conflitos por terra e repressão no campo no estado do rio de janeiro
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CONFLITOS POR TERRA E REPRESSO NO
CAMPO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
(1946-1988)
RELATRIO FINAL
E_38/2013 - APOIO AO ESTUDO DE TEMAS RELATIVOS A VIOLAES
DOS DIREITOS HUMANOS
PROCESSO E-26/110.008/2014
30 de setembro de 2015
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Conflitos por terra e represso no campo
no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Relatrio Final
Coordenadora: Leonilde Servolo de Medeiros (CPDA/UFRRJ)
Pesquisadores:
Aline Borghoff Maia (mestre pelo CPDA/UFRRJ, bolsista TCT da Faperj)
Ana Claudia Diogo Tavares (Professora do NEPP/DH/UFRJ)
Ana Maria de Almeida Costa (doutoranda PPGSS/UERJ, professora da SSC/UFF)
Annagesse Feitosa (mestranda CPDA/UFRRJ, bolsista da Faperj)
Delma Pessanha Neves (PPGAS/UFF, pesquisadora visitante, bolsista da Faperj)
Elisandra Galvo (doutoranda CPDA/UFRRJ, bolsista da Faperj)
Elizabeth Linhares (ps doutoranda snior no CPDA/UFRRJ, bolsista da Faperj)
Fabrcio Tel (doutorando CPDA/UFRRJ)
Gabriel Bastos (mestre CPDA/UFRRJ, bolsista TCT da Faperj)
Iby Montenegro de Silva (mestre CPDA/UFRRJ, bolsista TCT da Faperj)
Marco Antonio dos Santos Teixeira (doutorando IESP/UERJ)
Mariana Trotta Delalanna Quintans (FND/UFRJ)
Marilda Vilela Iamamoto (FSS/UERJ)
Ricardo Braga (graduando em Cincias Sociais/UFRJ)
Rodrigo Penutt da Cruz (mestre e doutorando pela UFF, bolsista TCT da Faperj)
Bolsistas de Iniciao Cientfica
Adriana de Jesus Garcia Pinto (graduanda em Servio Social/UERJ, bolsista Cetreina)
Fernanda Cerny Alves (graduanda em Cincias Sociais, FGV, bolsista Faperj)
Isabella Maio (graduanda em Servio Social/UERJ, bolsista CNPq)
Lgia Nonato dos Santos (graduanda em Histria, IM/UFRRJ, bolsista Faperj)
Natasha Gomes (graduanda em Cincias Sociais/UFRRJ, bolsista Faperj)
Rayanne Medeiros (graduada em C. Sociais/UFF, atualmente mestranda CPDA/UFRRJ)
Vinicius Silva (graduando em Direito/FND/UFRJ, bolsista Faperj)
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais e seus
apoiadores, que lutaram por terra, direitos trabalhistas e
sociais e justia no campo, contribuindo para a
construo da democracia no pas.
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Agradecimentos
A realizao da pesquisa s foi possvel com o apoio de um conjunto de pessoas
e instituies que perceberam a importncia do trabalho e se dispuseram a colaborar com
sua realizao. Citando nomes, corremos o risco de sermos injustos, esquecendo de
mencionar uns e outros. Desde j pedimos desculpas por algumas omisses involuntrias.
Antes de mais nada, nossos agradecimentos aos trabalhadores rurais desse estado,
com quem conversamos por vezes horas a fio, ouvindo suas histrias que trouxeram
tona lembranas difceis. Foram momentos de muita emoo. Alguns deles se dispuseram
a fazer depoimentos pblicos na sesso que organizamos com a Comisso Estadual da
Verdade do Estado do Rio de Janeiro (CEV-Rio) em 15 de maio de 2015: Jair da
Anunciao, Laerte Bastos, Ney Fernandes, Lindsey Fernandes, Jorge Francisco de Brito,
Roseli Borges e Neusa Borges.
Agradecemos ainda a antigos advogados sindicais, religiosos, agentes de pastoral,
ex-militantes e estudiosos do tema que se dispuseram a relatar, em longas entrevistas,
suas experincias junto aos trabalhadores.
Diversas pessoas colaboraram cedendo generosamente publicaes, dados de
pesquisas anteriormente feitas, ainda em curso ou documentos sob sua guarda. Foram
fotos, entrevistas, jornais, material de arquivos pessoais. Nosso agradecimento especial a
Adriana Mattoso, Adriano Novaes, Ailton Rosa Jnior, Alberto Santos, Alejandra
Estevez, Angela Mascelani, Davi Paiva, Delso Gomes, Edjalma Dias, Gilson Gabriel,
Lgia Freitas (viva de Jos Carlos de Souza Freitas, liderana do Sindicato de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Campos dos Goytacazes), Marcelo Ernandez,
Marcelo de Carvalho Rosa, Nina Almeida, Renato Kamp, Rosilda Benacchio, Vladimir
Miguel Leo (Bigu), Wellington Lyra Jesus.
A Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro
(Fetag/RJ) nos abriu seus arquivos e, com inteira confiana, nos deu liberdade para
organiz-los e digitaliz-los. Agradecemos a seus diretores, na figura de Oto dos Santos,
e s secretrias Eliane Oliveira e Sandra Klen pela sua disponibilidade em colaborar.
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Nossa gratido equipe do Centro de Documentao Dom Toms Balduno da
CPT Nacional, em especial a Antonio Canuto, pela acolhida e possibilidade de acesso a
arquivos ainda no digitalizados.
Alessandra Gasparotto, professora da Universidade Federal de Pelotas, durante
seu estgio sanduche no CPDA/UFRRJ, nos ensinou a como potencializar o uso da
plataforma do projeto Memrias Reveladas do Arquivo Nacional. Na consulta ao acervo,
contamos com o apoio de Carmen, funcionria da casa.
A pesquisa seria impossvel sem a mediao de pessoas dos locais que visitamos
e que nos ajudaram na localizao de trabalhadores que pudessem nos dar informao.
Somos gratos a todos eles:
Em Angra dos Reis, Rosilda Benacchio.
Em Cabo Frio, Gilton Souza de Luna (secretrio do STTR de Cabo Frio), Elcia
Ramos Cruz (Secretria de Mulheres do STTR de Cabo Frio e da Fetag/RJ) e Jonatas
Carvalho, historiador, com pesquisa sobre a Fazenda Campos Novos.
Em Cachoeiras de Macacu, Alberto Santos, Arlindo Lovise de Souza (Quito),
Dionsio Felipe de Jesus Neto, Leonardo Bauer, do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB), Natlia Dias da Silva, Rosilene Brives (Lena), que organizou a vinda
de uma van para trazer alguns moradores de Serra Queimada para a sesso de
testemunhos. Paulo Roberto Raposo Alentejano, professor de Geografia da Uerj/So
Gonalo, fez os primeiros contatos para acesso dos pesquisadores a Serra Queimada,
Vecchi e Quizanga.
Em Campos dos Goytacazes, Paulo Honorato, presidente do STTRC, Erica Vieira
de Almeida e a Jos Luis Vianna da Cruz, professores da UFF/Campos.
Em Duque de Caxias, Nilson Venncio nos abriu as portas da Associao
Nacional dos Anistiados Polticos, Aposentados e Pensionistas (Anapap) e aos processos
de anistia l guardados. Alm disso, nos esclareceu sobre muitos aspectos da luta por terra
no municpio. Sandra Paula, Lucas dos Santos e Luis Carlos Salasar nos ajudaram nas
pesquisas no arquivo da entidade. Erica Silva nos abriu os contatos com sua famlia, em
Piranema.
Em Japeri, Romrio Silveira, alm de nos proporcionar contatos preciosos, nos
levou a conhecer as reas rurais de Pedra Lisa e Jaceruba e seus moradores.
Em Maca, Meynardo Rocha de Carvalho, da Comisso da Verdade do
Municpio.
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Em Nova Iguau, Lacerda, responsvel pelo Arquivo da Cria Diocesana, nos
recebeu carinhosamente e deu uma verdadeira aula sobre a formao da cidade.
Em Teresplis, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), nas pessoas de
Ramon Torres Arajo e Adriene S.
Em Valena, Benedito Luiz Rodrigues, presidente do STTR, Anna Leite e Carlos
Salema, Gilson Gabriel, Dilson Sampaio, funcionrio do Cartrio do 2 Ofcio de
Valena/RJ.
Agradecemos ainda Teodomiro Jos de Almeida pela indicao de nomes para
entrevistas; a Paulo Cesar Azevedo de Almeida, pela ajuda em relao a algumas
dificuldades sobre termos jurdicos; a Thaissa Fontoura pela ajuda nos trabalhos de campo
em Cachoeiras de Macacu; a Marcelo Chalreo e Luis Rodolfo Viveiros de Castro, da
Comisso de Direitos Humanos da OAB.
Ao longo do trabalho, trocamos ideias e obtivemos preciosas informaes de
Afrnio Raul Garcia Jr., ex assessor da Fetag/RJ e professor da cole des Hautes tudes
en Sciences Sociales/Paris; Alberto Santos, professor aposentado e incansvel
pesquisador da histria de Cachoeiras de Macacu; Marcelo Ernandez, professor da Escola
de Comunicao da Uerj e Mario Grynszpan, professor de Histria da Universidade
Federal Fluminense.
Isabel Newlands fez a reviso ortogrfica e gramatical final e Juliana Ramos Luiz
e Marco Antonio Teixeira a formatao final.
