Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha...

81
Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo e “neonazismo” no Brasil René E. Gertz * Hans-Ulrich Wehler, um dos mais destacados historiadores-sociais da Alemanha, investiu pesado contra aquilo que chamou de “nova história cultural”. E uma das suas críticas visava ao abstencionismo político dos historiadores da citada corrente historiográfica. Eles não se teriam envolvido em nenhuma das grandes “polêmicas” públicas de que os historiadores alemães participaram, nos últimos anos. 1 No sentido de Wehler, este texto visa a propor um debate, ao denunciar os equívocos que, muitas vezes, caracterizam o senso comum, mas, principalmente, ao denunciar a frequente promiscuidade absoluta entre uma suposta prática acadêmica e o mais rasteiro senso comum. Uma primeira versão, sob o título “Considerações sobre estudos de nazismo e neonazismo no Brasil”, foi distribuída por correio eletrônico entre colegas, com data de 10 de junho de 2008. Recebi considerável número de comentários das pessoas a quem o texto foi enviado. Algumas poucas concordaram com ele, mas a maior parte daqueles colegas que prezo muito o condenou, com veemência, considerando o assunto completamente irrelevante para justificar um envolvimento apaixonado (em especial, naquilo que diz respeito ao “neonazismo”), afirmando que há indícios que justificam as manifestações da opinião pública, mas, sobretudo, criticando, de forma incisiva, a linguagem pouco compatível com o “decoro” acadêmico. Agradeço a todos, especialmente aos críticos, pela sinceridade de suas opiniões, e assumo a responsabilidade por esta publicização. O texto mistura, de forma proposital, produtos do senso comum com produtos do senso acadêmico, para que os leitores possam sentir como se dá o trânsito de um para outro sem qualquer diferenciação. Ainda que a estrutura básica fosse mantida, esta é uma terceira versão daquele texto, atualizada em 31 de julho de 2014. Em 1975, ingressei no mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e, após algumas peripécias para escolher um tema de dissertação, acabei fazendo uma pesquisa sobre o integralismo na assim chamada “região colonial alemã” do estado, sob orientação de Hélgio Trindade. O próprio Hélgio e, também, eu estávamos absolutamente convictos de que a presença da Ação Integralista Brasileira (AIB) nessas regiões, durante a década de 1930, só poderia ser explicada a partir de * Professor no Departamento de História da PUCRS; professor aposentado pela UFRGS. 1 Cf. o capítulo 7 (“Die apolitische Abstinenz der ‘neuen Kulturgeschichte’” [A abstinência apolítica da “nova história cultural”]) de seu livro Historisches Denken am Ende des 20. Jahrhunderts, 1945-2000 (Essen: Wallstein Verlag, 2001, p. 79-86). 2 Gertz, René Ernaini. Os teuto-brasileiros e o integralismo no Rio Grande do Sul : contribuição para a interpretação de um fenômeno político controvertido. Porto Alegre: UFRGS, 1977.

Transcript of Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha...

Page 1: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

Considerações sobre opiniões e estudos em torno

de nazismo e “neonazismo” no Brasil

René E. Gertz*

Hans-Ulrich Wehler, um dos mais destacados historiadores-sociais da

Alemanha, investiu pesado contra aquilo que chamou de “nova história cultural”. E

uma das suas críticas visava ao abstencionismo político dos historiadores da citada

corrente historiográfica. Eles não se teriam envolvido em nenhuma das grandes

“polêmicas” públicas de que os historiadores alemães participaram, nos últimos anos.1

No sentido de Wehler, este texto visa a propor um debate, ao denunciar os equívocos

que, muitas vezes, caracterizam o senso comum, mas, principalmente, ao denunciar a

frequente promiscuidade absoluta entre uma suposta prática acadêmica e o mais

rasteiro senso comum. Uma primeira versão, sob o título “Considerações sobre estudos

de nazismo e neonazismo no Brasil”, foi distribuída por correio eletrônico entre

colegas, com data de 10 de junho de 2008. Recebi considerável número de comentários

das pessoas a quem o texto foi enviado. Algumas poucas concordaram com ele, mas a

maior parte daqueles colegas que prezo muito o condenou, com veemência,

considerando o assunto completamente irrelevante para justificar um envolvimento

apaixonado (em especial, naquilo que diz respeito ao “neonazismo”), afirmando que há

indícios que justificam as manifestações da opinião pública, mas, sobretudo, criticando,

de forma incisiva, a linguagem pouco compatível com o “decoro” acadêmico.

Agradeço a todos, especialmente aos críticos, pela sinceridade de suas opiniões, e

assumo a responsabilidade por esta publicização. O texto mistura, de forma proposital,

produtos do senso comum com produtos do senso acadêmico, para que os leitores

possam sentir como se dá o trânsito de um para outro – sem qualquer diferenciação.

Ainda que a estrutura básica fosse mantida, esta é uma terceira versão daquele texto,

atualizada em 31 de julho de 2014.

Em 1975, ingressei no mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul, e, após algumas peripécias para escolher um tema de dissertação,

acabei fazendo uma pesquisa sobre o integralismo na assim chamada “região colonial

alemã” do estado, sob orientação de Hélgio Trindade. O próprio Hélgio e, também, eu

estávamos absolutamente convictos de que a presença da Ação Integralista Brasileira

(AIB) nessas regiões, durante a década de 1930, só poderia ser explicada a partir de

* Professor no Departamento de História da PUCRS; professor aposentado pela UFRGS.

1 Cf. o capítulo 7 (“Die apolitische Abstinenz der ‘neuen Kulturgeschichte’” [A abstinência apolítica da

“nova história cultural”]) de seu livro Historisches Denken am Ende des 20. Jahrhunderts, 1945-2000

(Essen: Wallstein Verlag, 2001, p. 79-86).

2 Gertz, René Ernaini. Os teuto-brasileiros e o integralismo no Rio Grande do Sul: contribuição para a

interpretação de um fenômeno político controvertido. Porto Alegre: UFRGS, 1977.

Page 2: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

2

variáveis “étnico”-culturais.2 Mas – ainda que, na época, eu nunca tivesse ouvido falar

do historiador alemão Reinhart Koselleck – as fontes acabaram “vetando”, de forma

clara, a hipótese inicial, a qual, até então, para mim e para 100% do senso comum era

(e, para 100% do senso comum, continua sendo) óbvia, pois, na aparência, plausível. A

lógica subjacente era clara: a população de origem alemã era considerada total e

completamente nazificada, e como a AIB seria uma “filial” do partido nazista no Brasil,

a adesão dessa população não requeria nenhuma explicação. No entanto, no decorrer da

pesquisa, ficou muito claro que por essa lógica era completamente impossível explicar a

presença do integralismo nas referidas regiões – ao menos de forma linear, e sem

incorrer em graves e insolúveis contradições, como mostrei na avaliação da bibliografia

então existente. Terminado o mestrado, recebi uma bolsa para fazer doutorado na

Universidade Livre de Berlim, onde desenvolvi minha tese, cujo plus básico em relação

à dissertação estava na exploração das fontes dos arquivos alemães (com que,

evidentemente, se pretendia clarear as relações entre integralismo e nazismo) e numa

comparação da situação do Rio Grande do Sul com a de Santa Catarina.3 A tese

confirmou e aprofundou as evidências que haviam sido apresentadas na dissertação.

O texto da tese (com pequenas adaptações feitas durante a tradução para o

português) só foi publicado em livro no final de 1987.4 Por ocasião da sua publicação, a

editora distribuiu um release, no qual, entre outras coisas, dizia que se tratava de uma

visão inovadora sobre o tema. O hilariante foi que o livro teve alguma repercussão na

imprensa fora do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina5 – os dois estados sobre os

quais trata! –, e as matérias, invariavelmente, começavam com a citação do texto desse

release da editora, afirmando que era uma obra com uma visão nova; mas, no parágrafo

seguinte, invariavelmente descambavam para o mais absoluto senso comum. Diziam

que – como todo mundo saberia – as “colônias alemãs” do sul do Brasil sempre teriam

sido muito isoladas, “fechadas”, formando “quistos étnicos”, com uma população

2 Gertz, René Ernaini. Os teuto-brasileiros e o integralismo no Rio Grande do Sul: contribuição para a

interpretação de um fenômeno político controvertido. Porto Alegre: UFRGS, 1977. 3 Gertz, René Ernaini. Politische Auswirkungen der deutschen Einwanderung in Südbrasilien: die

Deutschstämmigen und die faschistischen Strömungen in den 30er Jahren [Conseqüências políticas da

imigração alemã no sul do Brasil: os descendentes de alemães e as correntes fascistas nos anos 30].

Berlim: FUB, 1980. A comparação entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina se justificava pelo dado

numérico de que nas eleições municipais de meados da década de 1930 o integralismo conseguira eleger

apenas 4 vereadores no primeiro estado, mas 8 prefeitos e 72 vereadores no segundo. 4 Gertz, René E. O fascismo no sul do Brasil: germanismo, nazismo, integralismo. Porto Alegre: Mercado

Aberto, 1987. 5 Tenho medo de cometer alguma injustiça, mas, de fato, não chegou ao meu conhecimento nenhum

comentário em qualquer órgão de imprensa gaúcho ou catarinense.

Page 3: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

3

totalmente alheia e desvinculada da realidade brasileira, que na Alemanha sempre se

teria planejado aproveitá-las para invadir o Brasil e transformá-las em território colonial

alemão. Enfim, essas coisas que um folclore simplório conta até hoje sobre esse tema. O

fato mostrava que os comentaristas não tinham lido o livro, ou, então, o tinham lido,

mas não haviam entendido nada.

Na época, chegou às minhas mãos apenas uma resenha diferente: de um jovem

economista chamado Roney Cytrynowicz – que, mais tarde, se transformaria num

destacado historiador. Foi publicada na revista Senhor, n. 355, com data de 12 de

janeiro de 1988, sob o título “Um Reich de poucos súditos” (p. 60-61). Não tive a

acrescentar nenhum iota ao comentário do até então para mim desconhecido Roney.

Estava perfeito! Entendera exatamente qual é a minha tese.

Posteriormente, outros cientistas sociais fizeram apreciações também pertinentes

sobre esse meu trabalho, e ele – apesar de quase integralmente encalhado na editora,

durante muitos anos, e só esgotado porque foi exposto à venda por R$ 1,00 (um real),

durante várias edições da Feira do Livro de Porto Alegre – se tornou um “clássico” para

os estudos sobre integralismo e nazismo no Brasil. Por “clássico” entende-se que ele

propõe questões básicas com as quais, necessariamente, se deve confrontar todo aquele

que queira trabalhar de forma acadêmica sobre os citados temas (ainda que seja para

contestar parcialmente, ou, mesmo, para refutar).6

E quais são as principais teses desse meu livro? Entre vários outros aspectos, eu

destaco:

1) O nazismo teve, no Brasil, uma adesão inferior àquela que se poderia ter

esperado. Segundo estatísticas oficiais, quando o nazismo assumiu o poder na

Alemanha, em 1933, viviam cerca de 100.000 cidadãos alemães aqui.7 Tratava-se, em

grande parte, de pessoas que haviam fugido da crise econômica e social da Alemanha

pós-Primeira Guerra. Não há por que imaginar que muitas dessas pessoas, ao ouvirem,

depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento

econômico estupendo, não quisessem aderir ao partido que, supostamente, promovera

esse milagre, para, talvez, conseguir voltar à sua pátria. Mesmo assim, a agora já

consistente pesquisa histórica mostrou que o partido não teve mais de 3.000 filiados, em

6 Uma memória a respeito de minha trajetória de estudos sobre o tema pode ser vista em Gertz, René E.

Pesquisas sobre o integralismo na década de 1970. In: Silva, Giselda Brito (org.). Estudos do

Integralismo no Brasil. Recife: Editora da UFRPE, 2007, p. 13-26. 7 Erroneamente, o senso comum imagina que o período de maior intensidade da imigração alemã para o

Brasil ocorreu no século XIX – de fato, foi no século XX, em especial na década de 1920.

Page 4: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

4

todo o país.8 Isso são 3% daqueles que considero candidatos potenciais a uma filiação

partidária. E – diante dessa circunstância – considero que é um percentual baixo.9

A mais recente tese de doutorado a respeito do número de nazistas no Rio

Grande do Sul fala de 645.10

Por essa razão, a autora escreve, nas “considerações

finais”: “Entretanto, o índice de inserção do partido [nazista] entre os alemães residentes

nesses países [Argentina, Brasil, Chile] era consideravelmente baixo”; “[o partido]

congregou um número muito baixo de partidários em relação ao número de alemães

estabelecidos no país [Brasil]”; “não havia, no entanto, interesse em atuar nos assuntos

políticos do país de residência [Brasil]” (p. 202). “Ao considerar que a congregação de

todos os cidadãos alemães natos era o objetivo principal dos núcleos nazistas no

exterior, o fracasso no Rio Grande do Sul foi latente.11

Apesar da visibilidade ganha

através de manifestações públicas e da propaganda, a adesão ao nazismo no estado foi

baixíssima” (p. 203). “Apesar da defesa da superioridade racial e do ódio aos judeus,

não foram encontrados registros de enfrentamentos ou manifestações públicas de

antissemitismo” (p. 204).

A única contestação séria às minhas considerações sobre o número de filiados ao

partido nazista, até agora, foi feita na tese de doutorado de Ana Maria Dietrich,

defendida em 2007, na USP.12

Ela diz que meu raciocínio com o percentual de 3% não

está correto, porque eu deveria contabilizar, além dos filiados ao partido, aqueles que

pertenciam a outras organizações nazistas atuantes no Brasil – concretamente à

Deutsche Arbeitsfront [Frente Alemã de Trabalho] e à Nationalsozialistische

Frauenschaft [Associação de Mulheres Nacional-Socialistas], a primeira com

aproximadamente 6.000 filiados e a segunda com cerca de 2.000 filiadas. Meu contra-

argumento é o seguinte: a) a Frente Alemã de Trabalho era fundamental para qualquer

trabalhador poder trabalhar e gozar de benefícios sociais e previdenciários, numa

eventual futura volta à Alemanha, de forma que a filiação não refletia, necessariamente,

8 Moraes, Luís Edmundo de Souza. Konflikt und Anerkennung: die Ortsgruppen der NSDAP in Blumenau

und Rio de Janeiro. Berlim: Metropol, 2005, p. 165 e segs. 9 Evidentemente, não estou, aqui, emitindo um juízo de valor sobre o número de filiados ao partido e

sobre a importância ou não da atividade nazista no Brasil – estou dizendo, apenas, que, diante de 100.000

alemães fugidos da Alemanha nos anos anteriores a 1933, poderia ter ocorrido uma filiação muito mais

intensa. 10

Lucas, Taís Campelo. Nazismo d’além mar: conflitos e esquecimento (Rio Grande do Sul, Brasil).

Porto Alegre: UFRGS, 2011 (tese de doutorado em História), p. 143. 11

Aqui parece óbvio que a autora quis dizer “evidente”. 12

Dietrich, Ana Maria. Nazismo tropical?: o partido nazista no Brasil. São Paulo: USP, 2007. O texto,

entrementes, foi publicado em livro: Dietrich, Ana Maria. Nazismo tropical?: o partido nazista no Brasil.

São Paulo: Todas as Musas, 2012.

Page 5: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

5

adesão ou identificação entusiástica com o partido nazista13

; b) com certeza, muitos

filiados ao partido eram, também, sócios da Frente, assim que os números que as fontes

apresentam não podem ser, simplesmente, somados14

; c) mas ainda que se faça uma

soma pura e simples dos números de membros das três entidades (partido + associação

de mulheres + frente de trabalho), chega-se a pouco mais de 11.000 pessoas – logo 11%

do total dos 100.000 alemães que considero candidatos potenciais para aderir. Continuo

insistindo que poderiam ter sido muito mais – não se pode admitir que o fato de que

89% dos cidadãos alemães estabelecidos no Brasil não demonstrassem interesse em

filiar-se não seja significativo. Uma crítica válida – que ninguém levantou até agora –

seria a de que eu não levo em consideração que uma parte dessa população,

evidentemente, era constituída de crianças, ao que eu responderia que mesmo que

meássemos os 100.000 alemães, para excluir crianças e gente muito velha, o fato de,

entre 50.000 em idade de assumir posturas políticas, apenas 3.000 terem aderido ao

partido nazista continua sendo um argumento a meu favor.

Neste ponto, deve-se fazer também um comentário sobre a frequentemente

referida informação de que o Brasil teria abrigado o maior número de nazistas fora da

Alemanha. De fato, a bibliografia indica, por exemplo, 2.903 filiados ao partido no

Brasil, e apenas 569 nos Estados Unidos.15

Como me falta um conhecimento

especializado sobre o nazismo nos EUA, não posso entra nessa ceara. Fato é que o

Brasil foi o país que recebeu o segundo maior contingente de imigrantes alemães, ao

longo da história. Mas numa comparação com outros países da América Latina a

suposta magnitude do número se relativiza. Assim, em 1937, mais de 18% dos cidadãos

alemães residentes no Chile estavam filiados ao partido (aqui eram 3%), no México

eram 6%, enquanto a Argentina empatava com o Brasil.16

Historiadores que fizeram

estudos comparados informam que a “população alemã no Brasil tinha vivências bem

diferentes que em outros países (Argentina e Chile). A NSDAP aqui só conseguiu impor

13

Convém destacar que um número muito alto de filiados ao partido nazista no Brasil era constituído de

funcionários de firmas alemãs aqui estabelecidas. 14

Tento ilustrar, de forma didática, aquilo que quero dizer: no final da década de 1980, havia uma

probabilidade muito alta de que um cidadão brasileiro filiado ao PT mais um cidadão brasileiro filiado à

CUT não fossem dois, mas apenas um. 15

McKane, Donald M. The swastika outside Germany. Kent: The Kent State University Press, 1977, p.

121. 16

Müller, Jürgen. Nationalsozialismus in Lateinamerika: die Auslandsorganisation der NSDAP in

Argentinien, Brasilien, Chile und Mexiko, 1933-1945. Stuttgart: Verlag Hans-Dieter Heinz, 1977, p. 127.

Page 6: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

6

sua influência sobre a vida da população de origem alemã e dominar suas instituições de

maneira formal-organizacional em sentido muito limitado”.17

2) Também se tem apontado para a necessidade de considerar não só as filiações

expressas ao partido, pois não se poderia ignorar que teria havido milhares de

simpatizantes, que incluíam não apenas alemães natos, mas também descendentes

nascidos no Brasil, portanto, cidadãos brasileiros (que estavam, formalmente, proibidos

de se filiar ao partido). É verdade! E em meu texto evidencio que as manifestações de

oposição ao regime nazista e a Hitler, efetivamente, foram relativamente restritas, no

conjunto da população de descendência alemã no Brasil – ainda que a oposição aos

líderes partidários, nos seus diferentes níveis, atuantes aqui dentro do país, fosse muito

significativa. Com isso, minha resposta a esta questão é a seguinte: a) não há como

saber que se passava na cabeça do conjunto de talvez quase um milhão de pessoas

constituídas por alemães e por descendentes que viviam no Brasil, mas quero apresentar

um relato do embaixador alemão ao seu governo, datado de 3 de março de 1938, quando

aconteceram os primeiros conflitos diplomáticos entre a Alemanha nazista e o Brasil.

Nessa oportunidade, o embaixador escreveu: “Seria um erro enxergar, aí em casa [na

Alemanha], a população de origem alemã no Brasil da mesma forma como é vista a

população de origem alemã que hoje vive nas fronteiras do Reich, dentro da Europa.

(...). No caso da população de origem alemã no Brasil, trata-se de ex-alemães que estão

separados da Alemanha pelo oceano, e que há 100 ou 50 anos emigraram,

voluntariamente, para cá, adotando a cidadania brasileira. (...). Por isso, é necessário que

se saiba aí em casa que a maior parte dessa população de origem alemã no Brasil, na

eventualidade de uma agudização da crise, que a coloque diante da alternativa cultura

brasileira ou cultura alemã, sem qualquer dúvida, optará pelo Brasil“18

; b) até a

decretação do Estado Novo (no final de 1937), Vargas e (para o caso do Rio Grande do

Sul) Flores da Cunha viviam numa lua de mel com Hitler, com sua ideologia e prática

políticas, e com seus representantes no Brasil – nesse sentido, volto a chamar a atenção

para o fato de que a famigerada festa nazista de 1º de maio de 1937, no campo do

17

Gaudig, Olav; e Veit, Peter. Hakenkreuz über Südmaerika: Ideologie, Politik, Militär. Berlim:

Wissenschaftlicher Verlag Berlin, 2004, p. 81. 18

Relatório do embaixador alemão Karl Ritter, ao ministério alemão de relações exteriores, Rio de

Janeiro, 3 de março de 1938 (documento E 043869, Arquivo do Ministério das Relações Exteriores da

Alemanha, Berlim). É o que estou dizendo nos meus escritos desde o final da década de 1970. Aqui

encontramos a mesma posição, agora de parte do representante oficial da Alemanha, em relatório não

público, e, portanto, reproduzindo aquilo que ele efetivamente pensava. Agradeço a Andrea Helena Petry

Rahmeier por ter-me cedido cópia desse documento.

Page 7: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

7

Renner, em Porto Alegre (cujas fotos estão amplamente difundidas), contou com a

presença de representantes do governador Flores da Cunha, do presidente da

Assembleia Legislativa, do comandante da 3ª Região Militar, do comandante da

Brigada Militar19

; c) isso significa que uma eventual crítica ou oposição ao partido e ao

governo de um país tão amigo quanto a Alemanha, por parte de alemães ou

descendentes com cidadania brasileira, até poderia ter sido interpretada como falta de

lealdade ao Brasil e a suas autoridades; d) naquilo que tange ao período após 1937,

quem lê com atenção e sem preconceito as fontes policiais da época não encontrará atos

antibrasileiros que possam ser classificados de coletivos – isso sem falar no fato de que

um percentual muito alto dos atos individuais citados nos escritos das autoridades

policiais, posteriores a 1937, aconteceu, justamente, antes dessa data, quando não

estavam proibidos e, portanto, não eram ilegais – e, muito menos, constituíam traição ao

Brasil; e) da mesma forma que o Brasil manteve espiões em outros países20

,

evidentemente, também a Alemanha os teve aqui, mas, até hoje, não se encontrou prova

inconteste contra cidadãos alemães ou descendente tradicionalmente residentes nas

“colônias” do sul do Brasil – os espiões alemães eram agentes, mais ou menos

profissionais, vindos de fora.21

3) As reiteradas suposições – e até afirmações – de que a Alemanha tivesse

planos de invadir e anexar as assim chamadas “colônias alemãs” do sul do Brasil não se

baseiam em fatos ou fontes concretos comprovados pela pesquisa histórica. Em recente

entrevista, Luís Edmundo de Moraes22

disse o seguinte em resposta à pergunta “Quais

eram os planos de Hitler para o Brasil, caso a Alemanha tivesse saído vitoriosa da

guerra?” – “A esta pergunta eu poderia responder simplesmente: se existia algum,

19

Neue Deutsche Zeitung, Porto Alegre, 3 de maio de 1937, p. 6. Isso sem citar o fato de que o folclore

registra que o cônsul alemão em Porto Alegre, Friedrich Ried, teria sido frequente companheiro de farras

do governador. Referências à amizade de Flores da Cunha com as “colônias” alemã e italiana, durante seu

governo, estão em suas declarações públicas a partir do exílio, no Uruguai (ver: Gertz, René E. O Estado

Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2005, p. 157). Nos anos 1930, inclusive, se

difundiram notícias sobre suas “origens alemãs”, pois um antepassado seu (Sarrazin) viera para São

Leopoldo, com os primeiros imigrantes (ver: Porto, Aurelio. O trabalho alemão no Rio Grande do Sul.

Porto Alegre: Estabelecimento Gráfico Sta. Terezinha, 1934, p. 132). Nesse contexto, qualquer pessoa de

bom senso mínimo mediano se perguntará por que um cidadão brasileiro de origem alemã ao ir a uma

festa nazista poderia estar atentando contra o Brasil? 20

Costa, Sérgio Corrêa da. Crônicas de uma guerra secreta – nazismo na América: a conexão argentina.

Rio de Janeiro: Record, 2004. 21

Hilton, Stanley E. Suástica sobre o Brasil: a história da espionagem alemã no Brasil, 1939-1944. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. Esse tema de atos de espionagem e de eventuais crimes de lesa-

pátria será retomado, mais adiante. 22

Professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; autor da citada tese de doutorado Konflikt

und Anerkennung: die Ortsgruppen der NSDAP in Blumenau und Rio de Janeiro [Conflito e

reconhecimento: os grupos locais da NSDAP em Blumenau e no Rio de Janeiro].

Page 8: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

8

ninguém sabe. De fato um dos mitos aos quais me referia anteriormente é o de que

existiam planos de conquista territorial, ou planos bem acabados relativos à presença do

NSDAP [sigla do partido nazista] no Brasil. Na realidade, a única fonte que mencionava

planos bem elaborados expostos por Hitler era o livro de Hermann Rauschning

Conversas com Hitler (Gespräche mit Hitler), ex-dirigente do NSDAP de Danzig, que

foi identificado como uma fraude, nos anos 80, por Wolfgang Hänel, um professor

suíço.23

Além disso, são procuradas evidências destes planos supostamente existentes

desde pelo menos os anos cinquenta, e até agora nada que seja relevante foi encontrado.

Ao lado de ‘informações’ fabricadas por serviços secretos ou pela diplomacia dos

aliados, pela polícia política brasileira e reproduzidos pela imprensa, existem opiniões

de militantes de base ou de membros de direções intermediárias que não têm valor como

expressão de posições da direção partidária. E não existem indícios políticos de que um

plano assim, ou mesmo objetivos claros em relação ao Brasil, tivessem existido. Em

resumo, não existem fontes documentais relevantes que indiquem qualquer existência

de planos de Hitler para a ação do Partido Nazista no Brasil durante ou depois da

guerra”.24

Em outra entrevista mais recente ainda, o historiador inglês Ian Kershaw,

reconhecido, internacionalmente, como especialista no tema Hitler e nazismo, disse o

seguinte a respeito dos supostos planos do Führer para a América Latina: “Ele não

levou de jeito nenhum a América do Sul em consideração. No outono de 1941,

Roosevelt produziu um mapa da América Latina mostrando planos de invasão alemã no

continente, mas eram falsos, feitos a partir de informações do serviço secreto

britânico”.25

4) Naquilo que tange ao integralismo, minha tese diz, basicamente, que ele não

pode ser explicado, de forma convincente, como produto da presença do nazismo, e que

a realidade “étnico”-cultural também não consegue explicá-lo. Nesse sentido, as fontes 23

Existem várias edições em língua portuguesa desse livro. Uma leva o título O que Hitler me disse (Rio

de Janeiro: Edições Dois Mundos, 1940). Ele causou tanto alvoroço que nas livrarias do Rio de Janeiro

estava disponível também em espanhol, francês, inglês (Sander, Roberto. O Brasil na mira de Hitler: uma

história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 180-181).

Descoberta recente em arquivos gaúchos – que, infelizmente, ainda não puderam ser devidamente

avaliados – talvez forneça a explicação para essa ênfase de Rauschning em supostos planos de Hitler para

o Brasil: um alemão que viera para cá após a Primeira Guerra, se estabelecera aqui, e entrou em atrito

com nazistas na década de 1930 era primo dele. Com isso, Rauschning, provavelmente, recebia

informações frequentes sobre a existência de nazistas por aqui, e resolveu carregar nas tintas. 24

A entrevista está em http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/arquivo-conversa-cappuccino, acessada

em 14 de janeiro de 2009. 25

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3757079-EI6782,00-O+mito+Hitler+parte+III.html,

acessado em 9 de junho de 2009.

