Considerações sobre o positivismo

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O POSITIVISMO Walner Mamede Jr. A ciência experimental tem suas raízes no Renascimento (Séc. XIV) e sua tentativa de resgatar a racionalidade grega, o que devolveu ao homem a centralidade nas questões da existência e refutou o dogmatismo da Igreja e sua busca de explicar o mundo (CHASSOT, 2004). Com isso, experimentadores como Galileu, diferentemente dos seguidores de Aristóteles – que não recorriam a experimentos e tinham a indução como forma de ordenar o já conhecido, extraindo-lhe a essência, sem estender ao desconhecido a validade de suas conclusões – passaram a confrontar suas hipóteses com os fatos, dando causa ao que, posteriormente, ficou conhecido como indutivismo. Essa visão acabou reduzindo a compreensão de Ciência como sendo o acúmulo de observações e generalizações indutivas a partir de proposições de observação singulares, aceitando que das generalizações derivarão deduções que buscarão prever ou explicar um fenômeno. Francis Bacon (1561-1626) levou isso ao extremo com seu indutivismo metódico. Contrapôs-se à Escolástica, ao Aristotelismo e ao Platonismo, sendo avesso ao racionalismo ali embutido e demonstrando maior entusiasmo com o naturalismo dos pré-socráticos 1 . Tampouco poupou de crítica os empiristas incipientes, particularmente os antigos, a quem chamou de grosseiros 2 , por não sistematizarem suas observações na forma de um todo orgânico e coerente, comparando-os a formigas que acumulam material sem um critério e um método definidos 3 . Para ele a realidade empírica não deveria ser, meramente, catalogada como algo imutável, oriundo de uma ordem divina, pois isso não permite o progresso do conhecimento, necessariamente, assentado na mutabilidade. Nessa visão está explícita sua crítica ao aristotelismo, no qual sobrevive a idéia de supremacia da sabedoria abstrata, da vida contemplativa e da perfeição da mente divina, e uma contradição com o que está exposto no próprio Novum Organum, onde exalta essas mesmas qualidades em detrimento da experiência 4 . A despeito disso, Bacon defende o saber como meio de conquistar poder sobre a natureza (não sobre o homem), não como um bem ensimesmado, e, para tanto, a mera contemplação era inútil e, apesar de reconhecer que “...as coisas em si mesmas...são verdade e utilidade...”, também afirma que “...as obras devem ser estimadas mais como garantia de verdade que pelas comodidades que propiciam à vida humana...”, o que explicita sua preocupação em não reduzir a Ciência a um pragmatismo desmedido. Em sua contestação do racionalismo abstrato, da escolástica e da metafísica e tendo o mundo das coisas como origem do conhecimento, Bacon é, por alguns, reconhecido como o fundador da filosofia experimental, inaugurando uma nova proposta de método para se conduzir uma pesquisa e a preocupação em divisar o conhecimento objetivo do mundo contra aquilo que é sua mera interpretação fantasiosa (THEMOTEO, 2010). Após Bacon, Descartes e Galileu seguidos por Locke, Berkeley e Hume, nos séculos XVII e XVIII, cada um com seu tom, dão seguimento aos pressupostos do empirismo. A despeito de Bacon não ter realizado grandes feitos no interior das ciências naturais, propriamente ditas, e de ter se eximido de usar plenamente a Matemática em sua metodologia (aversão que tinha à abordagem teológico-platônica que se fazia da Matemática 1 NO1: §LXIII-§LXV (BACON, 1999-Novum Organum: Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e o Reino do Homem, Livro 1-§LXIII-§LXV) 2 NO1: §CXXV 3 NO1: §XCV 4 NO1: §CXXIV, em contraposição ao que diria mais tarde contra a vida contemplativa e a visão aristotélica, em seu De Dignitate et Augmentis Scientiarum (cap. I; Livro VI): “...só a Deus e aos anjos cabe serem expectadores no teatro da vida humana...” (BACON, 1999; p. 93; NT)

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O POSITIVISMO

Walner Mamede Jr.

