Conflito: uma oportunidade de crescimento

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Conflito: uma oportunidade de crescimento Bárbara Martins de Lima Delpretto 1. Introdução Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas”. Charlie Chaplin Os conflitos sempre existiram nas relações humanas. Desde quando acordamos, vivemos diferentes situações de conflitos cotidianos: discuto com meu companheiro(a) sobre louça suja de ontem? Digo ao zelador que algumas regras do condomínio não estão sendo cumpridas e fiscalizadas corretamente? Converso com meu/minha chefe que estou tendo desavenças com meu/minha colega de trabalho? Se para alguns destes exemplos existem normas para resolvêlas, para outras elas não existem. É por esta razão que, neste último caso, contamos com o bom senso e o discernimento das partes envolvidas, e com a capacidade de negociar e de ceder se for necessário, com o intuito de transformarmos o conflito em uma solução. De maneira geral, os conflitos têm causas variadas e que frequentemente surgem de divergências de aspirações e metas (PFIFFNER E SHERWOOD, 1965). Nelas, comumente estão envolvidas a disputa e o desejo pelo poder, o desejo do êxito econômico e a necessidade de status fruto das diversidades de formação e experiência dos indivíduos (RENSIS LIKERT, 1979). É por esta razão que devemos conhecer as diferentes fases de um processo de conflito, como a negociação e os estilos de gestão de conflitos tem, com o objetivo de transformarmos o surgimento do conflito em uma oportunidade de crescimento. Como ponte de partida, vejamos a reportagem sobre a empresa Dudalina. 2. A experiência da Dudalina Você já ouviu falar da empresa Dudalina? Criada em 1957, a grife Dudalina, de Blumenau, é um dos símbolos da recente projeção da moda catarinense no Brasil e no exterior. A Dudalina alcançou uma receita líquida de 435 milhões de reais em 2013, se tornando uma das principais empresas do setor têxtil. Mas quais foram os conflitos que a empresa teve de superar para que este crescimento ocorresse? Vamos conhecer alguns deles a seguir. “No fim dos anos 50, a catarinense Adelina Hess de Souza decidiu trilhar um caminho pouquíssimo usual. Aos 31 anos, abriu a própria empresa, uma confecção de camisas que ela costurava em casa. Na hora de batizála, uniu seu nome ao do marido, Rodolfo Francisco de Souza Filho, o Duda. Nascia, ali, a Dudalina. Em paralelo, Adelina traçou uma meta ambiciosa para

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Conflito: uma oportunidade de crescimento

Bárbara Martins de Lima Delpretto 1. Introdução “Não devemos ter medo dos confrontos. Até os planetas se chocam e do caos nascem

as estrelas”. Charlie Chaplin

Os conflitos sempre existiram nas relações humanas. Desde quando acordamos, vivemos diferentes situações de conflitos cotidianos: discuto com meu companheiro(a) sobre louça suja de ontem? Digo ao zelador que algumas regras do condomínio não estão sendo cumpridas e fiscalizadas corretamente? Converso com meu/minha chefe que estou tendo desavenças com meu/minha colega de trabalho? Se para alguns destes exemplos existem normas para resolvê-­las, para outras elas não existem. É por esta razão que, neste último caso, contamos com o bom senso e o discernimento das partes envolvidas, e com a capacidade de negociar e de ceder se for necessário, com o intuito de transformarmos o conflito em uma solução. De maneira geral, os conflitos têm causas variadas e que frequentemente surgem de divergências de aspirações e metas (PFIFFNER E SHERWOOD, 1965). Nelas, comumente estão envolvidas a disputa e o desejo pelo poder, o desejo do êxito econômico e a necessidade de status fruto das diversidades de formação e experiência dos indivíduos (RENSIS LIKERT, 1979). É por esta razão que devemos conhecer as diferentes fases de um processo de conflito, como a negociação e os estilos de gestão de conflitos tem, com o objetivo de transformarmos o surgimento do conflito em uma oportunidade de crescimento. Como ponte de partida, vejamos a reportagem sobre a empresa Dudalina. 2. A experiência da Dudalina Você já ouviu falar da empresa Dudalina? Criada em 1957, a grife Dudalina, de Blumenau, é um dos símbolos da recente projeção da moda catarinense no Brasil e no exterior. A Dudalina alcançou uma receita líquida de 435 milhões de reais em 2013, se tornando uma das principais empresas do setor têxtil. Mas quais foram os conflitos que a empresa teve de superar para que este crescimento ocorresse? Vamos conhecer alguns deles a seguir. “No fim dos anos 50, a catarinense Adelina Hess de Souza decidiu trilhar um caminho pouquíssimo usual. Aos 31 anos, abriu a própria empresa, uma confecção de camisas que ela costurava em casa. Na hora de batizá-­la, uniu seu nome ao do marido, Rodolfo Francisco de Souza Filho, o Duda. Nascia, ali, a Dudalina. Em paralelo, Adelina traçou uma meta ambiciosa para