Finalmente, somos gratos Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) pelo financiamento da pesquisa, envolvendo tanto a
possibilidade de ter bolsistas com diferentes nveis de formao, quanto recursos para
equipamentos e trabalho de campo.
CEV/Rio, agradecemos o dilogo, sempre respeitoso e estimulante, bem como
a disponibilidade para nos ajudar em tudo que foi necessrio para o bom andamento da
pesquisa.
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Siglas
AATR Associao de Advogados dos Trabalhadores Rurais
ABI Associao Brasileira de Imprensa
Abra Associao Brasileira de Reforma Agrria
ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias
AI Ato Institucional
Ajup Assessoria Jurdica Popular
ALF Associao dos Lavradores Fluminenses
Aman Academia Militar das Agulhas Negras
Amat Associao de Moradores e Amigos de Trindade
Amoc Associao dos Moradores do Campinho da Independncia
Amot Associao de Moradores Nativos e Originrios de Trindade
Anapap Associao Nacional dos Anistiados Polticos, Aposentados e Pensionistas
Anatag Associao Nacional dos Advogados de Trabalhadores da Agricultura
ANC Assembleia Nacional Constituinte
AP Ao Popular
Aperj Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro
APP rea de Preservao Permanente
APPCG Associao dos Pequenos Produtores de Cachoeira Grande
ARJ/SNI Agncia Rio de Janeiro do Servio Nacional de Informaes
ARPC Assentamentos Rurais em Perspectiva Comparada
BIB Batalho de Infantaria Blindada
BNCC Banco Nacional de Crdito Cooperativo
BNH Banco Nacional de Habitao
BNM Projeto Brasil: Nunca Mais
CAC Cooperativa Agrcola de Cotia
CAF Comisso de Assuntos Fundirios do Rio de Janeiro
CAF Companhia Amrica Fabril
CEB Comunidade Eclesial de Base
Cedi Centro Ecumnico de Documentao e Informao
Cedoc/CUT Centro de Documentao da Central nica dos Trabalhadores
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Cepa Comisso Estadual de Planejamento Agrcola
Cerj Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro
Cesm Campo Experimental Santa Mnica
CGI Comisso Geral de Investigao
CGM Circunscrio Judiciria Militar
CGT Comando Geral dos Trabalhadores
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
CNA Confederao Nacional da Agricultura
CNBB Confederao Nacional dos Bispos do Brasil
CNTur Conselho Nacional de Turismo
COC Crculos Operrios Cristos
Colina Comando de Libertao Nacional
Comperj Complexo Petroqumico do Estado do Rio de Janeiro
Consea Conselho Nacional de Segurana Alimentar
Consir Comisso Nacional de Sindicalizao Rural
Contag Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Coppe/UFRJ Instituto Alberto Lus Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa em
Engenharia/Universidade Federal do Rio de Janeiro
CPDA/UFRRJ Programa de Ps-Graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
CPDOC/FGV Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do
Brasil da Fundao Getlio Vargas
CPI Comisso Parlamentar de Inqurito
CPPM Cdigo de Processo Penal Militar
CPT Comisso Pastoral da Terra
CRB Confederao Rural Brasileira
CS Conceio de Suru
CSN Companhia Siderrgica Nacional
CSN Conselho de Segurana Nacional
CTPS Carteira de Trabalho e Previdncia Social
CUT Central nica dos Trabalhadores
Detran Departamento de Trnsito do Estado do Rio de Janeiro
DG Departamento Geogrfico
DGIE Departamento Geral de Investigaes Especiais
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Dieese Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
DNER Departamento Nacional de Estradas e Rodagem
Dnocs Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DNPL Departamento Nacional de Pesquisas e Lavras
DOI-Codi Destacamento de Operaes de Informaes - Centro de Operaes de
Defesa Interna
Dops Departamento de Ordem Poltica e Social
Dops/GB Departamento de Ordem Poltica e Social da Guanabara
Dops/RJ Departamento de Ordem Poltica e Social do Rio de Janeiro
DPHAN Departamento de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
DPS Departamento de Polcia Social
DRT Delegacia Regional do Trabalho
DTC Diviso de Terras e Colonizao
EASA Engenheiros Associados S/A
Emater Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
Embratur Empresa Brasileira de Turismo
ETR Estatuto do Trabalhador Rural
Faerj Federao da Agricultura do Estado do Rio de Janeiro
FAG Frente Agrria Gacha
Falerj Federao das Associaes de Lavradores do Estado do Rio de Janeiro
Famerj Federao das Associaes de Moradores do Estado do Rio de Janeiro
Farerj Federao das Associaes Rurais do Estado do Rio de Janeiro
Farsul Federao das Associaes Rurais do Rio Grande do Sul
Fase Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional
FCA/Unesp Faculdade de Cincias Agronmicas/Universidade Estadual Paulista Jlio
de Mesquita Filho
FCOF Federao dos Crculos Operrios Fluminenses
FCP Fundao Cultural Palmares
Fetaesp Federao dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de So Paulo
Fetag/RJ Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro
Fetape Federao dos Trabalhadores da Agricultura de Pernambuco
FGV Fundao Getlio Vargas
Flerj Federao dos Lavradores do Estado do Rio de Janeiro
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Flumitur Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro
FM/UFRJ Faculdade de Medicina/Universidade Federal do Rio de Janeiro
FNM Fbrica Nacional de Motores
Fundrem Fundao para o Desenvolvimento da Regio Metropolitana do Rio de
Janeiro
Funrural Fundo de Assistncia e Previdncia do Trabalhador Rural
Gerca Grupo Executivo de Racionalizao da Cafeicultura
IAA Instituto do Acar e do lcool
Ibad Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
Ibase Instituto Brasileiro de Anlises Socioeconmicas
IBC Instituto Brasileiro do Caf
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
Ibra Instituo Brasileiro de Reforma Agrria
Ibre/GIA/FGV Instituto Brasileiro de Economia/Grupo de Informao
Agrcola/Fundao Getlio Vargas
Igra Instituto Gacho de Reforma Agrria
Incra Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
Inda Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrcola
Inea Instituto Estadual do Ambiente
Inepac Instituto Estadual do Patrimnio Cultural
Inesc Instituto de Estudos Socioeconmicos
Inic Instituto Nacional de Imigrao e Colonizao
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
INT/MIC Instituto Nacional de Tecnologia do Ministrio da Indstria e Comrcio
Ipes Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
Iphan Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
IPM Inqurito Policial Militar
Isop/FGV Instituto de Seleo e Orientao Ocupacional da Fundao Getlio Vargas
Iterj Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro
ITR Imposto Territorial Rural
JCJ Junta de Conciliao e Julgamento
JOC Juventude Operria Catlica
JUC Juventude Universitria Catlica
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Judica Juventude Diocesana Catlica
Labhoi/UFF Laboratrio de Histria Oral e Imagem da Universidade Federal
Fluminense
Master Movimentos dos Agricultores sem Terra
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
Mirad Ministrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio
MPF Ministrio Pblico Federal
MR8 Movimento Revolucionrio 08 de Outubro
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MSTR Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais
MTIC Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio
NAF Ncleo Agrcola Fluminense
NMSPP/CPDA/UFRRJ Ncleo de Pesquisa, Documentao e Referncia sobre
Movimentos Sociais e Polticas Pblicas no Campo/CPDA/UFRRJ
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
Oban Operao Bandeirante
ORM-Polop Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria
Paeg Plano de Ao Econmica do Governo
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PDS Partido Democrtico Social
PDT Partido Democrtico Trabalhista
PM Polcia Militar
PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria
POC Partido Operrio Comunista
PRL Partido Republicano Liberal
Prolcool Programa Nacional do lcool
Projeto Turis Plano de Aproveitamento Turstico
Provrzeas Programa Nacional de Vrzeas Irrigveis
PRRA Plano Regional de Reforma Agrria
PRT Partido Rural Trabalhista
PSB Partido Socialista Brasileiro
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
PSD Partido Social Democrtico
PST Partido Social Trabalhista
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTR Partido Rural Trabalhista
PUA Pacto Unidade e Ao
Reduc Refinaria Duque de Caxias
RGI Registro Geral de Imveis
SDLB Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro
Seaf Secretaria de Assuntos Fundirios do Estado do Rio de Janeiro
Sidra Sistema IBGE de Recuperao Automtica
SJBM So Jos da Boa Morte
SNA Sociedade Nacional de Agricultura
SNI Servio Nacional de Informaes
SRB Sociedade Rural Brasileira
Stiac Sindicato dos Trabalhadores na Indstria do Acar de Campos
STM Superior Tribunal Militar
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais
STRC Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
Supra Superintendncia de Poltica de Reforma Agrria
TDA Ttulo da Dvida Agrria
Tebig Terminal da Baa da Ilha Grande
UDN Unio Democrtica Nacional
UDR Unio Democrtica Ruralista
Uerj Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Ultab Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil
UPF Unio Progressista Fluminense
Uuio Unidade Urbana Integrada a Oeste
VAR-Palmares Vanguarda Armada Revolucionria Palmares
VPR Vanguarda Popular Revolucionria
http://www.uerj.br/
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Sumrio
Introduo. Conflitos fundirios e trabalhistas no Estado do Rio de Janeiro:
definio do tema e formas de abordagem ................................................................. 18
Leonilde Servolo de Medeiros
Captulo 1. Transformaes nas reas rurais, disputa por terra e conflitos sociais no
Rio de Janeiro (1946-1988) .......................................................................................... 36
Leonilde Servolo de Medeiros
1. Introduo .............................................................................................................. 40
2. A questo fundiria e os fundamentos das disputas por terras .............................. 42
3. Os trabalhadores rurais, os direitos trabalhistas e as dificuldades de reconhecimento
como categoria profissional ....................................................................................... 47
4. A redemocratizao em 1945 e a organizao dos trabalhadores do campo ......... 51
5. O governo estadual e o governo federal: aes sobre as reas de conflito ............ 61
6. A reao dos proprietrios de terra ........................................................................ 66
7. O golpe e seus desdobramentos: as aes do Estado ............................................. 68
8. A ao do sindicalismo rural e a reapropriao da lei em defesa dos trabalhadores
................................................................................................................................... 80
9. A Igreja e a Pastoral da Terra ................................................................................ 83
10. Retomada das ocupaes de terra e das lutas de assalariados: um novo ciclo de
lutas ............................................................................................................................ 85
11. O fim do regime militar e as novas perspectivas abertas para a luta por terra e por
direitos ....................................................................................................................... 90
12. Um balano preliminar ........................................................................................ 94
Referncias bibliogrficas .......................................................................................... 96
Captulo 2. Conflitos e represso no campo em Cachoeiras de Macacu ............... 100
Fabrcio Tel
Ricardo Braga
1. Introduo ............................................................................................................ 101
2. Antecedentes histricos: da sesmaria ao Ncleo Colonial de Papucaia .............. 102
3. Ocupaes e desapropriaes na Fazenda So Jos da Boa Morte ..................... 106
4. A represso militar no imediato ps-golpe: o Exrcito e a Guarda Rural do Ibra 123
5. O sonho da guerrilha rural alimentado em Cachoeiras de Macacu ..................... 143
6. Nova ocupao, nova desapropriao, mesmas causas ....................................... 160
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
7. Consideraes finais ............................................................................................ 171
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 171
Entrevistas ................................................................................................................ 172
Captulo 3. Tempo da ditadura: conflitos por terra e represso poltica contra
