Conselho - IBGC | Instituto Brasileiro de Governança ... · desafiados a responder sobre quais...

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IBGC Análises & Tendências - 2ª edição - Novembro/Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018

ConselhoPresidente: Emilio CarazzaiVice-presidentes: Ricardo Egydio Setubal e Isabella SaboyaConselheiros: Alberto Emmanuel Whitaker, Doris Beatriz França Wilhelm, Monika Hufenussler Conrads, Richard Blanchet, Robert Juenemann e Vicky Bloch

DiretoriaAlberto Messano, Henri Vahdat e Matheus Rossi

Superintendente geralHeloisa Belotti Bedicks

Superintendente de Vocalização e InfluênciaValéria Café

Superintendente de DesenvolvimentoAdriane de Almeida

Superintendente de Operações e RelacionamentoReginaldo Ricioli

Produção e coordenação da publicaçãoJornalista responsável: Sandra Nagano (MTB 42425/SP)

Projeto gráfico e diagramaçãoAtelier de Criação (atelierdecriacao.com.br)

FotosDivulgação / Arquivo IBGC

É vedada a reprodução de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia, mediante consulta formal e citação de fonte.

IBGCAv. das Nações Unidas, 12551World Trade Center Tower - 21º andar - CEP 04578-903 - São Paulo/SPtel.: 55 11 3185 4200 / e-mail: [email protected]

Associados mantenedores

Nº 2 / 2017

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Editorial

O papel do conselho de administração na estratégia das organizações

Estratégias nos conselhos de administração

Agenda externa na estratégia das grandes empresas: qual o papel do conselho de administração

A gestão de pessoas no planejamento estratégico das empresas

Os desafios de arquitetar um planejamento estratégico em um mundo em constante mudança

Oportunidades e riscos da revolução digital: o papel dos conselhos de administração

Governança estratégica: construindo o futuro consciente

Sumário

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Os artigos desta publicação, com exceção dos textos assinados pelos administradores e equipe do IBGC, são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do instituto.

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EditorialEm linha com a publicação IBGC Orienta: O papel do Conselho de Administração na Estratégia das Organizações, disponibilizamos a segunda edição do IBGC Análises&Tendências.

A nova publicação pontua que os conselhos devem estar comprometidos com o pensar estratégico, um processo permanente, que se intensifica em virtude do surgimento de ame-aças e/ou oportunidades derivadas de novas tecnologias, novos concorrentes, mudanças no comportamento do consumidor, da sociedade e de questões socioambientais.

Para amplificar essas questões, convidamos pro-fissionais atuantes na causa da boa governança para escrever sobre as razões desses temas per-mearem a estratégia das organizações e de seus administradores. Eliana Camargo abre a publica-ção do IBGC Análises&Tendências explicando que, para formular as diretrizes estratégicas, o conse-lho precisa revisitar os conceitos de missão, visão e valores, que devem estar explicitados de forma clara. Letícia Costa menciona que o tema estraté-gia é o que mais toma tempo dos conselheiros e é também a área na qual eles acreditam ser mais eficazes (pesquisa McKinsey, 2015). Porém, para a autora, há falta de clareza sobre como os conse-lheiros devem cumprir essas atribuições.

Analisando por outro ângulo, o embaixador Rubens Barbosa questiona os motivos pelos quais as empresas brasileiras não se internacionalizam e apresenta análises de como elas poderiam se organizar para o mercado externo, enquanto que Sandra Denes explica a necessidade dos conse-lhos ajudarem a construir uma cultura corporati-va, com valores que tenham significado, de forma a manter talentos alinhados a essa cultura e aos objetivos da organização. Para ela, o planejamento estratégico deve incluir a gestão de pessoas.

Não poderíamos trazer tendências de planeja-mento estratégico sem falarmos de inovação. Cláudia Elisa contextualiza os desafios de arqui-tetar uma estratégia em um mundo constante de mudanças e explica que o conselheiro deve ser um agente que contribui com ideias e informa-ções, provocando o time de executivos, incenti-vando a criação de uma visão compartilhada de negócios, dentro de um contexto de agilidade, redes e inovação. Por falar em inovação, Rene

Martinez diz que os administradores devem ser desafiados a responder sobre quais são as princi-pais iniciativas de transformação em andamento em suas organizações, os novos riscos adiciona-dos à matriz e, a agilidade dessas organizações em responder essas questões.

Por fim, Celso Ienaga explica o que é o “novo normal” e a como a governança corporativa deve estar preparada para o VUCA, que está direta-mente associado ao surgimento e proliferação sem precedentes de novos concorrentes e novas formas de concorrência.Os artigos apresentam pontos de vista relevantes, como a importância de estar atento ao ambiente internacional, a necessidade de ouvir as partes interessadas, convergindo com a ideia de que é preciso, mais do que nunca, entender os novos consumidores, as novas tecnologias, as externalidades geradas pelos negócios, assim como sempre analisar o macro ambiente, que enuncia desafios decor-rentes das mudanças climáticas, da migração intensa, entre outras megatendências.

O mundo passa por transformações constantes e em velocidade nunca vista antes. E os con-selhos de administração, como guardiões da estratégia das organizações, não podem deixar de acompanhá-las e analisá-las no âmbito dos negócios nos quais atuam.

Espero que tenham uma ótima leitura. Valéria Café Superintendente de Vocalização e Influência do IBGC

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O papel do conselho de administração na estratégia das organizaçõesEliana Maria Segurado Camargo

Mudanças profundas e aceleradas no ambiente de negócios trazem novos de-safios para toda a sociedade. No mundo da governança corporativa, essas transfor-mações têm forte impacto na atuação do conselho de administração, que tem como papel essencial refletir sobre objetivos futuros da organização, antecipar riscos e vislumbrar oportunidades.

Cabe ao conselho estabelecer as bases do processo de pensamento e planejamento estratégico que levará à definição dos rumos do negócio e, portanto, os conselheiros pre-cisam aprofundar a sua visão sobre a impor-tância do pensar estratégico.

O pensar estratégico não é uma atividade com ritmo predeterminado, um evento no calendário anual da empresa. Na verdade, trata-se de um processo permanente, que se intensifica cada vez que o gestor e con-selheiro detectam “perturbações internas ou externas capazes de afetar os resultados da estratégia”. A reflexão sobre a estratégia deve ser contínua, porque a capacidade de se antecipar às mudanças constitui, fre-quentemente, uma condição para a sobrevi-vência no mercado.

O conselheiro deve praticar e promover algumas habilidades em relação ao pensar estratégico. Com foco no ambiente externo, ele deve desenvolver visão periférica e sistê-mica, construir uma sólida rede de relacio-namentos de alto nível e manter-se atento a oportunidades na cadeia de valor. Com foco no ambiente interno, deve fomentar o pensa-mento crítico; aprender com a organização informal; construir hipóteses; incentivar a adoção de projetos-piloto; estimular o uso do plano estratégico como veículo para o pensar estratégico.

O conselheiro deve incentivar mudanças de conduta e ficar atento a comportamentos ou posturas dos gestores, das equipes e

do próprio conselho que possam inibir o pensamento estratégico. Alguns exemplos de inibidores do pensamento estratégico são: excesso de atenção a assuntos operacionais; inércia em tempos de bonança; previsões estratégicas como simples projeções do passado; subordinação à orçamentação; e sistema de remuneração convencional.

O pensar estratégico é crítico para qual-quer organização, em maior ou menor grau, dependendo do seu segmento de atuação. Ele contribui para o processo de planejamento e para a gestão estratégica com visões de futuro.

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De forma implícita ou explícita, todas as organizações deliberam sobre temas estraté-gicos. Na mente dos fundadores, nas deci-sões dos administradores, em modo mais ou menos formalizado, o raciocínio estratégico esteve e está presente.