dentro de casa: ter 20 filhos. Ela chegou perto. Teve 16, todos com nomes compostos (como Renê Murilo, Rui Leopoldo e Denise Verônica). Quando Adelina morreu, em 2008, a Dudalina já era a maior camisaria do país — e a mãe fez tudo que podia para manter o instável equilíbrio entre casa e trabalho típico das empresas familiares. Deu emprego para quase todos os filhos, comprou uma casa na cidade e outra na praia para cada herdeiro e, nos almoços de domingo em Blumenau, resolvia as diferenças de casa ou do trabalho obrigando seus filhos a dar longos abraços “afetivos”. Mas, por baixo dessa camada de prosperidade, nem tudo ia assim tão bem. Os 16 herdeiros de Adelina se dividiram em grupos e, há décadas, discordam de quase tudo. O maior deles, composto de 11 irmãos, inclui as cinco mulheres e é liderado por Sônia Regina, presidente da empresa desde 2003. Do outro lado estão os cinco irmãos dissidentes — entre eles o primogênito, Anselmo José, que presidiu a Dudalina de 1979 a 1989, e Vilson Luiz, que chefiou o conselho de administração por quase duas décadas. Tudo ia bem até o início dos anos 90, momento que coincide com a chegada de Armando, o filho mais velho, à presidência. Naquela época, malharias e camisarias brasileiras começaram a enfrentar uma concorrência crescente dos importados da China — e consideraram que a saída era abrir lojas próprias. Em 1995, Armando César montou um projeto de franquias para a Dudalina e levou o caso para aprovação dos 15 irmãos. Era um plano que consumiria todo o caixa da empresa, e que obrigaria a Dudalina a adiar a abertura de uma nova fábrica, que seria instalada em Maracanaú, no Ceará”. Mas o passo foi muito grande, e o preço pago muito alto. [...] Em crise com a concorrência chinesa e com o prejuízo deste projeto ambicioso no Ceará, a empresa e família estavam em convulsão. Armando deixou a presidência em 2003 e teve início uma intensa disputa por poder. Anselmo José e Vilson Luiz defendiam a contratação de um presidente profissional. Mas Adelina optou por Sônia, a segunda irmã mais velha. Sônia era vista por alguns irmãos como uma jovem esforçada, mas que não seria capaz de dar o salto de que a empresa precisava. Mas, com a bênção da mãe, foi eleita por unanimidade — unanimidade fictícia, que acabaria em 2008, ano da morte de Adelina. Assim que Adelina morreu, a panela de pressão foi destampada. Em 2009, Sônia demitiu o irmão Renê Murilo, diretor industrial, alegando que ele comandava um feudo pouco transparente. Os dissidentes Anselmo e Vilson ganharam mais três aliados, e organizaram um roteiro para derrubar Sônia. Para isso, apresentaram ao conselho de família um plano de tornar Renê (o demitido) presidente e Anselmo chefe do conselho. Na votação, dez apoiaram Sônia e cinco votaram contra — a família estava oficialmente dividida. Sônia aproveitou sua base de apoio para tirar da gaveta uma série de projetos que vinha costurando há anos com seus aliados, notadamente o ex-­presidente Armando e o irmão Rui Leopoldo, promovido a diretor de varejo. Primeiro, lançou uma rede de lojas em endereços sofisticados das grandes cidades e investiu num desenho mais moderno para as camisas. A grande tacada viria em seguida. Sônia lançou a linha feminina, de olho no enorme contingente de mulheres que ascendiam no mercado de trabalho”. A empresa desde então se lançou como uma das mais importantes em seu setor e tem, desde 2008, o faturamento triplicado e seu lucro multiplicado por 10.

