Conhecendo as Mães Da Praça de Maio Ensaio Do Perfil Da Associação

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1 CONHECENDO AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO: ENSAIO DO PERFIL DA ASSOCIAÇÃO. Natasha Dias Castelli 1 Universidade Federal de Pelotas [email protected] Resumo: O presente trabalho busca, através de fontes secundárias e o auxílio bibliográfico (majoritariamente argentino), ensaiar o perfil da associação civil Madres de Plaza de Mayo sob aspectos políticos e socioeconômicos: qual o envolvimento e experiência política destas mulheres, também analisar a procedência social das mesmas. Ainda visa desenvolver a questão da influência da condição materna na construção da imagem do grupo e no trabalho do mesmo. Palavras Chaves: Argentina - Ditadura civil militar - Madres de Plaza de Mayo. Este trabalho incorpora e retoma temas já abordados em meu Trabalho de Conclusão de Curso que se propunha a realizar uma pesquisa mais ampla traçando um perfil (socioeconômico e político) sobre as integrantes da Associação Civil Madres de Plaza de Mayo. Este é um pequeno e primeiro passo, bastante introdutório. Inicialmente é preciso destacar algumas obras de maior importância para o desenvolvimento desta pesquisa; como as do advogado e jornalista argentino Ulisses Gorini (2006; 2008) que possui considerável produção sobre a Associação Madres de Plaza de Mayo. Especialista em direitos humanos, Gorini tem acesso a uma série de documentos dos arquivos da Associação e também depoimentos das mães envolvidas em todo o processo de construção do grupo. Através destas obras foi possível observar depoimentos das Madres, reproduções de documentos referentes à associação, fotografias e fazer uma breve análise sobre o perfil do grupo. Evidencio aqui que a escolha das obras deste escritor deve-se principalmente pelo acesso a esta documentação. Para construir a discussão acerca da influência da maternidade, as principais autoras escolhidas foram Elisabeth Badinter (1985) e Ana Maria Colling (1997). Ainda é imprescindível citar as revistas produzidas pela Fundação da Associação: “Sueños Compartidos” que retratam a utilização constante da “socialização da maternidade”, termo este bastante utilizado pelas Madres e que de certa forma despertou interesse também para 1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pelotas.

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Relatos sobre o movimento Mães de Maio

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  • 1CONHECENDO AS MES DA PRAA DE MAIO: ENSAIO DO PERFIL DA ASSOCIAO.

    Natasha Dias Castelli1Universidade Federal de Pelotas

    [email protected]

    Resumo: O presente trabalho busca, atravs de fontes secundrias e o auxlio bibliogrfico (majoritariamente argentino), ensaiar o perfil da associao civil Madres de Plaza de Mayo sob aspectos polticos e socioeconmicos: qual o envolvimento e experincia poltica destas mulheres, tambm analisar a procedncia social das mesmas. Ainda visa desenvolver a questo da influncia da condio materna na construo da imagem do

    grupo e no trabalho do mesmo.

    Palavras Chaves: Argentina - Ditadura civil militar - Madres de Plaza de Mayo.

    Este trabalho incorpora e retoma temas j abordados em meu Trabalho de Concluso de Curso que se propunha a realizar uma pesquisa mais ampla traando um perfil (socioeconmico e poltico) sobre as integrantes da Associao Civil Madres de

    Plaza de Mayo. Este um pequeno e primeiro passo, bastante introdutrio.

    Inicialmente preciso destacar algumas obras de maior importncia para o desenvolvimento desta pesquisa; como as do advogado e jornalista argentino Ulisses Gorini (2006; 2008) que possui considervel produo sobre a Associao Madres de Plaza de Mayo. Especialista em direitos humanos, Gorini tem acesso a uma srie de documentos dos arquivos da Associao e tambm depoimentos das mes envolvidas em todo o processo de construo do grupo. Atravs destas obras foi possvel observar depoimentos das Madres, reprodues de documentos referentes associao, fotografias e fazer uma breve anlise sobre o perfil do grupo. Evidencio aqui que a escolha das obras

    deste escritor deve-se principalmente pelo acesso a esta documentao.