Pensamento estratégico e planejamen-to estratégico são ambos necessários à formulação estratégica; isoladamente, são insuficientes. O planejamento integra os fundamentos da estratégia e seus compo-nentes essenciais dando quantificação e materialidade ao conteúdo resultante da reflexão estratégica.

Um dos fundamentos da formulação estratégica é estimular o debate. É essen-cial promover um ambiente favorável às discussões estratégicas para desenvolver novas percepções sobre o negócio e formas inovadoras de gestão, além de assegurar a própria qualidade das decisões estratégicas. A revisão e validação dos estilos de decisão são outro fundamento importante, porque abordagens que deram certo no passado podem se tornar inadequadas com o surgi-mento de novos desafios e colocar em risco o futuro dos negócios. Saber escolher a metodologia mais adequada para elaborar o planejamento estratégico também é funda-mental, pois abordagens distintas levam a diferentes diagnósticos e, consequentemen-te, a diferentes conclusões.

Para formular as diretrizes estratégicas o conselho precisa revisitar os conceitos de missão, visão e valores que, dependendo do estágio de desenvolvimento da organização, talvez não estejam explicitados de forma estruturada e clara.

Ouvir os sócios sobre a visão que eles têm da empresa e do futuro dos negócios é uma boa prática dos conselhos, tomando sempre o cuidado de ter a palavra final sobre a in-corporação ou não das contribuições ofere-cidas. O presidente do conselho tem papel relevante a desempenhar nesses diálogos. Sua habilidade, liderança e capacidade de mediação na condução desses contatos são fundamentais para elaborar as diretri-zes estratégicas. É boa prática também o conselho estar atento às necessidades das

partes interessadas (ou stakeholders) da or-ganização. A experiência dos conselheiros é importante para saber medir a legitimidade desses anseios.

As diretrizes estratégicas definidas pelo con-selho estabelecem as bases do processo de planejamento estratégico.

A elaboração do plano estratégico divide-se nas etapas de preparação, desenvolvimento e aprovação. O desenvolvimento do plano estratégico geral e detalhado é tarefa da diretoria executiva. O papel do conselho de administração deverá ser ativo nas três fases, mas com intensidades distintas. O envolvimento se dará principalmente com o aporte de experiências e opiniões rele-vantes e buscando manter o alinhamento com as diretrizes para evitar assimetrias que venham a gerar frustações na avaliação subsequente do plano. É fundamental que a diretoria, periodicamente, apresente ao conselho como as principais questões estão sendo tratadas e como elas estão sendo en-caminhadas de acordo com o cronograma dos trabalhos.

Cabe ao conselho validar o que está no plano, questionando se a organização dis-põe das competências necessárias e se há recursos tangíveis e intangíveis para suportar o que foi estabelecido. Um erro de avaliação frequente é acreditar que, uma vez viabili-zado o acesso ao capital, todos os demais recursos têm oferta elástica. O conselho precisa dar atenção permanente à gestão estratégica dos recursos.

O conselho deverá definir claramente, e indicar nas suas diretrizes, o apetite ao risco que a organização está disposta assumir na estratégia. Isso deverá ser atentamente levado em conta pela diretoria executiva ao desenvolver o plano.

A aprovação do plano estratégico é respon-sabilidade do conselho de administração. Se o processo de construção da estratégia tiver sido conduzido de forma adequada, haverá nesse momento ambiente propício, marcado pela confiança profissional e pessoal entre os envolvidos, um plano alinhado às diretrizes recebidas, com as grandes linhas estudadas e

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compreendidas e as contribuições dos conse-lheiros já incorporadas. O fundamental é que o plano seja de todos.

É necessário também levar em conta que o plano estratégico é um documento “vivo”. Ele não sobreviverá muito tempo às mu-danças contínuas no mercado se não for gerenciado para se manter atualizado e relevante. O plano precisa ser flexível. Cabe à diretoria fazer ajustes menores direta-mente ou propor ao conselho correções de maior impacto durante a vida do plano. O processo decisório da empresa deve conter mecanismos para detectar mu-danças que possam afetar o mercado e a dinâmica da competição, e cabe aos conse-lheiros se manter atentos a possíveis mu-danças, imaginando o quanto elas podem afetar a estratégia aprovada. Se concluir que uma mudança de estratégia é neces-sária, o conselho deverá colocar o tema em discussão para possíveis ajustes.

Uma vez aprovado o plano, o conselho e a diretoria executiva escolherão os indicado-res a serem monitorados periodicamente e avaliados nas reuniões de conselho. O grau de detalhamento desses indicado-res dependerá das circunstâncias da em-presa, dos pontos que geram preocupação e da contribuição do plano para a geração de valor. A definição de indicadores de desempenho relevantes é um aspecto crítico do acompanhamento do plano. Eles ajudam a avaliar a qualidade da execu-ção de forma tempestiva e fundamentam ajustes necessários no desempenho para assegurar que a organização esteja no rumo pretendido e consiga evitar resulta-dos indesejáveis.

O sucesso do plano estratégico depende de uma comunicação com todos os públicos direta ou indiretamente envolvidos na sua execução. Essa tarefa é de responsabilidade da diretoria executiva, que deverá executar o plano e liderar a organização na implementa-ção da estratégica definida.

Cabe ao conselho se certificar de que o dire-tor-presidente e os principais executivos da organização estejam envolvidos diretamente na implementação do plano estratégico,

alinhados aos seus objetivos e dispostos a conduzir os colaboradores na busca das mudanças desejadas.

Para acompanhar a execução do plano estra-tégico, a base principal serão as informações preparadas pela diretoria executiva.

O conselho deverá reservar um tempo específico em suas reuniões para discutir a estratégia e a implementação do plano. É importante que os conselheiros fiquem atentos a dados genéricos demais que mascaram informações pertinentes ou a detalhes excessivos que retiram o foco do essencial. Eles devem assumir uma postura ativa e inquisitiva para poder avaliar o grau de eficácia na execução.

A experiência e a vivência dos conselheiros são fundamentais para trazer alternativas de ação, mas é importante ter cuidado para não se envolver demais em questões operacionais.

O conselho de administração é realmente o guardião da estratégia da organização quando inclui o pensar estratégico como rotina em suas atividades, porque assim ele tem mais chances de vislumbrar opor-tunidades, antecipar mudanças e gerar valor para a organização.

Eliana Maria Segurado CamargoCoordenadora da Comissão de Estratégia do IBGC e da publicação O papel do Conselho de Administração na Estratégia das Organizações, lançada pelo instituto em 8 novembro de 2017

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Estratégias nos conselhos de administraçãoLetícia Costa

Não há dúvida de que o conselho de adminis-tração (CA) é responsável pela estratégia de uma organização. O Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC deixa claro que “o CA é o órgão colegiado encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento estratégico”.1

De fato, os conselhos dedicam tempo significativo para esta tarefa e acreditam, em sua maioria, na eficácia de sua atuação, conforme indicado pelo estudo realizado pela McKinsey, em 2015: o tema estratégia é o que mais toma tempo dos conselheiros (média de 8.91 dias/ano) e é também a área na qual os CAs acreditam ser mais eficazes (37% dos respondentes), muito embora este nível de eficácia ainda pareça baixo face à importância do tema.2

Na minha visão, porém, ainda há muita falta de clareza de como os CAs devem cumprir estas atribuições e há também grandes varia-ções na forma e no grau de envolvimento do CA no estabelecimento e monitoramento da estratégia. Alguns conselhos se envolvem na formulação da estratégia, enquanto outros têm um papel apenas de aprovação da estra-tégia elaborada pelo management.

Esta falta de clareza reflete, em minha experi-ência, pelo menos dois desafios importantes: (a) a busca de um equilíbrio entre as atribui-ções do management e do CA; e (b) um ainda baixo entendimento de que o envolvimento do CA pode e deve variar ao longo do tempo, dependendo do contexto e da fase de de-senvolvimento da estratégia da organização.

