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Congado dos Arturos, Contagem, MG.

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congado dos Arturos, contagem, mG.

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Po e s i a

Poemas

Marcelo Sandmann

marcelo sandmann nasceu em 1963, em curitiba. É poe ta, compositor e professor de literatura Portuguesa na uni-

versidade Federal do Paraná. Publicou os livros de poesia Lírico renitente (7letras, 2000; 2.a ed. 2012), Criptógrafo amador (medusa, 2006), Na franja dos dias (7letras, 2012) e A fio (7letras, 2014). Organizou o livro de ensaios A pau a pedra a fogo a pique: dez estu-dos sobre a obra de Paulo Leminski (secretaria de estado da cultura do Paraná, 2010). composições suas encontram-se reunidas nos cds Cantos da palavra (1998); Conselho do bom (2014), com cláudio menandro e Benito rodriguez; e No silêncio da canção (2014), do grupo ZiriGdansk.

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com o ventoFaço o inventário das coisas que me chegam com o vento:

A tosse seca no sobrado vizinho.O cheiro de carne queimadanos trigais da ucrânia.A centrífuga da máquina de lavarem movimento.um cão latindo longe, aflito.Os gritos das criançasnas vielas sujas de Gaza.O cravo perfurando a mão esquerda de cristo.

são as coisas que me chegam com o vento,nesta tarde de desabrigo.

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Partido do frioPenso tirar partido do frio.esse frio não tão somentecondição atmosférica(posto seja isso, sim,agudamente),mas também todo um estado de espírito.

Preparo versos de gelo,que devo mastigarcom o prazer de quem mastiga pedras.

e que quero cuspir,junto a cacos de dentee uma baba de muco e sangue, nessa parede indene,frígida,asséptica.

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taxidermiacom lâmina de aço inexorável,ele fere firme a epiderme,esgarça os nervos,retalha os músculos,revira as víscerase risca nos ossos sua inicial.

taxidermista habilidoso,extrai do corpoo que nele há de carne.

e esse invólucro difuso,a que muitos chamam “alma”,vai enchendo de palavras,palha vãque nos mantém.

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Poemas

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menos clarasVamos falar de coisasmenos claras.do que à primeira vistanão pode nem ser visto.do que em contatoescape a todo tato.

Vamos ouvir o som de um sismopercutindono fundo de craterade satélite em declíniode planeta perdidoem remotosistema solar.

Vamos sonhar com o que foge à matemática,pois que é de outra matemática,mais dura e rara.um cálculo que o cérebro processequando em coma.

Vamos amara mulher em chamas,vulcão em trabalho de parto.ela verte com fúria suas cinzas,e lava em lavaso que estejano caminho.

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Vamos rezar ao deus abatidoque jaz no fundo do corpo.Que jaz no fundo do copo.essa água mais secaque a sede,mais turva que o vinho.

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Poemas

Renato Rezende

renato rezende é autor de Ímpar (lamparina, 2005, Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Fundação Biblioteca Nacio-

nal, melhor livro de poesia), Noiva (Azougue, 2008), Coletivos (com Felipe scovino, 2010), Amarração (2011), Caroço (2012), No contem-porâneo: arte e escritura expandidas (com roberto corrêa dos santos, 2011), Experiência e arte contemporânea (com Ana Kiffer, 2012) e Con-versas com curadores e críticos de arte (com Guilherme Bueno, 2013), en-tre outros. tem apresentado trabalhos de artes visuais em diferentes suportes em eventos como a Draw-drawing-london biennale (2006), o festival de poesia de Berlim (com o coletivo GrAP = rap + poesia + grafitti, 2007), o Anarcho Art Lab, em Nova iorque (2011), e o Urbano Digital, no Parque lage, rio de Janeiro (2009). em 2010 apresentou a intervenção urbana MY HEART IN RIO, em parceria com dirk Vollenbroich no Oi Futuro de ipanema, rio de Janeiro.

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monstroNão importa se na forma de um poema ou não.

Ou importa?

O conteúdo é a forma?

Viver a alteridade radical – ser um outro – foi o desejo da minha aventura humana. Hoje

eu mesmo sou o Outro.

Aventuro-me a ser esse Outro, quem sou:

cedo às exigências que sobem do meu corpo;respondo ao que considero seras demandas das minhas entranhas;preencho-me de minha própria história, como se ela desse a forma

do que desde sempre fui e sou.

sólido e denso agora

como um touro obedeçoao que está escrito

na carne dos mamíferos

nos astros?

engordo e envelheçocomo todos os porcos, como todos os bichos.

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tempo de saturno

mais uma vez – a terceira ou quarta em quase cinquenta anos de vida ganha e perdida neste planeta, procurando ao mesmo tempo alçar voo e deitar raízes,adaptar-me, ganhar forma e sentido, como um pássarode outro continente, ferido, perdidoem pânico, entre exitoso e falho me emociono diante da Fontana di trevi:

Fonte de águas claras, e fonte de lágrimasnos olhos do meu rosto.