    Para construir a discusso acerca da influncia da maternidade, as principais

    autoras escolhidas foram Elisabeth Badinter (1985) e Ana Maria Colling (1997). Ainda imprescindvel citar as revistas produzidas pela Fundao da Associao: Sueos Compartidos que retratam a utilizao constante da socializao da maternidade, termo este bastante utilizado pelas Madres e que de certa forma despertou interesse tambm para

    1 Graduada em Licenciatura em Histria pela Universidade Federal de Pelotas.

  • 2a pesquisa. Essa identificada como a exposio e o compartilhamento do sentimento da

    maternidade com todos, dentro e fora do contexto da famlia de sangue, abrangendo a sociedade em geral. Um exemplo muito claro deste processo a utilizao de vocabulrio prprio da condio materna para falar de assuntos dos mais variados.

    Introduo: breve contextualizao do movimento Madres de Plaza de Mayo.

    Conhecida por vivenciar um dos mais violentos e cruis regimes civil militares (1976-1983) da Amrica Latina, a Argentina foi marcada pelo nmero abusivo de desaparecimentos forados, em contraponto s outras particularidades relevantes em outros regimes ditatoriais do Cone Sul, certamente no foi um caso isolado, mas, infelizmente tem o regime mais lembrado pelos desaparecimentos os nmeros so assustadores e emblemticos. Esta particularidade foi imprescindvel para o surgimento de muitas organizaes de luta pelos direitos humanos, os grupos formados por familiares de desaparecidos, bem como, as Mes.

    As mes de desaparecidos tiveram talvez a maior representatividade, em se tratando de movimentos de luta pelos direitos humanos e por resposta aos crimes cometidos. Participavam de grupos de familiares de desaparecidos, porm, acabaram construindo seus prprios caminhos e bandeiras por que lutar, constituindo-se num eficaz meio de

    resistncia ao modelo poltico. As Madres de Plaza de Mayo ficaram internacionalmente conhecidas por suas intervenes distintas em meio ao espao pblico e diante do governo repressor, alcanaram notoriedade e respeito, tornaram-se ameaa a ordem vigente e protagonizaram a primeira manifestao pblica contra a ditadura militar. (TACCA, 2009.)

    A data de criao do grupo foi convencionada no dia da primeira interveno organizada das mes na Praa de Maio, a primeira de muitas, trs dcadas depois o processo ainda se repete, todas as quintas-feiras s 15h30 l esto elas.

    No ano em que o regime ascende - 1976, as mes destes desaparecidos (at mesmo anteriormente ao golpe) 2 inconformadas, agiam individualmente buscando informaes

    2 Segundo Marcos Ribeiro, anteriormente ao golpe, durante o terceiro governo de Pern (1973-1976) a extrema direita j se organizava clandestinamente (longe da legali-dade) com grupos paramilitares que agiam com o aval do governo. A Triplo A, Alianza Anticomunista Argentina, foi articulada sob coordenao do Ministrio do Bem Estar Social e era formada por militantes de rgos polticos do peronismo, civis, e tambm pela direita catlica. Com a incumbncia de desarticular as foras polticas de esquerda

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    sobre seus filhos em diferentes instncias governamentais. Com o tempo, passaram a se

    conhecer pelo constante encontro, trocar informaes e por fim, organizar-se em revide

    aos graves acontecimentos que violavam todas e quaisquer possibilidades de Direitos Humanos. Algumas delas, em fevereiro de 1976, se reuniam com outros familiares de desaparecidos que coordenavam atividades conjuntas, este grupo posteriormente transformou-se em Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Polticas. As reunies em grupo, com os familiares de desaparecidos, passaram a incomodar muitas mes; havia uma comisso para tratar de assuntos coletivos e que acabava intermediando todas as aes. Ainda havia aqueles que discutiam com maior propriedade, gente que tinha suas razes em movimentos sociais, partidos polticos, eram militantes experientes. As mes acabaram se afastando do grupo e no ano de 1979 decidiram institucionalizar seu movimento prprio que j tinha quase trs anos de luta, mesmo que no oficial, afrontando

    o regime mesmo aps o duro incidente do sequestro de algumas mes.