O CA está sempre buscando o ponto de equilíbrio correto entre demonstrar confian-ça no management e cumprir suas respon-sabilidades fiduciárias. Questionamento excessivo da estratégia pode, por vezes, fazer com que o management se sinta desconfortá-vel. Baixo nível de questionamento e envol-

vimento estratégico impede o cumprimento integral das atribuições básicas do CA.

É importante salientar que um maior en-volvimento do CA no desenvolvimento da estratégia tem vários benefícios: senso de “ownership”; melhores decisões refletindo uma visão mais diversa e ampla de perspectivas; e maior colaboração entre CA e management. Mas há também custos: o CA precisa dedi-car tempo para entender a empresa e seus desafios estratégicos e pode também signifi-car que o management tem menos controle sobre os resultados do processo. Encontrar o equilíbrio adequado, na minha visão, requer um alto grau de confiança entre management e CA, bem como processos bem estruturados para que o tempo dedicado ao processo seja adequado. Já enfrentei situações nas quais o management acreditava que questionamento da estratégia pelo CA era uma “interferência”, mas nas quais essa “interferência” foi funda-mental para evitar movimentos estratégicos inadequados ou inoportunos. Vivi também situações nas quais a confiança entre mana-gement e o CA era grande e questionamen-tos significativos da estratégia foram feitos, resultando em novas atitudes e estratégias mais positivas e adequadas. No limite, o CA deve sempre manter a sua independência e se envolver tanto quanto necessário para ter conforto nas decisões.

Quanto ao entendimento do nível de en-volvimento do CA na estratégia, creio que é necessário reconhecermos que o desen-

1. Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, IBGC, 5º edição, 2015.2. Toward a Value-creatingBboard, McKinsey&Company, 2016.

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volvimento de estratégia passa por etapas distintas, com demandas bastante diferentes.

É importante lembrar que uma estratégia bem-sucedida é aquela que traz retornos acima da média do setor e que define as escolhas que a empresa realiza para en-tregar valor a seus clientes de forma dife-renciada. Para atingir este tipo de retorno, uma empresa precisa ter muita clareza com relação a sua real vantagem competitiva, cuja identificação é central à etapa de formula-ção de uma estratégia. O CA tem um papel importante nesta fase, pois, muitas vezes, as empresas têm visões enviesadas de suas vantagens competitivas – cabe ao CA um questionamento da visão do management e da robustez real da vantagem competitiva.

Uma vez estabelecida a estratégia, a empre-sa embarca em um processo geralmente anual de atualização e revisão da mesma. O grande risco neste processo anual é o de acomodação, isto é, conduzir o processo apenas como uma revisão dos projetos em andamento. Em um mundo com mudanças cada vez mais rápidas, cabe ao CA garantir que o processo tenha o rigor e profundidade necessários, bem como levantar temas novos que possam requerer ajustes na estratégia.

Por fim, é preciso reconhecer que, muitas vezes, há necessidade de o CA se envolver em uma discussão estratégica como res-posta focada a um desafio-chave (como, por exemplo, mudanças no ambiente econômico, eventos de M&A, etc.). Este envolvimento é mais ad-hoc e demanda flexibilidade no grau de envolvimento do CA.

Tendo reconhecido as diferentes etapas de um processo de desenvolvimento de uma estratégia – formulação, planejamento anual e ad-hoc – é importante também re-conhecer a influência do contexto na qual uma empresa opera no envolvimento do CA na estratégia3:

• Simples: contexto no qual os padrões são claros e no qual as decisões são to-madas com base em fatos (ex. indústrias maduras). Neste caso, o CA tende a focar na supervisão do processo e na clareza da comunicação;

• Complicados ou complexos: contexto com ambiguidades e incertezas (ex. entra-da de novos players no mercado, mudança em processos produtivos, etc.). Nestes ca-sos, sugere-se que o CA foque em desen-volver uma visão independente ou buscar visões alternativas àquela do management sobre as decisões estratégicas;

• Caótico: ambiente turbulento com alto grau de incertezas, que nem mesmos experts podem avaliar (ex. situações de dis-ruption em indústrias, situações de turna-round em ambiente hostil, etc.). Em geral, o nível de conflito e tensão é elevado e o um bom CA pode fazer uma grande diferença.

Vale ressaltar que no mundo de hoje, o con-texto pode rapidamente mudar de simples para complexo e de complexo para caótico. O CA precisa reconhecer as mudanças e adaptar sua forma de atuação.

Estas duas dimensões – etapas do planeja-mento estratégico e contexto – determinam em grande parte como o CA deve se envolver na estratégia da empresa. Em contextos mais simples, deve atuar com papel de supervisão, em grande parte assumindo um papel de aprovação do processo e seu resultado. Na medida em que o ambiente se torna mais complexo, é preciso que o CA assuma um papel mais proativo no desenvolvimento da estratégia. No limite, o CA cria, em conjunto com o management, a estratégia.

Em resumo: o CA tem responsabilidade clara com relação à estratégia da organização – mas é preciso discutir e acordar como esta atribuição será conduzida para que possa ser eficaz. Independentemente do modelo a ser adotado, é preciso reconhecer que ele pode e deve ser ajustado ao longo do tempo. Importante também salientar que, para tal, os conselheiros devem sempre estar atua-lizados e ter conhecimento suficientes para uma discussão produtiva e eficaz. Isto requer que o tema estratégia esteja permanente-mente na agenda de reuniões.

3. How Strategic is Your Board?, Didier Cossin, E. Metayer, Sloan Management Review, Fall 2014

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Letícia CostaSócia da Prada Assessoria e conselheira de administração

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Agenda externa na estratégia das grandes empresas: qual o papel do conselho de administraçãoRubens Barbosa

O mercado interno brasileiro sempre exer-ceu uma forte atração para que as empre-sas concentrem sua estratégia para atuar domesticamente. As dificuldades econômicas dos últimos anos estimularam as compa-nhias nacionais a buscar ou ampliar sua participação no exterior.

A entrada da China e da Índia no cenário internacional como expressivos produtores, consumidores e exportadores, acirrou a com-petição entre empresas de médio e grande porte e tenderá a expô-las a uma crescente exigência de inserção no mercado global.

A internacionalização da empresa brasilei-ra começa a ser uma condição necessária para a obtenção de melhores condições de acesso à tecnologia, aos capitais, à cultura empresarial e, naturalmente, aos mercados.

A disposição das empresas em internaciona-lizar-se, talvez, seja o indicador que melhor sinalize as suas possibilidades de êxito e até mesmo, em alguns casos, de sobrevivência. A maior abertura dos mercados e a tendên-cia de ampliação de compromissos deriva-dos de acordos de livre comércio, trarão a pressão da concorrência cada vez mais para o terreno do mercado doméstico.

No caso brasileiro, o processo de inter-nacionalização das empresas, ainda que insuficiente, apresenta importantes sinais de avanço. A gradual abertura da economia, a interrupção do processo inflacionário, e a profunda reestruturação pela qual passou a estrutura produtiva na década passada, fi-zeram o trabalho inicial de romper o quadro de isolamento da economia mundial em que vivia grande parte da indústria brasileira.

Observando-se a questão sob o ângulo da presença direta de empresas brasileiras em outros países, na forma de alianças,

de associações, ou de instalação produti-va, percebe-se um claro amadurecimento dessas ações.

Não existem indicadores específicos de quanto as empresas brasileiras estão investindo no exterior (cerca de 10% do PIB), em razão das estatísticas oficiais relativas a investimentos diretos englobarem tanto investimentos pro-dutivos como outras formas de operação de brasileiros no exterior.

O processo de internacionalização está no seu início e os investimentos se concentram nos EUA e na América Latina, embora haja exemplos em outros continentes.

