Conflito e a Enfermagem

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM O CONFLITO NO EXERCÍCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Soeli Teresinha Guerra Santa Maria, RS, Brasil 2008

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADOSoeli Teresinha GuerraSanta Maria, RS, Brasil2008

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM

    O CONFLITO NO EXERCCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Soeli Teresinha Guerra

    Santa Maria, RS, Brasil

    2008

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    O CONFLITO NO EXERCCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR

    por

    Soeli Teresinha Guerra

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em

    Enfermagem.

    Orientadora: Profa. Dra. Adelina Giacomelli Prochnow

    Santa Maria, RS, Brasil

    2008

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    AGRADECIMENTOS

    Expresso meu reconhecimento em breves e sinceras palavras.

    Na figura da minha me, agradeo a todos os meus familiares e ntimos do dia-a-dia, pela oportunidade da vida em famlia.

    Na pessoa da professora Adelina, declaro minha gratido a todos os professores, colegas e colaboradores por oportunizarem que me aventurasse, fazendo-me acreditar que no estaria s, mesmo se tivesse que abrir caminhos onde no h.

    Na lembrana da Irm Gesualda, abrao com afeto a todas as pessoas que, ao contriburem para o meu crescimento, enquanto ser humano assumiram de fato a imagem e semelhana de Deus na minha vida. Saibam todos que me esforo constantemente em s-lo da mesma forma para vocs.

    De tudo, quero que fique o que de bom fomos ontem, o nosso melhor de hoje, para que possamos mirar o futuro com a certeza contida nas palavras do poeta. Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente ainda vai nos levar alm.

    Paulo Leminski

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    RESUMO

    Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Enfermagem

    Universidade Federal de Santa Maria

    O CONFLITO NO EXERCCIO GERENCIAL DO ENFERMEIRO NO CONTEXTO HOSPITALAR

    AUTORA: SOELI TERESINHA GUERRA

    ORIENTADORA: ADELINA GIACOMELLI PROCHNOW Data e Local da Defesa: Santa Maria, 04 de dezembro de 2008.

    Trata-se de uma dissertao com abordagem qualitativa tendo como objeto de estudo o conflito no exerccio gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. Objetiva analisar a concepo que os enfermeiros tm do conflito, inferir estratgias utilizadas na resoluo dos mesmos e interpretar o fenmeno a partir das nuances que ele assume no mbito da gerncia. O referencial terico tem como base os conceitos de habitus e campo de Bourdieu e das disciplinas de Administrao e Enfermagem. Para a coleta dos dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, os procedimentos de pesquisa seguiram a Resoluo 196/96. Participaram do estudo 13 enfermeiras gerentes de hospitais com mais de cinqenta leitos. Para a interpretao dos resultados utilizou-se a tcnica de anlise de contedo (Minayo, 2007) emergindo cinco categorias: 1) as enfermeiras gerentes e sua prtica; 2) percepo das enfermeiras gerentes e o conflito; 3) enfermeiras gerentes e suas sentenas; 4) na presena do conflito combater com altivez preciso; 5) o conflito no campo de luta de todos os dias. Entre as evidncias destaca-se: 11 das 13 enfermeiras esto na funo de gerente mais de 80% do perodo de graduadas e expressam que no tinham idia sobre o papel do gerente antes de assumir a funo. A totalidade compreende que os conflitos so imanentes organizao tendo o enfermeiro que conviver e interagir diante dele. Revelam que conflitos internos so os mais marcantes para as gerentes. preciso compreender a origem dos conflitos; fatores que favorecem sua instalao e reconhecer a importncia de abord-lo interdisciplinarmente.

    Descritores: Conflito; Enfermagem; Superviso de Enfermagem; Administrao Hospitalar.

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    ABSTRACT Dissertation Masters

    The Postgraduate Program in Nursing Universidade Federal de Santa Maria

    THE CONFLICT IN NURSES MANAGEMENT PRACTICE IN HOSPITAL CONTEXT

    AUTHOR: SOELI TERESINHA GUERRA ADVISOR: ADELINA GIACOMELLI PROCHNOW

    Place and Date of Defense: Santa Maria, 04 December 2008.

    This research is a qualitative approach investigation that has the aim of studying the conflict in nurses management practice in hospital context. Its objective is to analyze the conception nurses have of conflict, to infer the strategies used to solve it and to interpret the phenomenon from the variables it assumes in management ambit. The theoretical references are based on the concepts of habitus and Bourdieus field and on the disciplines of Nursing and Management. For the data collection, a semi-structured interview was used, according to Resolution 196/96. Thirteen nurses, hospital managers of hospitals with more then fifty beds, were the informants of this research. In order to interpret the results, one made use of the technique of content analysis (Minayo, 2007), from which emerged five categories: 1) the manager nurses and their practice; 2) the manager nurses perception and the conflict; 3) manager nurses and their sentences; 4) in presence of conflict, to combat it strictly is needed; 5) the conflict in every day fighting camp. Among the evidences, one highlight: 11 from the 13 nurses are in management function most of 80% of their time as graduated and express they have no Idea about the role of a manager before assuming this function. The whole of them understands that conflicts are inherent to organization and the nurse has to acquaint and interact with it. They reveal that inside conflicts are the most impacting to the managers. One concludes that: it is necessary to understand the origin of conflicts; factors which favor their installation and to recognize the importance to approach them in an interdisciplinary way.

    Descriptors: Conflict; Nursing; Nursing Supervision; Hospital Management.

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    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Categorias e ano de publicao ................................................. 23 QUADRO 2 Sntese dos trabalhos que focalizam o conflito no exerccio da gerncia do enfermeiro ..................................................................................... 27 QUADRO 3 Perfil scio-profissional das enfermeiras gerentes ..................... 47

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    ANEXO

    ANEXO A Carta de aprovao do Projeto de Pesquisa ................................ 92

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    LISTA DE APNDICES

    APNDICE A Roteiro para entrevista semi-estruturada ................................ 94 APNDICE B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................ 95 APNDICE C Termo de Confidencialidade ................................................... 97

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 11 2 REVISO DE LITERATURA ................................................................................. 14

    2.1 Conceito ......................................................................................................... 14 2.2 Principais tipos de conflitos descritos pela Administrao ...................... 16 2.3 O processo do conflito .................................................................................. 18 2.4 O conflito e a enfermagem ............................................................................ 21 2.5 Pierre Bourdieu: alguns destaques sobre o autor e sua obra ................... 31

    3 METODOLOGIA .................................................................................................... 36 3.1 Tipo de estudo ............................................................................................... 36 3.2 Cenrio do estudo ......................................................................................... 37 3.3 Sujeitos do estudo ......................................................................................... 38 3.4 Coleta e anlise dos dados ........................................................................... 40 3.5 Consideraes ticas .................................................................................... 43

    4 RESULTADOS E DISCUSSO DOS DADOS ...................................................... 44 4.1 As enfermeiras gerentes e a sua prtica ..................................................... 46 4.2. Percepo das enfermeiras gerentes e o conflito: limites e possibilidades de superao .............................................................................. 54 4.3 Enfermeiras gerentes e suas sentenas: conflitos imanentes, insuperveis ou essenciais? .............................................................................. 61 4.4 Na presena do conflito preciso combater com altivez .......................... 68 4.5 O conflito no campo de lutas de todos os dias .......................................... 72

    5 INQUIETAES CONTINUADAS ......................................................................... 77 REFERNCIAS ......................................................................................................... 84 ANEXO ..................................................................................................................... 91 APNDICES ............................................................................................................. 93

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    1 INTRODUO

    O presente trabalho de Dissertao de Mestrado est inserido na linha de pesquisa Gesto em Enfermagem e Sade, vinculado ao Grupo de Pesquisa: Trabalho, Sade, Educao e Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria UFSM e tem como objeto de investigao o conflito no exerccio gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar.

    A motivao deste estudo est relacionada s inquietaes que fazem parte da natureza do homem como a defesa dos seus propsitos, o qual para alcan-los utiliza-se de mecanismos que possibilitam o controle do ambiente fsico e das relaes que o envolve, mesmo presumindo que isso possa resultar no inesperado. com a sensao de viver em permanente estado de combate e com a disposio de jamais titubear frente a situaes ou circunstncias adversas do cotidiano que me apresento para explorar este tema ardiloso e disfarado e, da mesma forma, provocativo e determinante.

    Segundo Ferreira (1993), conflito significa luta, combate, guerra, desavena, discrdia. Muito mais do que isto, conflito definido como tudo aquilo que pode interferir na conquista dos desejos, vontades, metas ou objetivos. Nesse sentido, o conflito configura-se, em especial, com a perda do controle sobre determinada situao, que compromete o domnio institudo ou almejado e que contrarie os interesses dos indivduos, grupos ou instituies.

    Alm disso, o interesse por essa temtica decorre da minha trajetria profissional na enfermagem, a qual teve incio no ano de 1980 e alcanou seu auge com o exerccio da funo de enfermeira a partir de 1990. Desde o incio, percebi, partilhei e aliei-me aos colegas de trabalho na busca diria por alternativas que pudessem minimizar situaes de tenso interna da equipe de enfermagem ou entre os demais profissionais nas instituies onde trabalhei. Da mesma forma, atentei para o fato de que o enfermeiro sofre direta ou indiretamente os efeitos das circunstncias indesejveis e de difcil controle, definidas como conflito, com uma freqncia intensa, diante dos demais profissionais que atuam na organizao hospitalar em razo das suas relaes, a maioria delas diretas, com todos os agentes que se movem naquele campo. Essas experincias animam-me a lanar um

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    olhar sistematizado sobre o saber-fazer cotidiano do enfermeiro em busca da superao das dificuldades como o enfrentamento do conflito e da proposio de refletir sobre o seu papel no contexto da temtica diante da estrutura organizacional na qual se insere.

    Outra inquietao refere-se a um dos dilemas vividos pelos enfermeiros e diz respeito heterogeneidade da prtica de enfermagem, qual seja, a impreciso do objeto de trabalho dos enfermeiros, particularmente s mltiplas faces de sua dimenso gerencial (PEDUZZI, M; HAUSMANN, M; 2004 p. 28). Aprofundar o conhecimento dessa questo apresentada pelas autoras outro intento que me instiga realizao da presente investigao. Entendo que a percepo clara do seu papel e o aperfeioamento continuado no exerccio do mesmo, habilitar o enfermeiro a gerenciar com segurana situaes de difcil conduo como o conflito, aprimorando, assim, seu desempenho profissional.