Page 9: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

9

são claras em mostrar que nem o partido nazista nem as autoridades alemãs fomentaram

ou apoiaram, de forma decisiva, o integralismo – a recente tese de Ana Maria Dietrich é,

a esse respeito, ainda muito mais enfática do que meus trabalhos.26

Uma tentativa de

explicação para a difusão do integralismo nas regiões de colonização alemã do Rio

Grande do Sul e de Santa Catarina, para não emaranhar-se em contradições insolúveis –

como acontece com a quase totalidade da bibliografia existente, seja diletante, seja

acadêmica – pode e deve abstrair da variável “étnico”-cultural, e, em contrapartida,

valorizar variáveis universais, como fatores políticos, sociais, econômicos.27

Nessa

perspectiva, minhas pesquisas também derrubaram por terra os pressupostos quase

unanimemente adotados – mas não comprovados – sobre as populações “coloniais”

como gente que vivia numa absoluta marginalidade política. Tudo isso é lenda! Como

em qualquer lugar do Brasil, parte da população estava politicamente marginalizada,

mas não foram os “marginais” que aderiram ao “germanismo”, ao integralismo ou ao

nazismo – sem falar nas demais correntes políticas.28

Nesse sentido, a política de

“nacionalização” do governo brasileiro, durante o Estado Novo, errou por completo seu

alvo, pois um eventual perigo não emanava daqueles que viviam nas “picadas” mais

distantes, e que, eventualmente, não sabiam falar português – mas foram eles os que

mais apanharam! Em estudos mais recentes sobre períodos históricos anteriores,

descobri uma realidade que, inclusive, me teria sido sumamente útil para entender ainda

26

O que não quer dizer que integralistas não tivessem buscado apoio moral e também financeiro do

nazismo. Mas essa é outra história – não explica a adesão dos descendentes de alemães à AIB. A tese de

doutorado de Natalia dos Reis Cruz apresenta casos de colaboracionismo entre nazistas no Brasil com o

integralismo, mas em última instância, sua argumentação não colide com a minha nem com a de Ana

Maria Dietrich (O integralismo e a questão racial: a intolerância com princípio. Niterói: UFF, 2004).

Também a tese de Nara Maria Carlos de Santana não altera nada, sob este aspecto (O confronto dos

nacionalismos: Getúlio Vargas e a repressão ao nazismo no Brasil dos anos 30/40. Niterói: UFF, 2005

[tese de doutorado em História]). 27

Claro, trabalho com “tipos ideais”, que contraponho aos “tipos ideais” da bibliografia criticada. Como

se sabe, um “tipo ideal” sempre exagera, em alguma medida, justamente para destacar sua diferença em

relação a outros “tipos ideais” – e, nesse sentido, não se pode dizer que a variável “étnico”-cultural esteja

completamente ausente, inclusive porque os atores contemporâneos críticos da AIB recorriam a ela. Mas

insisto na afirmação reiterada de que qualquer tentativa que recorra exclusivamente – ou mesmo apenas

predominantemente – a essa variável para explicar a difusão do integralismo nas assim chamadas regiões

de colonização alemã (e também italiana) incorre em contradições insolúveis. Cabe destacar aqui que os

próprios atores – militantes da AIB –, em entrevistas posteriores, muitas vezes, afirmaram ter aderido

porque imaginavam que se tratasse de um movimento inspirado no movimento alemão. Mas uma das

razões que justificam a existência das Ciências Humanas é, justamente, o fato de que os atores, nem

sempre, têm consciência das motivações reais para seus atos. Nesse sentido, muitos outros “alemães” se

opuseram, de forma incisiva, ao integralismo e, inclusive, nas disputas políticas do dia-a-dia, usaram

violência física contra seus “irmãos de sangue”, ainda que, também, se declarassem simpatizantes de

Hitler. 28

Como se verá mais adiante, essa asneira continua sendo propalada, atualmente, em relação ao

“neonazismo”.

Page 10: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

10

melhor os acontecimentos da década de 1930, a partir das conjunturas políticas, sociais,

até religiosas, de cada lugar específico.29

Sem qualquer falsa modéstia, depois dos meus estudos sobre os temas inserção

política dos “alemães”, integralismo e nazismo no sul do Brasil, qualquer leitor pode

fazer um teste preliminar com textos de outros autores que encontrar por aí, a esse

respeito. Caso começarem com frases do tipo “como se sabe, as populações das regiões

de colonização alemã do sul do Brasil sempre viveram absolutamente à margem da

realidade política brasileira”, pode descartá-los sumariamente! Como defensor do

debate como condição para o avanço da Ciência, obviamente julgo válido perder algum

tempo com textos que começarem com frases do tipo “apesar de haver autores que

afirmam que as assim chamadas colônias alemãs do sul do Brasil estiveram bem

integradas à realidade política brasileira, mas isso não é verdade...” – diante de uma

frase dessas, certamente valerá a pena ler qual crítica ou contraposição apresentam em

relação aos meus argumentos, e talvez possa sair daí um interessante diálogo, e um

consequente avanço nos estudos.

Meus textos não só apontam para erros e deficiências tanto na avaliação das

autoridades da época quanto da ensaística e da historiografia acadêmica posteriores

sobre integralismo e nazismo, e sua visão sobre as populações das assim chamadas

“colônias alemãs”, mas também mostram que alemães e cidadãos brasileiros de

sobrenome alemão fizeram comentários e assumiram atitudes que subsidiaram essas

avaliações equivocadas de autoridades, de ensaístas e de supostos pesquisadores

acadêmicos. O resultado de tudo isso é que, na “opinião pública”, meus trabalhos não

são bem-vistos nem por gregos nem por troianos. Mas este é um ônus que um

historiador ou cientista de qualquer outra área do saber deve assumir, pois constitui

dever ético lutar para que, na academia, se faça uma clara distinção entre aquilo que é

ciência e aquilo que é senso comum.

Interrompo, neste ponto, o relato para tecer algumas considerações a respeito de

aspectos éticos da pesquisa sobre e da divulgação de acontecimentos do passado – aqui

relacionados com o tema em pauta. O historiador alemão Johann Gustav Droysen, já no

século XIX (século de Ranke), defendia a ideia de que ele não se sentia condenado a

uma “objetividade eunuca” diante de seu objeto de estudo. Nos meus textos, com muita

29

Trata-se de meu livro O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos

1920 (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002), no qual analiso a movimentação política nas “colônias” durante

a década de 1920. Além desse livro, remeto aos meus estudos sobre a Revolução Federalista (1893-1895).

Page 11: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

11

frequência, emiti juízos de valor, sobretudo na forma de ironia – aliás, uma atitude que

se enquadra na tradição de ninguém menos que Max Weber. Mas, no presente caso,

tem-se a impressão de que todos aqueles que escrevem sobre integralismo e nazismo

estão preocupados em mostrar-se “politicamente corretos”, e sentem a necessidade de

condenar, de forma veemente, esses dois movimentos, ainda que os fatos que

apresentam não lhes deem suporte na sua preocupação em não aparecer como suspeitos

de simpatia em relação a eles. E nessa arapuca até historiadores de grande prestígio

podem cair.

Assim, num capítulo sobre o Estado Novo, na conhecida coletânea sobre O

Brasil republicano, editada por Jorge Ferreira e Lucília Neves Delgado, a historiadora

Maria Helena Capelato, a certa altura do texto, fala da repressão ao partido nazista,

depois do golpe de 1937, finalizando o parágrafo com a afirmação de que “nesse

contexto, não só os nazistas, mas todos os alemães passaram a ser considerados

inimigos da pátria”. Se a autora se tivesse restringido a esse parágrafo, não haveria – ao

menos sob a perspectiva aqui enfocada – nada a acrescentar e, muito menos, a criticar.

Mas – aparentemente – ela se sentiu na obrigação moral de dizer que as autoridades

estado-novistas – apesar de terem extorquido, torturado e assassinado inocentes – não

estavam de todo erradas ao tomar as medidas que tomaram, porque, efetivamente, os

nazistas estavam cometendo inomináveis barbaridades por aqui. Foi, provavelmente,

por essa razão que acrescentou ao citado parágrafo uma nota de rodapé em que diz que

o primeiro núcleo do partido nazista no Brasil foi fundado em Porto Alegre [sic], que os

nazistas passaram a praticar violências no sul do Brasil, que em 1º de maio de 1934 [sic]

organizaram uma festa a que teriam comparecido 6.000 pessoas, por fim, informa que

em 1935 teria sido criado o Círculo Teuto-brasileiro [sic], “com o mesmo objetivo”

[sic].30

30

Capelato, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: Ferreira, Jorge; e Delgado, Lucilia

de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano (II): o tempo do nacional-estatismo. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2003, p. 132 e 142, respectivamente. Apesar de apontado, por policiais e por

intelectuais (Freyre, Gilberto. Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira. Rio de Janeiro: C. E. B., 1942),

como perigosíssimo agente nazista no Brasil, o Círculo Teuto-Brasileiro de Trabalho era uma associação

de, literalmente, no máximo, uma dúzia de estudantes brasileiros de origem alemã, na Alemanha, que lá

promoveu dois ou três encontros para discutir os destinos do Brasil, ocasião em que, dentro da tradição

germanista, contestaram o exclusivismo lusitano na configuração político-cultural do país, defendendo o

“multiculturalismo” – daí a fúria de Gilberto Freyre contra eles. Não existe qualquer (!) registro de

atuação do Círculo no Brasil. E os registros na Alemanha se restringem aos textos das palestras realizadas

nos referidos encontros. Na verdade, os meninos que o compuseram o enxergavam como instrumento

para livrá-los do serviço militar na Alemanha, já que tinham dupla cidadania. (A respeito das discussões

diplomáticas entre Alemanha e Brasil em torno do serviço militar dos cidadãos de dupla cidadania, cf.

Page 12: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

12

Com essa nota, a prestigiada historiadora possivelmente tenha pretendido evitar

a pecha de condescendente com o nazismo, ou até simpatizante, que o texto principal

poderia sugerir (quando destacou que o governo brasileiro agiu mal ao não perseguir

apenas nazistas, mas também inocentes), mas ela acabou criando um “sambinha do

crioulo doido”. Tudo indica (pois não cita fonte) que ela ouviu falar do livro do chefe de

polícia do Rio Grande do Sul, da época, sem tê-lo lido.31

Mas, mesmo que o tenha lido,

não fez com essa fonte aquilo que, com certeza, se ensina na USP aos alunos do Curso

de História, na primeira semana de aula, dentro da disciplina de Introdução aos Estudos

Históricos – nunca acreditar que a “verdade” histórica possa ser derivada diretamente de

uma única fonte. Certamente, se ensina que uma autoridade policial, em seus relatos,

pode estar tentando garantir seu emprego, pode estar preocupada em aparecer como

herói que salvou a pátria de uma terrível ameaça, pode estar preparando uma

candidatura futura para algum cargo eletivo – e, por isso, no mínimo, tender a

apresentar um perigo que real ou supostamente debelou como muito mais dantesco do

que ele, de fato, foi; e o historiador deve estar atento para essa possibilidade.

Para não deixar nenhuma dúvida – ninguém está acusando a professora Maria

Helena Capelato de qualquer deslize ético. O citado “aspecto ético da pesquisa” se

refere, no caso dela, ao fato de que a historiadora, aparentemente, se sentiu na obrigação

moral (“patrulha”) de acrescentar ao seu texto a nota de rodapé aqui criticada, para

tentar escapar da suspeita de simpatia para com o nazismo, ao afirmar que o Estado

Novo, o governo do idolatrado Getúlio Vargas, o criador do Brasil Moderno, perseguiu

gente inocente. Trata-se, portanto, da pressão a que os pesquisadores podem estar

sujeitos para proclamar seu credo ético condenatório em relação ao nazismo – situação

que, infelizmente, pode resultar na formulação de “sambinhas do crioulo doido”.

Para um segundo caso – este, sem dúvida, muito problemático, do ponto de vista

da ética de um pesquisador –, chamei a atenção mais de dez anos atrás.32

Em um livro

sobre o Brasil publicado em 1987, o professor Mário Contreras, da Universidade

Autônoma do México, apresentou um capítulo intitulado "El Brasil como meta histórica

de la Alemania nazi", no qual aparenta dar seriedade à defesa da tese usual de que o

integralismo foi utilizado como instrumento maldoso pelo nazismo na sua ação nefasta

Rahmeier, Andrea Helena Petry. Relações diplomáticas e militares entre a Alemanha e o Brasil: da

proximidade ao rompimento (1937-1942). Porto Alegre: PUCRS, 2009 [tese de doutorado]). 31

Py, Aurélio da Silva. A quinta coluna no Brasil. Porto Alegre: Globo, 1942. 32

Gertz, René E. Influência política alemã no Brasil na década de 1930. Estudios Interdisciplinarios de

America Latina y el Caribe, Tel Aviv, vol. 7, n. 1, 1996, p. 92-93.

Page 13: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

13

contra o Brasil. O autor não se limita a reproduzir as opiniões correntes na época e

repetidas na ensaística posterior, mas procura dar um ar de consistência acadêmica ao

seu texto, remetendo, em abundantes notas de rodapé, a documentos do arquivo do

Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Para comprovar sua tese, apresenta o

caso do integralista José Zamarin da Testa, do interior de São Paulo, que, em 1935, se

dirigiu à embaixada alemã, dizendo-se autorizado por Plínio Salgado, chefe do

integralismo, para solicitar ajuda para si mesmo, a fim de realizar uma viagem à

Alemanha, e para o integralismo em geral. A partir da análise da documentação

referente a esse pedido, o autor conclui: "Sin embargo, un momento cumbre en que se

hacen oficiales, de manera ultra-secreta, las relaciones entre la Acción Integralista

Brasileira y el régimen nazi, se da en 1935 cuando la legación alemana en Río envía al

Ministerio de Relaciones Exteriores alemán un reporte favorable a la AIB

recomendando el viaje a Alemania de un tal Dr. Zamarin, miembro prominente de la

AIB, y sugiriendo apoyo material y moral a los integralistas".

Na verdade, o autor utiliza fontes de arquivo realmente existentes, mas as utiliza

de forma seletiva, para dar ares de consistência acadêmica à sua visão pessoal

preconcebida. Um documento conclusivo do embaixador alemão sobre o caso,

constante no dossiê extensamente citado pelo autor, que, se fosse arrolado, o obrigaria a

chegar a uma conclusão diferente daquela a que chegou, não é referido. Nele, o

embaixador justamente recomendou que não se atendesse ao pedido do integralista – e

não existe documentação que mostre que essa recomendação tenha sido contrariada.

Contreras, aqui, simplesmente omitiu a existência de um documento fundamental, cujo

conteúdo não se encaixava na sua tese “politicamente correta”.33

Em livro publicado em 2006, sobre o mesmo tema, sem citar meu nome sequer

na bibliografia, Contreras escreveu: “En un documento classificado como ultra secreto,

por que ultra secreto?, [o embaixador alemão] Schmidt-Elskop responde al Ministerio

de Exterior, primero, su temor de que ante la opinión publica se ligue a los integralistas

con los nazis, y segundo, que está en contra de qualquier tipo de ayuda financera, por

considerarla peligrosa”. Mais adiante: “Independiente de las dudas que surgen en el

Ministerio de Exterior, este [o embaixador] considera que el hecho de que los

integralistas sean pobres y que el puesto del Dr. Zamarin esté mal remunerado, en lugar

33

O texto é o seguinte: Contreras, Mario. El Brasil como meta histórica de la Alemania nazi. In: Perfil del

Brasil contemporáneo. México: UNAM, 1987, p. 9-19. O episódio foi descrito em meu livro O fascismo

no sul do Brasil, p. 135-136.

Page 14: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

14

de eliminar suspechas, las encrementaria, y seria peligroso, ya que podria traer

consequencias indeseables por la argumentación nada solida”.34

Não se sabe se Contreras leu minha crítica, ou de alguém outro, e resolveu

reconsiderar os termos de seu escrito anterior, ou se aconteceu um arrependimento

espontâneo, fato é que houve uma mudança radical em relação ao texto de 1987. Claro,

nós historiadores nos enganamos, às vezes, cometemos deslizes involuntários, mas no

presente caso parece que o autor incorreu numa deturpação proposital (na primeira

versão), e isso é grave!

No intuito de pura e simplesmente proclamar uma enfática condenação a

integralismo e nazismo, ou, ainda, para caricaturá-los e ridicularizá-los, não precisamos

gastar tempo e dinheiro (muitas vezes, dinheiro público) em pesquisas – caricaturistas,

jornalistas, beletristas em geral, cineastas e semelhantes fazem isso muito melhor que

nós historiadores. A nós compete, em primeiro lugar, tentar descobrir e levar ao público,

rankeanamente, aquilo que “realmente aconteceu” – ainda que a realidade detectada,

eventualmente, não “feche” com nossas concepções políticas, morais, que não nos

agrade, como cidadãos, e, ainda, que, ao revelá-la, não agrademos aos nossos leitores e

ouvintes. Quem tenta mostrar aquilo que “realmente aconteceu” em relação ao tema

aqui tratado corre o sério risco de ser classificado, no mínimo, de “reacionário”. Uma

aluna minha ouviu um sujeito classificar-me como “hiperbesta reacionária neonazista”.

A manifestação foi feita por um Mestre em História, que, de acordo com seu currículo

Lattes, na época, atuava numa instituição de ensino superior. Como nunca tive qualquer

contato com essa pessoa, sua opinião só pode ter derivado da leitura (malfeita) dos meus

textos.

Não se trata de afirmar que a atuação do partido nazista no Brasil não tivesse

representado qualquer perigo. Mas é necessário definir bem claro em que esse perigo

efetivamente consistiu. Na opinião pública, influenciada por informações sobre aquilo

que aconteceu na Alemanha, antes e durante a Segunda Guerra, e pela posterior

“desnazificação”, palavras como “perigo” ou “ameaça” nazista despertam imaginários

sobre arsenais clandestinos, treinamentos secretos para derrubar o governo brasileiro,

tentativas de envenenamento de depósitos de água potável, massacre de judeus em plena

rua das cidades brasileiras – tudo coisas que não aconteceram. Barbaridades

34

Contreras, Mario. Las relaciones politico-diplomaticas entre el Brasil y la Alemania nazi 1933-1935.

Hannover: Verlag für Ethnologie, 2006, p. 124 e 194, respectivamente. O livro é dedicado ao

recentemente falecido colega José Sebastião Witter.

Page 15: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

15

concretamente acontecidas foram, por exemplo, as mortes decorrentes dos

torpedeamentos de navios brasileiros. Mas esses atos não foram praticados por

militantes nazistas “infiltrados” nas “colônias alemãs” do Brasil, e sim por militares da

submarinha regular alemã, como atos de guerra, e devem ser tratados sob esse prisma.

Em 16 de janeiro de 2009, eu estava terminando de redigir os quatro parágrafos

anteriores a este – com que daria por encerrada a segunda versão deste texto. De

repente, minha família me chamou, porque estava passando na Record News uma

reportagem sobre uma “fazenda nazista” no interior de São Paulo. Quando cheguei ao

televisor, a matéria estava terminando, e não foi possível ter uma ideia clara daquilo que

fora apresentado. Mas, como temos à disposição modernos e eficientes instrumentos de

pesquisa, consegui descobrir que não se tratava de algo inédito, e sim de um assunto que

fora, originalmente, apresentado no programa Domingo Espetacular, da Rede Record,

em 12 de outubro de 2008. Conferi o programa, no qual o repórter Roberto Cabrini

traçou um quadro sombrio da suposta ou efetiva infiltração nazista no Brasil, mostrando

uma fazenda no interior de São Paulo, que teria escravizado jovens órfãos negros. Além

disso, foram apresentadas imagens de tijolos com a suástica impressa em alto-relevo e

fotos de bois também marcados com a suástica, que teriam sido encontradas na fazenda

– tudo isso intercalado com as conhecidas imagens de Hitler discursando, de hordas

nazistas marchando, de montes de cadáveres em campos de concentração. As imagens,

associadas a uma entonação dramática da voz, mais uma abundante gesticulação, e a

observação de que – por mais incrível que possa parecer – continua a existir gente que

tenta negar o perigo da infiltração nazista no Brasil, efetivamente, causaram profunda

impressão.35

Mas como eu estou escaldado com o tema nazismo no Brasil, não me dei por

vencido, e desconfiei que a história não estivesse bem contada. Por isso, ampliei minha

pesquisa. E descobri que a área da fazenda em questão (Cruzeiro do Sul), localizada no

atual município paulista de Campina do Monte Alegre, foi adquirida em 1906, por

Oswaldo Rocha Miranda36

, num total de 16 mil alqueires. Em 1933, o mesmo cidadão

brasileiro levou para a fazenda 50 meninos do Rio de Janeiro – aparentemente todos

35

Entrementes existe uma tese de doutorado sobre essa fazenda: Aguilar Filho, Sidney. Educação,

autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-

1945). Campinas: UNICAMP, 2011 (tese de doutorado em Educação). Para não haver dúvidas, as críticas

que seguem no meu texto referem-se, exclusivamente, à reportagem da TV Record, não à tese. 36

Entre os créditos desse cidadão, aparece o de ter sido um dos fundadores do Hotel Glória, no Rio de

Janeiro.

Page 16: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

16

negros –, de forma legal, com autorização de um juiz brasileiro de órfãos. Segundo o

depoimento de um deles, agora (em 2008) com 85 anos de idade, trabalhavam na

fazenda sob condições muito duras, e só quando atingiram a idade de 21 anos puderam

abandoná-la, caso quisessem. Além daquilo que o próprio programa revelou, outras

fontes confirmam que essa fazenda recebia, com frequência, a visita de destacadas

personalidades brasileiras, quando eram promovidas grandes festas. O proprietário foi

militante destacado da Ação Integralista Brasileira, membro da “Câmara dos Quarenta”,

a elite dirigente do integralismo.37

Para quem domina o contexto histórico, começam aí os problemas. Apesar de

que a reportagem – de forma incisiva – apresentasse os acontecimentos na fazenda

como produto escabroso da ação desvairada do partido nazista no Brasil, a pesquisa

histórica indica que, em 1933, os nazistas estavam recém chegando ao poder na

Alemanha, e a atuação do partido aqui ainda era muito incipiente para já poder estar

capitaneando um projeto supostamente tão brutal como esse, num recanto muito

distante do interior sul-paulista.

Continuando minha pesquisa, descobri um blog no qual essa reportagem foi

discutida, e, no geral, elogiada. Apenas dois participantes da discussão levantaram

dúvidas sobre a qualidade da mesma. Um deles está identificado como “Hélio”. Não há

informações sobre esse cidadão, sobre suas posições políticas e ideológicas. Corro,

portanto, o risco de estar endossando as palavras de uma pessoa com cujos

posicionamentos eu, talvez, não concordaria, caso os conhecesse –, mas, abstraindo

desse risco, suas palavras são pertinentes: “Assisti à reportagem e fiquei surpreso com a

incompetência da mesma, realmente não é o que eu esperava de um jornalista da

categoria do Sr. Cabrini. Aquela do boi nazista foi hilária. Só faltou apresentar o

porquinho e a galinha fascistas... Pelo que foi mostrado, a propriedade pertencia a

algum rico ‘senhor de terras’ filiado ou colaborador da AIB, partido integralista bastante

popular à época, que tinha como inspiração o NSDAP alemão, o partido de Hitler, daí a

proliferação de suásticas pela fazenda. Os meninos negros ‘recrutados’, quando tinham

que mostrar respeito a seus ‘patrões’, usavam a saudação ANAUÊ, integralista, ao invés

do famoso HEIL HITLER. Não recordo também de qualquer referência a alemães

comandando a propriedade. Então, a lógica indica que era uma fazenda

INTEGRALISTA, totalmente tupiniquim, e não o sítio do FÜHRER, como apresentado.

37

Entre outros sites, informações como essas podem ser vistas em

http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=86id=135036

Page 17: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

17

Por que não disseram a verdade? Talvez porque não teriam o mesmo IBOPE com a

chamada ‘fazenda integralista encontrada no sul’. Foi uma reportagem sensacionalista e

desinformadora. Meus pêsames à RECORD por mais esta”.38

A outra intervenção crítica no mesmo site está formulada nos seguintes termos,

por uma pessoa identificada como “Ana Eliza”: “Olá, estive em Campinas do Monte

Alegre, estava indo para Buri, e após a reportagem resolvi dar uma espiada na cidade

citada no programa. Conversei com algumas pessoas, e eles riram de mim, por eu ter

acreditado na reportagem. Disseram que já tentaram inventar várias passagens

folclóricas com intuito de trazer turismo à pequena cidade. E que os tijolos tinham

apenas o desenho que lembrava a marca do nazismo, como se [sic] dois simples

desenhos sobrepostos. Ainda voltarei por lá e quem sabe....”.39

Repito: posso estar endossando aqui as palavras de um nazista ou “neonazista”

(ainda que o tom do seu texto não indique isso), mas não é pelo fato de uma pessoa ser

nazista que uma afirmação óbvia de que dois mais dois são quatro deixa de ser

verdadeira, quando pronunciada por ela. O primeiro comentarista tem razão: nada

indica qualquer presença de alemães (nazistas ou não), e se as maldades apontadas

realmente foram cometidas na fazenda, elas ocorreram sob a responsabilidade exclusiva

de um cidadão brasileiríssimo, “quatrocentão”, integralista, e fervoroso admirador do

nazismo. Esse fato, porém, não é revelado e, muito menos, explorado, comentado; pelo

contrário, há apenas uma referência brevíssima ao “Partido da Aliança Integralista

Brasileira”, e o citado órfão conta que a saudação era o “Anauê” (saudação dos

integralistas brasileiros). Fala-se dos descendentes do fazendeiro, mas seus nomes e

sobrenomes não são revelados; também não foi contraposta uma única imagem de

Plínio Salgado – o “chefe nacional” brasileiro da AIB – às muitas imagens de Hitler.

Com tudo isso, milhares de telespectadores brasileiros terão registrado em seu cérebro

mais uma “informação” sobre as brutais malvadezas que os “alemães” cometeram (e

continuam cometendo?) contra o Brasil – ainda que, no presente caso, não haja

qualquer dado concreto sobre o envolvimento de um único deles sequer.

Antes de começar a verificar que a história não estava bem contada, até o meu

superego estava “assoprando” no meu ouvido que o nome do fazendeiro só poderia ser

Wilhelm Schneider – e não me passou pela cabeça que, de fato, pudesse ser Oswaldo

38

Ver: http://tyromello.blogspot.com/2008/10/fazenda-nazista.html - acessado em 17 de janeiro de 2009. 39

Em minha opinião (REG), a partir das imagens apresentadas, os tijolos, se verdadeiros, realmente têm

impressas a suástica.

Page 18: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

18

Rocha Miranda. Imagine-se aquilo que se passou no cérebro de quem não possui as

informações sobre o contexto histórico que eu possuo! Não conheço os termos do

código de ética jornalística, mas estou certo de que esse “sambaço do crioulo doido” lhe

causou sérios arranhões. E, com certeza, outras leis do país foram contrariadas, porque

não constitui pouca coisa insinuar, para milhares de telespectadores, que cidadãos de um

determinado país estrangeiro – que possui grande número de descendentes entre a

população brasileira – foram responsáveis por brutais maldades cometidas aqui dentro

do Brasil, e, simultaneamente, sonegar aos mesmos telespectadores que essas supostas

ou efetivas maldades foram praticadas, exclusivamente, por gente que se supõe

“verdadeiros” brasileiros. Com absoluta certeza, o programa não serviu exatamente para

incentivar e aprofundar a convivência pacífica entre os “diferentes grupos formadores

da sociedade brasileira” (Art. 216 da Constituição Brasileira).

A descoberta dessa “fazenda nazista” poderia ter desencadeado no Brasil um

saudável debate que foi travado na França – sobre o “colaboracionismo” (aqui a palavra

está entre aspas, pois, obviamente, o Brasil não foi invadido e ocupado pela Alemanha).

Mas, pelo contrário, adotou-se a prática do avestruz – enfiando a cabeça na areia –,

difundindo, na opinião pública, a tese do álibi, segundo a qual nenhum único cidadão

“verdadeiramente brasileiro” manifestou qualquer simpatia pelo nazismo, e, muito

menos, cometeu qualquer ato de inspiração ou orientação nazista. Se aqui alguém

atentou contra a pátria, teriam sido, exclusivamente, os “súditos do Eixo” lá do “sul” do

país, que nunca teriam sido verdadeiros brasileiros, e que estariam tramando contra o

Brasil desde que o primeiro deles colocou os pés aqui, em 1824.