A ciência experimental tem suas raízes no Renascimento (Séc. XIV) e sua tentativa de resgatar a racionalidade grega, o que devolveu ao homem a centralidade nas questões da existência e refutou o dogmatismo da Igreja e sua busca de explicar o mundo (CHASSOT, 2004). Com isso, experimentadores como Galileu, diferentemente dos seguidores de Aristóteles – que não recorriam a experimentos e tinham a indução como forma de ordenar o já conhecido, extraindo-lhe a essência, sem estender ao desconhecido a validade de suas conclusões – passaram a confrontar suas hipóteses com os fatos, dando causa ao que, posteriormente, ficou conhecido como indutivismo. Essa visão acabou reduzindo a compreensão de Ciência como sendo o acúmulo de observações e generalizações indutivas a partir de proposições de observação singulares, aceitando que das generalizações derivarão deduções que buscarão prever ou explicar um fenômeno.

Francis Bacon (1561-1626) levou isso ao extremo com seu indutivismo metódico. Contrapôs-se à Escolástica, ao Aristotelismo e ao Platonismo, sendo avesso ao racionalismo ali embutido e demonstrando maior entusiasmo com o naturalismo dos pré-socráticos1. Tampouco poupou de crítica os empiristas incipientes, particularmente os antigos, a quem chamou de grosseiros2, por não sistematizarem suas observações na forma de um todo orgânico e coerente, comparando-os a formigas que acumulam material sem um critério e um método definidos3. Para ele a realidade empírica não deveria ser, meramente, catalogada como algo imutável, oriundo de uma ordem divina, pois isso não permite o progresso do conhecimento, necessariamente, assentado na mutabilidade. Nessa visão está explícita sua crítica ao aristotelismo, no qual sobrevive a idéia de supremacia da sabedoria abstrata, da vida contemplativa e da perfeição da mente divina, e uma contradição com o que está exposto no próprio Novum Organum, onde exalta essas mesmas qualidades em detrimento da experiência4. A despeito disso, Bacon defende o saber como meio de conquistar poder sobre a natureza (não sobre o homem), não como um bem ensimesmado, e, para tanto, a mera contemplação era inútil e, apesar de reconhecer que “...as coisas em si mesmas...são verdade e utilidade...”, também afirma que “...as obras devem ser estimadas mais como garantia de verdade que pelas comodidades que propiciam à vida humana...”, o que explicita sua preocupação em não reduzir a Ciência a um pragmatismo desmedido.

Em sua contestação do racionalismo abstrato, da escolástica e da metafísica e tendo o mundo das coisas como origem do conhecimento, Bacon é, por alguns, reconhecido como o fundador da filosofia experimental, inaugurando uma nova proposta de método para se conduzir uma pesquisa e a preocupação em divisar o conhecimento objetivo do mundo contra aquilo que é sua mera interpretação fantasiosa (THEMOTEO, 2010). Após Bacon, Descartes e Galileu seguidos por Locke, Berkeley e Hume, nos séculos XVII e XVIII, cada um com seu tom, dão seguimento aos pressupostos do empirismo.

A despeito de Bacon não ter realizado grandes feitos no interior das ciências naturais, propriamente ditas, e de ter se eximido de usar plenamente a Matemática em sua metodologia (aversão que tinha à abordagem teológico-platônica que se fazia da Matemática 1 NO1: §LXIII-§LXV (BACON, 1999-Novum Organum: Aforismos sobre a Interpretação da Natureza e o Reino do Homem, Livro 1-§LXIII-§LXV) 2 NO1: §CXXV 3 NO1: §XCV 4 NO1: §CXXIV, em contraposição ao que diria mais tarde contra a vida contemplativa e a visão aristotélica, em seu De Dignitate et Augmentis Scientiarum (cap. I; Livro VI): “...só a Deus e aos anjos cabe serem expectadores no teatro da vida humana...” (BACON, 1999; p. 93; NT)