trabalhadores rurais em Mag .................................................................................. 174
Marco Antonio Teixeira
1. Introduo ............................................................................................................ 175
2. Mobilizao poltica dos trabalhadores em Mag ............................................... 177
3. Atores em cena: a conformao de posseiros e grileiros e a ocupao de terras em
Mag ........................................................................................................................ 183
4. Deflagrao da luta pela terra na gleba Amrica Fabril e na Fazenda Conceio de
Suru, a reao da Companhia Amrica Fabril e o comeo da represso poltica contra
os trabalhadores no pr-1964 ................................................................................... 209
5. Represso no campo: formas de violncia contra os trabalhadores rurais .......... 215
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 227
Captulo 4. Conflitos fundirios em Duque de Caxias e Nova Iguau: represso e
formas de resistncia .................................................................................................. 229
Aline Borghoff Maia
Leonilde Servolo de Medeiros
Elisandra de Arajo Galvo
Gabriel de Souza Bastos
1. Introduo ............................................................................................................ 230
2. O quadro geral dos conflitos na Baixada: antecedentes ...................................... 232
3. A zona conflagrada: conflitos por terra em Nova Iguau e Duque de Caxias . 247
4. Efeitos do golpe civil-militar ............................................................................... 278
5. Os anos 1980: retomada das mobilizaes e reocupaes de terras .................... 285
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 290
Captulo 5. Conflitos por terra e represso no campo na regio da Costa Verde,
Litoral Sul Fluminense ............................................................................................... 292
Annagesse Feitosa
Iby Montenegro de Silva
1. Introduo ............................................................................................................ 293
2. Contextualizando a Costa Verde .......................................................................... 295
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
3. Projetos de desenvolvimento do Estado militar e suas consequncias na Costa Verde
................................................................................................................................. 299
4. Organizaes e sujeitos que atuaram nos conflitos rurais da Costa Verde .......... 304
5. Os conflitos por terra no litoral sul fluminense ................................................... 322
6. Consideraes finais ............................................................................................ 386
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 388
Documentos citados ................................................................................................. 391
Captulo 6. Conflitos fundirios, represso e resistncia camponesa na Baixada
Litornea: o caso da Fazenda Campos Novos ......................................................... 394
Aline Borghoff Maia
Fabrcio Tel
1. Introduo ............................................................................................................ 395
2. Origem jesutica, escravido e a escritura de Santo Incio .............................. 397
3. Sucesso de proprietrios, conflitos e resistncia ............................................ 401
4. A Associao de Lavradores de So Pedro da Aldeia e Cabo Frio e o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais ............................................................................................... 407
5. O perodo ditatorial .............................................................................................. 411
6. Demarcao de territrios quilombolas na Fazenda Campos Novos .................. 429
7. Consideraes finais ............................................................................................ 431
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 432
Captulo 7. Antiga regio do caf no Rio de Janeiro: conflitos registrados em
Valena e Trajano de Moraes .................................................................................... 433
Elizabeth Linhares
1. Contextualizao histrico-social ........................................................................ 434
2. Valena: os casos da Unio Operria e das fazendas Santa Mnica e Conquista 454
3. Trajano de Moraes: o caso da Fazenda Santo Incio ........................................... 521
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 555
Centros de documentao consultados .................................................................... 557
Sites consultados ...................................................................................................... 557
Captulo 8. Ocupao do Imb: conflitos e rumores ............................................... 559
Delma Pessanha Neves
1. Introduo ............................................................................................................ 560
2. A regio do Imb: fronteira agrcola e concentrao fundiria ........................... 571
3. A regio do Imb: projetos de colonizao e de reforma agrria ........................ 579
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
4. A ocupao do Imb: estopim no campo de disputas locais ................................ 583
5. A invaso do Imb: ousadia poltica e confrontao de foras sociais ................ 590
6. A ocupao do Imb segundo o registro impresso pelo PCB-Ultab .................... 594
7. Trabalhadores e comunistas: diferenciao e conflitos internos ......................... 596
8. Por uma concluso provisria .............................................................................. 613
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 616
Captulo 9. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos dos Goytacazes e a
luta por direitos na ditadura (1964-1985) ................................................................ 619
Marilda Villela Iamamoto
Ana Maria Almeida da Costa
1. Introduo ............................................................................................................ 620
2. A luta por direitos: eixo histrico na organizao sindical .................................. 626
3. O Inqurito Policial Militar de Campos, prises e torturas ................................. 634
4. O processo produtivo das usinas e a concentrao fundiria ............................... 639
5. A violncia das relaes de trabalho e a resistncia dos trabalhadores no Norte
Fluminense ............................................................................................................... 644
6. O processo de construo da greve dos canavieiros fluminenses de 1984 e seus
desdobramentos ....................................................................................................... 657
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 669
Fontes documentais .................................................................................................. 673
Captulo 10. As legislaes trabalhista, agrria e penal militar e os usos do direito
pelos advogados de trabalhadores do campo no perodo da ditadura empresarial-
militar no Estado do Rio de Janeiro ......................................................................... 674
Ana Claudia Diogo Tavares
Mariana Trotta Dallalana Quintans
1. Introduo ............................................................................................................ 675
2. A Justia Militar entre 1964 e 1979: dos inquritos s aes penais ................... 679
3. A legislao trabalhista e sindical do campo da dcada de 1950 dcada de 1980: o
Estatuto do Trabalhador Rural e seus desdobramentos ........................................... 693
4. Disputas em torno das propostas de reforma agrria nas legislaes: do Estatuto da
Terra Constituio de 1988 ................................................................................... 700
5. As estratgias dos advogados e das advogadas de trabalhadores rurais no Rio de
Janeiro no perodo da ditadura ................................................................................. 721
6. Consideraes finais ............................................................................................ 734
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 735
Peridicos consultados ............................................................................................. 738
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Conflitos e represso no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
Captulo 11. Dimenses da memria da represso poltica no campo ................... 739
Marco Antonio Teixeira
1. Introduo ............................................................................................................ 740
2. As fontes .............................................................................................................. 740
3. Dimenses da memria da represso poltica no campo ..................................... 744
4. Significados das dimenses das memrias .......................................................... 754
Referncias bibliogrficas ........................................................................................ 756
Consideraes finais e recomendaes ..................................................................... 759
Anexo 1. Entrevistas realizadas no mbito da pesquisa Conflitos e represso no
campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988) ...................................................... 767
Anexo 2. Entrevistas de origem diversa utilizadas na pesquisa Conflitos e represso
no campo no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988) ................................................. 772
Anexo 3. Conflitos registrados no Estado do Rio de Janeiro (1946-1988) ............ 777
Anexo 4. Pessoas que sofreram violncia em decorrncia dos conflitos no meio rural
fluminense (1946-1988) .............................................................................................. 852
Anexo 4.A. Assassinados .......................................................................................... 854
Anexo 4.B. Desaparecidos ........................................................................................ 864
Anexo 4.C. Vtimas de sequestro .............................................................................. 866
Anexo 4-D. Situaes de ocultao de cadver......................................................... 868
Anexo 4-E. Torturados .............................................................................................. 870
Anexo 4-F. Presos ..................................................................................................... 874
Anexo 4-G. Vtimas de agresses fsicas .................................................................. 893
Anexo 4-H. Casos de despejo .................................................................................... 902
Anexo 4-I. Pessoas com benfeitorias destrudas ....................................................... 914
Anexo 4-J. Situaes de contratos forados de parceria e arrendamento.................. 932
Anexo 5. Pequenas Biografias dos Mortos e Desaparecidos ................................... 935
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
18
Introduo
Conflitos fundirios e trabalhistas no Estado do Rio de
Janeiro: definio do tema e formas de abordagem
Leonilde Servolo de Medeiros
Doutora em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora do
Programa de Ps-graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
(CPDA/UFRRJ). Pesquisadora do CNPQ e do Programa Cientistas do Nosso Estado da Faperj. Para a
escrita desta Introduo contei com a colaborao dos membros da equipe.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
19
O Estado do Rio de Janeiro conhecido por ser um dos mais urbanizados do
Brasil. Pouco se fala sobre suas reas rurais, marcadas, no perodo abrangido por esta
pesquisa (1946-1988), por intensas disputas por terra e conflitos trabalhistas. Em geral,
as lutas por terra estiveram relacionadas especulao fundiria, derivada quer do
crescimento das atividades industriais e de servios no que corresponde atual Regio
Metropolitana, quer de decises que levaram transformao do vasto litoral em polo de
investimentos tursticos. Mas tambm ocorreram quando da substituio de antigos
cafezais por criao de gado, implicando expulso de antigos moradores. No que se refere
aos conflitos trabalhistas, eram fruto das mudanas que se verificavam em reas
produtoras de cana de acar, resultado da progressiva mecanizao do seu cultivo.
