os benefiacutecios da imunidade espera-se que tal mentalidade se altere de modo a proporcionar a populaccedilatildeo um acesso mais condizente as informaccedilotildees disponiacuteveis Os livros satildeo apenas o veiacuteculo disseminador de conhecimento sendo irrelevante a forma material que o mesmo assume devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a sua finalidade e natildeo a sua forma11

Natildeo se pode no entanto estender a anaacutelise para outros campos natildeo abarcados pela redaccedilatildeo norma como os meios televisivos e radiodifusores Diverge desta linha a professora Regina Helena Costa ao tratar especificamente deste assunto ldquo[] aos serviccedilos de radiodifusatildeo e televisatildeo todavia parece-nos que sustentar sejam os mesmos alcanccedilados pela imunidade em tela implica elastecimento indevido do COFINS do preceito imunitoacuteriordquo (COSTA 2006 p 191) Aleacutem do que a disposiccedilatildeo contida no artigo 150 da Constituiccedilatildeo Federal se limita aos impostos e natildeo aos demais tributos conforme tenta preconizar a mencionada doutrinadora O professor Ives Gandra da Silva Martins (2010 p 163) assim jaacute se manifestou

Uma interpretaccedilatildeo ndash equivalente a considerar que a liberdade de expressatildeo soacute pode manifestar-se atraveacutes de veiacuteculos de papel ndash representa inclusive um pensamento retroacutegrado de retrocesso institucional e intelectual Significaria considerar que a comunicaccedilatildeo social eletrocircnica pelos meios modernos natildeo merece ser protegida porque o constituinte teria desejado que o paiacutes natildeo evoluiacutesse na difusatildeo cultural e na obtenccedilatildeo de informaccedilotildees Natildeo eacute razoaacutevel a intelecccedilatildeo de que no campo da livre

11 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988

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manifestaccedilatildeo do pensamento o Constituinte desejou que permanececircssemos parados no tempo fazendo com que o Estado natildeo soacute natildeo apoiasse como punisse mediante a imposiccedilatildeo tributaacuteria a incorporaccedilatildeo das evoluccedilotildees tecnoloacutegicas como eacute o caso da comunicaccedilatildeo eletrocircnica Agrave evidecircncia tal exegese macularia a imagem de todos os constituintes e dos inteacuterpretes oficiais pois a doutrina eacute quase unacircnime em adotas interpretaccedilatildeo mais abrangente e contraacuteria a este raquitismo intelectual

Natildeo pode o constituinte limitar apenas ao veiacuteculo formado pelo papel uma vez que estaria punindo indevidamente aqueles que se valem dos avanccedilos tecnoloacutegicos cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas de forma indevida A liberdade de manifestaccedilatildeo natildeo pode ser tomada com dois paracircmetros completamente opostos tendo como fonte o mesmo texto Tal situaccedilatildeo se mostra uma flagrante injusticcedila social Os suportes tecnoloacutegicos assim como o papel satildeo simples meios de transmissatildeo de pensamentos irrelevantes para o verdadeiro fim a ser alcanccedilado e disposto no texto constitucional agrave liberdade de expressatildeo Segundo Schubert de Farias Machado (2003 p 261-262)

a) cabe ao aplicador das normas constitucionais atribuir ao seu texto o sentido adequado para acompanhar a evoluccedilatildeo das necessidades sociais no decorrer do tempo b) as imunidades podem sempre ser entendidas como proibiccedilatildeo de tributar c) a imunidade natildeo eacute instituto de direito tributaacuterio Natildeo tem relaccedilatildeo direta com a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria Consiste antes de tudo em instrumento de preservaccedilatildeo dos valores constitucionais contra a possiacutevel accedilatildeo do Estado por isso se torna irrelevante a capacidade contributiva das pessoas por elas alcanccediladas d) a imunidade prevista no dispositivo acima transcrito embora tiacutepica imunidade objetiva natildeo visa proteger o objeto livro mas sim a livre expressatildeo de pensamento ou seja o conteuacutedo dos livros e) as regras constitucionais devem ser interpretadas de modo a conferir-lhe maacutexima efetividade f) o livro nem sempre teve a forma que hoje predomina ndash coacutedice de papel a qual em breve restaraacute em grande parte substituiacuteda pelos registros digitais g) o entendimento de que o livro contido em CD-ROM por natildeo ser feito de papel natildeo eacute imune aos impostos implica em estreitamento injustificado do sentido da norma da Constituiccedilatildeo inteiramente incompatiacutevel com a doutrina do moderno constitucionalismo e h) a imunidade prevista na letra lsquodrsquo do item IV do art 150 da Constituiccedilatildeo Federal abrange o livro eletrocircnico

A imunidade tributaacuteria como claacuteusula peacutetrea disposta na Constituiccedilatildeo Federal devido ao fato de ser uma evidente garantia fundamental ao acesso agrave cultura informaccedilatildeo e conhecimento deve ser balizada e interpretada com relevacircncia

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

e natildeo como mera vedaccedilatildeo ao poder de tributar Por isso a importacircncia de novos precedentes e pensamentos mais modernos que busquem modificar as disposiccedilotildees entatildeo vigentes atualizando-as como verdadeiras necessidades e anseios sociais Hugo de Brito Machado (2003 p 32) assim jaacute se posicionou acerca do assunto

Concluindo estas nossas colocaccedilotildees entendemos que tambeacutem o ldquolivro eletrocircnicordquo estaria albergado pela imunidade prevista no art 150 VI ldquodrdquo Natildeo por uma aproximaccedilatildeo conceitual entre o livro e o CD-ROM senatildeo enquanto propagadores de pensamento mas principalmente pelo real alcance dentro do Sistema Constitucional dos valores que se pretende proteger

O Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiccedila Joseacute Augusto Delgado no XXIII Simpoacutesio Nacional de Direito Tributaacuterio do Centro de Extensatildeo Universitaacuteria afirma que

Ora na eacutepoca atual natildeo se pode entender como livro apenas o editado em papel Ao ser elaborada a Constituiccedilatildeo de 1988 o mundo contemporacircneo jaacute conhecia uma realidade imposto pela ciecircncia da informaacutetica e consistente na transmissatildeo de ideacuteias por vias eletrocircnicas no caso o CD-Rom o disquete etc Se a vontade do constituinte fosse de restringir a imunidade apenas ao livro tradicional isto eacute ao livro lanccedilado ao conhecimento do puacuteblico pelo meacutetodo tradicional teria ele explicitamente declarado que a vedaccedilatildeo de instituir impostos se limitava a livros formados pela reuniatildeo de folhas ou cadernos de papel soltos cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados e enfaixados ou montados em capa flexiacutevel ou riacutegida A mensagem do texto constitucional natildeo foi expliacutecita em tal sentido A expressatildeo livro empregada pelo constituinte natildeo podia ter outra significaccedilatildeo do que a vivenciada pela realidade imposta pela ciecircncia da informaacutetica que ao lado do livro papel entregou para ser usado pela humanidade o livro eletrocircnico Observo outrossim que o conceito de livro posto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute de natureza vinculada agrave sua forma de apresentaccedilatildeo ao puacuteblico Ele tem conteuacutedo de expressar elemento material condutor de cultura de informaccedilatildeo de transmissatildeo de saber instrumento caracterizador de uma obra literaacuteria cientiacutefica ou artiacutestica (DELGADO 1998 p 57-58)

A questatildeo ainda natildeo eacute paciacutefica a doutrina se posta pela abrangecircncia do tema enquanto a jurisprudecircncia se divide poreacutem o entendimento prevalecente e atual do Supremo Tribunal Federal eacute no sentido de que a imunidade consagrada pelo artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal deve se restringir aos elementos de transmissatildeo propriamente ditos Ocorre que apenas para abranger novos mecanismos de divulgaccedilatildeo e propagaccedilatildeo da cultura e informaccedilatildeo de multimiacutedia jornais e perioacutedicos eletrocircnicos deve haver uma nova anaacutelise dos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 523

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dispostos constitucionais12 No entanto os juiacutezes de primeira instacircncia bem como os desembargadores dos tribunais tecircm mantido posicionamento uniforme de que a imunidade deve sim se estendida aos livros eletrocircnicos Assim o posicionamento do STF deve ser reanalisado de modo a reconsiderar as atuais e relevantes mudanccedilas da realidade se valendo dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo existentes no nosso ordenamento de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees apresentadas no texto constitucional

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Com efeito a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil consagrou princiacutepios fundamentais que devem embasar a exegese das demais normas do ordenamento sob pena de violaccedilatildeo da supremacia constitucional fonte de toda sustentaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico brasileiro Natildeo se concebe portanto que se interprete extensivamente em certas situaccedilotildees para que o tributo seja devido e restritivamente em outras desvirtuando o sentido do comando constitucional para aplicar uma imunidade

Negar a incidecircncia da imunidade eacute persuadir a supremacia constitucional que natildeo pode ser limitada pela mera interpretaccedilatildeo literaacuteria expressatildeo de ultrapassado e excessivo formalismo juriacutedico Tem-se de considerar o elemento teleoloacutegico e finaliacutestico que indica ser a imunidade questatildeo destinada a impedir a incidecircncia do tributo possibilitando a disseminaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e de informaccedilatildeo de transmissatildeo de conhecimento e de distribuiccedilatildeo cultural Inadmissiacutevel a interpretaccedilatildeo que impeccedila a realizaccedilatildeo do princiacutepio essencial abrangido pela norma imunizante dificultando sua funccedilatildeo como mera forma de limitaccedilatildeo retroacutegrada que se natildeo harmoniza com o moderno constitucionalismo no qual se tem preconizado meacutetodos especiacuteficos para a interpretaccedilatildeo de normas da Constituiccedilatildeo em atenccedilatildeo agrave sua supremacia no ordenamento juriacutedico

12 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

O suporte natildeo eacute mais relevante do que a sua essecircncia verdadeiro fim a qual o livro foi moldado e difundido qual seja a veiculaccedilatildeo de conhecimento Natildeo eacute qualquer papel que eacute imune mas apenas aquele utilizado na produccedilatildeo de um livro Desta forma natildeo satildeo todos os CD-Roms disquetes ou pen-drives que merecem ser imunizados mas somente aqueles que satildeo utilizados como meios de disseminaccedilatildeo da cultura por meio do livro eletrocircnico Daiacute a diferenccedila loacutegica entre as duas expressotildees

Por fim importante ressaltar que em setembro de 2009 o Supremo Tribunal

Federal voltou a debater o tema trazendo a tona novamente a abordagem da

presente proposta por meio das palavras do Ministro Dias Toffoli relator de uma

demanda acerca do assunto ao afirmar que o tema merece maior atenccedilatildeo vez que

ldquona era da informaacutetica salta aos olhos a repercussatildeo do tema controvertidordquo13

Segundo o aludido Ministro existe a necessidade de trazer maior seguranccedila ao

alcance do texto constitucional cabendo ao Supremo Tribunal Federal tal encargo o

que possibilitou o reconhecimento de tal assunto como de repercussatildeo geral

permitindo uma possiacutevel mudanccedila de posicionamento acerca do tema ao ventilar o

embate sobre outra oacuteptica Especificamente no caso em tela seraacute analisado se as

peccedilas vendidas junto com o material didaacutetico de um curso de praacutetica de montagem

de computadores deve ou natildeo ser contemplado pela imunidade tributaacuteria

Diante tudo que jaacute foi exposto ateacute o momento importante que se busque

uma reflexatildeo acerca das proposiccedilotildees apresentadas no presente trabalho de modo a

afirmar que a imunidade tributaacuteria deve sim ser extentida aos livros eletrocircnicos meio

moderno de tecnologia de modo a possibilitar que a difusatildeo de cultura e

conhecimento se decirc de forma efetiva e possibilite um acesso mais saudaacutevel da

populaccedilatildeo mediante a disseminaccedilatildeo das informaccedilotildees disponiacuteveis promovendo uma

verdadeira revoluccedilatildeo nos paradigmas vigentes no ordenamento brasileiro por meio

de meacutetodos interpretativos diferenciados como o teleoloacutegico e o sistemaacutetico

13 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012

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REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 BECKER Alfredro Augusto Teoria geral do direito tributaacuterio 4 ed Satildeo Paulo Noeses 2007 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988 BRASIL Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Lei n517266 Brasiacutelia Senado 1966 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia Senado 1988 BRASIL Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro Decreto-Lei nordm 465742 Brasiacutelia Senado 1942 BRASIL Lei n 1075303 Institui a poliacutetica nacional do livro Brasiacutelia Senado 2003 BRASIL Lei n 1086504 Dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo para os programas de integraccedilatildeo social e de formaccedilatildeo do patrimocircnio do servidor puacuteblico e a contribuiccedilatildeo para o financiamento da seguridade social incidentes sobre a importaccedilatildeo de bens e serviccedilos e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Senado 2004 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional 7 ed Coimbra Almedina 2003 CARRAZZA Roque Antocircnio Curso de direito constitucional tributaacuterio 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2011 CORREcircA Walter Barbosa Sistema tributaacuterio na Constituiccedilatildeo de 1988 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 COSTA Regina Helena Imunidades tributaacuterias ndash teoria e anaacutelise da jurisprudecircncia do STF 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 DE SANTI Eurico Marcos Diniz Imunidade tributaacuteria como limite objetivo e as diferenccedilas entre livro e livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 DELGADO Joseacute Augusto Pesquisas tributaacuterias - Imunidades tributaacuterias Nova seacuterie nordm 4 Satildeo Paulo Centro de Extensatildeo Universitaacuteria e RT 1998 HESSE Konrad Escritos de derecho consticional Trad Pedro Cruz Villalon Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1992 ICHIHARA Yoshiaki Imunidades tributaacuterias In MARTINS Ives Gandra da Silva (coord) Imunidades tributaacuterias Satildeo Paulo Revista dos Tribunais Pesquisas tributaacuterias Nova seacuterie ndash 4 2001 MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MACHADO Schubert de Farias Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MARTINS Ives Gandra da Silva Aspectos referentes agrave imunidade dos livros eletrocircnicos assim como das obrigaccedilotildees a que estatildeo tais bens e serviccedilos desvinculados de controle pela Ancine e Condecine In Revista dialeacutetica de direito tributaacuterio nordm 180 Satildeo Paulo Dialeacutetica 2010 MARTINS Ives Gandra da Silva Comentaacuterios agrave Constituiccedilatildeo do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 Tomo I vol 6 2 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2000 TOcircRRES Heleno Taveira GARCIA Vanessa Nobell Tributaccedilatildeo e imunidade dos chamados ldquolivros eletrocircnicosrdquo In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO1

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY

Lucas Daniel Ferreira de Souza2

Resumo O presente trabalho tem como foco as formas possiacuteveis de se

responsabilizar o Estado frente aos particulares e por outro lado as teses de defesa utilizadas pelo ente estatal quando comprovadamente impossiacutevel realizar a prestaccedilatildeo pleiteada Desta forma abordamos a Reserva do Possiacutevel ou seja a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado quando confrontada com o Miacutenimo Existencial de cada direito fundamental social necessaacuterio para a existecircncia humana digna Por fim discorreremos sobre a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio bem como do Ministeacuterio Puacuteblico e da Defensoria Puacuteblica para coagir a Administraccedilatildeo Puacuteblica a cumprir as medidas necessaacuterias assim como proteger e representar os indiviacuteduos que estejam sofrendo restriccedilotildees em seus direitos

Palavras-Chave Estado Reserva do Possiacutevel Poder Judiciaacuterio

Abstract The present work focuses on possible ways to hold the accountable the

State by individuals and on the other hand the defense thesis used by the state entity when it proves impossible to make the provision pleaded This way we approach the Reserve of the Possible in other words the budget constraint of the State when confronted whit the Minimum Existential of each fundamental social right necessary to a dignified human existence Lastly we discourse about the performance of the Judiciary as well as Public Prosecutor and Public Defender to coerce the State to comply the necessary measures as well as protecting and represent the individuals who are suffering restrictions on their rights

Keywords State Possible Reserve Judiciary

1 Artigo submetido em 01072013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 02092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Bacharel em direito jaacute aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil formado pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia em 2011 Cursando Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu pela Faculdade de Direito Damaacutesio de Jesus com especializaccedilatildeo em Direito Penal e Processual Penal com conclusatildeo prevista para 2013 Trabalhando com total dedicaccedilatildeo e exclusividade como provaacutevel mestrando para o ano de 2014 pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia Residente e domiciliado na Rua Joaquim Ferreira Eacutevora ndeg 279 Jardim Eldorado CEP 17505-020 MariacuteliaSP Telefones para contato (14) 3432-5027 (14) 8145-4632 Endereccedilo eletrocircnico lucasdanielfshotmailcom Para outras informaccedilotildees acessar o Curriacuteculo Lattes disponiacutevel em lt httpbuscatextualcnpqbrbuscatextualvisualizacvdoid=K4357078Z8gt

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 528

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

INTRODUCcedilAtildeO

A Reserva do Possiacutevel surgiu em julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional Alematildeo em decisatildeo conhecida como Numerus Clausus (nuacutemero restrito)

Neste caso o Tribunal Constitucional analisou demanda judicial proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos nas escolas de Medicina de Hamburgo e Munique em face da limitaccedilatildeo do nuacutemero de vagas em cursos superiores adotada pelo paiacutes em 1960 com fundamento no artigo 12 da Lei Fundamental alematilde que garantia a livre escolha de trabalho ofiacutecio ou profissatildeo

Ao decidir a questatildeo a Corte alematilde entendeu que o direito pleiteado qual seja o aumento do nuacutemero de vagas na universidade encontra limitaccedilatildeo na Reserva do Possiacutevel conceituada como o que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade sob pena de em virtude das limitaccedilotildees de ordem econocircmica comprometer a plena efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

Assim a decisatildeo foi que natildeo seria razoaacutevel obrigar o Estado a disponibilizar o acesso a todos que pretendessem cursar medicina eis que esta exigecircncia estaria acima de um limite social baacutesico

Analisando a questatildeo Sarlet (2001 p 265) leciona que o Tribunal alematildeo entendeu que

() a prestaccedilatildeo reclamada deve corresponder ao que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade de tal sorte que mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposiccedilatildeo natildeo se pode falar em uma obrigaccedilatildeo de prestar algo que natildeo se mantenha nos limites do razoaacutevel

Destaca-se que mesmo que o Estado possua os recursos necessaacuterios disponiacuteveis natildeo eacute obrigado a prestar algo que natildeo seja razoaacutevel como entendeu a Corte alematilde no caso supracitado referente aos estudantes que pleiteavam vagas de medicina em uma determinada instituiccedilatildeo de ensino

Desta forma a Reserva do Possiacutevel em sua origem natildeo leva em

consideraccedilatildeo uacutenica e exclusivamente a existecircncia de recursos materiais suficientes

para a efetivaccedilatildeo do direito social mas sim a razoabilidade da pretensatildeo deduzida

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

Assim acaba sendo um elemento externo capaz de limitar ou ateacute restringir o acesso

dos titulares a um direito fundamental social especiacutefico face agrave limitaccedilatildeo

orccedilamentaacuteria do Estado

No entendimento de Moraes (2007 p 177) os direitos sociais

() satildeo direitos fundamentais do homem caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas de observacircncia obrigatoacuteria em um Estado Social de Direito tendo por finalidade a melhoria de condiccedilotildees de vida aos hipossuficientes visando agrave concretizaccedilatildeo da igualdade social e satildeo consagrados como fundamentos do Estado Democraacutetico pelo art 1ordm IV da Constituiccedilatildeo Federal

No mesmo sentido segundo Krell (2002 p 20)

As normas programaacuteticas sobre direitos sociais que hoje encontramos nas grandes maiorias dos textos constitucionais dos paiacuteses europeus e latino-americanos definem metas e finalidades as quais o legislador ordinaacuterio deve elevar a um niacutevel adequado de concretizaccedilatildeo Essas ldquonormas-programardquo prescrevem a realizaccedilatildeo por parte do Estado de determinados fins e tarefas Elas natildeo representam meras recomendaccedilotildees ou preceitos morais com eficaacutecia eacutetico-poliacutetica meramente diretiva mas constituem Direito diretamente aplicaacutevel

Os direitos fundamentais sociais do homem satildeo aqueles garantidos

constitucionalmente fornecidos atraveacutes de prestaccedilotildees do Estado que visam garantir

uma condiccedilatildeo de vida digna a todos os membros da coletividade

Dessa forma deve-se fazer uma anaacutelise entre as possibilidades do ente

puacuteblico e a urgecircncia da pretensatildeo pleiteada sob pena de se manejada a situaccedilatildeo

de forma incorreta causar grave lesatildeo agrave economia puacuteblica ou ferir direitos

garantidos constitucionalmente que consagram a dignidade da pessoa humana

A Reserva do Possiacutevel entatildeo eacute invocada quando da impossibilidade de o

Estado atraveacutes de prestaccedilotildees positivas garantir plenamente a efetivaccedilatildeo de todos

os direitos fundamentais sociais sob pena de grave prejuiacutezo ao eraacuterio e

consequentemente agrave sociedade como um todo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA

A teoria da Reserva do Possiacutevel foi implantada no Brasil e interpretada unicamente como a Reserva do Financeiramente Possiacutevel eis que eacute considerada como limite agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais tatildeo somente a existecircncia ou natildeo de recursos puacuteblicos disponiacuteveis

Natildeo eacute de se espantar que houve uma mudanccedila na essecircncia da teoria quando interpretada em solo paacutetrio uma vez que existem significantes diferenccedilas sociais culturais e econocircmicas entre a Alemanha berccedilo da teoria da Reserva do Possiacutevel e o Brasil

Sobre a implantaccedilatildeo da Reserva do Possiacutevel pelo Brasil face agraves grandes diferenccedilas entre os paiacuteses segundo Krell (2002 p 108)

Devemos nos lembrar que os integrantes do sistema juriacutedico alematildeo natildeo desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhotildees de cidadatildeos socialmente excluiacutedos Na Alemanha ndash como nos paiacuteses centrais ndash natildeo haacute um grande contingente de pessoas que natildeo acham vagas nos hospitais mal equipados da rede puacuteblica natildeo aacute necessidade de organizar a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da alimentaccedilatildeo baacutesica a milhotildees de indiviacuteduos para evitar sua subnutriccedilatildeo ou morte natildeo haacute altos nuacutemeros de crianccedilas e jovens fora da escola natildeo haacute pessoas que natildeo conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniaacuterio de assistecircncia social que recebem etc

Deste modo no Brasil em razatildeo de sua realidade econocircmica e social esta teoria eacute utilizada como oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais face agrave limitaccedilatildeo do Estado em dispor de recursos financeiros suficientes para implementaacute-los

A Reserva do Possiacutevel consiste na realizaccedilatildeo dos direitos sociais condicionada agrave quantidade de recursos disponiacuteveis sob pena de ao dar enfoque a apenas um desses direitos inviabilizar a prestaccedilatildeo de outros

Sobre o tema assim se posiciona Barcellos (2002 p 232)

() eacute importante lembrar que haacute um limite de possibilidades materiais para esses direitos Em suma pouco adiantaraacute do ponto de vista praacutetico a previsatildeo normativa ou a refinada teacutecnica hermenecircutica se absolutamente natildeo houver dinheiro para custear a despesa gerada por determinado direito subjetivo

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Em virtude da ausecircncia de condiccedilotildees financeiras de garantir integralmente todos os direitos fundamentais sociais cabe ao Estado fazer escolhas estabelecendo as prioridades e criteacuterios a serem seguidos por meio da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

Nas palavras de Oliveira (2006 p 251)

As poliacuteticas puacuteblicas satildeo providecircncias para que os direitos se realizem para que as satisfaccedilotildees sejam atendidas para que as determinaccedilotildees constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidades aos governados

As poliacuteticas puacuteblicas que consistem na destinaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico para determinados fins entretanto encontram barreira na Reserva do Possiacutevel face agrave limitaccedilatildeo financeira do Estado

Assim cabe agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica tendo em vista o caso concreto e os direitos conflitantes buscar compatibilizaacute-los procedendo a uma anaacutelise interpretativa que leva em conta a hierarquizaccedilatildeo desses direitos fazendo prevalecer dessa forma os direitos considerados de maior relevacircncia naquele determinado momento

Este poder de escolha do Estado eacute denominado poder discricionaacuterio por meio do qual a Administraccedilatildeo Puacuteblica tem a liberdade de escolher consultando a oportunidade e conveniecircncia a medida que mais convenha ao interesse puacuteblico sem necessidade de previsatildeo legal

Na liccedilatildeo de Meirelles (2004 p 120)

Essa liberdade funda-se na consideraccedilatildeo de que soacute o administrador em contato com a realidade estaacute em condiccedilotildees de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniecircncia da praacutetica de certos atos que seria impossiacutevel ao legislador dispondo na regra juriacutedica - lei - de maneira geral e abstrata prover com justiccedila e acerto

Obviamente mesmo dispondo desta liberdade as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituiccedilatildeo Federal que determina as diretrizes a serem seguidas a fim de satisfazer os objetivos fundamentais nela previstos

Nesta esteira assim leciona Canotilho (1999 p 448) Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 532

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

O entendimento dos direitos sociais econocircmicos e culturais como direitos originaacuterios implica como jaacute foi salientado uma mudanccedila na funccedilatildeo dos direitos fundamentais e potildee como acuidade o problema de sua efectivaccedilatildeo Natildeo obstante se falar aqui da efectivaccedilatildeo dentro de uma lsquoreserva possiacutevelrsquo para significar a dependecircncia dos direitos econoacutemicos sociais e culturais dos lsquorecursos econocircmicosrsquo a efetivaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais natildeo se reduz a um simples lsquoapelorsquo ao legislador Existe uma verdadeira imposiccedilatildeo constitucional legitimadora entre outras coisas de transformaccedilotildees econocircmicas e sociais na medida em que estas forem necessaacuterias para efetivaccedilatildeo desses direitos

Vale salientar entatildeo que a discricionariedade nas condutas do administrador natildeo permite que ele opte por concretizar ou natildeo um direito fundamental mas sim que ao realizar a distribuiccedilatildeo de recursos faccedila uma ponderaccedilatildeo no tocante aos bens juriacutedicos em questatildeo

Condicionar a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais unicamente agrave existecircncia ou natildeo de recursos disponiacuteveis e consequentemente agrave decisatildeo do administrador causa uma grande inseguranccedila juriacutedica razatildeo pela qual as escolhas realizadas por este devem ser sempre precedidas de uma anaacutelise cautelosa do caso concreto visando sempre a melhor decisatildeo possiacutevel para o conflito de interesses

A Reserva do Possiacutevel sob pena de ser utilizada pelo Estado como forma de se exonerar dolosamente do cumprimento de suas obrigaccedilotildees delineadas constitucionalmente soacute poderaacute ser invocada quando restar objetivamente comprovada a inexistecircncia de recursos financeiros para a realizaccedilatildeo de determinado fim

Assim tendo em vista a vital importacircncia da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a Reserva do Possiacutevel deve ser rechaccedilada quando invocada com o intuito de afastar a obrigatoriedade de efetivaccedilatildeo dos referidos direitos pelo Estado razatildeo pela qual a mera alegaccedilatildeo de insuficiecircncia de recursos natildeo eacute suficiente devendo haver a clara comprovaccedilatildeo da mesma

Entretanto o que se constata na realidade paacutetria eacute um completo descaso com a efetivaccedilatildeo dos direitos sociais notado pelo mau planejamento das verbas pelo Estado conjuntamente com a criaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas insuficientes para atender agrave demanda da populaccedilatildeo brasileira

Questatildeo que merece destaque neste sentido eacute a corrupccedilatildeo crescente em nosso paiacutes o que vem comprometer a manutenccedilatildeo da qualidade de vida da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 533

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populaccedilatildeo eis que o interesse maior do administrador puacuteblico que deveria ser o bem comum passa a ser interesse de cunho pessoal

Sobre o caos poliacutetico vivido hodiernamente em nosso paiacutes se posiciona Cambi (2009 p 245)

Confiar unicamente na concretizaccedilatildeo do interesse puacuteblico por parte dos administradores puacuteblicos eleitos para isto eacute fechar os olhos para a realidade brasileira marcada por inuacutemeros poliacuteticos despreparados oportunistas corruptos ou que fazem uso inadequado do dinheiro puacuteblico

Nesta esteira a corrupccedilatildeo viola diretamente os direitos fundamentais sociais da pessoa humana ou seja das prestaccedilotildees sociais obrigatoacuterias por parte do Estado como representante maior da sociedade

Estes desvios de interesses bem como a ausecircncia de recursos financeiros no entanto natildeo podem ter o condatildeo de comprometer o miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna da pessoa humana conforme passaremos a analisar

2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS

A grande maioria dos direitos fundamentais depende de prestaccedilotildees positivas exigindo gastos financeiros por parte do Estado que encontra restriccedilotildees para a total efetivaccedilatildeo desses direitos na escassez de recursos

Entretanto natildeo eacute possiacutevel deixar a mercecirc do Estado a decisatildeo de implementar ou natildeo ao menos uma parcela miacutenima de cada direito fundamental social necessaacuteria para garantir a vida digna de cada indiviacuteduo sob pena de atentar diretamente contra os direitos e garantias constitucionais

Esta parcela miacutenima dos direitos fundamentais eacute chamada Miacutenimo Existencial que no entendimento de Rocha foi criado ldquo[] para dar efetividade ao princiacutepio da possibilidade digna ou da dignidade da pessoa humana possiacutevel a ser garantido pela sociedade e pelo Estadordquo (ROCHA 2005 p 445)

Acerca do nuacutecleo abrangido pelo Miacutenimo Existencial Canotilho (2001 p 203) expotildee

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

Das vaacuterias normas sociais econocircmicas e culturais eacute possiacutevel deduzir-se um princiacutepio juriacutedico estruturante de toda a ordem econocircmico-social portuguesa todos (princiacutepio da universalidade) tecircm um direito fundamental a um nuacutecleo baacutesico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights) na ausecircncia do qual o estado portuguecircs deve se considerar infractor das obrigaccedilotildees juriacutedico-sociais constitucional e internacionalmente impostas

Neste diapasatildeo o Miacutenimo Existencial eacute o direito de cada indiviacuteduo agraves condiccedilotildees miacutenimas indispensaacuteveis para a existecircncia humana digna que natildeo pode ser objeto de intervenccedilatildeo do Estado mas que exige prestaccedilotildees positivas deste Consiste entatildeo a um padratildeo miacutenimo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais pelo Estado

Embora natildeo esteja expressamente contido em nossa Constituiccedilatildeo Federal deve-se contextualizaacute-lo nos direitos humanos na ideia de liberdade em todos os seus sentidos e nos princiacutepios da igualdade e acima de tudo da dignidade da pessoa humana princiacutepio basilar das garantias constitucionais

Sarlet (2001 p 60) conceitua a dignidade da pessoa humana da seguinte forma

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intriacutenseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por parte do Estado e da comunidade implicando neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condiccedilotildees existenciais miacutenimas para uma vida saudaacutevel aleacutem de propiciar e promover sua participaccedilatildeo ativa co-responsaacutevel nos destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo dos demais seres humanos

Neste sentido a existecircncia humana digna natildeo eacute considerada apenas no aspecto fiacutesico no sentido de manutenccedilatildeo e sobrevivecircncia do corpo mas tambeacutem no aspecto intelectual e espiritual assegurando dentre outros os direitos agrave educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo e sauacutede

Assim eacute necessaacuterio que se reconheccedila certos direitos subjetivos a prestaccedilotildees ligados ao miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna do indiviacuteduo e natildeo somente para sua subsistecircncia Sem a garantia deste miacutenimo imprescindiacutevel para a existecircncia humana haacute uma afronta direta ao direito constitucional agrave vida e mais que isso a uma vida com dignidade base de todos os direitos fundamentais e humanos

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Natildeo eacute possiacutevel no entanto elencar taxativamente os elementos que compotildeem o miacutenimo existencial de cada direito sendo necessaacuteria uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto e do direito fundamental em questatildeo

A restriccedilatildeo de direitos fundamentais sociais somente se justifica quando natildeo viola o Miacutenimo Existencial ou seja o nuacutecleo essencial destes direitos Mesmo existindo a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado natildeo cabe agrave Administraccedilatildeo por meio do poder discricionaacuterio fazer escolhas no tocante a concretizar ou natildeo o miacutenimo existencial de determinado direito fundamental uma vez que estes satildeo considerados pilares da existecircncia humana digna razatildeo pela qual natildeo podem ser olvidados

Vale destacar que o objetivo maior do Estado eacute sempre concretizar integralmente os direitos fundamentais sociais pois estes satildeo indispensaacuteveis para a vida humana digna Natildeo sendo possiacutevel em razatildeo de ausecircncia de recursos invocando-se neste caso a Reserva do Possiacutevel pelo menos o Miacutenimo Existencial de cada um desses direitos dever ser garantido porque possui prioridade nas destinaccedilotildees orccedilamentaacuterias

Assim eacute o entendimento de Barcellos (2002 p 246)

Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o miacutenimo existencial) estar-se-atildeo estabelecendo exatamente os alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos Apenas depois de atingi-os eacute que se poderaacute discutir relativamente aos recursos remanescentes em que outros projetos se deveraacute investir O miacutenimo existencial como se vecirc associado ao estabelecimento de prioridades orccedilamentaacuterias eacute capaz de conviver produtivamente com a reserva do possiacutevel

Em siacutentese a Reserva do Possiacutevel pode conviver pacificamente com o Miacutenimo Existencial pois este atua como um limite para a invocaccedilatildeo daquela ou seja a Reserva do Possiacutevel soacute poderaacute ser invocada quando realizado o juiacutezo da proporcionalidade e da garantia do Miacutenimo Existencial com relaccedilatildeo a todos os direitos em questatildeo

Por derradeiro o Miacutenimo Existencial surgiu para proteccedilatildeo dos indiviacuteduos por meio da efetivaccedilatildeo de uma parcela das garantias constitucionais aptas a proporcionar ao ser humano uma vida com dignidade frente a todo o descaso que presenciamos diariamente do poder puacuteblico para com as necessidades mais urgentes dos cidadatildeos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 536

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

No caso de haver qualquer desrespeito no tocante agrave concretizaccedilatildeo ao menos do nuacutecleo essencial de determinado direito fundamental social o Poder Judiciaacuterio deve ser acionado para intervir pois pelo caraacuteter de indispensabilidade dos referidos direitos eles gozam de proteccedilatildeo jurisdicional conforme passaremos a tratar

3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO

A limitada disponibilidade de recursos do Poder Puacuteblico para prover as ilimitadas necessidades da coletividade eacute uma realidade que tem o condatildeo de causar a insatisfaccedilatildeo dos indiviacuteduos que comumente acabam procurando o Poder Judiciaacuterio para a resoluccedilatildeo do impasse

No tocante agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio em temas referentes agraves poliacuteticas puacuteblicas para aqueles que defendem natildeo ser esta cabiacutevel fala-se que a referida mateacuteria estaacute ligada agrave discricionariedade e conveniecircncia do Poder Executivo natildeo podendo portanto ser objeto de pleito judicial sob pena de desrespeitar o princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

De acordo com este entendimento eacute atribuiccedilatildeo exclusiva do poder estatal decidir de que forma e onde os recursos puacuteblicos devem ser aplicados

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passa a assegurar de forma expressa a proteccedilatildeo de direitos sejam eles privados puacuteblicos ou transindividuais (difusos coletivos ou individuais homogecircneos)

Destarte traz expressamente em seu artigo 5ordm inciso XXXV a possibilidade de se recorrer agraves vias judiciais quando da violaccedilatildeo de direitos ldquoA lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do poder judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direitordquo

De acordo com os ensinamentos de Lenza (2009 p 698) ldquoo artigo 5ordm inciso XXXV veio sedimentar o entendimento amplo do termo direito dizendo que a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito natildeo mais restringindo a sua amplituderdquo

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O desrespeito aos princiacutepios e garantias fundamentais indispensaacuteveis para a existecircncia humana jaacute fundamenta a intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio que deveraacute agir natildeo de forma ilimitada mas analisando sempre a situaccedilatildeo concreta

De encontro a este posicionamento Barcellos (2002 p 230) afirma

() nem a separaccedilatildeo de poderes nem o princiacutepio majoritaacuterio satildeo absolutos em si mesmos sendo possiacutevel excepcionaacute-los em determinadas hipoacuteteses especialmente quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana

Natildeo estaacute havendo portanto usurpaccedilatildeo das funccedilotildees de um poder sobre o outro nem tampouco invasatildeo na seara administrativa eis que eacute papel do Judiciaacuterio agir diante de violaccedilatildeo de direito subjetivo constitucional corrigindo eventuais distorccedilotildees provocadas pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

Atuando desta forma natildeo se atribui ao Judiciaacuterio o poder de criar poliacuteticas puacuteblicas mas sim o de obrigar que sejam executadas aquelas que jaacute satildeo objeto de legislaccedilatildeo

O Ministro Encinas Manfreacute do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo assim se manifestou no julgamento da Apelaccedilatildeo nordm 9152889-0520088260000

Inocorrecircncia de violaccedilatildeo ao princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Cabiacutevel determinaccedilatildeo judicial para que assegurados direitos fundamentais de crianccedilas e adolescentes os quais disciplinados na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica em Convenccedilatildeo Internacional incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro assim como na Lei 80601990 Possibilidade juriacutedica dos pedidos formulados pelo autor Arguiccedilotildees preliminares rejeitadas

Logo natildeo haacute invasatildeo do Judiciaacuterio na seara administrativa nestes casos mas tatildeo somente controle judicial acerca de descumprimento de preceito legal

Os direitos previstos na legislaccedilatildeo por si soacute satildeo vazios quando natildeo dotados de efetividade Neste diapasatildeo em virtude da prevalecircncia dos direitos fundamentais cabe ao Judiciaacuterio como inteacuterprete e aplicador do direito assegurar efetividade agraves normas constitucionais conforme dispotildee o julgado a seguir

PACIENTE COM HIVAIDS - PESSOA DESTITUIacuteDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO Agrave VIDA E Agrave SAUacuteDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS ndash DEVER CONSTITUCIONAL DO

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

PODER PUacuteBLICO (CF ARTS 5ordm CAPUT E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO O DIREITO Agrave SAUacuteDE REPRESENTA CONSEQUumlEcircNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIAacuteVEL DO DIREITO Agrave VIDA (STF ndash RE 271286RS rel Min Celso de Mello DJ 24112000)

A jurisprudecircncia brasileira eacute tranquila no sentido de preservar a efetividade do Miacutenimo Existencial entendendo que por se enquadrarem nos direitos fundamentais sociais natildeo se expotildee agrave avaliaccedilatildeo discricionaacuteria da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Poder Puacuteblico utiliza como tese defensiva a Reserva do Possiacutevel que natildeo vem sendo aceita pelas decisotildees jurisprudenciais quando meramente alegada exigindo-se a efetiva comprovaccedilatildeo de ausecircncia de recursos

Neste contexto assim decidiu o Superior Tribunal Federal rechaccedilando a alegaccedilatildeo de insuficiecircncia orccedilamentaacuteria

CRECHE E PREacute-ESCOLA - OBRIGACcedilAtildeO DO ESTADO - IMPOSICcedilAtildeO - INCONSTITUCIONALIDADE NAtildeO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO 1 Conforme preceitua o artigo 208 inciso IV da Carta Federal consubstancia dever do Estado a educaccedilatildeo garantindo o atendimento em creche e preacute-escola agraves crianccedilas de zero a seis anos de idade O Estado - Uniatildeo Estados propriamente ditos ou seja unidades federadas e Municiacutepios - deve aparelhar-se para a observacircncia irrestrita dos ditames constitucionais natildeo cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiecircncia de caixa Eis a enorme carga tributaacuteria suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga O recurso natildeo merece prosperar lamentando-se a insistecircncia do Municiacutepio em ver preservada praacutetica a todos os tiacutetulos nefasta de menosprezo agravequeles que natildeo tecircm como prover as despesas necessaacuterias a uma vida em sociedade que se mostre consentacircnea com a natureza humana 2 Pelas razotildees acima nego seguimento a este extraordinaacuterio ressaltando que o acoacuterdatildeo proferido pela Corte de origem limitou-se a ferir o tema agrave luz do artigo 208 inciso IV da Constituiccedilatildeo Federal reportando-se mais a compromissos reiterados na Lei Orgacircnica do Municiacutepio - artigo 247 inciso I e no Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - artigo 54 inciso IV 3 Publique-se (STF Decisatildeo Monocraacutetica RE nordm 356479-0 Rel Min Marco Aureacutelio J em 300404 DJU em 240504)

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - CRIANCcedilA DE ATEacute SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PREacute- ESCOLA - EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DIREITO ASSEGURADO PELO PROacutePRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF ART 208 IV) - COMPREENSAtildeO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL Agrave EDUCACcedilAtildeO - DEVER JURIacuteDICO CUJA EXECUCcedilAtildeO SE IMPOtildeE AO PODER PUacuteBLICO NOTADAMENTE AO

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MUNICIacutePIO (CF ART 211 sect 2ordm) - RECURSO IMPROVIDO (STF - RE 436996SP rel Min Celso de Mello DJ 07112005)

Como se percebe o que tem acontecido constantemente eacute o Poder Puacuteblico agir sem razoabilidade com a clara intenccedilatildeo de neutralizar os direitos fundamentais sociais afetando de forma direta mediante ineacutercia estatal ou abuso governamental as condiccedilotildees miacutenimas imprescindiacuteveis para uma existecircncia humana digna

Nesse sentido eacute a decisatildeo proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 45

Eacute que a realizaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais ndash aleacutem de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretizaccedilatildeo ndash depende em grande medida de um inescapaacutevel viacutenculo financeiro subordinado agraves possibilidades orccedilamentaacuterias do Estado de tal modo que comprovada objetivamente a incapacidade econocircmico-financeira da pessoa estatal desta natildeo se poderaacute razoavelmente exigir considerada a limitaccedilatildeo material referida a imediata efetivaccedilatildeo do comando fundado no texto da Carta Poliacutetica Natildeo se mostraraacute liacutecito no entanto ao Poder Puacuteblico em tal hipoacutetese ndash mediante indevida manipulaccedilatildeo de sua atividade financeira eou poliacutetico-administrativa ndash criar obstaacuteculo artificial que revele o ilegiacutetimo arbitraacuterio e censuraacutevel propoacutesito de fraudar de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservaccedilatildeo em favor da pessoa e dos cidadatildeos de condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia Cumpre advertir desse modo que a claacuteusula da ldquoreserva do possiacutevelrdquo ndash ressalvada a ocorrecircncia de justo motivo objetivamente aferiacutevel ndash natildeo pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigaccedilotildees constitucionais notadamente quando dessa conduta governamental negativa puder resultar nulificaccedilatildeo ou ateacute mesmo aniquilaccedilatildeo de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade

Analisando a decisatildeo supra fica claro que alegar limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invocando a Reserva do Possiacutevel por si soacute natildeo tem o condatildeo de justificar a omissatildeo estatal especialmente nos casos em que estaacute em jogo a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial de determinado direito fundamental social

Muito embora a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria seja uma realidade quando se trata do miacutenimo existencial de um direito fundamental e natildeo houver real impossibilidade objetiva demonstrada a omissatildeo administrativa natildeo encontra justificativa na Reserva do Possiacutevel

Por outro lado o que tambeacutem natildeo pode ocorrer eacute o Poder Judiciaacuterio soliacutecito aos pleitos dos indiviacuteduos para obterem determinadas prestaccedilotildees judiciais ordenar

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

que as referidas prestaccedilotildees sejam executadas sem levar em consideraccedilatildeo os fundamentos apresentados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica que naquele momento pode se encontrar incapaz de atender os pleitos em questatildeo

Esse tipo de decisatildeo do Judiciaacuterio no qual natildeo existe uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto pode resultar em seacuterios problemas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica posto que o administrador para conseguir cumprir o determinado nas decisotildees judiciais muitas vezes tem que retirar recursos de uma aacuterea especiacutefica para que sejam aplicados conforme o ordenamento judicial

Essa situaccedilatildeo acarreta uma violaccedilatildeo direta ao princiacutepio constitucional da igualdade pois para cumprir determinada decisatildeo judicial e em consequecircncia beneficiar um indiviacuteduo especiacutefico muitas vezes o Poder Puacuteblico conforme jaacute citado precisa realocar verbas de outra aacuterea causando prejuiacutezo agravequeles que dela dependiam

Por derradeiro o Poder Judiciaacuterio possui uma grande responsabilidade ao apurar os casos concretos ponderando e decidindo sempre pelo caminho que priorize o bem comum

4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO

Eacute de conhecimento geral que eacute dever do Estado viabilizar o acesso efetivo agraves poliacuteticas puacuteblicas determinadas constitucionalmente No entanto natildeo obstante a alegaccedilatildeo de limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico apurar se tal afirmaccedilatildeo procede e em caso negativo comprovar objetivamente a capacidade orccedilamentaacuteria do Poder Puacuteblico para exigir a efetivaccedilatildeo do direito constitucional em questatildeo

Por expressa determinaccedilatildeo constitucional o ministeacuterio puacuteblico eacute oacutergatildeo defensor do interesse social conforme o disposto no art 129 II da Constituiccedilatildeo Federal

Sempre visando o interesse da coletividade eacute de grande importacircncia para o trabalho desenvolvido pelo Ministeacuterio Puacuteblico o poder de realizaccedilatildeo do Inqueacuterito Civil instrumento investigativo exclusivo do referido oacutergatildeo bem como deteacutem

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

legitimidade para o ajuizamento de Accedilatildeo Civil Puacuteblica aleacutem de ter poderes para a realizaccedilatildeo de TAC - Termo de Ajustamento de Conduta

O TAC eacute um instituto utilizado antes e com o fim de evitar que se venha a instaurar o processo judicial Eacute um instituto de caraacuteter conciliatoacuterio adotado com o objetivo de composiccedilatildeo e tutela de interesses metaindividuais entre o Ministeacuterio Puacuteblico e a parte interessada de modo que esta se comprometa a agir da forma que for acordada

O Ministeacuterio Puacuteblico tambeacutem eacute parte legiacutetima e tem interesse de agir para propor accedilatildeo civil puacuteblica na qual defende interesses individuais indisponiacuteveis pois neste molde qualifica-se o direito agrave vida e agrave sauacutede

No mesmo sentido o Ministro Vicente de Abreu Amadei do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo julgou a Apelaccedilatildeo nordm 0004821-4920108260664

APELACcedilAtildeO - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - PESSOA HIPOSSUFICIENTE E PORTADORA DE DIABETES TIPO 1 (CID 10 ELO-0) ndash MEDICAMENTO PRESCRITO POR MEacuteDICO (LANTUS SALUSTAR E APIDRA SALUSTAR) ndash INSUMOS NECESSAacuteRIO (AGULHAS BD DE 5 MM) - INTERESSE DE AGIR ndash NECESSIDADE DA JURISDICcedilAtildeO SEM EXAURIR A VIA ADMINISTRATIVA - OBRIGACcedilAtildeO DO MUNICIacutePIO - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO ndash DIREITO FUNDAMENTAL AO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS - APLICACcedilAtildeO DOS ARTS IO III E 6O DA CF - PRINCIacutePIOS DA ISONOMIA DA TRIPARTICcedilAtildeO DE FUNCcedilOtildeES ESTATAIS E DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRACcedilAtildeO NAtildeO VIOLADOS - LIMITACcedilAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA E TEORIA DA RESERVA DO POSSIacuteVEL - TESES AFASTADAS - COMINACcedilAtildeO DE MULTA EM OBRIGACcedilAtildeO IMPOSTA A ENTE PUacuteBLICO -VIABILIDADE - RECURSO NAtildeO PROVIDO

No que tange agrave tutela jurisdicional dos direitos individuais homogecircneos decidiu o Supremo Tribunal Federal

O Ministeacuterio Puacuteblico tem legitimidade para ajuizar accedilatildeo civil puacuteblica objetivando o fornecimento de remeacutedio pelo Estado Com base nesse entendimento a Turma proveu recurso extraordinaacuterio em que se questionava a obrigatoriedade de o Estado proporcionar a certa cidadatilde medicamentos indispensaacuteveis agrave preservaccedilatildeo de sua vida No caso tribunal local extinguira o processo sem julgamento de meacuterito ante a mencionada ilegitimidade ativa ad causam do parquet uma vez que se buscava por meio da accedilatildeo proteccedilatildeo a direito individual no caso de pessoa idosa (Lei 884294 art 2ordm) Sustentava-se na espeacutecie afronta aos artigos 127 e 129 II e III da CF Assentou-se que eacute funccedilatildeo institucional do parquet zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Puacuteblicos e dos serviccedilos de relevacircncia puacuteblica aos direitos assegurados na Constituiccedilatildeo promovendo medidas

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

necessaacuterias a sua garantia (CF art 129 II) (STF RE 407902RS rel Min Marco Aureacutelio 2652009 (RE-407902)

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS - SEGURADOS DA PREVIDEcircNCIA SOCIAL - CERTIDAtildeO PARCIAL DE TEMPO DE SERVICcedilO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIAacuteRIA - DIREITO DE PETICcedilAtildeO E DIREITO DE OBTENCcedilAtildeO DE CERTIDAtildeO EM REPARTICcedilOtildeES PUacuteBLICAS - PRERROGATIVAS JURIacuteDICAS DE IacuteNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTEcircNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - LEGITIMACcedilAtildeO ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO - A FUNCcedilAtildeO INSTITUCIONAL DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO COMO DEFENSOR DO POVO (CF ART 129 II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF - RE 472489 AgRRS rel Min Celso de Mello DJ 29082008)

Desta forma extrai-se dos entendimentos acima que a legitimidade do Ministeacuterio Puacuteblico eacute inquestionaacutevel no que diz respeito agrave defesa dos direitos fundamentais sociais dos indiviacuteduos sejam eles metaindividuais ou individuais indisponiacuteveis

5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA

A Defensoria Puacuteblica eacute uma instituiccedilatildeo permanente e indispensaacutevel cuja

atribuiccedilatildeo eacute oferecer aos cidadatildeos hipossuficientes de forma integral e gratuita

orientaccedilatildeo juriacutedica e a defesa dos direitos individuais e coletivos

Desta forma cabe agrave Defensoria em cada caso especiacutefico objetivar a

efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental de modo a concretizar o princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana

Eacute de vital importacircncia destacar que a Lei nordm 11448 de 15 de janeiro de

2007 alterando o art 5ordm da Lei nordm 734785 legitima a Defensoria Puacuteblica para

propositura da accedilatildeo civil puacuteblica

A seguir alguns julgados do Superior Tribunal de Justiccedila que tratam sobre o

tema em questatildeo

PROCESSUAL CIVIL ACcedilAtildeO COLETIVA DEFENSORIA PUacuteBLICA LEGITIMIDADE ATIVA ART 5ordm II DA LEI Nordm 73471985 (REDACcedilAtildeO DA LEI Nordm 114482007) PRECEDENTE

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1 Recursos especiais contra acoacuterdatildeo que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Puacuteblica para propor accedilatildeo civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores 2 Esta Superior Tribunal de Justiccedila vem-se posicionando no sentido de que nos termos do art 5ordmII da Lei nordm 734785 (com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 1144807) a Defensoria Puacuteblica tem legitimidade para propor a accedilatildeo principal e a accedilatildeo cautelar em accedilotildees civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente ao consumidor a bens e direitos de valor artiacutestico esteacutetico histoacuterico turiacutestico e paisagiacutestico e daacute outras providecircncias 3 Recursos especiais natildeo-providos (Primeira Turma REsp n 912849RS relator Ministro Joseacute Delgado DJe de 2842008)

PROCESSUAL CIVIL EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO OMISSAtildeO NO JULGADO INEXISTEcircNCIA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA MAXIDESVALORIZACcedilAtildeO DO REAL FRENTE AO DOacuteLAR NORTE-AMERICANO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS LEGITIMIDADE ATIVA DO OacuteRGAtildeO ESPECIALIZADO VINCULADO Agrave DEFENSORIA PUacuteBLICA DO ESTADO I ndash O NUDECON oacutergatildeo especializado vinculado agrave Defensoria Puacuteblica do Estado do Rio de Janeiro tem legitimidade ativa para propor accedilatildeo civil puacuteblica objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil para aquisiccedilatildeo de veiacuteculos automotores com claacuteusula de indexaccedilatildeo monetaacuteria atrelada agrave variaccedilatildeo cambial II - No que se refere agrave defesa dos interesses do consumidor por meio de accedilotildees coletivas a intenccedilatildeo do legislador paacutetrio foi ampliar o campo da legitimaccedilatildeo ativa conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC bem assim do artigo 5ordm inciso XXXII da Constituiccedilatildeo Federal ao dispor expressamente que incumbe ao Estado promover na forma da lei a defesa do consumidor III ndash Reconhecida a relevacircncia social ainda que se trate de direitos essencialmente individuais vislumbra-se o interesse da sociedade na soluccedilatildeo coletiva do litiacutegio seja como forma de atender agraves poliacuteticas judiciaacuterias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor com a consequumlente facilitaccedilatildeo ao acesso agrave Justiccedila seja para garantir a seguranccedila juriacutedica em tema de extrema relevacircncia evitando-se a existecircncia de decisotildees conflitantes Recurso especial provido (Terceira Turma REsp n 555111RJ relator Ministro Castro Filho DJ de 18122006)

Deste modo depreende-se que a Defensoria Puacuteblica aleacutem se sua funccedilatildeo

tiacutepica qual seja representar judicial e extrajudicialmente os direitos dos

necessitados possui tambeacutem a funccedilatildeo de zelar pela concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais sociais necessaacuterios para garantir a existecircncia digna do

indiviacuteduo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ideia que se encontra encartada no conceito de Reserva do Possiacutevel natildeo pode se constituir como uma escusa dos governos em cumprir com as poliacuteticas puacuteblicas que viabilizam a concretizaccedilatildeo dos direitos sociais na realidade faacutetica

Natildeo se deve permitir portanto que o argumento da Reserva do Possiacutevel constitua um escudo que proteja o Estado de sua inatividade considerando que este tem negligenciado por diversas vezes direitos que na verdade natildeo satildeo impossiacuteveis de serem concretizados ou seja que se enquadram perfeitamente no acircmbito da reserva do possiacutevel

A grande celeuma surge quando analisamos a Reserva do Possiacutevel no contexto do Miacutenimo Existencial A Reserva do Possiacutevel embora seja aceita em algumas hipoacuteteses natildeo pode ser um oacutebice para a efetivaccedilatildeo de pelo menos uma porccedilatildeo miacutenima de cada direito fundamental social imprescindiacutevel a garantir a efetivaccedilatildeo do princiacutepio constitucional da dignidade da pessoa humana

Portanto natildeo se despreza a aplicabilidade e razoabilidade da Reserva do Possiacutevel em determinadas situaccedilotildees O que se defende eacute que esse princiacutepio natildeo seja usado de forma aleatoacuteria com simples alegaccedilotildees Portanto haacute necessidade que o Poder Puacuteblico demonstre ou seja prove que a negativa do oferecimento ao direito do indiviacuteduo eacute para que natildeo prejudique a efetivaccedilatildeo de outros direitos ligados ao miacutenimo existencial da populaccedilatildeo

Neste contexto quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais sociais cabe ao Judiciaacuterio intervir em favor da realizaccedilatildeo destes sem no entanto interferir na esfera de atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Ministeacuterio Puacuteblico e a Defensoria Puacuteblica como defensores do interesse social tambeacutem possuem legitimidade para objetivar a efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental lesado

REFEREcircNCIAS

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia Juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2002

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lthttppla naltogovbrccivil_03constituicaoconstituiC3A7aohtmgt Acesso em 22 fev 2013 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Direitos fundamentais poliacuteticas puacuteblicas e protagonismo judiciaacuterio Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituiccedilatildeo 3 ed Coimbra Almedina 1999 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4 ed Coimbra Almedina 2001 KRELL Andreas J Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha os descaminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antocircnio Fabris Editor 2002 LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 13 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 29 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2004 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Administrativo 4 ed Satildeo Paulo Atlas 2007 OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 ROCHA Carmen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel Belo Horizonte Del Rey 2005 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS

Chamada de Artigos Resenhas e Ensaios para o Perioacutedico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia

Brasileira de Direito Constitucional

Invitacioacuten a publicar Artiacuteculos Resentildeas y Ensayos en la Revista

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Call for Articles Reviews and Essays for the publication Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de

Direito Constitucional (Constitution Economics and Development Law Journal of the Brazilian Academy of Constitutional Law)

A Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponiacutevel em httpwwwabdconstcombrrevistasphp)com periodicidade semestral estaacute recebendo artigos resenhas e ensaios ineacuteditos em portuguecircs inglecircs e espanhol para a publicaccedilatildeo do seus oitavo e nono nuacutemeros ateacute 20 de Dezembro de acordo com as informaccedilotildees abaixo

Cordialmente

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsaacutevel (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Assistente (rafaelabdconstcombr)

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Regras para a submissatildeo de artigos

La Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponible en httpwwwabdconstcombrrevistasphp) con periodicidad semestralestaacute recibiendo artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en portugueacutes ingleacutes y espantildeol para la publicacioacuten de sus octavo y nonos nuacutemero hasta 20 de Deciembre de acuerdo con las informaciones que se mencionan maacutes abajo

Un cordial saludo

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsable (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Asistente (rafaelabdconstcombr)

The Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 available at httpwwwabdconstcombrrevistasphp) published every semester is receiving original articles reviews and essays in Portuguese English and Spanish to be published in its eighth and ninth editions until December 20th according to the information below

Cordially

Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto ndash Assistant Editor (rafaelabdconstcombr)

Portuguecircs - Linha Editorial o perioacutedico cientiacutefico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional publica artigos resenhas e ensaios ineacuteditos nos acircmbitos da teoria e da dogmaacutetica juriacutedica privilegiando a perspectiva transdisciplinar e comparada assim como de outros saberes sobre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Missatildeo A missatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional eacute incentivar a produccedilatildeo

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de estudos das relaccedilotildees juriacutedico-constitucionais com a praacutetica e o pensamento econocircmicos a partir da perspectiva democraacutetica e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Ainda visa fomentar as discussotildees acadecircmicas sobre o desenvolvimento econocircmico juriacutedico humano e social e uma leitura criacutetica da Escola Law and Economics

Avaliaccedilatildeo dos Artigos Os artigos resenhas e ensaios satildeo analisados pelo Editor Responsaacutevel primeiramente para verificar a pertinecircncia com a linha editorial da Revista Posteriormente eacute feito o Double blind peer review ou seja os trabalhos cientiacuteficos satildeo remetidos a dois professores-pesquisadores doutores sem a identificaccedilatildeo dos autores para a devida avaliaccedilatildeo de forma e de conteuacutedo Quando houver um parecer pela aprovaccedilatildeo e outro pela reprovaccedilatildeo do artigo poderaacute haver a submissatildeo a terceiro parecerista para desempate depois de exame pelo Editor Encarregado Apoacutes a anaacutelise pelos pareceristas o Editor Responsaacutevel informaraacute aos autores o parecer negativo pela publicaccedilatildeo ou requereraacute as alteraccedilotildees sugeridas pelos pareceristas Neste caso os autores deveratildeo realizar as modificaccedilotildeese a partir das alteraccedilotildees feitas o Editor Responsaacutevel emitiraacute a opiniatildeo pela publicaccedilatildeo ou natildeo do texto Em cada nuacutemero poderatildeo ser publicados ateacute dois trabalhos (20 do total) de autores convidados selecionados pelo Editor Responsaacutevelde autoria de pesquisadores estrangeiros ou nacionais de grande renome com especial pertinecircncia temaacutetica com a revista

Envio dos Trabalhos Cientiacuteficos todos os artigos resenhas e ensaios deveratildeo ser enviados para o Editor Responsaacutevel da Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho e Editor assistente Rafael dos Santos Pinto no endereccedilo eletrocircnico trabalhosabdconstgooglegroupscom

O email deve obrigatoriamente conter nome completo e dados para contato do autor Deve ser enviado o trabalho em versatildeo aberta ( doc e similares) bem

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Regras para a submissatildeo de artigos

como acompanhar os termos de cessatildeo assinados disponiacutevel em httpwwwabdconstcombreditaisphp

Cessatildeo de Direitos Autorais e Termo de Responsabilidade Os autores ao submeterem seus trabalhos aceitam plenamente o conteuacutedo do termo de cessatildeo de direitos autorais obrigando-se a assinar a via disponiacutevel no site o que implica na transferecircncia integral e natildeo-onerosa dos direitos patrimoniais de seu trabalho agrave Revista Os autores tambeacutemassinaratildeo termo de responsabilidade em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do trabalho e atestam que o trabalho submetido eacute ineacutedito e natildeo foi veiculado em outro perioacutedico e que foram tomadas todas as precauccedilotildees e procedimentos eacuteticos cabiacuteveis no curso da pesquisa

Identificaccedilatildeo dos autores Os autores devem se identificar inscrevendo seu nome completo logo abaixo do tiacutetulo do artigo Cada nome deve ocupar uma linha e possuir nota de rodapeacute com a qualificaccedilatildeo completa do autor A qualificaccedilatildeo do autor deve obrigatoriamente conter o viacutenculo institucional (instituiccedilatildeo cidade e estado) do autor e dados para contato (preferencialmente e-mail) Caso a pesquisa tenha sido realizada com financiamento de instituiccedilatildeo puacuteblica ou privada o viacutenculo deve ser indicado na uacuteltima linha da qualificaccedilatildeo

Principais Normas Editoriais de Formataccedilatildeo os trabalhos seratildeo redigidos em portuguecircs espanhol ou inglecircs e digitados em processador de texto Word

Fonte para o corpo do texto Times New Roman tamanho 13

Fonte para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas de mais de 3 linhas Times New Roman tamanho 11

Entrelinhamento para o corpo do texto 15

Entrelinhamento para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas 10

Preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular

Estilo utilizado nas palavras estrangeiras itaacutelico

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Estilo utilizado para destacar palavras do proacuteprio texto negrito

Nuacutemero de paacuteginas no miacutenimo 10 e no maacuteximo 30 paacuteginas justificado e com paacuteginas natildeo numeradas podendo a juiacutezo do Editor Responsaacutevel ser publicado artigo com mais de 30 paacuteginas

Normas Editorias de Estrutura do Texto os artigos resenhas e ensaios deveratildeo conter os elementos abaixo

Cabeccedilalho tiacutetulo subtiacutetulo nome do(s) autor(es) ndash o nuacutemero maacuteximo de autores eacute trecircs

Tiacutetulo deve ser claro e objetivo podendo ser complementado por um subtiacutetulo separado por dois pontos em fonte maiuacutescula e minuacutescula em negrito e centralizado

Nome do(s) autor(es) indicaccedilatildeo por extenso depois do tiacutetulo alinhado agrave esquerda

Creacuteditos qualificaccedilatildeo e endereccedilo eletrocircnico do(s) autor(es) em nota de rodapeacute

Resumo siacutentese do conteuacutedo do artigo de 100 a 250 palavras incluindo tabelas e graacuteficos em voz ativa e na terceira pessoa do singular e localizado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) expressar na primeira frase do resumo o assunto tratado situando no tempo e no espaccedilo dar preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular ressaltar os objetivos meacutetodos resultados e as conclusotildees do trabalho

Resumo em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seraacute apresentado um resumo em inglecircs O Editor Responsaacutevel providenciaraacute caso os autores natildeo encaminhem a traduccedilatildeo do resumo tiacutetulo e palavras-chave bem como a correccedilatildeo gramatical e ortograacutefica

Palavras-chave ateacute 5 (cinco) palavras significativas que expressem o conteuacutedo do artigo escritas em negrito alinhamento agrave esquerda separados por ponto e viacutergula ou ponto

Palavras-chave em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seratildeo apresentadas palavras-chave em inglecircs Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 551

Regras para a submissatildeo de artigos

Sumaacuterio informaccedilatildeo das seccedilotildees que compotildeem o artigo numeradas progressivamente em algarismo araacutebico

Texto do artigo deveraacute apresentar como partes uma introduccedilatildeo desenvolvimento e conclusatildeo antecedida pelo resumo resumo em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol) palavras-chave e palavras-chave em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol)

Citaccedilatildeo notas de rodapeacute e referecircncias bibliograacuteficas deve-seseguir a ABNT ndash NBR 10520 As referecircncias bibliograacuteficas completas devem ser apresentadas no final do texto

Anexo material complementar ao texto incluiacutedo ao final apenas quando indispensaacutevel

Tabelas ou graacuteficos devem ser adotadas as ldquonormas de apresentaccedilatildeo tabularrdquo publicadas pelo IBGE O corpo editorial pode alterar a estrutura formal do texto para adequaacute-lo agraves regras editoriais da Revista

Conselho Editorial Editor Responsaacutevel Ilton Norberto Robl Filho (Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Adjunto da UFPR e da UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Educaccedilatildeo Juriacutedica da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR)

Membros do Conselho Editorial Antonio Carlos Wolkmer (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra) Eroulths Cortiano Junior (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR e Doutor em Direito pela UFPR) Faacutebio Nusdeo (Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP) Marco Aureacutelio Marrafon (Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e

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Doutor em Direito pela UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor do Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico) Mariana Mota Prado (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale) e Ricardo Lobo Torres (Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF)

Espantildeol - Liacutenea Editorial la publicacioacuten perioacutedica cientiacutefica Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional edita artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en los aacutembitos de la teoriacutea y de la dogmaacutetica juriacutedica privilegiaacutendose la perspectiva transdisciplinar asiacute como de otros saberes relacionados con la Constitucioacuten Economiacutea y el Desarrollo

Misioacuten La misioacuten de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional es incentivar la produccioacuten de estudios en torno de las relaciones juriacutedico-constitucionales con la praacutectica y el pensamiento econoacutemicos desde la perspectiva democraacutetica y de la efectividad de los derechos fundamentales Asimismo fomenta los debates acadeacutemicos sobre el desarrollo econoacutemico juriacutedico humano y social y a una lectura criacutetica de la Escuela Law and Economics

Evaluacioacuten de los Artiacuteculos Los artiacuteculos resentildeas y ensayos son analizados primeramente por el Editor Responsable para verificarse la adecuacioacuten del trabajo a la liacutenea editorial de la Revista Posteriormente se realiza una evaluacioacuten blind peer review que consiste en la remisioacuten de dichos trabajos cientiacuteficos a dos profesores-investigadores doctores sin que conste la identificacioacuten de los autores para someterlos a la revisioacuten de la forma y del contenido Cuando ocurrir un parecer por la aprobacioacuten y otro por la reprobacioacuten del trabajo podraacute haber sumisioacuten a tercero parecerista para desempate despueacutes de examen por lo editor jefe Tras el anaacutelisis de los evaluadores el editor jefe les informaraacute a los autores el parecer negativo para la publicacioacuten o les solicitaraacute los cambios sugeridos por los evaluadores En este caso los autores habraacuten de realizar las rectificaciones

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pertinentes y lo editor jefe emitiraacute una opinioacuten para la publicacioacuten o no del texto En cada volumen podraacuten ser publicados dos trabajos (20 del total) de autores invitados seleccionados por lo editor jefe escritos por investigadores extranjeros o nacionales de gran renombre con especial pertinencia de tema con la Revista

Enviacuteo de los Trabajos Cientiacuteficos todos los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacutenser enviados al Editor Responsable de la Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho y Editor Asistente Rafael dos Santos Pinto por correo electroacutenico a la siguiente direccioacuten trabalhosabdconstgooglegroupscom acompantildeados 1) de una autorizacioacuten expresa para su publicacioacuten divulgacioacuten y comercializacioacuten en la editora indicada por ABDCONST y 2) de una declaracioacuten de responsabilidad del autor sobre la autoriacutea de la obra y su aceptacioacuten a las reglas y a los plazos editoriales afirmaacutendose expresamente el caraacutecter ineacutedito del trabajo

Transferencia de derechos de autor y declaracioacuten de responsabilidad Los autores deben obligatoriamente someter conjuntamente con sus trabajos termo de transferencia de derechos de autor que implica en la transferencia gratuita de los derechos patrimoniales de su trabajo a la Revista Los autores tambieacuten someteraacuten declaracioacuten de responsabilidad registrando que lo trabajo es ineacutedito y no fue publicado en otro perioacutedico que no existe conflicto de intereses del autor con lo tema abordado o la pesquisa y que fueran tomadas todas las precauciones y procedimientos eacuteticos pertinentes a la realizacioacuten de la pesquisa

Identificacioacuten de los autores Los autores deben identificarse por su nombre completo abajo del tiacutetulo del artigo Cada nombro debe ocupar una liacutenea y contener referencia con la cualificacioacuten completa del autor La cualificacioacuten del autor debe obligatoriamente contener la afiliacioacuten completa de todos los autores (instituto de encino ciudad estado y paiacutes) y dados para contacto (enderezo teleacutefono o e-mail) Caso la pesquisa tenga realizaacutedose con financiamiento o ayuda de alguna

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institucioacuten puacuteblica o privada lo viacutenculo debe ser informado en la uacuteltima liacutenea de la cualificacioacuten

Principales Normas Editoriales y su Formato los trabajos deberaacuten estar redactados en portugueacutes espantildeol o ingleacutes y digitalizados en procesador de texto Word

Fuente para el cuerpo del texto Times New Roman tamantildeo 13

Fuente para las notas a pie de paacutegina y para las citas textuales cuando sean superiores a 3 liacuteneas Times New Roman tamantildeo 11

Interlineado para el cuerpo del texto 15

Interlineado para las notas a pie de paacutegina y citas textuales largas 10

Se da preferencia al uso de la tercera persona del singular

Estilo de fuente para palabras extranjeras cursiva

Estilo de fuente para destacar las palabras dentro del propio texto negrita

Nuacutemero de paacuteginas no inferior a 10 y no superior a 30 paacuteginas justificado y con paacuteginas no enumeradas el artiacuteculo cuya extensioacuten supere las 30 paacuteginas podraacuteser publicadosi el Editor Responsable lo juzga conveniente

Normas Editoriales para la Estructura del Texto los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacuten contener los siguientes elementos

Encabezado tiacutetulo subtiacutetulo nombre del autor o autores ndash el nuacutemero de autores no deberaacute exceder de tres

Tiacutetulo debe ser claro y objetivo y puede ser complementado por un subtiacutetulo separado por dos puntos en fuente mayuacutescula y minuacutescula en negrita y centralizado

Nombre del autor o autores completo despueacutes del tiacutetulo alineado a la izquierda Creacuteditos cualificacioacuten acadeacutemica y direccioacuten de correo electroacutenico del autor o autores que hayan sido informados debajo del nombre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 555

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Resumen siacutentesis del contenido del artiacuteculo de entre 100 a 250 palabras incluyendo tablas y graacuteficos en voz activa y en tercera persona del singular y colocado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) se deberaacute expresar en la primera frase del resumen el asunto de que se trata situaacutendolo en el tiempo y en el espacio daacutersele preferencia al uso de la tercera persona del singular y resaltar los objetivos meacutetodos resultados y las conclusiones del trabajo

Resumen en otro idioma los textos redactados en portugueacutes y en espantildeol deberaacuten presentarse acompantildeados de un resumen en ingleacutes Los autores cuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el Editor Responsable se encargaraacute en caso de que no lo hagan ellos de providenciar la traduccioacuten del resumen en portugueacutes

Palabras-clave hasta 5 (cinco) palabras significativas que expresen el contenido del artiacuteculo escritas en negrita alineadas a la izquierda separadas por punto y coma o punto

Palabras-clave en otro idioma los textos en portugueacutes y espantildeol vendraacuten acompantildeados de las palabras-clave en ingleacutes Los autorescuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el editor responsable se encargaraacute de providenciar en caso de queno lo hagan la correspondiente traduccioacuten de las palabras-clave en portugueacutes

Sumario la informacioacuten de las secciones que componen el artigo deberaacuten ir numeradas en guarismo araacutebigo por orden de aparicioacuten en el texto

Texto del artiacuteculo tendraacute que presentar como partes una introduccioacuten el desarrollo y la conclusioacuten antecedida por el resumen resumen en otro idioma (portugueacutes y espantildeol) palabras-clave y palabras-clave en otro idioma (portugueacutes y espantildeol)

Citas notas a pie de paacutegina y referencias bibliograacuteficas ABNT ndash NBR 10520 Las referencias bibliograacuteficas completas se deberaacuten colocar al final del texto

Anexo material complementario al texto se incluiraacute al final apenas cuando sea indispensable

Tablas o graacuteficos los datos deben adoptar las ldquonormas de presentacioacuten tabularrdquo publicadas por el IBGE (Instituto Brasilentildeo de Geografiacutea y Estadiacutestica) El Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 556

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editor puede cambiar la estructura formal del texto para adecuacutealo a las reglas editoriales de la Revista

Consejo Editorial Editor Responsable Ilton Norberto Robl Filho Coordinador de Investigacioacuten y de los Grupos de Estudio Nacionales en la Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Licenciatura en Derecho de la UFPR Abogado Miembro de la Comisioacuten de Ensentildeanza Juriacutedica de la OABPR (Colegio de Abogados de Brasil Paranaacute) Doctor con grado de Maestriacutea y Licenciado en Derecho por la UFPR (Universidade Federal do Paranaacute)

Miembros del Consejo Editorial Antonio Carlos Wolkmer Profesor del Programa de Posgrado en Derecho dela UFSC (Universidade Federal de Santa

Catarina) y Doctor en Derecho por la UFSC Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes Profesor Catedraacutetico de la Faculdade de Direito de Coimbra Doctor Honoris Causa por la UFPR y Doctor en Derecho por la Faculdade de Direito de Coimbra Eroulths Cortiano Junior Profesor del Programa de Posgrado y dela Licenciatura en Derecho de la UFPR y Doctor en Derecho por la UFPR Faacutebio Nusdeo Profesor Titular de la Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP (Universidade de Satildeo Paulo) y Doctor en Economiacutea por la USP Marco Aureacutelio Marrafon Presidente dela Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Derecho por la UFPR Marcos Augusto Maliska Profesor del Curso de Maestriacutea en Derecho dela Unibrasil y Doctor en Derecho por la UFPR Marcus Firmino Santiago es Profesor en lo Instituo Brasileiro de Direito Puacuteblico y Doctor en Derecho por la UGF (Universidade

Gama Filho) Mariana Mota Prado es Profesora en la Facultad de Derecho dela Universidad de Toronto y Doctora en Derecho por la Universidad de Yale Ricardo Lobo Torres Profesor Titular de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade

do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Filosofiacutea por la UGF (Universidade Gama Filho)

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English - Editorial line the Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnicada Academia Brasileira de Direito Constitucional publishes unpublished articles reviews and essays within the ambit of law theory and dogmatism especially with the transdisciplinary perspective as well as other knowledge areas about Constitution Economics and Development

Mission The mission of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional is to encourage the production of studies on constitutional law relations with the economical practice and thinking from the democratic perspective and the stating of fundamental rights Yet it motivates academic discussions on economic law human and social development and a critical reading of the School of Law and Economics

Evaluation of Articles Articles reviews and essays are firstly analyzed by the Chief Editor to verify if they are pertinent to the Law Journal editorial line Then they are sent for blind peer review ndash scientific works are sent to two PhD professors-researchers with no author identification to evaluate structure and content If one professor suggests publication and the other rejects the paper a third professor may be called on for a final decision after the examination of the Chief Editor After the professors analysis the chief editor will inform the authors of negative opinions or will require suggested changes In this case authors shall make the necessary adjustments and the Chief Editor will decide over the publication of the text Each edition may contain at least two papers (20 of the total) written by invited authors selected by the Chief Editor written by international and nationally renound authors with special thematical relevance to the Journal

Sending Scientific Papers Every article review and essay should be sent to Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor - and Rafael dos Santos Pinto - Assistant Editor of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash to the email trabalhosabdconstgooglegroupscom along with 1) an express authorization for

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publishing promotion and commercialization by a press indicated by ABDCONST and 2) the authors declaration of responsibility about text authorship and submission to editorial rules and deadlines expressing the unpublished nature of the work

Transfer of copyright and declaration of responsibility Authors must submit along with their papers a term of copyright transfer transferring without cost the patrimonial rights of his work to this journal The authors must also sign a declaration of responsibility stating that the submitted paper is unpublished and was not approved for publishing in other journals and that there is no conflict of interests of the author over the research theme or procedures and that all ethical precautions were taken in the course of the research

Identification of the authors Authors must identify themselves by their complete name inscribed under the title of the paper Each name must take up one line and contain a reference with the institutional affiliation of the author The institutional affiliation of the author must contain complete institutional description of the all authors (university city state and country) as well as contact information (address telephone or e-mail) If the research was financed by any private or public institutions the disclosure must be made in the last line of the authorrsquos affiliation

Main Editorial Rules for Formatting Works must be written in Portuguese Spanish or English in a Microsoft Word document

- Main text font Times New Roman size 13

- Font for footnotes and long quotations (more than 3 lines) Times New Roman size 11

- Main text line spacing 15

- Footnotes and long quotations line spacing 10

- Preferably written in third person singular

- Foreign words style italics

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- Text highlighted words style bold

- Number of pages minimum of 10 and maximum of 30 pages justified text with un-numbered pages Chief Editor may publish articles with more than 30 pages

Editorial Rules for Text Structure Articles reviews and essays should have the following parts

- Heading title subtitle name of the author(s) ndash maximum of three authors

- Title It should be clear and objective and it may be complemented by a subtitle separated by colon in upper and lower case in bold and center aligned

- Name of the author(s) indicated after the title left aligned

- Credits qualifications and authors emails below the names

- Abstract synopsis of the article contents from 100 to 250 words including tables and graphics in active voice and third person singular before the text (ABNT ndash NBR 6028) it should express the subject in the first sentence of the abstract determining time and space preferably written in third person singular it should highlight objectives methods results and conclusions of the work

- Abstract in other language for Portuguese and Spanish texts there will be an abstract in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the abstract translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Key-words up to 5 (five) significant words that express the content of the article written in bold left aligned separated by semicolon or dot

- Key-words in other language for Portuguese and Spanish texts there will be key-words in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the key-words translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Summary information about the article sections progressively numbered in Arabic numerals

- Article text it should present an introduction main text and conclusion ndash after the abstract abstract in other language (Portuguese and Spanish) key-words and key-words in other languages (Portuguese and Spanish)

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- Quotations footnotes and bibliographic references ABNT ndash NBR 10520 Complete bibliographic references should be presented at the end of the text

- Appendix material to complement the text included at the end if necessary

- Tables or graphics refer to normas de apresentaccedilatildeo tabular (tabular presentation rules) published by IBGE

- The Editor may change the formal structure of the text to harmonize it to the editorial rules of the Journal

Editorial Council Chief Editor Ilton Norberto Robl Filho Professor of the Graduation in Law at UFPR Lawyer Member of the Law Education Commission at OABPR PhD Master and Bachelor in Law from UFPR)

Editorial Council Members Antonio Carlos Wolkmer (Professor of the Post-Graduation Program in Law at UFSC and PhD in Law from UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Full Professor at Coimbra Faculty of Law PhD Honoris Causa from UFPR and PhD in Law from Coimbra Faculty of Law) Eroulths Cortiano Junior (Professor of the Program of Post-Graduation and Graduation in Law at UFPR and PhD in Law from UFPR) Faacutebio Nusdeo (Full Professor at Largo Satildeo Francisco Faculty of Law ndash USP and PhD in Economics from USP) Marco Aureacutelio Marrafon (President of the Brazilian Academy of Constitutional Law Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Law from UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor of the Master course in Law at Unibrasil and PhD in Law from UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor of Law at Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico and PhD in Law from UGF) Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho) Mariana Mota Prado (Professor of Law at Toronto University and PhD in Law from Yale University) and Ricardo Lobo Torres (Full Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Philosophy from UGF)

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Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar

CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167

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  • Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento
  • ABDConst Academia Brasileira de direito constitucional
  • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr
  • CONSELHO EDITORIAL
  • EDITORIAL
  • Sumaacuterio
  • a proteccedilatildeo ao trabalho NA Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a adoccedilatildeo do permissivo flexibilizante da legislaccedilatildeo trabalhista no brasil0F
    • LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL
    • Caacutessia Cristina Moretto da Silva1F
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • 1 O regramento juriacutedico do trabalho antecedentes histoacutericos
      • 2 A Formaccedilatildeo do Direito do Trabalho no Brasil
      • 3 A Constitucionalizaccedilatildeo dos Preceitos Trabalhistas nas Primeiras Constituiccedilotildees Brasileiras
      • 4 A Tutela ao Trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988
      • 5 A Condiccedilatildeo Poacutes-Moderna e sua Repercussatildeo no Mundo do Trabalho
      • 6 A ADOCcedilAtildeO dO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
      • 7 Consideraccedilotildees Finais
      • Referecircncias
          • Abrindo fronteiras a convergecircncia entre ldquodireito e desenvolvimentordquo e governanccedila global4F
            • OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE
            • Patriacutecia Galvatildeo Ferreira5F
              • Introduccedilatildeo
              • 1 Literatura de DampD a perspectiva cocircncava
              • 11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD
              • 12 Breve temporada no Direito Internacional
              • 13 O segundo movimento de DampD21F
              • 2 A literatura de governanccedila global a perspectiva convexa
              • 21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional
              • 22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio
              • 3 Nova fronteira Estudos de Desenvolvimento encontram Estudos de Governanccedila Global
              • 4 Conclusatildeo
              • REFEREcircNCIAS
                • LEVI-FAUR D The global diffusion of regulatory capitalism In The Annals of the American Academy of Political and Social Science 2005 v 598 p12-32
                  • CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS46F
                    • NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES
                    • Marianna de Queiroz Gomes47F
                      • Introduccedilatildeo
                      • 1 A questatildeo ambiental o paradigma da sociedade de risco e a constitucionalizaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
                      • 2 Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo dirigente e a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais
                      • 3 Consideraccedilotildees finais
                      • REFEREcircNCIAS
                          • O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA58F
                            • THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION
                            • INTRODUCcedilAtildeO
                            • 1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES
                            • 2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL
                            • 3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY
                            • CONCLUSAtildeO
                            • REFEREcircNCIAS
                              • O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO66F
                                • THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE
                                • 1 A diferenciaccedilatildeo entre as terminologias direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos (e as suas respectivas caracteriacutesticas)
                                • 2 Evoluccedilatildeo histoacuterica do direito humano ao desenvolvimento humano e a sua localizaccedilatildeo dentro da teoria das geraccedilotildees (ou dimensotildees) de direitos fundamentais
                                • 21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais
                                • 22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais
                                • 3 O conceito de Desenvolvimento74F e a Dignidade da Pessoa Humana
                                • 4 Previsotildees normativas do direito ao desenvolvimento na ordem internacional
                                • 5 A estrutura do direito ao desenvolvimento humano
                                • 6 Direito fundamental ao desenvolvimento humano no Brasil
                                • 7 Os comandos constitucionais que fundamentam o direito fundamental ao desenvolvimento
                                • 71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais
                                • 72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela
                                • 721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional
                                • 722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna
                                • 8 Da recente alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 aplicaccedilatildeo do direito fundamental ao desenvolvimento
                                • CONCLUSAtildeO
                                • REFEREcircNCIAS
                                  • ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL104F
                                    • SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION
                                    • INTRODUCcedilAtildeO
                                    • 1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL
                                    • 2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010
                                    • 3 CONCLUSAtildeO
                                    • REFEREcircNCIAS
                                      • Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais entre os sentidos negativo e positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica109F
                                        • JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM
                                        • INTRODUCcedilAtildeO
                                        • 1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS
                                        • 2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL
                                        • 3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA
                                        • 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA130F
                                        • 5 CONCLUSOtildeES
                                        • REFEREcircNCIAS
                                          • O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO133F
                                            • THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE
                                            • Introduccedilatildeo
                                            • 1 Evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais e o direito agrave sauacutede
                                            • 11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988
                                            • 12 A sauacutede como direito fundamental
                                            • 2 O fornecimento de medicamentos pelo Estado
                                            • 21 A obrigaccedilatildeo do Estado
                                            • 22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo
                                            • 3 O princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais
                                            • 4 Consideraccedilotildees finais
                                            • Referecircncias
                                              • A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos Uma anaacutelise diferenciada sobre o tema135F
                                                • TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME
                                                • Juliane Cavalcanti Pereira137F
                                                  • Introduccedilatildeo
                                                  • 1 Discussatildeo jurisprudencial
                                                  • 2 Aplicaccedilatildeo praacutetica dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo
                                                  • 3 Anaacutelise criacutetica do tema
                                                  • Consideraccedilotildees finais
                                                  • Referecircncias
                                                      • A Reserva do Possiacutevel o Miacutenimo Existencial e o Poder Judiciaacuterio148F
                                                        • LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY
                                                        • Lucas Daniel Ferreira de Souza149F
                                                          • INTRODUCcedilAtildeO
                                                          • 1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA
                                                          • 2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS
                                                          • 3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO
                                                          • 4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO
                                                          • 5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA
                                                          • 6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                              • REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS
                                                              • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr Editoraccedilatildeo e Design Graacutefico Ka
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ABDCONST ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr

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Ficha Catalograacutefica

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito

Vol 4 n 7 (juldez 2012) - Curitiba 2012 Publicaccedilatildeo semestral

ISSN 2177-8256

1 Direito 2 Academia brasileira de Direito Constitucional

Endereccedilo para correspondecircncia

CONSTITUICcedilAtildeO ECONOMIA E

DESENVOLVIMENTO REVISTA ELETROcircNICA

DA ACADEMIA BRASILEIRA

DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Editor responsaacutevel Ilton Norberto Robl Filho

E-mail iltonabdconstcombr

Publicaccedilatildeo semestral Todos os direitos reservados A reproduccedilatildeo ou traduccedilatildeo de qualquer parte desta publicaccedilatildeo somente seraacute permitida apoacutes a preacutevia permissatildeo escrita do autor Os conceitos em artigos assinados satildeo de responsabilidade de seus autores As mateacuterias desta revista podem ser livremente transcritas desde que citada a fonte

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

CONSELHO EDITORIAL

Editor Responsaacutevel

Ilton Norberto Robl Filho

Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Substituto da UFPR e UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Visiting Scholar na Universidade de Toronto - Canadaacute Pesquisador Visitante no Max Plank Institut em Heidelberg - Alemanha Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR

Editor Assistente

Rafael dos Santos Pinto

Graduado em Direito pela UNESP Mestrando pela UFPR

Membros do Conselho Editorial

Antonio Carlos Wolkmer

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC

Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes

Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra

Eroulths Cortiano Junior

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR e Doutor em Direito pela UFPR

Faacutebio Nusdeo

Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP

Marco Aureacutelio Marrafon

Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR

Marcos Augusto Maliska

Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e Doutor em Direito pela UFPR

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

Marcus Firmino Santiago

Professor do Curso de Direito das Faculdades EspamProjeccedilatildeo ndash Brasiacutelia e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho

Mariana Mota Prado

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale

Ricardo Lobo Torres

Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF

Editoraccedilatildeo

Karla Knihs

Conselho de Pareceristas da Revista do ABDConst

Abraatildeo Soares Dias dos Santos Gracco Aldo Muro Juacutenior Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Alexandre Hamilton Oliveira Santos Alexandre Morais da Rosa Alvaro Borges de Oliveira Alvaro de Oliveira Azevedo Neto Angela Issa Haonat Acircngela Maria Cavalcanti Ramalho Antonio Baptista Gonccedilalves Antonio Celso Baeta Minhoto Antonio Gomes Moreira Maueacutes Carla Izolda Fiuza Costa Marshall Carlos Bolonha Carlos Victor Nascimento dos Santos Ceacutelia Barbosa Abreu Claudio Gonccedilalves Munhoz Claudio Smirne Diniz

Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira Daniela Rezende Oliveira Delmo Mattos da Silva Demetrius Nichele Macei Eduardo Biacchi Gomes Eduardo Molan Gaban Eleonora Mesquita Ceia Eliana Franco Neme Eliana Franco Neme Eloi Martins Senhoras Emerson Gabardo Emilio Peluso Neder Meyer Eacuterico Hack Eroulths Cortiano Juacutenior Everton das Neves Gonccedilalves Fabianne Manhatildees Maciel Fabriacutecio de Assis Campos Vieira Fabriacutecio Ricardo de Limas Tomio Fausto Santos de Morais Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha Juacutenior

Germano Andreacute Doederlein Schwartz Gustavo Almeida Paolinelli de Castro Gustavo Rabay Guerra Hamilton da Cunha Iribure Juacutenior Heder Carlos de Oliveira Heitor de Carvalho Pagliaro Henrique Napoleatildeo Alves Henry Atique Jackelline Fraga Pessanha Jacqueline de Souza Gomes Janaiacutena Machado Sturza Jean Carlos Dias Jorge Jose Lawand Joseacute Carlos Buzanello Joseacute Francisco de Assis Dias Joseacute Luiz Ragazzi Joseacute Renato Martins Josemar Sidinei Soares Juliana Cordeiro Schneider Julio Pinheiro Faro Jussara Maria Leal de Meirelles

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

Katiucia Boina Leonardo Vieira Wandelli Lilian Maacutercia Balmant Emerique Lucas Abreu Barroso Lucas Catib de Laurentiis Lucas Gonccedilalves da Silva Luciana Costa Poli Luciana Fernandes Berlini Luciene Dal Ri Luis Fernando Sgarbossa Luiz Claudio Arauacutejo Coelho Luiz Eduardo Anesclar Luiz Ricardo Guimaraes Maraluce Maria Custodio Marcelo Lamy Marcelo Sant Anna Vieira Gmes Maacutercia Jucaacute Teixeira Diniz Maacutercio Pugliesi Marco Aureacutelio Marrafon Marcos Alves da Silva

Marcos Augusto Maliska Marcos Catalan Marcus Firmino Santiago Margareth Anne Leister Margareth Vetis Zaganelli Maacuterio Ferreira Neto Martinho Martins Botelho Mateus de Oliveira Fornasier Micheli Pereira Miguel Calmon Teixeira de Carvalho Dantas Monica Bonetti Couto Mocircnica Helena Harrich Silva Goulart Murilo Melo Vale Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi Nina Tricia Disconzi Rodrigues Paulo Ricardo Schier Paulo Seacutergio da Silva Rafael Silveira e Silva Ricardo Aronne

Ricardo Carneiro Neves Juacutenior Rodrigo Fortunato Goulart Ronaldo Lindimar Joseacute Marton Samantha Ribeiro Meyer Pflug Sandra Sereide Ferreira da Silva Sebastiatildeo Neto Ribeiro Guedes Simone Tassinari Cardoso Sonia Barroso Brandatildeo Soares Sulamita Crespo Carrilho Machado Tiago Resende Botelho Tuacutelio Lima Vianna Tuacutelio Lima Vianna Valeacuteria Cristina Pereira Furlan Valeacuteria Silva Galdino Cardin Vanessa Oliveira Batista Berner

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez

EDITORIAL

A Seacutetima ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional continua o projeto editorial de oferecer agrave comunidade acadecircmica e ao puacuteblico leitor instigantes e inovadoras anaacutelises dos mais correntes temas de direito constitucional

Nesta ediccedilatildeo temos em destaque dois trabalhos sobre desenvolvimento O artigo submetido pela professora Patriacutecia Galvatildeo Ferreira pesquisadora da Cadeira Nabuco em estudos brasileiros na Universidade de Stanford nos apresenta a construccedilatildeo da literatura do chamado movimento direito e desenvolvimento e suas ideias primordiais Igualmente o trabalho enviado por Adriano Martinelli aborda o regime juriacutedico do direito humano fundamental ao desenvolvimento

Dois outros trabalhos apresentam interessantes perspectivas do direito ambiental Um efetiva estudo comparado com o constitucionalismo equatoriano sob a perspectiva do direito das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sadio O segundo aponta as interaccedilotildees entre o novo constitucionalismo e a efetivaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Outro importante eixo eacute referente agrave efetivaccedilatildeo dos direitos constitucionais nas suas variadas modalidades Temos aqui um trabalho sobre constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e direitos sociais fundamentais reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial e a proteccedilatildeo do trabalho na constituiccedilatildeo de 1988

Os uacuteltimos trabalhos tratam de interessantes temas dentro da perspectiva constitucional Aqui temos estudos sobre a adoccedilatildeo internacional sobre a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos e fornecimento de medicamentos pelo Estado

Continuamos assim nossa meta editorial de difusatildeo do pensamento constitucional de ponta e o fomento ao debate acadecircmico

Ilton Norberto Robl Filho

Editor Responsaacutevel da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Rafael dos Santos Pinto

Editor Assistente da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 271

SUMAacuteRIO

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL Caacutessia Cristina Moretto da Silva 274

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo E GOVERNANCcedilA GLOBAL

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE Patriacutecia Galvatildeo Ferreira 302

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES Marianna de Queiroz Gomes 350

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION Daniela Richter Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso 376

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE Adriano Justi Martinelli 401

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION Caroline Alessandra Taborda dos Santos 439

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM Vitor Soliano 448

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 272

Sumaacuterio

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE Robson de Vargas 488

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME Luiacutes Henrique Bortolai Juliane Cavalcanti Pereira 507

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY Lucas Daniel Ferreira de Souza 528

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS 547

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 273

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO

FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL1

LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL

Caacutessia Cristina Moretto da Silva2

Resumo O direito do trabalho recebeu especial atenccedilatildeo por parte do legislador

constituinte brasileiro de 1988 Observa-se que a proteccedilatildeo ao trabalho trata-se de uma construccedilatildeo histoacuterica seja no contexto mundial ou no Brasil sendo que as primeiras regras em mateacuteria trabalhista datam do seacuteculo XIX De outra parte natildeo foram poucos os acontecimentos que vieram a repercutir de forma substancial no regramento trabalhista contemporacircneo tanto no seu surgimento propriamente dito como na sua configuraccedilatildeo atual A flexibilizaccedilatildeo das regras trabalhistas fenocircmeno contemporacircneo e inerente agrave condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se como de especial interesse agrave esfera laboral Assim o presente trabalho propotildee-se a estudar o surgimento do direito do trabalho analisar as principais regras que tem por objeto a tutela ao labor humano bem como compreender o regramento trabalhista exposto na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 especialmente no que refere agrave adoccedilatildeo do permissivo constitucional agrave flexibilizaccedilatildeo das leis do trabalho Para tanto utilizou-se o meacutetodo de revisatildeo bibliograacutefica e legislativa justificado pelo contexto que ensejou a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Palavras-Chave Direito do Trabalho Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Flexibilizaccedilatildeo Poacutes-modernidade

Abstract Labor Law received special attention from the constitutional legislator of

1988 Labor protection is a historical construction be it in a worldwide context or localy in Brazil As the first rules related to labor derive from the XIX century on the other hand there were many events that substantially influenced the development of the contemporary labor law both on its emergence and on its current configuration The easing of labor laws a contemporary phenomenon part of the postmodern condition is presented as being in laborrsquos particular interest This article aims to

1 Artigo submetido em 061212 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 10072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 05082013

2 Mestre em Cultura e Sociedade Diaacutelogos Interdiciplinares E-mail ltcassiamorettohotmailcomgt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 274

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

study the emergence of labor law analyze its main rules that intends to protect human labor as well as to understand the regulations exposed in the Federal Constitution of 1988 specially the ones that refer to the adoption of the constitutional permissive of labor laws Therefore the method used is a legislative and bibliographic review justified by the context that made the inserting of the flexible element possible in the Federal Constitution of 1988

Keywords Labor Law Brazilian Federal Constitution of 1988 Flexibility Post-modernism

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo busca analisar o tratamento dedicado agrave proteccedilatildeo ao trabalho pelo legislador constitucional de 1988 bem como suas implicaccedilotildees especialmente no que se refere agrave permissatildeo da adiccedilatildeo de praacuteticas flexibilizadoras das condiccedilotildees de trabalho no Brasil

Sabe-se que a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel nas diversas relaccedilotildees sociais apresenta-se como uma das caracteriacutesticas da poacutes-modernidade e tambeacutem o direito de trabalho como um produto histoacuterico marcado pelos conflitos existentes entre os empregados e empregadores mediados pela instituiccedilatildeo estatal e pela atuaccedilatildeo das entidades sindicais Nesse contexto a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como importante tema do direito do trabalho e por isso merecedor de uma anaacutelise detalhada

Assim inicia-se o presente artigo com uma pequena incursatildeo sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do direito do trabalho no mundo e no Brasil especialmente no que se refere a sua tutela constitucional na sequecircncia foca-se a configuraccedilatildeo do trabalho na poacutes-modernidade para em seguida compreender-se a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na esfera trabalhista tomando-se como referencial o texto legal da Carta Magna brasileira de 1988

1 O REGRAMENTO JURIacuteDICO DO TRABALHO ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS

Cabe aqui destacar que o direito do trabalho tem o marco de seu surgimento

nos seacuteculos XIX e XX Por isso a anaacutelise engendrada nesta seccedilatildeo tem por

finalidade situar de forma histoacuterica e cronoloacutegica o surgimento do direito do trabalho

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 275

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

no contexto mundial para na sequecircncia verificar a tutela dada pelo Brasil ao

trabalho Sem objetivo de se esgotar tal temaacutetica em face a proacutepria complexidade

da mesma seratildeo pontuados os principais acontecimentos histoacutericos sociais

vivenciados de forma correlacionada com o surgimento e desenvolvimento do

regramento trabalhista

Assim embora as relaccedilotildees de trabalho natildeo disponham de um marco histoacuterico especiacutefico que denotem o momento exato de seu surgimento sabe-se que o homem sempre necessitou empreender suas forccedilas humanas para garantir sua sobrevivecircncia

Para Glaucia Barreto a ldquoorigem do trabalho coincide com a origem do mundordquo (BARRETO 2008 p 01) jaacute que se podem visualizar as primeiras relaccedilotildees de trabalho nos tempos biacuteblicos quando da criaccedilatildeo do mundo presente no livro Gecircnesis Adatildeo come do fruto proibido e recebe de Deus o trabalho como puniccedilatildeo

Relatos histoacutericos apontam que as primeiras relaccedilotildees de trabalho durante a Antiguidade (especialmente Greacutecia e Roma) ocorreram com base na escravidatildeo momento que ao escravo natildeo cabia nenhum direito eis que era tratado como objeto de troca Remonta a esse momento histoacuterico a origem da palavra trabalho Tal expressatildeo tem suas raiacutezes na expressatildeo latina ldquotripaliumrdquo - instrumento utilizado entre os romanos para fazer referecircncia a um dispositivo empregado agrave tortura de escravos

Mais tarde na Idade Meacutedia o trabalho escravo foi substituiacutedo pelo trabalho servil momento em que o servo era obrigado a trabalhar para o senhor feudal em troca de sua subsistecircncia e proteccedilatildeo pessoal

Com o fim da Idade Meacutedia e o iniacutecio da Idade Moderna as transformaccedilotildees ocorridas nas relaccedilotildees sociais e o desenvolvimento do mercantilismo fomentaram-se as primeiras manifestaccedilotildees do trabalho livre

Poreacutem foi com a Revoluccedilatildeo Industrial de modo especial a partir do seacuteculo XVIII e XIX quando os meios de produccedilatildeo passaram a se concentrar nas unidades fabris que o trabalho livre se desenvolveu de forma plena

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 276

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

A invenccedilatildeo de maacutequinas e consequentemente o seu emprego em faacutebricas acabou por inovar a metodologia laboral fazendo surgir uma nova relaccedilatildeo binomial quando o assunto eacute trabalho a relaccedilatildeo entre patrotildees e trabalhadores assalariados

Como a matildeo de obra era farta provinda das fontes mais diversas como camponeses empobrecidos e tambeacutem desempregados em razatildeo da automaccedilatildeo as condiccedilotildees de trabalho eram realmente precaacuterias

Homens mulheres e crianccedilas amanheciam e anoiteciam nas faacutebricas praticamente na carecircncia do necessaacuterio a sobrevivecircncia quando natildeo em povoados aos redores destas padecendo diuturnamente com epidemias fome e sem condiccedilotildees ainda que miacutenimas de higiene e saneamento

Delineia-se pois uma figura inovadora e importantiacutessima o proletaacuterio caracterizado por Amauri Mascaro Nascimento como

[] um trabalhador que presta serviccedilos em jornadas que variam de 14 a 16 horas natildeo tem oportunidade de desenvolvimento intelectual habita em condiccedilotildees subumanas em geral nas adjacecircncias do proacuteprio local da atividade tem prole numerosa e ganha salaacuterio em troca disso tudo (NASCIMENTO 2005 p 12)

Para Seacutergio Martins ldquoA Revoluccedilatildeo Industrial acabou transformando o trabalho em emprego Os trabalhadores de maneira geral passaram a trabalhar por salaacuterios Com a mudanccedila houve uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga a ser desconsideradardquo (MARTINS 2005 p 39)

Eacute justamente neste momento histoacuterico que se evidencia o marco do nascimento do Direito do Trabalho qual seja a sistematizaccedilatildeo do trabalho livre e subordinado como bem destaca Mauriacutecio Godinho Delgado

O Direito Trabalho eacute pois produto cultural do seacuteculo XIX e das transformaccedilotildees econocircmico-sociais e poliacuteticas ali vivenciadas Transformaccedilotildees todas que colocam a relaccedilatildeo de trabalho subordinado como nuacutecleo motor do processo produtivo caracteriacutestico daquela sociedade (DELGADO 2007 p 86)

Karl Korsch (1980) em sua obra intitulada Lutas de Classe e Direito do

Trabalho tambeacutem relaciona o histoacuterico do direito coletivo do trabalho com o citado momento histoacuterico ao destacar Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 277

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

A la eacutepoca de la constitucioacuten feudal-patriarcal del trabajo propia de la Edad Media y de los comienzos de La Edad Moderna en la que la mayoriacutea de los trabajadores industriales y agriacutecolas careciacutean todavia ndash total ou parcialmente ndash de liberdad le sigue alrededor de 1800 la eacutepoca de la constitucioacuten capitalista del trabajo caracterizada por la total falta de derechos del asalariado personalmente libre tanto en la empresa como en la totalidad de la economia (KORSCH 1980 p 103)3

Logo ao direito do trabalho deu-se a missatildeo de regrar a relaccedilatildeo entre

empregados e empregadores com vista a estabelecer determinadas condiccedilotildees

baacutesicas e obrigatoacuterias quando se falam em relaccedilotildees laborais Fruto portanto de

uma sociedade que passou a adotar um modo de produccedilatildeo que necessitava de

matildeo-de-obra humana em larga escala na qual o Estado foi chamado a intervir de

modo a assegurar aos trabalhadores determinadas condiccedilotildees de trabalho

Nesse sentido tambeacutem escreve Rodrigo Carelli ao destacar ldquoO Direito do Trabalho nasce em um momento iacutempar da histoacuteria da civilizaccedilatildeo fruto direto da alta exploraccedilatildeo dos trabalhadores e como meio de sustentaccedilatildeo do status quo diante das ameaccedilas mais diretas agrave propriedade privadardquo (CARELLI 2011 p 60) Nota-se em suas palavras que natildeo se pode ignorar que as concessotildees feitas aos trabalhadores vieram de certa forma a permitir que as relaccedilotildees de produccedilatildeo capitalistas tiacutepicas do fim do seacuteculo XIX e do seacuteculo XX em especial pudessem manter-se

Observa-se desse momento em diante o surgimento das primeiras leis e tinham por objeto proteger o trabalho leis que foram fruto da interferecircncia do Estado na relaccedilatildeo estabelecida entre patrotildees e empregados na mediaccedilatildeo da relaccedilatildeo estabelecida entre proletaacuterios e empregadores

Na Inglaterra publicou-se a Lei de Peel (1802) cujo escopo era proteger o trabalho daqueles que aprendiam uma profissatildeo no acircmbito dos moinhos Limitou-se tambeacutem a jornada de trabalho a 12 horas diaacuterias excluiacutedo o intervalo para alimentaccedilatildeo Estabeleceu-se o periacuteodo em que a jornada de trabalho deveria se

3 Traduccedilatildeo do trecho escrito por Karl Korsch ldquoA eacutepoca da constrituiccedilatildeo do trabalho feudal-patriarcal proacutepria da Idade Meacutedia e do iniacutecio da idade Moderna na que a maioria dos trabalhadores industriais e agriacutecolas ainda careciam - total ou parcialmente - da liberdade segue-se em torno de 1800 o momento da constituiccedilatildeo do trabalho capitalista caracterizada pela total falta de direito do assalariado pessoalmente livre tanto nas empresas como na totalidade da economiardquo (KORSCH 1980 p 103)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

desenvolver isto eacute das 06 horas agraves 21 horas Passou-se a se observar a ediccedilatildeo de regras que protegiam a educaccedilatildeo e a higiene no ambiente de trabalho

Na Franccedila o labor de menores em minas foi proibido em 1813 Em 1814 proibiu-se o trabalho em domingos e feriados Em 1839 na sequecircncia foram expedidas regras com o objetivo de demarcar o iniacutecio da vida laboral humana vedando-se o exerciacutecio de atividade laboral pelo menor de 09 anos de idade e limitando-se a jornada de trabalho do menor entre 09 anos e 16 anos a 10 horas diaacuterias

Nota-se neste cenaacuterio que o trabalho se configura como verdadeira mercadoria sujeita agraves leis do mercado econocircmico de maneira que os trabalhadores muitas vezes submetiam-se a condiccedilotildees degradantes de trabalho em busca de sua sobrevivecircncia Haacute que se mencionar ainda que a elaboraccedilatildeo das primeiras regras em direito do trabalho evidenciaram o nascimento da tutela juriacutedica do trabalho e igualmente evidenciar o surgimento do direito do trabalho

Mas foi com o teacutermino da Primeira Guerra Mundial com um movimento denominado de Constitucionalismo Social que as primeiras regras sociais passaram a ser incorporadas nas diferentes Constituiccedilotildees dos paiacuteses Houve a inserccedilatildeo nas Constituiccedilotildees de ldquo[] preceitos relativos agrave defesa social da pessoa de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais incluindo o direito do trabalhordquo (MARTINS 2005 p 42) conforme Seacutergio Pinto Martins esclarece

A primeira Constituiccedilatildeo a inserir a temaacutetica da proteccedilatildeo ao trabalho foi a do Meacutexico de 1917 Tal legislaccedilatildeo previu a limitaccedilatildeo da jornada de trabalho a 8 horas diaacuterias proibiu o trabalho de menores de 12 anos limitou a jornada de trabalho dos menores de 16 anos a 6 horas diaacuterias limitou a jornada noturna a 7 horas estabeleceu a concessatildeo de descanso remunerado ao trabalhador e ainda previu algumas regras relacionadas agrave proteccedilatildeo agrave maternidade ao salaacuterio miacutenimo ao direito do trabalhador sindicalizar-se e fazer greves agrave indenizaccedilatildeo no caso de dispensa seguro social e proteccedilatildeo contra acidentes de trabalho

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de Weimar de 1919 trouxera tambeacutem regras de

cunho trabalhista nas palavras de Seacutergio Pinto Martins tal documento ldquo[]

Disciplinava a participaccedilatildeo dos trabalhadores nas empresas autorizando a liberdade

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

de coalizaccedilatildeo dos trabalhadores tratou tambeacutem da representaccedilatildeo dos

trabalhadores na empresas []rdquo (MARTINS 2005 p 42) E mais o referido diploma

legal estabeleceu o sistema de seguro social e permitiu que empregados ajudassem

os empregadores a definir aspectos relativos agrave contrataccedilatildeo como a fixaccedilatildeo de

salaacuterios

No mesmo ano o Tratado de Versalhes previu a criaccedilatildeo da OIT ndash

Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho que passou a ter por missatildeo salvaguardar as

relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores no cenaacuterio internacional

atraveacutes da ediccedilatildeo de convenccedilotildees e recomendaccedilotildees sobre a proteccedilatildeo ao labor

humano

Na Itaacutelia teve-se a elaboraccedilatildeo da Carta Del Lavoro em 1927onde se

instituiu o sistema corporativista-fascista que serviu de base para a criaccedilatildeo de outros

sistemas semelhantes em outros paiacuteses como Portugal Espanha e o Brasil

Conforme esclarece Seacutergio Pinto Martins nesse sistema preponderava o

papel da figura estatal

O Estado interferia nas relaccedilotildees entre as pessoas com o objetivo de poder moderador e organizador da sociedade Nada escapava a vigilacircncia do Estado nem ao seu poder O Estado regulava praticamente tudo determinando o que seria melhor para cada um organizando a produccedilatildeo nacional [] (MARTINS 2005 p 42)

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem expedida em 1948 que

consistiu em uma recomendaccedilatildeo aos povos que adotassem determinadas garantias

fundamentais inerentes agrave figura humana previu dentre essas garantias vaacuterios

preceitos de cunho trabalhista como limitaccedilatildeo da jornada de trabalho descanso

remunerado e perioacutedico proteccedilatildeo agrave sauacutede e higiene do trabalhador entre outros

direitos

Assim progressivamente durante o seacuteculo XX os paiacuteses foram inserindo

em seus ordenamentos juriacutedicos especialmente em suas Constituiccedilotildees normas de

caraacuteter trabalhistas com o objetivo uacuteltimo de assegurar ao trabalhador as garantias

miacutenimas ao exerciacutecio laboral

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

2 A FORMACcedilAtildeO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

O Brasil descoberto em 1500 por Portugal vivenciou um processo de colonizaccedilatildeo marcado pela utilizaccedilatildeo da matildeo de obra escrava As primeiras constituiccedilotildees brasileiras trataram basicamente do modelo estatal adotado e das formas de organizaccedilatildeo e exerciacutecio dos poderes Por isso o surgimento da normatizaccedilatildeo trabalhista no Brasil teve como pressuposto dois acontecimentos de suma importacircncia a aboliccedilatildeo da escravatura e a proclamaccedilatildeo da repuacuteblica

A Constituiccedilatildeo Imperial de 1824 documento no qual se notam algumas regras que tiveram por objeto a atividade laboral humana tratou de proibir a organizaccedilatildeo de corporaccedilotildees de ofiacutecio proporcionando o livre exerciacutecio do trabalho

Apoacutes esta constituiccedilatildeo foram promulgadas algumas leis esparsas que detinham como pano de fundo as relaccedilotildees laborais como a Lei 396 e a Lei 1846 que estabeleciam algumas limitaccedilotildees agrave admissatildeo de trabalhadores estrangeiros por empresas brasileiras Tambeacutem o Coacutedigo Comercial de 1850 que procurou regular algumas situaccedilotildees especiacuteficas como por exemplo a contrataccedilatildeo de caixeiros

A promulgaccedilatildeo da Lei do Ventre Livre garantiu a liberdade aos filhos de matildees escravas nascidos a partir de 28091871 a Lei Saraiva-Cotegipe de 28091885 conhecida como Lei dos Sexagenaacuterios assegurou o direito agrave liberdade ao escravo maior de 60 anos de idade de forma parcial pois mesmo depois de livre o escravo trabalhava por mais trecircs anos para o seu senhor Trecircs anos mais tarde em 13051888 a Princesa Isabel assinou a lei que aboliu a escravatura no Brasil mais conhecida como Lei Aacuteurea Essa lei eacute considerada por Russomano como ldquoa lei trabalhista mais importante ateacute hoje promulgada no Brasilrdquo (RUSSOMANO 2002 p 30) Tais leis foram de especial relevacircncia neste contexto

O Brasil proclamou a Repuacuteblica em 1889 A Constituiccedilatildeo seguinte de 1891 previu a liberdade de associaccedilatildeo para fins liacutecitos e paciacuteficos cabendo intervenccedilatildeo policial somente quando fosse necessaacuteria a garantia da ordem puacuteblica Data do mesmo ano o Decreto 1313 que objetivou regrar o trabalho de menores de 12 ateacute 18 anos

No ano de 1903 foram instituiacutedos os sindicatos rurais e no de 1907 houve a ediccedilatildeo de uma lei que versou sobre os sindicatos de uma forma geral Em 1916

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publicou-se o Coacutedigo Civil brasileiro que tratava da regulaccedilatildeo das locaccedilotildees de serviccedilos pois ateacute aqui natildeo existiam normas relacionadas agrave regulaccedilatildeo das prestaccedilotildees de serviccedilo de forma especiacutefica Criaram-se na sequecircncia em 1917 o Departamento Nacional do Trabalho pela Lei Mauriacutecio de Lacerda em 1922 em Satildeo Paulo Tribunais Rurais em 1923 com a promulgaccedilatildeo da Lei Eloy Chaves as Caixas de Aposentadorias e Pensotildees e por fim em 1927 o Coacutedigo de Menores que versou sobre a proteccedilatildeo do menor que exercia atividades laborais

Neste momento histoacuterico observa-se a influecircncia das transformaccedilotildees decorrentes da Primeira Guerra Mundial e da criaccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (1919) de modo a fomentar a criaccedilatildeo de leis que versassem sobre o conteuacutedo trabalhista Para Seacutergio Pinto Martins um dos fatores que contribuiu para o surgimento de regras em mateacuteria trabalhista foi o fato de que ldquo[] Existiam muitos imigrantes no Brasil que deram origem a movimentos operaacuterios reivindicando melhores condiccedilotildees de trabalho e de salaacuterios []rdquo (MARTINS 2005 p 43) No entanto o autor afirma ainda que a poliacutetica trabalhista no Brasil aconteceu de forma plena com o governo de Getuacutelio Vargas na deacutecada de 1930 (MARTINS 2005 p 43)

Para Amauri Mascaro Nascimento notou-se na deacutecada de 30 ldquoa expansatildeo do direito do trabalho em nosso paiacutes como resultado de vaacuterios fatores dentre os quais o prosseguimento das conquistas que jaacute foram assinadas poreacutem com um novo impulso quer no campo poliacutetico quer no legislativordquo (NASCIMENTO 2011 p 98)

O referido autor ressalta o importante papel do governo Vargas para a proacutepria estruturaccedilatildeo do direito do trabalho ao afirmar

Sem discutir os fins visados por Vargas eram de dominaccedilatildeo ou de elevaccedilatildeo das classes trabalhadoras o certo eacute que nesse periacuteodo foi estruturada a ordem juriacutedica trabalhista em nosso paiacutes adquirindo fisionomia que em parte ateacute hoje se manteacutem (NASCIMENTO 2011 p 99)

Assim neste periacuteodo viu-se uma intensa produccedilatildeo de decretos que regraram uma atividade laboral em especiacutefico ou um determinado componente da relaccedilatildeo empregatiacutecia Foram decretos que versavam sobre os seguintes temas instituiccedilatildeo da Carteira Profissional limitaccedilatildeo da duraccedilatildeo da jornada de trabalho para Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 282

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

os que trabalham no comeacutercio nas induacutestrias nas farmaacutecias nas casas de diversotildees nas casas de penhores nos bancos e casas bancaacuterias nos transportes na educaccedilatildeo entre outros

Em 1932 foi expedido o decreto que dispocircs sobre o trabalho feminino em 1936 o decreto que teve por finalidade estabelecer o salaacuterio miacutenimo e em 1939 via decreto mais uma vez criou-se a Justiccedila do trabalho

3 A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DOS PRECEITOS TRABALHISTAS NAS PRIMEIRAS CONSTITUICcedilOtildeES BRASILEIRAS

A primeira Constituiccedilatildeo brasileira que tratou especificamente do direito do trabalho foi a de 1934 Essa versou basicamente sobre a organizaccedilatildeo dos sindicatos o caraacuteter nacional do trabalho a isonomia salarial o salaacuterio miacutenimo a jornada de oito horas de trabalho a proteccedilatildeo ao trabalho das mulheres e dos menores o repouso semanal as feacuterias anuais remuneradas os acidentes de trabalho as convenccedilotildees coletivas e a Justiccedila do Trabalho

Sobre a mesma Mozart Victor Russomano destaca que essa carta magna absorveu muito das Constituiccedilotildees que a precederam em niacutevel mundial e buscaram incorporar preceitos trabalhistas ao afirmar

A Constituiccedilatildeo de 1934 colocando-se em plano totalmente diverso da Carta de 1891 sendo essencialmente liberal sofreu influecircncia de todas as constituiccedilotildees posteriores agraves Constituiccedilotildees do Meacutexico (1917) e de Weimar (1919) e pocircs ecircnfase nas normas econocircmico-sociais (RUSSOMANO 2002 p 32)

Na sequecircncia teve-se a Constituiccedilatildeo de 1937 que incorporou muito da ideologia nazista e fascista que se apresentavam em expansatildeo na Europa por isso viu-se o florescimento de vasta legislaccedilatildeo trabalhista durante sua vigecircncia que para Russomano tinham ldquo[] inclusive o intuito poliacutetico de seduzir e aliciar as grandes massas operaacuterias em torno do poder constituiacutedordquo (RUSSOMANO 2002 p 32)

Seacutergio Martins esclarece com propriedade o sistema sindical instituiacutedo na Constituiccedilatildeo de 1937 inspirado na Carta Del Lavoro de 1917 e na Constituiccedilatildeo Polonesa ao afirmar

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[] A Constituiccedilatildeo de 1937 instituiu o sindicato uacutenico imposto por lei vinculado ao Estado exercendo funccedilotildees delegadas de poder puacuteblico podendo haver intervenccedilatildeo estatal em suas atribuiccedilotildees Foi criado o imposto sindical como uma forma de submissatildeo das entidades de classe ao Estado pois este participava do produto de sua arrecadaccedilatildeo (MARTINS 2005 p 44)

Data de 1ordm de maio de 1943 a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) legislaccedilatildeo que trouxe a reuniatildeo das disposiccedilotildees trabalhistas ateacute entatildeo dispersas em decretos para um diploma legal uacutenico Tal legislaccedilatildeo possui suma importacircncia pois veio definitivamente estabelecer regras concretas a serem observadas na relaccedilatildeo estabelecida entre empregadores e empregados estando vigente ateacute o momento embora tenha isso altera em alguns aspectos de seu corpo normativo

Seacutergio Pinto Martins explica a concepccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho ao afirmar

Existiam vaacuterias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas Houve a necessidade de sistematizaccedilatildeo dessas regras Para tanto foi editado o decreto-lei nordm 5452 de 1943 aprovando a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) O objetivo da CLT foi apenas reunir as leis esparsas existentes na eacutepoca consolidando-as Natildeo se trata de um coacutedigo pois este pressupotildee um Direito novo Ao contraacuterio a CLT apenas reuniu a legislaccedilatildeo existente agrave eacutepoca consolidando-a (MARTINS 2005 p 44)

A CLT brasileira foi concebida em um momento onde o direito do trabalho apresentava-se fragmentado e com lacunas demasiadamente exacerbadas pois cada profissatildeo detinha seu regramento e havia muitos outros profissionais que ficavam agrave margem da legislaccedilatildeo sem nenhuma proteccedilatildeo Por isso a elaboraccedilatildeo da citada legislaccedilatildeo representou uma decisatildeo poliacutetica que para Amauri Mascaro Nascimento mostrou-se mais que a mera e ldquosimples compilaccedilatildeo porque embora denominada Consolidaccedilatildeo a publicaccedilatildeo acrescentou inovaccedilotildees aproximando-se de um verdadeiro Coacutedigordquo (NASCIMENTO 2011 103)

De uma breve anaacutelise do referido diploma legal nota-se a continuidade da separaccedilatildeo das mateacuterias de previdecircncia social e de acidentes de trabalho comparadas com as demais regras e tambeacutem a unificaccedilatildeo do direito do trabalho no que se refere especialmente aos trecircs aspectos individual coletivo e processual

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Amauri Mascaro Nascimento destaca ainda que infelizmente a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho natildeo atendeu a todas as expectativas sociais e laborais pois

[] o instrumento de cristalizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas que se esperava A mutabilidade e a dinacircmica da ordem trabalhista exigiam constantes modificaccedilotildees legais como fica certo pelo nuacutemero de decretos decretos-leis e leis que depois foram elaborados alterando-a (NASCIMENTO 2011 p 104)

Contudo haacute que se destacar que a CLT constitui-se em um importante marco normativo do trabalho na medida em que trouxe uma maior seguranccedila juriacutedica agraves relaccedilotildees de trabalho naquele momento histoacuterico e permitiu a expansatildeo do trabalho livre remunerado e subordinado mediante as regras proacuteprias e aptas a disciplinar as relaccedilotildees de trabalho em seus aspectos mais gerais

A Constituiccedilatildeo seguinte datada do ano de 1946 por sua vez restabeleceu o regime democraacutetico no Brasil e rompeu com o sistema corporativo previsto na Constituiccedilatildeo anterior Observou-se a repeticcedilatildeo de alguns direitos outrora concebidos aos trabalhadores bem como a instituiccedilatildeo da participaccedilatildeo dos trabalhadores nos lucros do repouso semanal remunerado da previsatildeo da estabilidade e tambeacutem foi assegurado ao trabalhador o direito agrave greve A Justiccedila do trabalho foi incorporada ao rol dos oacutergatildeos que compunham Justiccedila Federal

Acrescenta Mozart Victor Russomano mais algumas inovaccedilotildees legislativas datadas do citado periacuteodo a saber

[] Nessa Linha Evolutiva trecircs fatos merecem registro especial a) a promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social com a uniformizaccedilatildeo legislativa nessa mateacuteria e a unificaccedilatildeo dos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensotildees INPS b) a promulgaccedilatildeo do Estatuto do Trabalhador Rural e da legislaccedilatildeo complementar c) a integraccedilatildeo do seguro contra acidentes do trabalho no sistema de Previdecircncia Social (RUSSOMANO 2002 p 33)

A partir de 1964 o Brasil passou a reformular sua poliacutetica econocircmica mediante a adoccedilatildeo de algumas metas prioritaacuterias que se refletiram de forma muito acentuada na legislaccedilatildeo trabalhista Houve a instituiccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica salarial de governordquo com o objetivo de normatizar o reajuste de salaacuterios

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Foi justamente no referido momento histoacuterico que se institui o Fundo de Garantia do Tempo de Serviccedilo (FGTS) atraveacutes da Lei nordm 51071966 com a finalidade captar recursos para subsidiar o sistema habitacional o que acabou por si soacute por se projetar de forma muito acentuada nas relaccedilotildees de trabalho especialmente no que se refere agraves indenizaccedilotildees e estabilidades empregatiacutecias

A Constituiccedilatildeo Federal de 1967 por sua vez marcou o recesso do Congresso Nacional e o retorno agrave expediccedilatildeo de decretos-lei o que veio a permitir a criaccedilatildeo de novas leis em sede trabalhista que alteraram e melhoraram o texto da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) Importante mencionar que tal postura estatal expressava o novo regime poliacutetico vivenciado no Brasil naquela eacutepoca a ditadura militar

No que se refere a este momento eacute importante mencionar a ediccedilatildeo da Lei Complementar nordm 7 de 1970 que instituiu o Programa de Integraccedilatildeo Social e da Lei nordm 43301964 que regulou o direito de greve previsto no corpo normativo constitucional

Destaca-se a publicaccedilatildeo da Lei nordm 585972 que tratou inicialmente do trabalho dos empregados domeacutesticos tambeacutem da Lei nordm 588973 que disciplinou o trabalho rural e ainda da Lei nordm 601974 que por sua vez cuidou do trabalho temporaacuterio

Mas neste contexto a norma constitucional contribuiu de forma mais abrangente e positiva com o regramento trabalhista e com o direito do trabalho propriamente dito foi a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na medida em que afirmou e estendeu o rol de garantias acerca das relaccedilotildees de trabalho e por isso eacute objeto de anaacutelise da proacutexima seccedilatildeo

4 A TUTELA AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Fruto de um processo de redemocratizaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 promulgada em cinco de outubro do mesmo ano alterou por completo o sistema de proteccedilatildeo do direito do trabalho em seu vieacutes constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Notou-se por parte do legislador constituinte uma grande preocupaccedilatildeo em proteger o trabalho especialmente pelo grande nuacutemero de dispositivos constitucionais reservados agrave mateacuteria trabalhista na Carta Magna de 1988 Domingos Saacutevio Zainaghi destaca as novidades trazidas na atual constituiccedilatildeo vigente nos seguintes termos [] ldquoAs principais novidades satildeo feacuterias remuneradas com um terccedilo a mais direitos dos empregados domeacutesticos licenccedila paternidade FGTS ampliaccedilatildeo do prazo prescricional para a cobranccedila de creacuteditos trabalhistas para cinco anos etcrdquo (ZAINAGHI 2011 p 07)

O direito do trabalho individual estaacute regrado a partir do artigo seacutetimo e se estende ateacute o artigo de nuacutemero onze da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (CF) Na sequecircncia empreende-se uma anaacutelise mais acurada dos citados dispositivos constitucionais

Iniciando-se pelo artigo seacutetimo cujo conteuacutedo objetiva estabelecer em que termos a proteccedilatildeo ao trabalho individual aconteceu a partir de 1988 no Brasil Trata-se de um dispositivo bastante extenso e que tem por finalidade apresentar o rol de direitos assegurados aos trabalhadores dos quais se destacam a equiparaccedilatildeo em termos de direito dos trabalhadores urbanos e rurais a proteccedilatildeo a relaccedilatildeo de emprego no que se refere agrave despedida arbitraacuteria a previsatildeo de seguro-desemprego para as situaccedilotildees em que esse resultar de ato involuntaacuterio a institucionalizaccedilatildeo do Fundo de Garantia do tempo de Serviccedilo como regime uacutenico para todos os trabalhadores a estipulaccedilatildeo de salaacuterio miacutenimo a previsatildeo de piso salarial a proteccedilatildeo contra a diminuiccedilatildeo dos salaacuterios salvo negociaccedilatildeo coletiva Aos trabalhadores que recebem por produtividade garante-se o direito a uma remuneraccedilatildeo miacutenima direito ao deacutecimo terceiro salaacuterio previsatildeo de adicional noturno regras de proteccedilatildeo ao salaacuterio em razatildeo de sua natureza alimentar direito agrave participaccedilatildeo nos lucros e na gestatildeo da empresa direito ao salaacuterio-famiacutelia limitaccedilatildeo das jornadas previsatildeo do repouso semanal remunerado devendo este acontecer preferencialmente aos domingos direito agrave remuneraccedilatildeo superior pela hora-extra efetuada direito agraves feacuterias anuais remuneradas e acrescidas de 13 direito agrave licenccedila agrave gestante e licenccedila-paternidade proteccedilatildeo especial ao trabalho da mulher aviso preacutevio e proporcional ao tempo de serviccedilo proteccedilatildeo agrave sauacutede seguranccedila e higiene do trabalho previsatildeo de adicional para atividades laborais de risco direito agrave

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

aposentadoria para todos os trabalhadores proteccedilatildeo agrave crianccedila reconhecimento de acordos e convenccedilotildees coletivas proteccedilatildeo ao trabalho em razatildeo da automaccedilatildeo seguro contra acidentes de trabalho extensivo a todos os trabalhadores da organizaccedilatildeo empresarial previsatildeo de prazos prescricionais para ajuizamento de reclamatoacuterias trabalhistas e cobranccedila de haveres laborais proteccedilatildeo contra discriminaccedilatildeo no que se refere ao trabalhador portador de algum tipo de deficiecircncia proteccedilatildeo contra tratamento diferenciado agraves diferentes modalidades de trabalho trabalho manual trabalho teacutecnico e trabalho intelectual previsatildeo de proteccedilatildeo ao trabalho desenvolvido pelo menor de 18 anos equiparaccedilatildeo entre os trabalhadores dotados de viacutenculo empregatiacutecio e o trabalhador avulso atribuiccedilatildeo de garantias baacutesicas ao trabalhador domeacutestico4

Na sequecircncia no artigo oitavo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nota-se o cuidado do legislador constituinte em assegurar o direito de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores bem como estabelecer algumas premissas para a instituiccedilatildeo legiacutetima dessas organizaccedilotildees

Observa-se sobretudo que no artigo oitavo a consagraccedilatildeo constitucional da liberdade de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores de forma desvinculada agrave autorizaccedilatildeo do Estado vedando-se inclusive a intervenccedilatildeo e a interferecircncia estatal nessas organizaccedilotildees Haacute tambeacutem a adoccedilatildeo do sistema sindical uacutenico que consiste no fato de que em uma mesma base territorial natildeo seja possiacutevel a instituiccedilatildeo de mais de um sindicato que busque salvaguardar os interesses de uma mesma categoria profissional Daacute-se ao sindicato a missatildeo de defender no acircmbito judicial ou no acircmbito administrativo os interesses da categoria integrada por seus sindicalizados Haacute a institucionalizaccedilatildeo obrigatoacuteria da contribuiccedilatildeo sindical assim como o direito de liberdade de associaccedilatildeo daqueles que pertenccedilam a uma determinada categoria profissional o que significa dizer em uacuteltima anaacutelise que nenhum trabalhador eacute obrigado a filiar-se a qualquer entidade sindical mas eacute sim obrigado a contribuir com o custeio da mesma mediante contribuiccedilatildeo anual definida em assembleia Resta estabelecida a obrigatoriedade da participaccedilatildeo das entidades de associaccedilatildeo

4 Recentemente por intermeacutedio da Emenda Constitucional nordm 722013 estendeu-se aos trabalhadores domeacutesticos todos os direitos assegurados aos demais trabalhadores no acircmbito constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

profissional coletiva quando da realizaccedilatildeo de negociaccedilotildees coletivas de trabalho Garante-se ao filiado ainda que aposentado a prerrogativa de votar e ser votado nas assembleias sindicais Por fim assegura-se a estabilidade provisoacuteria no emprego isto eacute a proteccedilatildeo contra despedida arbitraacuteria ao empregado que tornar-se dirigente sindical seja titular ou suplente ateacute 01 ano apoacutes o fim de seu mandato

No artigo nono o legislador constituinte se preocupou em garantir o direito de greve aos trabalhadores Vecirc-se que por este dispositivo legal assegura ao trabalhador o direito agrave greve cabendo poreacutem a eles a responsabilidade para avaliarem aos proacuteprios trabalhadores a oportunidade e a conveniecircncia do exerciacutecio deste Foi reservada inclusive a lei especiacutefica o papel de regulamentar o direito de greve tambeacutem a realizaccedilatildeo de serviccedilos ou atividades essenciais ou atendimento de necessidades inadiaacuteveis bem como estabelecer puniccedilatildeo em caso do cometimento de abusos por parte dos grevistas

Por sua vez o artigo deacutecimo tem por objetivo assegurar aos trabalhadores o direito de representaccedilatildeo em oacutergatildeos puacuteblicos colegiados em que sejam discutidos assuntos de interesses profissionais ou previdenciaacuterios

Por fim o artigo onze garante aos trabalhadores que trabalhem em organizaccedilotildees com mais de 200 empregados a eleiccedilatildeo de um representante que trataraacute dos interesses dos empregados de forma direta

Ainda no que se referem aos dispositivos legais elaborados de modo a enfocar a mateacuteria trabalhista menciona-se que nos artigos 111 112 e 113 (CF 1988) o legislador constituinte tratou da Organizaccedilatildeo da Justiccedila do Trabalho bem como estabeleceu a competecircncia dos oacutergatildeos que integram a Justiccedila do trabalho nos artigos 114 115 e 116 Desses dispositivos constitucionais nota-se que compotildeem a Justiccedila do Trabalho no Brasil os Juiacutezes do trabalho os Tribunais Regionais do Trabalho Assim como o Tribunal Superior do Trabalho o qual eacute competente em julgar as seguintes accedilotildees demandas advindas da relaccedilatildeo de trabalho em geral processos que envolvam o exerciacutecio do direito de greve os litiacutegios resultantes da accedilatildeo das entidades coletivas que representam os trabalhadores (sindicatos) as accedilotildees resultantes da aplicaccedilatildeo dos remeacutedios constitucionais ndash mandados de seguranccedila habeas corpus e habeas data ndash quando se referirem agraves questotildees pertinentes ao trabalho todas as situaccedilotildees conflituosas que pairarem sobre os

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

proacuteprios juiacutezos trabalhistas referidos agrave competecircncia desses todas as accedilotildees envolventes agraves indenizaccedilotildees por danos patrimoniais ou por dano moral em decorrecircncia das relaccedilotildees de trabalho demandas oriundas de fiscalizaccedilatildeo trabalhista accedilotildees relativas agrave cobranccedila de contribuiccedilotildees sociais enfim todas as controveacutersias originadas nas relaccedilotildees trabalhistas conforme as leis vigentes

Joseacute Afonso da Silva explica com muita propriedade o significado do reconhecimento dos direitos trabalhistas sob o ponto de vista de sua eficaacutecia no corpo normativo constituinte de 1988 ao afirmar

Satildeo direitos dos trabalhadores os enumerados nos incisos do art 7ordm aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social Temos assim direitos expressamente enumerados e direitos simplesmente previstos Dos enumerados uns satildeo imediatamente aplicaacuteveis outros dependem de lei para sua efetivaccedilatildeo praacutetica [] (SILVA 2003 p 288)

O mesmo autor destaca o caraacuteter imperativo das referidas normas ao escrever ldquoAs normas que os definem com eficaacutecia imediata ou natildeo importam em obrigaccedilotildees estatais no sentido de proporcionar aos trabalhadores os direitos assegurados e programados Toda atuaccedilatildeo em outro sentido infringe-asrdquo (SILVA 2003 p 288) Isso significa dizer que todos os direitos trabalhistas postos na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 precisam ser observados em uma relaccedilatildeo de emprego sob pena de ferir o ordenamento juriacutedico vigente

Para Walter Ceneviva o tratamento conferido ao regramento trabalhista pelo legislador constituinte de 1988 [] ldquoembora extenso estaacute longe de ser exaustivo Quando repete conceito incluiacutedo entre direitos e garantias individuais quer acentuar a importacircncia para a comunidade geralrdquo [] (CENEVIVA 2003 p 95) Da afirmaccedilatildeo de Ceneviva destaca-se a importacircncia dos direitos trabalhistas enquanto direitos fundamentais assegurados constitucionalmente inerentes agrave condiccedilatildeo humana

5 A CONDICcedilAtildeO POacuteS-MODERNA E SUA REPERCUSSAtildeO NO MUNDO DO TRABALHO

Atualmente vive-se em uma sociedade marcada pela efemeridade das relaccedilotildees e pela fluidez de paradigmas sujeita agraves mudanccedilas constantes nas conjecturas relacionais e sociais marcada pela instabilidade dos institutos sociais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 290

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Todas essas caracteriacutesticas revelam o caraacuteter preponderante da eacutepoca vivida chamada por muitos como poacutes-moderna e que em muito repercute no mundo do trabalho

No entanto existe um verdadeiro dissenso entre os autores sobre o que os termos poacutes-modernismo e poacutes-modernidade querem significar Sobre esta dificuldade afirma Perry Anderson ldquouma vez que o moderno ndash esteacutetico ou histoacuterico ndash eacute sempre em princiacutepio o que se deve chamar de presente absoluto ele cria uma dificuldade peculiar para a definiccedilatildeo de qualquer periacuteodo posterior que o converteria em um passado relativordquo (Anderson 1999 p 20)

Alguns autores caracterizam a condiccedilatildeo poacutes-moderna como o momento histoacuterico experimentado apoacutes a queda do Muro de Berlim nas sociedades capitalistas Outros pensadores consideram o poacutes-modernismo como uma espeacutecie de reaccedilatildeo agrave sociedade moderna Nesse sentido David Harvey destaca ldquo[] talvez soacute haja concordacircncia em afirmar que o ldquopoacutes-modernismordquo representa alguma espeacutecie de reaccedilatildeo ao ldquomodernismordquo ou de afastamento delerdquo (Harvey 2000 p 19)

Perry Anderson ao fazer uma anaacutelise sobre o emprego da expressatildeo condiccedilatildeo poacutes-moderna afirma que foi Jean-Franccedilois Lyotard quem pioneiramente utilizou-a com o objetivo de identificar a situaccedilatildeo histoacuterica relativa agraves alteraccedilotildees da organizaccedilatildeo da vida humana que se seguiram a modernidade (Anderson 1999 pp32-33)

Veja-se como Angelo Peres caracteriza a poacutes-modernidade

[] na era poacutes-moderna temas como razatildeo sujeito totalidade verdade e progresso satildeo conceitos vazios e em crise A poacutes-modernidade eacute a era do efecircmero do fragmentaacuterio do caoacutetico Na verdade eacute descontiacutenua sempre enfatizando a possibilidade de lidar com a realidade atraveacutes do pensamento racional (PERES 2006 p 02)

Angelo Peres eacute enfaacutetico ao destacar o caraacuteter instaacutevel que permeia a condiccedilatildeo poacutes-moderna

Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl destacam a alteraccedilatildeo da subjetividade humana no contexto da poacutes-modernidade ao escreverem

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As mudanccedilas nas maneiras dos sujeitos compreenderem o contexto na poacutes modernidade transformaram os viacutenculos entre os sujeitos e destes com as praacuteticas culturais que satildeo atividades humanas atribuiacutedas de valores e inscritas em uma determinada sociedade (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 02)

Para as referidas autoras a cultura tem como pressuposto o agir humano em sociedade de modo que na poacutes-modernidade observa-se uma alteraccedilatildeo acentuada nas relaccedilotildees humanas em si repercutindo portanto no elemento subjetivo inerente ao indiviacuteduo Para Fredric Jameson eacute essencial ldquo[] entender o poacutes-modernismo natildeo como um estilo mas como um dominante cultural uma concepccedilatildeo que daacute margem agrave presenccedila e agrave coexistecircncia de uma seacuterie de caracteriacutesticas que apesar de subordinadas umas as outras satildeo bem diferentes (JAMESON 1991 p 29)

Assim eacute interessante notar que a condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se marcada notadamente pela fragmentaccedilatildeo pelas complexidades efemeridades e inconstacircncias seja no aspecto individual ou no aspecto coletivo Mostra-se pois como um periacuteodo que trouxe profundas alteraccedilotildees no pensar filosoacutefico artiacutestico e cultural e tambeacutem para o mundo do trabalho na medida em que tecircm no individualismo na ausecircncia de credos medos e na liberdade de expressatildeo do pensamento alguns de seus traccedilos delineadores Ao mesmo tempo utiliza-se das modernas ferramentas tecnoloacutegicas para pulverizar na sociedade informaccedilotildees estimular o consumo desenfreado o que por si soacute acaba por conduzir a ausecircncia de uma identidade definida ou definitiva do homem poacutes-moderno concebido culturalmente a partir da intersubjetividade

No que se refere agrave esfera laboral sobreleva notar que as relaccedilotildees de trabalho experimentaram uma situaccedilatildeo peculiar a inserccedilatildeo do aspecto flexiacutevel em sua configuraccedilatildeo

Para David Harvey a flexibilizaccedilatildeo foi internalizada no acircmbito das relaccedilotildees de trabalho objetivando propiciar a manutenccedilatildeo do sistema capitalista onde a inserccedilatildeo de elemento flexiacutevel acabou por permitir a reorganizaccedilatildeo das estruturais laborais sem que a premissa do lucro atrelado ao capital fosse rechaccedilada (HARVEY 2000 p174-75)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Vaacuterios fatores influenciaram para a configuraccedilatildeo da flexibilizaccedilatildeo laboral desde a reestruturaccedilatildeo dos meios produtivos passando pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que permitiram propriamente a mundializaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de produtos e serviccedilos

Sobre o trabalho flexiacutevel argumentam ainda Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl

[] o trabalho flexiacutevel por ser central na maioria da vida dos sujeitos colocou-os sob o risco do desemprego e do fracasso profissional Esse medo do fracasso pode redundar em uma coerccedilatildeo interna que se torna alienante ao sujeito quando causa a ele uma consciecircncia fragmentada com pensamentos que natildeo se associam e uma compreensatildeo simplificada do contexto (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 14)

O trabalhador poacutes-moderno portanto paulatinamente eacute compelido ao desenvolvimento de multifuncionalidades com vistas a permitir o atendimento dos anseios da sociedade laboral poacutes-moderna Como exemplo de tal processo pode-se citar controle da jornada de trabalho multifacetada minimizaccedilatildeo da figura do liacuteder em prol do trabalho em equipe estabelecimento de mecanismos de avaliaccedilatildeo funcional pautados na produtividade e na diminuiccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo achatamento de salaacuterios e rendimentos e ainda a supervalorizaccedilatildeo das entidades empregadoras

Tudo isso refletiu-se no modo como o direito do trabalho passou a tratar as relaccedilotildees de emprego que se deu ao legislador trabalhista a tarefa de regrar as relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores com a finalidade de minimizar os conflitos entre as classes e principalmente garantir condiccedilotildees baacutesicas ao trabalhador que se viu inserido no contexto poacutes-moderno de forma a dar-lhe maior seguranccedila e certeza na execuccedilatildeo de seu labor

6 A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Conforme se visualiza ateacute aqui a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tutelou a proteccedilatildeo ao trabalho de forma ampla com vistas a assegurar condiccedilotildees miacutenimas de trabalho agrave classe trabalhadora brasileira Por outro lado vive-se um momento

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histoacuterico marcado fortemente pela flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas em geral e em que muito se reflete no mundo do trabalho

Conveacutem destacar nesse sentido que o legislador constituinte de 1988 acabou por internalizar essa concepccedilatildeo poacutes-moderna ligada agrave maleabilidade das relaccedilotildees quando inseriu no texto constitucional dispositivos que permitiram a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista no Brasil a saber

Art 7ordm Satildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social () VI - irredutibilidade do salaacuterio salvo o disposto em convenccedilatildeo ou acordo coletivo () XIII - duraccedilatildeo do trabalho normal natildeo superior a oito horas diaacuterias e quarenta e quatro semanais facultada a compensaccedilatildeo de horaacuterios e a reduccedilatildeo da jornada mediante acordo ou convenccedilatildeo coletiva de trabalho XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento salvo negociaccedilatildeo coletiva

Nota-se do texto constitucional destacado a admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva com a finalidade de fixar salaacuterios e estabelecer jornada de trabalho de forma diferenciada respeitadas as leis em vigor sobre o assunto

Para Glaucia Barreto trata-se de uma nova fase na qual a autonomia da vontade de empregados e empregadores toma local de destaque no acircmbito das relaccedilotildees jus laborativas local este antes ocupado pelo legislador ndash de forma exclusiva Poreacutem com uma condiccedilatildeo peculiar da preservaccedilatildeo da funccedilatildeo tutelar do Estado com o intuito de se garantir uma proteccedilatildeo legal miacutenima (BARRETO 2008 p 6)

Tem-se como exemplo do processo de flexibilidade atribuiacuteda agraves regras do trabalho a ediccedilatildeo da suacutemula 453 do Tribunal Superior do Trabalho que assim dispotildee

Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociaccedilatildeo coletiva os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento natildeo tem direito ao pagamento da seacutetima e oitava horas como extras

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Tambeacutem como exemplo vale citar o inciso II da Suacutemula 364 igualmente do Tribunal Superior do Trabalho que assim versa

A fixaccedilatildeo do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposiccedilatildeo ao risco deve ser respeitada desde que pactuada em acordos ou convenccedilotildees coletivas

Nos dois exemplos apontados observa-se a condiccedilatildeo de desvantagem ocupada pelo trabalhador que em um primeiro momento se vecirc obrigado a estender sua jornada de trabalho em turnos de revezamento (originariamente limitadas haacute seis horas diaacuterias) sem direito ao recebimento da seacutetima e da oitava horas com adicional de horas extras e no segundo exemplo em que se visualiza a possibilidade de diminuiccedilatildeo do percentual do adicional de periculosidade de forma proporcional agrave exposiccedilatildeo do mesmo ao perigo

O ponto central da discussatildeo aqui proposta eacute a avaliaccedilatildeo sobre em que medida a condiccedilatildeo mais maleaacutevel admitida perante a legislaccedilatildeo trabalhista beneficia a classe trabalhadora pois essa surge com o intuito de afastar o rigorismo legal tantas vezes apontado como o vilatildeo do desemprego e da falta da oferta de novos postos de trabalho poreacutem paradoxalmente acaba por rechaccedilar a aplicaccedilatildeo de direitos inerentes a condiccedilatildeo do trabalhador outrora assegurados

Nesse sentido argumenta Valdete Souza Severo ldquoO problema eacute que a flexibilizaccedilatildeo em si implica a destruiccedilatildeo dessa estrutura riacutegida de direitos fundamentais protegidos por uma loacutegica de proibiccedilatildeo ao retrocessordquo (SEVERO 2008 p 2)

Por outro lado Maria Christina Figueira de Morais destaca a inssustentabilidade de um regramento trabalhista riacutegido frente agraves necessidades da sociedade contemporacircnea

O Direito do Trabalho reclama por reformas profundas como meio de remoccedilatildeo de entraves propiciando sua vocaccedilatildeo maior que eacute a instrumentalidade das formas a flexibilizaccedilatildeo do caraacuteter protecionista excessivo em relaccedilatildeo ao trabalhador e a promoccedilatildeo de uma maior celeridade e justiccedila social desobstruindo inclusive as varas trabalhistas aleacutem de procurar minimizar e suprir as deficiecircncias do sistema adequando-o agrave realidade (MORAIS 2008 p 1)

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Para Andreacutea Marin dos Santos ldquoA flexibilizaccedilatildeo das normas trabalhistas deve ter por escopo a adequaccedilatildeo de seus conteuacutedos agrave realidade faacutetica das relaccedilotildees empregatiacutecias e natildeo a mitigaccedilatildeo de direitos trabalhistas sob o mote do ldquonegociado sobre o legisladordquo (SANTOS 2004 p 1)

Observa-se que a verdadeira discussatildeo impera sobre a flexibilizaccedilatildeo trabalhista concebida como poliacutetica puacuteblica estatal engendrada na qual objetiva-se a adequaccedilatildeo das leis agraves necessidades sociais de uma economia neoliberal de um mundo globalizado no contexto da poacutes-modernidade com a finalidade da mitigaccedilatildeo dos conflitos entre a classe dos trabalhadores e dos empregadores

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

De todo o exposto pode-se concluir que a legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como ferramenta de intervenccedilatildeo puacuteblica estatal objetivando regrar o trabalho livre subordinado e remunerado Tudo isso com o objetivo uacuteltimo de assegurar aos trabalhadores direitos baacutesicos e inerentes a sua condiccedilatildeo

Embora natildeo se possa mencionar com exatidatildeo desde quando o homem trabalha as primeiras regras trabalhistas somente surgiram no contexto mundial no fim do seacuteculo XIX e no iniacutecio do seacuteculo XX como forma de se amenizarem muitos dos conflitos estabelecidos entre a classe operaacuteria e os detentores dos modos de produccedilatildeo

O Estado brasileiro produziu suas primeiras normas em mateacuteria trabalhista especialmente a partir do ano de 1930 com o surgimento do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio durante o governo de Getuacutelio Vargas Desde entatildeo experimentou-se em terras brasileiras uma intensa produccedilatildeo normativa sobre esta temaacutetica seja com o objetivo de regulamentar as profissotildees existentes ou no sentido de se assegurarem garantias miacutenimas aos trabalhadores

Naquele momento histoacuterico a legislaccedilatildeo trabalhista visava reger de forma absoluta as relaccedilotildees de emprego de modo imperativo e categoacuterico dessa forma natildeo era considerado vaacutelido o exerciacutecio da autonomia da vontade das partes (Empregador X Empregado) decidirem sobre quaisquer dos direitos afetos ao exerciacutecio empregatiacutecio Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 296

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Com o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo somado agrave adoccedilatildeo de praacuteticas neoliberais e ao aumento da taxa de desemprego de modo especial nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX tem-se um novo marco nas relaccedilotildees de trabalho a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista

A flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista de uma forma geral pode ser entendida como um processo segundo o qual o Estado permite que as normas do trabalho sejam adaptadas agraves condiccedilotildees de trabalho presentes em uma determinada situaccedilatildeo concreta a partir de negociaccedilatildeo coletiva estabelecida entre o empregador e o sindicato da categoria profissional em que o empregado estaacute inserido

Caracteriza-se como uma postura adotada pelo Estado brasileiro

contemporacircnea na medida em que surge com o intuito maior de fomentar a geraccedilatildeo

de emprego priorizar a manutenccedilatildeo de postos de trabalho e diminuir a

informalidade Tudo isso atraveacutes da admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva sobre as

condiccedilotildees do contrato de trabalho (alteraccedilatildeo dos limites legais de duraccedilatildeo da

jornada de trabalho modificaccedilatildeo de valores salariais entre outros)

Tem por escopo dotar as regras trabalhistas de maior adaptabilidade de

modo a rechaccedilar uma recorrente reclamaccedilatildeo da classe empregadora o excessivo

rigorismo das leis do trabalho como entrave ao aumento de contrataccedilotildees formais

Por tais motivos esta postura estatal gerou imensa repercussatildeo no mundo

do trabalho seja sobre as relaccedilotildees sociais estabelecidas no acircmbito da classe

trabalhadora ou no aspecto juriacutedico pois o princiacutepio maacuteximo de proteccedilatildeo a figura do

empregado passa a ser discutido

Em prol do pretendido aumento da proximidade e igualdade entre as partes envolvidas na relaccedilatildeo de trabalho e tambeacutem da diminuiccedilatildeo do rigorismo das leis do trabalho passou-se a observar de outro lado a mitigaccedilatildeo de vaacuterias garantias outrora concedidas aos trabalhadores

Logo diante do conjunto normativo existente no Brasil na atualidade

observa-se que para aleacutem de meramente tutelar interesses dos trabalhadores existe

uma preocupaccedilatildeo recorrente em harmonizar de forma otimizada os diferentes

conflitos advindos muitas vezes da proacutepria relaccedilatildeo estabelecida entre

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

empregadores e empregados A admissatildeo pelo legislador constituinte de 1988 de

instrumentos aptos a possibilitar a flexibilizaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de

trabalho desde que intermediada a negociaccedilatildeo pela entidade coletiva que

representa os trabalhadores mostra-se como uma forma de se tentar ao menos

minimizar possiacuteveis efeitos nocivos a proacutepria classe trabalhadora Ao mesmo tempo

tal posicionamento estatal fortalece ateacute mesmo os proacuteprios oacutergatildeos classistas

Dentro desse processo tais instituiccedilotildees acabam por se afirmar na defesa dos

interesses de uma determinada categoria

Quando a Carta Magna de 1988 condicionou a validade das negociaccedilotildees

estabelecidas no acircmbito das relaccedilotildees laborais engendradas entre trabalhadores e

empregadores a mediaccedilatildeo realizada pelo sindicato obreiro quis tambeacutem o

legislador evitar possiacuteveis conflitos judiciais e favorecer a composiccedilatildeo coletiva

Dentro da loacutegica que rege o ordenamento juriacutedico paacutetrio e pelo conjunto de

princiacutepios que lhe serve de sustentaacuteculo o que eacute negociado natildeo pode prejudicar o

conteuacutedo das leis pois vigora a supremacia constitucional Dessa forma tudo que

contraria as regras constitucionais apresenta-se como invaacutelido

Nesse contexto ainda que haja o permissivo constitucional apto a

possibilitar a negociaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de trabalho esta negociaccedilatildeo

natildeo ficou a cargo uacutenico e exclusivo das partes envolvidas mas sujeita a todas as

regras existentes em sede trabalhista no Brasil

Assim a flexibilizaccedilatildeo apresenta-se como realidade na sociedade

contemporacircnea consolida-se na medida em que se constitui no instrumento apto a

ajustar as normas vigentes agraves condiccedilotildees sociais e econocircmicas experimentadas de

forma direta pelos cidadatildeos

Importante se faz neste contexto o entendimento que sob nenhum

argumento a flexibilizaccedilatildeo pode ser utilizada para subtraccedilatildeo de direitos miacutenimos aos

trabalhadores Por isso eacute fundamental o fortalecimento das entidades sindicais e a

accedilatildeo vigilante da justiccedila do trabalho no sentido de coibir abusos e praacuteticas ilegais

sob o argumento flexibilizador

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

REFEREcircNCIAS

ANDERSON Perry As origens da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 APPEL-SILVA Marli e Biehl Kaacutetia Trabalho na poacutes-modernidade crenccedilas e concepccedilotildees Revista mal-estar e subjetividade Fortaleza V VI nordm 2 p 518-534 set2006 Disponiacutevel em lthttppepsicbvsaludorgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S1518-61482006000200011gt Acesso em 01 nov 2011 BARRETO Glaucia Curso de direito do trabalho Niteroacutei Impetus 2008 BRASIL Constituiccedilatildeo (1824) Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brazil de 25 de marccedilo de 1824 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao Constituicao24htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1891) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicao91htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1934) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogov brccivil_03ConstituicaoConstituicao34htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1937) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03 ConstituicaoConstituicao37htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1946) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao46htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao67htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Emenda Constitucional nordm 1 de 17 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoEmendas Emc_anterior1988emc01-69htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de1988 de 05 de outubro de 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicaohtmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 3353 de 13 de maio de 1888 Declara extinta a escravidatildeo no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LeisLIMLIM3353htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Decreto-Lei nordm 5452 de 1ordm de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Decreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 4330 de 1ordm de junho de 1964 Regula o direito de greve na forma do art 158 da Constituiccedilatildeo Federal Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03Leis1950-1969L4330htmgt Acesso em 17 fev 2013

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

BRASIL Lei nordm 5107 de 13 de dezembro de 1966 Cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviccedilo e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanalto govbrccivil_03LeisL5107htmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei Complementar nordm 7 de 07 de setembro de 1970 Institui o programa de Integraccedilatildeo Social e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwwwplanalto govbrccivil_03LeisLCPLcp07htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Lei nordm 5859 de 11 de dezembro de 1972 Dispotildee sobre a profissatildeo de empregado domeacutestico e daacute outras providecircncias Disponiacutevel em lthttpwww planaltogovbrccivil_03LeisL5859htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Lei nordm 5889 de 08 de junho de 1973 Estatui normas reguladoras do trabalho rural Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LeisL5889htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Suacutemulas do TST Vade Mecum Saraiva 14 ed atual e ampl Satildeo Paulo Saraiva 2012 CARELLI Rodrigo de Lacerda O ministeacuterio puacuteblico do trabalho na proteccedilatildeo do direito do trabalho Cad CRH Salvador BA v 24 n spe1 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0103-4979201100040000 5amplng=enampnrm=isogt Acesso em 07 nov 2012 CARTONI Daniela M LORENZETTI Katiusca A flexibilizaccedilatildeo no direito do trabalho e globalizaccedilatildeo Revista de Direito ndash Anhanguera Educacional SA Valinhos ndash SP Vol XI n 13 Ano 2008 CENEVIVA Walter Direito constitucional brasileiro 3 ed Satildeo Paulo Saraiva 2003 DELGADO Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho 6 ed Satildeo Paulo LTr 2007 KORSCH Karl Lutas de classes e direito do trabalho Traduccedilatildeo de Juan Luis Vermal Ed Ariel Espanha 1980 HARVEY David Condiccedilatildeo poacutes-moderna uma pesquisa sobre as origens da mudanccedila cultural Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2000 JAMESON Fredric Poacutes-modernismo a loacutegica cultural do capitalismo tardio Satildeo Paulo Aacutetica 1997 MARTINS Seacutergio Pinto Direito do trabalho Satildeo Paulo Atlas 2005 MARTINS Seacutergio Pinto Flexibilizaccedilatildeo das condiccedilotildees de trabalho Satildeo Paulo Atlas 2009 MORAIS Maria Christina Filgueira de A flexibilizaccedilatildeo trabalhista como consequecircncia da atual conjectura econocircmica mundial Jus Navigandi Teresina ano 13 n 2005 27 dez 2008 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombrrevistatexto12133gt Acesso em 16 jun 2011 NASCIMENTO Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho histoacuteria e teoria do direito do trabalho relaccedilotildees individuais e coletivas do trabalho 20 ed Satildeo Paulo Saraiva 2005

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

NASCIMENTO Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho histoacuteria e teoria do direito do trabalho relaccedilotildees individuais e coletivas do trabalho 26 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 PERES Angelo Poacutes-modernidade e mercado de trabalho Disponiacutevel em lthttpinternativacombrartigo_rh_09_06htmlgt Acesso em 24 jan 2012 RUSSOMANO Mozart Victor Curso de direito do trabalho 9 ed Curitiba Juruaacute 2002 SANTOS Andreacutea Marin dos A reforma trabalhista garantia ou mitigaccedilatildeo de direitos Jus Navigandi Teresina ano 9 n 189 11 jan 2004 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombrrevistatexto4677 gt Acesso em 11 jun 2011 SEVERO Valdete Souto O mundo do trabalho e a flexibilizaccedilatildeo Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1946 29 out 2008 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombr revistatexto11903gt Acesso em 15 jun 2011 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 26 ed Satildeo Paulo Malheiros 2003 ZAINAGHI Domingos Saacutevio Curso de legislaccedilatildeo social direito do trabalho 12 ed Satildeo Paulo Atlas 2001

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo

E GOVERNANCcedilA GLOBAL1

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE

Patriacutecia Galvatildeo Ferreira2

Resumo Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os

Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes3 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo

1 Artigo submetido em 09072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 01112013 Trabalho baseado no Capiacutetulo 3 da tese doutoral ldquoBreaking the Weak Governance Curse Global Regulation and Governance Reform in Resource-Rich Developing Countriesrdquo defendida em 2012 na Faculty of Law da Universidade de Toronto Traduccedilatildeo de Rafael dos Santos-Pinto Revisto e editado pela autora

2 Doutora em direito e desenvolvimento e estudos internacionais pela Universidade de Toronto pesquisadora associada do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro atualmente pesquisadora visitante da FGVDireito Satildeo Paulo ocupou a Caacutetedra Nabuco de Estudos Brasileiros na Universidade de Stanford de Marccedilo a Setembro de 2013 E-mail pgalvaoietsorgbr

3 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma

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com teoacutericos institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Palavras-chave Desenvolvimento Globalizaccedilatildeo Governanccedila

Abstract The last two decades have witnessed the elevation of institutional theories of

development to the forefront of mainstream development studies Exponents of institutional theories recognize that promoting development requires policies to improve physical infrastructure to enhance financial and human capital andor to address geopolitical geographic historical and cultural factors Institutionalists make a compelling case however that investing in the improvement of the institutional or governance framework within developing nations is the most effective way even a pre-requisite to promote development A ldquogood governancerdquo framework according to institutional theorists is key to facilitate the achievement of all development objectives and to address negative disruptions and externalities inherent in the development process

Keywords Development Globalization Governance

INTRODUCcedilAtildeO

Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes4 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo com teoacutericos

discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

4 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-

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institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Esse consenso predominante sobre a importacircncia de um soacutelido sistema nacional de governanccedila para garantir desenvolvimento natildeo foi seguido no entanto por um consenso similar sobre o que exatamente caracteriza um bom sistema de governanccedila ou ainda menos sobre quais mecanismos de governanccedila satildeo importantes para quais indicadores de desenvolvimento Alguns autores argumentam que esta ambiguidade teoacuterica e conceitual eacute problemaacutetica a ponto de dissipar o poder elucidativo das teorias institucionais de desenvolvimento (Lecours 2005) A maioria dos estudiosos da aacuterea de desenvolvimento entretanto estaacute engajada em uma agenda construtiva de investigaccedilotildees para decifrar toda uma constelaccedilatildeo de questotildees que foram colocadas pelas teorias institucionais Questotildees como por exemplo o que exatamente se quer dizer por governanccedila como e porque exatamente os paiacuteses vieram a construir sistemas de governanccedila tatildeo distintos como e porque exatamente sistemas de governanccedila sofrem - ou natildeo ndash alteraccedilotildees importantes ao longo do tempo que mecanismos de governanccedila importam para quais objetivos de desenvolvimento e como etc5

O fato da maior parte destas questotildees de pesquisa continuarem sem respostas claras na literatura institucional de desenvolvimento natildeo impediu que nas uacuteltimas deacutecadas houvesse uma proliferaccedilatildeo de iniciativas para a promoccedilatildeo de reformas de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Diversos programas multilaterais e bilaterais de assistecircncia ao desenvolvimento tecircm dado ecircnfase especial a iniciativas para promover boa governanccedila em paiacuteses com um deacuteficit institucional agudo Este natildeo eacute mais o caso do Brasil jaacute que inegavelmente

estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

5 Veja por exemplo Fukuyama 2013 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 304

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construiacutemos ao longo do tempo uma densidade institucional razoaacutevel ainda que em muitas aacutereas incompleta imperfeita eou vulneraacutevel Eu me refiro a muitos paiacuteses da Aacutefrica Aacutesia e em menor grau da Ameacuterica Latina Essas iniciativas multilaterais e bilaterais de promoccedilatildeo de boa governanccedila majoritariamente baseadas em acordos de cooperaccedilatildeo teacutecnica ou na imposiccedilatildeo de condicionalidades em programas de empreacutestimos e doaccedilotildees se provaram pouco frutiacuteferas Apesar do alto valor investido o deacuteficit institucional em diversos paiacuteses em desenvolvimento permanece praticamente inalterado

Apesar desse claro recorde negativo em melhorias institucionais ou talvez por causa disso recentemente um nuacutemero crescente de mecanismos regulatoacuterios globais natildeo convencionais estatildeo sendo criados com o objetivo de influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila Exemplos desses mecanismos satildeo as diversas parcerias transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para Transparecircncia das Induacutestrias Extrativas (EITI na sigla em inglecircs) bem como acordos de parceria para governanccedila (VPAs na sigla em inglecircs) inseridos em acordos bilaterais de comeacutercio O desenho institucional dessas iniciativas eacute muito distinto de mecanismos tradicionais de regulaccedilatildeo internacional Atores natildeo estatais - como organizaccedilotildees da sociedade civil e corporaccedilotildees - participam da concepccedilatildeo e administraccedilatildeo desses mecanismos em peacute de igualdade com Estados A verificaccedilatildeo da implementaccedilatildeo dessas iniciativas tambeacutem fica tambeacutem a cargo de grupos multisetoriais e frequentemente requerem a contrataccedilatildeo de oacutergatildeos independentes para avaliar indicadores de ldquocompliancerdquo

Este movimento expansivo no cardaacutepio de opccedilotildees de mecanismos globais de regulaccedilatildeo para influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila responde a outros fatores aleacutem da influecircncia ideoloacutegica das teorias institucionalistas no entanto Para Anne-Marie Slaughter amp William Burke-White (2006) e para Francis Fukuyama (2004) por exemplo a preocupaccedilatildeo mundial com o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento estaacute em ascensatildeo porque as atuais ameaccedilas agrave seguranccedila de muitos paiacuteses (em especial os desenvolvidos) natildeo estatildeo mais limitadas ao comportamento imprevisiacutevel de Estados controlados por liacutederes paacuterias (como o Iraque de Saddam Hussein ou a Coreacuteia do Norte de Kim Jong-un) que

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devem ser contidos por meio de diplomacia uso da forccedila militar ou mecanismos multilaterais convencionais6 As origens das principais ameaccedilas contemporacircneas agrave seguranccedila satildeo cada vez mais de ordem intra-estatal uma vez que eacute o deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses que tem facilitado o surgimento e a proliferaccedilatildeo de grupos terroristas e maacutefias de crime organizado cujas atividades facilmente cruzam fronteiras Dessa forma somente o fortalecimento de sistemas domeacutesticos de vigilacircncia seriam capazes de lidar eficazmente com esses desafios

Para estes autores novos mecanismos globais para influenciar a forma como Estados organizam seus proacuteprios sistemas domeacutesticos de governanccedila estatildeo sendo discutidos e testados para melhor lidar com as crescentes raiacutezes domeacutesticas dos principais problemas da ordem mundial contemporacircnea Seja qual for a razatildeo ndash para promover indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico ou para defender a seguranccedila nacional de ameaccedilas originadas do deacuteficit institucional de outros paiacuteses ndash existe um crescente reconhecimento para usar as palavras de Fukuyama (2004 traduccedilatildeo nossa) de que a questatildeo de como promover melhorias de governanccedila em Estados fracos de como reforccedilar sua legitimidade democraacutetica e de como fortalecer instituiccedilotildees autossustentaacuteveis se tornou o projeto central da poliacutetica internacional contemporacircnea

Neste artigo argumento que apesar desta crescente diversificaccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios globais criados para interagir e influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a pesquisa predominante nos Estudos de Desenvolvimento e especialmente na sua subdisciplina conhecida como Direito e Desenvolvimento (DampD) ainda natildeo estaacute acompanhando esta nova realidade A literatura de DampD tem centrado no estudo da

6 Anne-Marie Slaughter e William Burke-White (2006) por exemplo argumentam que enquanto o direito internacional foi originalmente construiacutedo para influenciar como os Estados se comportam em relaccedilatildeo uns aos outros e o direito internacional moderno passou a influenciar tambeacutem a conduta dos Estados para com seus proacuteprios cidadatildeos (a exemplo das normas internacionais de direitos humanos) hoje uma terceira geraccedilatildeo de normas internacionais (traduccedilatildeo nossa) ldquoprocura influir ativamente natildeo soacute no Direito domeacutestico mas tambeacutem no ambiente poliacutetico domeacutestico buscando catalizar a accedilatildeo domeacutestica dos governos Slaughter e Burke-White argumentam que estas novas normas internacionais satildeo muito mais invasivas e ao menos potencialmente muito mais transformadoras do que as normas que formam o regime internacional de direitos humanos criado poacutes Segunda Guerra

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dinacircmica nacional das tentativas de reforma institucional7 deixando em segundo plano os efeitos de instrumentos globais ndash tais como mecanismos bilaterais e multilaterais e iniciativas multisetoriais transnacionais ndash nas dinacircmicas de promoccedilatildeo de reformas domeacutesticas

Para ser precisa a literatura de DampD natildeo nega o papel potencial de atores externos em processos domeacutesticos de reforma No entanto o foco dos estudos estaacute em identificar quais obstaacuteculos domeacutesticos estatildeo dificultando as tentativas externas de promover reformas efetivas de sistemas de governanccedila no acircmbito nacional Existe entatildeo uma grande ecircnfase em decifrar os detalhes das estruturas e processos endoacutegenos de reforma Na melhor das hipoacuteteses esta literatura tem investigado a eficaacutecia (ou natildeo) de meacutetodos relacionados a mecanismos internacionais convencionais - como o uso de condicionalidades para empreacutestimos e doaccedilotildees multilaterais e bilaterais ou o uso de sanccedilotildees eou incentivos comerciais (financiamento direto assistecircncia teacutecnica e capacity building) ndash para pressionar ou encorajar paiacuteses em desenvolvimento a desencadear processos nacionais de reforma (TREBILCOCK amp DANIELS 2008 p 341)

Esta perspectiva que eu chamo de cocircncava entretanto ignora a possibilidade de que mecanismos regulatoacuterios globais em especial os natildeo convencionais tambeacutem possam catalizar ou constranger o processo de reforma domeacutestica de forma muito mais complexa e potencialmente mais eficiente do que ateacute agora reconhecido Iniciativas transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para

Transparecircncia das Industrias Extrativas (EITI)8 ou a Parceria para Governos Abertos (OGP)9 por exemplo procuram explorar uma diversa gama de meacutetodos para influenciar processos nacionais de reforma de governanccedila (como participaccedilatildeo social horizontal ao Estado desde a gecircnese da idealizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das reformas sistemas para amplificar ldquopeer pressurerdquo apoio muacutetuo para definir e manter padrotildees nacionais de transparecircncia incentivos de mercado etc) em um soacute mecanismo

A literatura de DampD aparentemente ainda natildeo estaacute investigando em profundidade o efeito dessas novas iniciativas globais nas dinacircmicas domeacutesticas de

7 Para uma anaacutelise recente e abrangente desta literatura veja Trebilcock amp Prado 2011 8 Veja ldquoEITIrdquo site EITI Disponiacutevel em lthttpeitiorggt 9 Veja ldquoOGPrdquo site OGP Disponiacutevel em lthttpwwwogporggt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 307

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mudanccedila institucional mantendo o seu foco em estrateacutegias domeacutesticas para lidar com obstaacuteculos domeacutesticos a tentativas de reforma Esta perspectiva cocircncava (isto eacute este olhar circunscrito aos processos institucionais domeacutesticos) natildeo eacute exclusivo agrave literatura de DampD mas pode tambeacutem ser reconhecido na disciplina mais ampla de estudos de desenvolvimento a partir dos anos 90 Depois da segunda metade dos anos 2000 entretanto um grupo de economistas e cientistas poliacuteticos de desenvolvimento comeccedilaram a devotar mais atenccedilatildeo agraves interaccedilotildees complexas entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos nacionais para lidar com os deacuteficits domeacutesticos de governanccedila Na concepccedilatildeo desses estudiosos os vaacuterios mecanismos globais de governanccedila tecircm uma dinacircmica externa proacutepria a ser estudada assim como devem ser estudadas as formas complexas de interaccedilatildeo pelas quais esses mecanismos podem catalizar influenciar ou dificultar mudanccedilas institucionais na esfera domeacutestica Para iluminar os rumos dessa nossa agenda de pesquisa esses estudiosos do desenvolvimento estatildeo comeccedilando a olhar para a literatura de governanccedila global Com pouquiacutessimas exceccedilotildees acadecircmicos de DampD contemporacircneos ainda natildeo estatildeo engajados nesse importante movimento para desvendar a interaccedilatildeo dinacircmica entre mecanismos regulatoacuterios globais e processos domeacutesticos de reforma institucional

Eu sustento que a agenda de pesquisa de DampD sobre reformas institucionais no acircmbito nacional pode se beneficiar enormemente dessas investigaccedilotildees nascentes sobre as interaccedilotildees entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos de reforma de sistemas domeacutesticos de governanccedila Em outras palavras este artigo propotildee que acadecircmicos de DampD devem expandir a sua perspectiva sobre o processo de reforma institucional domeacutestico levando em consideraccedilatildeo os vaacuterios mecanismos endoacutegenos e exoacutegenos que afetam esse processo e a forma como eles interagem Esta perspectiva expansiva deve iluminar a nova fronteira de estudos sobre reformas institucionais para desenvolvimento Este artigo estaacute dividido da seguinte forma A primeira parte argumenta que a literatura de DampD tem adotado uma perspectiva predominantemente cocircncava focando nos processos nacionais de reforma institucional para desenvolvimento A segunda parte argumenta que a literatura de governanccedila global predominante tem adotado uma perspectiva oposta convexa apenas considerando mecanismos regulatoacuterios globais como ferramentas para contornar (sem necessariamente influenciar) o deacuteficit de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 308

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governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento A terceira parte descreve a nascente literatura que estaacute investigando as interaccedilotildees entre mecanismos globais e sistemas domeacutesticos que sofrem de um deacuteficit institucional agudo e propotildee que esta literatura deveria ser usada para expandir a perspectiva ateacute entatildeo adotada pela literatura de DampD

1 LITERATURA DE DampD A PERSPECTIVA COcircNCAVA

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial muitos ideoacutelogos poliacuteticos e ativistas se preocupam com o abismo pronunciado ndash e crescente ndash entre indicadores de desenvolvimento de naccedilotildees ricas e de naccedilotildees pobres Esforccedilos concretos para reduzir esse abismo tem gerado muitos desafios morais analiacuteticos e normativos e inspirado uma gama de investigaccedilotildees acadecircmicas em vaacuterias disciplinas Estas investigaccedilotildees acadecircmicas satildeo coletivamente conhecidas como estudos de desenvolvimento Os estudos de desenvolvimento englobam disciplinas acadecircmicas heterogecircneas como economia ciecircncia poliacutetica e direito entre outras Esses estudos tecircm influenciando uns aos outros ao longo dos anos de forma tatildeo complexa que eacute muitas vezes difiacutecil separar uma linha disciplinar da outra Reconhecendo esta dificuldade este artigo adotaraacute o ponto de vista da ainda nascente subaacuterea dos estudos de desenvolvimento conhecida como direito e desenvolvimento (DampD) fazendo todavia tambeacutem referecircncia agrave literatura mais ampla e interdisciplinar sobre desenvolvimento da qual esta faz parte

David Trubek e Alvaro Santos (2006) dividiram a literatura de DampD em dois momentos histoacutericos distintos para propoacutesitos analiacuteticos10 No primeiro momento

10 Se o DampD eacute de fato um ramo autocircnomo de estudos juriacutedicos ou somente um movimento eacute ainda amplamente debatido no meio acadecircmico Carothers (2006) e Davis amp Trebilcock (2007) argumentam que existe ainda enorme ambiguumlidade sobre a maioria das premissas centrais que justificariam a existecircncia de uma disciplina especiacutefica de DampD Estatildeo ainda em aberto questotildees como 1) se as regras juriacutedicas exercem um efeito significativo em indicadores de desenvolvimento 2) se eacute factiacutevel idealizar e prescrever marcos normativos para influenciar desenvolvimento e 3) se eacute possiacutevel para acadecircmicos de um determinado paiacutes identificar possiacuteveis modelos de reforma para promover desenvolvimento em paiacuteses estrangeiros Esta terceira questatildeo estaacute relacionada ao fato de que foram os desafios para promover desenvolvimento no chamado Sul Global que deram origem agraves primeiras linhas de pesquisa sobre DampD nos Estados Unidos e depois na Europa Thomas Carothers apelidou esse grupo de questotildees como o problema do conhecimento do DampD Carothers (2006 traduccedilatildeo nossa) afirma que estas ambiguumlidades tornam o direito e desenvolvimento um ramo feacutertil para pesquisa acadecircmica ao

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eles incluem o movimento que gerou uma seacuterie de estudos pela comunidade juriacutedica americana nos anos 70 No segundo momento eles incluem o que ficou conhecido como o movimento de Rule of Law (ROL) studiesrdquo que se iniciou nos anos 9011 Eu adotarei a divisatildeo destes autores com o propoacutesito de demonstrar que o DampD ndash genericamente falando ndash tem adotado uma perspectiva cocircncava ignorando como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou podem afetar processos de reformas institucionais domeacutesticas com vistas a promover desenvolvimento A uacutenica exceccedilatildeo foi o breve periacuteodo nos anos 80 em que juristas examinaram como o direito internacional estava impactando paiacuteses em desenvolvimento Mas esse tema natildeo eacute geralmente discutido por acadecircmicos envolvidos especificamente com DampD e tampouco houve uma anaacutelise da interaccedilatildeo dos mecanismos regulatoacuterios globais e processos internos de reforma de governanccedila na forma que proponho neste artigo

11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD

As primeiras tentativas de institucionalizar o DampD como um campo definido de pesquisa juriacutedica aconteceram em universidades americanas nos anos 70 (Trubek 2006) Na eacutepoca os estudos sobre desenvolvimento econocircmico impulsionados por teorias da modernizaccedilatildeo jaacute estavam bem estabelecidos nas faculdades de economia Naquela deacutecada economistas de desenvolvimento acreditavam que a convergecircncia econocircmica entre paiacuteses pobres do Sul Global e paiacuteses ocidentais industrializados era uma questatildeo de planejamento inteligente e tempo Os estudos focavam em quais medidas de poliacutetica econocircmica os estados

contraacuterio de negar caraacuteter autocircnomo ao ramo Trebilcock e Davis (2007) adotam a mesma posiccedilatildeo Mariana Prado (2010) diverge ressaltando que o DampD natildeo pode ainda ser considerado um ramo acadecircmico em virtude da falta de um corpo unificado miacutenimo de conceitos e pressupostos O fato eacute que o DampD jaacute produziu um rico manancial de estudos e que vaacuterias faculdades de direito jaacute consideram o ramo como suficientemente estabelecido para estruturar cursos e contratar professores para trabalhar na aacuterea incluindo no Sul Global

11 Em constraste Heller (2003) argumenta que houve na verdade trecircs ondas de promoccedilatildeo de reformas do Estado de Direito (ROL em Inglecircs) desde a Segunda Guerra A primeira onda teria ocorrido nos anos 60 sob o antigo movimento acadecircmico americano de direito e desenvolvimento A segunda onda teria ocorrido nos anos 70 e 80 caracterizando-se pelos esforccedilos de promover a internacionalizaccedilatildeo de padrotildees de direitos humanos relativos a ordem juriacutedica em constituiccedilotildees e sistemas juriacutedicos em todo o mundo Finalmente uma terceira onda englobou os esforccedilos para construir as fundaccedilotildees institucionais para facilitar atividades de mercado eficientes a partir dos anos 80

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desenvolvimentistas poderiam adotar no acircmbito domeacutestico para efetivar esta convergecircncia (Trubek amp Galanter 1974)12 Em paralelo cientistas poliacuteticos estavam conduzindo investigaccedilotildees sistemaacuteticas sobre quais fatores poliacuteticos e sociais poderiam afetar o desenvolvimento social e econocircmico de um paiacutes (PRADO amp TREBILCOCK 2011)13 Juristas se uniram a esse empreendimento acadecircmico um pouco mais tarde para investigar a relaccedilatildeo especiacutefica entre sistemas legais formais e as mudanccedilas econocircmicas pretendidas nos paiacuteses em desenvolvimento De acordo com Trubek e Galanter (1974) a agenda de pesquisa do DampD neste periacuteodo se desenvolveu em estreita relaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo com processos concretos de reformas juriacutedicas sendo empreendidos agrave eacutepoca A pesquisa acadecircmica era em larga medida instrumental com os objetivos principais de justificar e guiar as reformas juriacutedicas para promover desenvolvimento que jaacute ocorriam na praacutetica promovidas por organizaccedilotildees filantroacutepicas privadas ou por agecircncias multilaterais e bilaterais de desenvolvimento (ALMOND amp POWELL JR 1966 NOVACK amp LEKACHMAN 1969) O principal desafio era identificar as mudanccedilas juriacutedicas necessaacuterias para alcanccedilar alguns objetivos de desenvolvimento especiacuteficos (TRUBEK amp GALANTER 1974 p 1074 traduccedilatildeo nossa) Juristas de DampD investigavam por exemplo que deficiecircncias estavam inibindo o funcionamento correto das instituiccedilotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento bem como se e de que forma estas instituiccedilotildees poderiam ser reparadas ou adaptadas para funcionar de forma similar a dos paiacuteses desenvolvidos Assim como nas outras disciplinas de estudos de desenvolvimento existia forte ecircnfase no papel do Estado em regulamentar a economia de mercado direcionando-a para os fins desejados A ideia era que o desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas assim como as de democracia poliacutetica e social seguiria naturalmente o processo de desenvolvimento econocircmico (TRUBEK 2006 p 75)