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à sua época)5 sua concepção de Ciência e seu método influenciaram (e, ainda, influenciam) toda uma era de filósofos da Ciência e pesquisadores. Admitindo a indução como origem necessária das leis científicas, elevou a importância da experiência sensorial ao seu auge, propondo ser a verificação rigorosa e sistemática (em oposição à experiência vaga, fortuita) das hipóteses, por meio de fatos e evidências, a única forma de se constituírem teorias científicas verdadeiras e despojadas de crenças e dogmas (BACON, 1999). Assim, o acúmulo de confirmações, por meio de evidências empíricas, concederia à hipótese seu valor de verdade, seja absoluto – conforme versões mais radicais do Indutivismo –, seja probabilístico – conforme versões posteriores mais moderadas. A visão indutivista de Ciência, mais tarde, já no início século XX com o empirismo lógico do Círculo de Viena, criou condições para que o critério verificacionista se tornasse a base racional da Ciência e o meio pelo qual ela supostamente progrediria, algo, duramente, criticado por Popper (1972; 1980)

A forma indutivista de explicação da Ciência se fundamenta no empirismo e na idéia de que a experiência é a fonte do conhecimento e de que os dados, advindos da observação, suscitam uma teoria ‘a posteriori’, são fidedignos à realidade das coisas e representam a verdade dos fatos, podendo ou não se adequar a um esquema preexistente no universo. Nesse contexto, teremos o aparelho sensorial – particularmente a visão – como o mediador entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível. A verdade científica depende, então, de um adequado uso de tal ferramenta, de seu perfeito funcionamento e da correta relação lógica entre o dado observado e as concatenações teóricas posteriores, a fim de compreendê-lo e explicá-lo, possibilitando previsões. É também importante ao indutivista se eximir de qualquer especulação, teoria preconcebida ou subjetividade proposital que possa contaminar os dados coletados e comprometer as proposições empíricas daí advindas e das quais derivarão as teorias. Se tais pré-requisitos são atendidos, não havendo porque duvidar da eficiência e eficácia de nosso aparato sensorial e cognitivo, o conhecimento produzido é reconhecido como científico e será incorporado a uma massa de saberes pré-existentes, refutando uns e confirmando ou sustentando outros. Em síntese, o que ocorre é a proposta de que, em primeira mão, o que temos são apenas os dados do mundo sensível, isentos de qualquer entendimento ‘a priori’ que lhes dê um contexto. Em seguida, coloca-se a postos a intelecção, que procurará ordenar os dados e extrair deles a informação necessária à produção da teoria. São, aqui, o mundo das coisas e a experiência a origem do conhecimento, e não o pensamento (HESSEM, 2003). É a partir dele e da observação de casos particulares – conforme critérios de quantidade, variedade, identidade e coerência – que o indutivismo alcança proposições universais, sobre os objetos de estudo, que comporão o corpo do conhecimento científico. De tais generalizações (que se tornam leis ou teorias), compõem-se uma estrutura argumentativa silogística, chegando a conclusões que representam previsões e explicações.

Chalmers (1993) nos chama a atenção para o fato da impossibilidade de a Ciência se re/produzir por meio do que denomina processo indutivista de produção do conhecimento científico:

...Chamei-a de indutivista porque ela é baseada no raciocínio indutivo...essa visão de ciência – juntamente com a explicação popular que se lhe assemelha – é completamente equivocada e mesmo perigosamente enganadora... (CHALMERS, 1993, p. 23)

5 NO1: §XCVI. Ainda, segundo José A. R. de Andrade, em sua nota de abertura à versão do Novum Organum, pela editora Nova Cultural, ‘Realmente, Bacon parece não ter entendido o papel das matemáticas no conhecimento da natureza...costumava ligar a matemática ao uso que tinha sido feito por Platão e pelos platônicos...Todos eles ligavam a matemática a uma visão teológica do universo...Bacon não chegou, portanto, a conhecer a matemática laica dos cientistas modernos...’ (BACON, 1999; p. 17)

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Devemos notar que Hume, não exatamente com este léxico, uma vez que elaborou seu pensamento em termos de causa e efeito (POPPER, 1980; COELHO, 2000; RODRIGUES, 2009), propôs, já no século XVIII, que a justificação para a validade da indução é um raciocínio indutivo do tipo a indução ‘I1’ obteve sucesso, a indução ‘I2’ obteve sucesso, a indução ‘I3’

obteve sucesso, a indução ‘In’ obteve sucesso, então é lícito afirmar que a indução é um