    Busco investigar o tema comungando do conceito de que conflitos so (...) os fenmenos, os fatos, os comportamentos que, na vida organizacional, constituem-se em rudos e so reconhecidos como tais pelos trabalhadores e pela gerncia (CECLIO, 2005, p. 510). Com base nessa afirmao, percebo que a relevncia do estudo, ora proposto, pode estar no detalhamento de uma situao muito freqente no cotidiano do trabalho em sade e, particularmente, no exerccio da gerncia por parte do enfermeiro no contexto hospitalar.

    Por compreender a complexidade que congrega uma instituio de sade do tipo hospitalar e, tambm, a sua relevncia social, tenho convico da significao que h em conhecer, aventar e, qui, vislumbrar alternativas que melhor aglutinem as foras envolvidas no universo relacional das diferentes categorias profissionais que nela coabitam.

    Os profissionais da rea de enfermagem representam a maioria da fora de trabalho das instituies hospitalares (ALMEIDA, 1986), e exercem, de fato, atividades que vo desde o cuidado direto ao paciente at aquelas passveis de eco no ncleo de deciso (ao indireta), quando informam a direo central sobre todos os eventos que ocorrem nos espaos da instituio. Isso confere a esse profissional um carter singular, permitindo-lhe agir, livremente, junto ao paciente, de forma direta e indireta, assim como interferir, subliminarmente, na tomada de decises.

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    No decorrer do estudo, pretendo refletir sobre a forma como o conflito se manifesta nas relaes interpessoais, de um modo geral, e a magnitude que assume no mbito do exerccio gerencial do enfermeiro diante do universo de uma organizao de sade do tipo hospitalar. Para tanto, nomeei o profissional enfermeiro como agente do grupo particular a ser estudado. Suas declaraes serviro de base para sustentar as reflexes da investigao.

    Para operacionalizao do estudo foi necessrio identificar um instrumento que permitisse o reconhecimento e a enunciao dos conflitos mais freqentes vividos por indivduos ou grupos, e que, na seqncia, auxiliasse na anlise dos mesmos. Visando a esse propsito, a entrevista semi-estruturada foi escolhida por entender-se adequado o seu uso como tcnica aplicvel para balizar o processo investigativo.

    Assim sendo, torna-se imperioso perceber o conflito para alm do tratamento usualmente adotado, o qual o considera um elemento de discrdia ou como um opositor do modelo gerencial institudo. Identificar as fragilidades que possam emergir na presena deste, certamente, habilitar o enfermeiro a empreender cuidado distinto ao gerenciamento do processo de trabalho.

    com sustentao nestes pressupostos que apresento como questo norteadora deste estudo a indagao: Qual a concepo do conflito para os enfermeiros e como o mesmo tratado no exerccio gerencial?

    Nesse sentido, assinalamos os objetivos deste estudo: Analisar a concepo do conflito para os enfermeiros no exerccio

    gerencial no contexto hospitalar. Inferir as estratgias utilizadas pelos enfermeiros na resoluo dos

    conflitos. Interpretar o conflito no exerccio gerencial do enfermeiro.

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    2 REVISO DE LITERATURA

    Este captulo do trabalho expe, de forma breve, alguns conceitos de conflito para a Sociologia, a Filosofia, a Psicologia e a Administrao. Na seqncia, apresento a descrio do processo do conflito, seo, igualmente, relevante para a discusso da temtica no decurso do trabalho. Ademais, realizada uma anlise concisa do fenmeno no contexto das organizaes, em geral, que inclui aquelas do tipo hospitalar e, por ltimo, a sua contextualizao do fenmeno na atividade da enfermagem.

    2.1 Conceito

    Os conflitos fazem parte do processo evolutivo dos seres humanos e existem desde o incio da humanidade. A sua presena na vida dos indivduos e nos sistemas familiar, social, poltico e organizacional considerada fator de transformao da realidade.

    Conforme o Aurlio, dicionrio da Lngua Portuguesa, (Ferreira,1993), o termo vem do latim conflictu - e significa o embate dos que lutam; discusso acompanhada de injrias; desavena; oposio e luta de diferentes foras.

    Para a Psicologia, o conflito ocorre quando, para a mesma pessoa, h incompatibilidade de exigncias fazendo com que a satisfao de uma torna impossvel realizao da outra. Uma das maneiras de qualificar e dividir os conflitos consiste em analisar as exigncias inconciliveis, o que torna possvel determinar as espcies de conflitos. Tais espcies, para alguns autores, so classificadas da seguinte maneira: os conflitos entre exigncias internas e externas; os conflitos entre duas exigncias externas; e, os conflitos entre duas exigncias internas (LIMA, 1975).

    Segundo Piaget apud Pacheco e Sisto (2003), o conflito cognitivo um dos fatores decisivos para o desenvolvimento da inteligncia e para a aprendizagem, muito embora, seja uma tendncia inerente ao ser humano evitar tais conflitos.

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    Em seus estudos, Rosa (1972) expe o pensamento de um dos mais destacados tericos no campo Psicologia Social: Kurt Lewin. Este pensador classifica os conflitos, a partir da tendncia humana para abordar ou evitar estmulos que a pessoa considera como salutares ou nocivos, quer dizer, abordar ou esquivar-se no significa, inevitavelmente, movimento fsico, pode ser tambm um fenmeno genuinamente mental.

    Remota Antiguidade os dilemas e conflitos, naquela que considerada a mais antiga de todas as cincias: a Filosofia. Dentre os vrios conceitos explorados, exaustivamente, encontram-se o conflito entre f e razo, poesia e filosofia, o ser e o no ser, por exemplo.

    Para este estudo, considerado o conceito filosfico de conflito expresso no dicionrio de Filosofia no qual apresentado como contradio, oposio ou luta de princpios, propostas ou atitudes (ABBAGNANO, 2003, p. 173).

    Concernente Sociologia preciso compreender a essncia de sua abordagem para melhor entender o conceito do fenmeno conflito. A Sociologia, para alguns tericos, tida como a cincia que busca explicitar sobre quais condies especficas e caractersticas gerais os grupos humanos se formam e se relacionam e, ainda de que modo se movem permanentemente. Os grupos sociais ou as aes sociais que condicionam as situaes de interesse da Sociologia. As causas dessas no so encontradas na natureza ou na vontade dos indivduos, e sim, na sociedade (LAKATOS e MARCONI, 1999).

    Nesse contexto, destaca-se o conceito de conflito a partir de Touraine (1997), o qual ressalta que a Sociologia destaca o conflito, como sendo fator essencial das mudanas sociais, influenciando toda a histria dos indivduos e da sociedade.

    Outro foco de abordagem deste estudo a Administrao, que, desde sua origem, enquanto cincia ocupa-se da organizao racional do trabalho. Objetivamente, possui as funes de: planejamento, organizao, direo/coordenao e controle do processo de trabalho (CHIAVENATO, 2000).

    Os autores da Administrao consultados acerca do tema conflito, at mesmo aqueles restritos rea da sade, do ares ao mesmo tempo de preocupao e nimo quanto ao aprofundamento da compreenso desse fenmeno nas organizaes. Assinalam que o tratamento dado ao tema em voga est longe de alcanar a freqncia com que o mesmo ocorre. E, no raro, o conflito ainda tratado como um vilo, uma presena indesejada, uma situao a ser evitada, a

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    qualquer custo, ainda que se denote uma tendncia declarada, aps a metade do sculo XX, em assumi-lo como fator favorvel a mudanas institucionais (CHIAVENATO, 1999; CECLIO, 2002, 2005; VAITSMAN; FARIAS, 2002; ROBBINS, 2007). Nesse contexto, que envolve relaes complexas e determinantes, faz-se mister conceituar o fenmeno do conflito.

    O conflito pode ser definido como um processo que se desenvolve somente quando uma das partes percebe que a outra parte afeta, ou pode afetar negativamente alguma coisa que a primeira considera importante (THOMAS, K.W. apud ROBBINS, 2007, p. 326).

    Explicito que, neste estudo, pretendo investigar o tema a partir do conceito de que conflitos so (...) os fenmenos, os fatos, os comportamentos que, na vida organizacional, constituem-se em rudos e so reconhecidos como tais pelos trabalhadores e pela gerncia (CECLIO, 2005, p. 510). A opo expressa por esse conceito deve-se ao fato de o mesmo ter sido concebido por um estudioso das organizaes hospitalares e, tambm, por seu enunciado contemplar de modo simples e objetivo os elementos constitutivos do espao social em questo.

    2.2 Principais tipos de conflitos descritos pela Administrao

    apropriado mencionar as transies na conceituao de conflito atravs do tempo. Os autores consultados, Chiavenato (2000), Marquis & Huston (2005); Ceclio (2005) e Robbins (2007) desenvolvem o tema com muita similitude, sem divergncias basilares, to somente suprimindo ou acrescentando um ou outro vocbulo.

    Para esses autores, a chamada viso tradicional, que prevaleceu nas dcadas de 1930 e 1940, parte do princpio de que todo o conflito danoso. Os pensadores desse perodo histrico descreviam os conflitos como algo passvel de ser evitado, se aplicada aos empregados uma forma nica e entendida como correta de executar as tarefas, e se, diante de alguma insatisfao, a resposta fosse a censura imediata. Assim, o conflito era tido como uma disfuno que resultava de comunicao inapropriada, da desconfiana entre as pessoas e do insucesso dos

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    gerentes em atender s necessidades e expectativas de seus subordinados. H de se destacar Robbins (2007, p.327), que ressalta o fato de que embora as pesquisas recentes reflitam a idia de que a reduo dos conflitos resulta em melhor desempenho dos grupos, muitos de ns ainda avaliamos as situaes de conflito utilizando esse modelo ultrapassado.

    A viso das relaes humanas, perodo compreendido entre o final dos anos 40 at a metade da dcada de 1970, salienta que as organizaes passam a valorizar a satisfao e o feedback dos empregados. O conflito passa a ser compreendido como normal e esperado nos grupos e organizaes. Por ser um fenmeno inevitvel na estrutura organizacional, essa escola defende o seu acolhimento. Os seguidores desse pensamento elaboram logicamente a existncia do conflito de forma conclusiva: no podendo ser ele eliminado, convm considerar a possibilidade do mesmo ser benfico para o desempenho do grupo (MARQUIS & HUSTON, 2005; ROBBINS, 2007).

    J na viso interacionista, que se iniciou em meados da dcada de 70, h o encorajamento, no sentido de que as organizaes fomentem o conflito como uma forma de crescimento. Em seus estudos (Dreu C. D.; Vliert E. V. apud Robbins, 2007, p. 327), expressam que um grupo harmonioso, pacfico, tranqilo e cooperativo est na iminncia de tornar-se esttico, aptico e insensvel s necessidades de mudana e inovao. Os autores salientam, ainda, que em funo dessa viso no se pretende afirmar que todos os conflitos sejam bons ou simplesmente ruins, pois isso seria inadequado. Assim, a sua natureza que torna um conflito bom ou ruim.

