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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis 723 CONSIDERAÇÕES VISUAIS ENTRE AS CIDADES DE LAGUNA E CURITIBA Luciana Estevam Barone Bueno * Aluna regularmente matriculada no PPGAV, CEART – UDESC. Sandra Makowiecky** Professora do PPGAV, CEART – UDESC Resumo As cidades de Laguna e Curitiba foram observadas com o olhar de um suposto flâneur. Apesar de serem bem diferentes, as duas cidades se coincidem sobre a verdade histórica e a memória de seu povo. Laguna revivendo a cada dia os passos de sua heroína Anita Garibaldi, ainda hoje, vive as lembranças e as ações que foram supostamente importantes no passado, servindo de exemplo para todos que ali residem. Curitiba, sem um mito ou nome a seguir, tenta encontrar na natureza algo mais que a história não lhe apresentou. O movimento paranista faz tentativa de forjar uma identidade ou um passado na esperança de encontrar argumentos que representasse fortemente o Estado do Paraná. Argumentos que facilmente são encontrados em Laguna. Palavras chave: Cidade; olhar; memória; história. Abstract The cities of Laguna and Curitiba were watched with the eyes of a supposable flâneur. Despite being different, the two cities coincide about the historical truth and the memory of its people. Laguna living every day again the steps of its heroin, Anita Garibaldi, whom, still today, lives the memories and the actions that were supposedly important in the past, serving as an example to all that reside there. Curitiba, without a myth or a name to follow, tries to find in nature reasons that history did not present. The Paranista movement tries to forge an identity or a past in the hope of finding arguments that strongly represented the State of Paraná. Arguments that are easily found in Laguna. Key- Words: City; look; memory; history. OLHAR A CIDADE Nos dias atuais, pensar e olhar a cidade tem se tornado algo um tanto quanto audacioso. A cidade que agora olhamos, em poucos segundos não será a mesma. Esta loucura da metrópole, esta mudança constante nos propõe duas alternativas. A primeira é de olharmos a cidade como um flâneur, ou seja, um apaixonado observador, que segundo Baudelaire, é o observador que encontra prazer no efêmero e na circunstância, encanta-se pela multidão, pelo mundo e por

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CONSIDERAÇÕES VISUAIS ENTRE AS CIDADES DE LAGUNA E CURITIBA Luciana Estevam Barone Bueno *

Aluna regularmente matriculada no PPGAV, CEART – UDESC.

Sandra Makowiecky**

Professora do PPGAV, CEART – UDESC

Resumo As cidades de Laguna e Curitiba foram observadas com o olhar de um suposto flâneur. Apesar de serem bem diferentes, as duas cidades se coincidem sobre a verdade histórica e a memória de seu povo. Laguna revivendo a cada dia os passos de sua heroína Anita Garibaldi, ainda hoje, vive as lembranças e as ações que foram supostamente importantes no passado, servindo de exemplo para todos que ali residem. Curitiba, sem um mito ou nome a seguir, tenta encontrar na natureza algo mais que a história não lhe apresentou. O movimento paranista faz tentativa de forjar uma identidade ou um passado na esperança de encontrar argumentos que representasse fortemente o Estado do Paraná. Argumentos que facilmente são encontrados em Laguna. Palavras chave: Cidade; olhar; memória; história.

Abstract The cities of Laguna and Curitiba were watched with the eyes of a supposable flâneur. Despite being different, the two cities coincide about the historical truth and the memory of its people. Laguna living every day again the steps of its heroin, Anita Garibaldi, whom, still today, lives the memories and the actions that were supposedly important in the past, serving as an example to all that reside there. Curitiba, without a myth or a name to follow, tries to find in nature reasons that history did not present. The Paranista movement tries to forge an identity or a past in the hope of finding arguments that strongly represented the State of Paraná. Arguments that are easily found in Laguna. Key- Words: City; look; memory; history.