    A ideia da formalizao sugeria proteo, permitia mais do que documentar, admitia maior legitimidade as aes do grupo (sobretudo no mbito judicial e burocrtico) que sofria ameaas constantes. Criar uma associao civil que compartilhasse com outros grupos resistncia, informaes e lutas, que tivesse maior visibilidade nacional, e at mesmo, internacional, era uma chance de recorrer s Comisses de Direitos Humanos no exterior. O medo de que somente o simbolismo de suas aes fosse apagado pela ditadura tambm foi relevante. Havia certa resistncia por parte dos grupos de familiares que entendiam aquela ao como um separatismo No se trataba de dividir nada ni a nadie sino de presentarse ellas con una identidad propia para que no se diluyera esa forma particular de llevar adelante el reclamo. (GORINI, 2006: 317)

    Conforme o grupo se consolidava legalmente, a associao crescia, eram mes simpatizantes e que aderiram ao movimento por todo o pas, no apenas em Buenos Aires e regio, muitas do interior tambm, fortalecendo a legio de familiares cujos parentes estavam desaparecidos. Com maior nmero de participantes, iniciaram as dissidncias dentro do grupo, ainda mais no perodo de quase redemocratizao, durante o governo de Raul Alfonsn (1983-1989). A luta das Madres aparentemente ganhava algumas contradies internas; um pequeno grupo com algumas Madres comeou a se opor aos mtodos do grande grupo e inclusive das decises da presidente Hebe De Bonafini.

    Afirmavam que, o que estava ocorrendo era uma disputa poltica que a luta inicial por seus

    e impedir a participao popular na poltica argentina, a ao da Triplo A foi conhecida como laboratrio do Terrorismo de Estado. O perodo foi altamente repressivo, Entre as aes de represso perpetradas pela Triplo A est o saldo de aproximadamente 1.000 (mil) mortes oficializadas entre os anos que compreendem o trinio do terceiro governo peronista [...]. (2009:125)

  • 4filhos estava desaparecendo. Ainda houve discusses sobre as questes que envolviam a

    reparao econmica j que as mes pertencentes associao civil no aceitam a ideia de que seus filhos estejam mortos, eles esto desaparecidos, at que se prove o contrrio, e caso seja provada a morte, devero ser tomadas as medidas cabveis em relao mesma. Logo, elas no podem e no querem receber as indenizaes. As divergncias do grupo que resultaram na formao de outro movimento conhecido como Madres de Plaza de Mayo Lnea Fundadora e j foram tratadas como uma disputa de classes pela Asociacin Madres de Plaza de Mayo. Segundo essas, as mes que se retiraram do grupo inicial reproduziam lutas da burguesia, e a diviso do grupo era explicada de forma mais fiel, se

    interpretada pelo vis da luta de classes.3

    Os resultados e concluses que a pesquisa visa so inteiramente construdos em cima do grupo que constitui a Associao Mes da Praa de Maio, apenas citando e incorporando a Linha Fundadora quando necessrio para compreenso do contexto.

    A relevncia do status materno na luta deste grupo

    Trabalhando com esta temtica foi notrio que a representatividade do papel da me, mesmo para a ideologia do regime militar, causava certo desconforto, e ainda dificuldade no sentido de legitimar a conteno do grupo. imprescindvel trabalhar

    com alguns detalhes que esta relao mes x ditadura proporciona, a autora Ana Maria Colling trata da relevncia que a figura materna assume frente a este contexto [...] os

    agentes repressores tem mes, o que deve ter algum significado moral e tico. No um

    advogado ou uma liderana poltica que est reivindicando a liberdade de um prisioneiro: uma me [...] (COLLING, 1997:67). A instituio materna tomada por associaes religiosas, morais, educacionais, culturais... que neste caso, ultrapassam a relao de autoritarismo criada entre repressor e reprimido.