Havia uma convicccedilatildeo generalizada de que os sistemas juriacutedicos em paiacuteses em desenvolvimento permaneciam rudimentares ou estavam engessados em

12 Jaacute para Duncan Kennedy (em Trubek amp Santos 2006) o interesse acadecircmico pela relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento tem uma histoacuteria muito mais antiga datada ao menos do seacuteculo XVIII Kennedy traccedila uma histoacuteria intelectual detalhada dos primeiros trabalhos acadecircmicos sobre a interaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento

13 Prado e Trebilcock (2011) traccedilam um panorama da evoluccedilatildeo das vaacuterias teorias de desenvolvimento

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formalidades legais vazias revelando-se incapazes de promover poliacuteticas puacuteblicas com objetivos concretos Uma aacuterea de pesquisas centrou em como apoiar o desenvolvimento do ensino juriacutedico na Aacutefrica Aacutesia e Ameacuterica Latina este sendo considerado o instrumento mais eficaz para propiciar a modernizaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos dos paiacuteses em desenvolvimento a longo prazo Outra aacuterea de foco era como expandir o acesso agrave justiccedila que na eacutepoca significava principalmente incluir acesso formal aos tribunais e providenciar serviccedilos juriacutedicos profissionais subsidiados para os setores mais pobres da sociedade (TRUBEK 2006) Havia o questionamento sobre como atores externos poderiam melhor contribuir para a modernizaccedilatildeo do Direito Puacuteblico da administraccedilatildeo puacuteblica e das profissotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento Os meacutetodos propostos eram a transferecircncia de conhecimento programas de capacidade teacutecnica e injeccedilotildees de capital para facilitar o transplante de modelos de instituiccedilotildees juriacutedicas de paiacuteses desenvolvidos para os paiacuteses em desenvolvimento O foco era portanto eminentemente em identificar como exatamente ldquomodernizarrdquo instituiccedilotildees domeacutesticas deficientes

Os estudos de DampD dos anos 70 foram entatildeo motivados pela mesma premissa subjacente nas teorias econocircmicas de modernizaccedilatildeo a soluccedilatildeo ideal para reduzir o abismo de desenvolvimento entre paiacuteses industrializados e os demais estava em ajudar paiacuteses em desenvolvimento a reformar as suas praacuteticas e instituiccedilotildees legais econocircmicas e sociais aproximando-as dos modelos liberal-democraacuteticos dos paiacuteses desenvolvidos considerados exitosos No momento em que a sub-aacuterea de DampD comeccedilou finalmente a acumular uma massa criacutetica de estudos que fizesse frente ao volume acadecircmico jaacute estabelecido nas aacutereas de economia e ciecircncia poliacutetica do desenvolvimento entretanto o paradigma da modernizaccedilatildeo que havia informado as teorias dessas disciplinas jaacute havia entrado em decadecircncia pelo fracasso em gerar melhorias concretas em indicadores de desenvolvimento

A decepccedilatildeo com duas deacutecadas de tentativas frustradas de pensar e promover modelos juriacutedicos para facilitar o desenvolvimento do Sul Global a partir principalmente de entidades acadecircmicas americanas levou David Trubek e Mark Galanter a declararem a morte antecipada do projeto intelectual do DampD em um proeminente artigo de 1974 intitulado Acadecircmicos Auto-alienados (Scholars in Self-Estrangement) Para Trubek e Galanter a proacutepria ideia de que seria possiacutevel Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 312

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transplantar modelos juriacutedicos liberal-democraacuteticos provenientes de paiacuteses desenvolvidos para paiacuteses em desenvolvimento havia sido ingecircnua e etnocecircntrica14 Brian Tamanaha (1995) no entanto argumenta que a extinccedilatildeo do primeiro movimento de DampD foi na verdade uma crise interna da academia americana Para ele a crise surgiu essencialmente da crescente desconfianccedila de acadecircmicos americanos em relaccedilatildeo agraves credenciais democraacuteticas do modelo liberal americano tanto em assuntos domeacutesticos como na poliacutetica externa15

Natildeo haacute como negar entretanto que esta crise acadecircmica americana fazia parte de uma crise ideoloacutegica de proporccedilotildees mundiais O fim do que foi considerado o primeiro movimento de DampD ocorreu no contexto de acalorados debates globais sobre neocolonialismo e sobre a necessidade de uma nova ordem econocircmica internacional A ideia de que as teorias de modernizaccedilatildeo e desenvolvimento dos anos 70 eram projetos etnocecircntricos usados potencialmente por paiacuteses industrializados como instrumentos para interferir em assuntos internos dos paiacuteses em desenvolvimento ecoava muito aleacutem dos ciacuterculos acadecircmicos americanos (APTER 1987)

Tamanaha (1995) argumenta de forma convincente que esta crise ideoloacutegica do projeto acadecircmico de DampD cuja dimensatildeo nunca foi bem estabelecida agrave eacutepoca natildeo chegou a afetar a praacutetica de assistecircncia ao desenvolvimento em geral e a

14 Trubek e Galanter apresentaram uma visatildeo ciacutenica natildeo soacute dos esforccedilos de DampD dos anos 70 mas do projeto mais amplo de tentar promover desenvolvimento em paiacuteses do Sul Global Em recente apresentaccedilatildeo na Universidade de Toronto (Trubek 2013) Trubek afirma que na verdade Galanter e ele tinham como verdadeiro objetivo fazer uma criacutetica construtiva ao projeto acadecircmico de DampD no lugar de condenar o projeto mas admite que o foco na parte criacutetica foi consideravelmente maior do que a parte construtiva

15 Uma questatildeo vaacutelida eacute porque em 1974 Trubek e Galanter ignoraram a possibilidade de usar as tentativas fracassadas de transplantar modelos juriacutedicos do ocidente para repensar que modelos poderiam ser mais adequados agrave realidade dos paiacuteses em desenvolvimento Os dois autores estavam convencidos que o primeiro movimento de DampD estava radicado intrinsecamente em pressupostos liberais impliacutecitos sobre a natureza do Estado e o papel do Direito na sociedade que haviam sido desacreditados nos proacuteprios paiacuteses desenvolvidos Em Scholars in Self-Estrangement Trubek e Galanter discutem estes pressupostos em detalhe Eles basicamente concluem que 1) natildeo eacute possiacutevel presumir que qualquer Estado iraacute utilizar o controle e poderes coercitivos cedidos pela sociedade para avanccedilar o bem-estar individual e coletivo 2) a ideacuteia de que normas juriacutedicas satildeo o principal veiacuteculo utilizado pelo Estado para promover o interesse puacuteblico seria uma falaacutecia ainda mais em paiacuteses em desenvolvimento onde o aparelho estatal estaacute frequumlentemente capturado por elites e o controle social eacute exercido primariamente por meio de normas informais Esta anaacutelise reflete os profundos debates sobre o papel do Estado e normas juriacutedicas formais que ocorriam nos ciacuterculos acadecircmicos da eacutepoca

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assistecircncia ao desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas em particular A demanda de juristas e formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em paiacuteses em desenvolvimento por projetos de cooperaccedilatildeo com governos e acadecircmicos de paiacuteses desenvolvidos na aacuterea juriacutedica permaneceu inalterada As Naccedilotildees Unidas fundaccedilotildees privadas e agecircncias de auxiacutelio bilateral mantiveram a oferta de projetos de assistecircncia relacionados a direito e desenvolvimento Na praacutetica portanto o projeto de DampD sobreviveu bem agraves turbulentas transformaccedilotildees nas percepccedilotildees das relaccedilotildees entre Estado e sociedade dessa eacutepoca Enquanto o movimento de DampD permaneceu adormecido na academia americana o impulso para compreender as relaccedilotildees entre regras juriacutedicas e desenvolvimento comeccedilou a florescer em outras partes Ciacuterculos acadecircmicos na Franccedila e Reino Unido bem como em paiacuteses em desenvolvimento sustentaram a aacuterea de estudos de DampD ainda que de forma esparsa e marginalizada (Tamanaha 1995)

Para os efeitos deste artigo o ponto central a ser destacado eacute que o primeiro movimento de DampD enquanto existiu esteve sempre preocupado em identificar discrepacircncias entre modelos juriacutedicos de paiacuteses industrializados e sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento bem como em formas de promover convergecircncias Eacute verdade que foram atores estrangeiros com experiecircncia e recursos que promoveram grande parte dos esforccedilos de reforma Mas isto natildeo altera o fato que o foco estava em mecanismos domeacutesticos e reformas domeacutesticas em oposiccedilatildeo agrave interaccedilatildeo entre mecanismos internacionais e processos domeacutesticos de reforma

12 Breve temporada no Direito Internacional

No final da deacutecada de 1970 e durante a deacutecada de 1980 enquanto o projeto de DampD permanecia dormente na academia americana e marginalizado em outros paiacuteses a discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento natildeo desapareceu completamente dos estudos juriacutedicos Estes debates foram na verdade deslocados ao campo do Direito Internacional dentro de uma agenda de pesquisa muito diferente claramente divorciada de preocupaccedilotildees com as particularidades das reformas dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos (CARTY 1992) Inspirados por teorias da dependecircncia econocircmica e ressentidos pelo que viam como um projeto neocolonialista liberal levado a cabo por paiacuteses industrializados muitos estudiosos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 314

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provocaram uma guinada de 180 graus no foco acadecircmico e poliacutetico sobre a relaccedilatildeo entre direito e desenvolvimento No lugar de concentrar em como ldquomodernizarrdquo sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a academia passaria a investigar os impactos negativos causados nesses paiacuteses pelos processos de colonizaccedilatildeo e perpetuados ou agravados por uma estrutura econocircmica e poliacutetica internacional desigual

Juristas de direito internacional por exemplo analisaram extensamente os esforccedilos para institucionalizar um direito ao desenvolvimento considerado como uma das ferramentas principais para avanccedilar a desejada ldquoNova Ordem Econocircmica Internacionalrdquo (New International Economic Order - NIEO (DONNELLY 1985) Muitos debates acadecircmicos versaram sobre se e como normas do direito internacional e estruturas poliacuteticas internacionais herdadas da eacutepoca colonial estariam afetando as possibilidades de paiacuteses do Sul Global de promover seus proacuteprios interesses tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional (TAMANAHA 1995) Pesquisadores de direito internacional e direito constitucional desta eacutepoca tambeacutem desenvolveram outro rico ramo de literatura sobre as relaccedilotildees entre o arcabouccedilo nascente de padrotildees internacionais de direitos humanos e o desenho de sistemas constitucionais e legais em paiacuteses em desenvolvimento (GARCIA-AMADOR 1990)

Esta pode ser considerada como a primeira instacircncia em que estudiosos interessados em direito e desenvolvimento passaram a estudar mecanismos internacionais e transnacionais no lugar de focar somente em estruturas institucionais domeacutesticas Esta agenda de pesquisa se manteve no entanto muito distante do caraacuteter instrumental que caracterizou o primeiro movimento de DampD Discussotildees acadecircmicas sobre direitos humanos em geral e sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo em particular eram eminentemente deontoloacutegicas Muitos trabalhos acadecircmicos sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo por exemplo tinham como principal objetivo estabelecer a ldquoextensatildeo em que o Ocidente [durante o passado colonial] havia arruinado as estruturas poliacuteticas e econocircmicas das sociedades do Terceiro Mundo e de como haviam utilizado seus sistemas juriacutedicos para fazecirc-lo (CARTY 1992 p xiii traduccedilatildeo nossa) Os debates acalorados nessa eacutepoca versavam sobre questotildees como a) se os fatos histoacutericos haviam gerado uma responsabilidade legal dos paiacuteses desenvolvidos em reconstruir a faacutebrica social Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 315

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poliacutetica e econocircmica das naccedilotildees em desenvolvimento e b) como esta responsabilidade legal de paiacuteses industrializados deveria interagir ou ser balanceada com a responsabilidade atual de cada paiacutes em desenvolvimento de promover seu proacuteprio projeto de desenvolvimento e os interesses de seus cidadatildeos

Similarmente o movimento dos direitos humanos buscou institucionalizar a responsabilidade moral dos Estados em defender e promover o bem-estar de seus proacuteprios cidadatildeos em escala mundial A investigaccedilatildeo aprofundada sobre os obstaacuteculos que dificultam a traduccedilatildeo do reconhecimento formal de direitos humanos pelos Estados em mudanccedilas institucionais e sociais no acircmbito domeacutestico estava em grande parte fora da agenda de pesquisa dos acadecircmicos de direitos humanos da eacutepoca Havia uma expectativa de que uma vez que Estados reconhecessem formalmente os direitos humanos seus grupos sociais e poliacuteticos iriam ser capazes de pressionar pela criaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas para fazer defender e respeitar esses direitos16 Como essa expectativa na sua maior parte natildeo foi concretizada a literatura de direitos humanos teria que mergulhar na investigaccedilatildeo da lacuna entre o reconhecimento formal e a implementaccedilatildeo praacutetica dos padrotildees internacionais de direitos humanos O foco dessa literatura no entanto se manteria principalmente em como os instrumentos internacionais de direitos humanos poderiam evoluir para garantir a implementaccedilatildeo por parte dos Estados

Aleacutem disto as discussotildees acadecircmicas sobre a incorporaccedilatildeo de padrotildees internacionais de direitos humanos em sistemas juriacutedicos e poliacuteticos de paiacuteses em desenvolvimento natildeo estavam primariamente centradas no conceito de

16 De fato estudos posteriores mostrariam que a assinatura de tratados de direitos humanos internacionais de forma isolada eacute insuficiente para reduzir significativamente o nuacutemero ndash e a gravidade ndash de casos de violaccedilotildees de direitos humanos Oona Hathaway por exemplo investigou a seriedade com que paiacuteses que firmaram tratados internacionais de direitos humanos haviam implementado as normas no acircmbito domeacutestico Ela encontrou elementos para afirmar que o compromisso com os padrotildees internacionais de proteccedilatildeo de direitos humanos acontecia na realidade apenas quando o paiacutes possuiacutea instituiccedilotildees domeacutesticas que permitissem a atores sociais responsabilizar o governo Quando um paiacutes natildeo possuiacutea ainda instituiccedilotildees domeacutesticas miacutenimas que pudessem garantir o cumprimento dos tratados estes eram na maior parte solenemente ignorados Paradoxalmente Hathaway encontrou evidecircncias de que ao ratificar tratados internacionais de direitos humanos tais como a Convenccedilatildeo sobre Tortura e a Convenccedilatildeo de Direitos Civis e Poliacuteticos muitos paiacuteses natildeo democraacuteticos terminaram apresentando um aumento no iacutendice de violaccedilotildees de direitos humanos Hathaway 2007 e Hathaway 2002 Para uma posiccedilatildeo mais positiva sobre o impacto dos tratados de direitos humanos veja Simmons 2009 e Abramovich 2009

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desenvolvimento como compreendido pelo primeiro movimento DampD Enquanto o DampD estava preocupado com a concepccedilatildeo de um sistema legal funcional o movimento de direitos humanos estava focado no indiviacuteduo seu objetivo principal era estabelecer a existecircncia de direitos civis poliacuteticos sociais e econocircmicos dos cidadatildeos de paiacuteses no Sul Global Os mecanismos exatos pelos quais estes direitos individualmente reconhecidos seriam traduzidos nos ordenamentos constitucionais e infraconstitucionais e em indicadores concretos de desenvolvimento socioeconocircmico e poliacutetico esteve por muito tempo fora do foco da pesquisa de direitos humanos

Anthony Carty (1992) tambeacutem descreve uma seacuterie de discussotildees acadecircmicas sobre a interface entre direito internacional ordem econocircmica internacional e desenvolvimento que ocorreram nesta eacutepoca na Franccedila Holanda e Reino Unido bem como em alguns ciacuterculos nos EUA A agenda de pesquisa desta literatura incluiu temas como a influecircncia poliacutetica e econocircmica exacerbada de corporaccedilotildees multinacionais ocidentais nas instituiccedilotildees nacionais de paiacuteses em desenvolvimento e a influecircncia poliacutetica desproporcional de paiacuteses ocidentais industrializados nas estruturas econocircmicas internacionais Soluccedilotildees propostas incluiacuteram tratamento preferencial a paiacuteses em desenvolvimento em leis comerciais internacionais renegociaccedilatildeo de diacutevidas externas transferecircncia de tecnologia e mecanismos de controle internacional sobre multinacionais Ainda que estas discussotildees sejam relativamente mais proacuteximas do que eu denomino neste artigo de perspectiva expansiva elas natildeo avanccedilaram a ponto de investigar como mecanismos complexos de interaccedilatildeo entre processos institucionais internacionais e processos institucionais domeacutesticos poderiam afetar indicadores de desenvolvimento Esta literatura parecia assumir que a criaccedilatildeo de 1) novas regras internacionais de investimento e comeacutercio em substituiccedilatildeo as regras majoritariamente favoraacuteveis aos paiacuteses desenvolvidos e 2) normas e institutos internacionais para limitar o poder de multinacionais gerariam automaticamente efeitos positivos em indicadores de desenvolvimento

Em outras palavras a literatura de direito internacional e desenvolvimento natildeo questionou se paiacuteses em desenvolvimento necessitariam de uma seacuterie de reformas domeacutesticas ndash e quais exatamente - para que pudessem se beneficiar plenamente de mudanccedilas potenciais em normas internacionais sobre investimento e Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 317

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comeacutercio A mesma lacuna se aplica agraves possiacuteveis vantagens derivadas do reconhecimento poliacutetico formal de um ldquodireito internacional ao desenvolvimentordquo17 Portanto apesar dessas literaturas ndash de direito internacional ao desenvolvimento e de direitos humanos internacionais ndash terem focado em como mecanismos externos exerciam influecircncia sobre a capacidade domeacutestica de paiacuteses em desenvolvimento elas natildeo chegaram a se aprofundar na investigaccedilatildeo dos possiacuteveis caminhos mais concretos pelos quais estes mecanismos poderiam permitir a transformaccedilatildeo de sistemas juriacutedicos domeacutesticos nesses paiacuteses Por essa razatildeo essas literaturas natildeo adotaram a perspectiva que eu discuto nesse artigo

13 O segundo movimento de DampD18

O fim da Guerra Fria nos uacuteltimos anos da deacutecada de 1980 inaugurou um novo momento de otimismo em relaccedilatildeo agrave capacidade de atores externos de identificar e promover reformas juriacutedicas para gerar desenvolvimento econocircmico em paiacuteses em desenvolvimento Entretanto profundas transformaccedilotildees de economia poliacutetica no plano mundial e nas principais economias desenvolvidas viriam a provocar uma mudanccedila pronunciada no pensamento acadecircmico predominante sobre desenvolvimento Teorias e poliacuteticas neoliberais ganharam proeminecircncia e legitimidade no Reino Unido (com Thatcher) nos EUA (com Reagan) e na Alemanha (com Kohl) enquanto o mundo se tornava cada vez mais integrado economicamente Alguns paiacuteses em desenvolvimento que haviam investido em crescimento econocircmico ancorado em exportaccedilatildeo e livre-comeacutercio majoritariamente na Aacutesia Oriental estavam claramente alcanccedilando maior sucesso econocircmico do que aqueles que adotaram poliacuteticas de substituiccedilatildeo de importaccedilatildeo e protecionismo Um novo consenso foi sendo formado consenso que considerava mercados livres investimento direto estrangeiro e privatizaccedilotildees como fatores chave para promover o

17 Para Tamanaha (1995 p 480 traduccedilatildeo nossa) ainda que natildeo se possa negar que os paiacuteses em desenvolvimento sofrem seacuterias desvantagens no atual sistema econocircmico mundial a resposta a este problema natildeo seria juriacutedica [NA estabelecendo um direito ao desenvolvimento] embora certamente o direito poderia ajudar a implementar soluccedilotildees poliacuteticas que foram acordadas ou decididas por outros meios

18 David Trubek daacute um nome distinto a este segundo movimento Rule of law (ROL) ou Estado de Direito para diferenciar do primeiro movimento de direito e desenvolvimento que ele e Galanter haviam declarado extinto em 1970 Trubek amp Santos 2006

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crescimento econocircmico de paiacuteses em desenvolvimento Foi nessa nova conjuntura poliacutetico-econocircmica que o segundo movimento de DampD surgiu e floresceu

Em 1995 John Harris Janet Hunger e Colin M Lewis editaram o livro A Nova Economia Institucional e Desenvolvimento no Terceiro Mundo Neste livro economistas historiadores e cientistas poliacuteticos propuseram o uso de ideias de um ramo nascente da literatura de estudos econocircmicos conhecido como New

Institutional Economics (NIE) para entender como obstaacuteculos institucionais domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento estavam prejudicando esforccedilos para promover desenvolvimento socioeconocircmico O foco de estudos de desenvolvimento seria desviado do direito internacional e estruturas globais novamente para os sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento como no primeiro movimento de DampD A agenda de pesquisa do NIE eacute primordialmente introvertida ela privilegia anaacutelises sobre como instituiccedilotildees domeacutesticas foram criadas historicamente como elas evoluiacuteram atraveacutes do tempo e as relaccedilotildees de correlaccedilatildeo e causalidade entre instituiccedilotildees domeacutesticas histoacutericas e atuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Esta literatura seguindo o mantra liberal de sua eacutepoca privilegiava a identificaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas que poderiam mais eficazmente possibilitar o bom funcionamento de uma economia de livre mercado

A literatura de DampD que surgiu na esteira do NIE centrou-se inicialmente em auxiliar os atores internos e externos dispostos a engajar paiacuteses em desenvolvimento em reformas para melhorar seus niacuteveis de crescimento econocircmico naquele contexto poliacutetico e econocircmico mundial Na medida em que a perspectiva institucional foi alcanccedilando a posiccedilatildeo dominante nos estudos de desenvolvimento o debate poliacutetico acirrado dos anos 70 e 80 sobre uma nova ordem econocircmica internacional foi sendo empurrado para as margens dos estudos acadecircmicos19 A principal ideia das teorias de desenvolvimento inspiradas pelo NIE era a de que para promover o desenvolvimento econocircmico os paiacuteses em desenvolvimento deveriam focar no fortalecimento de direitos de propriedade de direitos contratuais e de garantias judiciais domeacutesticas contra interferecircncia estatal indiscriminada nos

19 Em realidade uma ala criacutetica da academia nunca deixou de enfatizar que a neutralidade poliacutetica e ideoloacutegica das teorias de desenvolvimento ndash afirmada ou subentendida ndash eacute um mito e deve portanto ser sempre objeto de debate Trubek amp Santos 2006 Ziai 2007

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mercados Juristas foram outra vez alccedilados agrave linha de frente dos estudos que investigavam as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees e desenvolvimento econocircmico Em paralelo juristas envolvidos na promoccedilatildeo de direitos humanos estavam reconhecendo que a implementaccedilatildeo efetiva de sistemas nacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos exigiam mais do que a criaccedilatildeo de padrotildees internacionais e seus mecanismos limitados para promover a incorporaccedilatildeo pelos estados Essa literatura passou a prestar maior atenccedilatildeo aos processos complexos de mudanccedila estrutural nos sistemas domeacutesticos de governanccedila

A agenda de pesquisa deste segundo movimento de DampD acompanhou de perto a agenda concreta de reformas de atores externos e internos envolvidos em reformas institucionais para desenvolvimento Virtualmente todos os aspectos do sistema juriacutedico se tornaram objeto de investigaccedilotildees pedagogia juriacutedica administraccedilatildeo eficiente do poder judiciaacuterio acesso agrave justiccedila reformas de institutos legais independecircncia judicial etc (TREBILCOCK and DANIELS 2008) Em termos substantivos a literatura inicialmente esteve centrada na compreensatildeo dos viacutenculos entre diretos de propriedade e direitos contratuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Na medida em que criacuteticos passaram a denunciar de forma convincente a incapacidade do Consenso de Washington e o seu foco limitado no crescimento econocircmico para assegurar resultados positivos em indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico em termos mais amplos a agenda de pesquisas do DampD tambeacutem foi se expandindo Estudos sobre direitos de propriedade e contratos continuam mas a literatura agora inclui investigaccedilotildees sobre como reformas judiciais podem influenciar diretamente e independentemente resultados sociais e poliacuteticos (RITTICH in TRUBEK amp SANTOS 2006) Tambeacutem houve uma expansatildeo gradual em direccedilatildeo agrave compreensatildeo de como normas informais interagem com regras juriacutedicas formais para impactar resultados de desenvolvimento Essa agenda mais expansiva tem aproximado o DampD de outras disciplinas que integram o campo mais amplo de estudos de desenvolvimento (PALOMBELLA amp WALKER 2009)

Atualmente a agenda dominante de pesquisa dos estudos de desenvolvimento tem centrado em questotildees tais como 1) quais satildeo as principais instituiccedilotildees domeacutesticas formais e informais conhecidas coletivamente como sistemas de governanccedila que podem afetar positivamente indicadores de desenvolvimento (KAUFMANN amp KRAY 2008 DAVIS et al 2012 FUKUYAMA Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 320

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2013)20 2) porque e como exatamente muitos paiacuteses vieram a criar sistemas de governanccedila com disfunccedilotildees crocircnicas (PIERSON 2000 MAHONEY amp THELEN 2009)21 3) quais satildeo os obstaacuteculos domeacutesticos que podem inibir reformas institucionais promovidas tanto por atores externos quanto por atores internos (KRUEGER 1993 TREBILCOCK amp DAVIS 2007) O debate sobre como promover reformas de governanccedila de forma efetiva estaacute agora no palco central dos estudos de DampD Ainda existem muitas questotildees em aberto neste debate tais como 1) reformas institucionais devem ser fins em si mesmas ou meios para determinados fins (KLEINFELD 2012) 2) que categoria de reformas de direito gera mais efeitos positivos no desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes reformas claacutessicas focadas no judiciaacuterio e poliacutecia reformas concentradas em diminuiccedilatildeo da pobreza (GOLUB 2003 2009) reformas voltadas a capacitaccedilatildeo profissional eou ciacutevica (Mednicoff 2005) ou reformas focadas em promover maior justiccedila social (TRUBEK amp SANTOS 2006)

Em siacutentese o novo movimento de DampD tem tambeacutem ateacute agora cultivado uma perspectiva cocircncava (ou introvertida) focando em como sistemas domeacutesticos de governanccedila se formam porque eles se tornam resistentes agrave mudanccedila e como melhor promover reformas de sistemas de governanccedila que se tornaram disfuncionais Essa literatura tem em geral se mantido alheia a investigaccedilotildees sobre como atuais mecanismos globais de regulaccedilatildeo podem interagir com sistemas domeacutesticos de governanccedila Eacute possiacutevel identificar entretanto uma mudanccedila recente nessa literatura Economistas e cientistas poliacuteticos da aacuterea de desenvolvimento

20 Uma parte significativa da nova literatura de economia institucional tem por exemplo se concentrado em identificar indicadores de governanccedila que possam informar estrateacutegias de reforma em paiacuteses especiacuteficos Esta literatura tambeacutem objetiva possibilitar a anaacutelise infra-nacional da correlaccedilatildeo e causalidade das vaacuterias dimensotildees de governanccedila e indicadores de desenvolvimento Veja Kaufmann amp Kraay 2008 Um apanhado histoacuterico e anaacutelise criacutetica detalhada de indicadores de governanccedila pode ser encontrado em Davis et al 2012 Fukuyama lidera tambeacutem em Stanford um amplo projeto de pesquisa sobre o que exatamente constitui boa governanccedila com impacto em desenvolvimento centrando nesse caso em qualidade burocraacutetica Veja httpgovernanceprojectstanfordedu Para as notas conceituais sobre este projeto de pesquisa veja Fukuyama 2013

21 A literatura sobre institucionalismo histoacuterico na ciecircncia poliacutetica tem se debruccedilado sobre as origens e dinacircmicas de mudanccedila institucional em sistemas poliacuteticos buscando compreender como sistemas disfuncionais de governanccedila satildeo criados e como ficam ldquopath dependentrdquo Pierson 2000 Mahoney amp Thelen 2009

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estatildeo liderando um movimento para trazer sistemas institucionais globais de volta agrave equaccedilatildeo sobre desenvolvimento institucional no acircmbito domeacutestico

Esta tendecircncia recente eacute diferente do movimento dos anos 80 Na era do auge da teoria da dependecircncia o foco principal estava em identificar mudanccedilas necessaacuterias nas instituiccedilotildees internacionais jaacute que se acreditava que sem essas mudanccedilas estruturais globais os paiacuteses em desenvolvimento natildeo teriam chances reais de melhorar substancialmente seus indicadores de desenvolvimento Mudanccedilas estruturais de governanccedila no acircmbito domeacutestico terminaram relegadas a segundo plano Em contraste o principal enfoque desta nova literatura de desenvolvimento estaacute no acircmbito domeacutestico Novos estudos comeccedilam a investigar pela primeira vez entretanto como mecanismos institucionais globais podem interagir complexamente com sistemas domeacutesticos de governanccedila Esses estudos questionam se alguns mecanismos externos podem por exemplo servir para preencher um deacuteficit criacutetico de governanccedila domeacutestica em determinadas aacutereas ou provocar efeitos em possiacuteveis equiliacutebrios de poder de forma a facilitar a implementaccedilatildeo de reformas domeacutesticas onde haacute resistecircncia poliacutetica Isto eacute exatamente o que denomino aqui de perspectiva expansiva Esta atividade recente indica que a literatura estaacute seguindo no meu entender uma linha promissora de investigaccedilotildees embora esta mudanccedila natildeo tenha ainda sido articulada de acordo com o marco analiacutetico que eu proponho aqui

Antes de descrever estes desenvolvimentos recentes (e ainda limitados) da literatura de desenvolvimento entretanto eu irei traccedilar um panorama da literatura de governanccedila global que vem tradicionalmente investigando mecanismos regulatoacuterios internacionais e transnacionais Esta literatura eacute relevante porque os desenvolvimentos recentes na literatura DampD que exploro na secccedilatildeo 4 comeccedilaram a convergir com estudos recentes conduzidos pelos pesquisadores de governanccedila global Essa fronteira de convergecircncia eacute que estaacute a exigir a adoccedilatildeo da perspectiva expansiva proposta por este artigo

2 A LITERATURA DE GOVERNANCcedilA GLOBAL A PERSPECTIVA CONVEXA

A proliacutefica literatura de Governanccedila Global (GG) ou regulaccedilatildeo global engloba pesquisas em relaccedilotildees internacionais ciecircncia poliacutetica e direito internacional

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Acadecircmicos e pesquisadores de GG investigam porquecirc e como em um mundo anaacuterquico e sem governo centralizado atores estatais e natildeo-estatais decidem cooperar para formar regimes internacionais que venham a regular determinadas mateacuterias (issue-areas) Em que medida esses atores satildeo motivados por interesses ideias ou poder Pesquisadores de GG tambeacutem investigam as causas e implicaccedilotildees das crescentes transferecircncias de autoridade regulatoacuteria tanto do acircmbito nacional para o acircmbito global quanto de mecanismos puacuteblicos para mecanismos privados e hiacutebridos de regulaccedilatildeo Um panorama completo desta ampla literatura de GG estaacute aleacutem do escopo deste artigo Eacute interessante entretanto identificar se esta literatura poderia contribuir para entender melhor o crescente uso de mecanismos globais como instrumento para influenciar reformas de sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento

Quando olhamos para a literatura de GG sob esse enfoque algumas caracteriacutesticas se tornam imediatamente evidentes Primeiro um nuacutemero significativo de estudos de GG analisa a criaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios transnacionais de forma generalizada Em sua maior parte a literatura natildeo diferencia quando as iniciativas globais foram criadas para enfrentar problemas que escapam do poder regulatoacuterio tanto de paiacuteses desenvolvidos quanto de paiacuteses em desenvolvimento (eg mudanccedila climaacutetica) de iniciativas globais criadas para enfrentar problemas gerados especificamente pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento mas que natildeo afetam paiacuteses desenvolvidos ou pelo menos natildeo na mesma medida (eg a ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo que afeta majoritariamente paiacuteses ricos em recursos naturais e pobres em governanccedila domeacutestica)

Esta literatura tambeacutem tende a ignorar a diferenccedila entre paiacuteses desenvolvidos e paiacuteses em desenvolvimento em outro aspecto o do impacto da crescente internacionalizaccedilatildeo da autoridade regulatoacuteria em sistemas institucionais domeacutesticos Por exemplo existe uma ampla literatura investigando a forma como Estados vecircm buscando harmonizar seus sistemas domeacutesticos de regulaccedilatildeo com outras jurisdiccedilotildees para melhor competir no mercado global assim como para assegurar condiccedilotildees de concorrecircncia mais equitativas na economia globalizada Essa literatura tambeacutem analisa como a escolha de diferentes iniciativas para criar padrotildees internacionais de regulaccedilatildeo podem desempenhar um papel importante Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 323

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neste processo de convergecircncia regulatoacuteria (DREZNER 2005 LEVI-FAUR 2005 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 BERNSTEIN amp CASHORE 2000) Esses ramos da literatura de GG satildeo relevantes para a perspectiva expansiva de DampD na forma que estou propondo na medida em que eles investigam as formas como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou satildeo afetados por sistemas de governanccedila domeacutestica Entretanto essa literatura ainda precisa considerar as diferenccedilas ndash muitas vezes marcantes ndash na forma em que regulaccedilotildees globais afetam um determinado paiacutes dependendo do seu niacutevel de desenvolvimento institucional domeacutestico Essa diferenciaccedilatildeo permitiraacute que essas discussotildees acadecircmicas ganhem maior relevacircncia na aacuterea de estudos de desenvolvimento

Recentemente uma seacuterie de estudos de GG que eu resenho na seccedilatildeo 3 comeccedilou a considerar o deacuteficit institucional domeacutestico de paiacuteses em desenvolvimento como um elemento importante de pesquisa Alguns autores de GG por exemplo se baseiam em um ramo de estudos regulatoacuterios que investigam se a existecircncia de uma sombra de hierarquia estatal eacute necessaacuteria para assegurar a eficaacutecia de iniciativas regulatoacuterias globais que escapam ao modelo multilateral tradicional22 Essas iniciativas classificadas muitas vezes como nova governanccedila23 se tornaram comuns nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Esta literatura de GG a que me refiro ainda manteacutem o foco das investigaccedilotildees em soluccedilotildees regulatoacuterias que estatildeo fora do acircmbito domeacutestico (soluccedilotildees essas que podem ser puacuteblicas privadas ou hiacutebridas) A questatildeo que se coloca eacute se e quais mecanismos regulatoacuterios globais poderiam constituir equivalentes funcionais agrave sombra da hierarquia estatal em paiacuteses em que essa sombra inexiste Dessa forma esse ramo da literatura de GG observa apenas

22 Natildeo existe definiccedilatildeo clara sobre o conceito de sombra da hierarquia ou ldquosombra estatalrdquo ou ldquosombra da hierarquia estatalrdquo Borzel e Risse (2010 2011) argumentam que uma sombra da hierarquia existe quando o Estado ameaccedila - expliacutecita ou implicitamente - impor regras vinculantes a atores privados para alterar seus caacutelculos custo-benefiacutecio levando-os a se auto-regular em prol do interesse puacuteblico Veja tambem Heritier e Eckert 2008

23 Abbott e Snidal (2009) por exemplo argumentam que atores poliacuteticos operando em um ambiente globalizado cada vez dependem mais do que eles chamam de mecanismos da nova governanccedila transnacional Estes novos mecanismos de governanccedila satildeo caracterizados a) pelo papel central de atores privados nas criaccedilatildeo de normas e na implementaccedilatildeo das mesmas com diferentes niacuteveis de colaboraccedilatildeo por Estados dependendo da iniciativa b) por basearem-se em uma expertise dispersa c) por usar normas voluntaacuterias Em contraste mecanismos da velha governanccedila internacional dependem primariamente dos Estados e instituiccedilotildees inter-estatais para criarem e implementarem normas se baseiam em expertise burocraacutetica centralizada podem (ou natildeo) utilizar regras cogentes (mandatoacuterias) no lugar de apenas normas voluntaacuterias

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um dos elementos da perspectiva expansiva que proponho aqui perspectiva essa que visa investigar todas as possiacuteveis interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios domeacutesticos e mecanismos regulatoacuterios globais

Outro ramo recente da literatura de GG examina mais aprofundadamente a diferenccedila marcante de resultados da interaccedilatildeo de padrotildees globais de governanccedila com sistemas nacionais de governanccedila dependendo se esta interaccedilatildeo ocorre em paiacuteses ocidentais desenvolvidos com sistemas domeacutesticos de governanccedila jaacute consolidados ou em paiacuteses em desenvolvimento com capacidade institucional domeacutestica fraca ou inexistente (Dubash amp Morgan 2012) Esta agenda de pesquisas emergente conhecida como O Estado Regulamentador no Sul [Global] (The Regulatory State of the South) propotildee investigar como as caracteriacutesticas singulares dos sistemas domeacutesticos de governanccedila bem como as demandas especiacuteficas de desenvolvimento de paiacuteses do Sul Global impactam (ou ao menos deveriam impactar) 1) que objetivos deveriam ser perseguidos por mecanismos de regulaccedilatildeo global que promovem convergecircncia regulatoacuteria ao redor do mundo 2) que resultados pode-se esperar das interaccedilotildees entre determinados modelos globais de regulamentaccedilatildeo e sistemas deficientes de governanccedila domeacutestica24 Esta linha promissora de pesquisa se preocupa assim em entender como normas internacionais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila considerados disfuncionais ou inacabados ou em consolidaccedilatildeo Poreacutem essa agenda de pesquisas ainda natildeo esgota as possibilidades da perspectiva que proponho nesse artigo por duas razotildees Primeiro o foco dessa linha de pesquisa ateacute o momento estaacute restrito a mecanismos muito especiacuteficos de governanccedila no acircmbito domeacutestico agecircncias independentes de regulaccedilatildeo do setor de infraestrutura Segundo essa linha de pesquisa natildeo investiga especificamente se e como os vaacuterios tipos de mecanismos globais podem ndash e se devem ndash ser explorados para melhorar as chances de promover reformas em sistemas domeacutesticos de governanccedila reformas que venham a impactar positivamente em indicadores de desenvolvimento Em

24 Esta literatura sustenta por exemplo que para aumentar as chances de sucesso em iniciativas de reforma em sistemas regulatoacuterios domeacutesticos em alguns paiacuteses em desenvolvimento processos multisetoriais de discussatildeo e participaccedilatildeo no processo regulatoacuterio se tornam essenciais para garantir a legitimidade e futura eficaacutecia das normas Dubash e Morgan 2012

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outras palavras a pesquisa referida tem um vieacutes de anaacutelise histoacuterica natildeo incluindo um aspecto normativo

Em siacutentese apesar da literatura de governanccedila global ter como objeto a anaacutelise de mecanismos globais de regulamentaccedilatildeo a doutrina dominante ainda natildeo inclui um estudo sistemaacutetico de como instrumentos regulatoacuterios globais podem interagir de forma complexa com instrumentos domeacutesticos de governanccedila ou afetar tentativas de promover reformas de governanccedila no acircmbito nacional Assim essa literatura natildeo adotou ainda a perspectiva que eu denomino de expansiva O objeto uacuteltimo de pesquisa nessa perspectiva seria o sistema domeacutestico de governanccedila mas para entender como esse sistema eacute formado ou transformado devemos tambeacutem voltar o foco para influecircncias externas nesse caso os mecanismos globais de governanccedila No caso da governanccedila global o foco de pesquisa estaacute nos proacuteprios mecanismos globais como satildeo criados e transformados relegando os sistemas domeacutesticos a segundo plano Existe entretanto um pequeno nuacutemero de estudos que comeccedilam a investigar mais especificamente se e como regimes transnacionais podem ajudar a preencher o deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Estes estudos seratildeo discutidos na seccedilatildeo 3

21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional

A deacutecada de 1990 testemunhou o iniacutecio de uma mudanccedila pronunciada na forma como vaacuterios paiacuteses ocidentais industrializados formulam poliacuteticas regulatoacuterias Esses paiacuteses passaram de uma perspectiva de regulaccedilatildeo formulada eminentemente por oacutergatildeos e atores puacuteblicos de forma hieraacuterquica e verticalizada (top-down) para uma perspectiva mais horizontal e hiacutebrida envolvendo parcerias entre atores e oacutergatildeos puacuteblicos e privados A expectativa era a de que o Estado pudesse guiar e controlar as iniciativas privadas de forma a assegurar objetivos sociais e econocircmicos almejados (incluindo sauacutede seguranccedila meio-ambiente e natildeo discriminaccedilatildeo) ao inveacutes de tentar assegurar estes objetivos exclusivamente de forma direta (ZUMBANSEN 2004 MAJONE 1994 BALDWIN SCOTT amp HOOD 1998 JORDANA amp LEVI-FAUR 2005) Esse movimento passou pelo uso de mecanismos extralegais de regulaccedilatildeo tais como iniciativas de autorregulaccedilatildeo por empresas ou acordos voluntaacuterios entre empresas e organizaccedilotildees da sociedade civil (como atesta Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 326

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o crescimento de iniciativas classificadas como de ldquoresponsabilidade social corporativardquo) que podem contar ou natildeo com o aval do Estado (SCOTT 2005) Uma das principais caracteriacutesticas dessas formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo eacute sua capacidade de cruzar fronteiras mais facilmente do que formas convencionais de regulaccedilatildeo puacuteblica Dessa forma o movimento em direccedilatildeo agrave formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo se encontra profundamente entrelaccedilado com o movimento que tem transferido autoridade regulatoacuteria do acircmbito nacional ao global

Setores acadecircmicos de paiacuteses ocidentais envolvidos com estudos regulatoacuterios acompanharam estas tendecircncias poliacuteticas deslocando o foco de seus estudos Da ecircnfase em entender o potencial e limitaccedilotildees da regulaccedilatildeo estatal passou-se a uma investigaccedilatildeo mais ampla incluindo um escopo abrangente de normas e mecanismos pelos quais o controle [regulatoacuterio] eacute afirmado ou alcanccedilado mesmo que indiretamente (SCOTT 2005 p 145 traduccedilatildeo nossa)25 Um nuacutemero significativo e crescente de estudos busca decifrar o Estado regulamentador e os novos modelos de regulaccedilatildeo e governanccedila (SALOMON 2002 DE BURKA amp SCOTT 2006 TRUBEK amp TRUBEK 2003) Diversos estudiosos de modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional passaram a olhar para o rico manancial de pesquisas que a disciplina de relaccedilotildees internacionais passou a desenvolver para entender como Estados estavam tentando solucionar problemas globais em um ambiente regulatoacuterio extremamente plural descentralizado e mais horizontal

No lugar de considerar tratados e costumes inter-estatais como a fonte primaacuteria e primordial de regulaccedilatildeo global a literatura de GG comeccedilou a produzir um volume consideraacutevel de estudos sobre outros tipos de mecanismos regulatoacuterios que estavam em ascensatildeo Esses novos mecanismos criados ou encorajados tanto por agentes estatais quanto natildeo estatais tendem a ser extralegais e horizontais Os estudos de ciecircncia poliacutetica com foco em regulaccedilotildees no acircmbito nacional passaram a denominar essa forma mais abrangente de processos regulatoacuterios hiacutebridos e horizontais de governanccedila sem governo (GRANDE amp PAULY 2005)26 Os estudos

25 Veja tambeacutem a rica discussatildeo acadecircmica sob a perspectiva da escolha de instrumento (instrument-choice) na administraccedilatildeo puacuteblica que investiga quais opccedilotildees regulatoacuterias poderiam servir melhor para traduzir determinados objetivos poliacuteticos em resultados praacuteticos em sociedades complexas Eliadis Hill amp Howlett 2005

26 Para mais discussotildees sobre ldquo governanccedila sem governordquo veja por exemplo Rosenau amp Czempiel 1992) Pierre amp Peters ldquo1998 Cutler Haufler amp Porter 1999) Hall amp Bierstecker 2002

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de governanccedila global por outro lado passaram a se referir a esses novos modelos de regulaccedilatildeo como nova governanccedila transnacional em contraste com a antiga governanccedila internacional na qual Estados e instituiccedilotildees internacionais eram os uacutenicos criadores e implementadores de normas (ABBOTT amp SNIDAL 2009 HERITIER amp LEHMKUHL 2008 BERNSTEIN amp CASHORE 200727 CASHORE 2002)

Alguns ramos de estudos juriacutedicos tambeacutem foram fortemente influenciados por estas tendecircncias A perspectiva do pluralismo juriacutedico por exemplo passou a ser usada como plataforma para compreender a multiplicaccedilatildeo e crescente inter-relaccedilatildeo entre diferentes campos de autoridade normativa tanto no acircmbito nacional quanto no acircmbito global28 Ramos inteiros de estudos juriacutedicos foram se desenvolvendo mesmo que de forma pouco confortaacutevel nesta intersecccedilatildeo entre os acircmbitos nacional e global tais como a justiccedila de transiccedilatildeo (transitional justice) e o direito ambiental Acadecircmicos vecircm propondo diversas metodologias marcos ou perspectivas analiacuteticas para melhor investigar esta teia multifacetada e complexa de iniciativas regulatoacuterias puacuteblicas privadas eou hiacutebridas bem como nacionais eou globais

O direito transnacional por exemplo eacute proposto como uma perspectiva que permite unir as agendas independentes de pesquisa dos estudos de pluralismo juriacutedico no acircmbito nacional e estudos sobre governanccedila global (GAILLARD 2001 KOH 2006 ALEINIKOFF 2008 CALLIES amp ZUMBANSEN 201029 COTERREL 2012) O contraste Hard law versus soft law eacute proposto como um modelo para investigar as diferentes caracteriacutesticas e graus de eficiecircncia de distintos tipos de

27 Steven Berstein amp Benjamin Cashore focused on private forms of regulation in the global market place which they called ldquonon-state market drivenrdquo (NSMD) governance mechanisms

28 De acordo com Tamanaha (2008 traduccedilatildeo nossa) Nas uacuteltimas duas deacutecadas a noccedilatildeo de pluralismo juriacutedico tem se tornado um dos principais toacutepicos em antropologia juriacutedica sociologia juriacutedica direito comparado direito internacional e estudos soacutecio-juriacutedicos e parece estar ganhando ainda mais popularidade Veja tambeacutem Michaels 2009

29 Callies and Zumbansen propotildeem o uso do direito transnacional como metodologia para investigar a regulaccedilatildeo global Nas palavras dos autores (prefaacutecio traduccedilatildeo nossa) Observamos de saiacuteda que o Direito hoje eacute claramente e irreversivelmente transnacional A nova literatura de governanccedila global visa compreender de que forma a mudanccedila na proacutepria natureza da regulaccedilatildeo e a crescente globalizaccedilatildeo dos processos de regulatoacuterios tem desafiado antigas dicotomias tais como o direito internacional puacuteblico versus o direito internacional privado ou criado novas dicotomias tais como as iniciativas regulatoacuterias da antiga governanccedila versus iniciativas regulatoacuterias da nova governanccedila

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mecanismos de regulaccedilatildeo (KIRTON amp TREBILCOCK 2004) A recente agenda de pesquisa conhecida como ldquodireito administrativo global (global administrative LawGAL)rdquo procura examinar os fundamentos normativos de diversos tipos de regulaccedilatildeo global GAL tem com foco principal entender se e em que medida mecanismos regulatoacuterios globais padecem de um deacuteficit de accountability e legitimidade vis-agrave-vis processos regulatoacuterios nacionais e se princiacutepios de direito administrativo desenvolvidos no acircmbito de processos nacionais poderiam assegurar maior accountability e legitimidade a regulaccedilotildees globais30

Vaacuterios estudiosos de sistemas regulatoacuterios passaram a considerar a retirada do Estado de muitos dos espaccedilos tradicionais de regulaccedilatildeo como uma caracteriacutestica essencial dos novos sistemas de governanccedila ndash tanto no acircmbito nacional quanto global ndash criados a partir dos anos 90 (COX 1997 STRANGE 1996 HELD et al 199931) Existem vaacuterias teorias sobre o que levou agrave proliferaccedilatildeo de modelos de ldquogovernanccedila sem governordquo Por exemplo para muitos a globalizaccedilatildeo de sistemas econocircmicos e de comunicaccedilatildeo fez com que vaacuterios elementos do processo regulatoacuterio que no passado eram debatidos e resolvidos nacionalmente tenham migrado para instituiccedilotildees internacionais ou transnacionais em aacutereas tatildeo diversas quanto comeacutercio financcedilas meio ambiente e direitos humanos (MATTLI amp WOODS 2009 p 1 traduccedilatildeo nossa) Um nuacutemero consideraacutevel de estudiosos considera que os Estados nacionais perderam a capacidade efetiva para regular diversas questotildees com relevacircncia nacional porque essas questotildees agora cruzam facilmente as fronteiras exigindo soluccedilotildees negociadas com outros Estados e cada vez mais com atores natildeo estatais

30 Em 2004 Benedict Kingsbury Nico Krisch e Richard Stewart iniciaram um projeto de pesquisa na Universidade de Nova Iorque para investigar se e como princiacutepios juriacutedicos administrativos tais como transparecircncia participaccedilatildeo revisatildeo razoabilidade responsabilidade (accountability) primariamente associadas a sistemas juriacutedicos nacionais poderiam e deveriam ser aplicados a mecanismos globais de governanccedila O artigo que deu origem a esse projeto chamado de GAL (Global Administrative Law) eacute Kingsbury Krisch amp Stewart 2005 Para uma bibliografia detalhada sobre a pesquisa relacionada ao GAL ateacute 2005 veja ldquoA Global Administrative Law Bibliographyrdquo (2005) 6834 Law amp Contemporary Problems 357 Para trabalhos acadecircmicos mais recentes relacionados ao projeto de pesquisa GAL veja IILJ Institute for International Law and Justice at the New York University School of Law online IILJ lthttpwwwiiljorggalbibliographydefaultaspgt

31 Held et al 1999 fazem um apanhado dos argumentos contrastantes no que se refere a posiccedilatildeo do Estado na regulaccedilatildeo de um mundo globalizado

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Eacute importante salientar entretanto que o papel dos Estados na formulaccedilatildeo de regulaccedilotildees nacionais e globais continua a ser objeto de debates acalorados nos meios acadecircmicos Existe na verdade pelo menos trecircs teorias distintas na literatura de governanccedila global sobre a evoluccedilatildeo do papel estatal no que diz respeito a regulaccedilotildees globais ao longo dos anos Vaacuterios autores argumentam que atores privados tecircm adquirido cada vez maior dominacircncia nos sistemas regulatoacuterios globais enquanto a autoridade regulatoacuteria estatal tem enfraquecido significativamente Uma segunda teoria sustenta que Estados natildeo tecircm se retirado do ambiente regulatoacuterio mas sim transformado o caraacuteter da sua autoridade regulatoacuteria (Sassen 2002 2006 Picciotto 2006 2011 Levi-Faur 2005)32 Para muitos os Estados mais fortes ainda influenciam desproporcionalmente os objetivos e destinos das principais regulaccedilotildees globais (BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 SIMMONS 2001)33 De acordo com essa segunda posiccedilatildeo primeiro os EUA seguido pela Comunidade Europeia seriam de longe os atores com maior poder regulatoacuterio no cenaacuterio global (DREZNER 2007 SIMMONS 2001 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000)34 Uma terceira teoria sustentada por Walter Mattli e Ngaire Woods (2009)

32 Saskia Sassen (2002 2006) argumenta que a retirada do Estado das formas convencionais de regulaccedilatildeo verticalizadas natildeo constitui uma retirada completa da autoridade regulatoacuteria nem o enfraquecimento ou impotecircncia do Estado Ao contraacuterio estariacuteamos presenciando uma transformaccedilatildeo completa da forma como Estados exercem autoridade nos planos nacional e global Sol Piccioto (2006 2011) tambeacutem argumenta que ao inveacutes de uma retirada do Estado houve uma profunda transformaccedilatildeo do papel de regulamentaccedilatildeo dos Estados nas esferas puacuteblica e privada Este processo leva a um ofuscamento das fronteiras entre regulaccedilatildeo puacuteblica e privada Existe crescente reconhecimento de que a nova ordem Internacional eacute na verdade fortemente regulada quando se leva em consideraccedilatildeo as formas de nova governanccedila que transcendem a regulamentaccedilatildeo claacutessica inter-estatal vertical e cogente Veja por exemplo a literatura sobre capitalismo regulatoacuterio inaugurada por John Braithwaite 2008

33 John Braithwaite and Peter Drahos (2000) fazem uma ampla e detalhada descriccedilatildeo de estudos de caso sobre regulaccedilatildeo da economia global ao longo de vaacuterias aacutereas e alegam ter encontrado evidecircncia de que ateacute o momento a histoacuteria da regulaccedilatildeo global eacute uma histoacuteria de dominaccedilatildeo por paiacuteses ocidentais industrializados Apesar de vaacuterios Estados mais fraacutegeis e tambeacutem atores natildeo-estatais terem conseguido promover a criaccedilatildeo de um nuacutemero de mecanismos regulatoacuterios internacionais os resultados tem sido claramente desiguais em termos de quantidade e relevacircncia Esta posiccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por Beth Simmons que analisou a evoluccedilatildeo de mecanismos globais de regulaccedilatildeo financeira Simmons (2001) mostra como nesta aacuterea-chave os EUA tem unilateralmente partido para o uso de regulaccedilotildees financeiras extraterritoriais e subsequumlentemente pressionado outros Estados fortes (especialmente os integrantes da OECD) a criar mecanismos transnacionais para encorajar ou coagir outros paiacuteses a adotar regulaccedilotildees semelhantes

34 Braithwaite e Drahos atribuem esta influecircncia desproporcional agrave capacidade superior de Estados poderosos de produzir controlar e utilizar conhecimento bem como sua maior capacidade de utilizar mecanismos de coaccedilatildeo [diplomaacuteticos comerciais ou militares] Daniel W Drezner em seu

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entre outros apresenta uma anaacutelise com maior nuance Para esses autores o grau de influecircncia exercido por Estados fortes por Estados mais fracos e ainda por atores natildeo estatais sofre grande variaccedilatildeo dependendo da mateacuteria ou preocupaccedilatildeo objeto da regulaccedilatildeo

De acordo com esta posiccedilatildeo mais matizada os Estados mais fortes ainda exercem uma influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais quando se trata de questotildees que envolvem alguns de seus interesses mais estrateacutegicos ou quando existe um desequiliacutebrio mais pronunciado de poder entre paiacuteses negociantes eou quando um Estado forte pode facilmente adotar uma regulaccedilatildeo unilateral com alcance global e depois desconsiderar divergecircncias ou promover convergecircncia Em todos os outros casos entretanto a influecircncia dos Estados mais fracos mas tambeacutem de instituiccedilotildees internacionais e de atores natildeo estatais na criaccedilatildeo e na evoluccedilatildeo de sistemas globais de regulaccedilatildeo ganha relevacircncia e eacute na verdade essencial para explicar tendecircncias de regulaccedilatildeo global Acredito que a teoria de Mattli e Woods eacute a que melhor reflete a ampla diversidade de mecanismos regulatoacuterios globais

Uma deficiecircncia marcante da literatura predominante de governanccedila global eacute exatamente o fato de que suas anaacutelises natildeo diferenciam uma regulaccedilatildeo global que foi motivada por um problema que envolve importantes interesses estrateacutegicos de paiacuteses industrializados com maior poder no cenaacuterio global de uma regulaccedilatildeo global que tem como objetivo por exemplo resolver problemas que derivam do deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento Por exemplo regulaccedilotildees globais para lidar com a mudanccedila climaacutetica ou com o crime transnacional organizado (que afetam interesses importantes de Estados ocidentais industrializados) satildeo discutidas conjuntamente com regulaccedilotildees globais que visam reduzir casos de trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes (que ocorrem quase que

influente ldquoAll Politics is Globalrdquo (2007) tambeacutem argumenta que Estados poderosos tal como os EUA e os integrantes da Uniatildeo Europeacuteia ainda exercem influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulacoes globais Drezner ( 2007 traduccedilatildeo nossa) acrescenta que a convergecircncia [de interesses] entre os Estados mais fortes eacute condiccedilatildeo necessaacuteria e suficiente para a criaccedilatildeo de sistemas efetivos de governanccedila global Drezner ainda argumenta que valores e interesses de organizaccedilotildees internacionais e Estados mais fraacutegeis bem como valores e interesses de corporaccedilotildees transnacionais ONGs e comunicadades epistecircmicas soacute podem ser traduzidas em mecanismos de regulaccedilatildeo global com aceitaccedilatildeo ou apoio dos Estados mais poderosos

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exclusivamente em paiacuteses em desenvolvimento)35 Regulaccedilotildees globais para encorajar praacuteticas de manejo sustentaacutevel de florestas ou para lidar com corrupccedilatildeo transnacional que satildeo preocupaccedilotildees comuns tanto em paiacuteses desenvolvidos quanto em paiacuteses em desenvolvimento satildeo analisadas conjuntamente com regulaccedilotildees globais para evitar o comeacutercio de diamantes oriundos de zonas de conflito problema que afeta apenas paiacuteses em desenvolvimento

A literatura que visa construir um marco teoacuterico para explicar processos de governanccedila global estuda quais opccedilotildees regulatoacuterias podem melhor resolver os principais problemas soacutecio-econocircmicos contemporacircneos independentemente se eles ocorrem em paiacuteses desenvolvidos ou em paiacuteses em desenvolvimento (ABBOT amp SNIDAL 2009)36 Esse enfoque generalista da literatura ofusca as singularidades de iniciativas regulatoacuterias criadas para lidar com um problema contemporacircneo que eacute especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento o profundo deacuteficit de governanccedila domeacutestico

Certamente existe grande diferenccedila entre criar regulaccedilotildees globais para alcanccedilar objetivos econocircmicos e sociais que escapam agrave capacidade regulatoacuteria de qualquer instituiccedilatildeo nacional puacuteblica agindo isoladamente (independente da qualidade institucional do paiacutes) e criar regulaccedilotildees globais para solucionar problemas econocircmicos e sociais que derivam primordialmente do pronunciado deacuteficit de governanccedila especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento No meu entender essa diferenccedila eacute marcante a ponto de exigir diferentes marcos teoacutericos para explicar porque e como exatamente essas regulaccedilotildees distintas nascem e se desenvolvem e

35 O trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes em paiacuteses do sul asiaacutetico afeta companhias ocidentais que comercializam estes tapetes apenas na medida em a pressatildeo de consumidores e de grupos sociais organizados passa a ameaccedilar a reputaccedilatildeo ou legitimidade dessas empresas Eacute possiacutevel ainda que algumas corporaccedilotildees promovam ou apoacuteiem medidas para prevenir e combater trabalho infantil e degradante nas suas linhas de produccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento por consideraccedilotildees eacuteticas e natildeo apenas quando motivadas pelo ldquobusiness caserdquo Alguns setores corporativos podem genuinamente considerar que o deacuteficit de governanccedila domeacutestico em paiacuteses onde eles atuam pode afetar significativamente seus interesses A questatildeo no entanto eacute se isso poderia se considerado ldquohigh stakesrdquo para paiacuteses industrializados de acordo com as teorias realistas sobre criaccedilatildeo de regras globais em relaccedilotildees internacionais

36 Para Abbott e Snidal por exemplo a enorme quantidade de mecanismos privados ou hiacutebridos que vecircm criando novos padrotildees regulatoacuterios globais em diversas aacutereas desde 1980 tenta preencher supostas lacunas na regulaccedilatildeo estatal e internacional (inter-estatal) sem qualificar quando esse deacuteficit eacute possivelmente estrateacutegico (paiacuteses industrializados) ou inerente aos sistemas nacionais (paiacuteses pobres em governanccedila)

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para iluminar as tentativas daqueles que estejam interessados em influenciar o desenho dessas regulaccedilotildees

A diferenccedila mais oacutebvia diz respeito aos objetivos diretos e objetivos indiretos da regulaccedilatildeo global Quando um problema socioeconocircmico eacute derivado do deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico a regulaccedilatildeo global poderaacute ser criada com o objetivo direto de resolver esse deacuteficit de governanccedila Os benefiacutecios socioeconocircmicos esperados dessa regulaccedilatildeo global seratildeo apenas indiretos Essa particularidade afeta por exemplo as tentativas de avaliar a eficaacutecia dessas regulaccedilotildees Eacute muito mais complexo avaliar a eficaacutecia de uma regulaccedilatildeo olhando-se apenas para seus resultados indiretos Uma segunda diferenccedila diz respeito a motivaccedilatildeo que leva os diferentes atores em especial os paiacuteses fortes a apoiar os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo global A teoria (realista) dominante eacute que paiacuteses fortes natildeo iratildeo apoiar regulaccedilotildees globais que visam resolver problemas especiacuteficos de paiacuteses em desenvolvimento (que os afetam apenas indiretamente) Certamente natildeo na mesma medida em que apoiam regulaccedilotildees globais que afetam seus interesses estrateacutegicos Isto requer atenccedilatildeo analiacutetica especial ao papel dos demais atores ndash paiacuteses mais perifeacutericos atores natildeo estatais organismos internacionais ndash para explicar a emergecircncia e evoluccedilatildeo da regulaccedilatildeo global que natildeo afete interesses relevantes diretos de paiacuteses ocidentais industrializados

Os atuais marcos teoacutericos desenvolvidos pela literatura dominante de governanccedila global natildeo diferenciam entre esses dois tipos muito distintos de regulaccedilatildeo o que impede que sejam utilizados para iluminar as tentativas de criaccedilatildeo de novas regulaccedilotildees globais para solucionar problemas socioeconocircmicos especificamente gerados pelo deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento O diaacutelogo entre as literaturas de desenvolvimento e de governanccedila global se encontra assim dificultado Mesmo sem esse marco analiacutetico eacute possiacutevel traccedilar algumas observaccedilotildees e hipoacuteteses iniciais sobre como a criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais para lidar com o deacuteficit de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento vem evoluindo ao longo dos uacuteltimos anos Ateacute os anos 2000 vaacuterios mecanismos globais foram criados para permitir a diversos atores desviar dos sistemas domeacutesticos disfuncionais de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Em mateacuteria de direitos humanos e ambiental por exemplo houve enorme pressatildeo social em paiacuteses desenvolvidos para que as corporaccedilotildees multinacionais e seus paiacuteses sede criassem

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mecanismos para lidar diretamente com os problemas econocircmicos sociais e ambientais provocados por atividades econocircmicas transnacionais no Sul Global

A loacutegica parecia a mesma dos mecanismos de ldquonova governanccedilardquo que

ocorriam em paiacuteses desenvolvidos transfere-se a autoridade regulatoacuteria para

aqueles agentes que demonstrem maior capacidade de regular determinado

problema e que tenham responsabilidade pelos efeitos da atividade a ser regulada

Na medida em que as experiecircncias com esses mecanismos regulatoacuterios

transnacionais que basicamente desviavam dos sistemas domeacutesticos de governanccedila

comeccedilaram a acumular entretanto tornou-se evidente que eles estavam

demonstrando resultados muito diversos de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo

implementadas em paiacuteses ocidentais industrializados Foram esses resultados

frustrantes que levaram um ramo recente da literatura de governanccedila global a

estudar melhor esse fenocircmeno Eu analiso esta literatura a seguir

22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio

Vaacuterias questotildees passaram a ser levantadas sobre a eficaacutecia e a legitimidade

de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo envolvendo paiacuteses com deacuteficits agudos de

governanccedila o que gerou um debate central sobre possiacuteveis preacute-condiccedilotildees para

estes mecanismos funcionarem efetivamente Ou talvez alguns tipos de problema

fossem mais amenos do que outros a este tipo de regulaccedilatildeo Mais relevante para os

propoacutesitos deste artigo vaacuterios estudos empiacutericos comparados sobre iniciativas de

ldquonova governanccedilardquo em paiacuteses da Uniatildeo Europeia e da Europa Oriental

demonstraram que mecanismos privados ou hiacutebridos mais horizontais tinham maior

probabilidade de serem eficazes quando havia um Estado forte na retaguarda para

garantir que atores natildeo estatais realmente contribuam para a provisatildeo de bens

coletivos (BORZEL amp RISSE 2010 traduccedilatildeo nossa) Uma parte importante da

literatura sobre modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional chegou a um consenso de

que em paiacuteses desenvolvidos os diversos atores puacuteblicos e privados que estatildeo

envolvidos em formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo atuam sob a sombra da

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hierarquia estatal (SCHMITTER amp STREECK 1985 SCHARPF 1997 RICHARDS

2004 SCHILLEMANS 2008)37

Na literatura sobre GG no entanto a maior parte dos estudos sobre ldquonova governanccedilardquo continuou ndash implicitamente - examinando a eficaacutecia e a legitimidade das vaacuterias iniciativas hiacutebridas ou privadas quando empregadas especificamente no contexto de um tipo de Estado o Estado institucionalmente forte Apenas uma minoria de autores passou a traduzir a conclusatildeo de estudos regulatoacuterios no acircmbito nacional para a arena global afirmando que iniciativas regulatoacuterias supranacionais hiacutebridas ou privadas tambeacutem seriam eficazes apenas quando ancoradas por Estados soberanos com sistemas domeacutesticos de governanccedila eficientes (WEISS 1998) Somente a partir da segunda metade dos anos 2000 um grupo de acadecircmicos e pesquisadores passou a investigar as implicaccedilotildees do uso destes modelos de governanccedila em paiacuteses carentes desta sombra da hierarquia estatal38 Em outras palavras apenas recentemente surgiu um ramo separado da literatura de GG que reconhece o deacuteficit de governanccedila domeacutestica como uma importante variaacutevel de pesquisa especialmente quando se busca identificar qual a melhor estrateacutegia regulatoacuteria para atacar determinado problema econocircmico ou social Esta literatura investiga se e como os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo podem funcionar eficazmente em relaccedilatildeo a paiacuteses com deacuteficits agudos de governanccedila onde inexiste uma sombra de hierarquia estatal considerada adequada

Uma das principais ideias exploradas por essa literatura eacute o possiacutevel uso de mecanismos regulatoacuterios externos como equivalentes funcionais dessa sombra de hierarquia estatal ausente A questatildeo crucial seria identificar quais tipos de

37 Em 1985 Schmitter e Streeck jaacute argumentavam (traduccedilatildeo nossa) a espada de Dacircmocles da ameaccedila de intervenccedilatildeo estatal direta eacute necessaacuteria para provocar auto-regulaccedilatildeo privada ou regulaccedilatildeo puacuteblico-privada O Estado ameaccedila - impliacutecita ou explicitamente ndash legislar regras para atividades privadas mudando assim os caacutelculos de custo-benefiacutecio das corporaccedilotildees favorecendo assim a adoccedilatildeo de regras voluntaacuterias mais proacuteximas do interesse coletivo Aleacutem disto boa parte da literatura afirma que mecanismos de ldquonova governanccedilardquo requerem a existecircncia de um niacutevel miacutenimo de demanda social ou incentivos de mercado para funcionar eficientemente

38 Em 2006 por exemplo Thomas Risse e Ursula Lehmkuhl iniciaram uma linha de pesquisa na Freie Universitat Berlin sobre novos modelos de governanccedila em areas of limited statehoodrdquo ou aacutereas com capacidade estatal limitada Em 2006 Risse amp Lehmkuhl publicaram um artigo especificando os marcos conceituais do projeto A questatildeo central do projeto foi articulada da seguinte forma (traduccedilatildeo nossa) como se pode desenvolver e sustentar sistemas legiacutetimos e eficientes de governanccedila em aacutereas com capacidade estatal limitada A ideacuteia eacute identificar os desafios regulatoacuterios que emergem nestas condiccedilotildees especiacuteficasrdquo

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mecanismos externos poderiam efetivamente substituir essa sombra da hierarquia em paiacuteses que apresentam graus distintos de deficiecircncia de governanccedila Estes estudos sobre equivalentes funcionais a sombra de hierarquia estatal formam parte de um ramo emergente de estudos de regulaccedilatildeo global que estaacute comeccedilando a realizar uma investigaccedilatildeo sistemaacutetica sobre as complexas interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios transnacionais e sistemas de governanccedila domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento Eu discuto estes novos estudos a seguir

3 NOVA FRONTEIRA ESTUDOS DE DESENVOLVIMENTO ENCONTRAM ESTUDOS DE GOVERNANCcedilA GLOBAL

A seriedade dos problemas socioeconocircmicos que satildeo causados ou agravados pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento estaacute por traacutes da demanda de produccedilatildeo de conhecimento acadecircmico para informar tentativas de lidar com este deacuteficit O envolvimento de acadecircmicos da aacuterea de desenvolvimento em investigaccedilotildees sobre se e como iniciativas globais de regulamentaccedilatildeo podem auxiliar na soluccedilatildeo do deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento eacute bastante recente Estes estudos comeccedilam a convergir com as investigaccedilotildees tambeacutem recentemente iniciadas por acadecircmicos envolvidos em estudos sobre governanccedila global que tentam entender se eacute possiacutevel criar ou adaptar mecanismos regulatoacuterios globais para situaccedilotildees nas quais a sombra de hierarquia estatal estaacute ausente isto eacute quando existe um deacuteficit significativo de governanccedila domeacutestica39

Para ser clara os autores dos estudos que eu descrevo nesta seccedilatildeo estatildeo aparentemente implementando esta mudanccedila de perspectiva analiacutetica ndash passando da observaccedilatildeo das regulaccedilotildees globais como mecanismos independentes para a observaccedilatildeo dos efeitos da interaccedilatildeo destes mecanismos em sistemas domeacutesticos de governanccedila - de forma intuitiva sem que tenha havido ainda uma discussatildeo teoacuterica sobre essa mudanccedila A meu ver o impacto desses estudos na evoluccedilatildeo da literatura de governanccedila global eacute notaacutevel e um exemplo concreto eacute justamente os

39 Para Borzel e Risse (2006) esta questatildeo deve ser respondida afirmativamente tanto mecanismos internacionais quanto normas sociais nos acircmbitos local nacional e internacional podem servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado

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efeitos potenciais desse novo ramo da literatura para outras aacutereas de estudo como os estudos de desenvolvimento Essa nova perspectiva de investigaccedilatildeo teoacuterica e empiacuterica poderaacute instruir os esforccedilos de pesquisa em DampD que buscam resolver o complexo quebra-cabeccedilas de como lidar com sistemas domeacutesticos de governanccedila disfuncionais ou incompletos que parecem estar imunes ou incrivelmente resistentes a tentativas de reforma Eacute possiacutevel que estes estudos de GG venham a aumentar as chances de implementar reformas efetivas para diminuir o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento ainda que seus autores natildeo tenham reconhecido esse potencial explicitamente

Eacute tambeacutem importante notar que os estudos emergentes que eu descrevo brevemente nesta seccedilatildeo ainda satildeo esparsos e estatildeo sendo realizados de forma bastante independente uns dos outros Apesar de diversos autores usarem conceitos que satildeo similares esses conceitos natildeo satildeo exatamente os mesmos Cada autor tambeacutem parece abordar o problema do deacuteficit de governanccedila domeacutestica a partir de perspectivas diferentes alguns partem de uma perspectiva desenvolvimentista outros de uma perspectiva ambientalista outros ainda de uma perspectiva de seguranccedila internacional Finalmente estes autores natildeo reconhecem explicitamente que eles estatildeo se afastando do mainstream da pesquisa de seus campos acadecircmicos respectivos Quando algueacutem se propotildee a identificar um grupo diverso de tendecircncias acadecircmicas emergentes como potencialmente integrando uma linha teoacuterica singular existe o risco inevitaacutevel de generalizar ou de simplificar demasiado o objetivo de cada linha de pesquisa Acredito entretanto que eacute importante iluminar estas novas tendecircncias tanto nos estudos de desenvolvimento quanto nos estudos de governanccedila global porque em conjunto eles possuem poder explicativo suficiente para nos auxiliar a compreender a recente evoluccedilatildeo das vaacuterias estrateacutegias para lidar com o deacuteficit agudo de governanccedila em alguns paiacuteses em desenvolvimento

Conforme citei acima um grupo de acadecircmicos estaacute usando as ideias da literatura da sombra da hierarquia estatal para examinar como mecanismos regulatoacuterios globais poderiam lidar com o deacuteficit agudo e crocircnico de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Stephen Krasner (2004) um estudioso de relaccedilotildees internacionais investiga o caso especiacutefico de Estados ldquoquase falidosrdquo que se encontram presos a um ciclo crocircnico de caos poliacutetico e de violecircncia Esses Estados Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 337

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satildeo considerados uma ameaccedila agrave seguranccedila de outras naccedilotildees agora eou no futuro Em 2004 Krasner publicou um artigo afirmando que a comunidade internacional precisa transcender princiacutepios convencionais de direito internacional como por exemplo o princiacutepio da soberania estatal e assumir a responsabilidade de promover melhor governanccedila domeacutestica em regimes mal governados falidos e sob ocupaccedilatildeo (Krasner 2004 p 85 traduccedilatildeo nossa) Para Krasner apesar de terem sua soberania internacional reconhecida por outros Estados alguns paiacuteses estatildeo claramente falhando quando se trata de exercer a soberania domeacutestica de forma efetiva Nestes casos Krasner argumenta mecanismos convencionais disponiacuteveis a atores poliacuteticos estrangeiros ndash tais como a assistecircncia bilateral e multilateral para promover melhorias de sistemas de governanccedila e administraccedilatildeo transitoacuteria (durante ocupaccedilatildeo militar) ndash natildeo satildeo efetivas ou suficientes

Segundo Krasner eacute preciso expandir o menu de opccedilotildees regulatoacuterias para lidar com esse deacuteficit de governanccedila Ele propotildee duas novas formas para lidar com o problema No caso de Estados completamente falidos como a Somaacutelia ele propotildee protetorados consensuais (trusteeships) Protetorados consensuais basicamente seriam o reconhecimento formal pela comunidade internacional que um paiacutes especiacutefico se encontra incapaz de exercer sua soberania juriacutedica internacional Krasner admite que sensibilidades poliacuteticas tornam improvaacutevel que a comunidade internacional venha a endossar essa opccedilatildeo publicamente embora ele afirme que uma espeacutecie de trusteeship jaacute ocorre na praacutetica40 Uma segunda opccedilatildeo seria o que Krasner denomina de ldquosoberania compartilhadardquo Em suas palavras

Soberania compartilhada envolveria o engajamento de atores externos em algumas das estruturas domeacutesticas de governanccedila do Estado em questatildeo por um periacuteodo indeterminado Tais arranjos poliacuteticos seriam legitimados por acordos assinados por autoridades nacionais reconhecidas (KRASNER 2004 p 108 traduccedilatildeo nossa)

Ainda que o princiacutepio da autonomia poliacutetica reconhecido em relaccedilotildees

internacionais fique comprometido o paiacutes ainda estaria exercendo sua soberania no

40 Segundo Krasner (2004) as principais barreiras impedindo a adoccedilatildeo de um tratado internacional codificando uma forma de trusteeship ou protetorado eacute a falta de vontade poliacutetica dos paiacuteses desenvolvidos que teriam o ocircnus de implementaacute-lo e tambeacutem dos mais fracos que correriam o risco de ser pressionados a aderir

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momento da assinatura voluntaacuteria do acordo de soberania compartilhada e estaria

livre para rescindir esse acordo a qualquer tempo Krasner reconhece que por

razotildees poliacuteticas e legais a expressatildeo ldquosoberania compartilhadardquo poderia trazer

problemas e sugere que esses arranjos sejam chamados de parcerias Em outras

palavras Krasner estaacute defendendo a criaccedilatildeo de mecanismos internacionais para

servirem no acircmbito domeacutestico como equivalentes funcionais dos sistemas de

governanccedila ausentes por tempo indeterminado41 Krasner natildeo explora como

exatamente estes mecanismos externos poderiam interagir com sistemas de

governanccedila domeacutestica em estaacutegio embriocircnico ou se esses mecanismos poderiam

ser intencionalmente desenhados de forma a favorecer a criaccedilatildeo de sistemas de

governanccedila autossuficientes ao longo do tempo Seu argumento eacute naturalmente

muito polecircmico e existem seacuterias criacuteticas sobre os tons imperialistas de sua proposta

Outra ideia baseada no mesmo conceito de soberania compartilhada foi

introduzida pelo economista Paul Romer com seu projeto charter cities (cidades

projetadas) Romer argumenta que paiacuteses pobres em governanccedila podem explorar a

opccedilatildeo de criar novas cidades partindo do zero em locais previamente natildeo

habitados Os habitantes destas novas cidades aceitariam se submeter a uma seacuterie

de regras de governanccedila reunidas em uma Carta regras cuja implementaccedilatildeo e

cumprimento seriam monitorados e controlados por autoridades externas A visatildeo eacute

de que estas cidades projetadas e bem governadas atrairiam capital financeiro e

humano estrangeiros favorecendo o crescimento econocircmico dessa zona do paiacutes e

41 Nas palavras de Krasner (2004 traduccedilatildeo nossa) esforccedilos externos para influenciar estruturas de autoridade de outros estados eacute o desafio central da poliacutetica externa contemporacircnea A pesquisa de Krasner natildeo estaacute necessariamente focada em encontrar formas de promover melhorias em indicadores de desenvolvimento nos paiacuteses fracos em governanccedila per se O objetivo principal parece ser o de administrar os riscos agrave seguranccedila global provocados por esses paiacuteses que podem mais facilmente se tornar focos de terrorismo traacutefico de drogas e outras formas de crime organizado Neste caso pode-se argumentar que paiacuteses desenvolvidos influentes teriam incentivos para discutir e promover regulaccedilatildeo global nessa aacuterea Mas nem todos os paiacuteses com deacuteficit grave de governanccedila satildeo necessariamente paiacuteses falidos e ninhos de terroristas e crime organizado Uma questatildeo diferente surge dessa forma no caso desses paiacuteses que em princiacutepio natildeo oferecem ameaccedilas a seguranccedila global Se os riscos satildeo primariamente suportados pelas proacuteprias sociedades desses paiacuteses haveria ainda incentivos suficientes para os paiacuteses desenvolvidos apoiarem a criaccedilatildeo de mecanismos globais para servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado nestes casos

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possivelmente tendo um efeito positivo em outras aacutereas ao longo do tempo

(SHERIDAN 2009 CHEONG 2010 SUTHERLAND 2012)42

Em seu livro de 2009 Wars Guns and Votes (Guerras Armas e Votos) o economista de desenvolvimento Paul Collier afirma que nas uacuteltimas deacutecadas vaacuterios paiacuteses no grupo dos paiacuteses em desenvolvimento mais pobres deram uma guinada marcante ao adotar sistemas formais de democracia eleitoral Collier entatildeo pergunta porque esse grupo (que alberga o bottom billion ou o bilhatildeo mais pobre da humanidade para usar a expressatildeo cunhada por Collier em seu livro anterior de 2008) ainda natildeo mostra indiacutecios de que essa guinada gerou melhorias reais em indicadores de desenvolvimento poliacutetico ou econocircmico Collier conclui que muitas vezes as reformas poliacuteticas e econocircmicas adotadas por esses paiacuteses apoacutes a democratizaccedilatildeo formal foram cosmeacuteticas e eles ainda apresentam um deacuteficit agudo de governanccedila O resultado dessa guinada democraacutetica foi contraditoriamente um aumento da violecircncia poliacutetica da instabilidade social e da pobreza generalizada em alguns paiacuteses

Collier argumenta que os paiacuteses que albergam o bottom billion estatildeo presos em uma armadilha de pobreza e violecircncia da qual eles natildeo conseguiratildeo escapar sozinhos Ele afirma que os mecanismos existentes para promover ajuda para o desenvolvimento mesmo focados em promover reformas de governanccedila domeacutestica tambeacutem natildeo seratildeo capazes de ajudar esses paiacuteses a escapar dessa armadilha porque eles carecem de sistemas miacutenimos de seguranccedila poliacutetica e de sistemas de accountability governamental que satildeo preacute-requisitos para a construccedilatildeo de sistemas domeacutesticos de governanccedila mais amplos Collier tambeacutem natildeo acredita que os mecanismos regulatoacuterios tradicionais satildeo o melhor caminho para lidar com esse problema ao menos inicialmente

Em seu livro de 2010 Plundered Planet (O Planeta Saqueado) Paul Collier centra no caso de paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila Aleacutem da armadilha da violecircncia esses paiacuteses estariam tambeacutem presos em uma ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo Collier explica que embora paiacuteses ricos em recursos naturais precisem ainda mais de bons sistemas domeacutesticos de governanccedila para lidar

42 Para informaccedilatildeo sobre o projeto ldquocharter citiesrdquo veja Charter Cities online Disponiacutevel em lthttpwwwchartercitiesorggt

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com os impactos sociais ambientais e econocircmicos negativos que caracterizam as atividades extrativas rendas expressivas da exportaccedilatildeo de recursos abundantes podem financiar as elites autoritaacuterias desses paiacuteses sem que precisem prestar contas a sociedade tornando ainda mais difiacutecil a construccedilatildeo das instituiccedilotildees [de governanccedila] necessaacuterias [no acircmbito domeacutestico] Assim como Krasner Collier (2008 2009 2010) argumenta que estes casos complexos exigem uma desconstruccedilatildeo radical dos conceitos de soberania internacional e nacional No caso de paiacuteses que passam por violecircncia poliacutetica crocircnica a proposta de Collier eacute fazer uso de mecanismos externos para proporcionar seguranccedila e accountability miacutenimos ateacute que os paiacuteses albergando o bottom billion possam escapar da armadilha da violecircncia poliacutetica em que se encontram presos

Assim Collier tambeacutem propotildee que mecanismos transnacionais sejam usados como equivalentes funcionais das estruturas de governanccedila domeacutesticas ausentes para propiciar seguranccedila e accountability pre-requisitos para a construccedilatildeo de outros sistemas de governanccedila Em outras palavras ele sugere que instituiccedilotildees domeacutesticas disfuncionais ou ausentes sejam temporariamente substituiacutedas Collier natildeo detalha entretanto como exatamente estes mecanismos externos de governanccedila abririam caminho para seus equivalentes domeacutesticos ao longo do tempo No caso de paiacuteses ricos em recursos naturais Collier advoga a criaccedilatildeo de uma Carta de Recursos Naturais (Natural Resources Charter) uma seacuterie de padrotildees internacionais de boa gestatildeo de recursos naturais Mas essa Carta serviria apenas como um guia voluntaacuterio para aqueles paiacuteses ricos em recursos que desejem contar com cooperaccedilatildeo teacutecnica para melhor administrar os seus recursos

Outros autores jaacute estatildeo investigando que efeitos alguns mecanismos de governanccedila global jaacute existentes ndash que satildeo muito menos intrusivos na soberania dos paiacuteses ndash estatildeo provocando ou podem provocar em sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Em um artigo de 2009 intitulado A globalizaccedilatildeo do direito anticorrupccedilatildeo ajuda paiacuteses em desenvolvimento o acadecircmico de DampD Kevin Davis analisa se o emergente regime transnacional de combate a corrupccedilatildeo ndash formado por convenccedilotildees internacionais mecanismos multisetoriais e regulaccedilotildees extraterritoriais - estaria provocando efeitos positivos reais na reduccedilatildeo de iacutendices de corrupccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento Neste artigo Davis inclui uma discussatildeo interessante ainda que breve sobre se estas Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 341

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normas transnacionais de combate a corrupccedilatildeo poderiam estar causando efeitos imprevistos e indesejaacuteveis em sistemas domeacutesticos de governanccedila Ele sugere que como em alguns casos estas normas tentam desviar ou substituir o sistema domeacutestico de governanccedila elas podem estar anulando incentivos para a criaccedilatildeo ou o fortalecimento de mecanismos domeacutesticos para inibir a corrupccedilatildeo nos paiacuteses em desenvolvimento Davis afirma que ainda natildeo existe evidecircncia de que isso esteja efetivamente acontecendo e uma outra possibilidade eacute a de que esses mecanismos tenham uma interaccedilatildeo positiva complementando sem anular os mecanismos de governanccedila no acircmbito domeacutestico

Tambeacutem em 2009 um antropologista social e pesquisador secircnior no think

tank Britacircnico Overseas Development Institute (ODI) David Brown realizou uma avaliaccedilatildeo criacutetica da crescente praacutetica da Uniatildeo Europeia de usar mecanismos de pressatildeo tais como Acordos Voluntaacuterios de Parceria (Voluntary Partnership AgreementsVPAs) em seus acordos bilaterais de comeacutercio com paiacuteses ricos em madeira e pobres em governanccedila Para Brown (2009) os VPAs tecircm o objetivo claro de lidar com a questatildeo do comeacutercio iliacutecito e insustentaacutevel de madeira promovendo melhorias no sistemas de governanccedila de florestas e madeira dos parceiros comerciais europeus menos desenvolvidos Ao analisar se os VPAs efetivamente melhoraram essa governanccedila entretanto Brown encontrou resultados mistos Por um lado ele encontrou evidecircncias de que VPAs tecircm o potencial para encorajar o desenvolvimento de padrotildees globais de desmatamento sustentaacutevel a longo prazo Ele tambeacutem viu potencial para o mecanismo reduzir o volume de madeira ilegal que ingressa no mercado europeu e para melhorar a transparecircncia do setor madeireiro Entretanto baseado em suas anaacutelises de campo Brown foi mais ceacutetico em relaccedilatildeo aos impactos dos VPAs em termos de provocar melhorias concretas nos sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento

Em 2011 Gilles Carbonnier Fritz Brugger e Jana Krause do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra avaliaram vaacuterias iniciativas multisetoriais criadas para enfrentar a maldiccedilatildeo dos recursos e influenciar indicadores de desenvolvimento em paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila domeacutestica com ecircnfase especial na Iniciativa de Transparecircncia das Induacutestrias Extrativistas (EITI) uma iniciativa multisetorial transnacional com a participaccedilatildeo de governos induacutestria e sociedade civil Carbonnier Brugger amp Krause Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 342

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(2011) analisam os vetores de comportamento incluindo os incentivos de mercado e regulamentaccedilotildees que podem influenciar as decisotildees de atores puacuteblicos e privados envolvidos no setor extrativo em paiacuteses em desenvolvimento Eles argumentam que a principal premissa do EITI eacute de que a maior participaccedilatildeo da sociedade civil nos sistemas de governanccedila de recursos no acircmbito domeacutestico levaria a mudanccedila de comportamento em paiacuteses ricos em recursos e em empresas extrativas Os autores concluem que em muitos dos casos que eles estudaram a sociedade civil ainda natildeo era forte o suficiente para responder positivamente a estas expectativas

Esses estudos ainda natildeo investigam detalhadamente as possiacuteveis interaccedilotildees positivas e negativas de mecanismos regulatoacuterios globais com sistemas domeacutesticos de governanccedila altamente disfuncionais Esta importante agenda de pesquisa estaacute ainda tateando Eacute preciso ainda reconhecer que os efeitos dessa interaccedilatildeo podem tambeacutem ser sentidos na outra direccedilatildeo Isto eacute regimes domeacutesticos de governanccedila podem afetar ou influenciar os vaacuterios mecanismos globais de regulaccedilatildeo Em siacutentese existe ainda um longo caminho pela frente para que possamos compreender melhor de que formas mecanismos globais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila e se e como podemos fazer melhor uso dos mecanismos globais para lidar com deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico

4 CONCLUSAtildeO

Atualmente existe uma ampla constelaccedilatildeo de mecanismos globais que podem potencialmente interagir de formas complexas com sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento e que possivelmente podem ser usados como instrumentos para promover reformas de governanccedila que venham a preencher graves lacunas ou deacuteficits nos sistemas domeacutesticos de alguns paiacuteses Este artigo sugere que para entender melhor como esses diversos mecanismos satildeo criados e como evoluem e quais seus possiacuteveis efeitos negativos ou positivos em sistemas domeacutesticos de governanccedila a literatura de DampD deveria expandir seu foco para aleacutem de mecanismos endoacutegenos e de formas tradicionais de promover governanccedila A agenda de pesquisa de DampD precisa incluir questotildees tais como qual tem sido a evoluccedilatildeo de tentativas externas de se lidar com o deacuteficit de governanccedila Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 343

Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

em paiacuteses em desenvolvimento Quais as premissas dos atores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo desses mecanismos Como eles interagem com sistemas de governanccedila domeacutesticos na teoria e na praacutetica Estes estudos devem estar informados e ser conduzidos em conjunto com estudos de governanccedila global que analisam os mesmos fenocircmenos por acircngulos diferentes poreacutem complementares Mais importante a agenda expansiva de pesquisa de DampD deve investigar se e como exatamente estes mecanismos globais podem contribuir para melhorar os indicadores de desenvolvimento de paiacuteses do sul global a longo prazo Esta eacute a nova ainda inexplorada fronteira para os estudos de DampD

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Marianna de Queiroz Gomes

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO

AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS1

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES

Marianna de Queiroz Gomes2

Resumo Contextualiza a questatildeo ambiental a partir do paradigma de sociedade de

risco Discorre sobre Neoconstitucionalismo constituiccedilatildeo dirigente e efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio Demonstra que o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula legislador administrador e juiz agrave Constituiccedilatildeo e agrave concretizaccedilatildeo dos direitos ali prescritos Analisa a viabilidade da judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais no modelo do Estado Democraacutetico de Direito Estuda o papel do Poder Judiciaacuterio ante uma jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Explora a contribuiccedilatildeo do Judiciaacuterio para a efetivaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Palavras-chave Neoconstitucionalismo Judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Abstract The paper contextualizes the environmental issue from the paradigm of the

risk society Its analysis is based on neoconstitutionalism the directive constitution and effectiveness of the fundamental right to a healthy environment It demonstrates that directive constitutionalism binds lawmakers administrators and judges to the Constitution and the implementation of the rights therein prescribed It analyzes the viability of the justiciability of environmental public policies in the democratic state model It studies the role of the judiciary over a constitutional and environmental jurisdiction It explores the contribution of the judiciary for the enforcement of the fundamental right to an ecologically balanced environment

1 Artigo submetido em 30062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 23072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Mestranda em Direito e Ordem Constitucional pela UFC Especialista em Processo Civil pela Unichristus Especialista em Direito e Processo Tributaacuterio pela Universidade de Fortaleza E-mail ltmariannaqueirozyahoocombrgt

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Keywords Neoconstitutionalism Judicialization of environmental public

policies

INTRODUCcedilAtildeO

Vivemos um momento histoacuterico de crise ambiental De certo no Brasil paiacutes da falta de aacutegua das secas das enchentes dos sem-terra das obras puacuteblicas feitas sem licenciamento ambiental existe um grande espaccedilo para discussatildeo da questatildeo ambiental Esta eacute notiacutecia todos os dias nos jornais eacute tema de conferecircncias eacute (ou deveria ser) preocupaccedilatildeo diaacuteria de nossos governantes e ainda de um sem nuacutemero de ONGs

Nesse contexto de escasseamento de recursos ambientais e de reavaliaccedilatildeo do nosso assim chamado ldquodesenvolvimento econocircmicordquo a conservaccedilatildeo da natureza estaacute na ordem do dia Nossos panoramas social poliacutetico econocircmico e cultural nos mostram que eacute urgente a mudanccedila de comportamentos quanto ao meio ambiente Destaque-se ainda que a contemporaneidade desenvolve um paradigma social que tem sido chamado de ldquosociedade de riscordquo na terminologia apresentada por Ulrich Beck A produccedilatildeo da riqueza natildeo mais domina a produccedilatildeo dos riscos

Por outro lado experimentamos um momento de Neoconstitucionalismo em que ganham importacircncia discussotildees sobre a viabilidade das promessas constitucionais da aplicabilidade dos princiacutepios e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais entre eles o direito fundamental ao meio ambiente sadio mote do trabalho Em nosso Estado Democraacutetico de Direito sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo dirigente transformadora da realidade ganham importacircncia as poliacuteticas puacuteblicas ambientais necessaacuterias ante o texto constitucional

Mas o que fazer quando no nosso contexto de crise ambiental de sociedade de risco Executivo e Legislativo falham em implementar poliacuteticas puacuteblicas que concretizem o direito fundamental em anaacutelise Resta o recurso ao Judiciaacuterio terceiro poder a quem incumbe a jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Analise-se entatildeo a possibilidade da chamada ldquojudicializaccedilatildeo das poliacuteticas ambientaisrdquo Perquirem-se doutrina e jurisprudecircncia sobre seus fundamentos e possibilidades ante o novo constitucionalismo brasileiro objetivando contribuir para o debate acadecircmico sobre a mateacuteria

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Nesse sentido pretende-se realizar uma pesquisa bibliograacutefica e documental de objetivo exploratoacuterio sobre a possibilidade de o Judiciaacuterio por meio da judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais efetivar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Os meacutetodos seratildeo monograacuteficos quanto ao procedimento e prioritariamente dedutivos no que toca agrave abordagem

1 A QUESTAtildeO AMBIENTAL O PARADIGMA DA SOCIEDADE DE RISCO E A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O homem eacute absolutamente dependente da natureza pois natildeo respira sem ela Por outro lado vivemos um contexto de superexploraccedilatildeo da natureza com nossa ideologia consumista corolaacuterio de uma produccedilatildeo industrial cada vez maior produto ainda de um desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico nunca antes visto Nossas necessidades satildeo infinitas ao passo que os recursos naturais satildeo escassos Por outro acircngulo a populaccedilatildeo humana cresce em escala nunca antes experimentada (UNFPA 2011) A brasileira no mesmo sentido (IBGE 2011)

Em outra visatildeo do prisma nossa tecnologia e ciecircncia avanccedilam mas seu emprego com os alimentos transgecircnicos a energia nuclear a construccedilatildeo de projetos de grande impacto ambiental criam riscos e ameaccedilam a proacutepria sociedade a quem deveriam proteger Nosso modelo de desenvolvimento em cuja contabilidade natildeo costuma estar posta a variaacutevel ambiental mostra-se matematicamente insustentaacutevel a meacutedio e longo prazos Natildeo se pode esquecer ainda da desigualdade social alimentada pelo atual modelo de desenvolvimento (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010) Estaacute posta a questatildeo ambiental que natildeo eacute apenas nacional mas sim mundial

Em verdade a preocupaccedilatildeo social com o meio ambiente ganha relevacircncia na segunda metade do seacuteculo passado especialmente depois da crise do petroacuteleo e de desastres ambientais motivados por contaminaccedilatildeo nuclear Nesse momento histoacuterico nosso padratildeo de desenvolvimento calcado no ideal liberal e produto da Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XIX comeccedila a dar claros sinais de desgaste

ldquoA avaliaccedilatildeo eacute a seguinte enquanto na sociedade industrial a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riqueza domina a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riscos na sociedade de risco Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 352

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

essa relaccedilatildeo se inverterdquo (BECK 2010 p 9) Natildeo se trata de um risco apocaliacuteptico de perigo nuclear nem simplesmente de medo O risco eacute um fator a mais dentro dos processos decisoacuterios da nossa sociedade altamente industrializada

Para Beck (2010 p 15) a produccedilatildeo social da riqueza na modernidade caminha junto de uma produccedilatildeo social de riscos que satildeo tambeacutem ambientais Constata-se que uma das principais consequecircncias do nosso desenvolvimento cientiacutefico industrial eacute a exposiccedilatildeo da humanidade a riscos e a inuacutemeras modalidades de contaminaccedilatildeo nunca observados anteriormente A industrializaccedilatildeo poacutes-moderna natildeo se dissocia de um processo contiacuteguo de criaccedilatildeo de riscos A questatildeo se torna mais criacutetica ante a projeccedilatildeo de que os riscos criados hoje alcanccedilaratildeo geraccedilotildees futuras

ldquoA problemaacutetica ambiental global constitui um problema fundamental de nosso tempo []rdquo (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010 p 18) Sintomaacutetica da conscientizaccedilatildeo global da segunda metade do seacuteculo XX sobre a questatildeo ambiental eacute a Conferecircncia de Estocolmo Ali o meio ambiente ecologicamente equilibrado eacute tratado pela primeira vez como direito fundamental do homem Estabelece seu Princiacutepio 013

O homem tem o direito fundamental agrave liberdade agrave igualdade e ao desfrute de condiccedilotildees de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar tendo a solene obrigaccedilatildeo de proteger e melhorar o meio ambiente para as geraccedilotildees presentes e futuras A este respeito as poliacuteticas que promovem ou perpetuam o apartheid a segregaccedilatildeo racial a discriminaccedilatildeo a opressatildeo colonial e outras formas de opressatildeo e de dominaccedilatildeo estrangeira satildeo condenadas e devem ser eliminadas

Com a emergecircncia da questatildeo ambiental decorrente da sociedade de risco em que vivemos observado ainda o panorama ideoloacutegico e juriacutedico que elevam o meio ambiente a bem de primeira grandeza a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 natildeo

3 Traduccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwmmagovbrestruturasagenda21_arquivosestocolmodocgt acesso em 30 de abril de 2013 No texto original ldquoMan has the fundamental right to freedom equality and adequate conditions of life in an environment of a quality that permits a life of dignity and well-being and he bears a solemn responsibility to protect and improve the environment for present and future generations In this respect policies promoting or perpetuating apartheid racial segregation discrimination colonial and other forms of oppression and foreign domination stand condemned and must be eliminatedrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwuneporgDocuments MultilingualDefaultPrintaspdocumentid=97amparticleid=1503gt acesso em 19062013

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poderia se omitir sobre a preocupaccedilatildeo ambiental De forma ineacutedita em nosso constitucionalismo o meio ambiente eacute ali tutelado expressamente no art 225 como direito fundamental apesar de natildeo alocado geograficamente no art 5ordm Eacute o texto da nossa Lei Maior

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees

Conforme Canotilho e Leite (2007 p 96) podemos dizer que ldquoFormalmente direitos fundamentais satildeo aqueles que reconhecidos na Constituiccedilatildeo ou em tratados internacionais atribuem ao indiviacuteduo ou a grupos de indiviacuteduos uma garantia subjetiva ou pessoalrdquo Percebemos entatildeo que formalmente eacute direito fundamental aquilo que a Constituiccedilatildeo diz ser Mas essa definiccedilatildeo natildeo eacute bastante Afinal qual a essecircncia de um direito fundamental qual seu elemento de reconhecimento

Na liccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva (2006 p 178) numa definiccedilatildeo de nuance material no qualificativo ldquofundamentaisrdquo encontra-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees juriacutedicas sem as quais a pessoa humana natildeo se realiza natildeo convive ou agraves vezes nem mesmo sobrevive fundamentais ao homem no sentido de que a todos por igual devem ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente efetivados

A doutrina classicamente elabora trecircs dimensotildees de direitos fundamentais De antematildeo cabe ponderar que a nomenclatura ldquogeraccedilotildeesrdquo embora tradicionalmente usada nesse contexto natildeo parece ser a mais adequada pois transmite uma ideia de que os direitos fundamentais evoluiriam e os mais novos substituiriam outros ou teriam preferecircncia ou sobre os antigos o que natildeo acontece Conforme melhor doutrina os direitos fundamentais estatildeo ligados por relaccedilatildeo de interdependecircncia Natildeo se pode gozar plenamente de um se natildeo assegurados tambeacutem os demais e nessa ordem de ideias tem-se preferido agravequele o termo ldquodimensotildeesrdquo (SARLET 2007 p 54)

Fixados os aspectos terminoloacutegicos vejamos propriamente como evoluem as dimensotildees de direitos fundamentais Antecipe-se a curiosidade de frequentemente fazer-se o paralelo entre as dimensotildees e o lema da Revoluccedilatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 354

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Francesa ldquoLiberdade igualdade e fraternidaderdquo Bem por essa vereda percebe-se que a primeira eacute atinente a direitos civis e poliacuteticos relacionados ao proacuteprio indiviacuteduo como tal Sua construccedilatildeo ocorreu como produto da Revoluccedilatildeo Francesa sob a eacutegide de uma doutrina liberal em um momento histoacuterico em que existia a necessidade de proteger o homem do Estado ateacute entatildeo todo poderoso Nesse sentido pode-se pensar que tecircm o grande meacuterito de transformar relaccedilotildees de poder em relaccedilotildees juriacutedicas Observe-se ainda ser frequente adjetivaacute-los como direitos negativos pois impotildeem ao Estado um dever de natildeo-intervenccedilatildeo em uma determinada oacuterbita de liberdade individual Como exemplos podemos citar o direito agrave vida agrave liberdade o direito de voto a igualdade de todos ante a lei (igualdade formal)

A segunda dimensatildeo remonta ao iniacutecio do seacuteculo XX quando o liberalismo claacutessico comeccedila a dar seus primeiros sinais de desgaste Entre os fortes impactos da industrializaccedilatildeo com suas implicaccedilotildees sociais e econocircmicas acirravam-se os conflitos de classes Apenas a igualdade formal no papel sem efetivaccedilatildeo praacutetica jaacute natildeo se mostrava suficiente a aplacar os anseios sociais Exigia-se a igualdade material com mudanccedilas de postura do Estado que deveria ser agora natildeo apenas negativa mas sim positiva O Estado teria o dever de agir para propiciar ao indiviacuteduo bem-estar social com acesso a sauacutede educaccedilatildeo e lazer por exemplo no que se observa um agir afirmativo daquele na consecuccedilatildeo da justiccedila social (SARLET 2007 p 56)

Apoacutes a Segunda Guerra Mundial detectou-se que alguns grandes temas diziam respeito agraves necessidades coletivas natildeo individuais Inviaacuteveis seu gozo e proteccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo o todo social fortalecendo-se viacutenculos de solidariedade Nessa toada os direitos fundamentais de terceira geraccedilatildeo trazem uma importante nota distintiva visam agrave proteccedilatildeo de interesses difusos coletivos Transcendem a titularidade individual posto natildeo se referirem apenas agrave tutela do homem enquanto indiviacuteduo mas sim agrave proteccedilatildeo de grupos humanos Nas palavras de Bonavides (2011 p 569) eacute seu destino ldquoo gecircnero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmaccedilatildeo como valor supremo em termos de existencialidade concretardquo Por tal motivo satildeo denominados direitos de fraternidade

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ou de solidariedade e podemos citar como exemplo a paz a autodeterminaccedilatildeo dos povos e com especial importacircncia a esta obra o meio ambiente

Eacute tendecircncia ainda a discussatildeo em torno de uma quarta geraccedilatildeo de direitos No cenaacuterio juriacutedico brasileiro destaque-se a posiccedilatildeo favoraacutevel do professor Paulo Bonavides segundo a qual integrariam essa categoria os direitos agrave democracia (direta) informaccedilatildeo e pluralismo correspondendo a uma fase de institucionalizaccedilatildeo do Estado social (BONAVIDES 2011 p 570-571)

Do exposto infere-se que o direito fundamental ao meio ambiente eacute uma construccedilatildeo recente integrante de uma terceira dimensatildeo desses direitos conforme jaacute tradicional classificaccedilatildeo Assim resguarda-se nesse conceito juriacutedico um bem reputado fundamental agrave vida sem o qual esta natildeo pode se realizar plenamente Destaca-se assim um viacutenculo de solidariedade social com a tutela de um interesse difuso transindividual que nas palavras de Fiorillo (2012 p 61) pertence ldquoa todos e a ningueacutem ao mesmo tempordquo

2 NEOCONSTITUCIONALISMO CONSTITUICcedilAtildeO DIRIGENTE E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

Como se sabe nosso amplo rol de direitos fundamentais a despeito da ampla proteccedilatildeo conferida pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 carece de efetivaccedilatildeo Nosso Estado tem falhado na implementaccedilatildeo de tais direitos especialmente em se tratando do direito fundamental ao meio ambiente sadio Perceba-se que conforme a proacutepria redaccedilatildeo do art 225 eacute obrigaccedilatildeo do Estado e da coletividade a defesa e preservaccedilatildeo de tal direito no que emergem as questotildees dos deveres fundamentais para os cidadatildeos e da formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais por parte do Estado

Hoje vivemos um momento no Direito que a doutrina convencionou chamar ldquoNeoconstitucionalismordquo Nessa nova realidade poacutes-positivista natildeo mais se vincula o constitucionalismo agrave ideia de limitaccedilatildeo do poder poliacutetico mas acima de tudo busca a eficaacutecia da Constituiccedilatildeo A norma fundamental ganha importacircncia de centro do sistema juriacutedico norma imperativa e superior numa hierarquia natildeo apenas formal mas sobretudo axioloacutegica

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Presenciamos uma fase de constitucionalizaccedilatildeo do Direito e a Constituiccedilatildeo tem forccedila normativa proacutepria Suas normas satildeo cogentes natildeo apenas meras promessas a serem realizadas por opccedilatildeo poliacutetica em um futuro distante A norma existe para ser realizada e pode condicionar a realidade Pontue-se que a Constituiccedilatildeo natildeo representa apenas a expressatildeo de um ser mas tambeacutem de um dever ser Graccedilas a sua pretensatildeo de eficaacutecia a Constituiccedilatildeo procura imprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade poliacutetica e social E ela tanto eacute determinada como eacute determinante da conjuntura social A forccedila condicionante da realidade e a normatividade da Constituiccedilatildeo podem ateacute ser diferenciadas mas natildeo definitivamente separadas ou confundidas (HESSE 1991 p 15)

Sobre o marco inicial do processo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito ensina Luis Roberto Barroso (2006 p 17) haver razoaacutevel consenso de que foi estabelecido na Alemanha do poacutes-guerra Sob a eacutegide da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinaacuterios que jaacute vinham de mais longe o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais aleacutem de sua dimensatildeo subjetiva de proteccedilatildeo de situaccedilotildees individuais desempenham uma outra funccedilatildeo a instituiccedilatildeo de uma ordem objetiva de valores O ordenamento juriacutedico deve tutelar determinados direitos e valores natildeo apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfaccedilatildeo Tais normas constitucionais condicionam a interpretaccedilatildeo de todos os ramos do Direito puacuteblico ou privado e vinculam os Poderes

Nesse passo reaproximam-se Direito Moral Justiccedila e outros valores substantivos revelando a importacircncia do homem como filtro axioloacutegico de todo o sistema poliacutetico e juriacutedico (BARROSO 2006 p 20) Incorporam-se valores e opccedilotildees poliacuteticas aos textos constitucionais especialmente no que diz respeito agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais A lei e de modo geral os Poderes Puacuteblicos devem natildeo soacute observar a forma prescrita na Constituiccedilatildeo mas com especial relevo estar em consonacircncia com seu espiacuterito seu caraacuteter axioloacutegico e os seus valores baacutesicos

Esse movimento tem como marco tentativa de concretizaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais prometidas servindo como ferramenta agrave implantaccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito Nesse modelo de Estado natildeo basta que direitos sejam

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previstos eles devem ser materialmente garantidos Na evoluccedilatildeo do conceito ao modelo atual passou-se de um Estado Legislativo de Direito no qual o Direito se limitava agrave lei a um modelo de Estado Social de Direito natildeo necessariamente democraacutetico cujo objetivo era atender agraves reivindicaccedilotildees da justiccedila social (BONAVIDES 2009 p 203-205)

O paradigma atual almeja aliar democracia (soberania popular) ao elemento baacutesico do Estado de Direito (a lei) natildeo mais como mero enunciado formal do legislador mas como ato de concretizaccedilatildeo dos valores humanos morais e eacuteticos fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo A lei que natildeo atende a essa exigecircncia eacute inconstitucional e deve ser desprezada (CUNHA JR 2010 p 543)

No contexto brasileiro o Neoconstitucionalismo emerge no cenaacuterio da Constituinte de 1988 e aiacute chegamos a um impasse O legislador constituinte foi profiacutecuo no estabelecimento de direitos fundamentais na Carta de 1988 legando aos inteacuterpretes o compromisso de efetivaacute-los transformando uma realidade que natildeo poderia parecer mais distante da estabelecida naquele texto

Ressalte-se ainda que nossa CF88 eacute dirigente compromissaacuteria esboccedilando um pacto entre Direito e transformaccedilatildeo social Preleciona Canotilho (1982 p 224) que ldquoConstituiccedilatildeo dirigente pode ser entendida como o bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado se estabelecem diretivas e estatuem imposiccedilotildeesrdquo conceito que se aproxima do de ldquoConstituiccedilatildeo programaacuteticardquo Nesse sentido a Constituiccedilatildeo deixa de ser concebida como um estatuto organizatoacuterio do Estado definidor de competecircncias e regulador de processos transformando-se num verdadeiro plano global normativo do Estado e da sociedade determinante das tarefas dos programas e fins do Estado (TRINDADE 2009 p 29)

Esse conceito de constituiccedilatildeo dirigente trazido por Canotilho muito debatido celebrado e tambeacutem criticado mereceu revisatildeo na segunda ediccedilatildeo de sua obra Constituiccedilatildeo dirigente e vinculaccedilatildeo do legislador (2001 prefaacutecio)

a Constituiccedilatildeo dirigente estaacute morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionaacuterio capaz de por si soacute operar transformaccedilotildees emancipatoacuterias Tambeacutem suportaraacute impulsos tanaacuteticos qualquer texto constitucional dirigente introvertidamente vergado sobre si proacuteprio e alheio aos processos de abertura do direito constitucional

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ao direito internacional e aos direitos supranacionais Numa eacutepoca de cidadanias muacuteltiplas e de muacuteltiplos de cidadanias seria prejudicial aos proacuteprios cidadatildeos o fecho da Constituiccedilatildeo erguendo-se agrave categoria de linha Maginot contra invasotildees agressivas dos direitos fundamentais Alguma coisa ficou poreacutem da programaticidade constitucional Contra os que ergueram as normas programaacuteticas a linha de caminho de ferro neutralizadora dos caminhos plurais da implantaccedilatildeo da cidadania acreditamos que os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das poliacuteticas puacuteblicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito democraacuteticas e sociais

Por essa vereda o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula natildeo apenas o legislador mas tambeacutem o administrador ao elaborar poliacuteticas puacuteblicas e ao praticar atos administrativos desconstruindo em certa medida a blindagem da discricionariedade e do meacuterito administrativo Por outro lado traz tambeacutem o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas e as condiccedilotildees de possibilidade para a implementaccedilatildeo do Estado social e democraacutetico de direito

Nessa quadra da ciecircncia juriacutedica constitucionaliza-se o Direito Administrativo com a redefiniccedilatildeo da ideia de supremacia do interesse puacuteblico (agora dividido em primaacuterio e secundaacuterio) sobre o interesse privado e a vinculaccedilatildeo do administrador agrave Constituiccedilatildeo e natildeo apenas agrave lei ordinaacuteria Abre-se ainda a possibilidade de controle do meacuterito do ato administrativo atraveacutes dos princiacutepios constitucionais gerais como moralidade eficiecircncia e sobretudo a razoabilidade-proporcionalidade (BARROSO 2006 p 36-40)

Observa-se todavia especialmente em paiacuteses de modernidade tardia como o nosso um abismo largo entre o que propotildee a Constituiccedilatildeo dirigente e a efetiva operacionalizaccedilatildeo do Direito Constitucional Lecircnio Streck chama esse fenocircmeno de ldquosolidatildeo constitucionalrdquo (2006 p 5) Nesse contexto ganha relevo a jurisdiccedilatildeo constitucional Se Executivo e Judiciaacuterio falham em efetivar a Constituiccedilatildeo a missatildeo soccedilobra ao Judiciaacuterio Por essa linha Bachof (1996 p 10) chama atenccedilatildeo a uma relaccedilatildeo tensionante entre o Direito e a poliacutetica ldquoO juiz constitucional aplica certamente direito mas a aplicaccedilatildeo deste direito acarreta consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a valoraccedilotildees poliacuteticasrdquo

Afirma Streck (2006 p 25) que a dimensatildeo poliacutetica da Constituiccedilatildeo natildeo eacute uma dimensatildeo separada mas sim o ponto de estofo em que convergem as dimensotildees democraacutetica liberal e social daquilo que se pode denominar de

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ldquoessecircnciardquo do constitucionalismo do segundo poacutes-guerra Nenhuma dessas dimensotildees pode ser entendida isoladamente Propugna Streck (2006 p 34)

[] que os mecanismos constitucionais postos agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo e das instituiccedilotildees sejam utilizados eficazmente como instrumentos aptos a evitar que os poderes puacuteblicos disponham livremente da Constituiccedilatildeo A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar a opccedilatildeo pelo cumprimento ad hoc de dispositivos ldquomenos significativosrdquo da Lei Maior e o descumprimento sistemaacutetico daquilo que eacute mais importante ndash o seu nuacutecleo essencial-fundamental Eacute o miacutenimo a exigir-se pois

Democracia hoje eacute sinocircnimo de participaccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem de afirmaccedilatildeo de direitos fundamentais Por essa vereda eacute possiacutevel perceber a democracia de nosso tempo apontar para a predominacircncia do Judiciaacuterio sobre o Legislativo Na democracia do velho Estado de Direito esta relacionava-se com a formulaccedilatildeo textual das normas juriacutedicas pela via representativa ldquoAgora os direitos fundamentais natildeo podem ter sua determinaccedilatildeo de sentido na atividade legiferante visto que esta teraacute de atuar em consonacircncia com os mesmosrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2004 p 110)

A legislaccedilatildeo com finalidade social (do welfare state) eacute muito diferente da legislaccedilatildeo tradicional O estado social eacute promocional e isso gera tambeacutem problemas De um lado o legislador chamado a intervir em esferas sempre maiores de assunto ou atividade de outro o gigantismo do administrador Nesse contexto o Judiciaacuterio natildeo pode simplesmente se furtar agrave necessidade de controlar a constitucionalidade das leis e dos atos do executivo Os juiacutezes assim tornam-se ldquocontroladoresrdquo natildeo soacute da atividade civil e penal dos cidadatildeos mas tambeacutem dos ldquopoderes poliacuteticosrdquo talvez justamente pelo crescimento destes no estado moderno (CAPPELLETTI p 49)

Revecirc-se a tradicional separaccedilatildeo de poderes liberal privatista nascida da Revoluccedilatildeo Francesa O equiliacutebrio de freios e contrapesos estabelecido no seacuteculo passado natildeo mais serve ao nosso cenaacuterio que demanda uma jurisdiccedilatildeo constitucional

Em verdade o Estado tem papel de relevo na efetivaccedilatildeo dos direitos e na implementaccedilatildeo de valores socialmente relevantes Desta forma num momento histoacuterico em que a questatildeo ambiental ganha relevacircncia em nossa agenda poliacutetica

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

faz-se premente analisar a judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais Ora as normas constitucionais que prescrevem o direito fundamental ao meio ecologicamente equilibrado estatildeo longe de ser ldquomeramente programaacuteticasrdquo Vinculam a atuaccedilatildeo legislativa executiva e judiciaacuteria do aparato estatal (GAVIAtildeO FILHO 2005)

O direito fundamental ao meio ambiente determina posiccedilotildees fundamentais juriacutedicas definitivas a fim de que o Estado atue positivamente no sentido de realizar accedilotildees faacuteticas Caracteriza um direito a prestaccedilotildees em sentido estrito Todos os titulares do direito fundamental ao ambiente podem exigir do Estado algo correspondente a prestaccedilotildees positivas ou materiais as poliacuteticas puacuteblicas (GAVIAtildeO FILHO 2005 p 17)

Natildeo se deve interpretar a Constituiccedilatildeo de forma dissociada de seus fundamentos e objetivos A CF88 (artigo 225 caput e art 5ordm sect 2ordm) natildeo soacute atribuiu ao direito ao meio ambiente o status de direito fundamental do indiviacuteduo e da coletividade como consagrou a proteccedilatildeo ambiental (art 170) como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado ndash Socioambiental - de Direito brasileiro (SARLET FENSTERSEIFER p 13)

Desse raciociacutenio o Estado na busca de satisfaccedilatildeo desse direito humano e fundamental tem direito a explorar seus proacuteprios recursos segundo poliacuteticas de meio ambiente e desenvolvimento No reverso da moeda tem o dever de assegurar que atividades sob sua jurisdiccedilatildeo ou controle natildeo causem danos ao seu meio ambiente nem aos de outros Estados (TREVIZAN 2007 p 56)

Na verdade lembra Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias (2013) que a exigecircncia de postura mais ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo de direitos eacute exigecircncia do que se convencionou chamar Estado Democraacutetico de Direito Avanccedilamos de um direito reprodutor de realidades a um Direito com potencialidade de transformar a sociedade Assim aleacutem de suas funccedilotildees tiacutepicas atribui-se ao Judiciaacuterio a funccedilatildeo de efetivar as normas constitucionais em caso de omissatildeo dos Poderes Legislativo e Executivo Tem-se uma nova percepccedilatildeo da funccedilatildeo desse terceiro Poder com a jurisdiccedilatildeo constitucional

Ao falar em controle difuso de constitucionalidade em jurisdiccedilatildeo constitucional logo vem a associaccedilatildeo com a obra de Haumlberle e sua proposta de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 361

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ampliaccedilatildeo da sociedade aberta de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo Em suma no contexto de um Estado de Direito que se pretende democraacutetico e social eacute fundamental que a leitura da Constituiccedilatildeo se faccedila em voz alta e agrave luz do dia em um processo verdadeiramente puacuteblico e republicano pelos diversos atores da cena institucional ndash agentes poliacuteticos ou natildeo ndash porque ao fim e ao cabo todos os membros da sociedade poliacutetica fundamentam na Constituiccedilatildeo de forma direta e imediata os seus direitos e deveres (CANOTILHO 1991 p 208)

Assegurando o dissenso hermenecircutico e racionalizando as divergecircncias de interpretaccedilatildeo em torno da Constituiccedilatildeo perspectivas como as de Haumlberle auxiliam a preservaccedilatildeo da unidade poliacutetica e mesmo da manutenccedilatildeo da ordem juriacutedica objetivos fundamentais de toda Constituiccedilatildeo (TRINDADE 2008)

A Constituiccedilatildeo promete mas o estado natildeo entrega Nas democracias atuais o balcatildeo do Judiciaacuterio surge como soluccedilatildeo para as frustraccedilotildees dos jurisdicionados Ingeborg Maus bem observa essa tendecircncia apontando um certo paternalismo na atuaccedilatildeo do terceiro poder o alcunhado pela autora ldquosuperego da sociedade oacuterfatilderdquo (2000)

A aproximaccedilatildeo entre Direito e Moral torna a Justiccedila a mais alta instacircncia da moral que escapa ao controle social Esse tipo de conjuntura eacute passiacutevel da criacutetica de infantilizaccedilatildeo social As expectativas sociais satildeo depositadas no Judiciaacuterio que aparece como ldquosalvador da paacutetriardquo ao inveacutes de a sociedade procurar se organizar e buscar ela mesma o protagonismo no cumprimento das promessas constitucionais Nas palavras de Maus (2000 p 190 grifou-se)

A Justiccedila aparece entatildeo como uma instituiccedilatildeo que sob a perspectiva de um terceiro neutro auxilia as partes envolvidas em conflitos de interesses e situaccedilotildees concretas por meio de uma decisatildeo objetiva imparcial e por isto justa O infantilismo da crenccedila na Justiccedila aparece de forma mais clara quando se espera da parte do Tribunal Federal Constitucional uma retificaccedilatildeo de sua proacutepria postura frente agraves questotildees que envolvem a cidadania Exigecircncias de Justiccedila social e proteccedilatildeo ambiental aparecem com pouca frequumlecircncia no proacuteprio comportamento eleitoral e muito menos em processos natildeo institucionalizados de formaccedilatildeo de consenso sendo transferidas tais expectativas para o criteacuterio distributivo da mais alta Corte

Reflita-se que esse ganho de poder do Judiciaacuterio natildeo vem sem riscos agrave proacutepria Constituiccedilatildeo A intervenccedilatildeo da justiccedila constitucional a criaccedilatildeo judicial do Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 362

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direito ante o caso concreto pode ir contra a CF88 A sociedade civil nesse processo de dirigismo constitucional tem importante papel numa luta que eacute natildeo soacute juriacutedica mas tambeacutem poliacutetica Adverte Streck (2006 p 40) que o grau de dirigismo e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo dependeraacute natildeo somente mas tambeacutem da atuaccedilatildeo da sociedade civil instando as instacircncias judiciaacuterias ao cumprimento da Constituiccedilatildeo mediante o uso dos diversos mecanismos institucionais (accedilotildees constitucionais controle difuso e concentrado de constitucionalidade) E isto tambeacutem implica lutas poliacuteticas

Aponte-se que a criatividade judicial eacute por vezes confundida com ativismo criaccedilatildeo de Direito natildeo legislado o que acaba por trazer um cunho depreciativo agrave expressatildeo ldquoativismo judicialrdquo por vezes usada como sinocircnimo de ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo Nesse ponto cabe buscarmos uma definiccedilatildeo para os termos ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo e ldquopoliacuteticas puacuteblicasrdquo noccedilotildees fundamentais ao estudo da jurisdiccedilatildeo constitucional

ldquoJudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo eacute termo que vem da sociologia cunhado por Tate e Vallinder (1996) sinocircnimo de ldquopolitizaccedilatildeo da justiccedilardquo e significa os efeitos da expansatildeo do Poder Judiciaacuterio no processo decisoacuterio das democracias contemporacircneas Nesse sentido ldquojudicializarrdquo a poliacutetica eacute utilizar os meacutetodos tiacutepicos da decisatildeo judicial na resoluccedilatildeo de disputas e demandas nas arenas poliacuteticas em dois contextos

O primeiro resultaria da ampliaccedilatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo dos tribunais pela revisatildeo judicial de accedilotildees legislativas e executivas fruto da constitucionalizaccedilatildeo de direitos e de mecanismos de checks and balances Jaacute o segundo contexto mais difuso seria constituiacutedo pela introduccedilatildeo ou expansatildeo de staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (casos de tribunais eou juiacutezes administrativos como o contencioso tributaacuterio o contencioso das agecircncias reguladoras e autarquias de controle) e no Legislativo ndash com as Comissotildees Parlamentares de Inqueacuterito eg (MACIEL KOERNER 2002 p 114)

Na perspectiva constitucional a judicializaccedilatildeo diz respeito ao novo estatuto dos direitos fundamentais e agrave superaccedilatildeo de um determinado modelo da separaccedilatildeo dos poderes do Estado que levaria agrave ampliaccedilatildeo dos poderes de intervenccedilatildeo dos tribunais na poliacutetica Por outro lado se considerarmos tal como um processo que

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potildee em risco a democracia a tendecircncia seria agravada pelo nosso sistema hiacutebrido de controle da constitucionalidade (MACIEL KOERNER 2002 p 117)

Mas o Direito natildeo eacute esfera independente da poliacutetica Esclarece Bucci (2006 p 1) que o fenocircmeno do direito especialmente o puacuteblico eacute inteiramente permeado pelos valores e pela dinacircmica da poliacutetica Para essa autora (2006 p 6) um aspecto notaacutevel desse novo constitucionalismo eacute justamente a introduccedilatildeo da dimensatildeo do conflito na vida institucional cotidiana Os conflitos sociais natildeo satildeo negados ou mascarados pela idealizaccedilatildeo de uma liberdade individual Ao contraacuterio os embates sociais por direitos ganham lugar privilegiado nas arenas de socializaccedilatildeo poliacutetica em especial no Poder Legislativo mas tambeacutem de certa forma no Poder Judiciaacuterio

Maria Paula Dallari Bucci (2006 p 39) formula ainda a seguinte proposiccedilatildeo acerca do alcance da expressatildeo ldquopoliacutetica puacuteblicardquo

Poliacutetica puacuteblica eacute o programa de accedilatildeo governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados ndash processo eleitoral processo de planejamento processo de governo processo orccedilamentaacuterio processo legislativo processo administrativo processo judicial ndash visando coordenar os meios agrave disposiccedilatildeo do Estado e as atividades privadas para a realizaccedilatildeo de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados Como tipo ideal poliacutetica puacuteblica deve visar a realizaccedilatildeo de objetivos definidos expressando a seleccedilatildeo de prioridades a reserva de meios necessaacuterios agrave sua consecuccedilatildeo e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados

Por outro lado com a revalorizaccedilatildeo da eacutetica e da moral o magistrado tem maior liberdade para proferir suas decisotildees com o objetivo de concretizar os princiacutepios constitucionalmente eleitos Inegaacutevel entatildeo a funccedilatildeo nuclear do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo de direitos Os tribunais criam jurisprudecircncia cultura juriacutedica e satildeo observados de perto por todo o paiacutes

Como lembra Cappelletti (p 68) o tribunal investido da aacuterdua tarefa de efetivar a constituiccedilatildeo eacute desafiado pelo dilema de dar conteuacutedo a por vezes enigmaacuteticos e vagos preceitos conceitos e valores (tarefa inegavelmente criativa) Ou por outro caminho pode essa corte considerar como natildeo vinculantes justamente a parte dos textos constitucionais relativa agrave salvaguarda dos direitos fundamentais do homem em face do Poder Puacuteblico A longo prazo esta segunda escolha embora mais faacutecil mostra-se dificilmente defensaacutevel Reside aiacute um paradoxo pois ao passo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 364

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que por exigecircncia de nosso constitucionalismo o juiz por vezes cria direito ao interpretar a lei ao caso concreto aiacute tambeacutem reside o ponto de maior inseguranccedila e menor legitimidade democraacutetica do direito jurisprudencial

Sobre a praacutexis do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais lembra Matias (2013 p 73) que inovaccedilotildees como a responsabilizaccedilatildeo objetiva pelos danos ambientais a imprescritibilidade do dano ambiental ou a funcionalizaccedilatildeo do direito de propriedade satildeo instrumentos de frequente utilizaccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo do direito em anaacutelise Mas como soacutei ocorrer diante de qualquer mudanccedila de paradigmas haacute ainda muita resistecircncia na aceitaccedilatildeo dos novos padrotildees

Merece realce nessa toada a posiccedilatildeo que o STF tem adotado em algumas decisotildees no sentido da busca pelos fundamentos e limites do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Vejamos trecho do voto do Ministro Celso de Mello no Recurso Extraordinaacuterio 410715-54

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do Poder Judiciaacuterio mdash e nas desta Suprema Corte em especial mdash a atribuiccedilatildeo de formular e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio com o adverte a doutrina o encargo reside primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Impende assinalar entanto que tal incumbecircncia poderaacute atribuir-se embora excepcionalmente ao Poder Judiciaacuterio se e quando os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos que sobre eles incidem em caraacuteter mandatoacuterio vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e a integridade de direitos individuais e o u coletivos impregnados de estatura constitucional como sucede na espeacutecie ora em exame

No acoacuterdatildeo do Recurso Especial 650728SC5 (julgado em 23102007 publicado em 02102009) observa-se afirmaccedilatildeo elucidativa sobre como o STJ

4 RE 410715 AgR SP - SAtildeO PAULO AGREGNO RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO Relator(a) Min CELSO DE MELLO Julgamento 22112005 Oacutergatildeo Julgador Segunda Turma Publicaccedilatildeo DJ 03-02-2006

5 REsp 650728 SC Recurso Especial 20030221786-0 relator(a) Ministro Herman Benjamin (1132) oacutergatildeo julgador T2 - segunda turma data do julgamento 23102007 data da publicaccedilatildeofonte dje 02122009 Ementa PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL NATUREZA JURIacuteDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS TERRENOS DE MARINHA AacuteREA DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE ATERRO ILEGAL DE LIXO DANO AMBIENTAL RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM NEXO DE CAUSALIDADE AUSEcircNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTACcedilAtildeO DA LEGISLACcedilAtildeO AMBIENTAL ATIVISMO JUDICIAL MUDANCcedilAS CLIMAacuteTICAS DESAFETACcedilAtildeO OU DESCLASSIFICACcedilAtildeO JURIacuteDICA TAacuteCITA SUacuteMULA

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naquela ocasiatildeo percebeu o papel do juiz na implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ambiental ldquoNo Brasil ao contraacuterio de outros paiacuteses o juiz natildeo cria obrigaccedilotildees de proteccedilatildeo do meio ambiente Elas jorram da lei apoacutes terem passado pelo crivo do Poder Legislativo Daiacute natildeo precisarmos de juiacutezes ativistas pois o ativismo eacute da lei e do texto constitucionalrdquo

Frequentemente satildeo opostas algumas criacuteticas ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais dentre elas a ilegitimidade do Judiciaacuterio para apreciar tais questotildees pelo fato de os juiacutezes natildeo terem sido eleitos via voto popular a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes pela invasatildeo indevida de um Poder na esfera de competecircncia de outro a discricionariedade do Executivo na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas a reserva do possiacutevel

Ilegiacutetima eacute a atuaccedilatildeo estatal em desconformidade com a Lei Maior fundamento de validade dos atos e leis estatais A democracia (substancial) no Estado Democraacutetico de Direito demanda um Poder contramajoritaacuterio que possa efetivar direitos e obedecer agrave Constituiccedilatildeo se natildeo o fazem os demais e nisso o Judiciaacuterio ganha legitimidade democraacutetica

Sobre a separaccedilatildeo de poderes como visto esta no atual constitucionalismo natildeo eacute tatildeo riacutegida como no seacuteculo passado O ideal da estrita separaccedilatildeo de poderes teve como consequecircncia um Judiciaacuterio deacutebil com um Executivo e um Legislativo natildeo controlados Daacute-se um salto paradigmaacutetico No Neoconstitucionalismo a leitura claacutessica do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes com limites riacutegidos agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio cede a outras visotildees mais favoraacuteveis ao ldquoativismo judicialrdquo em defesa dos valores constitucionais (SARMENTO 2009 p 8)

Em verdade o Poder eacute um soacute do Estado que exerce funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas por seus oacutergatildeos todos vinculados e compromissados com a Constituiccedilatildeo Importam menos a separaccedilatildeo de poderes e as maiorias e ganha relevacircncia a decisatildeo judicial de legitimidade constitucional

Quanto agrave reserva do possiacutevel devemos perceber que o orccedilamento eacute lei

autorizativa ela natildeo faz o gasto puacuteblico mas autoriza-o Assim acerca da

282STF VIOLACcedilAtildeO DO ART 397 DO CPC NAtildeO CONFIGURADA ART 14 sect 1deg DA LEI 69381981

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo basta a ausecircncia da rubrica orccedilamentaacuteria

deve-se perquirir pela real ausecircncia do recurso financeiro que iria arcar com o ocircnus

daquela Por outro lado deve-se questionar se a real questatildeo eacute a ausecircncia do

recurso financeiro ou a destinaccedilatildeo de recursos para aacutereas que natildeo deveriam ser

prioritaacuterias como propaganda institucional do governo e verbas de gabinetes por

exemplo

No acircmbito da Uniatildeo registre-se que o total de recursos destinados na lei

orccedilamentaacuteria ao Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) por exemplo nem sempre eacute

totalmente liquidado Em palavras simples o problema natildeo eacute apenas ldquocaixardquo mas

tambeacutem direcionamento poliacutetico e organizaccedilatildeo gerencial No ano de 2006 diga-se o

iacutendice de execuccedilatildeo geral do orccedilamento do MMA no ano ficou em apenas 54 o

que eacute muito pouco e rebate de forma contundente o argumento da reserva do

possiacutevel (DUTRA OLIVEIRA PRADO 2006)

Cabe lembrar que a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente

relaciona-se de forma muito proacutexima ao princiacutepio da maacutexima efetividade da

Constituiccedilatildeo Ressalte-se ainda o princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo

segundo o qual natildeo se deve compreender a Constituiccedilatildeo agrave luz da legislaccedilatildeo

infraconstitucional mas sim as leis agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal Postas essas duas

premissas reforccedila-se a aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos constitucionais e legais

com a possibilidade de o Poder Judiciaacuterio concretizar os preceitos que utilizam

conceitos indeterminados sem aguardar por sua definiccedilatildeo legislativa ou

regulamentar

Vale lembrar ainda que conforme o art 5ordm sect1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 a norma constitucional que prevecirc o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado tem aplicabilidade imediata Natildeo se trata de mera

possibilidade de governo ou exortaccedilatildeo ao Poder Puacuteblico fato que nada contribui

para a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Trata-se de um direito

justiciaacutevel como tem se mostrado em accedilotildees ordinaacuterias e accedilotildees civis puacuteblicas pelo

paiacutes (BRAZ 2006)

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O assunto todavia natildeo eacute paciacutefico e estaacute em construccedilatildeo Vejamos ementa de decisatildeo do STJ (grifou-se)6

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL IMPORTACcedilAtildeO DE PNEUS USADOS PROVA PERICIAL INDEFERIMENTO AUSEcircNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA INUTILIDADE NO CONTROLE DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS ESTUDO PREacuteVIO DE IMPACTO AMBIENTAL ESTRATEacuteGICO 1 Cuidam os autos de Accedilatildeo Ordinaacuteria movida pelo recorrente contra a Uniatildeo e o Ibama com o fito de obter licenccedila de importaccedilatildeo de pneus usados reputando invaacutelidas as normas ambientais que vedam tal operaccedilatildeo O Tribunal de origem manteve o indeferimento do pedido de realizaccedilatildeo de prova pericial por consideraacute-la desnecessaacuteria[] 5 Como regra natildeo passa de despropoacutesito querer submeter Poliacuteticas Puacuteblicas mais ainda as legisladas agrave periacutecia judicial excluiacuteda a possibilidade de exigecircncia de Estudo Preacutevio de Impacto Ambiental Estrateacutegico quando a sua implementaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo demandarem a realizaccedilatildeo futura de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradaccedilatildeo do meio ambiente exatamente o oposto da hipoacutetese dos autos

Um caso emblemaacutetico sobre o tratamento que o estado brasileiro vem dando agraves poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute o da BR-319 Nessa situaccedilatildeo percebe-se a preocupaccedilatildeo ambiental como secundaacuteria ou ateacute inexistente tendo em vista a Portaria Interministerial 2732004 firmada entre Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes e a qual estabelecia como desnecessaacuterio o licenciamento ambiental para obras daquela rodovia7

No resumo da SECEX-AM (2006 p 31 grifou-se) sobre a continuidade de obras naquela rodovia ante a Portaria 2732004

Na verdade o Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes em 3 de novembro de 2004 expediram a Portaria Interministerial 2732004

6 Data da Decisatildeo 15122009 Data da Publicaccedilatildeo 04052011 Processo RESP 200901441254 RESP -RECURSO ESPECIAL ndash 1129785 Relator(a) ELIANA CALMON Oacutergatildeo julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA04052011

7 Art 6ordm da Portaria Interministerial 2732004 de 3 de novembro de 2004 ldquoAs obras de ampliaccedilatildeo da capacidade de rodovias pavimentadas jaacute iniciadas especificadas no art 2o inciso IV da presente Portaria que natildeo possuem licenciamento ambiental somente poderatildeo ter continuidade apoacutes a celebraccedilatildeo de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com forccedila de tiacutetulo executivo extrajudicial nos termos do art 5o sect 6o da Lei no 7347 de 24 de julho de 1985 entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA nas condiccedilotildees e prazos estipulados nesse ajusterdquo Disponiacutevel em lthttpwwwiapprgovbrarquivosFileLegislacao_ambientalLegislacao_federal PORTARIASPORTARIA_INTERMINISTERIAL_MMA_DNIT_273_2004_OBRAS_RESTAURACAO_RODOVIAS_DNIT_020609pdfgt Acesso em 19 jun 2013

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

criando o Programa Nacional de Regularizaccedilatildeo Ambiental de Rodovias Federais com o objetivo de adequar a malha rodoviaacuteria federal pavimentada existente agraves normas ambientais Assim nas rodovias pavimentadas autorizaram-se as atividades de manutenccedilatildeo conservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo Estabeleceu-se que o MT apresentaria ao MMA um levantamento da situaccedilatildeo ambiental das rodovias pavimentadas visando definir um cronograma para sua respectiva regularizaccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo de TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) entre o DNIT e o IBAMA Ou seja para as rodovias pavimentadas onde se tratasse de conservaccedilatildeo restauraccedilatildeo ou manutenccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo do TAC estaria dispensado o licenciamento ambiental O fato eacute que a obra [manutenccedilatildeo da BR-319] natildeo dispotildee de licenccedila ambiental vaacutelida ou mesmo o TAC O TAC apresentado natildeo foi assinado pelo IBAMA e neste caso natildeo existe documento que resguarde o empreendimento de regularizaccedilatildeo ambiental

Registremos nesse passo Accedilatildeo Cautelar Preparatoacuteria de Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200004906-78 em 1272005 com pedido de liminar ajuizada pelo que o Ministeacuterio Puacuteblico Federal do Amazonas (MPF) objetivando em resumo impedir o iniacutecio das obras de recuperaccedilatildeo da BR-319 ateacute que se atendessem aos requisitos exigidos pela legislaccedilatildeo ambiental brasileira especialmente o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatoacuterio de Impacto Ambiental (EIARIMA) O juiacutezo da 1ordf Vara da Justiccedila Federal no Amazonas deferiu em 28072005 a liminar A decisatildeo foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (BRAZ 2006 p 140)

Em 28092005 o MPF ajuizou a Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200005731-49 contra o DNIT e as construtoras responsaacuteveis pela restauraccedilatildeo da rodovia BR-319 tendo como objetivo final a nulidade da licitaccedilatildeo da obra pela ausecircncia estudos preacutevios de impacto ambiental Como fundamento do pedido a inconstitucionalidade da Portaria Interministerial 2732004 que dispensaria o EIARIMA A Justiccedila Federal do Amazonas deferiu a liminar mas a decisatildeo foi posteriormente suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (TRF1)10 Dentre outros argumentos esta

8 Processo 20053200004906-7 Nova Numeraccedilatildeo 0004894-8120054013200 Classe 183 - CAUTELAR INOMINADA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 12072005

9 Processo 20053200005731-4 Nova Numeraccedilatildeo 0005716-7020054013200 Classe 65 - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 29082005 Distribuiccedilatildeo 11 - REDISTRIBUICAO POR DEPENDENCIA (21052010)

10 Suspensatildeo de seguranccedila 20050100066991-0AM Nova Numeraccedilatildeo 0000479-5220054010000 Autuado em 26102005 Oacutergatildeo Julgador CORTE ESPECIAL Juiz Relator DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE Processo Originaacuterio 20053200005731-4AM (accedilatildeo civil puacuteblica)

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Corte alegou que o impacto ambiental jaacute fora suportado quando da abertura da estrada na deacutecada de 70 argumento esse que natildeo se coaduna com a proteccedilatildeo ambiental efetiva e com o fator de induccedilatildeo ao desmatamento que o asfaltamento vai trazer11

Jaacute num caso de exploraccedilatildeo de recursos energeacuteticos em aacuterea indiacutegena12 percebe-se inclinaccedilatildeo do TRF1 a uma tutela judicial mais efetiva do direito fundamental ao meio ambiente referindo-se a corte ainda a um ldquomiacutenimo existencial-ecoloacutegico indiacutegenardquo Nesse caso da Apelaccedilatildeo Ciacutevel ndash 200639030007118 manifestou-se o TRF pela procedecircncia da accedilatildeo para impedir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA de praticar qualquer ato administrativo e tornar insubsistentes aqueles jaacute praticados referentes ao licenciamento ambiental da Usina Hidreleacutetrica de Belo Monte no Estado do Paraacute Ordenou ainda agraves empresas executoras do empreendimento hidreleacutetrico Belo Monte em referecircncia a imediata paralisaccedilatildeo das atividades de sua implementaccedilatildeo sob pena de multa coercitiva no montante de R$50000000 (quinhentos mil reais) por dia de atraso no cumprimento da ordem

Temos como parte da ementa do acoacuterdatildeo

Nesse contexto de desafios das metas de desenvolvimento para todos os seres vivos neste novo milecircnio na perspectiva da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas - Rio+20 a tutela jurisdicional-inibitoacuteria do risco ambiental que deve ser praticada pelo Poder Judiciaacuterio Republicano como instrumento de eficaacutecia dos princiacutepios da precauccedilatildeo da prevenccedilatildeo e da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico como no caso em exame no controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas do meio ambiente a garantir inclusive o miacutenimo existencial-ecoloacutegico dos povos indiacutegenas atingidos diretamente e indiretamente em seu patrimocircnio de natureza material e imaterial (CF art 216 caput incisos I e II) pelo Programa de Aceleraccedilatildeo Econocircmica do Poder Executivo Federal haacute de resultar assim dos comandos normativos dos arts 3ordm incisos I a IV e 5ordm caput e incisos XXXV e LXXVIII e respectivo

11 Nas palavras do relator para a suspensatildeo de seguranccedila que possibilitou a continuidade das obras ldquoResta saber se existe ou natildeo a possibilidade de dano irreparaacutevel ao meio ambiente A Rodovia BR-319 liga Manaus a Porto Velho e teve a construccedilatildeo concluiacuteda em 1977 com 8774 quilocircmetros de extensatildeo Portanto lesatildeo jaacute houve ao meio ambiente e consolidou-se com a construccedilatildeo da rodovia tendo em vista o impacto causado agrave flora e agrave fauna da regiatildeo para a abertura da estrada (MINISTEacuteRIO DOS TRANSPORTES 2006 p 109)rdquo

12 EDAC 200639030007118 EDAC - EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO NA APELACcedilAtildeO CIVEL ndash 200639030007118 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE Sigla do oacutergatildeo TRF1 Oacutergatildeo julgador QUINTA TURMA Fonte e-DJF1 DATA27082012 PAGINA316 Data da Decisatildeo 13082012 Data da Publicaccedilatildeo 27082012

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

paraacutegrafo 2ordm cc os arts 170 incisos I a IX e 225 caput e 231 sect 3ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil em decorrecircncia dos tratados e convenccedilotildees internacionais neste sentido visando garantir a inviolabilidade do direito fundamental agrave sadia qualidade de vida bem assim a defesa e preservaccedilatildeo do meio ambiente ecologicamente equilibrado em busca do desenvolvimento sustentaacutevel para as presentes e futuras geraccedilotildees

Percebe-se assim que a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute um fato e a tendecircncia eacute que nossos Tribunais mais e mais sejam instados a se manifestar sobre accedilotildees com esse teor Todavia as decisotildees tomadas nesse sentido tendem a ser tiacutemidas e muitas vezes se proferidas em primeira instacircncia satildeo reformadas pelos Tribunais mais conservadores em geral quanto ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Aponta Matias (2013 p 89) existir em construccedilatildeo um sistema judicial efetivo de privileacutegio do direito ao meio ambiente sadio e sua proteccedilatildeo A marcha nesse sentido parece irreversiacutevel

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diz-se que nosso Direito Constitucional passou por uma revoluccedilatildeo copernicana nas uacuteltimas deacutecadas com o primado da Carta Magna cobre as outras leis De fato vivemos sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo que eacute o aacutepice do ordenamento juriacutedico e agrave qual devem obediecircncia todos os atos normativos e materiais do Estado Esse eacute ponto paciacutefico

O desafio para as proacuteximas deacutecadas agora parece ser a efetivaccedilatildeo dessa Constituiccedilatildeo engajada que clama pela transformaccedilatildeo social Em tese percebe-se a Constituiccedilatildeo como dirigente anui-se com sua forccedila normativa com a necessidade da jurisdiccedilatildeo constitucional com a necessidade de as poliacuteticas estatais efetivarem direitos e estarem conforme as finalidades erigidas no art 3ordm Entretanto quando se fala na praacutetica em controle de atos estatais desconformes com essa Constituiccedilatildeo existe um recuo

Especificamente quanto ao objeto deste estudo percebe-se que na teoria tem-se todo o embasamento legal teacutecnico e filosoacutefico para que a Lei Maior seja efetivada e concretizado o direito fundamental ao meio ambiente sadio se natildeo por

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leis ou por atos administrativos pela matildeo do Judiciaacuterio Mas isso natildeo acontece ou pelo menos com a frequecircncia necessaacuteria ou com a abrangecircncia determinada por nossa Lei Maior Surgem barreiras poliacuteticas econocircmicas socioloacutegicas Separam-se validade e eficaacutecia das normas constitucionais

E aiacute se desenham alguns oacutebices como a alegada separaccedilatildeo de poderes a discricionariedade da Administraccedilatildeo a reserva do possiacutevel os quais como demonstrado natildeo se mostram suficientes a obstaculizar o controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Mais importante que a separaccedilatildeo de poderes que a discricionariedade da Administraccedilatildeo eacute a efetividade da Constituiccedilatildeo A reserva do possiacutevel mostra-se um obstaacuteculo relativizaacutevel Para fazer frente ao mastodonte Legislativo e ao leviatanesco Executivo emerge o Judiciaacuterio a quem incumbe no Estado Democraacutetico de Direito a derradeira defesa da Constituiccedilatildeo O terceiro poder todavia ainda se mostra vacilante no contexto da jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental com posturas permeadas por avanccedilos e retrocessos Espera-se que essa resistecircncia na aceitaccedilatildeo de novos padrotildees de jurisdiccedilatildeo ambiental cedam com o tempo Em nome da Constituiccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BACHOF Otto Estado de Direito e Poder Poliacutetico Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra vol LVI Coimbra Coimbra Editora 1996 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do Direito O triunfo tardio do direito constitucional no brasil THEMIS Revista da ESMEC Escola Superior da Magistratura do Estado do Cearaacute Fortaleza v 4 n 2 p 18-19 juldez 2006 Disponiacutevel em lthttpwww2tjcejusbr8080esmecwp-contentuploads 200810 themis_v4_n_2pdfgt acesso em 19062013 BECK Ulrich Sociedade de risco rumo a uma outra modernidade Satildeo Paulo Ed 34 2010 BONAVIDES Paulo Do estado liberal ao estado social 9 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 26 ed atual Satildeo Paulo Malheiros 2011 BRAZ Sebastiatildeo Ricardo Braga Exigibilidade e poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea ambiental no estado do Amazonas Dissertaccedilatildeo de mestrado Orientador Profordf Drordf Clarice Seixas Duarte Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas Manaus AM 2006 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 372

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

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Marianna de Queiroz Gomes

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

constitucional e internacional Cadernos de direito constitucional e ciecircncias poliacuteticas Ano 2007 vol 15 n 60 mecircs JULSET p 35-64 TRINDADE Andreacute Karam Constituiccedilatildeo Dirigente e Vinculaccedilatildeo do Administrador Breves Consideraccedilotildees Acerca do Papel dos Tribunais na Concretizaccedilatildeo dos Direitos Fundamentais Sociais EOS Revista Juriacutedica da Faculdade de Direito Curitiba n 4 p 26-63 2008 Jul-dez Disponiacutevel em lthttpwwwdomboscocombrfaculdade revista_direito4edicaophpgt Acesso em 19 jun 2013 UNFPA - FUNDO DE POPULACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS Relatoacuterio sobre a situaccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwunfpa orgbrnovoindexphpoption=com_contentampview=articleampid=795gt Acesso em 26 ago 2012

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 375

Daniela Richter e Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E

ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS

INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA1

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW

INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION

Daniela Richter 2

Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso3

Resumo

O presente trabalho analisa no contexto do constitucionalismo se o direito difuso das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sustentaacutevel eacute concretizado no direito paacutetrio e no direito equatoriano Objetiva descrever sobre o constitucionalismo contemporacircneo e seus ciclos na Ameacuterica Latina e nesse contexto resgata aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um meio ambiente saudaacutevel abordando a doutrina da proteccedilatildeo integral e sua positivaccedilatildeo no Brasil para ao final buscar um diaacutelogo entre o ordenamento brasileiro e equatoriano no que tange a concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral quanto ao direito ao meio ambiente sustentaacutevel Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma constitucional brasileiro para se chegar no tratamento conferido agraves crianccedilas e adolescentes na Constituiccedilatildeo Equatoriana bem como o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

1 Artigo submetido em 02062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 26092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Professora de Direito Civil Constitucional e de Direito da Crianccedila e do Adolescente do Centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria- FAMES Especialista em Direito Constitucional Mestre em Direito Doutoranda pela Universidade Federal de Santa CatarinaUFSC integrante do grupo de Pesquisa Teoria Juriacutedica no Novo Milecircnio do Curso de Direito da UNIFRA e do Nuacutecleo de Estudos Juriacutedicos e Sociais de Crianccedila e Adolescente ndash NEJUSCA ndash da UFSCEndereccedilo eletrocircnico danielarichteribestcombr

3 Advogada Professora de Direito Civil e Direito Processual Civil do centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria-FAMES Mestre em Direito pela Universidade Federal de santa Maria-UFSM Endereccedilo eletrocircnico joseanemarianiyahoocombr

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 376-400 376

O direito ao meio ambiente sadio

Palavras-chave Neoconstitucionalismo proteccedilatildeo integral direitos difusos

e coletivos direito agrave sustentabilidade crianccedila e adolescente

Abstract This paper examines the context of constitutionalism the diffuse right of

children and adolescents to sustainable environments is embodied in parental rights and Ecuadorian law The paper aims to describe the contemporary constitutionalism and its cycles in Latin America and in this context rescue conceptual aspects of the right of children and adolescents living together in a healthy environment addressing the doctrine of integral protection and its positiveness in Brazil for at the end seek a dialogue between the Brazilian and Ecuadorian planning regarding the achievement of full protection to the right to a sustainable environment Thus to carry out the work it will use the method of deductive approach starting from the Brazilian constitutional paradigm to entake the treatment given to children and adolescents in the Ecuadorian Constitution as well as the method of comparative procedure selecting if the articles of the two constitutions in order to respond to analyze which one responds more adequately to the full protection of children and adolescents

Keywords Neoconstitutionalism full protection diffuse and collective rights the right to sustainability children and adolescents

INTRODUCcedilAtildeO

Hodiernamente tema de grande destaque eacute o debate das questotildees ambientais e de sua consequente sustentabilidade jaacute que na atual conjuntura econocircmica em meio ao mundo globalizado isto se apresenta como um desafio a ser enfrentado por todos Desta maneira torna-se salutar a necessidade de implementaccedilatildeo de uma cultura preventiva e preservacionista para garantir o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado as presentes e futuras geraccedilotildees como reza a Carta Maior no verdadeiro desdobramento do direito agrave paz

Pensando nisso o estudo ora apresentado analisa dentro do contexto de um neoconstitucionalismo se o direito difuso de crianccedilas e adolescentes a tal meio ambiente eacute possiacutevel de concretizaccedilatildeo no direito brasileiro e no direito equatoriano a tal ponto de se comparar os dois institutos buscando igualmente averiguar qual deles concretiza de maneira integralizada a proteccedilatildeo integral estendida a crianccedilas e adolescentes

Para tanto num primeiro momento objetiva-se delinear os aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um ambiente

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saudaacutevel e a consequente caracterizaccedilatildeo como novos direitos de terceira dimensatildeo enquadrado na categoria juriacutedica de direitos difusos ou coletivos para depois abordar-se a questatildeo da doutrina da proteccedilatildeo integral e a positivaccedilatildeo juriacutedica do direito brasileiro

Ao final pretende-se realizar um possiacutevel diaacutelogo entre os dois ordenamentos juriacutedicos citados acima ndash Brasil e Equador - comentados no objetivo da exposiccedilatildeo do paradigma do desenvolvimento humano e sustentaacutevel de crianccedilas e adolescentes

Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma normativo inaugurado pelos artigos 225 e 227 da Carta Constitucional Brasileira que segundo o primeiro elege o direito humano como direito fundamental das presentes e futuras geraccedilotildees enquanto que o uacuteltimo consagra a doutrina da proteccedilatildeo integral como princiacutepio que deve nortear o tratamento conferido a Crianccedilas e adolescentes bem como dos artigos 14 26 30 32 e 71 da Constituiccedilatildeo Equatoriana a fim de entender e desenvolver o direito de sumak kawsay ou seja do direito agrave vida em sua plenitude Para dar conta da segunda parte do artigo empregar-se-aacute o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

Eacute o que se passa a mencionar

1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES

Pode-se dizer que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 foi o grande marco para instauraccedilatildeo do novo modelo constitucionalista no Brasil ou seja do constitucionalismo contemporacircneo Tal fato se deve ao caraacuteter axioloacutegico desta Constituiccedilatildeo Nas palavras de Barroso (2007 p 10) a referida Constituiccedilatildeo foi o ponto culminante de processo de restauraccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito e superaccedilatildeo de uma perspectiva autoritaacuteria onisciente e natildeo pluralista de exerciacutecio de poder timbrada na intoleracircncia e na violecircncia Lembre-se aqui a frase dita por

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Konrad Hesse ldquoa essecircncia constitucional encontra suporte na sua vigecircnciardquo (HESSE 1991 p 26)

A este passo a ideia de Estado Democraacutetico de Direito elencada no art 1ordm da Carta Magna Brasileira traz conceitos que satildeo proacuteximos mas natildeo devem ser confundidos que satildeo constitucionalismo e a democracia Constitucionalismo em essecircncia significa limitaccedilatildeo do poder e supremacia da lei jaacute democracia traduz-se em soberania popular e governo da maioria

Rememore-se portanto que o constitucionalismo contemporacircneo surge como um instrumento de concretizaccedilatildeo dos valores normas e direitos fundamentais trazidos pela Carta Magna de 1988 Deste modo haacute elevaccedilatildeo do indiviacuteduo para com o encontro de questotildees ligadas a solidariedade e responsabilidade para com o Estado para a realizaccedilatildeo destes preceitos constitucionais Novamente pode-se citar Hesse (1991 p26) que afirma que a Constituiccedilatildeo eacute capaz de transformar a sociedade mas ao mesmo tempo tem que ser lida a partir dessa sociedade ou seja de sua realidade Aiacute se constata sua forccedila normativa

Portanto nesse limiar da evoluccedilatildeo do constitucionalismo contemporacircneo tem-se o neoconstitucionalismo que de uma forma bem sucinta vai se preocupar com a eficaacutecia das normas constitucionais Assim Dimoulis e Duarte (2008 p 435) tentam encontrar um conceito para que o neoconstitucionalismo possa ser definido

infelizmente natildeo existe ainda uma precisatildeo conceitual para a terminologia neoconstitucionalismo Esse neologismo nasceu pela necessidade de exprimir algumas qualificaccedilotildees que natildeo poderiam ser devidamente explicadas pelas conceituaccedilotildees vigentes no constitucionalismo avanccedilado ou paradigma argumentativo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

A princiacutepio pode-se destacar o sentido do prefixo ldquoneordquo que presume considerar algo que eacute novo ou que ainda natildeo foi desvendado que estaacute em desenvolvimento determinando certo avanccedilo em relaccedilatildeo ao estado anterior Tal eacute a premissa do neoconstitucionalismo ou seja visualizar o constitucionalismo contemporacircneo ou como prefere expor Tavares (2007 p4) trata-se de um ldquoconstitucionalismo do por virrdquo

Em suma nas palavras de Barroso

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o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional na acepccedilatildeo aqui desenvolvida identifica um conjunto amplo de transformaccedilotildees ocorridas no Estado e no direito constitucional em meio agraves quais podem ser assinalados como marco histoacuterico a formaccedilatildeo do Estado constitucional de direito cuja consolidaccedilatildeo se deu ao longo das deacutecadas finais do seacuteculo XX como marco filosoacutefico o poacutes-positivismo com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximaccedilatildeo entre Direito e eacutetica e como marco teoacuterico o conjunto de mudanccedilas que incluem a forccedila normativa da Constituiccedilatildeo a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional Desse conjunto de fenocircmenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito (BARROSO 2009 p 40)

Assim conforme a doutrina pode-se dizer que o neoconstitucionalismo foi propulsionado por diversos aspectos como a falecircncia do padratildeo normativo que foi desenvolvido no seacuteculo XVIII baseado na supremacia do parlamento na influecircncia da globalizaccedilatildeo na poacutes-modernidade na superaccedilatildeo do positivismo claacutessico na centralidade dos direitos fundamentais na diferenciaccedilatildeo qualitativa entre princiacutepios e regras e na revalorizaccedilatildeo do Direito

Para Suzana Pozzolo (1998 p 234) o neoconstitucionalismo apresenta peculiares caracteriacutesticas como a adoccedilatildeo de uma noccedilatildeo especiacutefica de Constituiccedilatildeo juntamente com teacutecnicas interpretativas denominadas ponderaccedilatildeo ou balanceamento e tambeacutem com a consignaccedilatildeo de tarefas de integraccedilatildeo agrave jurisprudecircncia e de tarefas pragmaacuteticas agrave teoria do Direito

Ademais enfatizam Dimoulis e Duarte (2008) que o modelo normativo do neoconstitucionalismo natildeo eacute o descritivo ou o prescritivo mas sim o axioloacutegico No constitucionalismo claacutessico a diferenccedila entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau no neoconstitucionalismo a diferenccedila tambeacutem eacute axioloacutegica A Constituiccedilatildeo eacute considerada como ldquovalor em sirdquo

Nessa senda quanto agrave expansatildeo do neoconstitucionalismo pode ser aferir que ldquoo neoconstitucionalismo natildeo postula o surgimento de um judicial power os marcos normativos devem ser obedecidos pelos poderes estataisrdquo Ocorre que em paiacuteses como o Brasil ldquoo ativismo judicial pode ser admitido quando houver a premecircncia da realizaccedilatildeo de direitos fundamentais assegurando a densidade suficiente estabelecida de forma conjunta pela seara poliacutetica e pela seara juriacutedicardquo enquanto que ldquoo caraacuteter ideoloacutegico do constitucionalismo claacutessico era apenas o de limitar o poder dentro do delineamento estabelecido pela separaccedilatildeo de poderes

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enquanto que o caraacuteter ideoloacutegico do neoconstitucionalismo eacute o de concretizar os direitos fundamentaisrdquo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

Ressalte-se que Moreira faz uma distinccedilatildeo entre dois momentos do neoconstitucionalismo o teoacuterico embasado pela teoria de Direito e o neoconstitucionalismo total Em suas palavras

o neoconstitucionalismo teoacuterico estabelece que o Direito Constitucional eacute o centro do ordenamento e da teoria do Direito em que os outros campos juriacutedicos satildeo todos constitucionalizados Parte da conexatildeo entre direito e moral embora tal medida natildeo seja um consenso entre seus adeptos Trabalha seu principal elementos os princiacutepios constitucionais estabelecidos e a serem preenchidos pela interpretaccedilatildeo juriacutedica que integra o Direito e o Estado eacute visto como Estado ponderador Enfoca uma teoria dos princiacutepios positivados essencial para o desenvolvimento do modelo os quais atuam diretamente em todo o sistema principalmente pela leitura da constitucionalizaccedilatildeo do Direito (MOREIRA 2008 p 52)

Por outro lado o mesmo autor diz que ldquoo neoconstitucionalismo total faz a uniatildeo entre o direito constitucional e a filosofia do direto em que os dois estudos ocupam o ponto maacuteximo regendo conjuntamente o ordenamentordquo Aliaacutes ele ldquoaceita as premissas conquistadas no neoconstitucionalismo teoacuterico como ponto de partida Diz-se antipositivista e quer chegar ainda a ser tambeacutem vetor da filosofia do direito aplicada e da filosofia poliacutetica do Estado um completo e novo paradigmardquo Ainda para ele o referido modelo ldquofaz a conexatildeo necessaacuteria entre o direito e a moral por via dos princiacutepios e insere a poliacutetica na relaccedilatildeo e todos os seus efeitosrdquo trabalhando ldquoo Direito em um sistema de regras e princiacutepios estes agindo pela pretensatildeo de correccedilatildeo e o ponto de vista eacute o do participante interno ativo e moral Ensina o Direito como ele pode ser com aberturasrdquo (MOREIRA 2008 p 52)

Em anaacutelise peculiar Moreira explica ainda que para o neoconstitucionalismo ser alcanccedilado alguns pressupostos oriundos da afirmaccedilatildeo do constitucionalismo devem estar necessariamente presentes Sem eles jamais se poderia falar em Estado Constitucional de Direito Deste modo para ele

satildeo sete as condiccedilotildees para que se possa verificar a constitucionalizaccedilatildeo do Direito As trecircs primeiras satildeo condiccedilotildees que chamamos de pressupostos satildeo de natureza formal a saber uma constituiccedilatildeo riacutegida a presenccedila de uma jurisdiccedilatildeo constitucional e a forccedila vinculante da Constituiccedilatildeo As outras condiccedilotildees satildeo de natureza material a aplicaccedilatildeo direta das normas constitucionais a sobreinterpretaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo conforme a

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Constituiccedilatildeo e a influecircncia da mesma sobre as relaccedilotildees poliacuteticas (MOREIRA 2008 p 73)

Portanto ldquoesse rol pode ser percebido como integrador de elementos comuns ao neoconstitucionalismo que utiliza todos eles Podem ainda ser incluiacutedos outros mas aqueles que realmente satildeo antecedentes e por isso pressupostos na melhor acepccedilatildeo da palavrardquo (MOREIRA 2008 p 73)

Por fim nas palavras de Cambi (2009 p136) pode-se concluir que ldquoo neoconstitucionalismo eacute a teoria que abrange e explica essa linha comum de pensar o direito contemporacircneordquo E neste sentido pode-se ldquoenfrentar o estudo do neoconsitucionalismo como um novo paradigma do Direitordquo jaacute que ele ldquoenxerga o direito como ele pode ser transformador Mais do que a superaccedilatildeo de uma metodologia juriacutedica ndash o que jaacute seria uma grande proposta ndash o neoconstitucionalismo muda a forma de pensar pois pretende superar o debate entre positivistas e jusnaturalistas lanccedilando matildeo de uma nova teoria para o direito tomando como ponto central a Constituiccedilatildeordquo Dito de outro modo passa-se de ldquoum direito em que as normas ditam o que fazer para um direito em que os princiacutepios indicam o que se pode fazerrdquo jaacute que

a diferenccedila entre o pensamento formalista e o pensamento neoconstitucionalista eacute que o segundo consegue alcanccedilar as transformaccedilotildees praacuteticas dentro do sistema juriacutedico neste ponto se afasta por completo de qualquer tese jusnaturalista pois natildeo sai do sistema nem defende valores universais (CAMBI 2009 p 136)

Por fim pode-se dizer entatildeo que as duas constituiccedilotildees objeto deste estudo no afatilde de se adequar as novas conquistas constitucionais acrescentaram valores axioloacutegicos ao seu texto Antes de analisaacute-los especificamente cabe por fim acrescentar os atuais estaacutegios do constitucionalismo latino americano para apoacutes continuar o desdobramento proposto do tema

Assim um primeiro ciclo multicultural vai ser enquadrado de 1982-1988 e vai introduzir o conceito de diversidade cultural do reconhecimento da configuraccedilatildeo multicultural da sociedade e alguns direitos especiacuteficos para os povos indiacutegenas (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

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Alguns paiacuteses como Canadaacute (1982) por exemplo reconhece sua heranccedila multicultural e os ldquodireitos aboriacutegenesrdquo enquanto que a Guatemala (1985) Nicaraacutegua (1987) e Brasil (1988) reconhecem a ldquoconformaccedilatildeo multicultural da naccedilatildeo ou Estado o direito agrave identidade cultural e novos direitos indiacutegenasrdquo (FAJARDO 2006)

Especificamente quanto ao Brasil tecircm-se dois artigos incorporando os direitos indiacutegenas e outros dois tratando de direitos das comunidades quilombolas (neste uacuteltimo ponto com muitas disputas judiciais para seu reconhecimento exemplificativamente a luta dos proprietaacuterios contra os remanescentes de quilombos de Satildeo Miguel e dos Martiminianos- Restinga Seca-RS)

Jaacute o segundo periacuteodo de reformas o constitucionalismo pluricultural estaacute compreendido entre 1989-2005 marcando a internacionalizaccedilatildeo da Convenccedilatildeo 169-OIT que revisa a Convenccedilatildeo 107 e adota um amplo leque de direitos indiacutegenas exemplificativamente o caso da liacutengua da educaccedilatildeo biliacutengue das formas de participaccedilatildeo etc4 (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Pode-se ainda citar um uacuteltimo ciclo o do constitucionalismo plurinacional que vai de 2006-2009 e traz nessa seara as Constituiccedilotildees boliviana e equatoriana no contexto da discussatildeo sobre os direitos dos povos indiacutegenas e pois fundado em dispositivos para ldquorefundaccedilatildeo do Estadordquo reconhecimento de indiacutegenas como naccedilotildeespovos originaacuterios e nacionalidades e portanto como ldquosujeitos poliacuteticos coletivos com direito a definir seu proacuteprio destino governar-se em autonomias e participar nos novos pactos de Estadordquo (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Realizados os apontamentos sobre o atual estaacutegio do direito constitucional brasileiro e dos ciclos do constitucionalismo passa-se a delinear sobre o direito da crianccedila e do adolescente e o direito ambiental serem enquadrados nesse contexto como novos direitos direitos de fraternidade e consequentemente de terceira

4 A jurisdiccedilatildeo indiacutegena eacute reconhecida na Constituiccedilatildeo colombiana de 1991 e depois pelo Peru (1993) Boliacutevia(1994-2003) Equador (1998) e Venezuela(1999) Paraguai (1992) e Meacutexico(1992-2001)por sua vez reconhecem pluralismo juriacutedico e direito indiacutegena Argentina altera em 1994 o texto original da Constituiccedilatildeo de 1853 admitindo a preexistecircncia de direitos indiacutegenas assegurando-lhes direitos especiacuteficos mas deixando ao Congresso a competecircncia para regulaccedilatildeo em mateacuteria indiacutegena Ver Ramiacuterez 2008

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dimensatildeo jaacute que o uacuteltimo ciclo em especial seraacute retomado adiante na questatildeo especiacutefica da incorporaccedilatildeo do suma kawsay ao texto constitucional equatoriano5

2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL

Inicialmente cumpre rememorar que as crianccedilas ao longo da histoacuteria foram tratadas como objetos sem direitos e que com a promulgaccedilatildeo da Convenccedilatildeo da ONU de 1989 introduziu-se a teoria da proteccedilatildeo integral Esta teoria tem a sua culminacircncia e consagraccedilatildeo na referida Convenccedilatildeo que tem entre seus sustentaacuteculos o interesse maior da crianccedila sendo um documento que ldquoexpressa de forma clara sem subterfuacutegios a responsabilidade de todos com o futurordquo (VERONESE 1999 p 101)

No acircmbito interno a proteccedilatildeo integral estaacute estabelecida na Carta Magna em seu art 227 caput onde todos esses direitos especiais da crianccedila e do adolescente6 devem ser garantidos pela famiacutelia pelo Estado e pela sociedade

Esclarece Veronese e Silveira que

satildeo eles que iratildeo proteger e promover o desenvolvimento integral da crianccedila e do adolescente devendo cada qual cumprir seu dever desempenhar os seu papeacuteis objetivando assegurar a efetividade e o respeito aos direitos da crianccedila e do adolescente (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Eacute inevitaacutevel pois tal referecircncia aos entes responsaacuteveis jaacute que tambeacutem eacute reafirmada no art 4ordm do ECA E mais o paraacutegrafo uacutenico deste artigo fala acerca da prioridade absoluta que deve ser ostentada a estes sujeitos No entanto conforme o entendimento da autora acima mencionada trata-se de caraacuteter natildeo exaustivo ldquoe sim

5 Reitera-se aqui que se partiraacute do pressuposto de que as demais dimensotildees de direitos fundamentais jaacute satildeo de conhecimento comum analisando-se especificamente os direitos de terceira dimensatildeo pelos limites permeados a este trabalho

6 Nessa seara conveacutem relembrar que a emenda 652010 estendeu tal proteccedilatildeo tambeacutem ao jovem e que o projeto de Lei 272007 que dispotildee sobre a criaccedilatildeo do Estatuto da Juventude estaacute em tramitaccedilatildeo na Cacircmara dos Deputados e foi apensado ao Projeto 45292004 cuja finalidade primordial eacute estabelecer poliacuteticas puacuteblicas para este novo segmento que vai de 15 a 29 anos

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meramente exemplificativo pois natildeo preveem todas as situaccedilotildees de preferecircnciardquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Para Liberati a Doutrina de Proteccedilatildeo Integral

Eacute baseada nos direitos proacuteprios e especiais das crianccedilas e adolescentes que na condiccedilatildeo peculiar de pessoas em desenvolvimento necessitam de proteccedilatildeo diferenciada especializada e integral Eacute diferenciada porque impotildee uma distinccedilatildeo entre o tratamento que se deve dar agrave maioridade e agrave menoridade Por serem pessoas em desenvolvimento as crianccedilas e os adolescentes satildeo considerados absolutamente incapazes no campo civil (LIBERATI 1991 p 2)

Alerte-se de que natildeo se tem como limitadamente conceituar essa prioridade pois ldquoeacute sua condiccedilatildeo peculiar de desenvolvimento e sua consequente fragilidade fiacutesico-psiacutequicardquo que garantem os direitos a este grupo ldquoseja com relaccedilatildeo ao atendimento de suas necessidades seja no tocante agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Jaacute Fonseca (2011 p 19) expotildee a mesma prioridade sob o aspecto da responsabilidade momento em que diz que ela

vincula a famiacutelia os administradores os governantes em geral os legisladores em suas esferas de competecircncia os magistrados da Infacircncia e da Juventude os membros do Ministeacuterio Puacuteblico os Conselhos Tutelares bem como as demais autoridades e organizaccedilotildees em virtude dos riscos a que constantemente estatildeo submetidas crianccedilas e adolescentes (FONSECA 2011 p19)

Referido autor ainda complementa dizendo que esta prioridade de proteccedilatildeo daacute-se pela necessidade de cuidados especiais que seus destinataacuterios necessitam ldquoisso em decorrecircncia da fragilidade com que se relacionam no meio social e o status de pessoas em desenvolvimentordquo (FONSECA 2011 p 19)

Nesse iacutenterim o Estado confere agraves crianccedilas e adolescentes tratamento especial e diferenciado objetivando sua proteccedilatildeo integral Esse conceito de proteccedilatildeo resulta no reconhecimento e promoccedilatildeo de direitos sem violaacute-los e nem restringi-los podendo ser um meio coercitivo da intervenccedilatildeo estatal Exemplo disso eacute justamente o caso da Accedilatildeo Civil Puacuteblica que por menccedilatildeo especiacutefica do art 201 V

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do ECA tem cabimento para a defesa de direitos difusos e coletivos relativos agrave infacircncia e agrave adolescecircncia

Para explicar esta proteccedilatildeo judicial Ischida diz que se costuma ldquodividir os interesses individuais e interesses metaindividuaisrdquo os primeiros se referem a pessoas determinadas enquanto que os uacuteltimos ldquoatingem um grupo de pessoasrdquo (2010 p 453) Ainda na sua visatildeo

Os interesses individuais podem ser estritamente individuais e tambeacutem os individuais homogecircneos que possuem uma origem comum Jaacute os interesses metaindividuais satildeo divididos em coletivos quando pertencentes a uma categoria determinada de pessoas e os interesses difusos pertencentes a uma categoria indeterminaacutevel de pessoas (ISCHIDA 2010 p 453)

O artigo 208 do ECA trata dos direitos individuais homogecircneos coletivos e difusos da crianccedila e do adolescente a ser defendidos em especial pelo representante do Ministeacuterio Puacuteblico Para fins deste artigo dar-se-aacute ecircnfase aos direitos difusos Segundo Veronese (1997) os direitos difusos possuem origem no direito romano mas foi somente a partir dos anos 60-70 que se comeccedilou a preocupaccedilatildeo cientiacutefica com os mesmos Tal mudanccedila de paradigma estaacute profundamente ligada a complexidade das sociedades hodiernas na qual ldquoas atividades econocircmicas e sociais podem atingir prejudicialmente um grande nuacutemero de pessoas lesando direitos e interesses natildeo soacute do indiviacuteduo considerado como ente isolado mas de grupos classesrdquo (VERONESE 1997 p 69)

Para Fiorillo (2003 p 6-7) o direito difuso apresenta-se ldquocomo um direito transindividual tendo um objeto indivisiacutevel titularidade indeterminada e interligada por circunstacircncias de fatordquo ou seja satildeo aqueles que ldquotranscendem o indiviacuteduo ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigaccedilotildees de cunho individualrdquo Possuem natureza indivisiacutevel pois ldquoao mesmo tempo a todos pertence mas ningueacutem especificamente o possuirdquo e deste modo natildeo possui um titular determinado satildeo pessoas que estatildeo ldquointerligadas por uma situaccedilatildeo faacuteticardquo mas ldquoinexiste uma relaccedilatildeo juriacutedicardquo entre eles

Ressalte-se que essa categoria de direitos tem sido cada vez mais importante e de caraacuteter imprescindiacutevel no contexto das sociedades pluralistas e multiculturais e de difiacutecil caracterizaccedilatildeo haja vista que alguns autores os tratam

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como sinocircnimos No entanto Vigoritti (apud Veronese p 71) menciona que apesar dos direitos coletivos e difusos possuiacuterem o mesmo conteuacutedo de agrupamento de interesses eacute possiacutevel diferenciaacute-los Em suas palavras

[] enquanto o interesse coletivo caracteriza-se por ser organizado e coordenado o difuso constituiacutea-se numa fase de formaccedilatildeo do interesse coletivo portanto sem sistematizaccedilatildeo mas de qualquer forma estava este uacuteltimo inserido no processo de agregaccedilatildeo de interesses (VERONESE p 71)

Portanto verifica-se que os direitos difusos satildeo marcados pela caracteriacutestica da indeterminaccedilatildeo do sujeito e abstratividade ultrapassando a esfera individual Dentre os mais debatidos na sociedade contemporacircnea cita-se o direito ao meio ambiente de extrema importacircncia para fins deste trabalho A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 reconheceu o meio ambiente como sendo um interesse difuso ou seja interesse que pertence a todos os homens independentemente do grupo oacutergatildeo ou associaccedilatildeo a que pertenccedila ldquoProva disso eacute o local de inserccedilatildeo das normas atinentes ao meio ambiente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica ldquoTiacutetulo VIII ndash Da Ordem Social (arts 193 a 232) Ora Se importa agrave ordem social eacute coletivordquo (MORAES 2001 p 15)

Aleacutem de ser um direito difuso acredita-se ferrenhamente que o direito ao meio ambiente se constitui em um Direito Humano e Fundamental de terceira dimensatildeo Trata-se de direito individual e coletivo porque a vivecircncia em um local agradaacutevel ambientalmente sempre estaraacute vinculada ao princiacutepio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana especialmente em relaccedilatildeo ao fato do meio ambiente ecologicamente equilibrado e agrave sadia qualidade de vida estar preconizados no caput do artigo 225 da CF como direitos de todos das presentes e futuras geraccedilotildees o que seraacute explorado adiante Antunes (2012 p 21) reforccedila essa afirmativa dizendo que ldquoo direito ao desfrute de um ambiente sadio eacute uma condiccedilatildeo para o exerciacutecio da dignidade humanardquo

Neste passo nos limites que permeiam este trabalho eacute preciso que se caracterize o dever de respeito e a necessidade de accedilotildees sustentaacuteveis para apoacutes fazer-se a relaccedilatildeo de que a proteccedilatildeo integral pode ser um meio concretizador daqueles objetivos (frise-se caminhar para o desenvolvimento de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e asseguraacute-los agraves presentes e futuras geraccedilotildees) pois o

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proacuteprio art 7ordm do ECA exige o fomento de poliacuteticas sociais puacuteblicas que ldquopermitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condiccedilotildees dignas de existecircnciardquo como um direito comum de toda crianccedila e adolescente e para este objetivo perpassa-se por aquele

Cabe acrescentar com Milareacute (2007 p 61) que a sociedade atual convive com trecircs metas indispensaacuteveis ldquoa conciliaccedilatildeo entre o desenvolvimento integral a preservaccedilatildeo do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vidardquo o que pode ser traduzido nas condiccedilotildees necessaacuterias para um desenvolvimento de um ambiente sustentaacutevel No entanto para o tatildeo sonhado meio eacute preciso abarcar vaacuterios ramos do saber natildeo apenas o direito e sim a economia a cultura a poliacutetica o campo socioloacutegico tecnoloacutegico etc ou seja eacute de difiacutecil conceituaccedilatildeo o que seja o tal ldquodesenvolvimento sustentaacutevelrdquo apesar de sua presenccedila constante na miacutedia

Completa o autor

melhor do que falar em desenvolvimento sustentaacutevel ndash que eacute um processo ndash eacute preferiacutevel insistir na sustentabilidade que eacute um atributo necessaacuterio a ser respeitado no tratamento dos recursos ambientais em especial dos recursos naturais (MILAREacute 2007 p 68)

O paradigma da sustentabilidade estaacute em constante processo de construccedilatildeo e infelizmente a ldquovida sustentaacutevel carece de princiacutepios que a sustentemrdquo (MILAREacute 2007 p 72) Para ele ldquoviver de forma sustentaacutevel implica aceitar a imprescindiacutevel busca de harmonia com as outras pessoas e com a natureza no contexto do direito natural e do direito positivordquo (MILAREacute 2007 p 74)

Diante do permanente desafio sendo o direito ao meio ambiente claramente regrado por diretrizes da Constituiccedilatildeo Federal e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria eacute confiado ao Estado tarefas de controle e fiscalizaccedilatildeo onde se verifica a conformaccedilatildeo de um direito subjetivo puacuteblico em face desse mesmo Estado ou no miacutenimo de um interesse difuso a que crianccedilas e adolescentes tenham pela proteccedilatildeo integral a eles ostentada o direito de convivecircncia em um meio ecologicamente equilibrado e sustentaacutevel

Frise-se conforme Ayala que

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Em uma perspectiva de interdependecircncia que tambeacutem eacute aquela que orienta a compreensatildeo do conteuacutedo do proacuteprio direito fundamental ao meio ambiente e do princiacutepio da livre iniciativa (do modo como este se encontra protegido pela Constituiccedilatildeo brasileira) as liberdades econocircmicas somente tecircm o seu exerciacutecio viabilizado sob o condicionamento de imperativos ecoloacutegicos ao mesmo tempo em que a proteccedilatildeo do meio ambiente somente tem sua justificativa se esta tambeacutem puder ser integrada com um dos pressupostos que viabilizam a existecircncia humana e de todas as demais formas de vida (AYALA 2011 p 8)