processo válido, caracterizando a narrativa como um argumento circular viciado, no qual uma indução justifica, inferencialmente, outra indução, tornando-a de difícil aceitação do ponto de vista epistemológico, principalmente, se considerarmos a relação excessivamente imediata entre premissas (‘I1’, ‘I2’, ‘In’) e conclusão (‘a indução é válida’) e a pequena correlação das premissas entre si, o que não parece dotar a cadeia argumentativa de peso e coerência suficientes, exigíveis à defesa do raciocínio ao modo coerentista (BURDZINSKI, 2005). Uma argumentação desse gênero em defesa da indução não pode se assentar em uma circularidade inferencial, pois seria uma abordagem reducionista do método, devendo evoluir para uma forma mais elaborada e sistêmica, algo não tão fácil de se realizar e que colocaria em questão a própria validade da indução ao afirmar que a inferência não seria um modo legítimo pelo qual as proposições no interior das crenças do sistema devam se relacionar. Assim, o que fica subsumido é que, se considerarmos a indução válida como método de produção do conhecimento científico, o mesmo não poderá ser dito quanto à utilização do método indutivo em sua própria justificação, que deve ser buscada em um sistema externo (CHALMERS, 1993).

Não obstante tais críticas, o empirismo e o método indutivo possibilitaram a espécie de ceticismo metafísico que deu origem ao Positivismo de Augusto Comte (1798-1857), sistematizado metodicamente pelo farmacêutico e médico Claude Bernard. Conforme Skandar e Leal (2002), dentre as referências teóricas de Comte, merecem destaque Nicolas de Condercet (1666-1790), Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781) e Claude Henri de Saint-Simon (1760-1852).

Condercet defendia a existência de uma Matemática Social que possibilitasse realizar um estudo preciso, rigoroso e numérico dos fenômenos sociais. Também afirmava que a Ciência estava comprometida pela influência dos senhores feudais, da aristocracia e do clero e que sua objetividade apenas seria alcançada quando se livrasse desse controle. Turgot foi um economista francês nomeado Ministro-Geral das Finanças do rei Luís XVI da França (1774), que lutava por uma reforma econômica liberal e defendia o livre comércio e a interdepêndencia entre as diferentes classes econômicas. São dele as primeiras formulações sobre a "Lei dos 3 Estágios" desenvolvida mais tarde por Comte. Suas ideias despertaram a ira do clero e da nobreza e menos de dois anos após subir ao cargo de Ministro foi deposto. Saint-Simon, filósofo socialista de quem Comte tornou-se secretário, defendia uma sociedade industrial e foi o primeiro a empregar a expressão ciência positiva para designar a necessidade de o conhecimento científico se fundar na observação dos fatos (SKANDAR e LEAL, 2002)

Sob a influências desses pensadores, Comte visava, mais que uma reflexão epistemológica, uma reforma social, a libertação da teoria social do enclausuramento estabelecido pela teologia e metafísica e para isso uma Física Social positivista era necessária:

A filosofia teológica e a filosofia metafísica nada mais dominam hoje em dia senão o sistema do estudo social. Elas devem ser expulsas deste último refúgio. Isto será feito principalmente pela interpretação básica do movimento social como necessariamente sujeito a leis físicas invariáveis, em lugar de ser governado por qualquer espécie de vontade (COMTE, 1978, p.16)

Segundo o Positivismo “...devemos nos ater ao que é positivamente dado, aos fatos imediatos da experiência, mantendo-nos em guarda contra toda e qualquer especulação

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metafísica...” (HESSEN, 2003; p. 35). O Positivismo contesta a possibilidade de conhecimento do absoluto, das causas primeiras e das causas finais pela razão e concentra esforços no conhecimento apenas das relações e regularidades perceptíveis sensorialmente. Ele propõe que existam aspectos gerais e particulares das relações e regularidades identificadas nas coisas e que a relação entre tais níveis se dá na proporção de poucos para muitos, respectivamente, estando o desenvolvimento da Ciência condicionado ao estabelecimento da relação do maior número possível de aspectos particulares com o menor número possível de aspectos gerais, numa busca de simplificação da complexa realidade composta por variáveis observáveis quantificáveis. Tal simplificação seria fruto do estabelecimento de regras cada vez mais gerais que explicassem o mundo. Uma característica importante é sua proposição de que a produção do conhecimento (teoria) se dá de forma cumulativa e ascendente, posteriormente à observação em quantidade e variabilidade significativas, por meio do raciocínio indutivo e com base naquilo que pode ser quantitativamente observado e mensurado, sendo seus enunciados validados (confirmados) por achados empíricos que os qualificariam como verdadeiros (ANDERY et al, 1994; CHASSOT, 2004). Os princípios comteanos podem ser resumidos nas seguintes teses (SILVINO, 2006; ARANA, 2007):