    A figura materna como conhecemos, que protege sua ninhada sob qualquer

    circunstncia advm do ncleo familiar burgus na sociedade do sculo XVIII. Elisabeth Badinter trabalha com a questo dos papis assumidos pelos membros de uma famlia (no seu sentido mais clssico com figura materna de filho legtimo - paterna e dos filhos) de

    acordo com os valores atribudos pelas sociedades a cada membro familiar, sua relevncia mais ou menos destacvel.

    3 A separao do grupo em dois novos movimentos no ser amplamente discuti-da por no caracterizar-se como foco da pesquisa.

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    Por exemplo, em sociedades latinas, que tem traos culturais fortemente embasados nos valores religiosos (cristos, catlicos em sua maioria), a figura da famlia

    constitui uma estrutura vital, e a imagem da me fortemente associada base familiar. A constituio argentina garante liberdade religiosa, contudo, obriga o governo a apoiar o catolicismo romano. At 1994 o presidente deveria ser catlico romano, caso no o fosse deveria se converter como pr-requisito para concorrer presidncia. Logo, sob esta tica de influencia extremada da religiosidade, perceptvel que legadas criao, educao

    de seus filhos, as mulheres argentinas e latinas, de uma forma geral, assumem a postura

    materna com veemncia.

    O universo da religiosidade tambm bastante presente na formao do grupo, a maioria das Madres se assumem como devotas e inclusive identificam-se em sua escritura constitutiva, Creyentes o no, adherimos a los princpios de la moral judeo-cristiana. Rechazamos la injusticia, la opresin, la tortura, el asesinato, los secuestros [...] la persecucin por motivos religiosos, raciales, ideolgicos o polticos (Copia da escritura em arquivo do autor. Original no Arquivo Histrico da Associao Madres de Plaza de Mayo apud GORINI, 2006:316)

    Laura Rossi afirma que essas mulheres aprenderam a se posicionar como a classe

    dominante defendendo seus filhos e inclusive correndo riscos por eles, e que exatamente

    por se posicionar desta forma, acabavam se vinculando s representaes maternas dominantes (das classes dominantes) entrando em choque com o sistema (ROSSI apud GORINI, 2006). A ditadura vinculada s representaes das classes dominantes se viu em contradio e com dificuldades de combater o movimento de mulheres que apenas

    exerciam seu papel de fato e de direito como mes.

    O questionamento da representao e prtica materna foi fundamental para o surgimento do grupo, ocorreu um processo que as prprias Madres chamaram de socializao da maternidade. Esta notria em praticamente todos os processos desenvolvidos por estas desde sua constituio como agente poltico na histria argentina. Em uma rpida mirada a algumas revistas da Fundacin Madres de Plaza de Mayo, Sueos Compartidos, possvel identificar diversos trocadilhos e metforas a partir desta perspectiva. A

    chamada na revista para abordar os dez anos da Universidade Popular Madres de Plaza de Mayo enftica: Una Universidad parida con amor (ZARRANZ, 2009:10). Outro exemplo o ttulo do caderno especial sobre os projetos da associao: Cortamos el cordn (VZQUEZ, 2010:01) referindo-se ao cordo umbilical e a crescente atuao do grupo em diversas reas. Por fim um panfleto intitulado Especial 24 de marzo, em memria do 34 aniversrio do golpe militar traz em letras garrafais: Somos hijas de nuestros hijos (IRAMAIN, 2010:03), difundindo o fato de que as mes surgiram como

  • 6resposta desapario de seus filhos e que sem eles e seu papel poltico, elas jamais

    teriam se desenvolvido.