Na verdade, se a gente for fazer uma análise sem pré-concepções, constatará que

é difícil apontar atentados de indivíduos das “colônias do sul” contra o Brasil – atos que

pudessem ser classificados como de lesa-pátria – e, muito menos, ações coletivas nessa

mesma linha. Como já mostrado, pertencer ao partido nazista não constituiu ato

delituoso até dezembro de 1937. Neste momento, a atividade do partido foi proibida no

Brasil, mas essa determinação legal, obviamente, não podia impedir alguém a continuar

simpatizando com o partido. Então há registros de que pessoas continuavam a receber

revistas, livros nazistas, que reuniões continuaram a ser realizadas. Sim, houve casos em

que um “companheiro” morto foi enterrado com o caixão envolto numa bandeira

nazista. Mas não há registros de atentados concretos contra o Brasil, contra sua

população ou suas instituições.

Page 19: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

19

Os estudos sobre a espionagem alemã no Brasil não citam espiões que fossem

alemães ou brasileiros de origem alemã provenientes das “colônias do sul”.40

As

frequentes referências de que submarinos alemães receberam informações de “colonos

do sul” sobre as rotas dos navios brasileiros afundados não procedem, pelo simples fato

de que os navios afundados não provinham de Porto Alegre nem de Florianópolis.

Referências folclóricas de que “colonos” teriam guiado submarinos alemães a partir das

rochas da praia de Torres, no litoral norte gaúcho, com lamparinas de querosene, e até

de um deles afundado no local, são desmentidas pelas informações constantes em livros

sobre a Marinha e a Aeronáutica brasileiras, pois ali são referidos um incidente com um

submarino alemão na altura de Santa Catarina e um na altura do Rio de Janeiro – todos

os demais em regiões mais para o norte.41

A memória deturpada sobre supostos atentados maciços de lesa-pátria cometidos

por alemães e descendentes das “colônias do sul” também ignora, solenemente, a

contribuição deles como soldados na luta contra o Eixo – no máximo, o senso comum

busca em nossa historiografia a referência de que meia dúzia de brasileiros lutou no

exército alemão.42

Uma honrosa exceção na historiografia foi a tese de doutorado de

Cesar Campiani Maximiano, de 2004, intitulada Trincheiras da memória: brasileiros na

campanha da Itália, 1944-1945. Ali se lê que “oficiais com sobrenomes como

Hagemeyer, Schultz, Klas, Stahl e Rauen (todos da reserva), entre outros, participaram

da FEB, para não falar no grande número de praças de ascendência germânica (mais de

um milhar)”. Em contrapartida, o historiador informa em outro lugar de sua tese que

40

No citado livro clássico de Stanley Hilton (op. cit.) sobre espionagem nazista no Brasil, são narrados

casos em que espiões alemães tentaram estabelecer contatos no “sul” (p. 146-148, por exemplo), mas

esses casos foram exceção (além de, concretamente, seu objetivo ter consistido em obter dados sobre

produtos que, eventualmente, estavam sendo fornecidos aos países em guerra contra a Alemanha); de

fato, as regiões visadas pela espionagem localizavam-se do sudeste brasileiro para o norte; o autor

também mostra que agentes se apresentavam como brasileiros de origem alemã do “sul”, para justificar

seu sotaque e seu jeito alemão (a partir da página 82, é narrado o caso de Frank Walter Horn, que se dizia

vindo de Santa Catarina, mas que, de acordo com Hilton, nunca esteve naquele estado). E, last but not

least, o autor arrola casos de pessoas descendentes dos primeiros colonizadores portugueses, portanto

brasileiríssimos, que chegaram a ser condenados à morte por supostos ou efetivos atentados contra o

Brasil, a favor da Alemanha nazista. 41

História Naval Brasileira (vol. V, Tomo II). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da

Marinha, 1985, p. 383. Lavanere-Wanderley, Nelson Freire. Historia da Força Aérea Brasileira. São

Paulo: Editora Três, 1975, p. 266: “A 26 de agosto de 1942 foi realizado um ataque a um submarino

inimigo, na altura de Araranguá [SC], a 50 milhas náuticas da costa; foi, aliás, o único efetuado por avião

brasileiro no litoral sul do país; todos os outros ataques foram feitos do Rio de Janeiro para o norte”. 42

Oliveira, Dennison de. Os soldados brasileiros de Hitler. Curitiba: Juruá, 2008. Minha observação não

deve ser entendida como uma crítica ao autor, pois, no mesmo ano e pela mesma editora, ele publicou

também Os soldados alemães de Vargas. Neste último, inclusive, arrisca um palpite sobre o número de

descendentes de alemães que teriam integrado a FEB, estabelecendo-o em 726 (p. 60). Tanto no caso dos

“soldados brasileiros de Hitler” quanto dos “soldados alemães de Vargas”, trata-se de pessoas com dupla

cidadania.

Page 20: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

20

“em concentrações de descendentes de alemães no sul continua viva a recordação dos

esforços governamentais de nacionalização e a desconfiança com que eram recebidos

os brasileiros de origem germânica, ao ponto de famílias alemãs que tinham filhos

lutando na FEB terem sofrido depredações de seus negócios e domicílios”.43

Nas

memórias do marechal Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, encontra-se a

informação de que o município de São Leopoldo – “berço da colonização alemã” – teria

sido aquele que contribuiu com o maior número de “pracinhas”, no Rio Grande do

Sul.44

Finalmente, em 2011 o preenchimento da lacuna a esse respeito, na nossa

historiografia, experimentou um avanço, com a dissertação de mestrado de Ana Paula

Iervolino, defendida na USP, sob o título A participação de teuto-brasileiros na FEB

(1944-1945): memória e identidade.45

O próprio fato de que aqui um trabalho

acadêmico foi dedicado ao tema mostra que sua importância passou a ser reconhecida.

A autora dedica espaço significativo à tentativa de definir as dimensões dessa

participação (p. 35-42), mas confessa a precariedade das conclusões. Em todo caso, no

final, pronuncia-se pela presença de cerca de 700 teuto-brasileiros entre os “febianos”

(p. 42). Caso este seja um número consistente, a presença de descendentes de alemães

na FEB teria sido “normal”, pois considerava-se – também a esse respeito não há dados

exatos – que, em 1940, havia cerca de 1 milhão de “teutos” no Brasil, significando algo

como 2,5% da população brasileira, enquanto constituiriam 2,8% do contingente de

“pracinhas”. Eu próprio coletei, até o momento, 206 nomes dos cerca de 1.800 gaúchos

que foram para a guerra – entre eles, 56 possuem sobrenomes claramente alemães,

significando 2,7%.

43

Maximiano, Cesar Campiani. Trincheiras da memória: brasileiros na campanha da Itália, 1944-1945.

São Paulo: USP, 2004 (tese de doutorado em História), p. 106 e 11, respectivamente. O trabalho foi

publicado em livro, sob o título Barbudos, sujos e fatigados: soldados brasileiros na Segunda Guerra

Mundial (São Paulo: GRUA, 2010). O texto foi modificado para a edição em livro, e, apesar do

investimento de algum tempo, não foi possível localizar nele as passagens citadas. Mas o livro abre com

uma foto com os seguintes dizeres: “Dias depois da família Weber receber a notificação da morte de

Norberto Henrique Weber, seus objetos pessoais foram enviados ao Brasil. O original desta foto foi

encontrado no bolso de seu uniforme, depois que seu corpo foi recolhido em Montese. Durante 58 anos, a

única informação de que a família dispunha sobre as circunstâncias da morte de Norberto eram aquelas

contidas na carta do Governo. Durante a pesquisa para este livro, o veterano José Marino, companheiro de

Weber, pôde entrar em contato com a família e relatar mais informações sobre Norberto e suas

experiências na Itália. Foto gentilmente cedida por Nair Weber Schmidt, irmã do Cabo Weber”. É

emocionante ler um texto desses, e pensar que hoje em dia inclusive doutores em História continuam a

difundir suspeitas de que os cidadãos de sobrenome alemão eram todos ferozes nazistas, e seus filhos e

netos são considerados bandidos “neonazistas” (como se mostrará mais adiante). 44

Moraes, Marechal J. B. Mascarenhas de. Memórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p. 467. 45

Iervolino, Ana Paula. A participação de teuto-brasileiros na FEB (1944-1945): memória e identidade.

São Paulo: USP, 2011 (dissertação de mestrado em História Social).

Page 21: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

21

Claro, esses dados não provam necessariamente o entusiasmo dessas pessoas em

ir para a guerra, pois sua incorporação ocorreu, ao menos em parte, por dificuldades de

encontrar jovens fisicamente aptos. Assim encontramos informações de que foi “no sul

[que] as juntas [médicas] encontraram um tipo médio de homem mais alto e mais

robusto. E foram precisamente os catarinas de ascendência alemã que forneceram

melhores padrões de estatura”.46

Maximiano ainda aventa outra possibilidade: “Os

homens dos estados do sul apresentavam melhor condição de saúde, mas sua relevante

quantidade na FEB poderia indicar uma preferência por conscritos das áreas de

predominância de colonização europeia, visando intencionalmente que o contingente

enviado ao exterior tivesse uma prevalência de indivíduos caucasianos” (p. 68). De

qualquer forma, nem a memória nem a Ciência Histórica podem ignorar o tributo de

sangue desses cidadãos – ao invés de ficar propagando preconceitos do senso comum.

Relatos contemporâneos e memórias posteriores, de origem policial, jornalística

etc., devem ser lidos com muito cuidado. O ambiente estava tão contaminado que

qualquer boato era acriticamente aceito como verdade definitiva. Tratava-se, inclusive,

de criar supostos fatos, para intimidar. Um caso típico foi descrito em recente tese de

doutorado defendida na USP.47

Esse trabalho analisou um processo contra dois pastores

e diversas outras pessoas que estavam prestando serviço militar, na época, no Rio

Grande do Sul, por suposta instigação à deserção. Um dos pastores foi condenado a 30

anos de prisão. Interessantes são os termos da sentença: “Na interpretação sistemática

dessa lei [o decreto-lei que definiu os crimes militares em tempo de guerra], se conclui

que o Estado, legitimamente amparado no seu direito natural de defesa, colocou em

primeiro plano [...] o dano potencial, mais que o dano efetivo. Punem-se as atitudes sem

se cogitar, necessariamente, da prova do dano. [...]. Basta a prova da índole política, da

capacidade de delinquir naquele sentido, reveladas pelo indiciado, nas atitudes

anteriores e contemporâneas dos fatos que motivaram o processo, face ao ambiente

político da nação, e leves indícios de autoria, para se justificar jurídica e legitimamente

um veredictum condenatório como medida de defesa e segurança do Estado” (p. 200).

46

Cunha, Breno. Do Tamisa ao vale do Pó. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1977, p. 108.

A pesquisa histórica registra um caso de deserção por parte de um “expedicionário” de sobrenome alemão

(Motta, Aricildes de Moraes [coord. geral]. História oral do exército na Segunda Guerra Mundial. Rio de

Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001 [tomo 8], p. 66-67). 47

Marlow, Sérgio Luiz. Confessionalidade a toda prova: o Sínodo Evangélico Luterano do Brasil e a

questão do germanismo e do nacional-socialismo alemão durante o governo de Getúlio Vargas no Brasil.

São Paulo: USP, 2013 (tese de doutorado em História).

Page 22: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

22

Ou seja, mesmo diante de apenas “leves indícios de autoria”, se condenavam

pessoas a muitos anos de prisão, com o objetivo claro de intimidar, de fazer com que

ninguém caísse na bobeira de vir a praticar atos efetivamente criminosos contra o Brasil.

Se os envolvidos neste processo foram condenados a penas tão pesadas, sem provas

consistentes, imagine-se as provas que havia contra as centenas de pessoas que foram

acusadas, de forma genérica, de “atividades nazistas”!

Feitas essas observações, voltemos ao relato. Apesar de o interesse por meus

trabalhos ser limitadíssimo, entre um público mais amplo, surgem, às vezes,

oportunidades para participar de atividades extra-acadêmicas direta ou indiretamente

ligadas ao assunto. É verdade que nunca fui convidado para opinar, por exemplo, sobre

a Editora Revisão, de Siegfried Ellwanger Castan – base de uma campanha antissemita

surgida no final da década de 1980, no Rio Grande do Sul. Nesse campo, lembro apenas

de um episódio acontecido com um colega que foi a um congresso de historiadores no

qual Natalia dos Reis Cruz apresentou um trabalho sobre a editora e seu idealizador.

Apesar de tratar-se de um colega que não apresenta qualquer traço de cultura alemã

(ainda que seu sobrenome seja alemão, por parte de pai), que não fala alemão, que fez

seu doutorado em História na França, que sempre foi militante de esquerda, ele me disse

ter-se sentido na obrigação de apartear a apresentadora, quando ela afirmou que a

existência da editora antissemita, em Porto Alegre, só podia ser explicada pelo fato de

que cerca de 20% da população gaúcha possui sobrenome alemão – contingente

populacional no qual ele, evidentemente, estava incluído.48

Tive, porém, participações episódicas nos intensos debates sobre o separatismo

liderado por Irton Marx, residente na típica “colônia alemã” de Santa Cruz do Sul, no

início da década de 1990. Na época, publiquei um pequeno texto em que mostrei os

flagrantes preconceitos contra o conjunto da população de origem alemã refletidos em

muitos dos escritos e das falas divulgadas pela imprensa sobre o tema.49

Mas não vou

repetir aqui o conteúdo desse texto, e sim falar de um episódio acontecido, na época,

48

Em sua dissertação de mestrado, a autora escreveu: “Os objetivos deste estudo são dois: primeiro,

situar a Editora Revisão em seu contexto histórico-cultural. É importante salientar que o proprietário da

editora, Siegfried Ellwanger Castan, é um descendente de alemães, sendo, portanto, necessário incluir a

análise da presença de colônias alemãs no sul do Brasil” (Cruz, Natalia dos Reis. Negando a História: a

Editora Revisão e o neonazismo. Rio de Janeiro: UFF, 1997, p. 3 – o itálico na palavra “primeiro” é meu

[REG]). Devo registrar aqui que, alguns anos atrás, foi defendida outra dissertação – bastante equilibrada

– sobre o tema, na UNESP de Assis, entrementes publicada em livro (Jesus, Carlos Gustavo Nóbrega de.

Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória: Revisão Editora e as estratégias da intolerância

[1987-2003]. São Paulo: Editora UNESP, 2006). 49

Gertz, René E. Separatismo e anti-razão. Indicadores Econômicos, Porto Alegre, vol. 21, n. 3, 1993, p.

168-175 (entrementes, disponível na Internet).

Page 23: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

23

numa das mais conhecidas rádios de Porto Alegre. No auge dos debates50

, em 1993, fui

convidado para um programa sobre o tema e, em certo momento, um dos componentes

do debate afirmou que o separatismo sulino tinha origem exclusiva na população de

descendência alemã, em razão do brutal racismo que caracterizaria essa gente. Na

sequência, o moderador do programa se virou para mim e perguntou qual era minha

opinião sobre essa afirmação. Respondi que essa era a opinião de 100% do senso

comum, mas que eu não sou o senso comum, que sou pago para fazer ciência, e que os

resultados da ciência, às vezes, destoam do senso comum. Destaquei, de forma enfática,

que, evidentemente e infelizmente, havia, sim, preconceitos e racismo entre a população

de origem alemã, no estado, mas que em muitas tentativas de verificar se esses

preconceitos e/ou esse racismo na assim chamada região “colonial alemã” eram, de fato,

brutalmente superiores aos do conjunto da população do estado, nunca havia

conseguido confirmar essa suposição através de dados minimamente objetivos.

Expliquei quais são as grandes dificuldades em realizar estudos sobre níveis de

preconceito e/ou de racismo, e citei situações que ilustram essas dificuldades. Por fim,

apresentei um exemplo de como tenho tentado testar essa hipótese, mostrando o

resultado das eleições de 1988 e 1990 – respectivamente, eleições municipais e

estaduais –, no município de Santa Cruz do Sul. A escolha de Santa Cruz se devia,

evidentemente, ao fato de que lá morava o líder separatista Irton Marx, de forma que

esse município podia ser considerado a “capital” do separatismo, e a questão racial (ou

racista) – caso efetivamente existisse e fosse aguda – deveria ter deixado marcas nos

números da eleição de 1990, pelo fato de que um dos candidatos a governador era negro

– Alceu Collares.51

50

Esses debates diminuíram depois de uma famigerada reportagem do Fantástico, da Rede Globo, sobre

o separatismo gaúcho, em 2 de maio de 1993. Na época, houve várias interpretações sobre os objetivos da

reportagem – entre elas, uma dizia que visava a implodir uma possível candidatura do senador Pedro

Simon à presidência da República, nas eleições de 1994. Sob essa perspectiva, talvez não seja de todo

desinteressante anotar que Alice Simon, irmã do senador, fora casada com o então já falecido santa-

cruzense de nome mui germânico, primeiro presidente do MDB gaúcho (1966), cassado, deputado

brasileiro, Siegfried Emanuel Heuser. Talvez a mocinha que fez a reportagem tenha divisado aí uma

perigosa conspiração libano-germânica para dilacerar o Brasil. (Ainda que o sobrenome Simon também

exista na Alemanha, o senador é de origem libanesa). 51

Quem tiver interesse na questão do desempenho eleitoral do negro Collares na “região colonial alemã”

pode ler meu pequeno artigo intitulado “Eleição e racismo no Rio Grande do Sul”, publicado na revista

Veritas, da PUCRS (n. 142, de 1991) e também no D. O. Leitura (encarte do Diário Oficial do Estado de

São Paulo) (setembro de 1991).

Page 24: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

24

Eleição de 1988 – prefeito Eleição de 1990 – governador

1º turno 2º turno

Partido Candidato Votos Candidato Votos Candidato Votos

PDT Harry Weimer 2.538 Collares 12.732 Collares 25.048

PSB Irton Marx 565 - - - -

PMDB Roberto Künzel 18.263 Fogaça 13.017 - -

PT João P. Schmidt 14.390 Genro 4.655 - -

PDS Arno Frantz 20.549 Marchezan 20.845 Marchezan 22.430

PL Norberto Schmidt 426 - - - -

Brancos/nulos 7.005 16.133 18.967

Total 63.736 67.382 66.045

Fonte: TRE-RS.

Justamente por ter previsto que perguntas e questões desse tipo poderiam entrar

na pauta do debate, eu havia impresso e levado alguns exemplares da tabela acima, e a

distribuí aos componentes da mesa, fazendo os seguintes comentários básicos: que o

líder separatista Marx não havia recebido mais de 0,8% dos votos ao concorrer a

prefeito, em 1988, o que sugeria que nem toda a população do município o apoiava de

forma entusiástica e irrestrita, que nesta eleição de 1988 questões “raciais” ou “étnicas”

não devem ter exercido qualquer influência, já que todos os candidatos tinham

sobrenomes alemães, e que, portanto, ela refletia um status “neutro” ou “normal” da

política local em relação a esse aspecto; que na eleição de 1990, a governador, o campo

mais conservador (PDS) – onde, em tese, se poderia pressupor uma maior tendência a

um voto “racista” – havia obtido mais ou menos o mesmo número de votos que na

eleição anterior, não podendo ter constituído, portanto, abrigo para hordas de votantes

hiper-racistas que haviam “fugido” de votar no negro Collares; que, naquilo que tange

às demais tendências partidárias, Collares, justamente, havia “roubado” um número

muito elevado de votos aos seus concorrentes absolutamente brancos (José Fogaça e

Tarso Genro52

), na comparação com a votação obtida pelos respectivos companheiros

52

Na época, não encontrei ninguém que tivesse levantado a hipótese (absurda) de que o povo de Santa

Cruz do Sul poderia ter dado relativamente poucos votos a Tarso Genro (na comparação com a votação de

João P. Schmidt, do PT de Tarso, na eleição de 1988) – preferindo o negro Collares – por causa do

componente judeu no seu “sangue”, ainda que sangue judeu-alemão (o nome completo do hoje

governador é Tarso Fernando Herz Genro). Seu tio Carl Herz foi prefeito social-democrata no município

Page 25: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

25

de partido, em 1988. Concluí que, dessa forma, minhas observações anteriores, mais os

dados objetivos do resultado eleitoral, não permitiam atribuir, sem mais nem menos, um

racismo insano ao conjunto do povo de Santa Cruz do Sul, que fosse brutalmente

superior ao do conjunto da população gaúcha.53

Quando encerrei minha fala, o jornalista-moderador do programa enfureceu-se,

colocou o dedo na minha cara, e falou mais ou menos o seguinte: “Professor, o senhor

insiste tanto em dados objetivos para defender sua tese, mas eu vou lhe apresentar dados

também absolutamente irrefutáveis”. A seguir, contou que um jornalista negro da

emissora fora para a Alemanha fazer um estágio, e que os colegas radialistas de lá o

haviam aconselhado a evitar transitar, sem certos cuidados, por Hamburgo e por Berlim,

pois poderia ser vítima de ataques racistas. Quase uivando, e metendo, novamente, o

dedo na minha cara, disse: “Esses também são dados absolutamente objetivos, meu caro

professor!”. Me encolhi na cadeira, e não falei mais.

A partir desse episódio, passei a utilizar a expressão “ideologia da osmose

metafísica”54

para designar o tipo de lógica subjacente à fala desse jornalista. Trata-se

da convicção de que se os alemães, na Alemanha, suposta ou efetivamente, são

preconceituosos ou racistas, é obvio que os “alemães” do Brasil o são, no mínimo, na

mesma proporção – ainda que os dados concretos aqui verificados digam algo diferente.

Em outras palavras: não há necessidade de fazer pesquisa – quem parte da suposição de

que os alemães (da Alemanha) são mais racistas que o restante da população mundial,

deve pressupor, automaticamente, que os “alemães” de Santa Cruz do Sul,

evidentemente, são, no mínimo, tão racistas quanto eles, sem qualquer sombra de

dúvida! Desde então, tenho observado que a presença dessa concepção, até os dias de

hoje, se manifesta com muito mais frequência do que se poderia imaginar.

de Kreuzberg, na Cidade-Estado de Berlim, de 1926 a 1933, quando foi expulso do cargo pelos nazistas.

Em 1939, refugiou-se na Inglaterra, tendo falecido em Israel, em 1951. 53

Claro, há questões não abordadas em minhas considerações, como, por exemplo, o aumento

significativo dos votos brancos e nulos, na eleição de 1990 (em comparação com a de 1988), mas isso

aconteceu ainda no primeiro turno, de forma que o fenômeno não pode ser atribuído a uma “fuga” diante

do negro. 54

Utilizo essa expressão em contraposição àquilo que, em outro lugar, chamei de “ideologia da osmose

física”, defendida, por exemplo, por Tobias Barreto e por Silvio Romero, dois dos mais destacados

“germanistas” brasileiros, fanáticos pela sociedade e pela cultura alemãs, que, segundo eles, porém, só

ajudariam o Brasil a eliminar, em definitivo, as suas mazelas se os imigrantes alemães se fundissem de

forma absoluta e imediata – cultural e fisicamente – no melting pot brasileiro (naquilo que tange à posição

de Romero em relação a esse tema, cf. Schneider, Alberto Luiz. Sílvio Romero, hermeneuta do Brasil.

São Paulo: Annablume, 2005, p. 155-189).

Page 26: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

26

Tanto Siegfried Ellwanger Castan e sua Editora Revisão quanto Irton Marx com

seu separatismo sofreram repressão por parte da Polícia e da Justiça, e desapareceram

dos noticiosos da imprensa. Mas, há alguns anos, o suposto ou efetivo nazismo vem

sendo substituído pelo “neonazismo”, na imprensa e, também, em conversas cotidianas,

de forma que sofri alguma pressão para formar uma opinião mais consistente a respeito.

Afinal, de alguém que se apresenta como especialista em nazismo no Brasil se espera

que também saiba algo sobre o “neonazismo”. Por isso, passei a juntar material e a fazer

leituras sobre o tema, sem, no entanto, transformar o assunto em centro das minhas

preocupações acadêmicas.

Mas em parte meu interesse também foi motivado pela observação de uma

tendência que, se não constitui um recrudescimento claro, apresenta-se recorrente em

alguns setores da opinião pública atual do Rio Grande do Sul, no sentido de manifestar

ou abrir espaço para opiniões pouco lisonjeiras em relação à população de origem

alemã, exatamente por causa de seu suposto ou efetivo racismo, e de outras maldades (o

“neonazismo”) pelas quais seria responsável.55

Permito-me apresentar três exemplos

para ilustrar as situações a que estou me referindo.

Em outubro de 2005, uma jornalista de Zero Hora (Jéssica Trindade) iniciou

uma pequena matéria sobre um congresso internacional de luteranos negros em São

Leopoldo, com a seguinte epígrafe: “A escolha do berço da colonização alemã no

Estado como sede da 4ª Conferência Internacional de Luteranos Negros é, ao primeiro

olhar, curiosa”.56

Ainda que a jornalista, depois dessa frase, passasse a um relato mais

ou menos objetivo do evento, o leitor inteligente, com razão, terá tentado atribuir um

sentido a essa observação preliminar. E, certamente, ninguém poderá censurá-lo caso

ele tenha vindo a imaginar que na rodoviária de São Leopoldo hordas de hiper-racistas

fazem plantão, e assim que algum negro desce do ônibus eles o agarram, liquidam

sumariamente, e jogam o cadáver no rio dos Sinos.

São Leopoldo é não só o “berço” da colonização alemã, mas lá também se

encontram as mais importantes instituições de ensino e pesquisa das duas principais

igrejas luteranas no Brasil, com um Programa de Pós-Graduação em Teologia (ligado à

55

Claro, isso já estava presente nos citados debates sobre o separatismo, lá na virada da década de 1980

para a de 1990, como mostra o episódio recém narrado. São as novas versões do “perigo alemão”, surgido

no século XIX (cf. Gertz, René E. O perigo alemão. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS,

1991). Sobre a situação nas décadas de 1930/1940, cf. Gertz. René E. O Estado Novo no Rio Grande do

Sul. Passo Fundo: Editora da UPF, 2005, p. 144-177. 56

Zero Hora, Porto Alegre, 14 de outubro de 2005, p. 41. O itálico na palavra “curiosa” foi colocado por

mim (REG).

Page 27: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

27

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil), na época, avaliado com nota

máxima pela CAPES (órgão do Ministério da Educação – do Brasil!), onde se editava

uma revista chamada Identidade, dedicada, principalmente, a temas da negritude, de

forma que não se pode imaginar lugar mais lógico do que esse para sediar um congresso

de luteranos negros. Só o total desconhecimento de causa por parte da jornalista, aliado

à internalização secular dos preconceitos correntes, mais a ânsia de produzir uma frase

de efeito conseguem explicar a desastrada epígrafe da matéria.

No final deste mesmo ano de 2005, aconteceu um rumoroso e lamentável caso

de manifestação racista contra o jogador negro Tinga, do Internacional de Porto Alegre,

durante uma partida em Caxias do Sul. O episódio foi abundantemente tematizado na

imprensa, e nos dias 11, 12 e 13 de dezembro daquele ano o jornal Zero Hora publicou

uma série de três longas reportagens sobre “racismo e futebol”, nas quais não havia

acusações explícitas contra a população de origem alemã (e italiana), mas, nas

entrelinhas, o recado era bastante claro. Além de incidentes racistas nos estádios de

Grêmio e Internacional, foram relatados casos ocorridos em Ivoti, Dois Irmãos,

Cruzeiro do Sul, Campo Bom, Sapiranga, Taquari – além do caso de Encantado,

relatado logo a seguir. Os primeiros cinco municípios podem ser considerados típicos de

colonização alemã, o sexto se encontra numa situação limítrofe, com um percentual

significativo de população descendente de imigrantes alemães, e o sétimo assim foi

classificado pelo autor – a pergunta que fica é se em nenhum município com outro tipo

de população ocorreram atos de racismo no futebol, ou se o autor das reportagens fez

alguma investigação fora das regiões de colonização alemã? Esse questionamento se

justifica pelo fato de que, em certo momento, o texto ficou direto nesse aspecto: “O

contraste da cor da pele provoca desmedidas reações no interior gaúcho. Há localidades

em que os jogadores falam alemão ou italiano em campo, e assim xingam os árbitros”

(ZH, 11/12/2005, p. 57). Porém, a nota mais estranha – talvez reveladora do espírito

com que a matéria foi escrita – ficou por conta do relato de um episódio envolvendo o

treinador Danilo Mior, de um time de futebol de Encantado. É certo que entre a

população do município de Encantado há cidadãos de sobrenome alemão, mas, para

qualquer pessoa minimamente informada sobre a geografia humana do Rio Grande do

Sul, esse município é considerado e se autoidentifica como típico de colonização

italiana. Na matéria jornalística, no entanto, lemos que a “cidade a 149 quilômetros de

Porto Alegre, [é] de maioria alemã e polonesa entre seus 20 mil habitantes” (ZH,

11/12/2005, p. 57) – sem que fosse citado um único sobrenome alemão envolvido no

Page 28: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

28

episódio (também neste caso, para que a observação sobre a composição da população

tivesse algum sentido, o autor da matéria deve ter pretendido dizer que o treinador Mior

foi contaminado pelos “alemães” com que convive naquele município).57

Com a

caracterização de Encantado como município típico de colonização alemã, a matéria

transformou o racismo no futebol gaúcho, em definitivo, num problema “alemão”.