OLHAR A CIDADE

Nos dias atuais, pensar e olhar a cidade tem se tornado algo um tanto

quanto audacioso. A cidade que agora olhamos, em poucos segundos não será a

mesma. Esta loucura da metrópole, esta mudança constante nos propõe duas

alternativas. A primeira é de olharmos a cidade como um flâneur, ou seja, um

apaixonado observador, que segundo Baudelaire, é o observador que encontra

prazer no efêmero e na circunstância, encanta-se pela multidão, pelo mundo e por

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viagens. A segunda é o olhar do dândi para Baudelaire, que George Simmel

denominou blasé. É aquele olhar do sujeito que não se deixa comover, não se

surpreende, entediado por natureza um verdadeiro autista urbano. Makowiecky

nos alerta que só a arte pode despertá-lo. Entender a cidade é uma forma de lucidez; o cidadão, tão anestesiado na cidade, deixa de ver – se tranforma no blasé ou no autista urbano. A arte pode despertá-lo, sendo que a arte tem que mudar de lugar, tem que encontrar nichos onde ela possa ser percebida, lugares onde ela possa se diferenciar, porque se ela se confundir com a metrópole, será devorada por ela. A metrópole devora tudo. (MAKOWIECKY, 2003, p.9 )

A arte, como já nos diz GALEANO (2000), dentre suas principais

funções, têm a função de ensinar a olhar. É através da arte que podemos deixar

de ser blasé, mesmo que não seja constante, mesmo que seja por alguns

momentos. Ser um imutável flâneur não é tarefa fácil, principalmente para nós,

pobres mortais, que vivemos em meio a esta multidão, porém, solitários; nesta

selva de pedras onde a individualidade existe e ao mesmo tempo não, onde tudo

pode acontecer a qualquer momento, nascer ou morrer é uma questão de

segundos. Podemos afirmar então que, não temos o direito de classificar-nos ao

extremo, em cada um de nós existe um pouco de flanêur e um bocado de blasé,

pertence a nós a escolha de como queremos olhar em determinadas situações, ou

neste caso, com que olhar queremos olhar a cidade.

Para a historiadora Sandra Pesavento, “a cidade é o objeto de múltiplos

discursos e olhares, que não se hierarquizam, mas que se justapõem, compõem

ou se contradizem, sem, por isso, serem uns mais verdadeiros ou importantes que

os outros” (PESAVENTO, 2002, p. 9).

Sendo a cidade o objeto de múltiplos olhares, como nos afirma a autora

acima, o olhar sobre as cidades de Laguna e Curitiba, em alguns momentos será

um olhar para cidade como objeto estético, de forma panorâmica, a cidade como

obra de arte. Em outros momentos os objetos pertencentes às estas cidades

serão focos para este olhar, ou seja, alguns detalhes nas cidades serão

ressaltados.

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Ao descrever uma viagem feita em uma determinada cidade, o relator

tende a prender-se em detalhes que normalmente passam despercebidos aos

nativos daquele lugar, detalhes que acabam por serem comuns aos que vivem e

olham constantemente o mesmo cenário. As primeiras descrições sobre as

cidades brasileiras são os relatos de viagens, que, na primeira metade do século

XIX, eram basicamente descrições sobre natureza, pois muitas destas cidades

estavam em plena formação no período. A partir da segunda metade do século

XIX os aspectos urbanos começam a ser enfatizados, pois algumas cidades

brasileiras sofrem consideráveis transformações econômicas e estéticas

adquirindo então a condição de metrópole.

Muitas são as singularidades observadas na maioria das cidades

brasileiras, como, determinadas situações, pessoas comuns, carros passando,

rostos semelhantes ou não, ruas e casas nos mesmos estilos arquitetônicos, o

movimento acelerado de algumas metrópoles ou a calmaria das cidadezinhas,

tudo parecendo normalmente comum e num ritmo desordenado de poluições

sonoras. Porém, ao visitar a cidade de Laguna, uma pequena cidade histórica do

Estado de Santa Catarina, algo me chama atenção, além da calmaria e seu ritmo

lento como se tudo acontecesse devagar, fui surpreendida com o distanciamento e

ao mesmo tempo com a aproximação existente em relação a Capital do estado do

Paraná, Curitiba.