    Robbins (2007), apoiado na viso interacionista, entende que alguns conflitos sustentam os objetivos do grupo e melhoram seu desempenho, caracterizando, assim, os chamados conflitos funcionais, tambm reconhecidos como formas construtivas de conflito. De forma antagnica, existem conflitos que atravancam o desempenho do grupo, so as chamadas formas destrutivas ou disfuncionais de conflito. O autor defende, ainda, que a diferenciao entre conflito funcional e disfuncional o tipo de conflito.

    Para Marquis & Huston (2005), existem trs principais categorias de conflitos, assim dispostos: 1) conflito intrapessoal - aquele que ocorre com o prprio indivduo. Envolve uma luta interna para elucidar valores ou desejos opostos; 2) conflito interpessoal - o que ocorre entre duas ou mais pessoas com valores,

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    metas e crenas divergentes; e, 3) conflito intergrupal - o que se d entre dois ou mais grupos de pessoas, setores ou organizaes.

    Robbins (2007), tambm classifica em trs os tipos de conflito e os apresenta assim: 1) conflito de tarefa - aquele que est relacionado ao complexo de regras ou normas e aos objetivos da atividade laboral; 2) conflito de relacionamento refere-se s condies das relaes interpessoais; 3) conflito de processo relaciona-se maneira como a atividade laboral executada.

    O autor, em questo, acrescenta que os estudos sobre o tema revelam que um nvel de baixo a moderado de conflito de tarefa, tem efeito positivo no desempenho do grupo por estimular o debate de idias, o que anima o trabalho em equipe, demonstrando, assim, a sua funcionalidade. Expe, ainda, que os conflitos de relacionamento so, na maioria das vezes, disfuncionais por evidenciarem as desavenas prprias desse fenmeno, particularidades que intensificam os melindres de personalidades e reduz a compreenso entre as partes, o que atrapalha ou impede a execuo das tarefas organizacionais. Em relao ao conflito de processo, esse considerado funcional, quando em nveis reduzidos, entretanto pode tornar-se disfuncional circunstancialmente. Por exemplo, quando h uma discusso intensa sobre o papel de cada um na execuo das tarefas.

    2.3 O processo do conflito

    Os estgios que compreendem o processo do conflito so descritos por diferentes autores de forma muito similar. Tanto para Marquis & Huston (2005) quanto para Robbins (2007), o processo compreende cinco estgios que so: 1) conflito latente ou de oposio potencial ou incompatibilidade; 2) conflito percebido ou de cognio e personalizao; 3) conflito sentido ou de intenes; 4) conflito manifesto ou de comportamento; 5) conseqncias do conflito para ambos. As primeiras autoras destacam que importante que os dirigentes conheam, de forma precisa, essas fases para que possam tentar interferir em um conflito.

    Para este estudo, sero considerados os conceitos dos autores acima citados sobre o processo do conflito no desenvolvimento do tema.

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    Primeiro estgio: conflito latente - Pressupe a existncia de condies que o antecedem. Nesse estgio, as condies necessitam apresentarem-se favorveis para vir a se dar um conflito, do contrrio ele poder jamais ocorrer (MARQUIS & HUSTON, 2005).

    Para Robbins (2007), que denomina esse estgio de oposio potencial ou incompatibilidade, o processo de conflito tem incio com a presena de, ao menos, uma das condies que criam as oportunidades para o seu surgimento, Necessariamente, elas no conduzem ao conflito.

    Condies como a comunicao expressa por diferente sentido das palavras, jarges, precariedade na troca de informaes e rudos nos meios de propagao so obstculos e potenciais condies que antecedem os conflitos. O termo estrutura utilizado nesse contexto para inserir variveis como tamanho do grupo, grau de especializao nas tarefas que cabem a cada membro, compatibilidade entre os indivduos e as metas, clareza dos limites de atuao, estilos de liderana, formas de compensao e o nvel de interdependncia dos grupos. Os estudos apontam que o tamanho do grupo e o grau de especializao em suas atividades so diretamente proporcionais a probabilidade de conflitos. As condies de variveis pessoais compreendem o conjunto de valores e as caractersticas de personalidade de cada indivduo as quais so responsveis pela forma de perceber, agir e reagir de cada um.

    Segundo estgio: conflito percebido - Tem incio, se o conflito evoluir. Aqui o conflito racionalizado, habitualmente envolvendo demandas e funes concretas e reconhecido pelo indivduo como algo que est acontecendo. A soluo do conflito nesse estgio impede que o mesmo seja internalizado ou sentido (MARQUIS & HUSTON, 2005).

    J, os estudos de Pondy (1967), descritos por Robbins (2007, p. 329) reconhecem esse estgio como cognio e personalizao e expe que as condies antecedentes citadas no primeiro estgio s levam ao conflito se uma ou mais partes envolvidas forem afetadas por ele e estiverem conscientes disso. Exemplificando: A pode estar consciente que A e B esto seriamente em desacordo... mas isso pode no deixar A tenso nem ansioso, e pode no ter nenhum impacto sobre a afeio de A por B.

    Terceiro estgio: conflito sentido - tambm denominado de conflito afetivo e ocorre a partir do momento em que o indivduo o expressa de forma emocional

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    que pode ser por meios convencionais (hostilidade, medo, agressividade, desconfiana, raiva) (MARQUIS & HUSTON, 2005).

    Intenes como denomina esse estgio outro pensador. As intenes ficam entre as percepes e emoes e o comportamento explcito das pessoas. Elas so decises de agir de uma determinada maneira (Thomas apud Robbins, 2007. p. 330). Compreender que nem sempre o comportamento condiz fielmente com as intenes de um indivduo pode ser uma maneira de evitar determinados conflitos.

    Quarto estgio: conflito manifesto Tambm cognominado de conflito explcito, instante em que se d a ao que pode apresentar-se sob a forma de retraimento, competio, contenda, desafio ou a busca de um desfecho para o conflito (MARQUIS & HUSTON, 2005).

    Segundo Robbins (2007), esse o estgio denominado de comportamento, instante da visibilidade dos conflitos. neste momento que ocorrem as reaes explcitas dos indivduos envolvidos na situao conflitante. Entretanto, os comportamentos expressos formalmente podem, s vezes, no refletir as intenes determinantes do conflito em evidncia, acarretando conseqncias desastrosas ou evidenciando a falta de habilidade na conduo do embate. No momento em que a maioria das pessoas pensa em conflito, remete-se a esse estgio.

    Quinto estgio: conseqncias do conflito Para todo conflito sempre h uma conseqncia, e ela pode ser tanto positiva quanto negativa. Um conflito quando bem gerenciado faz as pessoas envolvidas suporem que foram ouvidas de forma justa em seus posicionamentos. Por outro lado, se foi gerenciado insatisfatoriamente, as questes que o envolvem subsistem e podem ressurgir mais tarde causando mais conflito ou podendo tornar-se um conflito ainda maior (MARQUIS & HUSTON, 2005).

    Conforme Robbins (2007, p. 333), esse estgio tambm denominado de conseqncias e o autor divide-o em dois, quais sejam: conseqncias funcionais e conseqncias disfuncionais. O jogo envolvendo situaes de ao e reao entre as partes e que resulta em conseqncias funcionais aquele que propicia um melhor rendimento dos indivduos ou grupos. O conflito desafia o status quo e, por isso, estimula a criao de novas idias, promove a reavaliao das metas e das atividades do grupo e aumenta a probabilidade de que este responda s mudanas. O conflito, aqui percebido com fora propulsora ao desenvolvimento de um grupo, exclui aqueles denominados de relacionamento. J, os conflitos de conseqncias

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    disfuncionais podem ameaar a sobrevivncia de grupos ou organizaes. A diferena de princpios, a reduo da concordncia, a subordinao das metas do grupo a outros interesses ou prioridades que no as de seus membros, so algumas das evidncias destrutivas que podem sinalizar a dissoluo por completo de um grupo ou de uma organizao. Perceber situaes que paralisam os grupos pode ser determinante no diagnstico de conseqncias disfuncionais. nesse estgio que se manifestam os reais efeitos dos conflitos.

    2.4 O conflito e a enfermagem

    Na enfermagem, as preocupaes com o fenmeno conflito e a possibilidade de v-lo como fator de mudana so, ainda, mais tardias. Somente a partir da dcada de 80, perodo em que, no contexto organizacional, a atuao do enfermeiro passa a deslocar-se da rea operacional para a rea estratgica, que os elementos caractersticos desse universo passam a fazer parte do cotidiano de trabalho dos enfermeiros (BRITO, 2004). Soma-se a isso o advento da implantao dos cursos de ps-graduao em enfermagem no Brasil, fomentadores da pesquisa, que possibilitam o desenvolvimento de estudos investigativos de natureza cientfica, por meio dos quais os enfermeiros buscam esclarecer suas inquietaes (ANGERAMI, 1993).

    clara percepo da complexidade do tema impe-se a necessidade de se conhecer a realidade e delimitar a proposta deste estudo s tendncias de sua abordagem, por parte dos enfermeiros do pas. Inicia-se, ento, a busca a partir dos dados de pesquisa organizados pela Associao Brasileira de Enfermagem (ABEn) disponveis no seu banco de teses e dissertaes e de livre acesso. O perodo compreendido, entre 1979 e 2005, representa quase trs dcadas de estudos da enfermagem brasileira (ABEN, 2008).

    A tendncia da produo cientfica da enfermagem relativa temtica do conflito identificada nos estudos desenvolvidos no perodo pesquisado expe reflexes ainda incipientes sobre o fenmeno. Denota-se que existe uma preocupao crescente com a quantidade e a complexidade dos fatores com os

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    quais o enfermeiro precisa interagir e que podem ocasionar seu alijamento dos processos decisrios fazendo com que o mesmo se descuide de resguardar espaos significativos e de reconhecimento para a valorizao do seu trabalho. Neste sentido, construir competncias para ao do enfermeiro representa uma das tarefas para a formao na interface entre o ensino e a gesto na produo do cuidado em enfermagem (BRAGA, 2004; LEONELLO, 2007).

    Cabe destacar que as informaes inseridas no quadro 1 foram extradas dos resumos encontrados no catlogo de teses do CEPEn (Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem) e que poder no contemplar integralmente a produo nacional do perodo por depender dos registros e atualizaes feitas na base de dados da ABEn (Associao Brasileira de Enfermagem), visto que alguns enfermeiros realizaram cursos strictu sensu em outras reas de conhecimento e que, por vezes, no tm registro na base de dados Cepen/Aben. Ciente de que relevantes estudos sobre o tema podero no estar includos nesta reviso sobre o tema, entende-se que as reflexes acerca do assunto devam ser retomadas o que possibilitaria diferentes enfoques e anlises.