Apesar de os episódios arrolados citarem as pessoas envolvidas pelos seus nomes e,

portanto, relatarem fatos cuja veracidade, em tese, pode ser verificada, a matéria

apresenta alguns aspectos que não podem ser esquecidos. Em primeiro lugar, ainda que

o episódio com Tinga tenha atingido um jogador, na maioria dos demais casos relatados

pela matéria, não se trata tanto de agressões racistas a jogadores negros, mas

basicamente a árbitros e dirigentes negros. Apesar de se tratar de episódios lamentáveis,

isso, porém, muda, de certa forma, a perspectiva, pois ofensas verbais às mães dos

árbitros fazem parte do folclore futebolístico – não só de árbitros negros. Nesse sentido,

a matéria relata um episódio um tanto intrigante que teria ocorrido em Taquari. Ali, o

juiz negro Paulo Marcolino teria sofrido agressões vindas de negros (ZH, 12/12/2005, p.

6, caderno “Esportes”). Ao contrário daquilo que alguns leitores podem ter imaginado

(que em Taquari até os negros estão “nazificados”), trata-se, provavelmente, de uma

manifestação contra o juiz – que ocorreu independente da cor da pele dele e da cor da

pele de quem fez a manifestação. Em resumo, e abstraindo de quaisquer outras

considerações, esse conjunto de reportagens não teceu, exatamente, loas à presença de

cidadãos de sobrenome alemão no Rio Grande do Sul.58

No contexto dessa matéria, também transpareceu uma manifestação da

“ideologia da osmose metafísica”. Mesmo que não inserido na matéria, mas em conexão

57

O itálico é meu (REG). Sobre grandes contingentes de “poloneses” em Encantado, nunca se ouviu falar.

Como um dos jogadores citados no episódio possui sobrenome polonês, o autor das reportagens,

possivelmente, resolveu “tocar de ouvido”, com um resultado muito perigoso, pois, ainda que nenhum

envolvido tivesse sobrenome alemão e ainda que o jogador de sobrenome polonês tenha assumido uma

posição crítica frente à suposta ou efetiva manifestação racista referida no texto, os leitores, com certeza,

terão relacionado o ato com essas duas “etnias”. 58

Isso, evidentemente, não exclui o fato de que esses mesmos órgãos de imprensa, com frequência,

divulgam estereótipos extremamente simpáticos sobre a “colônia” alemã, com elogios às suas comidas, às

suas alegres festas, à beleza e à simpatia de seus habitantes. Assim, ainda que se citem aqui órgãos de

imprensa com seus nomes, não significa que eles, como tais, estejam fazendo campanhas sistemáticas

contra a referida população – talvez os fatos apontados constituam sinal da liberdade, do pluralismo e da

tolerância que ali vigoram em relação aos seus profissionais. O fato, porém, também aponta para a

conveniência de que as matérias sempre estejam assinadas pelos respectivos autores, para que se possa

saber de quem é a opinião externada. No presente episódio, também foi interessante observar que, nos três

dias em que as referidas matérias foram publicadas, apenas um dos vários colunistas que escrevem sobre

futebol no jornal fez uma breve referência a elas – o que pode sugerir um distanciamento dos demais

colunistas.

Page 29: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

29

com ela, nas páginas 2 e 3 de Zero Hora há uma coluna de miscelânea chamada

“Informe Especial”, onde, no dia 13 de dezembro de 2005 (dia da publicação da última

reportagem sobre “racismo e futebol”), o colunista responsável se disse satisfeito com

as medidas repressivas tomadas em relação às manifestações racistas no futebol, mas

julgou que a questão “não pode ser enfrentada somente com o rigor da lei, pois depende,

sobretudo, de conscientização para o problema, que inclui atenção a fatores

educacionais e culturais” [grifo meu – REG]. Interessante nessa formulação é a

referência a medidas “culturais” – não há nenhuma indicação sobre que isso significaria

na prática, mas pode-se imaginar por que o autor se refere a elas quando se observa que

pouco abaixo desse texto havia uma pequena nota intitulada “Germânicas”. Nela, foram

arrolados números sobre delitos cometidos pela extrema direita na Alemanha, entre

1989 e 2005. Claro que o colunista poderia alegar que a publicação de dados estatísticos

sobre delitos racistas na Alemanha em lugar muito próximo ao editorial sobre racismo

no futebol gaúcho, considerado um problema cultural, pode ser pura coincidência. Mas

também não se pode descartar a possibilidade de que essa nota tenha sido publicada

para mostrar que a explicação para o racismo no futebol daqui é muito simples –

recrudesceu lá, repicou aqui! Seria o efeito da “osmose metafísica”. Com um pouco de

imaginação, se poderia concluir, inclusive, que, na visão do colunista, os problemas

daqui dificilmente serão eliminados enquanto o fluxo racista da “matriz” não puder ser

estancado.

O último caso que merece referência data de 2007, quando o ex-perseguido

político do regime militar Agassiz Almeida publicou seu extenso livro sobre A ditadura

dos generais: Estado militar na América Latina – o calvário da prisão.59

No livro, o

autor defende a tese de que os regimes militares do Cone Sul tiveram sua origem no

militarismo alemão introduzido, na América Latina, pelos imigrantes alemães (e

italianos) vindos ao Rio Grande do Sul, a partir de 1824. Todo mundo sabe que autores

de livros, muitas vezes, defendem ideias exóticas para chamar atenção sobre suas obras.

Neste caso, porém, o conteúdo exótico não ficou confinado entre as tampas do livro.

Resolveu-se divulgá-lo ao grande público através de um lançamento em Porto Alegre. E

um dos dois maiores jornais do Rio Grande do Sul – o Correio do Povo – divulgou a

sessão de autógrafos. Em sua edição de 3 de agosto de 2007 (p. 28), leu-se que “o

lançamento em Porto Alegre assume um relevo histórico, na visão do escritor Agassiz

59

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

Page 30: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

30

Almeida, pelo fato de que foi no Rio Grande do Sul onde o militarismo no Brasil e na

América Latina fincou as suas primeiras raízes, por meio da corrente imigratória de

alemães e italianos”.60

Conforme a nota do jornal, além da manifestação de várias outras

personalidades, estava prevista uma fala do senador Pedro Simon. Mas, aparentemente,

houve, na última hora, uma mudança de rumo no empreendimento, e a sessão acabou

sendo esvaziada. Compareceram apenas seis pessoas, e nem o autor se fez presente. Mas

a afirmação sobre a barbárie que alemães (e italianos) teriam trazido não só para o

Brasil, mas para toda a América Latina (já que a referência aos regimes militares,

obviamente, lembra torturas e assassinatos), estava “plantada” naquele que talvez seja o

jornal com o maior número de leitores no estado.

Episódios como os três citados suscitam perguntas sobre o posicionamento de

nossas autoridades – como o Ministério Público – diante de manifestações desse tipo.

Caso fatos como os referidos tivessem atingido outros grupos “étnicos”, certamente

teriam provocado reação imediata dessas autoridades. Por ocasião de nenhuma das

manifestações referidas, porém, se ouviu que tivesse havido qualquer tipo de

posicionamento. É sabido que, apesar de as leis que proíbem manifestações de

preconceito em relação a “raças”, “etnias”, procedência nacional, religiões etc. serem

universais – um princípio básico do Estado Democrático de Direito –, sua aplicação

costuma ser seletiva, isto é, são aplicadas com maior rigor e zelo quando os grupos ou

as pessoas atingidos são, supostamente ou de fato, “negativamente privilegiados”.

Independente disso, porém, é possível levantar as seguintes hipóteses para o presente

caso: 1ª) as autoridades internalizaram de tal forma a opinião centenária do senso

comum que não enxergam essas manifestações como preconceituosas, mas sim como

expressão da mais absoluta verdade – e a manifestação de uma verdade não pode nem

deve ser reprimida61

; 2ª) alguns integrantes do Ministério Público possuem sobrenomes

alemães, e é compreensível que tenham receio de serem acusados de agir em “causa

própria”; 3ª) os integrantes do Ministério Público consideram essa uma questão

60

Talvez não fosse totalmente supérfluo lembrar que os pobres “sem-terra” que vieram ao estado no

século XIX, em geral, não estavam apenas fugindo das dificuldades econômicas, mas também do temido

serviço militar obrigatório, na Europa. 61

Nesse sentido, se um jornalista escrever que os descendentes de alemães do Espírito Santo apresentam

os mais altos índices de câncer de pele do Brasil, não estará difundindo nenhum preconceito, mas,

infelizmente, uma verdade estabelecida pela ciência médica. Agora, a afirmação suposta como óbvia de

que a população de origem alemã do Rio Grande do Sul é brutalmente mais racista que o restante da

população ainda não foi comprovada por qualquer cientista social que tenha submetido suas pesquisas e

conclusões a uma discussão pública entre a comunidade científica.

Page 31: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

31

essencialmente “de direita”, sem qualquer interesse ou relevância para a harmonia social

e política do país, motivo pelo qual preferem não se imiscuir no assunto.

Esse é o pano de fundo diante do qual resolvi dedicar algum tempo para colher

informações sobre o “neonazismo” atual no Rio Grande do Sul.62

Numa avaliação

inicial daquilo que outros haviam dito e escrito, constatei que se parte, invariavelmente,

da suposição de que existe um vínculo, uma continuidade, entre o nazismo dos anos

1930/1940 e o atual “neonazismo”.63

E o corolário desse pressuposto é que o

“neonazismo” é visto como coisa exclusiva “de alemão”. Mas minhas observações não

confirmavam essas duas suposições – ao menos de forma inequívoca. Quando eu lia nos

jornais os nomes dos “neonazistas” citados por fontes policiais, não havia sobrenomes

alemães. No atentado a jovens judeus, em Porto Alegre, em maio de 2005, por exemplo,

um jornal citou, como agressores, um Braun, mas outro jornal o denominou de Brum –

dos demais, nenhum, porém, tinha sobrenome alemão.64

Pessoas com quem eu

62

Para evitar que este texto se torne ainda mais longo, não entrarei na discussão do próprio termo

“neonazismo”, mas não há dúvida de que sob ele se abrigam fenômenos bastante diferentes entre si. Por

essa razão, tanto o substantivo quanto o adjetivo aparecerão entre aspas. Ainda que não centrado no tema,

pode-se ler o artigo de Barbosa, Jefferson Rodrigues. “Ideologia e intolerância: a extrema direita latino-

americana e a atuação no Brasil dos herdeiros do Eixo”. Aurora: Marilia: UNESP, ano II, n. 2, 2008, p. 2-

11. 63

Essa vinculação, obviamente, também já fora estabelecida em relação às manifestações antissemitas de

Siegfried Ellwanger Castan e ao movimento separatista de Irton Marx, sem que fossem apresentadas

provas – ou, ao menos, indícios (quanto ao primeiro, cf. a citada dissertação de Natalia dos Reis Cruz;

quanto ao segundo, cf. a dissertação de mestrado de Luvizotto, Caroline Kraus. Etnicidade e separatismo

no Rio Grande do Sul. Marília: UNESP, 2003). O senso acadêmico lida com isso como se fosse óbvio –

sem qualquer questionamento. Se alguém pudesse mostrar que 50% dos “neonazistas” de 2009 possuem

um avô que em 1935 era filiado ao partido nazista, estaríamos diante de uma hipótese plausível de

continuidade. Mas aqui se trabalha com a certeza absurda de que se em 1935 havia alguns nazistas

andando pelas ruas de Porto Alegre, e em 2009 algumas pessoas são identificadas como “neonazistas”,

então está provada uma linha de continuidade.

O senso acadêmico, neste ponto, perde até para o senso da Wikipédia, pois, apesar de ela, sob o verbete

“Nazismo no Brasil”, endossar a lenda de que “o governo da Alemanha nazista elaborou planos para uma

ocupação do sul do Brasil”, apresenta uma explicação mais complexa para o “neonazismo” do que

doutores em História de algumas das mais destacadas universidades brasileiras: “As cidades do sul do

Brasil formadas com a imigração alemã tem procurado reavivar as suas tradições e cultura como forma de

promoção do turismo local. Uma consequência inesperada foi o surgimento de grupos neonazistas, os

quais têm feito vítimas nas cidades sulistas e em São Paulo” (consulta feita em 13/07/2009). Se a hipótese

aventada pretende dizer que o cultivo das tradições alemãs acabou tendo efeitos sobre o conjunto da

sociedade brasileira (já que não há registro de massas “neonazistas” dentro das próprias cidades de

imigração/colonização alemã) mostra criatividade – ainda que ela, provavelmente, não esteja correta. 64

Aqui devo fazer uma mea culpa, porque errei, tanto na entrevista a que me referirei logo a seguir

quanto na primeira versão deste texto, divulgada com data de 10 de junho de 2008. De fato, encontrei em

um texto de um integrante da comunidade judaica sobre o episódio o sobrenome Brum. Parti do

pressuposto de que ele deveria estar suficientemente informado para citar corretamente o nome do

agressor. Mas o documento GSA n. 70012571659/2005/crime, com data de 7 de junho de 2006, do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – consultado depois da redação e divulgação da primeira versão

deste texto – cita o nome LEANDRO MAURICIO PATINO BRAUM. Como, no documento, todas as

letras do nome estão em maiúsculas, o terceiro elemento não possui circunflexo no “n”, ainda que outras

fontes indiquem que seja Patiño. Entrementes, a dúvida referente a esse sobrenome está resolvida – trata-

Page 32: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

32

conversava – sobretudo, alguns de meus alunos –, e que, na época, navegam nas

comunidades de Orkut e semelhantes me diziam que entre os internautas que costumam

ser classificados de “neonazistas”, e que se identificam pelos seus nomes, não há

evidências de que se trate exclusivamente – nem majoritariamente – de gente com

sobrenome alemão. Além disso, me falaram com muita ênfase das intensas discussões

“internas” sobre a identidade dos “neonazistas” – ou seja: que se discute fervorosamente

como uma gente que, maciçamente, não possuiria “sangue puro” e, muitas vezes, nem

seria branca, pode ser “nazista”.

Também assisti à reportagem sobre “Neonazismo no Brasil”, no Domingo

Espetacular da Rede Record, em 9 de setembro de 2006, quando foi entrevistado um

dos líderes “neonazistas” do Rio Grande do Sul. Entre outras coisas, o menino disse que

lê Mein Kampf. O problema é que ele pronunciou esse título como Meim [e não main]

quênfi. É evidente que um moço que pronuncia dessa forma o título do livro de Hitler

não o leu em alemão e, no mínimo, sua bisavó já não falava alemão – se é que algum

antepassado um dia falava.

Assim como as autoridades do Estado Novo erraram, lamentavelmente, com sua

política de “nacionalização”, ao perseguir, com maior brutalidade, camponeses pobres e,

muitas vezes, analfabetos, só porque não sabiam falar português, lá no final das picadas

do “sertão” gaúcho, mas que não tinham qualquer envolvimento político ou cultural,

também hoje ninguém encontrará – nem o povo saberá o que é – um “neonazista” na

Walachai, uma localidade rural no meio dos morros, uns 60 quilômetros ao norte de

Porto Alegre, onde a língua usual das pessoas é o alemão.65

Se existem “neonazistas” de

sobrenome alemão, serão, invariavelmente, pessoas urbanas, que não sabem falar a

língua, e cujos amigos são Souzas, Santos e Silvas. Se, eventualmente, souberem

algumas palavras em alemão, as terão aprendido após aderir, só por amor à causa. O

“neonazismo”, de forma alguma, é um “resíduo”, uma “sobrevivência” da cultura alemã

“originária” ou uma “continuidade” do nazismo – como tanto o senso comum quanto o

senso acadêmico pensam.66

Não tenho qualquer pretensão, e muito menos competência

para explicar as causas e as origens do “neonazismo”, mas, com certeza, nenhuma

se de Leandro Maurício Patiño Braun, mostrando que é uma pessoa com um ramo familiar de origem

alemã, fruto de uma união interétnica. 65

A cineasta Rejane Zilles produziu um documentário sobre a região, cujo título é o nome do lugar. As

figuras humanas ali retratadas são tão sublimes que se deveria declarar maduro para o manicômio pessoas

que enxergam nelas os responsáveis pelo “neonazismo” neste estado. 66

Essa opinião errônea transparece na fala de Jair Krischke, citada na próxima página (veja a palavra

“ainda”, na frase).

Page 33: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

33

explicação consistente poderá deixar de considerar a dinâmica econômica regional e a

consequente dinâmica social – independente da genética.

Essas constatações me levaram a imaginar que mais uma vez a maioria absoluta

enxergava a coisa de um jeito, e que eu deveria encará-la numa perspectiva diferente –

tal como acontecera lá com meus estudos sobre integralismo e nazismo, quando, no

início, remei completamente sozinho contra a corrente, e hoje a maioria dos trabalhos

sérios sobre o tema ao menos se confronta, dialoga com a interpretação que propus na

época.

Mas aí aconteceu aquilo que poderia ter sido um desastre pessoal para mim. A

revista eletrônica Notícias do Instituto Humanitas (IHU), da UNISINOS, me propôs, em

novembro de 2007, uma entrevista sobre “era Lula e era Vargas”. As perguntas se

referiam, sobretudo, a aspectos do primeiro governo Vargas (1930-1945) e eventuais

semelhanças ou diferenças em relação ao governo Lula. Uma delas era a seguinte:

“Como podemos compreender o Integralismo filogermânico no Brasil hoje?”.

Respondi que há dois grupos claramente distintos: os velhos e saudosistas

integralistas/perrepistas, cuja atividade clandestina é restrita, e os “neonazistas”, estes,

sim, ativos, mas cujo número é relativamente pequeno, motivo pelo qual, na minha

opinião, estão sendo supervalorizados pela mídia. Manifestei a opinião de que a polícia,

evidentemente, deve monitorar esses grupos, e agir quando planejam ou praticam atos

ilegais, mas considero contraproducente sua exibição excessiva na imprensa.

Dito isso, emendei a seguinte observação: “Não posso deixar de fazer um

comentário sobre o adjetivo que consta nesta pergunta... Os adjetivos ‘filonazista’ ou

‘filofascista’ seriam políticos e por assim dizer mais ‘neutros’. ‘Filogermânico’ tem

uma clara conotação étnica. Talvez de forma totalmente inconsciente, a formuladora da

pergunta se deixou levar pelo senso comum hegemônico de que ‘neonazismo’ só pode

ser coisa de ‘alemão’. E ela está em ótimas companhias. Num programa de rádio sobre

‘neonazismo’ irradiado no ano passado [em 2006], uma pessoa que todos nós

aprendemos a admirar, durante décadas, pelo empenho em defesa dos Direitos

Humanos, aqui no Rio Grande do Sul, fez a seguinte afirmação: ‘Onde a colonização

alemã é muito forte, como no sul do Brasil, ainda persiste um sentimento neonazista’.67

Essa frase é preocupante. Se é assim, bastaria erradicar os ‘alemães’ (por coerência, essa

67

Na entrevista, não revelei o nome da pessoa, mas trata-se, evidentemente, de Jair Krischke, que há

décadas é dirigente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, e que, nessa qualidade, possui méritos

óbvios. O itálico na palavra “ainda” é meu.

Page 34: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

34

medida deveria incluir o autor da frase), e o problema estaria solucionado. O mínimo

que se pode dizer... é que a equação não é tão simples assim”. Na sequência, relatei o já

citado fato de que os sobrenomes alemães são raros entre os “neonazistas” presos pela

polícia gaúcha, e terminei dizendo: “Infelizmente, não há espaço para detalhar minha

posição a respeito, mas, pela responsabilidade ética que tenho, não posso deixar de

conclamar as pessoas de bem a combater o ‘neonazismo’, e não etnias! Certamente, é

mais justo e produtivo! Além disso, não se acaba fazendo exatamente aquilo que os

‘neonazistas’ pregam!”.68

Como sou estudioso do integralismo e do nazismo há mais de 30 anos, não tenho

mais nenhum medo de ser surpreendido, pois não acredito que possa vir a ser pura e

simplesmente refutado por alguém, com fatos ou fontes inéditos. É claro que as

pesquisas avançam, e minhas afirmações e interpretações sofrem correções. Admito

também que em algum momento possam aparecer enfoques de análise totalmente

novos, mas dentro do paradigma até agora utilizado por todos aqueles que escreveram

sobre o assunto, não tenho qualquer receio de que alguém venha a provar que estou total

e completamente errado. Mas em relação ao “neonazismo” minhas investigações ainda

são recentes, e não estão consolidadas, de forma que eu estou longe de ter a firmeza de

convicção que, entrementes, adquiri em relação ao tema de minhas pesquisas mais

antigas, sobre o nazismo no Brasil.

Por tudo isso, levei um susto, quando na semana seguinte à minha entrevista às

Notícias/IHU/UNISINOS a mesma revista publicou uma entrevista com Adriana Abreu

Magalhães Dias, que acabara de defender uma dissertação de mestrado justamente sobre

o “neonazismo” na Internet, na UNICAMP.69

Imaginei que havia cometido um grande

erro ao me aventurar, em manifestação pública, numa área na qual era ainda iniciante, e,

portanto, poderia ser humilhantemente refutado por uma especialista que havia feito

uma pesquisa acadêmica desenvolvida em e avaliada por integrantes de uma das mais

conceituadas universidades do país.70

68

http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=10882 69

A entrevista está no site

http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11037 – com

data de 30 de novembro de 2007. 70

Em virtude das críticas que farei à entrevista e à dissertação de Adriana Abreu Magalhães Dias, devo

destacar, com toda ênfase possível, que elas não atingem os colegas da revista eletrônica do

IHU/UNISINOS – pelo contrário, eles cumpriram muito bem seu papel em apresentar ao público opiniões

divergentes sobre um mesmo tema. A única sugestão que se poderia fazer – no caso de opiniões

divergentes – é que houvesse espaço para uma réplica (ainda que, no presente caso, eu só poderia ter feito

Page 35: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

35

Minhas pesquisas e meu interesse estavam muito centrados na tentativa de

verificar o eventual caráter exclusivamente “alemão” do “neonazismo”, e, assim que vi

o título, imaginei que a entrevista de Adriana tratasse desse tema – e, eventualmente,

provasse que minha opinião estava totalmente errada. De fato, a entrevistada não se

pronunciou, de forma explícita, sobre isso. Só disse que há cerca de 150.000

“neonazistas” no país, dos quais “45 mil simpatizantes” estão em Santa Catarina, estado

seguido pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo. Por uma questão de honestidade

intelectual, deve-se reconhecer que aí não está dito que o elevado percentual localizado

em Santa Catarina significa que todos sejam “alemães”, ainda que, inversamente, não se

possa imaginar que a maioria absoluta das pessoas terá feito essa “leitura”.

Depois de ter lido a entrevista, fui para a Internet para obter mais informações

sobre Adriana Dias e sua pesquisa. Numa publicação eletrônica sobre “leituras

cotidianas”, o total de “neonazistas” no Brasil aparece, agora, reduzido a 90.000, mas é

mantido o número de 45.000 para Santa Catarina – com que a carga percentual desse

estado aumenta de forma muito significativa (de 30%, no primeiro caso, para 50%, no

segundo). O estado não só abrigaria o maior número de “neonazistas”, mas também

teria abrigado o mais conhecido site brasileiro do grupo (Valhalla88). Mais adiante, o

leitor ainda fica sabendo que, no mínimo, 60% daqueles que acessavam esse site se

apresentavam como de “sangue alemão”. Entre aspas – portanto, palavras textuais de

Adriana –, se lê que “a autogarantia de uma origem europeia, particularmente teutônica,

é muito forte, principalmente nos internautas que se identificam como moradores de

Santa Catarina, chegando a 48%, o que confirma os dados das ONGs antirracistas”. E,

logo adiante, Adriana estabelece um vínculo da situação atual com o nazismo (mais uma

vez se trata de uma citação literal de Adriana): “Um dado importante a ser recordado é

que o estado abrigou o maior núcleo de nazistas no Brasil na década de 1930, seguido

de perto pelo Rio Grande do Sul”.71

Essa frase não admite outra interpretação a não ser

a de que há uma linha de continuidade entre a presença nazista nas décadas de

1930/1940 com a situação atual. Apesar de que também nesta matéria não encontramos

essa réplica seis meses depois das entrevistas, quando tive acesso à dissertação, como os leitores verão,

logo a seguir). 71

http://www.pfilosofia.xpg.com.br/07_leituras_cotidianas/20071117a.htm?Location_href=http://www.pfi

(acessado em 17/11/2007; o site parece não estar mais disponível, eu, porém, fiz cópias impressas, e

posso fornecer a eventuais interessados).

É preciso registrar um pequeno erro factual cometido pela autora – o estado com o maior número de

pessoas filiadas ao partido nazista foi São Paulo (como se pode ler nos citados trabalhos de Luís

Edmundo de Souza Moraes e de Ana Maria Dietrich).

Page 36: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

36

a afirmação explicitamente categórica de que o “neonazismo” em Santa Catarina seja

coisa, sobretudo, “de alemão”, o leitor agora não terá mais dúvida de que é isso que a

autora, de fato, quer dizer (não só com a insistência na supremacia numérica num estado

com forte imigração alemã, mas também com o estabelecimento de um vínculo de

continuidade com o nazismo).

Parecia, portanto, que eu viveria uma grande derrota pessoal ao ler a dissertação

de Adriana Dias, pois encontraria ali a comprovação definitiva de que o “neonazismo”

é, sim, – se não exclusivamente, então, ao menos, sobretudo – “coisa de alemão”. Pela

angústia em ver-me refutado, e ter maculada uma carreira acadêmica penosamente

construída durante 30 anos, entrava ao menos uma vez por semana no site da

UNICAMP para ver se o texto já estava disponível na biblioteca virtual. Enquanto isso

não acontecia, tentei colher mais informações. Como parte de minhas investigações,

solicitei uma audiência com o delegado de polícia Paulo Cesar Jardim, em Porto Alegre,

que era apresentado, na imprensa, como o maior conhecedor do “neonazismo” no Rio

Grande do Sul. Ele me cedeu, literalmente, uma tarde inteira, em seu gabinete,

conversando longamente comigo e colocando à minha disposição grande quantidade de

material. Tive a impressão de que ele, efetivamente, conhece o assunto. Mas, durante

nossa conversa, ele não falava da relação do “neonazismo” com os “alemães”, ou,

geograficamente falando, com a “colônia alemã”, e eu tinha receio de perguntar, porque

uma pergunta nesse sentido poderia atrapalhar a franqueza com que ele, tão gentilmente,

passava as informações. Finalmente, numa nova rodada de conversação, quase ao final

da tarde, ele abriu um flanco que permitiu que eu dirigisse o foco da conversa para esse

tema. Ele respondeu, sem pestanejar um segundo, que os “neonazistas” com que ele

lidou, até aquele momento, não têm ligações com a “colônia alemã”. Seus sobrenomes

não são alemães e os lugares em que eles se concentram não se localizam na “colônia

alemã”. Quando me despedi, ele recomendou, em aparente tom de brincadeira, que, se

eu quisesse estudar o “neonazismo”, “trocasse de canal”. Como eu havia relatado a ele

que era especialista em nazismo dos anos 1930, imaginei que ele quisesse dizer com sua

observação que o “neonazismo” gaúcho de hoje é coisa diferente do nazismo daquela

época. Isso significava que, ao menos no Rio Grande do Sul, o “neonazismo” não

poderis ser classificado, sem mais, como coisa exclusiva “de alemão”.