Quase cinquenta anos – e o velhoe novo Netuno, como se fosse eterno, no entanto,como em nenhum outro lugar no espelho cego no espelho cego de tão iluminado, dessa fonteacena ainda com suas promessas de amores.

do outro lado, do outro lado da fonte, do muro, do outro lado de roma, está o Paraíso.mas lá não há nada. sei que seus portais jamais se abrirão. Apenas

uma emoção que eu ainda desconheço, plantada na minha carne, como um saudade de mim mesmo;(eu, que desconheço quem ou o que sou, e que nunca saberei.eu, que um dia talvez tenha sido, sem sabê-lo, sem ser nunca quem era.)

Netuno na fonte suspira o aceno da redenção,com suas Vênus e Afrodites, algumas encarnadas

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em minha vida, e por elas agradeço e sorrio, e tristesem saber por quê, sem me dar conta, entre discretas águas, nomeiotodas as mulheres que amei, todos os encontros que sempre foram promessase porque apenas promessas, encontros infinitos

na Fontana di trevi, num trem de Florença a montepulciano, numa excursão ao Vesúvio,diante da bancada de peixes da feira de laranjeiras,num refrigerador às 3 horas da madrugada num mosteiro no interior do estado de Nova York,numa encruzilhada de jardim na Índia,no pátio de uma escola num bairro de classe média de são Paulo há 40 anos,na porta de um teatro alternativo de curitiba,na cafeteria do museu de Arte moderna de são Francisco...

Agora sei que o máximo a nós permitido é apenas isso: contemplá-lona forma de Netuno emergindo dos oceanos, jorrando as águas cristalinase afrodisíacas, absinto, ambrosia, exigindode nossos pobres corpos e mentes que envelheçam com comedimento nossos pobres, glorificados corpos perdidos nas fronhas do tempo, para sempre deste lado do paraísona grande e pequena plataforma do possível.

mas para chegar aos cinquenta deve-se muito a cronos, e nesse mesmo diade que é feito a vida no planeta, em girose em meio às ruínas do Fórum romanoo que restou do templo de saturno me diz algo sobre fantasiae sobre o corpo das meninasque como alegoria se transfere para toda metafísica, e sem rimas ou floreios,sem metáforas, sem rodeios, sem poesia:

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templo de saturno, roma. Foto de renata rezende.

quando enfim metemos a língua em seus orifícioso gosto é sempre o mesmo.

templo de saturno, de joelhos, humilde: peço-lhe apenas as bênçãos para viver aqui, envelhecendo com um mínimo de bom senso.

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AuréolaA vida acabou.sou outro agora.Porque irremediavelmente perdi o que havia desde sempre perdido.meu nome é redimido.Nesse sentido, sou o que sou.Humano.morto-vivo.sem destino.Organismo vivo entre os vivos.

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envelhecimentomonstruoso,como um porco, amarrado e imobilizado pelas quatro patas,mas ainda capaz de urrar, e entrando nos cinemas e nos cafés,Ainda que calado, não deixou de amar a vida,de sentir-se até certo ponto interessado; apenas um pouco enfadadoe distante, e no fim das contas, comer, beber e ficar gordo.monstruosos, somos agora todos.depois de tantos poemas e amores e risos, insossaÉ a noite, e agora não passasde um velho parco; que em vão se afasta...todos os momentos, do primeiro ao último Poderiam ter sido outros, mas vocêNasce dos acontecimentos.O que há de novo é o velho:Temos nos acompanhado a distância.Sabemos ambos que ocupamosMais ou menos o mesmo espaço.Mas ainda não trocamos nenhuma palavraNem fomos formalmente apresentados. Eu e esse mesmo não nos falamos.Mas o encontro é inevitável.

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Po e s i a

serpente emplumada: Variações

Péricles Prade

Péricles Prade (rio dos cedros/sc, 7/5/1942) é escritor (poeta, contista, historiador, crítico literário e de artes plásti-

cas), advogado e professor universitário. escreveu dezenas de obras nos campos da poesia, ficção, história, direito, filosofia e artes plás-ticas. Pertence a inúmeras entidades culturais estrangeiras, nacionais (presidiu a união Brasileira de escritores/sP) e estaduais (presidiu a Academia catarinense de letras). sua fortuna crítica é imensa e compreende artigos, estudos, ensaios e livros de autoria de excelen-tes exegetas do país (carlos drumond de Andrade, álvaro Villaça, moacyr scliar, carlos Nejar, Fábio lucas, José Paulo Paes, cláudio Willer, álvaro cardoso Gomes, carlos Felipe moisés, mirian de carvalho, luz e silva, ronald Augusto, entre outros) e do exterior (Franzina Ancona, maria del Giudice, Albano martins etc). Obras foram traduzidas para o italiano, francês, espanhol e inglês.