    A Madre Hebe De Bonafini em entrevista ao Jornal do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro expe como socializar a maternidade importante para o

    grupo medida que abrange o ideal de suas lutas e bandeiras.

    medida que socializamos a maternidade tambm ampliamos nossa luta. No ficamos apenas tentando saber quem so os assassinos de nossos filhos. Tambm acreditamos que os diretos humanos so violados quando uma pessoa no consegue trabalho ou quando uma criana morre de fome. (Jornal do CRP. Rio de Janeiro, 2005, n.8, p.10)

    Ensaiando o perfil destas mulheres

    Quando os desaparecimentos iniciaram, fato que as inexperientes e desorientadas mes de desaparecidos no tinham dimenso do que estava ocorrendo em seu pas, muito menos sabiam do grande processo scio econmico por trs da implementao do regime ditatorial, sequer cogitavam que Videla sabia o que estava acontecendo.

    [...] Azucena pensaba que Videla no tena nocin de la verdadera dimensin del problema. Por eso se lo tenamos que demonstrar yendo a la Plaza de Mayo y escribindole una carta donde le solicitaramos una entrevista para que viera lo que estaba pasando. (GORINI, 2006: 73)

    Muitas tinham informaes adquiridas apenas atravs de seus filhos que por vezes

    eram militantes da esquerda, ou simplesmente habitavam meios sociais em que conviviam com a realidade mascarada da violncia. Em depoimento a Ulisses Gorini, elas comentam: En el movimiento de las Madres, no haba ninguna que tuviera actuacin poltica, ni alguien que hubiera sido una concejal, por ejemplo; nada (GORINI, 2006: 74). No princpio, at mesmo as Madres tinham ressalva em se considerar um movimento poltico, no se entendiam desta forma, eram apenas uma resposta imediata, uma resistncia ao que vivenciavam. Orgulhavam-se em dizer que a calle (rua, em espanhol) havia lhes ensinado tudo, atravs das portas fechadas e dos grupos de familiares de desaparecidos (dos quais muitas mes faziam parte) foi possvel aprender como se virar e que medidas tomar, inclusive judicialmente.

    No princpio, (atualmente soa estranho devido seu envolvimento poltico e

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    partidrio, mas na poca...) as mes tinham receio de que reunir-se com estes grupos podia reverter o foco da luta, torn-la politizada, influenciada pelos ideais comunistas

    desvirtuando a real busca pelos filhos. Era notrio para elas que naquele ambiente de

    combate tambm havia espao para os que estavam agregando diferentes lutas que faziam parte daquele processo histrico, mas isso poderia prejudicar suas aes, dar outras conotaes para suas atitudes que segundo seu ponto de vista, deveriam ser restritas a conjuntura relacionada aos desaparecidos. importante salientar tambm que certos

    contatos polticos poderiam ser perigosos para o grupo, elas poderiam ser associadas como pertencentes a estes grupos clandestinos sendo confundidas e at mesmo sequestradas e presas.

    [...] No queremos ser instrumentadas ni utilizadas con ninguna finalidade poltica o ideolgica. Lo nico que nos une es el dolor de nuestros hijos desaparecidos. Somos nicamente madres de desaparecidos que recorremos angustiosamente los despachos oficiales em procura de ayuda y que nos hemos encontrado, sin organizacin previa ni posterior alguna, en la Plaza de Mayo. [...] (Carta al seor Ministro del Interior, 26 de deciembre de 1977, en Archivo de la Asociacin Madres de Plaza de Mayo. apud GORINI, 2006: 190)

    Por mais que existissem os casos de Madres com filhos ou familiares militantes da esquerda, no h nenhum indcio de que elas tenham tido qualquer envolvimento partidrio que as capacitasse conduzir as atividades do grupo, bem como, articular os interesses comuns aos de determinadas bandeiras polticas. Relembrando o histrico do movimento, ao tratar da poca em que houve a ciso do grupo (1985) surgindo a Lnea Fundadora, havia sim uma disputa poltica em questo, por mais que fosse secundria, entre as crticas e o apoio aberto Alfonsn, as Madres entenderam que por mais que tivessem objetivos comuns, tinham dissidncias relevantes. Se ao longo da jornada do movimento houve contatos polticos, aproximaes ou separaes, essas ocorreram aliadas a outras necessidades, ou escolhas, que surgiam ao longo do processo.