    As pesquisas publicadas nos catlogos do Centro de Estudo e Pesquisa em Enfermagem, disponveis no site da Associao Brasileira de Enfermagem e das informaes armazenadas em CD ROM elaborado pela ABEN, so constitudas pelos resumos das teses e dissertaes encontrados e correspondem ao perodo de 1979 a 2005 como j se exps anteriormente.

    A opo escolhida para acessar os trabalhos foi o rastreamento ano a ano, progressivamente e utilizando-se como descritor o termo conflito. A opo por utilizar os catlogos do CEPEn e demais informaes disponibilizadas pela ABEn, deve-se ao fato desse concentrar o maior banco de teses e dissertaes na rea de Enfermagem no Brasil. Os dados foram coletados de agosto a novembro de 2007.

    Na busca realizada para evidenciar as tendncias do conflito nas pesquisas em enfermagem, foram encontrados 104 trabalhos contendo a palavra conflito no ttulo ou no corpo do resumo. A leitura dos 104 resumos com propsito de localizar e selecionar o material que poderia apresentar elementos e/ou dados referentes ao tema auxiliou a comprovar a existncia das informaes que respondessem aos objetivos propostos. E, posteriormente, por meio de uma leitura exploratria, foi possvel categorizar os achados e orden-los a partir do pressuposto terico que destaca a importncia de tal procedimento (BARDIN, 1977).

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    A anlise das pesquisas encontradas na base de dados do CEPEn, a partir da reunio dos estudos por foco de investigao, possibilitou identificar trs universos sociais de inter-relaes recorrentes que revelam a presena de conflitos no cotidiano dos enfermeiros. So eles: relacionado ao ensino; equipe da assistncia; e, relacionado comunidade usuria. Para este levantamento bibliogrfico, o agrupamento realizado originou trs categorias de mesma denominao. No quadro um apresenta-se a produo anual por categoria que traduz o esquadrinhamento do perodo averiguado e evidencia o caminho seguido pelos pesquisadores no que se refere ao foco das suas pesquisas.

    No quadro abaixo, esto representadas as categorias e os respectivos resultados encontrados em cada uma delas concernente ao ano da publicao.

    Quadro 1- Categorias e ano de publicao

    Conflito relacionado ao ensino

    Conflito relacionado equipe da assistncia

    Conflito relacionado comunidade

    usuria

    N trabalhos

    Ano Prof. Alunos Enf. Equipe

    Enf. Equipe Mult.

    Pacientes Acompanhantes

    1 01 / 1994 1 1 1 03 / 1996 1 1 02 / 1997 1 01 / 1998 1 01 / 1999

    1 1 3 3 2 11 2 23 / 2000 2 1 3* + 2 1 1 6 10 26 / 2001 1 1 1* + 4 5 2 2 16 / 2002 2 3 2 2 2 11 / 2003 1* + 4 2* 4 2 13 / 2004 1* + 1 1* 2 2 07/ 2005

    *Trabalhos que abordam o conflito relativo ao papel de gerente exercido pela enfermeira.

    A partir da categorizao geral encontrada, buscou-se avaliar o conjunto dos trabalhos, com base no enfoque dado temtica pelos enfermeiros, nos diferentes cenrios de atuao identificados.

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    A principal evidncia percebida no Quadro 1 refere-se ao perodo histrico em que iniciam as investigaes que enfocam os conflitos na profisso de um modo geral. visvel o retardo em se buscar refletir sobre questes, como o conflito, que atravessam a realidade concreta do exerccio profissional dos enfermeiros. Percebe-se, claramente, que as mudanas necessrias apontadas por Trevizan, nos seus estudos modelares para a Administrao em Enfermagem, obedecem a um ritmo lento no seu processo de incorporao, tanto para pesquisadores quanto para os enfermeiros da assistncia (TREVIZAN, 1978; TREVIZAN, 1986).

    Outra evidncia a ser considerada conduz a anlise para a multiplicidade de atividades que o enfermeiro realiza e denota a efetiva insero desse profissional nos diferentes universos sociais, bem como a relevncia crescente do seu papel no ncleo decisrio das instituies (RODRIGUES e LIMA, 2004). Tambm possvel observar a enunciao continuada da produo cientfica relacionada ao enfermeiro no papel de gerente a partir do ano de 2000.

    1- O conflito relacionado ao ensino

    Na categoria que agrega o conflito nas atividades de ensino, observa-se que a produo da enfermagem mantm uma linearidade histrica com ausncia de produo bi e tri anual, com o enfoque no professor e no aluno alternando-se por vezes.

    Percebe-se ainda, nesta categoria, que as preocupaes dos enfermeiros esto voltadas para os padres que dizem respeito formao dos futuros profissionais, a qualificao nos campos de prtica e a dicotomia entre o ensino e a assistncia de enfermagem.

    2- O conflito relacionado equipe da assistncia

    A anlise feita nesta categoria destaca um crescente na produo cientfica da enfermagem focando, prioritariamente, os profissionais de nvel superior e a equipe

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    multiprofissional. Cabe enfatizar que, no perodo de 2001 a 2005, as dissertaes e teses que abordaram o conflito, diretamente relacionado ao papel do enfermeiro, fizeram-no com destaque no exerccio da gerncia, objeto central da investigao em curso.

    Pesquisas apontam para a necessidade de [...] construo de um corpo de conhecimentos especficos da enfermagem [...] (ALMEIDA e ROCHA, 1986, p.87) ou assinalam que ante as atividades de gerenciamento, os profissionais consideram-se membros responsveis pela estrutura do servio, provedores da organizao da seo de trabalho e responsveis pelas relaes interpessoais no grupo (PROCHNOW, 2004, p. 68), assim como outros, focaliza a tendncia, cada vez maior, dos enfermeiros voltando-se para o exerccio da gerncia (LIMA, 1998). Entende-se que h evidncias de que o enfermeiro vem naturalizando a funo de coordenador da produo do cuidado em sade como se este fosse seu verdadeiro papel na equipe de sade.

    Outra constatao nesta categoria diz respeito aos trabalhos que buscam analisar o conflito na equipe multiprofissional em detrimento dos mesmos dentro da prpria equipe de enfermagem. Os avanos na implantao da Estratgia de Sade da Famlia que, em certa medida, imps a condio de aproximao entre os diferentes profissionais que compem a equipe, forando-os a estabelecer uma relao mais dialgica, pode ser um dos fatores determinantes dessa mudana (PEDROSA e TELLES, 2001).

    Ademais, possvel perceber que, na assistncia, as inquietaes dos enfermeiros esto, preferencialmente, voltadas para o fazer1 e tudo o que envolve o ato em si, evidenciando-se relaes de poder e dilemas ticos frente a situaes pontuais.

    A sntese dos nove trabalhos relacionados equipe da assistncia que focam o enfermeiro no exerccio da gerncia ser apresentada no Quadro 2 deste captulo no qual se destaca o ano, grau acadmico, ttulo do trabalho, objetivos e resultados. Imediatamente, a seguir, buscar-se- refletir sobre as tendncias identificadas nas investigaes desses nove trabalhos em anlise.

    1 Grifo da autora

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    3- O conflito relacionado comunidade usuria

    As pesquisas classificadas na categoria que congrega a relao do enfermeiro com a comunidade usuria (pacientes, acompanhantes, cuidadores e familiares) demonstram que, at o ano de 2002, o enfoque principal relacionava-se aos conflitos dos pacientes ou destes com a equipe. A partir desse perodo, evidencia-se a mudana no foco dos estudos, que passam a investigar os conflitos nas famlias, com acompanhantes ou com os grupos representativos das pessoas com enfermidades crnicas. Atribui-se a Estratgia de Sade da Famlia, proposta que tem por fim a reestruturao do Sistema nico de Sade (SUS), o papel de incluso da comunidade nas discusses sobre modelo assistencial, suas necessidades bem como o planejamento das aes de sade (BRASIL, 2004).

    Alm disso, no que tange a essa categoria, observa-se que o enfoque principal do conflito definido considerando-se as necessidades dos indivduos que, de forma direta ou indireta, desfrutam do trabalho da enfermeira, alm das diferentes expectativas frente s formas de abordagem nem sempre claras ou consensualmente acordadas.

    A contextualizao do tema, dentro da investigao geral, voltada para a atuao do enfermeiro nos diferentes espaos sociais permite remeter a abordagem ao objeto central desta investigao, que trata da anlise dos conflitos no exerccio gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. O quadro abaixo exibe uma sntese das pesquisas nesta rea no perodo definido previamente. Nele encontram-se, mostra, os nove trabalhos, do total dos 104 selecionados, que fazem alguma aluso direta ou indireta ao tema conflito no exerccio do papel de gerente por parte de enfermeiros. Destes estudos, dois so teses de doutoramento e sete so dissertaes de mestrado.

    Ancorada no recorte feito, observa-se que a preocupao com a questo do conflito relacionado gerncia surgiu, a partir de 2001, com o desenvolvimento de trs trabalhos; em 2002, um apenas; em 2004, trs e, em 2005, foram encontrados dois estudos acadmicos relacionados ao tema.

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    A seguir, apresenta-se o Quadro 2 contendo os nove trabalhos. Busca-se destacar, na sinopse, informaes relevantes como: ano de apresentao, nvel acadmico, ttulo, objetivos e resultados. A inteno de compactar esses estudos, a partir das afirmaes feitas por seus prprios autores, contemplaria uma preocupao que central: expressar, textualmente, sem acrscimos, suposies ou desconsideraes o que de fato est escrito e que se tem como referncia fiel em relao s publicaes existentes sobre o tema na enfermagem brasileira.

    Quadro 2 - Sntese dos trabalhos que focalizam o conflito no exerccio da gerncia pelo enfermeiro

    Ano Nvel ac. Ttulo do trabalho

    Objetivo do estudo Anlise dos resultados 2001 Mestrado Gerncia de

    enfermagem no centro cirrgico: um processo em busca de mudanas (SOUZA, 2001).

    Investigar as atividades gerenciais de enfermagem no Centro Cirrgico, com vistas a estimular a reflexo sobre o processo de mudanas.

    Identifica os fatores intervenientes geradores do conflito. Mostra a atividade gerencial centrada nos pressupostos da teoria administrativa clssica.

    2001 Mestrado Ser chefe de servio de enfermagem: um enfoque fenomenolgico (PINHEL,2001).

    ... a compreenso do que ser chefe de servio de enfermagem, segundo a percepo de enfermeiras que vivenciam ou vivenciaram este cargo.

    ... emergiram unidades de significado interpretadas, revelando que o fenmeno ser chefe de servio de enfermagem um vivencial caracterizado pela diversidade de experincias pessoais e profissionais.

