Conflito Competencias CIST CNS MS OPAS

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SADE DO TRABALHADOR E O SISTEMA NICO DE SADE. CONFLITO DE COMPETNCIA. UNIO, ESTADOS E MUNICPIOS. INTERFACE MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO, MINISTRIO DA SADE E MINISTRIO DA PREVIDNCIA E ASSISTNCIA SOCIAL. Lenir Santos* INTRODUO A organizao Pan-Americana da Sade-OPAS, diante de controvrsias e indefinies existentes a respeito da sade do trabalhador, solicitou fosse realizado um estudo sobre a competncia das trs esferas de governo nesse campo. At o advento da Constituio de 1988, a questo da sade do trabalhador era pacfica, uma vez que a competncia para tratar da sade do trabalhador estava confiada Unio, que o fazia atravs do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, conforme o disposto na Consolidao das Leis do Trabalho, arts. 154 e seguintes (Decreto-Lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943) e na Lei 6.229, de 17.7.75. A partir da instituio do Sistema nico de Sade e a tripartio da competncia para cuidar da sade, a questo referente sade do trabalhador vem passando por muitas discusses, em razo de um aparente conflito de normas constitucionais que diz respeito competncia privativa da Unio para inspecionar a segurana e higiene nos ambientes de trabalho e atribuio dos Estados e Municpios para cuidar da sade. Esse conflito se reproduz na administrao federal, uma vez que dvidas persistem quanto competncia do Ministrio do Trabalho e do Ministrio da Sade1 para tratar da sade do trabalhador, com alguns reflexos, ainda, no Ministrio da Previdncia e Assistncia Social, no que diz respeito ao acidente de trabalho. Mesmo durante os debates na Assemblia Nacional Constituinte2 , esse tema foi foco de discordncia entre os que defendiam que a sade do trabalhador fosse atribuio da rea da sade e os que defendiam a sua permanncia na rea do trabalho. O anteprojeto das Comisses Tcnicas prescrevia que a sade ocupacional parte integrante do Sistema nico de Sade, sendo assegurada aos trabalhadores mediante medidas que visem eliminao de riscos de acidentes e doenas do trabalho. (art. 57). Essa disposio, mantida no anteprojeto da Comisso de Sistematizao, foi alterada no Plenrio da Constituinte que consagrou a redao dos incisos I e II do art. 2003 . Apesar de ter sido mudada a redao no Plenrio, a questo no foi pacificada, uma vez que foram inseridos no SUS aspectos voltados para a sade do trabalhador. Assim, continuam os debates em outros fruns, existindo disposies em sede constitucional que tm gerado interpretaes conflitantes, a comear pelo disposto nos art. 21, XXIX, art. 23, II, art. 24, XII, art. 200, II e VIII. Essa aparente antinomia jurdica existente na Constituio vem reproduzindo, tambm nas esferas infraconstitucionais, normas conflituosas. Nesse sentido, faz-se necessrio resolver essa aparente desarmonia, para que o sistema jurdiconormativo encontre a sua coerncia, e que o mandamento constitucional do direito sade seja eficaz, protegendo o trabalhador dos riscos inerentes ao trabalho. Competncia. Noes gerais. Inicialmente, devemos analisar a repartio de competncia definida na Constituio nos artigos 21, 22, 23, 24, 30, 200, II e VIII, no tocante ao tema: Art. 21. Compete Unio: XXIV organizar, manter e executar a inspeo do trabalho; Art. 22. Compete privativamente Unio legislar sobre: I ... direito do trabalho; Art. 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios: II cuidar da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia; Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII previdncia social, proteo e defesa da sade; Art. 30. Compete aos Municpios: I legislar no interesse local; II suplementar a legislao federal e estadual no que couber; VII prestar, com a cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado, servios de atendimento sade da populao; Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: II executar aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como as de sade do trabalhador; VIII colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho:

Conforme ensinamento de Jos Afonso Silva4 , competncia a faculdade juridicamente atribuda a uma entidade ou a um rgo ou agente do Poder Pblico para emitir decises. Competncias so as diversas modalidades de poder de que se servem os rgos ou entidades estatais para realizar suas funes. O rgo ou a entidade pblica tem um campo limitado de ao, mas dentro desse campo tem poderes para realizar as suas funes. A competncia confere entidade o dever de agir, os poderes para agir e os limites de sua atuao. As competncias so repartidas constitucionalmente entre as entidades federativas, tendo a Constituio enumerado os poderes da Unio, conferindo poderes remanescentes aos Estados e definindo os poderes dos Municpios.