De acordo com estudo sobre a internacio-nalização da empresa brasileira, encomen-dado pela Fiesp, é cada vez mais signifi-cativo o universo de pequenas e médias empresas, que aos poucos vêm passando por mudanças culturais e de gestão, com o objetivo de intensificar ou de iniciar um processo de internacionalização.

O estágio de internacionalização de nossas empresas ainda é insuficiente, se comparado a padrões observados em países emergentes com presença agressiva no mercado inter-nacional. A participação do comércio exterior brasileiro no comércio mundial, pouco acima de 1%, em decorrência, entre outras razões, do reduzido coeficiente exportação/vendas totais da média de nossas empresas, é incom-patível com a dimensão da economia Outro indicador, de natureza cultural, é a frequente falta de “exposição” do empresário brasileiro ao mundo de negócios internacionais e o des-conhecimento de seus aspectos regulatórios.

Recente seminário na Fiesp sobre a interna-cionalização das empresas brasileiras teve como principal conclusão o fato de que é necessário uma atitude proativa por parte

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de entidades empresariais, acadêmicas, do setor público e, naturalmente, das próprias empresas para acelerar esse processo.

Na área governamental, é necessário um esforço negociador para superar entraves técnicos que impedem a celebração de acor-dos de bitributação do Brasil com parceiros de vital importância, como é o caso dos EUA e do Reino Unido. Caberia ainda examinar formas de dedução fiscal dos investimentos realizados no exterior.

No que tange ao BNDES, sua instrumentaliza-ção como agente de internacionalização das empresas poderia dar importante impulso ao processo, assim como a abertura de agências em alguns mercados-chave de forma a promo-ver oportunidades e oferecer apoio creditício.

Diante do atual quadro de globalização e de competição no mercado mundial, a internacio-nalização das empresas não é mais uma opção, é uma realidade que se impõe para a sobrevi-vência das empresas competitivas brasileiras.

Na discussão sobre sua internacionalização, as empresas verificarão que os sistemas de opera-ção, de participação nos mercados, nos fluxos financeiros e na aplicação de regras tributárias são muito distintos dos existentes no Brasil.

Como organizar as empresas para ampliar seu mercado externo? Caso ainda não disponha, será importante criar um departamento com profissionais com alguma experiência em relações internacionais e familiarizado com as regras e normas da organização mundial de comércio. Isso é o que se convencionou chamar de diplomacia corporativa, relacionada com a internacionalização da empresa quer por meio da presença da corporação no comércio exterior, quer na sua instalação no exterior.

O diplomata corporativo é o colaborador de uma empresa responsável por desenhar e gerenciar a política externa corporativa, ou seja, a estratégia internacional da empresa. Este profissional deve desenvolver habilidades multidisciplinares para o sucesso e sustenta-ção dos processos de internacionalização da organização que representa. Entre as diversas competências para o exercício desta função, destaca-se a liderança, pois o êxito na prática

de diplomacia corporativa está relacionado à capacidade de o estrategista internacional motivar e engajar equipes de trabalho multicul-turais para atingirem os objetivos almejados.

A política externa corporativa se exerce por meio de desenvolvimento e manutenção do relacionamento (local, estrangeiro, intergo-vernamental); relacionamento com canais sociais referentes ao negócio da empresa; relacionamento com cliente e fornecedor; monitoramento e estabelecimento de políti-cas de informação em nível internacional.

Dessa forma, o diplomata corporativo deve ser um profissional multidisciplinar capaz de processar informações que vão desde dife-renças culturais, passando pela capacidade de avaliação de ambientes políticos e econô-micos, até a capacidade de transformar isso em resultados financeiros.

As empresas precisam de um profissional preparado para o processo de internaciona-lização, seja cultural, científico ou econômico, que, dentro da companhia, será o responsá-vel por negociar em nome dela. Na contrata-ção desse professional, deveriam estar pre-sentes seu perfil pessoal, sua motivação para realizar um bom trabalho, sua personalidade, seu temperamento que, juntos, determina-rão se o padrão de trabalho que o indivíduo irá realizar será positive para a empresa.

O conselho de administração tem um papel importante quando for tomada a decisão estratégica de buscar o mercado externo. A composição do conselho tem de ser ajus-tada às medidas relacionadas com a interna-cionalização da empresa. Idealmente, deverá contar com a presença de, pelo menos, um membro com conhecimento pleno das implicações das negociações externas para a empresa. A criação do Departamento Interna-cional, sua organização, composição e compe-tência devem ser examinados pelos membros do conselho, assim como a escolha dos mer-cados-alvos e a forma de conquistá-los.

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Rubens BarbosaConsultor de negócios e presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (SOBEET). Foi embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999 – 2004)

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A gestão de pessoas no planejamento estratégico das empresasPedro Malavolta

Um planejamento estratégico que não in-clua a gestão de pessoas dificilmente vai ter sucesso. Essa é a avaliação de Sandra De-nes, integrante da Comissão de Pessoas do IBGC e vice-presidente de Recursos Huma-nos da FCB para o Brasil e o México, onde trabalha desde 2007. Sandra teve passa-gens por grandes empresas multinacionais e trabalhou com integração de empregados em situações de fusões e aquisições.

A especialista também destacou a necessi-dade dos conselhos ajudarem a construir uma cultura com valores fortes para as empresas. “Hoje em dia, as pessoas não ficam se não houver uma identificação com os valores da empresa”, afirmou.

Para ela, o mercado de trabalho passa por profundas transformações, fruto das mu-danças tecnológicas e da entrada de uma nova geração nas empresas, que alteram a maneira como as organizações devem cuidar de seus recursos humanos. “Não dis-cutir isso é não discutir o futuro”, avalia.

Leia a seguir os principais trechos da entre-vista com Sandra Denes.

A senhora defende que estratégia e gestão de pessoas devem sempre estar alinhados, por quê?Um planejamento estratégico sempre começa pela análise do capital. Os acionistas e o board estão preocupados com o capital. Como serão feitos os investimentos, como está hoje e como será no futuro? Depois, se analisa a infraestrutura. Em seguida, é analisada a concorrência e o mercado. Após isso, normal-mente, o conselho analisa se a empresa está preparada para as mudanças trazidas pela tecnologia, se estão ou não enxergando o fu-turo. Mas depois de tudo isso, é preciso ter as pessoas para executar esse plano. Para mim, não existe outra amarração possível senão construir um plano estratégico alinhado com

a gestão de pessoas. Afinal, quem vai executar todo esse plano? Não adianta parar a análise nos aspectos financeiros do planejamento.

Nos últimos anos, o mercado tem discutido mais acerca da importância da gestão de pessoas na estratégia nas organizações. Em sua visão, por que esse tema passou a ser tão debatido em eventos de negócios?A mudança dos negócios está afetando tudo. E as pessoas são vitais para o sucesso. Não discutir isso é não discutir o futuro. A estra-tégia tem que estar, sim, ligada à gestão de pessoas, simplesmente, porque isso é vital para o sucesso e mesmo a manutenção de qualquer organização. E o papel da gover-nança é antecipar as mudanças e enxergar quais são os movimentos na sociedade.

Quais são os principais pontos da ges-tão de pessoas que uma empresa deve considerar durante o processo de elabo-ração de suas diretrizes estratégicas?Primeiro, é preciso definir onde a empresa quer chegar. Por exemplo, vivenciei um episódio no qual uma empresa definiu, na sua análise de cenários, em suas diretrizes estratégicas, que a sobrevivência do negó-cio estaria na inovação, na digitalização, na mudança de mindset de produção. E, para

Sandra Denes: alinhamento da estratégia com a gestão de pessoas é vital para o sucesso da organização.