Apesar das duas cidades serem totalmente diferentes entre si, há um

ponto comum: a verdade histórica e a história inventada. As duas cidades

possuem construções discursivas e visuais sobre sua história e sua memória.

Estas cidades caminham no presente com os pés no passado.

LAGUNA - O PRESENTE QUE VIVE O PASSADO

O grito - “Viva a República” continua ecoando em cada canto da

pequena Laguna, porém, silenciosamente. Em cada esquina, em cada detalhe da

cidade, pode-se ouvir um canto afinado de elementos visuais, trazendo à tona a

memória de um povo, um passado que continua vivo no presente. Do Alto da

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Glória (foto 1) a vista belíssima de uma cidade sem temores, como se o tempo ali

parasse, como que em câmera lenta, nada ou ninguém pudesse atingi-la.

Foto 1 : Vista do Morro da Glória – Foto de Miguel Etges Rodrigues – adaptada pelas autoras. 2008

Na casa do historiador, a história continua a ser contada. Deixando o

orgulho transparecer na face de todos que ali vivem. O sentimento heróico de

fazer parte daquele passado, de pisar o mesmo chão de seus mitos, de contribuir

divulgando seus atos, é vivo em cada nativo daquele lugar. Para Murilo de

Carvalho, um regime político cria e salienta figuras para servirem de exemplos

para os membros da comunidade, “Embora heróis possam ser figuras totalmente

mitológicas, nos tempos modernos são pessoas reais”. Para o mesmo autor, o

herói é uma “transmutação da figura real”, ou seja, o herói é normalmente alguém

“comum”, sendo que, parte dele é real e outra parte é construída. É fruto de uma

elaboração coletiva que servirá para conduzir ações e pensamentos daquela

população.

Anita Garibaldi continua presente em cada monumento, em cada

construção, por que não dizer, em cada pessoa, com seu espírito de

independência e ousadia. A casa no estilo colonial (foto 2), construída em 1711 e

restaurada na década de 70, situada ao lado da Igreja Santo Antonio dos Anjos da

Laguna, casa esta, onde supostamente Anita tenha se vestido de noiva para seu

primeiro casamento, continua de portas abertas abrigando fotografias, utensílios e

móveis da época

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O Museu de Anita, com vista frontal a Praça da Republica Juliana, trata-

se também de uma construção colonial erguida em 1747. Sua área térrea servira

de cadeia pública, seu piso superior para a Câmara dos Vereadores, local onde

em 1839 foi proclamada a “Republica Juliana” ou “Republica Catarinense”.

Momento Histórico em que, Laguna, corajosamente, passa a ser considerada uma

cidade livre e independente do outros estados do Brasil. O monumento à Anita

Garibaldi, localizado no centro da mesma praça, reforça toda bravura heróica

desta mulher que se tornou um símbolo para toda cidade.

Foto2 :Casa de Anita Garibaldi- Laguna. Foto de Sandra Makowiecky 2008

Para Romário Martins,

A cidade é consumidora, mas também expositora das conquistas civilizacionais a que uma determinada sociedade pode almejar e alcançar. Nela tudo é símbolo de progresso, de vida, de vida em progresso ascensional ilimitado. De origem modesta, porém luminosa, dos personagens animados que a engrandecem e fizeram-na sorrir, tudo é denotador da vida exuberante que o destino lhe reservou (MARTINS In PEREIRA, 1998, p. 54)

No Centro Histórico de Laguna além de se encantar com o mar, é

possível também se fazer uma viagem ao passado através da arquitetura. Dos

mais variados estilos destacam-se o Luso-brasileiro, o Eclético e Art Déco, muitos

deles atualmente tombados. A Casa Pinto D´Ulysséa ( foto 3) construída em

1866, reproduz uma quinta portuguesa, onde os azulejos utilizados na construção

são até hoje conservados. Nesta mesma casa, como não poderia ser diferente,

abriga-se um acervo, sendo este, considerado um dos mais ricos sobre a história

de Anita, contendo inclusive uma “Tábua Genealógica de Anita Garibaldi”

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particularizando alguns ascendentes e descendentes. Ao lado desta casa,

encontra-se a Fonte da Carioca. E obviamente, nos conta a história que quem

beber das águas desta fonte, à Laguna voltará. Certamente voltará, para beber

novamente das águas, escutar o silêncio das ruas, caminhar a pé ou até descalço

e obviamente, respirar os ares de Anita Garibaldi.