Leia a reportagem na íntegra no link: http://exame.abril.com.br/revista-­exame/edicoes/1065/noticias/os-­dezesseis-­filhos-­de-­adelina O que podemos aprender sobre conflitos a partir do caso da Dudalina? Tópico II. Definição de conflito 3. O conceito de conflito A partir do exemplo da Dudalina, vemos que as divergências de percepção e ideias resultaram em posições antagônicas e colocam as pessoas em complexas situações conflitivas. Desde as mais leves até as mais profundas, tais situações são esperadas e até mesmo necessárias à vida grupal.

Mas existem diversas definições de conflito. Para Robbins (2002) o conflito pode ser conceituado atualmente como “um processo que tem início quando uma das partes percebe que a outra parte afeta – ou pode afetar – negativamente, alguma coisa que a primeira considera importante”. Desta maneira, o conflito não é casual nem acidental, e sim inerente à vida organizacional na medida que é inevitável para a dinâmica da empresa que trabalha com diferentes pessoas (Ibidem).

É por esta razão que o conflito é conceituado de maneira flexível, de modo a possibilitar que os desacordos, as desaprovações e os desentendimentos englobem todos os níveis possíveis de conflitos, dos mais sutis aos mais extremos.

Segundo Deustsch (2003), existem determinadas proposições das quais partimos quando estudamos o conflito. O primeiro deles é de que o conflito pode ser destrutivo ou construtivo, sendo que na maioria dos casos, as partes envolvidas têm tanto interesses construtivos como destrutivos. E é a partir destes interesses que os diferentes envolvidos definem as estratégias para a resolução de conflito.

A partir deste estudo, ainda vemos que a força relativa dos interesses construtivos e dos destrutivos, além de sua variação ao longo do desenrolar do conflito, serão determinantes na natureza dos processos de conflito e dos resultados do mesmo. Por esta razão que o conflito, em si, não é patológico nem destrutivo, podendo seu surgimento acarretar em implicações funcionais e disfuncionais a organização.

Logo, o que o exemplo da Dudalina pode nos ensinar sobre os conflitos? Primeiramente, verificamos que sendo os conflitos intrínsecos as organizações, devemos compreendê-­lo para responder satisfatoriamente aos desafios vividos. No exemplo que vimos, é possível notar que o núcleo fundador da empresa em questão percebia a existência dos conflitos que foram resultado, dentre outros, das divergências de aspirações, metas e perfis.

Tais divergências em empresas familiares ocorrem devido a existência de três diferentes esferas na instituição: a família, a propriedade e a empresa. A esfera da família é formada pelos membros da família, que também podem ou não serem acionistas da empresa e trabalharem na gestão. A esfera da propriedade diz respeito aos cotistas e acionistas da empresa, que podem ou não serem da família e trabalharem na empresa.

E a esfera da empresa corresponde aqueles que trabalham na gestão da mesma e que também podem ou não serem membros da família e terem participação na sociedade.

Este é o chamado modelo dos três círculos (DAVIS, 2007). Os três círculos se sobrepõem, podendo haver indivíduos que pertençam a apenas um, outros que façam parte de dois, ou até mesmo dos três círculos ao mesmo tempo. E é essencial lembrar que cada esfera possui seus interesses específicos e isto justifica parte da existência de tantos conflitos nas empresas familiares, caso da Dudalina.