1- O conhecimento científico é superior aos demais, podendo seu método de produção ser unificado e sendo as Ciências Naturais seu paradigma;

2- A única origem do conhecimento verdadeiro é o fato, não havendo espaço para conjecturas e hipóteses alheias à realidade empírica;

3- Não há obstáculos para o crescimento linear e ascendente da Ciência e seus feitos, sendo ela o único meio de solucionar todos os problemas sociais e humanos (tradição iluminista);

4- Existem leis gerais de causalidade que regem os fenômenos naturais e sociais e que podem ser, indutivamente, encontradas pela observação, comparação e experimentação tão objetivas quanto possível, evitando-se explicações metafísicas obscuras e imprecisas;

5- O conhecimento científico, apesar de relativo, necessita ser prático, útil, claro, mensurável, preciso e fundado no que é acessível aos sentidos (indutivismo-verificacionismo) e interpretado pela razão frente às condições materiais, históricas, culturais e pessoais do cientista.

6- O desenvolvimento do intelecto humano passa por três estágios: teológico, metafísico e positivo (“Lei dos Três Estágios”).

Vários foram os que beberam de sua fonte e lhe deram continuidade sob um novo prisma ou romperam com suas bases epistemológicas. Explicitam-se três fases na evolução do Positivismo: Positivismo Clássico, Empiriocriticismo e Neopositivismo. Assim, pelo Empiriocriticismo de Avenarius e Mach, ligados historicamente ao Positivismo Clássico (‘comteano’) temos Carnap, Goedel, Neurath e Schilick, com o Empirismo Lógico do Círculo de Viena; Gotlob Frege, Wittgenstein e Alfred Ayer, com a Filosofia Analítica (bastante influenciada por Russel); George Moore e Bertrand Russel com seu Neo-realismo inglês; Reichenbach e Hempel com a Filosofia Empírica em Berlim; Nagel e Brigman com sua Filosofia da Ciência, assim como Skinner e Watson com o Behaviorismo, John Dewey, com o Pragmatismo, e Karl Popper, com o Racionalismo Crítico (que rompe com o Positivismo), nos EUA, para onde migraram muitos pensadores europeus em decorrência da II Grande Guerra; entre outros que integraram o movimento denominado Neopositivismo (ou Pós-Positivismo), o qual, longe de ter concepções unívocas e alinhadas, caracterizou-se pelo sincretismo e

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diversidade de suas bases filosóficas, entre os vários grupos (ANDERY et al, 1994; CHASSOT, 2004; ARANA, 2007).

O entusiasmo expansionista e progressista, fomentado pelo desenvolvimento tecnológico e científico de meados do séc XIX até as décadas iniciais do século XX, na Europa, afirmou as concepções positivistas de mundo e legitimou um ingênuo e exacerbado otimismo, que negligenciava a importância das mazelas sociais advindas da rápida industrialização e denunciadas pelo marxismo, acreditando serem transitórias e superáveis pelo desenvolvimento econômico (SILVINO, 2007). "Primeiro precisamos fazer o bolo crescer, para depois repartí-lo", a célebre frase de Delfin Neto, Ministro da Fazenda na ditadura militar brasileira, pode ser interpretada como um refugo, um resquício anacrônico desse otimismo leviano já decadente na Europa décadas antes.