_______________ * Procuradora (1) Lei n. 9.649, de 27.5.98, alterada pela MP n. 1.995-15, de 11.2.2000. (2) Anais da Assemblia Nacional Constituinte. Doc. editado pelo Congresso Nacional. (3) Art. 200 Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: II executar as aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como as de sade do trabalhador; VIII colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (4) Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 17a ed.. p.479.

As competncias podem ser material e legislativa. A competncia material se resume na capacidade de execuo do ente federativo, e a legislativa, no poder de estabelecer normas. Algumas competncias podem ser delegadas; outras, no. As competncias exclusivas no admitem delegao, enquanto as competncias privativas so passveis de delegao, de acordo com lio de Jos Afonso Silva5 . A competncia comum confere aos entes federativos o poder de atuarem ambos em um mesmo campo, sem que um possa impedir o outro de agir e sem que suas aes sejam colidentes ou superpostas; na competncia legislativa concorrente, as entidades tambm podem atuar num mesmo campo, cabendo, entretanto, primazia Unio no que concerne edio de normas gerais, reservando-se aos Estados e ao Distrito Federal o poder de suplementar a legislao federal para atender ao interesse regional. Ao Municpio reservado o poder de legislar sobre normas de seu interesse local e competncia para suplementar as normas federais e estaduais. O poder legislativo do Municpio est vinculado sua competncia material. Tendo o Municpio competncia para cuidar de determinada matria, emerge a sua competncia legislativa para suplementar as normas nacionais e estaduais sobre o tema, sempre no interesse local. Classificadas sinteticamente as competncias constitucionais, como enquadrar a sade do trabalhador no campo de atuao das esferas governamentais? Num passado recente - antes da vigncia da Constituio atual -, a medicina e a segurana do trabalho eram temas afetos rea do trabalho, j que a Constituio, na poca, no se ocupava da sade, no a considerando um direito do cidado. Os servios de assistncia sade do trabalhador acometido de enfermidade eram considerados como um dos benefcios que a previdncia social lhe garantia, juntamente com os demais, como o auxlio-acidente, o salrio-famlia, o auxlio-maternidade etc.6 No havendo o direito sade, naturalmente a higiene e a segurana do trabalho, como benefcio previdencirio, era atribuio da rea previdenciria-trabalhista, de competncia do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, conforme determinava a Lei 6.229/75, que incumbia o Ministrio do Trabalho do dever de cuidar da higiene e segurana do trabalho, da preveno de acidentes e de doenas profissionais, at mesmo do desenvolvimento de programas de preparao de mo-de-obra para o setor da sade. Mas, hoje, a Constituio estatui que: a) - a Unio, com exclusividade, organiza, mantm e executa a inspeo do trabalho (artigo 21, XXIV); b) a Unio legisla, privativamente, sobre direito do trabalho (art. 22, I); c) a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios cuidam da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia (art. 23, II) d) a Unio, os Estados e o Distrito Federal legislam concorrentemente sobre previdncia social, proteo e defesa da sade (art. 24, XII); e e) o SUS compreende, em seu mbito, aes e servios voltados para a sade do trabalhador. Na conjugao dessas normas, h um aparente conflito de competncias, uma vez que as normas vinculadas rea do trabalho so de competncia privativa da Unio e esto sob o comando do Ministrio do Trabalho e Emprego, enquanto a rea da sade competncia comum dos entes federativos e a sua coordenao nacional atribuio do Ministrio da Sade, de acordo com o princpio da direo nica em cada esfera de governo (arts. 9, da Lei 8.080/90 e 198 da CF). O novo direito sade Nesta altura, importa seja feita pequena digresso acerca do direito sade.