Ao longo do sculo XX, em especial a partir dos anos 1930, o territrio fluminense
recebeu migrantes de diferentes pontos do pas (principalmente do Esprito Santo, Minas
Gerais, Pernambuco, Paraba). Tambm verificou-se uma intensa mobilidade interna de
sua populao (em especial trabalhadores rurais vindos de reas onde a cafeicultura estava
em decadncia), em busca tanto de terras em projetos de colonizao do governo federal
que estavam sendo implantados em diversos pontos do que corresponde atual Regio
Metropolitana, como de empregos urbanos, numa fase de expanso industrial, estimulada
pela instalao da Companhia Siderrgica Nacional (CSN), Fbrica Nacional de Motores
(FNM) e Refinaria Duque de Caxias (Reduc). A mobilidade interna para as reas de
fronteira entre urbano e rural tambm foi consequncia de uma poltica segregacionista
empreendida na cidade do Rio de Janeiro desde o incio do sculo XX (como o caso das
reformas do prefeito Pereira Passos, das remoes de populaes de cortios etc).
Colaboraram ainda a construo de linhas ferrovirias, rodovias e a implementao de
polticas de transporte visando facilitar o deslocamento dos que viviam as periferias.
Nesse contexto, as disputas por terra se acirraram, em especial a partir da dcadade 1950.
Nos anos 1970, foi a vez das reas litorneas, em especial na Costa Verde, com a
construo da Rodovia Rio-Santos e a proliferao de investimentos tursticos a ela
relacionados. Ao mesmo tempo, nas reas tradicionalmente marcadas pela produo de
cana de acar (com destaque para Campos dos Goytacazes), intensificaram-se conflitos
em torno dos direitos trabalhistas.
Alm disso, em diversas situaes, nas regies mencionadas e em outras que no
foram objeto da presente pesquisa, houve um processo lento de expropriao de
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
20
trabalhadores, que no necessariamente se visibilizou por meio de conflitos. Portanto, em
muitos casos, a violncia que o acompanhou sequer teve registro sistemtico.
Esses elementos, que sero explorados ao longo dos captulos que se seguem,
oferecem um rpido quadro da diversidade das tenses sociais na rea rural fluminense
entre as dcadas de 1950 e 1980, perodo abrangido pela pesquisa, em funo da
delimitao temporal estabelecida pela Comisso Nacional da Verdade e seguida pelas
comisses estaduais e municipais que se constituram.
Metodologia e fontes
A equipe de pesquisa utilizou diversas fontes para seu trabalho: bibliogrficas,
documentais, imprensa e entrevistas.
No que se refere s fontes bibliogrficas, o trabalho se iniciou com a leitura e
discusso de textos j disponveis sobre conflitos no campo no Brasil, em especial no Rio
de Janeiro. Fizemos um exaustivo levantamento da literatura para buscar novas
referncias. Paralelamente, realizamos discusses de textos tericos sobre temas como
violncia, memria, periodizao e conceituao do regime civil-militar ou empresarial
militar, organizando, inclusive, uma disciplina no mbito do CPDA/UFRRJ que
funcionou como um espao sistemtico de discusso para os pesquisadores da equipe,
desde bolsistas de Iniciao Cientfica a pesquisadores seniores, bem como outros
interessados no tema, alunos do Programa ou de outas instituies.1 Ao longo do tempo,
novas fontes bibliogrficas foram localizadas e incorporadas, algumas delas de difcil
acesso. Essas incurses nos indicaram que, se h uma memria sintetizada pela produo
acadmica, em especial no mbito da Histria e das Cincias Sociais, sobre os efeitos do
regime militar no mundo do trabalho, so ainda poucos os estudos sobre a experincia da
classe trabalhadora no contexto da violncia e represso. Mais recentemente, no mbito
das atividades que marcaram os 50 anos do golpe, comearam a ser divulgados livros e
artigos sobre o assunto. Alm disso, a criao de um grupo de trabalho especfico sobre
trabalhadores e outro para tratar da represso contra camponeses e indgenas no mbito
da Comisso Nacional da Verdade (CNV) chamou a ateno para a necessidade de
pesquisas mais aprofundadas.
1 A disciplina cujo nome era Movimentos Sociais conflitos e represso no campo no Rio de Janeiro
1945-1988 foi oferecida no segundo semestre de 2014.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
21
No que se refere aos espaos rurais, um passo importante foi a constituio de
Comisso Camponesa da Verdade que atuou buscando fornecer subsdios CNV. Trata-
se de um grupo de pesquisadores de diversos pontos do pas e assessores de organizaes
do campo que se organizou a partir e por demanda do Encontro Unitrio dos
Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das guas e das Florestas, realizado
em Braslia em agosto de 2012.2 Esse foi um importante espao no qual pode emergir o
debate sobre a represso, mostrando a necessidade de dar continuidade a iniciativas
anteriormente j existentes, entre elas, o projeto Memria Camponesa, coordenado por
Moacir Palmeira e apoiado pelo Ncleo de Estudos Agrrios e de Desenvolvimento do
Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (Nead/MDA). Trata-se de uma srie seminrios,
reunindo lideranas para narrar suas experincias no regime militar. Iniciado em 2004,
com um evento de dois dias no Rio de Janeiro, prosseguiu com encontros semelhantes
em Pernambuco, Paraba, Rio Grande do Norte, Cear, So Paulo, Gois e Rio Grande
do Sul.3
Outras iniciativas de resgate da memria dos trabalhadores se organizaram nos
ltimos anos, com destaque para o Grupo Mundos do Trabalho da Associao Nacional
dos Professores Universitrios de Histria (Anpuh) e os Seminrios O Mundo dos
Trabalhadores e seus Arquivos, iniciativa do Arquivo Nacional e do Centro de
Documentao da CUT (Cedoc/CUT) j com trs edies (2008, 2011 e 2013).4 Trata-se
de esforos em diferentes instituies e grupos de pesquisa para escrever uma histria a
contrapelo (BENJAMIN, 1986), ou seja, uma histria do ponto de vista dos vencidos,
extremamente importante para a constituio de uma outra memria, que resgate outros
atores, formas de luta e permita repensar as relaes de poder e seus desdobramentos ao
longo da histria.
Quanto pesquisa documental, ao mesmo tempo em que nos familiarizvamos
com o material bibliogrfico, trabalhamos fontes relacionadas ao objeto da pesquisa
depositadas no Ncleo de Pesquisa, Documentao e Referncia sobre Movimentos
Sociais e Polticas Pblicas no Campo do Programa de Ps-Graduao em Cincias
Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (NMSPP/CPDA/UFRRJ). Nele
2 O relatrio do trabalho da Comisso Camponesa foi entregue CNV e aguarda publicao. Est disponvel
para down-load em http://r1.ufrrj.br/cpda/blog/2015/01/21/relatorio-da-comissao-camponesa-da-verdade-
esta-disponivel-para-download/ 3 Esses seminrios foram gravados em vdeos. Para os casos do Rio de Janeiro, Paraba e Rio Grande do
Sul, o NMSPP/CPDA/UFRRJ dispe de uma verso editada. 4 Os resumos e artigos apresentados nesses eventos podem ser acessados em http://cedoc.cut.org.br
http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/noticias-para-o-boletim/293-documento-base-do-encontro-unitario-dos-trabalhadores-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestashttp://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/noticias-para-o-boletim/293-documento-base-do-encontro-unitario-dos-trabalhadores-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestas
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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h farto material de origem sindical (ofcios, cartas, relatrios etc.), em especial da dcada
de 1970 e incio dos anos 1980; processos de desapropriao de algumas fazendas;
documentos da Comisso Pastoral da Terra; clipping de jornais da poca, embora no
exaustivos. Trata-se de documentos provenientes de pesquisas anteriores diversas e que
foram organizados e disponibilizados para consulta pblica.5 A partir dessa
documentao fizemos uma primeira relao de conflitos que foi sendo complementada
a partir de outras fontes que fomos localizando ao longo da pesquisa. Entrevistas
realizadas tambm nos abriram novas indicaes de fontes.