Page 37: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

37

Em torno de 15 de maio de 2008, a dissertação de Adriana Dias, finalmente,

apareceu na biblioteca virtual da UNICAMP.72

Imprimi-a e comecei a ler. De fato, não

há dúvida de que a autora estabelece um inegável vínculo do “neonazismo” com “os

alemães” – ainda que não afirme, de forma expressa, que eles sejam os únicos

responsáveis. Na página 35, confirma a estimativa de 90.000 “pessoas diretamente

envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disso apenas no estado de Santa

Catarina”; confirma que o site Valhalla “tem sua sede em Santa Catarina”, e, numa nota

de rodapé, informa que “a relação entre o estado sulista e o neonazismo no Brasil será

retomada posteriormente”. Mais adiante, a autora, realmente, retoma esse ponto, e não

deixa dúvida sobre quem são os “neonazistas” de Santa Catarina, em sua opinião.

Depois de falar da imigração alemã e da suposta ou efetiva manutenção da identidade

étnica – quando recorre aos trabalhos clássicos da antropóloga Giralda Seyferth –,

escreve: “Como seus antepassados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, os

internautas do neonazismo no Brasil são separatistas...” (p. 109).73

Apesar da autoridade que a autora, sem dúvida, tem, ainda não reconheço que

minhas posições tenham sido refutadas. Para aceitar uma afirmação tão importante – e,

também, politicamente tão grave – quanto a de que a metade dos “neonazistas”

brasileiros se encontra em Santa Catarina, que são maciçamente pessoas de origem

alemã, e que sua atuação representa uma continuidade do nazismo dos anos 1930, eu

esperava provas mais concretas e consistentes do que aquelas que autora apresenta. Os

números são apresentados como fornecidos por ONGs antirracistas, sem qualquer

cuidado em verificar sua consistência e veracidade.74

Localizo aqui um problema bem

prático da dissertação. O destaque que a autora deu em, praticamente, todas as

entrevistas que se encontram na imprensa, afirmando que metade dos “neonazistas”

brasileiros está em Santa Catarina, e, no mínimo, insinuando que um percentual muito

alto deles é de descendência alemã, é algo tão grave que, se verdadeiro, mereceria uma

investigação muito minuciosa e consistente, no intuito de descobrir formas de combater

esse mal; agora, se falso, deveriam ser identificados aqueles que divulgaram esse dado,

72

Dias, Adriana Abreu Magalhães. Os anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do

neonazismo na Internet. Campinas: UNICAMP, 2007. 73

Não fica claro que a autora quer dizer com o “separatismo” dos antepassados, mas, possivelmente, ela

esteja pensando na lenda de que a Alemanha tencionava transformar as assim chamadas “colônias

alemãs” do sul do Brasil em território alemão. 74

Na página 35, nota 42, a autora escreve: “Grande parte dos dados acerca do neonazismo no Brasil se

refere a dados citados na Web pelo sociólogo Túlio Kahn, Pesquisador do ILANUD – Instituto Latino-

Americano para a Prevenção de Delito e Tratamento do Delinquente (http://ilanud.org.br/), órgão das

Nações Unidas voltado para o combate à criminalidade na América Latina”.

Page 38: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

38

que acaba manchando a reputação da população de todo um estado, para que também

esse tipo de agressão pudesse ser combatido com rigor. O que, em minha modesta

opinião, não poderia ter acontecido é uma dissertação acadêmica de mestrado

simplesmente ter transcrito e assumido um dado desses, sem qualquer avaliação crítica

de sua consistência, ainda que as ONGs que forneceram os números sejam

absolutamente idôneas.75

Gostaria de sugerir que a autora consultasse a tese de Luís

Edmundo de Souza Moraes sobre o nazismo, quando ele gasta várias páginas para

confrontar as diferentes fontes que indicam números sobre os filiados ao partido nazista,

nos anos 1930, para chegar a uma conclusão própria.76

Imaginava também que a autora trouxesse informações mais detalhadas sobre o

site Valhalla, que, segundo ela, era alimentado a partir de Santa Catarina – ainda que se

saiba que estava localizado num provedor do exterior. A partir de que cidade

catarinense ele era alimentado? Existem informações sobre quais são as pessoas que o

operavam? Existem indícios de financiamento por empresários de origem alemã ou por

recursos vindos da Alemanha, ou, ainda, por recursos provenientes dos tesouros suposta

ou efetivamente desembarcados por nazistas, na América Latina, ao final da Segunda

Guerra – já que a autora estabelece um vínculo com a existência de nazistas em Santa

Catarina, no pós-guerra? Não há qualquer tentativa de responder a esse tipo de

pergunta.77

75

Depois de ter enviado a primeira versão deste texto para a autora, ela fez um contato telefônico comigo,

quando ironizou meu recurso ao Google – enquanto ela teria feito uma pesquisa muito mais sofisticada –,

e insistiu que as pesquisas nos sites, efetivamente, mostraram que suas afirmações são verdadeiras.

Continuo insistindo que essas provas deveriam constar na dissertação. Nesse sentido, teria sido

importante apresentar os dados exatos que, suposta ou efetivamente, provam suas assertivas, e a

metodologia empregada para chegar a eles – isso permitiria que outros especialistas se defrontassem com

suas conclusões e, eventualmente, as pudessem refutar (ou confirmar). Na dissertação – em sua forma por

mim obtida na biblioteca virtual da UNICAMP, em maio de 2008 –, eles não constam. Em resposta, ela

afirmou que entregou todos esses dados, gravados em CD-ROM, junto com o texto da dissertação, à

banca que avaliou a dissertação, mas que eles não estão acessíveis ao público. 76

Moraes, p. 165 e segs. 77

Ainda que o nazismo em Santa Catarina não seja tema central da dissertação, nem da parte que aqui nos

interessa, a bibliografia a que a autora recorreu para falar desse assunto é de uma pobreza franciscana. O

livro citado é de décima quinta categoria (Amorin, Aluízio Batista de. Nazismo em Santa Catarina.

Florianópolis: Insular, 2000). O livro de Marlene de Fáveri, por exemplo, originalmente tese de

doutorado, com suas ricas e atualizadas indicações bibliográficas está arrolado na lista de fontes da

dissertação, mas não se encontra citado no corpo do trabalho (Memórias de uma [outra] guerra: cotidiano

e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. Itajaí/Florianópolis: Editora da UNIVALI/Editora

da UFSC, 2004). Certamente, também teria sido proveitoso para a autora se tivesse lido a tese de

doutorado de Perazzo, Priscila Ferreira. Prisioneiros de guerra: os cidadãos do Eixo nos campos de

concentração brasileiros (1942-1945). São Paulo: USP, 2002 (publicada em livro sob o título Prisioneiros

de guerra: os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros [1942-1945]. São Paulo:

Humanitas/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/FAPESP, 2009).

Page 39: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

39

Lida a dissertação e sentindo certo grau de incompletude na mesma, naquilo que

me interessa, de forma específica, isto é, o possível caráter exclusivamente (ou mesmo

só predominantemente) “alemão” do atual “neonazismo” no Brasil78

, recorri – logo após

a leitura – ao instrumento que Adriana Dias privilegiou em sua pesquisa, a Internet.

Coloquei no Google as palavras “neonazistas” mais “Santa Catarina”. Constatei que,

além de várias referências às afirmações da própria Adriana, havia algumas entradas

sobre um incidente do qual eu tinha conhecimento, porque os estudantes que fizeram a

denúncia eram, na época, todos meus alunos, na UFRGS. Em abril de 2005, aconteceu

um encontro regional de estudantes de História, na cidade de Joinville, onde teriam

aparecido colegas “neonazistas”. Quando teria sido apresentada uma moção para excluí-

los do encontro, estudantes locais teriam defendido seu direito de permanecer, sob o

argumento do direito à pluralidade de pensamento.79

Ainda aparecia uma referência a

uma panfletagem contra cotas nas universidades, em 2006, e outra sobre um adolescente

que teria oferecido material “neonazista” através de uma loja virtual. Por fim, há

referências genéricas a Santa Catarina junto com outros estados. Até um documento

assinado por mim aparece – trata-se de um texto sobre o “germanismo” nos anos 1930,

que apresentei num congresso sobre neonazismo, negacionismo e extremismo político

que Luís Milman e Paulo Vizentini organizaram, no ano 2000, em Porto Alegre.80

Mas

as referências do Google a “neonazistas” em Santa Catarina pareceram

proporcionalmente poucas, caso seja verdade que o estado abriga a metade de todos

aqueles que existem no Brasil. E essa constatação é um estranha. Apesar do suposto ou

efetivo número inferior de “neonazistas” no Rio Grande do Sul (a acreditar nos dados da

própria Adriana), as notícias sobre atos praticados por eles são bem mais frequentes que

em Santa Catarina, além disso, os daqui (do RS) se exibem para câmeras de televisão

etc. Será que, por alguma razão abscôndita, o grande número daqueles que, suposta ou

78

Devo registrar aqui – com toda ênfase possível – que tudo isso não representa qualquer avaliação sobre

a dissertação como um todo, porque me falta competência. Mas como a própria autora, na quase

totalidade das suas entrevistas sobre o tema, destacou os dados sobre a massacrante presença

“neonazista” em Santa Catarina, não posso deixar de pressupor que ela considera essa informação uma

“descoberta” importante do seu trabalho, e isso me autoriza a avaliar de forma crítica esse ponto

específico do texto. 79

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/05/352585.shtml 80

Fiquei preocupado com a possibilidade de que aquele que o disponibilizou na Internet o tenha

entendido mal, e pretendido arrolar-me como “testemunha” contra o povo catarinense.

Page 40: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

40

efetivamente, se concentra em Santa Catarina é constituído só de gente introspectiva,

contemplativa, que se restringe a “curtir” suas convicções “navegando” na Internet?81

Depois de “navegar” por Santa Catarina, resolvi dar uma “esticada” para o

Paraná.82

A própria dissertação de Adriana Dias me forneceu um link. Nas páginas 46 e

seguintes, ela relata um episódio envolvendo um grupo de “neonazistas” de Curitiba que

preso e levado à Justiça, em 2005. Ela se ocupa com certa largueza com o casal-líder,

Eduardo Toniolo Del Segue e Edwiges Francis Barroso. Ao contrário daquilo que ela

fez, concentrando sua atenção exclusivamente no casal, eu queria ampliar meus

conhecimentos sobre o grupo todo. E, em cerca de 15 minutos de “navegação”,

consegui uma série de informações muito interessantes sobre esses “neonazistas” do

Paraná. Vou apresentar aqui apenas a nominata83

, que de onze citados nas manchetes se

transformou em doze:

Anderson Marondes de Souza André Lipnarski (“Pinduka”)

Bruno Paese Fadel Drahomiro Michel Romanowski Car-

Eduardo Toniolo Del Segue (“Brasil”) valho (“Gavião”)

Edwiges Francis Barroso (“Franciele”) Estela Herman Heise

Fernanda Keli Sens José Carlos Domingues dos Santos

Lílian Regina de Brito (“Cazé”)

Raul Astutte Filho Valmir Dias da Silva Machado Jr.

81

Em 2009, a deputada Maria do Rosário Nunes requereu uma Comissão Externa da Câmara dos

Deputados para investigar o “neonazismo” no Brasil. Em 13 de julho do mesmo ano, foi realizada uma

primeira audiência pública, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Nessa ocasião, o presidente

da comissão, deputado Marcelo Itagiba, perguntou ao delegado Paulo César Jardim, até hoje considerado

a maior autoridade no assunto: "Em Santa Catarina, há alguma coisa também, Dr. Jardim?". [resposta:]

"Nós temos alguns informes relativos a Santa Catarina, mas não com essa contundência dos outros

estados"

[http://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/textoHTML.asp?etapa=11&;nuSessao=1083/09&nuQuarto=

0&nuOrador=0&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=13:00&sgFaseSessao=&Data=13/7/2009&txApelido=

ACOMP.%20INVESTIGA%C7%D5ES%20SOBRE%20QUADRILHA%20NEONAZISTA&txFaseSess

ao=Outro%20Evento&txTipoSessao=&dtHoraQuarto=13:00&txEtapa=]. Significa que as minhas

dúvidas sobre a maciça presença “neonazista” em Santa Catarina não derivam só das escassas referências

no Google, ou das informações nesse mesmo sentido fornecidas por colegas das universidades

catarinenses. 82

Uma dissertação de mestrado recente sobre o nazismo no Paraná é Athaides, Rafael. Zu Studienzwecken

in Paraná: a ação do Círculo Paranaense do Partido Nazista (1933-1942). Maringá: UEM, 2007. 83

A nominata pode ser composta a partir das informações nas seguintes fontes: Folhaonline, 18/11/2005

(Cotidiano);

http://celar.pr.gov.br/mppr/noticiamp.nsf/9401e882a180c032356d790046d022/d0db91fed7c174c6832570

f900467459?OpenDocument

Page 41: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

41

Na dissertação, Adriana transcreve um depoimento de Edwiges (ou “Franciele”)

no qual a “neonazista” se diz “descendente de alemães por parte de pai e mãe” (p. 47).

Ainda que essa afirmação deva ser tomada com cuidado, pois um delegado de polícia de

Curitiba a descreve como uma mulher “com distúrbios muito sérios” (p. 48), negritei

seu nome, na lista acima, para incluí-la na “bancada teutônica” do grupo. Mesmo assim,

ninguém, de sã consciência, poderá afirmar que o “núcleo duro” do “neonazismo” no

Paraná seja constituído, exclusivamente ou mesmo só majoritariamente, por

representantes da “colônia alemã” local. Muitíssimo pelo contrário, aparece apenas um

único sobrenome claramente alemão, e, de fato, estamos diante de uma lista que reflete

uma autêntica representação do conjunto da sociedade paranaense, com seu intenso e

diversificado colorido “étnico”, incluindo a miscigenação, da qual Drahomiro, o

“Gavião” (que em nenhum momento aparece como “der Habicht”), constitui um

exemplo emblemático – ainda que, aqui, eu esteja cometendo um excesso de zelo, por

pressupor que Michel seja um sobrenome de origem alemã, e não um pré-nome (mas

tudo isso para que ninguém me acuse de estar tentando diminuir a importância da

presença de “alemães” no grupo).

Esses dados me levaram à convicção de que também no Paraná – assim como no

Rio Grande do Sul –, no mínimo, não é óbvio nem fácil de provar que o “neonazismo”

seja coisa exclusiva “de alemão”.84

Se de fato pudesse ser provado que em Santa

Catarina é diferente, esse estado se tornaria um objeto de pesquisa fantástico, já que no

Rio Grande do Sul e no Paraná haveria, em primeiro lugar, relativamente poucos

“neonazistas” (ao menos na comparação com Santa Catarina), e, mesmo assim, os sites

da Internet arrolam muito mais incidentes naqueles dois estados do que neste último. E,

em segundo lugar, chama atenção essa interessantíssima alegada constatação de que o

grupo de “neonazistas” de Santa Catarina seria, em alto grau, constituído de “alemães”,

enquanto há indícios consistentes de que nos outros dois estados não é assim. Essas

duas constatações, por si só, sem qualquer dúvida, valeriam uma tese de doutorado. E

84

67 A rigor, não seria necessário abrir esta nota, mas, para evitar mal-entendidos, convém ser claro: é

óbvio que entre a população de origem alemã do Rio Grande do Sul e do Paraná se encontram os

problemas de qualquer sociedade – em seu meio há ladrões, assassinos, proxenetas, vigaristas,

desonestos, sonegadores de impostos, radicais desvairados de direita e de esquerda, e, evidentemente,

também “neonazistas”. A única coisa que está em discussão aqui é se essa população pode ser acusada de

responsável exclusiva, ou mesmo só majoritária, por este último mal, no Brasil.

Page 42: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

42

ninguém melhor do que Adriana Dias para escrevê-la, a fim de desvendar esse aparente

ou efetivo mistério.85

Meus argumentos contra a autora, evidentemente, não excluem a possibilidade

de que a torpeza dos “neonazistas” de origem alemã possa ir ao ponto de que, de fato,

tenham concentrado todas as suas forças em Santa Catarina, e, para despistar a opinião

pública e as autoridades, contrataram gente disfarçada de “neonazistas” com outros

sobrenomes para fazer “barulho” no Rio Grande do Sul, no Paraná e em São Paulo,

subornaram todos os meios de comunicação para que deem o maior destaque possível a

essa atuação nos três estados, e calem sobre os verdadeiros “neonazistas”, maciçamente

no primeiro estado, para que possam levar a cabo suas ações nefastas, sem serem

notados e incomodados. Mas para que essa hipótese pudesse gozar de alguma

credibilidade, deveriam ser apresentadas provas, ou, no mínimo, indícios.

Em recente entrevista nas “páginas amarelas” de Veja, Simon Schwartzman

disse que “um grande médico ou um grande químico não podem ganhar o mesmo que

um professor de História, como acontece nas universidades públicas brasileiras”.86

Penso que Schwartzman não imaginou que em um assunto como o aqui tratado os

historiadores podem prestar serviços tão relevantes ao país quanto os de um médico ou

químico. Só que os trabalhos precisam ser bem feitos! Imaginem-se os secretários de

segurança dos quatro estados mais ao sul do Brasil se preparando para a eventualidade

de uma agudização do problema “neonazista” em seus respectivos estados. E, para não

se deixar guiar cegamente pela certeza que constatam na opinião pública, mandam

buscar o conhecimento especializado de teses sobre “neonazismo” apresentadas nas

mais destacadas universidades do país. Imagine-se, ainda, a tragédia que pode ocorrer se

os secretários do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo reunirem, após a leitura,

seus delegados de polícia e os comandantes das suas polícias militares, e ensinarem que

“neonazismo” é coisa exclusiva, ou, no mínimo, sobretudo, “de alemão” – como

sugerem as referidas teses. A conclusão óbvia de delegados e de comandantes seria que,

ocorrendo um incidente com “neonazistas”, se prende e bate a valer em quem tem cara

“de alemão” – e se deixa passear tranquilo quem não tem cara “de alemão”!

Tudo isso nos coloca diante de questões éticas difíceis. Quando produzimos ou

publicamos trabalhos acadêmicos, não podemos esquecer que, naquilo que tange aos

85

Entrementes, eu escrevi um livro sobre o “neonazismo: Gertz, René E. O neonazismo no Rio Grande

do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS/AGE, 2012. 86

Veja, n. 2059, de 7 de maio de 2008, p. 15.

Page 43: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

43

efeitos práticos, existe uma diferença abissal entre a eventual divulgação de um trabalho

que, com base científica não de todo consistente, afirma que Tutancâmon foi

envenenado com arsênico, e outro trabalho, com as mesmas características, que afirma

que Abraão alcançou a alta idade de 175 anos87

graças à ingestão diária de doses

homeopáticas de 20 gramas de arsênico – ainda que esta última afirmação seja

marginal dentro do trabalho –, pois há uma alta probabilidade de que leitores serão

tentados a experimentar a fórmula. Em português claro: a afirmação sobre Tutancâmon

pode virar uma nota numa revista de curiosidades (sem maiores consequências práticas),

mas a afirmação sobre Abraão pode virar uma tragédia, com grande número de mortes.

É a ética do cientista que aqui está em jogo.

Mesmo abstraindo dessa questão prática, sem dúvida, estamos diante de um

tema que merece ser discutido com a maior profundidade e seriedade possíveis, por

todas as mulheres e por todos os homens de boa vontade deste país. O que não pode

acontecer é que, em trabalhos acadêmicos, se deem respostas simplórias a um assunto

tão grave, ainda que a intenção de combater o “neonazismo” seja a mais nobre que se

possa imaginar. Esse mal certamente não se combaterá da forma mais eficaz possível

com uma prática de pesquisa excessivamente “militante”, com denuncismos apressados

às autoridades. A ânsia de denunciar – por mais louvável que possa parecer – nem

sempre ajuda a produzir boas pesquisas. Façamos, nós outros que nos consideramos

cientistas, boa ciência, para que as autoridades possam tomar as medidas mais justas,

sensatas e equilibradas possíveis contra os males que afligem nossa sociedade. Mas

reservemo-nos, também, o direito de criticar os erros cometidos pelas autoridades –

quando necessário! O debate acalorado entre nós próprios, evidentemente, não é apenas

bem-vindo, mas necessário para o avanço da ciência.

Não tenho qualquer ilusão quanto à possibilidade de nós cientistas sociais

exercermos alguma influência sobre o senso comum, para modificá-lo. Porém, constitui

obrigação mínima evitar que nossos trabalhos supostamente acadêmicos sirvam de

apoio e de legitimação aos enganos do senso comum. Por isso, considero-me eticamente

obrigado a apontar para eventuais deslizes de meus colegas – e aqui, sim, nutro a

esperança de que ao menos alguns deles venham a modificar seus posicionamentos

sobre o tema aqui abordado.

87

Gênesis, cap. 25, vers. 7.

Page 44: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

44

Page 45: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

45

Adendo I

(redação original em 20 de junho de 2009)

Em abril de 2009, um casal suposta ou efetivamente envolvido em atividades

“neonazistas” foi assassinado no Paraná. No início de maio, um dos supostos ou

efetivos assassinos, Jairo Maciel Fischer88

, foi preso em Teutônia, no Rio Grande do

Sul, para onde seus pais se haviam mudado poucos anos atrás, vindos daquele estado, e

onde o próprio trabalhava há 18 meses. Como a denominação sugere, Teutônia é uma

típica “colônia alemã”. Ainda que a imprensa escrita89

, na divulgação da prisão, se

mostrasse comedida em destacar a característica “étnica” do lugar, não há dúvida de que

muita gente imaginou que “ainda está fecundo o ventre de onde saiu essa gente

imunda”90

, e que, finalmente, se chegara às verdadeiras origens do problema. O jornal

Zero Hora mancheteou, em 4 de maio, que a “região será monitorada”, motivo pelo

qual a polícia “ficará atenta a Teutônia e cidades vizinhas”. Em um blog pôde ler-se o

seguinte comentário: “Esse caso do nazista em Teutônia deixa todo mundo ouriçado.

88

Não se pode deixar de observar que o acusado foi apresentado com esse nome nas primeiras notícias,

no início de maio. Mas, na sequência, ao menos parte da imprensa passou a omitir o segundo elemento,

restringindo-se a denominá-lo de Jairo Fischer. Mesmo que não se conheçam os motivos para essa

mudança, não é de todo descabido imaginar que, na opinião da imprensa, o cromossoma “Maciel” não

tem nada a ver com o “neonazismo” do moço, mas apenas o cromossoma “Fischer”. 89

71 Só foi possível acompanhar, de forma mais sistemática, o noticiário da imprensa escrita. Não

acompanhei nenhuma notícia de rádio. Quanto à televisão, a TV Pampa, de Porto Alegre, apresentou em

seu noticiário regional uma matéria sobre prisões de neonazistas em Teutônia, ilustrando-a com imagens

das prisões e com material apreendido no Paraná – de fato, em Teutônia só foi presa uma única pessoa. A

TV Bandeirantes, de Porto Alegre, fez contato comigo para uma entrevista sobre o “neonazismo”. De

forma honesta, eu disse à repórter que poderia dar essa entrevista, mas que ela não deveria esperar de

mim que eu incriminasse o conjunto da população de Teutônia. Apesar desse alerta, ela quis saber,

detalhadamente, onde eu seria encontrável durante a tarde, mas não apareceu para fazer a entrevista. No

noticioso regional da noite, foi apresentada uma matéria totalmente descontextualizada dos episódios das

últimas semanas, informando, simplesmente, que os grupos “neonazistas” utilizam cerca de 70 símbolos

diferentes, e apresentando detalhes sobre um deles, o coturno com cadarço branco. Não foi possível

entender o sentido ou o objetivo da matéria, mas sua irradiação sugere que há, entre jornalistas, uma ânsia

em tratar do assunto – ainda que não se saiba como abordá-lo. Pelo jornal, soube que o Domingo

Espetacular da TV Record apresentou, no dia 10 de maio, uma reportagem sobre o episódio da morte do

casal do Paraná, mas não tive acesso a essa matéria. O programa Teledomingo, da RBS-TV, Porto Alegre,

de 14 de junho, apresentou uma reportagem sobre os acontecimentos recentes. Além de dados

conhecidos, destacou a suposta ou efetiva importância do movimento em Caxias do Sul, e a tentativa de

difundir a ideologia e a prática em Teutônia. Importante dado novo foi a afirmação de que haveria uma

tentativa de infiltração nas forças armadas, e que três militares teriam sido identificados com ligações

com o “neonazismo” – um seria gaúcho. Jairo Maciel Fischer foi apresentado como Jairo Fischer. 90

72 Back, Sílvio. Aleluia, Gretchen. Porto Alegre: Editora Movimento, s. d., p. 75 (script do filme de

mesmo nome).

Page 46: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

46

Vai que existam células em Santa Cruz, Forquetinha, Lajeado... Seria de se admirar?”.91

No dia 18 de maio, Zero Hora publicou a notícia de que a polícia fizera diligências em

Porto Alegre, Viamão, Cachoeirinha, Caxias do Sul e Bento Gonçalves.92

74 Além de

objetos simbólicos, teriam sido apreendidos materiais que incluiriam bombas caseiras,

com que os “neonazistas” teriam planejado atacar sinagogas, negros e homossexuais.

Mas não se noticiou em qual ou quais cidade(s) o material teria sido encontrado. Além

disso, se informou que não houve prisões, porque a simples posse dos materiais

apreendidos não constituiria crime.

No dia 19 de maio, o site Zero Hora.com publicou uma matéria intitulada “Base

de novo grupo neonazista estava sendo montada no Vale do Taquari e na Serra”. Diz-se

que a polícia não revela nomes, mas que “uma conexão entre a região de Caxias do Sul

com o Vale do Taquari está sendo apurada”. “Isso porque o líder deste novo grupo é de

Teutônia, no Vale” (referência ao citado Jairo Maciel Fischer), depois se informa que a

descoberta do grupo foi possível graças a um “racha” havido em Caxias. Além disso, é

apresentada a informação de que o caso de Caxias já vinha sendo investigado há mais

tempo, com a suspeita de que uma morte ocorrida em fevereiro passado, no município,

possa ter ligação com o “neonazismo”.93

Na verdade, isso significa que em relação a Teutônia e ao vale do rio Taquari

como todo, até este momento, não foi apresentada ao público nenhuma novidade

concreta – além do dado objetivo da prisão de Jairo Maciel Fischer, no início de maio94

,

a suposta ou efetiva presença do líder “neonazista” paulista Ricardo Barollo, em abril, e

a apreensão da arma do crime numa mochila entregue por Maciel Fischer a um menor

(o qual, no entanto, em nenhum momento, foi apresentado como “neonazista”). Fala-se

da suspeita de criação de uma célula, mas não foi apresentado nada de palpável, não se

sabe se há nomes de suspeitos e, em caso positivo, se os sobrenomes são alemães, se são

pessoas nascidas ou, ao menos, longamente estabelecidas na região, ou se,

91

73 http://lauramertenpeixoto.blogspot.com/ – 6 de maio de 2009. 92

74 Note-se que Teutônia não foi citado. Note-se, ainda, que as três primeiras cidades são da região

metropolitana de Porto Alegre, e não da região “colonial”. 93

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a2515630

.xm

O grifo na citação é meu (REG). 94

Convém lembrar que, segundo o noticiário da imprensa, ele não se “neonazificou” em Teutônia, mas já

chegou nessa condição ao município, pois, após a mudança dos pais do Paraná para o Rio Grande do Sul,

ficou morando lá, com uma irmã, a qual o expulsou de casa em virtude de sua militância – e então

também ele veio para cá. Provavelmente, ele próprio imaginou que faria um estrondoso sucesso entre os

“alemãos” de Teutônia.

