ConJur - Valor Presumido Dá Direito a Restituição Para Contribuinte de ICMS

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SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA 2 de maio de 2015, 9h06 Por Pedro Augusto de Almeida Mosqueira É antiga a discussão no meio jurídico a respeito da possibilidade de restituição do ICMS em situações nas quais o substituto tributário recolhe o imposto sobre determinada base de cálculo presumida e verifica-se que o preço final da mercadoria, quando chega às mãos do consumidor, é menor do que aquele que foi presumido pelo fisco.[1] As procuradorias alegam que o direito à restituição do ICMS surge apenas quando não há circulação de mercadoria ou prestação de serviço, não havendo direito à restituição quando a circulação de mercadoria ou prestação de serviço ocorre com a prática de preços menores do que os estimados pela fiscalização, entendimento este que é atualmente acolhido pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, não pode tal entendimento continuar sendo mantido pela Corte Superior, posto que o direito à restituição é uma garantia constitucional do contribuinte face ao poder de tributar do Estado, sendo aplicável quando a base de cálculo presumida é menor do que a que efetivamente ocorre, posto que a base de cálculo é o aspecto quantitativo do fato gerador previsto pela legislação, estando a base de cálculo presumida implícita na expressão “fato gerador” constante no artigo 150, §7º, da Constituição Federal de 1988. O artigo 150, §7º, é claro ao garantir o direito à restituição quando não há ocorrência do fato gerador previsto pela legislação tributária que embase lançamento por antecipação. O STF tem interpretado restritivamente tal dispositivo, ao argumento de que a expressão “fato gerador”, neste caso, englobaria apenas o aspecto material da hipótese de incidência tributária. Ora, o que se vê, portanto, é que a corte está interpretando restritivamente uma expressão que é garantia constitucional do contribuinte face ao arbítrio Valor presumido dá direito a restituição para contribuinte de ICMS

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ICMSSubstituição Tributária

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    SUBSTITUIO TRIBUTRIA

    2 de maio de 2015, 9h06

    PorPedro Augusto de Almeida Mosqueira

    antiga a discusso no meio jurdico a respeito da possibilidade de restituiodo ICMS em situaes nas quais o substituto tributrio recolhe o imposto sobredeterminada base de clculo presumida e verifica-se que o preo final damercadoria, quando chega s mos do consumidor, menor do que aqueleque foi presumido pelo fisco.[1]

    As procuradorias alegam que o direito restituio do ICMS surge apenasquando no h circulao de mercadoria ou prestao de servio, no havendodireito restituio quando a circulao de mercadoria ou prestao deservio ocorre com a prtica de preos menores do que os estimados pelafiscalizao, entendimento este que atualmente acolhido pelo SupremoTribunal Federal.

    Todavia, no pode tal entendimento continuar sendo mantido pela CorteSuperior, posto que o direito restituio uma garantia constitucional docontribuinte face ao poder de tributar do Estado, sendo aplicvel quando abase de clculo presumida menor do que a que efetivamente ocorre, postoque a base de clculo o aspecto quantitativo do fato gerador previsto pelalegislao, estando a base de clculo presumida implcita na expresso fatogerador constante no artigo 150, 7, da Constituio Federal de 1988.

    O artigo 150, 7, claro ao garantir o direito restituio quando no hocorrncia do fato gerador previsto pela legislao tributria que embaselanamento por antecipao. O STF tem interpretado restritivamente taldispositivo, ao argumento de que a expresso fato gerador, neste caso,englobaria apenas o aspecto material da hiptese de incidncia tributria.

    Ora, o que se v, portanto, que a corte est interpretando restritivamenteuma expresso que garantia constitucional do contribuinte face ao arbtrio

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    do Estado. A interpretao restritiva no deve ser aplicada ao caso, posto que abase de clculo o aspecto quantitativo do fato gerador, sendo um de seuscomponentes mais relevantes, significando esta hermenutica a quaseanulao de uma garantia constitucional.