Procuramos tambm a Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do
Rio de Janeiro (Fetag/RJ), que nos deu pleno acesso ao material documental de que
dispe. Parte desse material foi limpo por ns, organizado por municpios onde ocorriam
os conflitos e digitalizados por uma empresa especializada.6 Outra parte ainda necessita
de limpeza especializada para desinfeco e aguarda esses procedimentos para posterior
manuseio, organizao e digitalizao. O material atualmente passvel de consulta
envolve relatrios, correspondncias entre sindicatos e federaes, processos trabalhistas
etc. Trata-se de fontes que revelam o olhar do sindicalismo sobre os conflitos e uma
determinada perspectiva sobre os fatos abordados. So bastante reveladoras das prticas
sindicais nos anso 1970 e 1980, mas oferecem limites uma vez que nem todos os
municpios dispunham de sindicatos e nem todos os sindicatos acompanhavam os
conflitos em sua rea de abrangncia. Ou seja, esses arquivos nos proporcionaram uma
viso abrangente dos conflitos, mas longe de ser exaustiva.
Tambm acessamos o Centro de Documentao Dom Toms Balduno, da
Comisso Pastoral da Terra (CPT) nacional, sediada em Goinia. A maior parte dos
documentos est digitalizada e foi recentemente disponibilizada na pgina da entidade.7
Mas ainda h muita documentao no digitalizada sobre o estado do Rio de Janeiro que
foi liberada para consulta. Essa fonte nos oferece a possibilidade de entender a ao da
Pastoral nas reas de conflito onde esteve presente e que, s vezes, no eram as mesmas
de atuao sindical, precedia esta ou mesmo disputava com os sindicatos concepes
sobre estratgias de luta.
5 O NMSPP/CPDA/UFRRJ funciona nas dependncias do CPDA e dispe de acervo aberto a consulta
pblica. Um resumo dos documentos l disponveis pode ser acessado atravs da pgina de web do NMSPP:
www.ufrrj.br/cpda/nms. 6 O acesso a essa documentao pode ser feita tambm por meio da pgina do NMSPP/CPDA/UFRRJ. 7 Ver http://www.cptnacional.org.br/index.php/cedoc-dom-tomas-balduino-da-cpt
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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A pesquisa se estendeu ao material disponibilizado pela Plataforma Memrias
Reveladas, do Arquivo Nacional. Nela, por meio de busca por locais e nomes sobre os
quais j dispnhamos alguma informao, conseguidos nos acervos anteriormente
consultados, acessamos uma enorme quantidade de documentos do Servio Nacional de
Informaes. O mesmo procedimento foi utilizado na consulta ao acervo do projeto Brasil
Nunca Mais (BNM) e do Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (Aperj). Alm
disso, em entrevistas e contatos com informantes diversos, recolhemos outros materiais
que tambm foram, na medida do possvel, incorporados. So publicaes de circulao
local, revistas, panfletos.
Nessa diversidade de fontes documentais, procuramos estar atentos ao fato de que
elas expressam diferentes olhares sobre os conflitos. No caso dos documentos produzidos
pelo sindicalismo de trabalhadores rurais, grande parte se volta para a denncia de
situaes de conflito aos rgos pblicos (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma
Agrria - Incra, ministrios, Presidncia da Repblica) e imprensa, em geral pedindo
desapropriao das terras envolvidas, com base na legislao em vigor (Estatuto da Terra
e suas regulamentaes). Quanto CPT, so panfletos, cartilhas, manifestos destinados a
setores da populao que pudessem ser alcanados pela ao pastoral. Eles narram
situaes de violncia dos mais diversos tipos e tinham por objetivo sensibilizar para a
dramaticidade do processo de expropriao vivido pelos trabalhadores rurais. No caso
dos documentos reunidos na plataforma Memrias Reveladas, Aperj e BNM, as fontes
so de outra natureza. Alm de conterem muitos documentos recolhidos pela polcia
poltica (artigos de jornais e revistas, relatrios de rgos de segurana), tambm
disponibilizam depoimentos, que necessitam ser interpretados com os devidos cuidados
por serem produto de uma relao formal com os agentes da represso, a partir do ritual
caracterstico dos interrogatrios feitos pelos rgos de segurana. Por meio deles,
obtivemos informaes importantes sobre a atuao e a concepo desses rgos no
perodo anterior ao golpe e tambm no imediato ps-golpe, uma vez que foram muitas as
prises e julgamentos de lavradores e polticos locais ainda nos primeiros meses de 1964.
Eles tambm oferecem pistas sobre a atuao do movimento campons, alm de
depoimentos que esclarecem ajudam a entender motivos e desdobramentos dos conflitos.
Alm disso, pela sua anlise podemos traar um amplo panorama dos interesses e da
vigilncia dos rgos voltados represso em relao a determinadas reas do estado, ao
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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mesmo tempo em que perceber como eles interpretavam os conflitos fundirios, o papel
do campesinato e dos mediadores envolvidos.
No que se refere imprensa, fizemos algumas incurses na Hemeroteca Digital
da Biblioteca Nacional, com o objetivo de complementar informaes e melhor esclarecer
alguns eventos, sempre utilizando palavras chave, em especial nomes de lugares e de
pessoas. O tempo no nos permitiu uma pesquisa exaustiva dessa fonte, mas ela nos
forneceu alguns dados importantes sobre os conflitos e a represso tanto no perodo que
antecede o golpe, quando depois dele. Por vezes, uma matria fornecia pistas para eventos
que precisavam ser melhor esclarecidos, o que nos levou busca de outras fontes. Em
alguns casos, foram ainda feitas buscas em jornais locais e no prprio Dirio Oficial do
Estado do Rio de Janeiro, para acessar decretos de desapropriao de reas pelo governo
estadual no perodo que antecedeu o golpe.
Finalmente, no que diz respeito a entrevistas, realizamos, at o momento 89, em
todas as regies selecionadas para pesquisa aprofundada. Conversamos com advogados
sindicais, lideranas religiosas e de conflitos e tambm, em diversas situaes, com
pessoas que vivenciaram situaes de violncia e represso, mas que no desempenhavam
qualquer papel de direo poltica. Fizemos ainda entrevistas com apoiadores dos
trabalhadores, que, em alguns casos, produziram denncias para a imprensa e
documentrios e forma importantes para tornar pblicas lutas que talvez ficassem, como
tantas outras, restritas a uma memria local. No geral fomos bem recebidos e, salvo um
ou outro caso, no tivemos dificuldades em conversar. No entanto, foram bastante
comuns as situaes em que afloraram sensibilidades e emoes. Muitos estavam vendo
uma oportunidade para falar de histrias pelas quais nunca ningum se interessou; outros
vislumbravam uma oportunidade de obter algum tipo de reparao; outros ainda
buscavam construir relatos heroicos, valorizando seu papel na resistncia por permanecer
na terra. Chegamos aos entrevistados com ajuda de dirigentes sindicais, lideranas locais,
organizaes e movimentos atuantes nas regies. Um entrevistado nos indicava outras
pessoas que ele achava que poderiam nos dar informaes importantes e, assim,
constitumos uma significativa quantidade de depoimentos, a grande maioria gravada. A
lista completa dos entrevistados desde o incio da pesquisa at setembro de 2015 compe
o Anexo 1 do presente relatrio.
Alm das incurses s reas pesquisadas, tambm nos apropriamos de entrevistas
feitas em outros momentos, por outros pesquisadores. O NMSPP/CPDA/UFRRJ conta
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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com diversos depoimentos de lideranas das lutas por terra, dirigentes sindicais e
trabalhadores rurais (assentados, posseiros e assalariados), muitos deles j falecidos.
Foram obtidos em trabalhos de pesquisa desenvolvidos quer por professores, quer por
estudantes do CPDA/UFRRJ.8 Em que pese o fato de que os objetivos das entrevistas
fossem outros, relacionados a temas especficos que orientavam os estudos, h nelas
importantes informaes que foram resgatadas, sempre levando em conta as condies
em que os dados foram gerados. Tambm nos utilizamos das entrevistas realizadas por
Marcelo Ernandez para uma pesquisa sobre ocupaes de terra no estado do Rio de
Janeiro (ERNANDEZ, 2010) e que nos foram gentilmente disponibilizadas.9 A relao
desses depoimentos constitui o Anexo 2.
O teor dessa diversidade de fontes nos levou a refletir sobre a relao entre elas e
a memria que se fixou sobre o perodo que estudamos e sobre as lutas no campo. So
bastante diferenciadas dimenses da memria sobre a represso aos trabalhadores rurais
e constituem verses que ora se complementam, ora se contrapem, mas que, no seu
conjunto, indicam a disputa pelo sentido dos acontecimentos que se cristalizam, ainda
que provisoriamente, na memria histrica em construo, seja destacando episdios que
se quer que sejam lembrados, seja silenciando outros: os eventos que simplesmente so
esquecidos e que, por isso mesmo, indicam hierarquias de valores em jogo na prpria
construo da memria. O tema tratado no Captulo 11 do presente relatrio, de autoria
de Marco Antonio Teixeira.