Page 47: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

47

eventualmente, vieram de outro lugar – como no caso de Jairo. Apesar de tudo isso,

minha intuição de que uma parte muito significativa da opinião pública gaúcha terá

entendido, a partir das manchetes, que se havia descoberto um enorme antro de

“neonazismo” no vale do rio Taquari ficou integralmente comprovada pelos

comentários deixados no site Zero Hora.com entre 17h36min do dia 19 de maio e

10h31min do dia 20. A transcrição de alguns exemplos pode ilustrar a guerra étnica que

foi desencadeada:

“O problema é que o povo de lá pensa que é alemão. Nasceram no Brasil e se

dizem alemães. Tenho parentes no Vale do Taquari e até hoje não encontrei nenhum

brasileiro por lá, são todos alemães” (Luli, Porto Alegre). “Por que não pegam numa

enxada e vão capinar por aí? Pensam que são alemães, não passam de caboclos, assim

como nós. Bando de babacas” (Flávio, Porto Alegre). ”Perfeito Luli... nasceram no

Brasil, falam português (o alemão que falam não existe, é apenas uma piada) e acham

que são alemães! Acordem para a realidade!” (Pedro Ernesto, Porto Alegre). “Moro no

Vale do Taquari e realmente aki os alemães acham que estão na Alemanha, tanto que já

mandei alguns irem embora pra lá. Acham que o negro é menos que branco, falam

alemão na tua cara e riem, e outras atitudes discriminatórias. Não adianta estudo,

precisam aprender a aceitar as diferenças, o que eles mais têm (falam português errado)”

(Sidnei, Arroio do Meio). “Em muitas regiões de imigração do RS impera um

sentimento de que os descendentes de italianos e alemães são europeus de fato: e por

muitas vezes têm uma postura bastante racista! Inclusive circulam comentários do tipo:

‘a cidade tá ficando ruim porque tá vindo muito brasileiro morar aqui’! Talvez crianças

que cresçam numa sociedade assim acabem por se tornarem esses idiotas neonazistas.

Gostaria que todos esses brasileiros pseudoeuropeus pudessem ir pra Europa para serem

feitos de chacota” (Rafael, Santa Maria).

A esse tipo de manifestações contrapuseram-se outras, do tipo: “Desculpe, Luli, se eu

não entendi direito seu comentário, mas pior que esses grupos neonazistas é a ponta de

preconceito que eu notei no seu comentário, não defendo esses grupos, pelo contrário,

parabenizo o trabalho da polícia, mas pense um pouco antes de comentar uma matéria

de tal importância” (Bretana, S[anta] C[ruz do] S[ul]). “Essa tal de Luli pelo jeito nunca

veio para o Vale do Taquari para escrever estas bobagens que menciona. Está rotulando

a população de Teutônia e região de serem nazistas. [...]. Então não diga inverdades

sobre este povo trabalhador que luta, sim, por um mundo melhor sem discriminações”

Page 48: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

48

(Edu, Teutônia). “Se todos são contra a propaganda da raça ariana, então q[ue] proíba-se

também manifestações como dia da consciência negra, slogan 100%Negrão, e essa

coisa relacionada a outras raças q[ue] se dizem injustiçadas!!! Vivemos num país livre,

direitos iguais a todos” (Pedro, Joinville). “Mudando de ‘saco’ pra ‘mala’: eu faria

algum movimento, ativismo, para que acabem com esta palhaçada que são as quotas! Se

todos somos iguais, por que raios os negros são favorecidos desta forma? Eu,

particularmente, acho que isto é errado. Se eu fosse negro, também gostaria que isso

fosse banido, e provaria que sou igual a todo mundo, sem precisar de ajuda pra passar

num vestibular. Por que um tem mais direito que outro?” (Lord Varjoherra,

Farroupilha).95

Esses são apenas alguns poucos exemplos. Há muitas outras manifestações nas

duas direções indicadas, ainda que houvesse, também, alguns comentários mais

ponderados, com considerações menos passionais. Mas da agressividade do conjunto

pode-se dizer que indicam o desencadeamento, por sorte, ainda puramente verbal, de

uma das mais terríveis e irracionais guerras do mundo, entre a população do Rio Grande

do Sul, uma “guerra étnica”. Com certeza, nenhuma das citadas matérias jornalísticas

sobre “neonazismo” virá a render o “Prêmio Esso de Jornalismo”, de 2009. Mas talvez

elas consigam transformar nosso estado numa nova Bósnia.

A revista Istoé, n. 2062, com data de 20 de maio de 2009, também tratou de

“neonazismo”, em artigo de capa, com 6 páginas. Não o vincula, expressamente, a

nenhuma “etnia”, mas a ideia está implícita, pois uma linha de tempo que se propõe a

acompanhar “a herança de Hitler no Brasil” começa em 1928, em Timbó, Santa

Catarina, onde teria sido fundado o primeiro núcleo do partido nazista no Brasil (p. 86).

A concepção dominante de que há uma linha de continuidade (herança) entre o nazismo

dos anos 1930 e o “neonazismo” atual traz, no mínimo, implícita a ideia de que este

último também é “coisa de alemão”.

A revista menciona, de forma concreta, o grupo paranaense, o fato de que o

suposto ou efetivo mandante do assassinato atua em São Paulo, o fato de que o

assassinado era mineiro, e, no mínimo, dois grupos no Rio Grande do Sul. Mesmo que,

à margem do texto principal (em boxes), se fale de ramificações em Goiás e em Santa

Catarina, não há referências concretas à existência de grupos nestes dois estados –

95

Os nomes e as cidades de origem constam assim no site – sem que se saiba se são verdadeiros ou

fictícios.

Page 49: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

49

abstraindo da nota um tanto exótica de que, pela proposta do suposto ou efetivo

mandante paulista do assassinato ocorrido no Paraná, a conquista do mundo pelo grupo

começaria pela eleição do prefeito do Balneário Piçarras, no último estado.96

Poppereanamente falando, tudo isso significa que meu texto resistiu a mais um teste de

refutação – ao menos diante das informações publicadas pela imprensa.97

Claro que eu

tenho plena consciência da provisoriedade da minha e de toda Ciência, mas a resistência

a mais um teste, no mínimo, sugere que minhas posições, talvez, não sejam tão

inconsistentes quanto muitos leitores terão imaginado durante a leitura deste texto.

Acolhendo uma sugestão da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP, o citado

texto da revista Istoé propôs que o melhor caminho para combater o “neonazismo” “é a

educação para a tolerância e a diversidade” (p. 89). O signatário deste texto se associa,

de forma entusiástica, a essa proposta, na esperança de um retorno aos grandes

princípios do Iluminismo, e a sua louvável luta por respeito universal à tolerância e à

diversidade!

96

A matéria de Istoé também permite observações um tanto curiosas em relação ao suposto ou efetivo

número de “neonazistas” no Brasil. A própria revista diz que “não há dados consolidados de quantos são

os neonazistas”, mas que “uma pesquisa da antropóloga Adriana Dias, da Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp), dá pistas” (p. 88). Como mostrei acima, Adriana Abreu Magalhães Dias, tanto na

sua citada dissertação quanto nas entrevistas referidas cita o número de 90.000 (na entrevista às Notícias

IHU/UNISINOS até falou em 150.000), mas essa convicção, agora, aparentemente, não existe mais, pois

ela foi consultada pela revista (ao falar dela, a revista diz que na sua dissertação de 2007 detectou cerca

de 13.000 sites “neonazistas” em português, espanhol e inglês, com 150.000 acessos a partir do Brasil, e

que “hoje [2009] são 20 mil [sites], quase o dobro” [p. 88], afirmação que, no mínimo, sugere que ela foi

consultada para a matéria), não se lhe atribuem, porém, informações sobre números de militantes. Num

box intitulado “quantos são”, a revista responde: “350 membros, espalhados por Distrito Federal, Goiás,

Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul” (p. 88). Como se vê, existe uma

distância sideral em relação aos números propalados em outros contextos. 97

Com isso quero dizer que a polícia até pode ter provas definitivas de que a população de origem alemã

do vale do rio Taquari está infestada de perigosíssimas células “neonazistas”, mas que naquilo que foi

publicado e a que eu e os leitores que comentaram a citada matéria de Zero Hora.com tivemos acesso não

há qualquer indício nesse sentido – o que significa que as citadas opiniões de leitores não se baseiam em

fatos, mas em pré-conceitos.

Page 50: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

50

Adendo II

(redação original de 14 de julho de 2009)

Depois de alguns dias de silêncio, a imprensa abriu novas manchetes sobre o

“neonazismo” no Rio Grande do Sul (Zero Hora de 13 de julho de 2009 dedicou duas

páginas inteiras ao tema). É que nesse dia se reuniram, em audiência pública, na Assembleia

Legislativa gaúcha, integrantes da comissão externa criada pela Câmara dos Deputados para

acompanhar as investigações de quadrilhas “neonazistas” que atuam no país. Para o evento,

foram convidadas várias pessoas, como Ildo Gasparetto, superintendente da Polícia Federal

no Rio Grande do Sul, o delegado Bolívar Llantada, da delegacia de homicídios de Porto

Alegre, o presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, o presidente do Grêmio

Futebol Porto-Alegrense, dois jornalistas da RBS, um representante do Movimento LGBT.

No noticiário a respeito, em nenhum momento, foi feita qualquer referência

explícita no sentido de que a origem do mal esteja na população de descendência alemã.

Mesmo assim, um aspecto ficou, no mínimo, intrigante. Apesar de as notícias das semanas

anteriores terem dado destaque reiterado a supostas ou efetivas atividades “neonazistas” em

Caxias do Sul, inclusive com a afirmação de que um assassinato ali ocorrido no início deste

ano pode estar relacionado com essas atividades, que um “racha” entre os “neonazistas”

daquela cidade justamente permitira à polícia acesso a informações sobre o grupo, não

houve, na imprensa, qualquer referência a um convite ao delegado de polícia daquela cidade

para comparecer a Porto Alegre e fazer um relato sobre aquilo que sabe a respeito. Mas, em

contrapartida, além das pessoas citadas, esse convite foi feito ao delegado de Teutônia. Esse

fato, no mínimo, sugere que, na cabeça dos organizadores do evento, o centro, a origem, o

criadouro, o “ninho” do “neonazismo”, evidentemente, não pode estar entre as populações

da região metropolitana de Porto Alegre nem de Caxias do Sul (locais a respeito dos quais

foi noticiada suposta ou efetiva atividade “neonazista”), mas deve, na verdade, óbvia e

forçosamente, estar entre a população de Teutônia. Coitado do delegado local de polícia,

Mauro José Barcellos Mallmann! Teve de escrever uma carta aos organizadores do evento

de Porto Alegre para explicar que “na nossa investigação não confirmamos a existência de

Page 51: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

51

um ou mais grupos neonazistas no vale do Taquari”98, motivo pelo qual se viu obrigado a

declinar do muito honroso convite, porque não teria absolutamente nada a contribuir para o

esclarecimento do tema. Esse episódio, mais uma vez, indica que minha tentativa de

analisar o assunto sob um prisma crítico, contra a corrente massacrantemente dominante,

está mais do que justificada, pois necessária para evitar que esse processo venha a sofrer

uma escalada, e ficar fora de controle.

98

Informativo do Vale, Lajeado, 13 de julho de 2009. O fato de os editores do jornal de Lajeado terem

dado destaque à atitude do delegado de polícia de Teutônia sugere que parte da população local está

chegando ao limite de tolerância com as insinuações maldosas sobre a população do vale do rio Taquari –

insinuações sem qualquer base factual!

Page 52: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

52

Adendo III

(redação original de 4 de setembro de 2010)

O fantasma do “neonazismo” em Teutônia retornou ao noticiário da imprensa.

Meu texto intitulado “Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo e

‘neonazismo’ no Brasil”, neste site, termina com informações sobre o frenesi que

perpassou a imprensa, em meados de 2009, quando um suposto ou efetivo assassino de

um casal no Paraná – todos, suposta ou efetivamente, “neonazistas” – foi preso em

Teutônia. Durante o mês de agosto de 2010, placas de trânsito e paradas de ônibus ao

longo da rodovia RS 128, que passa pelo município, foram pichadas com suásticas e

frases de conotação racista. O jornal O Informativo, de Lajeado, que em 2009 havia

dado destaque à afirmação do delegado de polícia de Teutônia, Mauro Mallmann, de

que não havia encontrado qualquer sinal sobre a existência de um grupo “neonazista”

no município, noticiou, agora, em sua edição de 20 de agosto de 2010, que “pelo menos

quatro jovens ..., com roupas pretas e cabelos raspados, estariam programando pelo

menos um ataque na cidade”. O Correio do Povo de 24 de agosto repercutiu o mesmo

assunto, numa matéria intitulada “Polícia investiga possível retorno de neonazistas a

Teutônia”. Segundo essa matéria, o suposto ou efetivo grupo estaria constituído de “três

ou quatro jovens” (na segunda hipótese, 0,016% da população do município). A matéria

continua: “Há pouco mais de um ano, um grupo foi desarticulado no município após a

morte de um casal no Paraná, durante uma disputa de poder por causa de uma

organização nacional neonazista”. Aqui estamos diante de, no mínimo, uma inverdade.

Mas o site de notícias R7 conseguiu ser mais irresponsável ainda, no mesmo dia,

quando também se referiu ao tema, dizendo "há pouco mais de um ano, um grupo foi

desarticulado no município após a morte de um casal que tinha envolvimento com um

grupo que se intitulava nazista". Como em toda a matéria não há qualquer referência ao

Paraná, onde esses fatos aconteceram, o leitor, forçosamente, concluirá que tudo isso

aconteceu em Teutônia. É o cúmulo da irresponsabilidade jornalística! Em Teutônia,

não foi desarticulado nenhum grupo, simplesmente porque ele não existiu - ali foi preso

um indivíduo que, suposta ou efetivamente, participou do assassinato no Paraná. Mais

Page 53: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

53

adiante, a matéria do Correio do Povo diz: “[Em 2009] um jovem foi detido e cinco

pessoas respondem processo em liberdade”. Ainda que não se esteja, nesta frase, diante

de uma inverdade explícita, a forma da redação, com certeza, terá induzido muitos

leitores a imaginar que cinco pessoas de Teutônia “respondem processo em liberdade”.

Na verdade, essas pessoas são de outros estados brasileiros, e não tem nada a ver com

Teutônia – estão, suposta ou efetivamente, envolvidas no assassinato ocorrido no

Paraná. Eu, desde o início, enxergava razões para encarar de forma crítica essas

matérias sobre novas manifestações “neonazistas”, porque a) a citada rodovia fora

motivo de protestos, algumas semanas antes, por falta de segurança; b) as notícias não

falavam de pichações dentro da cidade ou no interior do município, mas exclusivamente

ao longo da rodovia (dado que, no mínimo, justifica levantar a suspeita de que foram

pessoas de fora do município que fizeram as pichações). E o fato de que as suásticas

estão desenhadas de forma errada (coisa que um nazista ou "neonazista" jamais faria)

reforça a suspeita de que se trata de um ato de provocação contra a população de

Teutônia. Finalmente, no dia 26 de agosto, o mesmo Correio do Povo admitiu que

“delegado especializado em crimes de intolerância nega caso de neonazismo em

Teutônia”. Trata-se do delegado Paulo Cesar Jardim, que há muitos anos vem

reprimindo atos classificados de “neonazistas” e monitorando suspeitos. Sem dúvida, é,

no momento, o maior conhecedor do assunto, no Rio Grande do Sul. Ele foi enfático:

“Eu afirmo que não existe grupo nazista em Teutônia”. Com a categoria de uma das

poucas autoridades que assume sua responsabilidade diante de notícias tão graves para o

convívio harmônico e civilizado da população gaúcha, o jornal afirmou que, “segundo o

delegado, o alarme na cidade é uma ‘invenção’, e pode causar pânico entre os

moradores”. Mesmo noticiando esse desmentido, o Correio do Povo fez questão de

dizer que Teutônia é um “município com 25 mil habitantes e origem alemã”, voltando a

afirmar que, em 2009, ali, “um jovem foi detido e cinco pessoas respondem processo

em liberdade” (ou seja, para o menino ou a menina responsável pelo texto, Teutônia

possui um passado "neonazista", fato que deve ter, forçosamente, algo a ver com a

"origem alemã"). Isso tudo constitui motivo mais que suficiente para que outras

autoridades, finalmente, saiam de sua letargia, deixem de preocupar-se, exclusivamente,

com a erradicação de “neonazistas”, e passem a chamar à responsabilidade - de forma

pública e rigorosa – também “anti-neonazistas” cujo objetivo não é combater os

malvados dos “neonazistas”, mas, sim, exclusivamente, o de difamar determinados

grupos da sociedade. Aplique-se o preceito constitucional e a respectiva legislação

Page 54: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

54

ordinária, exatamente como se faz com os "neonazistas" (há penalização prevista para

quem difamar seres humanos – indivíduos ou coletividades – por causa de sua

nacionalidade, sua religião, sua etnia etc.)! Aqui se brinca com fogo! Além do

sentimento de pânico, de que fala o delegado Jardim, há motivos mais do que

justificados para que o povo de Teutônia seja tomado por um sentimento de indignação

– e aí a coisa pode ficar perigosa! Minha consciência me obriga a dar o alerta – mais do

que isso não posso fazer! Mas as autoridades podem e devem tomar providências! E dos

responsáveis pelos órgãos de imprensa deve-se exigir que selecionem os profissionais

que vão redigir matérias sobre esse tema – não é possível entregar a redação de assunto

tão grave a alguém cujo quociente de inteligência ou nível de conhecimento lhe permita,

no máximo, elaborar uma nota sobre a momentosa polêmica em torno do responsável

pela gravidez da “mulher-goiaba”.

Page 55: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

55

Adendo IV

(redação original de 7 de fevereiro de 2011)

Na seção “Notícias/Notas”, deste site, desenvolveu-se uma breve polêmica com a citada Adriana

Abreu Magalhães Dias. Esse material foi reunido num arquivo, o qual, pela sua total afinidade

com o tema em pauta, é apresentado a seguir.

Eco ao texto intitulado “Considerações sobre opiniões e

estudos em torno de nazismo e ‘neonazismo’ no Brasil”

Em junho de 2008, distribuí, entre pessoas conhecidas, um texto intitulado

“Considerações sobre estudos de nazismo e neonazismo no Brasil”. Como ali fazia críticas

a uma dissertação de mestrado de Adriana Abreu Magalhães Dias, defendida em 2007, na

UNICAMP, considerei meu dever fazer chegar o texto a ela, para tomar conhecimento e,

eventualmente, apresentar uma réplica. Não tendo conseguido encontrar seu endereço

eletrônico, enviei o texto a sua professora-orientadora, com o pedido de que lhe fosse

encaminhado. De forma um pouco surpreendente – pois não havia mandado meu telefone, e

ele não consta nos guias nem está registrado em meu nome, motivo pelo qual paira um

grande mistério sobre quais os “órgãos” ou “serviços” que a caçadora de “neonazistas”

acionou para obter meu telefone privado –, recebi, em minha casa, na noite do mesmo dia,

um telefonema de Adriana Dias. Sua fala consistiu num verdadeiro metralhamento verbal

sobre mim, de forma que não tive outra alternativa a não ser elevar a voz para ao menos

poder dizer algumas palavras. Diálogo não houve!

A seguir, escrevi um artigo para a revista Espaço Plural, editado pela UNIOESTE,

sob o título “Os ‘súditos alemães’ no Brasil e a ‘pátria-mãe’ Alemanha” (ano IX, n. 19,

2008, p. 67-73), no qual renovei minhas críticas à referida dissertação. Em 25 de março de

2009, Adriana Dias escreveu o texto abaixo no seu blog

http://etnografianovirtual.blogspot.com/2009_03_01_archive.html

Esse texto foi aqui adaptado por razões técnicas, inclusive com a correção de alguns

erros de digitação evidentes. Além disso, foram feitas algumas inserções minhas,

Page 56: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

56

devidamente colocadas entre colchetes. Tive o cuidado de imprimir o texto tal qual ele se

achava no blog de Adriana Dias, no dia 7 de dezembro de 2009, e posso fornecer cópias

impressas do documento. Abaixo, portanto, o texto da autora da dissertação em pauta.

o 0 o

Erros (de todos os tipos) que se pode cometer quando...

[Adriana Abreu Magalhães Dias]

Há alguns meses, recebi um e-mail de um professor do Rio Grande do Sul [René E.

Gertz – REG], questionando dados da minha dissertação de Mestrado, Os anacronautas do

teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo, defendida na UNICAMP, em 2007. Ele

o fazia por meio de um artigo no qual critica “uma pesquisa acadêmica apresentada e

avaliada por uma das mais importantes universidades do país”. Cheguei a falar com o

professor em questão, via telefone, na tentativa de esclarecer alguns pontos, que,

obviamente, ele ainda se recusa compreender. Digo, OBVIAMENTE, por conta da

publicação de um artigo seu [acima referido], no qual insiste, de maneira refratária, em

erros grotescos de análise. Como apenas esta semana tomei conhecimento desta publicação,

respondo agora.

Para construir esta dissertação, fruto de uma pesquisa de seis anos, eu desenvolvi

uma etnografia em ambiente hipermediado. Nesta, analiso 40 sites neonazistas, escolhidos

entre 13 mil localizados. Era-me impossível etnografar todos eles. Escolhi os mais

acessados nas línguas inglesa, espanhola e portuguesa, os que mais se relacionavam, por

meio de links, com outros sites da Internet, os que ofereciam mais material para “ativismo”,

disponibilizando livros, cartazes, selos, músicas e outros materiais, e os que eram

reconhecidos, pelos próprios neonazistas, dos chats, fóruns, listas de discussão e

comunidades das redes sociais, como “referências”, ou seja, sites considerados muito

importantes para o próprio movimento neonazista. Do total dos sites localizados escolhi 40.

Não houve nem um motivo especial para este número. Era apenas o número que eu presumi

possível de analisar numa etnografia.

Vamos aos comentários do professor.

Ele inicia seus comentários a meu respeito, afirmando: “mais recentemente,

recrudesceram manifestações e atos ‘neonazistas’ praticados, sobretudo, por jovens,

Page 57: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

57

incluindo a utilização da Internet para divulgar as idéias e as ações desses grupos. E é

justamente sobre esta última temática que foi apresentada uma dissertação de mestrado na

UNICAMP, no final de 2007. Trata-se de um trabalho acadêmico escrito e apresentado por

Adriana Abreu Magalhães Dias, intitulado Os anacronautas do teutonismo virtual: uma

etnografia do neonazismo na Internet”.

A respeito desse parágrafo poderia escrever um artigo.

Em primeiro lugar, os atos “neonazistas” (entendendo como neonazistas o que

defino como “neonazista” na minha dissertação: o movimento racista, que atualiza o

discurso nazista que objetiva criar “uma pátria branca”) não recrudesceram “recentemente”.

Isto vem acontecendo há cerca de trinta anos. Os dados que o senhor apresenta falam

apenas dos últimos quatro anos. E quando digo atualiza o nazismo, uso atualiza no sentido

contextualizado por Giles Deleuze. Recomendo ao professor a leitura de livros como:

FERRAROTTI, Franco. La tentazione. dell'oblio: razzismo, antisemitismo e neonazismo.

Roma: Laterz, 1993.

HOCKENOS, Paul. Livres para Odiar – neonazistas: ameaça e poder. São Paulo: Scritta,

1995.

MOYANO, Antonio Luis. Neonazis. La seducción de la svástica. [S. I.]: Editorial Nowtilus,

2004.

EZEKIEL, Raphael. The Racist Mind. New York: Penguin Books, 1995.

Em segundo lugar, o neonazismo não é um movimento “jovem”. William Pierce

morreu com 68 anos, David Lane, com 69, trabalhando ativamente no movimento,

publicando nos sites que analisei, para citar dois líderes, seguidos inclusive por militantes

brasileiros, conforme demonstra a análise dos sites pesquisados. Em que fontes o senhor foi

aferir “a juventude do neonazismo”? Quero as fontes!!!!! Ainda que jovens façam parte do

movimento, que os busca em seu proselitismo, como qualquer movimento político que

queira manter-se, a estrutura dos sites, o gasto, inclusive financeiro que esta estrutura

representa não é de um movimento simples, que possa ser simplesmente atribuído à

juventude de seus membros. Isso é que é senso comum: os “jovens” são sempre os

responsáveis pelos movimentos discutíveis? Cadê as fontes para afirmar isso?

O professor acrescenta:

“Nesse trabalho, a autora informa que existem, no Brasil, cerca de 90.000 ‘pessoas

diretamente envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disso apenas no estado de

Santa Catarina’; afirma, também, que o site Valhalla ‘tem sua sede em Santa Catarina’”.

Sobre este ponto, eu poderia escrever outro artigo.

Page 58: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

58

Na primeira parte da dissertação o que eu faço, respeitando uma das formas

canônicas etnográficas, que talvez o professor desconheça, eu situei o movimento

neonazista no Brasil e em outros lugares, de acordo com o objeto que eu recortei durante a

pesquisa, mostrando dados, oficiais, nos países que a possuem, mostrando a dificuldade de

obter os mesmos no Brasil (minha dissertação, p. 27).

No Brasil, crimes de ódio racial ainda são precariamente condensados em dados

específicos, muitas vezes caracterizados apenas como lesão corporal, injúria ou até

homicídio e não destacados como crimes de racismo, embora a Constituição Brasileira de

1988 o preveja como imprescritível e inafiançável.

Em seguida, o professor acrescenta: “Depois de falar da imigração alemã e da

suposta ou efetiva manutenção da identidade étnica alemã – quando recorre aos trabalhos

clássicos da antropóloga Giralda Seyferth –, escreve: ‘Como seus antepassados de Santa

Catarina e do Rio Grande do Sul, os internautas do neonazismo no Brasil são

separatistas...’”.

Sim, professor, os internautas adeptos do neonazismo de Santa Catarina e do Rio

Grande do Sul são separatistas. Aliás, eles o são no mundo todo. Uma das questões cruciais

do neonazismo é o separatismo, a segregação absoluta. Talvez o senhor devesse ler,

novamente, os livros que citei acerca do neonazismo. Isso não quer dizer que todo

separatista seja neonazista, ok? Afirmei que todo neonazista é separatista. É, no mundo

inteiro.

O professor prossegue: “Aqui está reproduzido o senso comum dominante de que os

‘neonazistas’ são, predominantemente – quando não exclusivamente –, de descendência

alemã. E já que o estado de Santa Catarina costuma ser etiquetado como o mais ‘germânico’

do Brasil, a plausibilidade do resultado da dissertação, com certeza, convencerá a massa de

seus leitores que, efetivamente, os ‘neonazistas’ se concentram, maciçamente, nesse estado,

e que são, majoritariamente, de descendência alemã. É evidente que essa possibilidade não

pode ser descartada como hipótese de trabalho para uma tese acadêmica. Mas, no presente

caso, há alguns aspectos que não foram solucionados de forma satisfatória, e, no mínimo,

tornam legítimo levantar a suspeita de que a influência do senso comum pode ter sido maior

do que é admissível num trabalho acadêmico crítico”.

Professor, o senhor faz uma ponte entre duas afirmações, de forma equivocada.

Veja: “uma coisa” é afirmar: “Como seus antepassados de Santa Catarina e do Rio Grande

do Sul, os internautas do neonazismo no Brasil são separatistas...”. Outra é dizer que isso

quer dizer: “Aqui está reproduzido o senso comum dominante de que os ‘neonazistas’ são,

Page 59: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

59

predominantemente – quando não exclusivamente –, de descendência alemã. E já que o

estado de Santa Catarina costuma ser etiquetado como o mais ‘germânico’ do Brasil, a

plausibilidade do resultado da dissertação, com certeza, convencerá a massa de seus leitores

que, efetivamente, os ‘neonazistas’ se concentram, maciçamente, nesse estado, e que são,

majoritariamente, de descendência alemã”.

Quem diz isso é o senhor, não eu. O que eu afirmo é que o estado que mais acessa

sites neonazistas no Brasil é Santa Catarina. Isso foi aferido, como eu escrevi

exaustivamente no meu capítulo acerca da metodologia, por análise de tráfego e por

análises das postagens dos fóruns! No site Valhalla88 há fotos de internautas realizando

práticas neonazistas (como colagens de cartazes com mensagens pró-Hilter, por exemplo,

com emblemas de suásticas), em lugares conhecidos de Santa Catarina. Como afirmei,

tenho os sites em pdf, inteiros. Agora, afirmar que os internautas separatistas são

descendentes de alemães, predominantemente, fica por sua conta. O que eu afirmo, em

vários momentos da dissertação, é bem diferente (minha dissertação, p. 24). No quarto

capítulo, LA PENSÉE NAZISTE, dialogo com o estruturalismo para problematizar duas

direções de sustentação da tentativa de construir uma “germanidade”, um “teutonismo”: por

um lado os sites se fundamentam em uma discussão acerca “do sangue”, por outro,

recuperam mitos, atualizando-os (minha dissertação, p. 102). Pensando-se germânicos

(como os estadunidenses e brasileiros) ou se atribuindo o lugar de filhos da Europa e,

portanto, irmãos de sangue dos mesmos (como os espanhóis e portugueses do NuevOrdeN e

seus camaradas latino-americanos, nos quais se incluem os brasileiros brancos, que, não se

identificando com a origem alemã, se acham portadores do “sangue ariano”), os internautas

que produzem os sites pesquisados os pensam como um lugar privilegiado para sua

ideologia. Isto é patente, desde a Home de cada Site. Uma nova casa para os verdadeiros

alemães, é isso que se pretenderiam os sites [sic – REG].