Frente à incapacidade da Ciência hegemônica de então em solucionar questões atinentes aos problemas sociais, as discussões se acaloraram em torno do tema. Tomava corpo o debate sobre a eficiência da aplicação das concepções positivistas às Ciências Sociais. Historicamente, as discussões sobre Ciência se processaram tendo por referência necessidades próprias do mundo natural. Ainda que o próprio Comte tenha postulado a necessidade de se dirigir olhares para o mundo social, sua filosofia não dava conta das particularidades dessa área, fomentando uma transferência de métodos que enxergavam as variáveis sociais apenas parcialmente, negligenciando seus aspectos não mensuráveis. O Neopositivismo do Círculo de Viena avança nesse sentido ao postular a possibilidade da avaliação qualitativa do mundo. Contudo, dada a variabilidade do mundo social, sua muito menor rigidez de regras e o aspecto psicológico inerente ao ser humano, métodos válidos para tal avaliação precisariam (e ainda precisam) de muita discussão para obter um julgamento consensual6. Abriu-se espaço para as ciências compreensivistas, para o Estudo de Caso e para inferências lógico-racionais por meio da observação do mundo e sua avaliação qualitativa. Para isso contribuiu Popper (1972; 1980) que se distanciou do Empirismo Lógico do Círculo de Viena ao contrapor a noção de verificabilidade pela de refutabilidade (ou falseabilidade), na qual entendia-se (não obstante às críticas sofridas posteriormente) que um enunciado científico jamais pode ser empírica e definitivamente confirmado, mas tão somente corroborado, enquanto sua refutação pode ser assim determinada. A racionalidade hipotético-dedutiva tem sido a tônica do pensamento científico desde então, que, apesar de não ter abandonado o raciocínio indutivo como sua ferramenta, superou a visão empírico-indutivista de Ciência.

De forma geral, quando se fala da presença do Positivismo na pesquisa atual estamos nos referindo a matizes do Neopositivismo e não às suas vertentes mais antigas, ainda que tal denominação seja passível de crítica em razão dos reducionismos analíticos que têm sido

6 A isso podemos apresentar o comentário de que mesmo nas linhas positivistas a definição do método não antecede o conhecimento do objeto. O que ocorre é que, sendo a variabilidade dos objetos naturais menor que a dos sociais, o método escolhido para aqueles foi já historicamente validado e reconhecido como sendo o melhor para aquela categoria específica de objeto, acreditando-se não haver necessidade de avaliações exploratórias a cada novo estudo, a menos que seja um objeto desconhecido ou que haja uma mudança paradigmática a seu respeito. Ao transpormos essa conduta para as Ciências Sociais é que surgem os problemas, pois uma coisa seria dizer que tais ciências adquiriram maturidade suficiente para definir ‘a priori’, por respaldo histórico, qual o método mais adequado para a abordagem de determinado objeto (considerando que isso fosse possível dado o mapeamento e triagem de toda a variabilidade social possível), outra coisa é dizer que, por aproximação ou semelhança, um método reconhecidamente eficiente em Ciências Naturais seria igualmente eficiente se aplicado a um objeto social. Esta última conduta resulta em uma avaliação parcial ou mesmo equivocada do objeto estudado e se equivaleria a uma escolha equivocada de um método a ser aplicado dentro das próprias Ciências Naturais, ou seja, um erro metodológico. Em todo caso, postula-se hoje que a abordagem do objeto (qualquer que seja) é sempre precedida por uma teoria que lhe define e orienta o pesquisador na escolha do melhor método e na seleção do que é ou não relevante para a pesquisa e que o pesquisador deve estar aberto a informações emergentes que surjam durante a pesquisa, para adequar o método ao objeto.

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empregados na avaliação dos diversos sistemas da epistemologia contemporânea. Nesse caudal, Silvino (2006) se posiciona firme contra o emprego da adjetivação “positivista” ou mesmo “neopositivista” na caracterização do modelo hegemônico de Ciência nos dias atuais, uma vez que trata por semelhantes coisas desiguais, em uma generalização indevida a partir de fragmentos descontextualizados de cada sistema avaliado, tomando o todo por suas partes ou pela mera soma delas. Alerta que as críticas realizadas são, na maioria das vezes, pertinentes, suscitando a necessidade de aprimoramento metodológico e adequação filosófica do modelo, mas que disso não deve resultar a afirmação de ser este ou aquele sistema positivista. Assim, cair nessa “armadilha” seria esquecer-se de toda uma gama de características definidoras da Filosofia Positivista, necessárias a tal qualificação e resumidas nas seis teses citadas acima (SILVINO, 2006).