Todos ns sabemos que a sade passou por transformaes sem paralelo na histria das constituies brasileiras. Nenhuma constituio tratou do tema com a profundidade da atual Constituio, que criou o direito sade como direito individual e social (arts. 6 e 196). O Sistema nico de Sade, inscrito na atual Constituio, foi a consagrao das idias propugnadas na 8 Conferncia Nacional de Sade, que buscava realizar a reforma sanitria no pas, conceituada por Giovanni Berlinguer7 como um processo que pudesse promover profundas mudanas sociais, ambientais e comportamentais que tornassem a existncia mais saudvel. Na realidade, j se faziam sentir essas mudanas quando alguns princpios preconizados pela reforma sanitria foram consagrados - na antevspera da discusso da Assemblia Nacional Constituinte no Programa dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Sade - SUDS, lanado atravs do Decreto n. 94.657/87. Desde a celebrao dos convnios SUDS, entre a Unio e os Estados, inaugurou-se na administrao pblica o movimento para descentralizar a gesto das aes e servios de sade, unificar os seus servios, universalizar o acesso e integrar as aes preventivas com as curativas e evitar a duplicidade de meios para alcanar os mesmos fins. Hoje, as mudanas ocorridas na sade decorrem da Carta Constitucional que criou um sistema de segurana social, a Seguridade Social, com trs reas distintas, mas solidrias entre si: sade, previdncia e assistncia social. Na rea da sade, foram consagrados os princpios do direito sade, do dever do Estado de garanti-lo, do acesso universal e gratuito, da descentralizao, da participao da comunidade, da unicidade conceitual do sistema, da direo nica em cada esfera de governo, da integrao de aes preventivas com as curativas etc. So mudanas estruturais que esto a exigir da administrao pblica e agentes polticos reviso de prticas administrativas e vontade poltica para implementar as novas diretrizes constitucionais, descentralizando-se o poder de executar aes e servios de sade da esfera central at a municipal._______________(5) Op. cit. (6) Constituio Federal de 1967/69 Art. 165. A Constituio assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, alm de outros que, nos termos da lei, visem melhoria de sua condio social: XV assistncia sanitria, hospitalar e mdica preventiva. (7) Reforma Sanitria, Itlia e Brasil, Ed. Hucitec-CEBES.

A sade tratada nos arts. 196 a 200 da CF no se restringe apenas garantia de servios assistenciais ao cidado acometido de alguma enfermidade8 , mas pressupe, antes de tudo, polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos, alm de servios e aes que possam promover, proteger e recuperar a sade do indivduo. Acertadamente, o sistema pblico de sade, o SUS Sistema nico de Sade, de competncia comum das trs esferas governamentais, o que facilita a sua implementao. As matrias que se inserem no mbito de atribuies do SUS esto consagradas na Constituio, art. 200, e na Lei Orgnica da Sade, arts. 15 a 18. Dentre elas, vamos destacar aquelas voltadas para a sade do trabalhador, sade que, na realidade, uma especificidade da sade do indivduo, diante dos riscos que a atividade laboral pode encerrar para a sua sade. Da a proteo especial prevista no art. 7, XXII da CF, que garante ao trabalhador o direito reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio da edio de normas de sade, higiene e segurana. Eis os arts. 15 a 18 da Lei 8.080/90, in verbis: Art. 6. Esto includas ainda no campo de atuao do Sistema nico de Sade-SUS: I a execuo de aes: c) de sade do trabalhador; V a colaborao na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; Art. 15. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios exercero, em seu mbito administrativo, as seguintes atribuies: V elaborao de normas tcnicas e estabelecimento de padres de qualidade para promoo da sade do trabalhador; Art. 16. direo nacional do Sistema nico de Sade-SUS compete: II participar na formulao e na implementao de polticas: c) relativas s condies e aos ambientes de trabalho; V participar da definio de normas, critrios e padres para o controle das condies e dos ambientes de trabalho e coordenar a poltica de sade do trabalhador; Art. 17. direo estadual do Sistema nico de Sade-SUS compete: IV coordenar e, em carter complementar, executar aes e servios: d) de sade do trabalhador;