Trata-se pois de uma gestatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel a ser protagonizada pelo comprometimento do poder puacuteblico e pela completude do direito de crianccedilas e adolescentes podendo eles proacuteprios participar deste processo salvaguardando os seus proacuteprios direitos O processo de mudanccedila eacute um caminho longo e requer interdisciplinaridade pois no mundo sustentaacutevel nada pode ser praticado em apartado eacute preciso um diaacutelogo permanente entre as pessoas de uma sociedade e aqui quer-se demonstrar a viabilidade do direito da crianccedila e do adolescente em especial da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico juntamente com os principais atores da concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral ser capazes de desenvolver um mundo sustentaacutevel que ratifique a condiccedilatildeo de direitos das presentes geraccedilotildees

Natildeo se pode esquecer que a realidade que se apresenta eacute que a economia ambiental estaacute ldquoassentada na poliacutetica e por intermeacutedio dela se realiza Por isso um caminho a ser apresentado para a reconciliaccedilatildeo da economia com a natureza localiza-se longe da monetarizaccedilatildeo do ambiente e eacute dependente da modificaccedilatildeo vinculada a praacuteticas poliacuteticasrdquo (DERANI p 125-126)

Quanto ao aspecto da proteccedilatildeo integral eacute indubitaacutevel que ela por proteger e promover a corresponsabilidade de famiacutelia Estado e sociedade no que tange aos direitos dos infanto-adolescentes eacute parte integrante da luta pela efetivaccedilatildeo de padrotildees sustentaacuteveis para inclusive poder concretizar os demais direitos7

Tais assertivas reforccedilam a renomada teoria de Bobbio (1992 p 1) que expressa sobre a estrutura juriacutedica dos direitos fundamentais de que se deve

7 Rememore-se o artigo 5ordm e 15 do ECA exemplificativamente ldquoNenhuma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo punido na forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentaisrdquo ldquoArt 15 A crianccedila e o adolescente tecircm direito agrave liberdade ao respeito e agrave dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis humanos e sociais garantidos na Constituiccedilatildeo e nas leisrdquo

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distinguir entre ldquoum direito que se temrdquo do ldquodireito que se gostaria de terrdquo Assim segundo ele ldquono primeiro caso investigo no ordenamento juriacutedico positivo do qual faccedilo parte como titular de direitos e deveres se haacute uma norma vaacutelida que a reconheccedila e qual eacute essa normardquo enquanto que na segunda situaccedilatildeo ele tenta ldquobuscar boas razotildees para defender a legitimidade do direito em questatildeo e para convencer um nuacutemero maior de pessoas [] a reconhececirc-lordquo (BOBBIO 1992 p 15)

Deste modo tal direito necessita de caracteriacutesticas que podem emanar dos direitos civis e poliacuteticos como tambeacutem dos direitos econocircmicos sociais e culturais para chegar agrave sadia qualidade de vida tudo apoacutes a anaacutelise da previsatildeo legal e da tentativa do seu reconhecimento como dito Ressalte-se outrossim que tanto o direito ambiental quanto o direito da crianccedila e do adolescente satildeo direitos de terceira dimensatildeo e satildeo aqueles designados como os ldquode direitos dos povosrdquo de ldquocooperaccedilatildeordquo de ldquofraternidaderdquo e ateacute mesmo de ldquodireitos humanos morais e espirituaisrdquo Ademais eles surgiram ldquocomo resposta agrave dominaccedilatildeo cultural e como reaccedilatildeo ao alarmante grau de exploraccedilatildeo natildeo mais da classe trabalhadora dos paiacuteses industrializados mas das naccedilotildees em desenvolvimento por aquelas desenvolvidasrdquo e dos quadros de extrema injusticcedila do ambiente dessas naccedilotildees (LEITE 2004 p 293)

Diante do contexto salutar as palavras de Ayala

O art 225 caput da CF1988 tambeacutem define um direito fundamental ao meio ambiente como um dos instrumentos que poderia viabilizar esta realidade adicional para o conceito de existecircncia digna comprometida com um projeto de justiccedila que natildeo se restringe ao tempo e que se tem sua definiccedilatildeo sujeita agrave revisatildeo permanente das demandas condicionadas por padrotildees intergeracionais de justiccedila Sob essa configuraccedilatildeo de ordem constitucional esboccedilada na experiecircncia nacional o valor solidariedade e o objetivo dignidade de vida integram-se neste momento como partes de um projeto de sociedade de um modelo de organizaccedilatildeo do poder e sobretudo como um dos fundamentos de uma Repuacuteblica ecologicamente sensiacutevel (AYALA 2011 p 7)

Especificamente entatildeo se estaacute diante de um Direito Fundamental e Humano como afirmado alhures tal qual o direito agrave vida agrave liberdade pois assegurado nas principais declaraccedilotildees ao niacutevel internacional e subscrito pela Carta Magna em momento posterior Resguarda-se aqui atenccedilatildeo especial a Convenccedilatildeo dos Direitos da Crianccedila da ONU de 1989 ndash ponto fulcral da ligaccedilatildeo dos temas da

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presente pesquisa ndash de que em seu artigo 29 item 1 letra ldquoerdquo houve previsatildeo expressa da necessidade de ldquoimbuir na crianccedila o respeito ao meio ambienterdquo e em seu artigo 24 2 ldquocrdquo previu que a crianccedila tem direito de gozar do melhor padratildeo de sauacutede possiacutevel com o dever dos estados-membros de erradicar as doenccedilas e o comprometimento na aplicaccedilatildeo de ldquotecnologia disponiacutevel e o fornecimento de alimentos nutritivos e de aacutegua potaacutevel tendo em vista os perigos e riscos da poluiccedilatildeo ambientalrdquo (ORGANIZACcedilAtildeO 1989) o que sem duacutevida corrobora a necessidade de um padratildeo de vida sustentaacutevel e com o direito que os infantes tecircm de conviver em ambientes livres de tratamentos desumanos seja pela completude da proteccedilatildeo integral estendida a eles seja pelas previsotildees legais acima mencionadas

Portanto quer-se instaurar um clima de fraternidade na sociedade onde todos possam lutar pela concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral e da preservaccedilatildeo ambiental por meio de atitudes sustentaacuteveis pois se acredita no sopesamento dos direitos envolvidos em especial pelo aspecto antropocentrista dos direitos citados Fraternidade pois como conceito juriacutedico como valor maior do que um respeito ao Direito mas como forma de ldquosolidariedade que interpela diretamente o comportamento individual e o responsabiliza pela sorte do(s) irmatildeo(s) (BRITO 2013 p 175)

A fraternidade revela-se como

valor com condiccedilatildeo de possibilidade comum para todas as formas de Sociedade nos diferentes campos de atuaccedilatildeo da atividade humana em uma verdadeira resposta da conjugaccedilatildeo de unidade que anseia a humanidade e que foi sinalizada pela trilogia Liberteacute egaliteacute fraterniteacute (SILVA 2011 p 141)

No plano ideal da existecircncia humana pois eacute necessaacuterio uma reconstruccedilatildeo da fraternidade ldquoque parte da compreensatildeo de que o movimento circular de interdependecircncia muacutetua entre os trecircs princiacutepios se daraacute a partir da vivecircncia no contexto das relaccedilotildees humanasrdquo o que acarreta ldquocompromissos novos e adequados para a resoluccedilatildeo de problemas que envolvem bem-estar dos outros que direta e indiretamente por consequecircncia acabam preservando o proacuteprio bemrdquo (SILVA

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2011 p 141-142) Este eacute um dos desafios do processo de desenvolvimento sustentaacutevel

Enfim retomando o aspecto sob o ponto de vista da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 tem-se que mencionar ainda o sect 1ordm do supracitado artigo que traz a imposiccedilatildeo ao Poder Puacuteblico de accedilotildees com o desiacutegnio de asseverar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Ressalte-se que haacute um vasto campo de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional a respeito Exemplificativamente pode-se citar o Coacutedigo Florestal e a Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 96051998)

Realizados os apontamentos sobre a contextualizaccedilatildeo geral do direito ambiental como direito humano e fundamental no Brasil e demonstrada a aproximaccedilatildeo do direito ambiental com a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes como direitos fundamentais das presentes e futuras geraccedilotildees cumpre fazer o comparativo com o direito de sumak kawsay incorporado na Constituiccedilatildeo do Equador tendo em vista que o desdobramento dos dois temas levaratildeo a meacutedio e longo prazo ao desenvolvimento do direito agrave paz entre as naccedilotildees

3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY

Inicialmente cumpre salientar que se faraacute um conceito do termo sumak

kawsay para somente apoacutes tratar-se do conjunto de direitos estendidos na Constituiccedilatildeo de 2008 do Equador que representa uma nova fase do constitucionalismo hodierno

Assim tem-se que sumak kawsay descreve um antigo modo de viver em harmonia no seio das comunidades indiacutegenas da sua vivecircncia entre as pessoas e em especial desse contato com a natureza Numa traduccedilatildeo literal significa ldquovida boardquo ou ldquoboa vidardquo Mas o seu sentido eacute muito mais profundo do que parece a primeira vista eis que na Ameacuterica do Sul este sentido estaacute embutido nos valores culturais e eacuteticos dos povos principalmente dos indiacutegenas e tem sido considerado como uma forma de viver em harmonia no seio da comunidade e do seu contato com a natureza como dito (PACHAMAMA 2013)

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Ressalte-se que a Constituiccedilatildeo do Equador de 2008 foi a primeira Constituiccedilatildeo a incorporar os direitos de natureza em seu corpo legal o que vai aleacutem do reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado agraves presentes e futuras geraccedilotildees asseguradas pela CRFB88

Neste iacutenterim cita-se o fato de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana inova trazendo direitos em sete categorias De acordo com Baldi apud Santamariacutea (2011)

um cataacutelogo de direitos que rompe tanto com o geracional (civis e poliacuteticos econocircmicos sociais e culturais terceira geraccedilatildeo) quanto o eurocentrado Isto fica mais evidente no caso do Equador (tiacutetulo II arts 10 a 83) que reconhece sete categorias de direitos do ldquobuen vivirrdquo de pessoas e grupos de atenccedilatildeo prioritaacuteria (velhos jovens gestantes pessoas com deficiecircncia privadas de liberdade usuaacuterios e consumidores mobilidade humana enfermidades catastroacuteficas) de comunidades povos e naccedilotildees de participaccedilatildeo de liberdade da natureza de proteccedilatildeo aleacutem de um apartado de responsabilidades Mas pode ser visto no caso boliviano com a introduccedilatildeo de direitos das naccedilotildees indiacutegenas e um cataacutelogo de deveres constitucionais (arts 30 a 32 e 108) (SANTAMARIA 2011)

Portanto este novo ciclo constitucional equatoriano se embasa no protagonismo indiacutegena se sobrepondo inclusive sobre o direitodever dos juiacutezes de paz o que se pode facilmente aferir no artigo 189 da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo citada

Neste contexto Santos (2011 p 15) destaca que Boliacutevia e Equador foram justamente os dois paiacuteses latinoamericanos que passaram por maiores transformaccedilotildees constitucionais

[] protagonizadas por los movimientos indiacutegenas y por otros movimientos y organizaciones sociales y populares No es de extrantildear por tanto que las constituciones de ambos paiacuteses contengan embriones de una trans-formacioacuten paradigmaacutetica del derecho y el Estado modernos hasta el punto de resultar legiacutetimo hablar de un proceso de refundacioacuten poliacutetica social econoacutemica y cultural El reconocimiento de la existencia y legitimidad de la justicia indiacutegena que para remitirnos al periodo posterior a la independencia veniacutea de deacutecadas atraacutes adquiere un nuevo significado poliacutetico (SANTOS 2011 p15)

Portanto natildeo se trata de uma mera intenccedilatildeo poliacutetica mas de uma poliacutetica capaz de terminar com a visatildeo descolonizadora e anticapitalista que seja capaz de romper com o ciacuterculo eurocentrista de ditames de direitos representando uma

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ldquodemostracioacuten viva y realista de las posibilidades creadas por la plurinacionalidadrdquo (SANTOS 2011 p 17)

No que tange especificamente ao tema do presente artigo analisar-se-aacute apenas aqueles dispositivos que contribuam para os direitos de natureza e ao direito da crianccedila e do adolescente

Deste modo o segundo capiacutetulo da Constituiccedilatildeo Equatoriana comenta os ldquoDerechos del buen vivirrdquo dos artigos 12 a 34 englobando direitos elementares agrave aacutegua agrave soberania da alimentaccedilatildeo ao meio ambiente sadio que seja capaz de assegurar de modo equilibrado o ldquobem vivirrdquo e portanto o direito de ldquosuma

kawsayrdquo a sustentabilidade o direito agrave informaccedilatildeo e a comunicaccedilatildeo a cultura e a ciecircncia a educaccedilatildeo ao habitat seguro e saudaacutevel agrave sauacutede agrave seguridade social e o direito ao trabalho

Adiante prevecirc a exemplo do que jaacute assegurou a Constituiccedilatildeo Brasileira (art 227) o mesmo direito agrave proteccedilatildeo integral e ao princiacutepio do melhor interesse agraves crianccedilas e adolescentes em seus artigos 44-46

Especificamente no artigo 71 trata dos direitos de natureza e do reconhecimento do Pacha Mama8 Pode-se citar ademais o fato da soberania energeacutetica natildeo se fazer em detrimento da soberania alimentar e do fomento da economia solidaacuteria e social (art 2811) bem como da proibiccedilatildeo de cultivos e sementes transgecircnicos (art 401)

Assim apresentados os principais artigos passa-se aos devidos comentaacuterios relativos agrave relevacircncia dessas modificaccedilotildees do niacutevel constitucional Equatoriano

Pode-se afirmar que um grande ecircxito das constituiccedilotildees do novo constitucionalismo da Ameacuterica Latina eacute a preocupaccedilatildeo com a questatildeo da

8 Art 71 La naturaleza o Pacha Mama donde se reproduce y realiza la vida tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y El mantenimiento y regeneracioacuten de sus ciclos vitales estructura funciones y procesos evolutivos

Toda persona comunicadad pueblo o nacionalidad podraacute exigir a La autoridad puacuteblica el cumplimiento de los derechos de la naturaleza Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los princiacutepios establecidos en la Constitucioacuten en lo que proceda

El Estado incentivaraacute a las personas naturales y juriacutedicas y a loacutes colectivos para que protejan la naturaleza y promoveraacute el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema

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descolonizaccedilatildeo e da importacircncia dos direitos humanos como dito anteriormente Isso fica claro no caso do Equador quando revela que a educaccedilatildeo eacute uma ldquocondiccedilatildeo indispensaacutevel para o buen vivirrdquo (art 26) e que ela deve ser guiada pelo respeito aos direitos humanos ao meio ambiente e a democracia sendo intercultural includente e diversa impulsionando a igualdade de gecircnero e a paz (art 27) Ao mesmo tempo fica assegurado o direito a aprender em sua proacutepria liacutengua e ambiente cultural (art 29) devendo o Estado promover o diaacutelogo intercultural em suas muacuteltiplas dimensotildees (art 28)

Nas palavras de Prada

Asumir el vivir bien como un objetivo estatal y de gestioacuten gubernamental como se ha hecho en las Constituciones de Bolivia y Ecuador es un acto profundamente descolonizador pues por un lado reconoce que la fuente de vivencia de este concepto nos viene desde la cosmovisioacuten indiacutegena e inspira y recrea otro sentido de convivencia plurinacional para convertirse en el rumbo que orienta nuestra convivencia social econoacutemica poliacutetica y cul-tural (PRADA 2011 p 231)

Destaque-se a visatildeo inversa desse povo Enquanto todos tendiam a separar os direitos da natureza eles se preocuparam em mantecirc-los unidos e a desenvolvecirc-los em conjunto Veja-se nas palavras de Simbantildea

Para ellos alcanzar niveles altos de civilizacioacuten necesariamente tiene que estar ligado a la naturaleza porque no es posible entenderse fuera de ella sociedad y naturaleza son una totalidad Por lo tanto concebirse ldquoparte derdquo no es sinoacutenimo de barbarie al contrario Este es el caso de los pueblos originarios de Ameacuterica para estos pueblos Abya Ayala no era un continente rico en recursos naturales sino una ldquotierra de abundante vidardquo la naturaleza no era un recurso sino la Pachamama la ldquomadrerdquo de todo lo existente (SIMBANtildeA 2011 p 221)

Assim o direito de sumak kawsay eacute um grande exemplo de direito construiacutedo historicamente pelos povos indiacutegenas que representa esta ligaccedilatildeo revelada acima ou seja um direito pautado na harmonia e no equiliacutebrio com a natureza pois a vida humana natildeo pode ser concebida sem uma adequaccedilatildeo ao pacha mama ldquoPor lo tanto garantizar el buen vivir de la sociedad implica considerar

a la Naturaleza como ldquosujetordquo (SIMBANAtilde p 222)

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Frise-se que ldquoel sumak kawsay como sistema del brazo de los derechos de

la Naturaleza exige una reorganizacioacuten y nuevos enfoques en el modelo poliacutetico-

econoacutemico lo que transformariacutea a su vez no solo a la sociedad sino y sobre todo al Estadordquo (SIMBANAtilde p 223)

Portanto o ideal de bem viver eacute uma nova perspectiva para encarar o futuro ou seja uma nova forma de pensar em desenvolvimento econocircmico poliacutetico e social revelando-se como uma verdadeira criacutetica aos ideais capitalistas ou seja um direito integral Optar por uma ideologia de bem viver eacute optar por resguardar direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees ponto esse que se aproxima com a Constituiccedilatildeo Brasileira mas estaacute de forma bem mais tiacutemida por assegurar apenas que o ldquodireito ao meio ambiente sadio e equilibrado deve ser resguardado agraves presentes e futuras geraccedilotildeesrdquo Andou bem a Constituiccedilatildeo equatoriana ao ampliar o reconhecimento e o significado do bem viver e da matildee natureza e da resignificaccedilatildeo do caraacuteter intercultural e interdisciplinar do Estado que precisa pautar-se num conceito de economia plural e anticapitalista

Assim para Prada

Decir que el vivir bien es un modelo civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la modernidad es mostrar plenamente el caraacutecter de un proyecto que contiene la irradiacioacuten de voluntades colectivas de perspectivas poliacuteticas que apunta a las transformaciones institucionales econoacutemicas poliacuteticas culturales (PRADA 2011 p 253-254)

Portanto resta o dever de transformar tais desejos em realidade para que o novo projeto poliacutetico do Equador natildeo passe de uma mera ilusatildeo de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana enquanto Carta Poliacutetica seja capaz de conceber uma poliacutetica de Estado compatiacutevel com este momento de transiccedilatildeo pluralista sendo capaz de efetivar as condiccedilotildees interculturais e reconstrutivas desse novo pluralismo

Desta maneira a vista do exposto e cientes dessa importacircncia ocupar-se-aacute a partir de agora sobre a relaccedilatildeo dos direitos de bem viver com o direito da crianccedila e do adolescente como meio de desenvolvimento desta sustentabilidade agraves presentes e futuras geraccedilotildees ou seja acredita-se que o Equador com tais inserccedilotildees na sua Carta poliacutetica pode veementemente por meio de poliacuteticas puacuteblicas fomentar em primeiro plano a melhoria de vida de crianccedilas e adolescentes

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para num segundo momento empreender transformaccedilotildees sociais a partir de sua consciecircncia e de sua atuaccedilatildeo de preocupaccedilotildees com um mundo sustentaacutevel incutindo nelas o objetivo da Convenccedilatildeo dos direitos da Crianccedila da ONU onde se imbuiacutea jaacute em 1989 a necessidade do respeito ao meio ambiente

Eacute pois pela via do desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que se partiraacute para a tentativa de concretizaccedilatildeo da educaccedilatildeo ambiental e de um direito sustentaacutevel Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula natildeo soacute o administrador a produzir poliacuteticas que respeitem o resguardo dos direitos ambientais como ainda o legislador e o julgador que ao atuarem no exerciacutecio de suas funccedilotildees de Poderes de Estado natildeo podem contrariar os preceitos a que estas normas se destinam sob o risco de criarem-se normas inconstitucionais e de interpretaccedilotildees contraacuterias agrave constituiccedilatildeo

Deste modo afirma-se que para o direito humano-fundamental ao meio ambiente equilibrado poder ser realizado seja no Brasil seja no Equador eacute necessaacuterio uma visatildeo humaniacutestica tal qual a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes ou o direito de sumak kawsay pois eles devem estar no centro das preocupaccedilotildees daquele direito Por fim atraveacutes de novas posturas sociais poliacutetica econocircmica filosoacutefica e eacutetica que se poderaacute assegurar a existecircncia da educaccedilatildeo ambiental capaz de preservar os direitos das presentes e futuras geraccedilotildees e em longo prazo ser capaz de desenvolver atitudes que levem ao direito agrave paz

CONCLUSAtildeO

Inicialmente cumpre salientar que muitos pontos poderatildeo ter ficado em aberto mas que apenas se arrazoou aqueles mais importantes para o desdobramento do tema A discussatildeo sobre o direito ambiental natildeo pode fugir da contextualizaccedilatildeo da teoria e praacutetica do constitucionalismo contemporacircneo jaacute que os novos direitos vecircm sofrendo o impacto de aglutinaccedilatildeo dos problemas essenciais e corriqueiros das condiccedilotildees de vida aceleradas pela expansatildeo do capitalismo Tal situaccedilatildeo estimula e determina o esforccedilo de se propor novos instrumentos juriacutedicos novas poliacuteticas puacuteblicas mais flexiacuteveis mais aacutegeis capazes de regular essas novas transformaccedilotildees

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No presente caso demonstrou-se a caracterizaccedilatildeo do modelo constitucional atual enquadrando-o no neoconstitucionalismo Foram demonstradas suas caracteriacutesticas e preocupaccedilotildees bem como os ciclos do constitucionalismo dos quais se retirou dois exemplos de Constituiccedilotildees para anaacutelise qual seja a do Brasil e a do Equador no que tange a promoccedilatildeo e desenvolvimento do direito e promoccedilatildeo de sustentabilidade ambiental

Apoacutes descreveu-se a relaccedilatildeo entre o direito ambiental e a categorizaccedilatildeo do direito de crianccedilas e adolescentes como direitos humanos e fundamentais cotejando a necessidade da preservaccedilatildeo ambiental e da garantia dos direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees como meio necessaacuterio agrave concretizaccedilatildeo dos pilares da teoria da proteccedilatildeo integral

Natildeo haacute como negar que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 traz a noccedilatildeo de uma cidadania solidaacuteria ou seja corresponsaacutevel pela definiccedilatildeo de que o Estado por meio da apresentaccedilatildeo dos serviccedilos e poliacuteticas puacuteblicas sejam necessaacuterios com vistas ao atendimento dos interesses da sociedade em especial construir uma sociedade livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalizaccedilatildeo e reduzir as desigualdades sociais e regionais promover o bem de todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeo (art 3ordm CRFB)

Ao final demonstraram-se os artigos da Constituiccedilatildeo Equatoriana sobre o desenvolvimento do direito de bem viver e portanto do sumak kausay Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula os trecircs poderes a execuccedilatildeo de um direito ambiental e com vistas de sustentabilidade como meio de promoccedilatildeo e reconhecimento da interaccedilatildeo com os direitos de natureza Isto eacute aleacutem da preocupaccedilatildeo ambiental este Estado preocupou-se em fomentar o processo de descolonialismo e do antimovimento capitalista

Portanto diante do exposto os direitos das duas naccedilotildees devem ser compreendidos como elementos de reconhecida imprescindibilidade relacional ou seja como elemento presente (fundante) nas relaccedilotildees seja na relaccedilatildeo com o outro singularmente considerado seja na relaccedilatildeo com o outro em termos institucionais pois por meio da proteccedilatildeo integral e do direito integralizado ao sumak kauwsay eacute

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possiacutevel viabilizar o sonho de muitos uma sociedade fomentada e fomentadora da cultura fraterna da cultura da natildeo violecircncia e num ambiente de bem viver sadio e equilibrado

REFEREcircNCIAS

AYALA Patryck de Arauacutejo Direito ambiental de segunda geraccedilatildeo e o princiacutepio de sustentabilidade na poliacutetica nacional do meio ambiente Revista de Direito Ambiental vol 63 p 103 Jul BARROSO Luiz Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo Satildeo Paulo Saraiva 2009 BARROSO Luiz Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado nordm 9 marabrmaio de 2007 BRITO Rafaela Silva Os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade como vetores na aplicabilidade do direito ambiental In CURY M CERQUEIRA M do R F PIERRE L A A FULAN V (Orgs) Fraternidade como categoria juriacutedica Satildeo Paulo Cidade Nova 2013 p 169-180 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 DERANI Cristiane Direito Ambiental Econocircmico Satildeo Paulo Saraiva 2008 DIMOULIS Dimitri e DUARTE Eacutecio Oto Teoria do direito neoconstitucional Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 FAJARDO Raquel Yrigoyen El pluralismo juriacutedico en la historia constitucional latinoamericana de la sujecioacuten a la descolonizacioacuten Disponiacutevel em lthttpccr6pgrmpfgovbrdestaques-do-siteseminario-pluralismo-juridico-e-muticulturalismo-material-remetido-pelos-expositoresgt Acesso em 03 mar 2013 FAJARDO Raquel Yrigoyen Hitos del reconocimiento del pluralismo juriacutedico y el derecho indiacutegena en las poliacuteticas indigenistas y el constitucionalismo andino Disponiacutevel em ltwwwalertanetorgryf-hitos-2006pdfgt Acesso em 03 mar de 2013 FONSECA Antonio Ceacutesar Lima da Direitos da Crianccedila e do Adolescente Satildeo Paulo Atlas 2011 HESSE Konrad A forccedila normativa da constituiccedilatildeo Porto Alegre Safe 1991 ISHIDA Valter Kenji Estatuto da Crianccedila e do Adolescente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Atlas 2013 LIBERATI Wilson Donizeti O Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentaacuterios Brasiacutelia Instituto Brasileiro de Pedagogia 1991 MILAREacute Edis Direito do Ambiente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 MORAES Luiacutes Carlos Silva de Curso de Direito Ambiental Satildeo Paulo Atlas 2001 p 15 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 376-400 399

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MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 PACHAMAMA Disponiacutevel em lthttpwwwpachamamaorggt Acesso em 5 maio 2013 POZZOLO Susanna Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretacion constitucional Doxa 21-II 1998 RAMIacuteREZ Silvina Derechos de los pueblos indiacutegenasproteccioacuten normativa reconocimiento constitucional y decisiones judiciales In GARGARELLA Roberto Teoriacutea y criacutetica del Derecho Constitucional Tomo II Derechos Buenos Aires Abeledo Perrot 2008 p 912-932 SANTAMARIacuteA Ramiro Aacutevila Los derechos y sus garantias ensayos criacuteticos Quito Corte Constitucional para el periacuteodo de transicioacuten 2011 SANTOS Boaventura de Sousa Cuando los excluidos tienen Derecho justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad In SANTOS B de S JIMENEZ A G (Orgs) Justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad en Ecuador Quito Rosa Luxemburg 2012 TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2007 VERONESE Josiane Rose Petry Interesses difusos e direito da crianccedila e do adolescente Belo Horizonte Del Rey 1997 VERONESE Josiane Rose Petry Os direitos da crianccedila e do adolescente Satildeo Paulo 1999 VERONESE Josiane Rose Petry SILVEIRA Mayra Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentado

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O direito humano e fundamental

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO1

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE

Adriano Justi Martinelli2

Resumo

No presente estudo buscou-se pesquisar mais a fundo o direito humano e fundamental ao desenvolvimento e para tanto partiu-se da diferenciaccedilatildeo terminoloacutegica entre direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos Apoacutes analisou-se o regime juriacutedico dos direitos humanos buscando-se situar o direito ao desenvolvimento dentro deste Ato contiacutenuo passou-se a investigar a forma como o direito ao desenvolvimento eacute tratado dentro da oacuterbita interna do Estado Brasileiro

Palavras-chave Direito desenvolvimento regime juriacutedico

Abstract The present study sought to research more deeply the human and

fundamental right to development and with that objective started with the main diference between righs of man fundamental rights and human rights After that it analyzed the legal regime of human rights seeking to situate the right of development therewithin Immediatly thereafter it moved to investigate how the right of development is treated wihtin the Brasilian State

Keywords Law development legal regime

1 A DIFERENCIACcedilAtildeO ENTRE AS TERMINOLOGIAS DIREITOS DO HOMEM DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS (E AS SUAS RESPECTIVAS CARACTERIacuteSTICAS)

Em breves palavras por direitos do homem se entende os direitos de conotaccedilatildeo jus-naturalista que natildeo satildeo positivados mas cuja existecircncia conhecia-se

1 Artigo submetido em 15102012 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 30092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogado da Companhia Ambiental do Estado de Satildeo Paulo (CETESB) poacutes graduado em Direito e Processo Civil pela Universidade Catoacutelica Don Bosco (UCDB) e poacutes graduado em Direito Constitucional pela UNISULIDP Agradecemos aos Professores Dra Priscila da Mata Cavalcante e Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho pela gentileza e auxiacutelio na elaboraccedilatildeo desta pesquisa E-mail adrianojustigmailcom

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independentemente de uma fonte escrita Dentre eles podemos exemplificar o direito agrave vida e o direito agrave seguranccedila

Com o passar dos anos agrave medida que o ser humano foi evoluindo e se

desenvolvendo houve a necessidade de corporificar tais direitos de modo que sua

observacircncia passasse a ser obrigatoacuteria dentre os demais integrantes de uma dada

sociedade momento em que surgiram os direitos fundamentais precipuamente

como forma de controle agraves arbitrariedades do Estado Os direitos subjetivos

traduzem a ideia de direitos naturais constitucionalizados ou seja estabelecidos em

um documento escrito

Por fim quando essas normas deixam a jurisdiccedilatildeo domeacutestica e ascendem

ao patamar internacional ao ocorrer esse desligamento do plano interno para o

plano internacional elas passam a receber o nome de direitos humanos

Assim tem-se uma conotaccedilatildeo de direitos esculpidos em tratados e

convenccedilotildees internacionais especiacuteficas que podem integrar tanto o sistema global

(este consiste no plano da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas ndash ONU) quanto o

regional (composto pelos sistemas americano europeu e africano3)

Dentro da oacutetica da teoria geral dos direitos humanos a doutrina mais

balizada jaacute se deitou sobre o tema e identificou as seguintes caracteriacutesticas4 das

liberdades puacuteblicas a) historicidade b) universalidade c) essencialidade d)

irrenunciabilidade e) inalterabilidade f) inexauribilidade g) vedaccedilatildeo ao retrocesso

h) imprescritibilidade i) interdependecircncia j) indivisibilidade l) interrelacionalidade

m) inerecircncia e n) transnacionalidade

3 Flaacutevia Piovesan nos informa que jaacute haacute um incipiente sistema aacuterabe bem como tambeacutem jaacute existe a proposta para criaccedilatildeo de um sistema regional asiaacutetico (PIOVESAN 2010 p 65-81)

4 Cite-se as caracteriacutesticas que satildeo mais apresentadas pela doutrina Neste sentido Mazzuoli 2007 p 675 Ademais algumas dessas caracteriacutesticas podem ser encontradas no artigo 5ordm da Declaraccedilatildeo de Viena de 1948 Ressalte-se tambeacutem que as caracteriacutesticas da inerecircncia e da transnacionalidade foram abordadas por Carlos Weiss in WEIS Carlos Os direitos humanos e os interesses transindividuais Disponiacutevel em lthttpwwwpgespgovbrcentrodeestudos bibliotecavirtualcongressoTese3docgt Acesso em 24 ago 2011

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O direito humano e fundamental

2 EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DO DIREITO HUMANO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO E A SUA LOCALIZACcedilAtildeO DENTRO DA TEORIA DAS GERACcedilOtildeES (OU DIMENSOtildeES) DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais

Eacute impossiacutevel falar-se na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais em geraccedilotildees ou dimensotildees sem sequer tocar o nome de seu idealizador Karel Vasak5

Vasak6 pontuou esta teoria em 2 oportunidades em 1977 e em 1979 Na primeira oportunidade o fez por meio do texto7 ldquoHuman rights A thirty-year strunggle the Sustained Efforts to give Force of Law to the Universal Declaration of Human Rightsrdquo No entanto dois anos depois expocircs a tese em aula inaugural perante o Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo (Franccedila) onde Vasak relacionou os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa (liberdade igualdade e fraternidade) aos direitos humanos de modo que os direitos de 1ordm geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) quais sejam os direitos civis e poliacuteticos estariam relacionados com a liberdade os de 2ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) seriam os direitos sociais econocircmicos e culturais estando estes adstritos agrave igualdade e por fim ocupando a 3ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) ter-se-iam os direitos difusos que se vinculariam com a fraternidade

Vale o registro de que Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade (1993 p 223) critica severamente essa tese defendida por Vasak Para Canccedilado Trindade natildeo haacute como fazer essa correlaccedilatildeo entre os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa e o surgimento linear e cronoloacutegico dos direitos fundamentais

Dentre os diversos argumentos utilizados por Canccedilado Trindade (1993) para criticar essa teoria pensada por Karel Vasak o mencionado autor afirma que ldquo()

5 Karel Vasak tambeacutem escreveu um artigo analisando o direito ao desenvolvimento tendo sido o mesmo publicado no ldquoCorreio da Unescordquo (ESPIELL Hector Gross El Derecho al Desarrollo como un Derecho Humano in Revista de Estudios Internacionales n1 janeiro-marccedilo de 1980 p 41-60)

6 Disponiacutevel em lthttpwwwdhnetorgbrdireitosmilitantescancadotrindadecancado_bobhtmgt Acesso em 14 ago 2011

7 MORALES Patricia UNESCOrsquos Philosophy of ldquointellectual and moral solidarityrdquo in attaining peace Disponiacutevel em lthttpwwwonlineunescoorgUNESCO27s20Philosophyhtmlgt Acesso em 14 ago 2011

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essa tese das geraccedilotildees de direitos natildeo tem nenhum fundamento juriacutedico nem na realidaderdquo Ele afirma que o direito agrave vida por exemplo eacute um direito com respaldo em todas as geraccedilotildees jaacute que eacute um direito civil poliacutetico econocircmico-social e cultural Canccedilado Trindade tambeacutem leciona que no aspecto histoacuterico essa divisatildeo natildeo possui correlaccedilatildeo faacutetica no que diz respeito ao direito internacional uma vez que ldquo() No plano internacional os direitos que apareceram primeiro foram os econocircmicos e os sociais As primeiras convenccedilotildees da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (OIT) anteriores agraves Naccedilotildees Unidas surgiram nos anos 20 e 30rdquo

E assim critica severamente Canccedilado Trindade (1993)

Somente uma visatildeo atomizada ou fragmentada do universo dos direitos humanos pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da teoria das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo Seu aparente poder de persuasatildeo muito deve a comentaacuterios apressados e descuidados somados agrave indolecircncia mental com que conta para propagar-se Ainda que agrave primeira vista atraente para fins didaacuteticos tal teoria do ponto de vista da ciecircncia do direito em nada eacute convincente e natildeo resiste a uma exame mais cuidadoso da mateacuteria Os riscos desta visatildeo atomizada da fantasia das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo satildeo manifestos Quantos governos a pretexto de buscarem a realizaccedilatildeo progressiva de certos direitos econocircmicos e sociais em futuro indeterminado violaram sistematicamente os direitos civis e poliacuteticos ()

No entanto as criticas agrave teoria desenvolvida por Vasak em que pese o respeitaacutevel posicionamento de Canccedilado Trindade natildeo prejudicam a importacircncia propedecircutica das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos humanos

Sem prejuiacutezo da existecircncia da dupla terminologia (geraccedilotildees e dimensotildees) adotar-se-aacute o termo ldquodimensotildeesrdquo apenas a tiacutetulo pedagoacutegico mesmo entendendo como Canccedilado Trindade que a histoacuteria eacute pendular logo natildeo haacute razatildeo para separar os direitos fundamentais em periacuteodos histoacutericos de forma estaacutetica pois fazer isso significa afirmar que no periacuteodo da 3ordf dimensatildeo natildeo temos direitos de 1ordf dimensatildeo fato que se revela completamente inadmissiacutevel

22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais

Superada essa divergecircncia existente a respeito da teoria das dimensotildees de direitos eacute certo que a doutrina situa o direito ao desenvolvimento dentro da 3ordf dimensatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 404

O direito humano e fundamental

Seguindo a linha doutrinaacuteria de Karel Vasak como lecionam Paulo Bonavides (2009 p 569)8 e outros autores o direito fundamental ao desenvolvimento estaacute inserido dentro da 3ordf dimensatildeo junto com outros direitos dentre os quais destacam-se direito ao meio ambiente agrave propriedade agrave conservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural etc

3 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO9 E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Foi Keba Mbaye Chefe de Justiccedila (Ministro da Justiccedila Ministro da Corte Suprema) do Senegal quem cunhou pela primeira vez em 1972 o conceito de direito ao desenvolvimento humano10

O estudo do direito ao desenvolvimento exige a menccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana e esta foi extraiacuteda diretamente do pensamento de Immanuel Kant

Ora o direito ao desenvolvimento eacute um meio para que a dignidade seja assegurada e respeitada

Dentro do contexto da dignidade da pessoa humana e do direito ao desenvolvimento tem-se tambeacutem o miacutenimo existencial deve ser citado jaacute que possui relevacircncia direta e somente com o desenvolvimento eacute que alcanccedila-se a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial

Feitas essas pontuaccedilotildees passa-se a analisar a Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento11 de 1986 que logo em seu preacircmbulo assim dispotildee

8 Neste sentido tambeacutem Sarlet 1998 p 51 Mendes 2008 p 234 9 O dicionaacuterio Michaelis assim define o termo desenvolvimento 1 Ato ou efeito de desenvolver 2

Crescimento ou expansatildeo gradual 3 Passagem gradual de um estaacutedio inferior a um estaacutedio mais aperfeiccediloado 4 Adiantamento progresso 5 Extensatildeo prolongamento amplitude 6 Muacutes Elaboraccedilatildeo de um tema motivo ou ideacuteia musicais por modificaccedilotildees riacutetmicas meloacutedicas ou harmocircnicas 7 Muacutes Parte em que tal elaboraccedilatildeo ocorre 8 Mat Expressatildeo de uma funccedilatildeo qualquer na forma de uma seacuterie 9 Mat Transformaccedilatildeo de uma expressatildeo em outra equivalente mais extensa poreacutem mais acessiacutevel ao caacutelculo D direito Biol desenvolvimento sem metamorfose Sin desenvoluccedilatildeo Dicionaacuterio Michaelis Disponiacutevel em lthttpmichaelisuolcombrmoderno portuguesindexphplingua=portugues-portuguesamppalavra=desenvolvimentogt Acesso em 15 ago 2011

10 PEIXINHO Manoel Messias FERRARO Suzani Andrade Direito ao desenvolvimento como direito fundamental Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhmanoel _messias_peixinhopdfgt Acesso em 24 ago 2011 Ainda sobre o tema consultar Espiell 1980 p 41-60

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() eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantes

O desenvolvimento pode ser social humano econocircmico cientiacutefico ambiental etc enfim todas as aacutereas do conhecimento humano admitem o desenvolvimento

O glossaacuterio do relatoacuterio de desenvolvimento humano 2000 realizado pelo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento12 assim conceitua o desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano eacute o processo de alargamento das escolhas das pessoas atraveacutes da expansatildeo das funccedilotildees e capacidades humanas Deste modo o desenvolvimento humano tambeacutem reflete os resultados nestas funccedilotildees e capacidades Representa um processo bem como um fim () Em uacuteltima anaacutelise o desenvolvimento humano eacute o desenvolvimento das pessoas para as pessoas e pelas pessoas

Da doutrina estrangeira pode-se destacar os ensinamentos de Hector Gros Spiell (1980 p 41-60) que assim leciona sobre o tema

Este derecho al desarrollo fue inicialmente pensado como un derecho en el aacutembito internacional en cuanto derecho de las comunidades poliacuteticas de los Estados y de los pueblos sometidos a uma dominacioacuten colonial y extranjera

A respeito do desenvolvimento econocircmico eacute importante traz-se agrave baila as ilaccedilotildees de Orlando Gomes (1961 p 19)13 ldquo() o desenvolvimento econocircmico eacute condicionado por crenccedilas substantivas e adjetivas de uma comunidade Eacute um

11 Adotada pela Resoluccedilatildeo nordm 41128 da Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas de 4 dez 1986 (TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Direitos humanos e meio-ambiente paralelo dos sistemas de proteccedilatildeo Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre 1993 p 194)

12 PNUD Disponiacutevel em lthttpwwwpnudorgbrhdrhdr2000docsGlossario_de_DDHHpdfgt Acesso em 12 set 2011

13 A respeito do pensamento de Orlando Gomes remete-se ao seguinte texto CAVALCANTE Priscila da Mata O sistema internacional de cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento uma reflexatildeo acerca das poliacuteticas de ajuste estrutural e a transiccedilatildeo da assistecircncia teacutecnico-financeira agrave cooperaccedilatildeo humana Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbh priscila_da_mata_cavalcante2pdfgt Acesso em 26 ago 2011

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O direito humano e fundamental

processo que ocorre dentro de condiccedilotildees institucionais que conduzem agrave transformaccedilatildeo estrutural da sociedade ()rdquo

Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 54) assim analisa o desenvolvimento sob o ponto de vista econocircmico ldquoconstitui um crescimento da produccedilatildeo de bens e recursos endoacutegeno (baseado em fatores internos) e sustentado (com vistas agrave preservaccedilatildeo dos recursos)rdquo

Ana Paula Ornellas Mauriel14 cita o conceito de desenvolvimento cunhado por Werneck Vianna e Bartholo Jr que assim tratam o assunto

() desenvolvimento eacute uma noccedilatildeo moderna que passa a frequumlentar o vocabulaacuterio dos pensadores apoacutes profundas mudanccedilas operadas no Ocidente com a expansatildeo das atividades mercantis e sobretudo com o advento da induacutestria Pois foi entatildeo que o proacuteprio sentido de mudanccedila pode ser mais fortemente percebido na medida em que o ritmo da vida se acelerou e o mundo deixou de ser apreendido como estaacutetico A ideacuteia de provisoriedade se tornou visiacutevel

Arjun Sengupta15 analisa o direito fundamental ao desenvolvimento da seguinte maneira

Em primeiro lugar haacute um direito humano que eacute ldquoinalienaacutevelrdquo o que quer dizer que natildeo pode ser negociado Depois haacute um processo de ldquodesenvolvimento econocircmico social cultural e poliacuteticordquo que eacute reconhecido como um processo no qual ldquotodos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser plenamente realizadosrdquo O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano em virtude do qual ldquocada pessoa humana e todos os povos tecircm o direito de participar contribuir e gozarrdquo desse processo de desenvolvimento

Ivanilda Figueiredo16 assim proclama o direito ao desenvolvimento

14 Vianna Werneck Bartholo Jr Apud Mauriel Ana Paula Ornellas Desenvolvimento humano e proteccedilatildeo social em um contexto de crescente interdependecircncia Coleccedilatildeo relaccedilotildees internacionais e globalizaccedilatildeo

15 SENGUPTA Arjun O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano Disponiacutevel em lthttpww1psdborgbropartidoItvrevistarevista_02p7292_o_direitopdf gt Acesso em 26 ago 2011

16 FIGUEIREDO Ivanilda Algumas consideraccedilotildees sobre o direito fundamental ao desenvolvimento humano e o projeto de lei de responsabilidade fiscal e social Disponiacutevel em lthttppublique rdcpuc-riobrdireitomediaFigueiredo_n32pdfgt Acesso em 01 set 2011

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() o direito ao desenvolvimento traduz-se direito de todo indiviacuteduo desenvolver plenamente sua capacidade de agente e que a capacidade de agente eacute a competecircncia obtida por cada um para escolher de modo formal e materialmente livre o modo de vida que mais lhe agrade A majoraccedilatildeo dessa capacidade gera um aumento da liberdade por o indiviacuteduo estar desfrutando de direitos essenciais e sendo chamado a tomar a sua parcela de responsabilidade por si e por sua comunidade Portanto ao desfrutar do direito ao desenvolvimento os cidadatildeos incrementam a democracia

Importa neste mister diferenciar duas terminologias que podem induzir o leitor ao erro o DIREITO DO DESENVOLVIMENTO e o DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Para tanto nos valemos das liccedilotildees de Canccedilado Trindade (1993 p 175)

Importa ter em mente a distinccedilatildeo entre ldquodireito internacional do desenvolvimento (ldquointernational law of developmentrdquoldquodroit internacional du deacutevelopementrdquo) e o ldquodireito ao desenvolvimentordquo (ldquoright to developmentrdquo ldquodroit au deacutevelepementrdquo) como um direito como proclamado na Declaraccedilatildeo de 1986 O primeiro com seus vaacuterios componentes (direito agrave autodeterminaccedilatildeo econocircmica soberania permanente sobre a riqueza e os recursos naturais princiacutepios do tratamento natildeo-reciacuteproco e preferencial para os paiacuteses em desenvolvimento e da igualdade participatoacuteria dos paises em desenvolvimento nas relaccedilotildees internacionais e nos benefiacutecios da ciecircncia e tecnologia) emerge um sistema normativo internacional objetivo a regular as relaccedilotildees entre Estados juridicamente iguais mas economicamente desiguais e visando a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees com base na cooperaccedilatildeo internacional (Carta das Naccedilotildees Unidas artigos 55-56) e em consideraccedilotildees de equidade de modo a remediar os desequiliacutebrios econocircmicos entre os Estados e a proporcionar a todos os Estados ndash particularmente os paises em desenvolvimento O segundo como sustentado pela Declaraccedilatildeo de 1986 e inspirado em disposiccedilotildees de direitos humanos tais como o artigo 28 da Declaraccedilatildeo Universal de 1948 e o artigo 1ordm de ambos os Pactos de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas afigura-se como um direito humano subjetivo englobando exigecircncias da pessoa humana e dos povos que devem ser respeitadas

No dizer de Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 59) a doutrina divergiu a respeito da natureza do direito do desenvolvimento questionando-se a sua inclusatildeo dentro do Direito Internacional Econocircmico no entanto para este autor a pertinecircncia reside em saber que este tema busca a ldquoseparaccedilatildeo das disparidades de desenvolvimento dos Estadosrdquo

Em siacutentese o direito do desenvolvimento estaacute relacionado com o Direito Internacional Econocircmico Jaacute o direito ao desenvolvimento este como analisaremos de forma mais detida abaixo eacute um direito humano e fundamental

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O direito humano e fundamental

Flavia Piovesan (2010 p 65-81) tambeacutem identifica com base na doutrina de Allan Rosas 3 (trecircs) dimensotildees centrais para o direito ao desenvolvimento a) Justiccedila social b) Participaccedilatildeo e accountability e c) Programas e poliacuteticas nacionais e cooperaccedilatildeo internacional

O conceito de desenvolvimento passa por diversos ramos do conhecimento humano possuindo aspectos socioloacutegico econocircmico e juriacutedico

Eacute pertinente aqui fazer um recorte e afirmar que o direito ao desenvolvimento estaacute tambeacutem diretamente ligado agrave ciecircncia criminal Certamente o leitor questionaraacute essa nossa assertiva jaacute que o presente estudo natildeo se destina ao estudo do direito penal

Entende-se importante fazer essa ligaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento com a coculpabilidade e aqui nos arrisca-se ainda que superficialmente ao estudo deste tema

O conceito de coculpabilidade foi cunhado por Eugenio Rauacutel Zaffaroni (2006 p 525) que assim o ensina verbis

Todo sujeito age numa circunstacircncia determinada e com um acircmbito de autodeterminaccedilatildeo tambeacutem determinado Em sua proacutepria personalidade haacute uma contribuiccedilatildeo para esse acircmbito de autodeterminaccedilatildeo posto que a sociedade - por melhor que organizada seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas possibilidades Em consequecircncia haacute sujeitos que tecircm um menor acircmbito de autodeterminaccedilatildeo condicionado desta maneira por causas sociais Natildeo seraacute possiacutevel atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregaacute-lo com estas no momento da reprovaccedilatildeo da culpabilidade Costuma-se dizer que haacute aqui uma co-culpabilidade com a qual a proacutepria sociedade deve arcar Tem-se afirmado que este conceito de co-culpabilidade eacute uma ideacuteia introduzida pelo direito penal socialista Cremos que a co-culpabilidade eacute herdeira do pensamento de Marat (ver n 118) e hoje faz parte da ordem juriacutedica de todo o Estado Social de Direito que reconhece direitos econocircmicos e sociais e portanto tem cabimento no Coacutedigo Penal mediante a disposiccedilatildeo geneacuterica do art 66

A coculpabilidade17 (ou vulnerabilidade como preferem alguns doutrinadores) nada mais eacute do que a codivisatildeo da responsabilidade por parte do

17 Atualmente a coculpabilidade jaacute foi inclusive reconhecida pelo legislador infraconstitucional como se verifica no artigo 19 inciso IV da Lei Federal nordm 113432006 bem como pela jurisprudecircncia a qual a tiacutetulo de exemplo cita-se ldquo()7- Possibilidade de para o caso concreto uma soluccedilatildeo mais beneacutefica para o acusado no reconhecimento da vulnerabilidade do mesmo morador de rua que natildeo completou os estudos vivendo agrave margem da sociedade catando lixo para sobreviver

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agente que delinquiu e do Estado que natildeo preparou o agente para integrar a sociedade

Ora se o Estado daacute efetividade ao direito ao desenvolvimento por meio de poliacuteticas puacuteblicas de modo que a dignidade humana dos administrados seja respeitada tem-se como consequecircncia o engrandecimento do ser humano e a sua inclusatildeo no meio social conferindo-lhe entatildeo mais oportunidades e mais autodeterminaccedilatildeo de modo que este mesmo administrado natildeo poderaacute entatildeo alegar uma pretensa ldquohipossuficiecircncia culpanterdquo ou vulnerabilidade no momento de sua conduta delitiva pois a sua autodeterminaccedilatildeo teraacute sido preenchida pelo agir estatal

Como citado acima Zaffaroni ensina que eacute possiacutevel que alguns homens possuam menos oportunidades e isso eacute inerente em um sistema capitalista mas o papel de um Estado do Bem Estar Social Democraacutetico de Direito18 eacute justamente minorar as desigualdades e isso certamente pode ser alcanccedilado agrave medida que o direito ao desenvolvimento eacute concretizado

Analisando a conexatildeo do pensamento econocircmico de Amartya Sen com o princiacutepio da coculpabilidade Eduardo Luiz Santos Cabette (2008 p 9-10) faz um paralelo entre a eacutetica e o direito penal e assim assevera

() E quem sabe algum dia em uma sociedade realmente desenvolvida em que imperem a liberdade e a igualdade natildeo somente formais mas materiais se possa atribuir a cada um a responsabilidade uacutenica e integral por suas escolhas e condutas

Assim temos que o direito ao desenvolvimento possui uma ampla gama de reflexos repercutindo no aspecto social e socioloacutegico humano ambiental econocircmico e ateacute mesmo criminal

acatando a sugestatildeo tanto do Ministeacuterio Puacuteblico Federal local quanto da Procuradoria Regional no reconhecimento da coculpabilidade do Estado no dizer da doutrina garantista para reduzir-lhe a pena ()rdquo BRASIL TRF5 - ACR - Apelaccedilatildeo Criminal ndash 7868 ndash Relator Desembargador Federal Heacutelio Siacutelvio Ourem Campos - Primeira Turma - DJE - Data 25022011 (grifos nossos)

18 Em que pese as recentes alteraccedilotildees na CF88 realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e que visaram implementar nuances de um neoliberalismo pensamos que a CF88 ainda consegue manter essa caracteriacutestica de sermos um Wellfare State ndash Estado do Bem Estar Social Neste sentido NASCIMENTO Samuel Pontes do Do Estado miacutenimo ao Estado regulador Uma visatildeo do Direito Econocircmico Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1968 20 nov 2008 Disponiacutevel em lthttpjuscombrrevistatexto11990gt Acesso em 22 set 2011

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O direito humano e fundamental

4 PREVISOtildeES NORMATIVAS DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA

ORDEM INTERNACIONAL

Em sede de proteccedilatildeo internacional aos direitos humanos dentre os diplomas existentes merecem destaque a) Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 b) a Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento de 1986 c) Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 d) Declaraccedilatildeo do Milecircnio de 2000 e) Declaraccedilatildeo e Programa de Accedilatildeo de Durban em 200219 e f) Convenccedilatildeo Europeia de direitos humanos20

A primeira documentaccedilatildeo internacional que conteve o direito ao desenvolvimento eacute a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 documento que foi originado da Assembleia da ONU cuja importacircncia para os direitos humanos dispensa apresentaccedilatildeo verbis

Artigo XXII Toda pessoa como membro da sociedade tem direito agrave seguranccedila social e agrave realizaccedilatildeo pelo esforccedilo nacional pela cooperaccedilatildeo internacional e de acordo com a organizaccedilatildeo e recursos de cada Estado dos direitos econocircmicos sociais e culturais indispensaacuteveis agrave sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade () Artigo XXV 1 Toda pessoa tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua famiacutelia sauacutede e bem estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistecircncia fora de seu controle 2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma proteccedilatildeo social

O direito ao desenvolvimento eacute reconhecido inclusive no primeiro

considerando da Declaraccedilatildeo especiacutefica sobre o direito ao desenvolvimento

Reconhecendo que o desenvolvimento eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo

19 Estes dois uacuteltimos diplomas internacionais foram apontados por Barbosa Pedro Henrique Batista Comeacutercio internacional direitos humanos e direito ao desenvolvimento o acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil Disponiacutevel em lthttppubliquerdcpuc-riobr direitomediaBarbosa_n32pdf gt Acesso em 08 ago 2011

20 Disponiacutevel em lthttpwwwcidhorgrelatoriashowarticleaspartID=536amplID=4gt Acesso em 01 set 2011

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ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantesrdquo (grifos nossos)

Aleacutem de o termo desenvolvimento ser mencionado em outras passagens do

preacircmbulo da Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento o seu artigo 1ordm traz o

conceito normativo de desenvolvimento

Artigo 1 1 O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano inalienaacutevel em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estatildeo habilitados a participar do desenvolvimento econocircmico social cultural e poliacutetico a ele contribuir e dele desfrutar no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados 2 O direito humano ao desenvolvimento tambeacutem implica a plena realizaccedilatildeo do direito dos povos de autodeterminaccedilatildeo que inclui sujeito agraves disposiccedilotildees relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos o exerciacutecio de seu direito inalienaacutevel de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais (grifos nossos)

Como dito acima a Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 tambeacutem regulamenta o

direito humano ao desenvolvimento

10 A Conferecircncia Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento conforme estabelecido na Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento como um direito universal e inalienaacutevel e parte integrante dos direitos humanos fundamentais (grifos nossos)

Portanto abordou-se os principais diplomas internacionais que positivam expressamente o direito fundamental ao desenvolvimento

5 A ESTRUTURA DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O Prof Hector Gros Espiell (1980 p 53) em seu texto ldquoEl derecho al desarrollordquo analisa a estrutura do direito ao desenvolvimento e identifica a) os sujeitos ativos (seus titulares) b) seus sujeitos passivos (obrigados ao

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cumprimento) mas o faz primeiro sob um prisma coletivo e depois sob um prisma individual21 e por fim analisa o objeto

Desta feita segundo as liccedilotildees do Prof Espiell (1980 p 52) seriam titulares coletivos do direito ao desenvolvimento ldquo() todos los Estados pero especial y particularmente a los paiacuteses en viacuteas de desarrollo y a los pueblos que luchan por su libre determinacioacuten contra una dominacioacuten colonial y extranjera ()rdquo

Mas o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 52) tambeacutem analisa este direito sob o vieacutes individual e nesta esfera ele identifica como titulares

() los individuos partiendo de la base de que seguacuten la foacutermula empleada por la Convencioacuten Interamericana de Derechos Humanos ()Esta afirmacioacuten implica la necesidad evidente por lo demaacutes de reconocer el derecho al desarrollo en principio a todo ser humano sin discriminacioacuten alguna por razoacuten de raza sexo religioacuten ideologiacutea o nacionalidad

No que tange aos obrigados a assegurar este direito em um acircmbito coletivo identifica o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 53) como sujeitos passivos ldquo() el Estado y las entidades colectivas de las que dependen a su vez los otros entes colectivos titulares del derecho al desarrollordquo

E sob o ponto de vista individual o autor (ESPIELL 1980 p 53) aponta como coobrigados ldquo() de las personas colectivas o entes puacuteblicos competentes y de la Comunidad Internacionalrdquo

O prof Hector (ESPIELL 1980 p 55) ainda aborda 3 pontos quanto objeto do direito ao desenvolvimento Em um primeiro momento ele o faz como um direito coletivo que condiciona o direito individual e vice-versa Em um segundo lugar ele afirma que se funda na premissa de que todo homem possui o direito da uma vida livre e digna dentro da Comunidade e isso gera o direito ao desenvolvimento aos indiviacuteduos como decorrecircncia do direito da dignidade da pessoa humana E por fim em uma terceira ponderaccedilatildeo Espiell afirma que o direito ao desenvolvimento natildeo

21 Nesse mesmo sentido Canccedilado Trindade (1993 p 174) afirma que ldquo() e como contrapartida do direito ao desenvolvimento as responsabilidades recaem tambeacutem sobre os seres humanos individual e coletivamente (comunicadades associaccedilotildees grupos) Os sujeitos passivos do direito ao desenvolvimento satildeo assim os que arcam com tais responsabilidades com ecircnfase nas obrigaccedilotildees atribuiacutedas pela Declaraccedilatildeo aos Estados individual e coletivamente (a coletividade dos Estados)rdquo

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pode ser identificado como sinocircnimo de crescimento econocircmico mas sim um conceito que ldquotraz uma ideia muacuteltipla e complexa a respeito do progresso econocircmico social cultural e poliacutetico com um objetivo final de justiccedila realizado de maneira harmocircnica e equilibrada entre os diferentes elementosrdquo

6 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL

O histoacuterico constitucionalista brasileiro passou por momentos de percalccedilos avanccedilos e retrocessos assim como a histoacuteria em geral uma vez que eacute sabido que a histoacuteria eacute ciacuteclica e pendular e natildeo retiliacutenea

Nos uacuteltimos trinta anos o Brasil viu se encerrar um periacuteodo ditatorial para se inaugurar um Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tambeacutem chamada de constituiccedilatildeo cidadatilde assim o eacute em virtude do extenso e natildeo exauriente rol de direitos e garantias fundamentais asseguradas aos brasileiros (natos e naturalizados) assim como aos estrangeiros (que aqui residem ou que de passagem estejam segundo entendimento do STF)

A presenccedila dos direitos fundamentais jaacute fica demarcada desde a leitura do preacircmbulo da constituiccedilatildeo

Noacutes representantes do povo brasileiro reunidos em Assembleacuteia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional com a soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte CONSTITUICcedilAtildeO DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifos nossos)

Como se pode constatar o proacuteprio preacircmbulo da Constituiccedilatildeo jaacute exalta que a Assembleia Nacional Constituinte pretendeu instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar direitos fundamentais de todas as dimensotildees Ademais

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quando o constituinte se valeu do termo DESENVOLVIMENTO o fez no sentido de DESENVOLVIMENTO HUMANO22

O Supremo Tribunal Federal (STF) jaacute firmou entendimento de que o preacircmbulo natildeo eacute norma passiacutevel de funcionar como paracircmetro no controle de constitucionalidade mas pode facilmente ser utilizado como fonte hermenecircutica logo o termo DESENVOLVIMENTO pode e deve ser interpretado em consonacircncia com todos os demais dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre os quais pode-se destacar artigo 1ordm incisos I II III IV e V artigo 3ordm incisos I II III e IV artigo 5ordm e seus incisos mais adiante o regime do sistema tributaacuterio e financeiro pois somente com um sistema tributaacuterio equalizado e correto eacute que se permite que se faccedila uma justiccedila fiscal de modo que se observe o principio da capacidade contributiva Tambeacutem eacute importante citar o artigo 219 que estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional porque gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano

Ora este direito subjetivo pode ser visto sob diversos aspectos como jaacute dito acima dentre eles o ambiental econocircmico socioloacutegico etc

Dentro do aspecto do direito ambiental vige o principio do desenvolvimento sustentaacutevel O artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF88) possui relaccedilatildeo direta com o desenvolvimento humano uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado por ser regido pela intergeracionalidade deve ser preservado pelas presentes geraccedilotildees para os credores presentes e futuros o que implica exigir que o desenvolvimento humano natildeo seja buscado a qualquer custo

Com relaccedilatildeo ao direito ao desenvolvimento eacute possiacutevel encontrar os trabalhos realizados pela ONU mais especificamente os relatoacuterios de desenvolvimento humano que tecircm como paracircmetros comparativos a sauacutede (por meio da expectativa de vida) a educaccedilatildeo (por meio da taxa de alfabetizaccedilatildeo) a renda (por meio da fixaccedilatildeo da renda per capta)

Importante tambeacutem relacionar o desenvolvimento econocircmico com a RENDA

O desenvolvimento previsto no preacircmbulo da constituiccedilatildeo eacute o desenvolvimento nacional assim logo no iniacutecio do texto da Magna Carta Federal23

22 Esses pensamentos relativos ao direito fundamental ao desenvolvimento humano no ordenamento juriacutedico paacutetrio tambeacutem foram mencionados pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

23 Expressatildeo utilizada pelo Ministro Carlos Ayres Brito em seu voto proferido nos autos da ADI 3510 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 415

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(artigo 3ordm) traccedilam-se os objetivos da Repuacuteblica Federativa do Brasil e dentre eles pode-se encontrar o DESENVOLVIMENTO HUMANO

No entanto eacute certo que natildeo se pode falar em desenvolvimento humano quando se tem concentraccedilatildeo de renda logo eacute necessaacuterio que ocorra um processo de desconcentraccedilatildeo de renda para podermos alcanccedilar este objetivo da repuacuteblica O legislador constituinte cunhou o artigo 219 da CF8824 justamente visando esta finalidade

Ora se este comando estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional quando os fatores reais de poder25 estabeleceram esta norma certamente o fizeram sob o fundamento de que eacute o mercado interno que gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano pois somente com a produccedilatildeo de divisas e creacuteditos eacute que se torna possiacutevel a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas com vistas a se construir uma sociedade livre justa etc

Natildeo basta ao Estado respeitar os direitos de primeira dimensatildeo conferindo as chamadas ldquoliberdadesrdquo mas eacute necessaacuterio implementar efetivamente os direitos econocircmicos sociais e culturais e isso se conclui da caracteriacutestica da indivisibilidade dos direitos humanos de modo que natildeo adianta ser conferida liberdade de ir e vir ao cidadatildeo se este natildeo tem o miacutenimo de condiccedilatildeo financeira para prover suas necessidades diaacuterias

7 OS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE FUNDAMENTAM O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Diante do ateacute aqui exposto natildeo pairam duacutevidas de que o direito ao desenvolvimento eacute um direito humano Ocorre que tambeacutem eacute necessaacuterio pontuar-se que este tambeacutem eacute um direito fundamental haja vista a diferenciaccedilatildeo que a doutrina faz entre estas terminologias (vide capiacutetulo 1 deste trabalho)

24 Art 219 CF88 O mercado interno integra o patrimocircnio nacional e seraacute incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e soacutecio-econocircmico o bem-estar da populaccedilatildeo e a autonomia tecnoloacutegica do Paiacutes nos termos de lei federal

25 A expressatildeo ldquofatores reais de poderrdquo foi cunhada por Ferdinand Lassale em sua obra ldquo Que eacute uma Constituiccedilatildeordquo Disponiacutevel em lthttpwwwebooksbrasilorgeLibrisconstituicaolhtmlgt Acesso em 26 out 2011

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Neste sentido conjugando diversos dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre eles o preacircmbulo tambeacutem devemos nos ater agrave leitura de outros comandos tais quais artigo 1ordm e incisos artigo 3ordm e incisos artigo 5ordm e incisos artigo 21 incisos IX e XX artigo 43 cabeccedila artigo 48 inciso IV artigo 151 e incisos artigo 170 e incisos artigo 174 cabeccedila artigo 180 cabeccedila artigo 182 artigo 192 artigo 218 e todo o capiacutetulo do desenvolvimento nacional

Apoacutes a leitura detida de todos estes comandos pode-se concluir pela existecircncia do direito fundamental ao desenvolvimento no ordenamento juriacutedico paacutetrio

A doutrina elenca diversas variaacuteveis no que tange agraves classificaccedilotildees das Constituiccedilotildees e dentre estas classificaccedilotildees mais especificamente quanto ao conteuacutedo a CF88 eacute analiacutetica ou seja longa e prolixa mas que aborda diversos direitos e natildeo poderia ser diferente no que tange ao direito ao desenvolvimento

Eacute importante pontuar que o desenvolvimento (visando assim atingir os objetivos da repuacuteblica) natildeo pode ser buscado de forma predatoacuteria jaacute que em sendo um direito fundamental tambeacutem deve respeitar os direitos da populaccedilatildeo que estejam nesse mesmo niacutevel de importacircncia

8) Do regime juriacutedico aplicaacutevel ao direito humano e fundamental ao

desenvolvimento

71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais

Como afirmado acima o direito ao desenvolvimento possui um duplo espectro de proteccedilatildeo eis que se trata de a) direito humano com proteccedilatildeo em diversos tratados internacionais e b) direito fundamental com ampla positivaccedilatildeo constitucional

Deve-se observar que o direito ao desenvolvimento possui 2 (dois) niacuteveis de proteccedilatildeo interno e internacional no entanto haacute um embate doutrinaacuterio quanto agrave posiccedilatildeo ocupada pelos tratados de direitos humanos frente ao ordenamento juriacutedico como um todo

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Em sua obra Flaacutevia Piovesan (2006)26 afirma existirem quatro correntes a respeito da hierarquia dos tratados de proteccedilatildeo de direitos humanos ldquoa) hierarquia supraconstitucional de tais tratados b) hierarquia constitucional c) hierarquia infraconstitucional mas supralegal e d) paridade hieraacuterquica entre tratado e lei federalrdquo

Para Celso Albuquerque de Mello27 os tratados internacionais satildeo superiores agrave Constituiccedilatildeo Aqui entende-se contudo que os tratados internacionais estatildeo em posiccedilatildeo superior agrave Constituiccedilatildeo apenas se tratarem de direitos humanos

Pensa-se dessa forma jaacute que tendo por base o principio da dignidade da pessoa humana e o principio pro homine natildeo haacute duacutevida de que os tratados que estabelecem direitos humanos estatildeo eivados de alta densidade axioloacutegica e essa caracteriacutestica eacute diametralmente oposta a outros tipos de tratados Logo os demais tratados certamente natildeo podem ascender ao mesmo niacutevel hieraacuterquico que primeiros

Portanto aqui faz-se mister a citaccedilatildeo dos ensinamentos de Celso Albuquerque de Mello (2003) que desenvolveu uma seacuterie de argumentos para defender sua tese Ele parte do fundamento de ldquo() a noccedilatildeo de soberania natildeo eacute absoluta mas sim um conceito juriacutedico indeterminado e que varia de acordo com a eacutepoca histoacutericardquo

No entanto para se definir qual corrente doutrinaacuteria seraacute adotada eacute relevante ter conhecimento das teorias que explicam as relaccedilotildees existentes entre o Direito Internacional e o Direito Interno

26 E continua Piovesan ao afirmar que seguem o entendimento da supraconstitucionalidade Agustiacuten Gordillo Andreacute Gonccedilalves Pereira e Fausto de Quadros Marcelo Neves (2009) tambeacutem aborda a questatildeo das constituiccedilotildees supranacionais e analisa outras concepccedilotildees e terminologias Importante tambeacutem trazermos os ensinamentos de Mazzuolli e Luiz Flaacutevio Gomes que separam os tratados de direitos humanos em centriacutefugos (aqueles que regem as relaccedilotildees juriacutedicas dos Estados ou dos indiviacuteduos com a chamada jurisdiccedilatildeo global Satildeo centriacutefugos porque saem do seu centro) e centriacutepetas (aqueles que cuidam das relaccedilotildees dos indiviacuteduos ou do Estado no plano domeacutestico) de modo que para ambos os tratados centriacutefugos possuem natureza supraconstitucional e os centriacutefugos possuem status constitucional GOMES Luiz Flaacutevio MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Tratados internacionais valor legal supralegal constitucional ou supraconstitucional Disponiacutevel em lthttpsareunianhangueraedubrindexphprdirearticleviewPDFInterstitial895625gt Acesso em 01 set 2011

27 O autor afirma categoricamente que ldquo() a norma internacional prevalece sobre a norma constitucionalrdquo (MELLO 2003 p 25)

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Assim passa-se a citaacute-las a) teoria dualista e b) teoria monista sendo que segundo Valeacuterio de Oliveira Mazzuoli (2007 p 60-66) o monismo pode ser b1) monista internacionalista ou b2) monista nacionalista E mais o autor afirma existir uma terceira corrente mista denominada de corrente coordenadora ou conciliatoacuteria segundo a qual se defende ldquo() a coordenaccedilatildeo de ambos os sistemas a partir de normas superiores a ambos a exemplo das regras do Direito Natural Esta posiccedilatildeo conciliatoacuteria natildeo encontrou guarida nem nas normas e tampouco na jurisprudecircncia ()rdquo

E neste ponto Mello (2003) analisando criticamente a corrente dualista (que pregava o prevalecimento da norma posterior ou seja aplicava-se o que se chama de criteacuterio cronoloacutegico de modo que a norma posterior revogaria a anterior independentemente desta ser um tratado ou uma norma interna) afirma que ldquo() Jean Bodin ao formular a teoria da soberania afirmou que ela tinha o direito natural e o direito das gentes acima delasrdquo

E continua (MELLO 2003 p 22) ao defender que

Dualismo natildeo significa mais hoje que o DI incorporado fique igualado ao direito interno Na verdade quer dizer que o DIP precisa ser incorporado ao direito interno mas natildeo que o direito interno posterior possa revogar uma norma do DIP internalizada

Em siacutentese pode-se sistematizar os argumentos de Mello da seguinte forma

a) Natildeo existe soberania absoluta de modo que o direito natural e o direito das gentes estatildeo acima do direito interno b) A Corte de Justiccedila da Comunidade Europeia tem afirmado que o direito comunitaacuterio eacute uma nova ordem juriacutedica em que ocorre a limitaccedilatildeo da soberania dos Estados c) Kelsen jaacute determinava que a norma fundamental era do DIP d) Natildeo eacute possiacutevel que uma norma de direito internacional internalizada possa ser substituiacuteda por uma norma de direito interno que seja somente posterior (adoccedilatildeo do criteacuterio cronoloacutegico) e) Em uma eacutepoca de globalizaccedilatildeo isso acarreta uma importacircncia muito grande ao DIP f) O Estado natildeo existe sem que esteja inserido em um contexto internacional eis que a noccedilatildeo de Estado depende da existecircncia de uma sociedade internacional no entanto para que haja Estado eacute necessaacuterio que haja uma Constituiccedilatildeo mas a reciacuteproca eacute verdadeira e a Constituiccedilatildeo tambeacutem depende da sociedade internacional logo o DIP estaacute acima do DI

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Inicialmente o STF entendeu que os tratados de direitos humanos

celebrados antes da Emenda Constitucional nordm 452004 e que natildeo tenham sido

recebidos pelo Brasil seguindo o regime do artigo 5ordm sect 2ordm CF88 possuiacuteam natureza

juriacutedica supralegal

O STF em um primeiro momento pensou desta forma no entanto em seu

voto proferido no HC nordm 87855 (com julgamento jaacute concluiacutedo) o Ministro Celso de

Mello (revendo sua posiccedilatildeo) parece ter ido aleacutem da posiccedilatildeo de supralegalidade

defendida pelo Ministro Gilmar Mendes e deixou consignado que para ele os

tratados de direitos humanos possuem natureza CONSTITUCIONAL mesmo

aqueles assinados antes da EC 452004

Assim alguns ministros passaram a defender a tese que mesmo antes da

EC nordm 452004 os tratados de direitos humanos jaacute poderiam ter natureza

constitucional embora a posiccedilatildeo vencedora tenha sido a da SUPRALEGALIDADE

Mas natildeo termina aiacute

O Ministro Joaquim Barbosa (vide ADI 3937) tambeacutem reconheceu no miacutenimo

um status supralegal a estes tratados Portanto se eles possuem no miacutenimo este

status nada impediria sua hierarquia constitucional

O reforccedilo a essa tese veio com a Suacutemula Vinculante (SV) nordm 25 contendo o

seguinte teor ldquoEacute iliacutecita a prisatildeo civil de depositaacuterio infiel qualquer que seja a

modalidade de depoacutesitordquo

O artigo 7ordm sect 7ordm do Pacto de San Joseacute estabelece o principio de que

ningueacutem deve ser detido por diacutevidas A norma estabelecida neste tratado natildeo limita

os mandados de autoridade judiciaacuteria competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigaccedilatildeo alimentar de forma que pelo texto do pacto somente

seria possiacutevel a prisatildeo para inadimplemento alimentar O Pacto poreacutem eacute de 1969

Posterior e confrontando com o tratado tem-se a CF88 (artigo 5ordm LXVII)

que estabelece a prisatildeo civil por diacutevida para dois casos depositaacuterio infiel e devedor

de alimentos

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A leitura mais detida da SV nordm 25 nos remete agrave conclusatildeo de que houve o

prevalecimento de um tratado agrave norma do texto constitucional28 e aiacute pode-se

constatar a SUPRACONSTITUCIONALIDADE dos tratados de direitos humanos29

frente agrave Constituiccedilatildeo conforme defendido acima

72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela

Neste toacutepico pretendemos analisar o regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave

aplicabilidade do direito ao desenvolvimento nas searas internacional e interna Para

tanto visando instigar o leitor fizemos um fluxograma inicial que segue abaixo de

modo que procuraremos desenvolver estas ideias a seguir

28 Quem fez toda essa digressatildeo desenvolvida nos uacuteltimos 8 paraacutegrafos incluindo o que citou o julgado de nordm 87855 foi o professor e procurador regional da repuacuteblica Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

29 Elival da Silva Ramos defende posiccedilatildeo diversa no sentido de que ldquo() natildeo eacute possiacutevel haver dois regimes juriacutedicos distintos aplicaacuteveis aos tratados internacionais sob o prisma do procedimento e efeitos de sua incorporaccedilatildeo ao ordenamento interno emprestando-se tratamento privilegiado aos tratados sobre direitos humanos Por mais intencionados que sejam esquecem-se os festejados defensores dessa dicotomia que o primado dos direitos fundamentais da pessoa humana natildeo prescinde dos instrumentos baacutesicos do Estado de Direito e do funcionamento democraacutetico das instituiccedilotildees estatais ()rdquo (RAMOS 2009 p 188)

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721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional

Jaacute pontuamos que o direito ao desenvolvimento possui previsatildeo internacional e interna Isso significa dizer que tal direito pode ser tutelado tanto no acircmbito interno quanto no internacional

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Na seara internacional a principal indagaccedilatildeo que se coloca eacute a seguinte havendo omissatildeo ou desrespeito de um Estado a um direito humano (e nesse caso especificamente ao direito ao desenvolvimento) como seria possiacutevel assegurar-se a aplicaccedilatildeo deste direito

Jaacute afirmou-se anteriormente que o direito ao desenvolvimento eacute um direito coletivo de 3ordf dimensatildeo que representa assim a fraternidade

Em sede do sistema global especificamente para a proteccedilatildeo dos direitos humanos tem-se como principais diplomas a Carta das Naccedilotildees Unidas (1945) e a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) que eacute composta dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Poliacuteticos (1966) e dos Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais dos seus respectivos protocolos facultativos e de outras Convenccedilotildees dentre os quais citam-se as Convenccedilotildees Internacionais Sobre Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo Racial Sobre a Eliminaccedilatildeo de todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Contra a tortura e outros tratamentos ou penas crueacuteis desumanos ou degradantes etc

Para a tutela dos direitos humanos o sistema global dispotildee da Corte Internacional de Justiccedila Esta Corte possui previsatildeo no artigo 66 da Convenccedilatildeo de Viena e foi regulamentada pelo Estatuto desta mesma Corte que no artigo 38 estabelece sua competecircncia material e esta pode ser contenciosa ou consultiva

Jaacute no sistema regional deve-se destacar a existecircncia de trecircs sistemaacuteticas americana africana e europeia Somente a sistemaacutetica americana seraacute objeto estudo

a) Sistemaacutetica Americana de proteccedilatildeo dos direitos humanos

Eacute sabido que recentemente a Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (tambeacutem chamada de Pacto de San Joseacute da Costa Rica) foi internalizada no direito interno pelo decreto nordm 6781992

A Convenccedilatildeo Interamericana trouxe dentro da sua sistemaacutetica de tutela os seguintes oacutergatildeos de proteccedilatildeo a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 1ordm 34 e seguintes) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 2ordm 52 e seguintes)

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O sistema de peticionamento perante a Corte Interamericana foi regulamentado pelo Pacto de San Salvador e este dispotildee que seraacute objeto de anaacutelise perante aquela instituiccedilatildeo somente as violaccedilotildees ao direito sindical e agrave educaccedilatildeo nos termos dos seguintes comandos

Artigo 19 6 Caso os direitos estabelecidos na aliacutenea a do artigo 8 e no artigo 13 forem violados por accedilatildeo imputaacutevel diretamente a um Estado Parte deste Protocolo essa situaccedilatildeo poderia dar lugar mediante participaccedilatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos e quando cabiacutevel da Corte Interamericana de Direitos Humanos agrave aplicaccedilatildeo do sistema de peticcedilotildees individuais regulado pelos artigos 44 a 51 e 61 a 69 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos

Artigo 8 - Direitos sindicais 1 Os Estados Partes garantiratildeo a O direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha para proteger e promover seus interesses Como projeccedilatildeo desse direito os Estados Partes permitiratildeo aos sindicatos formar federaccedilotildees e confederaccedilotildees nacionais e associar-se agraves jaacute existentes bem como formar organizaccedilotildees sindicais internacionais e associar-se agrave de sua escolha Os Estados Partes tambeacutem permitiratildeo que os sindicatos federaccedilotildees e confederaccedilotildees funcionem livremente Artigo 13 Direito agrave educaccedilatildeo 1 Toda pessoa tem direito agrave educaccedilatildeo 2 Os Estados Partes neste Protocolo convecircm em que a educaccedilatildeo deveraacute orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deveraacute fortalecer o respeito pelos direitos humanos pelo pluralismo ideoloacutegico pelas liberdades fundamentais pela justiccedila e pela paz Convecircm tambeacutem em que a educaccedilatildeo deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democraacutetica e pluralista conseguir uma subsistecircncia digna favorecer a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e todos os grupos raciais eacutetnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenccedilatildeo da paz 3 Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que a fim de conseguir o pleno exerciacutecio do direito agrave educaccedilatildeo a O ensino de primeiro grau deve ser obrigatoacuterio e acessiacutevel a todos gratuitamente b O ensino de segundo grau em suas diferentes formas inclusive o ensino teacutecnico e profissional de segundo grau deve ser generalizado e tornar-se acessiacutevel a todos pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito c O ensino superior deve tornar-se igualmente acessiacutevel a todos de acordo com a capacidade de cada um pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito d Deve-se promover ou intensificar na medida do possiacutevel o ensino baacutesico para as pessoas que natildeo tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instruccedilatildeo do primeiro grau

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O direito humano e fundamental

e Deveratildeo ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os deficientes a fim de proporcionar instruccedilatildeo especial e formaccedilatildeo a pessoas com impedimentos fiacutesicos ou deficiecircncia mental 4 De acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes os pais teratildeo direito a escolher o tipo de educaccedilatildeo a ser dada aos seus filhos desde que esteja de acordo com os princiacutepios enunciados acima 5 Nada do disposto neste Protocolo poderaacute ser interpretado como restriccedilatildeo da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituiccedilotildees de ensino de acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes

Assim seguindo esta regra o direito ao desenvolvimento natildeo poderia ser questionado perante a Corte Interamericana

No entanto jaacute existe jurisprudecircncia deste mesmo oacutergatildeo do sistema interamericano dando interpretaccedilatildeo ampliativa de modo em que efetuou-se a anaacutelise de direitos sociais30

Portanto partindo da premissa da interrelacionalidade e indivisibilidade31 dos direitos humanos a Corte Interamericana vem reconhecendo os direitos sociais

30 Aqui eacute importante citar-se dois precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos Primeiro cita-se o caso Albaacuten Cornejo e outros contra o Estado-parte do Equador trata-se de suposta negligecircncia meacutedica em hospital particular em que a viacutetima deu entrada no hospital com suposto quadro de meningite bacteriana vindo assim a ser medicada inobstante a isso culminou em oacutebito no dia seguinte provavelmente em decorrecircncia do medicamento prescrito Ocorre que segundo relata o julgado o Poder Judiciaacuterio do Equador reconheceu a prescriccedilatildeo da accedilatildeo penal em de um dos responsaacuteveis sendo que quanto ao outro meacutedico a accedilatildeo penal estava agrave eacutepoca ainda em tracircmite Neste julgado a Corte julgou ser parcial a responsabilidade do Estado e decidiu o caso com fundamento na proteccedilatildeo agrave integridade fiacutesica (em virtude da omissatildeo estatal mas em detrimento do direito agrave vida por entender que a responsabilidade por essa violaccedilatildeo deveria ser movida em outra via responsabilizatoacuteria) agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo (para assegurar agrave famiacutelia o direito de saber o conteuacutedo do laudo meacutedico) agrave proteccedilatildeo da famiacutelia e agrave obrigaccedilatildeo de respeito aos direitos contidos na Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 12406 Laura Albaacuten Cornejo e Equador 22 set 2007) Em segundo lugar insta mencionar o caso Villagran Morales contra o Estado-parte da Guatemala (Street Children case 1999) em que este Estado foi condenado pela Corte em virtude da impunidade relativa agrave morte de 5 (cinco) crianccedilas brutalmente torturadas e assassinadas por policiais nacionais da Guatemala tendo sido reconhecida a lesatildeo aos artigos 4ordm da Convenccedilatildeo (direito agrave vida) 5ordm incisos 1 e 2 (direito agrave integridade fiacutesica) 19 (direitos da crianccedila) e 8ordm combinado com o artigo 25 (garantias judiciais) aleacutem de violaccedilotildees ao Tratado de Proibir e Punir a Tortura (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 11383 Anstraum Villagraacuten Morales e outros e Repuacuteblica da Guatemala 19 nov 1999) Nestes dois julgados reconheceu-se a existecircncia de lesatildeo a direitos sociais diversos daqueles que a Corte Interamericana em tese teria competecircncia para apreciar quais sejam o direito sindical e direito agrave educaccedilatildeo Disponiacuteveis em lthttpwwwcorteidhorcrexpedientescfmgt Acesso em 6 out 2011

31 Vide toacutepico 1 do presente trabalho Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 425

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como possiacuteveis objetos de anaacutelise embora o Protocolo de San Salvador tenha sido mais restritivo

Entende-se aqui um ponto fulcral de questionamento diante das caracteriacutesticas dos direitos humanos da interrelacionalidade e indivisibilidade seria possiacutevel que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tambeacutem possa analisar questionamentos relativos ao descumprimento por parte dos Estados-parte de direitos coletivos (dentre eles o proacuteprio direito humano ao desenvolvimento)

Ousa-se responder afirmativamente

Tomando por base as jurisprudenciais mencionadas anteriormente (julgado de nordm 87855 comentado pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011) pode-se argumentar que o direito ao desenvolvimento possui total relaccedilatildeo com os direitos estabelecidos no Protocolo de San Salvador uma vez que a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais certamente satildeo um fim para que se alcance o desenvolvimento humano e por consequecircncia seja assim atingida a dignidade da pessoa

Como exemplo pode-se mencionar a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de criaccedilatildeo de quadras poliesportivas jaacute que dentro de um contexto educacional eacute possiacutevel se possibilitar o desenvolvimento humano daqueles que buscam esse tipo de inclusatildeo fazendo assim com que a sua dignidade seja preenchida

O presente caso encontra-se diante do que a professora Flaacutevia Piovesan32 chamou de ldquoaplicaccedilatildeo do princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais

especialmente para a proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo

Ora as classes menos favorecidas satildeo grupos socialmente vulneraacuteveis assim eacute certo que a anaacutelise da omissatildeo do poder puacuteblico quanto ao respeito do direito ao desenvolvimento como corolaacuterio para que se alcance a potencialidade dessas pessoas e por consequecircncia seja completada a dignidade humana de cada

32 PIOVESAN Flaacutevia Direitos sociais proteccedilatildeo nos sistemas internacional e regional interamericano Disponiacutevel em lthttpwwwreidorgbrarquivos00000122-reid-5-05-flaviapdfgt Acesso em 10 set 2011

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uma dessas pessoas nos parece que seria possiacutevel essa teacutecnica da ldquoaplicaccedilatildeo do

princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais especialmente para a

proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo no entanto para que seja feita a

aplicaccedilatildeo progressiva de DIREITOS COLETIVOS A proacutepria Defensoria Puacuteblica pode provocar a Corte para que esta seja instada a se manifestar sobre o tema Neste sentido a Lei Complementar nordm 8094 estabelece expressamente

Art 4ordm LC 801994 Satildeo funccedilotildees institucionais da Defensoria Puacuteblica dentre outras () VI ndash representar aos sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos postulando perante seus oacutergatildeos

O art 4ordm inciso VI da LC 8094 alterado pela LC 1322009 eacute expresso em assegurar tal legitimidade

Desta feita o espectro de proteccedilatildeo aos direitos humanos no cenaacuterio internacional tem como sustentaccedilatildeo tanto a Corte Internacional de Justiccedila quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos e quanto a isso eacute importante destacar a legitimidade da defensoria puacuteblica para perante a segunda

722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna

Em sede de proteccedilatildeo interna o direito ao desenvolvimento possui natureza de direito fundamental e se ampara em diversos comandos da CF88

Assim resta investigar seguindo a claacutessica orientaccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva se este direito fundamental seria uma norma constitucional de eficaacutecia plena contida ou limitada

Entende-se que o direito ao desenvolvimento eacute uma norma de eficaacutecia limitada e segundo Joseacute Afonso da Silva (2003 p 147)33 estas se dividem em normas de principio institutivo e ou normas programaacuteticas

33 Adotamos a classificaccedilatildeo feita por Joseacute Afonso da Silva mas aproveitamos o ensejo para ressaltar que existem outras formas classificatoacuterias elaboradas pela doutrina dentre elas a formulada por Luis Roberto Barroso que tambeacutem reconhece a existecircncia de normas

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Descendo a fundo nos ensinamentos de Joseacute Afonso da Silva pode-se ver que ele ainda identifica uma nova subdivisatildeo paacutera as normas programaacuteticas a) normas programaacuteticas vinculadas ao principio da legalidade b) normas programaacuteticas referidas aos Poderes Puacuteblicos e c) normas programaacuteticas dirigidas agrave ordem econocircmico-social

Visando facilitar a compreensatildeo quanto agrave classificaccedilatildeo construiacuteda por Joseacute Afonso da Silva elaborou-se o fluxograma abaixo

Por ser o direito ao uma norma constitucional limitada programaacutetica ele se classifica como uma norma programaacutetica destinada aos poderes puacuteblicos jaacute que dentro delas Joseacute Afonso da Silva insere os jaacute citados artigos 21 inciso X e 218 da CF

constitucionais programaacuteticas (mas com caracteriacutesticas diversas das pensadas por Joseacute Afonso) dentre aquelas que integram a classificaccedilatildeo criada por ele e prossegue distinguindo quanto agrave existecircncia de normas constitucionais de organizaccedilatildeo e das normas constitucionais definidoras de direitos (BARROSO 2009 p 196) Jaacute Maria Helena Diniz as classifica da seguinte forma eficaacutecia absoluta ou supereficazes eficaacutecia plena eficaacutecia relativa restringiacutevel e com eficaacutecia relativa complementaacutevel ou dependente de complementaccedilatildeo legislativa (apud LENZA p 141) Tambeacutem eacute importante citarmos a doutrina tradicional que classifica as normas em auto-aplicaacuteveis e natildeo auto-aplicaacuteveis

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Feita a distinccedilatildeo eacute certo que a CF88 eacute dirigente e por isso elenca um rico rol de direitos e garantias fundamentais

Identificado esse primeiro ponto ou seja o fato do direito ao desenvolvimento se caracterizar como norma limitada programaacutetica referida ao poder puacuteblico e com olho nas liccedilotildees de Joseacute Afonso da Silva (2003 p 164) passa-se a analisar as caracteriacutesticas das normas programaacuteticas seguindo a doutrina deste jurista que de forma sinteacutetica assim as caracteriza

a) Normas que estabelecem um dever para o legislador ordinaacuterio b) Normas que condicionam a legislaccedilatildeo futura com a consequumlecircncia de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem c) Informam a concepccedilatildeo do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenaccedilatildeo juriacutedica mediante a atribuiccedilatildeo de fins sociais proteccedilatildeo dos valores da justiccedila social e revelaccedilatildeo dos componentes do bem comum d) Possuem sentido teleoloacutegico para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e) Condicionam a atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Judiciaacuterio f) Criam situaccedilotildees juriacutedicas subjetivas de vantagem ou desvantagem

Primeiramente eacute importante ressaltar que o artigo 5ordm sect 1ordm CF88 estabelece o

seguinte regime juriacutedico para as normas constitucionais fundamentais elas possuem

uma presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia

Neste ponto se faz necessaacuterio se distinguir eficaacutecia de aplicabilidade e para tanto nos valeremos das preciosas liccedilotildees de Carlos Maximiliano (apud SILVA 2006 p 51)

() Aplicabilidade exprime uma possibilidade de aplicaccedilatildeo Esta consiste na atuaccedilatildeo concreta da norma lsquono enquadrar um caso concreto em a norma juriacutedica adequada Submete agraves prescriccedilotildees da lei uma relaccedilatildeo da vida real procura e indica o dispositivo adaptaacutevel a um fato determinado Por outras palavras tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humanorsquo

Mais agrave frente em sua obra Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 60) afirma que ldquouma norma soacute eacute aplicaacutevel na medida em que eacute eficazrdquo e conclui que ldquoeficaacutecia e aplicabilidade satildeo fenocircmenos conexosrdquo mas as distingue da seguinte forma ldquoa eficaacutecia se relaciona com a potencialidade e a aplicabilidade estaacute relacionada agrave realizabilidaderdquo

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Ocorre que Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 65) vai aleacutem e nos ensina que a eficaacutecia pode ser a) social e b) juriacutedica

Poreacutem por mais referendada que seja a doutrina de Joseacute Afonso da Silva natildeo eacute possiacutevel investigar este tema com base em somente uma obra e ao consultar-se os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet (1998 p 208) descobre-se que o autor aponta o dissenso doutrinaacuterio a respeito dos seguintes termos vigecircncia validade existecircncia e eficaacutecia mas no que tange agrave noccedilatildeo de existecircncia e de validade da norma o autor (SARLET 1998 p 209) ldquoopta por identificar a noccedilatildeo de existecircncia com a de vigecircncia da norma (se aproximando do entendimento de Meirelles Teixeira e de Joseacute Afonso da Silva)rdquo apontando a ressalva de que ldquoa vigecircncia natildeo se confunde com a validaderdquo e neste ponto ele se curva aos ensinamentos de Luis Roberto Barrosordquo eis que Barroso (SARLET 1998 p 208) entende que a validade eacute a ldquoconformaccedilatildeo do ato normativo aos requisitos estabelecidos no ordenamento quanto agrave competecircncia forma licitude e a possibilidade de seu objetordquo

Assim prossegue Sarlet (1998 p 210)34

Do que ateacute agora foi exposto deduz-se que as noccedilotildees de aplicabilidade e eficaacutecia juriacutedica podem ser consideradas na verdade as duas faces da mesma moeda na medida em que uma norma somente seraacute eficaz (no sentido juriacutedico) por ser aplicaacutevel e na medida de sua aplicabilidade Assim sempre que dizemos referencia ao termo lsquoeficaacutecia juriacutedicarsquo faacute-lo-emos abrangendo a noccedilatildeo de aplicabilidade que lhe eacute inerente e dele natildeo pode ser dissociada

Ingo Sarlet (1998 p 265) ao tratar a respeito das normas programaacuteticas afirma que no seu entender ldquo() as normas constitucionais de cunho programaacuteticordquo podem ser ldquo() normas programa normas-tarefa normas-fim imposiccedilotildees legiferantes ()rdquo

Sarlet (1998 p 265) entende que as normas programaacuteticas ldquotambeacutem satildeo dotadas de eficaacutecia e natildeo podem ser consideradas meras proclamaccedilotildees de cunho ideoloacutegico ou poliacutetico ()rdquo

34 Sobre o tema Sarlet ainda pontua a doutrina divergente de Eros Roberto Grau e para tanto direcionamos o leitor agrave consulta da pagina 211 da jaacute citada obra

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Em sua obra Ingo afirmando fundamentaccedilatildeo em doutrina majoritaacuteria lista as eficaacutecias que as normas programaacuteticas definidoras de direitos fundamentais possuem

a) Acarretam a revogaccedilatildeo dos atos normativos anteriores e contraacuterios ao conteuacutedo da norma definidora de direito fundamental e por via de consequumlecircncia sua desaplicaccedilatildeo independentemente de sua declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade () b) Conteacutem imposiccedilotildees que vinculam o legislador no sentido que este natildeo apenas estaacute obrigado a concretizar os programas tarefas fins e ordens mas tambeacutem que o legislador ao cumprir seu desiderato natildeo pode afastar-se dos paracircmetros preestabelecidos nas normas definidoras de direitos fundamentais a prestaccedilotildees () c) () impotildee a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados apoacutes a vigecircncia da Constituiccedilatildeo caso colidentes com o conteuacutedo dos direitos fundamentais isto eacute caso contraacuterios ao sentido dos princiacutepios e regras contidos nas normas que os consagram d) Os direitos fundamentais prestacionais de cunho programaacutetico constituem paracircmetro para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas (demais normas constitucionais e normas infraconstitucionais) jaacute que conteacutem princiacutepios diretrizes e fins que condicionam a atividade dos oacutergatildeos estatais e influenciam neste sentido toda a ordem juriacutedica resultando ainda neste contexto no condicionamento da atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Poder Judiciaacuterio () e) Os direitos fundamentais a prestaccedilotildees ndash mesmo os que reclamam uma interpositio legislatoris ndash geram sempre algum tipo de posiccedilatildeo juriacutedico-subjetiva tomando-se esta consoante assinado alhures em um sentido amplo e natildeo restrita agrave concepccedilatildeo de direito subjetivo individual a determinada prestaccedilatildeo estatal ()

Eacute importante tambeacutem trazer-se agrave baila as liccedilotildees de Maria Helena Diniz cuja classificaccedilatildeo quanto agraves normas constitucionais jaacute fora citadas na nota de rodapeacute nordm 52 e esta jaacute foi inclusive objeto de citaccedilatildeo em julgado do STF35 ao analisar as normas natildeo auto-aplicaacuteveis (classificaccedilatildeo adotada pela doutrina claacutessica e qual jaacute fora mencionada acima vide nota 41) citou a doutrina do efeito paralisante das normas constitucionais de modo que transcreve-se abaixo este ensinamento

24 Aliaacutes no tocante ao caraacuteter da norma constitucional em exame cumpre consignar que o fato de natildeo ser auto-aplicaacutevel ou seja de natildeo poder produzir efeitos positivos enquanto natildeo regulamentada natildeo significa que produza efeitos negativos ateacute a complementaccedilatildeo legislativa A Administraccedilatildeo Puacuteblica ao exonerar a servidora por tal fundamento acabou conferindo efeitos negativos ao texto constitucional As normas natildeo-auto-aplicaacuteveis outorgam direitos ao indiviacuteduo poreacutem postergam sua eficaacutecia

35 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio 211301 Estado do Rio Grande do Sul e Vania Maria Dias de Freitas

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plena a regramento infraconstitucional posterior Tal caracteriacutestica da norma contudo natildeo lhe retira a eficaacutecia relativa isto eacute a Lei Maior garante relativamente o direito Eacute bem verdade que tal circunstacircncia implica ausecircncia de efeitos positivos Poreacutem confere efeitos concretos que inibem a aplicaccedilatildeo de normas contraacuterias ao direito relativamente conferido Eacute o que a doutrina denomina de eficaacutecia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatiacuteveis com o texto constitucional Nesse sentido vale transcrever os comentaacuterios insertos na obra de Alexandre de Morais (Direito Constitucional 6 ed paacuteg 40) ao narrar a nova classificaccedilatildeo das normas constitucionais proposta por Maria Helena Diniz

Novamente vale-se dos ensinamentos de Ingo Sarlet (1998 p 235-248) que assevera o fato do artigo 5ordm sect1ordm CF88 trazer em si uma ldquoPRESUNCcedilAtildeO RELATIVA de que satildeo normas de eficaacutecia plena ou no maacuteximo contidas e natildeo de que satildeo normas de eficaacutecia limitadardquo Ocorre que em sendo uma presunccedilatildeo relativa deve-se reconhecer que existem exceccedilotildees e diante das hipoacuteteses excepcionais desde que fundamentadamente o Estado pode natildeo atribuir-lhe eficaacutecia imediata

Inobstante a isso o constituinte trouxe no texto da CF88 dois instrumentos destinados a sanar as omissotildees inconstitucionais a) Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por omissatildeo (ADO) e b) Mandado de Injunccedilatildeo (MI)

Por conseguinte apesar do art 5ordm sect1ordm CF88 falar que a eficaacutecia eacute imediata em casos extremos a eficaacutecia natildeo eacute imediata o que demanda um agir do legislador No entanto essas satildeo situaccedilotildees extremas de modo que sempre que possiacutevel deve-se dar aplicaccedilatildeo imediata a tais normas

Assim transcrevemos suas liccedilotildees a respeito do tema

() Para aleacutem disso (e justamente por este motivo) cremos ser possiacutevel atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que eventual recusa de sua aplicaccedilatildeo em virtude da ausecircncia de ato concretizador deveraacute ser necessariamente fundamentada 88 presunccedilatildeo esta que natildeo milita em favor das demais normas constitucionais que como visto nem por isso deixaratildeo de ser imediatamente aplicaacuteveis e plenamente eficazes na medida em que natildeo reclamarem uma interpositio legislatoris aleacutem de gerarem - em qualquer hipoacutetese - uma eficaacutecia em grau miacutenimo Isto significa em uacuteltima anaacutelise que no concernente aos direitos fundamentais a aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena assumem a condiccedilatildeo de princiacutepio geral ressalvadas exceccedilotildees que para serem legitimas dependem de convincente justificaccedilatildeo agrave luz do caso concreto (grifos inseridos pelo autor)

E continua o professor

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() aos poderes puacuteblicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficaacutecia possiacutevel outorgando-lhes neste sentido efeitos reforccedilados relativamente agraves demais normas constitucionais jaacute que natildeo haacute como desconsiderar a circunstacircncia de que a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui em verdade um dos esteios de sua fundamentalidade formal no acircmbito da Constituiccedilatildeo () (grifos nossos)

Por fim Ingo Sarlet menciona inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito

() Em que pese a argumentaccedilatildeo vitoriosa conduzida pelo culto voto do Relator Ministro Celso de Mello entendemos ser questionaacutevel o ponto de vista adotado jaacute que inexistindo no caso qualquer obstaacuteculo (como a inexistecircncia de recursos a necessidade de implementar programas sociais ou econocircmicos etc) a natildeo ser a remissatildeo expressa ao legislador natildeo haveria justificativa idocircnea a afastar a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plenitude eficacial consagrada no art 5ordm sect 1deg de nossa Constituiccedilatildeo E justamente neste particular - do que daacute conta o exemplo referido - que a posiccedilatildeo ora sustentada se afasta (no sentido de ir aleacutem) das concepccedilotildees mais tiacutemidas a respeito da aplicabilidade imediata das normas que versam sobre direitos fundamentais sem recair no extremo oposto isto eacute na desconsideraccedilatildeo da existecircncia ndash ainda que em caraacuteter excepcional ndash de hipoacuteteses em que natildeo haacute como dispensar uma concretizaccedilatildeo pelo legislador

Outrossim o direito ao desenvolvimento eacute uma norma programaacutetica que possui ao menos uma eficaacutecia miacutenima reside justamente no efeito paralisante qual seja de declarar a inconstitucionalidade de qualquer que com ela venha a conflitar em qualquer espeacutecie de controle de constitucionalidade

O regime juriacutedico no acircmbito constitucional dos direitos fundamentais natildeo se resume somente ao artigo 5ordmsect1ordm CF88 assim eacute importante tambeacutem asseverar que em sendo o direito ao desenvolvimento um direito fundamental esta norma constitucional TAMBEacuteM SERVE COMO PRECEITO FUNDAMENTAL36

36 Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal pode ser constatado na ementa da ADPF-MC 33 () Direitos e garantias individuais claacuteusulas peacutetreas princiacutepios sensiacuteveis sua interpretaccedilatildeo vinculaccedilatildeo com outros princiacutepios e garantia de eternidade Densidade normativa ou significado especiacutefico dos princiacutepios fundamentais () 9 Cautelar confirmada (ADPF 33 MC Relator(a) Min GILMAR MENDES Tribunal Pleno julgado em 29102003 DJ 06-08-2004 PP-00020 EMENT VOL-02158-01 PP-00001)

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Aleacutem do controle concentrado de constitucionalidade haacute que se ponderar que no ordenamento juriacutedico paacutetrio os direitos fundamentais (e isso tambeacutem se aplica ao direito ao desenvolvimento) podem ser tutelados de duas outras formas a) por meio das accedilotildees coletivas (em sentido amplo) tendo em vista a existecircncia de um microssistema de tutela coletiva37 ou b) por meio das accedilotildees individuais

Em siacutentese o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito humano possui status SUPRACONSTITUCIONAL e em sede de direito interno em decorrecircncia do seu status constitucional eacute NORMA FUNDAMENTAL que goza de presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e de plena eficaacutecia

8 DA RECENTE ALTERACcedilAtildeO DA LEI FEDERAL Nordm 866693 APLICACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Recentemente ocorreu a alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 diploma normativo federal que trata das licitaccedilotildees puacuteblicas de modo que o seu artigo 3ordm foi alterado pela Lei Federal nordm 123492010 passando a dispor da seguinte redaccedilatildeo

Art 3ordm Lei 866693 A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 12349 de 2010) (grifos nossos)

O artigo 3ordm em sua redaccedilatildeo original trazia como finalidades da licitaccedilatildeo segundo a doutrina a) selecionar a melhor proposta para o poder puacuteblico e b) dar atendimento ao principio da impessoalidade para que qualquer um que preencha os requisitos possa contratar com o poder puacuteblico

37 O microssistema processual e material de tutela coletiva existente no ordenamento brasileiro eacute composto de diversos diplomas normativos dentre os quais pode-se destacar Lei da Accedilatildeo popular (Lei Federal nordm 471765) Lei Federal nordm 693881 Lei da Accedilatildeo Civil Puacuteblica (Lei Federal nordm 734785) Coacutedigo de Defesa do Consumidor (Lei Federal nordm 807890) Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (Lei Federal nordm 806990) Estatuto do Idoso (Lei Federal nordm 107412003) dentre outros comandos normativos

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O direito humano e fundamental

No entanto a mencionada alteraccedilatildeo realizada em 2010 teve o condatildeo de incluir tambeacutem dentre as finalidades a de ldquopromover o desenvolvimento nacional sustentaacutevelrdquo

Esse desenvolvimento nacional sustentaacutevel eacute aferiacutevel nos paraacutegrafos 5ordm e seguinte do art 3ordm alterado pela lei 123492010

Denis Borges Barbosa38 em artigo analisando a nova lei afirma com base no item 6 da exposiccedilatildeo de motivos do executivo que

Embora a Lei 123492010 natildeo defina normativamente qual ldquodesenvolvimentordquo seria o objeto do estiacutemulo do poder de compra do estado parece claro que o desenvolvimento econocircmico e em particular tecnoloacutegico seria um de suas vertentes principais

Desta forma o ordenamento juriacutedico paacutetrio em que pese as criacuteticas que jaacute se formam ou que venham a ser construiacutedas eacute certo que partindo-se da presunccedilatildeo de constitucionalidade das normas tem-se mais um diploma (a exemplo de outros tal qual o Estatuto da Cidade plasmado na Lei Federal nordm 102572001) que certamente seraacute de grande valia (desde que aplicado corretamente) para impulsionar o desenvolvimento brasileiro

CONCLUSAtildeO

O direito humano e fundamental ao desenvolvimento possui muacuteltiplas frentes de irradiaccedilatildeo podendo abranger os aspectos sociais econocircmicos e humanos

Como analisado o direito ao desenvolvimento pode ser objeto de tutela tanto em seara internacional quanto interna e isso reforccedila a sua importacircncia

Demonstrou-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem permitindo a anaacutelise de direitos sociais e em decorrecircncia da intergeracionalidade e indivisibilidade dos direitos humanos concluiu-se pela possibilidade do direito ao desenvolvimento tambeacutem poder ser submetido a esta Corte

38 BARBOSA Denis Borges Licitaccedilatildeo como instrumento de incentivo agrave Inovaccedilatildeo o impacto da Lei 123492010 Disponiacutevel em lthttpwwwdenisbarbosaaddrcomarquivos200poder_compra licitacao_instrumento_incentivo_inovacaopdf Acesso em 01 de set 2011

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Ademais com lastro em amplo conteuacutedo doutrinaacuterio pode-se concluir que em acircmbito interno o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito fundamental eacute uma norma que possibilita o efeito paralisante perante outras normas e dentre outros efeitos possibilita inclusive a sua adoccedilatildeo como preceito fundamental em sede de Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental

Identificou-se no ordenamento paacutetrio recente comando normativo que eacute apontado pela doutrina como positivaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento

Por fim citou-se entendimento doutrinaacuterio que indica os principais desafios para o direito ao desenvolvimento

REFEREcircNCIAS

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O direito humano e fundamental

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Adriano Justi Martinelli

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL1

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION

Caroline Alessandra Taborda dos Santos 2

Resumo O presente trabalho teve como objetivo abordar os aspectos poliacuteticos e

sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional Para tanto foram realizados estudos juriacutedicos e sociais por meio de consulta a jurisprudecircncias doutrinas e leis aleacutem de pesquisa de campo entrevista com colaboradores e fundadores do CEJAPR O presente estudo resultou na anaacutelise de como os organismos sociais podem interferir no resultado praacutetico das adoccedilotildees internacionais

Palavras-chave Adoccedilatildeo Internacional Sociedade SSI CEJAPR Abstract

The paper had as its objective the approach of social and political aspects that surround international adoption As such it analyses legal and social studies by means of consultation of jurisprudence doctrines and laws as well as field studies interviews with participants and founders of CEJAPR The present study resulted in the analysis of how social organisms may interfere in the practical outcome of international adoptions

Keywords Adoption International Society SSI CEJAPR

INTRODUCcedilAtildeO

A arte e a cultura rompem fronteiras pondo os Estados em contiacutenuo intercacircmbio Para a manutenccedilatildeo das bases criadas o Estado teraacute sempre a necessidade de ampliar e intensificar as suas relaccedilotildees com os demais sujeitos do Direito Internacional

Neste diapasatildeo eacute que o presente estudo pretende mostrar que a adoccedilatildeo internacional repercute natildeo apenas na famiacutelia adotante mas tambeacutem numa

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada bacharel em Direito pela PUCPR Poacutes-graduada pela EMAPPR E-mail ltcarolinetabordahotmailcomgt

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

conscientizaccedilatildeo social de sua finalidade seu reflexo na sociedade em que vivemos e na qual desejamos viver

E para o melhor desempenho deste instituto entram em cena os organismos de regulaccedilatildeo e proteccedilatildeo como eacute o caso do Serviccedilo Social Internacional e das Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo

Ainda seraacute apresentado o quadro de adoccedilotildees internacionais no Estado do Paranaacute entre os anos de 2005 a 2010 como resultado da atuaccedilatildeo social e poliacutetica aleacutem da juriacutedica no instituto da Adoccedilatildeo Internacional

1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

O Direito eacute visto como um produto da sociedade em consequecircncia a sociedade eacute tanto um fenocircmeno juriacutedico como tambeacutem social Celso Mello em um trecho do Capiacutetulo I ndash A Sociedade Internacional do Curso de Direito Internacional disserta sobre o Direito como um produto da sociedade

A sociedade internacional dos nossos dias eacute completamente diversa da do seacuteculo anterior em virtude de um fator principal os Estados compreenderam que existem certos problemas que natildeo podem ser resolvidos por eles sem a colaboraccedilatildeo dos demais membros da sociedade internacional () Os direitos do homem se internacionalizam As organizaccedilotildees internacionais especialmente as de aspecto social visam satisfazer as suas necessidades () Estes satildeo os principais entes que atuam na vida internacional mas ao lado deles forccedilas culturais econocircmicas e religiosas influem ou influenciaram a sociedade internacional As forccedilas culturais se manifestam pela realizaccedilatildeo de acordos culturais entre os Estados na criaccedilatildeo de organismos internacionais destinados agrave cultura e aproximaccedilatildeo entre os Estados (MELLO 2004 p 53)

Neste aspecto social do direito devemos tambeacutem observar o conteuacutedo social da adoccedilatildeo aleacutem de sua definiccedilatildeo no mundo juriacutedico Para o doutrinador Paulo Nader o conteuacutedo social da adoccedilatildeo natildeo eacute superado por nenhum instituto juriacutedico

Mais do que uma relaccedilatildeo juriacutedica constitui um elo de afetividade que visa a substituir por ato de vontade o geneticamente formado pela natureza Sob o acircngulo moral a adoccedilatildeo apresenta um componente especial nem sempre presente na procriaccedilatildeo a paternidade desejada Qualquer que seja a motivaccedilatildeo iacutentima a adoccedilatildeo deve ser um ato de amor propoacutesito de envolver o novo ente familiar com igual carinho e atenccedilatildeo dispensados ao filho cosanguiacuteneo (NADER 2006 p 373)

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Ao tratar especificamente da adoccedilatildeo internacional vislumbrando os fenocircmenos sociais no iniacutecio do seacuteculo XX foi possiacutevel constatar a movimentaccedilatildeo de crianccedilas principalmente entre paiacuteses do Primeiro e do Terceiro Mundo em que a alta taxa de desenvolvimento cumulada com a baixa taxa de natalidade e a alta taxa de natalidade somada com a baixa taxa de desenvolvimento unidas trouxeram como resultado a adoccedilatildeo entre esses paiacuteses

No entendimento de Jane Prestes (1998 p 32) este movimento foi decorrente de dois fenocircmenos

O primeiro refere-se a paiacuteses europeus ou mesmo aos Estados Unidos da Ameacuterica ou Canadaacute onde existem programas amplos de planejamento familiar os abortos satildeo legalizados e as matildees solteiras natildeo entregam seus filhos em adoccedilatildeo face agrave existecircncia por parte da sociedade e mesmo da legislaccedilatildeo de maior aceitaccedilatildeo e proteccedilatildeo a ambos O segundo fenocircmeno envolve crianccedilas eou adolescentes abandonados com deficiecircncia ou outros impedimentos que necessitam de uma inserccedilatildeo familiar mas que face agraves questotildees sociais e legais e mesmo culturais natildeo se encontram incluiacutedas nos projetos de adoccedilatildeo de pessoas nacionais

Neste aspecto importante eacute o papel exercido pelo Serviccedilo Social Internacional - SSI objetivando uma melhora na proteccedilatildeo social e legal das partes envolvidas em adoccedilatildeo internacional Desde a sua fundaccedilatildeo em 1921 sem fins poliacuteticos-partidaacuterios e como Agecircncia Social interveacutem nos supracitados fenocircmenos social que circundam paiacuteses envolvidos em adoccedilatildeo assegurando a colaboraccedilatildeo e coordenando as agecircncias de adoccedilatildeo (PRESTES 1998 p 32-33)

Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional e da Uniatildeo Mundial de Proteccedilatildeo agrave Infacircncia na proteccedilatildeo e prevenccedilatildeo de consequecircncias danosas colaboraram para o Seminaacuterio Europeu sobre Adoccedilatildeo entre paiacuteses (Seminaacuterio de Leysin) realizado em Leysin Suiccedila em maio de 1960 promovido pelo Escritoacuterio Teacutecnico da ONU e Governo Suiccedilo (PRESTES 1998 p 33) Neste Seminaacuterio a problemaacutetica da adoccedilatildeo entre paiacuteses foi estudada com enfoque no aspecto social e cultural onde foram estabelecidos princiacutepios baacutesicos que estatildeo inseridos nos documentos internacionais que regulam a adoccedilatildeo Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional tambeacutem estiveram presentes na Convenccedilatildeo de Haia objetivando uma proteccedilatildeo social agraves crianccedilas a ser realizados atraveacutes de maior atuaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas e de organizaccedilotildees qualificadas

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

Aleacutem do retrato histoacuterico da busca por qualidade e eficaacutecia de medidas protetoras da adoccedilatildeo internacional observar o paiacutes de origem da crianccedila assim como o de destino para obter informaccedilotildees detalhadas no processo de seleccedilatildeo de famiacutelia acompanhamento e supervisatildeo no periacuteodo do estaacutegio probatoacuterio (dois anos) e a validade da adoccedilatildeo entre os paiacuteses satildeo importantes detalhes a serem exauridos

O contato e a troca de informaccedilotildees entre as agecircncias de adoccedilatildeo assim como o conhecimento dos antecedentes aleacutem dos fatores ambientais e soacutecio-culturais satildeo de suma importacircncia para a seleccedilatildeo da crianccedila e da famiacutelia

Nesta seara comprometidos com o desenvolvimento das crianccedilas e adolescentes como cidadatildeos e preservando sua dignidade cuida da inserccedilatildeo social seja no Brasil como no estrangeiro e evidenciando assim sua proteccedilatildeo estatildeo as atuais Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo ndash CEJA que contam com a colaboraccedilatildeo de psicoacutelogos e assistentes sociais

Seguindo a linha programaacutetica do Serviccedilo Social Internacional Jane Prestes Coordenadora teacutecnico-administrativa e assistente social da CEJAPR explica que a CEJA Paranaacute interveacutem na adoccedilatildeo dialogando com pessoas internacionais que requerem sua inscriccedilatildeo orientando os representantes das agecircncias conveniadas de forma a refletir sobre as expectativas evidenciadas dando uma visatildeo realista exame minucioso dos relatoacuterios teacutecnicos e da documentaccedilatildeo apresentada pelos paiacuteses de origem dos candidatos a pais adotivos emitindo os respectivos pareceres estudo aprofundado natildeo soacute da legislaccedilatildeo mas dos aspectos soacutecio-culturais e das motivaccedilotildees eacutetnicas e sociais objetivando os convecircnios a serem firmados com entidades internacionais o cadastramento de crianccedilas e candidatos a adotar em um sistema central e unificado a preparaccedilatildeo individual e documental de crianccedilas adotaacuteveis com histoacuterico de vivecircncia institucional em Obras Particulares abrangendo o diagnoacutestico bio-psico-social e a elaboraccedilatildeo de laudos do histoacuterico da vivecircncia das crianccedilas inclusive institucional preparando um dossiecirc da crianccedila em que conecta trecircs planos da formaccedilatildeo do processo de identidade Psicoloacutegico Psicossocial e Psico-Histoacuterico (PRESTES 1998 p 38)

O enfoque social das entidades de adoccedilatildeo nos termos de Jane Prestes (1998 p 39) se constitui

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

em procedimentos metoacutedicos de um processo de ajuda psicossocial desenvolvido num diaacutelogo a partir do qual ocorrem transformaccedilotildees inerentes agraves experiecircncias humanas O processamento de transformaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo social intenciona provocar mudanccedilas no crescimento e desenvolvimento da pessoa grupos ou comunidades que se traduzem em modificaccedilotildees no movimento do seratildeo-mais-ser

Participa do aspecto social da adoccedilatildeo natildeo soacute os paracircmetros para que ela ocorra de forma a satisfazer os interesses do menor abandonado e dos pais adotante sem desvios de finalidade mas principalmente analisar o bem estar familiar da infacircncia a fim de prevenir abandonos A inadequada educaccedilatildeo de crianccedilas e adolescentes decorre muitas vezes de problemas econocircmicos que necessitam de intervenccedilatildeo das autoridades nacionais e internacionais com o objetivo de propiciar programas de proteccedilatildeo agrave matildee e agrave crianccedila (PRESTES 1998 p 39)

Ainda conforme entendimento de Paulo Nader (2006 p 374) ldquoeacute fundamental a organizaccedilatildeo de mecanismos de proteccedilatildeo e estiacutemulos ao desenvolvimento saudaacutevel de menores sob pena de comprometimento da paz socialrdquo

Luiz Carlos Barros Figueiredo salienta que a adoccedilatildeo natildeo eacute um ato caritativo nem resolve as mazelas sociais de paiacuteses a adoccedilatildeo eacute dar a possibilidade de dar uma famiacutelia a quem natildeo a tem Aleacutem de que natildeo se busca melhor crianccedila para a famiacutelia e sim a melhor famiacutelia para a crianccedila (FIGUEIREDO 1998 p 19)

E aleacutem de atender os interesses particulares como a carecircncia afetiva dos pais e proporcionar uma famiacutelia substituta ao destituiacutedo do poder familiar para Paulo Nader a adoccedilatildeo atende tambeacutem os interesses da proacutepria sociedade ldquopois crianccedilas e adolescentes desamparados sem uma lar que lhes proporcione ambiente e condiccedilotildees indispensaacuteveis ao crescimento fiacutesico e moral eacute um problema a desafiar a solidariedade coletivardquo (NADER 2006 p 374)

O desejo pela maternidade sucumbida por motivos geneacuteticos ou externos assim como o uso de menores estrangeiros para o trabalho barato satildeo motivos dentre os mais variados que trazem agrave histoacuteria da humanidade um terriacutevel capiacutetulo recheado de infraccedilotildees aos direitos humanos de crianccedilas e muitas vezes de seus familiares

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

Natildeo obstante a tutela aos direitos humanos que satildeo direitos fundamentais do ser humano e encontram-se enumerados na Declaraccedilatildeo Universal de 1948 abrangentes de Direitos civis e poliacuteticos Direitos econocircmicos sociais e culturais e os Direitos de solidariedade (ACCIOLY SILVA CASELLA p 462)3 foi necessaacuterio um reconhecimento poliacutetico e social de uma proteccedilatildeo especial principalmente da crianccedila a fim de combater ou ao menos restringir ao maacuteximo praacuteticas delituosas

Desta feita observados os fatores poliacuteticos e sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional vejamos a realidade da adoccedilatildeo internacional dentro do Estado do Paranaacute

2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010

Apoacutes a criaccedilatildeo e instalaccedilotildees das CEJArsquos a partir do ano de 1989 foi possiacutevel realizar aleacutem dos cadastros de pretensos adotantes e de menores prontos para a adoccedilatildeo o armazenamento dos dados referentes agrave vida pregressas desses menores Este banco de dados eacute de suma importacircncia para que o adotado querendo possa exercer seu ldquodireito de conhecer sua origem bioloacutegica bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes apoacutes completar 18 (dezoito) anos (art 48 ECA)

Assim uma vez que todas as adoccedilotildees satildeo registradas eacute possiacutevel ter conhecimento do nuacutemero de adoccedilotildees realizadas por Comarca bem como a quantidade total de crianccedilas adotadas no exterior e ainda quantas adoccedilotildees foram realizadas sendo levados grupos de irmatildeo

No Estado do Paranaacute desde a instalaccedilatildeo da CEJA em 1989 ateacute o ano de 2010 foram realizadas 970 adoccedilotildees internacionais envolvendo 1528 crianccedilas sendo que 192 dessas adoccedilotildees foram realizadas durante o periacuteodo de 2005 ateacute 2010 proporcionando nova famiacutelia a 402 crianccedilas e adolescentes Os paiacuteses

3 Explica o referido autor que os direitos de solidariedade seriam por exemplo o direito do homem a ambiente sadio e ao citar Reneacute Cassin (Les droits de Irsquohomme RDCADI 1974 t140 p321-332) salienta que ldquoa tese de que a proteccedilatildeo dos direitos humanos deveria ser ampliada a fim de incluir o direito a meio ambiente sadio isto eacute livre de poluiccedilatildeo com o correspondente direito agrave aacutegua e ar purosrdquo

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

adotantes neste lapso temporal satildeo Itaacutelia Franccedila Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Luxemburgo Holanda Espanha e Alemanha E dentre eles o paiacutes que mais realizou adoccedilotildees foi a Itaacutelia com 100 adoccedilotildees e levando 186 crianccedilas destacando que as adoccedilotildees foram realizadas anualmente

Em contrapartida os paiacuteses que menos adotaram foram Luxemburgo e Espanha que realizaram apenas uma adoccedilatildeo envolvendo uma uacutenica crianccedila realizadas respectivamente nos anos de 2006 e 2009

Delimitando a pesquisa entre os anos de 2005 e 2010 na Comarca de CuritibaPR vislumbra-se que foram adotadas 124 crianccedilas em 63 procedimentos de adoccedilatildeo realizados Neste periacuteodo o nuacutemero de grupos de irmatildeos adotados em conjunto foi de 28 em 2005 27 em 2006 25 em 2007 26 em 2008 13 em 2009 e de apenas 10 em 2010

Outro dado a ser observado eacute a faixa etaacuteria das crianccedilasadolescentes adotados nos uacuteltimos cinco anos no Paranaacute Entre zero e trecircs anos de idade foram adotadas 54 crianccedilas entre quatro e sete anos foram 133 adotados entre oito e onze anos foram 179 adotados entre doze e quinze anos foram 44 adotados e apenas quatro adoccedilotildees realizadas com crianccedilas maiores de quinze anos

A Itaacutelia aleacutem de se destacar como o paiacutes que mais adota no Brasil destaca-se por adotar anualmente Nas estatiacutesticas do CEJAPR este paiacutes se mostra atuante e no ano de 2011 realizou a adoccedilatildeo conjunta de trecircs diferentes famiacutelias que juntas adotaram um grupo com cinco irmatildeos Os irmatildeos com idade entre cinco e dezesseis anos estavam em abrigo desde 2004 e cadastrados para a adoccedilatildeo internacional desde 2007 As famiacutelias provenientes de Milatildeo assumiram o compromisso de manter contato entre os irmatildeos e selou o novo viacutenculo familiar com as palavras do Corregedor-Geral de Justiccedila o desembargador Noeval de Quadros4

Paternidade e maternidade satildeo uma missatildeo Vocecircs estatildeo levando estas crianccedilas com responsabilidade muito grande de fazer deles cidadatildeos uacuteteis agrave sociedade Temos certeza de que eles teratildeo todas as condiccedilotildees de se desenvolver e daratildeo a vocecircs momentos de muita alegria Haveraacute momentos difiacuteceis eacute claro mas as compensaccedilotildees seratildeo infinitamente maiores A justiccedila confia que estamos entregando essas crianccedilas em boas matildeos

4 CEJA conclui adoccedilatildeo de cinco irmatildeos por trecircs casais italianos Notiacutecia disponiacutevel no site do TJPR Disponiacutevel em lthttpportaltjprjusbrwebguesthomegt Acesso em 31 maio 2011

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

A adoccedilatildeo internacional natildeo trata apenas de estrangeiros pretensos a adotar nacionais A adoccedilatildeo realizada por brasileiros residentes no exterior tambeacutem eacute internacional e requer o cadastro no organismo do domiciacutelio de quem pretende adotar e posteriormente nas autoridades brasileiras Natildeo preenchendo tais requisitos torna-se impossiacutevel a adoccedilatildeo como ocorreu no ano de 2007 em Satildeo Joseacute dos Pinhais vejamos o acoacuterdatildeo5

Agravo de intrumento - accedilatildeo de adoccedilatildeo e destituiccedilatildeo de patrio poder - pretensos adotantes de nacionalidade brasileira poreacutem residentes no exterior - pedido de deslocamento do adolescente adotado a paiacutes estrangeiro - configuraccedilatildeo de adoccedilatildeo internacional - norma prevista na convenccedilatildeo relativa agrave proteccedilatildeo das crianccedilas e agrave cooperaccedilatildeo em mateacuteria de adoccedilatildeo internacional recepcionada por decreto legislativo e presidencial - necessidade de habilitaccedilatildeo dos requerentes agrave adoccedilatildeo junto a ceja (comissatildeo estadual judiciaacuteria de adoccedilatildeo) - decisatildeo mantida - recurso desprovido (TJPR - 12ordf CCiacutevel - AI 0362862-2 - Foro Regional de Satildeo Joseacute dos Pinhais da Regiatildeo Metropolitana de Curitiba - Rel Des Clayton Camargo - Unacircnime - J 04042007)

A diminuiccedilatildeo no nuacutemero de adoccedilotildees realizadas ao passar anos decorre das dificuldades encontradas pelas instituiccedilotildees responsaacuteveis por adoccedilotildees internacionais em nosso paiacutes

3 CONCLUSAtildeO

A adoccedilatildeo natildeo repercute apenas na famiacutelia envolvida Seus reflexos podem ser observados em toda uma sociedade e eacute por isso que o Serviccedilo Social Internacional ndash SSI interveacutem nos fenocircmenos sociais que envolvem os paiacuteses no processo de adoccedilatildeo visando proteger e prevenir consequecircncias danosas As Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo presentes em cada estado da Federaccedilatildeo Brasileira realizam estudos bio-psico-sociais que demonstram a viabilidade da adoccedilatildeo para as famiacutelias que desejam ser formadas visualizando as possibilidades pessoais sociais e psicoloacutegicas dos indiviacuteduos

5 Agravo De Instrumento Ndeg 362862-2 Do Foro Regional De Satildeo Joseacute Dos Pinhais Da Comarca Da Regiao Metropolitana De Curitiba - Vara Infacircncia Juventude Familia E Anexos Disponiacutevel em ltwwwtjprgovbrgt Acesso em 31 maio 2011

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Da anaacutelise dos casos de adoccedilatildeo no Paranaacute aleacutem do depoimento dos responsaacuteveis pela adoccedilatildeo internacional no Estado do Paranaacute mostram que o Brasil pela vasta regulamentaccedilatildeo acaba por se excluir do acircmbito internacional A facilidade de adotar em outros paiacuteses faz com que inuacutemeras crianccedilas e adolescentes cresccedilam e se desenvolvam em abrigos onde uma matildee eacute matildee de todos

Por outro lado atualmente eacute possiacutevel constatar a inexistecircncia de casos de desvio de finalidade da adoccedilatildeo diferentemente do que ocorrera nos anos 80 quando crianccedilas principalmente receacutem-nascidos eram postos agrave venda como se mercadorias fossem

REFEREcircNCIAS

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Vitor Soliano

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS

NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA1

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM

Vitor Soliano2

Resumo O presente artigo pretende relacionar trecircs ideias fundamentais da teoria

constitucional contemporacircnea a Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica o Ativismo Judicial e o Neoconstitucionalismo mormente em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Defende-se que a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo de 1988 ocasionou a abertura da doutrina constitucional para o Neoconstitucionalismo e junto a ele modelos teoacutericos ingecircnuos e irresponsaacuteveis promotores do que podemos chamar de Ativismo Judicial Aponta para a judicializaccedilatildeo irresponsaacutevel dos direitos sociais como local privilegiado de observaccedilatildeo deste fenocircmeno Conclui afirmando que o Ativismo em mateacuteria de direitos sociais causa hipertrofia poliacutetica no Poder Judiciaacuterio corrompendo os sistemas sociais e prejudicando o funcionamento adequado da democracia Aponta contudo para um caminho possiacutevelnecessaacuterio para a judicializaccedilatildeo responsaacutevel dos direitos sociais

Palavras-chave Ativismo Judicial Direitos Sociais Neoconstitucionalismo Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica

Abstract This article seeks to relate three key ideas of contemporary constitutional

theory the Symbolic Constitutionalization the Judicial Activism and neoconstitutionalism especially in the field of fundamental social rights It is argued that hypertrophy of the symbolic function of the 1988 Constitution led to the opening of the constitutional doctrine to neoconstitutionalism and with it naive and irresponsible theoretical models promoters of what we call Judicial Activism Points to the irresponsible judicialization of social rights as a privileged spot of observation of this phenomenon Concludes that Judicial Activism in social rights causes a hypertrophy on Judiciary Power corrupting the social systems and misleading the

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Direito Puacuteblico do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGDUFBA) com bolsa financiada pela Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash CAPES Especialista em Direito Puacuteblico pelo JusPodivmFaculdade Baiana de Direito Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS Advogado

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

function of democracy Points however to a path possiblenecessary for responsible judicialization of social rights

Keywords Judicial Activism Social Rights Neoconstitutionalism Symbolic Constitutionalisation

INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 colocou uma seacuterie de questotildees novas ao constitucionalismo brasileiro Dentre elas deve-se destacar a progressiva judicializaccedilatildeo da poliacutetica e principalmente o Ativismo Judicial Nos uacuteltimos anos portanto esta temaacutetica ateacute entatildeo estranha agraves preocupaccedilotildees dos constitucionalistas brasileiros passou a ser assunto fundamental

Luis Roberto Barroso (2011 p 276-278) faz uma conhecida distinccedilatildeo entre os dois termos Para o autor a judicializaccedilatildeo eacute uma consequecircncia inevitaacutevel do modelo de Constituiccedilatildeo e de Estado adotado pelo Brasil em 1988 Trata-se da transferecircncia para o Poder Judiciaacuterio de diversas questotildees antes afeitas agraves instacircncias poliacuteticas Afirma que a redemocratizaccedilatildeo a constitucionalizaccedilatildeo abrangente e o sistema de controle de constitucionalidade adotado por noacutes impulsionam para esse fenocircmeno

O Ativismo em outro giro estaria relacionado a uma escolha uma forma de interpretar e aplicar a Constituiccedilatildeo Estaria marcado pela aplicaccedilatildeo direta do Texto Magno pela declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de leis com base em criteacuterios pouco riacutegidos e pela ldquoimposiccedilatildeo de condutas ou de abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (BARROSO 2011 p 279)

Parece incontroverso dizer que soacute eacute possiacutevel falar em Ativismo Judicial no Brasil a partir da Constituiccedilatildeo Cidadatilde3 Ateacute entatildeo a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na defesa e concretizaccedilatildeo das normas constitucionais era altamente reduzida Soacute a partir daiacute eacute que conceitos como Supremocracia passam a fazer sentido (VIEIRA 2008 p 441-464)

A obra monograacutefica produzida no Brasil mais importante sobre o tema certamente eacute o livro de Elival da Silva Ramos Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos (2010) Natildeo obstante natildeo concordarmos com alguns de seus

3 Nesse sentido Streck 2010 p 23-24 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 449

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pressupostos teoacutericos conforme ficaraacute claro ao final parece imprescindiacutevel trazer a conceituaccedilatildeo de Ativismo Judicial do autor

Ao se fazer menccedilatildeo ao ativismo judicial o que se estaacute a referir eacute agrave ultrapassagem das linhas demarcatoacuterias da funccedilatildeo jurisdicional em detrimento principalmente da funccedilatildeo legislativa mas tambeacutem da funccedilatildeo administrativa e ateacute mesmo da funccedilatildeo de governo [] da descaracterizaccedilatildeo da funccedilatildeo tiacutepica do Poder Judiciaacuterio com incursatildeo insidiosa sobre o nuacutecleo essencial de funccedilotildees constitucionalmente atribuiacutedas a outros Poderes (RAMOS 2010 p 116-117 destaque do original)

E em outra passagem

por ativismo judicial deve-se entender o exerciacutecio da funccedilatildeo jurisdicional para aleacutem dos limites impostos pelo proacuteprio ordenamento que incumbe institucionalmente ao Poder judiciaacuterio fazer atuar resolvendo litiacutegios de feiccedilotildees subjetivas (conflitos de interesse) e controveacutersias juriacutedicas de natureza objetiva (conflito normativo) Haacute como visto uma sinalizaccedilatildeo claramente negativa no tocante agraves praacuteticas ativistas por importarem na desnaturaccedilatildeo da atividade tiacutepica do Poder Judiciaacuterio em detrimento dos demais Poderes (RAMOS 2010 p 129)

Embora a intenccedilatildeo deste trabalho natildeo seja apresentar uma resposta ou uma contra-argumentaccedilatildeo agrave obra de Elival da Silva Ramos parece que esta conceituaccedilatildeo embora aparentemente correta eacute incompleta A proposta eacute demonstrar que a delimitaccedilatildeo conceitual de Ativismo Judicial possui um fundo muito mais teoacuterico do que empiacuterico ou visiacutevel e intimamente ligado com o momento da decisatildeo judicial4 Trata-se assim de se perquirir por uma conceituaccedilatildeo mais complexa

A busca pela delimitaccedilatildeo conceitual do Ativismo Judicial ou pela caracterizaccedilatildeo de uma postura judicante ativista deve perpassar por trecircs questotildees abandono de concepccedilotildees metodoloacutegicas ingecircnuas ou ultrapassadas adequaccedilatildeo agraves opccedilotildees feitas ao longo da histoacuteria e agrave atual feiccedilatildeo do constitucionalismo e consciecircncia do quadro institucional e normativo desenhado pelo ordenamento paacutetrio O foco do presente estudo satildeo as duas primeiras questotildees

4 Importante dizer que o referido autor natildeo ignora a questatildeo teoacuterica e hermenecircutica de fundo Contudo parece natildeo consideraacute-la a mais importante

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

O objetivo do presente estudo eacute analisar a questatildeo do Ativismo Judicial relacionando-a com a Constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e com o neoconstitucionalismo Como ficaraacute claro nos itens que seguem o sentido negativo da primeira e o segundo satildeo os responsaacuteveis pelo surgimento do Ativismo Judicial no Brasil Tal fato eacute especialmente relevante e visiacutevel quando o assunto eacute a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Relevante deixar claro desde o iniacutecio que o texto assenta como premissas a inevitabilidade da criatividade judicial (LINHARES SILVESTRE 2011 p 213-234) assumindo o termo Ativismo Judicial em sentido negativo Natildeo haacute Ativismo Judicial positivo (TEIXEIRA 2012 p 37-58)

1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS

Os eventos da Segunda Guerra Mundial marcaram profundamente o Direito o constitucionalismo e o proacuteprio Estado promovendo uma sensiacutevel alteraccedilatildeo na forma como encaramos esses trecircs elementos Ateacute meados da segunda metade do seacuteculo XX a Constituiccedilatildeo era entendida basicamente como uma carta poliacutetica destinada agrave organizaccedilatildeo e limitaccedilatildeo dos poderes ou no maacuteximo delimitadora de programas sociais a serem implementados pelos poderes representativos ndash sem exigibilidade judicial pois ndash o que no Brasil natildeo passou de um simulacro (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 81-90) A normatividade que ensejava algum controle de constitucionalidade limitava-se a uma atuaccedilatildeo negativa (CARNEIRO 2011 p 162) O Estado a despeito de sua sensiacutevel alteraccedilatildeo (de absentiacutesta para promovedor) ainda podia ser tido mais como um Estado legislativo e menos como Estado constitucional

A partir do marco representado pelo Segundo Poacutes-Guerra as normas constitucionais passam a ser dotadas de imperatividade caracteriacutestica atribuiacuteda a todas as normas juriacutedicas e cujo descumprimento possibilita a deflagraccedilatildeo de mecanismos proacuteprios para garantir a sua observacircncia (BARROSO 2010 p 262) Konrad Hesse em obra fundamental sobre o tema ensina que a Constituiccedilatildeo e sua pretensatildeo de eficaacutecia procuram ldquoimprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade socialrdquo (HESSE 1991 p 15) Ou seja a Constituiccedilatildeo natildeo pode ser entendida como uma

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carta de recomendaccedilotildees5 Seus preceitos exigem cumprimento mesmo quando da ausecircncia de regra (produzida pelo legislador infraconstitucional) regulamentadora

Nesse espeque podemos dizer com Marcelo Neves (2009 p 295) que a

Constituiccedilatildeo apresenta-se como a instacircncia baacutesica de autofundamentaccedilatildeo normativa do Estado como organizaccedilatildeo poliacutetico-juriacutedica territorial Enquanto criteacuterio baacutesico de autocompreensatildeo da ordem juriacutedica estatal a Constituiccedilatildeo natildeo deve ser posta de lado pelos inteacuterpretes-aplicadores do ordenamento constitucional ou melhor por aqueles incumbidos de concretizaacute-lo como ordem com forccedila normativa especialmente pelos juiacutezes e tribunais constitucionais Nesse sentido ela constitui um ldquoniacutevel inviolaacutevelrdquo da ordem juriacutedica do Estado constitucional (destaques nossos)

A normatividade da Constituiccedilatildeo mormente a dos princiacutepios constitucionais ndash agora entendidos em seu sentido deontoloacutegico e natildeo apenas diretivoindicativo ndash confere-lhe uma caracteriacutestica expansiva e invasiva em todo o ordenamento juriacutedico A proacutepria compreensatildeo do direito passa a ser condicionada agrave sua conformidade constitucional em niacutevel muito superior ao que se observou na jurisdiccedilatildeo constitucional ateacute a primeira metade do seacuteculo XX Resume Daniel Sarmento (2012 p 112)

Em suma o que se observa atualmente eacute uma tendecircncia global agrave adoccedilatildeo do modelo de constitucionalismo em que as constituiccedilotildees satildeo vistas como normas juriacutedicas autecircnticas que podem ser invocadas perante o Poder Judiciaacuterio e ocasionar a invalidaccedilatildeo de leis ou outros atos normativos [] muitas destas novas constituiccedilotildees que contemplam a jurisdiccedilatildeo constitucional satildeo inspiradas pelo ideaacuterio do Estado Social Satildeo constituiccedilotildees ambiciosas que incorporam direitos prestacionais e diretrizes programaacuteticas vinculantes que devem condicionar as poliacuteticas puacuteblicas estatais (destaques nossos)

E segue o autor

Naturalmente a conjugaccedilatildeo do constitucionalismo social com o reconhecimento do caraacuteter normativo e judicialmente sindicaacutevel dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importacircncia da Constituiccedilatildeo no sistema juriacutedico ndash ela assumiu uma centralidade outrora inexistente ndash bem como da partilha de poder no acircmbito do aparelho estatal com grande fortalecimento do Poder Judiciaacuterio e

5 ldquoa constituiccedilatildeo eacute uma lei vinculativa dotada de efectividade e aplicabilidade A forccedila normativa da constituiccedilatildeo visa exprimir muito simplesmente que a constituiccedilatildeo sendo uma lei como lei deve ser aplicadardquo (destaques do original) (CANOTILHO 2011 p 1150)

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sobretudo das cortes constitucionais e supremas cortes muitas vezes em detrimento das instacircncias poliacuteticas majoritaacuterias (SARMENTO 2012 p 112-113)

Eacute no cenaacuterio da constitucionalizaccedilatildeo do direito6 e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo que seraacute forjado um novo modelo de Estado o Estado Democraacutetico de Direito7 constitucionalizado no Brasil a partir do art 1ordm da Constituiccedilatildeo de 1988

A nova forma de Estado desejada natildeo pretende anular as conquistas das versotildees anteriores (ainda que no Brasil como jaacute referido o Estado Social nunca tenha sido uma realidade) Ao contraacuterio ele pretende unir tais conquistas com o incremento de um aspecto normativo Ou seja o Estado Democraacutetico de Direito possui um plus normativo em relaccedilatildeo agraves versotildees anteriores ldquoimpondo agrave ordem juriacutedica e agrave atividade estatal um conteuacutedo utoacutepico de transformaccedilatildeo da realidaderdquo (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 99)

O nuacutecleo central desse modelo estatal eacute a transformaccedilatildeo da realidade Indo aleacutem das garantias formais de intervenccedilatildeo e de uma simples adaptaccedilatildeo melhorada das condiccedilotildees sociais de existecircncia do Estado Social o Estado Democraacutetico de Direito pretende ser um mecanismo de alteraccedilatildeo do status quo O Direito passa a ser entendido como veiacuteculo de mutaccedilatildeo social e aponta para o futuro O elemento democraacutetico aponta para a universalizaccedilatildeo das conquistas modernas ateacute entatildeo incumpridas (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 98-101)

Natildeo eacute por acaso que o Brasil pretende se inserir nesse modelo

paradigmaacutetico Conforme jaacute aventado a histoacuteria brasileira eacute fraco constitucionalismo

e pouca democracia Aleacutem disso as promessas dos modelos anteriores (ateacute mesmo

as do Estado Liberal) satildeo de difiacutecil concretizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo Colocar o

estado brasileiro ainda que ldquoprogramaticamenterdquo no contexto do Estado

6 Paolo Comanducci afirma que a constitucionalizaccedilatildeo do direito trata-se de ldquoun proceso al teacutermino del cual el Derecho es lsquoimpregnadorsquo lsquosaturadorsquo o lsquoembebidorsquo por la Constitucioacuten un Derecho constitucionalizado se caracteriza por una Constitucioacuten invasiva que condiciona la legislacioacuten la jurisprudencia la doctrina y los comportamientos de los actores poliacuteticos Se trata ademaacutes de un concepto graduado un Derecho pude ser maacutes o menos constitucionalizadordquo (COMANDUCCI 2005 p 81)

7 ldquoO chamado Estado Democraacutetico de Direito eacute tambeacutem denominado pelos autores de tradiccedilatildeo alematilde com Estado Constitucional uma vez que as aquisiccedilotildees histoacutericas deixaram claro que natildeo eacute submissatildeo ao Direito que justificaria a limitaccedilatildeo quer do proacuteprio Estado quer dos Governantes mas necessariamente uma subjugaccedilatildeo total agrave Constituiccedilatildeordquo (FERNANDES 2011 p 206)

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Democraacutetico de Direito eacute uma aposta importante e uma exigecircncia dos nossos

tempos

Neste contexto de normatividade constitucional os direitos fundamentais

sociais ganham uma nova forccedila Embora jaacute fizessem parte ao menos formalmente

de textos constitucionais anteriores (BERCOVICI MASSONETTO 2010 p 510-

528) eacute com a Constituiccedilatildeo de 1988 e o constitucionalismo por ela instaurado que

eles passam realmente a poder significar algo de concreto

Os direitos sociais surgem para complementar positivamente as liberdades

puacuteblicas garantidas pela dimensatildeo negativa dos direitos fundamentais Atraveacutes deles

pretende-se alcanccedilar a liberdade e a igualdade em sentidos materiais e natildeo apenas

formais Constituem-se em direitos a algo ou seja exigem uma atuaccedilatildeo positiva do

Estado para sua concretizaccedilatildeo e natildeo apenas um abster-se Nas palavras de Saulo

Joseacute Casali Bahia satildeo direitos atraveacutes do Estado ldquoe correspondem agrave exigecircncia ao

poder puacuteblico certas prestaccedilotildees materiais ou normativas buscando a igualizaccedilatildeo de

situaccedilotildees socais desiguais e criando condiccedilotildees concretas para o gozo efetivo de

direitosrdquo (CASALI BAHIA 2009 p 300)

Aleacutem disso exigem uma nova visatildeo sobre os direitos individuais Nas

palavras de Bernardo Gonccedilalves Fernandes (2011 p 455)

Os direitos sociais constituem-se no segundo grupo integrador do conceito de Direitos Fundamentais que por mais que adicionem ao cataacutelogo anterior (direitos individuais) satildeo responsaacuteveis por empreender uma releitura completa e radical inclusive produzindo alteraccedilotildees no significado destes (direitos individuais) Ou seja os direitos sociais natildeo soacute alargam a taacutebua de direitos fundamentais mas tambeacutem redefinem os proacuteprios direitos individuais

Enfim os direitos sociais tem a pretensatildeo de realizar uma inclusatildeo

generalizada dos cidadatildeos na esfera poliacutetica (NEVES 2007 p 76-78) atraveacutes da

garantia de meios essenciais de vida

Como veremos a seguir entretanto esta positivaccedilatildeo sozinha natildeo eacute o

suficiente

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2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA

PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL

Como referido acima o Brasil ingressa na fase contemporacircnea do constitucionalismo e no modelo de Estado Democraacutetico de Direito a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O texto constitucional que marca a saiacuteda de um longo periacuteodo ditatorial e o reingresso em um sistema poliacutetico democraacutetico tinha a intenccedilatildeo de apontar um novo rumo para o paiacutes um caminho que levasse a uma sociedade livre justa e solidaacuteria na qual o desenvolvimento nacional fosse garantido e a erradicaccedilatildeo da pobreza e da marginalizaccedilatildeo bem como a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais fossem objetivos estatais (art 3ordm e incisos)

A Constituiccedilatildeo e seu vasto repertoacuterio de direitos e garantias contudo natildeo pode se realizar sozinha nem do dia para a noite A realidade descrita pela Carta Constitucional ainda estaacute distante O Brasil apesar de sua crescente economia ainda se depara com situaccedilotildees de desigualdades sociais proacuteximas de paiacuteses com iacutendices de desenvolvimento econocircmico extremamente inferiores ou seja os direitos sociais natildeo satildeo concretizados de forma adequada Nas palavras de Joseacute Luis Bolzan de Morais (2009 p 44) o projeto constitucional brasileiro ldquose apresenta como de bem-estar mas [] se executa como de mal-estarrdquo Enfim os poderes constituiacutedos mormente os representativos ndash principais responsaacuteveis pela consecuccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ndash tem se mostrado inaptos para dar efetividade aos direitos sociais

Eacute neste cenaacuterio que passa a ser possiacutevel falar no Brasil no que Marcelo Neves (2007) denominou de Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica Em conhecida obra da teoria constitucional brasileira o autor pernambucano vai apresentar o conceito meandros e consequecircncias desta formulaccedilatildeo Pela importacircncia que o conceito assume neste texto vamos exploraacute-lo mais detidamente antes de avanccedilarmos

Segundo Marcelo Neves (2007 p 64) a noccedilatildeo de constitucionalizaccedilatildeo aponta para o fato de uma ordem juriacutedica estatal natildeo ter desenvolvido um sistema constitucional de forma satisfatoacuteria Ou seja soacute se pode falar em constitucionalizaccedilatildeo justamente pelo fato de o sistema juriacutedico natildeo ter ateacute o momento se estabelecido como subordinado agrave Constituiccedilatildeo de forma plena ou ao menos natildeo ter na Constituiccedilatildeo o referencial basilar de todo o restante do sistema O Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 455

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movimento teoacuterico que hoje apregoa a constitucionalizaccedilatildeo do direito no Brasil teria nesse sentido percebido a ldquofalta de Constituiccedilatildeordquo no nosso sistema

A Constituiccedilatildeo (e o proacuteprio constitucionalismo) em sentido moderno aponta para a limitaccedilatildeo do poder e para a garantia de direitos fundamentais aos cidadatildeos ambos atraveacutes do direito (sistema juriacutedico) (CANOTILHO 2011 p 51) Ao mesmo tempo eacute atraveacutes da Constituiccedilatildeo que os sistemas sociais da poliacutetica e do direito podem ser diferenciados e reciprocamente fundamentados Quer isto dizer que o direito eacute legitimado atraveacutes da poliacutetica e a poliacutetica eacute legitimada atraveacutes do direito Esta via de matildeo dupla eacute possibilitada pela Constituiccedilatildeo (NEVES 2007 p 65-66) Podemos afirmar portanto que o processo de constitucionalizaccedilatildeo eacute de um lado a ampliaccedilatildeo e maior efetivaccedilatildeo da limitaccedilatildeo do poder e da garantia de direitos fundamentais e de outro a diferenciaccedilatildeo legiacutetima entre direito e poliacutetica como sistemas sociais autocircnomos Estas ideias seratildeo fundamentais para a compreensatildeo do significado de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

O conceito de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica eacute desenvolvido a partir da problemaacutetica em torno da (falta de) concretizaccedilatildeo das normas constitucionais8 Marcelo Neves natildeo equipara por oacutebvio a norma constitucional com o seu texto Afirma portanto que ldquoo texto e a realidade constitucionais encontram-se em permanente relaccedilatildeo atraveacutes da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretizaccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 83-84) O texto constitucional natildeo se concretiza pois natildeo haacute acircmbito normativo (dados reais) natildeo eacute constituiacutedo de forma suficiente (NEVES 2007 p 85) Ou seja as condiccedilotildees materiais para a concretizaccedilatildeo constitucional natildeo se colocam ou natildeo se colocam de forma adequada Eacute insuficiente que o programa normativo seja adequadamente interpretado (NEVES 2007 p 84)9 Assim do texto constitucional eacute impossiacutevel derivar normatividade

8 Canotilho (2011 p 1201) ldquoConcretizar a constituiccedilatildeo traduz-se fundamentalmente no processo de densificaccedilatildeo de regras e princiacutepios constitucionais A concretizaccedilatildeo das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta ndash norma juriacutedica ndash que por sua vez seraacute apenas um resultado intermeacutedio pois soacute coma descoberta da norma de decisatildeo para a soluccedilatildeo dos casos juriacutedico-constitucionais teremos o resultado final da concretizaccedilatildeo Esta ltltconcretizaccedilatildeo normativagtgt eacute pois um trabalho teacutecnico-juriacutedico eacute no fundo o lado ltltteacutecnicogtgt do procedimento estruturante da normatividade A concretizaccedilatildeo como se vecirc natildeo eacute igual agrave interpretaccedilatildeo do texto da norma eacute sim a construccedilatildeo de uma norma juriacutedicardquo (destaques do original)

9 Marcelo Neves se vale da teoria hermenecircutica de Frederich Muumlller Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 456

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Eacute a partir desse ldquoganchordquo que entra em cena a formulaccedilatildeo mais interessante para os propoacutesitos deste trabalho o sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica Segundo Marcelo Neves (2007 p 91) este conceito afirma que ldquoo texto constitucional natildeo eacute suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizadardquo A partir de Muumlller o autor afirma que do texto normativo natildeo decorre nenhuma normatividade Entende-se aqui esta descriccedilatildeo como caso limite ou seja natildeo quer dizer que a Constituiccedilatildeo seja um nada juriacutedico mas sua normatividade eacute inviabilizada em diversas instacircncias

A ausecircncia de normatividade fica demonstrada pela ldquoausecircncia generalizada de orientaccedilatildeo das expectativas normativas conforme as determinaccedilotildees dos dispositivos da Constituiccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 92) fato que eacute percebido tanto no meio social quanto na atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos estatais (NEVES 2007 p 94) Nas palavras de Marcelo Neves (2007 p 92)

Natildeo estatildeo presentes as condiccedilotildees para o processo seletivo de construccedilatildeo efetiva do acircmbito normativo a partir dos acircmbitos da mateacuteria e do caso com respaldo nos elementos linguiacutesticos contidos no programa normativo O acircmbito da mateacuteria ndash ldquoo conjunto de todos os dados empiacutericos [] que estatildeo relacionados com a normardquo ndash natildeo se encontra estruturado de tal maneira que possibilite o seu enquadramento seletivo no acircmbito normativo Ao texto constitucional natildeo corresponde normatividade concreta nem normatividade materialmente determinada ou seja dele natildeo decorre de maneira generalizada norma constitucional como variaacutevel influenciadora-estruturante e ao mesmo tempo influenciada-estruturada pela realidade a ela coordenada

Neste cenaacuterio o sistema juriacutedico seus procedimentos e argumentos especiacuteficos natildeo conseguem se impor de forma relevante frente aos demais sistemas sociais envolventes como a poliacutetica e a economia Estes sistemas sociais seus criteacuterios e programas atuam de forma bloqueadora ao sistema juriacutedico sobrepondo os seus coacutedigos ao coacutedigo juriacutedico-constitucional (NEVES 2007 p 93) O sistema juriacutedico portanto perde a capacidade de se reproduzir autonomamente

O autor encerra sua anaacutelise do sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica afirmando que nela

ao texto constitucional includente contrapotildee-se uma realidade constitucional excludente do ldquopuacuteblicordquo natildeo surgindo portanto a respectiva normatividade constitucional ou no miacutenimo cabe falar de uma normatividade

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constitucional restrita natildeo generalizada nas dimensotildees temporal social e material (NEVES 2007 p 94)

Esta faceta da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica foi percebida pela doutrina constitucional nos primeiros anos da Constituiccedilatildeo de 1988 ainda que natildeo nos mesmos termos ou na mesma complexidade apresentada por Marcelo Neves A partir desta percepccedilatildeo a teoria constitucional comeccedilou a ser fortemente reformulada e valorizada mormente com a incorporaccedilatildeo do que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Voltar-se-aacute a esta temaacutetica em seguida Antes poreacutem se faz necessaacuterio analisar o outro sentido atribuiacutedo por Marcelo Neves agrave constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Para o autor apesar do aspecto mais marcante da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica ser a ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada das disposiccedilotildees constitucionais eacute possiacutevel perceber que o mesmo texto desempenha um papel poliacutetico-ideoloacutegico Trata-se do que ele chama de sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Fala-se em papel poliacutetico-ideoloacutegico pois a positivaccedilatildeo de diversos direitos e garantias no texto constitucional ldquoresponde a exigecircncias e objetivos poliacuteticos concretosrdquo (NEVES 2007 p 96) Ou seja constitucionaliza-se diversos anseios sociais que contudo natildeo podem ser imediatamente (ou mesmo a meacutedio prazo) concretizados Esta positivaccedilatildeo garante a possibilidade da utilizaccedilatildeo de uma retoacuterica constitucional por parte dos membros do sistema poliacutetico ndash legisladores e governantes em geral ndash e ao mesmo tempo bloqueia a possibilidade alteraccedilatildeo do modelo vigente Atraveacutes deste sentido da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Natildeo apenas podem permanecer inalterados os problemas e relaccedilotildees que seriam normatizados com base nas respectivas disposiccedilotildees constitucionais mas tambeacutem ser obstruiacutedo o caminho das mudanccedilas sociais em direccedilatildeo ao proclamado Estado Constitucional Ao discurso do poder pertencem entatildeo a invocaccedilatildeo permanente do documento constitucional como estrutura normativa garantidora dos direitos fundamentais (civis poliacuteticos e sociais) da ldquodivisatildeordquo de poderes e da eleiccedilatildeo democraacutetica e o recurso retoacuterico a essas instituiccedilotildees como conquistas do estado ou do governo e provas de existecircncia da democracia no paiacutes (NEVES 2007 p 98-99)

A emissatildeo do texto constitucional pelo poder constituinte e sua utilizaccedilatildeo no discurso poliacutetico acarretam no contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica o Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 458

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apaziguamento de determinadas pretensotildees sociais que eram percebidas no momento da promulgaccedilatildeo e no decorrer de sua vigecircncia Atraveacutes das positivaccedilotildees responde-se a exigecircncias do momento e gera-se a ilusatildeo de que o Estado estaacute realmente comprometido com sua populaccedilatildeo Eacute sintomaacutetico no caso da Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 o alargamento do rol de direitos sociais previstos no art 6ordm10

Os dois sentidos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo interligados Ao mesmo tempo em que o texto constitucional natildeo eacute concretizado de forma generalizada ele desempenha um papel de ldquopromessardquo de uma sociedade melhor mais justas e desenvolvida O conteuacutedo ldquointencionalrdquo do texto natildeo eacute vivido nem sentido mas ele serve como ldquosaiacuteda pela tangenterdquo para o Estado mormente o sistema poliacutetico A ausecircncia de concretizaccedilatildeo eacute ldquolegitimadardquo pela presenccedila de uma ilusatildeo

Este quadro eacute especialmente observado quando se analisa as assim chamadas ldquonormas programaacuteticasrdquo das quais se destacam as normas que positivam os direitos sociais econocircmicos e culturais As normas programaacuteticas modalidade de normas de eficaacutecia limitada satildeo aquelas cujos efeitos soacute se produzem apoacutes a atuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos (SILVA 2012) mormente o Poder Legislativo (elaboraccedilatildeo da lei) mas tambeacutem o Poder Executivo (elaboraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas) Quer isto dizer que dependem da elaboraccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo especiacutefica que lhe determinem o conteuacutedo concreto e estabeleccedilam os modos de atuaccedilatildeo do Estado

Deve-se dizer contudo que esse tipo de norma natildeo eacute totalmente desprovida de eficaacutecia Funcionam em primeiro lugar em um sentido negativo proibindo que o Estado aja contrariamente a elas Em segundo lugar traccedilam programas que devem ser cumpridos pelo Estado sob pena de omissatildeo ilegiacutetima

10 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo original)

Art 6o Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo(Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 26 de 2000)

Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 64 de 2010)

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No contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica a referida espeacutecie normativa se constitui em verdade em um pseudoprograma Estatildeo ausentes as condiccedilotildees materiais para a realizabilidade das disposiccedilotildees constitucionais Para que essas normas tivessem o conteuacutedo normativo devido as condiccedilotildees sociais e poliacuteticas teriam que ser completamente transformadas A natildeo realizaccedilatildeo desses ldquoprogramasrdquo contudo natildeo eacute uma decorrecircncia apenas da omissatildeo estatal mas tambeacutem da sua accedilatildeo em sentido contraacuterio uma vez que as injunccedilotildees dos particularismos poliacuteticos e econocircmicos no sistema juriacutedico satildeo frequentes (NEVES 2007 p 114-115)

Neste cenaacuterio os sentidos negativos e positivos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo presentes de forma concomitantes Segundo Marcelo Neves

Embora constituintes legisladores e governantes em geral natildeo possam atraveacutes do discurso constitucionalista encobrir a realidade social totalmente contraacuteria ao welfare state proclamado no texto da Constituiccedilatildeo invocam na retoacuterica poliacutetica os respectivos princiacutepios e fins programaacuteticos encenando o envolvimento e interesse do Estado na sua consecuccedilatildeo A constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estaacute portanto intimamente associada agrave presenccedila excessiva de disposiccedilotildees constitucionais pseudoprogramaacuteticas Dela natildeo resulta normatividade programaacutetico-finaliacutestica antes o diploma constitucional atua como aacutelibi para os agentes poliacuteticos (NEVES 2007 p 115-116)

As funccedilotildees de prestaccedilatildeo e inclusatildeo dos direitos sociais satildeo assim prejudicadas Os cidadatildeos satildeo impossibilitados de fruir dos direitos positivados constitucionalmente pois a funccedilatildeo simboacutelica da constituiccedilatildeo eacute maior e mais presente do que sua funccedilatildeo normativa O Estado de forma geral eacute incapaz de fazer valer aquilo que ele mesmo se obrigou atraveacutes das manifestaccedilotildees do poder constituinte originaacuterio e derivado11 Desta forma a proacutepria realizabilidade de um Estado Democraacutetico de Direito fica comprometida jaacute que a inclusatildeo eacute condiccedilatildeo de possibilidade para uma participaccedilatildeo poliacutetica ideal

O duro cenaacuterio apresentado por Marcelo Neves talvez natildeo seja hoje o direito constitucional vivido no Brasil totalmente O crescimento da teoria e da

11 Casali Bahia (2009 p 300) ldquoO capiacutetulo dos direitos sociais passou a integrar textos constitucionais embora isto por si soacute natildeo decirc conta de sua efetividade Vale bem mais a disposiccedilatildeo poliacutetica dos representantes eleitos ou a firmeza do Judiciaacuterio em exigir prestaccedilotildees desejadas pela sociedade previstas em sua Constituiccedilatildeo que o formalismo e a programaticidade extensa e ineficienterdquo

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doutrina constitucional nos uacuteltimos anos deu mais forccedila ao Texto Magno Embora estejamos longe de alcanccedilar uma plena normatividade constitucional a Constituiccedilatildeo se faz muito mais presente hoje Este sensiacutevel modificaccedilatildeo tem um motivo determinado

Como referido acima os juristas dedicados ao direito constitucional perceberam o quadro de simbolismo constitucional que o Brasil vivia logo depois da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 Esta percepccedilatildeo fez com se passasse a incorporar um movimento teoacuterico e ideoloacutegico denominado de neoconstitucionalismo Este movimento daacute ao direito constitucional uma nova cara reformula dogmas ateacute entatildeo vigentes e concede novo significado e papel agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Em certa medida isto foi positivo Trouxe contudo alguns problemas mormente o de legitimidade da atuaccedilatildeo judicante Fala-se aqui do problema do Ativismo Judicial

Como seraacute demonstrado na sequecircncia o otimismo metodoloacutegico do neoconstitucionalismo e a sua acircnsia por concretizaccedilatildeo a qualquer custo acabaram por fazer surgir distorccedilotildees no sistema juriacutedico quando enxergado em seu todo O ldquocompromisso irresponsaacutevelrdquo (CARNEIRO 2009 p 313-328) do neoconstitucionalismo com a concretizaccedilatildeo causa justamente por sua fragilidade teoacuterica distorccedilotildees no funcionamento adequado do Estado e paradoxalmente na proacutepria concretizaccedilatildeo do texto constitucional de maneira iacutentegra e coerente

Disse-se na introduccedilatildeo deste trabalho que entendemos a expressatildeo Ativismo Judicial de maneira negativa Ou seja quando se afirma que o Poder Judiciaacuterio eacute ativista ou estaacute se comportando de forma ativista faz-se em sentido de criacutetica de reprovaccedilatildeo Nos proacuteximos itens seraacute demonstrado o que se entende por Ativismo e como no Brasil ele foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo Mais a frente tratar-se-aacute do Ativismo em mateacuteria de direitos sociais relacionando-o com uma nova ideia de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido positivo

3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA

Este momento do trabalho exige uma parada metodoloacutegica para que se defina o que significa Ativismo Judicial Deve-se ter em mente como se disse na Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 461

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introduccedilatildeo que o Ativismo eacute entendido como um mal uma atuaccedilatildeo ilegiacutetima do Poder Judiciaacuterio Ao mesmo tempo este trabalho toma como premissas teoacutericas a inevitabilidade da criatividade judicial e a assunccedilatildeo de que o poder judicante tem um papel na concretizaccedilatildeo dos direitos albergados na Constituiccedilatildeo

O ponto de estofo para se diferenciar dentro de uma teoria voltada para o Judiciaacuterio concepccedilotildees ativistas e natildeo ativistas de jurisdiccedilatildeo constitucional reside no como se compreendeinterpretarealiza a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A ocorrecircncia de um deslocamento do polo de tensatildeo entre os poderes do Estado em direccedilatildeo ao Poder Judiciaacuterio12 ndash consequecircncia da inserccedilatildeo no paradigma do Estado Democraacutetico de Direito e da adoccedilatildeo do substancialismo ndash aumentaraacute o caraacuteter hermenecircutico-interpretativo do Direito e a sua consequente necessidade de limitaccedilatildeo (STRECK 2011 p 59)13

Ora se ateacute o contexto da Constituiccedilatildeo de 1988 boa parte da responsabilidade pela inefetividade do texto magno residia em uma precaacuteria teoria da Constituiccedilatildeo e do Direito ndash positivismo sistema de regras racionalidade instrumental e descritiva ndash um eventual excesso na concretizaccedilatildeo (Ativismo Judicial) tambeacutem ocorreraacute por razotildees epistecircmicas Conforme assevera Andreacute Ramos Tavares a ldquoconsistecircncia e o refinamento dos meacutetodos de trabalho da Justiccedila Constitucional [] satildeo parte integrante da discussatildeo acerca de sua legitimidade de atuaccedilatildeo no acircmbito dos direitos fundamentaisrdquo (TAVARES 2012 p 66)

Parece ser este tambeacutem o entendimento de Joatildeo Mauriacutecio Adeodato (2009 p 164-165) ao afirmar que

O debate sobre a funccedilatildeo do judiciaacuterio tambeacutem estaacute por traacutes de toda a discussatildeo hermenecircutica a questatildeo fundamental sobre como os paradigmas de racionalidade podem construir a vaacutelvula de escape e calibraccedilatildeo da legitimidade ou verem-se inutilizados pelo casuiacutesmo trazido por uma exacerbaccedilatildeo da discricionariedade dos julgadores e da importacircncia dos participantes na lide concreta

12 ldquoSabe-se que no quadro da triparticcedilatildeo de funccedilotildees quando qualquer deles natildeo cumpre com eficiecircncia seu papel institucional ocorre uma compensaccedilatildeo sistecircmica que em nosso paiacutes se costuma se atribuir ao Judiciaacuteriordquo (NUNES 2011 p 35)

13 No mesmo sentido cf OLIVEIRA 2008 p 66-74 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 462

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Ou seja haacute uma relaccedilatildeo iacutentima entre racionalidade do discurso (e da interpretaccedilatildeo acrescente-se) e a (i)legitimidade da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Se eacute verdade que os deacuteficits de modernizaccedilatildeo vividos em sociedades perifeacutericas e semiperifeacutericas acaba tornado o Poder Judiciaacuterio no ldquouacuteltimo dos moicanosrdquo para defesa e garantia das promessas modernas natildeo eacute menos verdade que o compromisso com o constitucionalismo com a democracia e com a autonomia do Direito possa ser esquecida (CARNEIRO 2011 p 25-26) E o desequiliacutebrio excessivo nesse projeto (Ativismo Judicial) tem repita-se em primeiro lugar uma justificativa epistemoloacutegica

A identificaccedilatildeo do Ativismo Judicial passa prioritariamente natildeo por uma atitude de interferecircncia do Judiciaacuterio em aacutereas tradicionalmente deixadas aos Poderes Representativos mas sim pelo modo pelo como essa interferecircncia ocorre Ou seja o Ativismo Judicial eacute caracterizado por uma forma inadequadaequivocada de se lidar com a inevitabilidade da criatividade da atuaccedilatildeo judicial14 Ele (o Ativismo) encontra-se relacionado a um caraacuteter natildeo democraacutetico e por isso natildeo legiacutetimo da ldquocarga criativa que se encontra em todas as manifestaccedilotildees de criaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direitordquo (CARNEIRO 2009 p 180)

A teoria hermenecircutica contemporacircnea estabeleceu que o fenocircmeno compreensivo natildeo estaacute cindido da aplicaccedilatildeo e acontece mediante uma antecipaccedilatildeo de sentido jaacute carregado pelo inteacuterprete (GADAMER 2006 p 57)

Conforme liccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio Freire Soares a partir de Heidegger a ldquocompreensatildeo passa a ser visualizada natildeo como ato cognitivo de um sujeito dissociado do mundo mas isto sim como um prolongamento essencial da existecircncia humana Compreender eacute um modo de estar antes de configurar-se como um meacutetodo cientiacuteficordquo (SOARES 2011 p 9) A pergunta pela hermenecircutica portanto passa a ter mais em conta a relaccedilatildeo que o inteacuterprete estabelece com sua situaccedilatildeo no mundo (SOARES 2011 p 10)

14 Fundamental nesse sentido a advertecircncia de Lenio Streck ldquohaacute de ser ter o devido cuidado a afirmaccedilatildeo de que o lsquointeacuterprete sempre atribui sentido (Sinngebung) ao textorsquo nem de longe pode significar a possibilidade de este estar autorizado a lsquodizer qualquer coisa sobre qualquer coisarsquo atribuindo sentidos de forma arbitraacuteria aos textos como se texto e norma estivessem separados (e portanto tivessem lsquoexistecircnciarsquo autocircnoma) () Portanto todas as formas de decisionismos e discricionariedades devem ser afastadasrdquo (STRECK 1999 p 142-143)

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Como ato de existecircncia a compreensatildeo natildeo tem um iniacutecio determinado Ela ocorre a todo o tempo a partir do nosso contato com diferentes eventosfatos A ldquoaplicaccedilatildeordquo natildeo eacute um momento diverso ou secundaacuterio agrave compreensatildeo Somente compreendemos algo porque estamos diante de um algo concreto Eacute o que se chama de applicatio Na liccedilatildeo de Gadamer (2006 p 57) a aplicaccedilatildeo

natildeo pode jamais significar uma operaccedilatildeo subsidiaacuteria que venha acrescentar-se posteriormente agrave compreensatildeo o objeto para o qual se dirige a nosso aplicaccedilatildeo determina desde o iniacutecio e em sua totalidade o conteuacutedo efetivo e concreto da compreensatildeo hermenecircutica ldquoAplicarrdquo natildeo eacute ajustar uma generalidade jaacute dada antecipadamente para desembaraccedilar em seguida os fios de uma situaccedilatildeo particular Diante de um texto por exemplo o inteacuterprete natildeo procura aplicar um criteacuterio geral a um caso particular ele se interessa ao contraacuterio pelo significado fundamentalmente original do escrito de que se ocupa15

Esta caracteriacutestica da compreensatildeo demonstra que natildeo existem meacutetodos de interpretaccedilatildeo capazes de constituir eles mesmos os sentidos A ideia de que a verdade ou o acerto podem ser alcanccedilados mediante a utilizaccedilatildeo de meacutetodos (no sentido claacutessico) natildeo possui mais sustentaccedilatildeo

Contudo isso natildeo acarreta a abertura interpretativa e a ausecircncia de qualquer controle nem que natildeo haja espaccedilo dentro do paradigma hermenecircutico atual para se pensar em epistemologia (STRECK 2011 p 153-172) A epistemologia ou seja o controle epistecircmico da compreensatildeo deve transitar em um niacutevel secundaacuterio Como assevera Waacutelber Araujo Carneiro (2009 p 234)

Essa proposta epistemoloacutegica deve portanto atender a dois vetores Primeiro transitar em um espaccedilo existencial isto eacute deve obedecer aos limites e possibilidades da nossa compreensatildeo razatildeo pela qual a propomos em um espaccedilo reflexivo Segundo deve ser compatiacutevel com esse projeto regulatoacuterio (direito) e para tanto proporcionar a normatividade da compreensatildeo juriacutedica Quanto a este segundo verto natildeo fazemos aqui referecircncia a uma compreensatildeo controlada por meacutetodos mas uma compreensatildeo que esteja voltada para uma resposta correta conforme ao direito caso contraacuterio natildeo compatibilizaremos sua aplicaccedilatildeo ao modelo democraacutetico (destaque do original)

15 ldquoA compreensatildeo encerra sempre um momento de aplicaccedilatildeo e todo esse processo eacute um processo linguiacutesticordquo (SOARES 2011 p 11)

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Haacute portanto um espaccedilo para que a criatividade inerente agrave compreensatildeo e aplicaccedilatildeo do direito seja epistemicamente controlada Natildeo estar atento agrave esta possibilidade ou natildeo buscar os paracircmetros para este controle acarreta na abertura para que a criatividade se transforme em discricionariedade e consequentemente a existecircncia de muacuteltiplas respostas O Ativismo Judicial eacute isto a ausecircncia de controle

reflexivo do momento criativo da aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Dito de outra forma o

excesso ou descontrole da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo adveacutem da delegaccedilatildeo agrave discricionariedade subjetiva do julgador

Eacute evidente que os paracircmetros reflexivos devem possibilitar que a decisatildeo natildeo seja dada por uma escolha do operador A decisatildeo judicial que aplica a Constituiccedilatildeo deve se pautar pelos referencias sistecircmicos jaacute disponiacuteveis agrave compreensatildeo Doutrina e jurisprudecircncia portanto desempenho um papel altamente relevante para a ldquodesubjetivizaccedilatildeordquo da decisatildeo (CARNEIRO 2009 p 258-260 263-264 277-278) Aqui eacute possiacutevel tambeacutem falar que a coerecircncia e a integridade (DWORKIN 2007) tem a potencialidade de retirar do decisum um alto iacutendice de ldquoopccedilatildeordquo do inteacuterprete

Natildeo obstante a existecircncia de um espaccedilo de controle epistecircmico da decisatildeo judicial bem como de referecircncias sistecircmicos para a consecuccedilatildeo desse controle sua realizaccedilatildeo oacutetima eacute altamente improvaacutevel Afirma-se isso principalmente por causa da alta complexidade que o sistema juriacutedico assumiu e pelas enormes dificuldades encontradas pela praacutetica judiciaacuteria Assim eacute mais correto afirmar que existem niacuteveis maiores e menores de controle epistecircmico da decisatildeo judicial Uma decisatildeo pode ser mais ou menos epistemicamente controlada quer dizer a discricionariedade pode ser mais ou menos reduzida Desta forma parece ser possiacutevel falar em niacuteveis

de Ativismo Judicial Ou seja uma decisatildeo que aplicaconcretiza a Constituiccedilatildeo pode ser mais ou menos ativista a depender do niacutevel de controle epistecircmico que ela sofra

Marcelo Neves valendo-se de outros pressupostos teoacutericos afirma que a transversalidade entre direito e poliacutetica atraveacutes da Constituiccedilatildeo do Estado constitucional embora seja capaz de resultados produtivos estaacute em constante paradoxo uma vez que natildeo existe soluccedilatildeo definitiva para o problema da politizaccedilatildeo do direito e da juridificaccedilatildeo da poliacutetica Isso quer dizer o judiciaacuterio manteacutem a pretensatildeo de ocupar o espaccedilo da legitimidade democraacutetica enquanto legislativo e

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governo tentam influenciar as soluccedilotildees de casos juriacutedicos A mediaccedilatildeo desse cenaacuterio soacute pode ocorrer diante de casos constitucionais concretos decididos principalmente pelas cortes constitucionais Contudo a formaccedilatildeo de transversalidade entre direito e poliacutetica (pontes de transiccedilatildeo) em niacutevel oacutetimo necessita de amplos pressupostos sociais e estruturais (NEVES 2009 p 77) ou seja sua consecuccedilatildeo eacute extremamente difiacutecil

O controle da criatividade judicial atraveacutes de aparatos epistecircmicos tem uma relaccedilatildeo direta com a autonomia do sistema juriacutedico Quando se refere acima sobre a existecircncia de referenciais sistecircmicos para a operacionalizaccedilatildeo do controle da decisatildeo em niacutevel hermenecircutico estaacute-se falando do sistema juriacutedico Ou seja os demais sistemas sociais natildeo podem determinar a decisatildeo judicial

Em verdade o grande objetivo do referido controle eacute preservar a autonomia do sistema A contrario sensu a ausecircncia de controle acarreta invariavelmente a perda de autonomia do sistema Dito isso eacute possiacutevel acrescentar que o Ativismo Judicial aleacutem de ser marcado pela adoccedilatildeo da discricionariedade como paracircmetro decisoacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo representa a perda de autonomia do sistema juriacutedico em favor de opccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e morais do julgador Ou seja a substituiccedilatildeo dos referenciais sistecircmicos do direito por referenciais de outros sistemas

Acertado o entendimento de Anderson Vichinkeski Teixeira (2012 p 42) quando afirma que o Ativismo Judicial estaacute diretamente relacionado com os limites possiacuteveis entre o Direito e a Poliacutetica Segundo o autor a ldquonocividade maior do ativismo judicial ocorre quando a decisatildeo judicial tem um fim poliacutetico e depende da negaccedilatildeo agrave tutela de interesses legiacutetimos de alguma parte da accedilatildeo fundamentando-se em argumentos que transcendem a racionalidade juriacutedicardquo (TEIXEIRA 2012 p 48) Eacute possiacutevel complementar este pensamento dizendo que o Ativismo tambeacutem se coloca diante dos limites possiacuteveis entre o Direito e a Moral e entre o Direito e a Economia Enfim a problemaacutetica da autonomia dos sistemas sociais Este cenaacuterio como destacado eacute possibilitado pela falta de uma racionalidade consistente no momento da interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito causada pela utilizaccedilatildeo de modelos teoacutericos inadequados

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Ora se se aduz que eacute possiacutevel falar em niacuteveis de controle e consequentemente em niacuteveis de Ativismo Judicial parece mais do que loacutegico ser possiacutevel falar tambeacutem em niacuteveis de perda de autonomia do sistema O sistema juriacutedico portanto sofreraacute mais ou menos perda de autonomia de acordo com o niacutevel de controle da decisatildeo judicial (de acordo com a existecircncia de mais ou menos Ativismo portanto)

Tudo que se disse sobre o controle da criatividade e sobre a preservaccedilatildeo da autonomia do sistema tem efeito imediato sobre a sobrevivecircncia do binocircmio constitucionalismo-democracia Se o constitucionalismo eacute marcado pela garantia de direitos fundamentais e pela limitaccedilatildeo do poder e a democracia (constitucionalizada) eacute marcada pela prevalecircncia das opccedilotildees poliacuteticas feitas pelos cidadatildeos (diretamente ou mediante seus representantes) eacute indispensaacutevel para a existecircncia de ambos que haja um niacutevel tanto maior quanto possiacutevel de controle das decisotildees judiciais e que esse controle se decirc mediante a referecircncia ao proacuteprio sistema A marca do Ativismo (a discricionariedade) deve ser repudiada ao maacuteximo16

Estabeleceu-se aqui o nuacutecleo fundamental do Ativismo Judicial uma atuaccedilatildeo discricionaacuteria do Poder Judicante sob o pretexto de estar dando concretude ao texto constitucional acarretando paradoxalmente a distorccedilatildeo da proacutepria autonomia do sistema juriacutedico e portanto do constitucionalismo e da democracia Cabe agora tentar demonstrar ainda que brevemente porque o Ativismo nesta conceituaccedilatildeo tem se tornado uma realidade em terras brasileiras

Como jaacute referido a forma de lidar com a atuaccedilatildeo judicial no Brasil tem recebido fortes influecircncias do movimento que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Natildeo obstante a importacircncia que esse movimento teve para que o paiacutes comeccedilasse a levar o seu direito constitucional a seacuterio parece que sua recepccedilatildeo tambeacutem tem trazido questotildees e problemas mal resolvidos no que diz respeito ao controle e estabelecimento de limites agrave atividade jurisdicional de