    O grupo inicial era constitudo de mulheres vindas de diferentes classes socioeconmicas, como elas mesmas se intitulam, fuimos mujeres que, desde distintos estratos sociales, dejamos nuestras casa para ir a luchar a la calle. Atravs de alguns trechos da bibliografia pesquisada foi possvel encontrar uma descrio interessante sobre

    dois exemplos de Madres advindas de diferentes classes. Ulisses Gorini comenta sobre a trajetria de Maria Adela Gard de Antokoletz:

  • 8Maria Adela provena de una famlia tradicional de la localidad bonaerense de San Nicols, y toda su educacin y lo que haba aprendido hasta haca poco tiempo atrs empezaba a tambalear. Entre tantas otras cosas, estaba aprendiendo a perderles el respecto a jueces e secretarios, para los cuales haba trabajado desde haca muchos aos como empleada, primero en el Departamento Judicial de San Nicols, luego en el de San Martn y finalmente en el de San Isidoro. (GORINI, 2006: 74)

    O outro exemplo, o da Madre Hebe de Bonafini, ao descrever suas memrias de

    infncia. Ela diz ter nascido no bairro El Dique, relata que suas manhs eram preenchidas com o servio de casa, de limpeza e organizao. Enfatiza muito o principal prato servido por sua me, a sopa, que deixava o odor por toda casa. Seus pais, e as pessoas do bairro em geral, eram operrios, Hebe conta como o bairro funcionava segundo as necessidades impostas pelo trabalho (BONAFINI, 2001).

    H diferena entre os dois exemplos, por mais que carea de maiores informaes e detalhes, possvel demonstrar dois universos distintos, duas mulheres advindas de classes diferentes que acabaram em circunstncias parecidas perdendo seus filhos.

    Concretizada a efetivao de dois grupos, a Asociacin Madres de Plaza de Mayo e Madres de Plaza de Mayo Lnea Fundadora, o relevante em suas diferenas so suas lutas e prioridades, difcil negar que a Associao tenha bandeiras de luta mais populares. O que fica consideravelmente claro que o grupo das Madres de Plaza de

    Mayo se autodenomina popular, no mbito social, e em geral associado desta forma.

    Consideraes Finais

    O mundo ocidental cristo tem em sua cultura, intrinsecamente, a figura

    materna como intocvel, inquestionvel, biologicamente amorosa, boa, educadora e fiel. A Argentina tem, e tinha na poca da ditadura, um Estado fortemente regido pelos

    valores cristos, catlicos, um pas cuja religio oficial o catolicismo e incentiva seu

    culto, difundindo suas crenas. Este ambiente propcio mistificao materna sediou

    apropriadamente as reivindicaes de direito das mes. A discusso do mito materno, das teorias para o surgimento deste grupo bem como dos relatos reais que desenham aos poucos a constituio do movimento enriquecem a ideia de que, caso o vnculo materno no existisse, seria bastante provvel que seu alcance, dimenso, e visibilidade fossem menores, como os prprios movimentos de familiares de desaparecidos.

    Com relao s questes maternas, possvel afirmar que foram fundamentais

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    para a criao do movimento. perceptvel que quando estas mes adentram o universo

    poltico, agregando-se aos grupos de familiares de desaparecidos elas procuram, de certa forma, diferenciar-se, almejam um trabalho prprio que respeite suas demandas e tambm sua desvinculao partidria, no querem seu nome atribudo a grupos de foras revolucionrias e fortificam sua resistncia a partir da identificao do fator comum ao

    grupo: ser me. Muitos dos trabalhos desenvolvidos no incio da jornada eram referentes a captao de outras mes que compartilhassem a mesma situao e por mais que o grupo tivesse outros familiares envolvidos o protagonismo sempre foi delas. O fator materno reforou ainda considervel liberdade de expresso j que nem as foras repressivas sabiam como lidar com tal formao.