Ao longo da pesquisa pudemos perceber como a reconstruo da memria permite
conectar as experincias do passado entre si e delas com o presente de modo a dot-las
de algum ensinamento. Como mostra Todorov (2000), analisando a experincia dos
campos de concentrao, a reconstruo do passado uma forma de combater o que se
passou, um ato de oposio ao poder que existia e ainda existe e que se revela na
permanncia da violncia no campo, nas tentativas de expulso de camponeses das reas
onde vivem h anos, na sistemtica violao de direitos trabalhistas, como mostram
sucessivas denncias sobre situaes de trabalho anlogas escravido mesmo em
8 O NMSPP/CPDA/UFRRJ possui mais de 300 entrevistas disponveis para consulta, mediante assinatura
de termo de compromisso de que o uso ser estritamente para fins acadmicos. O material em formato
cassete foi transformado em MP3 para melhor conservao. Parte delas est transcrita, outras s podem ser
acessadas em udio. No stio do NMSPP na internet, possvel consultar a lista de entrevistas disponveis
e as planilhas de acesso, onde h informaes sobre o contexto, condies e contedo das entrevistas, bem
como um sumrio do seu teor. 9 As entrevistas doadas por Ernandez, bem como as realizadas na presente pesquisa sero planilhadas e
comporo em breve o acervo do NMSPP/CPDA/UFRRJ.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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empresas que se apresentam como modernas. No processo da pesquisa nos deparamos
com uma memria que se aviva por ameaas de repetio do que ocorreu no passado,
embora sob novas formas. o caso do municpio de Cachoeiras de Macacu, onde est em
curso um projeto de construo de barragens na bacia do Rio Guapiau, uma exigncia
da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para
liberao da obra do Complexo Petroqumico do Rio de Janeiro (Comperj), de forma a
permitir captao de gua para o leste metropolitano do estado. A barragem vai atingir
por volta de trs mil pessoas, muitas delas j afetadas, nos anos 1960, por sucessivas
intervenes fundirias e remoes pelo governo federal.10 A histria dessas pessoas
rememorada e utilizada como uma forma de mostrar como elas tm sido sistematicamente
vtimas de aes de expulso ou tentativas de expulso, ao mesmo tempo em que serve
de inspirao luta atual contra a barragem.
Espera-se que uma das contribuies deste trabalho seja mostrar caminhos pelos
quais a histria camponesa pode ser narrada, a contrapelo, como nos sugere Walter
Benjamin, ao afirmar que no h redeno possvel se no se fizer o resgate das vtimas
da histria, condio para a transformao ativa do presente (BENJAMIN, 1986).
Impasses nas interpretaes, dificuldades com os registros e tomadas de
posio na anlise
So inmeras as dificuldades que enfrentamos ao longo da elaborao do trabalho.
Destacamos aqui algumas que nos acompanharam em todos os seminrios internos
realizados para discutir dados e avanar interpretaes.
A primeira refere-se a como considerar o debate em torno da forma de nomeao
do regime que se instaurou em 1964. Durante um longo tempo a literatura o chamou de
militar, procurando acentuar a ruptura institucional que ele significou e a forte presena
dos militares como corpo dirigente e elaborador das diretrizes centrais dos governos que
se sucederam a partir do golpe. No entanto, vrios trabalhos desde os anos 1980
ressaltaram o fato de que o regime contou com amplo apoio de diferentes segmentos da
sociedade. Dreifuss (1981) mostra como o golpe e as diretrizes econmicas e polticas do
regime foram amplamente discutidas e elaboradas no s no mbito da Escola Superior
de Guerra, mas tambm em instituies que agregavam empresrios de diferentes
10 Trata-se especialmente de famlias que foram removidas das reas do Imb, em Campos e de outras reas
de conflito do estado para serem assentadas nas glebas Vecchi e Quizanga entre 1966 e 1967. Para maiores
detalhes, ver o Captulo 2 do presente relatrio escrito por Fabrcio Tel e Ricardo Braga.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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matrizes, como o caso do Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), do Ibad
(Instituto Brasileiro de Ao Democrtica) e de instituies de representao empresarial,
como as federaes de indstrias e de bancos. Muitos quadros dessas instituies tambm
assumiram postos importantes no governo que se instalou, inclusive ministrios. Esses
fatos so acionados por vrios autores para justificar que o golpe deve ser chamado de
civil-militar.
Mais recentemente, tem-se chamado a ateno para o fato de que civil um termo
amplo que no d conta da natureza do golpe que, na realidade, foi resultado de uma
articulao entre poderosos setores empresariais e os militares. Esses autores salientam
ainda que a poltica econmica da ditadura bem como as medidas repressivas tiveram
como objetivo favorecer a consolidao e expanso dos interesses dos grandes capitais, o
que se confirmou nos desdobramentos do regime. Assim, o termo mais adequado para
caracterizar o golpe e o regime seria empresarial militar.
Na pesquisa, no fizemos uma discusso aprofundada sobre qual o melhor termo.
Como se ver ao longo dos captulos, cada um dos autores usou uma determinada forma
de nominar o golpe e o regime.
No entanto, os dados obtidos apontam claramente para os interesses envolvidos
em diferentes conflitos e a ao de diferentes instncias do Estado. Metodologicamente,
procuramos nos voltar para o conhecimento das situaes de conflitos e no unicamente
sobre a represso. Essa foi uma opo inicial do trabalho. Apostando nesse caminho,
nossa proposta foi revelar atores em disputa de forma e, ao longo do relatrio, ir
mostrando como e quais interesses aparecem em cada momento. Assim, temos como
elementos centrais da anlise nos conflitos fundirios, interesses vinculados
especulao fundiria ligada expanso urbana; interesses tursticos, envolvendo a ao
de grandes empreendedores do setor; fazendeiros de reas em processo de transio de
cultivos e at mesmo empresas estatais. comum nas explicaes elaboradas pelas
lideranas o uso do termo grileiro, para indicar que muitos dos que se apropriavam da
terra e buscavam expulsar os antigos ocupantes no tinham legitimidade para isso, pois
sequer detinham ttulos de propriedade. Nos casos de conflitos trabalhistas, nosso olhar
se voltou principalmente para o setor sucroalcooleiro, onde o desrespeito aos direitos
trabalhistas era recorrente.
Qualquer que seja a forma do capital envolvido e as formas assumidas pelos
conflitos, o fato comum o rpido e avassalador processo de expropriao dos
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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trabalhadores do campo. Isso nos leva a explicitar uma outra dimenso da abordagem que
fazemos. Privilegiando os conflitos, nosso olhar no pode se restringir represso e
violncia que partiu dos rgos de Estado. Embora tenhamos, como apontado acima,
trabalhado intensamente sobre a documentao gerada pelo Servio Nacional de
Informao (SNI) e pelos Inquritos Policiais Militares (IPMs), desde logo percebemos
que eles refletem apenas uma parte do que ocorreu no campo fluminense no perodo. O
material consultado mostrou como outras instituies estatais tiveram um papel
importante na coao dos trabalhadores, entre elas o Instituto Brasileiro de Reforma
Agrria (Ibra), removendo populaes por meio de sua Guarda Rural; o Instituto
Brasileiro de Defesa Florestal (IBDF) em espaos onde eram criadas reservas e reas de
proteo ambiental; a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), quando
instalou centro experimental em territrios ocupados por antigos posseiros.
Parte importante dos despejos e da represso foi feita pelo poder privado,
contando com a colaborao, sob diferentes maneiras, do poder estatal. Em parcela
importante dos documentos analisados (arquivos da Fetag/RJ e da CPT ou documentos
produzidos por pessoas que apoiaram os trabalhadores e denunciaram as violncias),
percebemos essa atuao dupla e articulada. Mas nos relatos dos afetados que aparecem
as mais recorrentes menes a esses agentes privados, por meio da ao de capangas,
jagunos etc. Em muitas situaes de expulso de trabalhadores, houve uma omisso total
dos poderes pblicos. Em consequncia, uma outra dificuldade se interps: a dificuldade
de ter os nomes dos mandantes das violncias, uma vez que, em muitos casos, s
conseguimos chegar a o primeiro nome ou ao apelido do que as perpetrava.
Dessa perspectiva, do ponto de vista de uma parcela importante dos trabalhadores
do campo, o regime (militar, civil-militar ou empresarial-militar, qualquer que seja a
denominao que adotemos), implicou num exerccio constante e brutal de desrespeito
aos direitos humanos, tanto diretamente pelos agentes policiais ou do Exrcito, como por
omisso, como poder ser constatado ao longo das pginas que se seguem.
Outra dificuldade que enfrentamos est relacionada natureza dos registros com
que trabalhamos. Se nosso ponto de partida foram os conflitos, temos clareza de que aqui
apresentamos apenas uma parte deles. Embora tenhamos contabilizado uma grande
quantidade de ocorrncias, no poderamos aprofundar o estudo de todas elas, em razo
do tempo e recursos disponveis. Por outro lado, o tipo de registro (entrevistas, relatrios
sindicais, por exemplo) tambm cria dificuldades para a nomeao de agentes da
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represso, uma vez que em alguns casos no temos nenhuma outra comprovao. Em
outros, aparecem apenas apelidos ou o primeiro nome. H que lembrar tambm a
dificuldade de acesso a algumas fontes documentais relevantes. Em nossa pesquisa, no
pudemos consultar, por exemplo os arquivos do Instituto de Colonizao e Reforma
Agrria (Incra) nem os do Instituto de Terras do Rio de Janeiro, indisponveis em razo
de mudana de prdio em ambas instituies.
Nossa hiptese de que havia e h uma conflitualidade latente para a qual as
fontes de que dispusemos trazem evidncias, mas que no do conta do que foi o processo
de expropriao e represso. Nossas informaes restringem-se a casos onde houve algum
tipo de denncia (pelos sindicatos, Fetag/RJ, CPT, arquivos de Arquidioceses).
Considerando os locais do territrio fluminense onde no havia, nos anos 1960/70, estas
ltimas entidades funcionando, somente novas pesquisas, com outro tipo de abordagem,
poderiam trazer informaes sobre a no resistncia, a sada em busca de outras
oportunidades de trabalho, provocando a desterritorializao. Em que pese o fato de que
muitos conseguiram se reproduzir com sucesso em outros espaos, ocupando outros
lugares sociais, h que pensar que muitos foram vtimas de um regime que acelerou a
migrao, a favelizao e agravou desigualdades. Isso particularmente claro quando se
consideram as regies onde despejos se sucederam, como o caso do Norte Fluminense
e Regio Serrana.