Também é importante observar que estes mesmos conflitos não impediram o crescimento desta empresa. Foram duas gerações no comando da camisaria, com diferentes perfis e estilos de liderança, enfrentando diferenciados níveis e estágios competitividade empresarial. Isto demonstra que, em parte, tais diferenças contribuíram para fortalecer a identidade da Dudalina no setor, e marcaram sua contribuição junto ao campo comercial. Nos próximos Tópicos continuaremos a ilustrar este caso.

3.1. As diferentes visões do conflito

Os conflitos podem ocorrer no contexto dentre duas ou mais partes, podendo ser entre pessoas, grupos ou organizações. Logo, assim como nas empresas, na escola e de modo especial na sala de aula, cotidianamente passamos por alguns conflitos. Observe abaixo três situações semelhantes de conflito:

Segundo Nkuansambu (2012), no ambiente escolar os conflitos com maior incidência têm origem em problemas como: falhas na comunicação entre aluno, professores, profissionais de educação e comunidade;; ausência de atividades de um programa de educação continuada para professores e profissionais da educação;; planejamentos inadequados aos alunos;; resistência à mudança no contexto da escola, tanto no aspecto académico como no administrativo;; autoritarismo;; e desigualdade social entre alunos, professores e outros membros da comunidade escolar. Mas para lembrarmos das inúmeras possibilidades que o conflito traz, as três situações acima retratam como o desacordo pode desvelar alguns problemas de comunicação existentes, mas também apontam uma rica oportunidade de crescimento profissional.

Na situação 1, vemos aquilo que Robbins (2002) denomina de visão tradicional do conflito. Nela, o conflito era entendido como algo prejudicial, ruim, e que deveria ser evitado. O conflito era visto como uma disfunção resultante de falhas de comunicação, falta de abertura e de confiança entre as pessoas e um fracasso em atender às necessidades e às aspirações dos demais. Essa visão tradicional do conflito foi observada sobretudo nas décadas de 1930 e 1940.

Na situação 2, retratamos a visão de relações humanas de conflito na qual o conflito é visto como uma consequência natural e inevitável em qualquer grupo, não sendo necessariamente ruim, pois atua positivamente na determinação do desempenho do grupo. A visão das relações humanas dominou a teoria sobre conflitos do final dos anos 40 até a metade da década de 70. Esta também era a situação predominante da empresa Dudalina, criada em 1957 e citada no Tópico I.

Por fim, na situação 3, observamos a visão interacionista do conflito, cuja crença é de que o conflito é não apenas uma força positiva em um grupo como também necessário para que seu desempenho seja eficaz. Nesta abordagem há a manutenção de um nível mínimo e constante de conflito para manter o grupo autocrítico e criativo. Sendo assim, o que tornará um conflito funcional ou disfuncional é a sua natureza, sendo no conflito funcional, o conflito apoia os objetivos do grupo e melhora seu desempenho, e no conflito disfuncional, ele resulta na piora do desempenho do grupo.

Tal entendimento das diferentes visões dos conflitos contribuem para a análise do ambiente organizacional e são tão essenciais à vida profissional que têm sido incluídas em processos seletivos para cargos públicos. Veja abaixo a questão apresentada no concurso da CESPE sobre a visão interacionista do conflito e teste seus conhecimentos.

Questão de Concurso (CESPE/ANATEL/Técnico Administrativo/2012) De acordo com a visão interacionista, nem todos os conflitos são prejudiciais a uma organização, havendo aqueles que proporcionam a consecução dos objetivos e o melhoramento do desempenho da equipe.

Fonte: Ribas & Salim, 2014.

A questão está correta ou incorreta?

Está correta. Para a visão interacionista, alguns conflitos podem ser importantes para o aprimoramento da instituição.

Portanto, vemos que a partir da definição e de uma abordagem interacionista do conflito, seu surgimento tem funções positivas e negativas às instituições. Dentre as positivas, vemos que o conflito é a raiz da mudança social e pessoal e um meio de chegar a soluções (DEUSTCH, 2003). Dentre os efeitos negativos do conflito, vemos que ele pode também maximizar as diferenças pessoais e incentivar uma competitividade prejudicial entre os trabalhadores. No Tópico IV falaremos mais sobre tais funções.