    Excluir o fator materno desta jornada seria indiscutivelmente falho, praticamente impossvel, retirar o simbolismo e o peso da maternidade neste caso como arrancar a principal marca, meio de luta e difuso deste movimento. No obstante, tambm preciso compreender que a permanncia por mais de trs dcadas deste movimento se d pelo exerccio dirio de luta destas mes que assumem seus mais diversificados papis no

    processo de socializao da maternidade.

    J no processo de caracterizao do grupo atravs do perfil, bastante interessante

    analisar como as mes pertencentes Asociacin se denominam (com orgulho e inclusive utilizam esta caracterstica em prol das bandeiras de luta do grupo) mulheres de classes sociais inferiores. Em seus depoimentos, entrevistas e declaraes pblicas notria a nfase aos cuidados maternos com setores fragilizados pela sociedade, os grupos de minorias marginalizados pelo sistema capitalista. Foi possvel identificar atravs dos

    depoimentos de algumas mes que elas advinham de vrias camadas sociais e exemplificar

    isto nas figuras de Hebe e Maria Adela. Contudo, devido a insuficincia de fontes, no

    foi possvel agregar nomes de outras Madres s suas condies socioeconmicas, muito menos foi possvel correlacionar que a diviso dessas em: Associao e Linha Fundadora, advm de uma ruptura socioeconmica, uma possvel luta de classes, como em alguns momentos o grupo da Associao sugere. Entretanto, h a possibilidade de afirmar que de

    fato nem todas eram de classe baixa, mdia ou alta, e sim que correspondiam a diferentes meios.

    Sua inexperincia poltica comprovada nos primeiros anos de estruturao do grupo, e se reflete em seus atos guiados pelo desequilbrio emocional aliado s suas

    experincias pessoais de vida e desorientao poltica. A busca por visibilidade era agregada ao fato de que Videla precisava saber o que estava acontecendo, elas acreditavam que o Estado no tinha noo dos eventos. O mximo contato poltico, segundo as mesmas, vinha das informaes que os filhos passavam. At mesmo a abordagem de sua

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    luta se dava apenas por meios judiciais, os quais estavam tomados pela poltica do Estado Terrorista. A noo poltica partiu da necessidade, do sentimento de perda, das tentativas frustradas por justia, das lies que a rua ensinava, do processo forado de politizao, de experincia e de militncia. De fato importante expor que devido aos perigos que se apresentavam queles que assumiam uma postura poltica muitas mes, em sua defesa, tiveram que eximir-se de atuar abertamente como agente poltico.

    Ainda vlido ressaltar que, em se tratando de um perfil poltico dos grupos

    formados a partir da dissidncia do movimento das Madres de Plaza de Mayo temos vises opostas sobre o engajamento e a relao com a poltica. De um lado a Associacin Civil Madres de Plaza de Mayo se apresenta como um movimento poltico e social que atualmente preferem salvar uma criana da fome, da ignorncia, da marginalidade do que gastar seu tempo com uma questo que pode ser resolvida pelos advogados. Seu comprometimento com uma luta ampla, globalizada e que prev um projeto novo, contrrio ao sistema capitalista. Em contrapartida, as Madres de Plaza de Mayo Lnea Fundadora acreditam que, como seu nome prope, a fundao, a origem do movimento em prol dos desaparecidos forados e que portanto, essa sua bandeira, sua pauta, desvirtuar deste propsito perder o foco, e de certa forma, o sentido de seus longos e intensos anos de reclamo.

    Bibliografia Geral

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