E, sendo eles, todos alemães, como constroem este “teutonismo virtual”? (minha

dissertação, p. 219). Por isto, eles constroem sites, participam de grupos de discussão, criam

vídeos, compram cds e livros e, principalmente, odeiam seus inimigos, uma marca quase

genômica deste sangue. Este último, sua memória e seu devir. Anacrônicos viajam, pelos

links de seu ódio, rumo a seu teutonismo virtual.

Inclusive, professor, uso a teoria psicanalítica, numa aproximação com a

antropologia para denominar as construções do universo simbólico neonazista, incluso sua

“germanidade virtual”, sua “teutonia virtual” para tecer um conceito: o de paranóia

construída socialmente.

Neste ponto aparece a grande construção equivocada...

Page 60: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

60

“Um primeiro questionamento se refere às fontes da autora a respeito dos números

sobre os ‘neonazistas’ no Brasil, em geral, e em Santa Catarina, em particular – um único

site de uma ONG antirracista. Verbalmente, a autora tem insistido que suas pesquisas nos

sites ‘neonazistas’ mostraram que as afirmações quanto aos números sobre Santa Catarina e

quanto à origem étnica dos ‘navegadores’ de Internet, naquele estado, são verdadeiras. Mas

no corpo da dissertação, acessível ao público, não há nem explicitação da metodologia da

pesquisa para chegar a esses números, e, muito menos, dados concretos que comprovassem

as afirmações – nem no texto em si nem nos anexos. Isso sugere que a convicção

previamente internalizada a partir daquilo que é considerado líquido e certo pelo senso

comum levou a uma certa despreocupação com provas”. E na nota, postada após a ONG

anti-racista, acrescenta: “Na página 35, nota 42, a autora escreve: ‘Grande parte dos dados

acerca do neonazismo no Brasil se refere a dados citados na Web pelo sociólogo Túlio

Kahn, Pesquisador do ILANUD – Instituto Latino-Americano para a Prevenção de Delito e

Tratamento do Delinquente (http://ilanud.org.br/), órgão das Nações Unidas voltado para o

combate à criminalidade na América Latina’. Na dissertação, não é apresentada outra fonte

sobre o número de ‘neonazistas’ no Brasil e em Santa Catarina”.

Aqui os erros parecem chegar à beira do absurdo. Mas, como acredito que o senhor

não deva ter motivações políticas duvidosas [e acredita corretamente – REG], e esteja, ainda

que de maneira totalmente equivocada, tentando se aproximar do meu texto, vamos

responder:

Não, professor, os meus dados a respeito dos neonazistas no Brasil não vem, como

eu lhe disse no telefone, da ONG. Eles foram aferidos pela análise de trafego, feita por

portais como o Alexa. Foram aferidos pelos posts publicados nos fóruns e comunidades,

pelos dados de acesso de cada site, disponíveis na internet. Provavelmente o senhor não tem

nem ideia de como aferir um tráfego na Internet. Também não deve dominar análise de

postagens de fóruns. Mas, eu tenho. Desenvolvo sites e sistemas para a Web há anos. E

verbalmente, eu insisti que minhas pesquisas nos sites “neonazistas” mostraram que as

afirmações quanto aos números sobre Santa Catarina foram aferidos pela análise dos sites e

dados de tráfego, e, portanto, os confirmo, mas, quanto à origem étnica dos “navegadores”

de Internet, o que eu afirmei foi (minha dissertação, p. 46). Conheço a Alemanha de todos

os meus informantes apenas por seus múltiplos relatos. E pretendo discutir como eles criam

e recriam esta Alemanha. Como recriam Adolf Hitler, como recriam seus símbolos, sua

bandeira, sua fé no nacional-socialismo.

E a nota? O que dizer da nota, tirada de seu contexto, sabe lá com que intenção?

[êpa, há pouco, a autora acreditava que eu não tinha “motivações políticas duvidosas” –

Page 61: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

61

REG]. A nota da página 35 (a dissertação tem 219 páginas, sem os anexos) se refere ao

dado discutido na apresentação dos dados acerca do neonazismo no Brasil e no mundo,

estimados por outros pesquisadores e instituições. Os meus dados foram aferidos pelo

tráfego, pela participação nos fóruns. Isso está, repito, exaustivamente explicado na

explicação metodológica. Parece que o senhor pulou esta parte, foi isto?

Afirmar que, na dissertação, “não é apresentada outra fonte sobre o número de

‘neonazistas’ no Brasil e em Santa Catarina”, eu espero que seja um erro grosseiro, e não

um ato político... E os dados de tráfego, os links do Valhalla88, mapeados à exaustão, e os

posts das comunidades dos meus bancos de dados? O senhor leu a parte metodológica?

Quando o senhor coloca "sites neonazistas" entre aspas, por que o faz? [há pouco, a autora

acreditava que eu não tinha “motivações políticas duvidosas”, e agora, de repente, faz uma

pergunta dessas? – REG]. Estes sites são tidos como "neonazistas" por autoridades

governamentais, intelectuais, internautas...

Não entendi estas aspas!

O professor acrescenta: “Mas no corpo da dissertação, acessível ao público, não há

nem explicitação da metodologia da pesquisa para chegar a esses números, e, muito menos,

dados concretos que comprovassem as afirmações – nem no texto em si nem nos anexos.

Isso sugere que a convicção previamente internalizada a partir daquilo que é considerado

líquido e certo pelo senso comum levou a uma certa despreocupação com provas”.

Esta daria uma tese. Em primeiro lugar afirmar que "não há nem explicitação da

metodologia da pesquisa para chegar a esses números”, é demonstrar um total

desconhecimento de como se faz etnografia no virtual. Talvez seja este o grande

problema!!!!!!!

Minha metodologia, professor, como eu afirmei exaustivamente na dissertação

levou em conta a análise cibermétrica, a análise do trafego, a etnografia dos sites. O senhor

poderia ler um pouco a respeito disso, por favor, antes de continuar seu discurso?

O senhor leu os sites neonazistas, professor?

Leu todas as URLs deles? Eu li. Inclusive coloquei todos eles, junto com os dois

bancos de dados, qualitativos e quantitativos, construídos para a pesquisa, no cd que

acompanha a dissertação, entregue à banca examinadora, e que não é disponibilizado pela

UNICAMP, e nem poderia ser...

Não que este CD seja indispensável para entender a dissertação, pois estou certa de

que fui bem sucedida na construção metodológica. Mas talvez o senhor quisesse ler as

Page 62: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

62

páginas dos sites... e procurar nelas o que o senhor toma como “senso comum”, por

desconhecer completamente a metodologia de etnografia virtual.

O professor continua:

“Mas há ainda outros indícios que poderiam ter despertado na autora da dissertação

a necessidade de uma pesquisa mais profunda e sistemática para tentar confirmar

(eventualmente, refutar – mas, no mínimo, nuançar) os resultados. Um primeiro indício

desses é o fato de que uma investigação simples de Internet – afinal, o instrumento utilizado

pela autora – aponta para o registro de muito mais incidentes “neonazistas” no Rio Grande

do Sul e no Paraná do que em Santa Catarina”.

Parece um programa de Monty Python!

Professor, de novo, a análise de tráfego confirma os dados. Mais que isto, ela amplia

os dados. O acesso de endereços únicos de IP ao site Valhalla88 foi muito maior que os

dados das ONGs [Adriana, eu acessei esse site várias vezes – estou contabilizado entre os

“neonazistas” brasileiros? – REG].

Agora a parte que eu mais gosto do seu comentário, a mais divertida:

“Um primeiro indício desses é o fato de que uma investigação simples de Internet – afinal, o

instrumento utilizado pela autora – aponta para o registro de muito mais incidentes

‘neonazistas’ no Rio Grande do Sul e no Paraná do que em Santa Catarina”.

Esta é muito engraçada. Muito mesmo.

O que é “uma investigação simples de Internet”, uma “investigação no Google”

como o senhor sugere no seu primeiro artigo?

O texto, que me foi enviado pelo e-mail dizia: “Lida a dissertação e sentindo certo

grau de incompletude na mesma, naquilo que me interessa, de forma específica, isto é, o

possível caráter exclusivamente (ou mesmo só predominantemente) ‘alemão’ do

‘neonazismo’, recorri – logo após a leitura – ao instrumento que Adriana Dias privilegiou

em sua pesquisa, a Internet. Coloquei no Google as palavras ‘neonazistas’ mais ‘Santa

Catarina’”. O grifo é meu [de Adriana Dias – REG].

Professor, eu não “investiguei no Google”. Eu localizei mais de treze mil sites,

escolhi quarenta, e etnografei estes quarenta. São duas coisas completamente diferentes.

Quanto o senhor se recusará a entender isto?

E agora a maior afirmação: “afinal, o instrumento utilizado pela autora”.

Page 63: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

63

Professor, não confunda objeto e método. A Internet foi o campo de pesquisa, não o

instrumento utilizado. O que eu fiz foi uma etnografia, uma etnografia em ambiente hyper-

mediado.

Como assim, trocar o método pelo campo, e tudo bem?

Mas o senhor continua: A tal simples investigação, no Google (que o senhor fez,

não eu) – “aponta para o registro de muito mais incidentes ‘neonazistas’ no Rio Grande do

Sul e no Paraná do que em Santa Catarina”.

Ótimo tema para o seu próximo artigo. A minha dissertação não se preocupa com

esta questão. Não estudei a maior ou menor incidência de “incidentes” neonazistas por

estado.99 Quando o senhor terminar a pesquisa manda uma cópia? [Apesar dessa afirmação,

a autora afirma, categoricamente, que metade dos "neonazistas" brasileiros estão em Santa

Catarina – e não no Rio Grande do Sul ou no Paraná – e, portanto, faz uma afirmação muito

clara sobre a distribuição geográfica de "incidentes" "neonazistas", sim – REG].

Os equívocos se prolongam:

“Um segundo indício significativo é que, nos dois primeiros estados, a presença

dominante – e, muito menos, exclusiva – de sobrenomes alemães entre os envolvidos em

atos de ‘neonazismo’ não pode ser provada, pelo contrário, pois entre os ‘neonazistas’

presos ou fichados pela polícia predominam, amplamente, os sobrenomes de outras origens

étnicas”.

Professor, em que lugar o senhor conseguiu estes dados? O Senhor teve acesso a

todos os crimes neonazistas nestes estados, na Polícia e/ou tribunais? Eu pergunto, porque

tive acesso a muitos e foi bem difícil encontrá-los, até porque afirmo em minha dissertação

que os crimes neonazistas não classificados como “crimes neonazistas”. Se o senhor puder

fornecer a fonte de todos os “atos de neonazismo”, para que se possa verificar se a maioria

se encaixa no que o senhor afirmou eu agradeceria... [isso é metafísica pura – REG].

O professor continua:

“Nesse sentido, a lista do ‘núcleo duro’ do ‘neonazismo’ paranaense apresenta a

seguinte nominata: Anderson Marondes de Souza, André Lipnarski (‘Pinduka’), Bruno

Paese Fadel, Drahomiro Michel Romanowski Carvalho (‘Gavião’), Eduardo Toniolo Del

Segue (‘Brasil’), Edwiges Francis Barroso (‘Franciele’), Estela Herman Heise, Fernanda

99

A internet registra uma palestra de Adriana Dias sob o título “Neonazismo no Brasil: mapeando o

perigo e as defesas possíveis” (http://www.rumoatolerancia.fflch.usp.br/node/1192), e no programa há

itens como: “Em que regiões se concentram e como atuam no território brasileiro?”. Dentro de nossa

tradicional racionalidade ocidental, fica absolutamente impossível compreender como essa pessoa possa

afirmar “não estudei a maior ou menor incidência de ‘incidentes’ neonazistas por estado”!!!!!! [Nota de

REG].

Page 64: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

64

Keli Sens, José Carlos Domingues dos Santos (‘Cazé’), Lílian Regina de Brito, Raul Astutte

Filho, Valmir Dias da Silva Machado Jr.” (cita como fonte notícia da Folha de São Paulo).

Professor não se cita algo assim tão fora de contexto! [por favor, mais metafísica –

por que esses dados estão “fora de contexto”? – REG]. Mas, vamos lá, eu apresentei o

evento que envolve um pequeno grupo, liderado (como é indicado nas notícias e no

processo criminal do caso) pelo professor de jiu-jitsu Eduardo Del Segue, não para afirmar

ancestralidades alemãs, nem para desafirmá-las [e eu não contestei isso – REG]. Utilizei o

caso para discutir a noção de evento de Mikhail Bakhtin, pela análise deste evento dentro

dos sites. Como os sites neonazistas reagiram à cobertura da imprensa, aos processos

judiciais, em seu discurso? Como este caso, no qual o líder ensina o filho a denominar a

foto de Hitler de “vovô”, é discutido nos sites analisados? Como um site elabora um evento

como este?

Estas foram as minhas perguntas. No contexto.

A propósito, qual a intenção de tirar este caso, e as outras “citações” da minha

análise do contexto? [“pela madrugada”, que “contexto”? – REG].

E, para relembrar, minha dissertação descreve como eles se deliram alemães...

“Tudo isso não elimina a possibilidade de que a maioria dos ‘neonazistas’, efetivamente, se

concentre em Santa Catarina e de que, ali, todos eles tenham sobrenomes alemães. Mas

parece que o fato de que a autora da dissertação em questão estava muito influenciada por

um senso comum praticamente unânime a levou a despreocupar-se com provas mais

consistentes em relação às suas afirmações – e nem se deu conta dos indícios de que a

equação não é tão líquida e certa quanto parece”.

Professor, parece que é o senhor que está influenciado por alguma coisa: pelo

desconhecimento total do que seja uma etnografia virtual, pelo senso comum [de] que “todo

neonazista é jovem”, por fontes que não discute [que fontes? perguntar por fontes é um

direito meu, quando, no final do texto, a autora invoca a autoridade de antropólogos não-

nominados – REG], por confundir internet como campo e como método...

“Em conclusão, a dissertação mostra que a convicção sobre o caráter problemático

da inserção dos descendentes de alemães na realidade brasileira continua tão

inabalavelmente presente no imaginário de uma parcela significativa da opinião pública

brasileira que até a qualidade de pesquisas acadêmicas pode ser afetada por ela”.

Bem, professor, lastimável. O senhor poderia ter percebido que quem faz isso são os

sites, não a minha dissertação. Eles, sim, se aproveitam deste imaginário para descrever a

“pátria branca” como a “grande Alemanha”, como “a nova Alemanha”, como “a verdadeira

Page 65: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

65

Alemanha”. Talvez se o senhor tivesse tido mais cuidado em ler o que eu escrevi teria

percebido isto. Teria pensado no título da dissertação em que “teutonismo virtual” se refere

a uma germanidade “imaginada” “delirada”, como eu escrevi, como, enfim, prática discurso

(este também uma prática) nos sites neonazistas...

Por fim, escreve...:

“Talvez, pela mesma razão, historiadores, sociólogos e antropólogos não têm

enxergado aspectos, no mínimo, interessantes que caracterizam as comunidades formadas a

partir do processo de colonização com alemães, italianos e poloneses, no sul do Brasil –

justamente no campo político-cultural. Essas comunidades apresentam uma configuração

relativamente democrática, do ponto de vista social, pois tiveram sua origem num sistema

nivelador de pequenas propriedades agrícolas”.

Posso dizer pouco dos outros, por desconhecimento, mas os antropólogos brasileiros

têm escrito grandes livros acerca disso. O senhor tem certeza que os leu? [será exagerado

interpretar essa afirmação e a pergunta que a acompanha como querendo dizer que os

antropólogos não-nominados demonstram que a referida população efetivamente não presta

mesmo, para dizê-lo de uma forma condescendente? – REG].

“Ao contrário daquilo que a maioria das pessoas pensa, nos municípios em questão,

a participação política da população é intensa, com destaque para a representação das

mulheres, a distribuição da renda é bastante equitativa, as administrações municipais têm

recebido avaliações positivas em pesquisas regulares de âmbito nacional, o nível de

educação está entre os melhores do Brasil, a tolerância política e religiosa é muito maior do

que o senso comum imagina”.

Terminando com a nota: “Cf. algumas referências concretas nessa direção em

GERTZ, René E. Como é possível continuar escrevendo História Política? Anos 90, Porto

Alegre: UFRGS, vol. 13, n. 23/24, p. 122-128, 2006”.

Professor, não estudei este tema, então eu lhe dou exemplo: não falo a respeito do

que não conheço. Mas que seria uma boa propaganda para o seu trabalho, não fossem os

erros grosseiros... ah, isso seria.

Bem, agora que respondi o artigo do professor, recupero algumas questões da

etnografia do virtual que desenvolvi:

A etnografia que desenvolvi se deu em 40 sites. Estes sites foram localizados,

transformados em PDF (e claro, acompanhei as mudanças que se sucederam após isto),

analisados pelos índices qualitativos da cibermétrica, do controle de trafego do Alexa e de

dois bancos de dados, por mim desenvolvidos para análise.

Page 66: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

66

Objetivei duas coisas centrais na dissertação: discutir o que é uma etnografia virtual

e que questões metodológicas, empíricas e teóricas esta levanta. Em segundo lugar,

objetivei discutir como os neonazistas falam sobre si. Interessam-me suas práticas e seus

discursos (lidos também como práticas), interessa-me saber por que se “deliram alemães”,

como “constroem sua religião racial”, como creditam a seu ódio um lugar de destaque.

Interessa-me problematizar como atualizam o neonazismo, como defendem o racismo e o

revisionismo, como vendem camisetas com estampas hitleristas. Interessa-me etnografar o

neonazismo.

Não estou fazendo história política. Estou fazendo etnografia. E estou satisfeita com

o trabalho etnográfico que realizei, eu e a banca que me examinou. Digo isto porque, ao

julgar esta dissertação, o senhor julgou a banca que me examinou, a orientadora que eu tive,

o programa de qual faço parte, a universidade que o mantém. Não sei se foi por ignorância

ou postura política [lá em cima a autora havia partido do pressuposto de que eu não persigo

“motivações políticas duvidosas” – REG].

Mas, aqui reafirmo minha etnografia. Acho as discussões que nela expus

extremamente importantes. Acho um absurdo que o racismo volte a crescer desta forma,

com este discurso nazificado.

Reafirmo a metodologia de análise dos sites, não como “uma simples investigação

na Internet”, mas como uma análise de um importantíssimo artefato cultural, a Internet,

como produtor de conteúdos simbólicos importantes.

Leia de novo, professor...:

http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000419685

[até aqui o texto de Adriana Dias]

o 0 o

Depois de passar por essa catilinária, o leitor não terá nenhuma dificuldade em

imaginar aquilo que essa moça me disse ao vivo – via telefone –, na noite do próprio dia em

que fiz chegar a ela meu texto sobre nazismo e “neonazismo”, com a crítica ao seu trabalho.

Nesse sentido, convém lembrar que a manifestação que acaba de ser citada foi produzida,

por escrito (!), cerca de nove meses depois do contato telefônico.

Como não sabia da existência do blog de Adriana Dias, não tomei conhecimento

desse seu comentário. Mas continuei trabalhando na versão do meu texto, que havia enviado

Page 67: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

67

a colegas e à própria Adriana, em função de sugestões dadas por alguns leitores, pela

ocorrência de novos fatos e pela descoberta de novas fontes. Dessa forma, lá pela metade do

ano de 2009, o texto mais ou menos duplicara de tamanho. Mas foram, sobretudo, fatos

ocorridos no primeiro semestre do citado ano que me levaram à decisão de abrir um site

para publicizar meu texto. Assim, em novembro de 2009, entrou no ar meu site

http://www.renegertz.com, no qual disponibilizei o texto em sua nova versão, com o título

um pouco modificado. Após essa divulgação, encontrei, por acaso, o comentário de Adriana

Dias, que, então, coloquei no meu site, na forma acima transcrita, antecedido do seguinte

comentário de minha autoria.

o 0 o

Dentro do texto “Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo e

‘neonazismo’ no Brasil”, publicado na seção OPINIÃO deste site, há referências a

entrevistas e, sobretudo, a uma dissertação de mestrado de Adriana Abreu Magalhães Dias

(p. 28-35; mais uma rápida referência na p. 41, nota 76). Em 25 de março de 2009, Adriana

Dias publicou um comentário sobre uma versão anterior desse texto, porque eu seria

refratário “em [reconhecer meus] erros grotescos de análise”, ao divulgar um artigo com as

mesmas referências críticas ao trabalho dela (o link para meu artigo está neste site – “Os

‘súditos alemães’ no Brasil e ‘pátria-mãe’ Alemanha”). Infelizmente, a publicação do

comentário não chegou ao meu conhecimento, na época, coisa que só aconteceu agora,

depois que meu site entrou no ar. Para que eventuais interessados no assunto possam formar

sua própria opinião, publico no “Leia mais” abaixo o texto do comentário da autora. Em

relação a essa publicação, destaco que: 1º) o texto de Adriana Dias sofreu, por razões

técnicas, algumas pequenas adaptações na sua formatação, com a correção de falhas de

digitação evidentes, a colocação de aspas nas passagens que reproduzem meu texto, o

acréscimo de alguns comentários rápidos (entre colchetes e devidamente identificados –

mas se alguém tiver dúvidas, pode recorrer ao original, no link que encima o texto); 2º)

quanto ao comentário em si, não há nada a dizer ou a fazer (só para exemplificar: a pergunta

pelas motivações [escusas?] que poderiam ter-me levado a colocar aspas na expressão “sites

neonazistas” é patética! – sem ter imaginado que pudesse vir a ser vítima de insinuações

desse calibre, apus, à segunda versão do texto, que está neste site, a nota de rodapé 45, onde

explico o porquê das aspas; da mesma forma, é patética a exposição pública de minha

ignorância sobre a existência de um “neonazista” de 69 anos, no Cazaquistão – quando eu

imaginei que, no Brasil, todos fossem jovens); 3º) a autora me acusa de “ao julgar esta

Page 68: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

68

dissertação, o senhor julgou a banca que me examinou, a orientadora que eu tive, o

programa de qual faço parte, a universidade que o mantém. Não sei se foi por ignorância

ou postura política” [o destaque é meu – REG]. Peço aqui desculpas públicas à

orientadora, à banca e à própria direção da Universidade de Campinas, caso outras pessoas

tenham feito essa “leitura” do meu texto; fui claríssimo em dizer que não estava avaliando a

dissertação em si, como um todo, mas apenas aquelas passagens a que estava me referindo

(e que estão claramente identificadas no meu texto) [cf. a nota 38, na primeira versão, e a

nota 60, na versão que está neste site]; e, nesse sentido, sim, escrevi que considero perigosas

determinadas manifestações em teses acadêmicas, também aquelas apresentadas em

universidades renomadas, pelos efeitos práticos que podem ter; tentando ser didático, citei o

exemplo (hipotético) da idade de Abraão – sim, eu continuo insistindo que uma simples

insinuação de que o patriarca teria vivido 175 anos graças à ingestão diária de doses de 20g

de arsênico é um perigo, ainda que essa insinuação se encontre na última notinha de rodapé

de uma tese brilhante da UNICAMP (e foi só isso que eu quis dizer, e mantenho); Adriana

Dias afirma, categoricamente, em todas as entrevistas publicadas que cito no meu texto e

também na dissertação, que Santa Catarina abriga 45.000 “neonazistas”, a metade de todos

os que existiriam no Brasil – em nenhum momento dos trechos por mim referidos ela fala

de intensidade de tráfego de Internet “neonazista” naquele estado, mas fala, de forma

clarissíssima, em números (absolutos) de “neonazistas” em carne e osso [“pessoas

diretamente envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disso apenas no

estado de Santa Catarina” – está na dissertação, p. 35!, onde qualquer pessoa alfabetizada

pode encontrar a frase, isso sem falar na sua repetição em todas as entrevistas citadas no

meu texto]; e isso é perigoso, ainda que seja verdadeiro, mas, sobretudo, é perigoso diante

da ausência de provas contundentes de que, de fato, é assim; quem tiver lido a íntegra do

meu texto se terá convencido da concretude desse perigo; 4º) de alguma forma relacionado

com esta última questão, a certa altura do meu texto, afirmo que sobre as populações de

origem alemã do sul do Brasil – em especial do Rio Grande do Sul, parte de meus estudos –

circulam muitas opiniões desabonadoras, principalmente na perspectiva político-cultural,

mas que eu tenho apontado, justamente neste campo, para fatos em direção inversa. À

passagem em que faço essa observação, Adriana Dias apôs o seguinte comentário: “Posso

dizer pouco dos outros, por desconhecimento, mas os antropólogos brasileiros têm

escrito grandes livros acerca disso. O senhor tem certeza que os leu?” Eu ficaria muito

grato se a própria Adriana pudesse interpretar essa observação, e, sobretudo, citar quais são

os antropólogos a que alude, para poder certificar-me de que aquilo que tenho escrito

ultimamente sobre o tema está definitivamente refutado pela bibliografia antropológica.

Page 69: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

69

Parte do público pode ser ludibriada com a invocação da autoridade de antropólogos não-

nominados, mas o debate sério não pode avançar com a utilização dessa técnica de

despistamento.

o 0 o

Em março de 2010, numa visita ao blog de Adriana Dias, constatei que ela havia

tomado conhecimento desse meu texto acima, havia colado o cabeçalho de meu site junto

ao comentário dela de 25 de março de 2009, e feito um novo comentário. Infelizmente, não

copiei esse novo comentário, mas era relativamente breve e – quanto ao conteúdo –

reafirmava que suas afirmações sobre o número de “neonazistas” em Santa Catarina se

baseavam na medição do volume de tráfego feito em sua pesquisa para a dissertação. Como

o novo texto apresentava uma linguagem não mais tão agressiva quanto o primeiro,

publiquei, em 19 de março de 2010, a nota abaixo, em meu site.

o 0 o

Adriana Dias reagiu à nota acima. Copiou-a para seu blog, junto à matéria que a

motivara, com data de 25 de março de 2009 (informando, porém, que meu texto é recente).

Não publicou as observações que eu inseri na matéria dela, entre colchetes. Mas isso não

constitui problema maior. O fato de que tenha publicado minha nota – onde peço desculpas

públicas às pessoas envolvidas na orientação e na avaliação de sua dissertação de mestrado,

mas também renovo minhas críticas a ela – é um bom sinal. Esta publicação não está mais

acompanhada de uma debochada catilinária sem qualquer nexo, como foi seu comentário

anterior. A reprodução de meu texto é seguida, agora, de uma observação breve,

relativamente equilibrada, em que Adriana reafirma, sobretudo, que sua aferição de que

Santa Catarina abriga 45.000 “neonazistas”, a metade de todos os que existiriam no Brasil,

está correta, a partir da análise da intensidade de tráfego “neonazista” na internet, no estado.

Diante desse fato, vejo perspectivas de diálogo, desde que Adriana cumpra as seguintes

preliminares:

1º) Leia com atenção a íntegra do texto principal e dos rodapés de minhas

“Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo e ‘neonazismo’ no Brasil”

(na versão em que se encontra neste site). É fácil de fazê-lo: é só baixar o arquivo para o

computador, e ler com calma – e não exige qualquer conhecimento técnico especializado.