    2001 Doutorado

    Enfermeiras e o paradoxo das relaes saber-poder no Programa de Controle de Infeces Hospitalares: uma contribuio para acreditao hospitalar (AGUIAR, 2001)

    Discutir as modalidades de poder-saber, que se evidenciam nas aes da gerente de enfermagem e da enfermeira da CCIH, e os entrecruzamentos ou relaes entre estas e suas estratgias na efetivao do Programa de Controle das Infeces Hospitalares.

    ... a dificuldade do controle das infeces hospitalares repousa na questo do poder-saber que verticalizado e no horizontalizado, onde as polticas de sade so definidas a nvel central, verticalizada para a Direo do hospital CCIH gerente de enfermagem, deixando de lado aqueles que de fato fazem a preveno e o controle da infeco na base, ou seja,

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    aqueles que esto cuidando dos clientes.

    2002 Mestrado

    Planejamento no contexto da prtica da enfermeira: um repensar profissional (LIMA, 2002).

    Conhecer as estratgias de planejamento no contexto da prtica cotidiana da enfermeira e identificar como a enfermeira concatena suas aes filosofia do cuidado de enfermagem.

    ... a identificao da necessidade de repensar uma forma de implantao de um planejamento mais participativo como um instrumento orientador, para as mltiplas aes exercidas, o qual tenha bem definido as atribuies da enfermeira assistencial no contexto do ambiente organizacional...

    2004 Mestrado

    O conflito no trabalho na perspectiva da enfermeira, tcnica e auxiliar de enfermagem (BULCO, 2004).

    Analisar o que expressam os conflitos entre a enfermeira, a tcnica e a auxiliar de enfermagem no trabalho na organizao hospitalar, e os especficos foram identificar as caractersticas dos conflitos e compreender como a sua existncia pode apontar para transformaes no trabalho em enfermagem.

    ... leva compreenso da necessidade de mudanas no trabalho em enfermagem, a comear pelo seu modo de conduo pela enfermeira, geralmente vertical e autoritrio. Alm disso, aponta para a necessidade de discusso sobre a diviso tcnica e social do trabalho em enfermagem.

    2004 Mestrado

    Cuidar/gerenciar: possibilidades de convergncia no discurso coletivo das enfermeiras. Curitiba (WILLIG, 2004)

    Discutir e refletir com os profissionais de Enfermagem o gerenciamento do cuidado nas Unidades de Hemodilise da capital, Curitiba-PR.

    Existncia de conflito entre gerenciar o cuidado e prestar cuidado direto ao paciente... enfermeiras sugeriram a formao de um grupo permanente de discusso....

    2004 Mestrado

    Relaes de poder/saber gerando conflito na liderana da enfermeira: estudo scio potico (OLIVEIRA, 2004)

    Descrever a potica da liderana da enfermeira a partir do imaginrio dos tcnicos e auxiliares de enfermagem acerca das relaes de poder e saber vivenciadas no processo de trabalho assistencial ao cliente e analisar as relaes expressadas por esses profissionais, destacando

    ... o conflito no processo de trabalho assistencial ao cliente, ocasionado pela liderana que centraliza em si prpria o poder/saber desconhecendo a autonomia do poder pelo saber compartilhado. Desta forma, revela-se uma liderana repressora, castradora e discriminadora, assim

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    os estilos de liderana adotados pela enfermeira.

    como a inabilidade da enfermeira como lder de equipe, tornando-a vtima e cmplice do status quo da organizao.

    2005 Doutorado

    Perspectivas do agir comunicativo implcitas no discurso da enfermagem (SOUZA, 2005).

    Identificar a ao de enfermagem no discurso das autoras de enfermagem que revelam as pretenses de verdade e justia; e refletir sobre o modo como a enfermagem pode superar a noo tecnicista resgatando os valores de verdade e justia no agir comunicativo.

    Os pressupostos de Habermas esto identificados quando as Enfermeiras entendem a interao como um momento no qual os valores, as crenas e o conhecimento dos sujeitos, tanto dos profissionais quando do usurio/famlia dos servios de sade, so compreendidos e respeitados. Confirma-se assim a tese de que a ao comunicativa uma das possibilidades para a realizao da emancipao humana, pois resgata a subjetividade e a capacidade de ser-mais em uma relao.

    2005 Mestrado

    Conflito como fenmeno organizacional: identificao e abordagem na equipe de enfermagem de um hospital pblico (AGOSTINI, 2005).

    Analisar a natureza dos conflitos frente s relaes pessoais, grupais, ambiente fsico e organizao do trabalho na equipe de enfermagem e, descrever como os conflitos so abordados e processados por essa equipe no mbito da estrutura organizacional hospitalar.

    ... necessidade dos enfermeiros adquirirem posies mais articuladas institucionalmente e, neste sentido faz-se imperativo a reavaliao dos projetos poltico-pedaggicos das escolas de enfermagem a fim de implementarem estratgias de participao e mediao grupal visando o desenvolvimento gerencial do futuro enfermeiro.

    Fonte: Cepen/Aben, 2007.

    A partir do agrupamento das principais informaes dos estudos em anlise, evidenciou-se a predominncia do cenrio hospitalar como foco das investigaes relativo gerncia dos conflitos, por parte dos enfermeiros, ou seja, sete, dos nove trabalhos analisados, explicitam no resumo que a pesquisa foi desenvolvida no

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    universo hospitalar. Esta constatao revela forte influncia na prtica de enfermagem no Brasil da concepo de sade a partir do modelo biomdico, hospitalocntrico.

    Algumas produes ressaltam a compreenso da relao do profissional enfermeiro com organizaes do tipo hospitalar, observando-se que por parte dos enfermeiros h a incorporao de elementos ideolgicos na forma de organizao do trabalho, e remetem idia de lealdade s organizaes, de aptido, de reconhecimento, de valores relacionados questo moral. Dentre os principais, destaca-se: engajamento, responsabilidade, disciplina, harmonia, valorizao do ser humano, comprometimento, que resultam em um sentimento que demonstra tenacidade com o carter religioso e militar, o que aproxima mitos e smbolos, que servem de base sua prtica (PROCHNOW; LEITE; ERDMANN; TREVIZAN, 2007).

    Outra constatao percebida atm-se a atividade gerencial dos enfermeiros expressa nos princpios da teoria administrativa clssica a qual se encontra centrada na produtividade e na racionalidade do trabalho que, em certa medida, expe os fatores intervenientes e desencadeantes de conflito nas relaes de poder (CARRASCO, 1993; SPAGNOL, 2002). Quatro, dos nove trabalhos expem a temtica do conflito sob essa tica (SOUZA, 2001; AGUIAR, 2001; BULCO, 2004; OLIVEIRA, 2004).

    Entretanto, mesmo que de forma incipiente, pode-se, por assim dizer, que o movimento inicial rumo ao amadurecimento do pensamento cientfico da enfermagem na abordagem de temas como o conflito no exerccio da gerncia foi desencadeado (SOUZA, 2001; LIMA, 2002; AGOSTINI, 2005).

    Por considerar o papel do agente, suas intenes expressas ou veladas, seus comportamentos e atitudes, entre outras manifestaes possveis, prope-se sustentar as anlises deste trabalho luz dos conceitos de habitus2 e campo de Pierre Bourdieu (2004; 2005; 2007). Para tanto, apresenta-se, a seguir, um breve histrico do pensador e sua obra.

    2 Grifo do prprio autor.

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    2.5 Pierre Bourdieu: alguns destaques sobre o autor e sua obra

    O socilogo francs Pierre Bourdieu (1930-2002), catedrtico no Colge de France, foi considerado um dos grandes socilogos do sculo XX. Influenciou pensadores de vrios pases com seus estudos sobre campesinato, educao, arte, comunicao, linguagem, religio e poltica. Desejou atribuir Sociologia uma funo crtica, na busca por desvelar os mecanismos educacionais, culturais, sociais e simblicos de dominao. Acreditava na possibilidade de transformar a sociologia numa cincia total, capaz de restituir a unidade essencial da prtica humana (VALLE, 2007, p.119).

    Foi o seu olhar crtico-reflexivo sobre a Sociologia e as Cincias Sociais, de modo geral, que chamou a ateno e propiciou um dos destaques atribudo a sua obra. Os questionamentos sempre presentes nos seus estudos exerciam um efeito pusilnime que se supunha ser o que ele desejava de fato:

    Como pode o socilogo efetuar na prtica a dvida radical a qual necessria para por em suspenso todos os pressupostos inerentes ao fato de ele ser um ser social, portanto, socializado e levado assim a sentir-se como peixe na gua no seio desse mundo social cujas estruturas interiorizou? Como pode ele evitar que o mundo social faa, de certo modo, atravs dele, por meio das operaes inconscientes de si mesmas de que ele o sujeito aparente, a construo do mundo social do objeto cientfico?(BOURDIEU, 2007 p. 34-35).

    O autor considerava a Sociologia uma profisso voltada ao estudo da realidade que tinha por fim a objetividade social. Isso o diferenciava de seus colegas pensadores da poca que traziam lembrana uma Sociologia em estado de penria.

    Sua abordagem metodolgica, denominada de conhecimento praxiolgico, busca superar um dilema clssico do pensamento sociolgico, alicerado nas discordncias entre duas perspectivas de investigao emprica, consideradas inconciliveis: o subjetivismo (pressupe a possibilidade de apreenso imediata da existncia vivida do outro e entende que essa apreenso se constitui num modo mais ou menos apropriado de conhecimento do mundo social) e o objetivismo (pressupe uma ruptura com a experincia imediata, o que implica colocar entre parnteses a primeira experincia do mundo social e elucidar as estruturas e os princpios, inacessveis a toda apreenso imediata, sobre os quais repousa essa experincia) (VALLE, 2007, p.120).

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    Autores, como Lvi-Strauss, e suas anlises das relaes e oposies, assim como Weber e seus estudos sobre a maneira como os grupos aparecem, nos diferentes campos, e lutam pelo poder e para ampliar sua influncia, tiveram ascendncia ao pensamento e construo dos conceitos bourdesianos. Do primeiro Bourdieu utiliza a etnologia como possibilidade de ligao capaz de aproximar a Sociologia e a Filosofia. Do segundo ele se prope a desvelar o princpio gerador da dominao social, descrita por Weber, analisando a maneira pela qual se manifesta a relao entre dominantes e dominados (VALLE, 2007).

    Ainda, na dcada de 60, desenvolve um conceito-chave, marcante para a Sociologia, e que ser trabalhado durante todo o percurso de sua obra: o conceito de habitus, definido, objetivamente, como um sistema de disposies para a prtica (BOURDIEU, 2004, p.98), ou:

    Como sistema de esquemas adquiridos que funciona no nvel prtico como categorias de percepo e apreciao, ou como princpios de classificao e simultaneamente como princpios organizadores da ao, significava construir o agente social na sua verdade de operador prtico de construo de objetos (BOURDIEU, 2004, p. 26).