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conseguir essa transformação, era funda-mental ter na sua estrutura organizacional pessoas que tenham essa expertise, esse tipo de conhecimento. Nesses casos, é ne-cessário que o conselho faça algumas per-guntas. O primeiro questionamento é se a empresa tem as pessoas adequadas para essa fase de mudanças ou mesmo para a sobrevivência do seu negócio. Elas são suficientes para alavancar seus objetivos? É também importante perguntar se a estru-tura suporta esse avanço ou atingimento dessa meta. Ela está adequada? A empresa tem o número certo de pessoas? É preciso também olhar a estrutura de remunera-ção: ela está focada em ganhos de longo ou de curto prazo? Se o objetivo é tornar a empresa digital, eu tenho que ser rápida, trazer pessoas com esse perfil, oferecer uma remuneração que acompanhe o mer-cado. Mas se eu trouxer especialistas do Vale do Silício para a minha empresa, eles podem influenciar a organização sozinhos? Minha experiência aponta que não, pois esse grupo pode virar uma bolha. É ne-cessário investir em capacitação, inclusive do conselho de administração. O mindset tem que mudar lá em cima, no conselho. Porque se traz os especialistas, paga-se muito caro, mas não se consegue expandir esse modelo se não tiver a capacitação e o treinamento da alta administração como um todo. Ou seja, para garantir a imple-mentação das diretrizes estratégicas, é preciso alinhar a política de pessoas como um todo - da remuneração à estrutura, dos treinamentos às novas contratações.

Quais são as questões-chave sobre ges-tão de pessoas que precisam ser consi-deradas pelos conselheiros?Você precisa garantir que a empresa tenha os talentos certos para aquele período. Veja se está previsto um processo de remune-ração adequado. Pode ser de curto prazo, pagando um valor fixo, na média de mer-cado, mas com um bônus muito agressivo. Se é preciso reter essas pessoas ao longo do tempo para ter sucesso no negócio, é mais estratégico fazer um programa de long term incentive. Toda essa parte de gestão de pessoas está atrelada ao objetivo. Plano de sucessão também é fundamental. Pensando nessa questão, é possível trazer os talentos

certos para as transições, podendo mesclar profissionais mais sêniores com profissionais mais jovens. E, isso vale para a diretoria e mesmo para o conselho. Outros pontos que podem ser vistos são: a política de capa-citação e desenvolvimento; e as expertises presentes na equipe.

E essa análise por parte do conselho precisa ser feita até que nível dentro da empresa? Até a gerência ou mais restrito à diretoria?Normalmente, isso vem do conselho, desce para a diretoria e, então, para gerência. Cada um vai analisando o nível inferior com critérios já definidos. A formação do plano tem que ser suportada nos níveis mais altos, mas a imple-mentação tem que ser feita pela base, com a ação das gerências. Na minha opinião, esse é um processo que funciona em cascata.

As mudanças tecnológicas e esse mundo mais interconectado alteraram a manei-ra como as empresas funcionam. Como isso afeta as profissões? E, adicionalmen-te, como os conselhos podem antecipar as consequências dessa transformação?Essas mudanças afetam diretamente o conselho. Se o conselho precisa se anteci-par ao que está acontecendo no mercado, ele precisa estar preparado, treinado e capacitado para ter essa visão. Afinal, ele é o guardião da missão da empresa. Ele tem que entender que o perfil do jovem e do trabalhador mudou completamente. É importante saber que, nessa nova so-ciedade, se procura a agilidade. Será que essa estrutura operacional suporta essa agilidade? A estrutura tradicional, por vezes muito formal e hierarquizada, suporta esse ambiente novo que exige flexibilidade? Ou-tra questão importante é saber se decisões são realmente compartilhadas. Porque os mais jovens querem trabalhar por projetos, por propósitos. Mudou muito. Ter esse conhecimento é fundamental.

O que exatamente mudou? A senhora deu algumas pistas como participar das decisões, trabalhar com um propósito. Mas o que mais?A forma de trabalhar mudou. Lógico que impacta mais empresas de serviços em que

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seu assets são pessoas. O modo de trabalhar tem de se adequar à nova realidade. Por exemplo, as empresas precisam ter uma mentalidade digital. O que é isso? É preciso entender que você vai ter que trabalhar com inteligência artificial, ter business intelligence e vários profissionais que ajudem a empresa a crescer nesse ambiente. Mudou também a relação entre chefe e subordinado. Tem que trabalhar por projeto, não necessariamente por hierarquia. Se uma pessoa que possui um conhecimento mais direcionado para aquela função, ou para o objetivo daquele momento, é essa pessoa que deve ser alçada [a liderança] e não a pessoa que tem o nível hierárquico mais alto. As decisões agora são compartilhadas, os trabalhos são conjuntos. A estruturas de células dentro da empresa estão de volta, com a organização do traba-lho por projetos. É lógico que afeta mais as empresas de serviços. Em uma indústria que tem os produtos de longo prazo, que preci-sam de expertises técnicos muito específicos, essa mudança não é sentida no dia a dia. Mas o impacto vai chegar lá também.

Esse seria o exemplo das empresas do setor de construção de aviões, que tem ci-clos de produção de vinte ou trinta anos?Boa lembrança. Eu conheço bem essa indústria. Quando trabalhava no corporativo da GE, acompanhei a área de produção de turbinas. E lá, é uma empresa com ações de longuíssimo prazo. Mas também de-pende de tecnologia. E a tecnologia mudou muito e os competidores estão cada vez mais atualizados. As máquinas estão todas digitalizadas. Exige também uma mudança no comportamento. Eles estão investindo muito em tecnologia, o que obriga a trazer pessoal capacitado, e isso influencia tam-bém a maneira de como gerir essa questão. No setor de serviço é diferente. O dia a dia mais nervoso e a remuneração é diferente, com o objetivo de atingir metas rápidas, cla-ras, agressivas. Mas essas mudanças afetam tudo e todos.

A origem dessas mudanças foi a mudança tecnológica ou existe algum outro fator?A tecnologia foi a grande influenciadora. Não dá para pensar diferente. Essa abertura, o volume de informações, as mídias sociais

e a grande exposição que elas trazem, isso realmente mudou a forma de pensar. Mas acho que também existe um impacto das novas gerações. Outro ponto, é a questão da cultura. Hoje em dia, as pessoas não ficam se não houver uma identificação com os valores da empresa. Parece uma afirmação simples, quase coloquial, mas não é. Se a empresa não tiver cultura e valores fortes, se não tiver engajamento, ou se os valores de uma pes-soa não bater com os da organização, esse empregado sai da empresa.

E garantir valores fortes é uma questão importante para o conselho, certo?Exatamente. O conselho precisa ficar atento à cultura, aos valores, à ética, ao compliance, porque hoje impacta direta-mente na empresa e na gestão de pessoas. Essa nova geração não fecha mais os olhos não. Estamos vendo funcionários - de nível alto e muito qualificados - que, após esses escândalos [de corrupção], não se identifi-cam mais com essas empresas envolvidas e estão buscando recolocação. Eles não se identificam mais com essas práticas, ou não querem mais serem vistos como fazendo parte daquelas organizações. Essa mudança é, obviamente, impacto da tecno-logia, da comunicação, da socialização etc. Mas os valores estão mudando.

Qual deve ser o papel do conselho na avalia-ção da alta gestão? O que ele deve cobrar?Primeiro a performance, depois se tem o perfil adequado. Sempre tomando como base o plano estratégico, é preciso ver se es-sas pessoas estão de acordo com a necessi-dade futura da empresa ou se é o momento de fazer um plano de sucessão. O conselho precisa entender quanto tempo a empresa vai manter essa pessoa com essa expertise. É possível manter a pessoa, que tem o conhe-cimento necessário hoje mas trazer alguém com as competências necessárias para o futuro. Ou então, preparar a sucessão com capacitação de um talento interno, com um planejamento de um ou dois anos. Também precisa pensar na remuneração. Pode ser que em um determinado ano seu objetivo é ter um crescimento de 20%, então, será pre-ciso ter uma política de remuneração mais agressiva, com bônus maiores.