16 Eacute neste ponto que nos afastamos totalmente dos pressupostos teoacutericos utilizados por Elival da Silva Ramos O autor embora afirme que seu modelo absorve as inovaccedilotildees da hermenecircutica contemporacircnea continua a apostar na discricionariedade da decisatildeo judicial Para noacutes eacute impossiacutevel compatibilizar ideias como ldquoescolhardquo ldquoopccedilatildeordquo ldquosentimento de justiccedilardquo e ldquoconsciecircncia eacutetica do julgadorrdquo com uma criacutetica ou um bloqueio ao Ativismo Judicial Cf Ramos 2010 p 97-103

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concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Parece enfim que o neoconstitucionalismo natildeo apresenta mecanismos teoacutericos suficientemente adequados para lidar com a criatividade judicial e com um substancialismo democraacutetico Isso ocorre pela incapacidade do seu ldquopacote teoacutericordquo em lidar com a discricionariedade judicial

Preconizando a superaccedilatildeo de modelos claacutessicos e que natildeo conferiam agrave Constituiccedilatildeo plena aplicabilidade ndash principalmente pela ausecircncia de normatividade dos princiacutepios ndash o neoconstitucionalismo parece tentar recuperar algo que se perdeu na aurora do constitucionalismo moderno (a racionalidade moral-praacutetica) e legitimar uma atuaccedilatildeo substancial do Poder Judiciaacuterio Enfim trata-se do movimento teoacutericoideoloacutegico que operacionalizou e continua a embalar as construccedilotildees doutrinaacuterias e jurisprudenciais desde o estabelecimento do Estado Democraacutetico de Direito no Segundo poacutes-guerra

Daniel Sarmento (2012 p 233-234) segundo o qual satildeo caracteriacutesticas marcantes do neoconstitucionalismo o reconhecimento da forccedila normativa dos princiacutepios a adoccedilatildeo de modelos hermenecircuticos distintos do formalismo claacutessico a constitucionalizaccedilatildeo do direito a reaproximaccedilatildeo entre direito e moral e a judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais ndash posiccedilatildeo natildeo muito diversa da jaacute exposta ndash afirma que esse movimento foi recepcionado no Brasil apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 em dois momentos principais

Assevera o autor que o primeiro momento surge com o que ele chama de constitucionalismo da efetividade forma de positivismo de combate que pregava a normatividade direta da Constituiccedilatildeo e aproximava o Direito Constitucional do Direito Processual afastando-o da Teoria do Estado e centrando-o no protagonismo do juiz (SARMENTO 2012 p 247-248)17 O segundo momento de acordo com ele eacute marcado pelas obras de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional) e Eros Roberto Grau (A Ordem Econocircmica na Constituiccedilatildeo de 1988) que divulgam no Brasil as teorias de Robert Alexy e Ronald Dworkin (SARMENTO 2012 p 248-249) Ainda teria sido fundamental para a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil o avanccedilo dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo em Direito no estudo do

17 O autor ressalta que esse momento natildeo pode ainda ser entendido como neoconstitucionalismo mas o possibilitou na sequecircncia histoacuterica

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constitucionalismo e a forte produccedilatildeo acadecircmica em torno de teorias hermenecircuticas (SARMENTO 2012 p 249)

Parece natildeo haver duacutevidas de que a adoccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil possibilitou uma forte valorizaccedilatildeo do nosso texto constitucional e em alguma medida uma constitucionalizaccedilatildeo do Direito Esse movimento exigiu dos atores juriacutedicos (teoacutericos e ldquooperadoresrdquo strictu sensu) uma nova forma de lidar com o fenocircmeno juriacutedico e de conceber o papel do Poder Judiciaacuterio na preservaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da Carta Magna Em um paiacutes de fraca histoacuteria democraacutetica e de baixa defesa de direitos fundamentais a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo parece ter

sido (estrategicamente) necessaacuteria para a consolidaccedilatildeo de uma ordem constitucional e democraacutetica adequada aos tempos de constitucionalismo poacutes-guerra18

A questatildeo principal do neoconstitucionalismo para esta investigaccedilatildeo eacute o aparato metodoloacutegico que graccedilas a ele ingressou e passou a fazer parte da teoria da constitucional no Brasil Os modelos de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de normas constitucionais acabam por sobrevalorizar a subjetividade do julgador Na mesma toada este movimento teoacuterico faz surgir aparatos dogmaacuteticos otimistas que desvalorizam as possibilidades reais de realizaccedilatildeo da norma hipertrofiando sua funccedilatildeo normativa O que unifica essas duas problemaacuteticas eacute um ideaacuterio concretista ingecircnuo e que concede forccedila demais ao julgador

O neoconstitucionalismo inseriu no debate constitucional brasileiro e em consequecircncia na forma de atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio modelos interpretativos Um deles eacute a teacutecnica da ponderaccedilatildeo de princiacutepios principalmente a matriz desenvolvida por Robert Alexy (2009 p 90-106 e 116-121) O outro eacute o que se convencionou chamar de Nova Hermenecircutica Constitucional Esta uacuteltima natildeo ocupa o lugar principal nas construccedilotildees doutrinaacuterias mas representa um importante local teoacuterico na doutrina brasileira atual mormente nos ldquoCursos de Direito Constitucionalrdquo19 Fugiria aos limites do presente trabalho a anaacutelise minuciosa desses modelos

18 Por esse motivo Luis Roberto Barroso (2007) considera a incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo um triunfo para o constitucionalismo brasileiro

19 Cf Mendes Coelho Branco 2008 p 97-122 Cunha Juacutenior 2008 p 207-223 Em sentido proacuteximo Silva Neto 2008 p 92-124

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hermenecircuticos Por isso remete-se o leitor agrave anaacutelise jaacute realizada em outro espaccedilo (SOLIANO 2013 p 109-124) e aos autores que deram suporte20

O ideaacuterio concretista ingecircnuo motivado pelo neoconstitucionalismo acarreta

o que Daniel Sarmento chama de ldquooba-oba constitucionalrdquo e a

ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo Tratam-se de duas posturas criacuteticas em relaccedilatildeo ao

referido movimento teoacuterico com as quais coadunamos O ldquooba-oba constitucionalrdquo

seria a invocaccedilatildeo demasiada de princiacutepios constitucionais para fundamentar

decisotildees Segundo o autor

os operadores do Direito satildeo estimulados a invocar sempre princiacutepios muito vagos nas suas decisotildees mesmo quando isso seja absolutamente desncessaacuterio pela existecircncia de regra clara e vaacutelida a reger a hipoacutetese Os campeotildees tecircm sido os princiacutepios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade O primeiro eacute empregado para dar imponecircncia ao decisionismo judicial vestindo com linguagem pomposa qualquer decisatildeo tida como politicamente correta e o segundo para permitir que os juiacutezes substituam livremente as valoraccedilotildees de outras agentes puacuteblicos pelas suas proacuteprias (SARMENTO 2012 p 264)

Este criacutetica tem paridade com o que se disse acima e seu objeto eacute uma

demonstraccedilatildeo de Ativismo Judicial

A ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo seria para o autor um excesso de

constitucionalizaccedilatildeo Eacute certo que natildeo se pode no Brasil preterir de um direito

constitucionalizado legitimado constitucionalmente Contudo o

neoconstitucionalismo leva esta ideia agraves uacuteltimas consequecircncias e por isso atua em

excesso Este excesso amputa em demasia o espaccedilo do legislador e do

administrador em nome do julgador Segundo o autor

quem defende que tudo ou quase tudo jaacute estaacute decidido pela Constituiccedilatildeo e que o legislador eacute um mero executor das medidas jaacute impostas pelo constituinte nega por consequecircncia a autonomia poliacutetica ao povo para em cada momento da sua histoacuteria realizar as suas proacuteprias escolhas O excesso de constitucionalizaccedilatildeo do Direito reveste-se portanto de um vieacutes antidemocraacutetico (SARMENTO 2012 p 269)

20 Silva 2007 p 115-143 Carneiro 2009 p 202-233 Oliveira 2008 p 170-217 e Streck 2011 passim

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

Enfatize-se que aqui a criacutetica eacute ao excesso Como jaacute aduzido entende-se

que o direito deve sim ser constitucionalizado e que o Judiciaacuterio tem um papel

altamente relevante no atual modelo de constitucionalismo que adotamos O

problema do ideaacuterio neoconstitucional eacute pretender constitucionalizar o direito a

qualquer custo

Embora natildeo se concorde com suas premissas teoacutericas e suas conclusotildees

Elival da Silva Ramos tambeacutem coloca o neoconstitucionalismo como fator propulsor

do Ativismo Judicial no Brasil Segundo ele este movimento teoacuterico sofre de fortes

fragilidades teoreacuteticas (RAMOS 2010 p 279) (talvez pela diversidade de

concepccedilotildees que abarca) e abre a possibilidade para o moralismo (subjetivismo

axioloacutegico) e para o realismo juriacutedico atraveacutes do que ele chama de

ldquoprincipiologizaccedilatildeo do direito constitucionalrdquo (RAMOS 2010 p 283-286)

Humberto Aacutevila (2009) tambeacutem em tom criacutetico afirma que o

neoconstitucionalismo nem sequer deveria ter sido incorporado no Brasil haja vista

que seus pressupostos teoacutericos natildeo se coadunam com o texto constitucional

brasileiro Assim aduz que ldquonada eacute mais premente do que rever a aplicaccedilatildeo desse

movimentordquo

Enfim a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo marcada de um

lado pela ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada de seus dispositivos e de outro

pelo desgaste poliacutetico que nem o sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

consegue ldquosegurarrdquo causou uma irresponsaacutevel hipertrofia da atuaccedilatildeo do Poder

Judiciaacuterio Este excesso como aventado eacute observado na ingenuidade metodoloacutegica

e na acircnsia por concretizaccedilatildeo decorrentes do neoconstitucionalismo21 Pode-se

identificar esta situaccedilatildeo no sistema como um todo Contudo como se demonstraraacute a

seguir ela eacute especialmente problemaacutetica e danosa quando se trata da concretizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais sociais pelo Judiciaacuterio

21 Haacute ainda uma criacutetica importante ao neoconstitucionalismo aduzidas por Lenio Streck O primeiro afirma que o movimento teoacuterico natildeo ultrapassou o positivismo juriacutedico por natildeo conseguir lidar de forma adequada com a discricionariedade judicial (STRECK 2011p 9-27)

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4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL

DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA22

O presente item tem a intenccedilatildeo de mostrar a especificidade do Ativismo

Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Como referido nos itens

anteriores entende-se Ativismo a partir de uma concepccedilatildeo mais teoacuterica relacionada

com o grau de controle epistecircmico da criatividade judicial no momento da decisatildeo O

niacutevel maior ou menor de Ativismo causaraacute uma maior ou menor perda de autonomia

do sistema juriacutedico Ainda conforme o que se aventou anteriormente entende-se

que o Ativismo no Brasil foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo e

seu ideaacuterio concretista ingecircnuo ainda que este movimento tenha representado

importante momento na histoacuterica constitucional recente

Como jaacute referido no item 2 os direitos sociais consubstanciam direitos a

prestaccedilotildees estatais Satildeo nas palavras de Robert Alexy direitos a prestaccedilatildeo em

sentido estrito Aqueles que ldquose o particular dispusesse de recursos financeiros

suficientes e se houvesse uma oferta no mercado poderia tambeacutem obter de

particularesrdquo (ALEXY 2009 p 499) Direitos sociais satildeo por exemplo direito agrave

sauacutede educaccedilatildeo previdecircncia moradia etc Em acircmbito normativo o art 6ordm da

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute responsaacutevel por positivaacute-los

Ainda segundo Alexy (ALEXY 2009 p 499) existem grandes polecircmicas em

relaccedilatildeo aos direitos a prestaccedilatildeo Para o autor estas polecircmicas satildeo marcadas

por uma profunda divergecircncia de opiniotildees acerca da natureza e da funccedilatildeo do Estado do Direito e da Constituiccedilatildeo ndash e tambeacutem dos direitos fundamentais ndash bem como acerca da percepccedilatildeo da atual situaccedilatildeo da sociedade Visto que essa polecircmica se relaciona entre outros a problemas distributivos seu ldquocaraacuteter politicamente explosivordquo eacute facilmente compreensiacutevel Em quase nenhuma aacuterea a conexatildeo entre o efeito juriacutedico e as valoraccedilotildees praacuteticas gerais ou poliacuteticas eacute tatildeo clara em quase nenhum campo a polecircmica eacute tatildeo tenaz

22 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011 (texto ineacutedito cedido pelo autor)

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Natildeo haacute como discordar de tal colocaccedilatildeo Os direitos a prestaccedilotildees em sentido amplo e os direitos sociais especificamente causam grande ldquorebuliccedilordquo tanto na aacuterea acadecircmica quanto na arena jurisdicional e ainda no dia-a-dia do cidadatildeo Esses direitos tem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com as condiccedilotildees de vida do cidadatildeo e por isso mesmo a concretizaccedilatildeo ou natildeo deles eacute sentida muito de perto Enfim o as valoraccedilotildees poliacuteticas e praacuteticas gerais satildeo bem claras

No Brasil o simbolismo constitucional eacute particularmente visiacutevel nesta aacuterea Embora seja possiacutevel perceber alguma mudanccedila nos uacuteltimos anos as estatiacutesticas de desenvolvimento social ainda demonstram que o Estado ainda deixa muito a desejar Na medida em que esses direitos satildeo prioritariamente realizados mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute possiacutevel dizer que os poderes representativos vecircm falhando na sua implementaccedilatildeo

Neste contexto e sob o influxo do neoconstitucionalismo passou a fazer parte da retoacuterica doutrinaacuteria e da praacutetica judicial brasileira a possibilidade e necessidade de interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta ceara

Vem se entendendo que as decisotildees quanto ao cumprimento dos direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas natildeo estatildeo em agrave disposiccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica mas decorrem imediatamente da normatividade constitucional e por isso podem e devem ser controladas pelo Poder Judiciaacuterio (KRELL 2002 p 100) Afirma-se que a funccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica eacute diferenciar e definir as formas adequadas de distribuiccedilatildeo de recursos disponiacuteveis Quando os oacutergatildeos prioritariamente responsaacuteveis falham os juiacutezes e tribunais tecircm a funccedilatildeo de correccedilatildeo (KRELL 2002 p 101) Este raciociacutenio estaacute embasado na ideia de que os direitos sociais natildeo podem ficar a mercecirc da ineacutercia legislativa ou de uma momentacircnea ou crocircnica ausecircncia de fundos (KRELL 2002 p 102)

Ana Paula Barcellos afirma que o nosso sistema constitucional escolheu a democracia como modelo de governo e por isso o debate democraacutetico deve ser a regra para direccedilatildeo do paiacutes Segundo a autora a definiccedilatildeo de como os recursos puacuteblicos seratildeo empregados para a efetivaccedilatildeo de direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute um espaccedilo privilegiado para o debate democraacutetico Contudo estaacute deliberaccedilatildeo natildeo estaria livre de condicionantes constitucionais Afirma a autor carioca

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Se a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata da absorccedilatildeo do poliacutetico pelo juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (BARCELLOS 2005 p 96)

Na mesma toada Flaacutevia Piovesan informa que a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais estaria assegurada pela claacuteusula da maacutexima efetividade das normas constitucionais claacuteusula esta que assume especial relevacircncia no que toca os direitos fundamentais (sociais) Aleacutem disso a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta aacuterea natildeo poderia deixar de acontecer por causa do disposto no inciso XXXV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal que positiva a regra da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo (PIOVESAN 2006 p 7)

No que diz respeito especificamente ao direito agrave sauacutede ndash certamente o que gera maiores polecircmicas quando o tema eacute judicializaccedilatildeo dos direitos sociais ndash a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio estaria fundamentada na imperiosa proteccedilatildeo ao direito agrave vida A ponderaccedilatildeo neste caso sempre deveria fazer prevalecer este direto fundamental Atuando desta forma o Judiciaacuterio estaria rompendo com uma concepccedilatildeo formalista e procedimental de direito (PIOVESAN 2006 p 12) Aleacutem disso a justiciabilidade dos direitos sociais seria capaz de causar uma transformaccedilatildeo emancipadora da sociedade rompendo com posturas conservadoras (PIOVESAN 2006 p 13)

Todas essas concepccedilotildees tem em comum a criacutetica agrave reserva do possiacutevel A reserva do possiacutevel nada mais eacute do que uma estrutura analiacutetica que pretende passar para o mundo do direito as inevitaacuteveis limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias presentes na execuccedilatildeo de qualquer poliacutetica puacuteblica Pode-se falar em reserva do possiacutevel faacutetica e juriacutedica A primeira ldquodiz respeito agrave efetiva disponibilidade dos recursos econocircmicos necessaacuterios agrave satisfaccedilatildeo do direito prestacionalrdquo enquanto a segunda ldquorelaciona-se agrave existecircncia de autorizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para o Estado incorrer nos respectivos custosrdquo (SARMENTO 2010 p 197)

Para Andreas Krell (2002 p 51-59) o argumento da reserva do possiacutevel eacute uma falaacutecia e trata-se de uma maacute incorporaccedilatildeo de categoria do direito comparado ao Brasil Afirma que o Executivo natildeo pode fazer escolhas entre atender uns ou outros

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cidadatildeos tendo como base as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias disponiacuteveis Especialmente no que diz respeito ao direito agrave sauacutede esses recursos segundo o autor devem se for o caso de inexistecircncia ser retirados de outros setores como transporte fomento econocircmico e serviccedilo de diacutevida Encerra afirmando que a escolha do que eacute possiacutevel ou natildeo com base no orccedilamento tem que ser revista (KRELL 2002 p 53) Lembrando que a escolha hoje eacute dos oacutergatildeos representativos o autor deseja fundamentar a possibilidade desta escolha pelo Poder Judiciaacuterio

Dirley da Cunha Juacutenior tambeacutem se coloca de forma contraacuteria agrave claacuteusula da reserva do possiacutevel Aduz que a construccedilatildeo conceitual se deu na Alemanha paiacutes que vive condiccedilatildeo de desenvolvimento muito distinta da brasileira e por isso natildeo se deve absorve de logo suas construccedilotildees doutrinaacuterias Resume o seu pensamento na seguinte passagem

Num Estado em que o povo carece de um padratildeo miacutenimo de prestaccedilotildees sociais para sobreviver onde pululam cada vez mais cidadatildeos socialmente excluiacutedos e onde quase meio milhatildeo de crianccedilas satildeo expostas ao trabalho escravo enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que natildeo lhes garante a miacutenima dignidade os direitos sociais natildeo podem ficar refeacutens de condicionamentos do tipo reserva do possiacutevel Natildeo se trata de desconsiderar que o Direito natildeo tem a capacidade de gerar recursos materiais para sua efetivaccedilatildeo Tampouco negar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe Natildeo eacute este o caso pois aquele ldquoalgordquo existe e sempre existiraacute soacute que natildeo se encontra ndash este sim eacute o caso ndash devidamente distribuiacutedo Cuida-se aqui de se permitir ao Poder Judiciaacuterio na atividade de controle das omissotildees do poder puacuteblico determinar uma redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos existentes retirando-os de outras aacutereas (fomento econocircmico a empresas concessionaacuterias ou permissionaacuterias mal administradas serviccedilo da diacutevida mordomias no tratamento de certas autoridades poliacuteticas como jatinhos palaacutecios residenciais festas pomposas seguranccedilas desnecessaacuterios carros de luxo blindados comitivas desnecessaacuterias em viagens internacionais pagamento de diaacuterias excessivas manutenccedilatildeo de mordomias a ex-Presidentes da Repuacuteblica gasto em publicidade etc) para destinaacute-los ao atendimento das necessidades vitais do homem dotando-o das condiccedilotildees miacutenimas de existecircncia (CUNHA JUacuteNIOR 2008 p 713)

Flaacutevia Piovesan caminha em sentido proacuteximo ao afirmar que a efetividade da Constituiccedilatildeo natildeo estaacute condicionada ao orccedilamento puacuteblico mas ao contraacuterio eacute o orccedilamento que ldquoa partir da preferecircncia constitucional que se deu aos direitos fundamentais merecem reformulaccedilatildeo caso os recursos financeiros sejam escassos agrave cobertura geral da demanda financeira do Estadordquo (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Assim o legislador (e o administrador) natildeo teria liberdade de conformaccedilatildeo

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quando o assunto eacute a ldquodevidardquo alocaccedilatildeo de recursos para satisfaccedilatildeo dos direitos sociais (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Entende-se por este argumento que o Judiciaacuterio estaacute apto a ldquopassar por cima das deliberaccedilotildeesrdquo dos poderes representativos

Natildeo obstante a importacircncia das contribuiccedilotildees dos citados autores e o peso que seus argumentos possuem entende-se que estatildeo equivocados Apesar dos posicionamentos serem altamente bem intencionados parece que pecam pelo otimismo e acircnsia concretista estimulada pelo neoconstitucionalismo

Flaacutevio Galdino faz interessante anaacutelise desta forma de posicionamento doutrinaacuterio Assevera o autor a partir do estudo da evoluccedilatildeo doutrinaacuteria a respeito dos custos dos direitos e sua relaccedilatildeo com a proteccedilatildeo jurisdicional que este tipo de raciociacutenio pode ser classificado como ldquomodelo teoacuterico da utopiardquo Neste sentido as prestaccedilotildees puacuteblicas natildeo possuem limites Afirma o autor que natildeo se daacute a correta compreensatildeo da diferenccedila entre as prestaccedilotildees positivas e negativas na medida em que nega-se qualquer relevacircncia a ela Para esta concepccedilatildeo os recursos natildeo faltam sendo irrelevante a distinccedilatildeo (GALDINO 2005 p 186-187)

Ainda com base no pensamento de Galdino pode-se dizer que as concepccedilotildees acima aventadas assumem ainda que implicitamente os custos e disponibilidades orccedilamentaacuterias e financeiras como algo externo agrave noccedilatildeo de direito subjetivo Ou seja natildeo se analisa a possibilidade real de efetivaccedilatildeo Em siacutentese ldquoo conceito e a eficaacutecia dos direitos subjetivos especificamente considerados [] satildeo analisados em vista dos textos normativos sem qualquer consideraccedilatildeo concernente agraves possibilidades de reais efetivaccedilatildeordquo (GALDINO 2005 p 187-188)

O posicionamento do autor complementa o que se disse acima sobre a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e o ativismo judicial haacute uma hipertrofia na consideraccedilatildeo e anaacutelise do texto sem que tenha a devida atenccedilatildeo para com as possibilidades reais de concretizaccedilatildeo servindo-se de modelos ingecircnuos O aparato metodoloacutegico defendido pelos autores eacute portanto inadequado para lidar com consistecircncia e consciecircncia a problemaacutetica em questatildeo

Repetiu-se vaacuterias vezes que o Judiciaacuterio tem um papel importantiacutessimo na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Contudo eacute preciso separar o joio do trigo Defender uma posiccedilatildeo ldquoativardquo do Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo natildeo conduz Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 476

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imediatamente agrave defesa do Ativismo Judicial Este ocorre quando se vale de mecanismos interpretativos e aparatos dogmaacuteticos indevidos que acabam por sobrevalorizar a discricionariedade e a obscurecer fatores importantes que devem ser analisados A forma como a doutrina vem defendendo a concretizaccedilatildeo e os juiacutezes e tribunais decidindo acerca dos direitos sociais parece equivocada e ativista por alguns motivos

Em primeiro lugar desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o Poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Uma atuaccedilatildeo neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Depois da publicaccedilatildeo do livro de Stephen Holmes e Cass Sustein (The cost

of rights why liberty depends on texes) se tornou (ou deveria ter se tornado) lugar comum a ideia de que todos os direitos tecircm custos E isto eacute assim porque todo os direitos pressupotildee gastos mesmo aqueles que satildeo tradicionalmente chamados de direitos fundamentais negativos na medida em que sua fiscalizaccedilatildeo e salvaguarda contra violaccedilotildees exigem a existecircncia um oacutergatildeo responsaacutevel (AMARAL 2010 p 39)

Atrelada agrave ideia de custo estaacute a ideia de escassez Os recursos do mundo satildeo escassos e precisam ser distribuiacutedos As disponibilidades orccedilamentaacuterias (recursos) satildeo finitas e por isso mesmo satildeo finitas as possibilidades de atendimento agraves demandas Como afirma Gustavo Amaral com esteio em Holmes e Sustein

severas restriccedilotildees orccedilamentaacuterias implicam que algumas viacutetimas potenciais de maus-tratos tornem-se viacutetimas efeitvas e o Estado teraacute feito pouco ou nada a respeito Isso eacute deploraacutevel mas num mundo imperfeito de recursos

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limitados isto eacute tambeacutem inevitaacutevel Levar os direitos a seacuterio significa tambeacutem levar a escassez a seacuterio (AMARAL 2010 p 42)

Neste sentido fica evidente que qualquer resquiacutecio de ideia de direitos absolutos deve ser deletado Nada que exija a alocaccedilatildeo de recursos ou seja gastos monetaacuterios e decisotildees orccedilamentaacuterias pode ser absoluto Os direitos mesmos os fundamentais natildeo satildeo inviolaacuteveis peremptoacuterios e decisivos Estatildeo sujeitos a relativizaccedilotildees e processos de escolha alocativa (AMARAL 2010 p 42) A decisatildeo alocativa (uma ldquoescolha traacutegicardquo) eacute fruto da finitude dos recursos disponiacuteveis para a satisfaccedilatildeo dos direitos Possuem caraacuteter disjuntivo porque ao optar-se por uma satisfaccedilatildeo repudia-se a outra

Tal como feito acima Gustavo Amaral critica a doutrina constitucional preocupada com a concretizaccedilatildeo das normas constitucionais por natildeo levar em conta as questotildees alocativas Aduz que ldquoa nota central parece ser um otimismo positivista em que a inserccedilatildeo no campo do direito positivo afasta conjecturas sobre possibilidades faacuteticasrdquo Afirma ainda que os mesmo autores costumam admitir a existecircncia de limites reais mas simplesmente natildeo aprofundam o tema ou passam por cima dele sem grandes preocupaccedilotildees (AMARAL 2010 p 98) Eacute o caso dos autores citados e de uma vasta gama de outros autores brasileiros23

Nesta toada parece altamente proveitosa a proposta de Flaacutevio Galdino de inserir a noccedilatildeo de custos dos direitos na proacutepria ideia de direito subjetivo Defende o autor que os custos natildeo devem ser vistos como oacutebices agrave concretizaccedilatildeo de direitos mas pressupostos de realizaccedilatildeo Como natildeo se realizam direitos de fato sem a disponibilidade de recursos nada mais aconselhaacutevel do que condicionar a proacutepria existecircncia do direito agrave existecircncia de meios reais e possiacuteveis de implementaccedilatildeo Assim soacute se pode realmente falar que uma pessoa tem um direito a algo depois de verificada a possibilidade faacutetica de sua consecuccedilatildeo (GALDINO 2005 p 336-345)

Um leitor deste artigo poderia acusar seu autor de querer submeter a loacutegica juriacutedica agrave loacutegica econocircmica Nada mais distante da realidade Pelo que foi dito ateacute

23 ldquoQuem pretenda imaginar que satildeo imediatamente passiacuteveis de fruiccedilatildeo por todos os brasileiros ndash como direitos subjetivos tradicionais ndash as normas previstas na Constituiccedilatildeo Federal brasileira [] haveraacute de verificar que a Constituiccedilatildeo seja permitida a expressatildeo eacute proacutedigardquo (GALDINO 2005 p 337)

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aqui deve ter ficado claro que natildeo se subscreve com a defesa de interferecircncias indevidas e excessivas de um sistema social em outro Este tipo de interferecircncia eacute inclusive uma das facetas do que se entende por Ativismo Judicial

O que se defende eacute que se pare de ignorar uma realidade A doutrina e a jurisprudecircncia natildeo podem continuar acreditando que ldquodireitos nascem em aacutervoresrdquo Defender a hipertrofia da norma com a sobrevalorizaccedilatildeo da realidade para superar a hipertrofia do simbolismo constitucional eacute absurdo Paradoxalmente os autores que natildeo levam em conta os custos dos direitos nas suas anaacutelises e defesas da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo satildeo os que mais deixam a loacutegica econocircmica afetar o direito justamente por ignorar esta realidade

Ainda depois de tudo o que se disse um defensor mais aguerrido da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais (Ativismo em verdade) poderia dizer que insistir na possibilidade de alocaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio Parece contudo que esta natildeo eacute a posiccedilatildeo mais adequada

Como se disse a alocaccedilatildeo de recursos escassos exige escolhas traacutegicas Essas escolhas tem um niacutetido caraacuteter poliacutetico por causa da amplitude e complexidade que demandam Possibilitar ao Judiciaacuterio se avocar a ldquoalocadorrdquo de recursos eacute dizer ameacutem agrave sua politizaccedilatildeo e assim ao Ativismo Judicial Aleacutem disso eacute preciso ter em mente que as capacidades institucionais dos membros do Judiciaacuterio natildeo contribuem para uma tal defesa

Daniel Sarmento (2012 p 208) resume com precisatildeo

A realizaccedilatildeo dos direitos sociais pelo Estado daacute-se atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas cuja elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo dependem para o seu ecircxito do emprego de conhecimentos especiacuteficos Os poderes Executivo e Legislativo (mais o primeiro do que o segundo) possuem em seus quadros pessoas com a necessaacuteria formaccedilatildeo especializada para assessoraacute-los na tomada das complexas decisotildees requeridas nesta aacuterea que frequumlentemente envolvem aspectos teacutecnicos econocircmicos e poliacuteticos diversificados O mesmo natildeo ocorre no Judiciaacuterio Os juiacutezes natildeo tecircm em regra tais conhecimentos especializados necessaacuterios nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas o que se torna um elemento complicador no debate sobre a tutela judicial dos referidos direitos

A desconfianccedila que os brasileiros tecircm em relaccedilatildeo aos seus poliacuteticos natildeo pode servir de justificativa para legitimar a atuaccedilatildeo de um oacutergatildeo tecnicamente

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despreparado para lidar com a complexidade que eacute a distribuiccedilatildeo de recursos aptos a satisfazer os direitos fundamentais sociais Este tipo de decisatildeo exige a construccedilatildeo de uma ideia de conjunto algo quase impossiacutevel dentro de um processo judicial (ao menos em demandas individuais ndash que constituem a maioria nos casos de judicializaccedilatildeo de direitos sociais)

Esta questatildeo liga-se com a seguinte a tendecircncia natural de resoluccedilatildeo de demandas individualizadas O sistema processual e a proacutepria formaccedilatildeo do julgador tende a se preocupar muito mais com demandas individuais do que com demandas coletivas E infelizmente a maioria das demandas que pedem ao judiciaacuterio a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais por meio de realocaccedilatildeo de recursos tecircm sido demandas individuais Este fator gera um problema seriacutessimo de estruturaccedilatildeo do sistema como um todo

O Judiciaacuterio acaba por tentar resolver com o aval da doutrina problemas que satildeo essencialmente de macrojusticcedila com mecanismo de microjusticcedila (AMARAL 2010 p 96-97) Costuma-se natildeo levar isso muito em conta porque afinal o que eacute uma decisatildeo alocativa em comparaccedilatildeo com os milhotildees disponiacuteveis Contudo essas demandas individuais tem tendecircncia de massificaccedilatildeo Como afirma Onofre Alves Batista Juacutenior a ldquomassificaccedilatildeo dessas demandas e a multiplicaccedilatildeo de pleitos pode ocasionar a completa desarticulaccedilatildeo financeira do Estadordquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291) Assim ldquoo caminho das demandas individuais mostra-se arriscado e inadequado para a implementaccedilatildeo de direitos sociais pela possibilidade de desarticulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e pelos riscos que impotildee a uma perspectiva de atendimento isonocircmico das necessidades da coletividaderdquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291)

Estaacute-se diante de um novo paradoxo o Judiciaacuterio atuando com a boa intenccedilatildeo de preservar um suposto miacutenimo existencial de um sujeito que ajuiacuteza uma demanda individual acaba por violar outros ldquomiacutenimos existenciaisrdquo por natildeo ter a capacidade teacutecnica ou conhecimento amplo o suficiente para entender e conhecer as poliacuteticas puacuteblicas de fato existentes

Eis aqui um dos maiores problemas do Ativismo Judicial as interferecircncias sistecircmicas Como afirma Luiacutes Roberto Barroso

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o risco de efeitos sistecircmicos imprevisiacuteveis e indesejados pode recomendar em certos casos uma posiccedilatildeo de cautela e deferecircncia por parte do Judiciaacuterio O juiz por vocaccedilatildeo e treinamento normalmente estaraacute preparado para realizar a justiccedila do caso concreto a microjusticcedila Ele nem sempre dispotildee das informaccedilotildees do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisotildees proferidas em processos individuais sobre a realidade de um segmento econocircmico ou sobre a prestaccedilatildeo de um serviccedilo puacuteblico (BARROSO 2011 p 287)

Todos os argumentos aqui levantados conduzem para a perda de autonomia dos sistemas faceta do Ativismo Judicial Seja por interferecircncia excessiva no sistema poliacutetico seja por interferecircncia excessiva no sistema econocircmico ou mesmo interferecircncia nos dois sistemas ao mesmo tempo o Ativismo Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais contribui para a incapacidade do sistema de se autorreproduzir autonomamente Aleacutem disso a interferecircncia nesses sistemas acaba por exigir que o proacuteprio sistema juriacutedico se valha de criteacuterios e racionalidades proacuteprios do sistema interferido o que causa uma perda de autonomia tambeacutem do sistema juriacutedico

A espeacutecie de Ativismo aqui critica acaba por realizar um deslocamento do sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica para o Poder Judiciaacuterio Ou seja a funccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica deixa de ser dos poderes representativos e passa a ser do Judiciaacuterio Essas decisotildees pontuais (ou nem tatildeo pontuais) tomadas atraveacutes de mecanismos interpretativos inviaacuteveis ndash ou seja em desarmonia com a autonomia do direito e perpetradas sem uma atenccedilatildeo agrave integridade e coerecircncia do sistema juriacutedico ndash passam a impressatildeo de que a ordem constitucional ainda eacute legiacutetima e serve para guiar o futuro do Estado Nada obstante natildeo supera de fato a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica por atuar em acircmbitos individualizados Salvaguardam o sentido ideoloacutegico da constitucionalizaccedilatildeo sem contudo realmente concretizaacute-la de forma generalizada

Como aduz Waacutelber Araujo Carneiro

As mudanccedilas percebidas no modo como tribunais e juiacutezes veem a constituiccedilatildeo e suas possibilidades de concretizaccedilatildeo representam em verdade o deslocamento da funccedilatildeo positiva da ldquoconstitucionalizaccedilatildeo simboacutelicardquo Se a funccedilatildeo negativa () deixa de ser sustentaacutevel a funccedilatildeo positiva acabou sendo deslocada para o Judiciaacuterio uma vez que as intervenccedilotildees deste uacuteltimo (tal qual a do Constituinte) natildeo resultaratildeo em uma real e universal concretizaccedilatildeo da norma constitucional Tais intervenccedilotildees se datildeo na maioria das vezes no acircmbito de microjusticcedila () mas natildeo

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encontram respaldo poliacutetico no acircmbito de uma macrojusticcedila (CARNEIRO 2009 p 6)

Afirma-se portanto que a forma como vem se lidando com a questatildeo da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais eacute equivocada e Ativista e por isso mesmo ilegiacutetima

5 CONCLUSOtildeES

Afirmou-se no iniacutecio e em diversas passagens que a posiccedilatildeo deste trabalho eacute de que haacute sim um papel fundamental e ativo do Poder Judiciaacuterio da Concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Afirma-se agora que esse papel existe tambeacutem quando o tema eacute direitos fundamentais sociais

O constitucionalismo contemporacircneo colocou novas questotildees agrave teoria do direito e agrave teoria do direito constitucional A principal delas eacute a normatividade da Constituiccedilatildeo e de todos os seus dispositivos inclusive os que positivam os direitos sociais Nesse cenaacuterio o Judiciaacuterio assume papel importantiacutessimo

A percepccedilatildeo de que o Estado natildeo vinha conseguindo concretizar de forma generalizada os preceitos constitucionais (constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido negativo) acabou fazendo com que o Brasil recepcionasse um movimento teoacuterico intitulado neoconstitucionalismo Este movimento acaba por sobrecarregar a discricionariedade judicial e estimula a criaccedilatildeo de aparatos dogmaacuteticos e metodoloacutegicos ingecircnuos movidos por uma acircnsia concretista tambeacutem ingecircnua

Este cenaacuterio eacute propiacutecio para o surgimento do Ativismo Judicial no Brasil entendido aqui como atuaccedilatildeo discricionaacuteria do julgador movido por mecanismo interpretativos que natildeo lidam suficientemente bem com a criatividade judicial Esta situaccedilatildeo nunca seraacute totalmente impedida mas pode-se falar em niacuteveis de Ativismo O Ativismo em complemento eacute marcado pela perda de autonomia do sistema juriacutedico para os demais sistemas sociais

O lugar por excelecircncia para observaccedilatildeo deste fenocircmeno eacute o da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais Tem-se utilizado cada vez mais de mecanismo que ignoram fatores que natildeo podem ser ignorados e acredita-se (ingenuamente) na

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

possibilidade de ser o Judiciaacuterio um oacutergatildeo adequado para realizaccedilatildeo de alocaccedilotildees de recursos escassos

Discorda-se deste posicionamento porque em primeiro lugar ele desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Um atuar neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Enfim critica-se o Ativismo sem abrir matildeo de algum niacutevel de judicializaccedilatildeo Judicializaccedilatildeo esta que natildeo pode se dar atraveacutes do aparato neoconstitucionalista Natildeo se pretende desmerecer por completo a importacircncia que o neoconstitucionalismo teve e tem para o direito constitucional brasileiro Longe disso Se hoje tem-se mais Constituiccedilatildeo e constitucionalismo do que tiacutenhamos em 1988 (ADEODATO 2009 p 147) um dos grandes responsaacuteveis eacute este movimento teoacuterico-ideoloacutegico Contudo eacute chegada a hora de se realizar uma parada teoacuterica para que se possadefender a Constituiccedilatildeo com mais serenidade e coerecircncia A defesa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar um agir irresponsaacutevel na sua concretizaccedilatildeo ainda que esta irresponsabilidade seja camuflada por aparatos teoacutericos e metodoloacutegicos convincentes24

24 ldquonatildeo se deve idealizar que a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por intermeacutedio da jurisdiccedilatildeo constitucional seja panaceia para resolver problemas brasileiros de ordem inteiramente distinta tais como educaccedilatildeo previdecircncia fome e violecircncia Do mesmo modo que a constitucionalizaccedilatildeo de opccedilotildees generalizadas ou seja construir novos e novos texto constitucionais por intermeacutedio de emendas e outros meios legiferantes tampouco o eacute Eacute ingecircnua essa visatildeo messiacircnica da jurisdiccedilatildeo constitucional e das competecircncias do legislativo pois o subdesenvolvimento brasileiro eacute fenocircmeno social de raiacutezes muito mais profundasrdquo (ADEODATO 2009 p 147)

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REFEREcircNCIAS

ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Adeus agrave separaccedilatildeo de poderes In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 155-165 2009 ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Limites agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos eacuteticos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 139-154 2009 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduzido por Virgiacutelio Afonso da Silva 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 AMARAL Gustavo Direito escassez e escolha Criteacuterios juriacutedicos para lidar com a escassez de recursos e as decisotildees traacutegicas 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 AacuteVILA Humberto ldquoNeoconstitucionalismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo Revista Eletrocircnica de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 17 janfevmar 2009 BARCELLOS Ana Paula Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas Revista de Direito Administrativo v 240 p 83-103 2005 BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo ativismo judicial e legitimidade democraacutetica In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda FRAGALE FILHO Roberto LOBAtildeO Ronaldo (Org) Constituiccedilatildeo amp ativismo judicial Limites e possibilidades da norma constitucional e da decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 275-290 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 271-309 BERCOVICI Gilberto MASSONETTO Luiacutes Fernando Os Direitos Sociais e as Constituiccedilotildees Democraacuteticas Brasileiras Breve Ensaio Histoacuterico In RUacuteBIO David Saacutenchez FLORES Joaquiacuten Herrera CARVALHO Salo de Direitos humanos e globalizaccedilatildeo fundamentos e possibilidades desde a teoria criacutetica 2ed Porto Alegre EDIPUCRS p 510-528 2010 BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis A jurisprudencializaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A construccedilatildeo jurisdicional do Estado Democraacutetico de Direito ndash II In STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis (Org) Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica Vol 5 Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 484

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CANOTILHO J J Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7 ed Coimbra Almedina 2011 CARNEIRO Waacutelber Araujo A dimensatildeo positiva dos direitos fundamentais a eacutetica e a teacutecnica entre o ceticismo descompromissado e o compromisso irresponsaacutevel In CUNHA JUacuteNIOR Dirley da DANTAS Miguel Calmon (Orgs) Desafios do Constitucionalismo Brasileiro Salvador JusPodivm p 313-328 2009 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011(texto ineacutedito cedido pelo autor) CARNEIRO Waacutelber Araujo Hermenecircutica Juriacutedica Heterorreflexiva Uma teoria Dialoacutegica do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 CASALI BAHIA Saulo Joseacute O Pode Judiciaacuterio e a efetivaccedilatildeo dos Direitos Fundamentais In CUNHA JUacuteNIO Dirley da CALMON DANTAS Miguel Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 297-311 CUNHA JUacuteNIOR Dirley da Curso de Direito Constitucional Salvador JusPodivm 2008 DWORKIN Ronald O impeacuterio do direito 2 ed Traduzido por Jefferson Luiz Camargo Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 GADAMER Hans-Georg Esboccedilo dos fundamentos de uma hermenecircutica In GADAMER Hans-Georg FRUCHON Pierre (org) O problema da consciecircncia histoacuterica 3 ed Traduzido por Paulo Ceacutesar Duque Estrada Rio de Janeiro FGV p 55-71 2006 GALDINO Flaacutevio Introduccedilatildeo agrave teoria dos custos dos direitos Direitos natildeo nascem em aacutervores Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 HESSE Konrad A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1991 KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha Os (des)caminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2002 LINHARES Joseacute Manual Aroso SILVESTRE Ana Carolina de Faria A Necessidade de (re)Pensar a Realizaccedilatildeo do Direito em Tempos de Protagonismo Judicial ndash Um Percurso Possiacutevel em Busca de uma Reflexatildeo Refundadora de um Novo Sentido Sequumlecircncia Estudos juriacutedicos e poliacuteticos vol 32 n 63 p 213-234 dez 2011 LOBAtildeO Ronaldo Curso de direito constitucional contemporacircneo os conceitos fundamentais e a construccedilatildeo do novo modelo 2ed Satildeo Paulo Saraiva 2010 LOBAtildeO Ronaldo Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008

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MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008 NEVES Marcelo A Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 NEVES Marcelo Entre Tecircmis e Leviatatilde uma relaccedilatildeo difiacutecil O Estado Democraacutetico de Direito a partir e aleacutem de Luhmann e Habermas 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 NUNES Dierle Politizaccedilatildeo do judiciaacuterio no direito comparado algumas consideraccedilotildees In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum p 31-49 2011 OLIVEIRA Rafael Tomaz de Decisatildeo judicial e o conceito de princiacutepio a hermenecircutica e a (in)determinaccedilatildeo do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 PIOVESAN Flaacutevia VIEIRA Renato Stanziola Justiciabilidade dos direitos sociais e econocircmicos no Brasil desafios e perspectivas Revista Iberoamericana de Filosofiacutea Poliacutetica y Humanidades Antildeo 8 Nordm 15 Primer semestre de 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwmprsgovbrdirhumdoutrinaid491htmgt Acesso em 28 mar 2013 RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 SARMENTO Daniel A proteccedilatildeo judicial dos direitos sociais alguns paracircmetros eacutetico-juriacutedicos In ______ Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 179-215 SARMENTO Daniel Constitucionalismo trajetoacuteria histoacuterica e dilemas contemporacircneos In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Jurisdiccedilatildeo constitucional democracia e direitos fundamentais Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes Salvador JusPodivm 2012 p 87-124 SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil Riscos e possibilidades In SARMENTO Daniel Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 233-272 2010 SILVA NETO Manoel Jorge e Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 SILVA Joseacute Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 8 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 SILVA Virgiacutelio Afonso da Direitos fundamentais conteuacutedo essencial restriccedilotildees e eficaacutecia 2 ed 2 tir Satildeo Paulo Malheiros 2011 SILVA Virgiacutelio Afonso da Interpretaccedilatildeo constitucional e sincretismo metodoloacutegico In SILVA Virgiacutelio Afonso da (Org) O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado V 4 2006 p 23-51

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

SOARES Ricardo Mauriacutecio Freire Hermenecircutica e interpretaccedilatildeo juriacutedica Satildeo Paulo Saraiva 2011 SOLIANO Vitor Ativismo Judicial no Brasil em busca de uma definiccedilatildeo 2013 Monografia (Especializaccedilatildeo em Direito Puacuteblico) ndash Instituto JusPodivm Salvador STRECK Lenio Luiz Contra o Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2011 n 4 janjun p 9-27 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica e decisatildeo juriacutedica questotildees epistemoloacutegicas In ______ STEIN Ernildo Hermenecircutica e epistemologia 50 anos de Verdade e Meacutetodo Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 p 153-172 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 1999 STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituiccedilatildeo hermenecircutica e teorias discursivas 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis Ciecircncia poliacutetica e teoria do Estado 7 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 TAVARES Andreacute Ramos O juiz ativista concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais In TAVARES Andreacute Ramos Paradigmas do judicialismo constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 59-85 TEIXEIRA Anderson Vichinkeski Ativismo judicial nos limites entre racionalidade juriacutedica e decisatildeo poliacutetica Revista Direito GV v 8 janjun p 37-58 2012 VIEIRA Oscar Vilhena Supremocracia Revista Direito GV v 4 juldez p 441-459 2008

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Robson de Vargas

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO1

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE

Robson de Vargas2

Resumo Como aspecto de garantia do proacuteprio direito agrave vida buscou-se elucidar a

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a partir da questatildeo do fornecimento de medicamentos pelo Estado Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna Poreacutem como se sabe natildeo basta o reconhecimento formal desse direito sendo necessaacuterio investigar a sua efetividade E neste contexto insere-se a problemaacutetica em torno do dever por parte do Poder Puacuteblico em fornecer medicamentos aos cidadatildeos Diante disso a partir de uma leitura histoacuterica dos direitos fundamentais pretendeu-se analisar essa questatildeo visando compreender os limites e alcances em torno do direitodever agrave sauacutede identificando-se os principais valores e princiacutepios que orientam a sua realizaccedilatildeo

Palavras-chave Direitos fundamentais Direitos sociais Direito agrave sauacutede Fornecimento de medicamentos pelo Estado

Abstract As aspect of guaranteeing the right to life itself we sought to elucidate the

effectiveness of the right to health from the issue of drug supply in the State In the 1988 Federal Constitution the right to health is inserted between social rights par excellence as provided in art 6 ordm of the Constitution However as we know not just formal recognition of this right is necessary to investigate its effectiveness And in this context part of the problem is the duty on the part of the government to provide drugs to citizens Thus from a historical reading of fundamental rights we intended to examine this issue aiming to understand the limits and reach around the right duty to health identifying the core values and principles that guide its implementation

Keywords Fundamental rights social rights right to health supply of medicaments by the state

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Ciecircncias Criminais ndash PUCRS Especialista em Direito Constitucional ndash UNESA Especialista em Ciecircncias Penais ndash PUCRS Professor na aacuterea de Direito Puacuteblico no Centro Universitaacuterio Estaacutecio de Saacute ndash Santa Catarina Advogado

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

INTRODUCcedilAtildeO

Os direitos fundamentais devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito e por isso devem ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados gerando tambeacutem eficaacutecia ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana Sendo assim constitui exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila inserindo-se neste contexto o direito agrave sauacutede

Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF) o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna E uma das formas de preservar esse direito eacute atraveacutes da garantia do fornecimento de medicamentos agrave populaccedilatildeo Entretanto algumas questotildees precisam ser observadas como por exemplo que tipo de medicamentos o Estado estaacute obrigado a custear e quem se enquadra como beneficiaacuterio dessa prestaccedilatildeo Isso porque a limitaccedilatildeo de recursos por parte do poder puacuteblico inegavelmente leva a uma delimitaccedilatildeo dos casos que seratildeo atendidos bem como de quem se enquadra como destinataacuterio

Assim seraacute apresentada uma breve evoluccedilatildeo histoacuterica dos direitos fundamentais visando demonstrar que o direito agrave sauacutede como parte dos direitos sociais encontra-se inserido em uma ordem de valores subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Em seguida seraacute apresentada e enfrentada a problemaacutetica em torno do fornecimento de medicamentos o que se daraacute a partir de postulados doutrinaacuterios e jurisprudenciais de modo a permitir compreender a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na concretizaccedilatildeo desta prestaccedilatildeo bem como o alcance do princiacutepio da reserva do possiacutevel e a representaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

1 EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO Agrave SAUacuteDE

Tradicionalmente os direitos fundamentais satildeo dispostos em trecircs grandes dimensotildees ou geraccedilotildees sendo que foi a partir das bases ideoloacutegicas constitutivas da cidadania ndash que eacute fruto da construccedilatildeo da sociedade moderna pois o termo cidadatildeo sempre se referiu a homens livres ndash que se embasou um individualismo

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racionalista surgindo primeiramente os direitos normativo-subjetivos civis e poliacuteticos e mais tarde os direitos econocircmicos e sociais

A primeira dimensatildeo dos direitos fundamentais ligada a ideia de liberdade surgiu no seacuteculo XVIII mediante as declaraccedilotildees de direitos de 1776 (Declaraccedilatildeo de Virgiacutenia) e a Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 versando acerca dos direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos em relaccedilatildeo ao Estado como forma de limitaccedilatildeo do poder estatal estando esses direitos relacionados ao desenvolvimento do Estado Moderno em sua primeira variante liberal

Essa primeira dimensatildeo tem por fundamento jusfilosoacutefico o pensamento iluminista que pregava limites agrave intervenccedilatildeo estatal em relaccedilatildeo agrave esfera de liberdades individuais dos cidadatildeos Enquadram-se nesta categoria os direitos agrave vida liberdade propriedade igualdade perante a lei e algumas garantias processuais

Jaacute a segunda dimensatildeo dos direitos fundamentais tem como marcos de referecircncia a Constituiccedilatildeo Mexicana (1917) e de Weimar (1919) e por influecircncia da revoluccedilatildeo Russa eacute denominada de direitos econocircmicos e sociais Os direitos de segunda dimensatildeo deveriam ser patrocinados pelo Estado atraveacutes de accedilotildees prestacionais positivas aspirando realizar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana mitigado pelo Estado de Direito Liberal

Conforme esclarece Ingo Wolfgang Sarlet os direitos de segunda dimensatildeo natildeo satildeo de liberdade do e perante o Estado mas de liberdades por intermeacutedio do Estado sendo que caracterizam-se por conceder ao indiviacuteduo direitos a prestaccedilotildees sociais estatais como por exemplo assistecircncia social sauacutede educaccedilatildeo e trabalho Essa segunda dimensatildeo de direitos fundamentais sustenta a ideia de uma justiccedila distributiva (igualdade) visando proteger especialmente os pobres e pretendendo combater as desigualdades sociais (SARLET 2009 p 47)

Esta incorporaccedilatildeo dos direitos sociais ao discurso da cidadania foi o aporte para o surgimento do Estado de bem-estar social superando a visatildeo liberal-individualista proposto pela classe burguesa Desta forma mediante o surgimento da cidadania social o Welfare State busca suprir e conter os excessos individualistas do modelo liberal atraveacutes da intervenccedilatildeo Nessa perspectiva concede a passagem

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

da cidadania liberal para a cidadania social como uma natural decorrecircncia da insuficiecircncia do liberalismo econocircmico

Jaacute a terceira dimensatildeo dos direitos fundamentais eacute conhecida como a dimensatildeo dos direitos de fraternidade e de solidariedade por causa da titularidade dos direitos que transcende o homem-indiviacuteduo para alcanccedilar determinados grupos humanos como a famiacutelia os consumidores o povo a naccedilatildeo etc Eacute por isso que os direitos fundamentais de terceira dimensatildeo satildeo classificados em coletivos e difusos (o gecircnero humano eacute destinataacuterio de proteccedilatildeo) constando ainda a proteccedilatildeo ao meio ambiente ao desenvolvimento sustentaacutevel a qualidade de vida ao patrimocircnio comum da comunidade agrave paz agrave autoderminaccedilatildeo dos povos entre outros

Segundo lembra Sarlet no concernente a positivaccedilatildeo desses direitos de terceira dimensatildeo a maior parte deles natildeo encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional estando em fase de consagraccedilatildeo no acircmbito do direito internacional o que explica o grande nuacutemero de tratados e documentos transnacionais nesta seara (SARLET 2009 p 49)

Destaca-se ainda que entre alguns doutrinadores paacutetrios dentre eles Paulo Bonavides existe a aceitaccedilatildeo da ideia de uma quarta e ateacute quinta dimensatildeo dos direitos fundamentais Enquanto os de quarta dimensatildeo guardam relaccedilatildeo com o direito agrave democracia informaccedilatildeo e pluralismo os direitos de quinta dimensatildeo compreendem os direitos virtuais buscando-se proteger a honra e a imagem da pessoa humana frente aos meios de comunicaccedilatildeo eletrocircnica (BONAVIDES 1997 p 524-526)

Por fim eacute de se destacar que essa distinccedilatildeo das diversas dimensotildees que marcam a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute estabelecida visando situar os diferentes momentos histoacutericos em que esses direitos foram surgindo especialmente como reivindicaccedilotildees acolhidas pelo ordenamento juriacutedico Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco a visatildeo dos direitos fundamentais em dimensotildees representa sua evoluccedilatildeo no tempo natildeo sendo correto deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade sendo que cada direito de cada dimensatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo desse quadro evolutivo (MENDES COELHO BRANCO 2009 p 268)

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11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988

O cataacutelogo de direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988 resultou de um amplo processo de discussotildees oportunizado com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutes apoacutes mais de duas deacutecadas de ditadura militar Conforme destaca Flaacutevia Piovesan eacute de se considerar a Carta de 1988 como um verdadeiro marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico que por sua vez alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria (PIOVESAN 2006 p 2)

O proacuteprio preacircmbulo da Carta Magna realccedila um compromisso com os direitos fundamentais ao gravar que a sua promulgaccedilatildeo se baseava em um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade

Ainda seguindo o magisteacuterio de Sarlet eacute possiacutevel afirmar que trecircs caracteriacutesticas podem ser atribuiacutedas a Constituiccedilatildeo de 1988 como extensivas ao tiacutetulo dos direitos fundamentais seu caraacuteter analiacutetico seu pluralismo e seu forte cunho programaacutetico e dirigente O cunho analiacutetico reflete-se no Tiacutetulo II ndash Dos Direitos e Garantias Fundamentais face o seu grande nuacutemero de dispositivos legais O caraacuteter pluralista eacute representado pela reuniatildeo de dispositivos reconhecendo um grande gama de direitos sociais ao lado dos direitos claacutessicos e de novos direitos Jaacute o caraacuteter programaacutetico resulta de um grande nuacutemero de disposiccedilotildees constitucionais dependentes de regulamentaccedilatildeo legislativa embora amenizado no concernente aos direitos fundamentais especialmente em face do art 5ordm sect 1ordm da CF (as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tecircm aplicaccedilatildeo imediata) (SARLET 2009 p 64)

Essa proteccedilatildeo conferida aos direitos fundamentais manifesta-se ainda com o reconhecimento da ldquogarantia de eternidaderdquo pelo fato de estarem resguardados como claacuteusulas peacutetreas conforme prevecirc o art 60 sect 4ordm da CF Eacute de se destacar o extenso rol de incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo o qual contempla direitos fundamentais das diversas dimensotildees Dos arts 6ordm ao 11 da CF estatildeo estabelecidos os direitos sociais (que vinham sendo desde 1934 inseridos no

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Capiacutetulo da Ordem Econocircmica e Social) seguindo-se ainda o direito a nacionalidade e os direitos poliacuteticos Mas importa registro que o conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais reconhecido no art 5ordm sect 2ordm da CF assinala a existecircncia de outros direitos fundamentais em outros artigos da Constituiccedilatildeo inclusive em tratados internacionais

Os direitos fundamentais representam um verdadeiro sistema de direitos o qual se condiciona pelo princiacutepio da aplicabilidade imediata e espelham a concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana Por isso devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito merecendo ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados

A dignidade da pessoa humana estaacute consubstanciada no respeito pela vida integridade fiacutesica e moral do ser humano em busca de condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna A Constituiccedilatildeo de 1988 foi o primeiro ordenamento do constitucionalismo brasileiro a estabelecer um tiacutetulo proacuteprio aos Princiacutepios Fundamentais tendo sido tambeacutem a primeira a elevar a dignidade humana em niacutevel de princiacutepio fundamental Tais princiacutepios estatildeo prescritos no Tiacutetulo I da Magna Carta e catalogados em quatro artigos

E ao delinear o valor da dignidade da pessoa humana observa-se que esse princiacutepio assume importante funccedilatildeo demarcatoacuteria podendo servir de paracircmetro para avaliar qual o padratildeo miacutenimo em direitos fundamentais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido e preservado

E neste vieacutes mostra-se relevante a proteccedilatildeo judicial aos direitos fundamentais permitindo-se aos indiviacuteduos informar as violaccedilotildees aos seus direitos mas acima de tudo exigir que tais violaccedilotildees sejam evitadas ou saneadas Para Paulo Maacutercio Cruz a proteccedilatildeo judicial representa atualmente um elemento fundamental do sistema constitucional jaacute que faz parte da ordem constitucional o direito de todo indiviacuteduo recorrer aos tribunais para defender suas pretensotildees Segundo ele ldquoa aplicabilidade direta dos direitos e garantias fundamentais eacute a regra na quase totalidade dos paiacuteses do Ocidente e portanto sua proteccedilatildeo imediatardquo (CRUZ 2008 p 176)

Por fim eacute de se asseverar conforme ensina Branco que os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da garantia de posiccedilotildees individuais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 488-506 493

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passando a alcanccedilar a estatura de normas que filtram os valores baacutesicos da sociedade irradiando-se para todo o direito positivo Com isso forma a base do ordenamento juriacutedico de um Estado Democraacutetico de Direito (MENDES COELHO 2009 p 300)

12 A sauacutede como direito fundamental

O direito agrave sauacutede eacute um dos mais amplos e completos direitos no aspecto das dimensotildees dos direitos fundamentais A Constituiccedilatildeo de 1988 foi a primeira a reconhecer o direito agrave sauacutede como direito fundamental de dimensatildeo social sendo que as Constituiccedilotildees de 1934 1937 e 1967 apenas referiam o direito agrave sauacutede na parte da distribuiccedilatildeo das competecircncias O legislador constituinte jaacute no art 3ordm da CF reconheceu como objetivos fundamentais da Repuacuteblica Federativa do Brasil a construccedilatildeo de uma sociedade solidaacuteria com a promoccedilatildeo do bem de todos a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicaccedilatildeo da pobreza e de toda e qualquer forma de marginalizaccedilatildeo

O direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da CF O proacuteprio texto constitucional trata do direito agrave sauacutede no Tiacutetulo VIII merecendo destaque o art 196 da CF que dispotildee ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Tambeacutem encontra fundamento no art 170 da CF (Dos Princiacutepios Gerais da Atividade Econocircmica) o qual estabelece como escopo da ordem econocircmica assegurar a todos uma existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social Jaacute o art 193 da CF destaca que a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiccedila social sendo a garantia do direito a sauacutede um dos principais instrumentos

No art 194 da CF restou definido que a seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave previdecircncia e agrave assistecircncia social tendo o paraacutegrafo uacutenico no seu inciso I definido como objetivo a

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universalidade da cobertura e do atendimento e no inciso V a equidade na forma de participaccedilatildeo no conjunto integrado dessas accedilotildees

Cumpre registrar tambeacutem o caraacuteter prioritaacuterio agraves atividades preventivas para assegurar o direito agrave sauacutede conforme preceitua o art 198 inciso II da CF reconhecendo como uma das diretrizes do SUS - Sistema Uacutenico de Sauacutede o atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assistenciais

Pode-se reconhecer que os direitos sociais encontram-se inseridos em uma ordem de valor subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Como ensina Miguel Reale sob o prisma da dimensatildeo subjetiva representa a possibilidade de exigir-se de maneira garantida aquilo que as normas de direito atribuem a algueacutem como proacuteprio Trata-se do poder de exigir judicialmente o devido cumprimento do direito Jaacute a ordem de valor objetiva traduz a observacircncia de todos a esses direitos vinculando especialmente a atuaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos (REALE 2000 p 262)

Diante disso podemos reconhecer que a sauacutede eacute um dos principais direitos

fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a

adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem

estar de todos Poreacutem o direito agrave sauacutede dificilmente seraacute alcanccedilado de forma

absoluta e incondicional pelo Estado o que natildeo significa que o mesmo natildeo deva

ser entendido como um legiacutetimo valor constitucional que assegura agrave pessoa

humana em especial aos mais vulneraacuteveis o acesso agraves prestaccedilotildees materiais

necessaacuterias as atividades preventivas e agrave proteccedilatildeo da sauacutede para o

desenvolvimento de uma vida digna

Assim eacute inquestionaacutevel a fundamentalidade do direito agrave sauacutede jaacute que

representa um bem jusfundamental assegurado pela ordem constitucional sendo um

dos mais amplos e completos direitos fundamentais no aspecto dimensional Por

outro lado vale destacar que no campo da sua efetividade eacute necessaacuterio buscar

extrair sua forccedila maacutexima papel que cabe a doutrina e jurisprudecircncia mas acima de

tudo aos entes da federaccedilatildeo

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2 O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

Como todo cidadatildeo pode levar agrave apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio qualquer lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direito conforme autoriza o art 5ordm inciso XXXV da CF esta problemaacutetica constantemente acaba sendo decida pelo Poder Judiciaacuterio o que gera uma tormentosa discussatildeo em torno do controle jurisdicional das opccedilotildees legislativas de concretizaccedilatildeo desse direito

Por outro lado eacute importante observar que eacute uma exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila e dentre eles se encontra o direito agrave sauacutede Deste modo diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para isso torna-se salutar garantir minimamente a efetividade desse direito assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede

Desde o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 se tornou recorrente no Poder Judiciaacuterio litiacutegios acerca da interpretaccedilatildeo da integralidade e igualdade do tratamento de sauacutede bem como sobre a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na implementaccedilatildeo e tutela do direito agrave sauacutede E o que se tem visto de maneira recorrente eacute o julgamento favoraacutevel de processos quando o cidadatildeo necessita de medicamentos Diante disso eacute necessaacuterio compreender a forccedila juriacutedica do direito agrave sauacutede assim como a interpretaccedilatildeo dos tribunais em torno do dever do Estado em prestar medicamentos especialmente como forma de efetividade do desse direito

Deste modo a partir da identificaccedilatildeo de alguns valores e princiacutepios que impulsionam a realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede se apresenta uma anaacutelise acerca da obrigaccedilatildeo do Estado no fornecimento de medicamentos especialmente considerando o princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

21 A obrigaccedilatildeo do Estado

Como expotildee Sarlet o direito agrave sauacutede integra o sistema de proteccedilatildeo da seguridade social se manifestando de forma mais contundente a vinculaccedilatildeo do seu

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objeto (prestaccedilotildees materiais na esfera da assistecircncia meacutedica hospitalar etc) com o direito agrave vida e ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana E por ser um direito fundamental o qual possui um grau maacuteximo de juridicidade e normatividade deve-se buscar sempre sua efetividade a qual nem sempre eacute materializada (SARLET 2009 p 322)

A questatildeo eacute complexa Os entes da federaccedilatildeo encaram o direito agrave sauacutede como norma programaacutetica de modo que em natildeo existindo dinheiro disponiacutevel no orccedilamento puacuteblico destinado para o fornecimento de medicamentos ou se o medicamento solicitado natildeo integrar a portaria GM 25772006 do Ministeacuterio da Sauacutede haveria afronta agrave ordem puacuteblica em termos administrativos jaacute que o fornecimento desses medicamentos encontra-se agrave margem do programa oficial do Estado o qual deve zelar pela programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria e evitar lesatildeo para a economia puacuteblica

Aleacutem disso haveria ofensa tambeacutem a proacutepria sauacutede puacuteblica pois o fornecimento de medicamentos natildeo previstos nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede compromete a racionalizaccedilatildeo do sistema de fornecimento de medicamentos para a populaccedilatildeo de uma maneira geral Todavia embora se reconheccedila que as poliacuteticas de sauacutede implicam a formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de um planejamento amplo elaborado a partir da avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo real e da identificaccedilatildeo dos meios escassos disponiacuteveis com escolha das prioridades a serem atendidas e das metas a ser alcanccedilado o Judiciaacuterio tem assegurado o acesso aos medicamentos quando o cidadatildeo eacute pessoa hipossuficiente quando a enfermidade em questatildeo eacute muito grave e quando haacute urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento

Isso porque o legislador constitucional erigiu o direito agrave sauacutede ao niacutevel dos direitos sociais fundamentais impondo ao Estado a obrigaccedilatildeo de atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas implementar normas e accedilotildees destinadas agrave concretizaccedilatildeo deste direito Ao tratar da responsabilidade do Estado e o direito agrave sauacutede Joseacute Afonso da Silva citando Canotilho e Vital Moreira destaca que esse direito comporta duas vertentes sendo uma negativa que consiste no direito a exigir do Estado que se abstenha de qualquer ato que prejudique a sauacutede e outra de natureza positiva que significa o direito agraves medidas e prestaccedilotildees estaduais visando agrave prevenccedilatildeo das doenccedilas e o tratamento delas Observa ainda que os arts 196 198 e 200 da CF

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tratam de um direito positivo que exige prestaccedilotildees do Estado e que impotildee aos entes puacuteblicos a realizaccedilatildeo de determinadas tarefas de cujo cumprimento depende a proacutepria realizaccedilatildeo do direito e do qual decorre um especial direito subjetivo (SILVA 2000 p 312-313)

O proacuteprio Supremo Tribunal Federal por diversas ocasiotildees jaacute acentuou a importacircncia da efetivaccedilatildeo de programas sociais que concretizem os preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais A esse respeito destaca-se o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinaacuterio nordm 271286 do qual foi relator o Ministro Celso de Mello Naquele julgamento foi mantida a condenaccedilatildeo do Municiacutepio de Porto Alegre solidariamente com o Estado do Rio Grande do Sul obrigando-se ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessaacuterios ao tratamento da AIDS aos portadores do viacuterus HIV carentes

Na ementa ficou gravado que o direito puacuteblico subjetivo agrave sauacutede representa prerrogativa juriacutedica indisponiacutevel assegurada agrave generalidade das pessoas pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal Traduz bem juriacutedico constitucionalmente tutelado por cuja integridade deve velar responsavelmente o Poder Puacuteblico a quem incumbe formular ndash e implementar ndash poliacuteticas sociais e econocircmicas idocircneas que visem a garantir aos cidadatildeos inclusive agravequeles portadores do viacuterus HIV o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica e meacutedico-hospitalar Reconheceu-se tambeacutem que o direito agrave sauacutede aleacutem de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequecircncia constitucional indissociaacutevel do direito agrave vida Deste modo o Poder Puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional

Por fim reconheceu-se que a interpretaccedilatildeo da norma programaacutetica natildeo pode transformaacute-la em promessa constitucional inconsequente sob pena de o Poder Puacuteblico fraudando as justas expectativas da coletividade substituir ilegitimamente o cumprimento de seu inafastaacutevel dever por um gesto irresponsaacutevel de infidelidade governamental ao que prevecirc a Constituiccedilatildeo Federal O reconhecimento pelo Poder Judiciaacuterio da validade juriacutedica de programas de distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS

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daacute efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo Federal e representa um gesto reverente e solidaacuterio de valor agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente daquelas que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial dignidade

Esse julgamento esclarece agrave posiccedilatildeo adotada pelo STF para questotildees desta natureza Em harmonia com as normas constitucionais a Lei 80801990 que cuida do Sistema Uacutenico de Sauacutede eacute tambeacutem reflexo do direito agrave assistecircncia social destinando-se ainda a resguardar a sauacutede dos cidadatildeos carentes Eacute o que prevecirc o seu art 2ordm quando estatui ser a sauacutede um direito fundamental do ser humano devendo o Estado prover as condiccedilotildees indispensaacuteveis ao seu pleno exerciacutecio E esse dever estatal consiste na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas econocircmicas e sociais que visem agrave reduccedilatildeo de riscos e de outros agravos e no estabelecimento de condiccedilotildees que assegurem acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e aos serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Tambeacutem merece destaque o art 4ordm da Lei 80801990 ao explicitar que o conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede prestados por oacutergatildeos e instituiccedilotildees puacuteblicas federais estaduais e municipais da Administraccedilatildeo direta indireta e das fundaccedilotildees mantidas pelo Poder Puacuteblico constitui o Sistema Uacutenico de Sauacutede

Com todo este fundamento legal reconhecidamente protetor natildeo se pode interpretar a Constituiccedilatildeo Federal e a proacutepria Lei 80801990 de outra forma que natildeo extensivamente para reconhecer o dever dos entes da federaccedilatildeo a fornecer medicamentos desde que sejam os destinataacuterios pessoas carentes a enfermidade em questatildeo seja muito grave e quando existir urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento solicitado

Nesse sentido podemos mencionar ainda o Recurso Extraordinaacuterio (RE) nordm 242859 de relatoria do Ministro Ilmar Galvatildeo 1ordf Turma publicado no DJ de 29061999 o RE nordm 264269-AgR cujo relator foi o Ministro Neacuteri da Silveira 1ordf Turma publicado no DJ de 26052000 o RE nordm 255627-AgR em que foi relator o Ministro Nelson Jobim 2ordf Turma publicado no DJ de 21112000 e ainda o RE nordm 271286-AgR de relatoria do Ministro Celso de Mello 2ordf Turma publicado no DJ de 12092000 entre outros

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Assim a obrigaccedilatildeo de prestar medicamentos pelo Estado natildeo eacute ilimitada e incondicional sendo necessaacuterio analisar a gravidade da enfermidade a condiccedilatildeo financeira do requerente e a urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento Por outro lado eacute importante reconhecer que a impossibilidade de acesso a medicamentos necessaacuterios agrave sobrevivecircncia digna acaba sempre por agravar o direito agrave sauacutede e consequentemente agrave proacutepria vida

Ao que parece eacute equilibrado que o Poder Legislativo atue estabelecendo leis que assegurem o acesso aos medicamentos necessaacuterios que o Poder Executivo implemente poliacuteticas sociais que objetivem a otimizaccedilatildeo do uso de seus recursos financeiros promovendo dessa forma a sauacutede e o atendimento isonocircmico entre os titulares do direito ao fornecimento de medicamentos e por fim que o Poder Judiciaacuterio verifique e julgue a constitucionalidade da poliacutetica eleita

Diante disso importa ressaltar que embora a realizaccedilatildeo da justiccedila social seja dependente de recursos do Estado haacute de se encontrar caminhos para a sua materializaccedilatildeo natildeo parecendo adequado que o Poder Judiciaacuterio fique a mercecirc de um Poder Legislativo e Executivo inoperante na realizaccedilatildeo de suas atribuiccedilotildees ou competecircncia o que sem sendo tratado como uma ldquodificuldade contramajoritaacuteriardquo que nada mais eacute do que a falta de legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para fixar poliacuteticas puacuteblicas no lugar do legislador eou administrador eleitos pelo povo

22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo

A sauacutede eacute um dos principais direitos fundamentais prestacionais impondo a todos os entes federativos o dever compartilhado e solidaacuterio correspondente visando agrave adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos A Constituiccedilatildeo Federal ao prever um vasto elenco de direitos sociais prestacionais obrigou a Uniatildeo os Estados e tambeacutem os Municiacutepios a assegurar de maneira solidaacuteria o direito agrave sauacutede especialmente aos carentes os quais natildeo possuem condiccedilotildees econocircmicas de ter acesso aos medicamentos indispensaacuteveis agrave proacutepria vida

Deste modo quando o pedido de medicamentos natildeo estiver contemplado em determinada poliacutetica puacuteblica estatal especiacutefica (federal estadual ou municipal) e

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

jaacute em fase de execuccedilatildeo a solicitaccedilatildeo pelos medicamentos deve ser direcionada em desfavor de todos os entes da federaccedilatildeo jaacute que o direito agrave sauacutede natildeo pode ser reduzido a uma promessa constitucional

Merece registro o julgamento pelo STF do RE nordm 393175-AgR da 2ordf Turma publicado no DJ de 02022007 em que o relator Ministro Celso de Mello asseverou que o poder puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa brasileira natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Essa orientaccedilatildeo vem sendo consolidada na jurisprudecircncia paacutetria

Mas parece claro que o art 198 da CF natildeo veda que a legislaccedilatildeo infraconstitucional atribua prestaccedilotildees especiacuteficas a determinada esfera de governo ateacute mesmo como estrateacutegia de gestatildeo Assim quando houver norma atribuindo o dever de prestar determinado serviccedilo de sauacutede ou dispensar determinado tipo de medicamento a um determinado ente da federaccedilatildeo apenas este eacute que deveraacute figurar no poacutelo passivo da demanda caso contraacuterio o dever seraacute sempre solidaacuterio entre as trecircs esferas de estatais

Dessa forma parece que natildeo haacute duacutevidas de que existe uma responsabilidade solidaacuteria entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata do direito agrave sauacutede cabendo ao cidadatildeo necessitado escolher quem deveraacute lhe fornecer o medicamento pleiteado O art 198 paraacutegrafo uacutenico da CF estabelece que o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute firmado nos termos do art 195 com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes legais A Lei 808090 disciplina o SUS atribuindo a todos os entes da federaccedilatildeo a prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo podendo o cidadatildeo optar por aquele que venha a prestar assistecircncia agrave sua sauacutede atraveacutes do fornecimento de medicamentos

Diante disso a regra eacute a da solidariedade pura entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata de sauacutede puacuteblica cabendo ao cidadatildeo requerente optar quem deveraacute lhe fornecer o medicamento de que necessita No julgamento do Mandado de Seguranccedila 17425MG publicado no DJ em 22112004 de relatoria da Ministra Eliana Calmon a 2ordf Turma do Superior Tribunal de Justiccedila decidiu que o

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fornecimento gratuito de medicamento eacute dever liacutequido e certo do Estado competindo agrave Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios o seu cuidado conforme estabelece o art 23 II da CF bem como a organizaccedilatildeo da seguridade social garantindo a universalidade da cobertura e do atendimento tudo conforme o art 194 paraacutegrafo uacutenico inciso I todos da Carta Magna

Por se tratar o fornecimento de medicamentos de uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute possiacutevel exigir a prestaccedilatildeo de qualquer um ou de todos os entes federativos A escolha cabe ao cidadatildeo ao formular o seu pedido Deste modo reconhece-se no poacutelo passivo de uma accedilatildeo de medicamentos um litisconsoacutercio facultativo e natildeo obrigatoacuterio pois a responsabilidade solidaacuteria dos entes puacuteblicos natildeo obriga ao chamamento ao processo ou a denunciaccedilatildeo agrave lide de outros entes natildeo demandados pelo requerente

Diferente natildeo eacute com o funcionamento do SUS o qual eacute de responsabilidade solidaacuteria da Uniatildeo Estados e Municiacutepios de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no poacutelo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para pessoas carentes Nesse sentido eacute de se destacar a decisatildeo do STJ proferida pelo Ministro Humberto Martins no julgamento do Recurso Especial nordm 1103889RN publicado no DJ de 19032009 Segundo ele o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute financiado com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes O texto constitucional faz referecircncia agraves trecircs esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade de tal forma que natildeo haacute que se falar em litisconsoacutercio

O STF tambeacutem jaacute se manifestou no sentido de admitir a escolha pelo autor do ente da federaccedilatildeo contra quem deseja solicitar medicamentos como se vecirc no julgamento do Agravo de Instrumento nordm 597141RS de relatoria da Ministra Carmen Luacutecia publicado no DJ de 29062007 Ficou decidido que em razatildeo da responsabilidade prevista no artigo 196 da CF a legitimidade passiva para a causa consiste na coincidecircncia entre a pessoa do reacuteu e a pessoa de qualquer um dos vaacuterios entes federativos A presenccedila de um dos vaacuterios legitimados no poacutelo passivo da relaccedilatildeo processual decorre da escolha do demandante jaacute que todos e qualquer um deles tem o dever de cuidar da sauacutede e assistecircncia puacuteblica na forma do inciso II do art 23 da CF

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Sendo assim o cumprimento do dever poliacutetico-constitucional consagrado no

art 196 da CF consistente na obrigaccedilatildeo de assegurar a todos a proteccedilatildeo agrave sauacutede

representa fator que associado a um imperativo de solidariedade social impotildee-se

como medidas positivas ao poder puacuteblico seja atraveacutes da Uniatildeo dos Estados ou

Municiacutepios

3 O PRINCIacutePIO DA RESERVA DO POSSIacuteVEL E O NUacuteCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Embora haja entendimentos favoraacuteveis ao ldquoPrinciacutepio da Reserva do

Possiacutevelrdquo segundo o qual o juiz natildeo pode alcanccedilar direitos sem que existam meios

materiais disponiacuteveis para tanto as limitaccedilotildees ou dificuldades orccedilamentaacuterias natildeo se

prestam por si soacute como pretexto para negar o direito agrave sauacutede e agrave vida garantido no

art 196 da CF

A Lei 80801990 em seu art 2ordm repetiu que a sauacutede eacute um direito

fundamental do ser humano incumbindo ao Estado prover as condiccedilotildees ao seu

pleno exerciacutecio disciplinando o SUS incumbindo aos entes da federaccedilatildeo a

prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo Diante disto natildeo haacute que se dar

acolhida ao argumento da inexistecircncia de previsatildeo orccedilamentaacuteria por parte do

Estado uma vez que caracterizada a urgecircncia do atendimento devido ao cidadatildeo

carente deve-se primar pelo direito agrave vida acima de tudo

A Constituiccedilatildeo Federal eacute expressa ao assegurar o direito agrave vida e o direito agrave

sauacutede como garantias fundamentais instituiacutedas em norma de caraacuteter imperativo

autoaplicaacuteveis de acordo com a responsabilidade solidaacuteria dos entes federativos

Haacute um bem maior que eacute a vida com um respectivo direito agrave sauacutede assegurado

constitucionalmente como direito fundamental bem este que tem o maior valor

devendo ser sempre o bem preponderante sobre os demais direitos assegurados no

texto constitucional significando que entre os dois valores em jogo direito agrave vida e o

direito do ente puacuteblico de bem gerir as verbas puacuteblicas sob qualquer oacutetica deve

prevalecer o bem maior Assim eacute desnecessaacuteria a previsatildeo orccedilamentaacuteria ou a

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licitaccedilatildeo para a aquisiccedilatildeo dos medicamentos solicitados quando necessaacuterios agrave

sobrevivecircncia digna do ser humano

Ainda frente agrave necessidade de se alcanccedilar medicamentos a quem tem

urgecircncia no pleito a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes natildeo merece

acolhida natildeo havendo duacutevida quanto agrave prioridade absoluta do direito subjetivo

postulado isso porque o Judiciaacuterio natildeo estaacute criando poliacutetica puacuteblica mas apenas

determinando o seu cumprimento o que precisa ficar claro jaacute que se trata de uma

das marcas da justiccedila constitucional na contemporaneidade (BOLZAN DE MORAIS

2010 p 150)

Diante disso visando agrave declaraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo dos direitos e demandas

sociais bem como a correccedilatildeo dos defeitos legislativos o ativismo judicial enquanto

ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio voltada para a concretizaccedilatildeo de direito e

demandas sociais atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional estaacute ligado agrave

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional num claro propoacutesito de afirmaccedilatildeo do princiacutepio

da sumpremacia da Constituiccedilatildeo

E essa atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio natildeo eacute uma atuaccedilatildeo poliacutetica partidaacuteria

mas poliacutetica institucional num indiscutiacutevel propoacutesito de resguardar aquilo que eacute

fundamental Deste modo o ativismo judicial longe estaacute de ser uma afronta ao

Estado Democraacutetico de Direito pelo contraacuterio o reaccedila e o fortalece Por isso eacute

fundamental fazer avanccedilar a hermenecircutica constitucional mediante a sistematizaccedilatildeo

completa da concepccedilatildeo espacial do conteuacutedo total das normas constitucionais

O conteuacutedo total de um direito constitucional possui uma parte central

representada pelo seu nuacutecleo essencial isto eacute seu conteuacutedo miacutenimo e uma parte

ponderaacutevel sujeita a teacutecnicas de avaliaccedilatildeo em caso de conflito com outros direitos

constitucionais No acircmbito do direito agrave sauacutede eacute necessaacuterio preservar a ideia de um

conteuacutedo miacutenimo no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Estado

Por consequecircncia sendo o cidadatildeo pessoa carente com uma enfermidade grave e

existindo urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento o Estado precisa criar condiccedilotildees

em atender essa necessidade elevando dessa forma efetividade a dignidade

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

humana princiacutepio que serve de inspiraccedilatildeo para o reconhecimento e o

desenvolvimento de um Estado Democraacutetico de Direito

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para tanto torna-se salutar garantir minimamente a efetividade natildeo soacute do direito agrave sauacutede mas de todos os direitos fundamentais inerentes agrave pessoa humana assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede pois trata-se de um dos principais direitos fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos

Esse esforccedilo eacute conjunto a responsabilidade eacute de todos e natildeo pode ser negligenciada Deve ser uma pauta contiacutenua sem antinomias (BARROSO 2004 p 9) a ser garantida pelo sistema normativo e poliacutetico a ponto de tornar os valores e princiacutepios constitucionais uma realidade

REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 BOLZAN DE MORAIS Jose Luis O estado constitucional diaacutelogos (ou a falta deles) entre justiccedila e poliacutetica In Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica ndash Anuaacuterio do Programa de Poacutes-Graduccedilatildeo em Direito da Unisinos n 7 Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 7 ed Satildeo Paulo Malheiros 1997 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Satildeo Paulo Saraiva 2010 CRUZ Paulo Maacutercio Fundamentos do direito constitucional 2 ed Curitiba Juruaacute 2008 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 4 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2006

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Robson de Vargas

REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de direito 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 2000 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 17 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA1

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME

Luiacutes Henrique Bortolai2

Juliane Cavalcanti Pereira3

Resumo O presente trabalho objetiva uma anaacutelise criacutetica acerca da possibilidade de

incidecircncia do instituto da imunidade tributaacuteria aos livros eletrocircnicos recente evoluccedilatildeo tecnoloacutegica que tem se revelado um objeto presente na realidade social brasileira principalmente devido ao acesso aos meios de comunicaccedilatildeo Esse estudo almeja a apresentaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo que busque trazer maior efetivaccedilatildeo as disposiccedilotildees constitucionais propondo atingir o maacuteximo de sua realizaccedilatildeo possibilitando o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel

Palavras-chave Imunidade tributaacuteria livro eletrocircnico ordenamento juriacutedico brasileiro Constituiccedilatildeo Federal

Abstract This paper engages in a critical analysis of the possibility of incidence of

the institute of tax immunity over electronic books recent technological developments it has been an object present in the Brazilian social reality mainly due to access to the medium This study aims at presenting an interpretation that seeks to bring greater effectiveness constitutional provisions proposing achieve maximum realization enabling access to culture and knowledge available

Keywords Tax immunity electronic book Brazilian law the Federal Constitution

1 Artigo submetido em 01062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 03072013 e 09092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 09092013

2 Doutorando em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Mestre em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Especialista em Direito Tributaacuterio pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de CampinasSP (PUC-Campinas) Membro da Comissatildeo de Cursos e Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Secccedilatildeo CampinasSP Advogado em CampinasSP Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie ndash Campus Campinas E-mail ltborto04hotmailcomgt

3 Graduanda em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas E-mail ltjuliane_jujuhotmailcomgt

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INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo objetiva de forma pontual possibilitar um estudo aprofundado sobre a interaccedilatildeo entre a imunidade tributaacuteria e o livro eletrocircnico tomando como base a jurisprudecircncia e a doutrina de modo a concluir as disposiccedilotildees apresentadas especialmente tomando como base os julgados tribunais superiores e focando no tribunal de segunda instacircncia do Estado de Satildeo Paulo

A proposta apresentada para o desenvolvimento do presente trabalho se refere a possibilidade ou natildeo da disposiccedilatildeo contida no artigo 150 inciso IV aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil4 ser aplicada ao livro eletrocircnico Tal questionamento busca abordar um tema atual e presente no cotidiano das pessoas graccedilas principalmente as inovaccedilotildees e mudanccedilas que a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica tecircm trazido ao ordenamento juriacutedico brasileiro conjuntamente com a telefonia moacutevel e a banda larga

O presente trabalho natildeo busca esgotar a mateacuteria apresentada mas apenas trazer uma abordagem diferenciada acerca do assunto com uma visatildeo atual deste tema tatildeo relevante que a cada dia que passa assume especial atenccedilatildeo dos inteacuterprete-aplicadores devido aos desdobramentos intriacutensecos e extrinsecos do tema

1 DISCUSSAtildeO JURISPRUDENCIAL

Natildeo se pode negar o fato de que as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas satildeo uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pessoas se tornando muitas vezes meios de substituiccedilatildeo das vias ordinaacuterias ateacute entatildeo existentes A tiacutetulo de exemplo o Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo jaacute se manifestou acerca do instituto da imunidade tributaacuteria por diversas vezes ainda quando da natildeo disseminaccedilatildeo da rede mundial de computadores no seacuteculo passado dentre as quais se destaca o seguinte trecho

4 Artigo 150 Sem prejuiacutezo de outras garantias asseguradas ao contribuinte eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios [] VI - instituir impostos sobre [] d) livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A imunidade deve ter interpretaccedilatildeo extensiva larga natildeo enfrentando o oacutebice do inciso II do artigo 111 do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Trata-se de uma imunidade imposicional objetiva e natildeo condicionada autecircntica norma que natildeo admite complementariedade legislativa vedando peremptoriamente qualquer ingerecircncia de natureza limitatoacuteria5

Somado a isso o Supremo Tribunal Federal em alguns julgados tem mantido posicionamento pela natildeo abrangecircncia deste benefiacutecio estendendo seu alcance apenas a filmes e papeacuteis fotograacuteficos usados na ediccedilatildeo de livros jornais e perioacutedicos e negando tal aplicaccedilatildeo aos livros eletrocircnicos Ocorre que o verdadeiro fim de tal norma eacute possibilitar a disseminaccedilatildeo de cultura e informaccedilotildees Ao se restringir o acircmbito de atuaccedilatildeo da imunidade haveria um verdadeiro contrassenso dentro das disposiccedilotildees contidas no proacuteprio texto constitucional A proacutepria Suprema Corte jaacute entendeu que todos os insumos utilizados na produccedilatildeo do livro devem ser abarcados pela imunidade tributaacuteria Conforme se observa abaixo ainda que com a vigecircncia de outro texto constitucional o entendimento eacute o mesmo

Imunidade Tributaacuteria Livro Constituiccedilatildeo art 19 inciso III aliacutenea lsquodrsquo Em se tratando de norma constitucional relativa agraves imunidades tributaacuterias geneacutericas admite-se a interpretaccedilatildeo ampla de modo a transparecerem os princiacutepios e postulados nela consagrados O livro como objeto da imunidade tributaacuteria natildeo eacute apenas produto acabado mas o conjunto de serviccedilos que o realizam desde a redaccedilatildeo ateacute a revisatildeo da obra sem restriccedilatildeo dos valores que a foram e que a Constituiccedilatildeo protege6

A Oitava Cacircmara de Direito Puacuteblico do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo em julgamento datado de 1999 deu provimento ao recurso de apelaccedilatildeo da Fazenda do Estado para declarar a inexistecircncia de imunidade tributaacuteria para os denominados livros eletrocircnicos ndash CD-Rom ndash valendo-se da aplicaccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico de interpretaccedilatildeo para concluir que a proposta ampliativa de imunidade foi rechaccedilada pelos constituintes e deve ser portanto respeitada A ementa e trechos do acoacuterdatildeo satildeo dispostas a seguir

5 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199

6 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267

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Impostos CD-ROM Imunidade tributaacuteria Inexistecircncia Privileacutegio de natureza constitucional Irrelevacircncia da destinaccedilatildeo do bem e da qualificaccedilatildeo da entidade que o produz Hipoacutetese natildeo contemplada no artigo 150 inciso VI lsquodrsquo da CF Interpretaccedilatildeo natildeo extensiva Recursos providos Entretanto natildeo eacute qualquer papel que estaacute imune a tributaccedilatildeo de impostos mas apenas aquele destinado a impressatildeo de livros jornais e perioacutedicos descabendo estender-se o benefiacutecio de natureza constitucional a outras hipoacuteteses natildeo contempladas pela Constituiccedilatildeo vale dizer para abranger outros insumos bem assim sobre legislaccedilatildeo informatizada em forma de CD-Rom e mais programa de computador ndash software As imunidades configuram privileacutegios de natureza constitucional e natildeo podem estender-se aleacutem das hipoacuteteses expressamente previstas na Constituiccedilatildeo [] Resulta pois que se essa proposta ampliativa de imunidades natildeo foi aceita preferindo o legislador constituinte manter aquele privileacutegio apenas e tatildeo somente em relaccedilatildeo a livros jornais e perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo natildeo se afigura razoaacutevel contrariar a sua real intenccedilatildeo mens legislatoris para abranger hipoacutetese que ele natildeo resolveu agasalhar incluindo-se a legislaccedilatildeo informatizada ndash CD-Rom e software []7

Tal hipoacutetese se revela desconexa com a atual conjuntura da realidade social e principalmente das reais necessidades e anseios da coletividade A configuraccedilatildeo de meacutetodos de interpretaccedilatildeo como o finaliacutestico e o sistemaacutetico por exemplo permitem uma anaacutelise mais aprofundada das disposiccedilotildees apresentadas natildeo podendo se valer apenas de anaacutelises restritivas quando a situaccedilatildeo apresentada se mostra muito mais rica e complexa merecendo especial atenccedilatildeo Aleacutem disso as disposiccedilotildees legais devem se coadunar com as expectativas e asseios da sociedade que a cada dia que passa tem se modificado e evoluiacutedo sem o devido acompanhamento legislativo O Supremo Tribunal Federal na ADIN nordm 939 no voto do Ministro Sepuacutelveda Pertence extrai-se o seguinte trecho

[] salvaguardas fundamentais de princiacutepios liberdades e direitos baacutesicos da Constituiccedilatildeo como a liberdade religiosa de manifestaccedilatildeo de pensamento pluralismo poliacutetico do regime liberdade sindical a solidariedade social o direito agrave educaccedilatildeo e assim por diante8

Importante que se deixe claro que os magistrados e desembargadores devem se manter atualizados agraves mudanccedilas legislativas mas principalmente as

7 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999

8 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

sociais de modo a proporcionar as partes e a parcela da populaccedilatildeo atingida uma interpretaccedilatildeo condizente com as suas reais necessidades O professor Hugo de Brito Machado (2003 p 14) assim jaacute se manifestou sobre o assunto

Embora natildeo verse a questatildeo do livro eletrocircnico o certo eacute que o Poder Judiciaacuterio jaacute cunhou a extrema amplitude da imunidade versada no art 150 VI lsquodrsquo verbis ldquo[] visando a difusatildeo da cultura educaccedilatildeo liberdade de pensamento e comunicaccedilatildeo constituiria injustificaacutevel contradiccedilatildeo do constituinte alijar da abrangecircncia tributaacuteria apenas parcela do processo de difusatildeo da cultura e da educaccedilatildeo da liberdade de pensamento e de comunicaccedilatildeo atraveacutes de jornais e perioacutedicos Restaria evidentemente frustrado o alvo constitucionalrdquo

Segundo Yoshiaki Ichihara (2001 p 326)

Natildeo reconhecer a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos eacute o mesmo que parar no tempo e no espaccedilo preso a interpretaccedilatildeo literal e retroacutegrada sem enxergar a realidade atual e do futuro pois em termos de conteuacutedo funccedilatildeo objetividade recursos para pesquisa copiagem transporte divulgaccedilatildeo rapidez na localizaccedilatildeo dos textos etc os CD-Roms superam em muito os tradicionais livros jornais perioacutedicos etc

Tal disposiccedilatildeo se coaduna perfeitamente com as disposiccedilotildees apresentadas ateacute o momento merecendo especial atenccedilatildeo e realce dada a sua explicaccedilatildeo concisa e direta revelando clara hipoacutetese de aplicaccedilatildeo de meacutetodos diferenciados das normas entatildeo vigentes de forma a concretizar de forma efetiva as disposiccedilotildees do texto constitucional

2 APLICACcedilAtildeO PRAacuteTICA DOS MEacuteTODOS DE INTERPRETACcedilAtildeO

As disposiccedilotildees acerca do instituto da imunidade tributaacuteria estatildeo dispostas na Constituiccedilatildeo Federal revelando a importacircncia que o tema possui Ainda neste diploma em seu artigo 5ordm incisos VI e IX eacute disposto que

Art 5ordm Todos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no paiacutes a inviolabilidade do direito agrave vida agrave liberdade agrave igualdade agrave seguranccedila e agrave propriedade nos termos seguintes [] IV - eacute livre a manifestaccedilatildeo do pensamento sendo vedado o anonimato []

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

IX - eacute livre a expressatildeo da atividade intelectual artiacutestica cientiacutefica e de comunicaccedilatildeo independentemente de censura ou licenccedila

Tais disposiccedilotildees se complementam com a previsatildeo apresentada no artigo 220 da Carta Magna ao estabelecer expressamente que

Art 220 A manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeo observado o disposto nesta Constituiccedilatildeo sect 1ordm - Nenhuma lei conteraacute dispositivo que possa constituir embaraccedilo agrave plena liberdade de informaccedilatildeo jornaliacutestica em qualquer veiacuteculo de comunicaccedilatildeo social observado o disposto no art 5ordm IV V X XIII e XIV sect 2ordm - Eacute vedada toda e qualquer censura de natureza poliacutetica ideoloacutegica e artiacutestica

Tais normas fornecem embasamento e fortalecem o entendimento de que eacute possiacutevel se realizar uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que toma o ordenamento juriacutedico brasileiro como um todo e natildeo apenas a partir de uma visatildeo segmentada e particular tiacutepica da interpretaccedilatildeo literal Sob o ponto de vista objetivo a imunidade tributaacuteria incidente sobre livros jornais revistas perioacutedicos e seu papel buscando efetivar os princiacutepios basilares e fundamentais do regime democraacutetico tais como a difusatildeo cultural de informaccedilotildees e principalmente do conhecimento disponiacutevel natildeo merecendo ser restringido ou limitado O Coacutedigo Tributaacuterio Nacional expressamente dispotildee em seu artigo 111 que

Art 111 Interpreta-se literalmente a legislaccedilatildeo tributaacuteria que disponha sobre I - suspensatildeo ou exclusatildeo do creacutedito tributaacuterio II - outorga de isenccedilatildeo III - dispensa do cumprimento de obrigaccedilotildees tributaacuterias acessoacuterias

Diante de tal disposiccedilatildeo legal fica evidente que no caso da isenccedilatildeo de tributos anistia renuacutencia e natildeo incidecircncia a interpretaccedilatildeo mais condizente eacute a literal se restringindo as disposiccedilotildees apresentadas no texto infraconstitucional Jaacute quanto ao instituto da imunidade disposta no texto constitucional a interpretaccedilatildeo mais propiacutecia eacute a teleoloacutegica-sistemaacutetica ao buscar a finalidade da norma de forma ampla e que concretize as disposiccedilotildees ali apresentadas Como a imunidade ocorre antes mesmo da criaccedilatildeo do poder de tributar enquanto que a isenccedilatildeo e demais institutos satildeo criados depois em clara hipoacutetese de renuacutencia fiscal revelando a Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 512

A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

diferenccedila niacutetida entre os dispositivos A primeira deve possuir um acircmbito de atuaccedilatildeo muito maior que as demais devido agrave sua funccedilatildeo protetora dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Walter Barbosa Correcirca (1998 p 130) leciona que

Ao desenvolver a atividade de interpretaccedilatildeo da norma imunizadora a natureza e finalidades da imunidade satildeo essenciais de pronto afastando a interpretaccedilatildeo literal proacutepria das isenccedilotildees instituto esse que ateacute haacute pouco tempo confundia-se com a imunidade e vice-versa

Diante disso natildeo pode haver uma notiacutecia vinculada pela via impressa imune e a mesma informaccedilatildeo transmitida pela rede mundial de computadores natildeo ser contemplada apenas por natildeo estar materializada num papel Nesta linha ainda relevante opiniatildeo eacute trazida por Heleno Taveira Tocircrres e Vanessa Nobeel Garcia ao afirmarem em estudo sobre o tema que ldquo[] exige que o ato de aplicaccedilatildeo reconheccedila os valores fixados pela sociedade no ordenamento juriacutedico e que os garanta com efetividade plenardquo (TOcircRRES 2003 p 83) A ponderaccedilatildeo de valores deve sopesar toda e qualquer comparaccedilatildeo que for feita de modo a proporcionar o meacutetodo mais propiacutecio agravequela situaccedilatildeo apresentada Diante disso o princiacutepio da isonomia deve pautar o estudo entre as formas de livro existentes de modo a natildeo possibilitar a ocorrecircncia de qualquer injusticcedila A utilizaccedilatildeo dos meacutetodos claacutessicos de interpretaccedilatildeo satildeo insuficientes e revelam natildeo alcanccedilar o verdadeiro nuacutecleo essencial preceituado pelo norma constitucional o conhecimento existente

Assim a problemaacutetica levantada sobre o verdadeiro conceito de livro bem como sobre a possibilidade de aplicaccedilatildeo da imunidade tributaacuteria ao livro eletrocircnico pode ser solucionada com a utilizaccedilatildeo de dois meacutetodos de interpretaccedilatildeo de forma simultacircnea o teleoloacutegico e o sistemaacutetico O primeiro busca a finalidade da norma revelando o seu papel essencial quando se tem como objeto de estudo alguma disposiccedilatildeo do texto constitucional Portanto na aplicaccedilatildeo de uma disposiccedilatildeo constitucional deve-se ater aos fins sociais a que esta foi criada buscando o bem estar da coletividade seguindo o preceito disposto no artigo 5ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nordm 465742)9

9 ldquoNa aplicaccedilatildeo da lei o juiz atenderaacute aos fins sociais a que ela se dirige e agraves exigecircncias do bem comumrdquo

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

Nesta esteira ainda o outro meacutetodo apresentado o sistemaacutetico se mostra relevante e propiacutecio a presente proposta vez que possibilita segundo as palavras do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiacutes Roberto Barroso a ldquo[] atribuiccedilatildeo de novos conteuacutedos agrave norma constitucional sem modificaccedilatildeo do seu teor literal em razatildeo de mudanccedilas histoacutericas ou de fatores poliacuteticos e sociais que natildeo estavam presentes nas mentes dos constituintesrdquo (BARROSO 2009 p 137) Com isso a aplicaccedilatildeo conjunta destes meacutetodos interpretativos confere aos livros eletrocircnicos o benefiacutecio das garantias da imunidade tributaacuteria O professor Alfredo Augusto Becker (2007 p 272) pondera em quatro etapas o ato de interpretaccedilatildeo da lei quais sejam

1) Distinccedilatildeo dos elementos da hipoacutetese de incidecircncia da regra juriacutedica em apreccedilo 2) Estudo preacutevio das consequecircncias da regra juriacutedica 3) Anaacutelise de todos os fatos da hipoacutetese de incidecircncia de modo a preencher todas as lacunas apresentadas e 4) Ponderar se as consequecircncias da regra de incidecircncia foram respeitadas

De fato natildeo se pode interpretar uma norma imunizante como se interpreta uma norma instituidora de isenccedilatildeo de caraacuteter infraconstitucional por exemplo A norma constitucional foi encartada no texto maior para a proteccedilatildeo de valor fundamental a humanidade a liberdade de expressatildeo sem a qual natildeo se pode falar em uma efetiva democracia participativa Tendo em vista isso deve ser atribuiacutedo o

sentido que traga maior eficaacutecia a estas disposiccedilotildees O professor Joseacute Joaquim Gomes Canotilho faz menccedilatildeo expressa ao princiacutepio da maacutexima efetividade ou seja diante de uma situaccedilatildeo conflitante deve-se proceder pela aplicaccedilatildeo do meacutetodo mais condizente com a realidade faacutetica de forma a possibilitar a maior inclusatildeo possiacutevel do dispositivo (CANOTILHO 2003 p 167) Outro pensador bem pontual a presente demanda eacute Konrad Hesse ao afirmar que a interpretaccedilatildeo do texto constitucional sempre deve almejar a sua efetiva concretizaccedilatildeo Segundo aludido doutrinador ldquoo que natildeo aparece de forma clara como conteuacutedo da Constituiccedilatildeo eacute o que deve ser determinado mediante a incorporaccedilatildeo da lsquorealidadersquo de cuja ordenaccedilatildeo se tratardquo (HESSE 1992 p 40)

A interpretaccedilatildeo de norma constitucional sempre necessita de cuidados Atento ao princiacutepio da supremacia constitucional natildeo pode o inteacuterprete-aplicador se

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

esquecer que a Carta Magna alberga os princiacutepios fundamentais do Estado Democraacutetico e Social de Direito e que na interpretaccedilatildeo de suas normas deve se buscar um bem coletivo maior Tais princiacutepios devem ser ponderados como um conjunto harmocircnico e natildeo podem ser subjulgados por forccedila das formas literaacuterias que infelizmente ainda dominam muitos juristas O professor Paulo Bonavides (2012 p 482) ao tratar dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo da nova hermenecircutica leciona que

A adaptaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo agrave sua eacutepoca preocupa de maneira constante o formulador da nova concepccedilatildeo interpretativa tanto que ao fator tempo atribui importacircncia capital Natildeo eacute agrave toa que ele assevera ldquoviver o Direito Constitucional prima face numa especiacutefica problemaacutetica de tempordquo e que ldquoa continuidade da Constituiccedilatildeo somente eacute possiacutevel quando o passado e o futuro se acham nela conjugadosrdquo A controveacutersia acerca dos meacutetodos no Direito Constitucional eacute em uacuteltima anaacutelise segundo Haumlberle uma luta acerca do papel que deve caber ao tempo A velha hermenecircutica pelo seu caraacuteter mais estaacutetico que dinacircmico deve ser vista como instrumento por excelecircncia das ideologias do ldquostatus quordquo A interpretaccedilatildeo concretista por sua flexibilidade pluralismo e abertura manteacutem escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanccedilas mediante as quais a Constituiccedilatildeo permanece estaacutevel na rota do progresso e das transformaccedilotildees incoerciacuteveis sem padecer abalos estruturais como os decorrentes de uma accedilatildeo revolucionaacuteria atualizadora

A Carta Magna fonte de toda forma de interpretaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico tambeacutem pontua em seu artigo 215 que ldquoO Estado garantiraacute agrave todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional a apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturaisrdquo Assim diante destas disposiccedilotildees fica mais do que evidenciado a necessidade de uma constante atualizaccedilatildeo e reestruturaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes adaptando tais anaacutelises a formas mais modernas de interpretaccedilatildeo

3 ANAacuteLISE CRIacuteTICA DO TEMA

Importante ressaltar trecircs fundamentos baacutesicos que sustentam o raciociacutenio de que os livros eletrocircnicos satildeo imunes da incidecircncia de impostos Primeiramente os livros eletrocircnicos satildeo na verdade uma espeacutecie do gecircnero livro tomando como ponto de referecircncia o seu conteuacutedo e natildeo a sua forma apenas A finalidade eacute a mesma seja mediante o papel seja nos e-books revelando o mesmo resultado ou seja o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel Uma interpretaccedilatildeo

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diversificada apenas traz a tona o fato de que ambas as expressotildees serem vocaacutebulos muito proacuteximos merecendo especial atenccedilatildeo dos aplicadores do direito

No estudo proposto acerca do artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal sobre a imunidade tributaacuteria conferida ao livro natildeo eacute trazido um conceito seguro acerca do livro como forma de possibilitar maior seguranccedila ao inteacuterprete e consequentemente aos aplicadores do direito Diante desta situaccedilatildeo parte-se da premissa segundo as liccedilotildees de Roque Antocircnio Carrazza (2011 p 497) de que

[] a palavra livro estaacute empregada no Texto Constitucional natildeo no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas encadernadas e com capa mas sim no de veiacuteculos de pensamento isto eacute de meios de difusatildeo da cultura [] Hoje temos os sucedacircneos dos livros que mais dia menos dia acabaratildeo por substituiacute-los totalmente Tal eacute o caso dos CD-Roms e dos demais artigos da espeacutecie que conteacutem em seu interior os textos dos livros em sua forma tradicional

A partir de tal preceito natildeo se pode tomar como base apenas os livros impressos devendo uma interpretaccedilatildeo ampliativa ser utilizada como pressuposto vez que a sociedade estaacute em constante mutaccedilatildeo Aleacutem disso o livro eacute um mero veiacuteculo de transmissatildeo de conhecimento Tal anaacutelise traz uma verdadeira interpretaccedilatildeo teleoloacutegica ao caso que almeja buscar a verdadeira finalidade da norma ou seja a difusatildeo de informaccedilotildees e culturas proporcionando o desenvolvimento pessoal natildeo se importando muito com o suporte fiacutesico apresentado mas sim com a difusatildeo de pensamentos algo tatildeo almejado

A imunidade pretendida pelo autor do texto constitucional restringe-se aos impostos permanecendo o recolhimento das contribuiccedilotildees sociais (PISCOFINS) e demais tributos devido agrave proacutepria redaccedilatildeo do dispositivo constitucional Apesar disso o artigo 28 inciso VI da Lei n 1068504 reduz ldquoa zero as aliacutequotas da contribuiccedilatildeo para o PISPASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda no mercado interno derdquo livros de acordo com o artigo 2ordm da Lei n 107532003 No entanto tal disposiccedilatildeo infraconstitucional fere o preceito da Carta Magna uma vez que nesta eacute expresso que somente os impostos seratildeo imunes natildeo podendo haver uma expansatildeo quando o texto eacute preciso na sua delimitaccedilatildeo Portanto tal norma juriacutedica fere o disposto da Constituiccedilatildeo Federal ao ampliar algo

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indevidamente O que deveria ser feito eacute possibilitar uma interpretaccedilatildeo diferenciada do disposto no texto constitucional ao dar maior efetividade agraves suas normas e natildeo distorcer as suas normas

Atualmente apenas as pessoas com deficiecircncia visual estatildeo totalmente isentas do pagamento de impostos e contribuiccedilotildees dos digitais segundo os artigos 8ordm sect 12 inciso XII da Lei nordm 108652004 e artigo 2ordm da Lei n 107532003 valendo-se de preceitos diversos daqueles dispostos na Carta Magna revelando a importacircncia do tema que merece especial atenccedilatildeo uma vez que tal situaccedilatildeo pode ser estendida para outras pessoas A aludida lei que institui a Poliacutetica Nacional do Livro estabelece uma definiccedilatildeo ao livro

Art 2o Considera-se livro para efeitos desta Lei a publicaccedilatildeo de textos escritos em fichas ou folhas natildeo perioacutedica grampeada colada ou costurada em volume cartonado encadernado ou em brochura em capas avulsas em qualquer formato e acabamento Paraacutegrafo uacutenico Satildeo equiparados a livro [] VII - livros em meio digital magneacutetico e oacutetico para uso exclusivo de pessoas com deficiecircncia visual

Ocorre que tal apresentaccedilatildeo eacute restritiva e limitadora ao possibilitar apenas aos deficientes visuais tal benefiacutecio Natildeo pode um dispositivo constitucional ser modificado em sua essecircncia O tratamento igualitaacuterio eacute a via mais bem vista e aceita ao caso concreto ao possibilitar as mesmas oportunidades agrave todos

A busca por uma comunicaccedilatildeo entre os homens fez surgir a necessidade de veiculaccedilatildeo de pensamentos por meio de uma forma que natildeo se perdesse aparentemente no tempo Entatildeo surge a inspiraccedilatildeo da criaccedilatildeo dos livros a eternizaccedilatildeo das ideias por meio de um meio fiacutesico vez que a transmissatildeo pela via oral muito utilizada na antiguidade por meio dos liacutederes mais antigos das comunidades levava a uma perda de informaccedilotildees com o passar do tempo Seja pela forma de desenhos seja pelas expressotildees escritas a necessidade de comunicaccedilatildeo eacute inerente ao ser humano estabelecendo-se os criteacuterios e os moldes essenciais ao desenvolvimento da humanidade e a perduraccedilatildeo dos pensamentos por longos periacuteodos natildeo podendo as novas formas de divulgaccedilatildeo serem utilizadas como meras equiparaccedilotildees do conceito tradicional de livro mas sim como verdadeiras espeacutecies do gecircnero livro Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 517

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A proacutepria expressatildeo livro surgiu dos tecidos vegetais utilizados na antiguidade conhecidos como ldquolibersrdquo popularmente conhecidos como papiros E analisando a imunidade dos livros em si Eurico Marcos Diniz de Santi (2003 p 53) leciona

No presente caso eacute assente que o problema suscitado sobre o entendimento do vocaacutebulo ldquolivrordquo nada tem a ver com problemas de composiccedilatildeo fraacutesica a frase constitucional em que se assenta o dispositivo eacute bastante clara eacute vedado lsquoinstituir impostos sobre [] livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

Ocorre que as normas permanecem estagnadas devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a essa mudanccedilas de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes principalmente quando possibilitam uma expansatildeo e difusatildeo de cultura e conhecimento o que favorece toda a sociedade Portanto natildeo pode haver uma limitaccedilatildeo apenas aos portadores de necessidades especiais para serem beneficiados com isenccedilotildees quando na verdade deve haver uma ampliaccedilatildeo deste conceito de modo a possibilitar a formaccedilatildeo intelectual da populaccedilatildeo

Segundo porque o livro eletrocircnico exerce a mesma funccedilatildeo do livro impresso devendo receber tratamento igualitaacuterio Assim natildeo podem ser colocadas barreiras na difusatildeo de conhecimento cultura e pensamentos sob pena de infringecircncia clara dos princiacutepios constucionais principalemente no que tange aos direitos e garantias fundamentais de acesso agrave cultura Por fim os ensinamentos hermenecircuticos que pautam a presente exposiccedilatildeo quando analisam as disposiccedilotildees da Constituiccedilatildeo Federal devem priorizar o estudo que possibilite a maacutexima efetivaccedilatildeo dos dispostos ali presentes como forma de se adequar as constantes mudanccedilas sociais que a modernidade tem causado na sociedade permanecendo os textos originais disciplinados por meio de uma nova anaacutelise com a utilizaccedilatildeo de metodologias diferenciadas

Importante ressaltar que a redaccedilatildeo original do artigo B inciso III aliacutenea d do anteprojeto do CTN do Instituto dos Advogados de Satildeo Paulo (IASP) em parceria com a Associaccedilatildeo Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo livros jornais e perioacutedicos e outros veiacuteculos de comunicaccedilatildeo inclusive audiovisuais assim como papel e outros insumos e atividades

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relacionadas com a produccedilatildeo e a circulaccedilatildeo (MARTINS 2000 p 190) Tal proposta revelava um entendimento mais condizente com as necessidades e anseios da sociedade de forma a possibilitar uma maior efetuaccedilatildeo das disposiccedilotildees contidas no ordenamento graccedilas agrave utilizaccedilatildeo de disposiccedilotildees que podem sofrer uma constante mudanccedila e atualizaccedilatildeo Nas palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins (2000 p 186)

A letra lsquodrsquo do inciso VI reproduz o texto de idecircntica redaccedilatildeo da Emenda Constitucional n 169 artigo 19 III lsquodrsquo A proposta que levei aos constituintes era mais ampla Em face da evoluccedilatildeo tecnoloacutegica dos meios de comunicaccedilatildeo e daqueles para ediccedilatildeo e transmissatildeo tinha sugerido em minha exposiccedilatildeo para eles a incorporaccedilatildeo de teacutecnicas audiovisuais Os constituintes todavia preferiram manter a redaccedilatildeo anterior agrave evidecircncia uacutetil para o Brasil do poacutes-guerra mas absolutamente insuficiente para o Brasil de hoje

A imunidade tributaacuteria portanto possui embasamento na aplicaccedilatildeo praacutetica e implementaccedilatildeo dos direitos fundamentais resguardados na Constituiccedilatildeo Federal principalmente mas natildeo exclusivamente no artigo 5ordm do referido diploma O proacuteprio artigo 220 da Carta Magna dispotildee que ldquoa manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeordquo Os principais direitos respaldados satildeo liberdade de comunicaccedilatildeo manifestaccedilatildeo de pensamento livre acesso agrave infomaccedilatildeo difusatildeo de cultura e da educaccedilatildeo e manifestaccedilatildeo da atividade intelectual artiacutestica e cientiacutefica Segundo a professora Regina Helena Costa (2006 p 192) a norma de imunizaccedilatildeo possibilita

a) a proteccedilatildeo do papel insumo baacutesico dos objetos sob proteccedilatildeo com a incidecircncia de impostos excessivos ou impostos aduaneiros que poderiam encarecer drasticamente essa mateacuteria-prima b) a defesa do livro do jornal e do perioacutedico contra a tributaccedilatildeo desestimuladora extrafiscal destinada a encarecer o produto reduzindo-lhe drasticamente a circulaccedilatildeo e c) a meta da neutralidade da imunidade de tal forma que ela natildeo resulte em eliminaccedilatildeo de grupos de informaccedilao economicamente mais fracos

Tais caracteriacutesticas apenas reiteram o que jaacute vem sendo apresentado no presente trabalho de que a facilitaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de informaccedilotildees por meio da reduccedilatildeo da carga tributaacuteria incidente sobre os livros em qualquer forma em que for

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materializado deve sempre ocorrer Por meio desta disseminaccedilatildeo de livros haveraacute uma clara e evidente difusatildeo de cultura o que favoreceraacute ainda mais a formaccedilatildeo dos cidadatildeos e a construccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica dos fatos e acontecimentos ocorridos possibilitando um crescimento ainda maior da cultura nacional como vem ocorrendo nos uacuteltimos meses com as manifestaccedilotildees populares Considerando a relevacircncia do conceito de ldquolivrordquo deve-se afastar qualquer subjetivismo que impossibilite a finalidade eminentemente cultural de sua disseminaccedilatildeo O Supremo Tribunal Federal acentua que

O Constituinte ao instituir esta benesse natildeo fez ressalvas quanto ao valor artiacutestico ou didaacutetico agrave relevacircncia das informaccedilotildees divulgadas ou agrave qualidade cultural de uma publicaccedilatildeo Natildeo cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefiacutecio fiscal instituiacutedo para proteger direito tatildeo importante ao exerciacutecio da democracia por forccedila de um juiacutezo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagoacutegico de uma publicaccedilatildeo destinada ao puacuteblico infanto-juvenil10

Diante disso deve a Suprema Corte rever o seu posicionamento tomando como base as exposiccedilotildees dos doutrinadores aliada as apresentaccedilotildees jaacute feitas pelo proacuteprio Pretoacuterio Excelso de utilizaccedilatildeo de meios interpretativos mais modernos que se adeacutequam as necessidades e casos concretos trazendo maior aplicabilidade agraves disposiccedilotildees constitucionais

A tiacutetulo de argumentaccedilatildeo as listas telefocircnicas quando da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de 1946 natildeo eram beneficiaacuterias da imunidade tributaacuteria conforme se extrai do RMS 17804-GB de relatoria do entatildeo Ministro Djaci Falcatildeo (MACHADO 2003 p 54) Nesta linha ainda quando da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1967 o Ministro do Supremo Tribunal Federal Oscar Correcirca considerou que apesar da periodicidade das listas estas natildeo poderiam ser privilegiadas com o instituto da imunidade (MACHADO 2003 p 55) Somente em 1987 um ano antes da promulgaccedilatildeo da atual Magna Carta o STF nas palavras do ministro Sydney Sanches exarou decisatildeo favoraacutevel agrave exoneraccedilatildeo tributaacuteria das

10 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406

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listas telefocircnicas por meio da incidecircncia da imunidade conforme se atesta pela ementa abaixo transcrita do Recurso Extraordinaacuterio n 101441RS

Imunidade tributaacuteria (art 19 III lsquodrsquo da CF) ISS Listas Telefocircnicas A ediccedilatildeo de listas telefocircnicas (cataacutelogos ou guias) eacute imune ao ISS (art 19 III lsquodrsquo da CF) mesmo que nelas haja publicidade paga Se a norma constitucional visou a facilitar a confecccedilatildeo ediccedilatildeo e distribuiccedilatildeo do livro do jornal e dos perioacutedicos imunizando-os ao tributo assim como o proacuteprio papel destinado agrave sua impressatildeo eacute de se entender que natildeo estatildeo excluiacutedas da imunidade os perioacutedicos que cuidam apenas e tatildeo somente de informaccedilotildees geneacutericas e especiacuteficas sem caraacuteter noticioso discursivo literaacuterio poeacutetico ou filosoacutefico mas de inegaacutevel utilidade puacuteblica como eacute o caso das listas telefocircnicas Recurso extraordinaacuterio conhecido por unanimidade de votos pela letra lsquodrsquo do permissivo constitucional e provendo por maioria para deferimento do mandado de seguranccedila Assim como no passado as listas telefocircnicas natildeo eram contempladas com os benefiacutecios da imunidade espera-se que tal mentalidade se altere de modo a proporcionar a populaccedilatildeo um acesso mais condizente as informaccedilotildees disponiacuteveis Os livros satildeo apenas o veiacuteculo disseminador de conhecimento sendo irrelevante a forma material que o mesmo assume devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a sua finalidade e natildeo a sua forma11

Natildeo se pode no entanto estender a anaacutelise para outros campos natildeo abarcados pela redaccedilatildeo norma como os meios televisivos e radiodifusores Diverge desta linha a professora Regina Helena Costa ao tratar especificamente deste assunto ldquo[] aos serviccedilos de radiodifusatildeo e televisatildeo todavia parece-nos que sustentar sejam os mesmos alcanccedilados pela imunidade em tela implica elastecimento indevido do COFINS do preceito imunitoacuteriordquo (COSTA 2006 p 191) Aleacutem do que a disposiccedilatildeo contida no artigo 150 da Constituiccedilatildeo Federal se limita aos impostos e natildeo aos demais tributos conforme tenta preconizar a mencionada doutrinadora O professor Ives Gandra da Silva Martins (2010 p 163) assim jaacute se manifestou

Uma interpretaccedilatildeo ndash equivalente a considerar que a liberdade de expressatildeo soacute pode manifestar-se atraveacutes de veiacuteculos de papel ndash representa inclusive um pensamento retroacutegrado de retrocesso institucional e intelectual Significaria considerar que a comunicaccedilatildeo social eletrocircnica pelos meios modernos natildeo merece ser protegida porque o constituinte teria desejado que o paiacutes natildeo evoluiacutesse na difusatildeo cultural e na obtenccedilatildeo de informaccedilotildees Natildeo eacute razoaacutevel a intelecccedilatildeo de que no campo da livre

11 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988

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manifestaccedilatildeo do pensamento o Constituinte desejou que permanececircssemos parados no tempo fazendo com que o Estado natildeo soacute natildeo apoiasse como punisse mediante a imposiccedilatildeo tributaacuteria a incorporaccedilatildeo das evoluccedilotildees tecnoloacutegicas como eacute o caso da comunicaccedilatildeo eletrocircnica Agrave evidecircncia tal exegese macularia a imagem de todos os constituintes e dos inteacuterpretes oficiais pois a doutrina eacute quase unacircnime em adotas interpretaccedilatildeo mais abrangente e contraacuteria a este raquitismo intelectual

Natildeo pode o constituinte limitar apenas ao veiacuteculo formado pelo papel uma vez que estaria punindo indevidamente aqueles que se valem dos avanccedilos tecnoloacutegicos cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas de forma indevida A liberdade de manifestaccedilatildeo natildeo pode ser tomada com dois paracircmetros completamente opostos tendo como fonte o mesmo texto Tal situaccedilatildeo se mostra uma flagrante injusticcedila social Os suportes tecnoloacutegicos assim como o papel satildeo simples meios de transmissatildeo de pensamentos irrelevantes para o verdadeiro fim a ser alcanccedilado e disposto no texto constitucional agrave liberdade de expressatildeo Segundo Schubert de Farias Machado (2003 p 261-262)

a) cabe ao aplicador das normas constitucionais atribuir ao seu texto o sentido adequado para acompanhar a evoluccedilatildeo das necessidades sociais no decorrer do tempo b) as imunidades podem sempre ser entendidas como proibiccedilatildeo de tributar c) a imunidade natildeo eacute instituto de direito tributaacuterio Natildeo tem relaccedilatildeo direta com a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria Consiste antes de tudo em instrumento de preservaccedilatildeo dos valores constitucionais contra a possiacutevel accedilatildeo do Estado por isso se torna irrelevante a capacidade contributiva das pessoas por elas alcanccediladas d) a imunidade prevista no dispositivo acima transcrito embora tiacutepica imunidade objetiva natildeo visa proteger o objeto livro mas sim a livre expressatildeo de pensamento ou seja o conteuacutedo dos livros e) as regras constitucionais devem ser interpretadas de modo a conferir-lhe maacutexima efetividade f) o livro nem sempre teve a forma que hoje predomina ndash coacutedice de papel a qual em breve restaraacute em grande parte substituiacuteda pelos registros digitais g) o entendimento de que o livro contido em CD-ROM por natildeo ser feito de papel natildeo eacute imune aos impostos implica em estreitamento injustificado do sentido da norma da Constituiccedilatildeo inteiramente incompatiacutevel com a doutrina do moderno constitucionalismo e h) a imunidade prevista na letra lsquodrsquo do item IV do art 150 da Constituiccedilatildeo Federal abrange o livro eletrocircnico

A imunidade tributaacuteria como claacuteusula peacutetrea disposta na Constituiccedilatildeo Federal devido ao fato de ser uma evidente garantia fundamental ao acesso agrave cultura informaccedilatildeo e conhecimento deve ser balizada e interpretada com relevacircncia

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e natildeo como mera vedaccedilatildeo ao poder de tributar Por isso a importacircncia de novos precedentes e pensamentos mais modernos que busquem modificar as disposiccedilotildees entatildeo vigentes atualizando-as como verdadeiras necessidades e anseios sociais Hugo de Brito Machado (2003 p 32) assim jaacute se posicionou acerca do assunto

Concluindo estas nossas colocaccedilotildees entendemos que tambeacutem o ldquolivro eletrocircnicordquo estaria albergado pela imunidade prevista no art 150 VI ldquodrdquo Natildeo por uma aproximaccedilatildeo conceitual entre o livro e o CD-ROM senatildeo enquanto propagadores de pensamento mas principalmente pelo real alcance dentro do Sistema Constitucional dos valores que se pretende proteger

O Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiccedila Joseacute Augusto Delgado no XXIII Simpoacutesio Nacional de Direito Tributaacuterio do Centro de Extensatildeo Universitaacuteria afirma que

Ora na eacutepoca atual natildeo se pode entender como livro apenas o editado em papel Ao ser elaborada a Constituiccedilatildeo de 1988 o mundo contemporacircneo jaacute conhecia uma realidade imposto pela ciecircncia da informaacutetica e consistente na transmissatildeo de ideacuteias por vias eletrocircnicas no caso o CD-Rom o disquete etc Se a vontade do constituinte fosse de restringir a imunidade apenas ao livro tradicional isto eacute ao livro lanccedilado ao conhecimento do puacuteblico pelo meacutetodo tradicional teria ele explicitamente declarado que a vedaccedilatildeo de instituir impostos se limitava a livros formados pela reuniatildeo de folhas ou cadernos de papel soltos cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados e enfaixados ou montados em capa flexiacutevel ou riacutegida A mensagem do texto constitucional natildeo foi expliacutecita em tal sentido A expressatildeo livro empregada pelo constituinte natildeo podia ter outra significaccedilatildeo do que a vivenciada pela realidade imposta pela ciecircncia da informaacutetica que ao lado do livro papel entregou para ser usado pela humanidade o livro eletrocircnico Observo outrossim que o conceito de livro posto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute de natureza vinculada agrave sua forma de apresentaccedilatildeo ao puacuteblico Ele tem conteuacutedo de expressar elemento material condutor de cultura de informaccedilatildeo de transmissatildeo de saber instrumento caracterizador de uma obra literaacuteria cientiacutefica ou artiacutestica (DELGADO 1998 p 57-58)

A questatildeo ainda natildeo eacute paciacutefica a doutrina se posta pela abrangecircncia do tema enquanto a jurisprudecircncia se divide poreacutem o entendimento prevalecente e atual do Supremo Tribunal Federal eacute no sentido de que a imunidade consagrada pelo artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal deve se restringir aos elementos de transmissatildeo propriamente ditos Ocorre que apenas para abranger novos mecanismos de divulgaccedilatildeo e propagaccedilatildeo da cultura e informaccedilatildeo de multimiacutedia jornais e perioacutedicos eletrocircnicos deve haver uma nova anaacutelise dos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 523

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dispostos constitucionais12 No entanto os juiacutezes de primeira instacircncia bem como os desembargadores dos tribunais tecircm mantido posicionamento uniforme de que a imunidade deve sim se estendida aos livros eletrocircnicos Assim o posicionamento do STF deve ser reanalisado de modo a reconsiderar as atuais e relevantes mudanccedilas da realidade se valendo dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo existentes no nosso ordenamento de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees apresentadas no texto constitucional

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Com efeito a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil consagrou princiacutepios fundamentais que devem embasar a exegese das demais normas do ordenamento sob pena de violaccedilatildeo da supremacia constitucional fonte de toda sustentaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico brasileiro Natildeo se concebe portanto que se interprete extensivamente em certas situaccedilotildees para que o tributo seja devido e restritivamente em outras desvirtuando o sentido do comando constitucional para aplicar uma imunidade

Negar a incidecircncia da imunidade eacute persuadir a supremacia constitucional que natildeo pode ser limitada pela mera interpretaccedilatildeo literaacuteria expressatildeo de ultrapassado e excessivo formalismo juriacutedico Tem-se de considerar o elemento teleoloacutegico e finaliacutestico que indica ser a imunidade questatildeo destinada a impedir a incidecircncia do tributo possibilitando a disseminaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e de informaccedilatildeo de transmissatildeo de conhecimento e de distribuiccedilatildeo cultural Inadmissiacutevel a interpretaccedilatildeo que impeccedila a realizaccedilatildeo do princiacutepio essencial abrangido pela norma imunizante dificultando sua funccedilatildeo como mera forma de limitaccedilatildeo retroacutegrada que se natildeo harmoniza com o moderno constitucionalismo no qual se tem preconizado meacutetodos especiacuteficos para a interpretaccedilatildeo de normas da Constituiccedilatildeo em atenccedilatildeo agrave sua supremacia no ordenamento juriacutedico

12 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

O suporte natildeo eacute mais relevante do que a sua essecircncia verdadeiro fim a qual o livro foi moldado e difundido qual seja a veiculaccedilatildeo de conhecimento Natildeo eacute qualquer papel que eacute imune mas apenas aquele utilizado na produccedilatildeo de um livro Desta forma natildeo satildeo todos os CD-Roms disquetes ou pen-drives que merecem ser imunizados mas somente aqueles que satildeo utilizados como meios de disseminaccedilatildeo da cultura por meio do livro eletrocircnico Daiacute a diferenccedila loacutegica entre as duas expressotildees

Por fim importante ressaltar que em setembro de 2009 o Supremo Tribunal

Federal voltou a debater o tema trazendo a tona novamente a abordagem da

presente proposta por meio das palavras do Ministro Dias Toffoli relator de uma

demanda acerca do assunto ao afirmar que o tema merece maior atenccedilatildeo vez que

ldquona era da informaacutetica salta aos olhos a repercussatildeo do tema controvertidordquo13

Segundo o aludido Ministro existe a necessidade de trazer maior seguranccedila ao

alcance do texto constitucional cabendo ao Supremo Tribunal Federal tal encargo o

que possibilitou o reconhecimento de tal assunto como de repercussatildeo geral

permitindo uma possiacutevel mudanccedila de posicionamento acerca do tema ao ventilar o

embate sobre outra oacuteptica Especificamente no caso em tela seraacute analisado se as

peccedilas vendidas junto com o material didaacutetico de um curso de praacutetica de montagem

de computadores deve ou natildeo ser contemplado pela imunidade tributaacuteria

Diante tudo que jaacute foi exposto ateacute o momento importante que se busque

uma reflexatildeo acerca das proposiccedilotildees apresentadas no presente trabalho de modo a

afirmar que a imunidade tributaacuteria deve sim ser extentida aos livros eletrocircnicos meio

moderno de tecnologia de modo a possibilitar que a difusatildeo de cultura e

conhecimento se decirc de forma efetiva e possibilite um acesso mais saudaacutevel da

populaccedilatildeo mediante a disseminaccedilatildeo das informaccedilotildees disponiacuteveis promovendo uma

verdadeira revoluccedilatildeo nos paradigmas vigentes no ordenamento brasileiro por meio

de meacutetodos interpretativos diferenciados como o teleoloacutegico e o sistemaacutetico

13 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 BECKER Alfredro Augusto Teoria geral do direito tributaacuterio 4 ed Satildeo Paulo Noeses 2007 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988 BRASIL Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Lei n517266 Brasiacutelia Senado 1966 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia Senado 1988 BRASIL Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro Decreto-Lei nordm 465742 Brasiacutelia Senado 1942 BRASIL Lei n 1075303 Institui a poliacutetica nacional do livro Brasiacutelia Senado 2003 BRASIL Lei n 1086504 Dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo para os programas de integraccedilatildeo social e de formaccedilatildeo do patrimocircnio do servidor puacuteblico e a contribuiccedilatildeo para o financiamento da seguridade social incidentes sobre a importaccedilatildeo de bens e serviccedilos e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Senado 2004 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional 7 ed Coimbra Almedina 2003 CARRAZZA Roque Antocircnio Curso de direito constitucional tributaacuterio 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2011 CORREcircA Walter Barbosa Sistema tributaacuterio na Constituiccedilatildeo de 1988 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 COSTA Regina Helena Imunidades tributaacuterias ndash teoria e anaacutelise da jurisprudecircncia do STF 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 DE SANTI Eurico Marcos Diniz Imunidade tributaacuteria como limite objetivo e as diferenccedilas entre livro e livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 DELGADO Joseacute Augusto Pesquisas tributaacuterias - Imunidades tributaacuterias Nova seacuterie nordm 4 Satildeo Paulo Centro de Extensatildeo Universitaacuteria e RT 1998 HESSE Konrad Escritos de derecho consticional Trad Pedro Cruz Villalon Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1992 ICHIHARA Yoshiaki Imunidades tributaacuterias In MARTINS Ives Gandra da Silva (coord) Imunidades tributaacuterias Satildeo Paulo Revista dos Tribunais Pesquisas tributaacuterias Nova seacuterie ndash 4 2001 MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MACHADO Schubert de Farias Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MARTINS Ives Gandra da Silva Aspectos referentes agrave imunidade dos livros eletrocircnicos assim como das obrigaccedilotildees a que estatildeo tais bens e serviccedilos desvinculados de controle pela Ancine e Condecine In Revista dialeacutetica de direito tributaacuterio nordm 180 Satildeo Paulo Dialeacutetica 2010 MARTINS Ives Gandra da Silva Comentaacuterios agrave Constituiccedilatildeo do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 Tomo I vol 6 2 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2000 TOcircRRES Heleno Taveira GARCIA Vanessa Nobell Tributaccedilatildeo e imunidade dos chamados ldquolivros eletrocircnicosrdquo In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO1

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY

Lucas Daniel Ferreira de Souza2

Resumo O presente trabalho tem como foco as formas possiacuteveis de se

responsabilizar o Estado frente aos particulares e por outro lado as teses de defesa utilizadas pelo ente estatal quando comprovadamente impossiacutevel realizar a prestaccedilatildeo pleiteada Desta forma abordamos a Reserva do Possiacutevel ou seja a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado quando confrontada com o Miacutenimo Existencial de cada direito fundamental social necessaacuterio para a existecircncia humana digna Por fim discorreremos sobre a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio bem como do Ministeacuterio Puacuteblico e da Defensoria Puacuteblica para coagir a Administraccedilatildeo Puacuteblica a cumprir as medidas necessaacuterias assim como proteger e representar os indiviacuteduos que estejam sofrendo restriccedilotildees em seus direitos

Palavras-Chave Estado Reserva do Possiacutevel Poder Judiciaacuterio

Abstract The present work focuses on possible ways to hold the accountable the

State by individuals and on the other hand the defense thesis used by the state entity when it proves impossible to make the provision pleaded This way we approach the Reserve of the Possible in other words the budget constraint of the State when confronted whit the Minimum Existential of each fundamental social right necessary to a dignified human existence Lastly we discourse about the performance of the Judiciary as well as Public Prosecutor and Public Defender to coerce the State to comply the necessary measures as well as protecting and represent the individuals who are suffering restrictions on their rights

Keywords State Possible Reserve Judiciary

1 Artigo submetido em 01072013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 02092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Bacharel em direito jaacute aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil formado pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia em 2011 Cursando Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu pela Faculdade de Direito Damaacutesio de Jesus com especializaccedilatildeo em Direito Penal e Processual Penal com conclusatildeo prevista para 2013 Trabalhando com total dedicaccedilatildeo e exclusividade como provaacutevel mestrando para o ano de 2014 pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia Residente e domiciliado na Rua Joaquim Ferreira Eacutevora ndeg 279 Jardim Eldorado CEP 17505-020 MariacuteliaSP Telefones para contato (14) 3432-5027 (14) 8145-4632 Endereccedilo eletrocircnico lucasdanielfshotmailcom Para outras informaccedilotildees acessar o Curriacuteculo Lattes disponiacutevel em lt httpbuscatextualcnpqbrbuscatextualvisualizacvdoid=K4357078Z8gt

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

INTRODUCcedilAtildeO

A Reserva do Possiacutevel surgiu em julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional Alematildeo em decisatildeo conhecida como Numerus Clausus (nuacutemero restrito)

Neste caso o Tribunal Constitucional analisou demanda judicial proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos nas escolas de Medicina de Hamburgo e Munique em face da limitaccedilatildeo do nuacutemero de vagas em cursos superiores adotada pelo paiacutes em 1960 com fundamento no artigo 12 da Lei Fundamental alematilde que garantia a livre escolha de trabalho ofiacutecio ou profissatildeo

Ao decidir a questatildeo a Corte alematilde entendeu que o direito pleiteado qual seja o aumento do nuacutemero de vagas na universidade encontra limitaccedilatildeo na Reserva do Possiacutevel conceituada como o que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade sob pena de em virtude das limitaccedilotildees de ordem econocircmica comprometer a plena efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

Assim a decisatildeo foi que natildeo seria razoaacutevel obrigar o Estado a disponibilizar o acesso a todos que pretendessem cursar medicina eis que esta exigecircncia estaria acima de um limite social baacutesico

Analisando a questatildeo Sarlet (2001 p 265) leciona que o Tribunal alematildeo entendeu que

() a prestaccedilatildeo reclamada deve corresponder ao que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade de tal sorte que mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposiccedilatildeo natildeo se pode falar em uma obrigaccedilatildeo de prestar algo que natildeo se mantenha nos limites do razoaacutevel

Destaca-se que mesmo que o Estado possua os recursos necessaacuterios disponiacuteveis natildeo eacute obrigado a prestar algo que natildeo seja razoaacutevel como entendeu a Corte alematilde no caso supracitado referente aos estudantes que pleiteavam vagas de medicina em uma determinada instituiccedilatildeo de ensino

Desta forma a Reserva do Possiacutevel em sua origem natildeo leva em

consideraccedilatildeo uacutenica e exclusivamente a existecircncia de recursos materiais suficientes

para a efetivaccedilatildeo do direito social mas sim a razoabilidade da pretensatildeo deduzida

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

Assim acaba sendo um elemento externo capaz de limitar ou ateacute restringir o acesso

dos titulares a um direito fundamental social especiacutefico face agrave limitaccedilatildeo

orccedilamentaacuteria do Estado

No entendimento de Moraes (2007 p 177) os direitos sociais

() satildeo direitos fundamentais do homem caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas de observacircncia obrigatoacuteria em um Estado Social de Direito tendo por finalidade a melhoria de condiccedilotildees de vida aos hipossuficientes visando agrave concretizaccedilatildeo da igualdade social e satildeo consagrados como fundamentos do Estado Democraacutetico pelo art 1ordm IV da Constituiccedilatildeo Federal

No mesmo sentido segundo Krell (2002 p 20)

As normas programaacuteticas sobre direitos sociais que hoje encontramos nas grandes maiorias dos textos constitucionais dos paiacuteses europeus e latino-americanos definem metas e finalidades as quais o legislador ordinaacuterio deve elevar a um niacutevel adequado de concretizaccedilatildeo Essas ldquonormas-programardquo prescrevem a realizaccedilatildeo por parte do Estado de determinados fins e tarefas Elas natildeo representam meras recomendaccedilotildees ou preceitos morais com eficaacutecia eacutetico-poliacutetica meramente diretiva mas constituem Direito diretamente aplicaacutevel

Os direitos fundamentais sociais do homem satildeo aqueles garantidos

constitucionalmente fornecidos atraveacutes de prestaccedilotildees do Estado que visam garantir

uma condiccedilatildeo de vida digna a todos os membros da coletividade

Dessa forma deve-se fazer uma anaacutelise entre as possibilidades do ente

puacuteblico e a urgecircncia da pretensatildeo pleiteada sob pena de se manejada a situaccedilatildeo

de forma incorreta causar grave lesatildeo agrave economia puacuteblica ou ferir direitos

garantidos constitucionalmente que consagram a dignidade da pessoa humana

A Reserva do Possiacutevel entatildeo eacute invocada quando da impossibilidade de o

Estado atraveacutes de prestaccedilotildees positivas garantir plenamente a efetivaccedilatildeo de todos

os direitos fundamentais sociais sob pena de grave prejuiacutezo ao eraacuterio e

consequentemente agrave sociedade como um todo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA

A teoria da Reserva do Possiacutevel foi implantada no Brasil e interpretada unicamente como a Reserva do Financeiramente Possiacutevel eis que eacute considerada como limite agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais tatildeo somente a existecircncia ou natildeo de recursos puacuteblicos disponiacuteveis

Natildeo eacute de se espantar que houve uma mudanccedila na essecircncia da teoria quando interpretada em solo paacutetrio uma vez que existem significantes diferenccedilas sociais culturais e econocircmicas entre a Alemanha berccedilo da teoria da Reserva do Possiacutevel e o Brasil

Sobre a implantaccedilatildeo da Reserva do Possiacutevel pelo Brasil face agraves grandes diferenccedilas entre os paiacuteses segundo Krell (2002 p 108)

Devemos nos lembrar que os integrantes do sistema juriacutedico alematildeo natildeo desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhotildees de cidadatildeos socialmente excluiacutedos Na Alemanha ndash como nos paiacuteses centrais ndash natildeo haacute um grande contingente de pessoas que natildeo acham vagas nos hospitais mal equipados da rede puacuteblica natildeo aacute necessidade de organizar a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da alimentaccedilatildeo baacutesica a milhotildees de indiviacuteduos para evitar sua subnutriccedilatildeo ou morte natildeo haacute altos nuacutemeros de crianccedilas e jovens fora da escola natildeo haacute pessoas que natildeo conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniaacuterio de assistecircncia social que recebem etc

Deste modo no Brasil em razatildeo de sua realidade econocircmica e social esta teoria eacute utilizada como oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais face agrave limitaccedilatildeo do Estado em dispor de recursos financeiros suficientes para implementaacute-los

A Reserva do Possiacutevel consiste na realizaccedilatildeo dos direitos sociais condicionada agrave quantidade de recursos disponiacuteveis sob pena de ao dar enfoque a apenas um desses direitos inviabilizar a prestaccedilatildeo de outros

Sobre o tema assim se posiciona Barcellos (2002 p 232)

() eacute importante lembrar que haacute um limite de possibilidades materiais para esses direitos Em suma pouco adiantaraacute do ponto de vista praacutetico a previsatildeo normativa ou a refinada teacutecnica hermenecircutica se absolutamente natildeo houver dinheiro para custear a despesa gerada por determinado direito subjetivo

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Em virtude da ausecircncia de condiccedilotildees financeiras de garantir integralmente todos os direitos fundamentais sociais cabe ao Estado fazer escolhas estabelecendo as prioridades e criteacuterios a serem seguidos por meio da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

Nas palavras de Oliveira (2006 p 251)

As poliacuteticas puacuteblicas satildeo providecircncias para que os direitos se realizem para que as satisfaccedilotildees sejam atendidas para que as determinaccedilotildees constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidades aos governados

As poliacuteticas puacuteblicas que consistem na destinaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico para determinados fins entretanto encontram barreira na Reserva do Possiacutevel face agrave limitaccedilatildeo financeira do Estado

Assim cabe agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica tendo em vista o caso concreto e os direitos conflitantes buscar compatibilizaacute-los procedendo a uma anaacutelise interpretativa que leva em conta a hierarquizaccedilatildeo desses direitos fazendo prevalecer dessa forma os direitos considerados de maior relevacircncia naquele determinado momento

Este poder de escolha do Estado eacute denominado poder discricionaacuterio por meio do qual a Administraccedilatildeo Puacuteblica tem a liberdade de escolher consultando a oportunidade e conveniecircncia a medida que mais convenha ao interesse puacuteblico sem necessidade de previsatildeo legal

Na liccedilatildeo de Meirelles (2004 p 120)

Essa liberdade funda-se na consideraccedilatildeo de que soacute o administrador em contato com a realidade estaacute em condiccedilotildees de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniecircncia da praacutetica de certos atos que seria impossiacutevel ao legislador dispondo na regra juriacutedica - lei - de maneira geral e abstrata prover com justiccedila e acerto

Obviamente mesmo dispondo desta liberdade as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituiccedilatildeo Federal que determina as diretrizes a serem seguidas a fim de satisfazer os objetivos fundamentais nela previstos

Nesta esteira assim leciona Canotilho (1999 p 448) Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 532

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

O entendimento dos direitos sociais econocircmicos e culturais como direitos originaacuterios implica como jaacute foi salientado uma mudanccedila na funccedilatildeo dos direitos fundamentais e potildee como acuidade o problema de sua efectivaccedilatildeo Natildeo obstante se falar aqui da efectivaccedilatildeo dentro de uma lsquoreserva possiacutevelrsquo para significar a dependecircncia dos direitos econoacutemicos sociais e culturais dos lsquorecursos econocircmicosrsquo a efetivaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais natildeo se reduz a um simples lsquoapelorsquo ao legislador Existe uma verdadeira imposiccedilatildeo constitucional legitimadora entre outras coisas de transformaccedilotildees econocircmicas e sociais na medida em que estas forem necessaacuterias para efetivaccedilatildeo desses direitos

Vale salientar entatildeo que a discricionariedade nas condutas do administrador natildeo permite que ele opte por concretizar ou natildeo um direito fundamental mas sim que ao realizar a distribuiccedilatildeo de recursos faccedila uma ponderaccedilatildeo no tocante aos bens juriacutedicos em questatildeo

Condicionar a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais unicamente agrave existecircncia ou natildeo de recursos disponiacuteveis e consequentemente agrave decisatildeo do administrador causa uma grande inseguranccedila juriacutedica razatildeo pela qual as escolhas realizadas por este devem ser sempre precedidas de uma anaacutelise cautelosa do caso concreto visando sempre a melhor decisatildeo possiacutevel para o conflito de interesses

A Reserva do Possiacutevel sob pena de ser utilizada pelo Estado como forma de se exonerar dolosamente do cumprimento de suas obrigaccedilotildees delineadas constitucionalmente soacute poderaacute ser invocada quando restar objetivamente comprovada a inexistecircncia de recursos financeiros para a realizaccedilatildeo de determinado fim

Assim tendo em vista a vital importacircncia da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a Reserva do Possiacutevel deve ser rechaccedilada quando invocada com o intuito de afastar a obrigatoriedade de efetivaccedilatildeo dos referidos direitos pelo Estado razatildeo pela qual a mera alegaccedilatildeo de insuficiecircncia de recursos natildeo eacute suficiente devendo haver a clara comprovaccedilatildeo da mesma

Entretanto o que se constata na realidade paacutetria eacute um completo descaso com a efetivaccedilatildeo dos direitos sociais notado pelo mau planejamento das verbas pelo Estado conjuntamente com a criaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas insuficientes para atender agrave demanda da populaccedilatildeo brasileira

Questatildeo que merece destaque neste sentido eacute a corrupccedilatildeo crescente em nosso paiacutes o que vem comprometer a manutenccedilatildeo da qualidade de vida da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 533

Lucas Daniel Ferreira de Souza

populaccedilatildeo eis que o interesse maior do administrador puacuteblico que deveria ser o bem comum passa a ser interesse de cunho pessoal

Sobre o caos poliacutetico vivido hodiernamente em nosso paiacutes se posiciona Cambi (2009 p 245)

Confiar unicamente na concretizaccedilatildeo do interesse puacuteblico por parte dos administradores puacuteblicos eleitos para isto eacute fechar os olhos para a realidade brasileira marcada por inuacutemeros poliacuteticos despreparados oportunistas corruptos ou que fazem uso inadequado do dinheiro puacuteblico

Nesta esteira a corrupccedilatildeo viola diretamente os direitos fundamentais sociais da pessoa humana ou seja das prestaccedilotildees sociais obrigatoacuterias por parte do Estado como representante maior da sociedade

Estes desvios de interesses bem como a ausecircncia de recursos financeiros no entanto natildeo podem ter o condatildeo de comprometer o miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna da pessoa humana conforme passaremos a analisar

2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS

A grande maioria dos direitos fundamentais depende de prestaccedilotildees positivas exigindo gastos financeiros por parte do Estado que encontra restriccedilotildees para a total efetivaccedilatildeo desses direitos na escassez de recursos

Entretanto natildeo eacute possiacutevel deixar a mercecirc do Estado a decisatildeo de implementar ou natildeo ao menos uma parcela miacutenima de cada direito fundamental social necessaacuteria para garantir a vida digna de cada indiviacuteduo sob pena de atentar diretamente contra os direitos e garantias constitucionais

Esta parcela miacutenima dos direitos fundamentais eacute chamada Miacutenimo Existencial que no entendimento de Rocha foi criado ldquo[] para dar efetividade ao princiacutepio da possibilidade digna ou da dignidade da pessoa humana possiacutevel a ser garantido pela sociedade e pelo Estadordquo (ROCHA 2005 p 445)

Acerca do nuacutecleo abrangido pelo Miacutenimo Existencial Canotilho (2001 p 203) expotildee

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

Das vaacuterias normas sociais econocircmicas e culturais eacute possiacutevel deduzir-se um princiacutepio juriacutedico estruturante de toda a ordem econocircmico-social portuguesa todos (princiacutepio da universalidade) tecircm um direito fundamental a um nuacutecleo baacutesico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights) na ausecircncia do qual o estado portuguecircs deve se considerar infractor das obrigaccedilotildees juriacutedico-sociais constitucional e internacionalmente impostas

Neste diapasatildeo o Miacutenimo Existencial eacute o direito de cada indiviacuteduo agraves condiccedilotildees miacutenimas indispensaacuteveis para a existecircncia humana digna que natildeo pode ser objeto de intervenccedilatildeo do Estado mas que exige prestaccedilotildees positivas deste Consiste entatildeo a um padratildeo miacutenimo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais pelo Estado

Embora natildeo esteja expressamente contido em nossa Constituiccedilatildeo Federal deve-se contextualizaacute-lo nos direitos humanos na ideia de liberdade em todos os seus sentidos e nos princiacutepios da igualdade e acima de tudo da dignidade da pessoa humana princiacutepio basilar das garantias constitucionais

Sarlet (2001 p 60) conceitua a dignidade da pessoa humana da seguinte forma

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intriacutenseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por parte do Estado e da comunidade implicando neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condiccedilotildees existenciais miacutenimas para uma vida saudaacutevel aleacutem de propiciar e promover sua participaccedilatildeo ativa co-responsaacutevel nos destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo dos demais seres humanos

Neste sentido a existecircncia humana digna natildeo eacute considerada apenas no aspecto fiacutesico no sentido de manutenccedilatildeo e sobrevivecircncia do corpo mas tambeacutem no aspecto intelectual e espiritual assegurando dentre outros os direitos agrave educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo e sauacutede

Assim eacute necessaacuterio que se reconheccedila certos direitos subjetivos a prestaccedilotildees ligados ao miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna do indiviacuteduo e natildeo somente para sua subsistecircncia Sem a garantia deste miacutenimo imprescindiacutevel para a existecircncia humana haacute uma afronta direta ao direito constitucional agrave vida e mais que isso a uma vida com dignidade base de todos os direitos fundamentais e humanos

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Natildeo eacute possiacutevel no entanto elencar taxativamente os elementos que compotildeem o miacutenimo existencial de cada direito sendo necessaacuteria uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto e do direito fundamental em questatildeo

A restriccedilatildeo de direitos fundamentais sociais somente se justifica quando natildeo viola o Miacutenimo Existencial ou seja o nuacutecleo essencial destes direitos Mesmo existindo a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado natildeo cabe agrave Administraccedilatildeo por meio do poder discricionaacuterio fazer escolhas no tocante a concretizar ou natildeo o miacutenimo existencial de determinado direito fundamental uma vez que estes satildeo considerados pilares da existecircncia humana digna razatildeo pela qual natildeo podem ser olvidados

Vale destacar que o objetivo maior do Estado eacute sempre concretizar integralmente os direitos fundamentais sociais pois estes satildeo indispensaacuteveis para a vida humana digna Natildeo sendo possiacutevel em razatildeo de ausecircncia de recursos invocando-se neste caso a Reserva do Possiacutevel pelo menos o Miacutenimo Existencial de cada um desses direitos dever ser garantido porque possui prioridade nas destinaccedilotildees orccedilamentaacuterias

Assim eacute o entendimento de Barcellos (2002 p 246)

Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o miacutenimo existencial) estar-se-atildeo estabelecendo exatamente os alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos Apenas depois de atingi-os eacute que se poderaacute discutir relativamente aos recursos remanescentes em que outros projetos se deveraacute investir O miacutenimo existencial como se vecirc associado ao estabelecimento de prioridades orccedilamentaacuterias eacute capaz de conviver produtivamente com a reserva do possiacutevel

Em siacutentese a Reserva do Possiacutevel pode conviver pacificamente com o Miacutenimo Existencial pois este atua como um limite para a invocaccedilatildeo daquela ou seja a Reserva do Possiacutevel soacute poderaacute ser invocada quando realizado o juiacutezo da proporcionalidade e da garantia do Miacutenimo Existencial com relaccedilatildeo a todos os direitos em questatildeo

Por derradeiro o Miacutenimo Existencial surgiu para proteccedilatildeo dos indiviacuteduos por meio da efetivaccedilatildeo de uma parcela das garantias constitucionais aptas a proporcionar ao ser humano uma vida com dignidade frente a todo o descaso que presenciamos diariamente do poder puacuteblico para com as necessidades mais urgentes dos cidadatildeos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 536

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

No caso de haver qualquer desrespeito no tocante agrave concretizaccedilatildeo ao menos do nuacutecleo essencial de determinado direito fundamental social o Poder Judiciaacuterio deve ser acionado para intervir pois pelo caraacuteter de indispensabilidade dos referidos direitos eles gozam de proteccedilatildeo jurisdicional conforme passaremos a tratar

3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO

A limitada disponibilidade de recursos do Poder Puacuteblico para prover as ilimitadas necessidades da coletividade eacute uma realidade que tem o condatildeo de causar a insatisfaccedilatildeo dos indiviacuteduos que comumente acabam procurando o Poder Judiciaacuterio para a resoluccedilatildeo do impasse

No tocante agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio em temas referentes agraves poliacuteticas puacuteblicas para aqueles que defendem natildeo ser esta cabiacutevel fala-se que a referida mateacuteria estaacute ligada agrave discricionariedade e conveniecircncia do Poder Executivo natildeo podendo portanto ser objeto de pleito judicial sob pena de desrespeitar o princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

De acordo com este entendimento eacute atribuiccedilatildeo exclusiva do poder estatal decidir de que forma e onde os recursos puacuteblicos devem ser aplicados

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passa a assegurar de forma expressa a proteccedilatildeo de direitos sejam eles privados puacuteblicos ou transindividuais (difusos coletivos ou individuais homogecircneos)

Destarte traz expressamente em seu artigo 5ordm inciso XXXV a possibilidade de se recorrer agraves vias judiciais quando da violaccedilatildeo de direitos ldquoA lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do poder judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direitordquo

De acordo com os ensinamentos de Lenza (2009 p 698) ldquoo artigo 5ordm inciso XXXV veio sedimentar o entendimento amplo do termo direito dizendo que a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito natildeo mais restringindo a sua amplituderdquo

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

O desrespeito aos princiacutepios e garantias fundamentais indispensaacuteveis para a existecircncia humana jaacute fundamenta a intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio que deveraacute agir natildeo de forma ilimitada mas analisando sempre a situaccedilatildeo concreta

De encontro a este posicionamento Barcellos (2002 p 230) afirma

() nem a separaccedilatildeo de poderes nem o princiacutepio majoritaacuterio satildeo absolutos em si mesmos sendo possiacutevel excepcionaacute-los em determinadas hipoacuteteses especialmente quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana

Natildeo estaacute havendo portanto usurpaccedilatildeo das funccedilotildees de um poder sobre o outro nem tampouco invasatildeo na seara administrativa eis que eacute papel do Judiciaacuterio agir diante de violaccedilatildeo de direito subjetivo constitucional corrigindo eventuais distorccedilotildees provocadas pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

Atuando desta forma natildeo se atribui ao Judiciaacuterio o poder de criar poliacuteticas puacuteblicas mas sim o de obrigar que sejam executadas aquelas que jaacute satildeo objeto de legislaccedilatildeo

O Ministro Encinas Manfreacute do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo assim se manifestou no julgamento da Apelaccedilatildeo nordm 9152889-0520088260000

Inocorrecircncia de violaccedilatildeo ao princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Cabiacutevel determinaccedilatildeo judicial para que assegurados direitos fundamentais de crianccedilas e adolescentes os quais disciplinados na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica em Convenccedilatildeo Internacional incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro assim como na Lei 80601990 Possibilidade juriacutedica dos pedidos formulados pelo autor Arguiccedilotildees preliminares rejeitadas

Logo natildeo haacute invasatildeo do Judiciaacuterio na seara administrativa nestes casos mas tatildeo somente controle judicial acerca de descumprimento de preceito legal

Os direitos previstos na legislaccedilatildeo por si soacute satildeo vazios quando natildeo dotados de efetividade Neste diapasatildeo em virtude da prevalecircncia dos direitos fundamentais cabe ao Judiciaacuterio como inteacuterprete e aplicador do direito assegurar efetividade agraves normas constitucionais conforme dispotildee o julgado a seguir

PACIENTE COM HIVAIDS - PESSOA DESTITUIacuteDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO Agrave VIDA E Agrave SAUacuteDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS ndash DEVER CONSTITUCIONAL DO

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

PODER PUacuteBLICO (CF ARTS 5ordm CAPUT E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO O DIREITO Agrave SAUacuteDE REPRESENTA CONSEQUumlEcircNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIAacuteVEL DO DIREITO Agrave VIDA (STF ndash RE 271286RS rel Min Celso de Mello DJ 24112000)

A jurisprudecircncia brasileira eacute tranquila no sentido de preservar a efetividade do Miacutenimo Existencial entendendo que por se enquadrarem nos direitos fundamentais sociais natildeo se expotildee agrave avaliaccedilatildeo discricionaacuteria da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Poder Puacuteblico utiliza como tese defensiva a Reserva do Possiacutevel que natildeo vem sendo aceita pelas decisotildees jurisprudenciais quando meramente alegada exigindo-se a efetiva comprovaccedilatildeo de ausecircncia de recursos

Neste contexto assim decidiu o Superior Tribunal Federal rechaccedilando a alegaccedilatildeo de insuficiecircncia orccedilamentaacuteria

CRECHE E PREacute-ESCOLA - OBRIGACcedilAtildeO DO ESTADO - IMPOSICcedilAtildeO - INCONSTITUCIONALIDADE NAtildeO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO 1 Conforme preceitua o artigo 208 inciso IV da Carta Federal consubstancia dever do Estado a educaccedilatildeo garantindo o atendimento em creche e preacute-escola agraves crianccedilas de zero a seis anos de idade O Estado - Uniatildeo Estados propriamente ditos ou seja unidades federadas e Municiacutepios - deve aparelhar-se para a observacircncia irrestrita dos ditames constitucionais natildeo cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiecircncia de caixa Eis a enorme carga tributaacuteria suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga O recurso natildeo merece prosperar lamentando-se a insistecircncia do Municiacutepio em ver preservada praacutetica a todos os tiacutetulos nefasta de menosprezo agravequeles que natildeo tecircm como prover as despesas necessaacuterias a uma vida em sociedade que se mostre consentacircnea com a natureza humana 2 Pelas razotildees acima nego seguimento a este extraordinaacuterio ressaltando que o acoacuterdatildeo proferido pela Corte de origem limitou-se a ferir o tema agrave luz do artigo 208 inciso IV da Constituiccedilatildeo Federal reportando-se mais a compromissos reiterados na Lei Orgacircnica do Municiacutepio - artigo 247 inciso I e no Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - artigo 54 inciso IV 3 Publique-se (STF Decisatildeo Monocraacutetica RE nordm 356479-0 Rel Min Marco Aureacutelio J em 300404 DJU em 240504)

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - CRIANCcedilA DE ATEacute SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PREacute- ESCOLA - EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DIREITO ASSEGURADO PELO PROacutePRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF ART 208 IV) - COMPREENSAtildeO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL Agrave EDUCACcedilAtildeO - DEVER JURIacuteDICO CUJA EXECUCcedilAtildeO SE IMPOtildeE AO PODER PUacuteBLICO NOTADAMENTE AO

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MUNICIacutePIO (CF ART 211 sect 2ordm) - RECURSO IMPROVIDO (STF - RE 436996SP rel Min Celso de Mello DJ 07112005)

Como se percebe o que tem acontecido constantemente eacute o Poder Puacuteblico agir sem razoabilidade com a clara intenccedilatildeo de neutralizar os direitos fundamentais sociais afetando de forma direta mediante ineacutercia estatal ou abuso governamental as condiccedilotildees miacutenimas imprescindiacuteveis para uma existecircncia humana digna

Nesse sentido eacute a decisatildeo proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 45

Eacute que a realizaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais ndash aleacutem de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretizaccedilatildeo ndash depende em grande medida de um inescapaacutevel viacutenculo financeiro subordinado agraves possibilidades orccedilamentaacuterias do Estado de tal modo que comprovada objetivamente a incapacidade econocircmico-financeira da pessoa estatal desta natildeo se poderaacute razoavelmente exigir considerada a limitaccedilatildeo material referida a imediata efetivaccedilatildeo do comando fundado no texto da Carta Poliacutetica Natildeo se mostraraacute liacutecito no entanto ao Poder Puacuteblico em tal hipoacutetese ndash mediante indevida manipulaccedilatildeo de sua atividade financeira eou poliacutetico-administrativa ndash criar obstaacuteculo artificial que revele o ilegiacutetimo arbitraacuterio e censuraacutevel propoacutesito de fraudar de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservaccedilatildeo em favor da pessoa e dos cidadatildeos de condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia Cumpre advertir desse modo que a claacuteusula da ldquoreserva do possiacutevelrdquo ndash ressalvada a ocorrecircncia de justo motivo objetivamente aferiacutevel ndash natildeo pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigaccedilotildees constitucionais notadamente quando dessa conduta governamental negativa puder resultar nulificaccedilatildeo ou ateacute mesmo aniquilaccedilatildeo de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade

Analisando a decisatildeo supra fica claro que alegar limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invocando a Reserva do Possiacutevel por si soacute natildeo tem o condatildeo de justificar a omissatildeo estatal especialmente nos casos em que estaacute em jogo a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial de determinado direito fundamental social

Muito embora a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria seja uma realidade quando se trata do miacutenimo existencial de um direito fundamental e natildeo houver real impossibilidade objetiva demonstrada a omissatildeo administrativa natildeo encontra justificativa na Reserva do Possiacutevel

Por outro lado o que tambeacutem natildeo pode ocorrer eacute o Poder Judiciaacuterio soliacutecito aos pleitos dos indiviacuteduos para obterem determinadas prestaccedilotildees judiciais ordenar

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

que as referidas prestaccedilotildees sejam executadas sem levar em consideraccedilatildeo os fundamentos apresentados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica que naquele momento pode se encontrar incapaz de atender os pleitos em questatildeo

Esse tipo de decisatildeo do Judiciaacuterio no qual natildeo existe uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto pode resultar em seacuterios problemas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica posto que o administrador para conseguir cumprir o determinado nas decisotildees judiciais muitas vezes tem que retirar recursos de uma aacuterea especiacutefica para que sejam aplicados conforme o ordenamento judicial

Essa situaccedilatildeo acarreta uma violaccedilatildeo direta ao princiacutepio constitucional da igualdade pois para cumprir determinada decisatildeo judicial e em consequecircncia beneficiar um indiviacuteduo especiacutefico muitas vezes o Poder Puacuteblico conforme jaacute citado precisa realocar verbas de outra aacuterea causando prejuiacutezo agravequeles que dela dependiam

Por derradeiro o Poder Judiciaacuterio possui uma grande responsabilidade ao apurar os casos concretos ponderando e decidindo sempre pelo caminho que priorize o bem comum

4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO

Eacute de conhecimento geral que eacute dever do Estado viabilizar o acesso efetivo agraves poliacuteticas puacuteblicas determinadas constitucionalmente No entanto natildeo obstante a alegaccedilatildeo de limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico apurar se tal afirmaccedilatildeo procede e em caso negativo comprovar objetivamente a capacidade orccedilamentaacuteria do Poder Puacuteblico para exigir a efetivaccedilatildeo do direito constitucional em questatildeo

Por expressa determinaccedilatildeo constitucional o ministeacuterio puacuteblico eacute oacutergatildeo defensor do interesse social conforme o disposto no art 129 II da Constituiccedilatildeo Federal

Sempre visando o interesse da coletividade eacute de grande importacircncia para o trabalho desenvolvido pelo Ministeacuterio Puacuteblico o poder de realizaccedilatildeo do Inqueacuterito Civil instrumento investigativo exclusivo do referido oacutergatildeo bem como deteacutem

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legitimidade para o ajuizamento de Accedilatildeo Civil Puacuteblica aleacutem de ter poderes para a realizaccedilatildeo de TAC - Termo de Ajustamento de Conduta

O TAC eacute um instituto utilizado antes e com o fim de evitar que se venha a instaurar o processo judicial Eacute um instituto de caraacuteter conciliatoacuterio adotado com o objetivo de composiccedilatildeo e tutela de interesses metaindividuais entre o Ministeacuterio Puacuteblico e a parte interessada de modo que esta se comprometa a agir da forma que for acordada

O Ministeacuterio Puacuteblico tambeacutem eacute parte legiacutetima e tem interesse de agir para propor accedilatildeo civil puacuteblica na qual defende interesses individuais indisponiacuteveis pois neste molde qualifica-se o direito agrave vida e agrave sauacutede

No mesmo sentido o Ministro Vicente de Abreu Amadei do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo julgou a Apelaccedilatildeo nordm 0004821-4920108260664

APELACcedilAtildeO - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - PESSOA HIPOSSUFICIENTE E PORTADORA DE DIABETES TIPO 1 (CID 10 ELO-0) ndash MEDICAMENTO PRESCRITO POR MEacuteDICO (LANTUS SALUSTAR E APIDRA SALUSTAR) ndash INSUMOS NECESSAacuteRIO (AGULHAS BD DE 5 MM) - INTERESSE DE AGIR ndash NECESSIDADE DA JURISDICcedilAtildeO SEM EXAURIR A VIA ADMINISTRATIVA - OBRIGACcedilAtildeO DO MUNICIacutePIO - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO ndash DIREITO FUNDAMENTAL AO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS - APLICACcedilAtildeO DOS ARTS IO III E 6O DA CF - PRINCIacutePIOS DA ISONOMIA DA TRIPARTICcedilAtildeO DE FUNCcedilOtildeES ESTATAIS E DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRACcedilAtildeO NAtildeO VIOLADOS - LIMITACcedilAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA E TEORIA DA RESERVA DO POSSIacuteVEL - TESES AFASTADAS - COMINACcedilAtildeO DE MULTA EM OBRIGACcedilAtildeO IMPOSTA A ENTE PUacuteBLICO -VIABILIDADE - RECURSO NAtildeO PROVIDO

No que tange agrave tutela jurisdicional dos direitos individuais homogecircneos decidiu o Supremo Tribunal Federal

O Ministeacuterio Puacuteblico tem legitimidade para ajuizar accedilatildeo civil puacuteblica objetivando o fornecimento de remeacutedio pelo Estado Com base nesse entendimento a Turma proveu recurso extraordinaacuterio em que se questionava a obrigatoriedade de o Estado proporcionar a certa cidadatilde medicamentos indispensaacuteveis agrave preservaccedilatildeo de sua vida No caso tribunal local extinguira o processo sem julgamento de meacuterito ante a mencionada ilegitimidade ativa ad causam do parquet uma vez que se buscava por meio da accedilatildeo proteccedilatildeo a direito individual no caso de pessoa idosa (Lei 884294 art 2ordm) Sustentava-se na espeacutecie afronta aos artigos 127 e 129 II e III da CF Assentou-se que eacute funccedilatildeo institucional do parquet zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Puacuteblicos e dos serviccedilos de relevacircncia puacuteblica aos direitos assegurados na Constituiccedilatildeo promovendo medidas

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

necessaacuterias a sua garantia (CF art 129 II) (STF RE 407902RS rel Min Marco Aureacutelio 2652009 (RE-407902)

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS - SEGURADOS DA PREVIDEcircNCIA SOCIAL - CERTIDAtildeO PARCIAL DE TEMPO DE SERVICcedilO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIAacuteRIA - DIREITO DE PETICcedilAtildeO E DIREITO DE OBTENCcedilAtildeO DE CERTIDAtildeO EM REPARTICcedilOtildeES PUacuteBLICAS - PRERROGATIVAS JURIacuteDICAS DE IacuteNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTEcircNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - LEGITIMACcedilAtildeO ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO - A FUNCcedilAtildeO INSTITUCIONAL DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO COMO DEFENSOR DO POVO (CF ART 129 II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF - RE 472489 AgRRS rel Min Celso de Mello DJ 29082008)

Desta forma extrai-se dos entendimentos acima que a legitimidade do Ministeacuterio Puacuteblico eacute inquestionaacutevel no que diz respeito agrave defesa dos direitos fundamentais sociais dos indiviacuteduos sejam eles metaindividuais ou individuais indisponiacuteveis

5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA

A Defensoria Puacuteblica eacute uma instituiccedilatildeo permanente e indispensaacutevel cuja

atribuiccedilatildeo eacute oferecer aos cidadatildeos hipossuficientes de forma integral e gratuita

orientaccedilatildeo juriacutedica e a defesa dos direitos individuais e coletivos

Desta forma cabe agrave Defensoria em cada caso especiacutefico objetivar a

efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental de modo a concretizar o princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana

Eacute de vital importacircncia destacar que a Lei nordm 11448 de 15 de janeiro de

2007 alterando o art 5ordm da Lei nordm 734785 legitima a Defensoria Puacuteblica para

propositura da accedilatildeo civil puacuteblica

A seguir alguns julgados do Superior Tribunal de Justiccedila que tratam sobre o

tema em questatildeo

PROCESSUAL CIVIL ACcedilAtildeO COLETIVA DEFENSORIA PUacuteBLICA LEGITIMIDADE ATIVA ART 5ordm II DA LEI Nordm 73471985 (REDACcedilAtildeO DA LEI Nordm 114482007) PRECEDENTE

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1 Recursos especiais contra acoacuterdatildeo que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Puacuteblica para propor accedilatildeo civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores 2 Esta Superior Tribunal de Justiccedila vem-se posicionando no sentido de que nos termos do art 5ordmII da Lei nordm 734785 (com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 1144807) a Defensoria Puacuteblica tem legitimidade para propor a accedilatildeo principal e a accedilatildeo cautelar em accedilotildees civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente ao consumidor a bens e direitos de valor artiacutestico esteacutetico histoacuterico turiacutestico e paisagiacutestico e daacute outras providecircncias 3 Recursos especiais natildeo-providos (Primeira Turma REsp n 912849RS relator Ministro Joseacute Delgado DJe de 2842008)

PROCESSUAL CIVIL EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO OMISSAtildeO NO JULGADO INEXISTEcircNCIA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA MAXIDESVALORIZACcedilAtildeO DO REAL FRENTE AO DOacuteLAR NORTE-AMERICANO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS LEGITIMIDADE ATIVA DO OacuteRGAtildeO ESPECIALIZADO VINCULADO Agrave DEFENSORIA PUacuteBLICA DO ESTADO I ndash O NUDECON oacutergatildeo especializado vinculado agrave Defensoria Puacuteblica do Estado do Rio de Janeiro tem legitimidade ativa para propor accedilatildeo civil puacuteblica objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil para aquisiccedilatildeo de veiacuteculos automotores com claacuteusula de indexaccedilatildeo monetaacuteria atrelada agrave variaccedilatildeo cambial II - No que se refere agrave defesa dos interesses do consumidor por meio de accedilotildees coletivas a intenccedilatildeo do legislador paacutetrio foi ampliar o campo da legitimaccedilatildeo ativa conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC bem assim do artigo 5ordm inciso XXXII da Constituiccedilatildeo Federal ao dispor expressamente que incumbe ao Estado promover na forma da lei a defesa do consumidor III ndash Reconhecida a relevacircncia social ainda que se trate de direitos essencialmente individuais vislumbra-se o interesse da sociedade na soluccedilatildeo coletiva do litiacutegio seja como forma de atender agraves poliacuteticas judiciaacuterias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor com a consequumlente facilitaccedilatildeo ao acesso agrave Justiccedila seja para garantir a seguranccedila juriacutedica em tema de extrema relevacircncia evitando-se a existecircncia de decisotildees conflitantes Recurso especial provido (Terceira Turma REsp n 555111RJ relator Ministro Castro Filho DJ de 18122006)

Deste modo depreende-se que a Defensoria Puacuteblica aleacutem se sua funccedilatildeo

tiacutepica qual seja representar judicial e extrajudicialmente os direitos dos

necessitados possui tambeacutem a funccedilatildeo de zelar pela concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais sociais necessaacuterios para garantir a existecircncia digna do

indiviacuteduo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ideia que se encontra encartada no conceito de Reserva do Possiacutevel natildeo pode se constituir como uma escusa dos governos em cumprir com as poliacuteticas puacuteblicas que viabilizam a concretizaccedilatildeo dos direitos sociais na realidade faacutetica

Natildeo se deve permitir portanto que o argumento da Reserva do Possiacutevel constitua um escudo que proteja o Estado de sua inatividade considerando que este tem negligenciado por diversas vezes direitos que na verdade natildeo satildeo impossiacuteveis de serem concretizados ou seja que se enquadram perfeitamente no acircmbito da reserva do possiacutevel

A grande celeuma surge quando analisamos a Reserva do Possiacutevel no contexto do Miacutenimo Existencial A Reserva do Possiacutevel embora seja aceita em algumas hipoacuteteses natildeo pode ser um oacutebice para a efetivaccedilatildeo de pelo menos uma porccedilatildeo miacutenima de cada direito fundamental social imprescindiacutevel a garantir a efetivaccedilatildeo do princiacutepio constitucional da dignidade da pessoa humana

Portanto natildeo se despreza a aplicabilidade e razoabilidade da Reserva do Possiacutevel em determinadas situaccedilotildees O que se defende eacute que esse princiacutepio natildeo seja usado de forma aleatoacuteria com simples alegaccedilotildees Portanto haacute necessidade que o Poder Puacuteblico demonstre ou seja prove que a negativa do oferecimento ao direito do indiviacuteduo eacute para que natildeo prejudique a efetivaccedilatildeo de outros direitos ligados ao miacutenimo existencial da populaccedilatildeo

Neste contexto quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais sociais cabe ao Judiciaacuterio intervir em favor da realizaccedilatildeo destes sem no entanto interferir na esfera de atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Ministeacuterio Puacuteblico e a Defensoria Puacuteblica como defensores do interesse social tambeacutem possuem legitimidade para objetivar a efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental lesado

REFEREcircNCIAS

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia Juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2002

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lthttppla naltogovbrccivil_03constituicaoconstituiC3A7aohtmgt Acesso em 22 fev 2013 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Direitos fundamentais poliacuteticas puacuteblicas e protagonismo judiciaacuterio Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituiccedilatildeo 3 ed Coimbra Almedina 1999 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4 ed Coimbra Almedina 2001 KRELL Andreas J Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha os descaminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antocircnio Fabris Editor 2002 LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 13 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 29 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2004 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Administrativo 4 ed Satildeo Paulo Atlas 2007 OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 ROCHA Carmen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel Belo Horizonte Del Rey 2005 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS

Chamada de Artigos Resenhas e Ensaios para o Perioacutedico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia

Brasileira de Direito Constitucional

Invitacioacuten a publicar Artiacuteculos Resentildeas y Ensayos en la Revista

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Call for Articles Reviews and Essays for the publication Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de

Direito Constitucional (Constitution Economics and Development Law Journal of the Brazilian Academy of Constitutional Law)

A Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponiacutevel em httpwwwabdconstcombrrevistasphp)com periodicidade semestral estaacute recebendo artigos resenhas e ensaios ineacuteditos em portuguecircs inglecircs e espanhol para a publicaccedilatildeo do seus oitavo e nono nuacutemeros ateacute 20 de Dezembro de acordo com as informaccedilotildees abaixo

Cordialmente

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsaacutevel (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Assistente (rafaelabdconstcombr)

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Regras para a submissatildeo de artigos

La Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponible en httpwwwabdconstcombrrevistasphp) con periodicidad semestralestaacute recibiendo artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en portugueacutes ingleacutes y espantildeol para la publicacioacuten de sus octavo y nonos nuacutemero hasta 20 de Deciembre de acuerdo con las informaciones que se mencionan maacutes abajo

Un cordial saludo

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsable (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Asistente (rafaelabdconstcombr)

The Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 available at httpwwwabdconstcombrrevistasphp) published every semester is receiving original articles reviews and essays in Portuguese English and Spanish to be published in its eighth and ninth editions until December 20th according to the information below

Cordially

Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto ndash Assistant Editor (rafaelabdconstcombr)

Portuguecircs - Linha Editorial o perioacutedico cientiacutefico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional publica artigos resenhas e ensaios ineacuteditos nos acircmbitos da teoria e da dogmaacutetica juriacutedica privilegiando a perspectiva transdisciplinar e comparada assim como de outros saberes sobre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Missatildeo A missatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional eacute incentivar a produccedilatildeo

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

de estudos das relaccedilotildees juriacutedico-constitucionais com a praacutetica e o pensamento econocircmicos a partir da perspectiva democraacutetica e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Ainda visa fomentar as discussotildees acadecircmicas sobre o desenvolvimento econocircmico juriacutedico humano e social e uma leitura criacutetica da Escola Law and Economics

Avaliaccedilatildeo dos Artigos Os artigos resenhas e ensaios satildeo analisados pelo Editor Responsaacutevel primeiramente para verificar a pertinecircncia com a linha editorial da Revista Posteriormente eacute feito o Double blind peer review ou seja os trabalhos cientiacuteficos satildeo remetidos a dois professores-pesquisadores doutores sem a identificaccedilatildeo dos autores para a devida avaliaccedilatildeo de forma e de conteuacutedo Quando houver um parecer pela aprovaccedilatildeo e outro pela reprovaccedilatildeo do artigo poderaacute haver a submissatildeo a terceiro parecerista para desempate depois de exame pelo Editor Encarregado Apoacutes a anaacutelise pelos pareceristas o Editor Responsaacutevel informaraacute aos autores o parecer negativo pela publicaccedilatildeo ou requereraacute as alteraccedilotildees sugeridas pelos pareceristas Neste caso os autores deveratildeo realizar as modificaccedilotildeese a partir das alteraccedilotildees feitas o Editor Responsaacutevel emitiraacute a opiniatildeo pela publicaccedilatildeo ou natildeo do texto Em cada nuacutemero poderatildeo ser publicados ateacute dois trabalhos (20 do total) de autores convidados selecionados pelo Editor Responsaacutevelde autoria de pesquisadores estrangeiros ou nacionais de grande renome com especial pertinecircncia temaacutetica com a revista

Envio dos Trabalhos Cientiacuteficos todos os artigos resenhas e ensaios deveratildeo ser enviados para o Editor Responsaacutevel da Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho e Editor assistente Rafael dos Santos Pinto no endereccedilo eletrocircnico trabalhosabdconstgooglegroupscom

O email deve obrigatoriamente conter nome completo e dados para contato do autor Deve ser enviado o trabalho em versatildeo aberta ( doc e similares) bem

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 549

Regras para a submissatildeo de artigos

como acompanhar os termos de cessatildeo assinados disponiacutevel em httpwwwabdconstcombreditaisphp