Distribuo dos conflitos selecionados para pesquisa no territrio fluminense
Nossa primeira preocupao foi mapear a ocorrncia de conflitos. Aps uma
primeira incurso sobre os registros de que dispnhamos, conseguimos identificar
algumas situaes, com qualidade de informaes bastante diversificada, mas que nos
pareceram importantes como indicadores de que as tenses fundirias e trabalhistas no
estado foram recorrentes. Ao longo do trabalho fomos encontrando novas referncias. O
Quadro 1 mostra a sua concentrao, segundo as regies do estado.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Quadro 1. Concentrao de conflitos por regies do Estado do Rio de Janeiro
(1964-1988)11
Regio Municpio Quantidade de conflitos
Regio
Metropolitana
Duque de Caxias 8
Nova Iguau 11
Itabora 3
So Gonalo 1
Mag 43
Cachoeiras de Macacu 16
Rio Bonito 1
Maric 1
Itagua 2
Paracambi 3
Rio de Janeiro 5
Total 94
Costa Verde
Parati 25
Angra dos Reis 28
Mangaratiba 3
Total 56
Baixadas Litorneas
Silva Jardim 6
Casimiro de Abreu 9
So Pedro da Aldeia 2
Cabo Frio 2
Araruama 1
Total 20
Mdio Paraba
Valena 5
Volta Redonda 3
Pira 5
Pinheiral 1
Resende 1
Barra Mansa 3
Rio Claro 3
Total 21
Serrana
Terespolis 1
Macuco 1
Petrpolis 2
Santa Maria Madalena 2
Trajano de Moraes 5
Friburgo 1
Total 12
Centro-Sul
Fluminense
Vassouras 7
Miguel Pereira 1
Total 8
Noroeste Fluminense Porcincula 1
Total 1
Norte Fluminense Campos 5
So Joo da Barra 2
Total 7
Total de conflitos registrados no estado 219 Fonte: elaborao dos pesquisadores do Projeto a partir dos dados obtidos no NMSPP/CPDA/UFRRJ;
Fetag/RJ; Centro de Documentao Dom Tomas Balduno; Projeto Brasil Nunca Mais; Plataforma
Memria Reveladas; jornais e entrevistas realizadas em diferentes momentos.
11 Utilizamos como referncia a atual diviso em regies. No entanto, ao longo do realtrio, como se ver,
os pesquisadores se apropriaram de outras denominaes, recorrentes quer na literatura, quer no uso
cotidiano.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Conseguimos mapear 219 situaes de conflito, a maior parte delas com registros
a partir de 1968.12 O Anexo 3 apresenta um breve resumo de cada uma das situaes
identificadas. No fizemos um levantamento sistemtico dos casos ocorridos no perodo
anterior ao golpe, mas as situaes escolhidas para serem estudadas em profundidade,
bem como diversas outras sintetizadas, mostram que parte dos conflitos se reitera nos
mesmos lugares ao longo dos anos, indicando uma resistncia que permaneceu ao longo
do tempo, mesmo em condies adversas.
Com base na qualidade das informaes disponveis, nos contatos de que
dispnhamos, perfil da equipe e disponibilidade de recursos, selecionamos alguns casos
para aprofundamento e que so apresentados e detidamente analisados nos captulos que
se seguem. So eles:
a) Regio Metropolitana:
Cachoeiras de Macacu: Ncleo Colonial Papucaia e seu entorno, em especial a
fazenda So Jos da Boa Morte
Mag: Conceio de Suru e reas de posse da Companhia Amrica Fabril
Duque de Caxias: So Loureno e Capivari
Japeri (antes pertencente a Nova Iguau): Pedra Lisa
b) Regio da Costa Verde
Parati: Trindade, Praia do Sono, Campinho da Independncia, So Roque,
Taquari, Barra Grande, So Gonalo.
Angra dos Reis: Santa Rita do Brachuy
c) Regio das Baixadas Litorneas
Cabo Frio/So Pedro dAldeia e Bzios: fazendas Campos Novos, Botafogo e
Caveira
d) Regio do Mdio Paraba
Valena: fazendas Santa Mnica e Conquista
e) Regio Serrana
Trajano de Moraes: fazenda Santo Incio
f) Norte Fluminense
Campos: Imb e conflitos trabalhistas ocorridos em diversas usinas
12 Certamente, isso se relaciona com a natureza das fontes consultadas. A maior parte dos registros deriva
de documentos sindicais e o sindicalismo do estado, como veremos no captulo 1 do presente relatrio,
comeou a se reestruturar no final dos anos 1960. No entanto, vrios deles so desdobramentos de situaes
que j vinham de longa data.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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O mapa a seguir indica a distribuio desses conflitos no estado.
Mapa 1. Distribuio dos conflitos selecionados para aprofundamento
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Formas de violncia: uma primeira aproximao
As fontes com que trabalhamos nos permitiu fazer um amplo mapeamento dos
diversos tipos de violncias sofridas pelos trabalhadores do campo. Os nmeros
encontrados so bastante reveladores do que ocorreu nesse estado e particularmente na
Regio Metropolitana no perodo selecionado para a pesquisa, conforme mostra o
Quadro 2, a seguir.
A ocorrncia de violncias acompanha o alto nvel de conflitualidade atingido na
regio Metropolitana. nela que ocorre a maioria dos assassinatos e prises. Os dados
trazem tona diferentes faces da violao de direitos dos trabalhadores, perpetradas ora
pelo Estado, ora pelo poder privado, neste caso sempre com omisso, quando no apoio,
das instituies estatais. As relaes de nomes, fontes e outros dados relativos a essas
ocorrncias constituem o Anexo 4 do presente relatrio.13 No Anexo 5, apresentamos
pequenas biografias dos assassinados e desapecidos. As condies em que ocorreram
essas violaes e detalhamento dos agentes envolvidos so tratadas com detalhe nos casos
selecionados para anlise ou, de forma, sinttica nas situaes de conflito apresentadas
no Anexo 3.
13 No entanto, ressaltamos que essas listas so provisrias e podero crescer medida que pesquisadores se
debruarem sobre novos documentos ou entrevistas.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Quadro 2. Violaes de direitos
Regio/
Municpio
Assassi
natos
Desapare
cidos
Ocultao
de
cadver
Tortu
ra
Pri
ses
Agresso
fsica
Contratos
forados de
parceria e
arrendamento
METROPOLITANA
Cachoeiras de
Macacu 22 3 1 5 141 3 -
Duque de Caxias 3 - 1 5 8 1 -
Itagua 1 - - - - - -
Mag 5 - 1 6 2 -
Nova Iguau 2 - - 1 1 - -
Paracambi 1 - - - - - -
Rio Bonito 2 - - - - 1 -
Rio de Janeiro 2 - - - - 1 -
COSTA VERDE
Angra dos Reis - - - - 2 - 2
Paraty 2 - - - 1 6 4
BAIXADAS LITORNEAS
Cabo Frio 4 - - - 7 7 -
Casimiro de Abreu - - - - - 1 -
So Pedro da Aldeia 1 - - - 7 1 -
Silva Jardim 1 - - - - 4 -
MDIO PARABA
Pinheiral - - - - - 7 -
Valena - - 2 - 2 2
REGIO SERRANA
Macuco - - - - - 1 -
Santa Maria
Madalena 1 - - - - 2 -
Terespolis - - - - 1 1 -
Trajano de Moraes - - - - 7 - -
REGIO CENTRO SUL FLUMINENSE
Vassouras 3 - - - - 2 -
REGIO NOROESTE FLUMINENSE
Porcincula - - 1 - 1 -
REGIO NORTE FLUMINENSE
Campos - - - 3 3 - -
So Joo da Barra 1 - - - - -
TOTAIS RJ
51 3 2 18 184 43 8
Observaes:
a) No nmero de mortos, s foram considerados os identificados.
b) No caso das agresses fsicas, no h identificao de nmero e nome nos seguintes conflitos: So
Gonalo, Bananal (ambos em Paraty), Arir e Brachuy (em Angra dos Reis), Trs Poos (Volta Redonda),
Santo Incio (Trajano de Moraes), Ponte Funda (Petrpolis), Alpina (Terespolis).
c) No caso da coluna contratos forados, o nmero corresponde quantidade de conflitos em que houve
ocorrncias desse tipo.
d) Em Angra dos Reis, o nmero se refere aos conflitos em que houve prises. No foi possvel identificar
o nmero de presos.
Fonte: elaborao dos pesquisadores do Projeto a partir dos dados obtidos no NMSPP/CPDA/UFRRJ;
Fetag/RJ; Centro de Documentao Dom Tomas Balduno; Projeto Brasil Nunca Mais; Plataforma
Memria Reveladas; jornais e entrevistas realizadas em diferentes momentos.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Estrutura do relatrio
O presente relatrio compe-se das seguintes partes, alm da presente Introduo:
um captulo que situa algumas das transformaes do estado do Rio de Janeiro ao longo
do sculo XX e que funciona como pano de fundo para que seja possvel melhor situar os
diferentes casos aprofundados nos captulos seguintes. Na sequncia, seguindo a atual
diviso do estado por regies, apresentamos os conflitos selecionados para estudo na
regio Metropolitana, Costa Verde, Baixadas Litorneas, Mdio Paraba, Serrana e Norte
Fluminense, lembrando ao leitor que os autores no ficaram presos a essa diviso
administrativa, mas usaram outras caracterizaes que se mostraram mais adequadas para
dar fora s ideias que estavam procurando expor. Ao final, h dois captulos temticos.