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É sempre necessário ter um comitê de pessoas para auxiliar o conselho?Eu acredito que é muito importante, vital. É comum em empresas do setor de avia-ção, por exemplo, ter um comitê de pesso-as forte, um RH local estruturado, uma pes-soa com formação e expertise em gestão de pessoas no conselho. E a empresa precisa ter até pelo seu tamanho. Mas a empre-sa suporta essa estrutura. Às vezes, uma empresa familiar, uma empresa menor não tem a possibilidade de ter um comitê de pessoas. Mas, se puder ter, eu acho que deve ter. E se não tiver, precisa ter alguém no conselho de administração que olhe para essa questão.

Existe uma forma de engajar a alta administração para que a mesma tenha uma visão holística do negócio? Qual a importância dessa visão quando pen-samos no longo prazo e perenidade das organizações?Atualmente, é mandatório ter essa visão holística. A empresa que não incluir isso na sua estratégia terá uma chance pequena no longo prazo. E isso precisa ser cons-truído com ajuda do comitê de pessoas. É possível capacitar mesmo nessas questões. Quando entrei na FCB, minha missão era implementar uma diretriz do plano estra-tégico de transformar a agência em uma empresa digitalizada, com um mindset para entender esse novo período. E existem cursos que preparam os executivos não para saberem programar, mas a estarem abertos para aceitar as novas práticas. E eu acredito que isso faça parte da visão ho-lística. Assim como diversidade e inclusão. Tem gente que acha que isso é modismo, mas não é uma moda. Já existem muito estudos que mostram que quanto mais diversificado a empresa é, melhor o seu re-sultado. Porque tudo tem que estar alinha-do ao resultado. Quando eu digo holístico, eu digo ter uma visão global mas alinhada ao resultado. Mas, para ter o resultado, é preciso pensar em tudo que precisa ser analisado para chegar até lá.

E como a senhora define inclusão?Inclusão é dar oportunidade para essas pessoas que não chegam. No dia a dia dos RHs da grande maioria das empresas, prin-cipalmente, de organizações corporativas, um teste simples revela muito sobre essa questão. Você anda no corredor e não vê nenhum negro, por exemplo. Mas muitas vezes essas pessoas não chegam nem para fazer o processo seletivo. Então, você pre-cisa ir na base, ir na faculdade, no estágio, no curso técnico para formar essa pessoa e permitir que ela possa ascender. Isso é inclusão. Muitos anos atrás, se você procu-rasse um engenheiro negro ou mulher, era muito difícil de encontrar. Em duas orga-nizações para as quais eu trabalhei, nós promovemos essa inclusão. Alguns casos que acompanhei, encontrávamos um ope-rário mais qualificado e investíamos para ele entrar no curso técnico. Aconteceu de acompanharmos a formação no ensino técnico e depois pagarmos a faculdade de engenharia. O mesmo foi feito com mu-lheres, dando espaço para o crescimento. Hoje, nas mesmas fábricas, essa situação está melhor. Mas porque isso foi trabalha-do 20 anos atrás. Demora 5 anos, 10 anos para dar resultado. Não se faz de um dia para o outro. É preciso pensamento de longo prazo.

Pedro MalavoltaJornalista da área de Comunicação do IBGC

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Os desafios de arquitetar um planejamento estratégico em um mundo em constante mudançaClaudia Elisa Soares

Que vivemos em uma realidade onde a única certeza é a mudança constante, já é sabido. É o chamado mundo V.U.C.A. (volatile, uncertain, complex, ambiguous), expressão cunhada pelo exército americano na década de 90, e que também passou a ser usada no mundo empre-sarial. O acrônimo descreve o novo ambiente em que as empresas (e seus líderes) têm de desenvolver suas estratégias (e seus times) – um mundo não mais linear, um mundo onde o futuro não é mais uma extensão do passado.

Diante deste contexto, mas acreditando no va-lor de realizar um planejamento estratégico, que oriente o futuro do negócio, existem duas coisas a fazer: a) mexer com o objeto (ou seja, repen-sar o formato do exercício de planejamento estratégico); b) e mexer com os agentes (ou seja, transformar os seres humanos - executivos e conselheiros – responsáveis por esse exercício).

Estratégia é como a empresa chegará num resultado, aproveitando oportunidades do mercado, mitigando ameaças, alavancando suas fortalezas e minimizando suas fraque-zas. Portanto, planejar a estratégia tem a ver com a capacidade de definir uma direção e apontar a empresa para esta direção.

O exercício de planejamento estratégico tra-dicional prevê um método ou passo a passo de exploração, uma data e uma frequência de discussão e um horizonte de realização.

Este exercício tradicional poderia ser substituí-do por uma abordagem mais “adhocrática”:

• Uma discussão de ideias que permita, ao grupo de pessoas envolvidas, conversar sobre aspectos do negócio, indo além da obsessão por análise de dados de mercado e da concorrência (ex: O que estamos escutando de clientes? O que estamos vendo a concorrência fazer mais rapidamente que nós? Que outros aspec-

tos, produtos ou serviços poderiam ser complementares em uma interação com o cliente? etc). A partir desta discussão estratégica, que evite cair numa aborda-gem tática/ operacional, o grupo envolvi-do direcionaria um certo planejamento de próximos passos para estudo dos temas e marcação de novos encontros;

• Uma sequência de reuniões, inclusive com a participação de grupos diversos (um grupo core e diferentes agregados a cada encontro), sem ter de cumprir com uma data específica no ano ou um ciclo específico de repetição;

• Um material consolidado de várias par-tes, com projetos de diferentes prazos de

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implementação, e que implique a existên-cia de um plano amplo com diferentes horizontes de realização.

O desafio em “mexer com o objeto” é que ele deve apontar uma direção que faça sentido, uma direção pragmática, exequível e apaixonan-te, por ser um plano “mais próximo”, e que subs-titui o plano tradicionalmente brilhante, robusto e completo que muitos executivos e conselhei-ros ainda insistem em querer desenhar.

O que as empresas precisam pensar, seja junto ao time de executivos, seja junto ao seu conselho de administração, é como de-vem se preparar para lidar com este mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo de modo proativo (e não reativo), compreendendo o contexto do negócio, sem contar com fórmu-las prontas, tendo um negócio que abrace (e não negue) o inesperado e o imperfeito.

Para o time de executivos da empresa, os desafios passam por:

• Ter uma organização ágil o suficien-te para responder às mudanças não previstas. Isto se consegue com uma organização mais enxuta, sem grandes compromissos financeiros (dívidas), e que consiga “pivotar” o seu negócio;

• Ser líderes que engajem e inspirem por meio do seu exemplo de agilidade na tomada de decisões e de adaptabilidade;

• Preparar as equipes para abraçar a incerteza, sem negá-la. Construir um time que trabalhe sem se sentir inseguro e irritado, sendo, por-tanto, flexível e emocionalmente inteligente;

• Evoluir e automatizar a coleta e análise de dados, permitindo enfrentar a ava-lanche de novas relações de causalidade entre as diversas variáveis do negócio;

• Compreender profundamente o con-texto em que a empresa se encontra (num setor ou num país), permitindo uma abordagem estratégica que traga ações com riscos calculados;

• Ter clareza dos planos de ação a serem implementados e gerar fóruns para

comunicação constante destes entre os diferentes times, diminuindo o senti-mento de hierarquia e facilitando a pro-posição de novas ideias e perspectivas.

Para o conselho de administração da em-presa, os desafios passam por: a) Analisar o perfil dos membros do conselho para ter um grupo de especialistas e generalistas que adicionem valor às discussões; b) Provocar o time de executivos e se auto-provocar para a realização de um planejamento estratégi-co não tradicional (como descrito no tópico anterior); c) Incentivar a criação de uma visão do negócio compartilhada por todos, e que mova a cultura de “Comando & Controle & Planos Fixos”, para um contexto “Ágil & de Redes & de Inovação”; d) Aproximar-se do negócio de modo a ser realmente um agente contribuidor de ideias e informações, vindas de experiências anteriores em outros con-textos, setores e países; e) Ser um elemento a mais no apoio aos trabalhos dos executivos e não somente um cobrador de resultados e crítico sem gerar alternativas.