Page 70: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

70

Leia também a terceira “Nota” da categoria “Notícias”, do meu site. Depois disso, me diga

se não estamos no mesmo barco, preocupados com os mesmos brutais preconceitos que

vigoram na sociedade brasileira? Como já destacara em meu pequeno texto de 1993 sobre

“separatismo e antirrazão” – o link para acessá-lo está no site –, infelizmente, muitos

daqueles que se dizem antirracistas são muito mais racistas do que aqueles que eles dizem

estar combatendo. Pode-se imaginar coisa pior do que o exemplo que está no meu texto de

um cidadão que escreveu três longas reportagens para denunciar o racismo no futebol

gaúcho, e recorreu a falsificações histórico-geográficas para responsabilizar os “alemães”

do estado por esse mal? Lamentavelmente, quem manifesta qualquer crítica sobre esse tipo

de atuação irresponsável é, imediatamente, desqualificado como racista, “neonazista”,

também. E quanto ao pequeno texto da “Nota”, o que você, Adriana, diria ou faria se uma

65 instância estatal (!) convocasse a imprensa para comunicar que desencadeou uma grande

operação de busca e apreensão, deixando claro na denominação da mesma que essa

operação visava ao suposto ou efetivo líder “judeu” de uma quadrilha? Na sua opinião,

quando o suposto ou efetivo líder é “alemão” – como no caso em pauta – pode? Leia, e me

responda, é a primeira condição para um diálogo.100

2º) Peço uma explicação sobre a seguinte frase, que você escreveu, no comentário

de 25 de março de 2009, logo depois de minha referência no sentido de que pesquisas não

confirmam as recorrentes manifestações generalizadamente desabonadoras sobre as

populações de origem alemã no Rio Grande do Sul, na perspectiva político-cultural: “Posso

dizer pouco dos outros, por desconhecimento, mas os antropólogos brasileiros têm escrito

grandes livros acerca disso. O senhor tem certeza que os leu?” Peço desculpas se minha

100

A referência, aqui, é a seguinte nota publicada no meu site: “Um dos objetivos deste site é o de dar

uma contribuição – por mínima que seja – na tentativa de ‘desconstruir’ preconceitos. Nesse sentido, a

imprensa deste estado (RS) noticia, no dia de hoje (10/12/2009), uma operação da Polícia Federal contra

o ex-reitor da ULBRA e seus supostos ou efetivos cúmplices. No noticiário, se afirma que a operação

levou o nome de ‘Kollektor’, e que essa seria uma palavra alemã para ‘colecionador’ (numa alusão óbvia

a Ruben Becker e sua coleção de carros antigos). Tenho certeza de que Ildo Gasparetto, Delegado

Regional da Polícia Federal, não teria gostado muito se uma operação de busca e apreensão da Brigada

Militar ou da Polícia Civil gaúcha, em Cinquentenário (Tuparendi), tivesse recebido o nome de ‘Il

collezionista’. No presente caso, o mínimo que se pode dizer, naquilo que tange à denominação da

operação, é que a escolha não foi de todo feliz. Imagino que as pessoas que escolheram esse nome não se

deram conta da extensão dos preconceitos que grassam na sociedade gaúcha (recomendo ler meu texto da

seção OPINIÃO), de forma que uma parte significativa da população estabelecerá uma conexão entre as

supostas ou efetivas irregularidades cometidas pelo ex-reitor com seu sobrenome alemão. Até a utilização

de denominações como ‘Wittenberg’ ou ‘Wartburg’ (locais que lembram o luteranismo) teria sido

compreensível, pois, afinal de contas, a operação visava ao ex-reitor da Universidade Luterana do Brasil

(ainda que também essas denominações teriam sido, de todo, desrecomendáveis), mas o recurso a uma

denominação que alude à origem étnica da figura central do episódio foi (repito), no mínimo, pouco feliz.

Isso sem considerar certo prejuízo pedagógico, porque qualquer professor de alemão ensina que a palavra

usual para ‘colecionador’ é ‘Sammler’”.

Page 71: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

71

inteligência é parca, mas eu tenho o maior interesse em saber que você quis dizer com essa

observação!

3º) Como corolário da questão anterior, tenho o maior interesse em saber quem são

esses antropólogos, e quais são seus livros?

Imagino que, sobretudo, a partir da leitura integral do meu longo texto (43 páginas) você se

convencerá de que não escrevo por “motivações políticas duvidosas” (como você insinuou

no seu texto), que não tenho militância política alguma, que não sou financiado por

ninguém, ganhando exclusivamente meus salários de professor, que não sou porta-voz de

nenhuma tribo, de nenhum grupo, de nenhuma associação, mas exclusivamente de minha

consciência, que não sou panfletário (trabalho há décadas em duas grandes universidades, e

nunca alguém levantou esse tipo de desconfiança em relação a mim).

Satisfeitas essas condições, podemos abrir um diálogo, que pode vir a ser produtivo,

sobre as seguintes questões, e outras:

a) O tráfego de internet representa um indicador seguro sobre o número de

“neonazistas” “em carne e osso” em determinada região? O acesso a um site “neonazista”

indica que o “navegador” é “neonazista”?

b) A localização do site Valhalla88 em Santa Catarina não terá tido nenhuma

influência sobre a intensidade do tráfego, no estado?

c) Por que na citada reportagem da revista Istoé (nota 76 do meu texto) é dito que

você indica pistas sobre o número de “neonazistas” no Brasil, mas não se lhe atribuem

números; e quando a revista se refere a números, esses se reduzem dos seus insistentemente

propalados 90.000 a magérrimos 350 (!)?

d) Como se pode explicar o fato de que com menos “neonazistas” no Rio Grande do

Sul a imprensa traz significativamente mais notícias de ações “neonazistas” neste estado do

que em Santa Catarina?

e) Serão os “neonazistas” de Santa Catarina diferentes daqueles do Rio Grande do

Sul?

f) Há como dizer algo sobre a origem étnica dos “neonazistas” de Santa Catarina

(porque, entrementes, não mais presumo, mas afirmo, que entre os do Rio Grande do Sul os

“alemães” estão sub-representados; isso, sem falar do fato de que há ao menos indícios de

algo semelhante no Paraná)?

o 0 o

Page 72: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

72

Propositalmente, não visitei o blog de Adriana Dias por cerca de um mês. Uma discussão

produtiva deve tentar evitar os impulsos do imediatismo, o “calor da hora”. Mas quando

voltei a ele, em abril de 2010, não encontrei mais nenhuma referência a minha pessoa.

Todas as anotações do dia 25 de março de 2009 foram retiradas, e não encontrei nada a

respeito em qualquer outra data, até este momento (10/5/2010).

Page 73: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

73

Adendo V

(redação original de 10 de maio de 2011)

O texto que segue foi publicado na seção “Notícias/Notas” do meu site, sob o título “Jair

Krischke ensina coisas fantásticas ao delegado Paulo Cesar Jardim”, versão original do dia 7 de

maio de 2011. Para que os principais textos em torno do assunto se mantenham unidos, ele é

publicado também neste arquivo.

Mais ou menos quatro anos atrás, quando comecei a colher informações sobre

“neonazismo”, encontrei muitas referências ao delegado Paulo Cesar Jardim,

apresentado como o principal conhecedor do tema, no Rio Grande do Sul. Em 2008,

pedi-lhe uma audiência, no intuito de colher informações mais gerais, e, sobretudo,

saber se os atos classificados como “neonazistas” tinham algo a ver com a “colônia

alemã”. Fiquei uma tarde inteira na delegacia em que trabalha, e ele me deu acesso a

uma grande quantidade de informações. Eu tinha receio de questioná-lo sobre sua visão

em torno do envolvimento – ou não – da “colônia alemã”, pois isso poderia afetar

minha busca de dados, e até gerar desconfiança de sua parte. Só quase ao final da tarde,

a conversa direcionou-se para esse aspecto, e eu pude inquiri-lo, de forma mais ou

menos natural, sobre isso. Naquele momento, ele foi categórico em dizer que nem os

lugares em que os “neonazistas” se manifestam estão na “colônia” nem os indivíduos

envolvidos são “alemães”. Como eu lhe havia explicado que meu interesse pelo tema

derivava da minha longa tradição de estudos sobre a presença nazista no Brasil, durante

a década de 1930, na despedida, me disse que, para estudar o “neonazismo”, eu deveria

“trocar de canal”, expressão que interpretei como pretendendo dizer que não havia

relação entre a presença nazista dos anos 1930 e o “neonazismo” atual, no Rio Grande

do Sul.

Depois da visita, concluí a primeira versão do texto “Considerações sobre

opiniões e estudos em torno de nazismo e ‘neonazismo’ no Brasil”, e lhe enviei o

arquivo, através do endereço de correio eletrônico que ele me fornecera. Aguardei

alguns dias, e fiz uma ligação telefônica para ouvir sua opinião. Disse que estava em

reunião, e não poderia conversar comigo. Esperei mais alguns dias, e fiz nova ligação.

Page 74: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

74

Mais uma vez, não podia atender-me. Como eu não tinha nenhuma possibilidade de

aferir se ele, de fato, esteve ocupado, nas duas ocasiões em que tentei o contato, ou se

não pretendia falar comigo, porque discordasse do conteúdo do meu texto, ou por outra

razão, desisti de nova tentativa. Mas a impressão que ele me causara foi claramente

positiva, e na versão definitiva do meu texto o cito de forma elogiosa (p. 30). Desde

então, acompanhei, com atenção, suas manifestações na imprensa, e não encontrava

razões para ressalvas significativas. Numa ocasião, em pequena matéria na Folha de

São Paulo, em 2010, lhe foi atribuída a afirmação de que o “neonazismo” teria relação

com a presença de “alemães” (e “italianos”) no estado. Mas como afirmações desse tipo

não constavam em suas declarações mais detalhadas na imprensa gaúcha, não lhe atribuí

importância.

Até tive motivos para confirmar minha boa impressão, quando, em agosto de

2010, o povo de Teutônia foi vítima de um atentado, no qual provocadores picharam

sinais de trânsito e paradas de ônibus, ao longo da rodovia que atravessa o município,

com símbolos nazistas, e jornalistas desvairados, na ânsia de, finalmente, conquistar um

Prêmio Esso de Jornalismo, emporcalharam a dignidade da população local – nesse

momento, o delegado Jardim declarou: “Eu afirmo que não existe grupo nazista em

Teutônia”, que o alarme na cidade foi uma “invenção”, e poderia causar pânico entre os

moradores (Correio do Povo, 26/8/2010). Nessa ocasião, publiquei aqui nas

“Notícias/Notas” do site a observação francamente elogiosa de que o delegado fizera

essa declaração “com a categoria de uma das poucas autoridades que assume sua

responsabilidade diante de notícias tão graves para o convívio harmônico e

civilizado da população gaúcha”. Com isso, está caracterizada, de forma claríssima,

minha opinião em relação a ele, no período de 2008 – quando o conheci – até novembro

de 2010, pois será difícil imaginar afirmação mais elogiosa que essa!

Nesta última data, o delegado noticiou uma ação policial, em Porto Alegre, na

qual teria sido apreendido material com ameaças de morte ao senador Paulo Paim. Não

se sabe se nessa operação foram descobertos fatos novos, ou se a influência da

luminária máxima da historiografia gaúcha, Jair Krischke, sobre o delegado, finalmente,

surtiu efeito, levando-o a mudar sua opinião sobre o assunto. Desde a citada data, há no

mínimo, duas declarações públicas do delegado que merecem ser consideradas. Uma é

sua fala no Senado da República, em 19 de novembro de 2010, e a outra uma entrevista

ao Terra Magazine, de 11 de abril de 2011

Page 75: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

75

(http://www.senado.gov.br/atividade/plenario/sessao/disc/getTexto.asp?s=203.4.53.O&

disc=6/1/S

e

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5070131-EI6594,00-

Os+neonazistas+sao+bem+mais+que+meia+duzia+afirma+delegado.html).

Inicialmente, cabe destacar duas informações de caráter numérico contidas

nessas declarações do delegado. Quanto ao número de “neonazistas” no Rio Grande do

Sul, ele afirmou, na fala aos senadores: “temos mais de trinta, quarenta pessoas

indiciadas em inquérito policial”. Na entrevista ao Terra Magazine, citou um número

intermediário (“mais de 35”), dado que reitera as afirmações feitas no Senado. Portanto,

arredondando, trata-se de 40 “neonazistas” registrados, no estado. Deve-se imaginar que

aconteceria se, dia desses, a imprensa noticiasse que o estado do Rio Grande do Sul,

como um todo, está infestado com 40 facínoras “comuns”!

Uma doutoranda da UNICAMP, Adriana Abreu Magalhães Dias, me expôs à

execração pública porque eu afirmei que os “neonazistas” brasileiros são jovens. O

delegado Jardim, na entrevista ao Terra Magazine, afirma que “temos uma faixa de

idade que varia de 17, 18 anos até 25, 30 anos”. Esses dois dados numéricos são

importantes para uma primeira conclusão. Ainda que eu não tenha acesso a uma lista

completa dos nomes desses 40 “neonazistas” registrados, entre aqueles que são de

conhecimento público, os sobrenomes alemães estão, no máximo, dentro do nível

percentual que se costuma atribuir ao conjunto da população gaúcha (cerca de 20%).

Para ser concreto, entre os 14 nomes daqueles levados a julgamento, em 2010, em

função do ataque a jovens judeus em 2005, consta um único sobrenome “puramente”

alemão (Fábio Roberto Sturm), mais dois “híbridos”: Leandro Maurício Patiño Braun e

Daniel Vieira Sperk. Desses dois últimos, o sobrenome do primeiro está envolto em

alguns mistérios, sobre os quais escrevi uma nota de rodapé no meu citado texto (nota

47, p. 25). Isso sem perguntar se esses três rapazes possuem alguma coisa de “alemão”

que vá além do sobrenome.

Altamente suspeito seria se a gente constatasse que não existe nenhum único

“neonazista” de sobrenome alemão. Mas como eles existem numa proporção muito

semelhante àquela em que esses sobrenomes aparecem no conjunto da sociedade, isso

indica que a população de sobrenome alemão está bem integrada, e apresenta os

mesmos índices de bondade e de maldade que a sociedade gaúcha como um todo.

Page 76: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

76

O senso comum, o delegado [na entrevista ao Terra Magazine, ele disse: “é um

movimento internacional, com mais de 60 anos, que prega o prazer pelo ódio”], e,

inclusive, certa historiografia que se pretende acadêmica, falam, com se fosse óbvio, de

uma ligação direta e continuada do atual “neonazismo” com a presença do nazismo, nos

anos 1930. Em outro lugar, chamei a atenção para o fato de que, até agora, ninguém

identificou um único “neonazista” gaúcho sequer cujo avô ou pai tenha sido nazista, em

1935 – situação que tornaria ao menos plausível essa continuidade. E o dado numérico

sobre a idade, fornecido pelo delegado Jardim, impõe conclusão lógica semelhante. Se

os meninos possuem, no máximo, 30 anos, terão nascido depois de 1980, e se seu avô

ou pai tivesse sido nazista jovem (digamos 20 anos, em 1935) terá tido 75 anos quando

os meninos mais velhos tinham 10 anos. Esse dado torna pouco plausível que avôs ou

pais tenham chamado seus netos ou filhos, justamente nesse momento da vida, para

reafirmar seu passado nazista e doutriná-los a respeito, determinando uma continuidade

familiar de nazista para “neonazista”!

Mas é exatamente essa perspectiva de que há uma linha de continuidade do

nazismo dos anos 1930 para o “neonazismo” atual, e que este tenha a ver com a

presença de “alemães” (e “italianos”), no Rio Grande do Sul, aparece nas manifestações

mais recentes do delegado. Em sua fala no Senado, afirmou: “Transportando para os

dias atuais, na década de 30, início da preparação da Segunda Guerra Mundial, nós

sabemos – e os senhores que estudaram História vão lembrar – que tivemos o Partido

Nacional-Socialista, o nacionalismo, o que é pregado por esse pessoal, de uma forma

muito forte no sul do Brasil”; “[existem] inúmeras fotografias ... que mostram o

Movimento Nacional-Socialista desfilando nas ruas de Porto Alegre”; “vejam os

senhores que tudo isso está acontecendo no Rio Grande do Sul. A origem de tudo

isso é no Rio Grande do Sul” [destaque acrescentado ao original].

E – por assim dizer, como corolário – o delegado, agora, está convicto de que a

presença de "alemães" (de "italianos", aparentemente até de "poloneses") tem a ver, sim,

com a existência de "neonazismo" no Rio Grande do Sul. Ainda que na fala ao Senado

não haja frases explícitas nesse sentido, a insistência com a presença do nazismo nos

anos 1930, no mínimo, sugere essa ligação com a população de origem alemã, já que o

nazismo estava, basicamente, vinculado a essa "colônia". E, na entrevista ao Terra

Magazine, essa convicção está claramente verbalizada. Quando a repórter disse:

"Recentemente foram descobertas 25 gangues de skinheads em São Paulo. Há uma

Page 77: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

77

troca de informações entre as polícias?", o delegado respondeu: "Sim. O pessoal de São

Paulo e do Rio Grande do Sul conversa muito. Eles vêm a Porto Alegre, nós vamos a

São Paulo". E, de forma um tanto surpreendente, na continuidade dessa frase, sem

qualquer intercalação, acrescentou: "A senhora lembra o seguinte: o sul do Brasil é

basicamente originário de colonização alemã, italiana e polonesa. Não esquece que

já tivemos, no Rio Grande do Sul, o partido nazista, funcionando de forma oficial

na década de 1930": [o destaque foi acrescentado ao original]. O leitor atento até teria

direito de perguntar que relação há entre esta última frase e a antecedente? A impressão

que se tem é que o delegado queria evitar que a entrevista terminasse sem que ele

tivesse podido lembrar o fato de que temos, aqui no estado, esse monte de gente exótica.

Um parêntese: curioso é que nos 387 comentários – dos – quais alguns denotam ironia

finíssima – postados, até 16 de abril de 2011, no site do Terra Magazine em reação à

entrevista do delegado nem uma única culpa os malvados dos “alemães” do Brasil pela

existência do “neonazismo”.

Como o delegado, havia apresentado, até então, um trabalho que parecia racional

sobre o “neonazismo”, no Rio Grande do Sul, não se pode descartar a possibilidade de

que a guinada na sua visão sobre o papel do nazismo da década de 1930 e sobre o papel

da parcela “alemã” da população gaúcha derive de novas descobertas. Mas uma leitura

atenta de suas últimas manifestações, em especial sua fala no Senado, obriga a alguns

questionamentos evidentes. Trata-se, sobretudo, de dois aspectos. O primeiro se refere

ao recurso a elementos esotéricos, ao abordar a presença nazista. Ele disse:

“começamos a estudar, a aprender sobre neonazismo. Tivemos de desenvolver alguns

trabalhos de pesquisa, principalmente em relação à Segunda Guerra Mundial. Fomos

entender quem era Hitler, qual era o pensamento, qual era a origem esotérica e

espiritualista do movimento hitlerista” [ênfase acrescentada ao original]. Depois fala

da Teosofia, de Helena Blavatsky, e da suposta ou efetiva distorção da doutrina

teosófica por parte de Hitler, mas fica nebuloso que isso tem a ver com o nazismo no

Rio Grande do Sul dos anos 1930, e mais nebuloso ainda que isso tem a ver com a

presença do “neonazismo” atual. Além disso, nunca se viu qualquer historiador de peso

manifestando preocupação com aspectos esotéricos do nazismo, seja para explicar sua

existência na Alemanha, e muito menos para explicar sua atuação no Rio Grande do

Sul. A certa altura, o delegado afirmou: “E foi baseado nesse pensamento de Blavatsky

que algumas pessoas, principalmente aquelas que davam fundamentos esotéricos a

Page 78: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

78

Hitler, venderam para ele essa ideia, e ele, por meio da obra Mein Kampf, conhecida por

muitas pessoas – imagino que alguns dos senhores já a leram – implantou o seu

pensamento. Só que ele inverteu muitos dos posicionamentos de Blavatsky. Ele chegou

ao ponto de inverter o símbolo mais importante católico da época, que era a atual

suástica” [ênfase acrescentada ao original].

Isso soa muito a informação buscada em certas revistas de quinta categoria, com

temáticas históricas, vendidas em banca de jornal, mas não como produto de pesquisa

histórica séria. O professor João Fábio Bertonha, da Universidade Estadual de

Maringá/PR, que é do ramo, publicou um artigo sobre “Nazismo, ocultismo e

conspirações” na revista História – Unisinos (vol. 11, n. 3, 2007, p. 380-384 –

http://www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/stories/Publicacoes/histv11n3/38

1a384_rs_bertonhal%5Brev%5D.pdf)

que começa com a seguinte frase: “Na sociedade contemporânea, tudo o que se refere a

conspirações tem vendagem garantida”.

Não é possível entrar aqui na discussão sobre elementos esotéricos no nazismo,

mas na extensa biografia clássica intitulada Hitler de Joachim Fest (1973, 1.190

páginas) não há referência a Helena Blavatzky; e na atualidade, o historiador britânico

Ian Kershaw é considerado o maior conhecedor da biografia do ditador alemão; em seu

recente livro Hitler (São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 1.077 páginas) também

não há referência a Blavatzky; e, ao referir-se à propalada influência de Adolf Lanz e

sua revista Ostara sobre o pensamento de Hitler, escreve: “Para o regime nazista, o

bizarro racista austríaco, longe de ser elogiado, seria acusado de ‘falsificar o

pensamento racial através de uma doutrina secreta’” (p. 63).

É verdade que esse aspecto da influência esotérica é passível de discussão, de

divergência, mas a coisa fica realmente problemática quando o delegado entra na

análise do contexto histórico em que o nazismo se desenvolveu no Brasil da década de

1930. Basta citar um pequeno trecho da fala ao Senado: “Nós sabemos que, antes da

Segunda Guerra, o Governo brasileiro, o nosso País estava a favor dos nazistas, a favor

de Hitler. Somente na undécima hora, no finalzinho, quando foi estourar realmente a

Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas resolveu, por motivos que não me cabe

abordar agora, apoiar as forças aliadas e decidiu decretar a extinção do movimento

nazista ou do nazismo no Brasil. Isso foi no final de 1939, início de 1940 [destaque

acrescentado ao original]. Mas lembro aos senhores que, logo depois [destaque

Page 79: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

79

acrescentado ao original], Plínio Salgado, que foi um Senador, um político muito

conhecido na nossa história, criou o Partido Integralista, com os mesmos fundamentos

do nazismo”.

Aqui estamos, simplesmente, diante de algo que Sérgio Porto – mais conhecido

como Stanislaw Ponte Preta – chamou de “samba do crioulo doido”. O integralismo foi

fundado em 1932, e atuou paralelo ao nazismo, até a proibição de ambos. Foi decretado

ilegal em dezembro de 1937. Como os nazistas, inicialmente, imaginaram que seu

partido não fora atingido pelo ato de proibição, por não ser um partido brasileiro, o

governo Vargas teve de confirmar a proibição também para a ação deste partido. Com

isso, do ponto de vista estritamente cronológico, o integralismo foi proibido antes do

nazismo. Quanto a Plínio Salgado, nunca foi senador. Elegeu-se deputado federal em

1958, portanto 20 anos depois dos fatos narrados.

Além disso, o delegado anda falando muito insistentemente em conexões

argentinas em relação ao Brasil. Ao menos naquilo que tange à história do nazismo nos

anos 1930, não há trabalhos de historiadores sérios que os tenham detectado. Com isso,

não se pretende dizer que eles não possam existir, no atual “neonazismo”, mas deveriam

ser apresentadas provas.

De qualquer forma, é muito provável que a decisão do delegado Jardim em

recorrer a Jair Krischke para assessorá-lo em assuntos esotéricos e históricos não tenha

sido a mais sábia de sua vida, pois nas falas atuais do delegado – em especial na do

Senado –, há erros históricos que independem de interpretação. Infelizmente, esses erros

podem afetar a credibilidade das demais afirmações de Paulo Cesar Jardim – também

sobre o “neonazismo”. Como tudo isso denota uma guinada na visão do delegado, não é

esdrúxulo enxergar aí a mão de Jair Krischke, esse candidato imbatível ao Prêmio Nobel

de História e ao Prêmio Nobel de Luta contra Preconceitos, em 2011. Na fala ao

Senado, o delegado afirmou que sua ocupação com o “neonazismo” começou uns oito

anos atrás, quando Jair Krischke fez uma denúncia. Como é público, este possui uma

opinião lapidar sobre o papel dos “alemães”, no sul do Brasil, tanto no passado quanto

no presente. Está na internet: “No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e parte do

Paraná, temos uma situação bem particular. Trata-se de uma região de forte colonização

alemã, e que, em termos ideológicos, ficou parada no tempo. Ainda hoje, atuam

inspirados na Alemanha nazista e apoiam o projeto de Hitler”

Page 80: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

80

(http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1

658&secao=252).

Se essa afirmação é verdadeira – ao menos, na forma generalizante em que está

no texto –, deveria ter ocorrido, há muito tempo, intervenção federal nesses estados,

para levar a cabo um projeto radical de desnazificação da população de origem alemã

(e, possivelmente, de parte da população de outras origens, por ter sido contaminada

pelos “alemães”). Neste caso, imagine-se o governador Tarso Genro levando a esposa

Sandra Krebs para um campo de desnazificação (segundo a própria, ela gosta de pratos

agridoces, porque é de origem alemã), para lá deveria ir também Airton Michels,

secretário de segurança pública, chefe do delegado Jardim, que vem de Pedregulho, um

lugar em que só há “alemãos” e “polacos”, o deputado Raul Pont deveria levar sua

Liliane Seide Frömming, que, possivelmente, venha de algum municipiozinho

germânico e luterano, e em cujo Currículo Lattes, no CNPq, consta que “compreende

razoavelmente” alemão – para Jair Krischke, isso é um horror: “Ainda hoje, a 100 km

de Porto Alegre, existe uma comunidade em que não se fala português. O Estado

alemão tem uma postura de reconhecimento de sua culpa, mas a comunidade alemã aqui

não reflete essa atitude” (a afirmação pode ser lida na internet

http://www.asa.org.br/boletim/96/96_h1.htm).

Por essa lógica, os governadores Olívio Dutra e Tarso Genro (para não falar de

todos os “neoliberais”, desde Pedro Simon) deveriam ser responsabilizados como

promotores do “neonazismo”, pois nenhum deles coibiu o ensino de alemão nas escolas

gaúchas, e, portanto, a expansão da maldita língua alemã. Que horror!

Mas não é só! A partir das concepções da mente privilegiada desse cidadão,

Dom Gílio Felício, o bispo negro de Bagé, deveria ser chamado à responsabilidade.

Enquanto atuava em Santa Cruz do Sul, D. Gílio lembra que “quando celebramos com

elementos da cultura afro, os descendentes de alemães e italianos entram em sintonia

com facilidade. Daí, uma lição de vida: as culturas se complementam e fazem acontecer

a fraternidade e a partilha”

(http://ospiti.peacelink.it/zumbi/news/semfro/259/sf259p05.html).

Por essa razão, quando o bispo volta a Santa Cruz, para visitar seus parentes ou

sua madrinha, Edith Eidt, confraterniza com os “alemãos”, churrasqueia e conversa em

alemão com eles. Movimenta-se totalmente livre e sozinho pela cidade, sem qualquer

guarda-costas. Em contrapartida flagrante, o alemão Jair Krischke, quando vai a Santa

Page 81: Considerações sobre opiniões e estudos em torno de nazismo ... · depois de 1933, que a Alemanha dera uma guinada radical, com um desenvolvimento ... eventualidade de uma agudização

81

Cruz, fica “impressionado com a quantidade de seguranças deslocados para me dar

proteção” – está na Internet:

http://www.asa.org.br/boletim/96/96_h1.htm.

Qual desses dois homens estará andando na contramão da História? – aquele que

prega a convivência pacífica entre os diferentes grupos que compõem nossa sociedade

ou aquele que aponta o dedo-indicador para determinado grupo e diz aos demais: “se

existem maldades neste país, os culpados são aqueles ali!”? Diante desse quadro, não há

como não manifestar curiosidade se o bispo Egmont Krischke – caso estivesse vivo – se

alinharia à primeira ou à segunda dessas duas atitudes.

Enfim, a ser verdadeira a afirmação categórica e generalizante desse indivíduo

chamado Jair Krischke, só nos resta rezar para que Deus seja clemente para com nosso

estado! Já se ele não conseguir provar suas afirmações ...

Diante desse quadro, o signatário deste texto está à disposição para um diálogo

com o delegado Paulo Cesar Jardim, pois está convicto de que o “neonazismo” pode ser

combatido, de forma eficaz, sem necessidade de recorrer a preconceitos, no mínimo, tão

abomináveis quanto aqueles dos próprios “neonazistas”.

Ouvi dizer que existe uma lei implacável, chamada Lei de Murphy. Por isso,

tenho plena consciência de que se até hoje o único “neonazista” pego na “colônia

alemã” foi Jairo Maciel Fischer, que se refugiou em Teutônia, em 2009, a partir da

publicação deste texto, os ditos serão descobertos e presos às chusmas, na “colônia”.

Infelizmente, dura lex [de Murphy], sed lex.