    Regimes tributrios baseados em estimativas ou antecipaes so comuns noDireito Tributrio, como o caso da antecipao de Imposto de Renda feita nafolha de pagamentos dos contribuintes. O imposto retido durante o anointeiro e, uma vez findo o ano-calendrio correspondente ao fato gerador doimposto, garantida a restituio ao contribuinte, caso se verifique que oimposto realmente devido menor do que o que foi recolhido durante o ano-calendrio.

    H tambm o caso do regime de tributao do Imposto de Renda pelo lucropresumido, que devido trimestralmente pelos contribuintes. Durante o ano recolhido o imposto com base em um lucro presumido pelo legislador,tomando-se como parmetro para presuno o faturamento no trimestre.Nesse caso, no h restituio ao contribuinte caso se verifique que houverecolhimento durante o ano maior do que teria sido arrecadado caso ocontribuinte estivesse no regime de tributao do lucro real.

    Os dois exemplos so casos de antecipaes de Imposto de Renda. Em um delesh a garantia da restituio do imposto pago ao contribuinte (caso da retenona fonte), no outro no h garantia de qualquer restituio de imposto pago amaior (caso do lucro presumido). Ambos os regimes so constitucionais, maspor que no caso do regime do lucro presumido no h qualquer restituio deindbito ao contribuinte e, ainda assim, o regime tido como constitucional?

    Ocorre que o regime do lucro presumido se sustenta pelo fato de ser umregime de tributao facultativo, adotado apenas por aqueles contribuintesque vejam vantagens neste regime. No h uma coao do Estado, portanto,para que o contribuinte se adeque ao regime do lucro presumido. Caso ocontribuinte do Imposto de Renda assim deseje, pode sair de tal regime detributao. Da a sustentao do regime do lucro presumido, que implica emantecipao de pagamento de Imposto de Renda sem garantia do direito restituio: o seu carter facultativo.

    J o regime de recolhimento na fonte um regime obrigatrio, devendonecessariamente ser garantido ao contribuinte o direito restituio caso ofato gerador presumido no se concretize.

    Bons exemplos, tambm, so os casos dos contribuintes do IPTU e do IPVA do

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    Rio de Janeiro, que pagam os impostos no incio do exerccio fiscal, antes deocorridos completamente os fatos geradores, que so, respectivamente, serproprietrio de propriedade predial e territorial urbana e ser proprietrio deveculo automotor.

    Caso o imvel seja destrudo por uma catstrofe natural ou caso o veculo sejafurtado, no ocorrendo totalmente o fato gerador presumido, deve sergarantida a restituio ao contribuinte proporcionalmente ocorrncia do fatogerador, por determinao do artigo 150, 7, da Constituio Federal. Omesmo entendimento vale para o ITR.

    Sendo assim, quando h instituio de regime de antecipao de recolhimentode imposto, regime este de carter obrigatrio para o contribuinte, oreconhecimento do direito restituio do indbito ao contribuinte tambm obrigatrio para o ente tributante, referente aos fatos geradores presumidosno ocorridos. esta a disposio da Constituio Federal, uma limitao aopoder de tributar, uma garantia constitucional.

    Isto posto, restaria saber quem tem o direito restituio de indbito de ICMS.No obstante existirem posies divergentes, o entendimento dominante nombito jurisprudencial brasileiro, por fora do artigo 166 do CTN, o de que odireito restituio pertence a quem suporta o encargo financeiro do ICMS.Normalmente trata-se do consumidor final, exceto quando o alienante damercadoria ou o prestador de servios no repassa o nus econmicoreferente ao indbito de ICMS.[2]

    Restaria, assim, ao consumidor final pleitear a restituio, ou poderia oalienante da mercadoria ou prestador de servios no repassar o nuseconmico e pedir a restituio do indbito. Dvida, todavia, surgiria ao sequestionar se o contribuinte do ICMS poderia alienar uma mercadoria ouprestar servio e se creditar do valor referente ao indbito de ICMS oriundo dadiferena entre o preo efetivamente praticado e o preo usado para clculoda substituio tributria.

    Por mais que seja mais prtico aceitar o imediato creditamento de ICMS pelocontribuinte para compensao com seus dbitos tributrios, a verdade quetal possibilidade depende de expressa previso da lei, por se tratar decompensao tributria.