Foto3 :Casa de Casa Pinto D´Ulysséa - Laguna. Foto de Sandra Makowiecky. 2008

CURITIBA À PROCURA DE UMA HISTÓRIA

Fundada em 1693, Curitiba conta hoje com uma população de um

milhão e oitocentos mil habitantes, portanto, um grande centro. É apontada como

uma cidade de bons negócios, de ser bem planejada, de possuir um sistema de

transporte coletivo integrado e ser considerada uma cidade poli-cultural, tendo

como exemplo o Bosque do Alemão, o Memorial Ucraniano, O Memorial Polonês,

O Bosque de Portugal e tantos outros.

Apesar de trazer uma fachada reconhecida nacionalmente como uma

cidade “moderna”, com seus edifícios pós-modernos e seus “bi-articulados”,

Curitiba, como Laguna, também possui seu Centro Histórico, é possível também

reconhecer nele a arquitetura de variados estilos dos séculos XVIII e XIX, Luso-

brasileiro, Eclético e Art Déco. Muitos deles também tombados, hoje restaurados e

adaptados, em sua maioria, para o desempenho de funções culturais, como a

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Casa Vermelha e a Casa Romário Martins. No Largo Coronel Enéas (Largo da

Ordem), se encontra a Igreja mais antiga da cidade, construída em 1737, a igreja

da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas.

Além desta aura de cidade modelo, Curitiba é ornamentada por seus

pinhões e pinheiros. A cidade carrega em suas ruas e praças a construção de uma

identidade que não existia, uma apropriação de símbolos que não eram seus,

diferentemente de Laguna, Curitiba não possuía um nome marcante como “Anita

Garibaldi”. Aliás, o Estado do Paraná também não possuía traços fortes e histórias

notáveis como o Estado de Santa Catarina.

Definido nominalmente em 1927, “O Paranismo”, um movimento em que

reunia intelectuais curitibanos, aliado ao Movimento Simbolista, começa a pensar

num discurso histórico para o Estado do Paraná. Este Movimento Paranista foi um

o resultado de um processo de formulação de uma imagem do Paraná

posteriormente à sua emancipação política, ocorrida em 1853.

Brasil Pinheiro Machado, em uma publicação no ano de 1930, num dos

Instantâneos Paranaenses – A Ordem – afirma: “O Paraná é um estado típico

desses que não tem um traço que faça deles alguma coisa notável”. Era preciso

então, criar uma tradição para este Estado, era preciso forjar uma historiografia, o

que Hobsbawm chamou de Invenção das Tradições:

Por tradição inventada entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição o que implica automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Alias, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. (HOBSBAWM, 1984, p.09)

Os paranistas tinham a intenção de realmente inventar uma tradição

para um Estado sem características. Revestido de um caráter de antiguidade, o

discurso histórico dos paranistas tinha uma aura ligada às instituições

republicanas, onde acreditavam que o imaginário popular carecia de retorno às

antiguidades. Segundo Pereira,

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O passado construído pelos paranistas, como não podia deixar de ser, privilegiava a história política encontrada nos documentos oficiais, tentando impor tal visão ao presente que seria, necessariamente fruto de uma continuidade co este passado glorioso e, criando estereótipos e fabricando heróis, com grandes personagens históricos, legam um exemplo à população. (PEREIRA, 1998, p. 93))