Cessatildeo de Direitos Autorais e Termo de Responsabilidade Os autores ao submeterem seus trabalhos aceitam plenamente o conteuacutedo do termo de cessatildeo de direitos autorais obrigando-se a assinar a via disponiacutevel no site o que implica na transferecircncia integral e natildeo-onerosa dos direitos patrimoniais de seu trabalho agrave Revista Os autores tambeacutemassinaratildeo termo de responsabilidade em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do trabalho e atestam que o trabalho submetido eacute ineacutedito e natildeo foi veiculado em outro perioacutedico e que foram tomadas todas as precauccedilotildees e procedimentos eacuteticos cabiacuteveis no curso da pesquisa

Identificaccedilatildeo dos autores Os autores devem se identificar inscrevendo seu nome completo logo abaixo do tiacutetulo do artigo Cada nome deve ocupar uma linha e possuir nota de rodapeacute com a qualificaccedilatildeo completa do autor A qualificaccedilatildeo do autor deve obrigatoriamente conter o viacutenculo institucional (instituiccedilatildeo cidade e estado) do autor e dados para contato (preferencialmente e-mail) Caso a pesquisa tenha sido realizada com financiamento de instituiccedilatildeo puacuteblica ou privada o viacutenculo deve ser indicado na uacuteltima linha da qualificaccedilatildeo

Principais Normas Editoriais de Formataccedilatildeo os trabalhos seratildeo redigidos em portuguecircs espanhol ou inglecircs e digitados em processador de texto Word

Fonte para o corpo do texto Times New Roman tamanho 13

Fonte para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas de mais de 3 linhas Times New Roman tamanho 11

Entrelinhamento para o corpo do texto 15

Entrelinhamento para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas 10

Preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular

Estilo utilizado nas palavras estrangeiras itaacutelico

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 550

Regras para a submissatildeo de trabalhos

Estilo utilizado para destacar palavras do proacuteprio texto negrito

Nuacutemero de paacuteginas no miacutenimo 10 e no maacuteximo 30 paacuteginas justificado e com paacuteginas natildeo numeradas podendo a juiacutezo do Editor Responsaacutevel ser publicado artigo com mais de 30 paacuteginas

Normas Editorias de Estrutura do Texto os artigos resenhas e ensaios deveratildeo conter os elementos abaixo

Cabeccedilalho tiacutetulo subtiacutetulo nome do(s) autor(es) ndash o nuacutemero maacuteximo de autores eacute trecircs

Tiacutetulo deve ser claro e objetivo podendo ser complementado por um subtiacutetulo separado por dois pontos em fonte maiuacutescula e minuacutescula em negrito e centralizado

Nome do(s) autor(es) indicaccedilatildeo por extenso depois do tiacutetulo alinhado agrave esquerda

Creacuteditos qualificaccedilatildeo e endereccedilo eletrocircnico do(s) autor(es) em nota de rodapeacute

Resumo siacutentese do conteuacutedo do artigo de 100 a 250 palavras incluindo tabelas e graacuteficos em voz ativa e na terceira pessoa do singular e localizado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) expressar na primeira frase do resumo o assunto tratado situando no tempo e no espaccedilo dar preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular ressaltar os objetivos meacutetodos resultados e as conclusotildees do trabalho

Resumo em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seraacute apresentado um resumo em inglecircs O Editor Responsaacutevel providenciaraacute caso os autores natildeo encaminhem a traduccedilatildeo do resumo tiacutetulo e palavras-chave bem como a correccedilatildeo gramatical e ortograacutefica

Palavras-chave ateacute 5 (cinco) palavras significativas que expressem o conteuacutedo do artigo escritas em negrito alinhamento agrave esquerda separados por ponto e viacutergula ou ponto

Palavras-chave em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seratildeo apresentadas palavras-chave em inglecircs Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 551

Regras para a submissatildeo de artigos

Sumaacuterio informaccedilatildeo das seccedilotildees que compotildeem o artigo numeradas progressivamente em algarismo araacutebico

Texto do artigo deveraacute apresentar como partes uma introduccedilatildeo desenvolvimento e conclusatildeo antecedida pelo resumo resumo em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol) palavras-chave e palavras-chave em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol)

Citaccedilatildeo notas de rodapeacute e referecircncias bibliograacuteficas deve-seseguir a ABNT ndash NBR 10520 As referecircncias bibliograacuteficas completas devem ser apresentadas no final do texto

Anexo material complementar ao texto incluiacutedo ao final apenas quando indispensaacutevel

Tabelas ou graacuteficos devem ser adotadas as ldquonormas de apresentaccedilatildeo tabularrdquo publicadas pelo IBGE O corpo editorial pode alterar a estrutura formal do texto para adequaacute-lo agraves regras editoriais da Revista

Conselho Editorial Editor Responsaacutevel Ilton Norberto Robl Filho (Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Adjunto da UFPR e da UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Educaccedilatildeo Juriacutedica da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR)

Membros do Conselho Editorial Antonio Carlos Wolkmer (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra) Eroulths Cortiano Junior (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR e Doutor em Direito pela UFPR) Faacutebio Nusdeo (Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP) Marco Aureacutelio Marrafon (Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

Doutor em Direito pela UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor do Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico) Mariana Mota Prado (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale) e Ricardo Lobo Torres (Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF)

Espantildeol - Liacutenea Editorial la publicacioacuten perioacutedica cientiacutefica Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional edita artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en los aacutembitos de la teoriacutea y de la dogmaacutetica juriacutedica privilegiaacutendose la perspectiva transdisciplinar asiacute como de otros saberes relacionados con la Constitucioacuten Economiacutea y el Desarrollo

Misioacuten La misioacuten de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional es incentivar la produccioacuten de estudios en torno de las relaciones juriacutedico-constitucionales con la praacutectica y el pensamiento econoacutemicos desde la perspectiva democraacutetica y de la efectividad de los derechos fundamentales Asimismo fomenta los debates acadeacutemicos sobre el desarrollo econoacutemico juriacutedico humano y social y a una lectura criacutetica de la Escuela Law and Economics

Evaluacioacuten de los Artiacuteculos Los artiacuteculos resentildeas y ensayos son analizados primeramente por el Editor Responsable para verificarse la adecuacioacuten del trabajo a la liacutenea editorial de la Revista Posteriormente se realiza una evaluacioacuten blind peer review que consiste en la remisioacuten de dichos trabajos cientiacuteficos a dos profesores-investigadores doctores sin que conste la identificacioacuten de los autores para someterlos a la revisioacuten de la forma y del contenido Cuando ocurrir un parecer por la aprobacioacuten y otro por la reprobacioacuten del trabajo podraacute haber sumisioacuten a tercero parecerista para desempate despueacutes de examen por lo editor jefe Tras el anaacutelisis de los evaluadores el editor jefe les informaraacute a los autores el parecer negativo para la publicacioacuten o les solicitaraacute los cambios sugeridos por los evaluadores En este caso los autores habraacuten de realizar las rectificaciones

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Regras para a submissatildeo de artigos

pertinentes y lo editor jefe emitiraacute una opinioacuten para la publicacioacuten o no del texto En cada volumen podraacuten ser publicados dos trabajos (20 del total) de autores invitados seleccionados por lo editor jefe escritos por investigadores extranjeros o nacionales de gran renombre con especial pertinencia de tema con la Revista

Enviacuteo de los Trabajos Cientiacuteficos todos los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacutenser enviados al Editor Responsable de la Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho y Editor Asistente Rafael dos Santos Pinto por correo electroacutenico a la siguiente direccioacuten trabalhosabdconstgooglegroupscom acompantildeados 1) de una autorizacioacuten expresa para su publicacioacuten divulgacioacuten y comercializacioacuten en la editora indicada por ABDCONST y 2) de una declaracioacuten de responsabilidad del autor sobre la autoriacutea de la obra y su aceptacioacuten a las reglas y a los plazos editoriales afirmaacutendose expresamente el caraacutecter ineacutedito del trabajo

Transferencia de derechos de autor y declaracioacuten de responsabilidad Los autores deben obligatoriamente someter conjuntamente con sus trabajos termo de transferencia de derechos de autor que implica en la transferencia gratuita de los derechos patrimoniales de su trabajo a la Revista Los autores tambieacuten someteraacuten declaracioacuten de responsabilidad registrando que lo trabajo es ineacutedito y no fue publicado en otro perioacutedico que no existe conflicto de intereses del autor con lo tema abordado o la pesquisa y que fueran tomadas todas las precauciones y procedimientos eacuteticos pertinentes a la realizacioacuten de la pesquisa

Identificacioacuten de los autores Los autores deben identificarse por su nombre completo abajo del tiacutetulo del artigo Cada nombro debe ocupar una liacutenea y contener referencia con la cualificacioacuten completa del autor La cualificacioacuten del autor debe obligatoriamente contener la afiliacioacuten completa de todos los autores (instituto de encino ciudad estado y paiacutes) y dados para contacto (enderezo teleacutefono o e-mail) Caso la pesquisa tenga realizaacutedose con financiamiento o ayuda de alguna

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

institucioacuten puacuteblica o privada lo viacutenculo debe ser informado en la uacuteltima liacutenea de la cualificacioacuten

Principales Normas Editoriales y su Formato los trabajos deberaacuten estar redactados en portugueacutes espantildeol o ingleacutes y digitalizados en procesador de texto Word

Fuente para el cuerpo del texto Times New Roman tamantildeo 13

Fuente para las notas a pie de paacutegina y para las citas textuales cuando sean superiores a 3 liacuteneas Times New Roman tamantildeo 11

Interlineado para el cuerpo del texto 15

Interlineado para las notas a pie de paacutegina y citas textuales largas 10

Se da preferencia al uso de la tercera persona del singular

Estilo de fuente para palabras extranjeras cursiva

Estilo de fuente para destacar las palabras dentro del propio texto negrita

Nuacutemero de paacuteginas no inferior a 10 y no superior a 30 paacuteginas justificado y con paacuteginas no enumeradas el artiacuteculo cuya extensioacuten supere las 30 paacuteginas podraacuteser publicadosi el Editor Responsable lo juzga conveniente

Normas Editoriales para la Estructura del Texto los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacuten contener los siguientes elementos

Encabezado tiacutetulo subtiacutetulo nombre del autor o autores ndash el nuacutemero de autores no deberaacute exceder de tres

Tiacutetulo debe ser claro y objetivo y puede ser complementado por un subtiacutetulo separado por dos puntos en fuente mayuacutescula y minuacutescula en negrita y centralizado

Nombre del autor o autores completo despueacutes del tiacutetulo alineado a la izquierda Creacuteditos cualificacioacuten acadeacutemica y direccioacuten de correo electroacutenico del autor o autores que hayan sido informados debajo del nombre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 555

Regras para a submissatildeo de artigos

Resumen siacutentesis del contenido del artiacuteculo de entre 100 a 250 palabras incluyendo tablas y graacuteficos en voz activa y en tercera persona del singular y colocado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) se deberaacute expresar en la primera frase del resumen el asunto de que se trata situaacutendolo en el tiempo y en el espacio daacutersele preferencia al uso de la tercera persona del singular y resaltar los objetivos meacutetodos resultados y las conclusiones del trabajo

Resumen en otro idioma los textos redactados en portugueacutes y en espantildeol deberaacuten presentarse acompantildeados de un resumen en ingleacutes Los autores cuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el Editor Responsable se encargaraacute en caso de que no lo hagan ellos de providenciar la traduccioacuten del resumen en portugueacutes

Palabras-clave hasta 5 (cinco) palabras significativas que expresen el contenido del artiacuteculo escritas en negrita alineadas a la izquierda separadas por punto y coma o punto

Palabras-clave en otro idioma los textos en portugueacutes y espantildeol vendraacuten acompantildeados de las palabras-clave en ingleacutes Los autorescuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el editor responsable se encargaraacute de providenciar en caso de queno lo hagan la correspondiente traduccioacuten de las palabras-clave en portugueacutes

Sumario la informacioacuten de las secciones que componen el artigo deberaacuten ir numeradas en guarismo araacutebigo por orden de aparicioacuten en el texto

Texto del artiacuteculo tendraacute que presentar como partes una introduccioacuten el desarrollo y la conclusioacuten antecedida por el resumen resumen en otro idioma (portugueacutes y espantildeol) palabras-clave y palabras-clave en otro idioma (portugueacutes y espantildeol)

Citas notas a pie de paacutegina y referencias bibliograacuteficas ABNT ndash NBR 10520 Las referencias bibliograacuteficas completas se deberaacuten colocar al final del texto

Anexo material complementario al texto se incluiraacute al final apenas cuando sea indispensable

Tablas o graacuteficos los datos deben adoptar las ldquonormas de presentacioacuten tabularrdquo publicadas por el IBGE (Instituto Brasilentildeo de Geografiacutea y Estadiacutestica) El Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 556

Regras para a submissatildeo de trabalhos

editor puede cambiar la estructura formal del texto para adecuacutealo a las reglas editoriales de la Revista

Consejo Editorial Editor Responsable Ilton Norberto Robl Filho Coordinador de Investigacioacuten y de los Grupos de Estudio Nacionales en la Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Licenciatura en Derecho de la UFPR Abogado Miembro de la Comisioacuten de Ensentildeanza Juriacutedica de la OABPR (Colegio de Abogados de Brasil Paranaacute) Doctor con grado de Maestriacutea y Licenciado en Derecho por la UFPR (Universidade Federal do Paranaacute)

Miembros del Consejo Editorial Antonio Carlos Wolkmer Profesor del Programa de Posgrado en Derecho dela UFSC (Universidade Federal de Santa

Catarina) y Doctor en Derecho por la UFSC Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes Profesor Catedraacutetico de la Faculdade de Direito de Coimbra Doctor Honoris Causa por la UFPR y Doctor en Derecho por la Faculdade de Direito de Coimbra Eroulths Cortiano Junior Profesor del Programa de Posgrado y dela Licenciatura en Derecho de la UFPR y Doctor en Derecho por la UFPR Faacutebio Nusdeo Profesor Titular de la Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP (Universidade de Satildeo Paulo) y Doctor en Economiacutea por la USP Marco Aureacutelio Marrafon Presidente dela Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Derecho por la UFPR Marcos Augusto Maliska Profesor del Curso de Maestriacutea en Derecho dela Unibrasil y Doctor en Derecho por la UFPR Marcus Firmino Santiago es Profesor en lo Instituo Brasileiro de Direito Puacuteblico y Doctor en Derecho por la UGF (Universidade

Gama Filho) Mariana Mota Prado es Profesora en la Facultad de Derecho dela Universidad de Toronto y Doctora en Derecho por la Universidad de Yale Ricardo Lobo Torres Profesor Titular de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade

do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Filosofiacutea por la UGF (Universidade Gama Filho)

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Regras para a submissatildeo de artigos

English - Editorial line the Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnicada Academia Brasileira de Direito Constitucional publishes unpublished articles reviews and essays within the ambit of law theory and dogmatism especially with the transdisciplinary perspective as well as other knowledge areas about Constitution Economics and Development

Mission The mission of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional is to encourage the production of studies on constitutional law relations with the economical practice and thinking from the democratic perspective and the stating of fundamental rights Yet it motivates academic discussions on economic law human and social development and a critical reading of the School of Law and Economics

Evaluation of Articles Articles reviews and essays are firstly analyzed by the Chief Editor to verify if they are pertinent to the Law Journal editorial line Then they are sent for blind peer review ndash scientific works are sent to two PhD professors-researchers with no author identification to evaluate structure and content If one professor suggests publication and the other rejects the paper a third professor may be called on for a final decision after the examination of the Chief Editor After the professors analysis the chief editor will inform the authors of negative opinions or will require suggested changes In this case authors shall make the necessary adjustments and the Chief Editor will decide over the publication of the text Each edition may contain at least two papers (20 of the total) written by invited authors selected by the Chief Editor written by international and nationally renound authors with special thematical relevance to the Journal

Sending Scientific Papers Every article review and essay should be sent to Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor - and Rafael dos Santos Pinto - Assistant Editor of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash to the email trabalhosabdconstgooglegroupscom along with 1) an express authorization for

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

publishing promotion and commercialization by a press indicated by ABDCONST and 2) the authors declaration of responsibility about text authorship and submission to editorial rules and deadlines expressing the unpublished nature of the work

Transfer of copyright and declaration of responsibility Authors must submit along with their papers a term of copyright transfer transferring without cost the patrimonial rights of his work to this journal The authors must also sign a declaration of responsibility stating that the submitted paper is unpublished and was not approved for publishing in other journals and that there is no conflict of interests of the author over the research theme or procedures and that all ethical precautions were taken in the course of the research

Identification of the authors Authors must identify themselves by their complete name inscribed under the title of the paper Each name must take up one line and contain a reference with the institutional affiliation of the author The institutional affiliation of the author must contain complete institutional description of the all authors (university city state and country) as well as contact information (address telephone or e-mail) If the research was financed by any private or public institutions the disclosure must be made in the last line of the authorrsquos affiliation

Main Editorial Rules for Formatting Works must be written in Portuguese Spanish or English in a Microsoft Word document

- Main text font Times New Roman size 13

- Font for footnotes and long quotations (more than 3 lines) Times New Roman size 11

- Main text line spacing 15

- Footnotes and long quotations line spacing 10

- Preferably written in third person singular

- Foreign words style italics

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Regras para a submissatildeo de artigos

- Text highlighted words style bold

- Number of pages minimum of 10 and maximum of 30 pages justified text with un-numbered pages Chief Editor may publish articles with more than 30 pages

Editorial Rules for Text Structure Articles reviews and essays should have the following parts

- Heading title subtitle name of the author(s) ndash maximum of three authors

- Title It should be clear and objective and it may be complemented by a subtitle separated by colon in upper and lower case in bold and center aligned

- Name of the author(s) indicated after the title left aligned

- Credits qualifications and authors emails below the names

- Abstract synopsis of the article contents from 100 to 250 words including tables and graphics in active voice and third person singular before the text (ABNT ndash NBR 6028) it should express the subject in the first sentence of the abstract determining time and space preferably written in third person singular it should highlight objectives methods results and conclusions of the work

- Abstract in other language for Portuguese and Spanish texts there will be an abstract in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the abstract translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Key-words up to 5 (five) significant words that express the content of the article written in bold left aligned separated by semicolon or dot

- Key-words in other language for Portuguese and Spanish texts there will be key-words in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the key-words translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Summary information about the article sections progressively numbered in Arabic numerals

- Article text it should present an introduction main text and conclusion ndash after the abstract abstract in other language (Portuguese and Spanish) key-words and key-words in other languages (Portuguese and Spanish)

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

- Quotations footnotes and bibliographic references ABNT ndash NBR 10520 Complete bibliographic references should be presented at the end of the text

- Appendix material to complement the text included at the end if necessary

- Tables or graphics refer to normas de apresentaccedilatildeo tabular (tabular presentation rules) published by IBGE

- The Editor may change the formal structure of the text to harmonize it to the editorial rules of the Journal

Editorial Council Chief Editor Ilton Norberto Robl Filho Professor of the Graduation in Law at UFPR Lawyer Member of the Law Education Commission at OABPR PhD Master and Bachelor in Law from UFPR)

Editorial Council Members Antonio Carlos Wolkmer (Professor of the Post-Graduation Program in Law at UFSC and PhD in Law from UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Full Professor at Coimbra Faculty of Law PhD Honoris Causa from UFPR and PhD in Law from Coimbra Faculty of Law) Eroulths Cortiano Junior (Professor of the Program of Post-Graduation and Graduation in Law at UFPR and PhD in Law from UFPR) Faacutebio Nusdeo (Full Professor at Largo Satildeo Francisco Faculty of Law ndash USP and PhD in Economics from USP) Marco Aureacutelio Marrafon (President of the Brazilian Academy of Constitutional Law Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Law from UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor of the Master course in Law at Unibrasil and PhD in Law from UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor of Law at Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico and PhD in Law from UGF) Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho) Mariana Mota Prado (Professor of Law at Toronto University and PhD in Law from Yale University) and Ricardo Lobo Torres (Full Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Philosophy from UGF)

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Regras para a submissatildeo de artigos

Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar

CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167

E-mail abdconstabdconstcombr Editoraccedilatildeo e Design Graacutefico Karla Knihs ndash karlakarinygmailcom

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  • Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento
  • ABDConst Academia Brasileira de direito constitucional
  • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr
  • CONSELHO EDITORIAL
  • EDITORIAL
  • Sumaacuterio
  • a proteccedilatildeo ao trabalho NA Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a adoccedilatildeo do permissivo flexibilizante da legislaccedilatildeo trabalhista no brasil0F
    • LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL
    • Caacutessia Cristina Moretto da Silva1F
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • 1 O regramento juriacutedico do trabalho antecedentes histoacutericos
      • 2 A Formaccedilatildeo do Direito do Trabalho no Brasil
      • 3 A Constitucionalizaccedilatildeo dos Preceitos Trabalhistas nas Primeiras Constituiccedilotildees Brasileiras
      • 4 A Tutela ao Trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988
      • 5 A Condiccedilatildeo Poacutes-Moderna e sua Repercussatildeo no Mundo do Trabalho
      • 6 A ADOCcedilAtildeO dO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
      • 7 Consideraccedilotildees Finais
      • Referecircncias
          • Abrindo fronteiras a convergecircncia entre ldquodireito e desenvolvimentordquo e governanccedila global4F
            • OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE
            • Patriacutecia Galvatildeo Ferreira5F
              • Introduccedilatildeo
              • 1 Literatura de DampD a perspectiva cocircncava
              • 11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD
              • 12 Breve temporada no Direito Internacional
              • 13 O segundo movimento de DampD21F
              • 2 A literatura de governanccedila global a perspectiva convexa
              • 21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional
              • 22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio
              • 3 Nova fronteira Estudos de Desenvolvimento encontram Estudos de Governanccedila Global
              • 4 Conclusatildeo
              • REFEREcircNCIAS
                • LEVI-FAUR D The global diffusion of regulatory capitalism In The Annals of the American Academy of Political and Social Science 2005 v 598 p12-32
                  • CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS46F
                    • NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES
                    • Marianna de Queiroz Gomes47F
                      • Introduccedilatildeo
                      • 1 A questatildeo ambiental o paradigma da sociedade de risco e a constitucionalizaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
                      • 2 Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo dirigente e a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais
                      • 3 Consideraccedilotildees finais
                      • REFEREcircNCIAS
                          • O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA58F
                            • THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION
                            • INTRODUCcedilAtildeO
                            • 1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES
                            • 2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL
                            • 3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY
                            • CONCLUSAtildeO
                            • REFEREcircNCIAS
                              • O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO66F
                                • THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE
                                • 1 A diferenciaccedilatildeo entre as terminologias direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos (e as suas respectivas caracteriacutesticas)
                                • 2 Evoluccedilatildeo histoacuterica do direito humano ao desenvolvimento humano e a sua localizaccedilatildeo dentro da teoria das geraccedilotildees (ou dimensotildees) de direitos fundamentais
                                • 21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais
                                • 22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais
                                • 3 O conceito de Desenvolvimento74F e a Dignidade da Pessoa Humana
                                • 4 Previsotildees normativas do direito ao desenvolvimento na ordem internacional
                                • 5 A estrutura do direito ao desenvolvimento humano
                                • 6 Direito fundamental ao desenvolvimento humano no Brasil
                                • 7 Os comandos constitucionais que fundamentam o direito fundamental ao desenvolvimento
                                • 71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais
                                • 72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela
                                • 721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional
                                • 722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna
                                • 8 Da recente alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 aplicaccedilatildeo do direito fundamental ao desenvolvimento
                                • CONCLUSAtildeO
                                • REFEREcircNCIAS
                                  • ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL104F
                                    • SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION
                                    • INTRODUCcedilAtildeO
                                    • 1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL
                                    • 2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010
                                    • 3 CONCLUSAtildeO
                                    • REFEREcircNCIAS
                                      • Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais entre os sentidos negativo e positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica109F
                                        • JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM
                                        • INTRODUCcedilAtildeO
                                        • 1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS
                                        • 2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL
                                        • 3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA
                                        • 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA130F
                                        • 5 CONCLUSOtildeES
                                        • REFEREcircNCIAS
                                          • O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO133F
                                            • THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE
                                            • Introduccedilatildeo
                                            • 1 Evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais e o direito agrave sauacutede
                                            • 11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988
                                            • 12 A sauacutede como direito fundamental
                                            • 2 O fornecimento de medicamentos pelo Estado
                                            • 21 A obrigaccedilatildeo do Estado
                                            • 22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo
                                            • 3 O princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais
                                            • 4 Consideraccedilotildees finais
                                            • Referecircncias
                                              • A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos Uma anaacutelise diferenciada sobre o tema135F
                                                • TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME
                                                • Juliane Cavalcanti Pereira137F
                                                  • Introduccedilatildeo
                                                  • 1 Discussatildeo jurisprudencial
                                                  • 2 Aplicaccedilatildeo praacutetica dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo
                                                  • 3 Anaacutelise criacutetica do tema
                                                  • Consideraccedilotildees finais
                                                  • Referecircncias
                                                      • A Reserva do Possiacutevel o Miacutenimo Existencial e o Poder Judiciaacuterio148F
                                                        • LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY
                                                        • Lucas Daniel Ferreira de Souza149F
                                                          • INTRODUCcedilAtildeO
                                                          • 1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA
                                                          • 2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS
                                                          • 3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO
                                                          • 4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO
                                                          • 5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA
                                                          • 6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                              • REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS
                                                              • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr Editoraccedilatildeo e Design Graacutefico Ka
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CONSELHO EDITORIAL

Editor Responsaacutevel

Ilton Norberto Robl Filho

Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Substituto da UFPR e UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Visiting Scholar na Universidade de Toronto - Canadaacute Pesquisador Visitante no Max Plank Institut em Heidelberg - Alemanha Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR

Editor Assistente

Rafael dos Santos Pinto

Graduado em Direito pela UNESP Mestrando pela UFPR

Membros do Conselho Editorial

Antonio Carlos Wolkmer

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC

Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes

Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra

Eroulths Cortiano Junior

Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR Presidente da Comissatildeo de Ensino Juriacutedico da OABPR e Doutor em Direito pela UFPR

Faacutebio Nusdeo

Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP

Marco Aureacutelio Marrafon

Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR

Marcos Augusto Maliska

Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e Doutor em Direito pela UFPR

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

Marcus Firmino Santiago

Professor do Curso de Direito das Faculdades EspamProjeccedilatildeo ndash Brasiacutelia e Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho

Mariana Mota Prado

Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale

Ricardo Lobo Torres

Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF

Editoraccedilatildeo

Karla Knihs

Conselho de Pareceristas da Revista do ABDConst

Abraatildeo Soares Dias dos Santos Gracco Aldo Muro Juacutenior Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia Alexandre Hamilton Oliveira Santos Alexandre Morais da Rosa Alvaro Borges de Oliveira Alvaro de Oliveira Azevedo Neto Angela Issa Haonat Acircngela Maria Cavalcanti Ramalho Antonio Baptista Gonccedilalves Antonio Celso Baeta Minhoto Antonio Gomes Moreira Maueacutes Carla Izolda Fiuza Costa Marshall Carlos Bolonha Carlos Victor Nascimento dos Santos Ceacutelia Barbosa Abreu Claudio Gonccedilalves Munhoz Claudio Smirne Diniz

Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira Daniela Rezende Oliveira Delmo Mattos da Silva Demetrius Nichele Macei Eduardo Biacchi Gomes Eduardo Molan Gaban Eleonora Mesquita Ceia Eliana Franco Neme Eliana Franco Neme Eloi Martins Senhoras Emerson Gabardo Emilio Peluso Neder Meyer Eacuterico Hack Eroulths Cortiano Juacutenior Everton das Neves Gonccedilalves Fabianne Manhatildees Maciel Fabriacutecio de Assis Campos Vieira Fabriacutecio Ricardo de Limas Tomio Fausto Santos de Morais Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha Juacutenior

Germano Andreacute Doederlein Schwartz Gustavo Almeida Paolinelli de Castro Gustavo Rabay Guerra Hamilton da Cunha Iribure Juacutenior Heder Carlos de Oliveira Heitor de Carvalho Pagliaro Henrique Napoleatildeo Alves Henry Atique Jackelline Fraga Pessanha Jacqueline de Souza Gomes Janaiacutena Machado Sturza Jean Carlos Dias Jorge Jose Lawand Joseacute Carlos Buzanello Joseacute Francisco de Assis Dias Joseacute Luiz Ragazzi Joseacute Renato Martins Josemar Sidinei Soares Juliana Cordeiro Schneider Julio Pinheiro Faro Jussara Maria Leal de Meirelles

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez

Katiucia Boina Leonardo Vieira Wandelli Lilian Maacutercia Balmant Emerique Lucas Abreu Barroso Lucas Catib de Laurentiis Lucas Gonccedilalves da Silva Luciana Costa Poli Luciana Fernandes Berlini Luciene Dal Ri Luis Fernando Sgarbossa Luiz Claudio Arauacutejo Coelho Luiz Eduardo Anesclar Luiz Ricardo Guimaraes Maraluce Maria Custodio Marcelo Lamy Marcelo Sant Anna Vieira Gmes Maacutercia Jucaacute Teixeira Diniz Maacutercio Pugliesi Marco Aureacutelio Marrafon Marcos Alves da Silva

Marcos Augusto Maliska Marcos Catalan Marcus Firmino Santiago Margareth Anne Leister Margareth Vetis Zaganelli Maacuterio Ferreira Neto Martinho Martins Botelho Mateus de Oliveira Fornasier Micheli Pereira Miguel Calmon Teixeira de Carvalho Dantas Monica Bonetti Couto Mocircnica Helena Harrich Silva Goulart Murilo Melo Vale Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi Nina Tricia Disconzi Rodrigues Paulo Ricardo Schier Paulo Seacutergio da Silva Rafael Silveira e Silva Ricardo Aronne

Ricardo Carneiro Neves Juacutenior Rodrigo Fortunato Goulart Ronaldo Lindimar Joseacute Marton Samantha Ribeiro Meyer Pflug Sandra Sereide Ferreira da Silva Sebastiatildeo Neto Ribeiro Guedes Simone Tassinari Cardoso Sonia Barroso Brandatildeo Soares Sulamita Crespo Carrilho Machado Tiago Resende Botelho Tuacutelio Lima Vianna Tuacutelio Lima Vianna Valeacuteria Cristina Pereira Furlan Valeacuteria Silva Galdino Cardin Vanessa Oliveira Batista Berner

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez

EDITORIAL

A Seacutetima ediccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional continua o projeto editorial de oferecer agrave comunidade acadecircmica e ao puacuteblico leitor instigantes e inovadoras anaacutelises dos mais correntes temas de direito constitucional

Nesta ediccedilatildeo temos em destaque dois trabalhos sobre desenvolvimento O artigo submetido pela professora Patriacutecia Galvatildeo Ferreira pesquisadora da Cadeira Nabuco em estudos brasileiros na Universidade de Stanford nos apresenta a construccedilatildeo da literatura do chamado movimento direito e desenvolvimento e suas ideias primordiais Igualmente o trabalho enviado por Adriano Martinelli aborda o regime juriacutedico do direito humano fundamental ao desenvolvimento

Dois outros trabalhos apresentam interessantes perspectivas do direito ambiental Um efetiva estudo comparado com o constitucionalismo equatoriano sob a perspectiva do direito das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sadio O segundo aponta as interaccedilotildees entre o novo constitucionalismo e a efetivaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Outro importante eixo eacute referente agrave efetivaccedilatildeo dos direitos constitucionais nas suas variadas modalidades Temos aqui um trabalho sobre constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e direitos sociais fundamentais reserva do possiacutevel e miacutenimo existencial e a proteccedilatildeo do trabalho na constituiccedilatildeo de 1988

Os uacuteltimos trabalhos tratam de interessantes temas dentro da perspectiva constitucional Aqui temos estudos sobre a adoccedilatildeo internacional sobre a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos e fornecimento de medicamentos pelo Estado

Continuamos assim nossa meta editorial de difusatildeo do pensamento constitucional de ponta e o fomento ao debate acadecircmico

Ilton Norberto Robl Filho

Editor Responsaacutevel da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Rafael dos Santos Pinto

Editor Assistente da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 271

SUMAacuteRIO

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL Caacutessia Cristina Moretto da Silva 274

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo E GOVERNANCcedilA GLOBAL

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE Patriacutecia Galvatildeo Ferreira 302

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES Marianna de Queiroz Gomes 350

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION Daniela Richter Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso 376

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE Adriano Justi Martinelli 401

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION Caroline Alessandra Taborda dos Santos 439

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM Vitor Soliano 448

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 272

Sumaacuterio

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE Robson de Vargas 488

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME Luiacutes Henrique Bortolai Juliane Cavalcanti Pereira 507

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY Lucas Daniel Ferreira de Souza 528

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS 547

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba vol 4 2012 n 7 Jul-Dez 273

Caacutessia Cristina Moretto da Silva

A PROTECcedilAtildeO AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988 E A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO

FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA NO BRASIL1

LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL

Caacutessia Cristina Moretto da Silva2

Resumo O direito do trabalho recebeu especial atenccedilatildeo por parte do legislador

constituinte brasileiro de 1988 Observa-se que a proteccedilatildeo ao trabalho trata-se de uma construccedilatildeo histoacuterica seja no contexto mundial ou no Brasil sendo que as primeiras regras em mateacuteria trabalhista datam do seacuteculo XIX De outra parte natildeo foram poucos os acontecimentos que vieram a repercutir de forma substancial no regramento trabalhista contemporacircneo tanto no seu surgimento propriamente dito como na sua configuraccedilatildeo atual A flexibilizaccedilatildeo das regras trabalhistas fenocircmeno contemporacircneo e inerente agrave condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se como de especial interesse agrave esfera laboral Assim o presente trabalho propotildee-se a estudar o surgimento do direito do trabalho analisar as principais regras que tem por objeto a tutela ao labor humano bem como compreender o regramento trabalhista exposto na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 especialmente no que refere agrave adoccedilatildeo do permissivo constitucional agrave flexibilizaccedilatildeo das leis do trabalho Para tanto utilizou-se o meacutetodo de revisatildeo bibliograacutefica e legislativa justificado pelo contexto que ensejou a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Palavras-Chave Direito do Trabalho Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Flexibilizaccedilatildeo Poacutes-modernidade

Abstract Labor Law received special attention from the constitutional legislator of

1988 Labor protection is a historical construction be it in a worldwide context or localy in Brazil As the first rules related to labor derive from the XIX century on the other hand there were many events that substantially influenced the development of the contemporary labor law both on its emergence and on its current configuration The easing of labor laws a contemporary phenomenon part of the postmodern condition is presented as being in laborrsquos particular interest This article aims to

1 Artigo submetido em 061212 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 10072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 05082013

2 Mestre em Cultura e Sociedade Diaacutelogos Interdiciplinares E-mail ltcassiamorettohotmailcomgt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 274

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

study the emergence of labor law analyze its main rules that intends to protect human labor as well as to understand the regulations exposed in the Federal Constitution of 1988 specially the ones that refer to the adoption of the constitutional permissive of labor laws Therefore the method used is a legislative and bibliographic review justified by the context that made the inserting of the flexible element possible in the Federal Constitution of 1988

Keywords Labor Law Brazilian Federal Constitution of 1988 Flexibility Post-modernism

INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo busca analisar o tratamento dedicado agrave proteccedilatildeo ao trabalho pelo legislador constitucional de 1988 bem como suas implicaccedilotildees especialmente no que se refere agrave permissatildeo da adiccedilatildeo de praacuteticas flexibilizadoras das condiccedilotildees de trabalho no Brasil

Sabe-se que a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel nas diversas relaccedilotildees sociais apresenta-se como uma das caracteriacutesticas da poacutes-modernidade e tambeacutem o direito de trabalho como um produto histoacuterico marcado pelos conflitos existentes entre os empregados e empregadores mediados pela instituiccedilatildeo estatal e pela atuaccedilatildeo das entidades sindicais Nesse contexto a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como importante tema do direito do trabalho e por isso merecedor de uma anaacutelise detalhada

Assim inicia-se o presente artigo com uma pequena incursatildeo sobre a formaccedilatildeo histoacuterica do direito do trabalho no mundo e no Brasil especialmente no que se refere a sua tutela constitucional na sequecircncia foca-se a configuraccedilatildeo do trabalho na poacutes-modernidade para em seguida compreender-se a inserccedilatildeo do elemento flexiacutevel na esfera trabalhista tomando-se como referencial o texto legal da Carta Magna brasileira de 1988

1 O REGRAMENTO JURIacuteDICO DO TRABALHO ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS

Cabe aqui destacar que o direito do trabalho tem o marco de seu surgimento

nos seacuteculos XIX e XX Por isso a anaacutelise engendrada nesta seccedilatildeo tem por

finalidade situar de forma histoacuterica e cronoloacutegica o surgimento do direito do trabalho

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no contexto mundial para na sequecircncia verificar a tutela dada pelo Brasil ao

trabalho Sem objetivo de se esgotar tal temaacutetica em face a proacutepria complexidade

da mesma seratildeo pontuados os principais acontecimentos histoacutericos sociais

vivenciados de forma correlacionada com o surgimento e desenvolvimento do

regramento trabalhista

Assim embora as relaccedilotildees de trabalho natildeo disponham de um marco histoacuterico especiacutefico que denotem o momento exato de seu surgimento sabe-se que o homem sempre necessitou empreender suas forccedilas humanas para garantir sua sobrevivecircncia

Para Glaucia Barreto a ldquoorigem do trabalho coincide com a origem do mundordquo (BARRETO 2008 p 01) jaacute que se podem visualizar as primeiras relaccedilotildees de trabalho nos tempos biacuteblicos quando da criaccedilatildeo do mundo presente no livro Gecircnesis Adatildeo come do fruto proibido e recebe de Deus o trabalho como puniccedilatildeo

Relatos histoacutericos apontam que as primeiras relaccedilotildees de trabalho durante a Antiguidade (especialmente Greacutecia e Roma) ocorreram com base na escravidatildeo momento que ao escravo natildeo cabia nenhum direito eis que era tratado como objeto de troca Remonta a esse momento histoacuterico a origem da palavra trabalho Tal expressatildeo tem suas raiacutezes na expressatildeo latina ldquotripaliumrdquo - instrumento utilizado entre os romanos para fazer referecircncia a um dispositivo empregado agrave tortura de escravos

Mais tarde na Idade Meacutedia o trabalho escravo foi substituiacutedo pelo trabalho servil momento em que o servo era obrigado a trabalhar para o senhor feudal em troca de sua subsistecircncia e proteccedilatildeo pessoal

Com o fim da Idade Meacutedia e o iniacutecio da Idade Moderna as transformaccedilotildees ocorridas nas relaccedilotildees sociais e o desenvolvimento do mercantilismo fomentaram-se as primeiras manifestaccedilotildees do trabalho livre

Poreacutem foi com a Revoluccedilatildeo Industrial de modo especial a partir do seacuteculo XVIII e XIX quando os meios de produccedilatildeo passaram a se concentrar nas unidades fabris que o trabalho livre se desenvolveu de forma plena

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

A invenccedilatildeo de maacutequinas e consequentemente o seu emprego em faacutebricas acabou por inovar a metodologia laboral fazendo surgir uma nova relaccedilatildeo binomial quando o assunto eacute trabalho a relaccedilatildeo entre patrotildees e trabalhadores assalariados

Como a matildeo de obra era farta provinda das fontes mais diversas como camponeses empobrecidos e tambeacutem desempregados em razatildeo da automaccedilatildeo as condiccedilotildees de trabalho eram realmente precaacuterias

Homens mulheres e crianccedilas amanheciam e anoiteciam nas faacutebricas praticamente na carecircncia do necessaacuterio a sobrevivecircncia quando natildeo em povoados aos redores destas padecendo diuturnamente com epidemias fome e sem condiccedilotildees ainda que miacutenimas de higiene e saneamento

Delineia-se pois uma figura inovadora e importantiacutessima o proletaacuterio caracterizado por Amauri Mascaro Nascimento como

[] um trabalhador que presta serviccedilos em jornadas que variam de 14 a 16 horas natildeo tem oportunidade de desenvolvimento intelectual habita em condiccedilotildees subumanas em geral nas adjacecircncias do proacuteprio local da atividade tem prole numerosa e ganha salaacuterio em troca disso tudo (NASCIMENTO 2005 p 12)

Para Seacutergio Martins ldquoA Revoluccedilatildeo Industrial acabou transformando o trabalho em emprego Os trabalhadores de maneira geral passaram a trabalhar por salaacuterios Com a mudanccedila houve uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga a ser desconsideradardquo (MARTINS 2005 p 39)

Eacute justamente neste momento histoacuterico que se evidencia o marco do nascimento do Direito do Trabalho qual seja a sistematizaccedilatildeo do trabalho livre e subordinado como bem destaca Mauriacutecio Godinho Delgado

O Direito Trabalho eacute pois produto cultural do seacuteculo XIX e das transformaccedilotildees econocircmico-sociais e poliacuteticas ali vivenciadas Transformaccedilotildees todas que colocam a relaccedilatildeo de trabalho subordinado como nuacutecleo motor do processo produtivo caracteriacutestico daquela sociedade (DELGADO 2007 p 86)

Karl Korsch (1980) em sua obra intitulada Lutas de Classe e Direito do

Trabalho tambeacutem relaciona o histoacuterico do direito coletivo do trabalho com o citado momento histoacuterico ao destacar Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 277

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A la eacutepoca de la constitucioacuten feudal-patriarcal del trabajo propia de la Edad Media y de los comienzos de La Edad Moderna en la que la mayoriacutea de los trabajadores industriales y agriacutecolas careciacutean todavia ndash total ou parcialmente ndash de liberdad le sigue alrededor de 1800 la eacutepoca de la constitucioacuten capitalista del trabajo caracterizada por la total falta de derechos del asalariado personalmente libre tanto en la empresa como en la totalidad de la economia (KORSCH 1980 p 103)3

Logo ao direito do trabalho deu-se a missatildeo de regrar a relaccedilatildeo entre

empregados e empregadores com vista a estabelecer determinadas condiccedilotildees

baacutesicas e obrigatoacuterias quando se falam em relaccedilotildees laborais Fruto portanto de

uma sociedade que passou a adotar um modo de produccedilatildeo que necessitava de

matildeo-de-obra humana em larga escala na qual o Estado foi chamado a intervir de

modo a assegurar aos trabalhadores determinadas condiccedilotildees de trabalho

Nesse sentido tambeacutem escreve Rodrigo Carelli ao destacar ldquoO Direito do Trabalho nasce em um momento iacutempar da histoacuteria da civilizaccedilatildeo fruto direto da alta exploraccedilatildeo dos trabalhadores e como meio de sustentaccedilatildeo do status quo diante das ameaccedilas mais diretas agrave propriedade privadardquo (CARELLI 2011 p 60) Nota-se em suas palavras que natildeo se pode ignorar que as concessotildees feitas aos trabalhadores vieram de certa forma a permitir que as relaccedilotildees de produccedilatildeo capitalistas tiacutepicas do fim do seacuteculo XIX e do seacuteculo XX em especial pudessem manter-se

Observa-se desse momento em diante o surgimento das primeiras leis e tinham por objeto proteger o trabalho leis que foram fruto da interferecircncia do Estado na relaccedilatildeo estabelecida entre patrotildees e empregados na mediaccedilatildeo da relaccedilatildeo estabelecida entre proletaacuterios e empregadores

Na Inglaterra publicou-se a Lei de Peel (1802) cujo escopo era proteger o trabalho daqueles que aprendiam uma profissatildeo no acircmbito dos moinhos Limitou-se tambeacutem a jornada de trabalho a 12 horas diaacuterias excluiacutedo o intervalo para alimentaccedilatildeo Estabeleceu-se o periacuteodo em que a jornada de trabalho deveria se

3 Traduccedilatildeo do trecho escrito por Karl Korsch ldquoA eacutepoca da constrituiccedilatildeo do trabalho feudal-patriarcal proacutepria da Idade Meacutedia e do iniacutecio da idade Moderna na que a maioria dos trabalhadores industriais e agriacutecolas ainda careciam - total ou parcialmente - da liberdade segue-se em torno de 1800 o momento da constituiccedilatildeo do trabalho capitalista caracterizada pela total falta de direito do assalariado pessoalmente livre tanto nas empresas como na totalidade da economiardquo (KORSCH 1980 p 103)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

desenvolver isto eacute das 06 horas agraves 21 horas Passou-se a se observar a ediccedilatildeo de regras que protegiam a educaccedilatildeo e a higiene no ambiente de trabalho

Na Franccedila o labor de menores em minas foi proibido em 1813 Em 1814 proibiu-se o trabalho em domingos e feriados Em 1839 na sequecircncia foram expedidas regras com o objetivo de demarcar o iniacutecio da vida laboral humana vedando-se o exerciacutecio de atividade laboral pelo menor de 09 anos de idade e limitando-se a jornada de trabalho do menor entre 09 anos e 16 anos a 10 horas diaacuterias

Nota-se neste cenaacuterio que o trabalho se configura como verdadeira mercadoria sujeita agraves leis do mercado econocircmico de maneira que os trabalhadores muitas vezes submetiam-se a condiccedilotildees degradantes de trabalho em busca de sua sobrevivecircncia Haacute que se mencionar ainda que a elaboraccedilatildeo das primeiras regras em direito do trabalho evidenciaram o nascimento da tutela juriacutedica do trabalho e igualmente evidenciar o surgimento do direito do trabalho

Mas foi com o teacutermino da Primeira Guerra Mundial com um movimento denominado de Constitucionalismo Social que as primeiras regras sociais passaram a ser incorporadas nas diferentes Constituiccedilotildees dos paiacuteses Houve a inserccedilatildeo nas Constituiccedilotildees de ldquo[] preceitos relativos agrave defesa social da pessoa de normas de interesse social e de garantia de certos direitos fundamentais incluindo o direito do trabalhordquo (MARTINS 2005 p 42) conforme Seacutergio Pinto Martins esclarece

A primeira Constituiccedilatildeo a inserir a temaacutetica da proteccedilatildeo ao trabalho foi a do Meacutexico de 1917 Tal legislaccedilatildeo previu a limitaccedilatildeo da jornada de trabalho a 8 horas diaacuterias proibiu o trabalho de menores de 12 anos limitou a jornada de trabalho dos menores de 16 anos a 6 horas diaacuterias limitou a jornada noturna a 7 horas estabeleceu a concessatildeo de descanso remunerado ao trabalhador e ainda previu algumas regras relacionadas agrave proteccedilatildeo agrave maternidade ao salaacuterio miacutenimo ao direito do trabalhador sindicalizar-se e fazer greves agrave indenizaccedilatildeo no caso de dispensa seguro social e proteccedilatildeo contra acidentes de trabalho

A Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de Weimar de 1919 trouxera tambeacutem regras de

cunho trabalhista nas palavras de Seacutergio Pinto Martins tal documento ldquo[]

Disciplinava a participaccedilatildeo dos trabalhadores nas empresas autorizando a liberdade

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de coalizaccedilatildeo dos trabalhadores tratou tambeacutem da representaccedilatildeo dos

trabalhadores na empresas []rdquo (MARTINS 2005 p 42) E mais o referido diploma

legal estabeleceu o sistema de seguro social e permitiu que empregados ajudassem

os empregadores a definir aspectos relativos agrave contrataccedilatildeo como a fixaccedilatildeo de

salaacuterios

No mesmo ano o Tratado de Versalhes previu a criaccedilatildeo da OIT ndash

Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho que passou a ter por missatildeo salvaguardar as

relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores no cenaacuterio internacional

atraveacutes da ediccedilatildeo de convenccedilotildees e recomendaccedilotildees sobre a proteccedilatildeo ao labor

humano

Na Itaacutelia teve-se a elaboraccedilatildeo da Carta Del Lavoro em 1927onde se

instituiu o sistema corporativista-fascista que serviu de base para a criaccedilatildeo de outros

sistemas semelhantes em outros paiacuteses como Portugal Espanha e o Brasil

Conforme esclarece Seacutergio Pinto Martins nesse sistema preponderava o

papel da figura estatal

O Estado interferia nas relaccedilotildees entre as pessoas com o objetivo de poder moderador e organizador da sociedade Nada escapava a vigilacircncia do Estado nem ao seu poder O Estado regulava praticamente tudo determinando o que seria melhor para cada um organizando a produccedilatildeo nacional [] (MARTINS 2005 p 42)

A Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem expedida em 1948 que

consistiu em uma recomendaccedilatildeo aos povos que adotassem determinadas garantias

fundamentais inerentes agrave figura humana previu dentre essas garantias vaacuterios

preceitos de cunho trabalhista como limitaccedilatildeo da jornada de trabalho descanso

remunerado e perioacutedico proteccedilatildeo agrave sauacutede e higiene do trabalhador entre outros

direitos

Assim progressivamente durante o seacuteculo XX os paiacuteses foram inserindo

em seus ordenamentos juriacutedicos especialmente em suas Constituiccedilotildees normas de

caraacuteter trabalhistas com o objetivo uacuteltimo de assegurar ao trabalhador as garantias

miacutenimas ao exerciacutecio laboral

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

2 A FORMACcedilAtildeO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

O Brasil descoberto em 1500 por Portugal vivenciou um processo de colonizaccedilatildeo marcado pela utilizaccedilatildeo da matildeo de obra escrava As primeiras constituiccedilotildees brasileiras trataram basicamente do modelo estatal adotado e das formas de organizaccedilatildeo e exerciacutecio dos poderes Por isso o surgimento da normatizaccedilatildeo trabalhista no Brasil teve como pressuposto dois acontecimentos de suma importacircncia a aboliccedilatildeo da escravatura e a proclamaccedilatildeo da repuacuteblica

A Constituiccedilatildeo Imperial de 1824 documento no qual se notam algumas regras que tiveram por objeto a atividade laboral humana tratou de proibir a organizaccedilatildeo de corporaccedilotildees de ofiacutecio proporcionando o livre exerciacutecio do trabalho

Apoacutes esta constituiccedilatildeo foram promulgadas algumas leis esparsas que detinham como pano de fundo as relaccedilotildees laborais como a Lei 396 e a Lei 1846 que estabeleciam algumas limitaccedilotildees agrave admissatildeo de trabalhadores estrangeiros por empresas brasileiras Tambeacutem o Coacutedigo Comercial de 1850 que procurou regular algumas situaccedilotildees especiacuteficas como por exemplo a contrataccedilatildeo de caixeiros

A promulgaccedilatildeo da Lei do Ventre Livre garantiu a liberdade aos filhos de matildees escravas nascidos a partir de 28091871 a Lei Saraiva-Cotegipe de 28091885 conhecida como Lei dos Sexagenaacuterios assegurou o direito agrave liberdade ao escravo maior de 60 anos de idade de forma parcial pois mesmo depois de livre o escravo trabalhava por mais trecircs anos para o seu senhor Trecircs anos mais tarde em 13051888 a Princesa Isabel assinou a lei que aboliu a escravatura no Brasil mais conhecida como Lei Aacuteurea Essa lei eacute considerada por Russomano como ldquoa lei trabalhista mais importante ateacute hoje promulgada no Brasilrdquo (RUSSOMANO 2002 p 30) Tais leis foram de especial relevacircncia neste contexto

O Brasil proclamou a Repuacuteblica em 1889 A Constituiccedilatildeo seguinte de 1891 previu a liberdade de associaccedilatildeo para fins liacutecitos e paciacuteficos cabendo intervenccedilatildeo policial somente quando fosse necessaacuteria a garantia da ordem puacuteblica Data do mesmo ano o Decreto 1313 que objetivou regrar o trabalho de menores de 12 ateacute 18 anos

No ano de 1903 foram instituiacutedos os sindicatos rurais e no de 1907 houve a ediccedilatildeo de uma lei que versou sobre os sindicatos de uma forma geral Em 1916

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publicou-se o Coacutedigo Civil brasileiro que tratava da regulaccedilatildeo das locaccedilotildees de serviccedilos pois ateacute aqui natildeo existiam normas relacionadas agrave regulaccedilatildeo das prestaccedilotildees de serviccedilo de forma especiacutefica Criaram-se na sequecircncia em 1917 o Departamento Nacional do Trabalho pela Lei Mauriacutecio de Lacerda em 1922 em Satildeo Paulo Tribunais Rurais em 1923 com a promulgaccedilatildeo da Lei Eloy Chaves as Caixas de Aposentadorias e Pensotildees e por fim em 1927 o Coacutedigo de Menores que versou sobre a proteccedilatildeo do menor que exercia atividades laborais

Neste momento histoacuterico observa-se a influecircncia das transformaccedilotildees decorrentes da Primeira Guerra Mundial e da criaccedilatildeo da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (1919) de modo a fomentar a criaccedilatildeo de leis que versassem sobre o conteuacutedo trabalhista Para Seacutergio Pinto Martins um dos fatores que contribuiu para o surgimento de regras em mateacuteria trabalhista foi o fato de que ldquo[] Existiam muitos imigrantes no Brasil que deram origem a movimentos operaacuterios reivindicando melhores condiccedilotildees de trabalho e de salaacuterios []rdquo (MARTINS 2005 p 43) No entanto o autor afirma ainda que a poliacutetica trabalhista no Brasil aconteceu de forma plena com o governo de Getuacutelio Vargas na deacutecada de 1930 (MARTINS 2005 p 43)

Para Amauri Mascaro Nascimento notou-se na deacutecada de 30 ldquoa expansatildeo do direito do trabalho em nosso paiacutes como resultado de vaacuterios fatores dentre os quais o prosseguimento das conquistas que jaacute foram assinadas poreacutem com um novo impulso quer no campo poliacutetico quer no legislativordquo (NASCIMENTO 2011 p 98)

O referido autor ressalta o importante papel do governo Vargas para a proacutepria estruturaccedilatildeo do direito do trabalho ao afirmar

Sem discutir os fins visados por Vargas eram de dominaccedilatildeo ou de elevaccedilatildeo das classes trabalhadoras o certo eacute que nesse periacuteodo foi estruturada a ordem juriacutedica trabalhista em nosso paiacutes adquirindo fisionomia que em parte ateacute hoje se manteacutem (NASCIMENTO 2011 p 99)

Assim neste periacuteodo viu-se uma intensa produccedilatildeo de decretos que regraram uma atividade laboral em especiacutefico ou um determinado componente da relaccedilatildeo empregatiacutecia Foram decretos que versavam sobre os seguintes temas instituiccedilatildeo da Carteira Profissional limitaccedilatildeo da duraccedilatildeo da jornada de trabalho para Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 282

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

os que trabalham no comeacutercio nas induacutestrias nas farmaacutecias nas casas de diversotildees nas casas de penhores nos bancos e casas bancaacuterias nos transportes na educaccedilatildeo entre outros

Em 1932 foi expedido o decreto que dispocircs sobre o trabalho feminino em 1936 o decreto que teve por finalidade estabelecer o salaacuterio miacutenimo e em 1939 via decreto mais uma vez criou-se a Justiccedila do trabalho

3 A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DOS PRECEITOS TRABALHISTAS NAS PRIMEIRAS CONSTITUICcedilOtildeES BRASILEIRAS

A primeira Constituiccedilatildeo brasileira que tratou especificamente do direito do trabalho foi a de 1934 Essa versou basicamente sobre a organizaccedilatildeo dos sindicatos o caraacuteter nacional do trabalho a isonomia salarial o salaacuterio miacutenimo a jornada de oito horas de trabalho a proteccedilatildeo ao trabalho das mulheres e dos menores o repouso semanal as feacuterias anuais remuneradas os acidentes de trabalho as convenccedilotildees coletivas e a Justiccedila do Trabalho

Sobre a mesma Mozart Victor Russomano destaca que essa carta magna absorveu muito das Constituiccedilotildees que a precederam em niacutevel mundial e buscaram incorporar preceitos trabalhistas ao afirmar

A Constituiccedilatildeo de 1934 colocando-se em plano totalmente diverso da Carta de 1891 sendo essencialmente liberal sofreu influecircncia de todas as constituiccedilotildees posteriores agraves Constituiccedilotildees do Meacutexico (1917) e de Weimar (1919) e pocircs ecircnfase nas normas econocircmico-sociais (RUSSOMANO 2002 p 32)

Na sequecircncia teve-se a Constituiccedilatildeo de 1937 que incorporou muito da ideologia nazista e fascista que se apresentavam em expansatildeo na Europa por isso viu-se o florescimento de vasta legislaccedilatildeo trabalhista durante sua vigecircncia que para Russomano tinham ldquo[] inclusive o intuito poliacutetico de seduzir e aliciar as grandes massas operaacuterias em torno do poder constituiacutedordquo (RUSSOMANO 2002 p 32)

Seacutergio Martins esclarece com propriedade o sistema sindical instituiacutedo na Constituiccedilatildeo de 1937 inspirado na Carta Del Lavoro de 1917 e na Constituiccedilatildeo Polonesa ao afirmar

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[] A Constituiccedilatildeo de 1937 instituiu o sindicato uacutenico imposto por lei vinculado ao Estado exercendo funccedilotildees delegadas de poder puacuteblico podendo haver intervenccedilatildeo estatal em suas atribuiccedilotildees Foi criado o imposto sindical como uma forma de submissatildeo das entidades de classe ao Estado pois este participava do produto de sua arrecadaccedilatildeo (MARTINS 2005 p 44)

Data de 1ordm de maio de 1943 a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) legislaccedilatildeo que trouxe a reuniatildeo das disposiccedilotildees trabalhistas ateacute entatildeo dispersas em decretos para um diploma legal uacutenico Tal legislaccedilatildeo possui suma importacircncia pois veio definitivamente estabelecer regras concretas a serem observadas na relaccedilatildeo estabelecida entre empregadores e empregados estando vigente ateacute o momento embora tenha isso altera em alguns aspectos de seu corpo normativo

Seacutergio Pinto Martins explica a concepccedilatildeo da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho ao afirmar

Existiam vaacuterias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas Houve a necessidade de sistematizaccedilatildeo dessas regras Para tanto foi editado o decreto-lei nordm 5452 de 1943 aprovando a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) O objetivo da CLT foi apenas reunir as leis esparsas existentes na eacutepoca consolidando-as Natildeo se trata de um coacutedigo pois este pressupotildee um Direito novo Ao contraacuterio a CLT apenas reuniu a legislaccedilatildeo existente agrave eacutepoca consolidando-a (MARTINS 2005 p 44)

A CLT brasileira foi concebida em um momento onde o direito do trabalho apresentava-se fragmentado e com lacunas demasiadamente exacerbadas pois cada profissatildeo detinha seu regramento e havia muitos outros profissionais que ficavam agrave margem da legislaccedilatildeo sem nenhuma proteccedilatildeo Por isso a elaboraccedilatildeo da citada legislaccedilatildeo representou uma decisatildeo poliacutetica que para Amauri Mascaro Nascimento mostrou-se mais que a mera e ldquosimples compilaccedilatildeo porque embora denominada Consolidaccedilatildeo a publicaccedilatildeo acrescentou inovaccedilotildees aproximando-se de um verdadeiro Coacutedigordquo (NASCIMENTO 2011 103)

De uma breve anaacutelise do referido diploma legal nota-se a continuidade da separaccedilatildeo das mateacuterias de previdecircncia social e de acidentes de trabalho comparadas com as demais regras e tambeacutem a unificaccedilatildeo do direito do trabalho no que se refere especialmente aos trecircs aspectos individual coletivo e processual

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Amauri Mascaro Nascimento destaca ainda que infelizmente a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho natildeo atendeu a todas as expectativas sociais e laborais pois

[] o instrumento de cristalizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas que se esperava A mutabilidade e a dinacircmica da ordem trabalhista exigiam constantes modificaccedilotildees legais como fica certo pelo nuacutemero de decretos decretos-leis e leis que depois foram elaborados alterando-a (NASCIMENTO 2011 p 104)

Contudo haacute que se destacar que a CLT constitui-se em um importante marco normativo do trabalho na medida em que trouxe uma maior seguranccedila juriacutedica agraves relaccedilotildees de trabalho naquele momento histoacuterico e permitiu a expansatildeo do trabalho livre remunerado e subordinado mediante as regras proacuteprias e aptas a disciplinar as relaccedilotildees de trabalho em seus aspectos mais gerais

A Constituiccedilatildeo seguinte datada do ano de 1946 por sua vez restabeleceu o regime democraacutetico no Brasil e rompeu com o sistema corporativo previsto na Constituiccedilatildeo anterior Observou-se a repeticcedilatildeo de alguns direitos outrora concebidos aos trabalhadores bem como a instituiccedilatildeo da participaccedilatildeo dos trabalhadores nos lucros do repouso semanal remunerado da previsatildeo da estabilidade e tambeacutem foi assegurado ao trabalhador o direito agrave greve A Justiccedila do trabalho foi incorporada ao rol dos oacutergatildeos que compunham Justiccedila Federal

Acrescenta Mozart Victor Russomano mais algumas inovaccedilotildees legislativas datadas do citado periacuteodo a saber

[] Nessa Linha Evolutiva trecircs fatos merecem registro especial a) a promulgaccedilatildeo da Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social com a uniformizaccedilatildeo legislativa nessa mateacuteria e a unificaccedilatildeo dos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensotildees INPS b) a promulgaccedilatildeo do Estatuto do Trabalhador Rural e da legislaccedilatildeo complementar c) a integraccedilatildeo do seguro contra acidentes do trabalho no sistema de Previdecircncia Social (RUSSOMANO 2002 p 33)

A partir de 1964 o Brasil passou a reformular sua poliacutetica econocircmica mediante a adoccedilatildeo de algumas metas prioritaacuterias que se refletiram de forma muito acentuada na legislaccedilatildeo trabalhista Houve a instituiccedilatildeo de uma ldquopoliacutetica salarial de governordquo com o objetivo de normatizar o reajuste de salaacuterios

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Foi justamente no referido momento histoacuterico que se institui o Fundo de Garantia do Tempo de Serviccedilo (FGTS) atraveacutes da Lei nordm 51071966 com a finalidade captar recursos para subsidiar o sistema habitacional o que acabou por si soacute por se projetar de forma muito acentuada nas relaccedilotildees de trabalho especialmente no que se refere agraves indenizaccedilotildees e estabilidades empregatiacutecias

A Constituiccedilatildeo Federal de 1967 por sua vez marcou o recesso do Congresso Nacional e o retorno agrave expediccedilatildeo de decretos-lei o que veio a permitir a criaccedilatildeo de novas leis em sede trabalhista que alteraram e melhoraram o texto da Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho (CLT) Importante mencionar que tal postura estatal expressava o novo regime poliacutetico vivenciado no Brasil naquela eacutepoca a ditadura militar

No que se refere a este momento eacute importante mencionar a ediccedilatildeo da Lei Complementar nordm 7 de 1970 que instituiu o Programa de Integraccedilatildeo Social e da Lei nordm 43301964 que regulou o direito de greve previsto no corpo normativo constitucional

Destaca-se a publicaccedilatildeo da Lei nordm 585972 que tratou inicialmente do trabalho dos empregados domeacutesticos tambeacutem da Lei nordm 588973 que disciplinou o trabalho rural e ainda da Lei nordm 601974 que por sua vez cuidou do trabalho temporaacuterio

Mas neste contexto a norma constitucional contribuiu de forma mais abrangente e positiva com o regramento trabalhista e com o direito do trabalho propriamente dito foi a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 na medida em que afirmou e estendeu o rol de garantias acerca das relaccedilotildees de trabalho e por isso eacute objeto de anaacutelise da proacutexima seccedilatildeo

4 A TUTELA AO TRABALHO NA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Fruto de um processo de redemocratizaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 promulgada em cinco de outubro do mesmo ano alterou por completo o sistema de proteccedilatildeo do direito do trabalho em seu vieacutes constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Notou-se por parte do legislador constituinte uma grande preocupaccedilatildeo em proteger o trabalho especialmente pelo grande nuacutemero de dispositivos constitucionais reservados agrave mateacuteria trabalhista na Carta Magna de 1988 Domingos Saacutevio Zainaghi destaca as novidades trazidas na atual constituiccedilatildeo vigente nos seguintes termos [] ldquoAs principais novidades satildeo feacuterias remuneradas com um terccedilo a mais direitos dos empregados domeacutesticos licenccedila paternidade FGTS ampliaccedilatildeo do prazo prescricional para a cobranccedila de creacuteditos trabalhistas para cinco anos etcrdquo (ZAINAGHI 2011 p 07)

O direito do trabalho individual estaacute regrado a partir do artigo seacutetimo e se estende ateacute o artigo de nuacutemero onze da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (CF) Na sequecircncia empreende-se uma anaacutelise mais acurada dos citados dispositivos constitucionais

Iniciando-se pelo artigo seacutetimo cujo conteuacutedo objetiva estabelecer em que termos a proteccedilatildeo ao trabalho individual aconteceu a partir de 1988 no Brasil Trata-se de um dispositivo bastante extenso e que tem por finalidade apresentar o rol de direitos assegurados aos trabalhadores dos quais se destacam a equiparaccedilatildeo em termos de direito dos trabalhadores urbanos e rurais a proteccedilatildeo a relaccedilatildeo de emprego no que se refere agrave despedida arbitraacuteria a previsatildeo de seguro-desemprego para as situaccedilotildees em que esse resultar de ato involuntaacuterio a institucionalizaccedilatildeo do Fundo de Garantia do tempo de Serviccedilo como regime uacutenico para todos os trabalhadores a estipulaccedilatildeo de salaacuterio miacutenimo a previsatildeo de piso salarial a proteccedilatildeo contra a diminuiccedilatildeo dos salaacuterios salvo negociaccedilatildeo coletiva Aos trabalhadores que recebem por produtividade garante-se o direito a uma remuneraccedilatildeo miacutenima direito ao deacutecimo terceiro salaacuterio previsatildeo de adicional noturno regras de proteccedilatildeo ao salaacuterio em razatildeo de sua natureza alimentar direito agrave participaccedilatildeo nos lucros e na gestatildeo da empresa direito ao salaacuterio-famiacutelia limitaccedilatildeo das jornadas previsatildeo do repouso semanal remunerado devendo este acontecer preferencialmente aos domingos direito agrave remuneraccedilatildeo superior pela hora-extra efetuada direito agraves feacuterias anuais remuneradas e acrescidas de 13 direito agrave licenccedila agrave gestante e licenccedila-paternidade proteccedilatildeo especial ao trabalho da mulher aviso preacutevio e proporcional ao tempo de serviccedilo proteccedilatildeo agrave sauacutede seguranccedila e higiene do trabalho previsatildeo de adicional para atividades laborais de risco direito agrave

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

aposentadoria para todos os trabalhadores proteccedilatildeo agrave crianccedila reconhecimento de acordos e convenccedilotildees coletivas proteccedilatildeo ao trabalho em razatildeo da automaccedilatildeo seguro contra acidentes de trabalho extensivo a todos os trabalhadores da organizaccedilatildeo empresarial previsatildeo de prazos prescricionais para ajuizamento de reclamatoacuterias trabalhistas e cobranccedila de haveres laborais proteccedilatildeo contra discriminaccedilatildeo no que se refere ao trabalhador portador de algum tipo de deficiecircncia proteccedilatildeo contra tratamento diferenciado agraves diferentes modalidades de trabalho trabalho manual trabalho teacutecnico e trabalho intelectual previsatildeo de proteccedilatildeo ao trabalho desenvolvido pelo menor de 18 anos equiparaccedilatildeo entre os trabalhadores dotados de viacutenculo empregatiacutecio e o trabalhador avulso atribuiccedilatildeo de garantias baacutesicas ao trabalhador domeacutestico4

Na sequecircncia no artigo oitavo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 nota-se o cuidado do legislador constituinte em assegurar o direito de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores bem como estabelecer algumas premissas para a instituiccedilatildeo legiacutetima dessas organizaccedilotildees

Observa-se sobretudo que no artigo oitavo a consagraccedilatildeo constitucional da liberdade de associaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores de forma desvinculada agrave autorizaccedilatildeo do Estado vedando-se inclusive a intervenccedilatildeo e a interferecircncia estatal nessas organizaccedilotildees Haacute tambeacutem a adoccedilatildeo do sistema sindical uacutenico que consiste no fato de que em uma mesma base territorial natildeo seja possiacutevel a instituiccedilatildeo de mais de um sindicato que busque salvaguardar os interesses de uma mesma categoria profissional Daacute-se ao sindicato a missatildeo de defender no acircmbito judicial ou no acircmbito administrativo os interesses da categoria integrada por seus sindicalizados Haacute a institucionalizaccedilatildeo obrigatoacuteria da contribuiccedilatildeo sindical assim como o direito de liberdade de associaccedilatildeo daqueles que pertenccedilam a uma determinada categoria profissional o que significa dizer em uacuteltima anaacutelise que nenhum trabalhador eacute obrigado a filiar-se a qualquer entidade sindical mas eacute sim obrigado a contribuir com o custeio da mesma mediante contribuiccedilatildeo anual definida em assembleia Resta estabelecida a obrigatoriedade da participaccedilatildeo das entidades de associaccedilatildeo

4 Recentemente por intermeacutedio da Emenda Constitucional nordm 722013 estendeu-se aos trabalhadores domeacutesticos todos os direitos assegurados aos demais trabalhadores no acircmbito constitucional

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

profissional coletiva quando da realizaccedilatildeo de negociaccedilotildees coletivas de trabalho Garante-se ao filiado ainda que aposentado a prerrogativa de votar e ser votado nas assembleias sindicais Por fim assegura-se a estabilidade provisoacuteria no emprego isto eacute a proteccedilatildeo contra despedida arbitraacuteria ao empregado que tornar-se dirigente sindical seja titular ou suplente ateacute 01 ano apoacutes o fim de seu mandato

No artigo nono o legislador constituinte se preocupou em garantir o direito de greve aos trabalhadores Vecirc-se que por este dispositivo legal assegura ao trabalhador o direito agrave greve cabendo poreacutem a eles a responsabilidade para avaliarem aos proacuteprios trabalhadores a oportunidade e a conveniecircncia do exerciacutecio deste Foi reservada inclusive a lei especiacutefica o papel de regulamentar o direito de greve tambeacutem a realizaccedilatildeo de serviccedilos ou atividades essenciais ou atendimento de necessidades inadiaacuteveis bem como estabelecer puniccedilatildeo em caso do cometimento de abusos por parte dos grevistas

Por sua vez o artigo deacutecimo tem por objetivo assegurar aos trabalhadores o direito de representaccedilatildeo em oacutergatildeos puacuteblicos colegiados em que sejam discutidos assuntos de interesses profissionais ou previdenciaacuterios

Por fim o artigo onze garante aos trabalhadores que trabalhem em organizaccedilotildees com mais de 200 empregados a eleiccedilatildeo de um representante que trataraacute dos interesses dos empregados de forma direta

Ainda no que se referem aos dispositivos legais elaborados de modo a enfocar a mateacuteria trabalhista menciona-se que nos artigos 111 112 e 113 (CF 1988) o legislador constituinte tratou da Organizaccedilatildeo da Justiccedila do Trabalho bem como estabeleceu a competecircncia dos oacutergatildeos que integram a Justiccedila do trabalho nos artigos 114 115 e 116 Desses dispositivos constitucionais nota-se que compotildeem a Justiccedila do Trabalho no Brasil os Juiacutezes do trabalho os Tribunais Regionais do Trabalho Assim como o Tribunal Superior do Trabalho o qual eacute competente em julgar as seguintes accedilotildees demandas advindas da relaccedilatildeo de trabalho em geral processos que envolvam o exerciacutecio do direito de greve os litiacutegios resultantes da accedilatildeo das entidades coletivas que representam os trabalhadores (sindicatos) as accedilotildees resultantes da aplicaccedilatildeo dos remeacutedios constitucionais ndash mandados de seguranccedila habeas corpus e habeas data ndash quando se referirem agraves questotildees pertinentes ao trabalho todas as situaccedilotildees conflituosas que pairarem sobre os

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proacuteprios juiacutezos trabalhistas referidos agrave competecircncia desses todas as accedilotildees envolventes agraves indenizaccedilotildees por danos patrimoniais ou por dano moral em decorrecircncia das relaccedilotildees de trabalho demandas oriundas de fiscalizaccedilatildeo trabalhista accedilotildees relativas agrave cobranccedila de contribuiccedilotildees sociais enfim todas as controveacutersias originadas nas relaccedilotildees trabalhistas conforme as leis vigentes

Joseacute Afonso da Silva explica com muita propriedade o significado do reconhecimento dos direitos trabalhistas sob o ponto de vista de sua eficaacutecia no corpo normativo constituinte de 1988 ao afirmar

Satildeo direitos dos trabalhadores os enumerados nos incisos do art 7ordm aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social Temos assim direitos expressamente enumerados e direitos simplesmente previstos Dos enumerados uns satildeo imediatamente aplicaacuteveis outros dependem de lei para sua efetivaccedilatildeo praacutetica [] (SILVA 2003 p 288)

O mesmo autor destaca o caraacuteter imperativo das referidas normas ao escrever ldquoAs normas que os definem com eficaacutecia imediata ou natildeo importam em obrigaccedilotildees estatais no sentido de proporcionar aos trabalhadores os direitos assegurados e programados Toda atuaccedilatildeo em outro sentido infringe-asrdquo (SILVA 2003 p 288) Isso significa dizer que todos os direitos trabalhistas postos na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 precisam ser observados em uma relaccedilatildeo de emprego sob pena de ferir o ordenamento juriacutedico vigente

Para Walter Ceneviva o tratamento conferido ao regramento trabalhista pelo legislador constituinte de 1988 [] ldquoembora extenso estaacute longe de ser exaustivo Quando repete conceito incluiacutedo entre direitos e garantias individuais quer acentuar a importacircncia para a comunidade geralrdquo [] (CENEVIVA 2003 p 95) Da afirmaccedilatildeo de Ceneviva destaca-se a importacircncia dos direitos trabalhistas enquanto direitos fundamentais assegurados constitucionalmente inerentes agrave condiccedilatildeo humana

5 A CONDICcedilAtildeO POacuteS-MODERNA E SUA REPERCUSSAtildeO NO MUNDO DO TRABALHO

Atualmente vive-se em uma sociedade marcada pela efemeridade das relaccedilotildees e pela fluidez de paradigmas sujeita agraves mudanccedilas constantes nas conjecturas relacionais e sociais marcada pela instabilidade dos institutos sociais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 290

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Todas essas caracteriacutesticas revelam o caraacuteter preponderante da eacutepoca vivida chamada por muitos como poacutes-moderna e que em muito repercute no mundo do trabalho

No entanto existe um verdadeiro dissenso entre os autores sobre o que os termos poacutes-modernismo e poacutes-modernidade querem significar Sobre esta dificuldade afirma Perry Anderson ldquouma vez que o moderno ndash esteacutetico ou histoacuterico ndash eacute sempre em princiacutepio o que se deve chamar de presente absoluto ele cria uma dificuldade peculiar para a definiccedilatildeo de qualquer periacuteodo posterior que o converteria em um passado relativordquo (Anderson 1999 p 20)

Alguns autores caracterizam a condiccedilatildeo poacutes-moderna como o momento histoacuterico experimentado apoacutes a queda do Muro de Berlim nas sociedades capitalistas Outros pensadores consideram o poacutes-modernismo como uma espeacutecie de reaccedilatildeo agrave sociedade moderna Nesse sentido David Harvey destaca ldquo[] talvez soacute haja concordacircncia em afirmar que o ldquopoacutes-modernismordquo representa alguma espeacutecie de reaccedilatildeo ao ldquomodernismordquo ou de afastamento delerdquo (Harvey 2000 p 19)

Perry Anderson ao fazer uma anaacutelise sobre o emprego da expressatildeo condiccedilatildeo poacutes-moderna afirma que foi Jean-Franccedilois Lyotard quem pioneiramente utilizou-a com o objetivo de identificar a situaccedilatildeo histoacuterica relativa agraves alteraccedilotildees da organizaccedilatildeo da vida humana que se seguiram a modernidade (Anderson 1999 pp32-33)

Veja-se como Angelo Peres caracteriza a poacutes-modernidade

[] na era poacutes-moderna temas como razatildeo sujeito totalidade verdade e progresso satildeo conceitos vazios e em crise A poacutes-modernidade eacute a era do efecircmero do fragmentaacuterio do caoacutetico Na verdade eacute descontiacutenua sempre enfatizando a possibilidade de lidar com a realidade atraveacutes do pensamento racional (PERES 2006 p 02)

Angelo Peres eacute enfaacutetico ao destacar o caraacuteter instaacutevel que permeia a condiccedilatildeo poacutes-moderna

Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl destacam a alteraccedilatildeo da subjetividade humana no contexto da poacutes-modernidade ao escreverem

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As mudanccedilas nas maneiras dos sujeitos compreenderem o contexto na poacutes modernidade transformaram os viacutenculos entre os sujeitos e destes com as praacuteticas culturais que satildeo atividades humanas atribuiacutedas de valores e inscritas em uma determinada sociedade (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 02)

Para as referidas autoras a cultura tem como pressuposto o agir humano em sociedade de modo que na poacutes-modernidade observa-se uma alteraccedilatildeo acentuada nas relaccedilotildees humanas em si repercutindo portanto no elemento subjetivo inerente ao indiviacuteduo Para Fredric Jameson eacute essencial ldquo[] entender o poacutes-modernismo natildeo como um estilo mas como um dominante cultural uma concepccedilatildeo que daacute margem agrave presenccedila e agrave coexistecircncia de uma seacuterie de caracteriacutesticas que apesar de subordinadas umas as outras satildeo bem diferentes (JAMESON 1991 p 29)

Assim eacute interessante notar que a condiccedilatildeo poacutes-moderna apresenta-se marcada notadamente pela fragmentaccedilatildeo pelas complexidades efemeridades e inconstacircncias seja no aspecto individual ou no aspecto coletivo Mostra-se pois como um periacuteodo que trouxe profundas alteraccedilotildees no pensar filosoacutefico artiacutestico e cultural e tambeacutem para o mundo do trabalho na medida em que tecircm no individualismo na ausecircncia de credos medos e na liberdade de expressatildeo do pensamento alguns de seus traccedilos delineadores Ao mesmo tempo utiliza-se das modernas ferramentas tecnoloacutegicas para pulverizar na sociedade informaccedilotildees estimular o consumo desenfreado o que por si soacute acaba por conduzir a ausecircncia de uma identidade definida ou definitiva do homem poacutes-moderno concebido culturalmente a partir da intersubjetividade

No que se refere agrave esfera laboral sobreleva notar que as relaccedilotildees de trabalho experimentaram uma situaccedilatildeo peculiar a inserccedilatildeo do aspecto flexiacutevel em sua configuraccedilatildeo

Para David Harvey a flexibilizaccedilatildeo foi internalizada no acircmbito das relaccedilotildees de trabalho objetivando propiciar a manutenccedilatildeo do sistema capitalista onde a inserccedilatildeo de elemento flexiacutevel acabou por permitir a reorganizaccedilatildeo das estruturais laborais sem que a premissa do lucro atrelado ao capital fosse rechaccedilada (HARVEY 2000 p174-75)

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Vaacuterios fatores influenciaram para a configuraccedilatildeo da flexibilizaccedilatildeo laboral desde a reestruturaccedilatildeo dos meios produtivos passando pelas inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que permitiram propriamente a mundializaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de produtos e serviccedilos

Sobre o trabalho flexiacutevel argumentam ainda Marli Appel-Silva e Kaacutetia Biehl

[] o trabalho flexiacutevel por ser central na maioria da vida dos sujeitos colocou-os sob o risco do desemprego e do fracasso profissional Esse medo do fracasso pode redundar em uma coerccedilatildeo interna que se torna alienante ao sujeito quando causa a ele uma consciecircncia fragmentada com pensamentos que natildeo se associam e uma compreensatildeo simplificada do contexto (APPEL-SILVA e BIEHL 2006 p 14)

O trabalhador poacutes-moderno portanto paulatinamente eacute compelido ao desenvolvimento de multifuncionalidades com vistas a permitir o atendimento dos anseios da sociedade laboral poacutes-moderna Como exemplo de tal processo pode-se citar controle da jornada de trabalho multifacetada minimizaccedilatildeo da figura do liacuteder em prol do trabalho em equipe estabelecimento de mecanismos de avaliaccedilatildeo funcional pautados na produtividade e na diminuiccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo achatamento de salaacuterios e rendimentos e ainda a supervalorizaccedilatildeo das entidades empregadoras

Tudo isso refletiu-se no modo como o direito do trabalho passou a tratar as relaccedilotildees de emprego que se deu ao legislador trabalhista a tarefa de regrar as relaccedilotildees estabelecidas entre empregados e empregadores com a finalidade de minimizar os conflitos entre as classes e principalmente garantir condiccedilotildees baacutesicas ao trabalhador que se viu inserido no contexto poacutes-moderno de forma a dar-lhe maior seguranccedila e certeza na execuccedilatildeo de seu labor

6 A ADOCcedilAtildeO DO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988

Conforme se visualiza ateacute aqui a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tutelou a proteccedilatildeo ao trabalho de forma ampla com vistas a assegurar condiccedilotildees miacutenimas de trabalho agrave classe trabalhadora brasileira Por outro lado vive-se um momento

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

histoacuterico marcado fortemente pela flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees humanas em geral e em que muito se reflete no mundo do trabalho

Conveacutem destacar nesse sentido que o legislador constituinte de 1988 acabou por internalizar essa concepccedilatildeo poacutes-moderna ligada agrave maleabilidade das relaccedilotildees quando inseriu no texto constitucional dispositivos que permitiram a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista no Brasil a saber

Art 7ordm Satildeo direitos dos trabalhadores urbanos e rurais aleacutem de outros que visem agrave melhoria de sua condiccedilatildeo social () VI - irredutibilidade do salaacuterio salvo o disposto em convenccedilatildeo ou acordo coletivo () XIII - duraccedilatildeo do trabalho normal natildeo superior a oito horas diaacuterias e quarenta e quatro semanais facultada a compensaccedilatildeo de horaacuterios e a reduccedilatildeo da jornada mediante acordo ou convenccedilatildeo coletiva de trabalho XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento salvo negociaccedilatildeo coletiva

Nota-se do texto constitucional destacado a admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva com a finalidade de fixar salaacuterios e estabelecer jornada de trabalho de forma diferenciada respeitadas as leis em vigor sobre o assunto

Para Glaucia Barreto trata-se de uma nova fase na qual a autonomia da vontade de empregados e empregadores toma local de destaque no acircmbito das relaccedilotildees jus laborativas local este antes ocupado pelo legislador ndash de forma exclusiva Poreacutem com uma condiccedilatildeo peculiar da preservaccedilatildeo da funccedilatildeo tutelar do Estado com o intuito de se garantir uma proteccedilatildeo legal miacutenima (BARRETO 2008 p 6)

Tem-se como exemplo do processo de flexibilidade atribuiacuteda agraves regras do trabalho a ediccedilatildeo da suacutemula 453 do Tribunal Superior do Trabalho que assim dispotildee

Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociaccedilatildeo coletiva os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento natildeo tem direito ao pagamento da seacutetima e oitava horas como extras

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Tambeacutem como exemplo vale citar o inciso II da Suacutemula 364 igualmente do Tribunal Superior do Trabalho que assim versa

A fixaccedilatildeo do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposiccedilatildeo ao risco deve ser respeitada desde que pactuada em acordos ou convenccedilotildees coletivas

Nos dois exemplos apontados observa-se a condiccedilatildeo de desvantagem ocupada pelo trabalhador que em um primeiro momento se vecirc obrigado a estender sua jornada de trabalho em turnos de revezamento (originariamente limitadas haacute seis horas diaacuterias) sem direito ao recebimento da seacutetima e da oitava horas com adicional de horas extras e no segundo exemplo em que se visualiza a possibilidade de diminuiccedilatildeo do percentual do adicional de periculosidade de forma proporcional agrave exposiccedilatildeo do mesmo ao perigo

O ponto central da discussatildeo aqui proposta eacute a avaliaccedilatildeo sobre em que medida a condiccedilatildeo mais maleaacutevel admitida perante a legislaccedilatildeo trabalhista beneficia a classe trabalhadora pois essa surge com o intuito de afastar o rigorismo legal tantas vezes apontado como o vilatildeo do desemprego e da falta da oferta de novos postos de trabalho poreacutem paradoxalmente acaba por rechaccedilar a aplicaccedilatildeo de direitos inerentes a condiccedilatildeo do trabalhador outrora assegurados

Nesse sentido argumenta Valdete Souza Severo ldquoO problema eacute que a flexibilizaccedilatildeo em si implica a destruiccedilatildeo dessa estrutura riacutegida de direitos fundamentais protegidos por uma loacutegica de proibiccedilatildeo ao retrocessordquo (SEVERO 2008 p 2)

Por outro lado Maria Christina Figueira de Morais destaca a inssustentabilidade de um regramento trabalhista riacutegido frente agraves necessidades da sociedade contemporacircnea

O Direito do Trabalho reclama por reformas profundas como meio de remoccedilatildeo de entraves propiciando sua vocaccedilatildeo maior que eacute a instrumentalidade das formas a flexibilizaccedilatildeo do caraacuteter protecionista excessivo em relaccedilatildeo ao trabalhador e a promoccedilatildeo de uma maior celeridade e justiccedila social desobstruindo inclusive as varas trabalhistas aleacutem de procurar minimizar e suprir as deficiecircncias do sistema adequando-o agrave realidade (MORAIS 2008 p 1)

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

Para Andreacutea Marin dos Santos ldquoA flexibilizaccedilatildeo das normas trabalhistas deve ter por escopo a adequaccedilatildeo de seus conteuacutedos agrave realidade faacutetica das relaccedilotildees empregatiacutecias e natildeo a mitigaccedilatildeo de direitos trabalhistas sob o mote do ldquonegociado sobre o legisladordquo (SANTOS 2004 p 1)

Observa-se que a verdadeira discussatildeo impera sobre a flexibilizaccedilatildeo trabalhista concebida como poliacutetica puacuteblica estatal engendrada na qual objetiva-se a adequaccedilatildeo das leis agraves necessidades sociais de uma economia neoliberal de um mundo globalizado no contexto da poacutes-modernidade com a finalidade da mitigaccedilatildeo dos conflitos entre a classe dos trabalhadores e dos empregadores

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

De todo o exposto pode-se concluir que a legislaccedilatildeo trabalhista apresenta-se como ferramenta de intervenccedilatildeo puacuteblica estatal objetivando regrar o trabalho livre subordinado e remunerado Tudo isso com o objetivo uacuteltimo de assegurar aos trabalhadores direitos baacutesicos e inerentes a sua condiccedilatildeo

Embora natildeo se possa mencionar com exatidatildeo desde quando o homem trabalha as primeiras regras trabalhistas somente surgiram no contexto mundial no fim do seacuteculo XIX e no iniacutecio do seacuteculo XX como forma de se amenizarem muitos dos conflitos estabelecidos entre a classe operaacuteria e os detentores dos modos de produccedilatildeo

O Estado brasileiro produziu suas primeiras normas em mateacuteria trabalhista especialmente a partir do ano de 1930 com o surgimento do Ministeacuterio do Trabalho Induacutestria e Comeacutercio durante o governo de Getuacutelio Vargas Desde entatildeo experimentou-se em terras brasileiras uma intensa produccedilatildeo normativa sobre esta temaacutetica seja com o objetivo de regulamentar as profissotildees existentes ou no sentido de se assegurarem garantias miacutenimas aos trabalhadores

Naquele momento histoacuterico a legislaccedilatildeo trabalhista visava reger de forma absoluta as relaccedilotildees de emprego de modo imperativo e categoacuterico dessa forma natildeo era considerado vaacutelido o exerciacutecio da autonomia da vontade das partes (Empregador X Empregado) decidirem sobre quaisquer dos direitos afetos ao exerciacutecio empregatiacutecio Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 274-301 296

A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Com o fenocircmeno da globalizaccedilatildeo somado agrave adoccedilatildeo de praacuteticas neoliberais e ao aumento da taxa de desemprego de modo especial nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX tem-se um novo marco nas relaccedilotildees de trabalho a flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista

A flexibilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo trabalhista de uma forma geral pode ser entendida como um processo segundo o qual o Estado permite que as normas do trabalho sejam adaptadas agraves condiccedilotildees de trabalho presentes em uma determinada situaccedilatildeo concreta a partir de negociaccedilatildeo coletiva estabelecida entre o empregador e o sindicato da categoria profissional em que o empregado estaacute inserido

Caracteriza-se como uma postura adotada pelo Estado brasileiro

contemporacircnea na medida em que surge com o intuito maior de fomentar a geraccedilatildeo

de emprego priorizar a manutenccedilatildeo de postos de trabalho e diminuir a

informalidade Tudo isso atraveacutes da admissatildeo da negociaccedilatildeo coletiva sobre as

condiccedilotildees do contrato de trabalho (alteraccedilatildeo dos limites legais de duraccedilatildeo da

jornada de trabalho modificaccedilatildeo de valores salariais entre outros)

Tem por escopo dotar as regras trabalhistas de maior adaptabilidade de

modo a rechaccedilar uma recorrente reclamaccedilatildeo da classe empregadora o excessivo

rigorismo das leis do trabalho como entrave ao aumento de contrataccedilotildees formais

Por tais motivos esta postura estatal gerou imensa repercussatildeo no mundo

do trabalho seja sobre as relaccedilotildees sociais estabelecidas no acircmbito da classe

trabalhadora ou no aspecto juriacutedico pois o princiacutepio maacuteximo de proteccedilatildeo a figura do

empregado passa a ser discutido

Em prol do pretendido aumento da proximidade e igualdade entre as partes envolvidas na relaccedilatildeo de trabalho e tambeacutem da diminuiccedilatildeo do rigorismo das leis do trabalho passou-se a observar de outro lado a mitigaccedilatildeo de vaacuterias garantias outrora concedidas aos trabalhadores

Logo diante do conjunto normativo existente no Brasil na atualidade

observa-se que para aleacutem de meramente tutelar interesses dos trabalhadores existe

uma preocupaccedilatildeo recorrente em harmonizar de forma otimizada os diferentes

conflitos advindos muitas vezes da proacutepria relaccedilatildeo estabelecida entre

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

empregadores e empregados A admissatildeo pelo legislador constituinte de 1988 de

instrumentos aptos a possibilitar a flexibilizaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de

trabalho desde que intermediada a negociaccedilatildeo pela entidade coletiva que

representa os trabalhadores mostra-se como uma forma de se tentar ao menos

minimizar possiacuteveis efeitos nocivos a proacutepria classe trabalhadora Ao mesmo tempo

tal posicionamento estatal fortalece ateacute mesmo os proacuteprios oacutergatildeos classistas

Dentro desse processo tais instituiccedilotildees acabam por se afirmar na defesa dos

interesses de uma determinada categoria

Quando a Carta Magna de 1988 condicionou a validade das negociaccedilotildees

estabelecidas no acircmbito das relaccedilotildees laborais engendradas entre trabalhadores e

empregadores a mediaccedilatildeo realizada pelo sindicato obreiro quis tambeacutem o

legislador evitar possiacuteveis conflitos judiciais e favorecer a composiccedilatildeo coletiva

Dentro da loacutegica que rege o ordenamento juriacutedico paacutetrio e pelo conjunto de

princiacutepios que lhe serve de sustentaacuteculo o que eacute negociado natildeo pode prejudicar o

conteuacutedo das leis pois vigora a supremacia constitucional Dessa forma tudo que

contraria as regras constitucionais apresenta-se como invaacutelido

Nesse contexto ainda que haja o permissivo constitucional apto a

possibilitar a negociaccedilatildeo de determinadas condiccedilotildees de trabalho esta negociaccedilatildeo

natildeo ficou a cargo uacutenico e exclusivo das partes envolvidas mas sujeita a todas as

regras existentes em sede trabalhista no Brasil

Assim a flexibilizaccedilatildeo apresenta-se como realidade na sociedade

contemporacircnea consolida-se na medida em que se constitui no instrumento apto a

ajustar as normas vigentes agraves condiccedilotildees sociais e econocircmicas experimentadas de

forma direta pelos cidadatildeos

Importante se faz neste contexto o entendimento que sob nenhum

argumento a flexibilizaccedilatildeo pode ser utilizada para subtraccedilatildeo de direitos miacutenimos aos

trabalhadores Por isso eacute fundamental o fortalecimento das entidades sindicais e a

accedilatildeo vigilante da justiccedila do trabalho no sentido de coibir abusos e praacuteticas ilegais

sob o argumento flexibilizador

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

REFEREcircNCIAS

ANDERSON Perry As origens da poacutes-modernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 APPEL-SILVA Marli e Biehl Kaacutetia Trabalho na poacutes-modernidade crenccedilas e concepccedilotildees Revista mal-estar e subjetividade Fortaleza V VI nordm 2 p 518-534 set2006 Disponiacutevel em lthttppepsicbvsaludorgscielophpscript=sci_ arttextamppid=S1518-61482006000200011gt Acesso em 01 nov 2011 BARRETO Glaucia Curso de direito do trabalho Niteroacutei Impetus 2008 BRASIL Constituiccedilatildeo (1824) Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brazil de 25 de marccedilo de 1824 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Constituicao Constituicao24htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1891) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicao91htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1934) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogov brccivil_03ConstituicaoConstituicao34htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1937) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03 ConstituicaoConstituicao37htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1946) Constituiccedilatildeo dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao46htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03 ConstituicaoConstituicao67htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1967) Emenda Constitucional nordm 1 de 17 de outubro de 1969 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoEmendas Emc_anterior1988emc01-69htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de1988 de 05 de outubro de 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03ConstituicaoConstituicaohtmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 3353 de 13 de maio de 1888 Declara extinta a escravidatildeo no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LeisLIMLIM3353htmgt Acesso em 17 fev 2013 BRASIL Decreto-Lei nordm 5452 de 1ordm de maio de 1943 Aprova a Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03Decreto-LeiDel5452htmgt Acesso em 04 fev 2013 BRASIL Lei nordm 4330 de 1ordm de junho de 1964 Regula o direito de greve na forma do art 158 da Constituiccedilatildeo Federal Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbr ccivil_03Leis1950-1969L4330htmgt Acesso em 17 fev 2013

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Caacutessia Cristina Moretto da Silva

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A proteccedilatildeo ao trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988

NASCIMENTO Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho histoacuteria e teoria do direito do trabalho relaccedilotildees individuais e coletivas do trabalho 26 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 PERES Angelo Poacutes-modernidade e mercado de trabalho Disponiacutevel em lthttpinternativacombrartigo_rh_09_06htmlgt Acesso em 24 jan 2012 RUSSOMANO Mozart Victor Curso de direito do trabalho 9 ed Curitiba Juruaacute 2002 SANTOS Andreacutea Marin dos A reforma trabalhista garantia ou mitigaccedilatildeo de direitos Jus Navigandi Teresina ano 9 n 189 11 jan 2004 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombrrevistatexto4677 gt Acesso em 11 jun 2011 SEVERO Valdete Souto O mundo do trabalho e a flexibilizaccedilatildeo Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1946 29 out 2008 Disponiacutevel em lthttpjusuolcombr revistatexto11903gt Acesso em 15 jun 2011 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 26 ed Satildeo Paulo Malheiros 2003 ZAINAGHI Domingos Saacutevio Curso de legislaccedilatildeo social direito do trabalho 12 ed Satildeo Paulo Atlas 2001

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

ABRINDO FRONTEIRAS A CONVERGEcircNCIA ENTRE ldquoDIREITO E DESENVOLVIMENTOrdquo

E GOVERNANCcedilA GLOBAL1

OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE

Patriacutecia Galvatildeo Ferreira2

Resumo Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os

Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes3 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo

1 Artigo submetido em 09072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 01112013 Trabalho baseado no Capiacutetulo 3 da tese doutoral ldquoBreaking the Weak Governance Curse Global Regulation and Governance Reform in Resource-Rich Developing Countriesrdquo defendida em 2012 na Faculty of Law da Universidade de Toronto Traduccedilatildeo de Rafael dos Santos-Pinto Revisto e editado pela autora

2 Doutora em direito e desenvolvimento e estudos internacionais pela Universidade de Toronto pesquisadora associada do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro atualmente pesquisadora visitante da FGVDireito Satildeo Paulo ocupou a Caacutetedra Nabuco de Estudos Brasileiros na Universidade de Stanford de Marccedilo a Setembro de 2013 E-mail pgalvaoietsorgbr

3 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma

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com teoacutericos institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Palavras-chave Desenvolvimento Globalizaccedilatildeo Governanccedila

Abstract The last two decades have witnessed the elevation of institutional theories of

development to the forefront of mainstream development studies Exponents of institutional theories recognize that promoting development requires policies to improve physical infrastructure to enhance financial and human capital andor to address geopolitical geographic historical and cultural factors Institutionalists make a compelling case however that investing in the improvement of the institutional or governance framework within developing nations is the most effective way even a pre-requisite to promote development A ldquogood governancerdquo framework according to institutional theorists is key to facilitate the achievement of all development objectives and to address negative disruptions and externalities inherent in the development process

Keywords Development Globalization Governance

INTRODUCcedilAtildeO

Nas uacuteltimas duas deacutecadas as teorias institucionais passaram a dominar os Estudos de Desenvolvimento Os expoentes dessas teorias reconhecem que o desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes depende em menor ou maior medida da existecircncia de niacuteveis miacutenimos de infraestrutura fiacutesica de capital financeiro e humano eou de fatores geopoliacuteticos geograacuteficos histoacutericos e culturais Institucionalistas argumentam de forma convincente no entanto que investir na construccedilatildeo de um soacutelido arcabouccedilo institucional no acircmbito nacional eacute o modo mais eficaz ndash talvez ateacute um preacute-requisito ndash para se promover o desenvolvimento de um paiacutes4 Esse arcabouccedilo de boa governanccedila de acordo com teoacutericos

discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

4 Apesar de largamente utilizados na literatura acadecircmica a definiccedilatildeo de conceitos como ldquogovernanccedilardquo e ldquoinstituiccedilotildeesrdquo estaacute longe de ser consensual existindo inuacutemeras variaccedilotildees para os termos O Banco Mundial define governanccedila como ldquoa maneira pela qual o poder eacute exercido na administraccedilatildeo dos recursos sociais e econocircmicos de um paiacutes visando o desenvolvimento e a capacidade dos governos de planejar formular e programar poliacuteticas e cumprir funccedilotildeesrdquo O conceito que adoto no entanto inclui tambeacutem o poder e atividade regulatoacuterios de atores natildeo-

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

institucionalistas seria a peccedila chave para facilitar eou garantir a concretizaccedilatildeo das diversas estrateacutegias desejadas de desenvolvimento na aacuterea de infraestrutura modernizaccedilatildeo econocircmica e cultural etc Esse arcabouccedilo institucional tambeacutem seria essencial para lidar com as diversas externalidades negativas e as desestruturaccedilotildees socioeconocircmicas que satildeo tambeacutem inerentes ao processo de desenvolvimento

Esse consenso predominante sobre a importacircncia de um soacutelido sistema nacional de governanccedila para garantir desenvolvimento natildeo foi seguido no entanto por um consenso similar sobre o que exatamente caracteriza um bom sistema de governanccedila ou ainda menos sobre quais mecanismos de governanccedila satildeo importantes para quais indicadores de desenvolvimento Alguns autores argumentam que esta ambiguidade teoacuterica e conceitual eacute problemaacutetica a ponto de dissipar o poder elucidativo das teorias institucionais de desenvolvimento (Lecours 2005) A maioria dos estudiosos da aacuterea de desenvolvimento entretanto estaacute engajada em uma agenda construtiva de investigaccedilotildees para decifrar toda uma constelaccedilatildeo de questotildees que foram colocadas pelas teorias institucionais Questotildees como por exemplo o que exatamente se quer dizer por governanccedila como e porque exatamente os paiacuteses vieram a construir sistemas de governanccedila tatildeo distintos como e porque exatamente sistemas de governanccedila sofrem - ou natildeo ndash alteraccedilotildees importantes ao longo do tempo que mecanismos de governanccedila importam para quais objetivos de desenvolvimento e como etc5

O fato da maior parte destas questotildees de pesquisa continuarem sem respostas claras na literatura institucional de desenvolvimento natildeo impediu que nas uacuteltimas deacutecadas houvesse uma proliferaccedilatildeo de iniciativas para a promoccedilatildeo de reformas de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Diversos programas multilaterais e bilaterais de assistecircncia ao desenvolvimento tecircm dado ecircnfase especial a iniciativas para promover boa governanccedila em paiacuteses com um deacuteficit institucional agudo Este natildeo eacute mais o caso do Brasil jaacute que inegavelmente

estatais especialmente quando discorro sobre governanccedila global Dessa forma o conceito se aproxima ao de ldquoinstituiccedilotildeesrdquo lato senso definidas por Veblen como um ldquoconjunto de normas valores regras e sua evoluccedilatildeordquo (Veblen 1983) Ao longo deste artigo eu intercambio os termos governanccedila e instituiccedilotildees de forma imprecisa entendidos no seu sentido mais amplo Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de governanccedila veja Kaufmann amp Kraay 2007 Para uma discussatildeo sobre definiccedilotildees de instituiccedilotildees sob uma perspectiva da ciecircncia poliacutetica veja Lecours 2005

5 Veja por exemplo Fukuyama 2013 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 304

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construiacutemos ao longo do tempo uma densidade institucional razoaacutevel ainda que em muitas aacutereas incompleta imperfeita eou vulneraacutevel Eu me refiro a muitos paiacuteses da Aacutefrica Aacutesia e em menor grau da Ameacuterica Latina Essas iniciativas multilaterais e bilaterais de promoccedilatildeo de boa governanccedila majoritariamente baseadas em acordos de cooperaccedilatildeo teacutecnica ou na imposiccedilatildeo de condicionalidades em programas de empreacutestimos e doaccedilotildees se provaram pouco frutiacuteferas Apesar do alto valor investido o deacuteficit institucional em diversos paiacuteses em desenvolvimento permanece praticamente inalterado

Apesar desse claro recorde negativo em melhorias institucionais ou talvez por causa disso recentemente um nuacutemero crescente de mecanismos regulatoacuterios globais natildeo convencionais estatildeo sendo criados com o objetivo de influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila Exemplos desses mecanismos satildeo as diversas parcerias transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para Transparecircncia das Induacutestrias Extrativas (EITI na sigla em inglecircs) bem como acordos de parceria para governanccedila (VPAs na sigla em inglecircs) inseridos em acordos bilaterais de comeacutercio O desenho institucional dessas iniciativas eacute muito distinto de mecanismos tradicionais de regulaccedilatildeo internacional Atores natildeo estatais - como organizaccedilotildees da sociedade civil e corporaccedilotildees - participam da concepccedilatildeo e administraccedilatildeo desses mecanismos em peacute de igualdade com Estados A verificaccedilatildeo da implementaccedilatildeo dessas iniciativas tambeacutem fica tambeacutem a cargo de grupos multisetoriais e frequentemente requerem a contrataccedilatildeo de oacutergatildeos independentes para avaliar indicadores de ldquocompliancerdquo

Este movimento expansivo no cardaacutepio de opccedilotildees de mecanismos globais de regulaccedilatildeo para influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila responde a outros fatores aleacutem da influecircncia ideoloacutegica das teorias institucionalistas no entanto Para Anne-Marie Slaughter amp William Burke-White (2006) e para Francis Fukuyama (2004) por exemplo a preocupaccedilatildeo mundial com o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento estaacute em ascensatildeo porque as atuais ameaccedilas agrave seguranccedila de muitos paiacuteses (em especial os desenvolvidos) natildeo estatildeo mais limitadas ao comportamento imprevisiacutevel de Estados controlados por liacutederes paacuterias (como o Iraque de Saddam Hussein ou a Coreacuteia do Norte de Kim Jong-un) que

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

devem ser contidos por meio de diplomacia uso da forccedila militar ou mecanismos multilaterais convencionais6 As origens das principais ameaccedilas contemporacircneas agrave seguranccedila satildeo cada vez mais de ordem intra-estatal uma vez que eacute o deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em vaacuterios paiacuteses que tem facilitado o surgimento e a proliferaccedilatildeo de grupos terroristas e maacutefias de crime organizado cujas atividades facilmente cruzam fronteiras Dessa forma somente o fortalecimento de sistemas domeacutesticos de vigilacircncia seriam capazes de lidar eficazmente com esses desafios

Para estes autores novos mecanismos globais para influenciar a forma como Estados organizam seus proacuteprios sistemas domeacutesticos de governanccedila estatildeo sendo discutidos e testados para melhor lidar com as crescentes raiacutezes domeacutesticas dos principais problemas da ordem mundial contemporacircnea Seja qual for a razatildeo ndash para promover indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico ou para defender a seguranccedila nacional de ameaccedilas originadas do deacuteficit institucional de outros paiacuteses ndash existe um crescente reconhecimento para usar as palavras de Fukuyama (2004 traduccedilatildeo nossa) de que a questatildeo de como promover melhorias de governanccedila em Estados fracos de como reforccedilar sua legitimidade democraacutetica e de como fortalecer instituiccedilotildees autossustentaacuteveis se tornou o projeto central da poliacutetica internacional contemporacircnea

Neste artigo argumento que apesar desta crescente diversificaccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios globais criados para interagir e influenciar sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a pesquisa predominante nos Estudos de Desenvolvimento e especialmente na sua subdisciplina conhecida como Direito e Desenvolvimento (DampD) ainda natildeo estaacute acompanhando esta nova realidade A literatura de DampD tem centrado no estudo da

6 Anne-Marie Slaughter e William Burke-White (2006) por exemplo argumentam que enquanto o direito internacional foi originalmente construiacutedo para influenciar como os Estados se comportam em relaccedilatildeo uns aos outros e o direito internacional moderno passou a influenciar tambeacutem a conduta dos Estados para com seus proacuteprios cidadatildeos (a exemplo das normas internacionais de direitos humanos) hoje uma terceira geraccedilatildeo de normas internacionais (traduccedilatildeo nossa) ldquoprocura influir ativamente natildeo soacute no Direito domeacutestico mas tambeacutem no ambiente poliacutetico domeacutestico buscando catalizar a accedilatildeo domeacutestica dos governos Slaughter e Burke-White argumentam que estas novas normas internacionais satildeo muito mais invasivas e ao menos potencialmente muito mais transformadoras do que as normas que formam o regime internacional de direitos humanos criado poacutes Segunda Guerra

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dinacircmica nacional das tentativas de reforma institucional7 deixando em segundo plano os efeitos de instrumentos globais ndash tais como mecanismos bilaterais e multilaterais e iniciativas multisetoriais transnacionais ndash nas dinacircmicas de promoccedilatildeo de reformas domeacutesticas

Para ser precisa a literatura de DampD natildeo nega o papel potencial de atores externos em processos domeacutesticos de reforma No entanto o foco dos estudos estaacute em identificar quais obstaacuteculos domeacutesticos estatildeo dificultando as tentativas externas de promover reformas efetivas de sistemas de governanccedila no acircmbito nacional Existe entatildeo uma grande ecircnfase em decifrar os detalhes das estruturas e processos endoacutegenos de reforma Na melhor das hipoacuteteses esta literatura tem investigado a eficaacutecia (ou natildeo) de meacutetodos relacionados a mecanismos internacionais convencionais - como o uso de condicionalidades para empreacutestimos e doaccedilotildees multilaterais e bilaterais ou o uso de sanccedilotildees eou incentivos comerciais (financiamento direto assistecircncia teacutecnica e capacity building) ndash para pressionar ou encorajar paiacuteses em desenvolvimento a desencadear processos nacionais de reforma (TREBILCOCK amp DANIELS 2008 p 341)

Esta perspectiva que eu chamo de cocircncava entretanto ignora a possibilidade de que mecanismos regulatoacuterios globais em especial os natildeo convencionais tambeacutem possam catalizar ou constranger o processo de reforma domeacutestica de forma muito mais complexa e potencialmente mais eficiente do que ateacute agora reconhecido Iniciativas transnacionais multisetoriais como a Iniciativa para

Transparecircncia das Industrias Extrativas (EITI)8 ou a Parceria para Governos Abertos (OGP)9 por exemplo procuram explorar uma diversa gama de meacutetodos para influenciar processos nacionais de reforma de governanccedila (como participaccedilatildeo social horizontal ao Estado desde a gecircnese da idealizaccedilatildeo e implementaccedilatildeo das reformas sistemas para amplificar ldquopeer pressurerdquo apoio muacutetuo para definir e manter padrotildees nacionais de transparecircncia incentivos de mercado etc) em um soacute mecanismo

A literatura de DampD aparentemente ainda natildeo estaacute investigando em profundidade o efeito dessas novas iniciativas globais nas dinacircmicas domeacutesticas de

7 Para uma anaacutelise recente e abrangente desta literatura veja Trebilcock amp Prado 2011 8 Veja ldquoEITIrdquo site EITI Disponiacutevel em lthttpeitiorggt 9 Veja ldquoOGPrdquo site OGP Disponiacutevel em lthttpwwwogporggt Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 307

Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

mudanccedila institucional mantendo o seu foco em estrateacutegias domeacutesticas para lidar com obstaacuteculos domeacutesticos a tentativas de reforma Esta perspectiva cocircncava (isto eacute este olhar circunscrito aos processos institucionais domeacutesticos) natildeo eacute exclusivo agrave literatura de DampD mas pode tambeacutem ser reconhecido na disciplina mais ampla de estudos de desenvolvimento a partir dos anos 90 Depois da segunda metade dos anos 2000 entretanto um grupo de economistas e cientistas poliacuteticos de desenvolvimento comeccedilaram a devotar mais atenccedilatildeo agraves interaccedilotildees complexas entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos nacionais para lidar com os deacuteficits domeacutesticos de governanccedila Na concepccedilatildeo desses estudiosos os vaacuterios mecanismos globais de governanccedila tecircm uma dinacircmica externa proacutepria a ser estudada assim como devem ser estudadas as formas complexas de interaccedilatildeo pelas quais esses mecanismos podem catalizar influenciar ou dificultar mudanccedilas institucionais na esfera domeacutestica Para iluminar os rumos dessa nossa agenda de pesquisa esses estudiosos do desenvolvimento estatildeo comeccedilando a olhar para a literatura de governanccedila global Com pouquiacutessimas exceccedilotildees acadecircmicos de DampD contemporacircneos ainda natildeo estatildeo engajados nesse importante movimento para desvendar a interaccedilatildeo dinacircmica entre mecanismos regulatoacuterios globais e processos domeacutesticos de reforma institucional

Eu sustento que a agenda de pesquisa de DampD sobre reformas institucionais no acircmbito nacional pode se beneficiar enormemente dessas investigaccedilotildees nascentes sobre as interaccedilotildees entre os diversos tipos de mecanismos regulatoacuterios globais e os processos de reforma de sistemas domeacutesticos de governanccedila Em outras palavras este artigo propotildee que acadecircmicos de DampD devem expandir a sua perspectiva sobre o processo de reforma institucional domeacutestico levando em consideraccedilatildeo os vaacuterios mecanismos endoacutegenos e exoacutegenos que afetam esse processo e a forma como eles interagem Esta perspectiva expansiva deve iluminar a nova fronteira de estudos sobre reformas institucionais para desenvolvimento Este artigo estaacute dividido da seguinte forma A primeira parte argumenta que a literatura de DampD tem adotado uma perspectiva predominantemente cocircncava focando nos processos nacionais de reforma institucional para desenvolvimento A segunda parte argumenta que a literatura de governanccedila global predominante tem adotado uma perspectiva oposta convexa apenas considerando mecanismos regulatoacuterios globais como ferramentas para contornar (sem necessariamente influenciar) o deacuteficit de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 308

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governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento A terceira parte descreve a nascente literatura que estaacute investigando as interaccedilotildees entre mecanismos globais e sistemas domeacutesticos que sofrem de um deacuteficit institucional agudo e propotildee que esta literatura deveria ser usada para expandir a perspectiva ateacute entatildeo adotada pela literatura de DampD

1 LITERATURA DE DampD A PERSPECTIVA COcircNCAVA

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial muitos ideoacutelogos poliacuteticos e ativistas se preocupam com o abismo pronunciado ndash e crescente ndash entre indicadores de desenvolvimento de naccedilotildees ricas e de naccedilotildees pobres Esforccedilos concretos para reduzir esse abismo tem gerado muitos desafios morais analiacuteticos e normativos e inspirado uma gama de investigaccedilotildees acadecircmicas em vaacuterias disciplinas Estas investigaccedilotildees acadecircmicas satildeo coletivamente conhecidas como estudos de desenvolvimento Os estudos de desenvolvimento englobam disciplinas acadecircmicas heterogecircneas como economia ciecircncia poliacutetica e direito entre outras Esses estudos tecircm influenciando uns aos outros ao longo dos anos de forma tatildeo complexa que eacute muitas vezes difiacutecil separar uma linha disciplinar da outra Reconhecendo esta dificuldade este artigo adotaraacute o ponto de vista da ainda nascente subaacuterea dos estudos de desenvolvimento conhecida como direito e desenvolvimento (DampD) fazendo todavia tambeacutem referecircncia agrave literatura mais ampla e interdisciplinar sobre desenvolvimento da qual esta faz parte

David Trubek e Alvaro Santos (2006) dividiram a literatura de DampD em dois momentos histoacutericos distintos para propoacutesitos analiacuteticos10 No primeiro momento

10 Se o DampD eacute de fato um ramo autocircnomo de estudos juriacutedicos ou somente um movimento eacute ainda amplamente debatido no meio acadecircmico Carothers (2006) e Davis amp Trebilcock (2007) argumentam que existe ainda enorme ambiguumlidade sobre a maioria das premissas centrais que justificariam a existecircncia de uma disciplina especiacutefica de DampD Estatildeo ainda em aberto questotildees como 1) se as regras juriacutedicas exercem um efeito significativo em indicadores de desenvolvimento 2) se eacute factiacutevel idealizar e prescrever marcos normativos para influenciar desenvolvimento e 3) se eacute possiacutevel para acadecircmicos de um determinado paiacutes identificar possiacuteveis modelos de reforma para promover desenvolvimento em paiacuteses estrangeiros Esta terceira questatildeo estaacute relacionada ao fato de que foram os desafios para promover desenvolvimento no chamado Sul Global que deram origem agraves primeiras linhas de pesquisa sobre DampD nos Estados Unidos e depois na Europa Thomas Carothers apelidou esse grupo de questotildees como o problema do conhecimento do DampD Carothers (2006 traduccedilatildeo nossa) afirma que estas ambiguumlidades tornam o direito e desenvolvimento um ramo feacutertil para pesquisa acadecircmica ao

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eles incluem o movimento que gerou uma seacuterie de estudos pela comunidade juriacutedica americana nos anos 70 No segundo momento eles incluem o que ficou conhecido como o movimento de Rule of Law (ROL) studiesrdquo que se iniciou nos anos 9011 Eu adotarei a divisatildeo destes autores com o propoacutesito de demonstrar que o DampD ndash genericamente falando ndash tem adotado uma perspectiva cocircncava ignorando como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou podem afetar processos de reformas institucionais domeacutesticas com vistas a promover desenvolvimento A uacutenica exceccedilatildeo foi o breve periacuteodo nos anos 80 em que juristas examinaram como o direito internacional estava impactando paiacuteses em desenvolvimento Mas esse tema natildeo eacute geralmente discutido por acadecircmicos envolvidos especificamente com DampD e tampouco houve uma anaacutelise da interaccedilatildeo dos mecanismos regulatoacuterios globais e processos internos de reforma de governanccedila na forma que proponho neste artigo

11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD

As primeiras tentativas de institucionalizar o DampD como um campo definido de pesquisa juriacutedica aconteceram em universidades americanas nos anos 70 (Trubek 2006) Na eacutepoca os estudos sobre desenvolvimento econocircmico impulsionados por teorias da modernizaccedilatildeo jaacute estavam bem estabelecidos nas faculdades de economia Naquela deacutecada economistas de desenvolvimento acreditavam que a convergecircncia econocircmica entre paiacuteses pobres do Sul Global e paiacuteses ocidentais industrializados era uma questatildeo de planejamento inteligente e tempo Os estudos focavam em quais medidas de poliacutetica econocircmica os estados

contraacuterio de negar caraacuteter autocircnomo ao ramo Trebilcock e Davis (2007) adotam a mesma posiccedilatildeo Mariana Prado (2010) diverge ressaltando que o DampD natildeo pode ainda ser considerado um ramo acadecircmico em virtude da falta de um corpo unificado miacutenimo de conceitos e pressupostos O fato eacute que o DampD jaacute produziu um rico manancial de estudos e que vaacuterias faculdades de direito jaacute consideram o ramo como suficientemente estabelecido para estruturar cursos e contratar professores para trabalhar na aacuterea incluindo no Sul Global

11 Em constraste Heller (2003) argumenta que houve na verdade trecircs ondas de promoccedilatildeo de reformas do Estado de Direito (ROL em Inglecircs) desde a Segunda Guerra A primeira onda teria ocorrido nos anos 60 sob o antigo movimento acadecircmico americano de direito e desenvolvimento A segunda onda teria ocorrido nos anos 70 e 80 caracterizando-se pelos esforccedilos de promover a internacionalizaccedilatildeo de padrotildees de direitos humanos relativos a ordem juriacutedica em constituiccedilotildees e sistemas juriacutedicos em todo o mundo Finalmente uma terceira onda englobou os esforccedilos para construir as fundaccedilotildees institucionais para facilitar atividades de mercado eficientes a partir dos anos 80

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desenvolvimentistas poderiam adotar no acircmbito domeacutestico para efetivar esta convergecircncia (Trubek amp Galanter 1974)12 Em paralelo cientistas poliacuteticos estavam conduzindo investigaccedilotildees sistemaacuteticas sobre quais fatores poliacuteticos e sociais poderiam afetar o desenvolvimento social e econocircmico de um paiacutes (PRADO amp TREBILCOCK 2011)13 Juristas se uniram a esse empreendimento acadecircmico um pouco mais tarde para investigar a relaccedilatildeo especiacutefica entre sistemas legais formais e as mudanccedilas econocircmicas pretendidas nos paiacuteses em desenvolvimento De acordo com Trubek e Galanter (1974) a agenda de pesquisa do DampD neste periacuteodo se desenvolveu em estreita relaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo com processos concretos de reformas juriacutedicas sendo empreendidos agrave eacutepoca A pesquisa acadecircmica era em larga medida instrumental com os objetivos principais de justificar e guiar as reformas juriacutedicas para promover desenvolvimento que jaacute ocorriam na praacutetica promovidas por organizaccedilotildees filantroacutepicas privadas ou por agecircncias multilaterais e bilaterais de desenvolvimento (ALMOND amp POWELL JR 1966 NOVACK amp LEKACHMAN 1969) O principal desafio era identificar as mudanccedilas juriacutedicas necessaacuterias para alcanccedilar alguns objetivos de desenvolvimento especiacuteficos (TRUBEK amp GALANTER 1974 p 1074 traduccedilatildeo nossa) Juristas de DampD investigavam por exemplo que deficiecircncias estavam inibindo o funcionamento correto das instituiccedilotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento bem como se e de que forma estas instituiccedilotildees poderiam ser reparadas ou adaptadas para funcionar de forma similar a dos paiacuteses desenvolvidos Assim como nas outras disciplinas de estudos de desenvolvimento existia forte ecircnfase no papel do Estado em regulamentar a economia de mercado direcionando-a para os fins desejados A ideia era que o desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas assim como as de democracia poliacutetica e social seguiria naturalmente o processo de desenvolvimento econocircmico (TRUBEK 2006 p 75)

Havia uma convicccedilatildeo generalizada de que os sistemas juriacutedicos em paiacuteses em desenvolvimento permaneciam rudimentares ou estavam engessados em

12 Jaacute para Duncan Kennedy (em Trubek amp Santos 2006) o interesse acadecircmico pela relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento tem uma histoacuteria muito mais antiga datada ao menos do seacuteculo XVIII Kennedy traccedila uma histoacuteria intelectual detalhada dos primeiros trabalhos acadecircmicos sobre a interaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento

13 Prado e Trebilcock (2011) traccedilam um panorama da evoluccedilatildeo das vaacuterias teorias de desenvolvimento

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formalidades legais vazias revelando-se incapazes de promover poliacuteticas puacuteblicas com objetivos concretos Uma aacuterea de pesquisas centrou em como apoiar o desenvolvimento do ensino juriacutedico na Aacutefrica Aacutesia e Ameacuterica Latina este sendo considerado o instrumento mais eficaz para propiciar a modernizaccedilatildeo dos sistemas juriacutedicos dos paiacuteses em desenvolvimento a longo prazo Outra aacuterea de foco era como expandir o acesso agrave justiccedila que na eacutepoca significava principalmente incluir acesso formal aos tribunais e providenciar serviccedilos juriacutedicos profissionais subsidiados para os setores mais pobres da sociedade (TRUBEK 2006) Havia o questionamento sobre como atores externos poderiam melhor contribuir para a modernizaccedilatildeo do Direito Puacuteblico da administraccedilatildeo puacuteblica e das profissotildees juriacutedicas em paiacuteses em desenvolvimento Os meacutetodos propostos eram a transferecircncia de conhecimento programas de capacidade teacutecnica e injeccedilotildees de capital para facilitar o transplante de modelos de instituiccedilotildees juriacutedicas de paiacuteses desenvolvidos para os paiacuteses em desenvolvimento O foco era portanto eminentemente em identificar como exatamente ldquomodernizarrdquo instituiccedilotildees domeacutesticas deficientes

Os estudos de DampD dos anos 70 foram entatildeo motivados pela mesma premissa subjacente nas teorias econocircmicas de modernizaccedilatildeo a soluccedilatildeo ideal para reduzir o abismo de desenvolvimento entre paiacuteses industrializados e os demais estava em ajudar paiacuteses em desenvolvimento a reformar as suas praacuteticas e instituiccedilotildees legais econocircmicas e sociais aproximando-as dos modelos liberal-democraacuteticos dos paiacuteses desenvolvidos considerados exitosos No momento em que a sub-aacuterea de DampD comeccedilou finalmente a acumular uma massa criacutetica de estudos que fizesse frente ao volume acadecircmico jaacute estabelecido nas aacutereas de economia e ciecircncia poliacutetica do desenvolvimento entretanto o paradigma da modernizaccedilatildeo que havia informado as teorias dessas disciplinas jaacute havia entrado em decadecircncia pelo fracasso em gerar melhorias concretas em indicadores de desenvolvimento

A decepccedilatildeo com duas deacutecadas de tentativas frustradas de pensar e promover modelos juriacutedicos para facilitar o desenvolvimento do Sul Global a partir principalmente de entidades acadecircmicas americanas levou David Trubek e Mark Galanter a declararem a morte antecipada do projeto intelectual do DampD em um proeminente artigo de 1974 intitulado Acadecircmicos Auto-alienados (Scholars in Self-Estrangement) Para Trubek e Galanter a proacutepria ideia de que seria possiacutevel Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 312

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transplantar modelos juriacutedicos liberal-democraacuteticos provenientes de paiacuteses desenvolvidos para paiacuteses em desenvolvimento havia sido ingecircnua e etnocecircntrica14 Brian Tamanaha (1995) no entanto argumenta que a extinccedilatildeo do primeiro movimento de DampD foi na verdade uma crise interna da academia americana Para ele a crise surgiu essencialmente da crescente desconfianccedila de acadecircmicos americanos em relaccedilatildeo agraves credenciais democraacuteticas do modelo liberal americano tanto em assuntos domeacutesticos como na poliacutetica externa15

Natildeo haacute como negar entretanto que esta crise acadecircmica americana fazia parte de uma crise ideoloacutegica de proporccedilotildees mundiais O fim do que foi considerado o primeiro movimento de DampD ocorreu no contexto de acalorados debates globais sobre neocolonialismo e sobre a necessidade de uma nova ordem econocircmica internacional A ideia de que as teorias de modernizaccedilatildeo e desenvolvimento dos anos 70 eram projetos etnocecircntricos usados potencialmente por paiacuteses industrializados como instrumentos para interferir em assuntos internos dos paiacuteses em desenvolvimento ecoava muito aleacutem dos ciacuterculos acadecircmicos americanos (APTER 1987)

Tamanaha (1995) argumenta de forma convincente que esta crise ideoloacutegica do projeto acadecircmico de DampD cuja dimensatildeo nunca foi bem estabelecida agrave eacutepoca natildeo chegou a afetar a praacutetica de assistecircncia ao desenvolvimento em geral e a

14 Trubek e Galanter apresentaram uma visatildeo ciacutenica natildeo soacute dos esforccedilos de DampD dos anos 70 mas do projeto mais amplo de tentar promover desenvolvimento em paiacuteses do Sul Global Em recente apresentaccedilatildeo na Universidade de Toronto (Trubek 2013) Trubek afirma que na verdade Galanter e ele tinham como verdadeiro objetivo fazer uma criacutetica construtiva ao projeto acadecircmico de DampD no lugar de condenar o projeto mas admite que o foco na parte criacutetica foi consideravelmente maior do que a parte construtiva

15 Uma questatildeo vaacutelida eacute porque em 1974 Trubek e Galanter ignoraram a possibilidade de usar as tentativas fracassadas de transplantar modelos juriacutedicos do ocidente para repensar que modelos poderiam ser mais adequados agrave realidade dos paiacuteses em desenvolvimento Os dois autores estavam convencidos que o primeiro movimento de DampD estava radicado intrinsecamente em pressupostos liberais impliacutecitos sobre a natureza do Estado e o papel do Direito na sociedade que haviam sido desacreditados nos proacuteprios paiacuteses desenvolvidos Em Scholars in Self-Estrangement Trubek e Galanter discutem estes pressupostos em detalhe Eles basicamente concluem que 1) natildeo eacute possiacutevel presumir que qualquer Estado iraacute utilizar o controle e poderes coercitivos cedidos pela sociedade para avanccedilar o bem-estar individual e coletivo 2) a ideacuteia de que normas juriacutedicas satildeo o principal veiacuteculo utilizado pelo Estado para promover o interesse puacuteblico seria uma falaacutecia ainda mais em paiacuteses em desenvolvimento onde o aparelho estatal estaacute frequumlentemente capturado por elites e o controle social eacute exercido primariamente por meio de normas informais Esta anaacutelise reflete os profundos debates sobre o papel do Estado e normas juriacutedicas formais que ocorriam nos ciacuterculos acadecircmicos da eacutepoca

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assistecircncia ao desenvolvimento de instituiccedilotildees juriacutedicas em particular A demanda de juristas e formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em paiacuteses em desenvolvimento por projetos de cooperaccedilatildeo com governos e acadecircmicos de paiacuteses desenvolvidos na aacuterea juriacutedica permaneceu inalterada As Naccedilotildees Unidas fundaccedilotildees privadas e agecircncias de auxiacutelio bilateral mantiveram a oferta de projetos de assistecircncia relacionados a direito e desenvolvimento Na praacutetica portanto o projeto de DampD sobreviveu bem agraves turbulentas transformaccedilotildees nas percepccedilotildees das relaccedilotildees entre Estado e sociedade dessa eacutepoca Enquanto o movimento de DampD permaneceu adormecido na academia americana o impulso para compreender as relaccedilotildees entre regras juriacutedicas e desenvolvimento comeccedilou a florescer em outras partes Ciacuterculos acadecircmicos na Franccedila e Reino Unido bem como em paiacuteses em desenvolvimento sustentaram a aacuterea de estudos de DampD ainda que de forma esparsa e marginalizada (Tamanaha 1995)

Para os efeitos deste artigo o ponto central a ser destacado eacute que o primeiro movimento de DampD enquanto existiu esteve sempre preocupado em identificar discrepacircncias entre modelos juriacutedicos de paiacuteses industrializados e sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento bem como em formas de promover convergecircncias Eacute verdade que foram atores estrangeiros com experiecircncia e recursos que promoveram grande parte dos esforccedilos de reforma Mas isto natildeo altera o fato que o foco estava em mecanismos domeacutesticos e reformas domeacutesticas em oposiccedilatildeo agrave interaccedilatildeo entre mecanismos internacionais e processos domeacutesticos de reforma

12 Breve temporada no Direito Internacional

No final da deacutecada de 1970 e durante a deacutecada de 1980 enquanto o projeto de DampD permanecia dormente na academia americana e marginalizado em outros paiacuteses a discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre regras juriacutedicas e desenvolvimento natildeo desapareceu completamente dos estudos juriacutedicos Estes debates foram na verdade deslocados ao campo do Direito Internacional dentro de uma agenda de pesquisa muito diferente claramente divorciada de preocupaccedilotildees com as particularidades das reformas dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos (CARTY 1992) Inspirados por teorias da dependecircncia econocircmica e ressentidos pelo que viam como um projeto neocolonialista liberal levado a cabo por paiacuteses industrializados muitos estudiosos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 314

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provocaram uma guinada de 180 graus no foco acadecircmico e poliacutetico sobre a relaccedilatildeo entre direito e desenvolvimento No lugar de concentrar em como ldquomodernizarrdquo sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento a academia passaria a investigar os impactos negativos causados nesses paiacuteses pelos processos de colonizaccedilatildeo e perpetuados ou agravados por uma estrutura econocircmica e poliacutetica internacional desigual

Juristas de direito internacional por exemplo analisaram extensamente os esforccedilos para institucionalizar um direito ao desenvolvimento considerado como uma das ferramentas principais para avanccedilar a desejada ldquoNova Ordem Econocircmica Internacionalrdquo (New International Economic Order - NIEO (DONNELLY 1985) Muitos debates acadecircmicos versaram sobre se e como normas do direito internacional e estruturas poliacuteticas internacionais herdadas da eacutepoca colonial estariam afetando as possibilidades de paiacuteses do Sul Global de promover seus proacuteprios interesses tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional (TAMANAHA 1995) Pesquisadores de direito internacional e direito constitucional desta eacutepoca tambeacutem desenvolveram outro rico ramo de literatura sobre as relaccedilotildees entre o arcabouccedilo nascente de padrotildees internacionais de direitos humanos e o desenho de sistemas constitucionais e legais em paiacuteses em desenvolvimento (GARCIA-AMADOR 1990)

Esta pode ser considerada como a primeira instacircncia em que estudiosos interessados em direito e desenvolvimento passaram a estudar mecanismos internacionais e transnacionais no lugar de focar somente em estruturas institucionais domeacutesticas Esta agenda de pesquisa se manteve no entanto muito distante do caraacuteter instrumental que caracterizou o primeiro movimento de DampD Discussotildees acadecircmicas sobre direitos humanos em geral e sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo em particular eram eminentemente deontoloacutegicas Muitos trabalhos acadecircmicos sobre o ldquodireito ao desenvolvimentordquo por exemplo tinham como principal objetivo estabelecer a ldquoextensatildeo em que o Ocidente [durante o passado colonial] havia arruinado as estruturas poliacuteticas e econocircmicas das sociedades do Terceiro Mundo e de como haviam utilizado seus sistemas juriacutedicos para fazecirc-lo (CARTY 1992 p xiii traduccedilatildeo nossa) Os debates acalorados nessa eacutepoca versavam sobre questotildees como a) se os fatos histoacutericos haviam gerado uma responsabilidade legal dos paiacuteses desenvolvidos em reconstruir a faacutebrica social Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 315

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poliacutetica e econocircmica das naccedilotildees em desenvolvimento e b) como esta responsabilidade legal de paiacuteses industrializados deveria interagir ou ser balanceada com a responsabilidade atual de cada paiacutes em desenvolvimento de promover seu proacuteprio projeto de desenvolvimento e os interesses de seus cidadatildeos

Similarmente o movimento dos direitos humanos buscou institucionalizar a responsabilidade moral dos Estados em defender e promover o bem-estar de seus proacuteprios cidadatildeos em escala mundial A investigaccedilatildeo aprofundada sobre os obstaacuteculos que dificultam a traduccedilatildeo do reconhecimento formal de direitos humanos pelos Estados em mudanccedilas institucionais e sociais no acircmbito domeacutestico estava em grande parte fora da agenda de pesquisa dos acadecircmicos de direitos humanos da eacutepoca Havia uma expectativa de que uma vez que Estados reconhecessem formalmente os direitos humanos seus grupos sociais e poliacuteticos iriam ser capazes de pressionar pela criaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas para fazer defender e respeitar esses direitos16 Como essa expectativa na sua maior parte natildeo foi concretizada a literatura de direitos humanos teria que mergulhar na investigaccedilatildeo da lacuna entre o reconhecimento formal e a implementaccedilatildeo praacutetica dos padrotildees internacionais de direitos humanos O foco dessa literatura no entanto se manteria principalmente em como os instrumentos internacionais de direitos humanos poderiam evoluir para garantir a implementaccedilatildeo por parte dos Estados

Aleacutem disto as discussotildees acadecircmicas sobre a incorporaccedilatildeo de padrotildees internacionais de direitos humanos em sistemas juriacutedicos e poliacuteticos de paiacuteses em desenvolvimento natildeo estavam primariamente centradas no conceito de

16 De fato estudos posteriores mostrariam que a assinatura de tratados de direitos humanos internacionais de forma isolada eacute insuficiente para reduzir significativamente o nuacutemero ndash e a gravidade ndash de casos de violaccedilotildees de direitos humanos Oona Hathaway por exemplo investigou a seriedade com que paiacuteses que firmaram tratados internacionais de direitos humanos haviam implementado as normas no acircmbito domeacutestico Ela encontrou elementos para afirmar que o compromisso com os padrotildees internacionais de proteccedilatildeo de direitos humanos acontecia na realidade apenas quando o paiacutes possuiacutea instituiccedilotildees domeacutesticas que permitissem a atores sociais responsabilizar o governo Quando um paiacutes natildeo possuiacutea ainda instituiccedilotildees domeacutesticas miacutenimas que pudessem garantir o cumprimento dos tratados estes eram na maior parte solenemente ignorados Paradoxalmente Hathaway encontrou evidecircncias de que ao ratificar tratados internacionais de direitos humanos tais como a Convenccedilatildeo sobre Tortura e a Convenccedilatildeo de Direitos Civis e Poliacuteticos muitos paiacuteses natildeo democraacuteticos terminaram apresentando um aumento no iacutendice de violaccedilotildees de direitos humanos Hathaway 2007 e Hathaway 2002 Para uma posiccedilatildeo mais positiva sobre o impacto dos tratados de direitos humanos veja Simmons 2009 e Abramovich 2009

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desenvolvimento como compreendido pelo primeiro movimento DampD Enquanto o DampD estava preocupado com a concepccedilatildeo de um sistema legal funcional o movimento de direitos humanos estava focado no indiviacuteduo seu objetivo principal era estabelecer a existecircncia de direitos civis poliacuteticos sociais e econocircmicos dos cidadatildeos de paiacuteses no Sul Global Os mecanismos exatos pelos quais estes direitos individualmente reconhecidos seriam traduzidos nos ordenamentos constitucionais e infraconstitucionais e em indicadores concretos de desenvolvimento socioeconocircmico e poliacutetico esteve por muito tempo fora do foco da pesquisa de direitos humanos

Anthony Carty (1992) tambeacutem descreve uma seacuterie de discussotildees acadecircmicas sobre a interface entre direito internacional ordem econocircmica internacional e desenvolvimento que ocorreram nesta eacutepoca na Franccedila Holanda e Reino Unido bem como em alguns ciacuterculos nos EUA A agenda de pesquisa desta literatura incluiu temas como a influecircncia poliacutetica e econocircmica exacerbada de corporaccedilotildees multinacionais ocidentais nas instituiccedilotildees nacionais de paiacuteses em desenvolvimento e a influecircncia poliacutetica desproporcional de paiacuteses ocidentais industrializados nas estruturas econocircmicas internacionais Soluccedilotildees propostas incluiacuteram tratamento preferencial a paiacuteses em desenvolvimento em leis comerciais internacionais renegociaccedilatildeo de diacutevidas externas transferecircncia de tecnologia e mecanismos de controle internacional sobre multinacionais Ainda que estas discussotildees sejam relativamente mais proacuteximas do que eu denomino neste artigo de perspectiva expansiva elas natildeo avanccedilaram a ponto de investigar como mecanismos complexos de interaccedilatildeo entre processos institucionais internacionais e processos institucionais domeacutesticos poderiam afetar indicadores de desenvolvimento Esta literatura parecia assumir que a criaccedilatildeo de 1) novas regras internacionais de investimento e comeacutercio em substituiccedilatildeo as regras majoritariamente favoraacuteveis aos paiacuteses desenvolvidos e 2) normas e institutos internacionais para limitar o poder de multinacionais gerariam automaticamente efeitos positivos em indicadores de desenvolvimento

Em outras palavras a literatura de direito internacional e desenvolvimento natildeo questionou se paiacuteses em desenvolvimento necessitariam de uma seacuterie de reformas domeacutesticas ndash e quais exatamente - para que pudessem se beneficiar plenamente de mudanccedilas potenciais em normas internacionais sobre investimento e Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 317

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comeacutercio A mesma lacuna se aplica agraves possiacuteveis vantagens derivadas do reconhecimento poliacutetico formal de um ldquodireito internacional ao desenvolvimentordquo17 Portanto apesar dessas literaturas ndash de direito internacional ao desenvolvimento e de direitos humanos internacionais ndash terem focado em como mecanismos externos exerciam influecircncia sobre a capacidade domeacutestica de paiacuteses em desenvolvimento elas natildeo chegaram a se aprofundar na investigaccedilatildeo dos possiacuteveis caminhos mais concretos pelos quais estes mecanismos poderiam permitir a transformaccedilatildeo de sistemas juriacutedicos domeacutesticos nesses paiacuteses Por essa razatildeo essas literaturas natildeo adotaram a perspectiva que eu discuto nesse artigo

13 O segundo movimento de DampD18

O fim da Guerra Fria nos uacuteltimos anos da deacutecada de 1980 inaugurou um novo momento de otimismo em relaccedilatildeo agrave capacidade de atores externos de identificar e promover reformas juriacutedicas para gerar desenvolvimento econocircmico em paiacuteses em desenvolvimento Entretanto profundas transformaccedilotildees de economia poliacutetica no plano mundial e nas principais economias desenvolvidas viriam a provocar uma mudanccedila pronunciada no pensamento acadecircmico predominante sobre desenvolvimento Teorias e poliacuteticas neoliberais ganharam proeminecircncia e legitimidade no Reino Unido (com Thatcher) nos EUA (com Reagan) e na Alemanha (com Kohl) enquanto o mundo se tornava cada vez mais integrado economicamente Alguns paiacuteses em desenvolvimento que haviam investido em crescimento econocircmico ancorado em exportaccedilatildeo e livre-comeacutercio majoritariamente na Aacutesia Oriental estavam claramente alcanccedilando maior sucesso econocircmico do que aqueles que adotaram poliacuteticas de substituiccedilatildeo de importaccedilatildeo e protecionismo Um novo consenso foi sendo formado consenso que considerava mercados livres investimento direto estrangeiro e privatizaccedilotildees como fatores chave para promover o

17 Para Tamanaha (1995 p 480 traduccedilatildeo nossa) ainda que natildeo se possa negar que os paiacuteses em desenvolvimento sofrem seacuterias desvantagens no atual sistema econocircmico mundial a resposta a este problema natildeo seria juriacutedica [NA estabelecendo um direito ao desenvolvimento] embora certamente o direito poderia ajudar a implementar soluccedilotildees poliacuteticas que foram acordadas ou decididas por outros meios

18 David Trubek daacute um nome distinto a este segundo movimento Rule of law (ROL) ou Estado de Direito para diferenciar do primeiro movimento de direito e desenvolvimento que ele e Galanter haviam declarado extinto em 1970 Trubek amp Santos 2006

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crescimento econocircmico de paiacuteses em desenvolvimento Foi nessa nova conjuntura poliacutetico-econocircmica que o segundo movimento de DampD surgiu e floresceu

Em 1995 John Harris Janet Hunger e Colin M Lewis editaram o livro A Nova Economia Institucional e Desenvolvimento no Terceiro Mundo Neste livro economistas historiadores e cientistas poliacuteticos propuseram o uso de ideias de um ramo nascente da literatura de estudos econocircmicos conhecido como New

Institutional Economics (NIE) para entender como obstaacuteculos institucionais domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento estavam prejudicando esforccedilos para promover desenvolvimento socioeconocircmico O foco de estudos de desenvolvimento seria desviado do direito internacional e estruturas globais novamente para os sistemas domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento como no primeiro movimento de DampD A agenda de pesquisa do NIE eacute primordialmente introvertida ela privilegia anaacutelises sobre como instituiccedilotildees domeacutesticas foram criadas historicamente como elas evoluiacuteram atraveacutes do tempo e as relaccedilotildees de correlaccedilatildeo e causalidade entre instituiccedilotildees domeacutesticas histoacutericas e atuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Esta literatura seguindo o mantra liberal de sua eacutepoca privilegiava a identificaccedilatildeo de instituiccedilotildees domeacutesticas que poderiam mais eficazmente possibilitar o bom funcionamento de uma economia de livre mercado

A literatura de DampD que surgiu na esteira do NIE centrou-se inicialmente em auxiliar os atores internos e externos dispostos a engajar paiacuteses em desenvolvimento em reformas para melhorar seus niacuteveis de crescimento econocircmico naquele contexto poliacutetico e econocircmico mundial Na medida em que a perspectiva institucional foi alcanccedilando a posiccedilatildeo dominante nos estudos de desenvolvimento o debate poliacutetico acirrado dos anos 70 e 80 sobre uma nova ordem econocircmica internacional foi sendo empurrado para as margens dos estudos acadecircmicos19 A principal ideia das teorias de desenvolvimento inspiradas pelo NIE era a de que para promover o desenvolvimento econocircmico os paiacuteses em desenvolvimento deveriam focar no fortalecimento de direitos de propriedade de direitos contratuais e de garantias judiciais domeacutesticas contra interferecircncia estatal indiscriminada nos

19 Em realidade uma ala criacutetica da academia nunca deixou de enfatizar que a neutralidade poliacutetica e ideoloacutegica das teorias de desenvolvimento ndash afirmada ou subentendida ndash eacute um mito e deve portanto ser sempre objeto de debate Trubek amp Santos 2006 Ziai 2007

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mercados Juristas foram outra vez alccedilados agrave linha de frente dos estudos que investigavam as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees e desenvolvimento econocircmico Em paralelo juristas envolvidos na promoccedilatildeo de direitos humanos estavam reconhecendo que a implementaccedilatildeo efetiva de sistemas nacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos exigiam mais do que a criaccedilatildeo de padrotildees internacionais e seus mecanismos limitados para promover a incorporaccedilatildeo pelos estados Essa literatura passou a prestar maior atenccedilatildeo aos processos complexos de mudanccedila estrutural nos sistemas domeacutesticos de governanccedila

A agenda de pesquisa deste segundo movimento de DampD acompanhou de perto a agenda concreta de reformas de atores externos e internos envolvidos em reformas institucionais para desenvolvimento Virtualmente todos os aspectos do sistema juriacutedico se tornaram objeto de investigaccedilotildees pedagogia juriacutedica administraccedilatildeo eficiente do poder judiciaacuterio acesso agrave justiccedila reformas de institutos legais independecircncia judicial etc (TREBILCOCK and DANIELS 2008) Em termos substantivos a literatura inicialmente esteve centrada na compreensatildeo dos viacutenculos entre diretos de propriedade e direitos contratuais e indicadores de desenvolvimento econocircmico Na medida em que criacuteticos passaram a denunciar de forma convincente a incapacidade do Consenso de Washington e o seu foco limitado no crescimento econocircmico para assegurar resultados positivos em indicadores de desenvolvimento socioeconocircmico em termos mais amplos a agenda de pesquisas do DampD tambeacutem foi se expandindo Estudos sobre direitos de propriedade e contratos continuam mas a literatura agora inclui investigaccedilotildees sobre como reformas judiciais podem influenciar diretamente e independentemente resultados sociais e poliacuteticos (RITTICH in TRUBEK amp SANTOS 2006) Tambeacutem houve uma expansatildeo gradual em direccedilatildeo agrave compreensatildeo de como normas informais interagem com regras juriacutedicas formais para impactar resultados de desenvolvimento Essa agenda mais expansiva tem aproximado o DampD de outras disciplinas que integram o campo mais amplo de estudos de desenvolvimento (PALOMBELLA amp WALKER 2009)

Atualmente a agenda dominante de pesquisa dos estudos de desenvolvimento tem centrado em questotildees tais como 1) quais satildeo as principais instituiccedilotildees domeacutesticas formais e informais conhecidas coletivamente como sistemas de governanccedila que podem afetar positivamente indicadores de desenvolvimento (KAUFMANN amp KRAY 2008 DAVIS et al 2012 FUKUYAMA Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 320

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2013)20 2) porque e como exatamente muitos paiacuteses vieram a criar sistemas de governanccedila com disfunccedilotildees crocircnicas (PIERSON 2000 MAHONEY amp THELEN 2009)21 3) quais satildeo os obstaacuteculos domeacutesticos que podem inibir reformas institucionais promovidas tanto por atores externos quanto por atores internos (KRUEGER 1993 TREBILCOCK amp DAVIS 2007) O debate sobre como promover reformas de governanccedila de forma efetiva estaacute agora no palco central dos estudos de DampD Ainda existem muitas questotildees em aberto neste debate tais como 1) reformas institucionais devem ser fins em si mesmas ou meios para determinados fins (KLEINFELD 2012) 2) que categoria de reformas de direito gera mais efeitos positivos no desenvolvimento socioeconocircmico de um paiacutes reformas claacutessicas focadas no judiciaacuterio e poliacutecia reformas concentradas em diminuiccedilatildeo da pobreza (GOLUB 2003 2009) reformas voltadas a capacitaccedilatildeo profissional eou ciacutevica (Mednicoff 2005) ou reformas focadas em promover maior justiccedila social (TRUBEK amp SANTOS 2006)

Em siacutentese o novo movimento de DampD tem tambeacutem ateacute agora cultivado uma perspectiva cocircncava (ou introvertida) focando em como sistemas domeacutesticos de governanccedila se formam porque eles se tornam resistentes agrave mudanccedila e como melhor promover reformas de sistemas de governanccedila que se tornaram disfuncionais Essa literatura tem em geral se mantido alheia a investigaccedilotildees sobre como atuais mecanismos globais de regulaccedilatildeo podem interagir com sistemas domeacutesticos de governanccedila Eacute possiacutevel identificar entretanto uma mudanccedila recente nessa literatura Economistas e cientistas poliacuteticos da aacuterea de desenvolvimento

20 Uma parte significativa da nova literatura de economia institucional tem por exemplo se concentrado em identificar indicadores de governanccedila que possam informar estrateacutegias de reforma em paiacuteses especiacuteficos Esta literatura tambeacutem objetiva possibilitar a anaacutelise infra-nacional da correlaccedilatildeo e causalidade das vaacuterias dimensotildees de governanccedila e indicadores de desenvolvimento Veja Kaufmann amp Kraay 2008 Um apanhado histoacuterico e anaacutelise criacutetica detalhada de indicadores de governanccedila pode ser encontrado em Davis et al 2012 Fukuyama lidera tambeacutem em Stanford um amplo projeto de pesquisa sobre o que exatamente constitui boa governanccedila com impacto em desenvolvimento centrando nesse caso em qualidade burocraacutetica Veja httpgovernanceprojectstanfordedu Para as notas conceituais sobre este projeto de pesquisa veja Fukuyama 2013

21 A literatura sobre institucionalismo histoacuterico na ciecircncia poliacutetica tem se debruccedilado sobre as origens e dinacircmicas de mudanccedila institucional em sistemas poliacuteticos buscando compreender como sistemas disfuncionais de governanccedila satildeo criados e como ficam ldquopath dependentrdquo Pierson 2000 Mahoney amp Thelen 2009

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estatildeo liderando um movimento para trazer sistemas institucionais globais de volta agrave equaccedilatildeo sobre desenvolvimento institucional no acircmbito domeacutestico

Esta tendecircncia recente eacute diferente do movimento dos anos 80 Na era do auge da teoria da dependecircncia o foco principal estava em identificar mudanccedilas necessaacuterias nas instituiccedilotildees internacionais jaacute que se acreditava que sem essas mudanccedilas estruturais globais os paiacuteses em desenvolvimento natildeo teriam chances reais de melhorar substancialmente seus indicadores de desenvolvimento Mudanccedilas estruturais de governanccedila no acircmbito domeacutestico terminaram relegadas a segundo plano Em contraste o principal enfoque desta nova literatura de desenvolvimento estaacute no acircmbito domeacutestico Novos estudos comeccedilam a investigar pela primeira vez entretanto como mecanismos institucionais globais podem interagir complexamente com sistemas domeacutesticos de governanccedila Esses estudos questionam se alguns mecanismos externos podem por exemplo servir para preencher um deacuteficit criacutetico de governanccedila domeacutestica em determinadas aacutereas ou provocar efeitos em possiacuteveis equiliacutebrios de poder de forma a facilitar a implementaccedilatildeo de reformas domeacutesticas onde haacute resistecircncia poliacutetica Isto eacute exatamente o que denomino aqui de perspectiva expansiva Esta atividade recente indica que a literatura estaacute seguindo no meu entender uma linha promissora de investigaccedilotildees embora esta mudanccedila natildeo tenha ainda sido articulada de acordo com o marco analiacutetico que eu proponho aqui

Antes de descrever estes desenvolvimentos recentes (e ainda limitados) da literatura de desenvolvimento entretanto eu irei traccedilar um panorama da literatura de governanccedila global que vem tradicionalmente investigando mecanismos regulatoacuterios internacionais e transnacionais Esta literatura eacute relevante porque os desenvolvimentos recentes na literatura DampD que exploro na secccedilatildeo 4 comeccedilaram a convergir com estudos recentes conduzidos pelos pesquisadores de governanccedila global Essa fronteira de convergecircncia eacute que estaacute a exigir a adoccedilatildeo da perspectiva expansiva proposta por este artigo

2 A LITERATURA DE GOVERNANCcedilA GLOBAL A PERSPECTIVA CONVEXA

A proliacutefica literatura de Governanccedila Global (GG) ou regulaccedilatildeo global engloba pesquisas em relaccedilotildees internacionais ciecircncia poliacutetica e direito internacional

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Acadecircmicos e pesquisadores de GG investigam porquecirc e como em um mundo anaacuterquico e sem governo centralizado atores estatais e natildeo-estatais decidem cooperar para formar regimes internacionais que venham a regular determinadas mateacuterias (issue-areas) Em que medida esses atores satildeo motivados por interesses ideias ou poder Pesquisadores de GG tambeacutem investigam as causas e implicaccedilotildees das crescentes transferecircncias de autoridade regulatoacuteria tanto do acircmbito nacional para o acircmbito global quanto de mecanismos puacuteblicos para mecanismos privados e hiacutebridos de regulaccedilatildeo Um panorama completo desta ampla literatura de GG estaacute aleacutem do escopo deste artigo Eacute interessante entretanto identificar se esta literatura poderia contribuir para entender melhor o crescente uso de mecanismos globais como instrumento para influenciar reformas de sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento

Quando olhamos para a literatura de GG sob esse enfoque algumas caracteriacutesticas se tornam imediatamente evidentes Primeiro um nuacutemero significativo de estudos de GG analisa a criaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de mecanismos regulatoacuterios transnacionais de forma generalizada Em sua maior parte a literatura natildeo diferencia quando as iniciativas globais foram criadas para enfrentar problemas que escapam do poder regulatoacuterio tanto de paiacuteses desenvolvidos quanto de paiacuteses em desenvolvimento (eg mudanccedila climaacutetica) de iniciativas globais criadas para enfrentar problemas gerados especificamente pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento mas que natildeo afetam paiacuteses desenvolvidos ou pelo menos natildeo na mesma medida (eg a ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo que afeta majoritariamente paiacuteses ricos em recursos naturais e pobres em governanccedila domeacutestica)

Esta literatura tambeacutem tende a ignorar a diferenccedila entre paiacuteses desenvolvidos e paiacuteses em desenvolvimento em outro aspecto o do impacto da crescente internacionalizaccedilatildeo da autoridade regulatoacuteria em sistemas institucionais domeacutesticos Por exemplo existe uma ampla literatura investigando a forma como Estados vecircm buscando harmonizar seus sistemas domeacutesticos de regulaccedilatildeo com outras jurisdiccedilotildees para melhor competir no mercado global assim como para assegurar condiccedilotildees de concorrecircncia mais equitativas na economia globalizada Essa literatura tambeacutem analisa como a escolha de diferentes iniciativas para criar padrotildees internacionais de regulaccedilatildeo podem desempenhar um papel importante Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 323

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neste processo de convergecircncia regulatoacuteria (DREZNER 2005 LEVI-FAUR 2005 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 BERNSTEIN amp CASHORE 2000) Esses ramos da literatura de GG satildeo relevantes para a perspectiva expansiva de DampD na forma que estou propondo na medida em que eles investigam as formas como mecanismos regulatoacuterios globais afetam ou satildeo afetados por sistemas de governanccedila domeacutestica Entretanto essa literatura ainda precisa considerar as diferenccedilas ndash muitas vezes marcantes ndash na forma em que regulaccedilotildees globais afetam um determinado paiacutes dependendo do seu niacutevel de desenvolvimento institucional domeacutestico Essa diferenciaccedilatildeo permitiraacute que essas discussotildees acadecircmicas ganhem maior relevacircncia na aacuterea de estudos de desenvolvimento

Recentemente uma seacuterie de estudos de GG que eu resenho na seccedilatildeo 3 comeccedilou a considerar o deacuteficit institucional domeacutestico de paiacuteses em desenvolvimento como um elemento importante de pesquisa Alguns autores de GG por exemplo se baseiam em um ramo de estudos regulatoacuterios que investigam se a existecircncia de uma sombra de hierarquia estatal eacute necessaacuteria para assegurar a eficaacutecia de iniciativas regulatoacuterias globais que escapam ao modelo multilateral tradicional22 Essas iniciativas classificadas muitas vezes como nova governanccedila23 se tornaram comuns nas uacuteltimas trecircs deacutecadas Esta literatura de GG a que me refiro ainda manteacutem o foco das investigaccedilotildees em soluccedilotildees regulatoacuterias que estatildeo fora do acircmbito domeacutestico (soluccedilotildees essas que podem ser puacuteblicas privadas ou hiacutebridas) A questatildeo que se coloca eacute se e quais mecanismos regulatoacuterios globais poderiam constituir equivalentes funcionais agrave sombra da hierarquia estatal em paiacuteses em que essa sombra inexiste Dessa forma esse ramo da literatura de GG observa apenas

22 Natildeo existe definiccedilatildeo clara sobre o conceito de sombra da hierarquia ou ldquosombra estatalrdquo ou ldquosombra da hierarquia estatalrdquo Borzel e Risse (2010 2011) argumentam que uma sombra da hierarquia existe quando o Estado ameaccedila - expliacutecita ou implicitamente - impor regras vinculantes a atores privados para alterar seus caacutelculos custo-benefiacutecio levando-os a se auto-regular em prol do interesse puacuteblico Veja tambem Heritier e Eckert 2008

23 Abbott e Snidal (2009) por exemplo argumentam que atores poliacuteticos operando em um ambiente globalizado cada vez dependem mais do que eles chamam de mecanismos da nova governanccedila transnacional Estes novos mecanismos de governanccedila satildeo caracterizados a) pelo papel central de atores privados nas criaccedilatildeo de normas e na implementaccedilatildeo das mesmas com diferentes niacuteveis de colaboraccedilatildeo por Estados dependendo da iniciativa b) por basearem-se em uma expertise dispersa c) por usar normas voluntaacuterias Em contraste mecanismos da velha governanccedila internacional dependem primariamente dos Estados e instituiccedilotildees inter-estatais para criarem e implementarem normas se baseiam em expertise burocraacutetica centralizada podem (ou natildeo) utilizar regras cogentes (mandatoacuterias) no lugar de apenas normas voluntaacuterias

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um dos elementos da perspectiva expansiva que proponho aqui perspectiva essa que visa investigar todas as possiacuteveis interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios domeacutesticos e mecanismos regulatoacuterios globais

Outro ramo recente da literatura de GG examina mais aprofundadamente a diferenccedila marcante de resultados da interaccedilatildeo de padrotildees globais de governanccedila com sistemas nacionais de governanccedila dependendo se esta interaccedilatildeo ocorre em paiacuteses ocidentais desenvolvidos com sistemas domeacutesticos de governanccedila jaacute consolidados ou em paiacuteses em desenvolvimento com capacidade institucional domeacutestica fraca ou inexistente (Dubash amp Morgan 2012) Esta agenda de pesquisas emergente conhecida como O Estado Regulamentador no Sul [Global] (The Regulatory State of the South) propotildee investigar como as caracteriacutesticas singulares dos sistemas domeacutesticos de governanccedila bem como as demandas especiacuteficas de desenvolvimento de paiacuteses do Sul Global impactam (ou ao menos deveriam impactar) 1) que objetivos deveriam ser perseguidos por mecanismos de regulaccedilatildeo global que promovem convergecircncia regulatoacuteria ao redor do mundo 2) que resultados pode-se esperar das interaccedilotildees entre determinados modelos globais de regulamentaccedilatildeo e sistemas deficientes de governanccedila domeacutestica24 Esta linha promissora de pesquisa se preocupa assim em entender como normas internacionais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila considerados disfuncionais ou inacabados ou em consolidaccedilatildeo Poreacutem essa agenda de pesquisas ainda natildeo esgota as possibilidades da perspectiva que proponho nesse artigo por duas razotildees Primeiro o foco dessa linha de pesquisa ateacute o momento estaacute restrito a mecanismos muito especiacuteficos de governanccedila no acircmbito domeacutestico agecircncias independentes de regulaccedilatildeo do setor de infraestrutura Segundo essa linha de pesquisa natildeo investiga especificamente se e como os vaacuterios tipos de mecanismos globais podem ndash e se devem ndash ser explorados para melhorar as chances de promover reformas em sistemas domeacutesticos de governanccedila reformas que venham a impactar positivamente em indicadores de desenvolvimento Em

24 Esta literatura sustenta por exemplo que para aumentar as chances de sucesso em iniciativas de reforma em sistemas regulatoacuterios domeacutesticos em alguns paiacuteses em desenvolvimento processos multisetoriais de discussatildeo e participaccedilatildeo no processo regulatoacuterio se tornam essenciais para garantir a legitimidade e futura eficaacutecia das normas Dubash e Morgan 2012

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outras palavras a pesquisa referida tem um vieacutes de anaacutelise histoacuterica natildeo incluindo um aspecto normativo

Em siacutentese apesar da literatura de governanccedila global ter como objeto a anaacutelise de mecanismos globais de regulamentaccedilatildeo a doutrina dominante ainda natildeo inclui um estudo sistemaacutetico de como instrumentos regulatoacuterios globais podem interagir de forma complexa com instrumentos domeacutesticos de governanccedila ou afetar tentativas de promover reformas de governanccedila no acircmbito nacional Assim essa literatura natildeo adotou ainda a perspectiva que eu denomino de expansiva O objeto uacuteltimo de pesquisa nessa perspectiva seria o sistema domeacutestico de governanccedila mas para entender como esse sistema eacute formado ou transformado devemos tambeacutem voltar o foco para influecircncias externas nesse caso os mecanismos globais de governanccedila No caso da governanccedila global o foco de pesquisa estaacute nos proacuteprios mecanismos globais como satildeo criados e transformados relegando os sistemas domeacutesticos a segundo plano Existe entretanto um pequeno nuacutemero de estudos que comeccedilam a investigar mais especificamente se e como regimes transnacionais podem ajudar a preencher o deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Estes estudos seratildeo discutidos na seccedilatildeo 3

21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional

A deacutecada de 1990 testemunhou o iniacutecio de uma mudanccedila pronunciada na forma como vaacuterios paiacuteses ocidentais industrializados formulam poliacuteticas regulatoacuterias Esses paiacuteses passaram de uma perspectiva de regulaccedilatildeo formulada eminentemente por oacutergatildeos e atores puacuteblicos de forma hieraacuterquica e verticalizada (top-down) para uma perspectiva mais horizontal e hiacutebrida envolvendo parcerias entre atores e oacutergatildeos puacuteblicos e privados A expectativa era a de que o Estado pudesse guiar e controlar as iniciativas privadas de forma a assegurar objetivos sociais e econocircmicos almejados (incluindo sauacutede seguranccedila meio-ambiente e natildeo discriminaccedilatildeo) ao inveacutes de tentar assegurar estes objetivos exclusivamente de forma direta (ZUMBANSEN 2004 MAJONE 1994 BALDWIN SCOTT amp HOOD 1998 JORDANA amp LEVI-FAUR 2005) Esse movimento passou pelo uso de mecanismos extralegais de regulaccedilatildeo tais como iniciativas de autorregulaccedilatildeo por empresas ou acordos voluntaacuterios entre empresas e organizaccedilotildees da sociedade civil (como atesta Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 326

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o crescimento de iniciativas classificadas como de ldquoresponsabilidade social corporativardquo) que podem contar ou natildeo com o aval do Estado (SCOTT 2005) Uma das principais caracteriacutesticas dessas formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo eacute sua capacidade de cruzar fronteiras mais facilmente do que formas convencionais de regulaccedilatildeo puacuteblica Dessa forma o movimento em direccedilatildeo agrave formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo se encontra profundamente entrelaccedilado com o movimento que tem transferido autoridade regulatoacuteria do acircmbito nacional ao global

Setores acadecircmicos de paiacuteses ocidentais envolvidos com estudos regulatoacuterios acompanharam estas tendecircncias poliacuteticas deslocando o foco de seus estudos Da ecircnfase em entender o potencial e limitaccedilotildees da regulaccedilatildeo estatal passou-se a uma investigaccedilatildeo mais ampla incluindo um escopo abrangente de normas e mecanismos pelos quais o controle [regulatoacuterio] eacute afirmado ou alcanccedilado mesmo que indiretamente (SCOTT 2005 p 145 traduccedilatildeo nossa)25 Um nuacutemero significativo e crescente de estudos busca decifrar o Estado regulamentador e os novos modelos de regulaccedilatildeo e governanccedila (SALOMON 2002 DE BURKA amp SCOTT 2006 TRUBEK amp TRUBEK 2003) Diversos estudiosos de modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional passaram a olhar para o rico manancial de pesquisas que a disciplina de relaccedilotildees internacionais passou a desenvolver para entender como Estados estavam tentando solucionar problemas globais em um ambiente regulatoacuterio extremamente plural descentralizado e mais horizontal

No lugar de considerar tratados e costumes inter-estatais como a fonte primaacuteria e primordial de regulaccedilatildeo global a literatura de GG comeccedilou a produzir um volume consideraacutevel de estudos sobre outros tipos de mecanismos regulatoacuterios que estavam em ascensatildeo Esses novos mecanismos criados ou encorajados tanto por agentes estatais quanto natildeo estatais tendem a ser extralegais e horizontais Os estudos de ciecircncia poliacutetica com foco em regulaccedilotildees no acircmbito nacional passaram a denominar essa forma mais abrangente de processos regulatoacuterios hiacutebridos e horizontais de governanccedila sem governo (GRANDE amp PAULY 2005)26 Os estudos

25 Veja tambeacutem a rica discussatildeo acadecircmica sob a perspectiva da escolha de instrumento (instrument-choice) na administraccedilatildeo puacuteblica que investiga quais opccedilotildees regulatoacuterias poderiam servir melhor para traduzir determinados objetivos poliacuteticos em resultados praacuteticos em sociedades complexas Eliadis Hill amp Howlett 2005

26 Para mais discussotildees sobre ldquo governanccedila sem governordquo veja por exemplo Rosenau amp Czempiel 1992) Pierre amp Peters ldquo1998 Cutler Haufler amp Porter 1999) Hall amp Bierstecker 2002

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de governanccedila global por outro lado passaram a se referir a esses novos modelos de regulaccedilatildeo como nova governanccedila transnacional em contraste com a antiga governanccedila internacional na qual Estados e instituiccedilotildees internacionais eram os uacutenicos criadores e implementadores de normas (ABBOTT amp SNIDAL 2009 HERITIER amp LEHMKUHL 2008 BERNSTEIN amp CASHORE 200727 CASHORE 2002)

Alguns ramos de estudos juriacutedicos tambeacutem foram fortemente influenciados por estas tendecircncias A perspectiva do pluralismo juriacutedico por exemplo passou a ser usada como plataforma para compreender a multiplicaccedilatildeo e crescente inter-relaccedilatildeo entre diferentes campos de autoridade normativa tanto no acircmbito nacional quanto no acircmbito global28 Ramos inteiros de estudos juriacutedicos foram se desenvolvendo mesmo que de forma pouco confortaacutevel nesta intersecccedilatildeo entre os acircmbitos nacional e global tais como a justiccedila de transiccedilatildeo (transitional justice) e o direito ambiental Acadecircmicos vecircm propondo diversas metodologias marcos ou perspectivas analiacuteticas para melhor investigar esta teia multifacetada e complexa de iniciativas regulatoacuterias puacuteblicas privadas eou hiacutebridas bem como nacionais eou globais

O direito transnacional por exemplo eacute proposto como uma perspectiva que permite unir as agendas independentes de pesquisa dos estudos de pluralismo juriacutedico no acircmbito nacional e estudos sobre governanccedila global (GAILLARD 2001 KOH 2006 ALEINIKOFF 2008 CALLIES amp ZUMBANSEN 201029 COTERREL 2012) O contraste Hard law versus soft law eacute proposto como um modelo para investigar as diferentes caracteriacutesticas e graus de eficiecircncia de distintos tipos de

27 Steven Berstein amp Benjamin Cashore focused on private forms of regulation in the global market place which they called ldquonon-state market drivenrdquo (NSMD) governance mechanisms

28 De acordo com Tamanaha (2008 traduccedilatildeo nossa) Nas uacuteltimas duas deacutecadas a noccedilatildeo de pluralismo juriacutedico tem se tornado um dos principais toacutepicos em antropologia juriacutedica sociologia juriacutedica direito comparado direito internacional e estudos soacutecio-juriacutedicos e parece estar ganhando ainda mais popularidade Veja tambeacutem Michaels 2009

29 Callies and Zumbansen propotildeem o uso do direito transnacional como metodologia para investigar a regulaccedilatildeo global Nas palavras dos autores (prefaacutecio traduccedilatildeo nossa) Observamos de saiacuteda que o Direito hoje eacute claramente e irreversivelmente transnacional A nova literatura de governanccedila global visa compreender de que forma a mudanccedila na proacutepria natureza da regulaccedilatildeo e a crescente globalizaccedilatildeo dos processos de regulatoacuterios tem desafiado antigas dicotomias tais como o direito internacional puacuteblico versus o direito internacional privado ou criado novas dicotomias tais como as iniciativas regulatoacuterias da antiga governanccedila versus iniciativas regulatoacuterias da nova governanccedila

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mecanismos de regulaccedilatildeo (KIRTON amp TREBILCOCK 2004) A recente agenda de pesquisa conhecida como ldquodireito administrativo global (global administrative LawGAL)rdquo procura examinar os fundamentos normativos de diversos tipos de regulaccedilatildeo global GAL tem com foco principal entender se e em que medida mecanismos regulatoacuterios globais padecem de um deacuteficit de accountability e legitimidade vis-agrave-vis processos regulatoacuterios nacionais e se princiacutepios de direito administrativo desenvolvidos no acircmbito de processos nacionais poderiam assegurar maior accountability e legitimidade a regulaccedilotildees globais30

Vaacuterios estudiosos de sistemas regulatoacuterios passaram a considerar a retirada do Estado de muitos dos espaccedilos tradicionais de regulaccedilatildeo como uma caracteriacutestica essencial dos novos sistemas de governanccedila ndash tanto no acircmbito nacional quanto global ndash criados a partir dos anos 90 (COX 1997 STRANGE 1996 HELD et al 199931) Existem vaacuterias teorias sobre o que levou agrave proliferaccedilatildeo de modelos de ldquogovernanccedila sem governordquo Por exemplo para muitos a globalizaccedilatildeo de sistemas econocircmicos e de comunicaccedilatildeo fez com que vaacuterios elementos do processo regulatoacuterio que no passado eram debatidos e resolvidos nacionalmente tenham migrado para instituiccedilotildees internacionais ou transnacionais em aacutereas tatildeo diversas quanto comeacutercio financcedilas meio ambiente e direitos humanos (MATTLI amp WOODS 2009 p 1 traduccedilatildeo nossa) Um nuacutemero consideraacutevel de estudiosos considera que os Estados nacionais perderam a capacidade efetiva para regular diversas questotildees com relevacircncia nacional porque essas questotildees agora cruzam facilmente as fronteiras exigindo soluccedilotildees negociadas com outros Estados e cada vez mais com atores natildeo estatais

30 Em 2004 Benedict Kingsbury Nico Krisch e Richard Stewart iniciaram um projeto de pesquisa na Universidade de Nova Iorque para investigar se e como princiacutepios juriacutedicos administrativos tais como transparecircncia participaccedilatildeo revisatildeo razoabilidade responsabilidade (accountability) primariamente associadas a sistemas juriacutedicos nacionais poderiam e deveriam ser aplicados a mecanismos globais de governanccedila O artigo que deu origem a esse projeto chamado de GAL (Global Administrative Law) eacute Kingsbury Krisch amp Stewart 2005 Para uma bibliografia detalhada sobre a pesquisa relacionada ao GAL ateacute 2005 veja ldquoA Global Administrative Law Bibliographyrdquo (2005) 6834 Law amp Contemporary Problems 357 Para trabalhos acadecircmicos mais recentes relacionados ao projeto de pesquisa GAL veja IILJ Institute for International Law and Justice at the New York University School of Law online IILJ lthttpwwwiiljorggalbibliographydefaultaspgt

31 Held et al 1999 fazem um apanhado dos argumentos contrastantes no que se refere a posiccedilatildeo do Estado na regulaccedilatildeo de um mundo globalizado

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Eacute importante salientar entretanto que o papel dos Estados na formulaccedilatildeo de regulaccedilotildees nacionais e globais continua a ser objeto de debates acalorados nos meios acadecircmicos Existe na verdade pelo menos trecircs teorias distintas na literatura de governanccedila global sobre a evoluccedilatildeo do papel estatal no que diz respeito a regulaccedilotildees globais ao longo dos anos Vaacuterios autores argumentam que atores privados tecircm adquirido cada vez maior dominacircncia nos sistemas regulatoacuterios globais enquanto a autoridade regulatoacuteria estatal tem enfraquecido significativamente Uma segunda teoria sustenta que Estados natildeo tecircm se retirado do ambiente regulatoacuterio mas sim transformado o caraacuteter da sua autoridade regulatoacuteria (Sassen 2002 2006 Picciotto 2006 2011 Levi-Faur 2005)32 Para muitos os Estados mais fortes ainda influenciam desproporcionalmente os objetivos e destinos das principais regulaccedilotildees globais (BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000 SIMMONS 2001)33 De acordo com essa segunda posiccedilatildeo primeiro os EUA seguido pela Comunidade Europeia seriam de longe os atores com maior poder regulatoacuterio no cenaacuterio global (DREZNER 2007 SIMMONS 2001 BRAITHWAITE amp DRAHOS 2000)34 Uma terceira teoria sustentada por Walter Mattli e Ngaire Woods (2009)

32 Saskia Sassen (2002 2006) argumenta que a retirada do Estado das formas convencionais de regulaccedilatildeo verticalizadas natildeo constitui uma retirada completa da autoridade regulatoacuteria nem o enfraquecimento ou impotecircncia do Estado Ao contraacuterio estariacuteamos presenciando uma transformaccedilatildeo completa da forma como Estados exercem autoridade nos planos nacional e global Sol Piccioto (2006 2011) tambeacutem argumenta que ao inveacutes de uma retirada do Estado houve uma profunda transformaccedilatildeo do papel de regulamentaccedilatildeo dos Estados nas esferas puacuteblica e privada Este processo leva a um ofuscamento das fronteiras entre regulaccedilatildeo puacuteblica e privada Existe crescente reconhecimento de que a nova ordem Internacional eacute na verdade fortemente regulada quando se leva em consideraccedilatildeo as formas de nova governanccedila que transcendem a regulamentaccedilatildeo claacutessica inter-estatal vertical e cogente Veja por exemplo a literatura sobre capitalismo regulatoacuterio inaugurada por John Braithwaite 2008

33 John Braithwaite and Peter Drahos (2000) fazem uma ampla e detalhada descriccedilatildeo de estudos de caso sobre regulaccedilatildeo da economia global ao longo de vaacuterias aacutereas e alegam ter encontrado evidecircncia de que ateacute o momento a histoacuteria da regulaccedilatildeo global eacute uma histoacuteria de dominaccedilatildeo por paiacuteses ocidentais industrializados Apesar de vaacuterios Estados mais fraacutegeis e tambeacutem atores natildeo-estatais terem conseguido promover a criaccedilatildeo de um nuacutemero de mecanismos regulatoacuterios internacionais os resultados tem sido claramente desiguais em termos de quantidade e relevacircncia Esta posiccedilatildeo eacute tambeacutem defendida por Beth Simmons que analisou a evoluccedilatildeo de mecanismos globais de regulaccedilatildeo financeira Simmons (2001) mostra como nesta aacuterea-chave os EUA tem unilateralmente partido para o uso de regulaccedilotildees financeiras extraterritoriais e subsequumlentemente pressionado outros Estados fortes (especialmente os integrantes da OECD) a criar mecanismos transnacionais para encorajar ou coagir outros paiacuteses a adotar regulaccedilotildees semelhantes

34 Braithwaite e Drahos atribuem esta influecircncia desproporcional agrave capacidade superior de Estados poderosos de produzir controlar e utilizar conhecimento bem como sua maior capacidade de utilizar mecanismos de coaccedilatildeo [diplomaacuteticos comerciais ou militares] Daniel W Drezner em seu

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entre outros apresenta uma anaacutelise com maior nuance Para esses autores o grau de influecircncia exercido por Estados fortes por Estados mais fracos e ainda por atores natildeo estatais sofre grande variaccedilatildeo dependendo da mateacuteria ou preocupaccedilatildeo objeto da regulaccedilatildeo

De acordo com esta posiccedilatildeo mais matizada os Estados mais fortes ainda exercem uma influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais quando se trata de questotildees que envolvem alguns de seus interesses mais estrateacutegicos ou quando existe um desequiliacutebrio mais pronunciado de poder entre paiacuteses negociantes eou quando um Estado forte pode facilmente adotar uma regulaccedilatildeo unilateral com alcance global e depois desconsiderar divergecircncias ou promover convergecircncia Em todos os outros casos entretanto a influecircncia dos Estados mais fracos mas tambeacutem de instituiccedilotildees internacionais e de atores natildeo estatais na criaccedilatildeo e na evoluccedilatildeo de sistemas globais de regulaccedilatildeo ganha relevacircncia e eacute na verdade essencial para explicar tendecircncias de regulaccedilatildeo global Acredito que a teoria de Mattli e Woods eacute a que melhor reflete a ampla diversidade de mecanismos regulatoacuterios globais

Uma deficiecircncia marcante da literatura predominante de governanccedila global eacute exatamente o fato de que suas anaacutelises natildeo diferenciam uma regulaccedilatildeo global que foi motivada por um problema que envolve importantes interesses estrateacutegicos de paiacuteses industrializados com maior poder no cenaacuterio global de uma regulaccedilatildeo global que tem como objetivo por exemplo resolver problemas que derivam do deacuteficit agudo de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento Por exemplo regulaccedilotildees globais para lidar com a mudanccedila climaacutetica ou com o crime transnacional organizado (que afetam interesses importantes de Estados ocidentais industrializados) satildeo discutidas conjuntamente com regulaccedilotildees globais que visam reduzir casos de trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes (que ocorrem quase que

influente ldquoAll Politics is Globalrdquo (2007) tambeacutem argumenta que Estados poderosos tal como os EUA e os integrantes da Uniatildeo Europeacuteia ainda exercem influecircncia desproporcional na criaccedilatildeo de regulacoes globais Drezner ( 2007 traduccedilatildeo nossa) acrescenta que a convergecircncia [de interesses] entre os Estados mais fortes eacute condiccedilatildeo necessaacuteria e suficiente para a criaccedilatildeo de sistemas efetivos de governanccedila global Drezner ainda argumenta que valores e interesses de organizaccedilotildees internacionais e Estados mais fraacutegeis bem como valores e interesses de corporaccedilotildees transnacionais ONGs e comunicadades epistecircmicas soacute podem ser traduzidas em mecanismos de regulaccedilatildeo global com aceitaccedilatildeo ou apoio dos Estados mais poderosos

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exclusivamente em paiacuteses em desenvolvimento)35 Regulaccedilotildees globais para encorajar praacuteticas de manejo sustentaacutevel de florestas ou para lidar com corrupccedilatildeo transnacional que satildeo preocupaccedilotildees comuns tanto em paiacuteses desenvolvidos quanto em paiacuteses em desenvolvimento satildeo analisadas conjuntamente com regulaccedilotildees globais para evitar o comeacutercio de diamantes oriundos de zonas de conflito problema que afeta apenas paiacuteses em desenvolvimento

A literatura que visa construir um marco teoacuterico para explicar processos de governanccedila global estuda quais opccedilotildees regulatoacuterias podem melhor resolver os principais problemas soacutecio-econocircmicos contemporacircneos independentemente se eles ocorrem em paiacuteses desenvolvidos ou em paiacuteses em desenvolvimento (ABBOT amp SNIDAL 2009)36 Esse enfoque generalista da literatura ofusca as singularidades de iniciativas regulatoacuterias criadas para lidar com um problema contemporacircneo que eacute especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento o profundo deacuteficit de governanccedila domeacutestico