O primeiro deles discute as diferentes dimenses jurdicas envolvidas nos conflitos e o
segundo, a partir dos dados da pesquisa, reflete sobre as condies de produo da
memria. Encerramos o relatrio com um captulo de Consideraes finais, onde
apresentamos as principais recomendaes da equipe CEV/Rio.
Referncias bibliogrficas
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de histria. In: BENJAMIN, W. Obras escolhidas.
Magia e tcnica, arte e poltica. 2 ed. So Paulo: Brasiliense, 1986.
CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da represso poltica no campo Brasil
1962-1985 Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Braslia: MDA, 2010.
ERNANDEZ, Marcelo. Sementes em trincheiras: estado do Rio de Janeiro (1948-1996).
In SIGAD, Ligia; ERNANDEZ Marcelo e ROSA Marcelo. Ocupaes e acampamentos.
Sociognese das mobilizaes por reforma agrria no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond
e Faperj, 2010.
TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Barcelona: Paids, 2000.
VIANA, Gilney (coord.). Camponeses mortos e desaparecidos: excludos da justia de
transio. Braslia: Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica, 2013.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Captulo 1
Transformaes nas reas rurais, disputa por terra e
conflitos sociais no Rio de Janeiro (1946-1988)
Leonilde Servolo de Medeiros
Doutora em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora do
Programa de Ps-graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
(CPDA/UFRRJ). Pesquisadora do CNPQ e do Programa Cientistas do Nosso Estado da Faperj.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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1. Introduo
Neste captulo, de carter introdutrio aos diversos casos estudados, procuramos
apresentar as condies mais gerais em que se deram os conflitos por terra no Rio de
Janeiro, traando no s um panorama das transformaes econmicas, sociais e polticas
do estado no perodo abrangido pela pesquisa, mas principalmente buscando mostrar
como esses conflitos tiveram um papel poltico central, gerando polarizaes, atuando
decisivamente na formulao de problemas pblicos (CEFA, 2001) e colocando em
pauta questes que obrigavam diferentes atores a tomar posies num acirrado debate
poltico. Com ele, pretendemos dar algumas indicaes gerais dos agentes presentes nas
disputas por terra no estado e seus desdobramentos. As particularidades delas em
situaes especficas so tratadas a partir do captulo 2 do presente relatrio.
A anlise dos conflitos no perodo abrangido pela pesquisa nos d elementos para
refletir sobre diversas configuraes de atores e possibilidades polticas. Ao longo das
quatro dcadas sobre as quais nos debruamos, esboaram-se diferentes formas de
resistncia (algumas bem-sucedidas, outras fracassadas), mesmo no perodo de maior
represso, em que as organizaes representativas dos trabalhadores e sua capacidade de
atuao poltica foram fortemente afetadas. Constituram-se tambm novos atores e
estratgias, ao mesmo tempo que ocorria um recrudescimento da violncia costumeira
num contexto de ausncia de liberdades democrticas. Procuramos fornecer elementos
para que se possa ter em conta diferentes arranjos que envolvem no s o rural como
tambm o urbano, de forma a mostrar a impossibilidade de traar linhas divisrias rgidas
entre esses dois universos, em especial quando tratamos de conflitos e luta poltica, lugar
privilegiado para observar a permanente circulao de pessoas e ideias entre as duas
esferas.
Ao longo do sculo XX, o Estado do Rio de Janeiro apresentou significativas
alteraes em suas reas rurais, que podem ser resumidas na decadncia de algumas
culturas em razo da concorrncia com outras regies produtoras, como o caso da
cafeicultura, da progressiva extino dos cultivos de laranja (em Nova Iguau, na regio
de Cachoeiras de Macacu, Itabora, Saquarema) ou das sucessivas mudanas nas
condies do cultivo da cana, na Regio Norte Fluminense, culminando no
desaparecimento de diversas usinas a partir dos anos 1990. Muitos conflitos ocorreram
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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relacionados transformao das relaes de trabalho nas grandes fazendas, provocada
por mudanas progressivas nas regras de contrato ou mesmo pela expropriao dos
trabalhadores da terra onde viviam, em decorrncia da substituio de cultivos. o caso,
por exemplo, da Regio Serrana, onde a cafeicultura foi substituda pela criao de gado
extensiva, ou da regio canavieira campista, onde o processo de expropriao se ligou
modernizao dos sistemas de cultivo, com introduo da mecanizao num primeiro
momento e de insumos qumicos num segundo. Nos dois casos, foram rompidas relaes
costumeiras, e antigos colonos e moradores perderam as reas onde faziam suas lavouras
de subsistncia.
Houve, tambm, como resultado da intensificao de processos de
industrializao e de debates polticos sobre a propriedade fundiria que ocorreram nos
anos 1920/1930, tentativas do Estado, ainda na dcada de 1930, de criar ncleos coloniais
para assentar, em pequenos lotes, agricultores que eram vistos como fundamentais para
produo de alimentos para abastecer as cidades que rapidamente aumentavam sua
populao (NEVES, 2013; LENHARO, 1986b). Parte importante dos conflitos que
identificamos nos anos 1950/1960 ocorreu nas terras desses ncleos coloniais ou em sua
vizinhana, fruto do aumento populacional e da especulao fundiria que em torno deles
se desenvolveu, provocando a sada forada dos colonos ou de posseiros, muitos deles
vindos de outras regies do estado ou mesmo do pas, em busca de trabalho.
J nos anos 1970, o avano do turismo no litoral, em especial no sul, que
intensifica os conflitos numa rea onde, at os anos 1960, eles pareciam no existir em
escala significativa. A chegada de novos interesses imobilirios trouxe consigo
especulao e expropriao de moradores que l viviam h muito.
So situaes diferenciadas no tempo e no espao que confluem para um rpido
processo de expropriao e violao de direitos. recorrente, tanto em depoimentos como
na bibliografia, a meno quebra de relaes que gerou indignao e revolta.1
Potencializando esses sentimentos e contribuindo para conformar noes de justia e
injustia, bem como do que era legal e ilegal e da necessidade de resistir s
transformaes em curso, foi fundamental a ao de mediadores polticos vrios com
destaque para o Partido Comunista Brasileiro , tais como o sindicalismo que se constitui
mesmo nas condies adversas de represso, as organizaes ligadas Igreja catlica, os
agentes da poltica institucional (governadores, deputados), os grupos de advogados etc.
1 Sobre o tema, ver, entre outros, Thompson (1987); Moore Jr (1987); Honneth (2003).
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Essas mediaes forneceram condies materiais para que a resistncia se fizesse,
articularam os conflitos locais a bandeiras e lutas nacionais, forneceram uma linguagem
comum a partir da qual as demandas e estratgias se expressaram.
2. A questo fundiria e os fundamentos das disputas por terras
As razes da questo fundiria no Estado do Rio de Janeiro (e no Brasil) remontam
forma como se procedeu distribuio de sesmarias, quer a particulares, quer a ordens
religiosas, e dificuldade de definir os limites da apropriao por parte dos sesmeiros.
Trata-se de um fenmeno que teve seu equacionamento jurdico na Lei de Terras de 1850,
que afetou tanto as reas urbanas como as rurais (SILVA, 1996).2
No perodo colonial, a economia urbana era quase inexistente e as cidades eram
polos eminentemente administrativos e religiosos. o caso do Rio de Janeiro que se
tornou capital da colnia j em 1763. Em meados do sculo XIX, alguns aglomerados
urbanos passaram por um processo de ressignificao e de transformaes materiais,
tornando-se centros das atividades econmicas, sobretudo em razo da expanso do
comrcio e das atividades fabris e bancrias. Esse processo particularmente visvel nas
cidades do Rio de Janeiro e So Paulo, j ento os mais importantes polos comerciais e
administrativos, a primeira por ser capital do Imprio, a segunda por j ter se tornado um
importante centro de negcios de caf, ento principal produto de exportao do pas.
Se a Constituio de 1824 j consagrara a noo de propriedade, somente 26 anos
depois ela foi regulamentada no que diz respeito a bens imveis, com a Lei de Terras (Lei
n 601, de 18/09/1850), que impunha o registro das terras j apossadas e proibia a
aquisio de terras devolutas por outro meio que no a compra. A regulamentao dessa
lei, em 1854, atribuiu s provncias o comando da medio, legitimao e titulao de
terras, respeitando os direitos dos posseiros e sesmeiros. No entanto, a iniciativa primeira,
que desencadeava todo o processo de demarcao, estava nas mos dos particulares, que
resistiam a fazer essa delimitao (SILVA, 1996).3
2 Formalmente, a distino entre imvel rural e urbano s passou a ser feita na Constituio de 1891. 3 Segundo a autora, os quase trinta anos que separam a Constituio do Imprio da criao da Lei de Terras
devem-se ao fato de que no era do interesse dos fazendeiros a delimitao de terras, preferindo as
possibilidades que se ofereciam e que j estavam consagradas no costume de apropriao livre de quanta
terra pudessem cultivar ou mesmo simplesmente se apossar.
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Conflitos por terra e represso no campo no estado do Rio de Janeiro (1946-1988)
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Quase ao mesmo tempo, foi aprovada a Lei Eusbio de Queiroz,4 que proibia o
comrcio de escravos, tendo paralelamente o efeito de liberar recursos que passaram a ser
investidos em outras atividades