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Pér icles Prade

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súplica com plumasNão só tua máscara é de plumas, pacífica serpenteasteca gravada nos sarcófagos.

duplo do coyote, outras plumas de pássaro em teu corpo nascem quando o sono precede o sonhotecido no fundo do poço.

eu sou, agora, o plasma das dobras que enrolas e desenrolas inspirada por montezuma.

suplico: volte às origens, inventora do zero, astrônoma suicida, estrela ascendida pelas eternas agulhas do fogo.

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Serpente Emplumada : Variações

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motor selvagemVolátil serpente do quinto dia, arquétipo de gêmeos, zodiacal matriz que os sexos e os princípios aproxima.

motor selvagem, o negativo & o positivo paridos pela luz divina.

Na ursa maior um triângulo oblongo outra constelaçãoreflete no espelho.

com penas verdes na cauda e na cabeça podia ser Onda marinha mas o inimigo sabe que não é.

entre as ruínas do castelo nos moveremos melhor.

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Pér icles Prade

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sob o olhar de salomãodeus-serpente, senhor da manhã, a imortalidade celebro após tua doce carne comer.

Neste ninho, cidade em movimento, sou um dos filhos amados atraídos pela fonte central.

cristo-serpente, serpente-cristo, a divindade é o sangue guardado na redoma de ouro.

moisés-serpente, serpente-moisés, mesmo não sendo de bronze levantado quero ser.

levantado pela espinha sob o olhar de salomão.

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Serpente Emplumada : Variações

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Outra é a árvoreNão é aos pés de qualquer árvore que a sabedoria cresce.

Outra é a árvore pousada pelo pássaro certo quando o saber é gerado pelo número secreto.

Não quero o poder de as águas dividir. Basta-me o amor de à emplumada servir.

sem regalias, as ordens do rei Perdido com devoção cumprirei.

Assim, no vaso escolhido, sem deixar uma gota cairo néctar colocarei.

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Pér icles Prade

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Po e s i a

inéditos do livro No estrangeiro

Sylvio Back

sylvio Back, cineasta, poeta, roteirista e escritor. Autor de 38 filmes (12 longas-metragens), publicou 22 livros (poemas,

roteiros e ensaios); filme e poesia recentes, respectivamente, O Uni-verso Graciliano, Quermesse, obra erótica reunida (topbooks), ambos de 2013; e Kinopoems (editora da universidade Federal de santa catarina, 2014).

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Sylvio Back

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muito tarderasgos do rosto prontidãoquase à soleira da mudez

músculos baços como talà prova de quem duvidar

memórias erram de soslaioa cada mirada nova bruma

nada de cochichos à forrao estalo é só tripa talhada

sentidos balouçam entre simenos os quantos perdidos

verter-se à réstia cambianteou acordar seria uma lástima

o melhor silêncio improvávelera agora já é tarde demais

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Inéditos do l ivro No estrange iro

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o porãoo que dizer de um porãocom três paredes se haviauma claraboia baça e umbordado de arame em arconada que anunciasse o fimos ovos são cortados à facaenquanto fundos de garrafaaçulam lábios e línguas e afumaça corrói os agasalhosfinos de uma estiagem talque sobe do lago vizinhoonde peixes boiam balofosa retina atolada como sevisse a quarta parede elaficou no além-mar ondeestrelas tombam maceradaspelo olvido asseio reluzenteos dedos da irmã recontamo eco de saltos pés passosna esperança que o sonodevolva o verão vez poroutra sempre uma saudadepra frente com bolo cafégeleia de amora da casade bonecas tão alta quantoa roda-gigante do calendárioum navio que possa singraras ruas de curitiba sem

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Sylvio Back

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despejar lodo no abajurchinês na pia o vaso fedidocujo sifão seca todas ilusõesde a cama junto à portaum dia correr para o centrocrente que jamais as pernascaíssem ao léu da insôniana preguiça matinal açoitesde pneus pó ratos calotasem zigue-zague mancosbiombos simulando sutisaconchegos cheios de mãeo avental encardido fogoà marmita quem dirá queo frio é tato a broa dormidarançosa a manteiga (salve--se o queijo bichado) alemãoé assim mesmo pois a vidanão virá nem agora nemdepois talvez não venhajamais só como atalho daúltima maldita parede bastao breu do teto os recantosdescolados da trincheiratrovão de sol lascas da noiteque precisam do amanhecersão ares patinando pra sairdo céu a penumbra do cãoarranha olhos medonhose deixa a todos atônitoso porão recomeça o seupériplo sem dó nem piedade

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Inéditos do l ivro No estrange iro

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delusãocomo que uma rochaa nitroglicerina d’almase congela em degrausescorregadios às voltascom limo de anteontemperdido ao menor gestocomo que um hiatogaiato olho de morto--vivo se reveza na dorsem se dar conta maslacera qual ferroadascobre passos e abraçose delusão nenhuma ouseja haver-se à forramelhor ficar a fim ondefustigar não há por quê