Certamente existe grande diferenccedila entre criar regulaccedilotildees globais para alcanccedilar objetivos econocircmicos e sociais que escapam agrave capacidade regulatoacuteria de qualquer instituiccedilatildeo nacional puacuteblica agindo isoladamente (independente da qualidade institucional do paiacutes) e criar regulaccedilotildees globais para solucionar problemas econocircmicos e sociais que derivam primordialmente do pronunciado deacuteficit de governanccedila especiacutefico a um grupo de paiacuteses em desenvolvimento No meu entender essa diferenccedila eacute marcante a ponto de exigir diferentes marcos teoacutericos para explicar porque e como exatamente essas regulaccedilotildees distintas nascem e se desenvolvem e

35 O trabalho infantil na produccedilatildeo de tapetes em paiacuteses do sul asiaacutetico afeta companhias ocidentais que comercializam estes tapetes apenas na medida em a pressatildeo de consumidores e de grupos sociais organizados passa a ameaccedilar a reputaccedilatildeo ou legitimidade dessas empresas Eacute possiacutevel ainda que algumas corporaccedilotildees promovam ou apoacuteiem medidas para prevenir e combater trabalho infantil e degradante nas suas linhas de produccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento por consideraccedilotildees eacuteticas e natildeo apenas quando motivadas pelo ldquobusiness caserdquo Alguns setores corporativos podem genuinamente considerar que o deacuteficit de governanccedila domeacutestico em paiacuteses onde eles atuam pode afetar significativamente seus interesses A questatildeo no entanto eacute se isso poderia se considerado ldquohigh stakesrdquo para paiacuteses industrializados de acordo com as teorias realistas sobre criaccedilatildeo de regras globais em relaccedilotildees internacionais

36 Para Abbott e Snidal por exemplo a enorme quantidade de mecanismos privados ou hiacutebridos que vecircm criando novos padrotildees regulatoacuterios globais em diversas aacutereas desde 1980 tenta preencher supostas lacunas na regulaccedilatildeo estatal e internacional (inter-estatal) sem qualificar quando esse deacuteficit eacute possivelmente estrateacutegico (paiacuteses industrializados) ou inerente aos sistemas nacionais (paiacuteses pobres em governanccedila)

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para iluminar as tentativas daqueles que estejam interessados em influenciar o desenho dessas regulaccedilotildees

A diferenccedila mais oacutebvia diz respeito aos objetivos diretos e objetivos indiretos da regulaccedilatildeo global Quando um problema socioeconocircmico eacute derivado do deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico a regulaccedilatildeo global poderaacute ser criada com o objetivo direto de resolver esse deacuteficit de governanccedila Os benefiacutecios socioeconocircmicos esperados dessa regulaccedilatildeo global seratildeo apenas indiretos Essa particularidade afeta por exemplo as tentativas de avaliar a eficaacutecia dessas regulaccedilotildees Eacute muito mais complexo avaliar a eficaacutecia de uma regulaccedilatildeo olhando-se apenas para seus resultados indiretos Uma segunda diferenccedila diz respeito a motivaccedilatildeo que leva os diferentes atores em especial os paiacuteses fortes a apoiar os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo global A teoria (realista) dominante eacute que paiacuteses fortes natildeo iratildeo apoiar regulaccedilotildees globais que visam resolver problemas especiacuteficos de paiacuteses em desenvolvimento (que os afetam apenas indiretamente) Certamente natildeo na mesma medida em que apoiam regulaccedilotildees globais que afetam seus interesses estrateacutegicos Isto requer atenccedilatildeo analiacutetica especial ao papel dos demais atores ndash paiacuteses mais perifeacutericos atores natildeo estatais organismos internacionais ndash para explicar a emergecircncia e evoluccedilatildeo da regulaccedilatildeo global que natildeo afete interesses relevantes diretos de paiacuteses ocidentais industrializados

Os atuais marcos teoacutericos desenvolvidos pela literatura dominante de governanccedila global natildeo diferenciam entre esses dois tipos muito distintos de regulaccedilatildeo o que impede que sejam utilizados para iluminar as tentativas de criaccedilatildeo de novas regulaccedilotildees globais para solucionar problemas socioeconocircmicos especificamente gerados pelo deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento O diaacutelogo entre as literaturas de desenvolvimento e de governanccedila global se encontra assim dificultado Mesmo sem esse marco analiacutetico eacute possiacutevel traccedilar algumas observaccedilotildees e hipoacuteteses iniciais sobre como a criaccedilatildeo de regulaccedilotildees globais para lidar com o deacuteficit de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento vem evoluindo ao longo dos uacuteltimos anos Ateacute os anos 2000 vaacuterios mecanismos globais foram criados para permitir a diversos atores desviar dos sistemas domeacutesticos disfuncionais de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Em mateacuteria de direitos humanos e ambiental por exemplo houve enorme pressatildeo social em paiacuteses desenvolvidos para que as corporaccedilotildees multinacionais e seus paiacuteses sede criassem

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mecanismos para lidar diretamente com os problemas econocircmicos sociais e ambientais provocados por atividades econocircmicas transnacionais no Sul Global

A loacutegica parecia a mesma dos mecanismos de ldquonova governanccedilardquo que

ocorriam em paiacuteses desenvolvidos transfere-se a autoridade regulatoacuteria para

aqueles agentes que demonstrem maior capacidade de regular determinado

problema e que tenham responsabilidade pelos efeitos da atividade a ser regulada

Na medida em que as experiecircncias com esses mecanismos regulatoacuterios

transnacionais que basicamente desviavam dos sistemas domeacutesticos de governanccedila

comeccedilaram a acumular entretanto tornou-se evidente que eles estavam

demonstrando resultados muito diversos de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo

implementadas em paiacuteses ocidentais industrializados Foram esses resultados

frustrantes que levaram um ramo recente da literatura de governanccedila global a

estudar melhor esse fenocircmeno Eu analiso esta literatura a seguir

22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio

Vaacuterias questotildees passaram a ser levantadas sobre a eficaacutecia e a legitimidade

de iniciativas de ldquonova governanccedilardquo envolvendo paiacuteses com deacuteficits agudos de

governanccedila o que gerou um debate central sobre possiacuteveis preacute-condiccedilotildees para

estes mecanismos funcionarem efetivamente Ou talvez alguns tipos de problema

fossem mais amenos do que outros a este tipo de regulaccedilatildeo Mais relevante para os

propoacutesitos deste artigo vaacuterios estudos empiacutericos comparados sobre iniciativas de

ldquonova governanccedilardquo em paiacuteses da Uniatildeo Europeia e da Europa Oriental

demonstraram que mecanismos privados ou hiacutebridos mais horizontais tinham maior

probabilidade de serem eficazes quando havia um Estado forte na retaguarda para

garantir que atores natildeo estatais realmente contribuam para a provisatildeo de bens

coletivos (BORZEL amp RISSE 2010 traduccedilatildeo nossa) Uma parte importante da

literatura sobre modelos regulatoacuterios no acircmbito nacional chegou a um consenso de

que em paiacuteses desenvolvidos os diversos atores puacuteblicos e privados que estatildeo

envolvidos em formas privadas e hiacutebridas de regulaccedilatildeo atuam sob a sombra da

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hierarquia estatal (SCHMITTER amp STREECK 1985 SCHARPF 1997 RICHARDS

2004 SCHILLEMANS 2008)37

Na literatura sobre GG no entanto a maior parte dos estudos sobre ldquonova governanccedilardquo continuou ndash implicitamente - examinando a eficaacutecia e a legitimidade das vaacuterias iniciativas hiacutebridas ou privadas quando empregadas especificamente no contexto de um tipo de Estado o Estado institucionalmente forte Apenas uma minoria de autores passou a traduzir a conclusatildeo de estudos regulatoacuterios no acircmbito nacional para a arena global afirmando que iniciativas regulatoacuterias supranacionais hiacutebridas ou privadas tambeacutem seriam eficazes apenas quando ancoradas por Estados soberanos com sistemas domeacutesticos de governanccedila eficientes (WEISS 1998) Somente a partir da segunda metade dos anos 2000 um grupo de acadecircmicos e pesquisadores passou a investigar as implicaccedilotildees do uso destes modelos de governanccedila em paiacuteses carentes desta sombra da hierarquia estatal38 Em outras palavras apenas recentemente surgiu um ramo separado da literatura de GG que reconhece o deacuteficit de governanccedila domeacutestica como uma importante variaacutevel de pesquisa especialmente quando se busca identificar qual a melhor estrateacutegia regulatoacuteria para atacar determinado problema econocircmico ou social Esta literatura investiga se e como os vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo podem funcionar eficazmente em relaccedilatildeo a paiacuteses com deacuteficits agudos de governanccedila onde inexiste uma sombra de hierarquia estatal considerada adequada

Uma das principais ideias exploradas por essa literatura eacute o possiacutevel uso de mecanismos regulatoacuterios externos como equivalentes funcionais dessa sombra de hierarquia estatal ausente A questatildeo crucial seria identificar quais tipos de

37 Em 1985 Schmitter e Streeck jaacute argumentavam (traduccedilatildeo nossa) a espada de Dacircmocles da ameaccedila de intervenccedilatildeo estatal direta eacute necessaacuteria para provocar auto-regulaccedilatildeo privada ou regulaccedilatildeo puacuteblico-privada O Estado ameaccedila - impliacutecita ou explicitamente ndash legislar regras para atividades privadas mudando assim os caacutelculos de custo-benefiacutecio das corporaccedilotildees favorecendo assim a adoccedilatildeo de regras voluntaacuterias mais proacuteximas do interesse coletivo Aleacutem disto boa parte da literatura afirma que mecanismos de ldquonova governanccedilardquo requerem a existecircncia de um niacutevel miacutenimo de demanda social ou incentivos de mercado para funcionar eficientemente

38 Em 2006 por exemplo Thomas Risse e Ursula Lehmkuhl iniciaram uma linha de pesquisa na Freie Universitat Berlin sobre novos modelos de governanccedila em areas of limited statehoodrdquo ou aacutereas com capacidade estatal limitada Em 2006 Risse amp Lehmkuhl publicaram um artigo especificando os marcos conceituais do projeto A questatildeo central do projeto foi articulada da seguinte forma (traduccedilatildeo nossa) como se pode desenvolver e sustentar sistemas legiacutetimos e eficientes de governanccedila em aacutereas com capacidade estatal limitada A ideacuteia eacute identificar os desafios regulatoacuterios que emergem nestas condiccedilotildees especiacuteficasrdquo

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mecanismos externos poderiam efetivamente substituir essa sombra da hierarquia em paiacuteses que apresentam graus distintos de deficiecircncia de governanccedila Estes estudos sobre equivalentes funcionais a sombra de hierarquia estatal formam parte de um ramo emergente de estudos de regulaccedilatildeo global que estaacute comeccedilando a realizar uma investigaccedilatildeo sistemaacutetica sobre as complexas interaccedilotildees entre mecanismos regulatoacuterios transnacionais e sistemas de governanccedila domeacutesticos em paiacuteses em desenvolvimento Eu discuto estes novos estudos a seguir

3 NOVA FRONTEIRA ESTUDOS DE DESENVOLVIMENTO ENCONTRAM ESTUDOS DE GOVERNANCcedilA GLOBAL

A seriedade dos problemas socioeconocircmicos que satildeo causados ou agravados pelo deacuteficit de governanccedila domeacutestica em paiacuteses em desenvolvimento estaacute por traacutes da demanda de produccedilatildeo de conhecimento acadecircmico para informar tentativas de lidar com este deacuteficit O envolvimento de acadecircmicos da aacuterea de desenvolvimento em investigaccedilotildees sobre se e como iniciativas globais de regulamentaccedilatildeo podem auxiliar na soluccedilatildeo do deacuteficit de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento eacute bastante recente Estes estudos comeccedilam a convergir com as investigaccedilotildees tambeacutem recentemente iniciadas por acadecircmicos envolvidos em estudos sobre governanccedila global que tentam entender se eacute possiacutevel criar ou adaptar mecanismos regulatoacuterios globais para situaccedilotildees nas quais a sombra de hierarquia estatal estaacute ausente isto eacute quando existe um deacuteficit significativo de governanccedila domeacutestica39

Para ser clara os autores dos estudos que eu descrevo nesta seccedilatildeo estatildeo aparentemente implementando esta mudanccedila de perspectiva analiacutetica ndash passando da observaccedilatildeo das regulaccedilotildees globais como mecanismos independentes para a observaccedilatildeo dos efeitos da interaccedilatildeo destes mecanismos em sistemas domeacutesticos de governanccedila - de forma intuitiva sem que tenha havido ainda uma discussatildeo teoacuterica sobre essa mudanccedila A meu ver o impacto desses estudos na evoluccedilatildeo da literatura de governanccedila global eacute notaacutevel e um exemplo concreto eacute justamente os

39 Para Borzel e Risse (2006) esta questatildeo deve ser respondida afirmativamente tanto mecanismos internacionais quanto normas sociais nos acircmbitos local nacional e internacional podem servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado

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efeitos potenciais desse novo ramo da literatura para outras aacutereas de estudo como os estudos de desenvolvimento Essa nova perspectiva de investigaccedilatildeo teoacuterica e empiacuterica poderaacute instruir os esforccedilos de pesquisa em DampD que buscam resolver o complexo quebra-cabeccedilas de como lidar com sistemas domeacutesticos de governanccedila disfuncionais ou incompletos que parecem estar imunes ou incrivelmente resistentes a tentativas de reforma Eacute possiacutevel que estes estudos de GG venham a aumentar as chances de implementar reformas efetivas para diminuir o deacuteficit de governanccedila domeacutestica em alguns paiacuteses em desenvolvimento ainda que seus autores natildeo tenham reconhecido esse potencial explicitamente

Eacute tambeacutem importante notar que os estudos emergentes que eu descrevo brevemente nesta seccedilatildeo ainda satildeo esparsos e estatildeo sendo realizados de forma bastante independente uns dos outros Apesar de diversos autores usarem conceitos que satildeo similares esses conceitos natildeo satildeo exatamente os mesmos Cada autor tambeacutem parece abordar o problema do deacuteficit de governanccedila domeacutestica a partir de perspectivas diferentes alguns partem de uma perspectiva desenvolvimentista outros de uma perspectiva ambientalista outros ainda de uma perspectiva de seguranccedila internacional Finalmente estes autores natildeo reconhecem explicitamente que eles estatildeo se afastando do mainstream da pesquisa de seus campos acadecircmicos respectivos Quando algueacutem se propotildee a identificar um grupo diverso de tendecircncias acadecircmicas emergentes como potencialmente integrando uma linha teoacuterica singular existe o risco inevitaacutevel de generalizar ou de simplificar demasiado o objetivo de cada linha de pesquisa Acredito entretanto que eacute importante iluminar estas novas tendecircncias tanto nos estudos de desenvolvimento quanto nos estudos de governanccedila global porque em conjunto eles possuem poder explicativo suficiente para nos auxiliar a compreender a recente evoluccedilatildeo das vaacuterias estrateacutegias para lidar com o deacuteficit agudo de governanccedila em alguns paiacuteses em desenvolvimento

Conforme citei acima um grupo de acadecircmicos estaacute usando as ideias da literatura da sombra da hierarquia estatal para examinar como mecanismos regulatoacuterios globais poderiam lidar com o deacuteficit agudo e crocircnico de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento Stephen Krasner (2004) um estudioso de relaccedilotildees internacionais investiga o caso especiacutefico de Estados ldquoquase falidosrdquo que se encontram presos a um ciclo crocircnico de caos poliacutetico e de violecircncia Esses Estados Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 337

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satildeo considerados uma ameaccedila agrave seguranccedila de outras naccedilotildees agora eou no futuro Em 2004 Krasner publicou um artigo afirmando que a comunidade internacional precisa transcender princiacutepios convencionais de direito internacional como por exemplo o princiacutepio da soberania estatal e assumir a responsabilidade de promover melhor governanccedila domeacutestica em regimes mal governados falidos e sob ocupaccedilatildeo (Krasner 2004 p 85 traduccedilatildeo nossa) Para Krasner apesar de terem sua soberania internacional reconhecida por outros Estados alguns paiacuteses estatildeo claramente falhando quando se trata de exercer a soberania domeacutestica de forma efetiva Nestes casos Krasner argumenta mecanismos convencionais disponiacuteveis a atores poliacuteticos estrangeiros ndash tais como a assistecircncia bilateral e multilateral para promover melhorias de sistemas de governanccedila e administraccedilatildeo transitoacuteria (durante ocupaccedilatildeo militar) ndash natildeo satildeo efetivas ou suficientes

Segundo Krasner eacute preciso expandir o menu de opccedilotildees regulatoacuterias para lidar com esse deacuteficit de governanccedila Ele propotildee duas novas formas para lidar com o problema No caso de Estados completamente falidos como a Somaacutelia ele propotildee protetorados consensuais (trusteeships) Protetorados consensuais basicamente seriam o reconhecimento formal pela comunidade internacional que um paiacutes especiacutefico se encontra incapaz de exercer sua soberania juriacutedica internacional Krasner admite que sensibilidades poliacuteticas tornam improvaacutevel que a comunidade internacional venha a endossar essa opccedilatildeo publicamente embora ele afirme que uma espeacutecie de trusteeship jaacute ocorre na praacutetica40 Uma segunda opccedilatildeo seria o que Krasner denomina de ldquosoberania compartilhadardquo Em suas palavras

Soberania compartilhada envolveria o engajamento de atores externos em algumas das estruturas domeacutesticas de governanccedila do Estado em questatildeo por um periacuteodo indeterminado Tais arranjos poliacuteticos seriam legitimados por acordos assinados por autoridades nacionais reconhecidas (KRASNER 2004 p 108 traduccedilatildeo nossa)

Ainda que o princiacutepio da autonomia poliacutetica reconhecido em relaccedilotildees

internacionais fique comprometido o paiacutes ainda estaria exercendo sua soberania no

40 Segundo Krasner (2004) as principais barreiras impedindo a adoccedilatildeo de um tratado internacional codificando uma forma de trusteeship ou protetorado eacute a falta de vontade poliacutetica dos paiacuteses desenvolvidos que teriam o ocircnus de implementaacute-lo e tambeacutem dos mais fracos que correriam o risco de ser pressionados a aderir

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momento da assinatura voluntaacuteria do acordo de soberania compartilhada e estaria

livre para rescindir esse acordo a qualquer tempo Krasner reconhece que por

razotildees poliacuteticas e legais a expressatildeo ldquosoberania compartilhadardquo poderia trazer

problemas e sugere que esses arranjos sejam chamados de parcerias Em outras

palavras Krasner estaacute defendendo a criaccedilatildeo de mecanismos internacionais para

servirem no acircmbito domeacutestico como equivalentes funcionais dos sistemas de

governanccedila ausentes por tempo indeterminado41 Krasner natildeo explora como

exatamente estes mecanismos externos poderiam interagir com sistemas de

governanccedila domeacutestica em estaacutegio embriocircnico ou se esses mecanismos poderiam

ser intencionalmente desenhados de forma a favorecer a criaccedilatildeo de sistemas de

governanccedila autossuficientes ao longo do tempo Seu argumento eacute naturalmente

muito polecircmico e existem seacuterias criacuteticas sobre os tons imperialistas de sua proposta

Outra ideia baseada no mesmo conceito de soberania compartilhada foi

introduzida pelo economista Paul Romer com seu projeto charter cities (cidades

projetadas) Romer argumenta que paiacuteses pobres em governanccedila podem explorar a

opccedilatildeo de criar novas cidades partindo do zero em locais previamente natildeo

habitados Os habitantes destas novas cidades aceitariam se submeter a uma seacuterie

de regras de governanccedila reunidas em uma Carta regras cuja implementaccedilatildeo e

cumprimento seriam monitorados e controlados por autoridades externas A visatildeo eacute

de que estas cidades projetadas e bem governadas atrairiam capital financeiro e

humano estrangeiros favorecendo o crescimento econocircmico dessa zona do paiacutes e

41 Nas palavras de Krasner (2004 traduccedilatildeo nossa) esforccedilos externos para influenciar estruturas de autoridade de outros estados eacute o desafio central da poliacutetica externa contemporacircnea A pesquisa de Krasner natildeo estaacute necessariamente focada em encontrar formas de promover melhorias em indicadores de desenvolvimento nos paiacuteses fracos em governanccedila per se O objetivo principal parece ser o de administrar os riscos agrave seguranccedila global provocados por esses paiacuteses que podem mais facilmente se tornar focos de terrorismo traacutefico de drogas e outras formas de crime organizado Neste caso pode-se argumentar que paiacuteses desenvolvidos influentes teriam incentivos para discutir e promover regulaccedilatildeo global nessa aacuterea Mas nem todos os paiacuteses com deacuteficit grave de governanccedila satildeo necessariamente paiacuteses falidos e ninhos de terroristas e crime organizado Uma questatildeo diferente surge dessa forma no caso desses paiacuteses que em princiacutepio natildeo oferecem ameaccedilas a seguranccedila global Se os riscos satildeo primariamente suportados pelas proacuteprias sociedades desses paiacuteses haveria ainda incentivos suficientes para os paiacuteses desenvolvidos apoiarem a criaccedilatildeo de mecanismos globais para servir como equivalentes funcionais agrave sombra do Estado nestes casos

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possivelmente tendo um efeito positivo em outras aacutereas ao longo do tempo

(SHERIDAN 2009 CHEONG 2010 SUTHERLAND 2012)42

Em seu livro de 2009 Wars Guns and Votes (Guerras Armas e Votos) o economista de desenvolvimento Paul Collier afirma que nas uacuteltimas deacutecadas vaacuterios paiacuteses no grupo dos paiacuteses em desenvolvimento mais pobres deram uma guinada marcante ao adotar sistemas formais de democracia eleitoral Collier entatildeo pergunta porque esse grupo (que alberga o bottom billion ou o bilhatildeo mais pobre da humanidade para usar a expressatildeo cunhada por Collier em seu livro anterior de 2008) ainda natildeo mostra indiacutecios de que essa guinada gerou melhorias reais em indicadores de desenvolvimento poliacutetico ou econocircmico Collier conclui que muitas vezes as reformas poliacuteticas e econocircmicas adotadas por esses paiacuteses apoacutes a democratizaccedilatildeo formal foram cosmeacuteticas e eles ainda apresentam um deacuteficit agudo de governanccedila O resultado dessa guinada democraacutetica foi contraditoriamente um aumento da violecircncia poliacutetica da instabilidade social e da pobreza generalizada em alguns paiacuteses

Collier argumenta que os paiacuteses que albergam o bottom billion estatildeo presos em uma armadilha de pobreza e violecircncia da qual eles natildeo conseguiratildeo escapar sozinhos Ele afirma que os mecanismos existentes para promover ajuda para o desenvolvimento mesmo focados em promover reformas de governanccedila domeacutestica tambeacutem natildeo seratildeo capazes de ajudar esses paiacuteses a escapar dessa armadilha porque eles carecem de sistemas miacutenimos de seguranccedila poliacutetica e de sistemas de accountability governamental que satildeo preacute-requisitos para a construccedilatildeo de sistemas domeacutesticos de governanccedila mais amplos Collier tambeacutem natildeo acredita que os mecanismos regulatoacuterios tradicionais satildeo o melhor caminho para lidar com esse problema ao menos inicialmente

Em seu livro de 2010 Plundered Planet (O Planeta Saqueado) Paul Collier centra no caso de paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila Aleacutem da armadilha da violecircncia esses paiacuteses estariam tambeacutem presos em uma ldquomaldiccedilatildeo dos recursosrdquo Collier explica que embora paiacuteses ricos em recursos naturais precisem ainda mais de bons sistemas domeacutesticos de governanccedila para lidar

42 Para informaccedilatildeo sobre o projeto ldquocharter citiesrdquo veja Charter Cities online Disponiacutevel em lthttpwwwchartercitiesorggt

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com os impactos sociais ambientais e econocircmicos negativos que caracterizam as atividades extrativas rendas expressivas da exportaccedilatildeo de recursos abundantes podem financiar as elites autoritaacuterias desses paiacuteses sem que precisem prestar contas a sociedade tornando ainda mais difiacutecil a construccedilatildeo das instituiccedilotildees [de governanccedila] necessaacuterias [no acircmbito domeacutestico] Assim como Krasner Collier (2008 2009 2010) argumenta que estes casos complexos exigem uma desconstruccedilatildeo radical dos conceitos de soberania internacional e nacional No caso de paiacuteses que passam por violecircncia poliacutetica crocircnica a proposta de Collier eacute fazer uso de mecanismos externos para proporcionar seguranccedila e accountability miacutenimos ateacute que os paiacuteses albergando o bottom billion possam escapar da armadilha da violecircncia poliacutetica em que se encontram presos

Assim Collier tambeacutem propotildee que mecanismos transnacionais sejam usados como equivalentes funcionais das estruturas de governanccedila domeacutesticas ausentes para propiciar seguranccedila e accountability pre-requisitos para a construccedilatildeo de outros sistemas de governanccedila Em outras palavras ele sugere que instituiccedilotildees domeacutesticas disfuncionais ou ausentes sejam temporariamente substituiacutedas Collier natildeo detalha entretanto como exatamente estes mecanismos externos de governanccedila abririam caminho para seus equivalentes domeacutesticos ao longo do tempo No caso de paiacuteses ricos em recursos naturais Collier advoga a criaccedilatildeo de uma Carta de Recursos Naturais (Natural Resources Charter) uma seacuterie de padrotildees internacionais de boa gestatildeo de recursos naturais Mas essa Carta serviria apenas como um guia voluntaacuterio para aqueles paiacuteses ricos em recursos que desejem contar com cooperaccedilatildeo teacutecnica para melhor administrar os seus recursos

Outros autores jaacute estatildeo investigando que efeitos alguns mecanismos de governanccedila global jaacute existentes ndash que satildeo muito menos intrusivos na soberania dos paiacuteses ndash estatildeo provocando ou podem provocar em sistemas domeacutesticos de governanccedila nos paiacuteses em desenvolvimento Em um artigo de 2009 intitulado A globalizaccedilatildeo do direito anticorrupccedilatildeo ajuda paiacuteses em desenvolvimento o acadecircmico de DampD Kevin Davis analisa se o emergente regime transnacional de combate a corrupccedilatildeo ndash formado por convenccedilotildees internacionais mecanismos multisetoriais e regulaccedilotildees extraterritoriais - estaria provocando efeitos positivos reais na reduccedilatildeo de iacutendices de corrupccedilatildeo em paiacuteses em desenvolvimento Neste artigo Davis inclui uma discussatildeo interessante ainda que breve sobre se estas Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 341

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normas transnacionais de combate a corrupccedilatildeo poderiam estar causando efeitos imprevistos e indesejaacuteveis em sistemas domeacutesticos de governanccedila Ele sugere que como em alguns casos estas normas tentam desviar ou substituir o sistema domeacutestico de governanccedila elas podem estar anulando incentivos para a criaccedilatildeo ou o fortalecimento de mecanismos domeacutesticos para inibir a corrupccedilatildeo nos paiacuteses em desenvolvimento Davis afirma que ainda natildeo existe evidecircncia de que isso esteja efetivamente acontecendo e uma outra possibilidade eacute a de que esses mecanismos tenham uma interaccedilatildeo positiva complementando sem anular os mecanismos de governanccedila no acircmbito domeacutestico

Tambeacutem em 2009 um antropologista social e pesquisador secircnior no think

tank Britacircnico Overseas Development Institute (ODI) David Brown realizou uma avaliaccedilatildeo criacutetica da crescente praacutetica da Uniatildeo Europeia de usar mecanismos de pressatildeo tais como Acordos Voluntaacuterios de Parceria (Voluntary Partnership AgreementsVPAs) em seus acordos bilaterais de comeacutercio com paiacuteses ricos em madeira e pobres em governanccedila Para Brown (2009) os VPAs tecircm o objetivo claro de lidar com a questatildeo do comeacutercio iliacutecito e insustentaacutevel de madeira promovendo melhorias no sistemas de governanccedila de florestas e madeira dos parceiros comerciais europeus menos desenvolvidos Ao analisar se os VPAs efetivamente melhoraram essa governanccedila entretanto Brown encontrou resultados mistos Por um lado ele encontrou evidecircncias de que VPAs tecircm o potencial para encorajar o desenvolvimento de padrotildees globais de desmatamento sustentaacutevel a longo prazo Ele tambeacutem viu potencial para o mecanismo reduzir o volume de madeira ilegal que ingressa no mercado europeu e para melhorar a transparecircncia do setor madeireiro Entretanto baseado em suas anaacutelises de campo Brown foi mais ceacutetico em relaccedilatildeo aos impactos dos VPAs em termos de provocar melhorias concretas nos sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento

Em 2011 Gilles Carbonnier Fritz Brugger e Jana Krause do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento em Genebra avaliaram vaacuterias iniciativas multisetoriais criadas para enfrentar a maldiccedilatildeo dos recursos e influenciar indicadores de desenvolvimento em paiacuteses ricos em recursos naturais poreacutem pobres em governanccedila domeacutestica com ecircnfase especial na Iniciativa de Transparecircncia das Induacutestrias Extrativistas (EITI) uma iniciativa multisetorial transnacional com a participaccedilatildeo de governos induacutestria e sociedade civil Carbonnier Brugger amp Krause Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 342

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(2011) analisam os vetores de comportamento incluindo os incentivos de mercado e regulamentaccedilotildees que podem influenciar as decisotildees de atores puacuteblicos e privados envolvidos no setor extrativo em paiacuteses em desenvolvimento Eles argumentam que a principal premissa do EITI eacute de que a maior participaccedilatildeo da sociedade civil nos sistemas de governanccedila de recursos no acircmbito domeacutestico levaria a mudanccedila de comportamento em paiacuteses ricos em recursos e em empresas extrativas Os autores concluem que em muitos dos casos que eles estudaram a sociedade civil ainda natildeo era forte o suficiente para responder positivamente a estas expectativas

Esses estudos ainda natildeo investigam detalhadamente as possiacuteveis interaccedilotildees positivas e negativas de mecanismos regulatoacuterios globais com sistemas domeacutesticos de governanccedila altamente disfuncionais Esta importante agenda de pesquisa estaacute ainda tateando Eacute preciso ainda reconhecer que os efeitos dessa interaccedilatildeo podem tambeacutem ser sentidos na outra direccedilatildeo Isto eacute regimes domeacutesticos de governanccedila podem afetar ou influenciar os vaacuterios mecanismos globais de regulaccedilatildeo Em siacutentese existe ainda um longo caminho pela frente para que possamos compreender melhor de que formas mecanismos globais interagem com sistemas domeacutesticos de governanccedila e se e como podemos fazer melhor uso dos mecanismos globais para lidar com deacuteficit agudo de governanccedila no acircmbito domeacutestico

4 CONCLUSAtildeO

Atualmente existe uma ampla constelaccedilatildeo de mecanismos globais que podem potencialmente interagir de formas complexas com sistemas domeacutesticos de governanccedila em paiacuteses em desenvolvimento e que possivelmente podem ser usados como instrumentos para promover reformas de governanccedila que venham a preencher graves lacunas ou deacuteficits nos sistemas domeacutesticos de alguns paiacuteses Este artigo sugere que para entender melhor como esses diversos mecanismos satildeo criados e como evoluem e quais seus possiacuteveis efeitos negativos ou positivos em sistemas domeacutesticos de governanccedila a literatura de DampD deveria expandir seu foco para aleacutem de mecanismos endoacutegenos e de formas tradicionais de promover governanccedila A agenda de pesquisa de DampD precisa incluir questotildees tais como qual tem sido a evoluccedilatildeo de tentativas externas de se lidar com o deacuteficit de governanccedila Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 302-349 343

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em paiacuteses em desenvolvimento Quais as premissas dos atores responsaacuteveis pela criaccedilatildeo desses mecanismos Como eles interagem com sistemas de governanccedila domeacutesticos na teoria e na praacutetica Estes estudos devem estar informados e ser conduzidos em conjunto com estudos de governanccedila global que analisam os mesmos fenocircmenos por acircngulos diferentes poreacutem complementares Mais importante a agenda expansiva de pesquisa de DampD deve investigar se e como exatamente estes mecanismos globais podem contribuir para melhorar os indicadores de desenvolvimento de paiacuteses do sul global a longo prazo Esta eacute a nova ainda inexplorada fronteira para os estudos de DampD

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Patriacutecia Galvatildeo Ferreira

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Marianna de Queiroz Gomes

CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO

AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS1

NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES

Marianna de Queiroz Gomes2

Resumo Contextualiza a questatildeo ambiental a partir do paradigma de sociedade de

risco Discorre sobre Neoconstitucionalismo constituiccedilatildeo dirigente e efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio Demonstra que o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula legislador administrador e juiz agrave Constituiccedilatildeo e agrave concretizaccedilatildeo dos direitos ali prescritos Analisa a viabilidade da judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais no modelo do Estado Democraacutetico de Direito Estuda o papel do Poder Judiciaacuterio ante uma jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Explora a contribuiccedilatildeo do Judiciaacuterio para a efetivaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Palavras-chave Neoconstitucionalismo Judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Abstract The paper contextualizes the environmental issue from the paradigm of the

risk society Its analysis is based on neoconstitutionalism the directive constitution and effectiveness of the fundamental right to a healthy environment It demonstrates that directive constitutionalism binds lawmakers administrators and judges to the Constitution and the implementation of the rights therein prescribed It analyzes the viability of the justiciability of environmental public policies in the democratic state model It studies the role of the judiciary over a constitutional and environmental jurisdiction It explores the contribution of the judiciary for the enforcement of the fundamental right to an ecologically balanced environment

1 Artigo submetido em 30062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 23072013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Mestranda em Direito e Ordem Constitucional pela UFC Especialista em Processo Civil pela Unichristus Especialista em Direito e Processo Tributaacuterio pela Universidade de Fortaleza E-mail ltmariannaqueirozyahoocombrgt

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Keywords Neoconstitutionalism Judicialization of environmental public

policies

INTRODUCcedilAtildeO

Vivemos um momento histoacuterico de crise ambiental De certo no Brasil paiacutes da falta de aacutegua das secas das enchentes dos sem-terra das obras puacuteblicas feitas sem licenciamento ambiental existe um grande espaccedilo para discussatildeo da questatildeo ambiental Esta eacute notiacutecia todos os dias nos jornais eacute tema de conferecircncias eacute (ou deveria ser) preocupaccedilatildeo diaacuteria de nossos governantes e ainda de um sem nuacutemero de ONGs

Nesse contexto de escasseamento de recursos ambientais e de reavaliaccedilatildeo do nosso assim chamado ldquodesenvolvimento econocircmicordquo a conservaccedilatildeo da natureza estaacute na ordem do dia Nossos panoramas social poliacutetico econocircmico e cultural nos mostram que eacute urgente a mudanccedila de comportamentos quanto ao meio ambiente Destaque-se ainda que a contemporaneidade desenvolve um paradigma social que tem sido chamado de ldquosociedade de riscordquo na terminologia apresentada por Ulrich Beck A produccedilatildeo da riqueza natildeo mais domina a produccedilatildeo dos riscos

Por outro lado experimentamos um momento de Neoconstitucionalismo em que ganham importacircncia discussotildees sobre a viabilidade das promessas constitucionais da aplicabilidade dos princiacutepios e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais entre eles o direito fundamental ao meio ambiente sadio mote do trabalho Em nosso Estado Democraacutetico de Direito sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo dirigente transformadora da realidade ganham importacircncia as poliacuteticas puacuteblicas ambientais necessaacuterias ante o texto constitucional

Mas o que fazer quando no nosso contexto de crise ambiental de sociedade de risco Executivo e Legislativo falham em implementar poliacuteticas puacuteblicas que concretizem o direito fundamental em anaacutelise Resta o recurso ao Judiciaacuterio terceiro poder a quem incumbe a jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental Analise-se entatildeo a possibilidade da chamada ldquojudicializaccedilatildeo das poliacuteticas ambientaisrdquo Perquirem-se doutrina e jurisprudecircncia sobre seus fundamentos e possibilidades ante o novo constitucionalismo brasileiro objetivando contribuir para o debate acadecircmico sobre a mateacuteria

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Marianna de Queiroz Gomes

Nesse sentido pretende-se realizar uma pesquisa bibliograacutefica e documental de objetivo exploratoacuterio sobre a possibilidade de o Judiciaacuterio por meio da judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais efetivar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Os meacutetodos seratildeo monograacuteficos quanto ao procedimento e prioritariamente dedutivos no que toca agrave abordagem

1 A QUESTAtildeO AMBIENTAL O PARADIGMA DA SOCIEDADE DE RISCO E A CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O homem eacute absolutamente dependente da natureza pois natildeo respira sem ela Por outro lado vivemos um contexto de superexploraccedilatildeo da natureza com nossa ideologia consumista corolaacuterio de uma produccedilatildeo industrial cada vez maior produto ainda de um desenvolvimento tecnoloacutegico e cientiacutefico nunca antes visto Nossas necessidades satildeo infinitas ao passo que os recursos naturais satildeo escassos Por outro acircngulo a populaccedilatildeo humana cresce em escala nunca antes experimentada (UNFPA 2011) A brasileira no mesmo sentido (IBGE 2011)

Em outra visatildeo do prisma nossa tecnologia e ciecircncia avanccedilam mas seu emprego com os alimentos transgecircnicos a energia nuclear a construccedilatildeo de projetos de grande impacto ambiental criam riscos e ameaccedilam a proacutepria sociedade a quem deveriam proteger Nosso modelo de desenvolvimento em cuja contabilidade natildeo costuma estar posta a variaacutevel ambiental mostra-se matematicamente insustentaacutevel a meacutedio e longo prazos Natildeo se pode esquecer ainda da desigualdade social alimentada pelo atual modelo de desenvolvimento (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010) Estaacute posta a questatildeo ambiental que natildeo eacute apenas nacional mas sim mundial

Em verdade a preocupaccedilatildeo social com o meio ambiente ganha relevacircncia na segunda metade do seacuteculo passado especialmente depois da crise do petroacuteleo e de desastres ambientais motivados por contaminaccedilatildeo nuclear Nesse momento histoacuterico nosso padratildeo de desenvolvimento calcado no ideal liberal e produto da Revoluccedilatildeo Industrial do seacuteculo XIX comeccedila a dar claros sinais de desgaste

ldquoA avaliaccedilatildeo eacute a seguinte enquanto na sociedade industrial a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riqueza domina a lsquoloacutegicarsquo da produccedilatildeo de riscos na sociedade de risco Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 352

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

essa relaccedilatildeo se inverterdquo (BECK 2010 p 9) Natildeo se trata de um risco apocaliacuteptico de perigo nuclear nem simplesmente de medo O risco eacute um fator a mais dentro dos processos decisoacuterios da nossa sociedade altamente industrializada

Para Beck (2010 p 15) a produccedilatildeo social da riqueza na modernidade caminha junto de uma produccedilatildeo social de riscos que satildeo tambeacutem ambientais Constata-se que uma das principais consequecircncias do nosso desenvolvimento cientiacutefico industrial eacute a exposiccedilatildeo da humanidade a riscos e a inuacutemeras modalidades de contaminaccedilatildeo nunca observados anteriormente A industrializaccedilatildeo poacutes-moderna natildeo se dissocia de um processo contiacuteguo de criaccedilatildeo de riscos A questatildeo se torna mais criacutetica ante a projeccedilatildeo de que os riscos criados hoje alcanccedilaratildeo geraccedilotildees futuras

ldquoA problemaacutetica ambiental global constitui um problema fundamental de nosso tempo []rdquo (SILVA-SAacuteNCHEZ 2010 p 18) Sintomaacutetica da conscientizaccedilatildeo global da segunda metade do seacuteculo XX sobre a questatildeo ambiental eacute a Conferecircncia de Estocolmo Ali o meio ambiente ecologicamente equilibrado eacute tratado pela primeira vez como direito fundamental do homem Estabelece seu Princiacutepio 013

O homem tem o direito fundamental agrave liberdade agrave igualdade e ao desfrute de condiccedilotildees de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar tendo a solene obrigaccedilatildeo de proteger e melhorar o meio ambiente para as geraccedilotildees presentes e futuras A este respeito as poliacuteticas que promovem ou perpetuam o apartheid a segregaccedilatildeo racial a discriminaccedilatildeo a opressatildeo colonial e outras formas de opressatildeo e de dominaccedilatildeo estrangeira satildeo condenadas e devem ser eliminadas

Com a emergecircncia da questatildeo ambiental decorrente da sociedade de risco em que vivemos observado ainda o panorama ideoloacutegico e juriacutedico que elevam o meio ambiente a bem de primeira grandeza a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 natildeo

3 Traduccedilatildeo disponiacutevel em lthttpwwwmmagovbrestruturasagenda21_arquivosestocolmodocgt acesso em 30 de abril de 2013 No texto original ldquoMan has the fundamental right to freedom equality and adequate conditions of life in an environment of a quality that permits a life of dignity and well-being and he bears a solemn responsibility to protect and improve the environment for present and future generations In this respect policies promoting or perpetuating apartheid racial segregation discrimination colonial and other forms of oppression and foreign domination stand condemned and must be eliminatedrdquo Disponiacutevel em lthttpwwwuneporgDocuments MultilingualDefaultPrintaspdocumentid=97amparticleid=1503gt acesso em 19062013

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poderia se omitir sobre a preocupaccedilatildeo ambiental De forma ineacutedita em nosso constitucionalismo o meio ambiente eacute ali tutelado expressamente no art 225 como direito fundamental apesar de natildeo alocado geograficamente no art 5ordm Eacute o texto da nossa Lei Maior

Art 225 Todos tecircm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial agrave sadia qualidade de vida impondo-se ao Poder Puacuteblico e agrave coletividade o dever de defendecirc-lo e preservaacute-lo para as presentes e futuras geraccedilotildees

Conforme Canotilho e Leite (2007 p 96) podemos dizer que ldquoFormalmente direitos fundamentais satildeo aqueles que reconhecidos na Constituiccedilatildeo ou em tratados internacionais atribuem ao indiviacuteduo ou a grupos de indiviacuteduos uma garantia subjetiva ou pessoalrdquo Percebemos entatildeo que formalmente eacute direito fundamental aquilo que a Constituiccedilatildeo diz ser Mas essa definiccedilatildeo natildeo eacute bastante Afinal qual a essecircncia de um direito fundamental qual seu elemento de reconhecimento

Na liccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva (2006 p 178) numa definiccedilatildeo de nuance material no qualificativo ldquofundamentaisrdquo encontra-se a indicaccedilatildeo de que se trata de situaccedilotildees juriacutedicas sem as quais a pessoa humana natildeo se realiza natildeo convive ou agraves vezes nem mesmo sobrevive fundamentais ao homem no sentido de que a todos por igual devem ser natildeo apenas formalmente reconhecidos mas concreta e materialmente efetivados

A doutrina classicamente elabora trecircs dimensotildees de direitos fundamentais De antematildeo cabe ponderar que a nomenclatura ldquogeraccedilotildeesrdquo embora tradicionalmente usada nesse contexto natildeo parece ser a mais adequada pois transmite uma ideia de que os direitos fundamentais evoluiriam e os mais novos substituiriam outros ou teriam preferecircncia ou sobre os antigos o que natildeo acontece Conforme melhor doutrina os direitos fundamentais estatildeo ligados por relaccedilatildeo de interdependecircncia Natildeo se pode gozar plenamente de um se natildeo assegurados tambeacutem os demais e nessa ordem de ideias tem-se preferido agravequele o termo ldquodimensotildeesrdquo (SARLET 2007 p 54)

Fixados os aspectos terminoloacutegicos vejamos propriamente como evoluem as dimensotildees de direitos fundamentais Antecipe-se a curiosidade de frequentemente fazer-se o paralelo entre as dimensotildees e o lema da Revoluccedilatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 354

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

Francesa ldquoLiberdade igualdade e fraternidaderdquo Bem por essa vereda percebe-se que a primeira eacute atinente a direitos civis e poliacuteticos relacionados ao proacuteprio indiviacuteduo como tal Sua construccedilatildeo ocorreu como produto da Revoluccedilatildeo Francesa sob a eacutegide de uma doutrina liberal em um momento histoacuterico em que existia a necessidade de proteger o homem do Estado ateacute entatildeo todo poderoso Nesse sentido pode-se pensar que tecircm o grande meacuterito de transformar relaccedilotildees de poder em relaccedilotildees juriacutedicas Observe-se ainda ser frequente adjetivaacute-los como direitos negativos pois impotildeem ao Estado um dever de natildeo-intervenccedilatildeo em uma determinada oacuterbita de liberdade individual Como exemplos podemos citar o direito agrave vida agrave liberdade o direito de voto a igualdade de todos ante a lei (igualdade formal)

A segunda dimensatildeo remonta ao iniacutecio do seacuteculo XX quando o liberalismo claacutessico comeccedila a dar seus primeiros sinais de desgaste Entre os fortes impactos da industrializaccedilatildeo com suas implicaccedilotildees sociais e econocircmicas acirravam-se os conflitos de classes Apenas a igualdade formal no papel sem efetivaccedilatildeo praacutetica jaacute natildeo se mostrava suficiente a aplacar os anseios sociais Exigia-se a igualdade material com mudanccedilas de postura do Estado que deveria ser agora natildeo apenas negativa mas sim positiva O Estado teria o dever de agir para propiciar ao indiviacuteduo bem-estar social com acesso a sauacutede educaccedilatildeo e lazer por exemplo no que se observa um agir afirmativo daquele na consecuccedilatildeo da justiccedila social (SARLET 2007 p 56)

Apoacutes a Segunda Guerra Mundial detectou-se que alguns grandes temas diziam respeito agraves necessidades coletivas natildeo individuais Inviaacuteveis seu gozo e proteccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo o todo social fortalecendo-se viacutenculos de solidariedade Nessa toada os direitos fundamentais de terceira geraccedilatildeo trazem uma importante nota distintiva visam agrave proteccedilatildeo de interesses difusos coletivos Transcendem a titularidade individual posto natildeo se referirem apenas agrave tutela do homem enquanto indiviacuteduo mas sim agrave proteccedilatildeo de grupos humanos Nas palavras de Bonavides (2011 p 569) eacute seu destino ldquoo gecircnero humano mesmo num momento expressivo de sua afirmaccedilatildeo como valor supremo em termos de existencialidade concretardquo Por tal motivo satildeo denominados direitos de fraternidade

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ou de solidariedade e podemos citar como exemplo a paz a autodeterminaccedilatildeo dos povos e com especial importacircncia a esta obra o meio ambiente

Eacute tendecircncia ainda a discussatildeo em torno de uma quarta geraccedilatildeo de direitos No cenaacuterio juriacutedico brasileiro destaque-se a posiccedilatildeo favoraacutevel do professor Paulo Bonavides segundo a qual integrariam essa categoria os direitos agrave democracia (direta) informaccedilatildeo e pluralismo correspondendo a uma fase de institucionalizaccedilatildeo do Estado social (BONAVIDES 2011 p 570-571)

Do exposto infere-se que o direito fundamental ao meio ambiente eacute uma construccedilatildeo recente integrante de uma terceira dimensatildeo desses direitos conforme jaacute tradicional classificaccedilatildeo Assim resguarda-se nesse conceito juriacutedico um bem reputado fundamental agrave vida sem o qual esta natildeo pode se realizar plenamente Destaca-se assim um viacutenculo de solidariedade social com a tutela de um interesse difuso transindividual que nas palavras de Fiorillo (2012 p 61) pertence ldquoa todos e a ningueacutem ao mesmo tempordquo

2 NEOCONSTITUCIONALISMO CONSTITUICcedilAtildeO DIRIGENTE E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS

Como se sabe nosso amplo rol de direitos fundamentais a despeito da ampla proteccedilatildeo conferida pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988 carece de efetivaccedilatildeo Nosso Estado tem falhado na implementaccedilatildeo de tais direitos especialmente em se tratando do direito fundamental ao meio ambiente sadio Perceba-se que conforme a proacutepria redaccedilatildeo do art 225 eacute obrigaccedilatildeo do Estado e da coletividade a defesa e preservaccedilatildeo de tal direito no que emergem as questotildees dos deveres fundamentais para os cidadatildeos e da formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais por parte do Estado

Hoje vivemos um momento no Direito que a doutrina convencionou chamar ldquoNeoconstitucionalismordquo Nessa nova realidade poacutes-positivista natildeo mais se vincula o constitucionalismo agrave ideia de limitaccedilatildeo do poder poliacutetico mas acima de tudo busca a eficaacutecia da Constituiccedilatildeo A norma fundamental ganha importacircncia de centro do sistema juriacutedico norma imperativa e superior numa hierarquia natildeo apenas formal mas sobretudo axioloacutegica

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Presenciamos uma fase de constitucionalizaccedilatildeo do Direito e a Constituiccedilatildeo tem forccedila normativa proacutepria Suas normas satildeo cogentes natildeo apenas meras promessas a serem realizadas por opccedilatildeo poliacutetica em um futuro distante A norma existe para ser realizada e pode condicionar a realidade Pontue-se que a Constituiccedilatildeo natildeo representa apenas a expressatildeo de um ser mas tambeacutem de um dever ser Graccedilas a sua pretensatildeo de eficaacutecia a Constituiccedilatildeo procura imprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade poliacutetica e social E ela tanto eacute determinada como eacute determinante da conjuntura social A forccedila condicionante da realidade e a normatividade da Constituiccedilatildeo podem ateacute ser diferenciadas mas natildeo definitivamente separadas ou confundidas (HESSE 1991 p 15)

Sobre o marco inicial do processo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito ensina Luis Roberto Barroso (2006 p 17) haver razoaacutevel consenso de que foi estabelecido na Alemanha do poacutes-guerra Sob a eacutegide da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinaacuterios que jaacute vinham de mais longe o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais aleacutem de sua dimensatildeo subjetiva de proteccedilatildeo de situaccedilotildees individuais desempenham uma outra funccedilatildeo a instituiccedilatildeo de uma ordem objetiva de valores O ordenamento juriacutedico deve tutelar determinados direitos e valores natildeo apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfaccedilatildeo Tais normas constitucionais condicionam a interpretaccedilatildeo de todos os ramos do Direito puacuteblico ou privado e vinculam os Poderes

Nesse passo reaproximam-se Direito Moral Justiccedila e outros valores substantivos revelando a importacircncia do homem como filtro axioloacutegico de todo o sistema poliacutetico e juriacutedico (BARROSO 2006 p 20) Incorporam-se valores e opccedilotildees poliacuteticas aos textos constitucionais especialmente no que diz respeito agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais A lei e de modo geral os Poderes Puacuteblicos devem natildeo soacute observar a forma prescrita na Constituiccedilatildeo mas com especial relevo estar em consonacircncia com seu espiacuterito seu caraacuteter axioloacutegico e os seus valores baacutesicos

Esse movimento tem como marco tentativa de concretizaccedilatildeo das prestaccedilotildees materiais prometidas servindo como ferramenta agrave implantaccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito Nesse modelo de Estado natildeo basta que direitos sejam

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previstos eles devem ser materialmente garantidos Na evoluccedilatildeo do conceito ao modelo atual passou-se de um Estado Legislativo de Direito no qual o Direito se limitava agrave lei a um modelo de Estado Social de Direito natildeo necessariamente democraacutetico cujo objetivo era atender agraves reivindicaccedilotildees da justiccedila social (BONAVIDES 2009 p 203-205)

O paradigma atual almeja aliar democracia (soberania popular) ao elemento baacutesico do Estado de Direito (a lei) natildeo mais como mero enunciado formal do legislador mas como ato de concretizaccedilatildeo dos valores humanos morais e eacuteticos fundamentais consagrados na Constituiccedilatildeo A lei que natildeo atende a essa exigecircncia eacute inconstitucional e deve ser desprezada (CUNHA JR 2010 p 543)

No contexto brasileiro o Neoconstitucionalismo emerge no cenaacuterio da Constituinte de 1988 e aiacute chegamos a um impasse O legislador constituinte foi profiacutecuo no estabelecimento de direitos fundamentais na Carta de 1988 legando aos inteacuterpretes o compromisso de efetivaacute-los transformando uma realidade que natildeo poderia parecer mais distante da estabelecida naquele texto

Ressalte-se ainda que nossa CF88 eacute dirigente compromissaacuteria esboccedilando um pacto entre Direito e transformaccedilatildeo social Preleciona Canotilho (1982 p 224) que ldquoConstituiccedilatildeo dirigente pode ser entendida como o bloco de normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do Estado se estabelecem diretivas e estatuem imposiccedilotildeesrdquo conceito que se aproxima do de ldquoConstituiccedilatildeo programaacuteticardquo Nesse sentido a Constituiccedilatildeo deixa de ser concebida como um estatuto organizatoacuterio do Estado definidor de competecircncias e regulador de processos transformando-se num verdadeiro plano global normativo do Estado e da sociedade determinante das tarefas dos programas e fins do Estado (TRINDADE 2009 p 29)

Esse conceito de constituiccedilatildeo dirigente trazido por Canotilho muito debatido celebrado e tambeacutem criticado mereceu revisatildeo na segunda ediccedilatildeo de sua obra Constituiccedilatildeo dirigente e vinculaccedilatildeo do legislador (2001 prefaacutecio)

a Constituiccedilatildeo dirigente estaacute morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionaacuterio capaz de por si soacute operar transformaccedilotildees emancipatoacuterias Tambeacutem suportaraacute impulsos tanaacuteticos qualquer texto constitucional dirigente introvertidamente vergado sobre si proacuteprio e alheio aos processos de abertura do direito constitucional

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ao direito internacional e aos direitos supranacionais Numa eacutepoca de cidadanias muacuteltiplas e de muacuteltiplos de cidadanias seria prejudicial aos proacuteprios cidadatildeos o fecho da Constituiccedilatildeo erguendo-se agrave categoria de linha Maginot contra invasotildees agressivas dos direitos fundamentais Alguma coisa ficou poreacutem da programaticidade constitucional Contra os que ergueram as normas programaacuteticas a linha de caminho de ferro neutralizadora dos caminhos plurais da implantaccedilatildeo da cidadania acreditamos que os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das poliacuteticas puacuteblicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito democraacuteticas e sociais

Por essa vereda o constitucionalismo dirigente-compromissaacuterio vincula natildeo apenas o legislador mas tambeacutem o administrador ao elaborar poliacuteticas puacuteblicas e ao praticar atos administrativos desconstruindo em certa medida a blindagem da discricionariedade e do meacuterito administrativo Por outro lado traz tambeacutem o controle jurisdicional das poliacuteticas puacuteblicas e as condiccedilotildees de possibilidade para a implementaccedilatildeo do Estado social e democraacutetico de direito

Nessa quadra da ciecircncia juriacutedica constitucionaliza-se o Direito Administrativo com a redefiniccedilatildeo da ideia de supremacia do interesse puacuteblico (agora dividido em primaacuterio e secundaacuterio) sobre o interesse privado e a vinculaccedilatildeo do administrador agrave Constituiccedilatildeo e natildeo apenas agrave lei ordinaacuteria Abre-se ainda a possibilidade de controle do meacuterito do ato administrativo atraveacutes dos princiacutepios constitucionais gerais como moralidade eficiecircncia e sobretudo a razoabilidade-proporcionalidade (BARROSO 2006 p 36-40)

Observa-se todavia especialmente em paiacuteses de modernidade tardia como o nosso um abismo largo entre o que propotildee a Constituiccedilatildeo dirigente e a efetiva operacionalizaccedilatildeo do Direito Constitucional Lecircnio Streck chama esse fenocircmeno de ldquosolidatildeo constitucionalrdquo (2006 p 5) Nesse contexto ganha relevo a jurisdiccedilatildeo constitucional Se Executivo e Judiciaacuterio falham em efetivar a Constituiccedilatildeo a missatildeo soccedilobra ao Judiciaacuterio Por essa linha Bachof (1996 p 10) chama atenccedilatildeo a uma relaccedilatildeo tensionante entre o Direito e a poliacutetica ldquoO juiz constitucional aplica certamente direito mas a aplicaccedilatildeo deste direito acarreta consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a valoraccedilotildees poliacuteticasrdquo

Afirma Streck (2006 p 25) que a dimensatildeo poliacutetica da Constituiccedilatildeo natildeo eacute uma dimensatildeo separada mas sim o ponto de estofo em que convergem as dimensotildees democraacutetica liberal e social daquilo que se pode denominar de

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ldquoessecircnciardquo do constitucionalismo do segundo poacutes-guerra Nenhuma dessas dimensotildees pode ser entendida isoladamente Propugna Streck (2006 p 34)

[] que os mecanismos constitucionais postos agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo e das instituiccedilotildees sejam utilizados eficazmente como instrumentos aptos a evitar que os poderes puacuteblicos disponham livremente da Constituiccedilatildeo A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar a opccedilatildeo pelo cumprimento ad hoc de dispositivos ldquomenos significativosrdquo da Lei Maior e o descumprimento sistemaacutetico daquilo que eacute mais importante ndash o seu nuacutecleo essencial-fundamental Eacute o miacutenimo a exigir-se pois

Democracia hoje eacute sinocircnimo de participaccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem de afirmaccedilatildeo de direitos fundamentais Por essa vereda eacute possiacutevel perceber a democracia de nosso tempo apontar para a predominacircncia do Judiciaacuterio sobre o Legislativo Na democracia do velho Estado de Direito esta relacionava-se com a formulaccedilatildeo textual das normas juriacutedicas pela via representativa ldquoAgora os direitos fundamentais natildeo podem ter sua determinaccedilatildeo de sentido na atividade legiferante visto que esta teraacute de atuar em consonacircncia com os mesmosrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2004 p 110)

A legislaccedilatildeo com finalidade social (do welfare state) eacute muito diferente da legislaccedilatildeo tradicional O estado social eacute promocional e isso gera tambeacutem problemas De um lado o legislador chamado a intervir em esferas sempre maiores de assunto ou atividade de outro o gigantismo do administrador Nesse contexto o Judiciaacuterio natildeo pode simplesmente se furtar agrave necessidade de controlar a constitucionalidade das leis e dos atos do executivo Os juiacutezes assim tornam-se ldquocontroladoresrdquo natildeo soacute da atividade civil e penal dos cidadatildeos mas tambeacutem dos ldquopoderes poliacuteticosrdquo talvez justamente pelo crescimento destes no estado moderno (CAPPELLETTI p 49)

Revecirc-se a tradicional separaccedilatildeo de poderes liberal privatista nascida da Revoluccedilatildeo Francesa O equiliacutebrio de freios e contrapesos estabelecido no seacuteculo passado natildeo mais serve ao nosso cenaacuterio que demanda uma jurisdiccedilatildeo constitucional

Em verdade o Estado tem papel de relevo na efetivaccedilatildeo dos direitos e na implementaccedilatildeo de valores socialmente relevantes Desta forma num momento histoacuterico em que a questatildeo ambiental ganha relevacircncia em nossa agenda poliacutetica

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

faz-se premente analisar a judicializaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ambientais Ora as normas constitucionais que prescrevem o direito fundamental ao meio ecologicamente equilibrado estatildeo longe de ser ldquomeramente programaacuteticasrdquo Vinculam a atuaccedilatildeo legislativa executiva e judiciaacuteria do aparato estatal (GAVIAtildeO FILHO 2005)

O direito fundamental ao meio ambiente determina posiccedilotildees fundamentais juriacutedicas definitivas a fim de que o Estado atue positivamente no sentido de realizar accedilotildees faacuteticas Caracteriza um direito a prestaccedilotildees em sentido estrito Todos os titulares do direito fundamental ao ambiente podem exigir do Estado algo correspondente a prestaccedilotildees positivas ou materiais as poliacuteticas puacuteblicas (GAVIAtildeO FILHO 2005 p 17)

Natildeo se deve interpretar a Constituiccedilatildeo de forma dissociada de seus fundamentos e objetivos A CF88 (artigo 225 caput e art 5ordm sect 2ordm) natildeo soacute atribuiu ao direito ao meio ambiente o status de direito fundamental do indiviacuteduo e da coletividade como consagrou a proteccedilatildeo ambiental (art 170) como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado ndash Socioambiental - de Direito brasileiro (SARLET FENSTERSEIFER p 13)

Desse raciociacutenio o Estado na busca de satisfaccedilatildeo desse direito humano e fundamental tem direito a explorar seus proacuteprios recursos segundo poliacuteticas de meio ambiente e desenvolvimento No reverso da moeda tem o dever de assegurar que atividades sob sua jurisdiccedilatildeo ou controle natildeo causem danos ao seu meio ambiente nem aos de outros Estados (TREVIZAN 2007 p 56)

Na verdade lembra Joatildeo Luiacutes Nogueira Matias (2013) que a exigecircncia de postura mais ativa do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo de direitos eacute exigecircncia do que se convencionou chamar Estado Democraacutetico de Direito Avanccedilamos de um direito reprodutor de realidades a um Direito com potencialidade de transformar a sociedade Assim aleacutem de suas funccedilotildees tiacutepicas atribui-se ao Judiciaacuterio a funccedilatildeo de efetivar as normas constitucionais em caso de omissatildeo dos Poderes Legislativo e Executivo Tem-se uma nova percepccedilatildeo da funccedilatildeo desse terceiro Poder com a jurisdiccedilatildeo constitucional

Ao falar em controle difuso de constitucionalidade em jurisdiccedilatildeo constitucional logo vem a associaccedilatildeo com a obra de Haumlberle e sua proposta de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 361

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ampliaccedilatildeo da sociedade aberta de inteacuterpretes da Constituiccedilatildeo Em suma no contexto de um Estado de Direito que se pretende democraacutetico e social eacute fundamental que a leitura da Constituiccedilatildeo se faccedila em voz alta e agrave luz do dia em um processo verdadeiramente puacuteblico e republicano pelos diversos atores da cena institucional ndash agentes poliacuteticos ou natildeo ndash porque ao fim e ao cabo todos os membros da sociedade poliacutetica fundamentam na Constituiccedilatildeo de forma direta e imediata os seus direitos e deveres (CANOTILHO 1991 p 208)

Assegurando o dissenso hermenecircutico e racionalizando as divergecircncias de interpretaccedilatildeo em torno da Constituiccedilatildeo perspectivas como as de Haumlberle auxiliam a preservaccedilatildeo da unidade poliacutetica e mesmo da manutenccedilatildeo da ordem juriacutedica objetivos fundamentais de toda Constituiccedilatildeo (TRINDADE 2008)

A Constituiccedilatildeo promete mas o estado natildeo entrega Nas democracias atuais o balcatildeo do Judiciaacuterio surge como soluccedilatildeo para as frustraccedilotildees dos jurisdicionados Ingeborg Maus bem observa essa tendecircncia apontando um certo paternalismo na atuaccedilatildeo do terceiro poder o alcunhado pela autora ldquosuperego da sociedade oacuterfatilderdquo (2000)

A aproximaccedilatildeo entre Direito e Moral torna a Justiccedila a mais alta instacircncia da moral que escapa ao controle social Esse tipo de conjuntura eacute passiacutevel da criacutetica de infantilizaccedilatildeo social As expectativas sociais satildeo depositadas no Judiciaacuterio que aparece como ldquosalvador da paacutetriardquo ao inveacutes de a sociedade procurar se organizar e buscar ela mesma o protagonismo no cumprimento das promessas constitucionais Nas palavras de Maus (2000 p 190 grifou-se)

A Justiccedila aparece entatildeo como uma instituiccedilatildeo que sob a perspectiva de um terceiro neutro auxilia as partes envolvidas em conflitos de interesses e situaccedilotildees concretas por meio de uma decisatildeo objetiva imparcial e por isto justa O infantilismo da crenccedila na Justiccedila aparece de forma mais clara quando se espera da parte do Tribunal Federal Constitucional uma retificaccedilatildeo de sua proacutepria postura frente agraves questotildees que envolvem a cidadania Exigecircncias de Justiccedila social e proteccedilatildeo ambiental aparecem com pouca frequumlecircncia no proacuteprio comportamento eleitoral e muito menos em processos natildeo institucionalizados de formaccedilatildeo de consenso sendo transferidas tais expectativas para o criteacuterio distributivo da mais alta Corte

Reflita-se que esse ganho de poder do Judiciaacuterio natildeo vem sem riscos agrave proacutepria Constituiccedilatildeo A intervenccedilatildeo da justiccedila constitucional a criaccedilatildeo judicial do Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 362

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

direito ante o caso concreto pode ir contra a CF88 A sociedade civil nesse processo de dirigismo constitucional tem importante papel numa luta que eacute natildeo soacute juriacutedica mas tambeacutem poliacutetica Adverte Streck (2006 p 40) que o grau de dirigismo e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo dependeraacute natildeo somente mas tambeacutem da atuaccedilatildeo da sociedade civil instando as instacircncias judiciaacuterias ao cumprimento da Constituiccedilatildeo mediante o uso dos diversos mecanismos institucionais (accedilotildees constitucionais controle difuso e concentrado de constitucionalidade) E isto tambeacutem implica lutas poliacuteticas

Aponte-se que a criatividade judicial eacute por vezes confundida com ativismo criaccedilatildeo de Direito natildeo legislado o que acaba por trazer um cunho depreciativo agrave expressatildeo ldquoativismo judicialrdquo por vezes usada como sinocircnimo de ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo Nesse ponto cabe buscarmos uma definiccedilatildeo para os termos ldquojudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo e ldquopoliacuteticas puacuteblicasrdquo noccedilotildees fundamentais ao estudo da jurisdiccedilatildeo constitucional

ldquoJudicializaccedilatildeo da poliacuteticardquo eacute termo que vem da sociologia cunhado por Tate e Vallinder (1996) sinocircnimo de ldquopolitizaccedilatildeo da justiccedilardquo e significa os efeitos da expansatildeo do Poder Judiciaacuterio no processo decisoacuterio das democracias contemporacircneas Nesse sentido ldquojudicializarrdquo a poliacutetica eacute utilizar os meacutetodos tiacutepicos da decisatildeo judicial na resoluccedilatildeo de disputas e demandas nas arenas poliacuteticas em dois contextos

O primeiro resultaria da ampliaccedilatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo dos tribunais pela revisatildeo judicial de accedilotildees legislativas e executivas fruto da constitucionalizaccedilatildeo de direitos e de mecanismos de checks and balances Jaacute o segundo contexto mais difuso seria constituiacutedo pela introduccedilatildeo ou expansatildeo de staff judicial ou de procedimentos judiciais no Executivo (casos de tribunais eou juiacutezes administrativos como o contencioso tributaacuterio o contencioso das agecircncias reguladoras e autarquias de controle) e no Legislativo ndash com as Comissotildees Parlamentares de Inqueacuterito eg (MACIEL KOERNER 2002 p 114)

Na perspectiva constitucional a judicializaccedilatildeo diz respeito ao novo estatuto dos direitos fundamentais e agrave superaccedilatildeo de um determinado modelo da separaccedilatildeo dos poderes do Estado que levaria agrave ampliaccedilatildeo dos poderes de intervenccedilatildeo dos tribunais na poliacutetica Por outro lado se considerarmos tal como um processo que

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potildee em risco a democracia a tendecircncia seria agravada pelo nosso sistema hiacutebrido de controle da constitucionalidade (MACIEL KOERNER 2002 p 117)

Mas o Direito natildeo eacute esfera independente da poliacutetica Esclarece Bucci (2006 p 1) que o fenocircmeno do direito especialmente o puacuteblico eacute inteiramente permeado pelos valores e pela dinacircmica da poliacutetica Para essa autora (2006 p 6) um aspecto notaacutevel desse novo constitucionalismo eacute justamente a introduccedilatildeo da dimensatildeo do conflito na vida institucional cotidiana Os conflitos sociais natildeo satildeo negados ou mascarados pela idealizaccedilatildeo de uma liberdade individual Ao contraacuterio os embates sociais por direitos ganham lugar privilegiado nas arenas de socializaccedilatildeo poliacutetica em especial no Poder Legislativo mas tambeacutem de certa forma no Poder Judiciaacuterio

Maria Paula Dallari Bucci (2006 p 39) formula ainda a seguinte proposiccedilatildeo acerca do alcance da expressatildeo ldquopoliacutetica puacuteblicardquo

Poliacutetica puacuteblica eacute o programa de accedilatildeo governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados ndash processo eleitoral processo de planejamento processo de governo processo orccedilamentaacuterio processo legislativo processo administrativo processo judicial ndash visando coordenar os meios agrave disposiccedilatildeo do Estado e as atividades privadas para a realizaccedilatildeo de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados Como tipo ideal poliacutetica puacuteblica deve visar a realizaccedilatildeo de objetivos definidos expressando a seleccedilatildeo de prioridades a reserva de meios necessaacuterios agrave sua consecuccedilatildeo e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados

Por outro lado com a revalorizaccedilatildeo da eacutetica e da moral o magistrado tem maior liberdade para proferir suas decisotildees com o objetivo de concretizar os princiacutepios constitucionalmente eleitos Inegaacutevel entatildeo a funccedilatildeo nuclear do Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo de direitos Os tribunais criam jurisprudecircncia cultura juriacutedica e satildeo observados de perto por todo o paiacutes

Como lembra Cappelletti (p 68) o tribunal investido da aacuterdua tarefa de efetivar a constituiccedilatildeo eacute desafiado pelo dilema de dar conteuacutedo a por vezes enigmaacuteticos e vagos preceitos conceitos e valores (tarefa inegavelmente criativa) Ou por outro caminho pode essa corte considerar como natildeo vinculantes justamente a parte dos textos constitucionais relativa agrave salvaguarda dos direitos fundamentais do homem em face do Poder Puacuteblico A longo prazo esta segunda escolha embora mais faacutecil mostra-se dificilmente defensaacutevel Reside aiacute um paradoxo pois ao passo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 364

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

que por exigecircncia de nosso constitucionalismo o juiz por vezes cria direito ao interpretar a lei ao caso concreto aiacute tambeacutem reside o ponto de maior inseguranccedila e menor legitimidade democraacutetica do direito jurisprudencial

Sobre a praacutexis do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais lembra Matias (2013 p 73) que inovaccedilotildees como a responsabilizaccedilatildeo objetiva pelos danos ambientais a imprescritibilidade do dano ambiental ou a funcionalizaccedilatildeo do direito de propriedade satildeo instrumentos de frequente utilizaccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo do direito em anaacutelise Mas como soacutei ocorrer diante de qualquer mudanccedila de paradigmas haacute ainda muita resistecircncia na aceitaccedilatildeo dos novos padrotildees

Merece realce nessa toada a posiccedilatildeo que o STF tem adotado em algumas decisotildees no sentido da busca pelos fundamentos e limites do controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas Vejamos trecho do voto do Ministro Celso de Mello no Recurso Extraordinaacuterio 410715-54

Eacute certo que natildeo se inclui ordinariamente no acircmbito das funccedilotildees institucionais do Poder Judiciaacuterio mdash e nas desta Suprema Corte em especial mdash a atribuiccedilatildeo de formular e de implementar poliacuteticas puacuteblicas pois nesse domiacutenio com o adverte a doutrina o encargo reside primariamente nos Poderes Legislativo e Executivo Impende assinalar entanto que tal incumbecircncia poderaacute atribuir-se embora excepcionalmente ao Poder Judiciaacuterio se e quando os oacutergatildeos estatais competentes por descumprirem os encargos poliacutetico-juriacutedicos que sobre eles incidem em caraacuteter mandatoacuterio vierem a comprometer com tal comportamento a eficaacutecia e a integridade de direitos individuais e o u coletivos impregnados de estatura constitucional como sucede na espeacutecie ora em exame

No acoacuterdatildeo do Recurso Especial 650728SC5 (julgado em 23102007 publicado em 02102009) observa-se afirmaccedilatildeo elucidativa sobre como o STJ

4 RE 410715 AgR SP - SAtildeO PAULO AGREGNO RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO Relator(a) Min CELSO DE MELLO Julgamento 22112005 Oacutergatildeo Julgador Segunda Turma Publicaccedilatildeo DJ 03-02-2006

5 REsp 650728 SC Recurso Especial 20030221786-0 relator(a) Ministro Herman Benjamin (1132) oacutergatildeo julgador T2 - segunda turma data do julgamento 23102007 data da publicaccedilatildeofonte dje 02122009 Ementa PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL NATUREZA JURIacuteDICA DOS MANGUEZAIS E MARISMAS TERRENOS DE MARINHA AacuteREA DE PRESERVACcedilAtildeO PERMANENTE ATERRO ILEGAL DE LIXO DANO AMBIENTAL RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA OBRIGACcedilAtildeO PROPTER REM NEXO DE CAUSALIDADE AUSEcircNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PAPEL DO JUIZ NA IMPLEMENTACcedilAtildeO DA LEGISLACcedilAtildeO AMBIENTAL ATIVISMO JUDICIAL MUDANCcedilAS CLIMAacuteTICAS DESAFETACcedilAtildeO OU DESCLASSIFICACcedilAtildeO JURIacuteDICA TAacuteCITA SUacuteMULA

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Marianna de Queiroz Gomes

naquela ocasiatildeo percebeu o papel do juiz na implementaccedilatildeo da legislaccedilatildeo ambiental ldquoNo Brasil ao contraacuterio de outros paiacuteses o juiz natildeo cria obrigaccedilotildees de proteccedilatildeo do meio ambiente Elas jorram da lei apoacutes terem passado pelo crivo do Poder Legislativo Daiacute natildeo precisarmos de juiacutezes ativistas pois o ativismo eacute da lei e do texto constitucionalrdquo

Frequentemente satildeo opostas algumas criacuteticas ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais dentre elas a ilegitimidade do Judiciaacuterio para apreciar tais questotildees pelo fato de os juiacutezes natildeo terem sido eleitos via voto popular a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes pela invasatildeo indevida de um Poder na esfera de competecircncia de outro a discricionariedade do Executivo na elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas a reserva do possiacutevel

Ilegiacutetima eacute a atuaccedilatildeo estatal em desconformidade com a Lei Maior fundamento de validade dos atos e leis estatais A democracia (substancial) no Estado Democraacutetico de Direito demanda um Poder contramajoritaacuterio que possa efetivar direitos e obedecer agrave Constituiccedilatildeo se natildeo o fazem os demais e nisso o Judiciaacuterio ganha legitimidade democraacutetica

Sobre a separaccedilatildeo de poderes como visto esta no atual constitucionalismo natildeo eacute tatildeo riacutegida como no seacuteculo passado O ideal da estrita separaccedilatildeo de poderes teve como consequecircncia um Judiciaacuterio deacutebil com um Executivo e um Legislativo natildeo controlados Daacute-se um salto paradigmaacutetico No Neoconstitucionalismo a leitura claacutessica do princiacutepio da separaccedilatildeo de poderes com limites riacutegidos agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio cede a outras visotildees mais favoraacuteveis ao ldquoativismo judicialrdquo em defesa dos valores constitucionais (SARMENTO 2009 p 8)

Em verdade o Poder eacute um soacute do Estado que exerce funccedilotildees tiacutepicas e atiacutepicas por seus oacutergatildeos todos vinculados e compromissados com a Constituiccedilatildeo Importam menos a separaccedilatildeo de poderes e as maiorias e ganha relevacircncia a decisatildeo judicial de legitimidade constitucional

Quanto agrave reserva do possiacutevel devemos perceber que o orccedilamento eacute lei

autorizativa ela natildeo faz o gasto puacuteblico mas autoriza-o Assim acerca da

282STF VIOLACcedilAtildeO DO ART 397 DO CPC NAtildeO CONFIGURADA ART 14 sect 1deg DA LEI 69381981

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas natildeo basta a ausecircncia da rubrica orccedilamentaacuteria

deve-se perquirir pela real ausecircncia do recurso financeiro que iria arcar com o ocircnus

daquela Por outro lado deve-se questionar se a real questatildeo eacute a ausecircncia do

recurso financeiro ou a destinaccedilatildeo de recursos para aacutereas que natildeo deveriam ser

prioritaacuterias como propaganda institucional do governo e verbas de gabinetes por

exemplo

No acircmbito da Uniatildeo registre-se que o total de recursos destinados na lei

orccedilamentaacuteria ao Ministeacuterio do Meio Ambiente (MMA) por exemplo nem sempre eacute

totalmente liquidado Em palavras simples o problema natildeo eacute apenas ldquocaixardquo mas

tambeacutem direcionamento poliacutetico e organizaccedilatildeo gerencial No ano de 2006 diga-se o

iacutendice de execuccedilatildeo geral do orccedilamento do MMA no ano ficou em apenas 54 o

que eacute muito pouco e rebate de forma contundente o argumento da reserva do

possiacutevel (DUTRA OLIVEIRA PRADO 2006)

Cabe lembrar que a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente

relaciona-se de forma muito proacutexima ao princiacutepio da maacutexima efetividade da

Constituiccedilatildeo Ressalte-se ainda o princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme a Constituiccedilatildeo

segundo o qual natildeo se deve compreender a Constituiccedilatildeo agrave luz da legislaccedilatildeo

infraconstitucional mas sim as leis agrave luz da Constituiccedilatildeo Federal Postas essas duas

premissas reforccedila-se a aplicaccedilatildeo direta dos dispositivos constitucionais e legais

com a possibilidade de o Poder Judiciaacuterio concretizar os preceitos que utilizam

conceitos indeterminados sem aguardar por sua definiccedilatildeo legislativa ou

regulamentar

Vale lembrar ainda que conforme o art 5ordm sect1ordm da Constituiccedilatildeo Federal de

1988 a norma constitucional que prevecirc o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado tem aplicabilidade imediata Natildeo se trata de mera

possibilidade de governo ou exortaccedilatildeo ao Poder Puacuteblico fato que nada contribui

para a verdadeira efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Trata-se de um direito

justiciaacutevel como tem se mostrado em accedilotildees ordinaacuterias e accedilotildees civis puacuteblicas pelo

paiacutes (BRAZ 2006)

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O assunto todavia natildeo eacute paciacutefico e estaacute em construccedilatildeo Vejamos ementa de decisatildeo do STJ (grifou-se)6

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL IMPORTACcedilAtildeO DE PNEUS USADOS PROVA PERICIAL INDEFERIMENTO AUSEcircNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA INUTILIDADE NO CONTROLE DE POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS ESTUDO PREacuteVIO DE IMPACTO AMBIENTAL ESTRATEacuteGICO 1 Cuidam os autos de Accedilatildeo Ordinaacuteria movida pelo recorrente contra a Uniatildeo e o Ibama com o fito de obter licenccedila de importaccedilatildeo de pneus usados reputando invaacutelidas as normas ambientais que vedam tal operaccedilatildeo O Tribunal de origem manteve o indeferimento do pedido de realizaccedilatildeo de prova pericial por consideraacute-la desnecessaacuteria[] 5 Como regra natildeo passa de despropoacutesito querer submeter Poliacuteticas Puacuteblicas mais ainda as legisladas agrave periacutecia judicial excluiacuteda a possibilidade de exigecircncia de Estudo Preacutevio de Impacto Ambiental Estrateacutegico quando a sua implementaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo demandarem a realizaccedilatildeo futura de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradaccedilatildeo do meio ambiente exatamente o oposto da hipoacutetese dos autos

Um caso emblemaacutetico sobre o tratamento que o estado brasileiro vem dando agraves poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute o da BR-319 Nessa situaccedilatildeo percebe-se a preocupaccedilatildeo ambiental como secundaacuteria ou ateacute inexistente tendo em vista a Portaria Interministerial 2732004 firmada entre Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes e a qual estabelecia como desnecessaacuterio o licenciamento ambiental para obras daquela rodovia7

No resumo da SECEX-AM (2006 p 31 grifou-se) sobre a continuidade de obras naquela rodovia ante a Portaria 2732004

Na verdade o Ministeacuterio do Meio Ambiente e o Ministeacuterio dos Transportes em 3 de novembro de 2004 expediram a Portaria Interministerial 2732004

6 Data da Decisatildeo 15122009 Data da Publicaccedilatildeo 04052011 Processo RESP 200901441254 RESP -RECURSO ESPECIAL ndash 1129785 Relator(a) ELIANA CALMON Oacutergatildeo julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA04052011

7 Art 6ordm da Portaria Interministerial 2732004 de 3 de novembro de 2004 ldquoAs obras de ampliaccedilatildeo da capacidade de rodovias pavimentadas jaacute iniciadas especificadas no art 2o inciso IV da presente Portaria que natildeo possuem licenciamento ambiental somente poderatildeo ter continuidade apoacutes a celebraccedilatildeo de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com forccedila de tiacutetulo executivo extrajudicial nos termos do art 5o sect 6o da Lei no 7347 de 24 de julho de 1985 entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA nas condiccedilotildees e prazos estipulados nesse ajusterdquo Disponiacutevel em lthttpwwwiapprgovbrarquivosFileLegislacao_ambientalLegislacao_federal PORTARIASPORTARIA_INTERMINISTERIAL_MMA_DNIT_273_2004_OBRAS_RESTAURACAO_RODOVIAS_DNIT_020609pdfgt Acesso em 19 jun 2013

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

criando o Programa Nacional de Regularizaccedilatildeo Ambiental de Rodovias Federais com o objetivo de adequar a malha rodoviaacuteria federal pavimentada existente agraves normas ambientais Assim nas rodovias pavimentadas autorizaram-se as atividades de manutenccedilatildeo conservaccedilatildeo e restauraccedilatildeo Estabeleceu-se que o MT apresentaria ao MMA um levantamento da situaccedilatildeo ambiental das rodovias pavimentadas visando definir um cronograma para sua respectiva regularizaccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo de TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) entre o DNIT e o IBAMA Ou seja para as rodovias pavimentadas onde se tratasse de conservaccedilatildeo restauraccedilatildeo ou manutenccedilatildeo mediante a realizaccedilatildeo do TAC estaria dispensado o licenciamento ambiental O fato eacute que a obra [manutenccedilatildeo da BR-319] natildeo dispotildee de licenccedila ambiental vaacutelida ou mesmo o TAC O TAC apresentado natildeo foi assinado pelo IBAMA e neste caso natildeo existe documento que resguarde o empreendimento de regularizaccedilatildeo ambiental

Registremos nesse passo Accedilatildeo Cautelar Preparatoacuteria de Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200004906-78 em 1272005 com pedido de liminar ajuizada pelo que o Ministeacuterio Puacuteblico Federal do Amazonas (MPF) objetivando em resumo impedir o iniacutecio das obras de recuperaccedilatildeo da BR-319 ateacute que se atendessem aos requisitos exigidos pela legislaccedilatildeo ambiental brasileira especialmente o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatoacuterio de Impacto Ambiental (EIARIMA) O juiacutezo da 1ordf Vara da Justiccedila Federal no Amazonas deferiu em 28072005 a liminar A decisatildeo foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (BRAZ 2006 p 140)

Em 28092005 o MPF ajuizou a Accedilatildeo Civil Puacuteblica n 20053200005731-49 contra o DNIT e as construtoras responsaacuteveis pela restauraccedilatildeo da rodovia BR-319 tendo como objetivo final a nulidade da licitaccedilatildeo da obra pela ausecircncia estudos preacutevios de impacto ambiental Como fundamento do pedido a inconstitucionalidade da Portaria Interministerial 2732004 que dispensaria o EIARIMA A Justiccedila Federal do Amazonas deferiu a liminar mas a decisatildeo foi posteriormente suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ordf Regiatildeo (TRF1)10 Dentre outros argumentos esta

8 Processo 20053200004906-7 Nova Numeraccedilatildeo 0004894-8120054013200 Classe 183 - CAUTELAR INOMINADA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 12072005

9 Processo 20053200005731-4 Nova Numeraccedilatildeo 0005716-7020054013200 Classe 65 - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA Vara 1ordf VARA FEDERAL Juiacuteza JAIZA MARIA PINTO FRAXE Data de Autuaccedilatildeo 29082005 Distribuiccedilatildeo 11 - REDISTRIBUICAO POR DEPENDENCIA (21052010)

10 Suspensatildeo de seguranccedila 20050100066991-0AM Nova Numeraccedilatildeo 0000479-5220054010000 Autuado em 26102005 Oacutergatildeo Julgador CORTE ESPECIAL Juiz Relator DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE Processo Originaacuterio 20053200005731-4AM (accedilatildeo civil puacuteblica)

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Corte alegou que o impacto ambiental jaacute fora suportado quando da abertura da estrada na deacutecada de 70 argumento esse que natildeo se coaduna com a proteccedilatildeo ambiental efetiva e com o fator de induccedilatildeo ao desmatamento que o asfaltamento vai trazer11

Jaacute num caso de exploraccedilatildeo de recursos energeacuteticos em aacuterea indiacutegena12 percebe-se inclinaccedilatildeo do TRF1 a uma tutela judicial mais efetiva do direito fundamental ao meio ambiente referindo-se a corte ainda a um ldquomiacutenimo existencial-ecoloacutegico indiacutegenardquo Nesse caso da Apelaccedilatildeo Ciacutevel ndash 200639030007118 manifestou-se o TRF pela procedecircncia da accedilatildeo para impedir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaacuteveis - IBAMA de praticar qualquer ato administrativo e tornar insubsistentes aqueles jaacute praticados referentes ao licenciamento ambiental da Usina Hidreleacutetrica de Belo Monte no Estado do Paraacute Ordenou ainda agraves empresas executoras do empreendimento hidreleacutetrico Belo Monte em referecircncia a imediata paralisaccedilatildeo das atividades de sua implementaccedilatildeo sob pena de multa coercitiva no montante de R$50000000 (quinhentos mil reais) por dia de atraso no cumprimento da ordem

Temos como parte da ementa do acoacuterdatildeo

Nesse contexto de desafios das metas de desenvolvimento para todos os seres vivos neste novo milecircnio na perspectiva da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas - Rio+20 a tutela jurisdicional-inibitoacuteria do risco ambiental que deve ser praticada pelo Poder Judiciaacuterio Republicano como instrumento de eficaacutecia dos princiacutepios da precauccedilatildeo da prevenccedilatildeo e da proibiccedilatildeo do retrocesso ecoloacutegico como no caso em exame no controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas do meio ambiente a garantir inclusive o miacutenimo existencial-ecoloacutegico dos povos indiacutegenas atingidos diretamente e indiretamente em seu patrimocircnio de natureza material e imaterial (CF art 216 caput incisos I e II) pelo Programa de Aceleraccedilatildeo Econocircmica do Poder Executivo Federal haacute de resultar assim dos comandos normativos dos arts 3ordm incisos I a IV e 5ordm caput e incisos XXXV e LXXVIII e respectivo

11 Nas palavras do relator para a suspensatildeo de seguranccedila que possibilitou a continuidade das obras ldquoResta saber se existe ou natildeo a possibilidade de dano irreparaacutevel ao meio ambiente A Rodovia BR-319 liga Manaus a Porto Velho e teve a construccedilatildeo concluiacuteda em 1977 com 8774 quilocircmetros de extensatildeo Portanto lesatildeo jaacute houve ao meio ambiente e consolidou-se com a construccedilatildeo da rodovia tendo em vista o impacto causado agrave flora e agrave fauna da regiatildeo para a abertura da estrada (MINISTEacuteRIO DOS TRANSPORTES 2006 p 109)rdquo

12 EDAC 200639030007118 EDAC - EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO NA APELACcedilAtildeO CIVEL ndash 200639030007118 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE Sigla do oacutergatildeo TRF1 Oacutergatildeo julgador QUINTA TURMA Fonte e-DJF1 DATA27082012 PAGINA316 Data da Decisatildeo 13082012 Data da Publicaccedilatildeo 27082012

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

paraacutegrafo 2ordm cc os arts 170 incisos I a IX e 225 caput e 231 sect 3ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil em decorrecircncia dos tratados e convenccedilotildees internacionais neste sentido visando garantir a inviolabilidade do direito fundamental agrave sadia qualidade de vida bem assim a defesa e preservaccedilatildeo do meio ambiente ecologicamente equilibrado em busca do desenvolvimento sustentaacutevel para as presentes e futuras geraccedilotildees

Percebe-se assim que a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais eacute um fato e a tendecircncia eacute que nossos Tribunais mais e mais sejam instados a se manifestar sobre accedilotildees com esse teor Todavia as decisotildees tomadas nesse sentido tendem a ser tiacutemidas e muitas vezes se proferidas em primeira instacircncia satildeo reformadas pelos Tribunais mais conservadores em geral quanto ao controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Aponta Matias (2013 p 89) existir em construccedilatildeo um sistema judicial efetivo de privileacutegio do direito ao meio ambiente sadio e sua proteccedilatildeo A marcha nesse sentido parece irreversiacutevel

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diz-se que nosso Direito Constitucional passou por uma revoluccedilatildeo copernicana nas uacuteltimas deacutecadas com o primado da Carta Magna cobre as outras leis De fato vivemos sob a eacutegide de uma Constituiccedilatildeo que eacute o aacutepice do ordenamento juriacutedico e agrave qual devem obediecircncia todos os atos normativos e materiais do Estado Esse eacute ponto paciacutefico

O desafio para as proacuteximas deacutecadas agora parece ser a efetivaccedilatildeo dessa Constituiccedilatildeo engajada que clama pela transformaccedilatildeo social Em tese percebe-se a Constituiccedilatildeo como dirigente anui-se com sua forccedila normativa com a necessidade da jurisdiccedilatildeo constitucional com a necessidade de as poliacuteticas estatais efetivarem direitos e estarem conforme as finalidades erigidas no art 3ordm Entretanto quando se fala na praacutetica em controle de atos estatais desconformes com essa Constituiccedilatildeo existe um recuo

Especificamente quanto ao objeto deste estudo percebe-se que na teoria tem-se todo o embasamento legal teacutecnico e filosoacutefico para que a Lei Maior seja efetivada e concretizado o direito fundamental ao meio ambiente sadio se natildeo por

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leis ou por atos administrativos pela matildeo do Judiciaacuterio Mas isso natildeo acontece ou pelo menos com a frequecircncia necessaacuteria ou com a abrangecircncia determinada por nossa Lei Maior Surgem barreiras poliacuteticas econocircmicas socioloacutegicas Separam-se validade e eficaacutecia das normas constitucionais

E aiacute se desenham alguns oacutebices como a alegada separaccedilatildeo de poderes a discricionariedade da Administraccedilatildeo a reserva do possiacutevel os quais como demonstrado natildeo se mostram suficientes a obstaculizar o controle judicial de poliacuteticas puacuteblicas ambientais

Mais importante que a separaccedilatildeo de poderes que a discricionariedade da Administraccedilatildeo eacute a efetividade da Constituiccedilatildeo A reserva do possiacutevel mostra-se um obstaacuteculo relativizaacutevel Para fazer frente ao mastodonte Legislativo e ao leviatanesco Executivo emerge o Judiciaacuterio a quem incumbe no Estado Democraacutetico de Direito a derradeira defesa da Constituiccedilatildeo O terceiro poder todavia ainda se mostra vacilante no contexto da jurisdiccedilatildeo constitucional ambiental com posturas permeadas por avanccedilos e retrocessos Espera-se que essa resistecircncia na aceitaccedilatildeo de novos padrotildees de jurisdiccedilatildeo ambiental cedam com o tempo Em nome da Constituiccedilatildeo

REFEREcircNCIAS

BACHOF Otto Estado de Direito e Poder Poliacutetico Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra vol LVI Coimbra Coimbra Editora 1996 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do Direito O triunfo tardio do direito constitucional no brasil THEMIS Revista da ESMEC Escola Superior da Magistratura do Estado do Cearaacute Fortaleza v 4 n 2 p 18-19 juldez 2006 Disponiacutevel em lthttpwww2tjcejusbr8080esmecwp-contentuploads 200810 themis_v4_n_2pdfgt acesso em 19062013 BECK Ulrich Sociedade de risco rumo a uma outra modernidade Satildeo Paulo Ed 34 2010 BONAVIDES Paulo Do estado liberal ao estado social 9 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 26 ed atual Satildeo Paulo Malheiros 2011 BRAZ Sebastiatildeo Ricardo Braga Exigibilidade e poliacuteticas puacuteblicas na aacuterea ambiental no estado do Amazonas Dissertaccedilatildeo de mestrado Orientador Profordf Drordf Clarice Seixas Duarte Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas Manaus AM 2006 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 350-375 372

Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

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Marianna de Queiroz Gomes

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Consideraccedilotildees sobre novo constitucionalismo

constitucional e internacional Cadernos de direito constitucional e ciecircncias poliacuteticas Ano 2007 vol 15 n 60 mecircs JULSET p 35-64 TRINDADE Andreacute Karam Constituiccedilatildeo Dirigente e Vinculaccedilatildeo do Administrador Breves Consideraccedilotildees Acerca do Papel dos Tribunais na Concretizaccedilatildeo dos Direitos Fundamentais Sociais EOS Revista Juriacutedica da Faculdade de Direito Curitiba n 4 p 26-63 2008 Jul-dez Disponiacutevel em lthttpwwwdomboscocombrfaculdade revista_direito4edicaophpgt Acesso em 19 jun 2013 UNFPA - FUNDO DE POPULACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS Relatoacuterio sobre a situaccedilatildeo da populaccedilatildeo mundial 2011 Disponiacutevel em lthttpwwwunfpa orgbrnovoindexphpoption=com_contentampview=articleampid=795gt Acesso em 26 ago 2012

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Daniela Richter e Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E

ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS

INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA1

THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW

INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION

Daniela Richter 2

Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso3

Resumo

O presente trabalho analisa no contexto do constitucionalismo se o direito difuso das crianccedilas e adolescentes ao meio ambiente sustentaacutevel eacute concretizado no direito paacutetrio e no direito equatoriano Objetiva descrever sobre o constitucionalismo contemporacircneo e seus ciclos na Ameacuterica Latina e nesse contexto resgata aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um meio ambiente saudaacutevel abordando a doutrina da proteccedilatildeo integral e sua positivaccedilatildeo no Brasil para ao final buscar um diaacutelogo entre o ordenamento brasileiro e equatoriano no que tange a concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral quanto ao direito ao meio ambiente sustentaacutevel Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma constitucional brasileiro para se chegar no tratamento conferido agraves crianccedilas e adolescentes na Constituiccedilatildeo Equatoriana bem como o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

1 Artigo submetido em 02062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 26092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada Professora de Direito Civil Constitucional e de Direito da Crianccedila e do Adolescente do Centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria- FAMES Especialista em Direito Constitucional Mestre em Direito Doutoranda pela Universidade Federal de Santa CatarinaUFSC integrante do grupo de Pesquisa Teoria Juriacutedica no Novo Milecircnio do Curso de Direito da UNIFRA e do Nuacutecleo de Estudos Juriacutedicos e Sociais de Crianccedila e Adolescente ndash NEJUSCA ndash da UFSCEndereccedilo eletrocircnico danielarichteribestcombr

3 Advogada Professora de Direito Civil e Direito Processual Civil do centro Universitaacuterio Franciscano-UNIFRA da Faculdade Metodista de Santa Maria-FAMES Mestre em Direito pela Universidade Federal de santa Maria-UFSM Endereccedilo eletrocircnico joseanemarianiyahoocombr

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O direito ao meio ambiente sadio

Palavras-chave Neoconstitucionalismo proteccedilatildeo integral direitos difusos

e coletivos direito agrave sustentabilidade crianccedila e adolescente

Abstract This paper examines the context of constitutionalism the diffuse right of

children and adolescents to sustainable environments is embodied in parental rights and Ecuadorian law The paper aims to describe the contemporary constitutionalism and its cycles in Latin America and in this context rescue conceptual aspects of the right of children and adolescents living together in a healthy environment addressing the doctrine of integral protection and its positiveness in Brazil for at the end seek a dialogue between the Brazilian and Ecuadorian planning regarding the achievement of full protection to the right to a sustainable environment Thus to carry out the work it will use the method of deductive approach starting from the Brazilian constitutional paradigm to entake the treatment given to children and adolescents in the Ecuadorian Constitution as well as the method of comparative procedure selecting if the articles of the two constitutions in order to respond to analyze which one responds more adequately to the full protection of children and adolescents

Keywords Neoconstitutionalism full protection diffuse and collective rights the right to sustainability children and adolescents

INTRODUCcedilAtildeO

Hodiernamente tema de grande destaque eacute o debate das questotildees ambientais e de sua consequente sustentabilidade jaacute que na atual conjuntura econocircmica em meio ao mundo globalizado isto se apresenta como um desafio a ser enfrentado por todos Desta maneira torna-se salutar a necessidade de implementaccedilatildeo de uma cultura preventiva e preservacionista para garantir o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado as presentes e futuras geraccedilotildees como reza a Carta Maior no verdadeiro desdobramento do direito agrave paz

Pensando nisso o estudo ora apresentado analisa dentro do contexto de um neoconstitucionalismo se o direito difuso de crianccedilas e adolescentes a tal meio ambiente eacute possiacutevel de concretizaccedilatildeo no direito brasileiro e no direito equatoriano a tal ponto de se comparar os dois institutos buscando igualmente averiguar qual deles concretiza de maneira integralizada a proteccedilatildeo integral estendida a crianccedilas e adolescentes

Para tanto num primeiro momento objetiva-se delinear os aspectos conceituais sobre o direito de crianccedilas e adolescentes conviverem em um ambiente

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saudaacutevel e a consequente caracterizaccedilatildeo como novos direitos de terceira dimensatildeo enquadrado na categoria juriacutedica de direitos difusos ou coletivos para depois abordar-se a questatildeo da doutrina da proteccedilatildeo integral e a positivaccedilatildeo juriacutedica do direito brasileiro

Ao final pretende-se realizar um possiacutevel diaacutelogo entre os dois ordenamentos juriacutedicos citados acima ndash Brasil e Equador - comentados no objetivo da exposiccedilatildeo do paradigma do desenvolvimento humano e sustentaacutevel de crianccedilas e adolescentes

Assim para a realizaccedilatildeo do trabalho utilizar-se-aacute o meacutetodo de abordagem dedutivo partindo-se do paradigma normativo inaugurado pelos artigos 225 e 227 da Carta Constitucional Brasileira que segundo o primeiro elege o direito humano como direito fundamental das presentes e futuras geraccedilotildees enquanto que o uacuteltimo consagra a doutrina da proteccedilatildeo integral como princiacutepio que deve nortear o tratamento conferido a Crianccedilas e adolescentes bem como dos artigos 14 26 30 32 e 71 da Constituiccedilatildeo Equatoriana a fim de entender e desenvolver o direito de sumak kawsay ou seja do direito agrave vida em sua plenitude Para dar conta da segunda parte do artigo empregar-se-aacute o meacutetodo de procedimento comparativo selecionando-se os artigos das duas constituiccedilotildees em anaacutelise para ao fim responder qual das duas responde de maneira mais adequada agrave proteccedilatildeo integral de crianccedilas e adolescentes

Eacute o que se passa a mencionar

1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES

Pode-se dizer que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 foi o grande marco para instauraccedilatildeo do novo modelo constitucionalista no Brasil ou seja do constitucionalismo contemporacircneo Tal fato se deve ao caraacuteter axioloacutegico desta Constituiccedilatildeo Nas palavras de Barroso (2007 p 10) a referida Constituiccedilatildeo foi o ponto culminante de processo de restauraccedilatildeo do Estado Democraacutetico de Direito e superaccedilatildeo de uma perspectiva autoritaacuteria onisciente e natildeo pluralista de exerciacutecio de poder timbrada na intoleracircncia e na violecircncia Lembre-se aqui a frase dita por

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Konrad Hesse ldquoa essecircncia constitucional encontra suporte na sua vigecircnciardquo (HESSE 1991 p 26)

A este passo a ideia de Estado Democraacutetico de Direito elencada no art 1ordm da Carta Magna Brasileira traz conceitos que satildeo proacuteximos mas natildeo devem ser confundidos que satildeo constitucionalismo e a democracia Constitucionalismo em essecircncia significa limitaccedilatildeo do poder e supremacia da lei jaacute democracia traduz-se em soberania popular e governo da maioria

Rememore-se portanto que o constitucionalismo contemporacircneo surge como um instrumento de concretizaccedilatildeo dos valores normas e direitos fundamentais trazidos pela Carta Magna de 1988 Deste modo haacute elevaccedilatildeo do indiviacuteduo para com o encontro de questotildees ligadas a solidariedade e responsabilidade para com o Estado para a realizaccedilatildeo destes preceitos constitucionais Novamente pode-se citar Hesse (1991 p26) que afirma que a Constituiccedilatildeo eacute capaz de transformar a sociedade mas ao mesmo tempo tem que ser lida a partir dessa sociedade ou seja de sua realidade Aiacute se constata sua forccedila normativa

Portanto nesse limiar da evoluccedilatildeo do constitucionalismo contemporacircneo tem-se o neoconstitucionalismo que de uma forma bem sucinta vai se preocupar com a eficaacutecia das normas constitucionais Assim Dimoulis e Duarte (2008 p 435) tentam encontrar um conceito para que o neoconstitucionalismo possa ser definido

infelizmente natildeo existe ainda uma precisatildeo conceitual para a terminologia neoconstitucionalismo Esse neologismo nasceu pela necessidade de exprimir algumas qualificaccedilotildees que natildeo poderiam ser devidamente explicadas pelas conceituaccedilotildees vigentes no constitucionalismo avanccedilado ou paradigma argumentativo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

A princiacutepio pode-se destacar o sentido do prefixo ldquoneordquo que presume considerar algo que eacute novo ou que ainda natildeo foi desvendado que estaacute em desenvolvimento determinando certo avanccedilo em relaccedilatildeo ao estado anterior Tal eacute a premissa do neoconstitucionalismo ou seja visualizar o constitucionalismo contemporacircneo ou como prefere expor Tavares (2007 p4) trata-se de um ldquoconstitucionalismo do por virrdquo

Em suma nas palavras de Barroso

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o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional na acepccedilatildeo aqui desenvolvida identifica um conjunto amplo de transformaccedilotildees ocorridas no Estado e no direito constitucional em meio agraves quais podem ser assinalados como marco histoacuterico a formaccedilatildeo do Estado constitucional de direito cuja consolidaccedilatildeo se deu ao longo das deacutecadas finais do seacuteculo XX como marco filosoacutefico o poacutes-positivismo com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximaccedilatildeo entre Direito e eacutetica e como marco teoacuterico o conjunto de mudanccedilas que incluem a forccedila normativa da Constituiccedilatildeo a expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmaacutetica da interpretaccedilatildeo constitucional Desse conjunto de fenocircmenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalizaccedilatildeo do Direito (BARROSO 2009 p 40)

Assim conforme a doutrina pode-se dizer que o neoconstitucionalismo foi propulsionado por diversos aspectos como a falecircncia do padratildeo normativo que foi desenvolvido no seacuteculo XVIII baseado na supremacia do parlamento na influecircncia da globalizaccedilatildeo na poacutes-modernidade na superaccedilatildeo do positivismo claacutessico na centralidade dos direitos fundamentais na diferenciaccedilatildeo qualitativa entre princiacutepios e regras e na revalorizaccedilatildeo do Direito

Para Suzana Pozzolo (1998 p 234) o neoconstitucionalismo apresenta peculiares caracteriacutesticas como a adoccedilatildeo de uma noccedilatildeo especiacutefica de Constituiccedilatildeo juntamente com teacutecnicas interpretativas denominadas ponderaccedilatildeo ou balanceamento e tambeacutem com a consignaccedilatildeo de tarefas de integraccedilatildeo agrave jurisprudecircncia e de tarefas pragmaacuteticas agrave teoria do Direito

Ademais enfatizam Dimoulis e Duarte (2008) que o modelo normativo do neoconstitucionalismo natildeo eacute o descritivo ou o prescritivo mas sim o axioloacutegico No constitucionalismo claacutessico a diferenccedila entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau no neoconstitucionalismo a diferenccedila tambeacutem eacute axioloacutegica A Constituiccedilatildeo eacute considerada como ldquovalor em sirdquo

Nessa senda quanto agrave expansatildeo do neoconstitucionalismo pode ser aferir que ldquoo neoconstitucionalismo natildeo postula o surgimento de um judicial power os marcos normativos devem ser obedecidos pelos poderes estataisrdquo Ocorre que em paiacuteses como o Brasil ldquoo ativismo judicial pode ser admitido quando houver a premecircncia da realizaccedilatildeo de direitos fundamentais assegurando a densidade suficiente estabelecida de forma conjunta pela seara poliacutetica e pela seara juriacutedicardquo enquanto que ldquoo caraacuteter ideoloacutegico do constitucionalismo claacutessico era apenas o de limitar o poder dentro do delineamento estabelecido pela separaccedilatildeo de poderes

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enquanto que o caraacuteter ideoloacutegico do neoconstitucionalismo eacute o de concretizar os direitos fundamentaisrdquo (DIMOULIS DUARTE 2008 p 435)

Ressalte-se que Moreira faz uma distinccedilatildeo entre dois momentos do neoconstitucionalismo o teoacuterico embasado pela teoria de Direito e o neoconstitucionalismo total Em suas palavras

o neoconstitucionalismo teoacuterico estabelece que o Direito Constitucional eacute o centro do ordenamento e da teoria do Direito em que os outros campos juriacutedicos satildeo todos constitucionalizados Parte da conexatildeo entre direito e moral embora tal medida natildeo seja um consenso entre seus adeptos Trabalha seu principal elementos os princiacutepios constitucionais estabelecidos e a serem preenchidos pela interpretaccedilatildeo juriacutedica que integra o Direito e o Estado eacute visto como Estado ponderador Enfoca uma teoria dos princiacutepios positivados essencial para o desenvolvimento do modelo os quais atuam diretamente em todo o sistema principalmente pela leitura da constitucionalizaccedilatildeo do Direito (MOREIRA 2008 p 52)

Por outro lado o mesmo autor diz que ldquoo neoconstitucionalismo total faz a uniatildeo entre o direito constitucional e a filosofia do direto em que os dois estudos ocupam o ponto maacuteximo regendo conjuntamente o ordenamentordquo Aliaacutes ele ldquoaceita as premissas conquistadas no neoconstitucionalismo teoacuterico como ponto de partida Diz-se antipositivista e quer chegar ainda a ser tambeacutem vetor da filosofia do direito aplicada e da filosofia poliacutetica do Estado um completo e novo paradigmardquo Ainda para ele o referido modelo ldquofaz a conexatildeo necessaacuteria entre o direito e a moral por via dos princiacutepios e insere a poliacutetica na relaccedilatildeo e todos os seus efeitosrdquo trabalhando ldquoo Direito em um sistema de regras e princiacutepios estes agindo pela pretensatildeo de correccedilatildeo e o ponto de vista eacute o do participante interno ativo e moral Ensina o Direito como ele pode ser com aberturasrdquo (MOREIRA 2008 p 52)

Em anaacutelise peculiar Moreira explica ainda que para o neoconstitucionalismo ser alcanccedilado alguns pressupostos oriundos da afirmaccedilatildeo do constitucionalismo devem estar necessariamente presentes Sem eles jamais se poderia falar em Estado Constitucional de Direito Deste modo para ele

satildeo sete as condiccedilotildees para que se possa verificar a constitucionalizaccedilatildeo do Direito As trecircs primeiras satildeo condiccedilotildees que chamamos de pressupostos satildeo de natureza formal a saber uma constituiccedilatildeo riacutegida a presenccedila de uma jurisdiccedilatildeo constitucional e a forccedila vinculante da Constituiccedilatildeo As outras condiccedilotildees satildeo de natureza material a aplicaccedilatildeo direta das normas constitucionais a sobreinterpretaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo conforme a

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Constituiccedilatildeo e a influecircncia da mesma sobre as relaccedilotildees poliacuteticas (MOREIRA 2008 p 73)

Portanto ldquoesse rol pode ser percebido como integrador de elementos comuns ao neoconstitucionalismo que utiliza todos eles Podem ainda ser incluiacutedos outros mas aqueles que realmente satildeo antecedentes e por isso pressupostos na melhor acepccedilatildeo da palavrardquo (MOREIRA 2008 p 73)

Por fim nas palavras de Cambi (2009 p136) pode-se concluir que ldquoo neoconstitucionalismo eacute a teoria que abrange e explica essa linha comum de pensar o direito contemporacircneordquo E neste sentido pode-se ldquoenfrentar o estudo do neoconsitucionalismo como um novo paradigma do Direitordquo jaacute que ele ldquoenxerga o direito como ele pode ser transformador Mais do que a superaccedilatildeo de uma metodologia juriacutedica ndash o que jaacute seria uma grande proposta ndash o neoconstitucionalismo muda a forma de pensar pois pretende superar o debate entre positivistas e jusnaturalistas lanccedilando matildeo de uma nova teoria para o direito tomando como ponto central a Constituiccedilatildeordquo Dito de outro modo passa-se de ldquoum direito em que as normas ditam o que fazer para um direito em que os princiacutepios indicam o que se pode fazerrdquo jaacute que

a diferenccedila entre o pensamento formalista e o pensamento neoconstitucionalista eacute que o segundo consegue alcanccedilar as transformaccedilotildees praacuteticas dentro do sistema juriacutedico neste ponto se afasta por completo de qualquer tese jusnaturalista pois natildeo sai do sistema nem defende valores universais (CAMBI 2009 p 136)

Por fim pode-se dizer entatildeo que as duas constituiccedilotildees objeto deste estudo no afatilde de se adequar as novas conquistas constitucionais acrescentaram valores axioloacutegicos ao seu texto Antes de analisaacute-los especificamente cabe por fim acrescentar os atuais estaacutegios do constitucionalismo latino americano para apoacutes continuar o desdobramento proposto do tema

Assim um primeiro ciclo multicultural vai ser enquadrado de 1982-1988 e vai introduzir o conceito de diversidade cultural do reconhecimento da configuraccedilatildeo multicultural da sociedade e alguns direitos especiacuteficos para os povos indiacutegenas (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

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Alguns paiacuteses como Canadaacute (1982) por exemplo reconhece sua heranccedila multicultural e os ldquodireitos aboriacutegenesrdquo enquanto que a Guatemala (1985) Nicaraacutegua (1987) e Brasil (1988) reconhecem a ldquoconformaccedilatildeo multicultural da naccedilatildeo ou Estado o direito agrave identidade cultural e novos direitos indiacutegenasrdquo (FAJARDO 2006)

Especificamente quanto ao Brasil tecircm-se dois artigos incorporando os direitos indiacutegenas e outros dois tratando de direitos das comunidades quilombolas (neste uacuteltimo ponto com muitas disputas judiciais para seu reconhecimento exemplificativamente a luta dos proprietaacuterios contra os remanescentes de quilombos de Satildeo Miguel e dos Martiminianos- Restinga Seca-RS)

Jaacute o segundo periacuteodo de reformas o constitucionalismo pluricultural estaacute compreendido entre 1989-2005 marcando a internacionalizaccedilatildeo da Convenccedilatildeo 169-OIT que revisa a Convenccedilatildeo 107 e adota um amplo leque de direitos indiacutegenas exemplificativamente o caso da liacutengua da educaccedilatildeo biliacutengue das formas de participaccedilatildeo etc4 (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Pode-se ainda citar um uacuteltimo ciclo o do constitucionalismo plurinacional que vai de 2006-2009 e traz nessa seara as Constituiccedilotildees boliviana e equatoriana no contexto da discussatildeo sobre os direitos dos povos indiacutegenas e pois fundado em dispositivos para ldquorefundaccedilatildeo do Estadordquo reconhecimento de indiacutegenas como naccedilotildeespovos originaacuterios e nacionalidades e portanto como ldquosujeitos poliacuteticos coletivos com direito a definir seu proacuteprio destino governar-se em autonomias e participar nos novos pactos de Estadordquo (MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO FEDERAL 2013)

Realizados os apontamentos sobre o atual estaacutegio do direito constitucional brasileiro e dos ciclos do constitucionalismo passa-se a delinear sobre o direito da crianccedila e do adolescente e o direito ambiental serem enquadrados nesse contexto como novos direitos direitos de fraternidade e consequentemente de terceira

4 A jurisdiccedilatildeo indiacutegena eacute reconhecida na Constituiccedilatildeo colombiana de 1991 e depois pelo Peru (1993) Boliacutevia(1994-2003) Equador (1998) e Venezuela(1999) Paraguai (1992) e Meacutexico(1992-2001)por sua vez reconhecem pluralismo juriacutedico e direito indiacutegena Argentina altera em 1994 o texto original da Constituiccedilatildeo de 1853 admitindo a preexistecircncia de direitos indiacutegenas assegurando-lhes direitos especiacuteficos mas deixando ao Congresso a competecircncia para regulaccedilatildeo em mateacuteria indiacutegena Ver Ramiacuterez 2008

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dimensatildeo jaacute que o uacuteltimo ciclo em especial seraacute retomado adiante na questatildeo especiacutefica da incorporaccedilatildeo do suma kawsay ao texto constitucional equatoriano5

2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL

Inicialmente cumpre rememorar que as crianccedilas ao longo da histoacuteria foram tratadas como objetos sem direitos e que com a promulgaccedilatildeo da Convenccedilatildeo da ONU de 1989 introduziu-se a teoria da proteccedilatildeo integral Esta teoria tem a sua culminacircncia e consagraccedilatildeo na referida Convenccedilatildeo que tem entre seus sustentaacuteculos o interesse maior da crianccedila sendo um documento que ldquoexpressa de forma clara sem subterfuacutegios a responsabilidade de todos com o futurordquo (VERONESE 1999 p 101)

No acircmbito interno a proteccedilatildeo integral estaacute estabelecida na Carta Magna em seu art 227 caput onde todos esses direitos especiais da crianccedila e do adolescente6 devem ser garantidos pela famiacutelia pelo Estado e pela sociedade

Esclarece Veronese e Silveira que

satildeo eles que iratildeo proteger e promover o desenvolvimento integral da crianccedila e do adolescente devendo cada qual cumprir seu dever desempenhar os seu papeacuteis objetivando assegurar a efetividade e o respeito aos direitos da crianccedila e do adolescente (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Eacute inevitaacutevel pois tal referecircncia aos entes responsaacuteveis jaacute que tambeacutem eacute reafirmada no art 4ordm do ECA E mais o paraacutegrafo uacutenico deste artigo fala acerca da prioridade absoluta que deve ser ostentada a estes sujeitos No entanto conforme o entendimento da autora acima mencionada trata-se de caraacuteter natildeo exaustivo ldquoe sim

5 Reitera-se aqui que se partiraacute do pressuposto de que as demais dimensotildees de direitos fundamentais jaacute satildeo de conhecimento comum analisando-se especificamente os direitos de terceira dimensatildeo pelos limites permeados a este trabalho

6 Nessa seara conveacutem relembrar que a emenda 652010 estendeu tal proteccedilatildeo tambeacutem ao jovem e que o projeto de Lei 272007 que dispotildee sobre a criaccedilatildeo do Estatuto da Juventude estaacute em tramitaccedilatildeo na Cacircmara dos Deputados e foi apensado ao Projeto 45292004 cuja finalidade primordial eacute estabelecer poliacuteticas puacuteblicas para este novo segmento que vai de 15 a 29 anos

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meramente exemplificativo pois natildeo preveem todas as situaccedilotildees de preferecircnciardquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Para Liberati a Doutrina de Proteccedilatildeo Integral

Eacute baseada nos direitos proacuteprios e especiais das crianccedilas e adolescentes que na condiccedilatildeo peculiar de pessoas em desenvolvimento necessitam de proteccedilatildeo diferenciada especializada e integral Eacute diferenciada porque impotildee uma distinccedilatildeo entre o tratamento que se deve dar agrave maioridade e agrave menoridade Por serem pessoas em desenvolvimento as crianccedilas e os adolescentes satildeo considerados absolutamente incapazes no campo civil (LIBERATI 1991 p 2)

Alerte-se de que natildeo se tem como limitadamente conceituar essa prioridade pois ldquoeacute sua condiccedilatildeo peculiar de desenvolvimento e sua consequente fragilidade fiacutesico-psiacutequicardquo que garantem os direitos a este grupo ldquoseja com relaccedilatildeo ao atendimento de suas necessidades seja no tocante agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (VERONESE SILVEIRA 2011 p 34)

Jaacute Fonseca (2011 p 19) expotildee a mesma prioridade sob o aspecto da responsabilidade momento em que diz que ela

vincula a famiacutelia os administradores os governantes em geral os legisladores em suas esferas de competecircncia os magistrados da Infacircncia e da Juventude os membros do Ministeacuterio Puacuteblico os Conselhos Tutelares bem como as demais autoridades e organizaccedilotildees em virtude dos riscos a que constantemente estatildeo submetidas crianccedilas e adolescentes (FONSECA 2011 p19)

Referido autor ainda complementa dizendo que esta prioridade de proteccedilatildeo daacute-se pela necessidade de cuidados especiais que seus destinataacuterios necessitam ldquoisso em decorrecircncia da fragilidade com que se relacionam no meio social e o status de pessoas em desenvolvimentordquo (FONSECA 2011 p 19)

Nesse iacutenterim o Estado confere agraves crianccedilas e adolescentes tratamento especial e diferenciado objetivando sua proteccedilatildeo integral Esse conceito de proteccedilatildeo resulta no reconhecimento e promoccedilatildeo de direitos sem violaacute-los e nem restringi-los podendo ser um meio coercitivo da intervenccedilatildeo estatal Exemplo disso eacute justamente o caso da Accedilatildeo Civil Puacuteblica que por menccedilatildeo especiacutefica do art 201 V

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do ECA tem cabimento para a defesa de direitos difusos e coletivos relativos agrave infacircncia e agrave adolescecircncia

Para explicar esta proteccedilatildeo judicial Ischida diz que se costuma ldquodividir os interesses individuais e interesses metaindividuaisrdquo os primeiros se referem a pessoas determinadas enquanto que os uacuteltimos ldquoatingem um grupo de pessoasrdquo (2010 p 453) Ainda na sua visatildeo

Os interesses individuais podem ser estritamente individuais e tambeacutem os individuais homogecircneos que possuem uma origem comum Jaacute os interesses metaindividuais satildeo divididos em coletivos quando pertencentes a uma categoria determinada de pessoas e os interesses difusos pertencentes a uma categoria indeterminaacutevel de pessoas (ISCHIDA 2010 p 453)

O artigo 208 do ECA trata dos direitos individuais homogecircneos coletivos e difusos da crianccedila e do adolescente a ser defendidos em especial pelo representante do Ministeacuterio Puacuteblico Para fins deste artigo dar-se-aacute ecircnfase aos direitos difusos Segundo Veronese (1997) os direitos difusos possuem origem no direito romano mas foi somente a partir dos anos 60-70 que se comeccedilou a preocupaccedilatildeo cientiacutefica com os mesmos Tal mudanccedila de paradigma estaacute profundamente ligada a complexidade das sociedades hodiernas na qual ldquoas atividades econocircmicas e sociais podem atingir prejudicialmente um grande nuacutemero de pessoas lesando direitos e interesses natildeo soacute do indiviacuteduo considerado como ente isolado mas de grupos classesrdquo (VERONESE 1997 p 69)

Para Fiorillo (2003 p 6-7) o direito difuso apresenta-se ldquocomo um direito transindividual tendo um objeto indivisiacutevel titularidade indeterminada e interligada por circunstacircncias de fatordquo ou seja satildeo aqueles que ldquotranscendem o indiviacuteduo ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigaccedilotildees de cunho individualrdquo Possuem natureza indivisiacutevel pois ldquoao mesmo tempo a todos pertence mas ningueacutem especificamente o possuirdquo e deste modo natildeo possui um titular determinado satildeo pessoas que estatildeo ldquointerligadas por uma situaccedilatildeo faacuteticardquo mas ldquoinexiste uma relaccedilatildeo juriacutedicardquo entre eles

Ressalte-se que essa categoria de direitos tem sido cada vez mais importante e de caraacuteter imprescindiacutevel no contexto das sociedades pluralistas e multiculturais e de difiacutecil caracterizaccedilatildeo haja vista que alguns autores os tratam

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como sinocircnimos No entanto Vigoritti (apud Veronese p 71) menciona que apesar dos direitos coletivos e difusos possuiacuterem o mesmo conteuacutedo de agrupamento de interesses eacute possiacutevel diferenciaacute-los Em suas palavras

[] enquanto o interesse coletivo caracteriza-se por ser organizado e coordenado o difuso constituiacutea-se numa fase de formaccedilatildeo do interesse coletivo portanto sem sistematizaccedilatildeo mas de qualquer forma estava este uacuteltimo inserido no processo de agregaccedilatildeo de interesses (VERONESE p 71)

Portanto verifica-se que os direitos difusos satildeo marcados pela caracteriacutestica da indeterminaccedilatildeo do sujeito e abstratividade ultrapassando a esfera individual Dentre os mais debatidos na sociedade contemporacircnea cita-se o direito ao meio ambiente de extrema importacircncia para fins deste trabalho A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 reconheceu o meio ambiente como sendo um interesse difuso ou seja interesse que pertence a todos os homens independentemente do grupo oacutergatildeo ou associaccedilatildeo a que pertenccedila ldquoProva disso eacute o local de inserccedilatildeo das normas atinentes ao meio ambiente na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica ldquoTiacutetulo VIII ndash Da Ordem Social (arts 193 a 232) Ora Se importa agrave ordem social eacute coletivordquo (MORAES 2001 p 15)

Aleacutem de ser um direito difuso acredita-se ferrenhamente que o direito ao meio ambiente se constitui em um Direito Humano e Fundamental de terceira dimensatildeo Trata-se de direito individual e coletivo porque a vivecircncia em um local agradaacutevel ambientalmente sempre estaraacute vinculada ao princiacutepio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana especialmente em relaccedilatildeo ao fato do meio ambiente ecologicamente equilibrado e agrave sadia qualidade de vida estar preconizados no caput do artigo 225 da CF como direitos de todos das presentes e futuras geraccedilotildees o que seraacute explorado adiante Antunes (2012 p 21) reforccedila essa afirmativa dizendo que ldquoo direito ao desfrute de um ambiente sadio eacute uma condiccedilatildeo para o exerciacutecio da dignidade humanardquo

Neste passo nos limites que permeiam este trabalho eacute preciso que se caracterize o dever de respeito e a necessidade de accedilotildees sustentaacuteveis para apoacutes fazer-se a relaccedilatildeo de que a proteccedilatildeo integral pode ser um meio concretizador daqueles objetivos (frise-se caminhar para o desenvolvimento de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e asseguraacute-los agraves presentes e futuras geraccedilotildees) pois o

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proacuteprio art 7ordm do ECA exige o fomento de poliacuteticas sociais puacuteblicas que ldquopermitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condiccedilotildees dignas de existecircnciardquo como um direito comum de toda crianccedila e adolescente e para este objetivo perpassa-se por aquele

Cabe acrescentar com Milareacute (2007 p 61) que a sociedade atual convive com trecircs metas indispensaacuteveis ldquoa conciliaccedilatildeo entre o desenvolvimento integral a preservaccedilatildeo do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vidardquo o que pode ser traduzido nas condiccedilotildees necessaacuterias para um desenvolvimento de um ambiente sustentaacutevel No entanto para o tatildeo sonhado meio eacute preciso abarcar vaacuterios ramos do saber natildeo apenas o direito e sim a economia a cultura a poliacutetica o campo socioloacutegico tecnoloacutegico etc ou seja eacute de difiacutecil conceituaccedilatildeo o que seja o tal ldquodesenvolvimento sustentaacutevelrdquo apesar de sua presenccedila constante na miacutedia

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melhor do que falar em desenvolvimento sustentaacutevel ndash que eacute um processo ndash eacute preferiacutevel insistir na sustentabilidade que eacute um atributo necessaacuterio a ser respeitado no tratamento dos recursos ambientais em especial dos recursos naturais (MILAREacute 2007 p 68)

O paradigma da sustentabilidade estaacute em constante processo de construccedilatildeo e infelizmente a ldquovida sustentaacutevel carece de princiacutepios que a sustentemrdquo (MILAREacute 2007 p 72) Para ele ldquoviver de forma sustentaacutevel implica aceitar a imprescindiacutevel busca de harmonia com as outras pessoas e com a natureza no contexto do direito natural e do direito positivordquo (MILAREacute 2007 p 74)

Diante do permanente desafio sendo o direito ao meio ambiente claramente regrado por diretrizes da Constituiccedilatildeo Federal e da legislaccedilatildeo ordinaacuteria eacute confiado ao Estado tarefas de controle e fiscalizaccedilatildeo onde se verifica a conformaccedilatildeo de um direito subjetivo puacuteblico em face desse mesmo Estado ou no miacutenimo de um interesse difuso a que crianccedilas e adolescentes tenham pela proteccedilatildeo integral a eles ostentada o direito de convivecircncia em um meio ecologicamente equilibrado e sustentaacutevel

Frise-se conforme Ayala que

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Em uma perspectiva de interdependecircncia que tambeacutem eacute aquela que orienta a compreensatildeo do conteuacutedo do proacuteprio direito fundamental ao meio ambiente e do princiacutepio da livre iniciativa (do modo como este se encontra protegido pela Constituiccedilatildeo brasileira) as liberdades econocircmicas somente tecircm o seu exerciacutecio viabilizado sob o condicionamento de imperativos ecoloacutegicos ao mesmo tempo em que a proteccedilatildeo do meio ambiente somente tem sua justificativa se esta tambeacutem puder ser integrada com um dos pressupostos que viabilizam a existecircncia humana e de todas as demais formas de vida (AYALA 2011 p 8)

Trata-se pois de uma gestatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel a ser protagonizada pelo comprometimento do poder puacuteblico e pela completude do direito de crianccedilas e adolescentes podendo eles proacuteprios participar deste processo salvaguardando os seus proacuteprios direitos O processo de mudanccedila eacute um caminho longo e requer interdisciplinaridade pois no mundo sustentaacutevel nada pode ser praticado em apartado eacute preciso um diaacutelogo permanente entre as pessoas de uma sociedade e aqui quer-se demonstrar a viabilidade do direito da crianccedila e do adolescente em especial da atuaccedilatildeo do Ministeacuterio Puacuteblico juntamente com os principais atores da concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral ser capazes de desenvolver um mundo sustentaacutevel que ratifique a condiccedilatildeo de direitos das presentes geraccedilotildees

Natildeo se pode esquecer que a realidade que se apresenta eacute que a economia ambiental estaacute ldquoassentada na poliacutetica e por intermeacutedio dela se realiza Por isso um caminho a ser apresentado para a reconciliaccedilatildeo da economia com a natureza localiza-se longe da monetarizaccedilatildeo do ambiente e eacute dependente da modificaccedilatildeo vinculada a praacuteticas poliacuteticasrdquo (DERANI p 125-126)

Quanto ao aspecto da proteccedilatildeo integral eacute indubitaacutevel que ela por proteger e promover a corresponsabilidade de famiacutelia Estado e sociedade no que tange aos direitos dos infanto-adolescentes eacute parte integrante da luta pela efetivaccedilatildeo de padrotildees sustentaacuteveis para inclusive poder concretizar os demais direitos7

Tais assertivas reforccedilam a renomada teoria de Bobbio (1992 p 1) que expressa sobre a estrutura juriacutedica dos direitos fundamentais de que se deve

7 Rememore-se o artigo 5ordm e 15 do ECA exemplificativamente ldquoNenhuma crianccedila ou adolescente seraacute objeto de qualquer forma de negligecircncia discriminaccedilatildeo exploraccedilatildeo violecircncia crueldade e opressatildeo punido na forma da lei qualquer atentado por accedilatildeo ou omissatildeo aos seus direitos fundamentaisrdquo ldquoArt 15 A crianccedila e o adolescente tecircm direito agrave liberdade ao respeito e agrave dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis humanos e sociais garantidos na Constituiccedilatildeo e nas leisrdquo

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distinguir entre ldquoum direito que se temrdquo do ldquodireito que se gostaria de terrdquo Assim segundo ele ldquono primeiro caso investigo no ordenamento juriacutedico positivo do qual faccedilo parte como titular de direitos e deveres se haacute uma norma vaacutelida que a reconheccedila e qual eacute essa normardquo enquanto que na segunda situaccedilatildeo ele tenta ldquobuscar boas razotildees para defender a legitimidade do direito em questatildeo e para convencer um nuacutemero maior de pessoas [] a reconhececirc-lordquo (BOBBIO 1992 p 15)

Deste modo tal direito necessita de caracteriacutesticas que podem emanar dos direitos civis e poliacuteticos como tambeacutem dos direitos econocircmicos sociais e culturais para chegar agrave sadia qualidade de vida tudo apoacutes a anaacutelise da previsatildeo legal e da tentativa do seu reconhecimento como dito Ressalte-se outrossim que tanto o direito ambiental quanto o direito da crianccedila e do adolescente satildeo direitos de terceira dimensatildeo e satildeo aqueles designados como os ldquode direitos dos povosrdquo de ldquocooperaccedilatildeordquo de ldquofraternidaderdquo e ateacute mesmo de ldquodireitos humanos morais e espirituaisrdquo Ademais eles surgiram ldquocomo resposta agrave dominaccedilatildeo cultural e como reaccedilatildeo ao alarmante grau de exploraccedilatildeo natildeo mais da classe trabalhadora dos paiacuteses industrializados mas das naccedilotildees em desenvolvimento por aquelas desenvolvidasrdquo e dos quadros de extrema injusticcedila do ambiente dessas naccedilotildees (LEITE 2004 p 293)

Diante do contexto salutar as palavras de Ayala

O art 225 caput da CF1988 tambeacutem define um direito fundamental ao meio ambiente como um dos instrumentos que poderia viabilizar esta realidade adicional para o conceito de existecircncia digna comprometida com um projeto de justiccedila que natildeo se restringe ao tempo e que se tem sua definiccedilatildeo sujeita agrave revisatildeo permanente das demandas condicionadas por padrotildees intergeracionais de justiccedila Sob essa configuraccedilatildeo de ordem constitucional esboccedilada na experiecircncia nacional o valor solidariedade e o objetivo dignidade de vida integram-se neste momento como partes de um projeto de sociedade de um modelo de organizaccedilatildeo do poder e sobretudo como um dos fundamentos de uma Repuacuteblica ecologicamente sensiacutevel (AYALA 2011 p 7)

Especificamente entatildeo se estaacute diante de um Direito Fundamental e Humano como afirmado alhures tal qual o direito agrave vida agrave liberdade pois assegurado nas principais declaraccedilotildees ao niacutevel internacional e subscrito pela Carta Magna em momento posterior Resguarda-se aqui atenccedilatildeo especial a Convenccedilatildeo dos Direitos da Crianccedila da ONU de 1989 ndash ponto fulcral da ligaccedilatildeo dos temas da

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presente pesquisa ndash de que em seu artigo 29 item 1 letra ldquoerdquo houve previsatildeo expressa da necessidade de ldquoimbuir na crianccedila o respeito ao meio ambienterdquo e em seu artigo 24 2 ldquocrdquo previu que a crianccedila tem direito de gozar do melhor padratildeo de sauacutede possiacutevel com o dever dos estados-membros de erradicar as doenccedilas e o comprometimento na aplicaccedilatildeo de ldquotecnologia disponiacutevel e o fornecimento de alimentos nutritivos e de aacutegua potaacutevel tendo em vista os perigos e riscos da poluiccedilatildeo ambientalrdquo (ORGANIZACcedilAtildeO 1989) o que sem duacutevida corrobora a necessidade de um padratildeo de vida sustentaacutevel e com o direito que os infantes tecircm de conviver em ambientes livres de tratamentos desumanos seja pela completude da proteccedilatildeo integral estendida a eles seja pelas previsotildees legais acima mencionadas

Portanto quer-se instaurar um clima de fraternidade na sociedade onde todos possam lutar pela concretizaccedilatildeo da proteccedilatildeo integral e da preservaccedilatildeo ambiental por meio de atitudes sustentaacuteveis pois se acredita no sopesamento dos direitos envolvidos em especial pelo aspecto antropocentrista dos direitos citados Fraternidade pois como conceito juriacutedico como valor maior do que um respeito ao Direito mas como forma de ldquosolidariedade que interpela diretamente o comportamento individual e o responsabiliza pela sorte do(s) irmatildeo(s) (BRITO 2013 p 175)

A fraternidade revela-se como

valor com condiccedilatildeo de possibilidade comum para todas as formas de Sociedade nos diferentes campos de atuaccedilatildeo da atividade humana em uma verdadeira resposta da conjugaccedilatildeo de unidade que anseia a humanidade e que foi sinalizada pela trilogia Liberteacute egaliteacute fraterniteacute (SILVA 2011 p 141)

No plano ideal da existecircncia humana pois eacute necessaacuterio uma reconstruccedilatildeo da fraternidade ldquoque parte da compreensatildeo de que o movimento circular de interdependecircncia muacutetua entre os trecircs princiacutepios se daraacute a partir da vivecircncia no contexto das relaccedilotildees humanasrdquo o que acarreta ldquocompromissos novos e adequados para a resoluccedilatildeo de problemas que envolvem bem-estar dos outros que direta e indiretamente por consequecircncia acabam preservando o proacuteprio bemrdquo (SILVA

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2011 p 141-142) Este eacute um dos desafios do processo de desenvolvimento sustentaacutevel

Enfim retomando o aspecto sob o ponto de vista da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1988 tem-se que mencionar ainda o sect 1ordm do supracitado artigo que traz a imposiccedilatildeo ao Poder Puacuteblico de accedilotildees com o desiacutegnio de asseverar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Ressalte-se que haacute um vasto campo de regulamentaccedilatildeo infraconstitucional a respeito Exemplificativamente pode-se citar o Coacutedigo Florestal e a Lei de Crimes Ambientais (Lei nordm 96051998)

Realizados os apontamentos sobre a contextualizaccedilatildeo geral do direito ambiental como direito humano e fundamental no Brasil e demonstrada a aproximaccedilatildeo do direito ambiental com a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes como direitos fundamentais das presentes e futuras geraccedilotildees cumpre fazer o comparativo com o direito de sumak kawsay incorporado na Constituiccedilatildeo do Equador tendo em vista que o desdobramento dos dois temas levaratildeo a meacutedio e longo prazo ao desenvolvimento do direito agrave paz entre as naccedilotildees

3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY

Inicialmente cumpre salientar que se faraacute um conceito do termo sumak

kawsay para somente apoacutes tratar-se do conjunto de direitos estendidos na Constituiccedilatildeo de 2008 do Equador que representa uma nova fase do constitucionalismo hodierno

Assim tem-se que sumak kawsay descreve um antigo modo de viver em harmonia no seio das comunidades indiacutegenas da sua vivecircncia entre as pessoas e em especial desse contato com a natureza Numa traduccedilatildeo literal significa ldquovida boardquo ou ldquoboa vidardquo Mas o seu sentido eacute muito mais profundo do que parece a primeira vista eis que na Ameacuterica do Sul este sentido estaacute embutido nos valores culturais e eacuteticos dos povos principalmente dos indiacutegenas e tem sido considerado como uma forma de viver em harmonia no seio da comunidade e do seu contato com a natureza como dito (PACHAMAMA 2013)

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Ressalte-se que a Constituiccedilatildeo do Equador de 2008 foi a primeira Constituiccedilatildeo a incorporar os direitos de natureza em seu corpo legal o que vai aleacutem do reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado agraves presentes e futuras geraccedilotildees asseguradas pela CRFB88

Neste iacutenterim cita-se o fato de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana inova trazendo direitos em sete categorias De acordo com Baldi apud Santamariacutea (2011)

um cataacutelogo de direitos que rompe tanto com o geracional (civis e poliacuteticos econocircmicos sociais e culturais terceira geraccedilatildeo) quanto o eurocentrado Isto fica mais evidente no caso do Equador (tiacutetulo II arts 10 a 83) que reconhece sete categorias de direitos do ldquobuen vivirrdquo de pessoas e grupos de atenccedilatildeo prioritaacuteria (velhos jovens gestantes pessoas com deficiecircncia privadas de liberdade usuaacuterios e consumidores mobilidade humana enfermidades catastroacuteficas) de comunidades povos e naccedilotildees de participaccedilatildeo de liberdade da natureza de proteccedilatildeo aleacutem de um apartado de responsabilidades Mas pode ser visto no caso boliviano com a introduccedilatildeo de direitos das naccedilotildees indiacutegenas e um cataacutelogo de deveres constitucionais (arts 30 a 32 e 108) (SANTAMARIA 2011)

Portanto este novo ciclo constitucional equatoriano se embasa no protagonismo indiacutegena se sobrepondo inclusive sobre o direitodever dos juiacutezes de paz o que se pode facilmente aferir no artigo 189 da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo citada

Neste contexto Santos (2011 p 15) destaca que Boliacutevia e Equador foram justamente os dois paiacuteses latinoamericanos que passaram por maiores transformaccedilotildees constitucionais

[] protagonizadas por los movimientos indiacutegenas y por otros movimientos y organizaciones sociales y populares No es de extrantildear por tanto que las constituciones de ambos paiacuteses contengan embriones de una trans-formacioacuten paradigmaacutetica del derecho y el Estado modernos hasta el punto de resultar legiacutetimo hablar de un proceso de refundacioacuten poliacutetica social econoacutemica y cultural El reconocimiento de la existencia y legitimidad de la justicia indiacutegena que para remitirnos al periodo posterior a la independencia veniacutea de deacutecadas atraacutes adquiere un nuevo significado poliacutetico (SANTOS 2011 p15)

Portanto natildeo se trata de uma mera intenccedilatildeo poliacutetica mas de uma poliacutetica capaz de terminar com a visatildeo descolonizadora e anticapitalista que seja capaz de romper com o ciacuterculo eurocentrista de ditames de direitos representando uma

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ldquodemostracioacuten viva y realista de las posibilidades creadas por la plurinacionalidadrdquo (SANTOS 2011 p 17)

No que tange especificamente ao tema do presente artigo analisar-se-aacute apenas aqueles dispositivos que contribuam para os direitos de natureza e ao direito da crianccedila e do adolescente

Deste modo o segundo capiacutetulo da Constituiccedilatildeo Equatoriana comenta os ldquoDerechos del buen vivirrdquo dos artigos 12 a 34 englobando direitos elementares agrave aacutegua agrave soberania da alimentaccedilatildeo ao meio ambiente sadio que seja capaz de assegurar de modo equilibrado o ldquobem vivirrdquo e portanto o direito de ldquosuma

kawsayrdquo a sustentabilidade o direito agrave informaccedilatildeo e a comunicaccedilatildeo a cultura e a ciecircncia a educaccedilatildeo ao habitat seguro e saudaacutevel agrave sauacutede agrave seguridade social e o direito ao trabalho

Adiante prevecirc a exemplo do que jaacute assegurou a Constituiccedilatildeo Brasileira (art 227) o mesmo direito agrave proteccedilatildeo integral e ao princiacutepio do melhor interesse agraves crianccedilas e adolescentes em seus artigos 44-46

Especificamente no artigo 71 trata dos direitos de natureza e do reconhecimento do Pacha Mama8 Pode-se citar ademais o fato da soberania energeacutetica natildeo se fazer em detrimento da soberania alimentar e do fomento da economia solidaacuteria e social (art 2811) bem como da proibiccedilatildeo de cultivos e sementes transgecircnicos (art 401)

Assim apresentados os principais artigos passa-se aos devidos comentaacuterios relativos agrave relevacircncia dessas modificaccedilotildees do niacutevel constitucional Equatoriano

Pode-se afirmar que um grande ecircxito das constituiccedilotildees do novo constitucionalismo da Ameacuterica Latina eacute a preocupaccedilatildeo com a questatildeo da

8 Art 71 La naturaleza o Pacha Mama donde se reproduce y realiza la vida tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y El mantenimiento y regeneracioacuten de sus ciclos vitales estructura funciones y procesos evolutivos

Toda persona comunicadad pueblo o nacionalidad podraacute exigir a La autoridad puacuteblica el cumplimiento de los derechos de la naturaleza Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los princiacutepios establecidos en la Constitucioacuten en lo que proceda

El Estado incentivaraacute a las personas naturales y juriacutedicas y a loacutes colectivos para que protejan la naturaleza y promoveraacute el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema

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descolonizaccedilatildeo e da importacircncia dos direitos humanos como dito anteriormente Isso fica claro no caso do Equador quando revela que a educaccedilatildeo eacute uma ldquocondiccedilatildeo indispensaacutevel para o buen vivirrdquo (art 26) e que ela deve ser guiada pelo respeito aos direitos humanos ao meio ambiente e a democracia sendo intercultural includente e diversa impulsionando a igualdade de gecircnero e a paz (art 27) Ao mesmo tempo fica assegurado o direito a aprender em sua proacutepria liacutengua e ambiente cultural (art 29) devendo o Estado promover o diaacutelogo intercultural em suas muacuteltiplas dimensotildees (art 28)

Nas palavras de Prada

Asumir el vivir bien como un objetivo estatal y de gestioacuten gubernamental como se ha hecho en las Constituciones de Bolivia y Ecuador es un acto profundamente descolonizador pues por un lado reconoce que la fuente de vivencia de este concepto nos viene desde la cosmovisioacuten indiacutegena e inspira y recrea otro sentido de convivencia plurinacional para convertirse en el rumbo que orienta nuestra convivencia social econoacutemica poliacutetica y cul-tural (PRADA 2011 p 231)

Destaque-se a visatildeo inversa desse povo Enquanto todos tendiam a separar os direitos da natureza eles se preocuparam em mantecirc-los unidos e a desenvolvecirc-los em conjunto Veja-se nas palavras de Simbantildea

Para ellos alcanzar niveles altos de civilizacioacuten necesariamente tiene que estar ligado a la naturaleza porque no es posible entenderse fuera de ella sociedad y naturaleza son una totalidad Por lo tanto concebirse ldquoparte derdquo no es sinoacutenimo de barbarie al contrario Este es el caso de los pueblos originarios de Ameacuterica para estos pueblos Abya Ayala no era un continente rico en recursos naturales sino una ldquotierra de abundante vidardquo la naturaleza no era un recurso sino la Pachamama la ldquomadrerdquo de todo lo existente (SIMBANtildeA 2011 p 221)

Assim o direito de sumak kawsay eacute um grande exemplo de direito construiacutedo historicamente pelos povos indiacutegenas que representa esta ligaccedilatildeo revelada acima ou seja um direito pautado na harmonia e no equiliacutebrio com a natureza pois a vida humana natildeo pode ser concebida sem uma adequaccedilatildeo ao pacha mama ldquoPor lo tanto garantizar el buen vivir de la sociedad implica considerar

a la Naturaleza como ldquosujetordquo (SIMBANAtilde p 222)

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Frise-se que ldquoel sumak kawsay como sistema del brazo de los derechos de

la Naturaleza exige una reorganizacioacuten y nuevos enfoques en el modelo poliacutetico-

econoacutemico lo que transformariacutea a su vez no solo a la sociedad sino y sobre todo al Estadordquo (SIMBANAtilde p 223)

Portanto o ideal de bem viver eacute uma nova perspectiva para encarar o futuro ou seja uma nova forma de pensar em desenvolvimento econocircmico poliacutetico e social revelando-se como uma verdadeira criacutetica aos ideais capitalistas ou seja um direito integral Optar por uma ideologia de bem viver eacute optar por resguardar direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees ponto esse que se aproxima com a Constituiccedilatildeo Brasileira mas estaacute de forma bem mais tiacutemida por assegurar apenas que o ldquodireito ao meio ambiente sadio e equilibrado deve ser resguardado agraves presentes e futuras geraccedilotildeesrdquo Andou bem a Constituiccedilatildeo equatoriana ao ampliar o reconhecimento e o significado do bem viver e da matildee natureza e da resignificaccedilatildeo do caraacuteter intercultural e interdisciplinar do Estado que precisa pautar-se num conceito de economia plural e anticapitalista

Assim para Prada

Decir que el vivir bien es un modelo civilizatorio y cultural alternativo al capitalismo y a la modernidad es mostrar plenamente el caraacutecter de un proyecto que contiene la irradiacioacuten de voluntades colectivas de perspectivas poliacuteticas que apunta a las transformaciones institucionales econoacutemicas poliacuteticas culturales (PRADA 2011 p 253-254)

Portanto resta o dever de transformar tais desejos em realidade para que o novo projeto poliacutetico do Equador natildeo passe de uma mera ilusatildeo de que a Constituiccedilatildeo Equatoriana enquanto Carta Poliacutetica seja capaz de conceber uma poliacutetica de Estado compatiacutevel com este momento de transiccedilatildeo pluralista sendo capaz de efetivar as condiccedilotildees interculturais e reconstrutivas desse novo pluralismo

Desta maneira a vista do exposto e cientes dessa importacircncia ocupar-se-aacute a partir de agora sobre a relaccedilatildeo dos direitos de bem viver com o direito da crianccedila e do adolescente como meio de desenvolvimento desta sustentabilidade agraves presentes e futuras geraccedilotildees ou seja acredita-se que o Equador com tais inserccedilotildees na sua Carta poliacutetica pode veementemente por meio de poliacuteticas puacuteblicas fomentar em primeiro plano a melhoria de vida de crianccedilas e adolescentes

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O direito ao meio ambiente sadio

para num segundo momento empreender transformaccedilotildees sociais a partir de sua consciecircncia e de sua atuaccedilatildeo de preocupaccedilotildees com um mundo sustentaacutevel incutindo nelas o objetivo da Convenccedilatildeo dos direitos da Crianccedila da ONU onde se imbuiacutea jaacute em 1989 a necessidade do respeito ao meio ambiente

Eacute pois pela via do desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que se partiraacute para a tentativa de concretizaccedilatildeo da educaccedilatildeo ambiental e de um direito sustentaacutevel Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula natildeo soacute o administrador a produzir poliacuteticas que respeitem o resguardo dos direitos ambientais como ainda o legislador e o julgador que ao atuarem no exerciacutecio de suas funccedilotildees de Poderes de Estado natildeo podem contrariar os preceitos a que estas normas se destinam sob o risco de criarem-se normas inconstitucionais e de interpretaccedilotildees contraacuterias agrave constituiccedilatildeo

Deste modo afirma-se que para o direito humano-fundamental ao meio ambiente equilibrado poder ser realizado seja no Brasil seja no Equador eacute necessaacuterio uma visatildeo humaniacutestica tal qual a proteccedilatildeo integral ostentada agraves crianccedilas e adolescentes ou o direito de sumak kawsay pois eles devem estar no centro das preocupaccedilotildees daquele direito Por fim atraveacutes de novas posturas sociais poliacutetica econocircmica filosoacutefica e eacutetica que se poderaacute assegurar a existecircncia da educaccedilatildeo ambiental capaz de preservar os direitos das presentes e futuras geraccedilotildees e em longo prazo ser capaz de desenvolver atitudes que levem ao direito agrave paz

CONCLUSAtildeO

Inicialmente cumpre salientar que muitos pontos poderatildeo ter ficado em aberto mas que apenas se arrazoou aqueles mais importantes para o desdobramento do tema A discussatildeo sobre o direito ambiental natildeo pode fugir da contextualizaccedilatildeo da teoria e praacutetica do constitucionalismo contemporacircneo jaacute que os novos direitos vecircm sofrendo o impacto de aglutinaccedilatildeo dos problemas essenciais e corriqueiros das condiccedilotildees de vida aceleradas pela expansatildeo do capitalismo Tal situaccedilatildeo estimula e determina o esforccedilo de se propor novos instrumentos juriacutedicos novas poliacuteticas puacuteblicas mais flexiacuteveis mais aacutegeis capazes de regular essas novas transformaccedilotildees

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Daniela Richter e Joseane Ceolin Mariani de Andrade Pedroso

No presente caso demonstrou-se a caracterizaccedilatildeo do modelo constitucional atual enquadrando-o no neoconstitucionalismo Foram demonstradas suas caracteriacutesticas e preocupaccedilotildees bem como os ciclos do constitucionalismo dos quais se retirou dois exemplos de Constituiccedilotildees para anaacutelise qual seja a do Brasil e a do Equador no que tange a promoccedilatildeo e desenvolvimento do direito e promoccedilatildeo de sustentabilidade ambiental

Apoacutes descreveu-se a relaccedilatildeo entre o direito ambiental e a categorizaccedilatildeo do direito de crianccedilas e adolescentes como direitos humanos e fundamentais cotejando a necessidade da preservaccedilatildeo ambiental e da garantia dos direitos agraves presentes e futuras geraccedilotildees como meio necessaacuterio agrave concretizaccedilatildeo dos pilares da teoria da proteccedilatildeo integral

Natildeo haacute como negar que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 traz a noccedilatildeo de uma cidadania solidaacuteria ou seja corresponsaacutevel pela definiccedilatildeo de que o Estado por meio da apresentaccedilatildeo dos serviccedilos e poliacuteticas puacuteblicas sejam necessaacuterios com vistas ao atendimento dos interesses da sociedade em especial construir uma sociedade livre justa e solidaacuteria garantir o desenvolvimento nacional erradicar a pobreza e a marginalizaccedilatildeo e reduzir as desigualdades sociais e regionais promover o bem de todos sem preconceitos de origem raccedila sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminaccedilatildeo (art 3ordm CRFB)

Ao final demonstraram-se os artigos da Constituiccedilatildeo Equatoriana sobre o desenvolvimento do direito de bem viver e portanto do sumak kausay Por conseguinte pode-se dizer que a estrutura legal-constitucional do Equador vincula os trecircs poderes a execuccedilatildeo de um direito ambiental e com vistas de sustentabilidade como meio de promoccedilatildeo e reconhecimento da interaccedilatildeo com os direitos de natureza Isto eacute aleacutem da preocupaccedilatildeo ambiental este Estado preocupou-se em fomentar o processo de descolonialismo e do antimovimento capitalista

Portanto diante do exposto os direitos das duas naccedilotildees devem ser compreendidos como elementos de reconhecida imprescindibilidade relacional ou seja como elemento presente (fundante) nas relaccedilotildees seja na relaccedilatildeo com o outro singularmente considerado seja na relaccedilatildeo com o outro em termos institucionais pois por meio da proteccedilatildeo integral e do direito integralizado ao sumak kauwsay eacute

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O direito ao meio ambiente sadio

possiacutevel viabilizar o sonho de muitos uma sociedade fomentada e fomentadora da cultura fraterna da cultura da natildeo violecircncia e num ambiente de bem viver sadio e equilibrado

REFEREcircNCIAS

AYALA Patryck de Arauacutejo Direito ambiental de segunda geraccedilatildeo e o princiacutepio de sustentabilidade na poliacutetica nacional do meio ambiente Revista de Direito Ambiental vol 63 p 103 Jul BARROSO Luiz Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo Satildeo Paulo Saraiva 2009 BARROSO Luiz Roberto Neoconstitucionalismo e constitucionalizaccedilatildeo do direito Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado nordm 9 marabrmaio de 2007 BRITO Rafaela Silva Os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade como vetores na aplicabilidade do direito ambiental In CURY M CERQUEIRA M do R F PIERRE L A A FULAN V (Orgs) Fraternidade como categoria juriacutedica Satildeo Paulo Cidade Nova 2013 p 169-180 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 DERANI Cristiane Direito Ambiental Econocircmico Satildeo Paulo Saraiva 2008 DIMOULIS Dimitri e DUARTE Eacutecio Oto Teoria do direito neoconstitucional Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 FAJARDO Raquel Yrigoyen El pluralismo juriacutedico en la historia constitucional latinoamericana de la sujecioacuten a la descolonizacioacuten Disponiacutevel em lthttpccr6pgrmpfgovbrdestaques-do-siteseminario-pluralismo-juridico-e-muticulturalismo-material-remetido-pelos-expositoresgt Acesso em 03 mar 2013 FAJARDO Raquel Yrigoyen Hitos del reconocimiento del pluralismo juriacutedico y el derecho indiacutegena en las poliacuteticas indigenistas y el constitucionalismo andino Disponiacutevel em ltwwwalertanetorgryf-hitos-2006pdfgt Acesso em 03 mar de 2013 FONSECA Antonio Ceacutesar Lima da Direitos da Crianccedila e do Adolescente Satildeo Paulo Atlas 2011 HESSE Konrad A forccedila normativa da constituiccedilatildeo Porto Alegre Safe 1991 ISHIDA Valter Kenji Estatuto da Crianccedila e do Adolescente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Atlas 2013 LIBERATI Wilson Donizeti O Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentaacuterios Brasiacutelia Instituto Brasileiro de Pedagogia 1991 MILAREacute Edis Direito do Ambiente doutrina e jurisprudecircncia Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2007 MORAES Luiacutes Carlos Silva de Curso de Direito Ambiental Satildeo Paulo Atlas 2001 p 15 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 376-400 399

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MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008 PACHAMAMA Disponiacutevel em lthttpwwwpachamamaorggt Acesso em 5 maio 2013 POZZOLO Susanna Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretacion constitucional Doxa 21-II 1998 RAMIacuteREZ Silvina Derechos de los pueblos indiacutegenasproteccioacuten normativa reconocimiento constitucional y decisiones judiciales In GARGARELLA Roberto Teoriacutea y criacutetica del Derecho Constitucional Tomo II Derechos Buenos Aires Abeledo Perrot 2008 p 912-932 SANTAMARIacuteA Ramiro Aacutevila Los derechos y sus garantias ensayos criacuteticos Quito Corte Constitucional para el periacuteodo de transicioacuten 2011 SANTOS Boaventura de Sousa Cuando los excluidos tienen Derecho justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad In SANTOS B de S JIMENEZ A G (Orgs) Justicia indiacutegena plurinacionalidad e interculturalidad en Ecuador Quito Rosa Luxemburg 2012 TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2007 VERONESE Josiane Rose Petry Interesses difusos e direito da crianccedila e do adolescente Belo Horizonte Del Rey 1997 VERONESE Josiane Rose Petry Os direitos da crianccedila e do adolescente Satildeo Paulo 1999 VERONESE Josiane Rose Petry SILVEIRA Mayra Estatuto da Crianccedila e do Adolescente Comentado

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O direito humano e fundamental

O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO1

THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE

Adriano Justi Martinelli2

Resumo

No presente estudo buscou-se pesquisar mais a fundo o direito humano e fundamental ao desenvolvimento e para tanto partiu-se da diferenciaccedilatildeo terminoloacutegica entre direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos Apoacutes analisou-se o regime juriacutedico dos direitos humanos buscando-se situar o direito ao desenvolvimento dentro deste Ato contiacutenuo passou-se a investigar a forma como o direito ao desenvolvimento eacute tratado dentro da oacuterbita interna do Estado Brasileiro

Palavras-chave Direito desenvolvimento regime juriacutedico

Abstract The present study sought to research more deeply the human and

fundamental right to development and with that objective started with the main diference between righs of man fundamental rights and human rights After that it analyzed the legal regime of human rights seeking to situate the right of development therewithin Immediatly thereafter it moved to investigate how the right of development is treated wihtin the Brasilian State

Keywords Law development legal regime

1 A DIFERENCIACcedilAtildeO ENTRE AS TERMINOLOGIAS DIREITOS DO HOMEM DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS (E AS SUAS RESPECTIVAS CARACTERIacuteSTICAS)

Em breves palavras por direitos do homem se entende os direitos de conotaccedilatildeo jus-naturalista que natildeo satildeo positivados mas cuja existecircncia conhecia-se

1 Artigo submetido em 15102012 pareceres de aprovaccedilatildeo em 08072013 e 30092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogado da Companhia Ambiental do Estado de Satildeo Paulo (CETESB) poacutes graduado em Direito e Processo Civil pela Universidade Catoacutelica Don Bosco (UCDB) e poacutes graduado em Direito Constitucional pela UNISULIDP Agradecemos aos Professores Dra Priscila da Mata Cavalcante e Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho pela gentileza e auxiacutelio na elaboraccedilatildeo desta pesquisa E-mail adrianojustigmailcom

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independentemente de uma fonte escrita Dentre eles podemos exemplificar o direito agrave vida e o direito agrave seguranccedila

Com o passar dos anos agrave medida que o ser humano foi evoluindo e se

desenvolvendo houve a necessidade de corporificar tais direitos de modo que sua

observacircncia passasse a ser obrigatoacuteria dentre os demais integrantes de uma dada

sociedade momento em que surgiram os direitos fundamentais precipuamente

como forma de controle agraves arbitrariedades do Estado Os direitos subjetivos

traduzem a ideia de direitos naturais constitucionalizados ou seja estabelecidos em

um documento escrito

Por fim quando essas normas deixam a jurisdiccedilatildeo domeacutestica e ascendem

ao patamar internacional ao ocorrer esse desligamento do plano interno para o

plano internacional elas passam a receber o nome de direitos humanos

Assim tem-se uma conotaccedilatildeo de direitos esculpidos em tratados e

convenccedilotildees internacionais especiacuteficas que podem integrar tanto o sistema global

(este consiste no plano da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas ndash ONU) quanto o

regional (composto pelos sistemas americano europeu e africano3)

Dentro da oacutetica da teoria geral dos direitos humanos a doutrina mais

balizada jaacute se deitou sobre o tema e identificou as seguintes caracteriacutesticas4 das

liberdades puacuteblicas a) historicidade b) universalidade c) essencialidade d)

irrenunciabilidade e) inalterabilidade f) inexauribilidade g) vedaccedilatildeo ao retrocesso

h) imprescritibilidade i) interdependecircncia j) indivisibilidade l) interrelacionalidade

m) inerecircncia e n) transnacionalidade

3 Flaacutevia Piovesan nos informa que jaacute haacute um incipiente sistema aacuterabe bem como tambeacutem jaacute existe a proposta para criaccedilatildeo de um sistema regional asiaacutetico (PIOVESAN 2010 p 65-81)

4 Cite-se as caracteriacutesticas que satildeo mais apresentadas pela doutrina Neste sentido Mazzuoli 2007 p 675 Ademais algumas dessas caracteriacutesticas podem ser encontradas no artigo 5ordm da Declaraccedilatildeo de Viena de 1948 Ressalte-se tambeacutem que as caracteriacutesticas da inerecircncia e da transnacionalidade foram abordadas por Carlos Weiss in WEIS Carlos Os direitos humanos e os interesses transindividuais Disponiacutevel em lthttpwwwpgespgovbrcentrodeestudos bibliotecavirtualcongressoTese3docgt Acesso em 24 ago 2011

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O direito humano e fundamental

2 EVOLUCcedilAtildeO HISTOacuteRICA DO DIREITO HUMANO AO

DESENVOLVIMENTO HUMANO E A SUA LOCALIZACcedilAtildeO DENTRO DA TEORIA DAS GERACcedilOtildeES (OU DIMENSOtildeES) DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais

Eacute impossiacutevel falar-se na evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais em geraccedilotildees ou dimensotildees sem sequer tocar o nome de seu idealizador Karel Vasak5

Vasak6 pontuou esta teoria em 2 oportunidades em 1977 e em 1979 Na primeira oportunidade o fez por meio do texto7 ldquoHuman rights A thirty-year strunggle the Sustained Efforts to give Force of Law to the Universal Declaration of Human Rightsrdquo No entanto dois anos depois expocircs a tese em aula inaugural perante o Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo (Franccedila) onde Vasak relacionou os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa (liberdade igualdade e fraternidade) aos direitos humanos de modo que os direitos de 1ordm geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) quais sejam os direitos civis e poliacuteticos estariam relacionados com a liberdade os de 2ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) seriam os direitos sociais econocircmicos e culturais estando estes adstritos agrave igualdade e por fim ocupando a 3ordf geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) ter-se-iam os direitos difusos que se vinculariam com a fraternidade

Vale o registro de que Antocircnio Augusto Canccedilado Trindade (1993 p 223) critica severamente essa tese defendida por Vasak Para Canccedilado Trindade natildeo haacute como fazer essa correlaccedilatildeo entre os lemas da Revoluccedilatildeo Francesa e o surgimento linear e cronoloacutegico dos direitos fundamentais

Dentre os diversos argumentos utilizados por Canccedilado Trindade (1993) para criticar essa teoria pensada por Karel Vasak o mencionado autor afirma que ldquo()

5 Karel Vasak tambeacutem escreveu um artigo analisando o direito ao desenvolvimento tendo sido o mesmo publicado no ldquoCorreio da Unescordquo (ESPIELL Hector Gross El Derecho al Desarrollo como un Derecho Humano in Revista de Estudios Internacionales n1 janeiro-marccedilo de 1980 p 41-60)

6 Disponiacutevel em lthttpwwwdhnetorgbrdireitosmilitantescancadotrindadecancado_bobhtmgt Acesso em 14 ago 2011

7 MORALES Patricia UNESCOrsquos Philosophy of ldquointellectual and moral solidarityrdquo in attaining peace Disponiacutevel em lthttpwwwonlineunescoorgUNESCO27s20Philosophyhtmlgt Acesso em 14 ago 2011

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essa tese das geraccedilotildees de direitos natildeo tem nenhum fundamento juriacutedico nem na realidaderdquo Ele afirma que o direito agrave vida por exemplo eacute um direito com respaldo em todas as geraccedilotildees jaacute que eacute um direito civil poliacutetico econocircmico-social e cultural Canccedilado Trindade tambeacutem leciona que no aspecto histoacuterico essa divisatildeo natildeo possui correlaccedilatildeo faacutetica no que diz respeito ao direito internacional uma vez que ldquo() No plano internacional os direitos que apareceram primeiro foram os econocircmicos e os sociais As primeiras convenccedilotildees da Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho (OIT) anteriores agraves Naccedilotildees Unidas surgiram nos anos 20 e 30rdquo

E assim critica severamente Canccedilado Trindade (1993)

Somente uma visatildeo atomizada ou fragmentada do universo dos direitos humanos pode conduzir agrave aceitaccedilatildeo da teoria das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo Seu aparente poder de persuasatildeo muito deve a comentaacuterios apressados e descuidados somados agrave indolecircncia mental com que conta para propagar-se Ainda que agrave primeira vista atraente para fins didaacuteticos tal teoria do ponto de vista da ciecircncia do direito em nada eacute convincente e natildeo resiste a uma exame mais cuidadoso da mateacuteria Os riscos desta visatildeo atomizada da fantasia das ldquogeraccedilotildees de direitosrdquo satildeo manifestos Quantos governos a pretexto de buscarem a realizaccedilatildeo progressiva de certos direitos econocircmicos e sociais em futuro indeterminado violaram sistematicamente os direitos civis e poliacuteticos ()

No entanto as criticas agrave teoria desenvolvida por Vasak em que pese o respeitaacutevel posicionamento de Canccedilado Trindade natildeo prejudicam a importacircncia propedecircutica das geraccedilotildees ou dimensotildees dos direitos humanos

Sem prejuiacutezo da existecircncia da dupla terminologia (geraccedilotildees e dimensotildees) adotar-se-aacute o termo ldquodimensotildeesrdquo apenas a tiacutetulo pedagoacutegico mesmo entendendo como Canccedilado Trindade que a histoacuteria eacute pendular logo natildeo haacute razatildeo para separar os direitos fundamentais em periacuteodos histoacutericos de forma estaacutetica pois fazer isso significa afirmar que no periacuteodo da 3ordf dimensatildeo natildeo temos direitos de 1ordf dimensatildeo fato que se revela completamente inadmissiacutevel

22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais

Superada essa divergecircncia existente a respeito da teoria das dimensotildees de direitos eacute certo que a doutrina situa o direito ao desenvolvimento dentro da 3ordf dimensatildeo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 404

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Seguindo a linha doutrinaacuteria de Karel Vasak como lecionam Paulo Bonavides (2009 p 569)8 e outros autores o direito fundamental ao desenvolvimento estaacute inserido dentro da 3ordf dimensatildeo junto com outros direitos dentre os quais destacam-se direito ao meio ambiente agrave propriedade agrave conservaccedilatildeo do patrimocircnio histoacuterico e cultural etc

3 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO9 E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Foi Keba Mbaye Chefe de Justiccedila (Ministro da Justiccedila Ministro da Corte Suprema) do Senegal quem cunhou pela primeira vez em 1972 o conceito de direito ao desenvolvimento humano10

O estudo do direito ao desenvolvimento exige a menccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana e esta foi extraiacuteda diretamente do pensamento de Immanuel Kant

Ora o direito ao desenvolvimento eacute um meio para que a dignidade seja assegurada e respeitada

Dentro do contexto da dignidade da pessoa humana e do direito ao desenvolvimento tem-se tambeacutem o miacutenimo existencial deve ser citado jaacute que possui relevacircncia direta e somente com o desenvolvimento eacute que alcanccedila-se a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial

Feitas essas pontuaccedilotildees passa-se a analisar a Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento11 de 1986 que logo em seu preacircmbulo assim dispotildee

8 Neste sentido tambeacutem Sarlet 1998 p 51 Mendes 2008 p 234 9 O dicionaacuterio Michaelis assim define o termo desenvolvimento 1 Ato ou efeito de desenvolver 2

Crescimento ou expansatildeo gradual 3 Passagem gradual de um estaacutedio inferior a um estaacutedio mais aperfeiccediloado 4 Adiantamento progresso 5 Extensatildeo prolongamento amplitude 6 Muacutes Elaboraccedilatildeo de um tema motivo ou ideacuteia musicais por modificaccedilotildees riacutetmicas meloacutedicas ou harmocircnicas 7 Muacutes Parte em que tal elaboraccedilatildeo ocorre 8 Mat Expressatildeo de uma funccedilatildeo qualquer na forma de uma seacuterie 9 Mat Transformaccedilatildeo de uma expressatildeo em outra equivalente mais extensa poreacutem mais acessiacutevel ao caacutelculo D direito Biol desenvolvimento sem metamorfose Sin desenvoluccedilatildeo Dicionaacuterio Michaelis Disponiacutevel em lthttpmichaelisuolcombrmoderno portuguesindexphplingua=portugues-portuguesamppalavra=desenvolvimentogt Acesso em 15 ago 2011

10 PEIXINHO Manoel Messias FERRARO Suzani Andrade Direito ao desenvolvimento como direito fundamental Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbhmanoel _messias_peixinhopdfgt Acesso em 24 ago 2011 Ainda sobre o tema consultar Espiell 1980 p 41-60

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() eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantes

O desenvolvimento pode ser social humano econocircmico cientiacutefico ambiental etc enfim todas as aacutereas do conhecimento humano admitem o desenvolvimento

O glossaacuterio do relatoacuterio de desenvolvimento humano 2000 realizado pelo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento12 assim conceitua o desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano eacute o processo de alargamento das escolhas das pessoas atraveacutes da expansatildeo das funccedilotildees e capacidades humanas Deste modo o desenvolvimento humano tambeacutem reflete os resultados nestas funccedilotildees e capacidades Representa um processo bem como um fim () Em uacuteltima anaacutelise o desenvolvimento humano eacute o desenvolvimento das pessoas para as pessoas e pelas pessoas

Da doutrina estrangeira pode-se destacar os ensinamentos de Hector Gros Spiell (1980 p 41-60) que assim leciona sobre o tema

Este derecho al desarrollo fue inicialmente pensado como un derecho en el aacutembito internacional en cuanto derecho de las comunidades poliacuteticas de los Estados y de los pueblos sometidos a uma dominacioacuten colonial y extranjera

A respeito do desenvolvimento econocircmico eacute importante traz-se agrave baila as ilaccedilotildees de Orlando Gomes (1961 p 19)13 ldquo() o desenvolvimento econocircmico eacute condicionado por crenccedilas substantivas e adjetivas de uma comunidade Eacute um

11 Adotada pela Resoluccedilatildeo nordm 41128 da Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas de 4 dez 1986 (TRINDADE Antonio Augusto Canccedilado Direitos humanos e meio-ambiente paralelo dos sistemas de proteccedilatildeo Sergio Antonio Fabris Editor Porto Alegre 1993 p 194)

12 PNUD Disponiacutevel em lthttpwwwpnudorgbrhdrhdr2000docsGlossario_de_DDHHpdfgt Acesso em 12 set 2011

13 A respeito do pensamento de Orlando Gomes remete-se ao seguinte texto CAVALCANTE Priscila da Mata O sistema internacional de cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento uma reflexatildeo acerca das poliacuteticas de ajuste estrutural e a transiccedilatildeo da assistecircncia teacutecnico-financeira agrave cooperaccedilatildeo humana Disponiacutevel em lthttpwwwconpediorgbrmanausarquivosanaisbh priscila_da_mata_cavalcante2pdfgt Acesso em 26 ago 2011

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O direito humano e fundamental

processo que ocorre dentro de condiccedilotildees institucionais que conduzem agrave transformaccedilatildeo estrutural da sociedade ()rdquo

Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 54) assim analisa o desenvolvimento sob o ponto de vista econocircmico ldquoconstitui um crescimento da produccedilatildeo de bens e recursos endoacutegeno (baseado em fatores internos) e sustentado (com vistas agrave preservaccedilatildeo dos recursos)rdquo

Ana Paula Ornellas Mauriel14 cita o conceito de desenvolvimento cunhado por Werneck Vianna e Bartholo Jr que assim tratam o assunto

() desenvolvimento eacute uma noccedilatildeo moderna que passa a frequumlentar o vocabulaacuterio dos pensadores apoacutes profundas mudanccedilas operadas no Ocidente com a expansatildeo das atividades mercantis e sobretudo com o advento da induacutestria Pois foi entatildeo que o proacuteprio sentido de mudanccedila pode ser mais fortemente percebido na medida em que o ritmo da vida se acelerou e o mundo deixou de ser apreendido como estaacutetico A ideacuteia de provisoriedade se tornou visiacutevel

Arjun Sengupta15 analisa o direito fundamental ao desenvolvimento da seguinte maneira

Em primeiro lugar haacute um direito humano que eacute ldquoinalienaacutevelrdquo o que quer dizer que natildeo pode ser negociado Depois haacute um processo de ldquodesenvolvimento econocircmico social cultural e poliacuteticordquo que eacute reconhecido como um processo no qual ldquotodos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser plenamente realizadosrdquo O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano em virtude do qual ldquocada pessoa humana e todos os povos tecircm o direito de participar contribuir e gozarrdquo desse processo de desenvolvimento

Ivanilda Figueiredo16 assim proclama o direito ao desenvolvimento

14 Vianna Werneck Bartholo Jr Apud Mauriel Ana Paula Ornellas Desenvolvimento humano e proteccedilatildeo social em um contexto de crescente interdependecircncia Coleccedilatildeo relaccedilotildees internacionais e globalizaccedilatildeo

15 SENGUPTA Arjun O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano Disponiacutevel em lthttpww1psdborgbropartidoItvrevistarevista_02p7292_o_direitopdf gt Acesso em 26 ago 2011

16 FIGUEIREDO Ivanilda Algumas consideraccedilotildees sobre o direito fundamental ao desenvolvimento humano e o projeto de lei de responsabilidade fiscal e social Disponiacutevel em lthttppublique rdcpuc-riobrdireitomediaFigueiredo_n32pdfgt Acesso em 01 set 2011

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() o direito ao desenvolvimento traduz-se direito de todo indiviacuteduo desenvolver plenamente sua capacidade de agente e que a capacidade de agente eacute a competecircncia obtida por cada um para escolher de modo formal e materialmente livre o modo de vida que mais lhe agrade A majoraccedilatildeo dessa capacidade gera um aumento da liberdade por o indiviacuteduo estar desfrutando de direitos essenciais e sendo chamado a tomar a sua parcela de responsabilidade por si e por sua comunidade Portanto ao desfrutar do direito ao desenvolvimento os cidadatildeos incrementam a democracia

Importa neste mister diferenciar duas terminologias que podem induzir o leitor ao erro o DIREITO DO DESENVOLVIMENTO e o DIREITO AO DESENVOLVIMENTO Para tanto nos valemos das liccedilotildees de Canccedilado Trindade (1993 p 175)

Importa ter em mente a distinccedilatildeo entre ldquodireito internacional do desenvolvimento (ldquointernational law of developmentrdquoldquodroit internacional du deacutevelopementrdquo) e o ldquodireito ao desenvolvimentordquo (ldquoright to developmentrdquo ldquodroit au deacutevelepementrdquo) como um direito como proclamado na Declaraccedilatildeo de 1986 O primeiro com seus vaacuterios componentes (direito agrave autodeterminaccedilatildeo econocircmica soberania permanente sobre a riqueza e os recursos naturais princiacutepios do tratamento natildeo-reciacuteproco e preferencial para os paiacuteses em desenvolvimento e da igualdade participatoacuteria dos paises em desenvolvimento nas relaccedilotildees internacionais e nos benefiacutecios da ciecircncia e tecnologia) emerge um sistema normativo internacional objetivo a regular as relaccedilotildees entre Estados juridicamente iguais mas economicamente desiguais e visando a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees com base na cooperaccedilatildeo internacional (Carta das Naccedilotildees Unidas artigos 55-56) e em consideraccedilotildees de equidade de modo a remediar os desequiliacutebrios econocircmicos entre os Estados e a proporcionar a todos os Estados ndash particularmente os paises em desenvolvimento O segundo como sustentado pela Declaraccedilatildeo de 1986 e inspirado em disposiccedilotildees de direitos humanos tais como o artigo 28 da Declaraccedilatildeo Universal de 1948 e o artigo 1ordm de ambos os Pactos de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas afigura-se como um direito humano subjetivo englobando exigecircncias da pessoa humana e dos povos que devem ser respeitadas

No dizer de Fernando Antonio Amaral Cardia (2005 p 59) a doutrina divergiu a respeito da natureza do direito do desenvolvimento questionando-se a sua inclusatildeo dentro do Direito Internacional Econocircmico no entanto para este autor a pertinecircncia reside em saber que este tema busca a ldquoseparaccedilatildeo das disparidades de desenvolvimento dos Estadosrdquo

Em siacutentese o direito do desenvolvimento estaacute relacionado com o Direito Internacional Econocircmico Jaacute o direito ao desenvolvimento este como analisaremos de forma mais detida abaixo eacute um direito humano e fundamental

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O direito humano e fundamental

Flavia Piovesan (2010 p 65-81) tambeacutem identifica com base na doutrina de Allan Rosas 3 (trecircs) dimensotildees centrais para o direito ao desenvolvimento a) Justiccedila social b) Participaccedilatildeo e accountability e c) Programas e poliacuteticas nacionais e cooperaccedilatildeo internacional

O conceito de desenvolvimento passa por diversos ramos do conhecimento humano possuindo aspectos socioloacutegico econocircmico e juriacutedico

Eacute pertinente aqui fazer um recorte e afirmar que o direito ao desenvolvimento estaacute tambeacutem diretamente ligado agrave ciecircncia criminal Certamente o leitor questionaraacute essa nossa assertiva jaacute que o presente estudo natildeo se destina ao estudo do direito penal

Entende-se importante fazer essa ligaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento com a coculpabilidade e aqui nos arrisca-se ainda que superficialmente ao estudo deste tema

O conceito de coculpabilidade foi cunhado por Eugenio Rauacutel Zaffaroni (2006 p 525) que assim o ensina verbis

Todo sujeito age numa circunstacircncia determinada e com um acircmbito de autodeterminaccedilatildeo tambeacutem determinado Em sua proacutepria personalidade haacute uma contribuiccedilatildeo para esse acircmbito de autodeterminaccedilatildeo posto que a sociedade - por melhor que organizada seja - nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas possibilidades Em consequecircncia haacute sujeitos que tecircm um menor acircmbito de autodeterminaccedilatildeo condicionado desta maneira por causas sociais Natildeo seraacute possiacutevel atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregaacute-lo com estas no momento da reprovaccedilatildeo da culpabilidade Costuma-se dizer que haacute aqui uma co-culpabilidade com a qual a proacutepria sociedade deve arcar Tem-se afirmado que este conceito de co-culpabilidade eacute uma ideacuteia introduzida pelo direito penal socialista Cremos que a co-culpabilidade eacute herdeira do pensamento de Marat (ver n 118) e hoje faz parte da ordem juriacutedica de todo o Estado Social de Direito que reconhece direitos econocircmicos e sociais e portanto tem cabimento no Coacutedigo Penal mediante a disposiccedilatildeo geneacuterica do art 66

A coculpabilidade17 (ou vulnerabilidade como preferem alguns doutrinadores) nada mais eacute do que a codivisatildeo da responsabilidade por parte do

17 Atualmente a coculpabilidade jaacute foi inclusive reconhecida pelo legislador infraconstitucional como se verifica no artigo 19 inciso IV da Lei Federal nordm 113432006 bem como pela jurisprudecircncia a qual a tiacutetulo de exemplo cita-se ldquo()7- Possibilidade de para o caso concreto uma soluccedilatildeo mais beneacutefica para o acusado no reconhecimento da vulnerabilidade do mesmo morador de rua que natildeo completou os estudos vivendo agrave margem da sociedade catando lixo para sobreviver

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agente que delinquiu e do Estado que natildeo preparou o agente para integrar a sociedade

Ora se o Estado daacute efetividade ao direito ao desenvolvimento por meio de poliacuteticas puacuteblicas de modo que a dignidade humana dos administrados seja respeitada tem-se como consequecircncia o engrandecimento do ser humano e a sua inclusatildeo no meio social conferindo-lhe entatildeo mais oportunidades e mais autodeterminaccedilatildeo de modo que este mesmo administrado natildeo poderaacute entatildeo alegar uma pretensa ldquohipossuficiecircncia culpanterdquo ou vulnerabilidade no momento de sua conduta delitiva pois a sua autodeterminaccedilatildeo teraacute sido preenchida pelo agir estatal

Como citado acima Zaffaroni ensina que eacute possiacutevel que alguns homens possuam menos oportunidades e isso eacute inerente em um sistema capitalista mas o papel de um Estado do Bem Estar Social Democraacutetico de Direito18 eacute justamente minorar as desigualdades e isso certamente pode ser alcanccedilado agrave medida que o direito ao desenvolvimento eacute concretizado

Analisando a conexatildeo do pensamento econocircmico de Amartya Sen com o princiacutepio da coculpabilidade Eduardo Luiz Santos Cabette (2008 p 9-10) faz um paralelo entre a eacutetica e o direito penal e assim assevera

() E quem sabe algum dia em uma sociedade realmente desenvolvida em que imperem a liberdade e a igualdade natildeo somente formais mas materiais se possa atribuir a cada um a responsabilidade uacutenica e integral por suas escolhas e condutas

Assim temos que o direito ao desenvolvimento possui uma ampla gama de reflexos repercutindo no aspecto social e socioloacutegico humano ambiental econocircmico e ateacute mesmo criminal

acatando a sugestatildeo tanto do Ministeacuterio Puacuteblico Federal local quanto da Procuradoria Regional no reconhecimento da coculpabilidade do Estado no dizer da doutrina garantista para reduzir-lhe a pena ()rdquo BRASIL TRF5 - ACR - Apelaccedilatildeo Criminal ndash 7868 ndash Relator Desembargador Federal Heacutelio Siacutelvio Ourem Campos - Primeira Turma - DJE - Data 25022011 (grifos nossos)