A recorrência às artes plásticas foi a grande estratégia paranista de

construir, no imaginário paranaense, a idéia de progresso e ciência. Os símbolos

que serviam para a identificação emblemática do Paraná giraram imflamadamente

em torno das imagens do pinheiro, da pinha e do pinhão. Artistas Plásticos como

João Turin, Zaco Paraná e Lange de Morretes, empenharam-se em produzir obras

com estes símbolos, denominados paranistas. Tais obras, visualmente retornavam

ao passado, em inspirações clássicas, como que reforçando o discurso de que a

antiguidade seria o melhor alicerce para a identidade que estava sendo criada. Os

artistas paranistas se apoiaram em obras clássicas para conduzir o imaginário

popular. Rodrigo Naves (2007) afirma, “Acredito que num momento confuso e

turbulento o retorno às melhores obras tem mais a ensinar do que o apego a

idéias apenas aparentemente confiáveis. Quando se está perdido, mais valem os

vagos contornos da intuição do que o norte claro de parte alguma.” (NAVES, 2007

p. 28)

O que João Turin fez, foi utilizar a comumente conhecida como “coluna

grega” adornada com os símbolos que seriam característicos do movimento

paranista. Podemos observar claramente a presença de pinhões e pinhas

expostos como que numa colagem na foto e no desenho abaixo ( Imagem 1).

Para Irã Dudeque, a idéia de se criar uma diferenciação para o

Paraná, era na verdade uma necessidade de mostrar que este Estado tinha uma

cultura, um símbolo. Para este autor Paranismo seria, (...) uma tentativa de criar um símbolo que identificasse todos os homens do Paraná. Que símbolo seria esse? Nós não temos um grande literato, nós não temos uma grande data, nós não temos uma grande história, nós não temos um grande poeta como Castro Alves, nós não temos um grande literato como José de Alencar. O que nos sobra? Sobra a natureza, quer dizer, é um discurso que acaba sendo muito triste no sentido de que só nos tenha sobrado uma árvore e que ao longo das décadas nos coubesse cultuar essa árvore e reverenciá-la. (DUDEQUE, 2005, p.52).

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Imagem 1- Colunas Paranistas: João Turin – Fonte: Elisabete Turin, 1998.

O pinheiro realmente esteve presente na maior parte da produção

artística dos artistas que viviam no Paraná desde a década de 20 ou 30, quando o

Paranismo teve sua ascensão. Continuou presente nas obras de artistas que

surgiram posteriormente ao movimento, e continua marcando presença em obras

de alguns artistas que atualmente vivem neste Estado. Segundo Pereira, a

representação pictórica do pinheiro, da pinha e do pinhão foi tão forte que

ultrapassou as telas dos quadros e ganhou as ruas curitibanas e paranaenses. O

Paranismo foi responsável pela comunicação visual, na estilização de pinhas, nas

calçadas, iluminarias públicas, pilares, etc., até os dias atuais.

Curitiba passa a ser ornamentada, a cidade recebe novos ares,

conseqüentemente, sua população começa a se familiarizar com o “estilo

paranista”.

Hoje, oitenta anos depois, os símbolos continuam maciçamente na

Capital do Estado, em suas calçadas, em seus pilares, fazendo parte de um

cenário comum. O interessante, é que a maioria das pessoas que pisam nos petit

pavês (foto 4) com formas de pinhões estilizados, nem sequer faz idéia do que há

por trás destas produções e desconhecem sua história. Interessante também é,

que apesar desta poluição simbólica se restringir à Curitiba, os paranaenses em

geral reconhecem a pinha, o pinheiro e o pinhão como seus símbolos, mesmo não

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sabendo a razão de ser o “Pinheiro” a árvore que representa o Paraná, tendo em

vista que em outros Estados esta árvore também é encontrada.

Foto 4: Luiz Costa/Smcs (15028-12) -Petit-Pavê - Praça Osório – Curitiba – 2001. Pinhão Estilizado – Lange de Morretes

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta história inventada pelos paranistas acabou por nos fazer refletir se

realmente o Paraná tem alguma identidade definida, apesar de que, este não é um

problema só deste Estado, sabemos de algumas histórias comuns a respeito

deste assunto. Dudeque (2005, p.50 - 68) ao falar sobre o Barroco Mineiro,

enfatiza que alguns autores dizem que ele não existe e sim o Barroco Colonial.