    No havendo tal previso, a compensao se mostra impossvel, sendonecessrio que o contribuinte apresente pedido de restituio de indbito deICMS para ter a devoluo de tributo garantida. Apenas caso o pedido no seja

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    analisado dentro do prazo de 90 dias previsto pelo artigo 10 da LeiComplementar 87/96 que pode haver o creditamento do valor de ICMSpleiteado, observado o 2 do artigo 10 da mesma lei.

    Todavia, caso a legislao estadual autorize a escriturao de crdito fiscal deICMS resultante da diferena entre o preo usado como base de clculo dasubstituio tributria e o preo efetivamente praticado pelos contribuintes,tal autorizao perfeitamente constitucional, por ser uma compensao dedbitos e crditos tributrios prevista em lei.

    No necessria a celebrao de um convnio entre os Estados para que sejalcita a previso em legislao estadual de compensao ou de restituio deindbito de ICMS oriundo da inocorrncia de fato gerador presumido porsubstituio tributria.

    Por se tratar de mera declarao do que j determinado pelo artigo 150, 7,da Constituio, uma norma constitucional de eficcia ilimitada, o PoderExecutivo pode deferir pedidos de restituio mesmo sem lei estadualreconhecendo expressamente o direito restituio. Caso a legislao estadualreconhea tal direito, trata-se de disposio meramente declaratria.

    J a compensao assunto pertinente forma de restituio, que possuiregulamentao prpria pelo artigo 170 do CTN, no se tratando de umbenefcio fiscal, por isso sendo desnecessrio convnio que respalde leiestadual sobre o tema.

    Tem-se, em verdade, que a atual sistemtica do regime de substituiotributria do ICMS essa, quando o preo presumido maior do que opraticado pelo contribuinte, a restituio garantida por fora do artigo 150,7, da Constituio. Quando o preo presumido menor do que o praticadopelo contribuinte, a fiscalizao no pode cobrar o imposto calculado sobre adiferena entre preo presumido e preo real, j que no h previso legal ouconstitucional para embasar o lanamento tributrio.

    Esse regime prioriza a eficincia, garantindo a restituio ao contribuinte eeximindo a fiscalizao do investimento de tempo e recursos decorrentes dotrabalho de fiscalizar plenamente os contribuintes que esto no final de umacadeia econmica.

    A doutrina de Jos Eduardo Soares de Melo resume bem a questo danecessidade do reconhecimento do direito restituio:

    A descoincidncia entre o valor real (efetiva operao realizada

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    entre o substitudo e o consumidor) e o valor presumido (anteriorsituao existente entre substituto e substitudo) caracteriza umabase de clculo fictcia, resultando num ICMS fictcio, que no podeprevalecer diante dos princpio da segurana e certeza do crditotributrio, indispensveis no caso de intromisso patrimonial.

    Fato Gerador Presumido na dico constitucional (7 do art. 150) -,apto a permitir a restituio, no significa somente a inexistncia dofato, mas tambm a configurao parcial de seus elementos,especialmente a base de clculo que compreende parte do fatogerador. Na medida em que se nega a restituio parcial dos valoresantecipadamente recolhidos (a maior) estar sendo violado oprincpio da capacidade contributiva, uma vez que a presumida ariqueza do contribuinte (substitudo) no veio ocorrerconcretamente. Negada a restituio, o contribuinte estar arcandocom tributo maior do que o efetivamente devido, porque o referidovalor no integrara seu patrimnio, acarretando efeitoconfiscatrio.[3]

    Uma questo no to bem debatida o fato de ser necessrio o pagamento dejuros ao contribuinte em relao restituio do indbito. Em qualquerregime de antecipao de impostos, caso o fato gerador presumido no ocorradeve ser garantida ao contribuinte a restituio do imposto com atualizaomonetria e pagamento de juros indenizatrios pelo tempo em que apropriedade do cidado foi cerceada.