    Esse conceito foi e continua sendo amplamente discutido por estudiosos, tanto da obra de Bourdieu, como das Cincias Sociais, de modo geral e, entre as interpretaes plausveis, destaca-se:

    Habitus corresponde a uma matriz, determinada pela posio social do indivduo que lhe permite pensar, ver e agir nas mais variadas situaes. O habitus traduz, dessa forma, estilos de vida, julgamentos polticos, morais, estticos. Ele tambm um meio de ao que permite criar ou desenvolver estratgias individuais ou coletivas (VASCONCELLOS, 2002, p.79).

    Uma lio fundamental, nas obras de Pierre Bourdieu (2004, 2005, 2007), considerar o indivduo um ser relacional e pensar que as relaes mais estruturadas (abstratas ou visveis), nas formas de coexistncia, organizam e determinam o campo onde esse mesmo indivduo se insere num dado momento e lugar. Para alcanar essa compreenso, necessrio considerar que identidade social,

    se percebe atravs do que cada grupo mostra de si mesmo e que se remete incorporao mental coletiva de esquemas de percepo, desemboca na encarnao desta identidade social atravs daquilo que representa este grupo de uma maneira individual ou coletiva. A definio do ser social, da identidade social, dada assim no unicamente a partir

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    das condies objetivas que definem as categorias sociais, mas, como diz Bourdieu, do ser percebido por si mesmo ou pelos outros (CHARTIER, 2002 p. 153-154).

    Bourdieu (2004, 2005, 2007) salienta, no que concerne s lutas de classe, as quais regem e organizam a sociedade, tema apresentado e discutido por pensadores anteriores sua poca, que estas sempre se traduziam num processo capaz de produzir modificaes no meio social, no comportamento dos agentes ou no grupo. Tais modificaes atuariam por efeito de respostas ao do prprio meio, comportamento ou grupo, efeito esse denominado por ele de lutas de classificao.

    A luta das classificaes uma dimenso fundamental da luta de classes. O poder de impor uma viso das divises, isto , o poder de tornar visveis, explcitas, as divises sociais implcitas, o poder poltico por excelncia: o poder de fazer grupos de manipular a estrutura objetiva da sociedade (BOURDIEU, 2004, p. 167).

    Um segundo conceito essencial a ser destacado, na obra do socilogo em questo, o conceito de campo. Os campos, segundo Bourdieu (2004, 2005, 2007), caracterizam-se por deterem suas prprias hierarquias, princpios e regras. So determinados a partir dos conflitos e das tenses no que diz respeito a seus prprios limites e compostos por redes de relaes ou de oposies entre os atores/agentes sociais que so seus membros. Dentre as vrias exposies, o autor descreve o campo como:

    espaos estruturados de posies (ou de postos) cujas propriedades dependem das posies nestes espaos, podendo ser analisadas independentemente das caractersticas de seus ocupantes (em parte determinadas por elas) (Bourdieu 1983, p. 89).

    Ou ainda da mesma forma que:

    um espao de relaes objetivas entre posies a do artista consagrado e a do artista maldito, por exemplo e no podemos compreender o que ocorre a no ser que situemos cada agente ou instituio em suas relaes objetivas com os outros (BOURDIEU, 2005 p. 60).

    E conclui: h, portanto, tantos campos quanto so as formas de interesse (BOURDIEU, 2004 p. 65).

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    A partir da dcada de 80, Bourdieu (2004, 2005, 2007) dedicou-se ao estudo da poltica e dos meios de comunicao. Por meio de sua teoria dos campos de produo simblica, o socilogo procurou mostrar que as relaes de fora entre os agentes sociais apresentam-se sempre na forma transfigurada de relaes de razo de ser.

    A violncia simblica, outro tema central da sua obra, no era considerada por ele como um mero instrumento ao servio da classe dominante, mas como alguma coisa que se exerce tambm por meio do jogo entre os agentes sociais, ou seja, no interior da prpria classe dominada. O autor compreendia a violncia simblica como instrumento de imposio ou de legitimao da dominao de uma classe sobre a outra (BOURDIEU, 2007 p. 11).

    O autor destaca o seu propsito no uso que faz dos conceitos, qual seja: abolir a distino escolar entre conflito e consenso, que nos impede de pensar todas as situaes reais em que a submisso consensual se realiza no e pelo conflito (BOURDIEU, 2004 p.57).

    Para Bourdieu (2004, 2005, 2007), a relevncia sobre os conflitos diz respeito influncia que esse fenmeno exerce sobre os campos, que mesmo tendo suas prprias regras, princpios e hierarquias, so definidos a partir dos conflitos e das tenses que sua prpria delimitao rene em si mesmo. Assim tambm para os estudiosos da sua obra implica que se compreenda profundamente a organizao dos campos, suas relaes, limites e composio. preciso dar-se conta de que os campos constituem-se das redes de relaes ou de oposies entre os agentes sociais, que so seus membros, que determinam os limites dos espaos e o direito de dizer quais so estes limites, alm de resguardar o direito de dizer quem pertence a este espao social particular e o direito de dizer a sua prpria identidade ou a do outro (CHARTIER, 2002).

    A partir do exposto, pode-se ponderar que a atuao do enfermeiro no campo permeada por todos os elementos constituintes das definies patentes nos conceitos de Bourdieu (2004, 2005, 2007). Entende-se como essencial ao enfermeiro aperceber-se que suas aes determinam e so determinados pelo campo onde ele se insere. E ainda, dar-se conta de que um conjunto de processos mentais, incorporados, cognitivamente, antecede os seus atos e compe o arcabouo de suas manifestaes exteriorizadas no campo, percebidas ou no, pelos demais agentes.

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    Alm dos dois conceitos apresentados, Bourdieu desenvolveu outro, igualmente importante, que o conceito de capital, definido como um bem que pode existir objetivamente na forma de propriedade material ou subjetivamente como algo incorporado e de interesse distinto, capaz de transformar-se em objeto de luta dentro de um determinado campo (Bourdieu, 2007). Entretanto, a fim de delimitar a abordagem deste estudo, esse conceito no ser associado s evidncias da pesquisa em voga.

    Diante do exposto, acredita-se tornar compreensvel o fenmeno interrogado valorizando as contribuies da teorizao, aqui apresentada, e as articulaes possveis entre diferentes reas do conhecimento, a fim de sustentar a dissertao sobre o conflito no exerccio gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. Na seqncia, apresenta-se a metodologia que expe a maneira como a temtica em estudo foi investigada.

  • 36

    3 METODOLOGIA

    Nesta etapa se faz necessrio apontar o caminho utilizado para a obteno dos dados, as fontes de informao, os sujeitos do estudo, a tcnica utilizada para a captao dos achados, os procedimentos analticos seguidos para dar sistematizao e rigor cientfico, os quais so imprescindveis para o desenvolvimento da investigao.

    Quanto definio do objeto, Bourdieu (2007, p. 28) chama a ateno para a enunciao clara do que ser pesquisado relativo ao mesmo: os objetos comuns da pesquisa so realidades que atraem a ateno do investigador por serem realidades que se tornam notadas. Para ele, entretanto, a viso ntida da realidade de grupos ou agentes mais fcil ser pensada do que reflexion-la em termos de relaes. Assim, outra preocupao central pesquisa cientfica est relacionada ao mtodo utilizado. Demo (1999, p.51) destaca que nas cincias, de um modo geral, o cuidado relativo ao mesmo eleva o nvel acadmico das pesquisas. Todavia, para as Cincias Sociais, alm disso, o autor deixa patente que um dos perigos a rondar os pesquisadores diz respeito expresso de certezas sobre realidades incertas. Temos, assim, diante de ns um desafio metodolgico: combinar a pretenso formalizante da cincia com a impreciso da realidade. Com vistas viabilizao da investigao cientfica apresentada, buscar-se- descrever a sua execuo de forma clara e concisa.

    3.1 Tipo de estudo

    O presente estudo empregou a metodologia qualitativa. Esse tipo de abordagem destaca que:

    a preocupao do pesquisador no com a representatividade numrica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreenso de um grupo social, de uma organizao, de uma instituio, de uma trajetria etc. (GOLDENBERG, 2007, p. 14).

  • 37

    Partindo dessa acepo, Turato (2005) enfatiza que o mtodo qualitativo pode ser entendido, como a busca pela percepo dos fenmenos e seus significados, em particular ou em grupo, e qual o seu sentido para a vida das pessoas.

    Na enfermagem, a utilizao desse tipo de pesquisa freqente, uma vez que possibilita ao enfermeiro enquanto pesquisador, mergulhar no universo onde o fenmeno se concretiza.

    3.2 Cenrio do estudo

    A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Santa Maria, localizada na regio centro-oeste do estado do Rio Grande do Sul. O municpio conta uma populao de 270.073 mil habitantes, sendo que a populao urbana totaliza 248.470 habitantes (IBGE, 2007). Santa Maria localiza-se a 286 km da capital Porto Alegre e a 5 maior cidade do Estado em populao (SANTA MARIA, 2007).

    Em razo do foco do estudo restringir-se ao cenrio hospitalar, oportuno contextualizar algumas informaes sobre essa estrutura disponvel. A cidade conta com uma oferta de, aproximadamente, mil leitos hospitalares, sendo que 450 destes so destinados ao SUS. Essa infra-estrutura hospitalar referncia para a alta complexidade aos 45 municpios que compem a 4 e a 10 Coordenadorias Regionais de Sade, abarcando uma populao aproximada de 1.500.000 habitantes (RIO GRANDE DO SUL, 2008).

    Ainda, sobre a estruturao da rede hospitalar local, destaca-se que a mesma composta por oito instituies, entre pblicas e privadas, sendo que cinco delas, com mais de cinqenta leitos, foi o critrio considerado para este estudo.

  • 38

    3.3 Sujeitos do estudo

    Para essa investigao, conta-se com um grupo de enfermeiras autnomas3 que exercem ou exerceram o cargo de Gerente de Enfermagem ou funes afins por um perodo mnimo de quatro anos, podendo ser contnuos ou no, nos ltimos dez anos, em instituies hospitalares pblicas e privadas com mais de 50 leitos localizadas na cidade de Santa Maria. As enfermeiras foram identificadas por meio de uma busca informal realizada pela pesquisadora junto representante maior da categoria nas instituies hospitalares caracterizadas no estudo.

    Tendo em vista que a estrutura hierrquica do servio de enfermagem nas instituies hospitalares no obedece a uma regra comum, foi considerado candidato a sujeito do estudo o representante da funo maior chefe, diretor ou coordenador de enfermagem da instituio. Tambm foram candidatos a sujeito da pesquisa aqueles enfermeiros responsveis por reas que renem dois ou mais servios, assim como aqueles que exerceram essas funes no perodo delimitado para esta investigao.