“(...) Isso é importante porque, se não houver identidade, uma identidade

arquitetônica que possa nos diferenciar, também não há alguma coisa

vergonhosa. Não temos identidade porque no fundo ninguém tem”. (2005, p.56). O

autor acaba chegando à conclusão de que, se não há identidade, o que nos resta

é a memória. “(...) A memória, e isso é muito interessante de ser trabalhado. Os

grandes arquitetos, os grandes teóricos do chamado pós-modernismo

arquitetônico, recusam a idéia de que haja uma identidade, mas trabalham sim

com a memória”( 2005, p. 56).

(...) não podemos confundir memória e história, porque expressam duas dimensões diferentes no tratamento do passado, apesar da aparente sinonímia. Para ele, o olhar do historiador é permanentemente crítico para a memória tomada como construção imaginária e percebida como elaboração simbólica. A memória é a reconstrução do passado no

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presente vivido, diferenciando-se, portanto, da história. (NORA, P Apud MAKOWIECKY, 2005 p.421)

Então, podemos chegar a conclusão que, Curitiba inventando o passado

no presente, propôs a toda população uma construção imaginária. Não diferente

de Laguna, a história contada é relativa àquela cidade, ou quiçá ao Estado de

Santa Catarina e não está relacionada à história universal. Portanto, ambas as

cidades, a partir de suas memórias constroem sua história. Como para Walter

Benjamin, toda obra tem mais memória que do que história, e como existe um

limiar tênue entre o que é de fato memória e o que foi construído historicamente,

ficamos em dúvida sobre o que é de fato memorável. Não podemos dizer que os

espetáculos que as cidades de Laguna e Curitiba nos apresentam, são

verdadeiras obras de arte, apesar de que sentimos o passado no presente,

sobretudo em Laguna, cidade considerada patrimônio histórico.

REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. A Modernidade e os modernos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1975.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.

15ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 13-14. (1ª. ed. 1990)

DUDEQUE, Irã Taborda. In: Simpósio de Cultura Paranaense – Terra, Cultura e Poder: A

Arqueologia de um Estado, 1 a 5 de dezembro de 2003. – Curitiba: Sec. de Estado da

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FORTUNA, Carlos. Simmel e as cidades históricas italianas – Uma introdução. Revista

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GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2000.

HOBSBAWM, Eric. & RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e

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MAKOWIECKY, Sandra. Construções imaginárias: Florianópolis e as influências

bruxólicas. In: XIV Encontro da Associação Nacional de Pesquisadoes em Artes Plásticas,

2005, Goiânia. XIV Encontro da Associação Nacional de Pesquisadoes em Artes Plásticas

- Cultura Visual e desafios da pesquisa em artes. Goiânia : Editora da Universidade

federal de Goiás, 2005. v. 1. p. 418-429.

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________, Sandra. A cidade, o flanêur, o dândi, o blasé, o zappeur e você.. Revista

Multitemática da Fean, Florianópolis, v. 1, 2003., 80 p.

NAVES, Rodrigo. O Vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporânea.

São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

PEREIRA, Luis Fernando Lopes, Paranismo: O Paraná Inventado; cultura e imaginário no

Paraná da I República. Curitiba: Aos quatro ventos, 1998.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris,

Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002.

TURIN, Elizabete. A arte de João Turin. Campo Largo, PR: INGRA, 1998.

Dados sobre as autoras.

*Luciana Estevam Barone Bueno - Aluna regularmente matriculada no Programa

de Pós-Graduação em Artes Visuais, CEART – UDESC, com o projeto de

pesquisa: O Impacto da Alfabetização Visual Paranista respondendo ao Ideal

Republicano, Orientador: Drª Sandra Makowiecky. Tem experiência na área de

Artes, com ênfase em História da Arte. Email: proflucianabarone hotmail com.

**Sandra Makowiecky - Professora de Estética e História da Arte da UDESC -

Universidade do Estado de Santa Catarina - Centro de Artes. Florianópolis – Santa

Catarina – Brasil e do programa de Mestrado em Artes Visuais. É membro da

Associação Internacional de Críticos de Arte - Seção Brasil Aica Unesco e Vice –

Presidente da Associação Nacional de pesquisadores em Artes Plásticas -

ANPAP, eleita para o biênio 2007-2008. e.mail: [email protected]