18 Em que pese as recentes alteraccedilotildees na CF88 realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e que visaram implementar nuances de um neoliberalismo pensamos que a CF88 ainda consegue manter essa caracteriacutestica de sermos um Wellfare State ndash Estado do Bem Estar Social Neste sentido NASCIMENTO Samuel Pontes do Do Estado miacutenimo ao Estado regulador Uma visatildeo do Direito Econocircmico Jus Navigandi Teresina ano 13 n 1968 20 nov 2008 Disponiacutevel em lthttpjuscombrrevistatexto11990gt Acesso em 22 set 2011

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O direito humano e fundamental

4 PREVISOtildeES NORMATIVAS DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NA

ORDEM INTERNACIONAL

Em sede de proteccedilatildeo internacional aos direitos humanos dentre os diplomas existentes merecem destaque a) Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 b) a Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento de 1986 c) Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 d) Declaraccedilatildeo do Milecircnio de 2000 e) Declaraccedilatildeo e Programa de Accedilatildeo de Durban em 200219 e f) Convenccedilatildeo Europeia de direitos humanos20

A primeira documentaccedilatildeo internacional que conteve o direito ao desenvolvimento eacute a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem de 1948 documento que foi originado da Assembleia da ONU cuja importacircncia para os direitos humanos dispensa apresentaccedilatildeo verbis

Artigo XXII Toda pessoa como membro da sociedade tem direito agrave seguranccedila social e agrave realizaccedilatildeo pelo esforccedilo nacional pela cooperaccedilatildeo internacional e de acordo com a organizaccedilatildeo e recursos de cada Estado dos direitos econocircmicos sociais e culturais indispensaacuteveis agrave sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade () Artigo XXV 1 Toda pessoa tem direito a um padratildeo de vida capaz de assegurar a si e a sua famiacutelia sauacutede e bem estar inclusive alimentaccedilatildeo vestuaacuterio habitaccedilatildeo cuidados meacutedicos e os serviccedilos sociais indispensaacuteveis e direito agrave seguranccedila em caso de desemprego doenccedila invalidez viuvez velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistecircncia fora de seu controle 2 A maternidade e a infacircncia tecircm direito a cuidados e assistecircncia especiais Todas as crianccedilas nascidas dentro ou fora do matrimocircnio gozaratildeo da mesma proteccedilatildeo social

O direito ao desenvolvimento eacute reconhecido inclusive no primeiro

considerando da Declaraccedilatildeo especiacutefica sobre o direito ao desenvolvimento

Reconhecendo que o desenvolvimento eacute um processo econocircmico social cultural e poliacutetico abrangente que visa o constante incremento do bem-estar de toda a populaccedilatildeo e de todos os indiviacuteduos com base em sua participaccedilatildeo

19 Estes dois uacuteltimos diplomas internacionais foram apontados por Barbosa Pedro Henrique Batista Comeacutercio internacional direitos humanos e direito ao desenvolvimento o acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais no Brasil Disponiacutevel em lthttppubliquerdcpuc-riobr direitomediaBarbosa_n32pdf gt Acesso em 08 ago 2011

20 Disponiacutevel em lthttpwwwcidhorgrelatoriashowarticleaspartID=536amplID=4gt Acesso em 01 set 2011

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ativa livre e significativa no desenvolvimento e na distribuiccedilatildeo justa dos benefiacutecios daiacute resultantesrdquo (grifos nossos)

Aleacutem de o termo desenvolvimento ser mencionado em outras passagens do

preacircmbulo da Declaraccedilatildeo sobre o direito ao desenvolvimento o seu artigo 1ordm traz o

conceito normativo de desenvolvimento

Artigo 1 1 O direito ao desenvolvimento eacute um direito humano inalienaacutevel em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estatildeo habilitados a participar do desenvolvimento econocircmico social cultural e poliacutetico a ele contribuir e dele desfrutar no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados 2 O direito humano ao desenvolvimento tambeacutem implica a plena realizaccedilatildeo do direito dos povos de autodeterminaccedilatildeo que inclui sujeito agraves disposiccedilotildees relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos o exerciacutecio de seu direito inalienaacutevel de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais (grifos nossos)

Como dito acima a Declaraccedilatildeo de Viena de 1993 tambeacutem regulamenta o

direito humano ao desenvolvimento

10 A Conferecircncia Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento conforme estabelecido na Declaraccedilatildeo sobre o Direito ao Desenvolvimento como um direito universal e inalienaacutevel e parte integrante dos direitos humanos fundamentais (grifos nossos)

Portanto abordou-se os principais diplomas internacionais que positivam expressamente o direito fundamental ao desenvolvimento

5 A ESTRUTURA DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O Prof Hector Gros Espiell (1980 p 53) em seu texto ldquoEl derecho al desarrollordquo analisa a estrutura do direito ao desenvolvimento e identifica a) os sujeitos ativos (seus titulares) b) seus sujeitos passivos (obrigados ao

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cumprimento) mas o faz primeiro sob um prisma coletivo e depois sob um prisma individual21 e por fim analisa o objeto

Desta feita segundo as liccedilotildees do Prof Espiell (1980 p 52) seriam titulares coletivos do direito ao desenvolvimento ldquo() todos los Estados pero especial y particularmente a los paiacuteses en viacuteas de desarrollo y a los pueblos que luchan por su libre determinacioacuten contra una dominacioacuten colonial y extranjera ()rdquo

Mas o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 52) tambeacutem analisa este direito sob o vieacutes individual e nesta esfera ele identifica como titulares

() los individuos partiendo de la base de que seguacuten la foacutermula empleada por la Convencioacuten Interamericana de Derechos Humanos ()Esta afirmacioacuten implica la necesidad evidente por lo demaacutes de reconocer el derecho al desarrollo en principio a todo ser humano sin discriminacioacuten alguna por razoacuten de raza sexo religioacuten ideologiacutea o nacionalidad

No que tange aos obrigados a assegurar este direito em um acircmbito coletivo identifica o Prof Hector (ESPIELL 1980 p 53) como sujeitos passivos ldquo() el Estado y las entidades colectivas de las que dependen a su vez los otros entes colectivos titulares del derecho al desarrollordquo

E sob o ponto de vista individual o autor (ESPIELL 1980 p 53) aponta como coobrigados ldquo() de las personas colectivas o entes puacuteblicos competentes y de la Comunidad Internacionalrdquo

O prof Hector (ESPIELL 1980 p 55) ainda aborda 3 pontos quanto objeto do direito ao desenvolvimento Em um primeiro momento ele o faz como um direito coletivo que condiciona o direito individual e vice-versa Em um segundo lugar ele afirma que se funda na premissa de que todo homem possui o direito da uma vida livre e digna dentro da Comunidade e isso gera o direito ao desenvolvimento aos indiviacuteduos como decorrecircncia do direito da dignidade da pessoa humana E por fim em uma terceira ponderaccedilatildeo Espiell afirma que o direito ao desenvolvimento natildeo

21 Nesse mesmo sentido Canccedilado Trindade (1993 p 174) afirma que ldquo() e como contrapartida do direito ao desenvolvimento as responsabilidades recaem tambeacutem sobre os seres humanos individual e coletivamente (comunicadades associaccedilotildees grupos) Os sujeitos passivos do direito ao desenvolvimento satildeo assim os que arcam com tais responsabilidades com ecircnfase nas obrigaccedilotildees atribuiacutedas pela Declaraccedilatildeo aos Estados individual e coletivamente (a coletividade dos Estados)rdquo

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pode ser identificado como sinocircnimo de crescimento econocircmico mas sim um conceito que ldquotraz uma ideia muacuteltipla e complexa a respeito do progresso econocircmico social cultural e poliacutetico com um objetivo final de justiccedila realizado de maneira harmocircnica e equilibrada entre os diferentes elementosrdquo

6 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL

O histoacuterico constitucionalista brasileiro passou por momentos de percalccedilos avanccedilos e retrocessos assim como a histoacuteria em geral uma vez que eacute sabido que a histoacuteria eacute ciacuteclica e pendular e natildeo retiliacutenea

Nos uacuteltimos trinta anos o Brasil viu se encerrar um periacuteodo ditatorial para se inaugurar um Estado Democraacutetico de Direito

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 tambeacutem chamada de constituiccedilatildeo cidadatilde assim o eacute em virtude do extenso e natildeo exauriente rol de direitos e garantias fundamentais asseguradas aos brasileiros (natos e naturalizados) assim como aos estrangeiros (que aqui residem ou que de passagem estejam segundo entendimento do STF)

A presenccedila dos direitos fundamentais jaacute fica demarcada desde a leitura do preacircmbulo da constituiccedilatildeo

Noacutes representantes do povo brasileiro reunidos em Assembleacuteia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional com a soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte CONSTITUICcedilAtildeO DA REPUacuteBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifos nossos)

Como se pode constatar o proacuteprio preacircmbulo da Constituiccedilatildeo jaacute exalta que a Assembleia Nacional Constituinte pretendeu instituir um Estado Democraacutetico destinado a assegurar direitos fundamentais de todas as dimensotildees Ademais

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quando o constituinte se valeu do termo DESENVOLVIMENTO o fez no sentido de DESENVOLVIMENTO HUMANO22

O Supremo Tribunal Federal (STF) jaacute firmou entendimento de que o preacircmbulo natildeo eacute norma passiacutevel de funcionar como paracircmetro no controle de constitucionalidade mas pode facilmente ser utilizado como fonte hermenecircutica logo o termo DESENVOLVIMENTO pode e deve ser interpretado em consonacircncia com todos os demais dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre os quais pode-se destacar artigo 1ordm incisos I II III IV e V artigo 3ordm incisos I II III e IV artigo 5ordm e seus incisos mais adiante o regime do sistema tributaacuterio e financeiro pois somente com um sistema tributaacuterio equalizado e correto eacute que se permite que se faccedila uma justiccedila fiscal de modo que se observe o principio da capacidade contributiva Tambeacutem eacute importante citar o artigo 219 que estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional porque gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano

Ora este direito subjetivo pode ser visto sob diversos aspectos como jaacute dito acima dentre eles o ambiental econocircmico socioloacutegico etc

Dentro do aspecto do direito ambiental vige o principio do desenvolvimento sustentaacutevel O artigo 225 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF88) possui relaccedilatildeo direta com o desenvolvimento humano uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado por ser regido pela intergeracionalidade deve ser preservado pelas presentes geraccedilotildees para os credores presentes e futuros o que implica exigir que o desenvolvimento humano natildeo seja buscado a qualquer custo

Com relaccedilatildeo ao direito ao desenvolvimento eacute possiacutevel encontrar os trabalhos realizados pela ONU mais especificamente os relatoacuterios de desenvolvimento humano que tecircm como paracircmetros comparativos a sauacutede (por meio da expectativa de vida) a educaccedilatildeo (por meio da taxa de alfabetizaccedilatildeo) a renda (por meio da fixaccedilatildeo da renda per capta)

Importante tambeacutem relacionar o desenvolvimento econocircmico com a RENDA

O desenvolvimento previsto no preacircmbulo da constituiccedilatildeo eacute o desenvolvimento nacional assim logo no iniacutecio do texto da Magna Carta Federal23

22 Esses pensamentos relativos ao direito fundamental ao desenvolvimento humano no ordenamento juriacutedico paacutetrio tambeacutem foram mencionados pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

23 Expressatildeo utilizada pelo Ministro Carlos Ayres Brito em seu voto proferido nos autos da ADI 3510 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 415

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(artigo 3ordm) traccedilam-se os objetivos da Repuacuteblica Federativa do Brasil e dentre eles pode-se encontrar o DESENVOLVIMENTO HUMANO

No entanto eacute certo que natildeo se pode falar em desenvolvimento humano quando se tem concentraccedilatildeo de renda logo eacute necessaacuterio que ocorra um processo de desconcentraccedilatildeo de renda para podermos alcanccedilar este objetivo da repuacuteblica O legislador constituinte cunhou o artigo 219 da CF8824 justamente visando esta finalidade

Ora se este comando estabelece que o mercado interno eacute patrimocircnio nacional quando os fatores reais de poder25 estabeleceram esta norma certamente o fizeram sob o fundamento de que eacute o mercado interno que gera renda necessaacuteria para o desenvolvimento humano pois somente com a produccedilatildeo de divisas e creacuteditos eacute que se torna possiacutevel a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas com vistas a se construir uma sociedade livre justa etc

Natildeo basta ao Estado respeitar os direitos de primeira dimensatildeo conferindo as chamadas ldquoliberdadesrdquo mas eacute necessaacuterio implementar efetivamente os direitos econocircmicos sociais e culturais e isso se conclui da caracteriacutestica da indivisibilidade dos direitos humanos de modo que natildeo adianta ser conferida liberdade de ir e vir ao cidadatildeo se este natildeo tem o miacutenimo de condiccedilatildeo financeira para prover suas necessidades diaacuterias

7 OS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE FUNDAMENTAM O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Diante do ateacute aqui exposto natildeo pairam duacutevidas de que o direito ao desenvolvimento eacute um direito humano Ocorre que tambeacutem eacute necessaacuterio pontuar-se que este tambeacutem eacute um direito fundamental haja vista a diferenciaccedilatildeo que a doutrina faz entre estas terminologias (vide capiacutetulo 1 deste trabalho)

24 Art 219 CF88 O mercado interno integra o patrimocircnio nacional e seraacute incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e soacutecio-econocircmico o bem-estar da populaccedilatildeo e a autonomia tecnoloacutegica do Paiacutes nos termos de lei federal

25 A expressatildeo ldquofatores reais de poderrdquo foi cunhada por Ferdinand Lassale em sua obra ldquo Que eacute uma Constituiccedilatildeordquo Disponiacutevel em lthttpwwwebooksbrasilorgeLibrisconstituicaolhtmlgt Acesso em 26 out 2011

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Neste sentido conjugando diversos dispositivos da Constituiccedilatildeo dentre eles o preacircmbulo tambeacutem devemos nos ater agrave leitura de outros comandos tais quais artigo 1ordm e incisos artigo 3ordm e incisos artigo 5ordm e incisos artigo 21 incisos IX e XX artigo 43 cabeccedila artigo 48 inciso IV artigo 151 e incisos artigo 170 e incisos artigo 174 cabeccedila artigo 180 cabeccedila artigo 182 artigo 192 artigo 218 e todo o capiacutetulo do desenvolvimento nacional

Apoacutes a leitura detida de todos estes comandos pode-se concluir pela existecircncia do direito fundamental ao desenvolvimento no ordenamento juriacutedico paacutetrio

A doutrina elenca diversas variaacuteveis no que tange agraves classificaccedilotildees das Constituiccedilotildees e dentre estas classificaccedilotildees mais especificamente quanto ao conteuacutedo a CF88 eacute analiacutetica ou seja longa e prolixa mas que aborda diversos direitos e natildeo poderia ser diferente no que tange ao direito ao desenvolvimento

Eacute importante pontuar que o desenvolvimento (visando assim atingir os objetivos da repuacuteblica) natildeo pode ser buscado de forma predatoacuteria jaacute que em sendo um direito fundamental tambeacutem deve respeitar os direitos da populaccedilatildeo que estejam nesse mesmo niacutevel de importacircncia

8) Do regime juriacutedico aplicaacutevel ao direito humano e fundamental ao

desenvolvimento

71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais

Como afirmado acima o direito ao desenvolvimento possui um duplo espectro de proteccedilatildeo eis que se trata de a) direito humano com proteccedilatildeo em diversos tratados internacionais e b) direito fundamental com ampla positivaccedilatildeo constitucional

Deve-se observar que o direito ao desenvolvimento possui 2 (dois) niacuteveis de proteccedilatildeo interno e internacional no entanto haacute um embate doutrinaacuterio quanto agrave posiccedilatildeo ocupada pelos tratados de direitos humanos frente ao ordenamento juriacutedico como um todo

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Em sua obra Flaacutevia Piovesan (2006)26 afirma existirem quatro correntes a respeito da hierarquia dos tratados de proteccedilatildeo de direitos humanos ldquoa) hierarquia supraconstitucional de tais tratados b) hierarquia constitucional c) hierarquia infraconstitucional mas supralegal e d) paridade hieraacuterquica entre tratado e lei federalrdquo

Para Celso Albuquerque de Mello27 os tratados internacionais satildeo superiores agrave Constituiccedilatildeo Aqui entende-se contudo que os tratados internacionais estatildeo em posiccedilatildeo superior agrave Constituiccedilatildeo apenas se tratarem de direitos humanos

Pensa-se dessa forma jaacute que tendo por base o principio da dignidade da pessoa humana e o principio pro homine natildeo haacute duacutevida de que os tratados que estabelecem direitos humanos estatildeo eivados de alta densidade axioloacutegica e essa caracteriacutestica eacute diametralmente oposta a outros tipos de tratados Logo os demais tratados certamente natildeo podem ascender ao mesmo niacutevel hieraacuterquico que primeiros

Portanto aqui faz-se mister a citaccedilatildeo dos ensinamentos de Celso Albuquerque de Mello (2003) que desenvolveu uma seacuterie de argumentos para defender sua tese Ele parte do fundamento de ldquo() a noccedilatildeo de soberania natildeo eacute absoluta mas sim um conceito juriacutedico indeterminado e que varia de acordo com a eacutepoca histoacutericardquo

No entanto para se definir qual corrente doutrinaacuteria seraacute adotada eacute relevante ter conhecimento das teorias que explicam as relaccedilotildees existentes entre o Direito Internacional e o Direito Interno

26 E continua Piovesan ao afirmar que seguem o entendimento da supraconstitucionalidade Agustiacuten Gordillo Andreacute Gonccedilalves Pereira e Fausto de Quadros Marcelo Neves (2009) tambeacutem aborda a questatildeo das constituiccedilotildees supranacionais e analisa outras concepccedilotildees e terminologias Importante tambeacutem trazermos os ensinamentos de Mazzuolli e Luiz Flaacutevio Gomes que separam os tratados de direitos humanos em centriacutefugos (aqueles que regem as relaccedilotildees juriacutedicas dos Estados ou dos indiviacuteduos com a chamada jurisdiccedilatildeo global Satildeo centriacutefugos porque saem do seu centro) e centriacutepetas (aqueles que cuidam das relaccedilotildees dos indiviacuteduos ou do Estado no plano domeacutestico) de modo que para ambos os tratados centriacutefugos possuem natureza supraconstitucional e os centriacutefugos possuem status constitucional GOMES Luiz Flaacutevio MAZZUOLI Valeacuterio de Oliveira Tratados internacionais valor legal supralegal constitucional ou supraconstitucional Disponiacutevel em lthttpsareunianhangueraedubrindexphprdirearticleviewPDFInterstitial895625gt Acesso em 01 set 2011

27 O autor afirma categoricamente que ldquo() a norma internacional prevalece sobre a norma constitucionalrdquo (MELLO 2003 p 25)

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O direito humano e fundamental

Assim passa-se a citaacute-las a) teoria dualista e b) teoria monista sendo que segundo Valeacuterio de Oliveira Mazzuoli (2007 p 60-66) o monismo pode ser b1) monista internacionalista ou b2) monista nacionalista E mais o autor afirma existir uma terceira corrente mista denominada de corrente coordenadora ou conciliatoacuteria segundo a qual se defende ldquo() a coordenaccedilatildeo de ambos os sistemas a partir de normas superiores a ambos a exemplo das regras do Direito Natural Esta posiccedilatildeo conciliatoacuteria natildeo encontrou guarida nem nas normas e tampouco na jurisprudecircncia ()rdquo

E neste ponto Mello (2003) analisando criticamente a corrente dualista (que pregava o prevalecimento da norma posterior ou seja aplicava-se o que se chama de criteacuterio cronoloacutegico de modo que a norma posterior revogaria a anterior independentemente desta ser um tratado ou uma norma interna) afirma que ldquo() Jean Bodin ao formular a teoria da soberania afirmou que ela tinha o direito natural e o direito das gentes acima delasrdquo

E continua (MELLO 2003 p 22) ao defender que

Dualismo natildeo significa mais hoje que o DI incorporado fique igualado ao direito interno Na verdade quer dizer que o DIP precisa ser incorporado ao direito interno mas natildeo que o direito interno posterior possa revogar uma norma do DIP internalizada

Em siacutentese pode-se sistematizar os argumentos de Mello da seguinte forma

a) Natildeo existe soberania absoluta de modo que o direito natural e o direito das gentes estatildeo acima do direito interno b) A Corte de Justiccedila da Comunidade Europeia tem afirmado que o direito comunitaacuterio eacute uma nova ordem juriacutedica em que ocorre a limitaccedilatildeo da soberania dos Estados c) Kelsen jaacute determinava que a norma fundamental era do DIP d) Natildeo eacute possiacutevel que uma norma de direito internacional internalizada possa ser substituiacuteda por uma norma de direito interno que seja somente posterior (adoccedilatildeo do criteacuterio cronoloacutegico) e) Em uma eacutepoca de globalizaccedilatildeo isso acarreta uma importacircncia muito grande ao DIP f) O Estado natildeo existe sem que esteja inserido em um contexto internacional eis que a noccedilatildeo de Estado depende da existecircncia de uma sociedade internacional no entanto para que haja Estado eacute necessaacuterio que haja uma Constituiccedilatildeo mas a reciacuteproca eacute verdadeira e a Constituiccedilatildeo tambeacutem depende da sociedade internacional logo o DIP estaacute acima do DI

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Adriano Justi Martinelli

Inicialmente o STF entendeu que os tratados de direitos humanos

celebrados antes da Emenda Constitucional nordm 452004 e que natildeo tenham sido

recebidos pelo Brasil seguindo o regime do artigo 5ordm sect 2ordm CF88 possuiacuteam natureza

juriacutedica supralegal

O STF em um primeiro momento pensou desta forma no entanto em seu

voto proferido no HC nordm 87855 (com julgamento jaacute concluiacutedo) o Ministro Celso de

Mello (revendo sua posiccedilatildeo) parece ter ido aleacutem da posiccedilatildeo de supralegalidade

defendida pelo Ministro Gilmar Mendes e deixou consignado que para ele os

tratados de direitos humanos possuem natureza CONSTITUCIONAL mesmo

aqueles assinados antes da EC 452004

Assim alguns ministros passaram a defender a tese que mesmo antes da

EC nordm 452004 os tratados de direitos humanos jaacute poderiam ter natureza

constitucional embora a posiccedilatildeo vencedora tenha sido a da SUPRALEGALIDADE

Mas natildeo termina aiacute

O Ministro Joaquim Barbosa (vide ADI 3937) tambeacutem reconheceu no miacutenimo

um status supralegal a estes tratados Portanto se eles possuem no miacutenimo este

status nada impediria sua hierarquia constitucional

O reforccedilo a essa tese veio com a Suacutemula Vinculante (SV) nordm 25 contendo o

seguinte teor ldquoEacute iliacutecita a prisatildeo civil de depositaacuterio infiel qualquer que seja a

modalidade de depoacutesitordquo

O artigo 7ordm sect 7ordm do Pacto de San Joseacute estabelece o principio de que

ningueacutem deve ser detido por diacutevidas A norma estabelecida neste tratado natildeo limita

os mandados de autoridade judiciaacuteria competente expedidos em virtude de

inadimplemento de obrigaccedilatildeo alimentar de forma que pelo texto do pacto somente

seria possiacutevel a prisatildeo para inadimplemento alimentar O Pacto poreacutem eacute de 1969

Posterior e confrontando com o tratado tem-se a CF88 (artigo 5ordm LXVII)

que estabelece a prisatildeo civil por diacutevida para dois casos depositaacuterio infiel e devedor

de alimentos

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O direito humano e fundamental

A leitura mais detida da SV nordm 25 nos remete agrave conclusatildeo de que houve o

prevalecimento de um tratado agrave norma do texto constitucional28 e aiacute pode-se

constatar a SUPRACONSTITUCIONALIDADE dos tratados de direitos humanos29

frente agrave Constituiccedilatildeo conforme defendido acima

72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela

Neste toacutepico pretendemos analisar o regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave

aplicabilidade do direito ao desenvolvimento nas searas internacional e interna Para

tanto visando instigar o leitor fizemos um fluxograma inicial que segue abaixo de

modo que procuraremos desenvolver estas ideias a seguir

28 Quem fez toda essa digressatildeo desenvolvida nos uacuteltimos 8 paraacutegrafos incluindo o que citou o julgado de nordm 87855 foi o professor e procurador regional da repuacuteblica Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011

29 Elival da Silva Ramos defende posiccedilatildeo diversa no sentido de que ldquo() natildeo eacute possiacutevel haver dois regimes juriacutedicos distintos aplicaacuteveis aos tratados internacionais sob o prisma do procedimento e efeitos de sua incorporaccedilatildeo ao ordenamento interno emprestando-se tratamento privilegiado aos tratados sobre direitos humanos Por mais intencionados que sejam esquecem-se os festejados defensores dessa dicotomia que o primado dos direitos fundamentais da pessoa humana natildeo prescinde dos instrumentos baacutesicos do Estado de Direito e do funcionamento democraacutetico das instituiccedilotildees estatais ()rdquo (RAMOS 2009 p 188)

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721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional

Jaacute pontuamos que o direito ao desenvolvimento possui previsatildeo internacional e interna Isso significa dizer que tal direito pode ser tutelado tanto no acircmbito interno quanto no internacional

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O direito humano e fundamental

Na seara internacional a principal indagaccedilatildeo que se coloca eacute a seguinte havendo omissatildeo ou desrespeito de um Estado a um direito humano (e nesse caso especificamente ao direito ao desenvolvimento) como seria possiacutevel assegurar-se a aplicaccedilatildeo deste direito

Jaacute afirmou-se anteriormente que o direito ao desenvolvimento eacute um direito coletivo de 3ordf dimensatildeo que representa assim a fraternidade

Em sede do sistema global especificamente para a proteccedilatildeo dos direitos humanos tem-se como principais diplomas a Carta das Naccedilotildees Unidas (1945) e a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos (1948) que eacute composta dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Poliacuteticos (1966) e dos Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais dos seus respectivos protocolos facultativos e de outras Convenccedilotildees dentre os quais citam-se as Convenccedilotildees Internacionais Sobre Todas as Formas de Discriminaccedilatildeo Racial Sobre a Eliminaccedilatildeo de todas as formas de Discriminaccedilatildeo contra a Mulher Contra a tortura e outros tratamentos ou penas crueacuteis desumanos ou degradantes etc

Para a tutela dos direitos humanos o sistema global dispotildee da Corte Internacional de Justiccedila Esta Corte possui previsatildeo no artigo 66 da Convenccedilatildeo de Viena e foi regulamentada pelo Estatuto desta mesma Corte que no artigo 38 estabelece sua competecircncia material e esta pode ser contenciosa ou consultiva

Jaacute no sistema regional deve-se destacar a existecircncia de trecircs sistemaacuteticas americana africana e europeia Somente a sistemaacutetica americana seraacute objeto estudo

a) Sistemaacutetica Americana de proteccedilatildeo dos direitos humanos

Eacute sabido que recentemente a Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (tambeacutem chamada de Pacto de San Joseacute da Costa Rica) foi internalizada no direito interno pelo decreto nordm 6781992

A Convenccedilatildeo Interamericana trouxe dentro da sua sistemaacutetica de tutela os seguintes oacutergatildeos de proteccedilatildeo a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 1ordm 34 e seguintes) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (estabelecida nos artigos 33 2ordm 52 e seguintes)

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O sistema de peticionamento perante a Corte Interamericana foi regulamentado pelo Pacto de San Salvador e este dispotildee que seraacute objeto de anaacutelise perante aquela instituiccedilatildeo somente as violaccedilotildees ao direito sindical e agrave educaccedilatildeo nos termos dos seguintes comandos

Artigo 19 6 Caso os direitos estabelecidos na aliacutenea a do artigo 8 e no artigo 13 forem violados por accedilatildeo imputaacutevel diretamente a um Estado Parte deste Protocolo essa situaccedilatildeo poderia dar lugar mediante participaccedilatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos e quando cabiacutevel da Corte Interamericana de Direitos Humanos agrave aplicaccedilatildeo do sistema de peticcedilotildees individuais regulado pelos artigos 44 a 51 e 61 a 69 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos

Artigo 8 - Direitos sindicais 1 Os Estados Partes garantiratildeo a O direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha para proteger e promover seus interesses Como projeccedilatildeo desse direito os Estados Partes permitiratildeo aos sindicatos formar federaccedilotildees e confederaccedilotildees nacionais e associar-se agraves jaacute existentes bem como formar organizaccedilotildees sindicais internacionais e associar-se agrave de sua escolha Os Estados Partes tambeacutem permitiratildeo que os sindicatos federaccedilotildees e confederaccedilotildees funcionem livremente Artigo 13 Direito agrave educaccedilatildeo 1 Toda pessoa tem direito agrave educaccedilatildeo 2 Os Estados Partes neste Protocolo convecircm em que a educaccedilatildeo deveraacute orientar-se para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e deveraacute fortalecer o respeito pelos direitos humanos pelo pluralismo ideoloacutegico pelas liberdades fundamentais pela justiccedila e pela paz Convecircm tambeacutem em que a educaccedilatildeo deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democraacutetica e pluralista conseguir uma subsistecircncia digna favorecer a compreensatildeo a toleracircncia e a amizade entre todas as naccedilotildees e todos os grupos raciais eacutetnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenccedilatildeo da paz 3 Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que a fim de conseguir o pleno exerciacutecio do direito agrave educaccedilatildeo a O ensino de primeiro grau deve ser obrigatoacuterio e acessiacutevel a todos gratuitamente b O ensino de segundo grau em suas diferentes formas inclusive o ensino teacutecnico e profissional de segundo grau deve ser generalizado e tornar-se acessiacutevel a todos pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito c O ensino superior deve tornar-se igualmente acessiacutevel a todos de acordo com a capacidade de cada um pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantaccedilatildeo progressiva do ensino gratuito d Deve-se promover ou intensificar na medida do possiacutevel o ensino baacutesico para as pessoas que natildeo tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instruccedilatildeo do primeiro grau

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O direito humano e fundamental

e Deveratildeo ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os deficientes a fim de proporcionar instruccedilatildeo especial e formaccedilatildeo a pessoas com impedimentos fiacutesicos ou deficiecircncia mental 4 De acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes os pais teratildeo direito a escolher o tipo de educaccedilatildeo a ser dada aos seus filhos desde que esteja de acordo com os princiacutepios enunciados acima 5 Nada do disposto neste Protocolo poderaacute ser interpretado como restriccedilatildeo da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituiccedilotildees de ensino de acordo com a legislaccedilatildeo interna dos Estados Partes

Assim seguindo esta regra o direito ao desenvolvimento natildeo poderia ser questionado perante a Corte Interamericana

No entanto jaacute existe jurisprudecircncia deste mesmo oacutergatildeo do sistema interamericano dando interpretaccedilatildeo ampliativa de modo em que efetuou-se a anaacutelise de direitos sociais30

Portanto partindo da premissa da interrelacionalidade e indivisibilidade31 dos direitos humanos a Corte Interamericana vem reconhecendo os direitos sociais

30 Aqui eacute importante citar-se dois precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos Primeiro cita-se o caso Albaacuten Cornejo e outros contra o Estado-parte do Equador trata-se de suposta negligecircncia meacutedica em hospital particular em que a viacutetima deu entrada no hospital com suposto quadro de meningite bacteriana vindo assim a ser medicada inobstante a isso culminou em oacutebito no dia seguinte provavelmente em decorrecircncia do medicamento prescrito Ocorre que segundo relata o julgado o Poder Judiciaacuterio do Equador reconheceu a prescriccedilatildeo da accedilatildeo penal em de um dos responsaacuteveis sendo que quanto ao outro meacutedico a accedilatildeo penal estava agrave eacutepoca ainda em tracircmite Neste julgado a Corte julgou ser parcial a responsabilidade do Estado e decidiu o caso com fundamento na proteccedilatildeo agrave integridade fiacutesica (em virtude da omissatildeo estatal mas em detrimento do direito agrave vida por entender que a responsabilidade por essa violaccedilatildeo deveria ser movida em outra via responsabilizatoacuteria) agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo (para assegurar agrave famiacutelia o direito de saber o conteuacutedo do laudo meacutedico) agrave proteccedilatildeo da famiacutelia e agrave obrigaccedilatildeo de respeito aos direitos contidos na Convenccedilatildeo Interamericana de Direitos Humanos (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 12406 Laura Albaacuten Cornejo e Equador 22 set 2007) Em segundo lugar insta mencionar o caso Villagran Morales contra o Estado-parte da Guatemala (Street Children case 1999) em que este Estado foi condenado pela Corte em virtude da impunidade relativa agrave morte de 5 (cinco) crianccedilas brutalmente torturadas e assassinadas por policiais nacionais da Guatemala tendo sido reconhecida a lesatildeo aos artigos 4ordm da Convenccedilatildeo (direito agrave vida) 5ordm incisos 1 e 2 (direito agrave integridade fiacutesica) 19 (direitos da crianccedila) e 8ordm combinado com o artigo 25 (garantias judiciais) aleacutem de violaccedilotildees ao Tratado de Proibir e Punir a Tortura (Corte Interamericana de Direitos humanos Denuacutencia nordm 11383 Anstraum Villagraacuten Morales e outros e Repuacuteblica da Guatemala 19 nov 1999) Nestes dois julgados reconheceu-se a existecircncia de lesatildeo a direitos sociais diversos daqueles que a Corte Interamericana em tese teria competecircncia para apreciar quais sejam o direito sindical e direito agrave educaccedilatildeo Disponiacuteveis em lthttpwwwcorteidhorcrexpedientescfmgt Acesso em 6 out 2011

31 Vide toacutepico 1 do presente trabalho Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 401-438 425

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como possiacuteveis objetos de anaacutelise embora o Protocolo de San Salvador tenha sido mais restritivo

Entende-se aqui um ponto fulcral de questionamento diante das caracteriacutesticas dos direitos humanos da interrelacionalidade e indivisibilidade seria possiacutevel que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tambeacutem possa analisar questionamentos relativos ao descumprimento por parte dos Estados-parte de direitos coletivos (dentre eles o proacuteprio direito humano ao desenvolvimento)

Ousa-se responder afirmativamente

Tomando por base as jurisprudenciais mencionadas anteriormente (julgado de nordm 87855 comentado pelo Dr Robeacuterio Nunes dos Anjos Filho em aulas ministradas no curso Federal Concursos nos meses de maio junho julho e agosto de 2011) pode-se argumentar que o direito ao desenvolvimento possui total relaccedilatildeo com os direitos estabelecidos no Protocolo de San Salvador uma vez que a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas educacionais certamente satildeo um fim para que se alcance o desenvolvimento humano e por consequecircncia seja assim atingida a dignidade da pessoa

Como exemplo pode-se mencionar a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de criaccedilatildeo de quadras poliesportivas jaacute que dentro de um contexto educacional eacute possiacutevel se possibilitar o desenvolvimento humano daqueles que buscam esse tipo de inclusatildeo fazendo assim com que a sua dignidade seja preenchida

O presente caso encontra-se diante do que a professora Flaacutevia Piovesan32 chamou de ldquoaplicaccedilatildeo do princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais

especialmente para a proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo

Ora as classes menos favorecidas satildeo grupos socialmente vulneraacuteveis assim eacute certo que a anaacutelise da omissatildeo do poder puacuteblico quanto ao respeito do direito ao desenvolvimento como corolaacuterio para que se alcance a potencialidade dessas pessoas e por consequecircncia seja completada a dignidade humana de cada

32 PIOVESAN Flaacutevia Direitos sociais proteccedilatildeo nos sistemas internacional e regional interamericano Disponiacutevel em lthttpwwwreidorgbrarquivos00000122-reid-5-05-flaviapdfgt Acesso em 10 set 2011

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O direito humano e fundamental

uma dessas pessoas nos parece que seria possiacutevel essa teacutecnica da ldquoaplicaccedilatildeo do

princiacutepio da aplicaccedilatildeo progressiva dos direitos sociais especialmente para a

proteccedilatildeo de grupos socialmente vulneraacuteveisrdquo no entanto para que seja feita a

aplicaccedilatildeo progressiva de DIREITOS COLETIVOS A proacutepria Defensoria Puacuteblica pode provocar a Corte para que esta seja instada a se manifestar sobre o tema Neste sentido a Lei Complementar nordm 8094 estabelece expressamente

Art 4ordm LC 801994 Satildeo funccedilotildees institucionais da Defensoria Puacuteblica dentre outras () VI ndash representar aos sistemas internacionais de proteccedilatildeo dos direitos humanos postulando perante seus oacutergatildeos

O art 4ordm inciso VI da LC 8094 alterado pela LC 1322009 eacute expresso em assegurar tal legitimidade

Desta feita o espectro de proteccedilatildeo aos direitos humanos no cenaacuterio internacional tem como sustentaccedilatildeo tanto a Corte Internacional de Justiccedila quanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos e quanto a isso eacute importante destacar a legitimidade da defensoria puacuteblica para perante a segunda

722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna

Em sede de proteccedilatildeo interna o direito ao desenvolvimento possui natureza de direito fundamental e se ampara em diversos comandos da CF88

Assim resta investigar seguindo a claacutessica orientaccedilatildeo de Joseacute Afonso da Silva se este direito fundamental seria uma norma constitucional de eficaacutecia plena contida ou limitada

Entende-se que o direito ao desenvolvimento eacute uma norma de eficaacutecia limitada e segundo Joseacute Afonso da Silva (2003 p 147)33 estas se dividem em normas de principio institutivo e ou normas programaacuteticas

33 Adotamos a classificaccedilatildeo feita por Joseacute Afonso da Silva mas aproveitamos o ensejo para ressaltar que existem outras formas classificatoacuterias elaboradas pela doutrina dentre elas a formulada por Luis Roberto Barroso que tambeacutem reconhece a existecircncia de normas

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Descendo a fundo nos ensinamentos de Joseacute Afonso da Silva pode-se ver que ele ainda identifica uma nova subdivisatildeo paacutera as normas programaacuteticas a) normas programaacuteticas vinculadas ao principio da legalidade b) normas programaacuteticas referidas aos Poderes Puacuteblicos e c) normas programaacuteticas dirigidas agrave ordem econocircmico-social

Visando facilitar a compreensatildeo quanto agrave classificaccedilatildeo construiacuteda por Joseacute Afonso da Silva elaborou-se o fluxograma abaixo

Por ser o direito ao uma norma constitucional limitada programaacutetica ele se classifica como uma norma programaacutetica destinada aos poderes puacuteblicos jaacute que dentro delas Joseacute Afonso da Silva insere os jaacute citados artigos 21 inciso X e 218 da CF

constitucionais programaacuteticas (mas com caracteriacutesticas diversas das pensadas por Joseacute Afonso) dentre aquelas que integram a classificaccedilatildeo criada por ele e prossegue distinguindo quanto agrave existecircncia de normas constitucionais de organizaccedilatildeo e das normas constitucionais definidoras de direitos (BARROSO 2009 p 196) Jaacute Maria Helena Diniz as classifica da seguinte forma eficaacutecia absoluta ou supereficazes eficaacutecia plena eficaacutecia relativa restringiacutevel e com eficaacutecia relativa complementaacutevel ou dependente de complementaccedilatildeo legislativa (apud LENZA p 141) Tambeacutem eacute importante citarmos a doutrina tradicional que classifica as normas em auto-aplicaacuteveis e natildeo auto-aplicaacuteveis

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Feita a distinccedilatildeo eacute certo que a CF88 eacute dirigente e por isso elenca um rico rol de direitos e garantias fundamentais

Identificado esse primeiro ponto ou seja o fato do direito ao desenvolvimento se caracterizar como norma limitada programaacutetica referida ao poder puacuteblico e com olho nas liccedilotildees de Joseacute Afonso da Silva (2003 p 164) passa-se a analisar as caracteriacutesticas das normas programaacuteticas seguindo a doutrina deste jurista que de forma sinteacutetica assim as caracteriza

a) Normas que estabelecem um dever para o legislador ordinaacuterio b) Normas que condicionam a legislaccedilatildeo futura com a consequumlecircncia de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem c) Informam a concepccedilatildeo do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenaccedilatildeo juriacutedica mediante a atribuiccedilatildeo de fins sociais proteccedilatildeo dos valores da justiccedila social e revelaccedilatildeo dos componentes do bem comum d) Possuem sentido teleoloacutegico para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e) Condicionam a atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Judiciaacuterio f) Criam situaccedilotildees juriacutedicas subjetivas de vantagem ou desvantagem

Primeiramente eacute importante ressaltar que o artigo 5ordm sect 1ordm CF88 estabelece o

seguinte regime juriacutedico para as normas constitucionais fundamentais elas possuem

uma presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia

Neste ponto se faz necessaacuterio se distinguir eficaacutecia de aplicabilidade e para tanto nos valeremos das preciosas liccedilotildees de Carlos Maximiliano (apud SILVA 2006 p 51)

() Aplicabilidade exprime uma possibilidade de aplicaccedilatildeo Esta consiste na atuaccedilatildeo concreta da norma lsquono enquadrar um caso concreto em a norma juriacutedica adequada Submete agraves prescriccedilotildees da lei uma relaccedilatildeo da vida real procura e indica o dispositivo adaptaacutevel a um fato determinado Por outras palavras tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humanorsquo

Mais agrave frente em sua obra Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 60) afirma que ldquouma norma soacute eacute aplicaacutevel na medida em que eacute eficazrdquo e conclui que ldquoeficaacutecia e aplicabilidade satildeo fenocircmenos conexosrdquo mas as distingue da seguinte forma ldquoa eficaacutecia se relaciona com a potencialidade e a aplicabilidade estaacute relacionada agrave realizabilidaderdquo

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Ocorre que Joseacute Afonso (SILVA 2003 p 65) vai aleacutem e nos ensina que a eficaacutecia pode ser a) social e b) juriacutedica

Poreacutem por mais referendada que seja a doutrina de Joseacute Afonso da Silva natildeo eacute possiacutevel investigar este tema com base em somente uma obra e ao consultar-se os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet (1998 p 208) descobre-se que o autor aponta o dissenso doutrinaacuterio a respeito dos seguintes termos vigecircncia validade existecircncia e eficaacutecia mas no que tange agrave noccedilatildeo de existecircncia e de validade da norma o autor (SARLET 1998 p 209) ldquoopta por identificar a noccedilatildeo de existecircncia com a de vigecircncia da norma (se aproximando do entendimento de Meirelles Teixeira e de Joseacute Afonso da Silva)rdquo apontando a ressalva de que ldquoa vigecircncia natildeo se confunde com a validaderdquo e neste ponto ele se curva aos ensinamentos de Luis Roberto Barrosordquo eis que Barroso (SARLET 1998 p 208) entende que a validade eacute a ldquoconformaccedilatildeo do ato normativo aos requisitos estabelecidos no ordenamento quanto agrave competecircncia forma licitude e a possibilidade de seu objetordquo

Assim prossegue Sarlet (1998 p 210)34

Do que ateacute agora foi exposto deduz-se que as noccedilotildees de aplicabilidade e eficaacutecia juriacutedica podem ser consideradas na verdade as duas faces da mesma moeda na medida em que uma norma somente seraacute eficaz (no sentido juriacutedico) por ser aplicaacutevel e na medida de sua aplicabilidade Assim sempre que dizemos referencia ao termo lsquoeficaacutecia juriacutedicarsquo faacute-lo-emos abrangendo a noccedilatildeo de aplicabilidade que lhe eacute inerente e dele natildeo pode ser dissociada

Ingo Sarlet (1998 p 265) ao tratar a respeito das normas programaacuteticas afirma que no seu entender ldquo() as normas constitucionais de cunho programaacuteticordquo podem ser ldquo() normas programa normas-tarefa normas-fim imposiccedilotildees legiferantes ()rdquo

Sarlet (1998 p 265) entende que as normas programaacuteticas ldquotambeacutem satildeo dotadas de eficaacutecia e natildeo podem ser consideradas meras proclamaccedilotildees de cunho ideoloacutegico ou poliacutetico ()rdquo

34 Sobre o tema Sarlet ainda pontua a doutrina divergente de Eros Roberto Grau e para tanto direcionamos o leitor agrave consulta da pagina 211 da jaacute citada obra

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O direito humano e fundamental

Em sua obra Ingo afirmando fundamentaccedilatildeo em doutrina majoritaacuteria lista as eficaacutecias que as normas programaacuteticas definidoras de direitos fundamentais possuem

a) Acarretam a revogaccedilatildeo dos atos normativos anteriores e contraacuterios ao conteuacutedo da norma definidora de direito fundamental e por via de consequumlecircncia sua desaplicaccedilatildeo independentemente de sua declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade () b) Conteacutem imposiccedilotildees que vinculam o legislador no sentido que este natildeo apenas estaacute obrigado a concretizar os programas tarefas fins e ordens mas tambeacutem que o legislador ao cumprir seu desiderato natildeo pode afastar-se dos paracircmetros preestabelecidos nas normas definidoras de direitos fundamentais a prestaccedilotildees () c) () impotildee a declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de todos os atos normativos editados apoacutes a vigecircncia da Constituiccedilatildeo caso colidentes com o conteuacutedo dos direitos fundamentais isto eacute caso contraacuterios ao sentido dos princiacutepios e regras contidos nas normas que os consagram d) Os direitos fundamentais prestacionais de cunho programaacutetico constituem paracircmetro para interpretaccedilatildeo integraccedilatildeo e aplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas (demais normas constitucionais e normas infraconstitucionais) jaacute que conteacutem princiacutepios diretrizes e fins que condicionam a atividade dos oacutergatildeos estatais e influenciam neste sentido toda a ordem juriacutedica resultando ainda neste contexto no condicionamento da atividade discricionaacuteria da Administraccedilatildeo e do Poder Judiciaacuterio () e) Os direitos fundamentais a prestaccedilotildees ndash mesmo os que reclamam uma interpositio legislatoris ndash geram sempre algum tipo de posiccedilatildeo juriacutedico-subjetiva tomando-se esta consoante assinado alhures em um sentido amplo e natildeo restrita agrave concepccedilatildeo de direito subjetivo individual a determinada prestaccedilatildeo estatal ()

Eacute importante tambeacutem trazer-se agrave baila as liccedilotildees de Maria Helena Diniz cuja classificaccedilatildeo quanto agraves normas constitucionais jaacute fora citadas na nota de rodapeacute nordm 52 e esta jaacute foi inclusive objeto de citaccedilatildeo em julgado do STF35 ao analisar as normas natildeo auto-aplicaacuteveis (classificaccedilatildeo adotada pela doutrina claacutessica e qual jaacute fora mencionada acima vide nota 41) citou a doutrina do efeito paralisante das normas constitucionais de modo que transcreve-se abaixo este ensinamento

24 Aliaacutes no tocante ao caraacuteter da norma constitucional em exame cumpre consignar que o fato de natildeo ser auto-aplicaacutevel ou seja de natildeo poder produzir efeitos positivos enquanto natildeo regulamentada natildeo significa que produza efeitos negativos ateacute a complementaccedilatildeo legislativa A Administraccedilatildeo Puacuteblica ao exonerar a servidora por tal fundamento acabou conferindo efeitos negativos ao texto constitucional As normas natildeo-auto-aplicaacuteveis outorgam direitos ao indiviacuteduo poreacutem postergam sua eficaacutecia

35 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio 211301 Estado do Rio Grande do Sul e Vania Maria Dias de Freitas

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plena a regramento infraconstitucional posterior Tal caracteriacutestica da norma contudo natildeo lhe retira a eficaacutecia relativa isto eacute a Lei Maior garante relativamente o direito Eacute bem verdade que tal circunstacircncia implica ausecircncia de efeitos positivos Poreacutem confere efeitos concretos que inibem a aplicaccedilatildeo de normas contraacuterias ao direito relativamente conferido Eacute o que a doutrina denomina de eficaacutecia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatiacuteveis com o texto constitucional Nesse sentido vale transcrever os comentaacuterios insertos na obra de Alexandre de Morais (Direito Constitucional 6 ed paacuteg 40) ao narrar a nova classificaccedilatildeo das normas constitucionais proposta por Maria Helena Diniz

Novamente vale-se dos ensinamentos de Ingo Sarlet (1998 p 235-248) que assevera o fato do artigo 5ordm sect1ordm CF88 trazer em si uma ldquoPRESUNCcedilAtildeO RELATIVA de que satildeo normas de eficaacutecia plena ou no maacuteximo contidas e natildeo de que satildeo normas de eficaacutecia limitadardquo Ocorre que em sendo uma presunccedilatildeo relativa deve-se reconhecer que existem exceccedilotildees e diante das hipoacuteteses excepcionais desde que fundamentadamente o Estado pode natildeo atribuir-lhe eficaacutecia imediata

Inobstante a isso o constituinte trouxe no texto da CF88 dois instrumentos destinados a sanar as omissotildees inconstitucionais a) Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por omissatildeo (ADO) e b) Mandado de Injunccedilatildeo (MI)

Por conseguinte apesar do art 5ordm sect1ordm CF88 falar que a eficaacutecia eacute imediata em casos extremos a eficaacutecia natildeo eacute imediata o que demanda um agir do legislador No entanto essas satildeo situaccedilotildees extremas de modo que sempre que possiacutevel deve-se dar aplicaccedilatildeo imediata a tais normas

Assim transcrevemos suas liccedilotildees a respeito do tema

() Para aleacutem disso (e justamente por este motivo) cremos ser possiacutevel atribuir ao preceito em exame o efeito de gerar uma presunccedilatildeo em favor da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais de tal sorte que eventual recusa de sua aplicaccedilatildeo em virtude da ausecircncia de ato concretizador deveraacute ser necessariamente fundamentada 88 presunccedilatildeo esta que natildeo milita em favor das demais normas constitucionais que como visto nem por isso deixaratildeo de ser imediatamente aplicaacuteveis e plenamente eficazes na medida em que natildeo reclamarem uma interpositio legislatoris aleacutem de gerarem - em qualquer hipoacutetese - uma eficaacutecia em grau miacutenimo Isto significa em uacuteltima anaacutelise que no concernente aos direitos fundamentais a aplicabilidade imediata e eficaacutecia plena assumem a condiccedilatildeo de princiacutepio geral ressalvadas exceccedilotildees que para serem legitimas dependem de convincente justificaccedilatildeo agrave luz do caso concreto (grifos inseridos pelo autor)

E continua o professor

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O direito humano e fundamental

() aos poderes puacuteblicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que os consagram (os direitos fundamentais) a maior eficaacutecia possiacutevel outorgando-lhes neste sentido efeitos reforccedilados relativamente agraves demais normas constitucionais jaacute que natildeo haacute como desconsiderar a circunstacircncia de que a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plena eficaacutecia que milita em favor dos direitos fundamentais constitui em verdade um dos esteios de sua fundamentalidade formal no acircmbito da Constituiccedilatildeo () (grifos nossos)

Por fim Ingo Sarlet menciona inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito

() Em que pese a argumentaccedilatildeo vitoriosa conduzida pelo culto voto do Relator Ministro Celso de Mello entendemos ser questionaacutevel o ponto de vista adotado jaacute que inexistindo no caso qualquer obstaacuteculo (como a inexistecircncia de recursos a necessidade de implementar programas sociais ou econocircmicos etc) a natildeo ser a remissatildeo expressa ao legislador natildeo haveria justificativa idocircnea a afastar a presunccedilatildeo da aplicabilidade imediata e plenitude eficacial consagrada no art 5ordm sect 1deg de nossa Constituiccedilatildeo E justamente neste particular - do que daacute conta o exemplo referido - que a posiccedilatildeo ora sustentada se afasta (no sentido de ir aleacutem) das concepccedilotildees mais tiacutemidas a respeito da aplicabilidade imediata das normas que versam sobre direitos fundamentais sem recair no extremo oposto isto eacute na desconsideraccedilatildeo da existecircncia ndash ainda que em caraacuteter excepcional ndash de hipoacuteteses em que natildeo haacute como dispensar uma concretizaccedilatildeo pelo legislador

Outrossim o direito ao desenvolvimento eacute uma norma programaacutetica que possui ao menos uma eficaacutecia miacutenima reside justamente no efeito paralisante qual seja de declarar a inconstitucionalidade de qualquer que com ela venha a conflitar em qualquer espeacutecie de controle de constitucionalidade

O regime juriacutedico no acircmbito constitucional dos direitos fundamentais natildeo se resume somente ao artigo 5ordmsect1ordm CF88 assim eacute importante tambeacutem asseverar que em sendo o direito ao desenvolvimento um direito fundamental esta norma constitucional TAMBEacuteM SERVE COMO PRECEITO FUNDAMENTAL36

36 Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal pode ser constatado na ementa da ADPF-MC 33 () Direitos e garantias individuais claacuteusulas peacutetreas princiacutepios sensiacuteveis sua interpretaccedilatildeo vinculaccedilatildeo com outros princiacutepios e garantia de eternidade Densidade normativa ou significado especiacutefico dos princiacutepios fundamentais () 9 Cautelar confirmada (ADPF 33 MC Relator(a) Min GILMAR MENDES Tribunal Pleno julgado em 29102003 DJ 06-08-2004 PP-00020 EMENT VOL-02158-01 PP-00001)

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Adriano Justi Martinelli

Aleacutem do controle concentrado de constitucionalidade haacute que se ponderar que no ordenamento juriacutedico paacutetrio os direitos fundamentais (e isso tambeacutem se aplica ao direito ao desenvolvimento) podem ser tutelados de duas outras formas a) por meio das accedilotildees coletivas (em sentido amplo) tendo em vista a existecircncia de um microssistema de tutela coletiva37 ou b) por meio das accedilotildees individuais

Em siacutentese o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito humano possui status SUPRACONSTITUCIONAL e em sede de direito interno em decorrecircncia do seu status constitucional eacute NORMA FUNDAMENTAL que goza de presunccedilatildeo relativa de aplicabilidade imediata e de plena eficaacutecia

8 DA RECENTE ALTERACcedilAtildeO DA LEI FEDERAL Nordm 866693 APLICACcedilAtildeO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO

Recentemente ocorreu a alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 diploma normativo federal que trata das licitaccedilotildees puacuteblicas de modo que o seu artigo 3ordm foi alterado pela Lei Federal nordm 123492010 passando a dispor da seguinte redaccedilatildeo

Art 3ordm Lei 866693 A licitaccedilatildeo destina-se a garantir a observacircncia do princiacutepio constitucional da isonomia a seleccedilatildeo da proposta mais vantajosa para a administraccedilatildeo e a promoccedilatildeo do desenvolvimento nacional sustentaacutevel e seraacute processada e julgada em estrita conformidade com os princiacutepios baacutesicos da legalidade da impessoalidade da moralidade da igualdade da publicidade da probidade administrativa da vinculaccedilatildeo ao instrumento convocatoacuterio do julgamento objetivo e dos que lhes satildeo correlatos (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 12349 de 2010) (grifos nossos)

O artigo 3ordm em sua redaccedilatildeo original trazia como finalidades da licitaccedilatildeo segundo a doutrina a) selecionar a melhor proposta para o poder puacuteblico e b) dar atendimento ao principio da impessoalidade para que qualquer um que preencha os requisitos possa contratar com o poder puacuteblico

37 O microssistema processual e material de tutela coletiva existente no ordenamento brasileiro eacute composto de diversos diplomas normativos dentre os quais pode-se destacar Lei da Accedilatildeo popular (Lei Federal nordm 471765) Lei Federal nordm 693881 Lei da Accedilatildeo Civil Puacuteblica (Lei Federal nordm 734785) Coacutedigo de Defesa do Consumidor (Lei Federal nordm 807890) Estatuto da Crianccedila e do Adolescente (Lei Federal nordm 806990) Estatuto do Idoso (Lei Federal nordm 107412003) dentre outros comandos normativos

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O direito humano e fundamental

No entanto a mencionada alteraccedilatildeo realizada em 2010 teve o condatildeo de incluir tambeacutem dentre as finalidades a de ldquopromover o desenvolvimento nacional sustentaacutevelrdquo

Esse desenvolvimento nacional sustentaacutevel eacute aferiacutevel nos paraacutegrafos 5ordm e seguinte do art 3ordm alterado pela lei 123492010

Denis Borges Barbosa38 em artigo analisando a nova lei afirma com base no item 6 da exposiccedilatildeo de motivos do executivo que

Embora a Lei 123492010 natildeo defina normativamente qual ldquodesenvolvimentordquo seria o objeto do estiacutemulo do poder de compra do estado parece claro que o desenvolvimento econocircmico e em particular tecnoloacutegico seria um de suas vertentes principais

Desta forma o ordenamento juriacutedico paacutetrio em que pese as criacuteticas que jaacute se formam ou que venham a ser construiacutedas eacute certo que partindo-se da presunccedilatildeo de constitucionalidade das normas tem-se mais um diploma (a exemplo de outros tal qual o Estatuto da Cidade plasmado na Lei Federal nordm 102572001) que certamente seraacute de grande valia (desde que aplicado corretamente) para impulsionar o desenvolvimento brasileiro

CONCLUSAtildeO

O direito humano e fundamental ao desenvolvimento possui muacuteltiplas frentes de irradiaccedilatildeo podendo abranger os aspectos sociais econocircmicos e humanos

Como analisado o direito ao desenvolvimento pode ser objeto de tutela tanto em seara internacional quanto interna e isso reforccedila a sua importacircncia

Demonstrou-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos vem permitindo a anaacutelise de direitos sociais e em decorrecircncia da intergeracionalidade e indivisibilidade dos direitos humanos concluiu-se pela possibilidade do direito ao desenvolvimento tambeacutem poder ser submetido a esta Corte

38 BARBOSA Denis Borges Licitaccedilatildeo como instrumento de incentivo agrave Inovaccedilatildeo o impacto da Lei 123492010 Disponiacutevel em lthttpwwwdenisbarbosaaddrcomarquivos200poder_compra licitacao_instrumento_incentivo_inovacaopdf Acesso em 01 de set 2011

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Adriano Justi Martinelli

Ademais com lastro em amplo conteuacutedo doutrinaacuterio pode-se concluir que em acircmbito interno o direito ao desenvolvimento por se tratar de direito fundamental eacute uma norma que possibilita o efeito paralisante perante outras normas e dentre outros efeitos possibilita inclusive a sua adoccedilatildeo como preceito fundamental em sede de Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental

Identificou-se no ordenamento paacutetrio recente comando normativo que eacute apontado pela doutrina como positivaccedilatildeo do direito ao desenvolvimento

Por fim citou-se entendimento doutrinaacuterio que indica os principais desafios para o direito ao desenvolvimento

REFEREcircNCIAS

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O direito humano e fundamental

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Adriano Justi Martinelli

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL1

SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION

Caroline Alessandra Taborda dos Santos 2

Resumo O presente trabalho teve como objetivo abordar os aspectos poliacuteticos e

sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional Para tanto foram realizados estudos juriacutedicos e sociais por meio de consulta a jurisprudecircncias doutrinas e leis aleacutem de pesquisa de campo entrevista com colaboradores e fundadores do CEJAPR O presente estudo resultou na anaacutelise de como os organismos sociais podem interferir no resultado praacutetico das adoccedilotildees internacionais

Palavras-chave Adoccedilatildeo Internacional Sociedade SSI CEJAPR Abstract

The paper had as its objective the approach of social and political aspects that surround international adoption As such it analyses legal and social studies by means of consultation of jurisprudence doctrines and laws as well as field studies interviews with participants and founders of CEJAPR The present study resulted in the analysis of how social organisms may interfere in the practical outcome of international adoptions

Keywords Adoption International Society SSI CEJAPR

INTRODUCcedilAtildeO

A arte e a cultura rompem fronteiras pondo os Estados em contiacutenuo intercacircmbio Para a manutenccedilatildeo das bases criadas o Estado teraacute sempre a necessidade de ampliar e intensificar as suas relaccedilotildees com os demais sujeitos do Direito Internacional

Neste diapasatildeo eacute que o presente estudo pretende mostrar que a adoccedilatildeo internacional repercute natildeo apenas na famiacutelia adotante mas tambeacutem numa

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Advogada bacharel em Direito pela PUCPR Poacutes-graduada pela EMAPPR E-mail ltcarolinetabordahotmailcomgt

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

conscientizaccedilatildeo social de sua finalidade seu reflexo na sociedade em que vivemos e na qual desejamos viver

E para o melhor desempenho deste instituto entram em cena os organismos de regulaccedilatildeo e proteccedilatildeo como eacute o caso do Serviccedilo Social Internacional e das Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo

Ainda seraacute apresentado o quadro de adoccedilotildees internacionais no Estado do Paranaacute entre os anos de 2005 a 2010 como resultado da atuaccedilatildeo social e poliacutetica aleacutem da juriacutedica no instituto da Adoccedilatildeo Internacional

1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL

O Direito eacute visto como um produto da sociedade em consequecircncia a sociedade eacute tanto um fenocircmeno juriacutedico como tambeacutem social Celso Mello em um trecho do Capiacutetulo I ndash A Sociedade Internacional do Curso de Direito Internacional disserta sobre o Direito como um produto da sociedade

A sociedade internacional dos nossos dias eacute completamente diversa da do seacuteculo anterior em virtude de um fator principal os Estados compreenderam que existem certos problemas que natildeo podem ser resolvidos por eles sem a colaboraccedilatildeo dos demais membros da sociedade internacional () Os direitos do homem se internacionalizam As organizaccedilotildees internacionais especialmente as de aspecto social visam satisfazer as suas necessidades () Estes satildeo os principais entes que atuam na vida internacional mas ao lado deles forccedilas culturais econocircmicas e religiosas influem ou influenciaram a sociedade internacional As forccedilas culturais se manifestam pela realizaccedilatildeo de acordos culturais entre os Estados na criaccedilatildeo de organismos internacionais destinados agrave cultura e aproximaccedilatildeo entre os Estados (MELLO 2004 p 53)

Neste aspecto social do direito devemos tambeacutem observar o conteuacutedo social da adoccedilatildeo aleacutem de sua definiccedilatildeo no mundo juriacutedico Para o doutrinador Paulo Nader o conteuacutedo social da adoccedilatildeo natildeo eacute superado por nenhum instituto juriacutedico

Mais do que uma relaccedilatildeo juriacutedica constitui um elo de afetividade que visa a substituir por ato de vontade o geneticamente formado pela natureza Sob o acircngulo moral a adoccedilatildeo apresenta um componente especial nem sempre presente na procriaccedilatildeo a paternidade desejada Qualquer que seja a motivaccedilatildeo iacutentima a adoccedilatildeo deve ser um ato de amor propoacutesito de envolver o novo ente familiar com igual carinho e atenccedilatildeo dispensados ao filho cosanguiacuteneo (NADER 2006 p 373)

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Ao tratar especificamente da adoccedilatildeo internacional vislumbrando os fenocircmenos sociais no iniacutecio do seacuteculo XX foi possiacutevel constatar a movimentaccedilatildeo de crianccedilas principalmente entre paiacuteses do Primeiro e do Terceiro Mundo em que a alta taxa de desenvolvimento cumulada com a baixa taxa de natalidade e a alta taxa de natalidade somada com a baixa taxa de desenvolvimento unidas trouxeram como resultado a adoccedilatildeo entre esses paiacuteses

No entendimento de Jane Prestes (1998 p 32) este movimento foi decorrente de dois fenocircmenos

O primeiro refere-se a paiacuteses europeus ou mesmo aos Estados Unidos da Ameacuterica ou Canadaacute onde existem programas amplos de planejamento familiar os abortos satildeo legalizados e as matildees solteiras natildeo entregam seus filhos em adoccedilatildeo face agrave existecircncia por parte da sociedade e mesmo da legislaccedilatildeo de maior aceitaccedilatildeo e proteccedilatildeo a ambos O segundo fenocircmeno envolve crianccedilas eou adolescentes abandonados com deficiecircncia ou outros impedimentos que necessitam de uma inserccedilatildeo familiar mas que face agraves questotildees sociais e legais e mesmo culturais natildeo se encontram incluiacutedas nos projetos de adoccedilatildeo de pessoas nacionais

Neste aspecto importante eacute o papel exercido pelo Serviccedilo Social Internacional - SSI objetivando uma melhora na proteccedilatildeo social e legal das partes envolvidas em adoccedilatildeo internacional Desde a sua fundaccedilatildeo em 1921 sem fins poliacuteticos-partidaacuterios e como Agecircncia Social interveacutem nos supracitados fenocircmenos social que circundam paiacuteses envolvidos em adoccedilatildeo assegurando a colaboraccedilatildeo e coordenando as agecircncias de adoccedilatildeo (PRESTES 1998 p 32-33)

Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional e da Uniatildeo Mundial de Proteccedilatildeo agrave Infacircncia na proteccedilatildeo e prevenccedilatildeo de consequecircncias danosas colaboraram para o Seminaacuterio Europeu sobre Adoccedilatildeo entre paiacuteses (Seminaacuterio de Leysin) realizado em Leysin Suiccedila em maio de 1960 promovido pelo Escritoacuterio Teacutecnico da ONU e Governo Suiccedilo (PRESTES 1998 p 33) Neste Seminaacuterio a problemaacutetica da adoccedilatildeo entre paiacuteses foi estudada com enfoque no aspecto social e cultural onde foram estabelecidos princiacutepios baacutesicos que estatildeo inseridos nos documentos internacionais que regulam a adoccedilatildeo Os esforccedilos do Serviccedilo Social Internacional tambeacutem estiveram presentes na Convenccedilatildeo de Haia objetivando uma proteccedilatildeo social agraves crianccedilas a ser realizados atraveacutes de maior atuaccedilatildeo das autoridades puacuteblicas e de organizaccedilotildees qualificadas

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Aleacutem do retrato histoacuterico da busca por qualidade e eficaacutecia de medidas protetoras da adoccedilatildeo internacional observar o paiacutes de origem da crianccedila assim como o de destino para obter informaccedilotildees detalhadas no processo de seleccedilatildeo de famiacutelia acompanhamento e supervisatildeo no periacuteodo do estaacutegio probatoacuterio (dois anos) e a validade da adoccedilatildeo entre os paiacuteses satildeo importantes detalhes a serem exauridos

O contato e a troca de informaccedilotildees entre as agecircncias de adoccedilatildeo assim como o conhecimento dos antecedentes aleacutem dos fatores ambientais e soacutecio-culturais satildeo de suma importacircncia para a seleccedilatildeo da crianccedila e da famiacutelia

Nesta seara comprometidos com o desenvolvimento das crianccedilas e adolescentes como cidadatildeos e preservando sua dignidade cuida da inserccedilatildeo social seja no Brasil como no estrangeiro e evidenciando assim sua proteccedilatildeo estatildeo as atuais Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo ndash CEJA que contam com a colaboraccedilatildeo de psicoacutelogos e assistentes sociais

Seguindo a linha programaacutetica do Serviccedilo Social Internacional Jane Prestes Coordenadora teacutecnico-administrativa e assistente social da CEJAPR explica que a CEJA Paranaacute interveacutem na adoccedilatildeo dialogando com pessoas internacionais que requerem sua inscriccedilatildeo orientando os representantes das agecircncias conveniadas de forma a refletir sobre as expectativas evidenciadas dando uma visatildeo realista exame minucioso dos relatoacuterios teacutecnicos e da documentaccedilatildeo apresentada pelos paiacuteses de origem dos candidatos a pais adotivos emitindo os respectivos pareceres estudo aprofundado natildeo soacute da legislaccedilatildeo mas dos aspectos soacutecio-culturais e das motivaccedilotildees eacutetnicas e sociais objetivando os convecircnios a serem firmados com entidades internacionais o cadastramento de crianccedilas e candidatos a adotar em um sistema central e unificado a preparaccedilatildeo individual e documental de crianccedilas adotaacuteveis com histoacuterico de vivecircncia institucional em Obras Particulares abrangendo o diagnoacutestico bio-psico-social e a elaboraccedilatildeo de laudos do histoacuterico da vivecircncia das crianccedilas inclusive institucional preparando um dossiecirc da crianccedila em que conecta trecircs planos da formaccedilatildeo do processo de identidade Psicoloacutegico Psicossocial e Psico-Histoacuterico (PRESTES 1998 p 38)

O enfoque social das entidades de adoccedilatildeo nos termos de Jane Prestes (1998 p 39) se constitui

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

em procedimentos metoacutedicos de um processo de ajuda psicossocial desenvolvido num diaacutelogo a partir do qual ocorrem transformaccedilotildees inerentes agraves experiecircncias humanas O processamento de transformaccedilatildeo pela intervenccedilatildeo social intenciona provocar mudanccedilas no crescimento e desenvolvimento da pessoa grupos ou comunidades que se traduzem em modificaccedilotildees no movimento do seratildeo-mais-ser

Participa do aspecto social da adoccedilatildeo natildeo soacute os paracircmetros para que ela ocorra de forma a satisfazer os interesses do menor abandonado e dos pais adotante sem desvios de finalidade mas principalmente analisar o bem estar familiar da infacircncia a fim de prevenir abandonos A inadequada educaccedilatildeo de crianccedilas e adolescentes decorre muitas vezes de problemas econocircmicos que necessitam de intervenccedilatildeo das autoridades nacionais e internacionais com o objetivo de propiciar programas de proteccedilatildeo agrave matildee e agrave crianccedila (PRESTES 1998 p 39)

Ainda conforme entendimento de Paulo Nader (2006 p 374) ldquoeacute fundamental a organizaccedilatildeo de mecanismos de proteccedilatildeo e estiacutemulos ao desenvolvimento saudaacutevel de menores sob pena de comprometimento da paz socialrdquo

Luiz Carlos Barros Figueiredo salienta que a adoccedilatildeo natildeo eacute um ato caritativo nem resolve as mazelas sociais de paiacuteses a adoccedilatildeo eacute dar a possibilidade de dar uma famiacutelia a quem natildeo a tem Aleacutem de que natildeo se busca melhor crianccedila para a famiacutelia e sim a melhor famiacutelia para a crianccedila (FIGUEIREDO 1998 p 19)

E aleacutem de atender os interesses particulares como a carecircncia afetiva dos pais e proporcionar uma famiacutelia substituta ao destituiacutedo do poder familiar para Paulo Nader a adoccedilatildeo atende tambeacutem os interesses da proacutepria sociedade ldquopois crianccedilas e adolescentes desamparados sem uma lar que lhes proporcione ambiente e condiccedilotildees indispensaacuteveis ao crescimento fiacutesico e moral eacute um problema a desafiar a solidariedade coletivardquo (NADER 2006 p 374)

O desejo pela maternidade sucumbida por motivos geneacuteticos ou externos assim como o uso de menores estrangeiros para o trabalho barato satildeo motivos dentre os mais variados que trazem agrave histoacuteria da humanidade um terriacutevel capiacutetulo recheado de infraccedilotildees aos direitos humanos de crianccedilas e muitas vezes de seus familiares

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Natildeo obstante a tutela aos direitos humanos que satildeo direitos fundamentais do ser humano e encontram-se enumerados na Declaraccedilatildeo Universal de 1948 abrangentes de Direitos civis e poliacuteticos Direitos econocircmicos sociais e culturais e os Direitos de solidariedade (ACCIOLY SILVA CASELLA p 462)3 foi necessaacuterio um reconhecimento poliacutetico e social de uma proteccedilatildeo especial principalmente da crianccedila a fim de combater ou ao menos restringir ao maacuteximo praacuteticas delituosas

Desta feita observados os fatores poliacuteticos e sociais que norteiam a adoccedilatildeo internacional vejamos a realidade da adoccedilatildeo internacional dentro do Estado do Paranaacute

2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010

Apoacutes a criaccedilatildeo e instalaccedilotildees das CEJArsquos a partir do ano de 1989 foi possiacutevel realizar aleacutem dos cadastros de pretensos adotantes e de menores prontos para a adoccedilatildeo o armazenamento dos dados referentes agrave vida pregressas desses menores Este banco de dados eacute de suma importacircncia para que o adotado querendo possa exercer seu ldquodireito de conhecer sua origem bioloacutegica bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes apoacutes completar 18 (dezoito) anos (art 48 ECA)

Assim uma vez que todas as adoccedilotildees satildeo registradas eacute possiacutevel ter conhecimento do nuacutemero de adoccedilotildees realizadas por Comarca bem como a quantidade total de crianccedilas adotadas no exterior e ainda quantas adoccedilotildees foram realizadas sendo levados grupos de irmatildeo

No Estado do Paranaacute desde a instalaccedilatildeo da CEJA em 1989 ateacute o ano de 2010 foram realizadas 970 adoccedilotildees internacionais envolvendo 1528 crianccedilas sendo que 192 dessas adoccedilotildees foram realizadas durante o periacuteodo de 2005 ateacute 2010 proporcionando nova famiacutelia a 402 crianccedilas e adolescentes Os paiacuteses

3 Explica o referido autor que os direitos de solidariedade seriam por exemplo o direito do homem a ambiente sadio e ao citar Reneacute Cassin (Les droits de Irsquohomme RDCADI 1974 t140 p321-332) salienta que ldquoa tese de que a proteccedilatildeo dos direitos humanos deveria ser ampliada a fim de incluir o direito a meio ambiente sadio isto eacute livre de poluiccedilatildeo com o correspondente direito agrave aacutegua e ar purosrdquo

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

adotantes neste lapso temporal satildeo Itaacutelia Franccedila Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Luxemburgo Holanda Espanha e Alemanha E dentre eles o paiacutes que mais realizou adoccedilotildees foi a Itaacutelia com 100 adoccedilotildees e levando 186 crianccedilas destacando que as adoccedilotildees foram realizadas anualmente

Em contrapartida os paiacuteses que menos adotaram foram Luxemburgo e Espanha que realizaram apenas uma adoccedilatildeo envolvendo uma uacutenica crianccedila realizadas respectivamente nos anos de 2006 e 2009

Delimitando a pesquisa entre os anos de 2005 e 2010 na Comarca de CuritibaPR vislumbra-se que foram adotadas 124 crianccedilas em 63 procedimentos de adoccedilatildeo realizados Neste periacuteodo o nuacutemero de grupos de irmatildeos adotados em conjunto foi de 28 em 2005 27 em 2006 25 em 2007 26 em 2008 13 em 2009 e de apenas 10 em 2010

Outro dado a ser observado eacute a faixa etaacuteria das crianccedilasadolescentes adotados nos uacuteltimos cinco anos no Paranaacute Entre zero e trecircs anos de idade foram adotadas 54 crianccedilas entre quatro e sete anos foram 133 adotados entre oito e onze anos foram 179 adotados entre doze e quinze anos foram 44 adotados e apenas quatro adoccedilotildees realizadas com crianccedilas maiores de quinze anos

A Itaacutelia aleacutem de se destacar como o paiacutes que mais adota no Brasil destaca-se por adotar anualmente Nas estatiacutesticas do CEJAPR este paiacutes se mostra atuante e no ano de 2011 realizou a adoccedilatildeo conjunta de trecircs diferentes famiacutelias que juntas adotaram um grupo com cinco irmatildeos Os irmatildeos com idade entre cinco e dezesseis anos estavam em abrigo desde 2004 e cadastrados para a adoccedilatildeo internacional desde 2007 As famiacutelias provenientes de Milatildeo assumiram o compromisso de manter contato entre os irmatildeos e selou o novo viacutenculo familiar com as palavras do Corregedor-Geral de Justiccedila o desembargador Noeval de Quadros4

Paternidade e maternidade satildeo uma missatildeo Vocecircs estatildeo levando estas crianccedilas com responsabilidade muito grande de fazer deles cidadatildeos uacuteteis agrave sociedade Temos certeza de que eles teratildeo todas as condiccedilotildees de se desenvolver e daratildeo a vocecircs momentos de muita alegria Haveraacute momentos difiacuteceis eacute claro mas as compensaccedilotildees seratildeo infinitamente maiores A justiccedila confia que estamos entregando essas crianccedilas em boas matildeos

4 CEJA conclui adoccedilatildeo de cinco irmatildeos por trecircs casais italianos Notiacutecia disponiacutevel no site do TJPR Disponiacutevel em lthttpportaltjprjusbrwebguesthomegt Acesso em 31 maio 2011

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Caroline Alessandra Taborda dos Santos

A adoccedilatildeo internacional natildeo trata apenas de estrangeiros pretensos a adotar nacionais A adoccedilatildeo realizada por brasileiros residentes no exterior tambeacutem eacute internacional e requer o cadastro no organismo do domiciacutelio de quem pretende adotar e posteriormente nas autoridades brasileiras Natildeo preenchendo tais requisitos torna-se impossiacutevel a adoccedilatildeo como ocorreu no ano de 2007 em Satildeo Joseacute dos Pinhais vejamos o acoacuterdatildeo5

Agravo de intrumento - accedilatildeo de adoccedilatildeo e destituiccedilatildeo de patrio poder - pretensos adotantes de nacionalidade brasileira poreacutem residentes no exterior - pedido de deslocamento do adolescente adotado a paiacutes estrangeiro - configuraccedilatildeo de adoccedilatildeo internacional - norma prevista na convenccedilatildeo relativa agrave proteccedilatildeo das crianccedilas e agrave cooperaccedilatildeo em mateacuteria de adoccedilatildeo internacional recepcionada por decreto legislativo e presidencial - necessidade de habilitaccedilatildeo dos requerentes agrave adoccedilatildeo junto a ceja (comissatildeo estadual judiciaacuteria de adoccedilatildeo) - decisatildeo mantida - recurso desprovido (TJPR - 12ordf CCiacutevel - AI 0362862-2 - Foro Regional de Satildeo Joseacute dos Pinhais da Regiatildeo Metropolitana de Curitiba - Rel Des Clayton Camargo - Unacircnime - J 04042007)

A diminuiccedilatildeo no nuacutemero de adoccedilotildees realizadas ao passar anos decorre das dificuldades encontradas pelas instituiccedilotildees responsaacuteveis por adoccedilotildees internacionais em nosso paiacutes

3 CONCLUSAtildeO

A adoccedilatildeo natildeo repercute apenas na famiacutelia envolvida Seus reflexos podem ser observados em toda uma sociedade e eacute por isso que o Serviccedilo Social Internacional ndash SSI interveacutem nos fenocircmenos sociais que envolvem os paiacuteses no processo de adoccedilatildeo visando proteger e prevenir consequecircncias danosas As Comissotildees Estaduais Judiciaacuterias de Adoccedilatildeo presentes em cada estado da Federaccedilatildeo Brasileira realizam estudos bio-psico-sociais que demonstram a viabilidade da adoccedilatildeo para as famiacutelias que desejam ser formadas visualizando as possibilidades pessoais sociais e psicoloacutegicas dos indiviacuteduos

5 Agravo De Instrumento Ndeg 362862-2 Do Foro Regional De Satildeo Joseacute Dos Pinhais Da Comarca Da Regiao Metropolitana De Curitiba - Vara Infacircncia Juventude Familia E Anexos Disponiacutevel em ltwwwtjprgovbrgt Acesso em 31 maio 2011

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Aspectos poliacuteticos e sociais da adoccedilatildeo internacional

Da anaacutelise dos casos de adoccedilatildeo no Paranaacute aleacutem do depoimento dos responsaacuteveis pela adoccedilatildeo internacional no Estado do Paranaacute mostram que o Brasil pela vasta regulamentaccedilatildeo acaba por se excluir do acircmbito internacional A facilidade de adotar em outros paiacuteses faz com que inuacutemeras crianccedilas e adolescentes cresccedilam e se desenvolvam em abrigos onde uma matildee eacute matildee de todos

Por outro lado atualmente eacute possiacutevel constatar a inexistecircncia de casos de desvio de finalidade da adoccedilatildeo diferentemente do que ocorrera nos anos 80 quando crianccedilas principalmente receacutem-nascidos eram postos agrave venda como se mercadorias fossem

REFEREcircNCIAS

MELLO Celso D Albuquerque Curso de Direito Internacional Puacuteblico 15 ed Rio de Janeiro Renovar 2004 NADER Paulo Curso de Direito Civil Direito de Famiacutelia Vol 5 Rio de Janeiro Forense 2006 PRESTES Jane Pereira Comissatildeo Estadual Judiciaacuteria de Adoccedilatildeo Intervenccedilatildeo teacutecnica em muacuteltiplos aspectos Infacircncia e Cidadania Satildeo Paulo Scrinium 1998 FIGUEIREDO Luiz Carlos Barros Adoccedilotildees Internacionais Convenccedilotildees Internacionais Infacircncia e Cidadania Satildeo Paulo Scrinium 1998 ACCIOLY Hildebrando SILVA G E do Nascimento e CASELLA Paulo Borba Manual de Direito Internacional Puacuteblico Satildeo Paulo Saraiva

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Vitor Soliano

ATIVISMO JUDICIAL EM MATEacuteRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS ENTRE OS SENTIDOS

NEGATIVO E POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA1

JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM

Vitor Soliano2

Resumo O presente artigo pretende relacionar trecircs ideias fundamentais da teoria

constitucional contemporacircnea a Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica o Ativismo Judicial e o Neoconstitucionalismo mormente em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Defende-se que a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo de 1988 ocasionou a abertura da doutrina constitucional para o Neoconstitucionalismo e junto a ele modelos teoacutericos ingecircnuos e irresponsaacuteveis promotores do que podemos chamar de Ativismo Judicial Aponta para a judicializaccedilatildeo irresponsaacutevel dos direitos sociais como local privilegiado de observaccedilatildeo deste fenocircmeno Conclui afirmando que o Ativismo em mateacuteria de direitos sociais causa hipertrofia poliacutetica no Poder Judiciaacuterio corrompendo os sistemas sociais e prejudicando o funcionamento adequado da democracia Aponta contudo para um caminho possiacutevelnecessaacuterio para a judicializaccedilatildeo responsaacutevel dos direitos sociais

Palavras-chave Ativismo Judicial Direitos Sociais Neoconstitucionalismo Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica

Abstract This article seeks to relate three key ideas of contemporary constitutional

theory the Symbolic Constitutionalization the Judicial Activism and neoconstitutionalism especially in the field of fundamental social rights It is argued that hypertrophy of the symbolic function of the 1988 Constitution led to the opening of the constitutional doctrine to neoconstitutionalism and with it naive and irresponsible theoretical models promoters of what we call Judicial Activism Points to the irresponsible judicialization of social rights as a privileged spot of observation of this phenomenon Concludes that Judicial Activism in social rights causes a hypertrophy on Judiciary Power corrupting the social systems and misleading the

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Direito Puacuteblico do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGDUFBA) com bolsa financiada pela Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior ndash CAPES Especialista em Direito Puacuteblico pelo JusPodivmFaculdade Baiana de Direito Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS Advogado

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

function of democracy Points however to a path possiblenecessary for responsible judicialization of social rights

Keywords Judicial Activism Social Rights Neoconstitutionalism Symbolic Constitutionalisation

INTRODUCcedilAtildeO

A Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 colocou uma seacuterie de questotildees novas ao constitucionalismo brasileiro Dentre elas deve-se destacar a progressiva judicializaccedilatildeo da poliacutetica e principalmente o Ativismo Judicial Nos uacuteltimos anos portanto esta temaacutetica ateacute entatildeo estranha agraves preocupaccedilotildees dos constitucionalistas brasileiros passou a ser assunto fundamental

Luis Roberto Barroso (2011 p 276-278) faz uma conhecida distinccedilatildeo entre os dois termos Para o autor a judicializaccedilatildeo eacute uma consequecircncia inevitaacutevel do modelo de Constituiccedilatildeo e de Estado adotado pelo Brasil em 1988 Trata-se da transferecircncia para o Poder Judiciaacuterio de diversas questotildees antes afeitas agraves instacircncias poliacuteticas Afirma que a redemocratizaccedilatildeo a constitucionalizaccedilatildeo abrangente e o sistema de controle de constitucionalidade adotado por noacutes impulsionam para esse fenocircmeno

O Ativismo em outro giro estaria relacionado a uma escolha uma forma de interpretar e aplicar a Constituiccedilatildeo Estaria marcado pela aplicaccedilatildeo direta do Texto Magno pela declaraccedilatildeo de inconstitucionalidade de leis com base em criteacuterios pouco riacutegidos e pela ldquoimposiccedilatildeo de condutas ou de abstenccedilotildees ao Poder Puacuteblico notadamente em mateacuteria de poliacuteticas puacuteblicasrdquo (BARROSO 2011 p 279)

Parece incontroverso dizer que soacute eacute possiacutevel falar em Ativismo Judicial no Brasil a partir da Constituiccedilatildeo Cidadatilde3 Ateacute entatildeo a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na defesa e concretizaccedilatildeo das normas constitucionais era altamente reduzida Soacute a partir daiacute eacute que conceitos como Supremocracia passam a fazer sentido (VIEIRA 2008 p 441-464)

A obra monograacutefica produzida no Brasil mais importante sobre o tema certamente eacute o livro de Elival da Silva Ramos Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos (2010) Natildeo obstante natildeo concordarmos com alguns de seus

3 Nesse sentido Streck 2010 p 23-24 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 449

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pressupostos teoacutericos conforme ficaraacute claro ao final parece imprescindiacutevel trazer a conceituaccedilatildeo de Ativismo Judicial do autor

Ao se fazer menccedilatildeo ao ativismo judicial o que se estaacute a referir eacute agrave ultrapassagem das linhas demarcatoacuterias da funccedilatildeo jurisdicional em detrimento principalmente da funccedilatildeo legislativa mas tambeacutem da funccedilatildeo administrativa e ateacute mesmo da funccedilatildeo de governo [] da descaracterizaccedilatildeo da funccedilatildeo tiacutepica do Poder Judiciaacuterio com incursatildeo insidiosa sobre o nuacutecleo essencial de funccedilotildees constitucionalmente atribuiacutedas a outros Poderes (RAMOS 2010 p 116-117 destaque do original)

E em outra passagem

por ativismo judicial deve-se entender o exerciacutecio da funccedilatildeo jurisdicional para aleacutem dos limites impostos pelo proacuteprio ordenamento que incumbe institucionalmente ao Poder judiciaacuterio fazer atuar resolvendo litiacutegios de feiccedilotildees subjetivas (conflitos de interesse) e controveacutersias juriacutedicas de natureza objetiva (conflito normativo) Haacute como visto uma sinalizaccedilatildeo claramente negativa no tocante agraves praacuteticas ativistas por importarem na desnaturaccedilatildeo da atividade tiacutepica do Poder Judiciaacuterio em detrimento dos demais Poderes (RAMOS 2010 p 129)

Embora a intenccedilatildeo deste trabalho natildeo seja apresentar uma resposta ou uma contra-argumentaccedilatildeo agrave obra de Elival da Silva Ramos parece que esta conceituaccedilatildeo embora aparentemente correta eacute incompleta A proposta eacute demonstrar que a delimitaccedilatildeo conceitual de Ativismo Judicial possui um fundo muito mais teoacuterico do que empiacuterico ou visiacutevel e intimamente ligado com o momento da decisatildeo judicial4 Trata-se assim de se perquirir por uma conceituaccedilatildeo mais complexa

A busca pela delimitaccedilatildeo conceitual do Ativismo Judicial ou pela caracterizaccedilatildeo de uma postura judicante ativista deve perpassar por trecircs questotildees abandono de concepccedilotildees metodoloacutegicas ingecircnuas ou ultrapassadas adequaccedilatildeo agraves opccedilotildees feitas ao longo da histoacuteria e agrave atual feiccedilatildeo do constitucionalismo e consciecircncia do quadro institucional e normativo desenhado pelo ordenamento paacutetrio O foco do presente estudo satildeo as duas primeiras questotildees

4 Importante dizer que o referido autor natildeo ignora a questatildeo teoacuterica e hermenecircutica de fundo Contudo parece natildeo consideraacute-la a mais importante

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

O objetivo do presente estudo eacute analisar a questatildeo do Ativismo Judicial relacionando-a com a Constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e com o neoconstitucionalismo Como ficaraacute claro nos itens que seguem o sentido negativo da primeira e o segundo satildeo os responsaacuteveis pelo surgimento do Ativismo Judicial no Brasil Tal fato eacute especialmente relevante e visiacutevel quando o assunto eacute a proteccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais

Relevante deixar claro desde o iniacutecio que o texto assenta como premissas a inevitabilidade da criatividade judicial (LINHARES SILVESTRE 2011 p 213-234) assumindo o termo Ativismo Judicial em sentido negativo Natildeo haacute Ativismo Judicial positivo (TEIXEIRA 2012 p 37-58)

1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS

Os eventos da Segunda Guerra Mundial marcaram profundamente o Direito o constitucionalismo e o proacuteprio Estado promovendo uma sensiacutevel alteraccedilatildeo na forma como encaramos esses trecircs elementos Ateacute meados da segunda metade do seacuteculo XX a Constituiccedilatildeo era entendida basicamente como uma carta poliacutetica destinada agrave organizaccedilatildeo e limitaccedilatildeo dos poderes ou no maacuteximo delimitadora de programas sociais a serem implementados pelos poderes representativos ndash sem exigibilidade judicial pois ndash o que no Brasil natildeo passou de um simulacro (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 81-90) A normatividade que ensejava algum controle de constitucionalidade limitava-se a uma atuaccedilatildeo negativa (CARNEIRO 2011 p 162) O Estado a despeito de sua sensiacutevel alteraccedilatildeo (de absentiacutesta para promovedor) ainda podia ser tido mais como um Estado legislativo e menos como Estado constitucional

A partir do marco representado pelo Segundo Poacutes-Guerra as normas constitucionais passam a ser dotadas de imperatividade caracteriacutestica atribuiacuteda a todas as normas juriacutedicas e cujo descumprimento possibilita a deflagraccedilatildeo de mecanismos proacuteprios para garantir a sua observacircncia (BARROSO 2010 p 262) Konrad Hesse em obra fundamental sobre o tema ensina que a Constituiccedilatildeo e sua pretensatildeo de eficaacutecia procuram ldquoimprimir ordem e conformaccedilatildeo agrave realidade socialrdquo (HESSE 1991 p 15) Ou seja a Constituiccedilatildeo natildeo pode ser entendida como uma

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carta de recomendaccedilotildees5 Seus preceitos exigem cumprimento mesmo quando da ausecircncia de regra (produzida pelo legislador infraconstitucional) regulamentadora

Nesse espeque podemos dizer com Marcelo Neves (2009 p 295) que a

Constituiccedilatildeo apresenta-se como a instacircncia baacutesica de autofundamentaccedilatildeo normativa do Estado como organizaccedilatildeo poliacutetico-juriacutedica territorial Enquanto criteacuterio baacutesico de autocompreensatildeo da ordem juriacutedica estatal a Constituiccedilatildeo natildeo deve ser posta de lado pelos inteacuterpretes-aplicadores do ordenamento constitucional ou melhor por aqueles incumbidos de concretizaacute-lo como ordem com forccedila normativa especialmente pelos juiacutezes e tribunais constitucionais Nesse sentido ela constitui um ldquoniacutevel inviolaacutevelrdquo da ordem juriacutedica do Estado constitucional (destaques nossos)

A normatividade da Constituiccedilatildeo mormente a dos princiacutepios constitucionais ndash agora entendidos em seu sentido deontoloacutegico e natildeo apenas diretivoindicativo ndash confere-lhe uma caracteriacutestica expansiva e invasiva em todo o ordenamento juriacutedico A proacutepria compreensatildeo do direito passa a ser condicionada agrave sua conformidade constitucional em niacutevel muito superior ao que se observou na jurisdiccedilatildeo constitucional ateacute a primeira metade do seacuteculo XX Resume Daniel Sarmento (2012 p 112)

Em suma o que se observa atualmente eacute uma tendecircncia global agrave adoccedilatildeo do modelo de constitucionalismo em que as constituiccedilotildees satildeo vistas como normas juriacutedicas autecircnticas que podem ser invocadas perante o Poder Judiciaacuterio e ocasionar a invalidaccedilatildeo de leis ou outros atos normativos [] muitas destas novas constituiccedilotildees que contemplam a jurisdiccedilatildeo constitucional satildeo inspiradas pelo ideaacuterio do Estado Social Satildeo constituiccedilotildees ambiciosas que incorporam direitos prestacionais e diretrizes programaacuteticas vinculantes que devem condicionar as poliacuteticas puacuteblicas estatais (destaques nossos)

E segue o autor

Naturalmente a conjugaccedilatildeo do constitucionalismo social com o reconhecimento do caraacuteter normativo e judicialmente sindicaacutevel dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importacircncia da Constituiccedilatildeo no sistema juriacutedico ndash ela assumiu uma centralidade outrora inexistente ndash bem como da partilha de poder no acircmbito do aparelho estatal com grande fortalecimento do Poder Judiciaacuterio e

5 ldquoa constituiccedilatildeo eacute uma lei vinculativa dotada de efectividade e aplicabilidade A forccedila normativa da constituiccedilatildeo visa exprimir muito simplesmente que a constituiccedilatildeo sendo uma lei como lei deve ser aplicadardquo (destaques do original) (CANOTILHO 2011 p 1150)

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

sobretudo das cortes constitucionais e supremas cortes muitas vezes em detrimento das instacircncias poliacuteticas majoritaacuterias (SARMENTO 2012 p 112-113)

Eacute no cenaacuterio da constitucionalizaccedilatildeo do direito6 e da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo que seraacute forjado um novo modelo de Estado o Estado Democraacutetico de Direito7 constitucionalizado no Brasil a partir do art 1ordm da Constituiccedilatildeo de 1988

A nova forma de Estado desejada natildeo pretende anular as conquistas das versotildees anteriores (ainda que no Brasil como jaacute referido o Estado Social nunca tenha sido uma realidade) Ao contraacuterio ele pretende unir tais conquistas com o incremento de um aspecto normativo Ou seja o Estado Democraacutetico de Direito possui um plus normativo em relaccedilatildeo agraves versotildees anteriores ldquoimpondo agrave ordem juriacutedica e agrave atividade estatal um conteuacutedo utoacutepico de transformaccedilatildeo da realidaderdquo (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 99)

O nuacutecleo central desse modelo estatal eacute a transformaccedilatildeo da realidade Indo aleacutem das garantias formais de intervenccedilatildeo e de uma simples adaptaccedilatildeo melhorada das condiccedilotildees sociais de existecircncia do Estado Social o Estado Democraacutetico de Direito pretende ser um mecanismo de alteraccedilatildeo do status quo O Direito passa a ser entendido como veiacuteculo de mutaccedilatildeo social e aponta para o futuro O elemento democraacutetico aponta para a universalizaccedilatildeo das conquistas modernas ateacute entatildeo incumpridas (STRECK BOLZAN DE MORAIS 2010 p 98-101)

Natildeo eacute por acaso que o Brasil pretende se inserir nesse modelo

paradigmaacutetico Conforme jaacute aventado a histoacuteria brasileira eacute fraco constitucionalismo

e pouca democracia Aleacutem disso as promessas dos modelos anteriores (ateacute mesmo

as do Estado Liberal) satildeo de difiacutecil concretizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo Colocar o

estado brasileiro ainda que ldquoprogramaticamenterdquo no contexto do Estado

6 Paolo Comanducci afirma que a constitucionalizaccedilatildeo do direito trata-se de ldquoun proceso al teacutermino del cual el Derecho es lsquoimpregnadorsquo lsquosaturadorsquo o lsquoembebidorsquo por la Constitucioacuten un Derecho constitucionalizado se caracteriza por una Constitucioacuten invasiva que condiciona la legislacioacuten la jurisprudencia la doctrina y los comportamientos de los actores poliacuteticos Se trata ademaacutes de un concepto graduado un Derecho pude ser maacutes o menos constitucionalizadordquo (COMANDUCCI 2005 p 81)

7 ldquoO chamado Estado Democraacutetico de Direito eacute tambeacutem denominado pelos autores de tradiccedilatildeo alematilde com Estado Constitucional uma vez que as aquisiccedilotildees histoacutericas deixaram claro que natildeo eacute submissatildeo ao Direito que justificaria a limitaccedilatildeo quer do proacuteprio Estado quer dos Governantes mas necessariamente uma subjugaccedilatildeo total agrave Constituiccedilatildeordquo (FERNANDES 2011 p 206)

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Vitor Soliano

Democraacutetico de Direito eacute uma aposta importante e uma exigecircncia dos nossos

tempos

Neste contexto de normatividade constitucional os direitos fundamentais

sociais ganham uma nova forccedila Embora jaacute fizessem parte ao menos formalmente

de textos constitucionais anteriores (BERCOVICI MASSONETTO 2010 p 510-

528) eacute com a Constituiccedilatildeo de 1988 e o constitucionalismo por ela instaurado que

eles passam realmente a poder significar algo de concreto

Os direitos sociais surgem para complementar positivamente as liberdades

puacuteblicas garantidas pela dimensatildeo negativa dos direitos fundamentais Atraveacutes deles

pretende-se alcanccedilar a liberdade e a igualdade em sentidos materiais e natildeo apenas

formais Constituem-se em direitos a algo ou seja exigem uma atuaccedilatildeo positiva do

Estado para sua concretizaccedilatildeo e natildeo apenas um abster-se Nas palavras de Saulo

Joseacute Casali Bahia satildeo direitos atraveacutes do Estado ldquoe correspondem agrave exigecircncia ao

poder puacuteblico certas prestaccedilotildees materiais ou normativas buscando a igualizaccedilatildeo de

situaccedilotildees socais desiguais e criando condiccedilotildees concretas para o gozo efetivo de

direitosrdquo (CASALI BAHIA 2009 p 300)

Aleacutem disso exigem uma nova visatildeo sobre os direitos individuais Nas

palavras de Bernardo Gonccedilalves Fernandes (2011 p 455)

Os direitos sociais constituem-se no segundo grupo integrador do conceito de Direitos Fundamentais que por mais que adicionem ao cataacutelogo anterior (direitos individuais) satildeo responsaacuteveis por empreender uma releitura completa e radical inclusive produzindo alteraccedilotildees no significado destes (direitos individuais) Ou seja os direitos sociais natildeo soacute alargam a taacutebua de direitos fundamentais mas tambeacutem redefinem os proacuteprios direitos individuais

Enfim os direitos sociais tem a pretensatildeo de realizar uma inclusatildeo

generalizada dos cidadatildeos na esfera poliacutetica (NEVES 2007 p 76-78) atraveacutes da

garantia de meios essenciais de vida

Como veremos a seguir entretanto esta positivaccedilatildeo sozinha natildeo eacute o

suficiente

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA

PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL

Como referido acima o Brasil ingressa na fase contemporacircnea do constitucionalismo e no modelo de Estado Democraacutetico de Direito a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 O texto constitucional que marca a saiacuteda de um longo periacuteodo ditatorial e o reingresso em um sistema poliacutetico democraacutetico tinha a intenccedilatildeo de apontar um novo rumo para o paiacutes um caminho que levasse a uma sociedade livre justa e solidaacuteria na qual o desenvolvimento nacional fosse garantido e a erradicaccedilatildeo da pobreza e da marginalizaccedilatildeo bem como a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais fossem objetivos estatais (art 3ordm e incisos)

A Constituiccedilatildeo e seu vasto repertoacuterio de direitos e garantias contudo natildeo pode se realizar sozinha nem do dia para a noite A realidade descrita pela Carta Constitucional ainda estaacute distante O Brasil apesar de sua crescente economia ainda se depara com situaccedilotildees de desigualdades sociais proacuteximas de paiacuteses com iacutendices de desenvolvimento econocircmico extremamente inferiores ou seja os direitos sociais natildeo satildeo concretizados de forma adequada Nas palavras de Joseacute Luis Bolzan de Morais (2009 p 44) o projeto constitucional brasileiro ldquose apresenta como de bem-estar mas [] se executa como de mal-estarrdquo Enfim os poderes constituiacutedos mormente os representativos ndash principais responsaacuteveis pela consecuccedilatildeo da Constituiccedilatildeo ndash tem se mostrado inaptos para dar efetividade aos direitos sociais

Eacute neste cenaacuterio que passa a ser possiacutevel falar no Brasil no que Marcelo Neves (2007) denominou de Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica Em conhecida obra da teoria constitucional brasileira o autor pernambucano vai apresentar o conceito meandros e consequecircncias desta formulaccedilatildeo Pela importacircncia que o conceito assume neste texto vamos exploraacute-lo mais detidamente antes de avanccedilarmos

Segundo Marcelo Neves (2007 p 64) a noccedilatildeo de constitucionalizaccedilatildeo aponta para o fato de uma ordem juriacutedica estatal natildeo ter desenvolvido um sistema constitucional de forma satisfatoacuteria Ou seja soacute se pode falar em constitucionalizaccedilatildeo justamente pelo fato de o sistema juriacutedico natildeo ter ateacute o momento se estabelecido como subordinado agrave Constituiccedilatildeo de forma plena ou ao menos natildeo ter na Constituiccedilatildeo o referencial basilar de todo o restante do sistema O Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 455

Vitor Soliano

movimento teoacuterico que hoje apregoa a constitucionalizaccedilatildeo do direito no Brasil teria nesse sentido percebido a ldquofalta de Constituiccedilatildeordquo no nosso sistema

A Constituiccedilatildeo (e o proacuteprio constitucionalismo) em sentido moderno aponta para a limitaccedilatildeo do poder e para a garantia de direitos fundamentais aos cidadatildeos ambos atraveacutes do direito (sistema juriacutedico) (CANOTILHO 2011 p 51) Ao mesmo tempo eacute atraveacutes da Constituiccedilatildeo que os sistemas sociais da poliacutetica e do direito podem ser diferenciados e reciprocamente fundamentados Quer isto dizer que o direito eacute legitimado atraveacutes da poliacutetica e a poliacutetica eacute legitimada atraveacutes do direito Esta via de matildeo dupla eacute possibilitada pela Constituiccedilatildeo (NEVES 2007 p 65-66) Podemos afirmar portanto que o processo de constitucionalizaccedilatildeo eacute de um lado a ampliaccedilatildeo e maior efetivaccedilatildeo da limitaccedilatildeo do poder e da garantia de direitos fundamentais e de outro a diferenciaccedilatildeo legiacutetima entre direito e poliacutetica como sistemas sociais autocircnomos Estas ideias seratildeo fundamentais para a compreensatildeo do significado de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

O conceito de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica eacute desenvolvido a partir da problemaacutetica em torno da (falta de) concretizaccedilatildeo das normas constitucionais8 Marcelo Neves natildeo equipara por oacutebvio a norma constitucional com o seu texto Afirma portanto que ldquoo texto e a realidade constitucionais encontram-se em permanente relaccedilatildeo atraveacutes da normatividade constitucional obtida no decurso do processo de concretizaccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 83-84) O texto constitucional natildeo se concretiza pois natildeo haacute acircmbito normativo (dados reais) natildeo eacute constituiacutedo de forma suficiente (NEVES 2007 p 85) Ou seja as condiccedilotildees materiais para a concretizaccedilatildeo constitucional natildeo se colocam ou natildeo se colocam de forma adequada Eacute insuficiente que o programa normativo seja adequadamente interpretado (NEVES 2007 p 84)9 Assim do texto constitucional eacute impossiacutevel derivar normatividade

8 Canotilho (2011 p 1201) ldquoConcretizar a constituiccedilatildeo traduz-se fundamentalmente no processo de densificaccedilatildeo de regras e princiacutepios constitucionais A concretizaccedilatildeo das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta ndash norma juriacutedica ndash que por sua vez seraacute apenas um resultado intermeacutedio pois soacute coma descoberta da norma de decisatildeo para a soluccedilatildeo dos casos juriacutedico-constitucionais teremos o resultado final da concretizaccedilatildeo Esta ltltconcretizaccedilatildeo normativagtgt eacute pois um trabalho teacutecnico-juriacutedico eacute no fundo o lado ltltteacutecnicogtgt do procedimento estruturante da normatividade A concretizaccedilatildeo como se vecirc natildeo eacute igual agrave interpretaccedilatildeo do texto da norma eacute sim a construccedilatildeo de uma norma juriacutedicardquo (destaques do original)

9 Marcelo Neves se vale da teoria hermenecircutica de Frederich Muumlller Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 456

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Eacute a partir desse ldquoganchordquo que entra em cena a formulaccedilatildeo mais interessante para os propoacutesitos deste trabalho o sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica Segundo Marcelo Neves (2007 p 91) este conceito afirma que ldquoo texto constitucional natildeo eacute suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizadardquo A partir de Muumlller o autor afirma que do texto normativo natildeo decorre nenhuma normatividade Entende-se aqui esta descriccedilatildeo como caso limite ou seja natildeo quer dizer que a Constituiccedilatildeo seja um nada juriacutedico mas sua normatividade eacute inviabilizada em diversas instacircncias

A ausecircncia de normatividade fica demonstrada pela ldquoausecircncia generalizada de orientaccedilatildeo das expectativas normativas conforme as determinaccedilotildees dos dispositivos da Constituiccedilatildeordquo (NEVES 2007 p 92) fato que eacute percebido tanto no meio social quanto na atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos estatais (NEVES 2007 p 94) Nas palavras de Marcelo Neves (2007 p 92)

Natildeo estatildeo presentes as condiccedilotildees para o processo seletivo de construccedilatildeo efetiva do acircmbito normativo a partir dos acircmbitos da mateacuteria e do caso com respaldo nos elementos linguiacutesticos contidos no programa normativo O acircmbito da mateacuteria ndash ldquoo conjunto de todos os dados empiacutericos [] que estatildeo relacionados com a normardquo ndash natildeo se encontra estruturado de tal maneira que possibilite o seu enquadramento seletivo no acircmbito normativo Ao texto constitucional natildeo corresponde normatividade concreta nem normatividade materialmente determinada ou seja dele natildeo decorre de maneira generalizada norma constitucional como variaacutevel influenciadora-estruturante e ao mesmo tempo influenciada-estruturada pela realidade a ela coordenada

Neste cenaacuterio o sistema juriacutedico seus procedimentos e argumentos especiacuteficos natildeo conseguem se impor de forma relevante frente aos demais sistemas sociais envolventes como a poliacutetica e a economia Estes sistemas sociais seus criteacuterios e programas atuam de forma bloqueadora ao sistema juriacutedico sobrepondo os seus coacutedigos ao coacutedigo juriacutedico-constitucional (NEVES 2007 p 93) O sistema juriacutedico portanto perde a capacidade de se reproduzir autonomamente

O autor encerra sua anaacutelise do sentido negativo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica afirmando que nela

ao texto constitucional includente contrapotildee-se uma realidade constitucional excludente do ldquopuacuteblicordquo natildeo surgindo portanto a respectiva normatividade constitucional ou no miacutenimo cabe falar de uma normatividade

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constitucional restrita natildeo generalizada nas dimensotildees temporal social e material (NEVES 2007 p 94)

Esta faceta da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica foi percebida pela doutrina constitucional nos primeiros anos da Constituiccedilatildeo de 1988 ainda que natildeo nos mesmos termos ou na mesma complexidade apresentada por Marcelo Neves A partir desta percepccedilatildeo a teoria constitucional comeccedilou a ser fortemente reformulada e valorizada mormente com a incorporaccedilatildeo do que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Voltar-se-aacute a esta temaacutetica em seguida Antes poreacutem se faz necessaacuterio analisar o outro sentido atribuiacutedo por Marcelo Neves agrave constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Para o autor apesar do aspecto mais marcante da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica ser a ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada das disposiccedilotildees constitucionais eacute possiacutevel perceber que o mesmo texto desempenha um papel poliacutetico-ideoloacutegico Trata-se do que ele chama de sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Fala-se em papel poliacutetico-ideoloacutegico pois a positivaccedilatildeo de diversos direitos e garantias no texto constitucional ldquoresponde a exigecircncias e objetivos poliacuteticos concretosrdquo (NEVES 2007 p 96) Ou seja constitucionaliza-se diversos anseios sociais que contudo natildeo podem ser imediatamente (ou mesmo a meacutedio prazo) concretizados Esta positivaccedilatildeo garante a possibilidade da utilizaccedilatildeo de uma retoacuterica constitucional por parte dos membros do sistema poliacutetico ndash legisladores e governantes em geral ndash e ao mesmo tempo bloqueia a possibilidade alteraccedilatildeo do modelo vigente Atraveacutes deste sentido da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

Natildeo apenas podem permanecer inalterados os problemas e relaccedilotildees que seriam normatizados com base nas respectivas disposiccedilotildees constitucionais mas tambeacutem ser obstruiacutedo o caminho das mudanccedilas sociais em direccedilatildeo ao proclamado Estado Constitucional Ao discurso do poder pertencem entatildeo a invocaccedilatildeo permanente do documento constitucional como estrutura normativa garantidora dos direitos fundamentais (civis poliacuteticos e sociais) da ldquodivisatildeordquo de poderes e da eleiccedilatildeo democraacutetica e o recurso retoacuterico a essas instituiccedilotildees como conquistas do estado ou do governo e provas de existecircncia da democracia no paiacutes (NEVES 2007 p 98-99)

A emissatildeo do texto constitucional pelo poder constituinte e sua utilizaccedilatildeo no discurso poliacutetico acarretam no contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica o Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 458

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apaziguamento de determinadas pretensotildees sociais que eram percebidas no momento da promulgaccedilatildeo e no decorrer de sua vigecircncia Atraveacutes das positivaccedilotildees responde-se a exigecircncias do momento e gera-se a ilusatildeo de que o Estado estaacute realmente comprometido com sua populaccedilatildeo Eacute sintomaacutetico no caso da Constituiccedilatildeo brasileira de 1988 o alargamento do rol de direitos sociais previstos no art 6ordm10

Os dois sentidos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo interligados Ao mesmo tempo em que o texto constitucional natildeo eacute concretizado de forma generalizada ele desempenha um papel de ldquopromessardquo de uma sociedade melhor mais justas e desenvolvida O conteuacutedo ldquointencionalrdquo do texto natildeo eacute vivido nem sentido mas ele serve como ldquosaiacuteda pela tangenterdquo para o Estado mormente o sistema poliacutetico A ausecircncia de concretizaccedilatildeo eacute ldquolegitimadardquo pela presenccedila de uma ilusatildeo

Este quadro eacute especialmente observado quando se analisa as assim chamadas ldquonormas programaacuteticasrdquo das quais se destacam as normas que positivam os direitos sociais econocircmicos e culturais As normas programaacuteticas modalidade de normas de eficaacutecia limitada satildeo aquelas cujos efeitos soacute se produzem apoacutes a atuaccedilatildeo dos poderes constituiacutedos (SILVA 2012) mormente o Poder Legislativo (elaboraccedilatildeo da lei) mas tambeacutem o Poder Executivo (elaboraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas) Quer isto dizer que dependem da elaboraccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo especiacutefica que lhe determinem o conteuacutedo concreto e estabeleccedilam os modos de atuaccedilatildeo do Estado

Deve-se dizer contudo que esse tipo de norma natildeo eacute totalmente desprovida de eficaacutecia Funcionam em primeiro lugar em um sentido negativo proibindo que o Estado aja contrariamente a elas Em segundo lugar traccedilam programas que devem ser cumpridos pelo Estado sob pena de omissatildeo ilegiacutetima

10 Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo original)

Art 6o Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo(Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 26 de 2000)

Art 6ordm Satildeo direitos sociais a educaccedilatildeo a sauacutede a alimentaccedilatildeo o trabalho a moradia o lazer a seguranccedila a previdecircncia social a proteccedilatildeo agrave maternidade e agrave infacircncia a assistecircncia aos desamparados na forma desta Constituiccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Emenda Constitucional nordm 64 de 2010)

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No contexto da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica a referida espeacutecie normativa se constitui em verdade em um pseudoprograma Estatildeo ausentes as condiccedilotildees materiais para a realizabilidade das disposiccedilotildees constitucionais Para que essas normas tivessem o conteuacutedo normativo devido as condiccedilotildees sociais e poliacuteticas teriam que ser completamente transformadas A natildeo realizaccedilatildeo desses ldquoprogramasrdquo contudo natildeo eacute uma decorrecircncia apenas da omissatildeo estatal mas tambeacutem da sua accedilatildeo em sentido contraacuterio uma vez que as injunccedilotildees dos particularismos poliacuteticos e econocircmicos no sistema juriacutedico satildeo frequentes (NEVES 2007 p 114-115)

Neste cenaacuterio os sentidos negativos e positivos da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estatildeo presentes de forma concomitantes Segundo Marcelo Neves

Embora constituintes legisladores e governantes em geral natildeo possam atraveacutes do discurso constitucionalista encobrir a realidade social totalmente contraacuteria ao welfare state proclamado no texto da Constituiccedilatildeo invocam na retoacuterica poliacutetica os respectivos princiacutepios e fins programaacuteticos encenando o envolvimento e interesse do Estado na sua consecuccedilatildeo A constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica estaacute portanto intimamente associada agrave presenccedila excessiva de disposiccedilotildees constitucionais pseudoprogramaacuteticas Dela natildeo resulta normatividade programaacutetico-finaliacutestica antes o diploma constitucional atua como aacutelibi para os agentes poliacuteticos (NEVES 2007 p 115-116)

As funccedilotildees de prestaccedilatildeo e inclusatildeo dos direitos sociais satildeo assim prejudicadas Os cidadatildeos satildeo impossibilitados de fruir dos direitos positivados constitucionalmente pois a funccedilatildeo simboacutelica da constituiccedilatildeo eacute maior e mais presente do que sua funccedilatildeo normativa O Estado de forma geral eacute incapaz de fazer valer aquilo que ele mesmo se obrigou atraveacutes das manifestaccedilotildees do poder constituinte originaacuterio e derivado11 Desta forma a proacutepria realizabilidade de um Estado Democraacutetico de Direito fica comprometida jaacute que a inclusatildeo eacute condiccedilatildeo de possibilidade para uma participaccedilatildeo poliacutetica ideal

O duro cenaacuterio apresentado por Marcelo Neves talvez natildeo seja hoje o direito constitucional vivido no Brasil totalmente O crescimento da teoria e da

11 Casali Bahia (2009 p 300) ldquoO capiacutetulo dos direitos sociais passou a integrar textos constitucionais embora isto por si soacute natildeo decirc conta de sua efetividade Vale bem mais a disposiccedilatildeo poliacutetica dos representantes eleitos ou a firmeza do Judiciaacuterio em exigir prestaccedilotildees desejadas pela sociedade previstas em sua Constituiccedilatildeo que o formalismo e a programaticidade extensa e ineficienterdquo

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doutrina constitucional nos uacuteltimos anos deu mais forccedila ao Texto Magno Embora estejamos longe de alcanccedilar uma plena normatividade constitucional a Constituiccedilatildeo se faz muito mais presente hoje Este sensiacutevel modificaccedilatildeo tem um motivo determinado

Como referido acima os juristas dedicados ao direito constitucional perceberam o quadro de simbolismo constitucional que o Brasil vivia logo depois da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1988 Esta percepccedilatildeo fez com se passasse a incorporar um movimento teoacuterico e ideoloacutegico denominado de neoconstitucionalismo Este movimento daacute ao direito constitucional uma nova cara reformula dogmas ateacute entatildeo vigentes e concede novo significado e papel agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Em certa medida isto foi positivo Trouxe contudo alguns problemas mormente o de legitimidade da atuaccedilatildeo judicante Fala-se aqui do problema do Ativismo Judicial

Como seraacute demonstrado na sequecircncia o otimismo metodoloacutegico do neoconstitucionalismo e a sua acircnsia por concretizaccedilatildeo a qualquer custo acabaram por fazer surgir distorccedilotildees no sistema juriacutedico quando enxergado em seu todo O ldquocompromisso irresponsaacutevelrdquo (CARNEIRO 2009 p 313-328) do neoconstitucionalismo com a concretizaccedilatildeo causa justamente por sua fragilidade teoacuterica distorccedilotildees no funcionamento adequado do Estado e paradoxalmente na proacutepria concretizaccedilatildeo do texto constitucional de maneira iacutentegra e coerente

Disse-se na introduccedilatildeo deste trabalho que entendemos a expressatildeo Ativismo Judicial de maneira negativa Ou seja quando se afirma que o Poder Judiciaacuterio eacute ativista ou estaacute se comportando de forma ativista faz-se em sentido de criacutetica de reprovaccedilatildeo Nos proacuteximos itens seraacute demonstrado o que se entende por Ativismo e como no Brasil ele foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo Mais a frente tratar-se-aacute do Ativismo em mateacuteria de direitos sociais relacionando-o com uma nova ideia de constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido positivo

3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA

Este momento do trabalho exige uma parada metodoloacutegica para que se defina o que significa Ativismo Judicial Deve-se ter em mente como se disse na Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 461

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introduccedilatildeo que o Ativismo eacute entendido como um mal uma atuaccedilatildeo ilegiacutetima do Poder Judiciaacuterio Ao mesmo tempo este trabalho toma como premissas teoacutericas a inevitabilidade da criatividade judicial e a assunccedilatildeo de que o poder judicante tem um papel na concretizaccedilatildeo dos direitos albergados na Constituiccedilatildeo

O ponto de estofo para se diferenciar dentro de uma teoria voltada para o Judiciaacuterio concepccedilotildees ativistas e natildeo ativistas de jurisdiccedilatildeo constitucional reside no como se compreendeinterpretarealiza a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A ocorrecircncia de um deslocamento do polo de tensatildeo entre os poderes do Estado em direccedilatildeo ao Poder Judiciaacuterio12 ndash consequecircncia da inserccedilatildeo no paradigma do Estado Democraacutetico de Direito e da adoccedilatildeo do substancialismo ndash aumentaraacute o caraacuteter hermenecircutico-interpretativo do Direito e a sua consequente necessidade de limitaccedilatildeo (STRECK 2011 p 59)13

Ora se ateacute o contexto da Constituiccedilatildeo de 1988 boa parte da responsabilidade pela inefetividade do texto magno residia em uma precaacuteria teoria da Constituiccedilatildeo e do Direito ndash positivismo sistema de regras racionalidade instrumental e descritiva ndash um eventual excesso na concretizaccedilatildeo (Ativismo Judicial) tambeacutem ocorreraacute por razotildees epistecircmicas Conforme assevera Andreacute Ramos Tavares a ldquoconsistecircncia e o refinamento dos meacutetodos de trabalho da Justiccedila Constitucional [] satildeo parte integrante da discussatildeo acerca de sua legitimidade de atuaccedilatildeo no acircmbito dos direitos fundamentaisrdquo (TAVARES 2012 p 66)

Parece ser este tambeacutem o entendimento de Joatildeo Mauriacutecio Adeodato (2009 p 164-165) ao afirmar que

O debate sobre a funccedilatildeo do judiciaacuterio tambeacutem estaacute por traacutes de toda a discussatildeo hermenecircutica a questatildeo fundamental sobre como os paradigmas de racionalidade podem construir a vaacutelvula de escape e calibraccedilatildeo da legitimidade ou verem-se inutilizados pelo casuiacutesmo trazido por uma exacerbaccedilatildeo da discricionariedade dos julgadores e da importacircncia dos participantes na lide concreta

12 ldquoSabe-se que no quadro da triparticcedilatildeo de funccedilotildees quando qualquer deles natildeo cumpre com eficiecircncia seu papel institucional ocorre uma compensaccedilatildeo sistecircmica que em nosso paiacutes se costuma se atribuir ao Judiciaacuteriordquo (NUNES 2011 p 35)

13 No mesmo sentido cf OLIVEIRA 2008 p 66-74 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 462

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Ou seja haacute uma relaccedilatildeo iacutentima entre racionalidade do discurso (e da interpretaccedilatildeo acrescente-se) e a (i)legitimidade da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Se eacute verdade que os deacuteficits de modernizaccedilatildeo vividos em sociedades perifeacutericas e semiperifeacutericas acaba tornado o Poder Judiciaacuterio no ldquouacuteltimo dos moicanosrdquo para defesa e garantia das promessas modernas natildeo eacute menos verdade que o compromisso com o constitucionalismo com a democracia e com a autonomia do Direito possa ser esquecida (CARNEIRO 2011 p 25-26) E o desequiliacutebrio excessivo nesse projeto (Ativismo Judicial) tem repita-se em primeiro lugar uma justificativa epistemoloacutegica

A identificaccedilatildeo do Ativismo Judicial passa prioritariamente natildeo por uma atitude de interferecircncia do Judiciaacuterio em aacutereas tradicionalmente deixadas aos Poderes Representativos mas sim pelo modo pelo como essa interferecircncia ocorre Ou seja o Ativismo Judicial eacute caracterizado por uma forma inadequadaequivocada de se lidar com a inevitabilidade da criatividade da atuaccedilatildeo judicial14 Ele (o Ativismo) encontra-se relacionado a um caraacuteter natildeo democraacutetico e por isso natildeo legiacutetimo da ldquocarga criativa que se encontra em todas as manifestaccedilotildees de criaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direitordquo (CARNEIRO 2009 p 180)

A teoria hermenecircutica contemporacircnea estabeleceu que o fenocircmeno compreensivo natildeo estaacute cindido da aplicaccedilatildeo e acontece mediante uma antecipaccedilatildeo de sentido jaacute carregado pelo inteacuterprete (GADAMER 2006 p 57)

Conforme liccedilatildeo de Ricardo Mauriacutecio Freire Soares a partir de Heidegger a ldquocompreensatildeo passa a ser visualizada natildeo como ato cognitivo de um sujeito dissociado do mundo mas isto sim como um prolongamento essencial da existecircncia humana Compreender eacute um modo de estar antes de configurar-se como um meacutetodo cientiacuteficordquo (SOARES 2011 p 9) A pergunta pela hermenecircutica portanto passa a ter mais em conta a relaccedilatildeo que o inteacuterprete estabelece com sua situaccedilatildeo no mundo (SOARES 2011 p 10)

14 Fundamental nesse sentido a advertecircncia de Lenio Streck ldquohaacute de ser ter o devido cuidado a afirmaccedilatildeo de que o lsquointeacuterprete sempre atribui sentido (Sinngebung) ao textorsquo nem de longe pode significar a possibilidade de este estar autorizado a lsquodizer qualquer coisa sobre qualquer coisarsquo atribuindo sentidos de forma arbitraacuteria aos textos como se texto e norma estivessem separados (e portanto tivessem lsquoexistecircnciarsquo autocircnoma) () Portanto todas as formas de decisionismos e discricionariedades devem ser afastadasrdquo (STRECK 1999 p 142-143)

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Como ato de existecircncia a compreensatildeo natildeo tem um iniacutecio determinado Ela ocorre a todo o tempo a partir do nosso contato com diferentes eventosfatos A ldquoaplicaccedilatildeordquo natildeo eacute um momento diverso ou secundaacuterio agrave compreensatildeo Somente compreendemos algo porque estamos diante de um algo concreto Eacute o que se chama de applicatio Na liccedilatildeo de Gadamer (2006 p 57) a aplicaccedilatildeo

natildeo pode jamais significar uma operaccedilatildeo subsidiaacuteria que venha acrescentar-se posteriormente agrave compreensatildeo o objeto para o qual se dirige a nosso aplicaccedilatildeo determina desde o iniacutecio e em sua totalidade o conteuacutedo efetivo e concreto da compreensatildeo hermenecircutica ldquoAplicarrdquo natildeo eacute ajustar uma generalidade jaacute dada antecipadamente para desembaraccedilar em seguida os fios de uma situaccedilatildeo particular Diante de um texto por exemplo o inteacuterprete natildeo procura aplicar um criteacuterio geral a um caso particular ele se interessa ao contraacuterio pelo significado fundamentalmente original do escrito de que se ocupa15

Esta caracteriacutestica da compreensatildeo demonstra que natildeo existem meacutetodos de interpretaccedilatildeo capazes de constituir eles mesmos os sentidos A ideia de que a verdade ou o acerto podem ser alcanccedilados mediante a utilizaccedilatildeo de meacutetodos (no sentido claacutessico) natildeo possui mais sustentaccedilatildeo

Contudo isso natildeo acarreta a abertura interpretativa e a ausecircncia de qualquer controle nem que natildeo haja espaccedilo dentro do paradigma hermenecircutico atual para se pensar em epistemologia (STRECK 2011 p 153-172) A epistemologia ou seja o controle epistecircmico da compreensatildeo deve transitar em um niacutevel secundaacuterio Como assevera Waacutelber Araujo Carneiro (2009 p 234)

Essa proposta epistemoloacutegica deve portanto atender a dois vetores Primeiro transitar em um espaccedilo existencial isto eacute deve obedecer aos limites e possibilidades da nossa compreensatildeo razatildeo pela qual a propomos em um espaccedilo reflexivo Segundo deve ser compatiacutevel com esse projeto regulatoacuterio (direito) e para tanto proporcionar a normatividade da compreensatildeo juriacutedica Quanto a este segundo verto natildeo fazemos aqui referecircncia a uma compreensatildeo controlada por meacutetodos mas uma compreensatildeo que esteja voltada para uma resposta correta conforme ao direito caso contraacuterio natildeo compatibilizaremos sua aplicaccedilatildeo ao modelo democraacutetico (destaque do original)

15 ldquoA compreensatildeo encerra sempre um momento de aplicaccedilatildeo e todo esse processo eacute um processo linguiacutesticordquo (SOARES 2011 p 11)

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Haacute portanto um espaccedilo para que a criatividade inerente agrave compreensatildeo e aplicaccedilatildeo do direito seja epistemicamente controlada Natildeo estar atento agrave esta possibilidade ou natildeo buscar os paracircmetros para este controle acarreta na abertura para que a criatividade se transforme em discricionariedade e consequentemente a existecircncia de muacuteltiplas respostas O Ativismo Judicial eacute isto a ausecircncia de controle

reflexivo do momento criativo da aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Dito de outra forma o

excesso ou descontrole da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo adveacutem da delegaccedilatildeo agrave discricionariedade subjetiva do julgador

Eacute evidente que os paracircmetros reflexivos devem possibilitar que a decisatildeo natildeo seja dada por uma escolha do operador A decisatildeo judicial que aplica a Constituiccedilatildeo deve se pautar pelos referencias sistecircmicos jaacute disponiacuteveis agrave compreensatildeo Doutrina e jurisprudecircncia portanto desempenho um papel altamente relevante para a ldquodesubjetivizaccedilatildeordquo da decisatildeo (CARNEIRO 2009 p 258-260 263-264 277-278) Aqui eacute possiacutevel tambeacutem falar que a coerecircncia e a integridade (DWORKIN 2007) tem a potencialidade de retirar do decisum um alto iacutendice de ldquoopccedilatildeordquo do inteacuterprete

Natildeo obstante a existecircncia de um espaccedilo de controle epistecircmico da decisatildeo judicial bem como de referecircncias sistecircmicos para a consecuccedilatildeo desse controle sua realizaccedilatildeo oacutetima eacute altamente improvaacutevel Afirma-se isso principalmente por causa da alta complexidade que o sistema juriacutedico assumiu e pelas enormes dificuldades encontradas pela praacutetica judiciaacuteria Assim eacute mais correto afirmar que existem niacuteveis maiores e menores de controle epistecircmico da decisatildeo judicial Uma decisatildeo pode ser mais ou menos epistemicamente controlada quer dizer a discricionariedade pode ser mais ou menos reduzida Desta forma parece ser possiacutevel falar em niacuteveis

de Ativismo Judicial Ou seja uma decisatildeo que aplicaconcretiza a Constituiccedilatildeo pode ser mais ou menos ativista a depender do niacutevel de controle epistecircmico que ela sofra

Marcelo Neves valendo-se de outros pressupostos teoacutericos afirma que a transversalidade entre direito e poliacutetica atraveacutes da Constituiccedilatildeo do Estado constitucional embora seja capaz de resultados produtivos estaacute em constante paradoxo uma vez que natildeo existe soluccedilatildeo definitiva para o problema da politizaccedilatildeo do direito e da juridificaccedilatildeo da poliacutetica Isso quer dizer o judiciaacuterio manteacutem a pretensatildeo de ocupar o espaccedilo da legitimidade democraacutetica enquanto legislativo e

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governo tentam influenciar as soluccedilotildees de casos juriacutedicos A mediaccedilatildeo desse cenaacuterio soacute pode ocorrer diante de casos constitucionais concretos decididos principalmente pelas cortes constitucionais Contudo a formaccedilatildeo de transversalidade entre direito e poliacutetica (pontes de transiccedilatildeo) em niacutevel oacutetimo necessita de amplos pressupostos sociais e estruturais (NEVES 2009 p 77) ou seja sua consecuccedilatildeo eacute extremamente difiacutecil

O controle da criatividade judicial atraveacutes de aparatos epistecircmicos tem uma relaccedilatildeo direta com a autonomia do sistema juriacutedico Quando se refere acima sobre a existecircncia de referenciais sistecircmicos para a operacionalizaccedilatildeo do controle da decisatildeo em niacutevel hermenecircutico estaacute-se falando do sistema juriacutedico Ou seja os demais sistemas sociais natildeo podem determinar a decisatildeo judicial

Em verdade o grande objetivo do referido controle eacute preservar a autonomia do sistema A contrario sensu a ausecircncia de controle acarreta invariavelmente a perda de autonomia do sistema Dito isso eacute possiacutevel acrescentar que o Ativismo Judicial aleacutem de ser marcado pela adoccedilatildeo da discricionariedade como paracircmetro decisoacuterio na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo representa a perda de autonomia do sistema juriacutedico em favor de opccedilotildees poliacuteticas econocircmicas e morais do julgador Ou seja a substituiccedilatildeo dos referenciais sistecircmicos do direito por referenciais de outros sistemas

Acertado o entendimento de Anderson Vichinkeski Teixeira (2012 p 42) quando afirma que o Ativismo Judicial estaacute diretamente relacionado com os limites possiacuteveis entre o Direito e a Poliacutetica Segundo o autor a ldquonocividade maior do ativismo judicial ocorre quando a decisatildeo judicial tem um fim poliacutetico e depende da negaccedilatildeo agrave tutela de interesses legiacutetimos de alguma parte da accedilatildeo fundamentando-se em argumentos que transcendem a racionalidade juriacutedicardquo (TEIXEIRA 2012 p 48) Eacute possiacutevel complementar este pensamento dizendo que o Ativismo tambeacutem se coloca diante dos limites possiacuteveis entre o Direito e a Moral e entre o Direito e a Economia Enfim a problemaacutetica da autonomia dos sistemas sociais Este cenaacuterio como destacado eacute possibilitado pela falta de uma racionalidade consistente no momento da interpretaccedilatildeoaplicaccedilatildeo do direito causada pela utilizaccedilatildeo de modelos teoacutericos inadequados

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Ora se se aduz que eacute possiacutevel falar em niacuteveis de controle e consequentemente em niacuteveis de Ativismo Judicial parece mais do que loacutegico ser possiacutevel falar tambeacutem em niacuteveis de perda de autonomia do sistema O sistema juriacutedico portanto sofreraacute mais ou menos perda de autonomia de acordo com o niacutevel de controle da decisatildeo judicial (de acordo com a existecircncia de mais ou menos Ativismo portanto)

Tudo que se disse sobre o controle da criatividade e sobre a preservaccedilatildeo da autonomia do sistema tem efeito imediato sobre a sobrevivecircncia do binocircmio constitucionalismo-democracia Se o constitucionalismo eacute marcado pela garantia de direitos fundamentais e pela limitaccedilatildeo do poder e a democracia (constitucionalizada) eacute marcada pela prevalecircncia das opccedilotildees poliacuteticas feitas pelos cidadatildeos (diretamente ou mediante seus representantes) eacute indispensaacutevel para a existecircncia de ambos que haja um niacutevel tanto maior quanto possiacutevel de controle das decisotildees judiciais e que esse controle se decirc mediante a referecircncia ao proacuteprio sistema A marca do Ativismo (a discricionariedade) deve ser repudiada ao maacuteximo16

Estabeleceu-se aqui o nuacutecleo fundamental do Ativismo Judicial uma atuaccedilatildeo discricionaacuteria do Poder Judicante sob o pretexto de estar dando concretude ao texto constitucional acarretando paradoxalmente a distorccedilatildeo da proacutepria autonomia do sistema juriacutedico e portanto do constitucionalismo e da democracia Cabe agora tentar demonstrar ainda que brevemente porque o Ativismo nesta conceituaccedilatildeo tem se tornado uma realidade em terras brasileiras

Como jaacute referido a forma de lidar com a atuaccedilatildeo judicial no Brasil tem recebido fortes influecircncias do movimento que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo Natildeo obstante a importacircncia que esse movimento teve para que o paiacutes comeccedilasse a levar o seu direito constitucional a seacuterio parece que sua recepccedilatildeo tambeacutem tem trazido questotildees e problemas mal resolvidos no que diz respeito ao controle e estabelecimento de limites agrave atividade jurisdicional de

16 Eacute neste ponto que nos afastamos totalmente dos pressupostos teoacutericos utilizados por Elival da Silva Ramos O autor embora afirme que seu modelo absorve as inovaccedilotildees da hermenecircutica contemporacircnea continua a apostar na discricionariedade da decisatildeo judicial Para noacutes eacute impossiacutevel compatibilizar ideias como ldquoescolhardquo ldquoopccedilatildeordquo ldquosentimento de justiccedilardquo e ldquoconsciecircncia eacutetica do julgadorrdquo com uma criacutetica ou um bloqueio ao Ativismo Judicial Cf Ramos 2010 p 97-103

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concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Parece enfim que o neoconstitucionalismo natildeo apresenta mecanismos teoacutericos suficientemente adequados para lidar com a criatividade judicial e com um substancialismo democraacutetico Isso ocorre pela incapacidade do seu ldquopacote teoacutericordquo em lidar com a discricionariedade judicial

Preconizando a superaccedilatildeo de modelos claacutessicos e que natildeo conferiam agrave Constituiccedilatildeo plena aplicabilidade ndash principalmente pela ausecircncia de normatividade dos princiacutepios ndash o neoconstitucionalismo parece tentar recuperar algo que se perdeu na aurora do constitucionalismo moderno (a racionalidade moral-praacutetica) e legitimar uma atuaccedilatildeo substancial do Poder Judiciaacuterio Enfim trata-se do movimento teoacutericoideoloacutegico que operacionalizou e continua a embalar as construccedilotildees doutrinaacuterias e jurisprudenciais desde o estabelecimento do Estado Democraacutetico de Direito no Segundo poacutes-guerra

Daniel Sarmento (2012 p 233-234) segundo o qual satildeo caracteriacutesticas marcantes do neoconstitucionalismo o reconhecimento da forccedila normativa dos princiacutepios a adoccedilatildeo de modelos hermenecircuticos distintos do formalismo claacutessico a constitucionalizaccedilatildeo do direito a reaproximaccedilatildeo entre direito e moral e a judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais ndash posiccedilatildeo natildeo muito diversa da jaacute exposta ndash afirma que esse movimento foi recepcionado no Brasil apoacutes a Constituiccedilatildeo de 1988 em dois momentos principais

Assevera o autor que o primeiro momento surge com o que ele chama de constitucionalismo da efetividade forma de positivismo de combate que pregava a normatividade direta da Constituiccedilatildeo e aproximava o Direito Constitucional do Direito Processual afastando-o da Teoria do Estado e centrando-o no protagonismo do juiz (SARMENTO 2012 p 247-248)17 O segundo momento de acordo com ele eacute marcado pelas obras de Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional) e Eros Roberto Grau (A Ordem Econocircmica na Constituiccedilatildeo de 1988) que divulgam no Brasil as teorias de Robert Alexy e Ronald Dworkin (SARMENTO 2012 p 248-249) Ainda teria sido fundamental para a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil o avanccedilo dos programas de poacutes-graduaccedilatildeo em Direito no estudo do

17 O autor ressalta que esse momento natildeo pode ainda ser entendido como neoconstitucionalismo mas o possibilitou na sequecircncia histoacuterica

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

constitucionalismo e a forte produccedilatildeo acadecircmica em torno de teorias hermenecircuticas (SARMENTO 2012 p 249)

Parece natildeo haver duacutevidas de que a adoccedilatildeo do neoconstitucionalismo no Brasil possibilitou uma forte valorizaccedilatildeo do nosso texto constitucional e em alguma medida uma constitucionalizaccedilatildeo do Direito Esse movimento exigiu dos atores juriacutedicos (teoacutericos e ldquooperadoresrdquo strictu sensu) uma nova forma de lidar com o fenocircmeno juriacutedico e de conceber o papel do Poder Judiciaacuterio na preservaccedilatildeo e concretizaccedilatildeo da Carta Magna Em um paiacutes de fraca histoacuteria democraacutetica e de baixa defesa de direitos fundamentais a recepccedilatildeo do neoconstitucionalismo parece ter

sido (estrategicamente) necessaacuteria para a consolidaccedilatildeo de uma ordem constitucional e democraacutetica adequada aos tempos de constitucionalismo poacutes-guerra18

A questatildeo principal do neoconstitucionalismo para esta investigaccedilatildeo eacute o aparato metodoloacutegico que graccedilas a ele ingressou e passou a fazer parte da teoria da constitucional no Brasil Os modelos de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de normas constitucionais acabam por sobrevalorizar a subjetividade do julgador Na mesma toada este movimento teoacuterico faz surgir aparatos dogmaacuteticos otimistas que desvalorizam as possibilidades reais de realizaccedilatildeo da norma hipertrofiando sua funccedilatildeo normativa O que unifica essas duas problemaacuteticas eacute um ideaacuterio concretista ingecircnuo e que concede forccedila demais ao julgador

O neoconstitucionalismo inseriu no debate constitucional brasileiro e em consequecircncia na forma de atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio modelos interpretativos Um deles eacute a teacutecnica da ponderaccedilatildeo de princiacutepios principalmente a matriz desenvolvida por Robert Alexy (2009 p 90-106 e 116-121) O outro eacute o que se convencionou chamar de Nova Hermenecircutica Constitucional Esta uacuteltima natildeo ocupa o lugar principal nas construccedilotildees doutrinaacuterias mas representa um importante local teoacuterico na doutrina brasileira atual mormente nos ldquoCursos de Direito Constitucionalrdquo19 Fugiria aos limites do presente trabalho a anaacutelise minuciosa desses modelos

18 Por esse motivo Luis Roberto Barroso (2007) considera a incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo um triunfo para o constitucionalismo brasileiro

19 Cf Mendes Coelho Branco 2008 p 97-122 Cunha Juacutenior 2008 p 207-223 Em sentido proacuteximo Silva Neto 2008 p 92-124

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hermenecircuticos Por isso remete-se o leitor agrave anaacutelise jaacute realizada em outro espaccedilo (SOLIANO 2013 p 109-124) e aos autores que deram suporte20

O ideaacuterio concretista ingecircnuo motivado pelo neoconstitucionalismo acarreta

o que Daniel Sarmento chama de ldquooba-oba constitucionalrdquo e a

ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo Tratam-se de duas posturas criacuteticas em relaccedilatildeo ao

referido movimento teoacuterico com as quais coadunamos O ldquooba-oba constitucionalrdquo

seria a invocaccedilatildeo demasiada de princiacutepios constitucionais para fundamentar

decisotildees Segundo o autor

os operadores do Direito satildeo estimulados a invocar sempre princiacutepios muito vagos nas suas decisotildees mesmo quando isso seja absolutamente desncessaacuterio pela existecircncia de regra clara e vaacutelida a reger a hipoacutetese Os campeotildees tecircm sido os princiacutepios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade O primeiro eacute empregado para dar imponecircncia ao decisionismo judicial vestindo com linguagem pomposa qualquer decisatildeo tida como politicamente correta e o segundo para permitir que os juiacutezes substituam livremente as valoraccedilotildees de outras agentes puacuteblicos pelas suas proacuteprias (SARMENTO 2012 p 264)

Este criacutetica tem paridade com o que se disse acima e seu objeto eacute uma

demonstraccedilatildeo de Ativismo Judicial

A ldquopanconstitucionalizaccedilatildeordquo seria para o autor um excesso de

constitucionalizaccedilatildeo Eacute certo que natildeo se pode no Brasil preterir de um direito

constitucionalizado legitimado constitucionalmente Contudo o

neoconstitucionalismo leva esta ideia agraves uacuteltimas consequecircncias e por isso atua em

excesso Este excesso amputa em demasia o espaccedilo do legislador e do

administrador em nome do julgador Segundo o autor

quem defende que tudo ou quase tudo jaacute estaacute decidido pela Constituiccedilatildeo e que o legislador eacute um mero executor das medidas jaacute impostas pelo constituinte nega por consequecircncia a autonomia poliacutetica ao povo para em cada momento da sua histoacuteria realizar as suas proacuteprias escolhas O excesso de constitucionalizaccedilatildeo do Direito reveste-se portanto de um vieacutes antidemocraacutetico (SARMENTO 2012 p 269)

20 Silva 2007 p 115-143 Carneiro 2009 p 202-233 Oliveira 2008 p 170-217 e Streck 2011 passim

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

Enfatize-se que aqui a criacutetica eacute ao excesso Como jaacute aduzido entende-se

que o direito deve sim ser constitucionalizado e que o Judiciaacuterio tem um papel

altamente relevante no atual modelo de constitucionalismo que adotamos O

problema do ideaacuterio neoconstitucional eacute pretender constitucionalizar o direito a

qualquer custo

Embora natildeo se concorde com suas premissas teoacutericas e suas conclusotildees

Elival da Silva Ramos tambeacutem coloca o neoconstitucionalismo como fator propulsor

do Ativismo Judicial no Brasil Segundo ele este movimento teoacuterico sofre de fortes

fragilidades teoreacuteticas (RAMOS 2010 p 279) (talvez pela diversidade de

concepccedilotildees que abarca) e abre a possibilidade para o moralismo (subjetivismo

axioloacutegico) e para o realismo juriacutedico atraveacutes do que ele chama de

ldquoprincipiologizaccedilatildeo do direito constitucionalrdquo (RAMOS 2010 p 283-286)

Humberto Aacutevila (2009) tambeacutem em tom criacutetico afirma que o

neoconstitucionalismo nem sequer deveria ter sido incorporado no Brasil haja vista

que seus pressupostos teoacutericos natildeo se coadunam com o texto constitucional

brasileiro Assim aduz que ldquonada eacute mais premente do que rever a aplicaccedilatildeo desse

movimentordquo

Enfim a hipertrofia da funccedilatildeo simboacutelica da Constituiccedilatildeo marcada de um

lado pela ausecircncia de concretizaccedilatildeo generalizada de seus dispositivos e de outro

pelo desgaste poliacutetico que nem o sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica

consegue ldquosegurarrdquo causou uma irresponsaacutevel hipertrofia da atuaccedilatildeo do Poder

Judiciaacuterio Este excesso como aventado eacute observado na ingenuidade metodoloacutegica

e na acircnsia por concretizaccedilatildeo decorrentes do neoconstitucionalismo21 Pode-se

identificar esta situaccedilatildeo no sistema como um todo Contudo como se demonstraraacute a

seguir ela eacute especialmente problemaacutetica e danosa quando se trata da concretizaccedilatildeo

dos direitos fundamentais sociais pelo Judiciaacuterio

21 Haacute ainda uma criacutetica importante ao neoconstitucionalismo aduzidas por Lenio Streck O primeiro afirma que o movimento teoacuterico natildeo ultrapassou o positivismo juriacutedico por natildeo conseguir lidar de forma adequada com a discricionariedade judicial (STRECK 2011p 9-27)

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4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL

DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA22

O presente item tem a intenccedilatildeo de mostrar a especificidade do Ativismo

Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais Como referido nos itens

anteriores entende-se Ativismo a partir de uma concepccedilatildeo mais teoacuterica relacionada

com o grau de controle epistecircmico da criatividade judicial no momento da decisatildeo O

niacutevel maior ou menor de Ativismo causaraacute uma maior ou menor perda de autonomia

do sistema juriacutedico Ainda conforme o que se aventou anteriormente entende-se

que o Ativismo no Brasil foi causado pela incorporaccedilatildeo do neoconstitucionalismo e

seu ideaacuterio concretista ingecircnuo ainda que este movimento tenha representado

importante momento na histoacuterica constitucional recente

Como jaacute referido no item 2 os direitos sociais consubstanciam direitos a

prestaccedilotildees estatais Satildeo nas palavras de Robert Alexy direitos a prestaccedilatildeo em

sentido estrito Aqueles que ldquose o particular dispusesse de recursos financeiros

suficientes e se houvesse uma oferta no mercado poderia tambeacutem obter de

particularesrdquo (ALEXY 2009 p 499) Direitos sociais satildeo por exemplo direito agrave

sauacutede educaccedilatildeo previdecircncia moradia etc Em acircmbito normativo o art 6ordm da

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute responsaacutevel por positivaacute-los

Ainda segundo Alexy (ALEXY 2009 p 499) existem grandes polecircmicas em

relaccedilatildeo aos direitos a prestaccedilatildeo Para o autor estas polecircmicas satildeo marcadas

por uma profunda divergecircncia de opiniotildees acerca da natureza e da funccedilatildeo do Estado do Direito e da Constituiccedilatildeo ndash e tambeacutem dos direitos fundamentais ndash bem como acerca da percepccedilatildeo da atual situaccedilatildeo da sociedade Visto que essa polecircmica se relaciona entre outros a problemas distributivos seu ldquocaraacuteter politicamente explosivordquo eacute facilmente compreensiacutevel Em quase nenhuma aacuterea a conexatildeo entre o efeito juriacutedico e as valoraccedilotildees praacuteticas gerais ou poliacuteticas eacute tatildeo clara em quase nenhum campo a polecircmica eacute tatildeo tenaz

22 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011 (texto ineacutedito cedido pelo autor)

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Natildeo haacute como discordar de tal colocaccedilatildeo Os direitos a prestaccedilotildees em sentido amplo e os direitos sociais especificamente causam grande ldquorebuliccedilordquo tanto na aacuterea acadecircmica quanto na arena jurisdicional e ainda no dia-a-dia do cidadatildeo Esses direitos tem uma relaccedilatildeo muito proacutexima com as condiccedilotildees de vida do cidadatildeo e por isso mesmo a concretizaccedilatildeo ou natildeo deles eacute sentida muito de perto Enfim o as valoraccedilotildees poliacuteticas e praacuteticas gerais satildeo bem claras

No Brasil o simbolismo constitucional eacute particularmente visiacutevel nesta aacuterea Embora seja possiacutevel perceber alguma mudanccedila nos uacuteltimos anos as estatiacutesticas de desenvolvimento social ainda demonstram que o Estado ainda deixa muito a desejar Na medida em que esses direitos satildeo prioritariamente realizados mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute possiacutevel dizer que os poderes representativos vecircm falhando na sua implementaccedilatildeo

Neste contexto e sob o influxo do neoconstitucionalismo passou a fazer parte da retoacuterica doutrinaacuteria e da praacutetica judicial brasileira a possibilidade e necessidade de interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta ceara

Vem se entendendo que as decisotildees quanto ao cumprimento dos direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas natildeo estatildeo em agrave disposiccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica mas decorrem imediatamente da normatividade constitucional e por isso podem e devem ser controladas pelo Poder Judiciaacuterio (KRELL 2002 p 100) Afirma-se que a funccedilatildeo da poliacutetica puacuteblica eacute diferenciar e definir as formas adequadas de distribuiccedilatildeo de recursos disponiacuteveis Quando os oacutergatildeos prioritariamente responsaacuteveis falham os juiacutezes e tribunais tecircm a funccedilatildeo de correccedilatildeo (KRELL 2002 p 101) Este raciociacutenio estaacute embasado na ideia de que os direitos sociais natildeo podem ficar a mercecirc da ineacutercia legislativa ou de uma momentacircnea ou crocircnica ausecircncia de fundos (KRELL 2002 p 102)

Ana Paula Barcellos afirma que o nosso sistema constitucional escolheu a democracia como modelo de governo e por isso o debate democraacutetico deve ser a regra para direccedilatildeo do paiacutes Segundo a autora a definiccedilatildeo de como os recursos puacuteblicos seratildeo empregados para a efetivaccedilatildeo de direitos sociais mediante poliacuteticas puacuteblicas eacute um espaccedilo privilegiado para o debate democraacutetico Contudo estaacute deliberaccedilatildeo natildeo estaria livre de condicionantes constitucionais Afirma a autor carioca

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Se a Constituiccedilatildeo conteacutem normas nas quais estabeleceu fins puacuteblicos prioritaacuterios e se tais disposiccedilotildees satildeo normas juriacutedicas dotadas de superioridade hieraacuterquica e de centralidade no sistema natildeo haveria sentido em concluir que a atividade de definiccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas ndash que iraacute ou natildeo realizar esses fins ndash deve estar totalmente infensa ao controle juriacutedico Em suma natildeo se trata da absorccedilatildeo do poliacutetico pelo juriacutedico mas apenas da limitaccedilatildeo do primeiro pelo segundo (BARCELLOS 2005 p 96)

Na mesma toada Flaacutevia Piovesan informa que a justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais estaria assegurada pela claacuteusula da maacutexima efetividade das normas constitucionais claacuteusula esta que assume especial relevacircncia no que toca os direitos fundamentais (sociais) Aleacutem disso a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio nesta aacuterea natildeo poderia deixar de acontecer por causa do disposto no inciso XXXV do art 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal que positiva a regra da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo (PIOVESAN 2006 p 7)

No que diz respeito especificamente ao direito agrave sauacutede ndash certamente o que gera maiores polecircmicas quando o tema eacute judicializaccedilatildeo dos direitos sociais ndash a interferecircncia do Poder Judiciaacuterio estaria fundamentada na imperiosa proteccedilatildeo ao direito agrave vida A ponderaccedilatildeo neste caso sempre deveria fazer prevalecer este direto fundamental Atuando desta forma o Judiciaacuterio estaria rompendo com uma concepccedilatildeo formalista e procedimental de direito (PIOVESAN 2006 p 12) Aleacutem disso a justiciabilidade dos direitos sociais seria capaz de causar uma transformaccedilatildeo emancipadora da sociedade rompendo com posturas conservadoras (PIOVESAN 2006 p 13)

Todas essas concepccedilotildees tem em comum a criacutetica agrave reserva do possiacutevel A reserva do possiacutevel nada mais eacute do que uma estrutura analiacutetica que pretende passar para o mundo do direito as inevitaacuteveis limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias presentes na execuccedilatildeo de qualquer poliacutetica puacuteblica Pode-se falar em reserva do possiacutevel faacutetica e juriacutedica A primeira ldquodiz respeito agrave efetiva disponibilidade dos recursos econocircmicos necessaacuterios agrave satisfaccedilatildeo do direito prestacionalrdquo enquanto a segunda ldquorelaciona-se agrave existecircncia de autorizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para o Estado incorrer nos respectivos custosrdquo (SARMENTO 2010 p 197)

Para Andreas Krell (2002 p 51-59) o argumento da reserva do possiacutevel eacute uma falaacutecia e trata-se de uma maacute incorporaccedilatildeo de categoria do direito comparado ao Brasil Afirma que o Executivo natildeo pode fazer escolhas entre atender uns ou outros

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

cidadatildeos tendo como base as limitaccedilotildees orccedilamentaacuterias disponiacuteveis Especialmente no que diz respeito ao direito agrave sauacutede esses recursos segundo o autor devem se for o caso de inexistecircncia ser retirados de outros setores como transporte fomento econocircmico e serviccedilo de diacutevida Encerra afirmando que a escolha do que eacute possiacutevel ou natildeo com base no orccedilamento tem que ser revista (KRELL 2002 p 53) Lembrando que a escolha hoje eacute dos oacutergatildeos representativos o autor deseja fundamentar a possibilidade desta escolha pelo Poder Judiciaacuterio

Dirley da Cunha Juacutenior tambeacutem se coloca de forma contraacuteria agrave claacuteusula da reserva do possiacutevel Aduz que a construccedilatildeo conceitual se deu na Alemanha paiacutes que vive condiccedilatildeo de desenvolvimento muito distinta da brasileira e por isso natildeo se deve absorve de logo suas construccedilotildees doutrinaacuterias Resume o seu pensamento na seguinte passagem

Num Estado em que o povo carece de um padratildeo miacutenimo de prestaccedilotildees sociais para sobreviver onde pululam cada vez mais cidadatildeos socialmente excluiacutedos e onde quase meio milhatildeo de crianccedilas satildeo expostas ao trabalho escravo enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que natildeo lhes garante a miacutenima dignidade os direitos sociais natildeo podem ficar refeacutens de condicionamentos do tipo reserva do possiacutevel Natildeo se trata de desconsiderar que o Direito natildeo tem a capacidade de gerar recursos materiais para sua efetivaccedilatildeo Tampouco negar que apenas se pode buscar algo onde este algo existe Natildeo eacute este o caso pois aquele ldquoalgordquo existe e sempre existiraacute soacute que natildeo se encontra ndash este sim eacute o caso ndash devidamente distribuiacutedo Cuida-se aqui de se permitir ao Poder Judiciaacuterio na atividade de controle das omissotildees do poder puacuteblico determinar uma redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos existentes retirando-os de outras aacutereas (fomento econocircmico a empresas concessionaacuterias ou permissionaacuterias mal administradas serviccedilo da diacutevida mordomias no tratamento de certas autoridades poliacuteticas como jatinhos palaacutecios residenciais festas pomposas seguranccedilas desnecessaacuterios carros de luxo blindados comitivas desnecessaacuterias em viagens internacionais pagamento de diaacuterias excessivas manutenccedilatildeo de mordomias a ex-Presidentes da Repuacuteblica gasto em publicidade etc) para destinaacute-los ao atendimento das necessidades vitais do homem dotando-o das condiccedilotildees miacutenimas de existecircncia (CUNHA JUacuteNIOR 2008 p 713)

Flaacutevia Piovesan caminha em sentido proacuteximo ao afirmar que a efetividade da Constituiccedilatildeo natildeo estaacute condicionada ao orccedilamento puacuteblico mas ao contraacuterio eacute o orccedilamento que ldquoa partir da preferecircncia constitucional que se deu aos direitos fundamentais merecem reformulaccedilatildeo caso os recursos financeiros sejam escassos agrave cobertura geral da demanda financeira do Estadordquo (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Assim o legislador (e o administrador) natildeo teria liberdade de conformaccedilatildeo

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quando o assunto eacute a ldquodevidardquo alocaccedilatildeo de recursos para satisfaccedilatildeo dos direitos sociais (PIOVESAN VIEIRA 2006 p 9) Entende-se por este argumento que o Judiciaacuterio estaacute apto a ldquopassar por cima das deliberaccedilotildeesrdquo dos poderes representativos

Natildeo obstante a importacircncia das contribuiccedilotildees dos citados autores e o peso que seus argumentos possuem entende-se que estatildeo equivocados Apesar dos posicionamentos serem altamente bem intencionados parece que pecam pelo otimismo e acircnsia concretista estimulada pelo neoconstitucionalismo

Flaacutevio Galdino faz interessante anaacutelise desta forma de posicionamento doutrinaacuterio Assevera o autor a partir do estudo da evoluccedilatildeo doutrinaacuteria a respeito dos custos dos direitos e sua relaccedilatildeo com a proteccedilatildeo jurisdicional que este tipo de raciociacutenio pode ser classificado como ldquomodelo teoacuterico da utopiardquo Neste sentido as prestaccedilotildees puacuteblicas natildeo possuem limites Afirma o autor que natildeo se daacute a correta compreensatildeo da diferenccedila entre as prestaccedilotildees positivas e negativas na medida em que nega-se qualquer relevacircncia a ela Para esta concepccedilatildeo os recursos natildeo faltam sendo irrelevante a distinccedilatildeo (GALDINO 2005 p 186-187)

Ainda com base no pensamento de Galdino pode-se dizer que as concepccedilotildees acima aventadas assumem ainda que implicitamente os custos e disponibilidades orccedilamentaacuterias e financeiras como algo externo agrave noccedilatildeo de direito subjetivo Ou seja natildeo se analisa a possibilidade real de efetivaccedilatildeo Em siacutentese ldquoo conceito e a eficaacutecia dos direitos subjetivos especificamente considerados [] satildeo analisados em vista dos textos normativos sem qualquer consideraccedilatildeo concernente agraves possibilidades de reais efetivaccedilatildeordquo (GALDINO 2005 p 187-188)

O posicionamento do autor complementa o que se disse acima sobre a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica e o ativismo judicial haacute uma hipertrofia na consideraccedilatildeo e anaacutelise do texto sem que tenha a devida atenccedilatildeo para com as possibilidades reais de concretizaccedilatildeo servindo-se de modelos ingecircnuos O aparato metodoloacutegico defendido pelos autores eacute portanto inadequado para lidar com consistecircncia e consciecircncia a problemaacutetica em questatildeo

Repetiu-se vaacuterias vezes que o Judiciaacuterio tem um papel importantiacutessimo na concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Contudo eacute preciso separar o joio do trigo Defender uma posiccedilatildeo ldquoativardquo do Judiciaacuterio na implementaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo natildeo conduz Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 476

Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

imediatamente agrave defesa do Ativismo Judicial Este ocorre quando se vale de mecanismos interpretativos e aparatos dogmaacuteticos indevidos que acabam por sobrevalorizar a discricionariedade e a obscurecer fatores importantes que devem ser analisados A forma como a doutrina vem defendendo a concretizaccedilatildeo e os juiacutezes e tribunais decidindo acerca dos direitos sociais parece equivocada e ativista por alguns motivos

Em primeiro lugar desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o Poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Uma atuaccedilatildeo neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Depois da publicaccedilatildeo do livro de Stephen Holmes e Cass Sustein (The cost

of rights why liberty depends on texes) se tornou (ou deveria ter se tornado) lugar comum a ideia de que todos os direitos tecircm custos E isto eacute assim porque todo os direitos pressupotildee gastos mesmo aqueles que satildeo tradicionalmente chamados de direitos fundamentais negativos na medida em que sua fiscalizaccedilatildeo e salvaguarda contra violaccedilotildees exigem a existecircncia um oacutergatildeo responsaacutevel (AMARAL 2010 p 39)

Atrelada agrave ideia de custo estaacute a ideia de escassez Os recursos do mundo satildeo escassos e precisam ser distribuiacutedos As disponibilidades orccedilamentaacuterias (recursos) satildeo finitas e por isso mesmo satildeo finitas as possibilidades de atendimento agraves demandas Como afirma Gustavo Amaral com esteio em Holmes e Sustein

severas restriccedilotildees orccedilamentaacuterias implicam que algumas viacutetimas potenciais de maus-tratos tornem-se viacutetimas efeitvas e o Estado teraacute feito pouco ou nada a respeito Isso eacute deploraacutevel mas num mundo imperfeito de recursos

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limitados isto eacute tambeacutem inevitaacutevel Levar os direitos a seacuterio significa tambeacutem levar a escassez a seacuterio (AMARAL 2010 p 42)

Neste sentido fica evidente que qualquer resquiacutecio de ideia de direitos absolutos deve ser deletado Nada que exija a alocaccedilatildeo de recursos ou seja gastos monetaacuterios e decisotildees orccedilamentaacuterias pode ser absoluto Os direitos mesmos os fundamentais natildeo satildeo inviolaacuteveis peremptoacuterios e decisivos Estatildeo sujeitos a relativizaccedilotildees e processos de escolha alocativa (AMARAL 2010 p 42) A decisatildeo alocativa (uma ldquoescolha traacutegicardquo) eacute fruto da finitude dos recursos disponiacuteveis para a satisfaccedilatildeo dos direitos Possuem caraacuteter disjuntivo porque ao optar-se por uma satisfaccedilatildeo repudia-se a outra

Tal como feito acima Gustavo Amaral critica a doutrina constitucional preocupada com a concretizaccedilatildeo das normas constitucionais por natildeo levar em conta as questotildees alocativas Aduz que ldquoa nota central parece ser um otimismo positivista em que a inserccedilatildeo no campo do direito positivo afasta conjecturas sobre possibilidades faacuteticasrdquo Afirma ainda que os mesmo autores costumam admitir a existecircncia de limites reais mas simplesmente natildeo aprofundam o tema ou passam por cima dele sem grandes preocupaccedilotildees (AMARAL 2010 p 98) Eacute o caso dos autores citados e de uma vasta gama de outros autores brasileiros23

Nesta toada parece altamente proveitosa a proposta de Flaacutevio Galdino de inserir a noccedilatildeo de custos dos direitos na proacutepria ideia de direito subjetivo Defende o autor que os custos natildeo devem ser vistos como oacutebices agrave concretizaccedilatildeo de direitos mas pressupostos de realizaccedilatildeo Como natildeo se realizam direitos de fato sem a disponibilidade de recursos nada mais aconselhaacutevel do que condicionar a proacutepria existecircncia do direito agrave existecircncia de meios reais e possiacuteveis de implementaccedilatildeo Assim soacute se pode realmente falar que uma pessoa tem um direito a algo depois de verificada a possibilidade faacutetica de sua consecuccedilatildeo (GALDINO 2005 p 336-345)

Um leitor deste artigo poderia acusar seu autor de querer submeter a loacutegica juriacutedica agrave loacutegica econocircmica Nada mais distante da realidade Pelo que foi dito ateacute

23 ldquoQuem pretenda imaginar que satildeo imediatamente passiacuteveis de fruiccedilatildeo por todos os brasileiros ndash como direitos subjetivos tradicionais ndash as normas previstas na Constituiccedilatildeo Federal brasileira [] haveraacute de verificar que a Constituiccedilatildeo seja permitida a expressatildeo eacute proacutedigardquo (GALDINO 2005 p 337)

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aqui deve ter ficado claro que natildeo se subscreve com a defesa de interferecircncias indevidas e excessivas de um sistema social em outro Este tipo de interferecircncia eacute inclusive uma das facetas do que se entende por Ativismo Judicial

O que se defende eacute que se pare de ignorar uma realidade A doutrina e a jurisprudecircncia natildeo podem continuar acreditando que ldquodireitos nascem em aacutervoresrdquo Defender a hipertrofia da norma com a sobrevalorizaccedilatildeo da realidade para superar a hipertrofia do simbolismo constitucional eacute absurdo Paradoxalmente os autores que natildeo levam em conta os custos dos direitos nas suas anaacutelises e defesas da concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo satildeo os que mais deixam a loacutegica econocircmica afetar o direito justamente por ignorar esta realidade

Ainda depois de tudo o que se disse um defensor mais aguerrido da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais (Ativismo em verdade) poderia dizer que insistir na possibilidade de alocaccedilatildeo pelo Judiciaacuterio Parece contudo que esta natildeo eacute a posiccedilatildeo mais adequada

Como se disse a alocaccedilatildeo de recursos escassos exige escolhas traacutegicas Essas escolhas tem um niacutetido caraacuteter poliacutetico por causa da amplitude e complexidade que demandam Possibilitar ao Judiciaacuterio se avocar a ldquoalocadorrdquo de recursos eacute dizer ameacutem agrave sua politizaccedilatildeo e assim ao Ativismo Judicial Aleacutem disso eacute preciso ter em mente que as capacidades institucionais dos membros do Judiciaacuterio natildeo contribuem para uma tal defesa

Daniel Sarmento (2012 p 208) resume com precisatildeo

A realizaccedilatildeo dos direitos sociais pelo Estado daacute-se atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas cuja elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo dependem para o seu ecircxito do emprego de conhecimentos especiacuteficos Os poderes Executivo e Legislativo (mais o primeiro do que o segundo) possuem em seus quadros pessoas com a necessaacuteria formaccedilatildeo especializada para assessoraacute-los na tomada das complexas decisotildees requeridas nesta aacuterea que frequumlentemente envolvem aspectos teacutecnicos econocircmicos e poliacuteticos diversificados O mesmo natildeo ocorre no Judiciaacuterio Os juiacutezes natildeo tecircm em regra tais conhecimentos especializados necessaacuterios nem contam com uma estrutura de apoio adequada para avaliaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas o que se torna um elemento complicador no debate sobre a tutela judicial dos referidos direitos

A desconfianccedila que os brasileiros tecircm em relaccedilatildeo aos seus poliacuteticos natildeo pode servir de justificativa para legitimar a atuaccedilatildeo de um oacutergatildeo tecnicamente

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despreparado para lidar com a complexidade que eacute a distribuiccedilatildeo de recursos aptos a satisfazer os direitos fundamentais sociais Este tipo de decisatildeo exige a construccedilatildeo de uma ideia de conjunto algo quase impossiacutevel dentro de um processo judicial (ao menos em demandas individuais ndash que constituem a maioria nos casos de judicializaccedilatildeo de direitos sociais)

Esta questatildeo liga-se com a seguinte a tendecircncia natural de resoluccedilatildeo de demandas individualizadas O sistema processual e a proacutepria formaccedilatildeo do julgador tende a se preocupar muito mais com demandas individuais do que com demandas coletivas E infelizmente a maioria das demandas que pedem ao judiciaacuterio a concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais sociais por meio de realocaccedilatildeo de recursos tecircm sido demandas individuais Este fator gera um problema seriacutessimo de estruturaccedilatildeo do sistema como um todo

O Judiciaacuterio acaba por tentar resolver com o aval da doutrina problemas que satildeo essencialmente de macrojusticcedila com mecanismo de microjusticcedila (AMARAL 2010 p 96-97) Costuma-se natildeo levar isso muito em conta porque afinal o que eacute uma decisatildeo alocativa em comparaccedilatildeo com os milhotildees disponiacuteveis Contudo essas demandas individuais tem tendecircncia de massificaccedilatildeo Como afirma Onofre Alves Batista Juacutenior a ldquomassificaccedilatildeo dessas demandas e a multiplicaccedilatildeo de pleitos pode ocasionar a completa desarticulaccedilatildeo financeira do Estadordquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291) Assim ldquoo caminho das demandas individuais mostra-se arriscado e inadequado para a implementaccedilatildeo de direitos sociais pela possibilidade de desarticulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas e pelos riscos que impotildee a uma perspectiva de atendimento isonocircmico das necessidades da coletividaderdquo (BATISTA JUacuteNIOR 2011 p 291)

Estaacute-se diante de um novo paradoxo o Judiciaacuterio atuando com a boa intenccedilatildeo de preservar um suposto miacutenimo existencial de um sujeito que ajuiacuteza uma demanda individual acaba por violar outros ldquomiacutenimos existenciaisrdquo por natildeo ter a capacidade teacutecnica ou conhecimento amplo o suficiente para entender e conhecer as poliacuteticas puacuteblicas de fato existentes

Eis aqui um dos maiores problemas do Ativismo Judicial as interferecircncias sistecircmicas Como afirma Luiacutes Roberto Barroso

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o risco de efeitos sistecircmicos imprevisiacuteveis e indesejados pode recomendar em certos casos uma posiccedilatildeo de cautela e deferecircncia por parte do Judiciaacuterio O juiz por vocaccedilatildeo e treinamento normalmente estaraacute preparado para realizar a justiccedila do caso concreto a microjusticcedila Ele nem sempre dispotildee das informaccedilotildees do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisotildees proferidas em processos individuais sobre a realidade de um segmento econocircmico ou sobre a prestaccedilatildeo de um serviccedilo puacuteblico (BARROSO 2011 p 287)

Todos os argumentos aqui levantados conduzem para a perda de autonomia dos sistemas faceta do Ativismo Judicial Seja por interferecircncia excessiva no sistema poliacutetico seja por interferecircncia excessiva no sistema econocircmico ou mesmo interferecircncia nos dois sistemas ao mesmo tempo o Ativismo Judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais contribui para a incapacidade do sistema de se autorreproduzir autonomamente Aleacutem disso a interferecircncia nesses sistemas acaba por exigir que o proacuteprio sistema juriacutedico se valha de criteacuterios e racionalidades proacuteprios do sistema interferido o que causa uma perda de autonomia tambeacutem do sistema juriacutedico

A espeacutecie de Ativismo aqui critica acaba por realizar um deslocamento do sentido positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica para o Poder Judiciaacuterio Ou seja a funccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica deixa de ser dos poderes representativos e passa a ser do Judiciaacuterio Essas decisotildees pontuais (ou nem tatildeo pontuais) tomadas atraveacutes de mecanismos interpretativos inviaacuteveis ndash ou seja em desarmonia com a autonomia do direito e perpetradas sem uma atenccedilatildeo agrave integridade e coerecircncia do sistema juriacutedico ndash passam a impressatildeo de que a ordem constitucional ainda eacute legiacutetima e serve para guiar o futuro do Estado Nada obstante natildeo supera de fato a constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica por atuar em acircmbitos individualizados Salvaguardam o sentido ideoloacutegico da constitucionalizaccedilatildeo sem contudo realmente concretizaacute-la de forma generalizada

Como aduz Waacutelber Araujo Carneiro

As mudanccedilas percebidas no modo como tribunais e juiacutezes veem a constituiccedilatildeo e suas possibilidades de concretizaccedilatildeo representam em verdade o deslocamento da funccedilatildeo positiva da ldquoconstitucionalizaccedilatildeo simboacutelicardquo Se a funccedilatildeo negativa () deixa de ser sustentaacutevel a funccedilatildeo positiva acabou sendo deslocada para o Judiciaacuterio uma vez que as intervenccedilotildees deste uacuteltimo (tal qual a do Constituinte) natildeo resultaratildeo em uma real e universal concretizaccedilatildeo da norma constitucional Tais intervenccedilotildees se datildeo na maioria das vezes no acircmbito de microjusticcedila () mas natildeo

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encontram respaldo poliacutetico no acircmbito de uma macrojusticcedila (CARNEIRO 2009 p 6)

Afirma-se portanto que a forma como vem se lidando com a questatildeo da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais eacute equivocada e Ativista e por isso mesmo ilegiacutetima

5 CONCLUSOtildeES

Afirmou-se no iniacutecio e em diversas passagens que a posiccedilatildeo deste trabalho eacute de que haacute sim um papel fundamental e ativo do Poder Judiciaacuterio da Concretizaccedilatildeo de direitos fundamentais Afirma-se agora que esse papel existe tambeacutem quando o tema eacute direitos fundamentais sociais

O constitucionalismo contemporacircneo colocou novas questotildees agrave teoria do direito e agrave teoria do direito constitucional A principal delas eacute a normatividade da Constituiccedilatildeo e de todos os seus dispositivos inclusive os que positivam os direitos sociais Nesse cenaacuterio o Judiciaacuterio assume papel importantiacutessimo

A percepccedilatildeo de que o Estado natildeo vinha conseguindo concretizar de forma generalizada os preceitos constitucionais (constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica em sentido negativo) acabou fazendo com que o Brasil recepcionasse um movimento teoacuterico intitulado neoconstitucionalismo Este movimento acaba por sobrecarregar a discricionariedade judicial e estimula a criaccedilatildeo de aparatos dogmaacuteticos e metodoloacutegicos ingecircnuos movidos por uma acircnsia concretista tambeacutem ingecircnua

Este cenaacuterio eacute propiacutecio para o surgimento do Ativismo Judicial no Brasil entendido aqui como atuaccedilatildeo discricionaacuteria do julgador movido por mecanismo interpretativos que natildeo lidam suficientemente bem com a criatividade judicial Esta situaccedilatildeo nunca seraacute totalmente impedida mas pode-se falar em niacuteveis de Ativismo O Ativismo em complemento eacute marcado pela perda de autonomia do sistema juriacutedico para os demais sistemas sociais

O lugar por excelecircncia para observaccedilatildeo deste fenocircmeno eacute o da judicializaccedilatildeo dos direitos sociais Tem-se utilizado cada vez mais de mecanismo que ignoram fatores que natildeo podem ser ignorados e acredita-se (ingenuamente) na

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possibilidade de ser o Judiciaacuterio um oacutergatildeo adequado para realizaccedilatildeo de alocaccedilotildees de recursos escassos

Discorda-se deste posicionamento porque em primeiro lugar ele desconsidera de fato a existecircncia de custos dos direitos e a necessaacuteria limitaccedilatildeo e conceituaccedilatildeo dos direitos subjetivos tendo em mente esses custos Em segundo lugar o Judiciaacuterio natildeo eacute o poder mais adequado para decidir sobre alocaccedilatildeo de recursos Um atuar neste sentido coloca uma carga poliacutetica demasiadamente alta neste Poder o que abre as portas para o Ativismo Judicial e para a perda de autonomia dos sistemas sociais (juriacutedico poliacutetico e econocircmico) Aleacutem disso o Judiciaacuterio natildeo se encontra devidamente aparelhado para lidar com esse tipo de demanda seja por falta de aparatos e conhecimentos teacutecnicos seja pela proacutepria estrutura principal do Judiciaacuterio atender demandas individuais Todos esses fatores induzem para interferecircncias sistecircmicas que natildeo satildeo imediatamente percebidas e ficam obscurecidas pela aprovaccedilatildeo que as decisotildees concessivas de direitos sociais acabam recebendo do puacuteblico

Enfim critica-se o Ativismo sem abrir matildeo de algum niacutevel de judicializaccedilatildeo Judicializaccedilatildeo esta que natildeo pode se dar atraveacutes do aparato neoconstitucionalista Natildeo se pretende desmerecer por completo a importacircncia que o neoconstitucionalismo teve e tem para o direito constitucional brasileiro Longe disso Se hoje tem-se mais Constituiccedilatildeo e constitucionalismo do que tiacutenhamos em 1988 (ADEODATO 2009 p 147) um dos grandes responsaacuteveis eacute este movimento teoacuterico-ideoloacutegico Contudo eacute chegada a hora de se realizar uma parada teoacuterica para que se possadefender a Constituiccedilatildeo com mais serenidade e coerecircncia A defesa da Constituiccedilatildeo natildeo pode significar um agir irresponsaacutevel na sua concretizaccedilatildeo ainda que esta irresponsabilidade seja camuflada por aparatos teoacutericos e metodoloacutegicos convincentes24

24 ldquonatildeo se deve idealizar que a concretizaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo por intermeacutedio da jurisdiccedilatildeo constitucional seja panaceia para resolver problemas brasileiros de ordem inteiramente distinta tais como educaccedilatildeo previdecircncia fome e violecircncia Do mesmo modo que a constitucionalizaccedilatildeo de opccedilotildees generalizadas ou seja construir novos e novos texto constitucionais por intermeacutedio de emendas e outros meios legiferantes tampouco o eacute Eacute ingecircnua essa visatildeo messiacircnica da jurisdiccedilatildeo constitucional e das competecircncias do legislativo pois o subdesenvolvimento brasileiro eacute fenocircmeno social de raiacutezes muito mais profundasrdquo (ADEODATO 2009 p 147)

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REFEREcircNCIAS

ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Adeus agrave separaccedilatildeo de poderes In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 155-165 2009 ADEODATO Joatildeo Mauriacutecio Limites agrave jurisdiccedilatildeo constitucional In ______ A retoacuterica constitucional Sobre toleracircncia direitos humanos e outros fundamentos eacuteticos do direito positivo Satildeo Paulo Saraiva p 139-154 2009 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduzido por Virgiacutelio Afonso da Silva 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 AMARAL Gustavo Direito escassez e escolha Criteacuterios juriacutedicos para lidar com a escassez de recursos e as decisotildees traacutegicas 2 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 AacuteVILA Humberto ldquoNeoconstitucionalismordquo entre a ldquociecircncia do direitordquo e o ldquodireito da ciecircnciardquo Revista Eletrocircnica de Direito do Estado (REDE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 17 janfevmar 2009 BARCELLOS Ana Paula Neoconstitucionalismo direitos fundamentais e controle das poliacuteticas puacuteblicas Revista de Direito Administrativo v 240 p 83-103 2005 BARROSO Luiacutes Roberto Judicializaccedilatildeo ativismo judicial e legitimidade democraacutetica In COUTINHO Jacinto Nelson de Miranda FRAGALE FILHO Roberto LOBAtildeO Ronaldo (Org) Constituiccedilatildeo amp ativismo judicial Limites e possibilidades da norma constitucional e da decisatildeo judicial Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 p 275-290 BARROSO Luis Roberto Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 BATISTA JUacuteNIOR Onofre Alves A construccedilatildeo democraacutetica das poliacuteticas puacuteblicas de atendimento dos direitos sociais com a participaccedilatildeo do Judiciaacuterio In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum 2011 p 271-309 BERCOVICI Gilberto MASSONETTO Luiacutes Fernando Os Direitos Sociais e as Constituiccedilotildees Democraacuteticas Brasileiras Breve Ensaio Histoacuterico In RUacuteBIO David Saacutenchez FLORES Joaquiacuten Herrera CARVALHO Salo de Direitos humanos e globalizaccedilatildeo fundamentos e possibilidades desde a teoria criacutetica 2ed Porto Alegre EDIPUCRS p 510-528 2010 BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis A jurisprudencializaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo A construccedilatildeo jurisdicional do Estado Democraacutetico de Direito ndash II In STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis (Org) Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica Vol 5 Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 448-487 484

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CANOTILHO J J Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 7 ed Coimbra Almedina 2011 CARNEIRO Waacutelber Araujo A dimensatildeo positiva dos direitos fundamentais a eacutetica e a teacutecnica entre o ceticismo descompromissado e o compromisso irresponsaacutevel In CUNHA JUacuteNIOR Dirley da DANTAS Miguel Calmon (Orgs) Desafios do Constitucionalismo Brasileiro Salvador JusPodivm p 313-328 2009 CARNEIRO Waacutelber Araujo As possibilidades do dirigismo constitucional brasileiro o desacoplamento entre as perspectivas funcional e epistecircmica na Teoria da Constituiccedilatildeo 2011(texto ineacutedito cedido pelo autor) CARNEIRO Waacutelber Araujo Hermenecircutica Juriacutedica Heterorreflexiva Uma teoria Dialoacutegica do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 CASALI BAHIA Saulo Joseacute O Pode Judiciaacuterio e a efetivaccedilatildeo dos Direitos Fundamentais In CUNHA JUacuteNIO Dirley da CALMON DANTAS Miguel Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 297-311 CUNHA JUacuteNIOR Dirley da Curso de Direito Constitucional Salvador JusPodivm 2008 DWORKIN Ronald O impeacuterio do direito 2 ed Traduzido por Jefferson Luiz Camargo Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 GADAMER Hans-Georg Esboccedilo dos fundamentos de uma hermenecircutica In GADAMER Hans-Georg FRUCHON Pierre (org) O problema da consciecircncia histoacuterica 3 ed Traduzido por Paulo Ceacutesar Duque Estrada Rio de Janeiro FGV p 55-71 2006 GALDINO Flaacutevio Introduccedilatildeo agrave teoria dos custos dos direitos Direitos natildeo nascem em aacutervores Rio de Janeiro Lumen Juris 2005 HESSE Konrad A forccedila normativa da Constituiccedilatildeo Trad Gilmar Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1991 KRELL Andreas J Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha Os (des)caminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 2002 LINHARES Joseacute Manual Aroso SILVESTRE Ana Carolina de Faria A Necessidade de (re)Pensar a Realizaccedilatildeo do Direito em Tempos de Protagonismo Judicial ndash Um Percurso Possiacutevel em Busca de uma Reflexatildeo Refundadora de um Novo Sentido Sequumlecircncia Estudos juriacutedicos e poliacuteticos vol 32 n 63 p 213-234 dez 2011 LOBAtildeO Ronaldo Curso de direito constitucional contemporacircneo os conceitos fundamentais e a construccedilatildeo do novo modelo 2ed Satildeo Paulo Saraiva 2010 LOBAtildeO Ronaldo Neoconstitucionalismo e Constitucionalizaccedilatildeo do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrocircnica sobre a reforma do Estado (RERE) Salvador Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico nordm 9 marabrmaio 2007 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008