    A disposio de coletar os dados com as pesquisadas, desvinculadas das instituies, e fora dos limites fsicos da estrutura, ou seja, por deciso livre e autnoma, enquanto indivduo habilitado em enfermagem e que tem um papel a desempenhar dentro de uma estrutura organizacional hospitalar, deve-se ao fato de perceber as implicaes e os efeitos que tais estruturas exercem sobre ele. Esses profissionais, segundo Kurcgant (2006), situam-se no nvel intermedirio das organizaes nas quais cumprem e fazem cumprir as deliberaes, o que pode determinar que os fatores relacionados estrutura, onde o entrevistado encontra-se, no momento da entrevista, tem fora para influenciar as respostas. Por esse motivo optou-se por entrevist-las em local onde elas no exerciam a funo relativa pesquisa.

    Foram selecionadas quinze enfermeiras para realizao das entrevistas.

    3 O termo enfermeira autnoma designa o profissional, livre momentaneamente, do cargo que

    ocupou ou ocupa na instituio, isto , em que exerce ou exerceu a atividade. E, ainda, afastado da estrutura organizacional.

  • 39

    Todas as escolhidas foram contatadas, no mnimo, duas vezes, para a efetivao da coleta de dados.

    Os critrios de seleo dos sujeitos pesquisados obedeceram seguinte ordem:

    1) o aceite livre e voluntrio do enfermeiro selecionado para participar do grupo;

    2) o mais antigo de cada instituio na funo; 3) escolha de, no mnimo, um enfermeiro gerente por instituio; 4) a incluso progressiva dos listados nas instituies, at contemplar, no mnimo, 50% dos enfermeiros gerentes de dois ou mais servios que compem o quadro funcional da instituio.

    De posse da listagem nominativa, obtida nas instituies, e observando-se os critrios, acima definidos, as enfermeiras foram divididas em dois grupos, a fim de que o espao de tempo entre o primeiro contato e a entrevista no ultrapassasse o perodo de sete dias. A etapa seguinte foi contatar com as sete primeiras da lista. Os contatos preliminares foram efetivados com o intuito de convid-las a participar do estudo, de expor objetivamente o propsito e a relevncia do mesmo e, ainda, de programar o encontro para a apresentao da pesquisa a ser feita. Nesse momento, foi exibido o projeto detalhado com esclarecimento de dvidas pertinentes ao mesmo, dado a conhecer o instrumento de pesquisa autorizado pelo Comit de tica da UFSM e solicitada a definio da data, hora, e local para realizao da entrevista individual. O convite para participar da pesquisa, primeiro contato, foi efetivado por telefone e, mediante o aceite, agendou-se o segundo, que seria o primeiro encontro pessoal. O mesmo procedimento aplicou-se ao restante do grupo selecionado, assim que as primeiras entrevistas foram concludas.

    O perodo de realizao das entrevistas compreendeu os meses de abril, maio e junho de 2008, excedendo em um ms o tempo pr-determinado para essa fase da pesquisa. O principal fator a interpor-se na execuo da coleta foi o cancelamento dos encontros que necessitaram uma nova programao para que pudessem ser efetivados. De um total de quinze entrevistas programadas, oito foram remarcadas, sendo que duas destas no foram efetivadas devido aos cancelamentos sucessivos das enfermeiras e a impossibilidade temporal da

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    pesquisadora de aguardar novo agendamento. As entrevistas tiveram a durao mdia de 40 minutos, sendo que destes, trinta atinentes investigao. Para tanto, o estudo perfez um total de 13 entrevistas, de acordo com o aceite prvio.

    As transcries das trs primeiras entrevistas foram realizadas pela mestranda. Por esse processo demandar de tempo considervel, e por julgar-se essencial observar o cronograma das atividades relativas ao estudo, optou-se por auxlio externo transcrio das entrevistas restantes. Entretanto, destaca-se que todas foram revisadas com leitura e escuta simultnea. Cabe ainda ressaltar que a transcrio contemplou a integralidade das gravaes com a utilizao de um programa que contm as ferramentas necessrias para organizar, converter e escutar arquivos de udio, provido de recursos que permitem o controle da reproduo e a realizao de cpias de segurana.

    3.4 Coleta e anlise dos dados

    A modalidade de abordagem escolhida utilizou como tcnica de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Nela salienta-se a importncia de o entrevistado estar plenamente esclarecido sobre todos os elementos que contemplam a mesma (objetivo, nmero de participantes e de entrevistas com cada um, roteiro). Vale considerar que o objeto a ser investigado que define a escolha do tipo de entrevista que melhor atende os propsitos do estudo (POPE e MAYS, 2005).

    A coleta dos dados que utiliza a tcnica de entrevista semi-estruturada apresentada por Minayo (2007) como um roteiro que explica, da forma mais abrangente possvel, as questes que o pesquisador quer abordar no campo. Essas questes so construdas a partir de suas suposies ou pressupostos, decorrentes da definio do objeto de pesquisa. Esse tipo de entrevista, por no ser totalmente aberta, permite ser conduzido por algumas questes previamente definidas. Para o bom xito desse procedimento, o pesquisador necessita estar ciente de que nem todas as perguntas elaboradas, necessariamente, sero utilizadas. E que, durante a realizao da entrevista, podem-se inserir outras questes que surgem de acordo com o desenvolvimento do dilogo em relao

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    aos dados que se espera obter.

    A entrevista apresentada resume-se a um roteiro com questionamentos acerca do perfil scio-profissional da participante do estudo e questes abertas relacionadas temtica em voga (APNDICE A). As perguntas estiveram apoiadas em generalidades de interesse da pesquisa e, na seqncia, ofereceu amplo campo de questionamentos, fruto de novas suposies que surgiram medida que as entrevistadas deram suas respostas (MINAYO, 2000).

    Foi solicitada, ainda, s participantes, a autorizao para gravao do dilogo, tendo em vista garantir a reproduo fiel na forma de texto das conversas desenvolvidas. Aps a transcrio das entrevistas na sua totalidade, o material foi colocado disposio das entrevistadas, caso manifestassem desejo de revisar as suas manifestaes. A finalidade desse procedimento foi validar o seu contedo, mediante a aquiescncia, por escrito, das mesmas, entretanto, nenhuma das entrevistadas julgou necessria a reviso.

    No encontro para a realizao das entrevistas, as enfermeiras, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE B). Em apenas um caso, houve necessidade de um segundo encontro com a entrevistada que teve a finalidade de esclarecer manifestaes que ficaram inaudveis na gravao. Destaca-se que a entrevistada preferiu, ento, emitir sua opinio por escrito. Para Goldenberg (2007), na coleta de dados qualitativos, o que mais interessa a representatividade dos mesmos, portanto, no existe necessidade de se definir uma amostra, porque o que importa o significado de uma informao para a situao avaliada e no a quantidade de informantes que repetem essa mesma informao.

    Vale destacar que das quinze entrevistas programadas, treze foram efetivadas mesmo, observando-se que, a partir da stima, a recorrncia dos dados passou a ser evidente. Justifica-se a deciso: 1) pela expectativa de que alguma informao nova pudesse vir a ser expressa; 2) pelo fato de ter-se contatado as enfermeiras, previamente, e assegurado que fariam parte do estudo; e, 3) por entender-se que ouvir a totalidade definida no incio do processo se estaria assegurando o rigor cientfico diante da consecuo metodolgica proposta.

    Outros estudos apontam, ainda, que, comumente, muito fcil adquirir e/ou

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    reunir uma grande quantidade de informaes qualitativas. O mais difcil, entretanto, analisar adequadamente estas informaes e determinar precisamente o que mais importante para ser analisado (BARDIN, 1977; MINAYO, 1996; TURATO, 2005). A definio das informaes mais relevantes, bem como a forma de analis-las, antes de iniciar a coleta, fundamental para evitar esse tipo de situao.

    A anlise dos dados foi realizada com base nos preceitos do mtodo qualitativo: ordenao, classificao em estruturas de relevncia, sntese e interpretao (MINAYO, 2007).

    A transcrio, na ntegra, das treze entrevistas rendeu 119 laudas configuradas com espaamento de 1,5cm e fonte arial, tamanho 12. A ordenao dos destaques, de acordo com a relevncia, deu origem a um bloco composto por 27 laudas, as quais foram organizadas com base no foco de abordagem a que se referia, a fim de comporem a sntese e a interpretao a partir dos pressupostos tericos previamente definidos.

    A apresentao, a interpretao e a discusso dos resultados deste estudo foram realizadas a partir da construo histrica dos conceitos de habitus e campo, realizado por Pierre Bourdieu, conforme apresentado, anteriormente, alm das publicaes dos estudiosos de sua obra, visto que, segundo Setton (2002, p. 64),

    Para Bourdieu, a maior parte das aes dos agentes sociais produto de um encontro entre um habitus e um campo (conjuntura). Assim as estratgias surgem como aes prticas inspiradas pelos estmulos de uma determinada situao histrica... Habitus um instrumento conceptual que auxilia a apreender uma certa homogeneidade nas disposies, nos gostos e preferncias de grupos e/ou indivduos produtos de uma mesma trajetria social.

    Ao se perceber o campo de atuao do enfermeiro como universo social transpassado por relaes de interdependncia imperceptveis, entre os componentes dos diferentes campos constituintes da organizao, admite-se, por assim dizer, a aplicao deste referencial terico para anlise.

  • 43

    3.5 Consideraes ticas

    A questo tica para a incluso dos participantes foi observada, segundo a Resoluo n. 196/96, do CNS/MS, que dispe sobre diretrizes e normas regulamentares da pesquisa envolvendo a participao de seres humanos, especialmente, no que se refere ao Consentimento Livre e Esclarecido. Para tanto, foi apresentado um Termo de Consentimento aos participantes do estudo, assegurando o seu anonimato, bem como lhes dando a liberdade de no participarem ou se retirarem da pesquisa em qualquer momento que assim desejassem.

    O estudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), (ANEXO A) antes do incio da coleta de dados e, para isso, tambm se elaborou um Termo de Confidencialidade (APNDICE C).

    Da mesma forma, cabe salientar que, para se preservar a identidade dos sujeitos do estudo, utilizaram-se cdigos de identificao de acordo com a ordem com que foram realizadas as entrevistas. Exemplo: E1 para a primeira enfermeira entrevistada. Com relao aos udios produzidos e as transcries das entrevistas, destaca-se que os mesmos foram catalogados e armazenados em CDs que ficaro de posse da pesquisadora por doze meses e, posteriormente, sero destrudos.