Sucesso no mundo V.U.C.A. passa por sa-ber como liderar, engajar, “pivotar” desen-volver, tomar decisões, fazer mudanças e inovar continuamente.

Haja energia para enfrentar tantos desafios! Quanto aprendizado!

Claudia Elisa SoaresExecutiva e membro do Conselho do Grupo NC (EMS, 3Z Realty, NSC, NC Energia Renovável), membro independente do Conselho da Totvs e membro do Conselho da Secretaria de Gestão da prefeitura de São Paulo.

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Oportunidades e riscos da revolução digital

Rene Martinez

O ritmo das mudanças está mais acelerado e a disrupção está ocorrendo em todos os setores. Avanços no desenvolvimento tecnológico e a quebra de barreiras geográficas tornaram-se principais forças motoras capazes de promover transformações e causar profunda disrupção.

Além disso, mudanças no modelo da relação de trabalho e mudanças demográficas e ge-opolíticas, irão transformar profundamente os modelos de negócios e o relacionamento com pessoas de como conhecemos hoje.

Pessoas e organizações estão conectadas de um modo jamais antes visto, processo que está acelerando por meio da rápida expan-são dos dispositivos móveis e do desenvolvi-mento e adoção de novas tecnologias.

Com isso, as organizações precisam se arris-car, testar. Essa grande transformação pode representar uma enorme oportunidade para organizações que consigam tirar proveito de sua força. Contudo, este cenário também apresenta desafios significativos, tais como:

• Novos concorrentes em setores distintos;

• Ritmo mais rápido de mudanças;

• Mudanças no comportamento de clientes;

• Desafio aos modelos de negócios atuais;

• Novos modelos de negócios;

• Transparência sem precedentes – gover-no, mídias sociais;

• Novas preocupações relativas à privaci-dade e à responsabilidade das empresas em relação a estes dados;

• Ameaças de cibersegurança e impacto nas operações e negócios.

À medida que o volume de informações digi-tais cresce exponencialmente, os dispositivos passam a ficar mais inteligentes e a conectivi-dade aumenta, o ambiente digital tende a se tornar cada vez mais complexo.

As tendências de maior presença de redes sociais, de crescimento da computação em nuvem e de regulações internacionais diversas (e muitas vezes atrasadas) somente servirão para aumentar essa complexidade.

As empresas procuram fazer negócios com organizações nas quais podem confiar. Mas a pergunta que fica: as empresas em que confio hoje são as mesmas que existirão amanhã?

Avanços tecnológicos movidos pela conver-gência de mídia social, dispositivos móveis, computação em nuvem e pelo big data, aliados à crescente demanda por acesso a informações a toda hora e em todo lugar, estão levando a disrupção às empresas e dissipando fronteiras setoriais.

Embora algumas tecnologias, como a compu-tação em nuvem e a telefonia móvel, sejam amplamente conhecidas, elas ainda não têm os impactos da sua utilização totalmente analisados. Inteligência artificial, automação robótica de processos (RPA), Internet das Coisas (IoT), blockchain, impressão em 3D e muitas outras estão promovendo revoluções.

Cada vez mais, as empresas precisam levar em conta a adoção de tecnologias digitais para acompanhar o ritmo dos avanços de produtos, além da capacidade de oferecê-los de diferentes maneiras e a preços menores.

Aliadas a transformação do negócio, as orga-nizações líderes do futuro serão aquelas que se diferenciarem com base na confiança que passam aos seus stakeholders. Neste ponto, um grupo pode ajudar a companhia a mate-

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rializar esta diferença: os executivos de área de risco, que podem ser aqueles capazes de traduzir as incertezas em confiança.

As áreas de risco precisam evoluir rapida-mente não apenas para que sejam ágeis o suficiente para acompanhar as mudanças, mas também para que consigam compreen-der, gerenciar os novos riscos e suportar os negócios em como traduzi-los para a con-fiança que os stakeholders esperam.

Além disso, para melhor preparo deste “novo normal”, os executivos de riscos devem inten-sificar as discussões nas áreas de inovação e estratégia, apresentando o tema aos conselhos de administração e comitês de governança, com exercícios estruturados de priorização e quantificação de riscos existentes e demons-trar o impacto da reação tardia dos riscos não previsíveis, através de análises de cenários, diminuindo assim o impacto nas organizações, uma vez que estes sejam materializados.

Nesta era de transformação tecnológica, os conselhos de administração têm papel relevante em:

• Entender a estratégia da organização e o portfólio de tecnologias emergentes — equilibrando estas tecnologias para o melhor retorno em termos de investi-mento e apetite a risco;

• Discutir se a segurança cibernética e entender os riscos associados às tecnolo-gias emergentes e como gerenciá-los;

• Desafiar uma gestão de risco que seja ágil e que disponha do conjunto correto de competências, processos e ferramen-tas para responder a novos riscos de maneira rápida e eficaz;

• Discutir tecnologias emergentes a fim de otimizar e transformar a função de gestão de riscos.

As empresas que reconhecem cedo esses novos riscos conseguem tirar proveito das oportunidades associadas. Porém, acabam tendo de gerenciar novos riscos inerentes à adoção de uma solução digital/disruptiva.

É aconselhado desafiar os executivos e con-selheiros de empresas primariamente com as seguintes perguntas:

• Quais as 5 principais iniciativas de trans-formação em andamento na companhia, status e resultado esperado?

• Quais os novos riscos adicionados a nos-sa matriz e nosso plano de trabalho com base nas tendências de seu setor?

• Sua função de gestão de riscos está mudando, alinhada com a transformação digital da sua organização?

• Você conta com a agilidade organizacio-nal e o conjunto certo de competências para responder aos riscos digitais de forma rápida e eficaz?

• Você entende os riscos associados a tecno-logias digitais e como deve gerenciá-los?

• Você está escolhendo os projetos digitais certos? Você está equilibrando seu por-tfólio digital para o maior investimento, risco e recompensa em geral?

• Você está incorporando segurança e controles em seus projetos digitais?

• Você está desenhando suas operações para se certificar de que está efetivamen-te gerenciando riscos?

• Você mediu o apetite a riscos, seus resul-tados e potenciais impactos provenientes da utilização de tecnologias emergentes?

As empresas precisam manter uma função ro-busta e ágil de conscientização de riscos que proporcione autonomia e seja potencializada pela inovação. Isso requer competências e ferramentas especializadas para acompanhar o ritmo das rápidas mudanças da atualidade.

Rene MartinezSócio Líder de Consultoria de Riscos – Latin America South da EY

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Governança estratégica: construindo o futuro consciente do legado Celso Hiroo Ienaga

“Vivemos tempos desafiadores!” Nos últimos tempos, esta é a frase que frequentemente ouço nas reuniões de conselho e nos encontros com acionistas. Olhando em retrospectiva os princi-pais eventos das últimas duas décadas, constatamos que a causa destes “tempos desafiadores” está nas Grandes Tendências Globais (figura 1), cujas implicações nos diversos campos sociais, políticos, econômicos e tecnológicos, nos faz perceber que hoje vivemos num “Novo Normal”.

Segundo o dicionário Oxford, “Novo Normal” é uma situação anteriormente atípica ou não fa-miliar que se tornou padrão, usual e esperado. Ele pode ser caracterizado por meio de quatro atributos: volatility (volatilidade), uncertainty (incerteza), complexity (complexidade) e ambiguity (ambiguidade), ou de forma mnemônica, VUCA (figura 2).

Figura 1: Principais tendências globais

1. Fonte: Global Trends 2030, Trend Compendium 2030, The Great Eight, MGI, Our Future World, World Econo-mic Forum 2016, Megatrends Watch Institute 2016,No Ordinary Disruption; análise Dextron.