No Brasil, o Positivismo chega em meados do século XIX, aflorando com mais força nos finais desse século. O movimento republicano foi, particularmente, influenciado por essa corrente de pensamento, tendo Benjamin Constant (1836-1891) como um de seus expoentes brasileiros e grande receptividade por parte de vários oficiais militares. Não por acaso o lema positivista de progresso por meio da ordem (uma contraposição explícita ao sacrifício do progresso em nome da ordem, proposto pela Teologia, e à completa ausência de ordem em nome do progresso, proposta pelos anarquistas) está expresso em nossa bandeira nacional (SKANDAR e LEAL, 2002).

Também na Saúde o Positivismo se apresenta já nos finais do século XIX, particularmente, nos cursos de Medicina, no interior dos quais alunos, professores, reitores e políticos dividem opiniões quanto à adequação ou não de se filiar a esta corrente de pensamento (WEBER, 1999). No campo da Educação escolar, o Positivismo se faz sentir, particularmente, por meio da Sociologia e da Psicologia. Dois positivistas merecem destaque por sua influência sobre o currículo escolar: John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903). Mill enfatizava a importância de uma formação mais humanística no interior das escolas, enquanto Spencer defendia a supremacia das Ciências Naturais (SKANDAR e LEAL, 2002).

Considerações finais

De forma geral, o Positivismo (COMTE, 1978) avança quando comparado com seu predecessor Empirismo, contudo, ainda permanece preso ao processo indutivo, duramente criticado por Popper (1972; 1980), que inaugura um novo paradigma científico ao contrapor o verificacionismo positivista por seu falseamento.

Na Educação (SKANDAR E LEAL, 2002), o Positivismo passa a, direta ou indiretamente, definir a forma dos currículos segundo seu entendimento sobre: como as disciplinas devem se dividir para possibilitar seu melhor aprendizado pelo planejamento e organização sistemática dos saberes, fragmentando o currículo escolar; como deve ser a organização social, econômica e produtiva, que acaba por ser reproduzida nos espaços escolares; como deve se processar o desenvolvimento intelectual dos alunos, pela “Lei dos Três Estágios”; como deve se valorizar a primazia das Ciências Naturais e seu rigor metodológico de observação, experimentação e controle. Essas interferências, se por um lado, trazem contribuições significativas como aprimoramento do planejamento escolar e do uso de tecnologias educacionais, desenvolvimento do ensino profissionalizante e ensino de conteúdos científicos, por outro, o reducionismo cientificista, a excessiva especialização dos saberes, o rigor didático-metodológico e o exacerbado controle externo dos processos comprometeu a autonomia da escola e a amplitude da formação humana possível, problemas ainda presentes e de difícil superação nos espaços educacionais.

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Referências

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BURDZINSKI, Júlio César. Justificação, coerência e circularidade. Veritas [online]., vol 50. n.4, Porto Alegre: PUC, p. 65-93, nov. 2005.

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?. São Paulo: Brasiliense, 1993.

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COELHO, Jonas Gonçalves. Hume: ceticismo e demarcação. Ciência & Educação, v. 6, n. 2, p. 141-149, 2000.

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HESSEM, Johannes. Teoria do Conhecimento. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [Trad.: João V.G. Cuter]

ISKANDAR, Jamil Ibrahim; LEAL, Maria Rute. Sobre Positivismo e Educação. Rev. Diálogo

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POPPER, Karl R. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora da UnB. 1980.

POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 1972.

RODRIGUES, Osvaldino Marra. A Crítica de Popper a Hume: O Problema da Indução. Rev. A

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SILVINO, Alexandre Magno Dias. Epistemologia Positivista: Qual a Sua Influência Hoje?. Rev. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 2, p. 276-289, 2007.

THEMOTEO, Reinaldo J. Popper leitor de Bacon: uma análise das críticas falibilistas ao indutivismo baconiano, Cadernos UFS, p. 35-45, 2010 (Disponível em http://200.17.141.110/ periodicos/cadernos_ufs_filosofia/revistas/ARQ_cadernos_6/reinaldo.pdf, em 21/09/2010)

WEBER, Beatriz Teixeira. Positivismo e ciência médica no Rio Grande do Sul: a Faculdade de

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