  • 44

    4 RESULTADOS E DISCUSSO DOS DADOS

    Antes de iniciar o desenvolvimento da anlise e discusso dos resultados deste estudo, julga-se necessrio expor, mesmo que de forma resumida, os componentes da organizao descritos por Mintzberg (2004). O autor, em questo, considerado um cone da atualidade sobre o assunto e este olhar panormico sobre a organizao se faz necessrio para aproximar as impresses subjetivas extradas do conjunto dos dados coletados ao espao social que as tornou possveis.

    Para Mintzberg (2004), so cinco os componentes da organizao: 1- o centro operacional: a parte que compreende todos os membros que

    executam atividades relacionadas produo. Eles buscam, transformam, distribuem e apiam as funes operacionais.

    2- o vrtice estratgico: a parte que se encontra na outra extremidade da organizao. o que se costuma denominar de quadro dirigente. A principal funo deste ncleo de comando a de assegurar que a organizao cumpra, efetivamente, sua misso.

    3- a linha hierrquica: a rede que liga o centro operacional ao vrtice estratgico. Possui autoridade, formalmente constituda, exercendo-a sobre os operacionais, e situada logo abaixo do vrtice estratgico. uma cadeia que parece simples, mas no , pois pode dividir-se e voltar a ligar-se configurando desenhos estruturais em que um subalterno pode ter mais do que um superior.

    4- a tecnoestrutura: onde se encontram os analistas e o pessoal burocrtico de suporte. Dentre suas atribuies, destaca-se a execuo de atividades de criao, planejamento, anlise, ou ainda, garantem a formao dos operacionais. o grupo que projeta o funcionamento da estrutura, mas no executa o trabalho propriamente dito.

    5- pessoal de apoio: tambm definido como funes de apoio logstico, como o prprio termo sugere, o ncleo que oferece apoio organizao nas mais diferentes unidades especializadas da mesma. um componente que depende diretamente das necessidades do servio e pode ser encontrado nos diversos nveis hierrquicos da organizao.

    Ao considerarem-se as organizaes comuns mais ativas na sociedade ps-moderna, percebe-se que na maioria delas o alcance dos resultados esperados

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    um processo que se inicia, de fato, no momento em que a definio das atividades atinge o nvel intermedirio da estrutura hierrquica organizacional. Momento esse, em que o gerente apropria-se das decises, at ento existentes, somente no mundo das idias ou materializadas na sua forma descrita, e impe-lhes uma seqncia evolutiva operacional para a concretizao das mesmas.

    Para Robbins (2007), so trs os modelos de estruturas organizacionais mais comuns. O primeiro deles, chamado de estrutura simples, caracteriza-se pelo baixo grau de complexidade, pouca formalizao, possuidor de extenso controle e autoridade centralizada. O segundo definido como burocracia, tem na padronizao a sua sustentao conceitual. formal, com regras e regimentos que determinam suas atividades rotineiras, possui diminuta amplitude de controle, autoridade centralizada e com processo decisrio que segue a linearidade do comando. E o terceiro, definido como estrutura matricial, o modelo que tem, na departamentalizao, com o agrupamento das especialidades, sua principal caracterstica, fato este que deixa claro o papel dos diferentes grupos de especialistas na organizao. nesse modelo organizacional que se enquadram, segundo o autor, as organizaes do tipo hospitalar. O ponto fraco desse modelo a cadeia de comando dupla, muito propensa a provocar disputas internas, nem sempre focadas nos interesses da organizao. a estrutura que apresenta maior possibilidade de desencadear conflitos, devido ambigidade de papis e expectativas pouco claras quanto s regras ou unidades de comando.

    Esses modelos de estruturas organizacionais, apresentadas anteriormente, permitem-se interpretao luz do pensamento bourdieusiano. Afinal, as organizaes antes de se conformarem em associao ou instituio, com objetivos definidos, so formas sociais, estratificadas ou no, que a sociedade pode assumir. Ao propor a sua teoria das estruturas sociais, o autor admite a existncia de estruturas objetivas, independentes da conscincia e da vontade dos agentes. Sustenta ainda:

    [...] que tais estruturas so produto de uma gnese social dos esquemas de percepo, de pensamento e de ao. Que as estruturas, as representaes e as prticas constituem e so constitudas continuamente (BOURDIEU, 1987:147, apud. THIRY-CHERQUES, 2006).

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    Em Mintzberg (2004), as aluses sobre a dinamicidade ou a fixidez da estrutura das organizaes pareceram uma questo tratada, segundo a conformao de alguns modelos de estruturaes possveis.

    A partir dos pressupostos referentes dinmica organizacional, considera-se essencial destacar que o gerente, na estrutura hierrquica de uma organizao, qualquer que seja a sua finalidade, exerce papel estratgico para a consecuo das metas pactuadas, sejam elas referentes aos prazos, tticas, ou ainda, meios empregados para obteno do resultado desejado.

    Apresentadas as informaes relativas composio estrutural das organizaes, entende-se possvel configurar-se, mentalmente, o campo administrativo hospitalar como um todo ou separado em partes que, classicamente, so denominadas de setores ou servios. com o pensamento voltado para esse contexto que se apresenta, a seguir, a anlise propriamente dita dos resultados desta pesquisa.

    O processo analtico, embasado nos pressupostos descritos, obteve continuidade com a enunciao das estruturas de relevncia, sntese e interpretao do fenmeno investigado.

    Este processo permitiu a identificao de cinco estruturas de significados denominadas, conforme segue:

    - As enfermeiras gerentes e a sua prtica. - Percepo das enfermeiras gerentes e o conflito: limites e possibilidades de

    superao. - Enfermeiras gerentes e suas sentenas: conflitos imanentes, insuperveis

    ou essenciais? - Na presena do conflito preciso combater com altivez - O conflito no campo de luta de todos os dias.

    4.1 As enfermeiras gerentes e a sua prtica

    Esta categoria pretendeu expor e analisar a prtica gerencial das entrevistadas. Com o intuito de se apresentar o perfil scio-profissional das mesmas, elaborou-se um quadro-resumo com os achados que importam a esse estudo.

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    Quadro 3 - Perfil scio-profissional das enfermeiras gerentes

    Sexo Cargo mais elevado Tempo de graduao

    Tempo na funo

    Maior titulao Capacitao p/a funo

    F

    Gerente geral 20 anos

    09 anos

    Mestrado

    Sim

    F

    Gerente geral 07 anos

    14 anos

    Mestrado

    Sim

    F

    Direo geral 27anos

    24 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Coordenao de rea

    36 anos

    30 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Coordenao de rea

    20 anos

    09 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Coordenao de rea

    31 anos

    22 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Coordenao de rea

    13 anos

    07 anos

    Doutorado

    Sim

    F

    Direo geral

    19 anos

    17 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Coordenao de rea

    25 anos

    23 anos

    Especializao

    Sim

    F

    Gerente geral

    13 anos

    06 anos

    Especializao

    No

    F

    Coordenao de rea

    20 anos

    17 anos

    Mestrado

    No

    F

    Gerente geral

    15 anos

    13 anos

    Especializao

    Sim

    Com base nas informaes disponibilizadas, presume-se que a maioria das enfermeiras tem idade superior a 40 anos. Todas buscaram dar seqncia qualificao formal, aps a graduao, cursando especializao ou mestrado, sendo que, com exceo de duas, as demais recorreram a capacitaes especificas para a funo, concomitantemente, ao seu exerccio.

    A principal evidncia constatada na sntese dos dados scio-profissionais refere-se ao perodo de permanncia das enfermeiras na funo de gerente. Apenas em trs casos o perodo de exerccio na funo gerencial inferior a metade do

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    tempo que possuem de graduao. Oito, das doze enfermeiras entrevistadas estiveram ou esto, na funo de gerente, mais de 70% do perodo de graduadas e uma j exercia a gerncia antes mesmo de graduar-se. Essa constatao fortalece a as discusses, no que tange reproduo da prtica pelos enfermeiros e permite acrescentar que a enfermagem da cidade, em questo, revela-se, porta-se, reconhece-se e reconhecida, socialmente, a partir da representao assumida e das determinaes disciplinares das enfermeiras que a comandam.

    Uma reflexo realizada por Trevizan et al (2006, p.68) sobre o desempenho gerencial do enfermeiro na unidade de internao, considerando as trs ltimas dcadas do sculo XX, e tendo como campo de ao um mesmo hospital, constatou que essa atividade possui ligao consistente com normas preestabelecidas, indicando uma prxis que imitativa, que no cria, uma prxis reiterativa. Os depoimentos a seguir confirmam o exposto.

    A gente aprende muito com as pessoas, observando as pessoas, aquelas que fazem bem, tu v o modelo e tu sabe o que bom e o que no , ento eu sempre tentava pegar o que era melhor das pessoas ... tentei pegar o melhor de todo mundo (E5).

    Eu sempre gostei de ensinar, de aprender e passar aquilo que eu fazia. (8)

    Eu no sabia nada de gerncia... Pedi pra a diretora uma semana no hospital (...) em (...). A cheguei me achando a mestra..., ai me serviu muito, aprendi muito, aprendi tambm depois de muito tempo trilhado... fui indo, fui indo, e fui aprendendo, fui aprendendo com os funcionrios que com quem mais tu aprende, com o doente que se transformou em personagens, com quem mais tu aprende... (E11).

    Quanto s atividades realizadas pelo enfermeiro, o estudo mencionado aponta que mesmo depois de transcorridos mais de vinte anos, a maioria (43,4%) das atividades exercidas est centrada no gerenciamento burocrtico (TREVIZAN et al, 2006, p. 68). Ainda sobre o tema, Prochnow (2004, p. 152) comenta que a cultura incorporada no exerccio da gerncia, por parte do enfermeiro, no se evidencia a partir da racionalidade cientfica, e sim pelas suas relaes objetivas, intrinsecamente, associadas subjetividade entre os indivduos e destes configurao cultural que transpassa a sociedade a qual ele pertence.

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    O exerccio da gerncia do enfermeiro possui estruturas de significados prprios e estes se do atravs de um recorte com contrastes sutis atrelados aos desafios que a violncia institucional e a comunicao perversa representam sob um modelo fundamentado na hegemonia mdica.

    Cabe dizer que os achados desta investigao reiteram o conjunto de anlises histricas, algumas conclusivas, sobre o tema relacionado gerncia do enfermeiro nas organizaes hospitalares e, ainda, permitem avizinhar essa interpretao a uma das perspectivas sociolgicas.

    Se o habitus o princpio da maior parte das prticas, como uma disposio regular capaz de gerar condutas regradas, com certa regularidade, mesmo margem de quaisquer regras onde o trabalho est intimamente ligado disciplina e normalizao das prticas, a construo de diferentes modelos de realidades implica em refletir sobre os princpios de regulao e regularidade das prticas, afirm