2. Fonte: Bob Johansen, Institute for the Future

Figura 2 | VUCA e suas características

Volatility / Volatilidade• Inesperado• Instável• Duração incerta

Complexity / Complexidade• Muitas variáveis interdependentes• Volume excessivo de informações

Uncertainty / Incerteza• Causa desconhecida• Resultado imprevisível• Impacto desconhecido

Ambiguity / Ambiguidade• Pouca ou nenhuma informação• Relacionamentos e interdependências pouco claros

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No âmbito empresarial, o VUCA está as-sociado ao surgimento e a proliferação sem precedentes de novos concorrentes e novas formas de concorrência, muitos dos quais com atuação global. Neste contexto, o entendimento da dinâmica do mercado de atuação da empresa necessita ser expandi-da, partindo da identificação de preferên-cias globais de grupos / tribos – comunida-des (algo além do conceito de segmentos alvo) – até o atendimento individualizado a qualquer hora e/ou local.

No “Novo Normal”, a noção de vantagem competitiva sustentável passa por uma com-pleta releitura e redefinição. Como a Prof. Rita McGrath da Columbia Business School pontua em seu livro The End of Competitive Advantage, cada vez mais qualquer vantagem competitiva é insustentável, ou seja, transitória.

A definição de negócio passa também por uma revisão completa, desde a utilização do conceito de modelo de negócio para sua descrição, até o desenvolvimento de ecos-sistemas empresariais – uma plataforma de competências organizacionais e de modelos de negócios (algo como uma rede de cadeias de valor) - que permitam a empresa explorar suas vantagens comparativas e diferenciais competitivos durante um período de tempo.

Para responder a este novo contexto empre-sarial (figura 3), faz-se necessário um novo Modelo Organizacional centrado em 3 pilares chave - governança corporativa, modelo de gestão e gestão de gente (os chamados 3Gs) – que considera a crescente importância e influência dos diferentes stakeholders (Inte-ressados) nas principais decisões sobre o negócio e/ou a organização.

Figura 3 | Novo contexto empresarial

3. Fonte: Strategic Insight Methodology - Dextron

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Surge a questão: Como a governança corpo-rativa pode responder de forma efetiva as demandas e desafios do “Novo Normal”?

A resposta da governança corporativa ao VUCASegundo Bob Johansen do Institute for the Future, a resposta ao VUCA está no VUCA Pri-me (figura 4), o qual é composto por quatro competências críticas de liderança: visão, entendimento, clareza e agilidade.

o processo de aprendizado cessa ao longo do tempo, e as convicções se transformam em “verdades absolutas”, ou seja, “paradig-mas”. E estes “paradigmas passados” limitam profundamente a capacidade de enfrentar e encontrar novas soluções para os novos.

A implicação direta destas duas barreiras no modelo de governança corporativa é uma forte orientação dos conselhos em perseguir a “res-posta certa” (a maioria dos casos) ou as “pergun-

Figura 4 | VUCA Prime e suas principais competências

Vision / Visão• Comunicar o Propósito• Vivenciar as Convicções• Focar e alinhar os esforços na Direção Certa

Clarity / Clareza• Simplificar e buscar a Essencia do Contexto• Usar a Intuição e Experiência• Pensar de forma Sistêmica e Ter uma visão do Todo

Understanding / Entendimento• Fazer Certas Perguntas e desafiar o status quo• Compreender as Preocupações das pessoas• Estar Aberto a explorar Novas Ideias

Agility / Agilidade• Adaptar-se as circunstância e Decidir com confiança• Aprender com os error e buscar Inovar• Empower as pessoas e promover a colaboração

Apesar de evidente, colocar em prática o VUCA Prime requer vencer dois grandes barreiras: o modelo mental e os paradigmas passados presente na maioria dos conse-lhos e diretorias das empresas. No caso do modelo mental, a lógica preponderante no mundo dos negócios hoje é o reconhecimen-to e a premiação daqueles que se destacam na resolução de problemas complicados específicos da empresa e priorizam resul-tado, eficiência e foco nos detalhes. Num mundo VUCA, onde predominam os proble-mas complexos, o desafio está na implanta-ção de uma transformação organizacional que melhor responda as necessidades, não somente da empresa, como também das suas comunidades, ecossistemas e stakehol-ders. Neste novo contexto, o modelo mental vencedor foca o impacto da transformação, a eficácia da atuação e a visão holística sobre os problemas complexos envolvidos.

No caso dos paradigmas passados, qualquer profissional ao longo de sua carreira ao enfrentar um desafio, ele procura aprender e estabelecer certas convicções. Estas, por sua vez, permitem enfrentar novos desafios, aprender novamente e revisitar as convic-ções estabelecidas. Porém, em muitos casos,

tas certas”, ao invés de fazer “certas perguntas”. Muitas das possíveis transformações para responder ou adaptar-se ao ambiente VUCA surgem ao tentar responder “certas perguntas”.

O desafio seguinte está na determinação das transformações necessárias para garantir a geração sustentável de valor hoje e no futuro.

Construindo um futuro consciente do passado que iremos deixarDadas as características do “Novo Normal”, cada vez mais os conselhos precisam adotar uma postura, tanto antecipativa, como adap-tativa nas suas tomadas de decisão, de forma que a governança corporativa tradicional as-suma uma postura de governança estratégica.

O primeiro passo para adoção da governança estratégica é o estabelecimento no conselho de um entendimento comum sobre o con-texto interno e externo da companhia. Isto pode ser obtido ao explicitarmos as principais questões que preocupam os conselheiros e executivos da empresa segundo 5 grandes temas estratégicos (5Ds descrito na figura 5):

• Desafios: questões relacionadas a cons-trução do futuro do negócio;

4. Fonte: Bob Johansen, Institute for the Future

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Celso Hiroo IenagaManaging partner da Dextron Management Consulting

Figura 5 | Os 5Ds e os Principais Drivers Organizacionais

necessárias ao negócio para responderem as questões e temas estratégicos identificados.

A seleção final das principais iniciativas de mudança organizacional requer que o conselho reflita e decida, após responder as seguintes perguntas: “Qual o legado que esperamos deixar no futuro?”; e “Se iremos nos orgulhar deste legado?”. A consistên-cia, coerência e consciência na tomada de decisão no conselho sobre o futuro do negócio e sua capacidade de geração de valor de forma sustentável, considerando o legado a ser deixado, é a contribuição da governança estratégica no modelo de governança corporativa das empresas.

Obviamente, a adoção da governança es-tratégica per se já é um processo árduo de mudança organizacional, porém, ela se faz necessária para garantir a perpetuidade da empresa e de sua capacidade de geração sustentável de valor no novo normal.

3. Fonte: Strategic Insight Methodology - Dextron

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• Dramas: questões associadas à dificuldade de implementação de decisões já tomadas;

• Dilemas: questões relacionadas à procras-tinação de decisões-chave do negócio;

• Dor da hora: questões associadas à falta de senso de urgência ou a priorização das ações de curto prazo;

• Desconfortos: questões pouco definidas ou entendidas, porém que preocupam o con-selho dado potencial impacto no negócio.

Dado que as várias questões identificadas nos 5Ds são de natureza complexa, interde-pendentes, e não raro ambíguas, o conselho necessita adotar em determinados casos uma postura antecipativa e em outros adaptativas. Para garantir um alinhamento estratégico no tratamento destas questões e temas, o passo seguinte rumo à governança estratégica, é o estabelecimento dos principais drivers organizacionais: propósito (por que existo e faço o que faço), convicções (as poucas coisas inegociáveis) e aspiração/ambição (objetivos/metas que desejo atingir a longo prazo).

É baseado nestes drivers que o conselho poderá elaborar “certas perguntas” que irão facilitar a proposição das transformações