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MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de Direito Constitucional 2 ed Satildeo Paulo Saraiva 2008 NEVES Marcelo A Constitucionalizaccedilatildeo Simboacutelica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 NEVES Marcelo Entre Tecircmis e Leviatatilde uma relaccedilatildeo difiacutecil O Estado Democraacutetico de Direito a partir e aleacutem de Luhmann e Habermas 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 NEVES Marcelo Transconstitucionalismo Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 NUNES Dierle Politizaccedilatildeo do judiciaacuterio no direito comparado algumas consideraccedilotildees In MACHADO Felipe CATTONI Marcelo (Coord) Constituiccedilatildeo e processo entre o direito e a poliacutetica Belo Horizonte Foacuterum p 31-49 2011 OLIVEIRA Rafael Tomaz de Decisatildeo judicial e o conceito de princiacutepio a hermenecircutica e a (in)determinaccedilatildeo do Direito Porto Alegre Livraria do Advogado 2008 PIOVESAN Flaacutevia VIEIRA Renato Stanziola Justiciabilidade dos direitos sociais e econocircmicos no Brasil desafios e perspectivas Revista Iberoamericana de Filosofiacutea Poliacutetica y Humanidades Antildeo 8 Nordm 15 Primer semestre de 2006 Disponiacutevel em lthttpwwwmprsgovbrdirhumdoutrinaid491htmgt Acesso em 28 mar 2013 RAMOS Elival da Silva Ativismo judicial paracircmetros dogmaacuteticos Satildeo Paulo Saraiva 2010 SARMENTO Daniel A proteccedilatildeo judicial dos direitos sociais alguns paracircmetros eacutetico-juriacutedicos In ______ Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 179-215 SARMENTO Daniel Constitucionalismo trajetoacuteria histoacuterica e dilemas contemporacircneos In LEITE George Salomatildeo SARLET Ingo Wolfgang Jurisdiccedilatildeo constitucional democracia e direitos fundamentais Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes Salvador JusPodivm 2012 p 87-124 SARMENTO Daniel O Neoconstitucionalismo no Brasil Riscos e possibilidades In SARMENTO Daniel Por um Constitucionalismo Inclusivo Histoacuteria Constitucional Brasileira Teoria da Constituiccedilatildeo e Direitos Fundamentais Rio de Janeiro Lumen Juris p 233-272 2010 SILVA NETO Manoel Jorge e Curso de Direito Constitucional 3 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 SILVA Joseacute Afonso da Aplicabilidade das normas constitucionais 8 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 SILVA Virgiacutelio Afonso da Direitos fundamentais conteuacutedo essencial restriccedilotildees e eficaacutecia 2 ed 2 tir Satildeo Paulo Malheiros 2011 SILVA Virgiacutelio Afonso da Interpretaccedilatildeo constitucional e sincretismo metodoloacutegico In SILVA Virgiacutelio Afonso da (Org) O conteuacutedo essencial dos direitos fundamentais e a eficaacutecia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado V 4 2006 p 23-51

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Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais

SOARES Ricardo Mauriacutecio Freire Hermenecircutica e interpretaccedilatildeo juriacutedica Satildeo Paulo Saraiva 2011 SOLIANO Vitor Ativismo Judicial no Brasil em busca de uma definiccedilatildeo 2013 Monografia (Especializaccedilatildeo em Direito Puacuteblico) ndash Instituto JusPodivm Salvador STRECK Lenio Luiz Contra o Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2011 n 4 janjun p 9-27 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica e decisatildeo juriacutedica questotildees epistemoloacutegicas In ______ STEIN Ernildo Hermenecircutica e epistemologia 50 anos de Verdade e Meacutetodo Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 p 153-172 STRECK Lenio Luiz Hermenecircutica juriacutedica e(m) crise uma exploraccedilatildeo hermenecircutica da construccedilatildeo do Direito 1999 STRECK Lenio Luiz Verdade e consenso Constituiccedilatildeo hermenecircutica e teorias discursivas 4 ed Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 STRECK Lenio Luiz BOLZAN DE MORAIS Joseacute Luis Ciecircncia poliacutetica e teoria do Estado 7 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 TAVARES Andreacute Ramos O juiz ativista concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais In TAVARES Andreacute Ramos Paradigmas do judicialismo constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2012 p 59-85 TEIXEIRA Anderson Vichinkeski Ativismo judicial nos limites entre racionalidade juriacutedica e decisatildeo poliacutetica Revista Direito GV v 8 janjun p 37-58 2012 VIEIRA Oscar Vilhena Supremocracia Revista Direito GV v 4 juldez p 441-459 2008

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Robson de Vargas

O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO1

THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE

Robson de Vargas2

Resumo Como aspecto de garantia do proacuteprio direito agrave vida buscou-se elucidar a

efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede a partir da questatildeo do fornecimento de medicamentos pelo Estado Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna Poreacutem como se sabe natildeo basta o reconhecimento formal desse direito sendo necessaacuterio investigar a sua efetividade E neste contexto insere-se a problemaacutetica em torno do dever por parte do Poder Puacuteblico em fornecer medicamentos aos cidadatildeos Diante disso a partir de uma leitura histoacuterica dos direitos fundamentais pretendeu-se analisar essa questatildeo visando compreender os limites e alcances em torno do direitodever agrave sauacutede identificando-se os principais valores e princiacutepios que orientam a sua realizaccedilatildeo

Palavras-chave Direitos fundamentais Direitos sociais Direito agrave sauacutede Fornecimento de medicamentos pelo Estado

Abstract As aspect of guaranteeing the right to life itself we sought to elucidate the

effectiveness of the right to health from the issue of drug supply in the State In the 1988 Federal Constitution the right to health is inserted between social rights par excellence as provided in art 6 ordm of the Constitution However as we know not just formal recognition of this right is necessary to investigate its effectiveness And in this context part of the problem is the duty on the part of the government to provide drugs to citizens Thus from a historical reading of fundamental rights we intended to examine this issue aiming to understand the limits and reach around the right duty to health identifying the core values and principles that guide its implementation

Keywords Fundamental rights social rights right to health supply of medicaments by the state

1 Artigo submetido em 29052013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 30072013 e 02082013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Mestrando em Ciecircncias Criminais ndash PUCRS Especialista em Direito Constitucional ndash UNESA Especialista em Ciecircncias Penais ndash PUCRS Professor na aacuterea de Direito Puacuteblico no Centro Universitaacuterio Estaacutecio de Saacute ndash Santa Catarina Advogado

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

INTRODUCcedilAtildeO

Os direitos fundamentais devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito e por isso devem ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados gerando tambeacutem eficaacutecia ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana Sendo assim constitui exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila inserindo-se neste contexto o direito agrave sauacutede

Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (CF) o direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da Carta Magna E uma das formas de preservar esse direito eacute atraveacutes da garantia do fornecimento de medicamentos agrave populaccedilatildeo Entretanto algumas questotildees precisam ser observadas como por exemplo que tipo de medicamentos o Estado estaacute obrigado a custear e quem se enquadra como beneficiaacuterio dessa prestaccedilatildeo Isso porque a limitaccedilatildeo de recursos por parte do poder puacuteblico inegavelmente leva a uma delimitaccedilatildeo dos casos que seratildeo atendidos bem como de quem se enquadra como destinataacuterio

Assim seraacute apresentada uma breve evoluccedilatildeo histoacuterica dos direitos fundamentais visando demonstrar que o direito agrave sauacutede como parte dos direitos sociais encontra-se inserido em uma ordem de valores subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Em seguida seraacute apresentada e enfrentada a problemaacutetica em torno do fornecimento de medicamentos o que se daraacute a partir de postulados doutrinaacuterios e jurisprudenciais de modo a permitir compreender a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na concretizaccedilatildeo desta prestaccedilatildeo bem como o alcance do princiacutepio da reserva do possiacutevel e a representaccedilatildeo do nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

1 EVOLUCcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O DIREITO Agrave SAUacuteDE

Tradicionalmente os direitos fundamentais satildeo dispostos em trecircs grandes dimensotildees ou geraccedilotildees sendo que foi a partir das bases ideoloacutegicas constitutivas da cidadania ndash que eacute fruto da construccedilatildeo da sociedade moderna pois o termo cidadatildeo sempre se referiu a homens livres ndash que se embasou um individualismo

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racionalista surgindo primeiramente os direitos normativo-subjetivos civis e poliacuteticos e mais tarde os direitos econocircmicos e sociais

A primeira dimensatildeo dos direitos fundamentais ligada a ideia de liberdade surgiu no seacuteculo XVIII mediante as declaraccedilotildees de direitos de 1776 (Declaraccedilatildeo de Virgiacutenia) e a Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 versando acerca dos direitos civis e poliacuteticos dos cidadatildeos em relaccedilatildeo ao Estado como forma de limitaccedilatildeo do poder estatal estando esses direitos relacionados ao desenvolvimento do Estado Moderno em sua primeira variante liberal

Essa primeira dimensatildeo tem por fundamento jusfilosoacutefico o pensamento iluminista que pregava limites agrave intervenccedilatildeo estatal em relaccedilatildeo agrave esfera de liberdades individuais dos cidadatildeos Enquadram-se nesta categoria os direitos agrave vida liberdade propriedade igualdade perante a lei e algumas garantias processuais

Jaacute a segunda dimensatildeo dos direitos fundamentais tem como marcos de referecircncia a Constituiccedilatildeo Mexicana (1917) e de Weimar (1919) e por influecircncia da revoluccedilatildeo Russa eacute denominada de direitos econocircmicos e sociais Os direitos de segunda dimensatildeo deveriam ser patrocinados pelo Estado atraveacutes de accedilotildees prestacionais positivas aspirando realizar o princiacutepio da dignidade da pessoa humana mitigado pelo Estado de Direito Liberal

Conforme esclarece Ingo Wolfgang Sarlet os direitos de segunda dimensatildeo natildeo satildeo de liberdade do e perante o Estado mas de liberdades por intermeacutedio do Estado sendo que caracterizam-se por conceder ao indiviacuteduo direitos a prestaccedilotildees sociais estatais como por exemplo assistecircncia social sauacutede educaccedilatildeo e trabalho Essa segunda dimensatildeo de direitos fundamentais sustenta a ideia de uma justiccedila distributiva (igualdade) visando proteger especialmente os pobres e pretendendo combater as desigualdades sociais (SARLET 2009 p 47)

Esta incorporaccedilatildeo dos direitos sociais ao discurso da cidadania foi o aporte para o surgimento do Estado de bem-estar social superando a visatildeo liberal-individualista proposto pela classe burguesa Desta forma mediante o surgimento da cidadania social o Welfare State busca suprir e conter os excessos individualistas do modelo liberal atraveacutes da intervenccedilatildeo Nessa perspectiva concede a passagem

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

da cidadania liberal para a cidadania social como uma natural decorrecircncia da insuficiecircncia do liberalismo econocircmico

Jaacute a terceira dimensatildeo dos direitos fundamentais eacute conhecida como a dimensatildeo dos direitos de fraternidade e de solidariedade por causa da titularidade dos direitos que transcende o homem-indiviacuteduo para alcanccedilar determinados grupos humanos como a famiacutelia os consumidores o povo a naccedilatildeo etc Eacute por isso que os direitos fundamentais de terceira dimensatildeo satildeo classificados em coletivos e difusos (o gecircnero humano eacute destinataacuterio de proteccedilatildeo) constando ainda a proteccedilatildeo ao meio ambiente ao desenvolvimento sustentaacutevel a qualidade de vida ao patrimocircnio comum da comunidade agrave paz agrave autoderminaccedilatildeo dos povos entre outros

Segundo lembra Sarlet no concernente a positivaccedilatildeo desses direitos de terceira dimensatildeo a maior parte deles natildeo encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional estando em fase de consagraccedilatildeo no acircmbito do direito internacional o que explica o grande nuacutemero de tratados e documentos transnacionais nesta seara (SARLET 2009 p 49)

Destaca-se ainda que entre alguns doutrinadores paacutetrios dentre eles Paulo Bonavides existe a aceitaccedilatildeo da ideia de uma quarta e ateacute quinta dimensatildeo dos direitos fundamentais Enquanto os de quarta dimensatildeo guardam relaccedilatildeo com o direito agrave democracia informaccedilatildeo e pluralismo os direitos de quinta dimensatildeo compreendem os direitos virtuais buscando-se proteger a honra e a imagem da pessoa humana frente aos meios de comunicaccedilatildeo eletrocircnica (BONAVIDES 1997 p 524-526)

Por fim eacute de se destacar que essa distinccedilatildeo das diversas dimensotildees que marcam a evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute estabelecida visando situar os diferentes momentos histoacutericos em que esses direitos foram surgindo especialmente como reivindicaccedilotildees acolhidas pelo ordenamento juriacutedico Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco a visatildeo dos direitos fundamentais em dimensotildees representa sua evoluccedilatildeo no tempo natildeo sendo correto deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade sendo que cada direito de cada dimensatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo desse quadro evolutivo (MENDES COELHO BRANCO 2009 p 268)

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11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988

O cataacutelogo de direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988 resultou de um amplo processo de discussotildees oportunizado com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutes apoacutes mais de duas deacutecadas de ditadura militar Conforme destaca Flaacutevia Piovesan eacute de se considerar a Carta de 1988 como um verdadeiro marco juriacutedico da transiccedilatildeo ao regime democraacutetico que por sua vez alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais colocando-se entre as Constituiccedilotildees mais avanccediladas do mundo no que diz respeito agrave mateacuteria (PIOVESAN 2006 p 2)

O proacuteprio preacircmbulo da Carta Magna realccedila um compromisso com os direitos fundamentais ao gravar que a sua promulgaccedilatildeo se baseava em um Estado Democraacutetico destinado a assegurar o exerciacutecio dos direitos sociais e individuais a liberdade a seguranccedila o bem-estar o desenvolvimento a igualdade e a justiccedila como valores supremos de uma sociedade

Ainda seguindo o magisteacuterio de Sarlet eacute possiacutevel afirmar que trecircs caracteriacutesticas podem ser atribuiacutedas a Constituiccedilatildeo de 1988 como extensivas ao tiacutetulo dos direitos fundamentais seu caraacuteter analiacutetico seu pluralismo e seu forte cunho programaacutetico e dirigente O cunho analiacutetico reflete-se no Tiacutetulo II ndash Dos Direitos e Garantias Fundamentais face o seu grande nuacutemero de dispositivos legais O caraacuteter pluralista eacute representado pela reuniatildeo de dispositivos reconhecendo um grande gama de direitos sociais ao lado dos direitos claacutessicos e de novos direitos Jaacute o caraacuteter programaacutetico resulta de um grande nuacutemero de disposiccedilotildees constitucionais dependentes de regulamentaccedilatildeo legislativa embora amenizado no concernente aos direitos fundamentais especialmente em face do art 5ordm sect 1ordm da CF (as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tecircm aplicaccedilatildeo imediata) (SARLET 2009 p 64)

Essa proteccedilatildeo conferida aos direitos fundamentais manifesta-se ainda com o reconhecimento da ldquogarantia de eternidaderdquo pelo fato de estarem resguardados como claacuteusulas peacutetreas conforme prevecirc o art 60 sect 4ordm da CF Eacute de se destacar o extenso rol de incisos do art 5ordm da Constituiccedilatildeo o qual contempla direitos fundamentais das diversas dimensotildees Dos arts 6ordm ao 11 da CF estatildeo estabelecidos os direitos sociais (que vinham sendo desde 1934 inseridos no

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Capiacutetulo da Ordem Econocircmica e Social) seguindo-se ainda o direito a nacionalidade e os direitos poliacuteticos Mas importa registro que o conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais reconhecido no art 5ordm sect 2ordm da CF assinala a existecircncia de outros direitos fundamentais em outros artigos da Constituiccedilatildeo inclusive em tratados internacionais

Os direitos fundamentais representam um verdadeiro sistema de direitos o qual se condiciona pelo princiacutepio da aplicabilidade imediata e espelham a concretizaccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana Por isso devem ser vistos como a base do ordenamento juriacutedico de um Estado de Direito merecendo ser ungidos de eficaacutecia e constantemente reafirmados

A dignidade da pessoa humana estaacute consubstanciada no respeito pela vida integridade fiacutesica e moral do ser humano em busca de condiccedilotildees miacutenimas para uma existecircncia digna A Constituiccedilatildeo de 1988 foi o primeiro ordenamento do constitucionalismo brasileiro a estabelecer um tiacutetulo proacuteprio aos Princiacutepios Fundamentais tendo sido tambeacutem a primeira a elevar a dignidade humana em niacutevel de princiacutepio fundamental Tais princiacutepios estatildeo prescritos no Tiacutetulo I da Magna Carta e catalogados em quatro artigos

E ao delinear o valor da dignidade da pessoa humana observa-se que esse princiacutepio assume importante funccedilatildeo demarcatoacuteria podendo servir de paracircmetro para avaliar qual o padratildeo miacutenimo em direitos fundamentais (mesmo como direitos subjetivos individuais) a ser reconhecido e preservado

E neste vieacutes mostra-se relevante a proteccedilatildeo judicial aos direitos fundamentais permitindo-se aos indiviacuteduos informar as violaccedilotildees aos seus direitos mas acima de tudo exigir que tais violaccedilotildees sejam evitadas ou saneadas Para Paulo Maacutercio Cruz a proteccedilatildeo judicial representa atualmente um elemento fundamental do sistema constitucional jaacute que faz parte da ordem constitucional o direito de todo indiviacuteduo recorrer aos tribunais para defender suas pretensotildees Segundo ele ldquoa aplicabilidade direta dos direitos e garantias fundamentais eacute a regra na quase totalidade dos paiacuteses do Ocidente e portanto sua proteccedilatildeo imediatardquo (CRUZ 2008 p 176)

Por fim eacute de se asseverar conforme ensina Branco que os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da garantia de posiccedilotildees individuais Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 488-506 493

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passando a alcanccedilar a estatura de normas que filtram os valores baacutesicos da sociedade irradiando-se para todo o direito positivo Com isso forma a base do ordenamento juriacutedico de um Estado Democraacutetico de Direito (MENDES COELHO 2009 p 300)

12 A sauacutede como direito fundamental

O direito agrave sauacutede eacute um dos mais amplos e completos direitos no aspecto das dimensotildees dos direitos fundamentais A Constituiccedilatildeo de 1988 foi a primeira a reconhecer o direito agrave sauacutede como direito fundamental de dimensatildeo social sendo que as Constituiccedilotildees de 1934 1937 e 1967 apenas referiam o direito agrave sauacutede na parte da distribuiccedilatildeo das competecircncias O legislador constituinte jaacute no art 3ordm da CF reconheceu como objetivos fundamentais da Repuacuteblica Federativa do Brasil a construccedilatildeo de uma sociedade solidaacuteria com a promoccedilatildeo do bem de todos a garantia do desenvolvimento nacional e a erradicaccedilatildeo da pobreza e de toda e qualquer forma de marginalizaccedilatildeo

O direito agrave sauacutede estaacute inserido entre os direitos sociais por excelecircncia previstos no art 6ordm da CF O proacuteprio texto constitucional trata do direito agrave sauacutede no Tiacutetulo VIII merecendo destaque o art 196 da CF que dispotildee ldquoa sauacutede eacute direito de todos e dever do Estado garantido mediante poliacuteticas sociais e econocircmicas que visem agrave reduccedilatildeo do risco de doenccedila e de outros agravos e ao acesso universal igualitaacuterio agraves accedilotildees e serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeordquo

Tambeacutem encontra fundamento no art 170 da CF (Dos Princiacutepios Gerais da Atividade Econocircmica) o qual estabelece como escopo da ordem econocircmica assegurar a todos uma existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social Jaacute o art 193 da CF destaca que a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiccedila social sendo a garantia do direito a sauacutede um dos principais instrumentos

No art 194 da CF restou definido que a seguridade social compreende um conjunto integrado de accedilotildees de iniciativa dos poderes puacuteblicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos agrave sauacutede agrave previdecircncia e agrave assistecircncia social tendo o paraacutegrafo uacutenico no seu inciso I definido como objetivo a

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

universalidade da cobertura e do atendimento e no inciso V a equidade na forma de participaccedilatildeo no conjunto integrado dessas accedilotildees

Cumpre registrar tambeacutem o caraacuteter prioritaacuterio agraves atividades preventivas para assegurar o direito agrave sauacutede conforme preceitua o art 198 inciso II da CF reconhecendo como uma das diretrizes do SUS - Sistema Uacutenico de Sauacutede o atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuiacutezo dos serviccedilos assistenciais

Pode-se reconhecer que os direitos sociais encontram-se inseridos em uma ordem de valor subjetiva e objetiva impondo-se que isso seja observado e concretizado pelo poder puacuteblico Como ensina Miguel Reale sob o prisma da dimensatildeo subjetiva representa a possibilidade de exigir-se de maneira garantida aquilo que as normas de direito atribuem a algueacutem como proacuteprio Trata-se do poder de exigir judicialmente o devido cumprimento do direito Jaacute a ordem de valor objetiva traduz a observacircncia de todos a esses direitos vinculando especialmente a atuaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos (REALE 2000 p 262)

Diante disso podemos reconhecer que a sauacutede eacute um dos principais direitos

fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a

adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem

estar de todos Poreacutem o direito agrave sauacutede dificilmente seraacute alcanccedilado de forma

absoluta e incondicional pelo Estado o que natildeo significa que o mesmo natildeo deva

ser entendido como um legiacutetimo valor constitucional que assegura agrave pessoa

humana em especial aos mais vulneraacuteveis o acesso agraves prestaccedilotildees materiais

necessaacuterias as atividades preventivas e agrave proteccedilatildeo da sauacutede para o

desenvolvimento de uma vida digna

Assim eacute inquestionaacutevel a fundamentalidade do direito agrave sauacutede jaacute que

representa um bem jusfundamental assegurado pela ordem constitucional sendo um

dos mais amplos e completos direitos fundamentais no aspecto dimensional Por

outro lado vale destacar que no campo da sua efetividade eacute necessaacuterio buscar

extrair sua forccedila maacutexima papel que cabe a doutrina e jurisprudecircncia mas acima de

tudo aos entes da federaccedilatildeo

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2 O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO

Como todo cidadatildeo pode levar agrave apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio qualquer lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direito conforme autoriza o art 5ordm inciso XXXV da CF esta problemaacutetica constantemente acaba sendo decida pelo Poder Judiciaacuterio o que gera uma tormentosa discussatildeo em torno do controle jurisdicional das opccedilotildees legislativas de concretizaccedilatildeo desse direito

Por outro lado eacute importante observar que eacute uma exigecircncia inarredaacutevel do Estado Democraacutetico de Direito a inclusatildeo e preservaccedilatildeo de valores essenciais agrave humanidade e justiccedila e dentre eles se encontra o direito agrave sauacutede Deste modo diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para isso torna-se salutar garantir minimamente a efetividade desse direito assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede

Desde o advento da Constituiccedilatildeo de 1988 se tornou recorrente no Poder Judiciaacuterio litiacutegios acerca da interpretaccedilatildeo da integralidade e igualdade do tratamento de sauacutede bem como sobre a responsabilidade dos entes da federaccedilatildeo na implementaccedilatildeo e tutela do direito agrave sauacutede E o que se tem visto de maneira recorrente eacute o julgamento favoraacutevel de processos quando o cidadatildeo necessita de medicamentos Diante disso eacute necessaacuterio compreender a forccedila juriacutedica do direito agrave sauacutede assim como a interpretaccedilatildeo dos tribunais em torno do dever do Estado em prestar medicamentos especialmente como forma de efetividade do desse direito

Deste modo a partir da identificaccedilatildeo de alguns valores e princiacutepios que impulsionam a realizaccedilatildeo do direito agrave sauacutede se apresenta uma anaacutelise acerca da obrigaccedilatildeo do Estado no fornecimento de medicamentos especialmente considerando o princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais

21 A obrigaccedilatildeo do Estado

Como expotildee Sarlet o direito agrave sauacutede integra o sistema de proteccedilatildeo da seguridade social se manifestando de forma mais contundente a vinculaccedilatildeo do seu

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

objeto (prestaccedilotildees materiais na esfera da assistecircncia meacutedica hospitalar etc) com o direito agrave vida e ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana E por ser um direito fundamental o qual possui um grau maacuteximo de juridicidade e normatividade deve-se buscar sempre sua efetividade a qual nem sempre eacute materializada (SARLET 2009 p 322)

A questatildeo eacute complexa Os entes da federaccedilatildeo encaram o direito agrave sauacutede como norma programaacutetica de modo que em natildeo existindo dinheiro disponiacutevel no orccedilamento puacuteblico destinado para o fornecimento de medicamentos ou se o medicamento solicitado natildeo integrar a portaria GM 25772006 do Ministeacuterio da Sauacutede haveria afronta agrave ordem puacuteblica em termos administrativos jaacute que o fornecimento desses medicamentos encontra-se agrave margem do programa oficial do Estado o qual deve zelar pela programaccedilatildeo orccedilamentaacuteria e evitar lesatildeo para a economia puacuteblica

Aleacutem disso haveria ofensa tambeacutem a proacutepria sauacutede puacuteblica pois o fornecimento de medicamentos natildeo previstos nas portarias do Ministeacuterio da Sauacutede compromete a racionalizaccedilatildeo do sistema de fornecimento de medicamentos para a populaccedilatildeo de uma maneira geral Todavia embora se reconheccedila que as poliacuteticas de sauacutede implicam a formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de um planejamento amplo elaborado a partir da avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo real e da identificaccedilatildeo dos meios escassos disponiacuteveis com escolha das prioridades a serem atendidas e das metas a ser alcanccedilado o Judiciaacuterio tem assegurado o acesso aos medicamentos quando o cidadatildeo eacute pessoa hipossuficiente quando a enfermidade em questatildeo eacute muito grave e quando haacute urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento

Isso porque o legislador constitucional erigiu o direito agrave sauacutede ao niacutevel dos direitos sociais fundamentais impondo ao Estado a obrigaccedilatildeo de atraveacutes de poliacuteticas puacuteblicas implementar normas e accedilotildees destinadas agrave concretizaccedilatildeo deste direito Ao tratar da responsabilidade do Estado e o direito agrave sauacutede Joseacute Afonso da Silva citando Canotilho e Vital Moreira destaca que esse direito comporta duas vertentes sendo uma negativa que consiste no direito a exigir do Estado que se abstenha de qualquer ato que prejudique a sauacutede e outra de natureza positiva que significa o direito agraves medidas e prestaccedilotildees estaduais visando agrave prevenccedilatildeo das doenccedilas e o tratamento delas Observa ainda que os arts 196 198 e 200 da CF

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tratam de um direito positivo que exige prestaccedilotildees do Estado e que impotildee aos entes puacuteblicos a realizaccedilatildeo de determinadas tarefas de cujo cumprimento depende a proacutepria realizaccedilatildeo do direito e do qual decorre um especial direito subjetivo (SILVA 2000 p 312-313)

O proacuteprio Supremo Tribunal Federal por diversas ocasiotildees jaacute acentuou a importacircncia da efetivaccedilatildeo de programas sociais que concretizem os preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais A esse respeito destaca-se o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinaacuterio nordm 271286 do qual foi relator o Ministro Celso de Mello Naquele julgamento foi mantida a condenaccedilatildeo do Municiacutepio de Porto Alegre solidariamente com o Estado do Rio Grande do Sul obrigando-se ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessaacuterios ao tratamento da AIDS aos portadores do viacuterus HIV carentes

Na ementa ficou gravado que o direito puacuteblico subjetivo agrave sauacutede representa prerrogativa juriacutedica indisponiacutevel assegurada agrave generalidade das pessoas pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal Traduz bem juriacutedico constitucionalmente tutelado por cuja integridade deve velar responsavelmente o Poder Puacuteblico a quem incumbe formular ndash e implementar ndash poliacuteticas sociais e econocircmicas idocircneas que visem a garantir aos cidadatildeos inclusive agravequeles portadores do viacuterus HIV o acesso universal e igualitaacuterio agrave assistecircncia farmacecircutica e meacutedico-hospitalar Reconheceu-se tambeacutem que o direito agrave sauacutede aleacutem de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequecircncia constitucional indissociaacutevel do direito agrave vida Deste modo o Poder Puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional

Por fim reconheceu-se que a interpretaccedilatildeo da norma programaacutetica natildeo pode transformaacute-la em promessa constitucional inconsequente sob pena de o Poder Puacuteblico fraudando as justas expectativas da coletividade substituir ilegitimamente o cumprimento de seu inafastaacutevel dever por um gesto irresponsaacutevel de infidelidade governamental ao que prevecirc a Constituiccedilatildeo Federal O reconhecimento pelo Poder Judiciaacuterio da validade juriacutedica de programas de distribuiccedilatildeo gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive agravequelas portadoras do viacuterus HIVAIDS

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

daacute efetividade a preceitos fundamentais da Constituiccedilatildeo Federal e representa um gesto reverente e solidaacuterio de valor agrave vida e agrave sauacutede das pessoas especialmente daquelas que nada tecircm e nada possuem a natildeo ser a consciecircncia de sua proacutepria humanidade e de sua essencial dignidade

Esse julgamento esclarece agrave posiccedilatildeo adotada pelo STF para questotildees desta natureza Em harmonia com as normas constitucionais a Lei 80801990 que cuida do Sistema Uacutenico de Sauacutede eacute tambeacutem reflexo do direito agrave assistecircncia social destinando-se ainda a resguardar a sauacutede dos cidadatildeos carentes Eacute o que prevecirc o seu art 2ordm quando estatui ser a sauacutede um direito fundamental do ser humano devendo o Estado prover as condiccedilotildees indispensaacuteveis ao seu pleno exerciacutecio E esse dever estatal consiste na formulaccedilatildeo e execuccedilatildeo de poliacuteticas econocircmicas e sociais que visem agrave reduccedilatildeo de riscos e de outros agravos e no estabelecimento de condiccedilotildees que assegurem acesso universal e igualitaacuterio agraves accedilotildees e aos serviccedilos para sua promoccedilatildeo proteccedilatildeo e recuperaccedilatildeo

Tambeacutem merece destaque o art 4ordm da Lei 80801990 ao explicitar que o conjunto de accedilotildees e serviccedilos de sauacutede prestados por oacutergatildeos e instituiccedilotildees puacuteblicas federais estaduais e municipais da Administraccedilatildeo direta indireta e das fundaccedilotildees mantidas pelo Poder Puacuteblico constitui o Sistema Uacutenico de Sauacutede

Com todo este fundamento legal reconhecidamente protetor natildeo se pode interpretar a Constituiccedilatildeo Federal e a proacutepria Lei 80801990 de outra forma que natildeo extensivamente para reconhecer o dever dos entes da federaccedilatildeo a fornecer medicamentos desde que sejam os destinataacuterios pessoas carentes a enfermidade em questatildeo seja muito grave e quando existir urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento solicitado

Nesse sentido podemos mencionar ainda o Recurso Extraordinaacuterio (RE) nordm 242859 de relatoria do Ministro Ilmar Galvatildeo 1ordf Turma publicado no DJ de 29061999 o RE nordm 264269-AgR cujo relator foi o Ministro Neacuteri da Silveira 1ordf Turma publicado no DJ de 26052000 o RE nordm 255627-AgR em que foi relator o Ministro Nelson Jobim 2ordf Turma publicado no DJ de 21112000 e ainda o RE nordm 271286-AgR de relatoria do Ministro Celso de Mello 2ordf Turma publicado no DJ de 12092000 entre outros

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Assim a obrigaccedilatildeo de prestar medicamentos pelo Estado natildeo eacute ilimitada e incondicional sendo necessaacuterio analisar a gravidade da enfermidade a condiccedilatildeo financeira do requerente e a urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento Por outro lado eacute importante reconhecer que a impossibilidade de acesso a medicamentos necessaacuterios agrave sobrevivecircncia digna acaba sempre por agravar o direito agrave sauacutede e consequentemente agrave proacutepria vida

Ao que parece eacute equilibrado que o Poder Legislativo atue estabelecendo leis que assegurem o acesso aos medicamentos necessaacuterios que o Poder Executivo implemente poliacuteticas sociais que objetivem a otimizaccedilatildeo do uso de seus recursos financeiros promovendo dessa forma a sauacutede e o atendimento isonocircmico entre os titulares do direito ao fornecimento de medicamentos e por fim que o Poder Judiciaacuterio verifique e julgue a constitucionalidade da poliacutetica eleita

Diante disso importa ressaltar que embora a realizaccedilatildeo da justiccedila social seja dependente de recursos do Estado haacute de se encontrar caminhos para a sua materializaccedilatildeo natildeo parecendo adequado que o Poder Judiciaacuterio fique a mercecirc de um Poder Legislativo e Executivo inoperante na realizaccedilatildeo de suas atribuiccedilotildees ou competecircncia o que sem sendo tratado como uma ldquodificuldade contramajoritaacuteriardquo que nada mais eacute do que a falta de legitimidade democraacutetica do Poder Judiciaacuterio para fixar poliacuteticas puacuteblicas no lugar do legislador eou administrador eleitos pelo povo

22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo

A sauacutede eacute um dos principais direitos fundamentais prestacionais impondo a todos os entes federativos o dever compartilhado e solidaacuterio correspondente visando agrave adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos A Constituiccedilatildeo Federal ao prever um vasto elenco de direitos sociais prestacionais obrigou a Uniatildeo os Estados e tambeacutem os Municiacutepios a assegurar de maneira solidaacuteria o direito agrave sauacutede especialmente aos carentes os quais natildeo possuem condiccedilotildees econocircmicas de ter acesso aos medicamentos indispensaacuteveis agrave proacutepria vida

Deste modo quando o pedido de medicamentos natildeo estiver contemplado em determinada poliacutetica puacuteblica estatal especiacutefica (federal estadual ou municipal) e

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

jaacute em fase de execuccedilatildeo a solicitaccedilatildeo pelos medicamentos deve ser direcionada em desfavor de todos os entes da federaccedilatildeo jaacute que o direito agrave sauacutede natildeo pode ser reduzido a uma promessa constitucional

Merece registro o julgamento pelo STF do RE nordm 393175-AgR da 2ordf Turma publicado no DJ de 02022007 em que o relator Ministro Celso de Mello asseverou que o poder puacuteblico qualquer que seja a esfera institucional de sua atuaccedilatildeo no plano da organizaccedilatildeo federativa brasileira natildeo pode mostrar-se indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Essa orientaccedilatildeo vem sendo consolidada na jurisprudecircncia paacutetria

Mas parece claro que o art 198 da CF natildeo veda que a legislaccedilatildeo infraconstitucional atribua prestaccedilotildees especiacuteficas a determinada esfera de governo ateacute mesmo como estrateacutegia de gestatildeo Assim quando houver norma atribuindo o dever de prestar determinado serviccedilo de sauacutede ou dispensar determinado tipo de medicamento a um determinado ente da federaccedilatildeo apenas este eacute que deveraacute figurar no poacutelo passivo da demanda caso contraacuterio o dever seraacute sempre solidaacuterio entre as trecircs esferas de estatais

Dessa forma parece que natildeo haacute duacutevidas de que existe uma responsabilidade solidaacuteria entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata do direito agrave sauacutede cabendo ao cidadatildeo necessitado escolher quem deveraacute lhe fornecer o medicamento pleiteado O art 198 paraacutegrafo uacutenico da CF estabelece que o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute firmado nos termos do art 195 com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes legais A Lei 808090 disciplina o SUS atribuindo a todos os entes da federaccedilatildeo a prestaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo podendo o cidadatildeo optar por aquele que venha a prestar assistecircncia agrave sua sauacutede atraveacutes do fornecimento de medicamentos

Diante disso a regra eacute a da solidariedade pura entre a Uniatildeo os Estados e os Municiacutepios quando se trata de sauacutede puacuteblica cabendo ao cidadatildeo requerente optar quem deveraacute lhe fornecer o medicamento de que necessita No julgamento do Mandado de Seguranccedila 17425MG publicado no DJ em 22112004 de relatoria da Ministra Eliana Calmon a 2ordf Turma do Superior Tribunal de Justiccedila decidiu que o

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fornecimento gratuito de medicamento eacute dever liacutequido e certo do Estado competindo agrave Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios o seu cuidado conforme estabelece o art 23 II da CF bem como a organizaccedilatildeo da seguridade social garantindo a universalidade da cobertura e do atendimento tudo conforme o art 194 paraacutegrafo uacutenico inciso I todos da Carta Magna

Por se tratar o fornecimento de medicamentos de uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute possiacutevel exigir a prestaccedilatildeo de qualquer um ou de todos os entes federativos A escolha cabe ao cidadatildeo ao formular o seu pedido Deste modo reconhece-se no poacutelo passivo de uma accedilatildeo de medicamentos um litisconsoacutercio facultativo e natildeo obrigatoacuterio pois a responsabilidade solidaacuteria dos entes puacuteblicos natildeo obriga ao chamamento ao processo ou a denunciaccedilatildeo agrave lide de outros entes natildeo demandados pelo requerente

Diferente natildeo eacute com o funcionamento do SUS o qual eacute de responsabilidade solidaacuteria da Uniatildeo Estados e Municiacutepios de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no poacutelo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para pessoas carentes Nesse sentido eacute de se destacar a decisatildeo do STJ proferida pelo Ministro Humberto Martins no julgamento do Recurso Especial nordm 1103889RN publicado no DJ de 19032009 Segundo ele o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute financiado com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes O texto constitucional faz referecircncia agraves trecircs esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade de tal forma que natildeo haacute que se falar em litisconsoacutercio

O STF tambeacutem jaacute se manifestou no sentido de admitir a escolha pelo autor do ente da federaccedilatildeo contra quem deseja solicitar medicamentos como se vecirc no julgamento do Agravo de Instrumento nordm 597141RS de relatoria da Ministra Carmen Luacutecia publicado no DJ de 29062007 Ficou decidido que em razatildeo da responsabilidade prevista no artigo 196 da CF a legitimidade passiva para a causa consiste na coincidecircncia entre a pessoa do reacuteu e a pessoa de qualquer um dos vaacuterios entes federativos A presenccedila de um dos vaacuterios legitimados no poacutelo passivo da relaccedilatildeo processual decorre da escolha do demandante jaacute que todos e qualquer um deles tem o dever de cuidar da sauacutede e assistecircncia puacuteblica na forma do inciso II do art 23 da CF

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

Sendo assim o cumprimento do dever poliacutetico-constitucional consagrado no

art 196 da CF consistente na obrigaccedilatildeo de assegurar a todos a proteccedilatildeo agrave sauacutede

representa fator que associado a um imperativo de solidariedade social impotildee-se

como medidas positivas ao poder puacuteblico seja atraveacutes da Uniatildeo dos Estados ou

Municiacutepios

3 O PRINCIacutePIO DA RESERVA DO POSSIacuteVEL E O NUacuteCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Embora haja entendimentos favoraacuteveis ao ldquoPrinciacutepio da Reserva do

Possiacutevelrdquo segundo o qual o juiz natildeo pode alcanccedilar direitos sem que existam meios

materiais disponiacuteveis para tanto as limitaccedilotildees ou dificuldades orccedilamentaacuterias natildeo se

prestam por si soacute como pretexto para negar o direito agrave sauacutede e agrave vida garantido no

art 196 da CF

A Lei 80801990 em seu art 2ordm repetiu que a sauacutede eacute um direito

fundamental do ser humano incumbindo ao Estado prover as condiccedilotildees ao seu

pleno exerciacutecio disciplinando o SUS incumbindo aos entes da federaccedilatildeo a

prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo Diante disto natildeo haacute que se dar

acolhida ao argumento da inexistecircncia de previsatildeo orccedilamentaacuteria por parte do

Estado uma vez que caracterizada a urgecircncia do atendimento devido ao cidadatildeo

carente deve-se primar pelo direito agrave vida acima de tudo

A Constituiccedilatildeo Federal eacute expressa ao assegurar o direito agrave vida e o direito agrave

sauacutede como garantias fundamentais instituiacutedas em norma de caraacuteter imperativo

autoaplicaacuteveis de acordo com a responsabilidade solidaacuteria dos entes federativos

Haacute um bem maior que eacute a vida com um respectivo direito agrave sauacutede assegurado

constitucionalmente como direito fundamental bem este que tem o maior valor

devendo ser sempre o bem preponderante sobre os demais direitos assegurados no

texto constitucional significando que entre os dois valores em jogo direito agrave vida e o

direito do ente puacuteblico de bem gerir as verbas puacuteblicas sob qualquer oacutetica deve

prevalecer o bem maior Assim eacute desnecessaacuteria a previsatildeo orccedilamentaacuteria ou a

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licitaccedilatildeo para a aquisiccedilatildeo dos medicamentos solicitados quando necessaacuterios agrave

sobrevivecircncia digna do ser humano

Ainda frente agrave necessidade de se alcanccedilar medicamentos a quem tem

urgecircncia no pleito a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes natildeo merece

acolhida natildeo havendo duacutevida quanto agrave prioridade absoluta do direito subjetivo

postulado isso porque o Judiciaacuterio natildeo estaacute criando poliacutetica puacuteblica mas apenas

determinando o seu cumprimento o que precisa ficar claro jaacute que se trata de uma

das marcas da justiccedila constitucional na contemporaneidade (BOLZAN DE MORAIS

2010 p 150)

Diante disso visando agrave declaraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo dos direitos e demandas

sociais bem como a correccedilatildeo dos defeitos legislativos o ativismo judicial enquanto

ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio voltada para a concretizaccedilatildeo de direito e

demandas sociais atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional estaacute ligado agrave

expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional num claro propoacutesito de afirmaccedilatildeo do princiacutepio

da sumpremacia da Constituiccedilatildeo

E essa atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio natildeo eacute uma atuaccedilatildeo poliacutetica partidaacuteria

mas poliacutetica institucional num indiscutiacutevel propoacutesito de resguardar aquilo que eacute

fundamental Deste modo o ativismo judicial longe estaacute de ser uma afronta ao

Estado Democraacutetico de Direito pelo contraacuterio o reaccedila e o fortalece Por isso eacute

fundamental fazer avanccedilar a hermenecircutica constitucional mediante a sistematizaccedilatildeo

completa da concepccedilatildeo espacial do conteuacutedo total das normas constitucionais

O conteuacutedo total de um direito constitucional possui uma parte central

representada pelo seu nuacutecleo essencial isto eacute seu conteuacutedo miacutenimo e uma parte

ponderaacutevel sujeita a teacutecnicas de avaliaccedilatildeo em caso de conflito com outros direitos

constitucionais No acircmbito do direito agrave sauacutede eacute necessaacuterio preservar a ideia de um

conteuacutedo miacutenimo no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Estado

Por consequecircncia sendo o cidadatildeo pessoa carente com uma enfermidade grave e

existindo urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento o Estado precisa criar condiccedilotildees

em atender essa necessidade elevando dessa forma efetividade a dignidade

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O fornecimento de medicamentos pelo Estado

humana princiacutepio que serve de inspiraccedilatildeo para o reconhecimento e o

desenvolvimento de um Estado Democraacutetico de Direito

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para tanto torna-se salutar garantir minimamente a efetividade natildeo soacute do direito agrave sauacutede mas de todos os direitos fundamentais inerentes agrave pessoa humana assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede pois trata-se de um dos principais direitos fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos

Esse esforccedilo eacute conjunto a responsabilidade eacute de todos e natildeo pode ser negligenciada Deve ser uma pauta contiacutenua sem antinomias (BARROSO 2004 p 9) a ser garantida pelo sistema normativo e poliacutetico a ponto de tornar os valores e princiacutepios constitucionais uma realidade

REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 BOLZAN DE MORAIS Jose Luis O estado constitucional diaacutelogos (ou a falta deles) entre justiccedila e poliacutetica In Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica ndash Anuaacuterio do Programa de Poacutes-Graduccedilatildeo em Direito da Unisinos n 7 Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 7 ed Satildeo Paulo Malheiros 1997 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Satildeo Paulo Saraiva 2010 CRUZ Paulo Maacutercio Fundamentos do direito constitucional 2 ed Curitiba Juruaacute 2008 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 4 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2006

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REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de direito 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 2000 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 17 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA1

TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME

Luiacutes Henrique Bortolai2

Juliane Cavalcanti Pereira3

Resumo O presente trabalho objetiva uma anaacutelise criacutetica acerca da possibilidade de

incidecircncia do instituto da imunidade tributaacuteria aos livros eletrocircnicos recente evoluccedilatildeo tecnoloacutegica que tem se revelado um objeto presente na realidade social brasileira principalmente devido ao acesso aos meios de comunicaccedilatildeo Esse estudo almeja a apresentaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo que busque trazer maior efetivaccedilatildeo as disposiccedilotildees constitucionais propondo atingir o maacuteximo de sua realizaccedilatildeo possibilitando o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel

Palavras-chave Imunidade tributaacuteria livro eletrocircnico ordenamento juriacutedico brasileiro Constituiccedilatildeo Federal

Abstract This paper engages in a critical analysis of the possibility of incidence of

the institute of tax immunity over electronic books recent technological developments it has been an object present in the Brazilian social reality mainly due to access to the medium This study aims at presenting an interpretation that seeks to bring greater effectiveness constitutional provisions proposing achieve maximum realization enabling access to culture and knowledge available

Keywords Tax immunity electronic book Brazilian law the Federal Constitution

1 Artigo submetido em 01062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 03072013 e 09092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 09092013

2 Doutorando em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Mestre em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Especialista em Direito Tributaacuterio pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de CampinasSP (PUC-Campinas) Membro da Comissatildeo de Cursos e Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Secccedilatildeo CampinasSP Advogado em CampinasSP Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie ndash Campus Campinas E-mail ltborto04hotmailcomgt

3 Graduanda em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas E-mail ltjuliane_jujuhotmailcomgt

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INTRODUCcedilAtildeO

O presente artigo objetiva de forma pontual possibilitar um estudo aprofundado sobre a interaccedilatildeo entre a imunidade tributaacuteria e o livro eletrocircnico tomando como base a jurisprudecircncia e a doutrina de modo a concluir as disposiccedilotildees apresentadas especialmente tomando como base os julgados tribunais superiores e focando no tribunal de segunda instacircncia do Estado de Satildeo Paulo

A proposta apresentada para o desenvolvimento do presente trabalho se refere a possibilidade ou natildeo da disposiccedilatildeo contida no artigo 150 inciso IV aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil4 ser aplicada ao livro eletrocircnico Tal questionamento busca abordar um tema atual e presente no cotidiano das pessoas graccedilas principalmente as inovaccedilotildees e mudanccedilas que a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica tecircm trazido ao ordenamento juriacutedico brasileiro conjuntamente com a telefonia moacutevel e a banda larga

O presente trabalho natildeo busca esgotar a mateacuteria apresentada mas apenas trazer uma abordagem diferenciada acerca do assunto com uma visatildeo atual deste tema tatildeo relevante que a cada dia que passa assume especial atenccedilatildeo dos inteacuterprete-aplicadores devido aos desdobramentos intriacutensecos e extrinsecos do tema

1 DISCUSSAtildeO JURISPRUDENCIAL

Natildeo se pode negar o fato de que as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas satildeo uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pessoas se tornando muitas vezes meios de substituiccedilatildeo das vias ordinaacuterias ateacute entatildeo existentes A tiacutetulo de exemplo o Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo jaacute se manifestou acerca do instituto da imunidade tributaacuteria por diversas vezes ainda quando da natildeo disseminaccedilatildeo da rede mundial de computadores no seacuteculo passado dentre as quais se destaca o seguinte trecho

4 Artigo 150 Sem prejuiacutezo de outras garantias asseguradas ao contribuinte eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios [] VI - instituir impostos sobre [] d) livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

A imunidade deve ter interpretaccedilatildeo extensiva larga natildeo enfrentando o oacutebice do inciso II do artigo 111 do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Trata-se de uma imunidade imposicional objetiva e natildeo condicionada autecircntica norma que natildeo admite complementariedade legislativa vedando peremptoriamente qualquer ingerecircncia de natureza limitatoacuteria5

Somado a isso o Supremo Tribunal Federal em alguns julgados tem mantido posicionamento pela natildeo abrangecircncia deste benefiacutecio estendendo seu alcance apenas a filmes e papeacuteis fotograacuteficos usados na ediccedilatildeo de livros jornais e perioacutedicos e negando tal aplicaccedilatildeo aos livros eletrocircnicos Ocorre que o verdadeiro fim de tal norma eacute possibilitar a disseminaccedilatildeo de cultura e informaccedilotildees Ao se restringir o acircmbito de atuaccedilatildeo da imunidade haveria um verdadeiro contrassenso dentro das disposiccedilotildees contidas no proacuteprio texto constitucional A proacutepria Suprema Corte jaacute entendeu que todos os insumos utilizados na produccedilatildeo do livro devem ser abarcados pela imunidade tributaacuteria Conforme se observa abaixo ainda que com a vigecircncia de outro texto constitucional o entendimento eacute o mesmo

Imunidade Tributaacuteria Livro Constituiccedilatildeo art 19 inciso III aliacutenea lsquodrsquo Em se tratando de norma constitucional relativa agraves imunidades tributaacuterias geneacutericas admite-se a interpretaccedilatildeo ampla de modo a transparecerem os princiacutepios e postulados nela consagrados O livro como objeto da imunidade tributaacuteria natildeo eacute apenas produto acabado mas o conjunto de serviccedilos que o realizam desde a redaccedilatildeo ateacute a revisatildeo da obra sem restriccedilatildeo dos valores que a foram e que a Constituiccedilatildeo protege6

A Oitava Cacircmara de Direito Puacuteblico do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo em julgamento datado de 1999 deu provimento ao recurso de apelaccedilatildeo da Fazenda do Estado para declarar a inexistecircncia de imunidade tributaacuteria para os denominados livros eletrocircnicos ndash CD-Rom ndash valendo-se da aplicaccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico de interpretaccedilatildeo para concluir que a proposta ampliativa de imunidade foi rechaccedilada pelos constituintes e deve ser portanto respeitada A ementa e trechos do acoacuterdatildeo satildeo dispostas a seguir

5 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199

6 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

Impostos CD-ROM Imunidade tributaacuteria Inexistecircncia Privileacutegio de natureza constitucional Irrelevacircncia da destinaccedilatildeo do bem e da qualificaccedilatildeo da entidade que o produz Hipoacutetese natildeo contemplada no artigo 150 inciso VI lsquodrsquo da CF Interpretaccedilatildeo natildeo extensiva Recursos providos Entretanto natildeo eacute qualquer papel que estaacute imune a tributaccedilatildeo de impostos mas apenas aquele destinado a impressatildeo de livros jornais e perioacutedicos descabendo estender-se o benefiacutecio de natureza constitucional a outras hipoacuteteses natildeo contempladas pela Constituiccedilatildeo vale dizer para abranger outros insumos bem assim sobre legislaccedilatildeo informatizada em forma de CD-Rom e mais programa de computador ndash software As imunidades configuram privileacutegios de natureza constitucional e natildeo podem estender-se aleacutem das hipoacuteteses expressamente previstas na Constituiccedilatildeo [] Resulta pois que se essa proposta ampliativa de imunidades natildeo foi aceita preferindo o legislador constituinte manter aquele privileacutegio apenas e tatildeo somente em relaccedilatildeo a livros jornais e perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo natildeo se afigura razoaacutevel contrariar a sua real intenccedilatildeo mens legislatoris para abranger hipoacutetese que ele natildeo resolveu agasalhar incluindo-se a legislaccedilatildeo informatizada ndash CD-Rom e software []7

Tal hipoacutetese se revela desconexa com a atual conjuntura da realidade social e principalmente das reais necessidades e anseios da coletividade A configuraccedilatildeo de meacutetodos de interpretaccedilatildeo como o finaliacutestico e o sistemaacutetico por exemplo permitem uma anaacutelise mais aprofundada das disposiccedilotildees apresentadas natildeo podendo se valer apenas de anaacutelises restritivas quando a situaccedilatildeo apresentada se mostra muito mais rica e complexa merecendo especial atenccedilatildeo Aleacutem disso as disposiccedilotildees legais devem se coadunar com as expectativas e asseios da sociedade que a cada dia que passa tem se modificado e evoluiacutedo sem o devido acompanhamento legislativo O Supremo Tribunal Federal na ADIN nordm 939 no voto do Ministro Sepuacutelveda Pertence extrai-se o seguinte trecho

[] salvaguardas fundamentais de princiacutepios liberdades e direitos baacutesicos da Constituiccedilatildeo como a liberdade religiosa de manifestaccedilatildeo de pensamento pluralismo poliacutetico do regime liberdade sindical a solidariedade social o direito agrave educaccedilatildeo e assim por diante8

Importante que se deixe claro que os magistrados e desembargadores devem se manter atualizados agraves mudanccedilas legislativas mas principalmente as

7 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999

8 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

sociais de modo a proporcionar as partes e a parcela da populaccedilatildeo atingida uma interpretaccedilatildeo condizente com as suas reais necessidades O professor Hugo de Brito Machado (2003 p 14) assim jaacute se manifestou sobre o assunto

Embora natildeo verse a questatildeo do livro eletrocircnico o certo eacute que o Poder Judiciaacuterio jaacute cunhou a extrema amplitude da imunidade versada no art 150 VI lsquodrsquo verbis ldquo[] visando a difusatildeo da cultura educaccedilatildeo liberdade de pensamento e comunicaccedilatildeo constituiria injustificaacutevel contradiccedilatildeo do constituinte alijar da abrangecircncia tributaacuteria apenas parcela do processo de difusatildeo da cultura e da educaccedilatildeo da liberdade de pensamento e de comunicaccedilatildeo atraveacutes de jornais e perioacutedicos Restaria evidentemente frustrado o alvo constitucionalrdquo

Segundo Yoshiaki Ichihara (2001 p 326)

Natildeo reconhecer a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos eacute o mesmo que parar no tempo e no espaccedilo preso a interpretaccedilatildeo literal e retroacutegrada sem enxergar a realidade atual e do futuro pois em termos de conteuacutedo funccedilatildeo objetividade recursos para pesquisa copiagem transporte divulgaccedilatildeo rapidez na localizaccedilatildeo dos textos etc os CD-Roms superam em muito os tradicionais livros jornais perioacutedicos etc

Tal disposiccedilatildeo se coaduna perfeitamente com as disposiccedilotildees apresentadas ateacute o momento merecendo especial atenccedilatildeo e realce dada a sua explicaccedilatildeo concisa e direta revelando clara hipoacutetese de aplicaccedilatildeo de meacutetodos diferenciados das normas entatildeo vigentes de forma a concretizar de forma efetiva as disposiccedilotildees do texto constitucional

2 APLICACcedilAtildeO PRAacuteTICA DOS MEacuteTODOS DE INTERPRETACcedilAtildeO

As disposiccedilotildees acerca do instituto da imunidade tributaacuteria estatildeo dispostas na Constituiccedilatildeo Federal revelando a importacircncia que o tema possui Ainda neste diploma em seu artigo 5ordm incisos VI e IX eacute disposto que

Art 5ordm Todos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no paiacutes a inviolabilidade do direito agrave vida agrave liberdade agrave igualdade agrave seguranccedila e agrave propriedade nos termos seguintes [] IV - eacute livre a manifestaccedilatildeo do pensamento sendo vedado o anonimato []

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

IX - eacute livre a expressatildeo da atividade intelectual artiacutestica cientiacutefica e de comunicaccedilatildeo independentemente de censura ou licenccedila

Tais disposiccedilotildees se complementam com a previsatildeo apresentada no artigo 220 da Carta Magna ao estabelecer expressamente que

Art 220 A manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeo observado o disposto nesta Constituiccedilatildeo sect 1ordm - Nenhuma lei conteraacute dispositivo que possa constituir embaraccedilo agrave plena liberdade de informaccedilatildeo jornaliacutestica em qualquer veiacuteculo de comunicaccedilatildeo social observado o disposto no art 5ordm IV V X XIII e XIV sect 2ordm - Eacute vedada toda e qualquer censura de natureza poliacutetica ideoloacutegica e artiacutestica

Tais normas fornecem embasamento e fortalecem o entendimento de que eacute possiacutevel se realizar uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que toma o ordenamento juriacutedico brasileiro como um todo e natildeo apenas a partir de uma visatildeo segmentada e particular tiacutepica da interpretaccedilatildeo literal Sob o ponto de vista objetivo a imunidade tributaacuteria incidente sobre livros jornais revistas perioacutedicos e seu papel buscando efetivar os princiacutepios basilares e fundamentais do regime democraacutetico tais como a difusatildeo cultural de informaccedilotildees e principalmente do conhecimento disponiacutevel natildeo merecendo ser restringido ou limitado O Coacutedigo Tributaacuterio Nacional expressamente dispotildee em seu artigo 111 que

Art 111 Interpreta-se literalmente a legislaccedilatildeo tributaacuteria que disponha sobre I - suspensatildeo ou exclusatildeo do creacutedito tributaacuterio II - outorga de isenccedilatildeo III - dispensa do cumprimento de obrigaccedilotildees tributaacuterias acessoacuterias

Diante de tal disposiccedilatildeo legal fica evidente que no caso da isenccedilatildeo de tributos anistia renuacutencia e natildeo incidecircncia a interpretaccedilatildeo mais condizente eacute a literal se restringindo as disposiccedilotildees apresentadas no texto infraconstitucional Jaacute quanto ao instituto da imunidade disposta no texto constitucional a interpretaccedilatildeo mais propiacutecia eacute a teleoloacutegica-sistemaacutetica ao buscar a finalidade da norma de forma ampla e que concretize as disposiccedilotildees ali apresentadas Como a imunidade ocorre antes mesmo da criaccedilatildeo do poder de tributar enquanto que a isenccedilatildeo e demais institutos satildeo criados depois em clara hipoacutetese de renuacutencia fiscal revelando a Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 512

A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

diferenccedila niacutetida entre os dispositivos A primeira deve possuir um acircmbito de atuaccedilatildeo muito maior que as demais devido agrave sua funccedilatildeo protetora dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Walter Barbosa Correcirca (1998 p 130) leciona que

Ao desenvolver a atividade de interpretaccedilatildeo da norma imunizadora a natureza e finalidades da imunidade satildeo essenciais de pronto afastando a interpretaccedilatildeo literal proacutepria das isenccedilotildees instituto esse que ateacute haacute pouco tempo confundia-se com a imunidade e vice-versa

Diante disso natildeo pode haver uma notiacutecia vinculada pela via impressa imune e a mesma informaccedilatildeo transmitida pela rede mundial de computadores natildeo ser contemplada apenas por natildeo estar materializada num papel Nesta linha ainda relevante opiniatildeo eacute trazida por Heleno Taveira Tocircrres e Vanessa Nobeel Garcia ao afirmarem em estudo sobre o tema que ldquo[] exige que o ato de aplicaccedilatildeo reconheccedila os valores fixados pela sociedade no ordenamento juriacutedico e que os garanta com efetividade plenardquo (TOcircRRES 2003 p 83) A ponderaccedilatildeo de valores deve sopesar toda e qualquer comparaccedilatildeo que for feita de modo a proporcionar o meacutetodo mais propiacutecio agravequela situaccedilatildeo apresentada Diante disso o princiacutepio da isonomia deve pautar o estudo entre as formas de livro existentes de modo a natildeo possibilitar a ocorrecircncia de qualquer injusticcedila A utilizaccedilatildeo dos meacutetodos claacutessicos de interpretaccedilatildeo satildeo insuficientes e revelam natildeo alcanccedilar o verdadeiro nuacutecleo essencial preceituado pelo norma constitucional o conhecimento existente

Assim a problemaacutetica levantada sobre o verdadeiro conceito de livro bem como sobre a possibilidade de aplicaccedilatildeo da imunidade tributaacuteria ao livro eletrocircnico pode ser solucionada com a utilizaccedilatildeo de dois meacutetodos de interpretaccedilatildeo de forma simultacircnea o teleoloacutegico e o sistemaacutetico O primeiro busca a finalidade da norma revelando o seu papel essencial quando se tem como objeto de estudo alguma disposiccedilatildeo do texto constitucional Portanto na aplicaccedilatildeo de uma disposiccedilatildeo constitucional deve-se ater aos fins sociais a que esta foi criada buscando o bem estar da coletividade seguindo o preceito disposto no artigo 5ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nordm 465742)9

9 ldquoNa aplicaccedilatildeo da lei o juiz atenderaacute aos fins sociais a que ela se dirige e agraves exigecircncias do bem comumrdquo

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Nesta esteira ainda o outro meacutetodo apresentado o sistemaacutetico se mostra relevante e propiacutecio a presente proposta vez que possibilita segundo as palavras do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiacutes Roberto Barroso a ldquo[] atribuiccedilatildeo de novos conteuacutedos agrave norma constitucional sem modificaccedilatildeo do seu teor literal em razatildeo de mudanccedilas histoacutericas ou de fatores poliacuteticos e sociais que natildeo estavam presentes nas mentes dos constituintesrdquo (BARROSO 2009 p 137) Com isso a aplicaccedilatildeo conjunta destes meacutetodos interpretativos confere aos livros eletrocircnicos o benefiacutecio das garantias da imunidade tributaacuteria O professor Alfredo Augusto Becker (2007 p 272) pondera em quatro etapas o ato de interpretaccedilatildeo da lei quais sejam

1) Distinccedilatildeo dos elementos da hipoacutetese de incidecircncia da regra juriacutedica em apreccedilo 2) Estudo preacutevio das consequecircncias da regra juriacutedica 3) Anaacutelise de todos os fatos da hipoacutetese de incidecircncia de modo a preencher todas as lacunas apresentadas e 4) Ponderar se as consequecircncias da regra de incidecircncia foram respeitadas

De fato natildeo se pode interpretar uma norma imunizante como se interpreta uma norma instituidora de isenccedilatildeo de caraacuteter infraconstitucional por exemplo A norma constitucional foi encartada no texto maior para a proteccedilatildeo de valor fundamental a humanidade a liberdade de expressatildeo sem a qual natildeo se pode falar em uma efetiva democracia participativa Tendo em vista isso deve ser atribuiacutedo o

sentido que traga maior eficaacutecia a estas disposiccedilotildees O professor Joseacute Joaquim Gomes Canotilho faz menccedilatildeo expressa ao princiacutepio da maacutexima efetividade ou seja diante de uma situaccedilatildeo conflitante deve-se proceder pela aplicaccedilatildeo do meacutetodo mais condizente com a realidade faacutetica de forma a possibilitar a maior inclusatildeo possiacutevel do dispositivo (CANOTILHO 2003 p 167) Outro pensador bem pontual a presente demanda eacute Konrad Hesse ao afirmar que a interpretaccedilatildeo do texto constitucional sempre deve almejar a sua efetiva concretizaccedilatildeo Segundo aludido doutrinador ldquoo que natildeo aparece de forma clara como conteuacutedo da Constituiccedilatildeo eacute o que deve ser determinado mediante a incorporaccedilatildeo da lsquorealidadersquo de cuja ordenaccedilatildeo se tratardquo (HESSE 1992 p 40)

A interpretaccedilatildeo de norma constitucional sempre necessita de cuidados Atento ao princiacutepio da supremacia constitucional natildeo pode o inteacuterprete-aplicador se

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esquecer que a Carta Magna alberga os princiacutepios fundamentais do Estado Democraacutetico e Social de Direito e que na interpretaccedilatildeo de suas normas deve se buscar um bem coletivo maior Tais princiacutepios devem ser ponderados como um conjunto harmocircnico e natildeo podem ser subjulgados por forccedila das formas literaacuterias que infelizmente ainda dominam muitos juristas O professor Paulo Bonavides (2012 p 482) ao tratar dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo da nova hermenecircutica leciona que

A adaptaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo agrave sua eacutepoca preocupa de maneira constante o formulador da nova concepccedilatildeo interpretativa tanto que ao fator tempo atribui importacircncia capital Natildeo eacute agrave toa que ele assevera ldquoviver o Direito Constitucional prima face numa especiacutefica problemaacutetica de tempordquo e que ldquoa continuidade da Constituiccedilatildeo somente eacute possiacutevel quando o passado e o futuro se acham nela conjugadosrdquo A controveacutersia acerca dos meacutetodos no Direito Constitucional eacute em uacuteltima anaacutelise segundo Haumlberle uma luta acerca do papel que deve caber ao tempo A velha hermenecircutica pelo seu caraacuteter mais estaacutetico que dinacircmico deve ser vista como instrumento por excelecircncia das ideologias do ldquostatus quordquo A interpretaccedilatildeo concretista por sua flexibilidade pluralismo e abertura manteacutem escancaradas as janelas para o futuro e para as mudanccedilas mediante as quais a Constituiccedilatildeo permanece estaacutevel na rota do progresso e das transformaccedilotildees incoerciacuteveis sem padecer abalos estruturais como os decorrentes de uma accedilatildeo revolucionaacuteria atualizadora

A Carta Magna fonte de toda forma de interpretaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico tambeacutem pontua em seu artigo 215 que ldquoO Estado garantiraacute agrave todos o pleno exerciacutecio dos direitos culturais e acesso agraves fontes da cultura nacional a apoiaraacute e incentivaraacute a valorizaccedilatildeo e a difusatildeo das manifestaccedilotildees culturaisrdquo Assim diante destas disposiccedilotildees fica mais do que evidenciado a necessidade de uma constante atualizaccedilatildeo e reestruturaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes adaptando tais anaacutelises a formas mais modernas de interpretaccedilatildeo

3 ANAacuteLISE CRIacuteTICA DO TEMA

Importante ressaltar trecircs fundamentos baacutesicos que sustentam o raciociacutenio de que os livros eletrocircnicos satildeo imunes da incidecircncia de impostos Primeiramente os livros eletrocircnicos satildeo na verdade uma espeacutecie do gecircnero livro tomando como ponto de referecircncia o seu conteuacutedo e natildeo a sua forma apenas A finalidade eacute a mesma seja mediante o papel seja nos e-books revelando o mesmo resultado ou seja o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel Uma interpretaccedilatildeo

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diversificada apenas traz a tona o fato de que ambas as expressotildees serem vocaacutebulos muito proacuteximos merecendo especial atenccedilatildeo dos aplicadores do direito

No estudo proposto acerca do artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal sobre a imunidade tributaacuteria conferida ao livro natildeo eacute trazido um conceito seguro acerca do livro como forma de possibilitar maior seguranccedila ao inteacuterprete e consequentemente aos aplicadores do direito Diante desta situaccedilatildeo parte-se da premissa segundo as liccedilotildees de Roque Antocircnio Carrazza (2011 p 497) de que

[] a palavra livro estaacute empregada no Texto Constitucional natildeo no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas encadernadas e com capa mas sim no de veiacuteculos de pensamento isto eacute de meios de difusatildeo da cultura [] Hoje temos os sucedacircneos dos livros que mais dia menos dia acabaratildeo por substituiacute-los totalmente Tal eacute o caso dos CD-Roms e dos demais artigos da espeacutecie que conteacutem em seu interior os textos dos livros em sua forma tradicional

A partir de tal preceito natildeo se pode tomar como base apenas os livros impressos devendo uma interpretaccedilatildeo ampliativa ser utilizada como pressuposto vez que a sociedade estaacute em constante mutaccedilatildeo Aleacutem disso o livro eacute um mero veiacuteculo de transmissatildeo de conhecimento Tal anaacutelise traz uma verdadeira interpretaccedilatildeo teleoloacutegica ao caso que almeja buscar a verdadeira finalidade da norma ou seja a difusatildeo de informaccedilotildees e culturas proporcionando o desenvolvimento pessoal natildeo se importando muito com o suporte fiacutesico apresentado mas sim com a difusatildeo de pensamentos algo tatildeo almejado

A imunidade pretendida pelo autor do texto constitucional restringe-se aos impostos permanecendo o recolhimento das contribuiccedilotildees sociais (PISCOFINS) e demais tributos devido agrave proacutepria redaccedilatildeo do dispositivo constitucional Apesar disso o artigo 28 inciso VI da Lei n 1068504 reduz ldquoa zero as aliacutequotas da contribuiccedilatildeo para o PISPASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda no mercado interno derdquo livros de acordo com o artigo 2ordm da Lei n 107532003 No entanto tal disposiccedilatildeo infraconstitucional fere o preceito da Carta Magna uma vez que nesta eacute expresso que somente os impostos seratildeo imunes natildeo podendo haver uma expansatildeo quando o texto eacute preciso na sua delimitaccedilatildeo Portanto tal norma juriacutedica fere o disposto da Constituiccedilatildeo Federal ao ampliar algo

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indevidamente O que deveria ser feito eacute possibilitar uma interpretaccedilatildeo diferenciada do disposto no texto constitucional ao dar maior efetividade agraves suas normas e natildeo distorcer as suas normas

Atualmente apenas as pessoas com deficiecircncia visual estatildeo totalmente isentas do pagamento de impostos e contribuiccedilotildees dos digitais segundo os artigos 8ordm sect 12 inciso XII da Lei nordm 108652004 e artigo 2ordm da Lei n 107532003 valendo-se de preceitos diversos daqueles dispostos na Carta Magna revelando a importacircncia do tema que merece especial atenccedilatildeo uma vez que tal situaccedilatildeo pode ser estendida para outras pessoas A aludida lei que institui a Poliacutetica Nacional do Livro estabelece uma definiccedilatildeo ao livro

Art 2o Considera-se livro para efeitos desta Lei a publicaccedilatildeo de textos escritos em fichas ou folhas natildeo perioacutedica grampeada colada ou costurada em volume cartonado encadernado ou em brochura em capas avulsas em qualquer formato e acabamento Paraacutegrafo uacutenico Satildeo equiparados a livro [] VII - livros em meio digital magneacutetico e oacutetico para uso exclusivo de pessoas com deficiecircncia visual

Ocorre que tal apresentaccedilatildeo eacute restritiva e limitadora ao possibilitar apenas aos deficientes visuais tal benefiacutecio Natildeo pode um dispositivo constitucional ser modificado em sua essecircncia O tratamento igualitaacuterio eacute a via mais bem vista e aceita ao caso concreto ao possibilitar as mesmas oportunidades agrave todos

A busca por uma comunicaccedilatildeo entre os homens fez surgir a necessidade de veiculaccedilatildeo de pensamentos por meio de uma forma que natildeo se perdesse aparentemente no tempo Entatildeo surge a inspiraccedilatildeo da criaccedilatildeo dos livros a eternizaccedilatildeo das ideias por meio de um meio fiacutesico vez que a transmissatildeo pela via oral muito utilizada na antiguidade por meio dos liacutederes mais antigos das comunidades levava a uma perda de informaccedilotildees com o passar do tempo Seja pela forma de desenhos seja pelas expressotildees escritas a necessidade de comunicaccedilatildeo eacute inerente ao ser humano estabelecendo-se os criteacuterios e os moldes essenciais ao desenvolvimento da humanidade e a perduraccedilatildeo dos pensamentos por longos periacuteodos natildeo podendo as novas formas de divulgaccedilatildeo serem utilizadas como meras equiparaccedilotildees do conceito tradicional de livro mas sim como verdadeiras espeacutecies do gecircnero livro Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 517

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A proacutepria expressatildeo livro surgiu dos tecidos vegetais utilizados na antiguidade conhecidos como ldquolibersrdquo popularmente conhecidos como papiros E analisando a imunidade dos livros em si Eurico Marcos Diniz de Santi (2003 p 53) leciona

No presente caso eacute assente que o problema suscitado sobre o entendimento do vocaacutebulo ldquolivrordquo nada tem a ver com problemas de composiccedilatildeo fraacutesica a frase constitucional em que se assenta o dispositivo eacute bastante clara eacute vedado lsquoinstituir impostos sobre [] livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo

Ocorre que as normas permanecem estagnadas devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a essa mudanccedilas de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees existentes principalmente quando possibilitam uma expansatildeo e difusatildeo de cultura e conhecimento o que favorece toda a sociedade Portanto natildeo pode haver uma limitaccedilatildeo apenas aos portadores de necessidades especiais para serem beneficiados com isenccedilotildees quando na verdade deve haver uma ampliaccedilatildeo deste conceito de modo a possibilitar a formaccedilatildeo intelectual da populaccedilatildeo

Segundo porque o livro eletrocircnico exerce a mesma funccedilatildeo do livro impresso devendo receber tratamento igualitaacuterio Assim natildeo podem ser colocadas barreiras na difusatildeo de conhecimento cultura e pensamentos sob pena de infringecircncia clara dos princiacutepios constucionais principalemente no que tange aos direitos e garantias fundamentais de acesso agrave cultura Por fim os ensinamentos hermenecircuticos que pautam a presente exposiccedilatildeo quando analisam as disposiccedilotildees da Constituiccedilatildeo Federal devem priorizar o estudo que possibilite a maacutexima efetivaccedilatildeo dos dispostos ali presentes como forma de se adequar as constantes mudanccedilas sociais que a modernidade tem causado na sociedade permanecendo os textos originais disciplinados por meio de uma nova anaacutelise com a utilizaccedilatildeo de metodologias diferenciadas

Importante ressaltar que a redaccedilatildeo original do artigo B inciso III aliacutenea d do anteprojeto do CTN do Instituto dos Advogados de Satildeo Paulo (IASP) em parceria com a Associaccedilatildeo Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) possuiacutea a seguinte redaccedilatildeo livros jornais e perioacutedicos e outros veiacuteculos de comunicaccedilatildeo inclusive audiovisuais assim como papel e outros insumos e atividades

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relacionadas com a produccedilatildeo e a circulaccedilatildeo (MARTINS 2000 p 190) Tal proposta revelava um entendimento mais condizente com as necessidades e anseios da sociedade de forma a possibilitar uma maior efetuaccedilatildeo das disposiccedilotildees contidas no ordenamento graccedilas agrave utilizaccedilatildeo de disposiccedilotildees que podem sofrer uma constante mudanccedila e atualizaccedilatildeo Nas palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins (2000 p 186)

A letra lsquodrsquo do inciso VI reproduz o texto de idecircntica redaccedilatildeo da Emenda Constitucional n 169 artigo 19 III lsquodrsquo A proposta que levei aos constituintes era mais ampla Em face da evoluccedilatildeo tecnoloacutegica dos meios de comunicaccedilatildeo e daqueles para ediccedilatildeo e transmissatildeo tinha sugerido em minha exposiccedilatildeo para eles a incorporaccedilatildeo de teacutecnicas audiovisuais Os constituintes todavia preferiram manter a redaccedilatildeo anterior agrave evidecircncia uacutetil para o Brasil do poacutes-guerra mas absolutamente insuficiente para o Brasil de hoje

A imunidade tributaacuteria portanto possui embasamento na aplicaccedilatildeo praacutetica e implementaccedilatildeo dos direitos fundamentais resguardados na Constituiccedilatildeo Federal principalmente mas natildeo exclusivamente no artigo 5ordm do referido diploma O proacuteprio artigo 220 da Carta Magna dispotildee que ldquoa manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeordquo Os principais direitos respaldados satildeo liberdade de comunicaccedilatildeo manifestaccedilatildeo de pensamento livre acesso agrave infomaccedilatildeo difusatildeo de cultura e da educaccedilatildeo e manifestaccedilatildeo da atividade intelectual artiacutestica e cientiacutefica Segundo a professora Regina Helena Costa (2006 p 192) a norma de imunizaccedilatildeo possibilita

a) a proteccedilatildeo do papel insumo baacutesico dos objetos sob proteccedilatildeo com a incidecircncia de impostos excessivos ou impostos aduaneiros que poderiam encarecer drasticamente essa mateacuteria-prima b) a defesa do livro do jornal e do perioacutedico contra a tributaccedilatildeo desestimuladora extrafiscal destinada a encarecer o produto reduzindo-lhe drasticamente a circulaccedilatildeo e c) a meta da neutralidade da imunidade de tal forma que ela natildeo resulte em eliminaccedilatildeo de grupos de informaccedilao economicamente mais fracos

Tais caracteriacutesticas apenas reiteram o que jaacute vem sendo apresentado no presente trabalho de que a facilitaccedilatildeo da circulaccedilatildeo de informaccedilotildees por meio da reduccedilatildeo da carga tributaacuteria incidente sobre os livros em qualquer forma em que for

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materializado deve sempre ocorrer Por meio desta disseminaccedilatildeo de livros haveraacute uma clara e evidente difusatildeo de cultura o que favoreceraacute ainda mais a formaccedilatildeo dos cidadatildeos e a construccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica dos fatos e acontecimentos ocorridos possibilitando um crescimento ainda maior da cultura nacional como vem ocorrendo nos uacuteltimos meses com as manifestaccedilotildees populares Considerando a relevacircncia do conceito de ldquolivrordquo deve-se afastar qualquer subjetivismo que impossibilite a finalidade eminentemente cultural de sua disseminaccedilatildeo O Supremo Tribunal Federal acentua que

O Constituinte ao instituir esta benesse natildeo fez ressalvas quanto ao valor artiacutestico ou didaacutetico agrave relevacircncia das informaccedilotildees divulgadas ou agrave qualidade cultural de uma publicaccedilatildeo Natildeo cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefiacutecio fiscal instituiacutedo para proteger direito tatildeo importante ao exerciacutecio da democracia por forccedila de um juiacutezo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagoacutegico de uma publicaccedilatildeo destinada ao puacuteblico infanto-juvenil10

Diante disso deve a Suprema Corte rever o seu posicionamento tomando como base as exposiccedilotildees dos doutrinadores aliada as apresentaccedilotildees jaacute feitas pelo proacuteprio Pretoacuterio Excelso de utilizaccedilatildeo de meios interpretativos mais modernos que se adeacutequam as necessidades e casos concretos trazendo maior aplicabilidade agraves disposiccedilotildees constitucionais

A tiacutetulo de argumentaccedilatildeo as listas telefocircnicas quando da vigecircncia da Constituiccedilatildeo Federal de 1946 natildeo eram beneficiaacuterias da imunidade tributaacuteria conforme se extrai do RMS 17804-GB de relatoria do entatildeo Ministro Djaci Falcatildeo (MACHADO 2003 p 54) Nesta linha ainda quando da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de 1967 o Ministro do Supremo Tribunal Federal Oscar Correcirca considerou que apesar da periodicidade das listas estas natildeo poderiam ser privilegiadas com o instituto da imunidade (MACHADO 2003 p 55) Somente em 1987 um ano antes da promulgaccedilatildeo da atual Magna Carta o STF nas palavras do ministro Sydney Sanches exarou decisatildeo favoraacutevel agrave exoneraccedilatildeo tributaacuteria das

10 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406

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listas telefocircnicas por meio da incidecircncia da imunidade conforme se atesta pela ementa abaixo transcrita do Recurso Extraordinaacuterio n 101441RS

Imunidade tributaacuteria (art 19 III lsquodrsquo da CF) ISS Listas Telefocircnicas A ediccedilatildeo de listas telefocircnicas (cataacutelogos ou guias) eacute imune ao ISS (art 19 III lsquodrsquo da CF) mesmo que nelas haja publicidade paga Se a norma constitucional visou a facilitar a confecccedilatildeo ediccedilatildeo e distribuiccedilatildeo do livro do jornal e dos perioacutedicos imunizando-os ao tributo assim como o proacuteprio papel destinado agrave sua impressatildeo eacute de se entender que natildeo estatildeo excluiacutedas da imunidade os perioacutedicos que cuidam apenas e tatildeo somente de informaccedilotildees geneacutericas e especiacuteficas sem caraacuteter noticioso discursivo literaacuterio poeacutetico ou filosoacutefico mas de inegaacutevel utilidade puacuteblica como eacute o caso das listas telefocircnicas Recurso extraordinaacuterio conhecido por unanimidade de votos pela letra lsquodrsquo do permissivo constitucional e provendo por maioria para deferimento do mandado de seguranccedila Assim como no passado as listas telefocircnicas natildeo eram contempladas com os benefiacutecios da imunidade espera-se que tal mentalidade se altere de modo a proporcionar a populaccedilatildeo um acesso mais condizente as informaccedilotildees disponiacuteveis Os livros satildeo apenas o veiacuteculo disseminador de conhecimento sendo irrelevante a forma material que o mesmo assume devendo o inteacuterprete-aplicador se ater a sua finalidade e natildeo a sua forma11

Natildeo se pode no entanto estender a anaacutelise para outros campos natildeo abarcados pela redaccedilatildeo norma como os meios televisivos e radiodifusores Diverge desta linha a professora Regina Helena Costa ao tratar especificamente deste assunto ldquo[] aos serviccedilos de radiodifusatildeo e televisatildeo todavia parece-nos que sustentar sejam os mesmos alcanccedilados pela imunidade em tela implica elastecimento indevido do COFINS do preceito imunitoacuteriordquo (COSTA 2006 p 191) Aleacutem do que a disposiccedilatildeo contida no artigo 150 da Constituiccedilatildeo Federal se limita aos impostos e natildeo aos demais tributos conforme tenta preconizar a mencionada doutrinadora O professor Ives Gandra da Silva Martins (2010 p 163) assim jaacute se manifestou

Uma interpretaccedilatildeo ndash equivalente a considerar que a liberdade de expressatildeo soacute pode manifestar-se atraveacutes de veiacuteculos de papel ndash representa inclusive um pensamento retroacutegrado de retrocesso institucional e intelectual Significaria considerar que a comunicaccedilatildeo social eletrocircnica pelos meios modernos natildeo merece ser protegida porque o constituinte teria desejado que o paiacutes natildeo evoluiacutesse na difusatildeo cultural e na obtenccedilatildeo de informaccedilotildees Natildeo eacute razoaacutevel a intelecccedilatildeo de que no campo da livre

11 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988

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manifestaccedilatildeo do pensamento o Constituinte desejou que permanececircssemos parados no tempo fazendo com que o Estado natildeo soacute natildeo apoiasse como punisse mediante a imposiccedilatildeo tributaacuteria a incorporaccedilatildeo das evoluccedilotildees tecnoloacutegicas como eacute o caso da comunicaccedilatildeo eletrocircnica Agrave evidecircncia tal exegese macularia a imagem de todos os constituintes e dos inteacuterpretes oficiais pois a doutrina eacute quase unacircnime em adotas interpretaccedilatildeo mais abrangente e contraacuteria a este raquitismo intelectual

Natildeo pode o constituinte limitar apenas ao veiacuteculo formado pelo papel uma vez que estaria punindo indevidamente aqueles que se valem dos avanccedilos tecnoloacutegicos cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas de forma indevida A liberdade de manifestaccedilatildeo natildeo pode ser tomada com dois paracircmetros completamente opostos tendo como fonte o mesmo texto Tal situaccedilatildeo se mostra uma flagrante injusticcedila social Os suportes tecnoloacutegicos assim como o papel satildeo simples meios de transmissatildeo de pensamentos irrelevantes para o verdadeiro fim a ser alcanccedilado e disposto no texto constitucional agrave liberdade de expressatildeo Segundo Schubert de Farias Machado (2003 p 261-262)

a) cabe ao aplicador das normas constitucionais atribuir ao seu texto o sentido adequado para acompanhar a evoluccedilatildeo das necessidades sociais no decorrer do tempo b) as imunidades podem sempre ser entendidas como proibiccedilatildeo de tributar c) a imunidade natildeo eacute instituto de direito tributaacuterio Natildeo tem relaccedilatildeo direta com a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria Consiste antes de tudo em instrumento de preservaccedilatildeo dos valores constitucionais contra a possiacutevel accedilatildeo do Estado por isso se torna irrelevante a capacidade contributiva das pessoas por elas alcanccediladas d) a imunidade prevista no dispositivo acima transcrito embora tiacutepica imunidade objetiva natildeo visa proteger o objeto livro mas sim a livre expressatildeo de pensamento ou seja o conteuacutedo dos livros e) as regras constitucionais devem ser interpretadas de modo a conferir-lhe maacutexima efetividade f) o livro nem sempre teve a forma que hoje predomina ndash coacutedice de papel a qual em breve restaraacute em grande parte substituiacuteda pelos registros digitais g) o entendimento de que o livro contido em CD-ROM por natildeo ser feito de papel natildeo eacute imune aos impostos implica em estreitamento injustificado do sentido da norma da Constituiccedilatildeo inteiramente incompatiacutevel com a doutrina do moderno constitucionalismo e h) a imunidade prevista na letra lsquodrsquo do item IV do art 150 da Constituiccedilatildeo Federal abrange o livro eletrocircnico

A imunidade tributaacuteria como claacuteusula peacutetrea disposta na Constituiccedilatildeo Federal devido ao fato de ser uma evidente garantia fundamental ao acesso agrave cultura informaccedilatildeo e conhecimento deve ser balizada e interpretada com relevacircncia

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

e natildeo como mera vedaccedilatildeo ao poder de tributar Por isso a importacircncia de novos precedentes e pensamentos mais modernos que busquem modificar as disposiccedilotildees entatildeo vigentes atualizando-as como verdadeiras necessidades e anseios sociais Hugo de Brito Machado (2003 p 32) assim jaacute se posicionou acerca do assunto

Concluindo estas nossas colocaccedilotildees entendemos que tambeacutem o ldquolivro eletrocircnicordquo estaria albergado pela imunidade prevista no art 150 VI ldquodrdquo Natildeo por uma aproximaccedilatildeo conceitual entre o livro e o CD-ROM senatildeo enquanto propagadores de pensamento mas principalmente pelo real alcance dentro do Sistema Constitucional dos valores que se pretende proteger

O Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiccedila Joseacute Augusto Delgado no XXIII Simpoacutesio Nacional de Direito Tributaacuterio do Centro de Extensatildeo Universitaacuteria afirma que

Ora na eacutepoca atual natildeo se pode entender como livro apenas o editado em papel Ao ser elaborada a Constituiccedilatildeo de 1988 o mundo contemporacircneo jaacute conhecia uma realidade imposto pela ciecircncia da informaacutetica e consistente na transmissatildeo de ideacuteias por vias eletrocircnicas no caso o CD-Rom o disquete etc Se a vontade do constituinte fosse de restringir a imunidade apenas ao livro tradicional isto eacute ao livro lanccedilado ao conhecimento do puacuteblico pelo meacutetodo tradicional teria ele explicitamente declarado que a vedaccedilatildeo de instituir impostos se limitava a livros formados pela reuniatildeo de folhas ou cadernos de papel soltos cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados e enfaixados ou montados em capa flexiacutevel ou riacutegida A mensagem do texto constitucional natildeo foi expliacutecita em tal sentido A expressatildeo livro empregada pelo constituinte natildeo podia ter outra significaccedilatildeo do que a vivenciada pela realidade imposta pela ciecircncia da informaacutetica que ao lado do livro papel entregou para ser usado pela humanidade o livro eletrocircnico Observo outrossim que o conceito de livro posto na Constituiccedilatildeo natildeo eacute de natureza vinculada agrave sua forma de apresentaccedilatildeo ao puacuteblico Ele tem conteuacutedo de expressar elemento material condutor de cultura de informaccedilatildeo de transmissatildeo de saber instrumento caracterizador de uma obra literaacuteria cientiacutefica ou artiacutestica (DELGADO 1998 p 57-58)

A questatildeo ainda natildeo eacute paciacutefica a doutrina se posta pela abrangecircncia do tema enquanto a jurisprudecircncia se divide poreacutem o entendimento prevalecente e atual do Supremo Tribunal Federal eacute no sentido de que a imunidade consagrada pelo artigo 150 inciso VI aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal deve se restringir aos elementos de transmissatildeo propriamente ditos Ocorre que apenas para abranger novos mecanismos de divulgaccedilatildeo e propagaccedilatildeo da cultura e informaccedilatildeo de multimiacutedia jornais e perioacutedicos eletrocircnicos deve haver uma nova anaacutelise dos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 523

Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

dispostos constitucionais12 No entanto os juiacutezes de primeira instacircncia bem como os desembargadores dos tribunais tecircm mantido posicionamento uniforme de que a imunidade deve sim se estendida aos livros eletrocircnicos Assim o posicionamento do STF deve ser reanalisado de modo a reconsiderar as atuais e relevantes mudanccedilas da realidade se valendo dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo existentes no nosso ordenamento de modo a possibilitar uma maior efetivaccedilatildeo das disposiccedilotildees apresentadas no texto constitucional

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Com efeito a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil consagrou princiacutepios fundamentais que devem embasar a exegese das demais normas do ordenamento sob pena de violaccedilatildeo da supremacia constitucional fonte de toda sustentaccedilatildeo do ordenamento juriacutedico brasileiro Natildeo se concebe portanto que se interprete extensivamente em certas situaccedilotildees para que o tributo seja devido e restritivamente em outras desvirtuando o sentido do comando constitucional para aplicar uma imunidade

Negar a incidecircncia da imunidade eacute persuadir a supremacia constitucional que natildeo pode ser limitada pela mera interpretaccedilatildeo literaacuteria expressatildeo de ultrapassado e excessivo formalismo juriacutedico Tem-se de considerar o elemento teleoloacutegico e finaliacutestico que indica ser a imunidade questatildeo destinada a impedir a incidecircncia do tributo possibilitando a disseminaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e de informaccedilatildeo de transmissatildeo de conhecimento e de distribuiccedilatildeo cultural Inadmissiacutevel a interpretaccedilatildeo que impeccedila a realizaccedilatildeo do princiacutepio essencial abrangido pela norma imunizante dificultando sua funccedilatildeo como mera forma de limitaccedilatildeo retroacutegrada que se natildeo harmoniza com o moderno constitucionalismo no qual se tem preconizado meacutetodos especiacuteficos para a interpretaccedilatildeo de normas da Constituiccedilatildeo em atenccedilatildeo agrave sua supremacia no ordenamento juriacutedico

12 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

O suporte natildeo eacute mais relevante do que a sua essecircncia verdadeiro fim a qual o livro foi moldado e difundido qual seja a veiculaccedilatildeo de conhecimento Natildeo eacute qualquer papel que eacute imune mas apenas aquele utilizado na produccedilatildeo de um livro Desta forma natildeo satildeo todos os CD-Roms disquetes ou pen-drives que merecem ser imunizados mas somente aqueles que satildeo utilizados como meios de disseminaccedilatildeo da cultura por meio do livro eletrocircnico Daiacute a diferenccedila loacutegica entre as duas expressotildees

Por fim importante ressaltar que em setembro de 2009 o Supremo Tribunal

Federal voltou a debater o tema trazendo a tona novamente a abordagem da

presente proposta por meio das palavras do Ministro Dias Toffoli relator de uma

demanda acerca do assunto ao afirmar que o tema merece maior atenccedilatildeo vez que

ldquona era da informaacutetica salta aos olhos a repercussatildeo do tema controvertidordquo13

Segundo o aludido Ministro existe a necessidade de trazer maior seguranccedila ao

alcance do texto constitucional cabendo ao Supremo Tribunal Federal tal encargo o

que possibilitou o reconhecimento de tal assunto como de repercussatildeo geral

permitindo uma possiacutevel mudanccedila de posicionamento acerca do tema ao ventilar o

embate sobre outra oacuteptica Especificamente no caso em tela seraacute analisado se as

peccedilas vendidas junto com o material didaacutetico de um curso de praacutetica de montagem

de computadores deve ou natildeo ser contemplado pela imunidade tributaacuteria

Diante tudo que jaacute foi exposto ateacute o momento importante que se busque

uma reflexatildeo acerca das proposiccedilotildees apresentadas no presente trabalho de modo a

afirmar que a imunidade tributaacuteria deve sim ser extentida aos livros eletrocircnicos meio

moderno de tecnologia de modo a possibilitar que a difusatildeo de cultura e

conhecimento se decirc de forma efetiva e possibilite um acesso mais saudaacutevel da

populaccedilatildeo mediante a disseminaccedilatildeo das informaccedilotildees disponiacuteveis promovendo uma

verdadeira revoluccedilatildeo nos paradigmas vigentes no ordenamento brasileiro por meio

de meacutetodos interpretativos diferenciados como o teleoloacutegico e o sistemaacutetico

13 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012

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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira

REFEREcircNCIAS

BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 BECKER Alfredro Augusto Teoria geral do direito tributaacuterio 4 ed Satildeo Paulo Noeses 2007 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2012 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 221239SP Recorrente Editora Globo Advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e Outros Recorrida Estado de Satildeo Paulo Advogado Procuradoria Geral do Estado de Satildeo Paulo Relatora Ministra Ellen Gracie Julgamento 25042004 Segunda Turma DJE 06082004 RTJ 193406 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 101441RS Relator(a) Sydney Sanches Recorrente Guias Telefocircnicas do Brasil Ltda Recorrida Prefeitura Municipal de Porto Alegre Oacutergatildeo Julgador Tribunal Pleno Julgamento 04111987 DJ 19081988 BRASIL Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Lei n517266 Brasiacutelia Senado 1966 BRASIL Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil Brasiacutelia Senado 1988 BRASIL Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro Decreto-Lei nordm 465742 Brasiacutelia Senado 1942 BRASIL Lei n 1075303 Institui a poliacutetica nacional do livro Brasiacutelia Senado 2003 BRASIL Lei n 1086504 Dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo para os programas de integraccedilatildeo social e de formaccedilatildeo do patrimocircnio do servidor puacuteblico e a contribuiccedilatildeo para o financiamento da seguridade social incidentes sobre a importaccedilatildeo de bens e serviccedilos e daacute outras providecircncias Brasiacutelia Senado 2004 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755 BRASIL Supremo Tribunal Federal Agravo de Instrumento nordm 724291SP Agravante Empresa Folha da Manhatilde SA Advogado Orlando Molina Agravada Uniatildeo Advogado Procurador Geral da Repuacuteblica Relator Ministro Ricardo Lewandoswski Julgado em 08052009 DJE 20052009 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio nordm 330817 RJ Repercussatildeo Geral Relator Ministro Dias Toffoli Requerente Estado do Rio de Janeiro Advogado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro Requerido Elfez

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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos

Ediccedilatildeo Comeacutercio e Serviccedilos Ltda Advogado Feacutelix Soibelman Julgamento em 20092012 DJE 10102012 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional 7 ed Coimbra Almedina 2003 CARRAZZA Roque Antocircnio Curso de direito constitucional tributaacuterio 27 ed Satildeo Paulo Malheiros 2011 CORREcircA Walter Barbosa Sistema tributaacuterio na Constituiccedilatildeo de 1988 5 ed Satildeo Paulo Saraiva 1998 COSTA Regina Helena Imunidades tributaacuterias ndash teoria e anaacutelise da jurisprudecircncia do STF 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2006 DE SANTI Eurico Marcos Diniz Imunidade tributaacuteria como limite objetivo e as diferenccedilas entre livro e livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 DELGADO Joseacute Augusto Pesquisas tributaacuterias - Imunidades tributaacuterias Nova seacuterie nordm 4 Satildeo Paulo Centro de Extensatildeo Universitaacuteria e RT 1998 HESSE Konrad Escritos de derecho consticional Trad Pedro Cruz Villalon Madrid Centro de Estudios Constitucionales 1992 ICHIHARA Yoshiaki Imunidades tributaacuterias In MARTINS Ives Gandra da Silva (coord) Imunidades tributaacuterias Satildeo Paulo Revista dos Tribunais Pesquisas tributaacuterias Nova seacuterie ndash 4 2001 MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MACHADO Schubert de Farias Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003 MARTINS Ives Gandra da Silva Aspectos referentes agrave imunidade dos livros eletrocircnicos assim como das obrigaccedilotildees a que estatildeo tais bens e serviccedilos desvinculados de controle pela Ancine e Condecine In Revista dialeacutetica de direito tributaacuterio nordm 180 Satildeo Paulo Dialeacutetica 2010 MARTINS Ives Gandra da Silva Comentaacuterios agrave Constituiccedilatildeo do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 Tomo I vol 6 2 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2000 TOcircRRES Heleno Taveira GARCIA Vanessa Nobell Tributaccedilatildeo e imunidade dos chamados ldquolivros eletrocircnicosrdquo In MACHADO Hugo de Brito (Coord) Imunidade tributaacuteria do livro eletrocircnico Satildeo Paulo Atlas 2003

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

A RESERVA DO POSSIacuteVEL O MIacuteNIMO EXISTENCIAL E O PODER JUDICIAacuteRIO1

LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY

Lucas Daniel Ferreira de Souza2

Resumo O presente trabalho tem como foco as formas possiacuteveis de se

responsabilizar o Estado frente aos particulares e por outro lado as teses de defesa utilizadas pelo ente estatal quando comprovadamente impossiacutevel realizar a prestaccedilatildeo pleiteada Desta forma abordamos a Reserva do Possiacutevel ou seja a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado quando confrontada com o Miacutenimo Existencial de cada direito fundamental social necessaacuterio para a existecircncia humana digna Por fim discorreremos sobre a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio bem como do Ministeacuterio Puacuteblico e da Defensoria Puacuteblica para coagir a Administraccedilatildeo Puacuteblica a cumprir as medidas necessaacuterias assim como proteger e representar os indiviacuteduos que estejam sofrendo restriccedilotildees em seus direitos

Palavras-Chave Estado Reserva do Possiacutevel Poder Judiciaacuterio

Abstract The present work focuses on possible ways to hold the accountable the

State by individuals and on the other hand the defense thesis used by the state entity when it proves impossible to make the provision pleaded This way we approach the Reserve of the Possible in other words the budget constraint of the State when confronted whit the Minimum Existential of each fundamental social right necessary to a dignified human existence Lastly we discourse about the performance of the Judiciary as well as Public Prosecutor and Public Defender to coerce the State to comply the necessary measures as well as protecting and represent the individuals who are suffering restrictions on their rights

Keywords State Possible Reserve Judiciary

1 Artigo submetido em 01072013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 15072013 e 02092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 07102013

2 Bacharel em direito jaacute aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil formado pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia em 2011 Cursando Poacutes-Graduaccedilatildeo Lato Sensu pela Faculdade de Direito Damaacutesio de Jesus com especializaccedilatildeo em Direito Penal e Processual Penal com conclusatildeo prevista para 2013 Trabalhando com total dedicaccedilatildeo e exclusividade como provaacutevel mestrando para o ano de 2014 pelo UNIVEM - Centro Universitaacuterio Euriacutepides de Mariacutelia Residente e domiciliado na Rua Joaquim Ferreira Eacutevora ndeg 279 Jardim Eldorado CEP 17505-020 MariacuteliaSP Telefones para contato (14) 3432-5027 (14) 8145-4632 Endereccedilo eletrocircnico lucasdanielfshotmailcom Para outras informaccedilotildees acessar o Curriacuteculo Lattes disponiacutevel em lt httpbuscatextualcnpqbrbuscatextualvisualizacvdoid=K4357078Z8gt

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

INTRODUCcedilAtildeO

A Reserva do Possiacutevel surgiu em julgamento promovido pelo Tribunal Constitucional Alematildeo em decisatildeo conhecida como Numerus Clausus (nuacutemero restrito)

Neste caso o Tribunal Constitucional analisou demanda judicial proposta por estudantes que natildeo haviam sido admitidos nas escolas de Medicina de Hamburgo e Munique em face da limitaccedilatildeo do nuacutemero de vagas em cursos superiores adotada pelo paiacutes em 1960 com fundamento no artigo 12 da Lei Fundamental alematilde que garantia a livre escolha de trabalho ofiacutecio ou profissatildeo

Ao decidir a questatildeo a Corte alematilde entendeu que o direito pleiteado qual seja o aumento do nuacutemero de vagas na universidade encontra limitaccedilatildeo na Reserva do Possiacutevel conceituada como o que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade sob pena de em virtude das limitaccedilotildees de ordem econocircmica comprometer a plena efetivaccedilatildeo dos direitos sociais

Assim a decisatildeo foi que natildeo seria razoaacutevel obrigar o Estado a disponibilizar o acesso a todos que pretendessem cursar medicina eis que esta exigecircncia estaria acima de um limite social baacutesico

Analisando a questatildeo Sarlet (2001 p 265) leciona que o Tribunal alematildeo entendeu que

() a prestaccedilatildeo reclamada deve corresponder ao que o indiviacuteduo pode razoavelmente exigir da sociedade de tal sorte que mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposiccedilatildeo natildeo se pode falar em uma obrigaccedilatildeo de prestar algo que natildeo se mantenha nos limites do razoaacutevel

Destaca-se que mesmo que o Estado possua os recursos necessaacuterios disponiacuteveis natildeo eacute obrigado a prestar algo que natildeo seja razoaacutevel como entendeu a Corte alematilde no caso supracitado referente aos estudantes que pleiteavam vagas de medicina em uma determinada instituiccedilatildeo de ensino

Desta forma a Reserva do Possiacutevel em sua origem natildeo leva em

consideraccedilatildeo uacutenica e exclusivamente a existecircncia de recursos materiais suficientes

para a efetivaccedilatildeo do direito social mas sim a razoabilidade da pretensatildeo deduzida

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

Assim acaba sendo um elemento externo capaz de limitar ou ateacute restringir o acesso

dos titulares a um direito fundamental social especiacutefico face agrave limitaccedilatildeo

orccedilamentaacuteria do Estado

No entendimento de Moraes (2007 p 177) os direitos sociais

() satildeo direitos fundamentais do homem caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas de observacircncia obrigatoacuteria em um Estado Social de Direito tendo por finalidade a melhoria de condiccedilotildees de vida aos hipossuficientes visando agrave concretizaccedilatildeo da igualdade social e satildeo consagrados como fundamentos do Estado Democraacutetico pelo art 1ordm IV da Constituiccedilatildeo Federal

No mesmo sentido segundo Krell (2002 p 20)

As normas programaacuteticas sobre direitos sociais que hoje encontramos nas grandes maiorias dos textos constitucionais dos paiacuteses europeus e latino-americanos definem metas e finalidades as quais o legislador ordinaacuterio deve elevar a um niacutevel adequado de concretizaccedilatildeo Essas ldquonormas-programardquo prescrevem a realizaccedilatildeo por parte do Estado de determinados fins e tarefas Elas natildeo representam meras recomendaccedilotildees ou preceitos morais com eficaacutecia eacutetico-poliacutetica meramente diretiva mas constituem Direito diretamente aplicaacutevel

Os direitos fundamentais sociais do homem satildeo aqueles garantidos

constitucionalmente fornecidos atraveacutes de prestaccedilotildees do Estado que visam garantir

uma condiccedilatildeo de vida digna a todos os membros da coletividade

Dessa forma deve-se fazer uma anaacutelise entre as possibilidades do ente

puacuteblico e a urgecircncia da pretensatildeo pleiteada sob pena de se manejada a situaccedilatildeo

de forma incorreta causar grave lesatildeo agrave economia puacuteblica ou ferir direitos

garantidos constitucionalmente que consagram a dignidade da pessoa humana

A Reserva do Possiacutevel entatildeo eacute invocada quando da impossibilidade de o

Estado atraveacutes de prestaccedilotildees positivas garantir plenamente a efetivaccedilatildeo de todos

os direitos fundamentais sociais sob pena de grave prejuiacutezo ao eraacuterio e

consequentemente agrave sociedade como um todo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA

A teoria da Reserva do Possiacutevel foi implantada no Brasil e interpretada unicamente como a Reserva do Financeiramente Possiacutevel eis que eacute considerada como limite agrave concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais tatildeo somente a existecircncia ou natildeo de recursos puacuteblicos disponiacuteveis

Natildeo eacute de se espantar que houve uma mudanccedila na essecircncia da teoria quando interpretada em solo paacutetrio uma vez que existem significantes diferenccedilas sociais culturais e econocircmicas entre a Alemanha berccedilo da teoria da Reserva do Possiacutevel e o Brasil

Sobre a implantaccedilatildeo da Reserva do Possiacutevel pelo Brasil face agraves grandes diferenccedilas entre os paiacuteses segundo Krell (2002 p 108)

Devemos nos lembrar que os integrantes do sistema juriacutedico alematildeo natildeo desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhotildees de cidadatildeos socialmente excluiacutedos Na Alemanha ndash como nos paiacuteses centrais ndash natildeo haacute um grande contingente de pessoas que natildeo acham vagas nos hospitais mal equipados da rede puacuteblica natildeo aacute necessidade de organizar a produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da alimentaccedilatildeo baacutesica a milhotildees de indiviacuteduos para evitar sua subnutriccedilatildeo ou morte natildeo haacute altos nuacutemeros de crianccedilas e jovens fora da escola natildeo haacute pessoas que natildeo conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniaacuterio de assistecircncia social que recebem etc

Deste modo no Brasil em razatildeo de sua realidade econocircmica e social esta teoria eacute utilizada como oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais face agrave limitaccedilatildeo do Estado em dispor de recursos financeiros suficientes para implementaacute-los

A Reserva do Possiacutevel consiste na realizaccedilatildeo dos direitos sociais condicionada agrave quantidade de recursos disponiacuteveis sob pena de ao dar enfoque a apenas um desses direitos inviabilizar a prestaccedilatildeo de outros

Sobre o tema assim se posiciona Barcellos (2002 p 232)

() eacute importante lembrar que haacute um limite de possibilidades materiais para esses direitos Em suma pouco adiantaraacute do ponto de vista praacutetico a previsatildeo normativa ou a refinada teacutecnica hermenecircutica se absolutamente natildeo houver dinheiro para custear a despesa gerada por determinado direito subjetivo

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Lucas Daniel Ferreira de Souza

Em virtude da ausecircncia de condiccedilotildees financeiras de garantir integralmente todos os direitos fundamentais sociais cabe ao Estado fazer escolhas estabelecendo as prioridades e criteacuterios a serem seguidos por meio da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

Nas palavras de Oliveira (2006 p 251)

As poliacuteticas puacuteblicas satildeo providecircncias para que os direitos se realizem para que as satisfaccedilotildees sejam atendidas para que as determinaccedilotildees constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidades aos governados

As poliacuteticas puacuteblicas que consistem na destinaccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico para determinados fins entretanto encontram barreira na Reserva do Possiacutevel face agrave limitaccedilatildeo financeira do Estado

Assim cabe agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica tendo em vista o caso concreto e os direitos conflitantes buscar compatibilizaacute-los procedendo a uma anaacutelise interpretativa que leva em conta a hierarquizaccedilatildeo desses direitos fazendo prevalecer dessa forma os direitos considerados de maior relevacircncia naquele determinado momento

Este poder de escolha do Estado eacute denominado poder discricionaacuterio por meio do qual a Administraccedilatildeo Puacuteblica tem a liberdade de escolher consultando a oportunidade e conveniecircncia a medida que mais convenha ao interesse puacuteblico sem necessidade de previsatildeo legal

Na liccedilatildeo de Meirelles (2004 p 120)

Essa liberdade funda-se na consideraccedilatildeo de que soacute o administrador em contato com a realidade estaacute em condiccedilotildees de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniecircncia da praacutetica de certos atos que seria impossiacutevel ao legislador dispondo na regra juriacutedica - lei - de maneira geral e abstrata prover com justiccedila e acerto

Obviamente mesmo dispondo desta liberdade as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituiccedilatildeo Federal que determina as diretrizes a serem seguidas a fim de satisfazer os objetivos fundamentais nela previstos

Nesta esteira assim leciona Canotilho (1999 p 448) Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 532

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

O entendimento dos direitos sociais econocircmicos e culturais como direitos originaacuterios implica como jaacute foi salientado uma mudanccedila na funccedilatildeo dos direitos fundamentais e potildee como acuidade o problema de sua efectivaccedilatildeo Natildeo obstante se falar aqui da efectivaccedilatildeo dentro de uma lsquoreserva possiacutevelrsquo para significar a dependecircncia dos direitos econoacutemicos sociais e culturais dos lsquorecursos econocircmicosrsquo a efetivaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais natildeo se reduz a um simples lsquoapelorsquo ao legislador Existe uma verdadeira imposiccedilatildeo constitucional legitimadora entre outras coisas de transformaccedilotildees econocircmicas e sociais na medida em que estas forem necessaacuterias para efetivaccedilatildeo desses direitos

Vale salientar entatildeo que a discricionariedade nas condutas do administrador natildeo permite que ele opte por concretizar ou natildeo um direito fundamental mas sim que ao realizar a distribuiccedilatildeo de recursos faccedila uma ponderaccedilatildeo no tocante aos bens juriacutedicos em questatildeo

Condicionar a efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais unicamente agrave existecircncia ou natildeo de recursos disponiacuteveis e consequentemente agrave decisatildeo do administrador causa uma grande inseguranccedila juriacutedica razatildeo pela qual as escolhas realizadas por este devem ser sempre precedidas de uma anaacutelise cautelosa do caso concreto visando sempre a melhor decisatildeo possiacutevel para o conflito de interesses

A Reserva do Possiacutevel sob pena de ser utilizada pelo Estado como forma de se exonerar dolosamente do cumprimento de suas obrigaccedilotildees delineadas constitucionalmente soacute poderaacute ser invocada quando restar objetivamente comprovada a inexistecircncia de recursos financeiros para a realizaccedilatildeo de determinado fim

Assim tendo em vista a vital importacircncia da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais a Reserva do Possiacutevel deve ser rechaccedilada quando invocada com o intuito de afastar a obrigatoriedade de efetivaccedilatildeo dos referidos direitos pelo Estado razatildeo pela qual a mera alegaccedilatildeo de insuficiecircncia de recursos natildeo eacute suficiente devendo haver a clara comprovaccedilatildeo da mesma

Entretanto o que se constata na realidade paacutetria eacute um completo descaso com a efetivaccedilatildeo dos direitos sociais notado pelo mau planejamento das verbas pelo Estado conjuntamente com a criaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas insuficientes para atender agrave demanda da populaccedilatildeo brasileira

Questatildeo que merece destaque neste sentido eacute a corrupccedilatildeo crescente em nosso paiacutes o que vem comprometer a manutenccedilatildeo da qualidade de vida da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 533

Lucas Daniel Ferreira de Souza

populaccedilatildeo eis que o interesse maior do administrador puacuteblico que deveria ser o bem comum passa a ser interesse de cunho pessoal

Sobre o caos poliacutetico vivido hodiernamente em nosso paiacutes se posiciona Cambi (2009 p 245)

Confiar unicamente na concretizaccedilatildeo do interesse puacuteblico por parte dos administradores puacuteblicos eleitos para isto eacute fechar os olhos para a realidade brasileira marcada por inuacutemeros poliacuteticos despreparados oportunistas corruptos ou que fazem uso inadequado do dinheiro puacuteblico

Nesta esteira a corrupccedilatildeo viola diretamente os direitos fundamentais sociais da pessoa humana ou seja das prestaccedilotildees sociais obrigatoacuterias por parte do Estado como representante maior da sociedade

Estes desvios de interesses bem como a ausecircncia de recursos financeiros no entanto natildeo podem ter o condatildeo de comprometer o miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna da pessoa humana conforme passaremos a analisar

2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS

A grande maioria dos direitos fundamentais depende de prestaccedilotildees positivas exigindo gastos financeiros por parte do Estado que encontra restriccedilotildees para a total efetivaccedilatildeo desses direitos na escassez de recursos

Entretanto natildeo eacute possiacutevel deixar a mercecirc do Estado a decisatildeo de implementar ou natildeo ao menos uma parcela miacutenima de cada direito fundamental social necessaacuteria para garantir a vida digna de cada indiviacuteduo sob pena de atentar diretamente contra os direitos e garantias constitucionais

Esta parcela miacutenima dos direitos fundamentais eacute chamada Miacutenimo Existencial que no entendimento de Rocha foi criado ldquo[] para dar efetividade ao princiacutepio da possibilidade digna ou da dignidade da pessoa humana possiacutevel a ser garantido pela sociedade e pelo Estadordquo (ROCHA 2005 p 445)

Acerca do nuacutecleo abrangido pelo Miacutenimo Existencial Canotilho (2001 p 203) expotildee

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

Das vaacuterias normas sociais econocircmicas e culturais eacute possiacutevel deduzir-se um princiacutepio juriacutedico estruturante de toda a ordem econocircmico-social portuguesa todos (princiacutepio da universalidade) tecircm um direito fundamental a um nuacutecleo baacutesico de direitos sociais (minimum core of economic and social rights) na ausecircncia do qual o estado portuguecircs deve se considerar infractor das obrigaccedilotildees juriacutedico-sociais constitucional e internacionalmente impostas

Neste diapasatildeo o Miacutenimo Existencial eacute o direito de cada indiviacuteduo agraves condiccedilotildees miacutenimas indispensaacuteveis para a existecircncia humana digna que natildeo pode ser objeto de intervenccedilatildeo do Estado mas que exige prestaccedilotildees positivas deste Consiste entatildeo a um padratildeo miacutenimo de efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais sociais pelo Estado

Embora natildeo esteja expressamente contido em nossa Constituiccedilatildeo Federal deve-se contextualizaacute-lo nos direitos humanos na ideia de liberdade em todos os seus sentidos e nos princiacutepios da igualdade e acima de tudo da dignidade da pessoa humana princiacutepio basilar das garantias constitucionais

Sarlet (2001 p 60) conceitua a dignidade da pessoa humana da seguinte forma

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intriacutenseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideraccedilatildeo por parte do Estado e da comunidade implicando neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condiccedilotildees existenciais miacutenimas para uma vida saudaacutevel aleacutem de propiciar e promover sua participaccedilatildeo ativa co-responsaacutevel nos destinos da proacutepria existecircncia e da vida em comunhatildeo dos demais seres humanos

Neste sentido a existecircncia humana digna natildeo eacute considerada apenas no aspecto fiacutesico no sentido de manutenccedilatildeo e sobrevivecircncia do corpo mas tambeacutem no aspecto intelectual e espiritual assegurando dentre outros os direitos agrave educaccedilatildeo alimentaccedilatildeo e sauacutede

Assim eacute necessaacuterio que se reconheccedila certos direitos subjetivos a prestaccedilotildees ligados ao miacutenimo necessaacuterio para a existecircncia digna do indiviacuteduo e natildeo somente para sua subsistecircncia Sem a garantia deste miacutenimo imprescindiacutevel para a existecircncia humana haacute uma afronta direta ao direito constitucional agrave vida e mais que isso a uma vida com dignidade base de todos os direitos fundamentais e humanos

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Natildeo eacute possiacutevel no entanto elencar taxativamente os elementos que compotildeem o miacutenimo existencial de cada direito sendo necessaacuteria uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto e do direito fundamental em questatildeo

A restriccedilatildeo de direitos fundamentais sociais somente se justifica quando natildeo viola o Miacutenimo Existencial ou seja o nuacutecleo essencial destes direitos Mesmo existindo a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria do Estado natildeo cabe agrave Administraccedilatildeo por meio do poder discricionaacuterio fazer escolhas no tocante a concretizar ou natildeo o miacutenimo existencial de determinado direito fundamental uma vez que estes satildeo considerados pilares da existecircncia humana digna razatildeo pela qual natildeo podem ser olvidados

Vale destacar que o objetivo maior do Estado eacute sempre concretizar integralmente os direitos fundamentais sociais pois estes satildeo indispensaacuteveis para a vida humana digna Natildeo sendo possiacutevel em razatildeo de ausecircncia de recursos invocando-se neste caso a Reserva do Possiacutevel pelo menos o Miacutenimo Existencial de cada um desses direitos dever ser garantido porque possui prioridade nas destinaccedilotildees orccedilamentaacuterias

Assim eacute o entendimento de Barcellos (2002 p 246)

Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o miacutenimo existencial) estar-se-atildeo estabelecendo exatamente os alvos prioritaacuterios dos gastos puacuteblicos Apenas depois de atingi-os eacute que se poderaacute discutir relativamente aos recursos remanescentes em que outros projetos se deveraacute investir O miacutenimo existencial como se vecirc associado ao estabelecimento de prioridades orccedilamentaacuterias eacute capaz de conviver produtivamente com a reserva do possiacutevel

Em siacutentese a Reserva do Possiacutevel pode conviver pacificamente com o Miacutenimo Existencial pois este atua como um limite para a invocaccedilatildeo daquela ou seja a Reserva do Possiacutevel soacute poderaacute ser invocada quando realizado o juiacutezo da proporcionalidade e da garantia do Miacutenimo Existencial com relaccedilatildeo a todos os direitos em questatildeo

Por derradeiro o Miacutenimo Existencial surgiu para proteccedilatildeo dos indiviacuteduos por meio da efetivaccedilatildeo de uma parcela das garantias constitucionais aptas a proporcionar ao ser humano uma vida com dignidade frente a todo o descaso que presenciamos diariamente do poder puacuteblico para com as necessidades mais urgentes dos cidadatildeos Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 536

A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

No caso de haver qualquer desrespeito no tocante agrave concretizaccedilatildeo ao menos do nuacutecleo essencial de determinado direito fundamental social o Poder Judiciaacuterio deve ser acionado para intervir pois pelo caraacuteter de indispensabilidade dos referidos direitos eles gozam de proteccedilatildeo jurisdicional conforme passaremos a tratar

3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO

A limitada disponibilidade de recursos do Poder Puacuteblico para prover as ilimitadas necessidades da coletividade eacute uma realidade que tem o condatildeo de causar a insatisfaccedilatildeo dos indiviacuteduos que comumente acabam procurando o Poder Judiciaacuterio para a resoluccedilatildeo do impasse

No tocante agrave atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio em temas referentes agraves poliacuteticas puacuteblicas para aqueles que defendem natildeo ser esta cabiacutevel fala-se que a referida mateacuteria estaacute ligada agrave discricionariedade e conveniecircncia do Poder Executivo natildeo podendo portanto ser objeto de pleito judicial sob pena de desrespeitar o princiacutepio da Separaccedilatildeo dos Poderes

De acordo com este entendimento eacute atribuiccedilatildeo exclusiva do poder estatal decidir de que forma e onde os recursos puacuteblicos devem ser aplicados

A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 passa a assegurar de forma expressa a proteccedilatildeo de direitos sejam eles privados puacuteblicos ou transindividuais (difusos coletivos ou individuais homogecircneos)

Destarte traz expressamente em seu artigo 5ordm inciso XXXV a possibilidade de se recorrer agraves vias judiciais quando da violaccedilatildeo de direitos ldquoA lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do poder judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila de lesatildeo a direitordquo

De acordo com os ensinamentos de Lenza (2009 p 698) ldquoo artigo 5ordm inciso XXXV veio sedimentar o entendimento amplo do termo direito dizendo que a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito natildeo mais restringindo a sua amplituderdquo

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O desrespeito aos princiacutepios e garantias fundamentais indispensaacuteveis para a existecircncia humana jaacute fundamenta a intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio que deveraacute agir natildeo de forma ilimitada mas analisando sempre a situaccedilatildeo concreta

De encontro a este posicionamento Barcellos (2002 p 230) afirma

() nem a separaccedilatildeo de poderes nem o princiacutepio majoritaacuterio satildeo absolutos em si mesmos sendo possiacutevel excepcionaacute-los em determinadas hipoacuteteses especialmente quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana

Natildeo estaacute havendo portanto usurpaccedilatildeo das funccedilotildees de um poder sobre o outro nem tampouco invasatildeo na seara administrativa eis que eacute papel do Judiciaacuterio agir diante de violaccedilatildeo de direito subjetivo constitucional corrigindo eventuais distorccedilotildees provocadas pela Administraccedilatildeo Puacuteblica

Atuando desta forma natildeo se atribui ao Judiciaacuterio o poder de criar poliacuteticas puacuteblicas mas sim o de obrigar que sejam executadas aquelas que jaacute satildeo objeto de legislaccedilatildeo

O Ministro Encinas Manfreacute do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo assim se manifestou no julgamento da Apelaccedilatildeo nordm 9152889-0520088260000

Inocorrecircncia de violaccedilatildeo ao princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Cabiacutevel determinaccedilatildeo judicial para que assegurados direitos fundamentais de crianccedilas e adolescentes os quais disciplinados na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica em Convenccedilatildeo Internacional incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro assim como na Lei 80601990 Possibilidade juriacutedica dos pedidos formulados pelo autor Arguiccedilotildees preliminares rejeitadas

Logo natildeo haacute invasatildeo do Judiciaacuterio na seara administrativa nestes casos mas tatildeo somente controle judicial acerca de descumprimento de preceito legal

Os direitos previstos na legislaccedilatildeo por si soacute satildeo vazios quando natildeo dotados de efetividade Neste diapasatildeo em virtude da prevalecircncia dos direitos fundamentais cabe ao Judiciaacuterio como inteacuterprete e aplicador do direito assegurar efetividade agraves normas constitucionais conforme dispotildee o julgado a seguir

PACIENTE COM HIVAIDS - PESSOA DESTITUIacuteDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO Agrave VIDA E Agrave SAUacuteDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS ndash DEVER CONSTITUCIONAL DO

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

PODER PUacuteBLICO (CF ARTS 5ordm CAPUT E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO O DIREITO Agrave SAUacuteDE REPRESENTA CONSEQUumlEcircNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIAacuteVEL DO DIREITO Agrave VIDA (STF ndash RE 271286RS rel Min Celso de Mello DJ 24112000)

A jurisprudecircncia brasileira eacute tranquila no sentido de preservar a efetividade do Miacutenimo Existencial entendendo que por se enquadrarem nos direitos fundamentais sociais natildeo se expotildee agrave avaliaccedilatildeo discricionaacuteria da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Poder Puacuteblico utiliza como tese defensiva a Reserva do Possiacutevel que natildeo vem sendo aceita pelas decisotildees jurisprudenciais quando meramente alegada exigindo-se a efetiva comprovaccedilatildeo de ausecircncia de recursos

Neste contexto assim decidiu o Superior Tribunal Federal rechaccedilando a alegaccedilatildeo de insuficiecircncia orccedilamentaacuteria

CRECHE E PREacute-ESCOLA - OBRIGACcedilAtildeO DO ESTADO - IMPOSICcedilAtildeO - INCONSTITUCIONALIDADE NAtildeO VERIFICADA - RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO 1 Conforme preceitua o artigo 208 inciso IV da Carta Federal consubstancia dever do Estado a educaccedilatildeo garantindo o atendimento em creche e preacute-escola agraves crianccedilas de zero a seis anos de idade O Estado - Uniatildeo Estados propriamente ditos ou seja unidades federadas e Municiacutepios - deve aparelhar-se para a observacircncia irrestrita dos ditames constitucionais natildeo cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiecircncia de caixa Eis a enorme carga tributaacuteria suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga O recurso natildeo merece prosperar lamentando-se a insistecircncia do Municiacutepio em ver preservada praacutetica a todos os tiacutetulos nefasta de menosprezo agravequeles que natildeo tecircm como prover as despesas necessaacuterias a uma vida em sociedade que se mostre consentacircnea com a natureza humana 2 Pelas razotildees acima nego seguimento a este extraordinaacuterio ressaltando que o acoacuterdatildeo proferido pela Corte de origem limitou-se a ferir o tema agrave luz do artigo 208 inciso IV da Constituiccedilatildeo Federal reportando-se mais a compromissos reiterados na Lei Orgacircnica do Municiacutepio - artigo 247 inciso I e no Estatuto da Crianccedila e do Adolescente - artigo 54 inciso IV 3 Publique-se (STF Decisatildeo Monocraacutetica RE nordm 356479-0 Rel Min Marco Aureacutelio J em 300404 DJU em 240504)

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO - CRIANCcedilA DE ATEacute SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PREacute- ESCOLA - EDUCACcedilAtildeO INFANTIL DIREITO ASSEGURADO PELO PROacutePRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF ART 208 IV) - COMPREENSAtildeO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL Agrave EDUCACcedilAtildeO - DEVER JURIacuteDICO CUJA EXECUCcedilAtildeO SE IMPOtildeE AO PODER PUacuteBLICO NOTADAMENTE AO

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MUNICIacutePIO (CF ART 211 sect 2ordm) - RECURSO IMPROVIDO (STF - RE 436996SP rel Min Celso de Mello DJ 07112005)

Como se percebe o que tem acontecido constantemente eacute o Poder Puacuteblico agir sem razoabilidade com a clara intenccedilatildeo de neutralizar os direitos fundamentais sociais afetando de forma direta mediante ineacutercia estatal ou abuso governamental as condiccedilotildees miacutenimas imprescindiacuteveis para uma existecircncia humana digna

Nesse sentido eacute a decisatildeo proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da Arguiccedilatildeo de Descumprimento de Preceito Fundamental nordm 45

Eacute que a realizaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais ndash aleacutem de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretizaccedilatildeo ndash depende em grande medida de um inescapaacutevel viacutenculo financeiro subordinado agraves possibilidades orccedilamentaacuterias do Estado de tal modo que comprovada objetivamente a incapacidade econocircmico-financeira da pessoa estatal desta natildeo se poderaacute razoavelmente exigir considerada a limitaccedilatildeo material referida a imediata efetivaccedilatildeo do comando fundado no texto da Carta Poliacutetica Natildeo se mostraraacute liacutecito no entanto ao Poder Puacuteblico em tal hipoacutetese ndash mediante indevida manipulaccedilatildeo de sua atividade financeira eou poliacutetico-administrativa ndash criar obstaacuteculo artificial que revele o ilegiacutetimo arbitraacuterio e censuraacutevel propoacutesito de fraudar de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservaccedilatildeo em favor da pessoa e dos cidadatildeos de condiccedilotildees materiais miacutenimas de existecircncia Cumpre advertir desse modo que a claacuteusula da ldquoreserva do possiacutevelrdquo ndash ressalvada a ocorrecircncia de justo motivo objetivamente aferiacutevel ndash natildeo pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigaccedilotildees constitucionais notadamente quando dessa conduta governamental negativa puder resultar nulificaccedilatildeo ou ateacute mesmo aniquilaccedilatildeo de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade

Analisando a decisatildeo supra fica claro que alegar limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria invocando a Reserva do Possiacutevel por si soacute natildeo tem o condatildeo de justificar a omissatildeo estatal especialmente nos casos em que estaacute em jogo a concretizaccedilatildeo do miacutenimo existencial de determinado direito fundamental social

Muito embora a limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria seja uma realidade quando se trata do miacutenimo existencial de um direito fundamental e natildeo houver real impossibilidade objetiva demonstrada a omissatildeo administrativa natildeo encontra justificativa na Reserva do Possiacutevel

Por outro lado o que tambeacutem natildeo pode ocorrer eacute o Poder Judiciaacuterio soliacutecito aos pleitos dos indiviacuteduos para obterem determinadas prestaccedilotildees judiciais ordenar

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

que as referidas prestaccedilotildees sejam executadas sem levar em consideraccedilatildeo os fundamentos apresentados pela Administraccedilatildeo Puacuteblica que naquele momento pode se encontrar incapaz de atender os pleitos em questatildeo

Esse tipo de decisatildeo do Judiciaacuterio no qual natildeo existe uma anaacutelise cautelosa do caso em concreto pode resultar em seacuterios problemas para a Administraccedilatildeo Puacuteblica posto que o administrador para conseguir cumprir o determinado nas decisotildees judiciais muitas vezes tem que retirar recursos de uma aacuterea especiacutefica para que sejam aplicados conforme o ordenamento judicial

Essa situaccedilatildeo acarreta uma violaccedilatildeo direta ao princiacutepio constitucional da igualdade pois para cumprir determinada decisatildeo judicial e em consequecircncia beneficiar um indiviacuteduo especiacutefico muitas vezes o Poder Puacuteblico conforme jaacute citado precisa realocar verbas de outra aacuterea causando prejuiacutezo agravequeles que dela dependiam

Por derradeiro o Poder Judiciaacuterio possui uma grande responsabilidade ao apurar os casos concretos ponderando e decidindo sempre pelo caminho que priorize o bem comum

4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO

Eacute de conhecimento geral que eacute dever do Estado viabilizar o acesso efetivo agraves poliacuteticas puacuteblicas determinadas constitucionalmente No entanto natildeo obstante a alegaccedilatildeo de limitaccedilatildeo orccedilamentaacuteria para a implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas cabe ao Ministeacuterio Puacuteblico apurar se tal afirmaccedilatildeo procede e em caso negativo comprovar objetivamente a capacidade orccedilamentaacuteria do Poder Puacuteblico para exigir a efetivaccedilatildeo do direito constitucional em questatildeo

Por expressa determinaccedilatildeo constitucional o ministeacuterio puacuteblico eacute oacutergatildeo defensor do interesse social conforme o disposto no art 129 II da Constituiccedilatildeo Federal

Sempre visando o interesse da coletividade eacute de grande importacircncia para o trabalho desenvolvido pelo Ministeacuterio Puacuteblico o poder de realizaccedilatildeo do Inqueacuterito Civil instrumento investigativo exclusivo do referido oacutergatildeo bem como deteacutem

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legitimidade para o ajuizamento de Accedilatildeo Civil Puacuteblica aleacutem de ter poderes para a realizaccedilatildeo de TAC - Termo de Ajustamento de Conduta

O TAC eacute um instituto utilizado antes e com o fim de evitar que se venha a instaurar o processo judicial Eacute um instituto de caraacuteter conciliatoacuterio adotado com o objetivo de composiccedilatildeo e tutela de interesses metaindividuais entre o Ministeacuterio Puacuteblico e a parte interessada de modo que esta se comprometa a agir da forma que for acordada

O Ministeacuterio Puacuteblico tambeacutem eacute parte legiacutetima e tem interesse de agir para propor accedilatildeo civil puacuteblica na qual defende interesses individuais indisponiacuteveis pois neste molde qualifica-se o direito agrave vida e agrave sauacutede

No mesmo sentido o Ministro Vicente de Abreu Amadei do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo julgou a Apelaccedilatildeo nordm 0004821-4920108260664

APELACcedilAtildeO - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - PESSOA HIPOSSUFICIENTE E PORTADORA DE DIABETES TIPO 1 (CID 10 ELO-0) ndash MEDICAMENTO PRESCRITO POR MEacuteDICO (LANTUS SALUSTAR E APIDRA SALUSTAR) ndash INSUMOS NECESSAacuteRIO (AGULHAS BD DE 5 MM) - INTERESSE DE AGIR ndash NECESSIDADE DA JURISDICcedilAtildeO SEM EXAURIR A VIA ADMINISTRATIVA - OBRIGACcedilAtildeO DO MUNICIacutePIO - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO ndash DIREITO FUNDAMENTAL AO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS - APLICACcedilAtildeO DOS ARTS IO III E 6O DA CF - PRINCIacutePIOS DA ISONOMIA DA TRIPARTICcedilAtildeO DE FUNCcedilOtildeES ESTATAIS E DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRACcedilAtildeO NAtildeO VIOLADOS - LIMITACcedilAtildeO ORCcedilAMENTAacuteRIA E TEORIA DA RESERVA DO POSSIacuteVEL - TESES AFASTADAS - COMINACcedilAtildeO DE MULTA EM OBRIGACcedilAtildeO IMPOSTA A ENTE PUacuteBLICO -VIABILIDADE - RECURSO NAtildeO PROVIDO

No que tange agrave tutela jurisdicional dos direitos individuais homogecircneos decidiu o Supremo Tribunal Federal

O Ministeacuterio Puacuteblico tem legitimidade para ajuizar accedilatildeo civil puacuteblica objetivando o fornecimento de remeacutedio pelo Estado Com base nesse entendimento a Turma proveu recurso extraordinaacuterio em que se questionava a obrigatoriedade de o Estado proporcionar a certa cidadatilde medicamentos indispensaacuteveis agrave preservaccedilatildeo de sua vida No caso tribunal local extinguira o processo sem julgamento de meacuterito ante a mencionada ilegitimidade ativa ad causam do parquet uma vez que se buscava por meio da accedilatildeo proteccedilatildeo a direito individual no caso de pessoa idosa (Lei 884294 art 2ordm) Sustentava-se na espeacutecie afronta aos artigos 127 e 129 II e III da CF Assentou-se que eacute funccedilatildeo institucional do parquet zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Puacuteblicos e dos serviccedilos de relevacircncia puacuteblica aos direitos assegurados na Constituiccedilatildeo promovendo medidas

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

necessaacuterias a sua garantia (CF art 129 II) (STF RE 407902RS rel Min Marco Aureacutelio 2652009 (RE-407902)

DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS - SEGURADOS DA PREVIDEcircNCIA SOCIAL - CERTIDAtildeO PARCIAL DE TEMPO DE SERVICcedilO - RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIAacuteRIA - DIREITO DE PETICcedilAtildeO E DIREITO DE OBTENCcedilAtildeO DE CERTIDAtildeO EM REPARTICcedilOtildeES PUacuteBLICAS - PRERROGATIVAS JURIacuteDICAS DE IacuteNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTEcircNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA - LEGITIMACcedilAtildeO ATIVA DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO - A FUNCcedilAtildeO INSTITUCIONAL DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO COMO DEFENSOR DO POVO (CF ART 129 II) - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF - RE 472489 AgRRS rel Min Celso de Mello DJ 29082008)

Desta forma extrai-se dos entendimentos acima que a legitimidade do Ministeacuterio Puacuteblico eacute inquestionaacutevel no que diz respeito agrave defesa dos direitos fundamentais sociais dos indiviacuteduos sejam eles metaindividuais ou individuais indisponiacuteveis

5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA

A Defensoria Puacuteblica eacute uma instituiccedilatildeo permanente e indispensaacutevel cuja

atribuiccedilatildeo eacute oferecer aos cidadatildeos hipossuficientes de forma integral e gratuita

orientaccedilatildeo juriacutedica e a defesa dos direitos individuais e coletivos

Desta forma cabe agrave Defensoria em cada caso especiacutefico objetivar a

efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental de modo a concretizar o princiacutepio

constitucional da dignidade da pessoa humana

Eacute de vital importacircncia destacar que a Lei nordm 11448 de 15 de janeiro de

2007 alterando o art 5ordm da Lei nordm 734785 legitima a Defensoria Puacuteblica para

propositura da accedilatildeo civil puacuteblica

A seguir alguns julgados do Superior Tribunal de Justiccedila que tratam sobre o

tema em questatildeo

PROCESSUAL CIVIL ACcedilAtildeO COLETIVA DEFENSORIA PUacuteBLICA LEGITIMIDADE ATIVA ART 5ordm II DA LEI Nordm 73471985 (REDACcedilAtildeO DA LEI Nordm 114482007) PRECEDENTE

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1 Recursos especiais contra acoacuterdatildeo que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Puacuteblica para propor accedilatildeo civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores 2 Esta Superior Tribunal de Justiccedila vem-se posicionando no sentido de que nos termos do art 5ordmII da Lei nordm 734785 (com a redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 1144807) a Defensoria Puacuteblica tem legitimidade para propor a accedilatildeo principal e a accedilatildeo cautelar em accedilotildees civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente ao consumidor a bens e direitos de valor artiacutestico esteacutetico histoacuterico turiacutestico e paisagiacutestico e daacute outras providecircncias 3 Recursos especiais natildeo-providos (Primeira Turma REsp n 912849RS relator Ministro Joseacute Delgado DJe de 2842008)

PROCESSUAL CIVIL EMBARGOS DE DECLARACcedilAtildeO OMISSAtildeO NO JULGADO INEXISTEcircNCIA ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA MAXIDESVALORIZACcedilAtildeO DO REAL FRENTE AO DOacuteLAR NORTE-AMERICANO INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGEcircNEOS LEGITIMIDADE ATIVA DO OacuteRGAtildeO ESPECIALIZADO VINCULADO Agrave DEFENSORIA PUacuteBLICA DO ESTADO I ndash O NUDECON oacutergatildeo especializado vinculado agrave Defensoria Puacuteblica do Estado do Rio de Janeiro tem legitimidade ativa para propor accedilatildeo civil puacuteblica objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil para aquisiccedilatildeo de veiacuteculos automotores com claacuteusula de indexaccedilatildeo monetaacuteria atrelada agrave variaccedilatildeo cambial II - No que se refere agrave defesa dos interesses do consumidor por meio de accedilotildees coletivas a intenccedilatildeo do legislador paacutetrio foi ampliar o campo da legitimaccedilatildeo ativa conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC bem assim do artigo 5ordm inciso XXXII da Constituiccedilatildeo Federal ao dispor expressamente que incumbe ao Estado promover na forma da lei a defesa do consumidor III ndash Reconhecida a relevacircncia social ainda que se trate de direitos essencialmente individuais vislumbra-se o interesse da sociedade na soluccedilatildeo coletiva do litiacutegio seja como forma de atender agraves poliacuteticas judiciaacuterias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor com a consequumlente facilitaccedilatildeo ao acesso agrave Justiccedila seja para garantir a seguranccedila juriacutedica em tema de extrema relevacircncia evitando-se a existecircncia de decisotildees conflitantes Recurso especial provido (Terceira Turma REsp n 555111RJ relator Ministro Castro Filho DJ de 18122006)

Deste modo depreende-se que a Defensoria Puacuteblica aleacutem se sua funccedilatildeo

tiacutepica qual seja representar judicial e extrajudicialmente os direitos dos

necessitados possui tambeacutem a funccedilatildeo de zelar pela concretizaccedilatildeo dos

direitos fundamentais sociais necessaacuterios para garantir a existecircncia digna do

indiviacuteduo

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A reserva do possiacutevel o miacutenimo existencial e o Poder Judiciaacuterio

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A ideia que se encontra encartada no conceito de Reserva do Possiacutevel natildeo pode se constituir como uma escusa dos governos em cumprir com as poliacuteticas puacuteblicas que viabilizam a concretizaccedilatildeo dos direitos sociais na realidade faacutetica

Natildeo se deve permitir portanto que o argumento da Reserva do Possiacutevel constitua um escudo que proteja o Estado de sua inatividade considerando que este tem negligenciado por diversas vezes direitos que na verdade natildeo satildeo impossiacuteveis de serem concretizados ou seja que se enquadram perfeitamente no acircmbito da reserva do possiacutevel

A grande celeuma surge quando analisamos a Reserva do Possiacutevel no contexto do Miacutenimo Existencial A Reserva do Possiacutevel embora seja aceita em algumas hipoacuteteses natildeo pode ser um oacutebice para a efetivaccedilatildeo de pelo menos uma porccedilatildeo miacutenima de cada direito fundamental social imprescindiacutevel a garantir a efetivaccedilatildeo do princiacutepio constitucional da dignidade da pessoa humana

Portanto natildeo se despreza a aplicabilidade e razoabilidade da Reserva do Possiacutevel em determinadas situaccedilotildees O que se defende eacute que esse princiacutepio natildeo seja usado de forma aleatoacuteria com simples alegaccedilotildees Portanto haacute necessidade que o Poder Puacuteblico demonstre ou seja prove que a negativa do oferecimento ao direito do indiviacuteduo eacute para que natildeo prejudique a efetivaccedilatildeo de outros direitos ligados ao miacutenimo existencial da populaccedilatildeo

Neste contexto quando se tratar de garantia dos direitos fundamentais sociais cabe ao Judiciaacuterio intervir em favor da realizaccedilatildeo destes sem no entanto interferir na esfera de atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Puacuteblica

O Ministeacuterio Puacuteblico e a Defensoria Puacuteblica como defensores do interesse social tambeacutem possuem legitimidade para objetivar a efetivaccedilatildeo judicial do direito fundamental lesado

REFEREcircNCIAS

BARCELLOS Ana Paula de A eficaacutecia Juriacutedica dos Princiacutepios Constitucionais Rio de Janeiro Renovar 2002

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 545

Lucas Daniel Ferreira de Souza

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lthttppla naltogovbrccivil_03constituicaoconstituiC3A7aohtmgt Acesso em 22 fev 2013 CAMBI Eduardo Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo Direitos fundamentais poliacuteticas puacuteblicas e protagonismo judiciaacuterio Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2009 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituiccedilatildeo 3 ed Coimbra Almedina 1999 CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituiccedilatildeo 4 ed Coimbra Almedina 2001 KRELL Andreas J Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha os descaminhos de um direito constitucional ldquocomparadordquo Porto Alegre Sergio Antocircnio Fabris Editor 2002 LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 13 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 MEIRELLES Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro 29 ed Satildeo Paulo Malheiros Editores 2004 MORAES Alexandre de Direito Constitucional Administrativo 4 ed Satildeo Paulo Atlas 2007 OLIVEIRA Reacutegis Fernandes de Curso de Direito Financeiro Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2006 ROCHA Carmen Luacutecia Antunes O miacutenimo existencial e o princiacutepio da reserva do possiacutevel Belo Horizonte Del Rey 2005 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 528-546 546

Regras para a submissatildeo de trabalhos

REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS

Chamada de Artigos Resenhas e Ensaios para o Perioacutedico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia

Brasileira de Direito Constitucional

Invitacioacuten a publicar Artiacuteculos Resentildeas y Ensayos en la Revista

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Call for Articles Reviews and Essays for the publication Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de

Direito Constitucional (Constitution Economics and Development Law Journal of the Brazilian Academy of Constitutional Law)

A Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponiacutevel em httpwwwabdconstcombrrevistasphp)com periodicidade semestral estaacute recebendo artigos resenhas e ensaios ineacuteditos em portuguecircs inglecircs e espanhol para a publicaccedilatildeo do seus oitavo e nono nuacutemeros ateacute 20 de Dezembro de acordo com as informaccedilotildees abaixo

Cordialmente

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsaacutevel (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Assistente (rafaelabdconstcombr)

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 547

Regras para a submissatildeo de artigos

La Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 disponible en httpwwwabdconstcombrrevistasphp) con periodicidad semestralestaacute recibiendo artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en portugueacutes ingleacutes y espantildeol para la publicacioacuten de sus octavo y nonos nuacutemero hasta 20 de Deciembre de acuerdo con las informaciones que se mencionan maacutes abajo

Un cordial saludo

Ilton Norberto Robl Filho - Editor Responsable (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto - Editor Asistente (rafaelabdconstcombr)

The Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ISSN 2177-8256 available at httpwwwabdconstcombrrevistasphp) published every semester is receiving original articles reviews and essays in Portuguese English and Spanish to be published in its eighth and ninth editions until December 20th according to the information below

Cordially

Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor (iltonabdconstcombr)

Rafael dos Santos Pinto ndash Assistant Editor (rafaelabdconstcombr)

Portuguecircs - Linha Editorial o perioacutedico cientiacutefico Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional publica artigos resenhas e ensaios ineacuteditos nos acircmbitos da teoria e da dogmaacutetica juriacutedica privilegiando a perspectiva transdisciplinar e comparada assim como de outros saberes sobre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento

Missatildeo A missatildeo da Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional eacute incentivar a produccedilatildeo

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 548

Regras para a submissatildeo de trabalhos

de estudos das relaccedilotildees juriacutedico-constitucionais com a praacutetica e o pensamento econocircmicos a partir da perspectiva democraacutetica e da efetivaccedilatildeo dos direitos fundamentais Ainda visa fomentar as discussotildees acadecircmicas sobre o desenvolvimento econocircmico juriacutedico humano e social e uma leitura criacutetica da Escola Law and Economics

Avaliaccedilatildeo dos Artigos Os artigos resenhas e ensaios satildeo analisados pelo Editor Responsaacutevel primeiramente para verificar a pertinecircncia com a linha editorial da Revista Posteriormente eacute feito o Double blind peer review ou seja os trabalhos cientiacuteficos satildeo remetidos a dois professores-pesquisadores doutores sem a identificaccedilatildeo dos autores para a devida avaliaccedilatildeo de forma e de conteuacutedo Quando houver um parecer pela aprovaccedilatildeo e outro pela reprovaccedilatildeo do artigo poderaacute haver a submissatildeo a terceiro parecerista para desempate depois de exame pelo Editor Encarregado Apoacutes a anaacutelise pelos pareceristas o Editor Responsaacutevel informaraacute aos autores o parecer negativo pela publicaccedilatildeo ou requereraacute as alteraccedilotildees sugeridas pelos pareceristas Neste caso os autores deveratildeo realizar as modificaccedilotildeese a partir das alteraccedilotildees feitas o Editor Responsaacutevel emitiraacute a opiniatildeo pela publicaccedilatildeo ou natildeo do texto Em cada nuacutemero poderatildeo ser publicados ateacute dois trabalhos (20 do total) de autores convidados selecionados pelo Editor Responsaacutevelde autoria de pesquisadores estrangeiros ou nacionais de grande renome com especial pertinecircncia temaacutetica com a revista

Envio dos Trabalhos Cientiacuteficos todos os artigos resenhas e ensaios deveratildeo ser enviados para o Editor Responsaacutevel da Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho e Editor assistente Rafael dos Santos Pinto no endereccedilo eletrocircnico trabalhosabdconstgooglegroupscom

O email deve obrigatoriamente conter nome completo e dados para contato do autor Deve ser enviado o trabalho em versatildeo aberta ( doc e similares) bem

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Regras para a submissatildeo de artigos

como acompanhar os termos de cessatildeo assinados disponiacutevel em httpwwwabdconstcombreditaisphp

Cessatildeo de Direitos Autorais e Termo de Responsabilidade Os autores ao submeterem seus trabalhos aceitam plenamente o conteuacutedo do termo de cessatildeo de direitos autorais obrigando-se a assinar a via disponiacutevel no site o que implica na transferecircncia integral e natildeo-onerosa dos direitos patrimoniais de seu trabalho agrave Revista Os autores tambeacutemassinaratildeo termo de responsabilidade em relaccedilatildeo ao conteuacutedo do trabalho e atestam que o trabalho submetido eacute ineacutedito e natildeo foi veiculado em outro perioacutedico e que foram tomadas todas as precauccedilotildees e procedimentos eacuteticos cabiacuteveis no curso da pesquisa

Identificaccedilatildeo dos autores Os autores devem se identificar inscrevendo seu nome completo logo abaixo do tiacutetulo do artigo Cada nome deve ocupar uma linha e possuir nota de rodapeacute com a qualificaccedilatildeo completa do autor A qualificaccedilatildeo do autor deve obrigatoriamente conter o viacutenculo institucional (instituiccedilatildeo cidade e estado) do autor e dados para contato (preferencialmente e-mail) Caso a pesquisa tenha sido realizada com financiamento de instituiccedilatildeo puacuteblica ou privada o viacutenculo deve ser indicado na uacuteltima linha da qualificaccedilatildeo

Principais Normas Editoriais de Formataccedilatildeo os trabalhos seratildeo redigidos em portuguecircs espanhol ou inglecircs e digitados em processador de texto Word

Fonte para o corpo do texto Times New Roman tamanho 13

Fonte para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas de mais de 3 linhas Times New Roman tamanho 11

Entrelinhamento para o corpo do texto 15

Entrelinhamento para as notas de rodapeacute e citaccedilotildees longas 10

Preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular

Estilo utilizado nas palavras estrangeiras itaacutelico

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

Estilo utilizado para destacar palavras do proacuteprio texto negrito

Nuacutemero de paacuteginas no miacutenimo 10 e no maacuteximo 30 paacuteginas justificado e com paacuteginas natildeo numeradas podendo a juiacutezo do Editor Responsaacutevel ser publicado artigo com mais de 30 paacuteginas

Normas Editorias de Estrutura do Texto os artigos resenhas e ensaios deveratildeo conter os elementos abaixo

Cabeccedilalho tiacutetulo subtiacutetulo nome do(s) autor(es) ndash o nuacutemero maacuteximo de autores eacute trecircs

Tiacutetulo deve ser claro e objetivo podendo ser complementado por um subtiacutetulo separado por dois pontos em fonte maiuacutescula e minuacutescula em negrito e centralizado

Nome do(s) autor(es) indicaccedilatildeo por extenso depois do tiacutetulo alinhado agrave esquerda

Creacuteditos qualificaccedilatildeo e endereccedilo eletrocircnico do(s) autor(es) em nota de rodapeacute

Resumo siacutentese do conteuacutedo do artigo de 100 a 250 palavras incluindo tabelas e graacuteficos em voz ativa e na terceira pessoa do singular e localizado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) expressar na primeira frase do resumo o assunto tratado situando no tempo e no espaccedilo dar preferecircncia ao uso da terceira pessoa do singular ressaltar os objetivos meacutetodos resultados e as conclusotildees do trabalho

Resumo em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seraacute apresentado um resumo em inglecircs O Editor Responsaacutevel providenciaraacute caso os autores natildeo encaminhem a traduccedilatildeo do resumo tiacutetulo e palavras-chave bem como a correccedilatildeo gramatical e ortograacutefica

Palavras-chave ateacute 5 (cinco) palavras significativas que expressem o conteuacutedo do artigo escritas em negrito alinhamento agrave esquerda separados por ponto e viacutergula ou ponto

Palavras-chave em outra liacutengua nos textos em portuguecircs e espanhol seratildeo apresentadas palavras-chave em inglecircs Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 551

Regras para a submissatildeo de artigos

Sumaacuterio informaccedilatildeo das seccedilotildees que compotildeem o artigo numeradas progressivamente em algarismo araacutebico

Texto do artigo deveraacute apresentar como partes uma introduccedilatildeo desenvolvimento e conclusatildeo antecedida pelo resumo resumo em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol) palavras-chave e palavras-chave em outra liacutengua (portuguecircs e espanhol)

Citaccedilatildeo notas de rodapeacute e referecircncias bibliograacuteficas deve-seseguir a ABNT ndash NBR 10520 As referecircncias bibliograacuteficas completas devem ser apresentadas no final do texto

Anexo material complementar ao texto incluiacutedo ao final apenas quando indispensaacutevel

Tabelas ou graacuteficos devem ser adotadas as ldquonormas de apresentaccedilatildeo tabularrdquo publicadas pelo IBGE O corpo editorial pode alterar a estrutura formal do texto para adequaacute-lo agraves regras editoriais da Revista

Conselho Editorial Editor Responsaacutevel Ilton Norberto Robl Filho (Coordenador de Pesquisa e dos Grupos de Estudos Nacionais da Academia Brasileira de Direito Constitucional Professor Adjunto da UFPR e da UPF Vice-Presidente da Comissatildeo de Educaccedilatildeo Juriacutedica da OABPR Secretaacuterio Geral da Comissatildeo de Estudos Constitucionais da OABPR Doutor Mestre e Bacharel em Direito pela UFPR)

Membros do Conselho Editorial Antonio Carlos Wolkmer (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFSC e Doutor em Direito da UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Professor Catedraacutetico da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Honoris Causa da UFPR e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra) Eroulths Cortiano Junior (Professor do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo e da Graduaccedilatildeo em Direito da UFPR e Doutor em Direito pela UFPR) Faacutebio Nusdeo (Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP e Doutor em Economia pela USP) Marco Aureacutelio Marrafon (Presidente da ABDConst Professor da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Direito pela UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor do Mestrado em Direito da Unibrasil e

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Doutor em Direito pela UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor do Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico) Mariana Mota Prado (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto e Doutora em Direito pela Universidade de Yale) e Ricardo Lobo Torres (Professor Titular da Faculdade de Direito da UERJ e Doutor em Filosofia pela UGF)

Espantildeol - Liacutenea Editorial la publicacioacuten perioacutedica cientiacutefica Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional edita artiacuteculos resentildeas y ensayos ineacuteditos en los aacutembitos de la teoriacutea y de la dogmaacutetica juriacutedica privilegiaacutendose la perspectiva transdisciplinar asiacute como de otros saberes relacionados con la Constitucioacuten Economiacutea y el Desarrollo

Misioacuten La misioacuten de Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional es incentivar la produccioacuten de estudios en torno de las relaciones juriacutedico-constitucionales con la praacutectica y el pensamiento econoacutemicos desde la perspectiva democraacutetica y de la efectividad de los derechos fundamentales Asimismo fomenta los debates acadeacutemicos sobre el desarrollo econoacutemico juriacutedico humano y social y a una lectura criacutetica de la Escuela Law and Economics

Evaluacioacuten de los Artiacuteculos Los artiacuteculos resentildeas y ensayos son analizados primeramente por el Editor Responsable para verificarse la adecuacioacuten del trabajo a la liacutenea editorial de la Revista Posteriormente se realiza una evaluacioacuten blind peer review que consiste en la remisioacuten de dichos trabajos cientiacuteficos a dos profesores-investigadores doctores sin que conste la identificacioacuten de los autores para someterlos a la revisioacuten de la forma y del contenido Cuando ocurrir un parecer por la aprobacioacuten y otro por la reprobacioacuten del trabajo podraacute haber sumisioacuten a tercero parecerista para desempate despueacutes de examen por lo editor jefe Tras el anaacutelisis de los evaluadores el editor jefe les informaraacute a los autores el parecer negativo para la publicacioacuten o les solicitaraacute los cambios sugeridos por los evaluadores En este caso los autores habraacuten de realizar las rectificaciones

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pertinentes y lo editor jefe emitiraacute una opinioacuten para la publicacioacuten o no del texto En cada volumen podraacuten ser publicados dos trabajos (20 del total) de autores invitados seleccionados por lo editor jefe escritos por investigadores extranjeros o nacionales de gran renombre con especial pertinencia de tema con la Revista

Enviacuteo de los Trabajos Cientiacuteficos todos los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacutenser enviados al Editor Responsable de la Revista Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional Ilton Norberto Robl Filho y Editor Asistente Rafael dos Santos Pinto por correo electroacutenico a la siguiente direccioacuten trabalhosabdconstgooglegroupscom acompantildeados 1) de una autorizacioacuten expresa para su publicacioacuten divulgacioacuten y comercializacioacuten en la editora indicada por ABDCONST y 2) de una declaracioacuten de responsabilidad del autor sobre la autoriacutea de la obra y su aceptacioacuten a las reglas y a los plazos editoriales afirmaacutendose expresamente el caraacutecter ineacutedito del trabajo

Transferencia de derechos de autor y declaracioacuten de responsabilidad Los autores deben obligatoriamente someter conjuntamente con sus trabajos termo de transferencia de derechos de autor que implica en la transferencia gratuita de los derechos patrimoniales de su trabajo a la Revista Los autores tambieacuten someteraacuten declaracioacuten de responsabilidad registrando que lo trabajo es ineacutedito y no fue publicado en otro perioacutedico que no existe conflicto de intereses del autor con lo tema abordado o la pesquisa y que fueran tomadas todas las precauciones y procedimientos eacuteticos pertinentes a la realizacioacuten de la pesquisa

Identificacioacuten de los autores Los autores deben identificarse por su nombre completo abajo del tiacutetulo del artigo Cada nombro debe ocupar una liacutenea y contener referencia con la cualificacioacuten completa del autor La cualificacioacuten del autor debe obligatoriamente contener la afiliacioacuten completa de todos los autores (instituto de encino ciudad estado y paiacutes) y dados para contacto (enderezo teleacutefono o e-mail) Caso la pesquisa tenga realizaacutedose con financiamiento o ayuda de alguna

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

institucioacuten puacuteblica o privada lo viacutenculo debe ser informado en la uacuteltima liacutenea de la cualificacioacuten

Principales Normas Editoriales y su Formato los trabajos deberaacuten estar redactados en portugueacutes espantildeol o ingleacutes y digitalizados en procesador de texto Word

Fuente para el cuerpo del texto Times New Roman tamantildeo 13

Fuente para las notas a pie de paacutegina y para las citas textuales cuando sean superiores a 3 liacuteneas Times New Roman tamantildeo 11

Interlineado para el cuerpo del texto 15

Interlineado para las notas a pie de paacutegina y citas textuales largas 10

Se da preferencia al uso de la tercera persona del singular

Estilo de fuente para palabras extranjeras cursiva

Estilo de fuente para destacar las palabras dentro del propio texto negrita

Nuacutemero de paacuteginas no inferior a 10 y no superior a 30 paacuteginas justificado y con paacuteginas no enumeradas el artiacuteculo cuya extensioacuten supere las 30 paacuteginas podraacuteser publicadosi el Editor Responsable lo juzga conveniente

Normas Editoriales para la Estructura del Texto los artiacuteculos resentildeas y ensayos deberaacuten contener los siguientes elementos

Encabezado tiacutetulo subtiacutetulo nombre del autor o autores ndash el nuacutemero de autores no deberaacute exceder de tres

Tiacutetulo debe ser claro y objetivo y puede ser complementado por un subtiacutetulo separado por dos puntos en fuente mayuacutescula y minuacutescula en negrita y centralizado

Nombre del autor o autores completo despueacutes del tiacutetulo alineado a la izquierda Creacuteditos cualificacioacuten acadeacutemica y direccioacuten de correo electroacutenico del autor o autores que hayan sido informados debajo del nombre Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 555

Regras para a submissatildeo de artigos

Resumen siacutentesis del contenido del artiacuteculo de entre 100 a 250 palabras incluyendo tablas y graacuteficos en voz activa y en tercera persona del singular y colocado antes do texto (ABNT ndash NBR 6028) se deberaacute expresar en la primera frase del resumen el asunto de que se trata situaacutendolo en el tiempo y en el espacio daacutersele preferencia al uso de la tercera persona del singular y resaltar los objetivos meacutetodos resultados y las conclusiones del trabajo

Resumen en otro idioma los textos redactados en portugueacutes y en espantildeol deberaacuten presentarse acompantildeados de un resumen en ingleacutes Los autores cuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el Editor Responsable se encargaraacute en caso de que no lo hagan ellos de providenciar la traduccioacuten del resumen en portugueacutes

Palabras-clave hasta 5 (cinco) palabras significativas que expresen el contenido del artiacuteculo escritas en negrita alineadas a la izquierda separadas por punto y coma o punto

Palabras-clave en otro idioma los textos en portugueacutes y espantildeol vendraacuten acompantildeados de las palabras-clave en ingleacutes Los autorescuyos trabajos hayan sido redactados en ingleacutes y espantildeol el editor responsable se encargaraacute de providenciar en caso de queno lo hagan la correspondiente traduccioacuten de las palabras-clave en portugueacutes

Sumario la informacioacuten de las secciones que componen el artigo deberaacuten ir numeradas en guarismo araacutebigo por orden de aparicioacuten en el texto

Texto del artiacuteculo tendraacute que presentar como partes una introduccioacuten el desarrollo y la conclusioacuten antecedida por el resumen resumen en otro idioma (portugueacutes y espantildeol) palabras-clave y palabras-clave en otro idioma (portugueacutes y espantildeol)

Citas notas a pie de paacutegina y referencias bibliograacuteficas ABNT ndash NBR 10520 Las referencias bibliograacuteficas completas se deberaacuten colocar al final del texto

Anexo material complementario al texto se incluiraacute al final apenas cuando sea indispensable

Tablas o graacuteficos los datos deben adoptar las ldquonormas de presentacioacuten tabularrdquo publicadas por el IBGE (Instituto Brasilentildeo de Geografiacutea y Estadiacutestica) El Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 556

Regras para a submissatildeo de trabalhos

editor puede cambiar la estructura formal del texto para adecuacutealo a las reglas editoriales de la Revista

Consejo Editorial Editor Responsable Ilton Norberto Robl Filho Coordinador de Investigacioacuten y de los Grupos de Estudio Nacionales en la Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Licenciatura en Derecho de la UFPR Abogado Miembro de la Comisioacuten de Ensentildeanza Juriacutedica de la OABPR (Colegio de Abogados de Brasil Paranaacute) Doctor con grado de Maestriacutea y Licenciado en Derecho por la UFPR (Universidade Federal do Paranaacute)

Miembros del Consejo Editorial Antonio Carlos Wolkmer Profesor del Programa de Posgrado en Derecho dela UFSC (Universidade Federal de Santa

Catarina) y Doctor en Derecho por la UFSC Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes Profesor Catedraacutetico de la Faculdade de Direito de Coimbra Doctor Honoris Causa por la UFPR y Doctor en Derecho por la Faculdade de Direito de Coimbra Eroulths Cortiano Junior Profesor del Programa de Posgrado y dela Licenciatura en Derecho de la UFPR y Doctor en Derecho por la UFPR Faacutebio Nusdeo Profesor Titular de la Faculdade de Direito do Largo Satildeo Francisco ndash USP (Universidade de Satildeo Paulo) y Doctor en Economiacutea por la USP Marco Aureacutelio Marrafon Presidente dela Academia

Brasileira de Direito Constitucional Profesor de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Derecho por la UFPR Marcos Augusto Maliska Profesor del Curso de Maestriacutea en Derecho dela Unibrasil y Doctor en Derecho por la UFPR Marcus Firmino Santiago es Profesor en lo Instituo Brasileiro de Direito Puacuteblico y Doctor en Derecho por la UGF (Universidade

Gama Filho) Mariana Mota Prado es Profesora en la Facultad de Derecho dela Universidad de Toronto y Doctora en Derecho por la Universidad de Yale Ricardo Lobo Torres Profesor Titular de la Facultad de Derecho de la UERJ (Universidade

do Estado de Rio de Janeiro) y Doctor en Filosofiacutea por la UGF (Universidade Gama Filho)

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Regras para a submissatildeo de artigos

English - Editorial line the Law Journal Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnicada Academia Brasileira de Direito Constitucional publishes unpublished articles reviews and essays within the ambit of law theory and dogmatism especially with the transdisciplinary perspective as well as other knowledge areas about Constitution Economics and Development

Mission The mission of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista

Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional is to encourage the production of studies on constitutional law relations with the economical practice and thinking from the democratic perspective and the stating of fundamental rights Yet it motivates academic discussions on economic law human and social development and a critical reading of the School of Law and Economics

Evaluation of Articles Articles reviews and essays are firstly analyzed by the Chief Editor to verify if they are pertinent to the Law Journal editorial line Then they are sent for blind peer review ndash scientific works are sent to two PhD professors-researchers with no author identification to evaluate structure and content If one professor suggests publication and the other rejects the paper a third professor may be called on for a final decision after the examination of the Chief Editor After the professors analysis the chief editor will inform the authors of negative opinions or will require suggested changes In this case authors shall make the necessary adjustments and the Chief Editor will decide over the publication of the text Each edition may contain at least two papers (20 of the total) written by invited authors selected by the Chief Editor written by international and nationally renound authors with special thematical relevance to the Journal

Sending Scientific Papers Every article review and essay should be sent to Ilton Norberto Robl Filho ndash Chief Editor - and Rafael dos Santos Pinto - Assistant Editor of Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista Eletrocircnica da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash to the email trabalhosabdconstgooglegroupscom along with 1) an express authorization for

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

publishing promotion and commercialization by a press indicated by ABDCONST and 2) the authors declaration of responsibility about text authorship and submission to editorial rules and deadlines expressing the unpublished nature of the work

Transfer of copyright and declaration of responsibility Authors must submit along with their papers a term of copyright transfer transferring without cost the patrimonial rights of his work to this journal The authors must also sign a declaration of responsibility stating that the submitted paper is unpublished and was not approved for publishing in other journals and that there is no conflict of interests of the author over the research theme or procedures and that all ethical precautions were taken in the course of the research

Identification of the authors Authors must identify themselves by their complete name inscribed under the title of the paper Each name must take up one line and contain a reference with the institutional affiliation of the author The institutional affiliation of the author must contain complete institutional description of the all authors (university city state and country) as well as contact information (address telephone or e-mail) If the research was financed by any private or public institutions the disclosure must be made in the last line of the authorrsquos affiliation

Main Editorial Rules for Formatting Works must be written in Portuguese Spanish or English in a Microsoft Word document

- Main text font Times New Roman size 13

- Font for footnotes and long quotations (more than 3 lines) Times New Roman size 11

- Main text line spacing 15

- Footnotes and long quotations line spacing 10

- Preferably written in third person singular

- Foreign words style italics

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Regras para a submissatildeo de artigos

- Text highlighted words style bold

- Number of pages minimum of 10 and maximum of 30 pages justified text with un-numbered pages Chief Editor may publish articles with more than 30 pages

Editorial Rules for Text Structure Articles reviews and essays should have the following parts

- Heading title subtitle name of the author(s) ndash maximum of three authors

- Title It should be clear and objective and it may be complemented by a subtitle separated by colon in upper and lower case in bold and center aligned

- Name of the author(s) indicated after the title left aligned

- Credits qualifications and authors emails below the names

- Abstract synopsis of the article contents from 100 to 250 words including tables and graphics in active voice and third person singular before the text (ABNT ndash NBR 6028) it should express the subject in the first sentence of the abstract determining time and space preferably written in third person singular it should highlight objectives methods results and conclusions of the work

- Abstract in other language for Portuguese and Spanish texts there will be an abstract in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the abstract translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Key-words up to 5 (five) significant words that express the content of the article written in bold left aligned separated by semicolon or dot

- Key-words in other language for Portuguese and Spanish texts there will be key-words in English For works in English and Spanish the Chief Editor will provide the key-words translation to Portuguese ndash if authors do not send it

- Summary information about the article sections progressively numbered in Arabic numerals

- Article text it should present an introduction main text and conclusion ndash after the abstract abstract in other language (Portuguese and Spanish) key-words and key-words in other languages (Portuguese and Spanish)

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Regras para a submissatildeo de trabalhos

- Quotations footnotes and bibliographic references ABNT ndash NBR 10520 Complete bibliographic references should be presented at the end of the text

- Appendix material to complement the text included at the end if necessary

- Tables or graphics refer to normas de apresentaccedilatildeo tabular (tabular presentation rules) published by IBGE

- The Editor may change the formal structure of the text to harmonize it to the editorial rules of the Journal

Editorial Council Chief Editor Ilton Norberto Robl Filho Professor of the Graduation in Law at UFPR Lawyer Member of the Law Education Commission at OABPR PhD Master and Bachelor in Law from UFPR)

Editorial Council Members Antonio Carlos Wolkmer (Professor of the Post-Graduation Program in Law at UFSC and PhD in Law from UFSC) Antoacutenio Joseacute Avelatildes Nunes (Full Professor at Coimbra Faculty of Law PhD Honoris Causa from UFPR and PhD in Law from Coimbra Faculty of Law) Eroulths Cortiano Junior (Professor of the Program of Post-Graduation and Graduation in Law at UFPR and PhD in Law from UFPR) Faacutebio Nusdeo (Full Professor at Largo Satildeo Francisco Faculty of Law ndash USP and PhD in Economics from USP) Marco Aureacutelio Marrafon (President of the Brazilian Academy of Constitutional Law Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Law from UFPR) Marcos Augusto Maliska (Professor of the Master course in Law at Unibrasil and PhD in Law from UFPR) Marcus Firmino Santiago (Professor of Law at Instituto Brasileiro de Direito Puacuteblico and PhD in Law from UGF) Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho) Mariana Mota Prado (Professor of Law at Toronto University and PhD in Law from Yale University) and Ricardo Lobo Torres (Full Professor at UERJ Faculty of Law and PhD in Philosophy from UGF)

Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 561

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Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez 562

  • Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento
  • ABDConst Academia Brasileira de direito constitucional
  • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr
  • CONSELHO EDITORIAL
  • EDITORIAL
  • Sumaacuterio
  • a proteccedilatildeo ao trabalho NA Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a adoccedilatildeo do permissivo flexibilizante da legislaccedilatildeo trabalhista no brasil0F
    • LABOR PROTECTION ON THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION AND THE ADPTION OF PERMISSIVE FLEXIBILIY ON LABOR LAW IN BRAZIL
    • Caacutessia Cristina Moretto da Silva1F
      • INTRODUCcedilAtildeO
      • 1 O regramento juriacutedico do trabalho antecedentes histoacutericos
      • 2 A Formaccedilatildeo do Direito do Trabalho no Brasil
      • 3 A Constitucionalizaccedilatildeo dos Preceitos Trabalhistas nas Primeiras Constituiccedilotildees Brasileiras
      • 4 A Tutela ao Trabalho na Constituiccedilatildeo Federal de 1988
      • 5 A Condiccedilatildeo Poacutes-Moderna e sua Repercussatildeo no Mundo do Trabalho
      • 6 A ADOCcedilAtildeO dO PERMISSIVO FLEXIBILIZANTE DA LEGISLACcedilAtildeO TRABALHISTA PELA CONSTITUICcedilAtildeO FEDERAL DE 1988
      • 7 Consideraccedilotildees Finais
      • Referecircncias
          • Abrindo fronteiras a convergecircncia entre ldquodireito e desenvolvimentordquo e governanccedila global4F
            • OPPENING BORDERS THE CONVERGENCE OF LAW AND DEVELOPMENT AND GLOBAL GOVERNANCE
            • Patriacutecia Galvatildeo Ferreira5F
              • Introduccedilatildeo
              • 1 Literatura de DampD a perspectiva cocircncava
              • 11 A ascensatildeo e queda do primeiro movimento de DampD
              • 12 Breve temporada no Direito Internacional
              • 13 O segundo movimento de DampD21F
              • 2 A literatura de governanccedila global a perspectiva convexa
              • 21 A literatura dominante ofuscando o deacuteficit institucional
              • 22 A literatura de vanguarda enfrentando o desafio
              • 3 Nova fronteira Estudos de Desenvolvimento encontram Estudos de Governanccedila Global
              • 4 Conclusatildeo
              • REFEREcircNCIAS
                • LEVI-FAUR D The global diffusion of regulatory capitalism In The Annals of the American Academy of Political and Social Science 2005 v 598 p12-32
                  • CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE NOVO CONSTITUCIONALISMO EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E A JUDICIALIZACcedilAtildeO DAS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS AMBIENTAIS46F
                    • NOTES OVER THE NEW CONSTITUTIONALISM AFFECTIVITY OF FUNDAMENTAL RIGHTS TO A HEALTHY ENVIRONMENT AND THE JUDICATION OF ENVIRONMENTAL PUBLIC POLICIES
                    • Marianna de Queiroz Gomes47F
                      • Introduccedilatildeo
                      • 1 A questatildeo ambiental o paradigma da sociedade de risco e a constitucionalizaccedilatildeo do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
                      • 2 Neoconstitucionalismo Constituiccedilatildeo dirigente e a judicializaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas ambientais
                      • 3 Consideraccedilotildees finais
                      • REFEREcircNCIAS
                          • O DIREITO AO MEIO AMBIENTE SADIO E EQUILIBRADO COMO DIREITO DIFUSO DE CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES UM OLHAR DO NEOCONSTITUCIONALISMO SOBRE AS NOVAS INCORPORACcedilOtildeES DA CONSTITUICcedilAtildeO EQUATORIANA58F
                            • THE RIGHT TO A HEALTHY ENVIROREMNENT AS DIFUSE RIGHT OF CHILDREN AND ADOLENCENTS AM APROACH OF NEOCONSTITUTIONALISM OVER NEW INCORPORATIONS OF THE EQUATORIAN CONSTITUTION
                            • INTRODUCcedilAtildeO
                            • 1 O NEOCONSTITUCIONALISMO E OS VALORES AXIOLOacuteGICOS DAS CONSTITUICcedilOtildeES
                            • 2 A PROTECcedilAtildeO INTEGRAL ESTENDIDA A CRIANCcedilAS E ADOLESCENTES E O DIREITO DIFUSO DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DESCRICcedilOtildeES LEGAIS NO BRASIL
                            • 3 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO EQUATORIANO UMA ANAacuteLISE DA NOVA CONSTITUICcedilAtildeO DE 2008 E O DIREITO DE SUMAK KAWSAY
                            • CONCLUSAtildeO
                            • REFEREcircNCIAS
                              • O DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO E O SEU REGIME JURIacuteDICO66F
                                • THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEVELOPMENT AND ITS LEGAL STRUCTURE
                                • 1 A diferenciaccedilatildeo entre as terminologias direitos do homem direitos fundamentais e direitos humanos (e as suas respectivas caracteriacutesticas)
                                • 2 Evoluccedilatildeo histoacuterica do direito humano ao desenvolvimento humano e a sua localizaccedilatildeo dentro da teoria das geraccedilotildees (ou dimensotildees) de direitos fundamentais
                                • 21 Aspectos introdutoacuterios e divergecircncias doutrinaacuterias quanto agrave aceitaccedilatildeo da Teoria das Geraccedilotildees (Dimensotildees) dos Direitos Fundamentais
                                • 22 A localizaccedilatildeo do Direito Fundamental ao desenvolvimento dentro da Teoria das Dimensotildees de Direitos Fundamentais
                                • 3 O conceito de Desenvolvimento74F e a Dignidade da Pessoa Humana
                                • 4 Previsotildees normativas do direito ao desenvolvimento na ordem internacional
                                • 5 A estrutura do direito ao desenvolvimento humano
                                • 6 Direito fundamental ao desenvolvimento humano no Brasil
                                • 7 Os comandos constitucionais que fundamentam o direito fundamental ao desenvolvimento
                                • 71 Da posiccedilatildeo hieraacuterquica ocupada pelos Tratados de Direitos Humanos frente aos ordenamentos juriacutedicos internos e internacionais
                                • 72 Do regime juriacutedico quanto agrave eficaacutecia e agrave aplicabilidade do direito ao desenvolvimento e a sua forma de tutela
                                • 721 A tutela do direito ao desenvolvimento em acircmbito internacional
                                • 722 A eficaacutecia e forma de proteccedilatildeo dos direitos fundamentais em seara interna
                                • 8 Da recente alteraccedilatildeo da Lei Federal nordm 866693 aplicaccedilatildeo do direito fundamental ao desenvolvimento
                                • CONCLUSAtildeO
                                • REFEREcircNCIAS
                                  • ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL104F
                                    • SOCIAL AND POLITICAL ASPECTOS OF INTERNATIONAL ADOPTION
                                    • INTRODUCcedilAtildeO
                                    • 1 ASPECTOS POLIacuteTICOS E SOCIAIS DA ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL
                                    • 2 CASOS DE ADOCcedilAtildeO INTERNACIONAL NO PARANAacute DURANTE OS ANOS DE 2005-2010
                                    • 3 CONCLUSAtildeO
                                    • REFEREcircNCIAS
                                      • Ativismo judicial em mateacuteria de direitos fundamentais sociais entre os sentidos negativo e positivo da constitucionalizaccedilatildeo simboacutelica109F
                                        • JUDICIAL ACTIVISM IN MATTERS OF FUNDAMENTAL SOCIAL RIGHTS BETWEEN THE POSITIVE AND NEGATIVE SENSES OF SYMBOLIC CONSTITUTIONALISM
                                        • INTRODUCcedilAtildeO
                                        • 1 NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL E DIREITOS SOCIAIS
                                        • 2 SENTIDOS DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA ABERTURA PARA O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ATIVISMO JUDICIAL
                                        • 3 ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL DEFINICcedilAtildeO E CAUSA
                                        • 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O ATIVISMO JUDICIAL DESLOCAMENTO DO SENTIDO POSITIVO DA CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO SIMBOacuteLICA130F
                                        • 5 CONCLUSOtildeES
                                        • REFEREcircNCIAS
                                          • O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO133F
                                            • THE SUPPLY OF MEDICAMENTS BY THE STATE
                                            • Introduccedilatildeo
                                            • 1 Evoluccedilatildeo dos direitos fundamentais e o direito agrave sauacutede
                                            • 11 Os direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo de 1988
                                            • 12 A sauacutede como direito fundamental
                                            • 2 O fornecimento de medicamentos pelo Estado
                                            • 21 A obrigaccedilatildeo do Estado
                                            • 22 Da responsabilidade integral de cada ente da federaccedilatildeo
                                            • 3 O princiacutepio da reserva do possiacutevel e o nuacutecleo essencial dos direitos fundamentais
                                            • 4 Consideraccedilotildees finais
                                            • Referecircncias
                                              • A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos Uma anaacutelise diferenciada sobre o tema135F
                                                • TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME
                                                • Juliane Cavalcanti Pereira137F
                                                  • Introduccedilatildeo
                                                  • 1 Discussatildeo jurisprudencial
                                                  • 2 Aplicaccedilatildeo praacutetica dos meacutetodos de interpretaccedilatildeo
                                                  • 3 Anaacutelise criacutetica do tema
                                                  • Consideraccedilotildees finais
                                                  • Referecircncias
                                                      • A Reserva do Possiacutevel o Miacutenimo Existencial e o Poder Judiciaacuterio148F
                                                        • LIMITATIONS OF THE POSSIBLE EXISTENTIAL MINIMUM AND THE JUDICIARY
                                                        • Lucas Daniel Ferreira de Souza149F
                                                          • INTRODUCcedilAtildeO
                                                          • 1 APLICABILIDADE Agrave REALIDADE BRASILEIRA
                                                          • 2 RESERVA DO POSSIacuteVEL E O MIacuteNIMO EXISTENCIAL EMBATE ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIMITACcedilOtildeES ORCcedilAMENTAacuteRIAS
                                                          • 3 ATUACcedilAtildeO DO JUDICIAacuteRIO
                                                          • 4 ATUACcedilAtildeO DO MINISTEacuteRIO PUacuteBLICO
                                                          • 5 ATUACcedilAtildeO DA DEFENSORIA PUacuteBLICA
                                                          • 6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
                                                          • REFEREcircNCIAS
                                                              • REGRAS PARA A SUBMISSAtildeO DE TRABALHOS
                                                              • Publiccedilatildeo Oficial da Academia Brasileira de Direito Constitucional ndash ABDCONST Rua XV de Novembro 964 ndash 2ordm andar CEP 80060-000 ndash Curitiba ndash PR Telefone 41-30241167 Fax 41-30271167 E-mail abdconstabdconstcombr Editoraccedilatildeo e Design Graacutefico Ka
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