    Caso contrrio, seria prefervel ao fisco usar regimes de antecipao, no como intuito de facilitar o trabalho da fiscalizao, mas sim pelo fato de serfinanceiramente mais vantajoso cobrar antes o tributo. Por que o Estadoadotaria o regime normal de tributao, quando pode cobrar antecipadamenteo tributo sem indenizar o contribuinte?

    uma grave violao do direito de propriedade, insculpido no 5, XXII, daConstituio, tolerar que se possa exigir antecipadamente tributos docontribuinte. O contribuinte, pelo mero fato de estar pagando adiantadamenteo imposto, j sofre um nus econmico que inconstitucional, sendo a prpriaEC 03/1993 uma emenda de constitucionalidade duvidosa por estarautorizando cobranas antecipadas de tributo.

    O correto, o juridicamente correto, caso se queira exigir do contribuinteantecipadamente um imposto, seria, no mnimo, dar um desconto para aquelesque o fazem, no obstante, ainda assim, no haver em muitos casos capacidade

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    contributiva do contribuinte para o pagamento adiantado.

    A Constituio de 1988 determina, em seu artigo 5, XXV, que, no caso deiminente perigo pblico, as autoridades podem usar a propriedade doscidados, assegurado ao proprietrio o direito de indenizao ulterior, em casode dano. Essa disposio constitucional perfeitamente aplicvel s situaestributrias. Trata-se da instituio dos emprstimos compulsrios, que sotributos de competncia da Unio, previstos no artigo 148.

    Por mais que Estados e Municpios no possam instituir emprstimoscompulsrios, o fazem de forma sutil ao institurem regimes de antecipaotributria, que so economicamente vantajosos para os entes tributantes, querecebem antecipadamente uma dvida e, ainda, quando recebem umpagamento a maior, restituem o indbito sem a ele acrescer juros.

    Conclui-se que o contribuinte tem o direito restituio referente ao impostopago a maior, acrescido de juros, correspondente diferena entre a base declculo presumida pela substituio tributria e a base de clculo real. Caso abase de clculo real seja maior do que a presumida, no pode o PoderExecutivo efetuar lanamento fiscal para cobrana do ICMS relativo a taldiferena, por falta de previso legal e constitucional.

    Infere-se, ainda, que o direito restituio decorre diretamente do artigo 150,7, da Constituio, uma norma de eficcia ilimitada, no havendonecessidade de previso na legislao estadual reconhecedora do direito restituio.

    Quanto forma de restituio, ela deve ser feita por meio de pedido derestituio de indbito, conforme previso do artigo 10 da LC 87/96. Somentecaso haja previso na legislao estadual pode a compensao ser diretamentefeita mediante creditamento na escriturao fiscal, por se tratar de norma decompensao tributria. No se trata de um benefcio fiscal, no havendonecessidade de disposio em convnios a respeito do direito restituio ou aforma como ela pode ser feita.

    [1] RE 389.250-AgR, Rel. Min.Carlos Velloso, julgamento em 9-11-2004,SegundaTurma,DJde 26-11-2004; RE 373.011-AgR, Rel. Min.Eros Grau, julgamento em17-6-2008,Segunda Turma,DJEde 1-8-2008; RE 567.216-AgR, rel. min.RicardoLewandowski, julgamento em 25-2-2014, Segunda Turma,DJEde 7-3-2014; RE453.125-AgR-segundo, Rel. Min.Joaquim Barbosa, julgamento em 4-10-2011,Segunda Turma,DJEde 21-10-2011; RE 325.260-ED, Rel. Min.Ellen Gracie,

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    julgamento em 5-11-2002,Primeira Turma,DJde 7-2-2003; AI 761.817-AgR, rel.min.Joaquim Barbosa, julgamento em 17-4-2012, Segunda Turma,DJEde 8-5-2012.

    [2] Quem suporta o nus financeiro pode autorizar terceiro a receber arestituio.

    [3] MELO, Jos Eduardo Soares de. ICMS: Teoria e Prtica. 12 ed. So Paulo:Dialtica, 2012. 558 p. p. 228.

    Pedro Augusto de Almeida Mosqueira advogado no Rio de Janeiro, bacharelem Direito pela Universidade Federal Fluminense.

    Revista Consultor Jurdico, 2 de maio de 2015, 9h06