VII participar das aes de controle e avaliao das condies e dos ambientes de trabalho; Art. 18. direo municipal do Sistema nico de Sade-SUS, compete: III participar da execuo, controle e avaliao das aes referentes s condies e aos ambientes de trabalho; IV executar servios: e) de sade do trabalhador; Pelo que se depreende das normas acima, se antes o Estado s se preocupava em garantir servios curativos aos trabalhadores, mais com a finalidade de controlar a qualidade do trabalho do que de proteger a sade do indivduo, hoje, o Estado est obrigado a implementar polticas pblicas que assegurem a sade, que evitem o risco de doenas e interfiram nas fontes causadoras, prevenindo-as, antes de mais nada. dentro desse marco de referncias conceituais e legislativas que teremos que situar a competncia para os cuidados com a sade do trabalhador. Inspeo do trabalho. Sade do trabalhador. Conceitos. A melhor interpretao. Hermenutica jurdica Antes de adentramo-nos no campo da conceituao das expresses sade do trabalhador e inspeo do trabalho, diante de mandamentos constitucionais presumidamentes contraditrios no que toca a competncia exclusiva da Unio para inspecionar o trabalho e a competncia tripartida da Unio, dos Estados e dos Municpios para cuidar da sade do trabalhador, seria de todo conveniente tecer algumas consideraes a respeito das regras que o intrprete das normas ou o seu aplicador utiliza na interpretao de textos que lhes parecem inconciliveis. Na obra clssica de Carlos Maximiliano9 , ele ensina que: No se presumem antinomias ou incompatibilidades nos repositrios jurdicos; se algum alega a existncia de disposies inconciliveis, deve demonstr-la at a evidncia. Sempre que se descobre uma contradio deve o hermeneuta desconfiar de si, presumir que no compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos inconciliveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositrio para harmonizar os textos; a este esforo ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam de Teraputica Jurdica. A interpretao das normas que nem sempre traz em seu bojo clareza suficiente requer do seu intrprete o exame de todos os elementos necessrios busca do real sentido do texto, a fim de atender aos seus verdadeiros fins. Ensina Limongi Frana10 que quando se fala em hermenutica ou interpretao, advirta-se que elas no podem se restringir to-somente aos estreitos termos da lei, pois conhecidas so as suas limitaes para bem exprimir o direito, o que alis acontece com a generalidade das formas de que o direito se reveste. Desse modo, ao direito que a lei exprime que se devem enderear tanto a hermenutica como a interpretao, num esforo de alcanar aquilo que, por vezes, no logra o legislador manifestar com a necessria clareza e segurana.

_______________ Verifica-se que o Ministrio da Sade se ocupa muito mais em discutir e coordenar os servios de assistncia sade (ambulatorial e hospitalar) do que em prevenir o risco de agravo sade e atuar, de forma articulada, junto aos mais diversos setores pblicos e privados, contribuindo para a garantia da dignidade do ser humano. Na distribuio de competncia fixada pela Lei 8.080/90, as atividades assistenciais esto muito mais a cargo dos Estados e Municpios do que do Ministrio da Sade. A nova concepo de sade representa um grande avano poltico, social e jurdico e a partir da se configura a necessidade de o Ministrio da Sade como coordenador nacional da sade pblica intervir primaria ou concomitantemente nos mais diversos campos, a fim de assegurar melhores nveis de sade para a populao. Faz-se necessrio olhar para as graves questes do acidente de trabalho, dos danos ao meio ambiente, da falta de proteo criana e ao adolescente e ao deficiente, do precrio saneamento bsico etc. O Ministrio da Sade, se no intervir positivamente em todos esses setores, acabar por ser o escoadouro das enfermidades, cuidando apenas das doenas sem atuar de forma efetiva em suas causas. (9) Op. cit. p. 134. (10) Enciclopdia Saraiva do Direito, 41, p.146.(8)

Os conflitos normativos, quando surgem, devem ser solucionados pelo intrprete ou pelo aplicador do direito, sob pena de a eficcia jurdica ser prejudicada. Lanando mo de um conjunto de princpios, o intrprete tenta alcanar a coerncia jurdica necessria, sempre que no exista a literal clareza da norma. Muitas vezes, ao aplicar a regra do art. 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil que prescreve que, na aplicao da norma, o juiz atender aos fins sociais a que ela se dirige e s exigncias do bem comum, o intrprete poder dirimir um conflito existente entre duas normas ou clarear obscuridades que o texto possa conter. Na interpretao e aplicao do direito deve-se, ainda, buscar o razovel, a prudncia e no a lgica da cincia. Por isso, o direito no produz uma juriscincia, mas sim uma jurisprudncia. Um mesmo texto pode, ao longo do tempo, ir se transformando, tornando a norma outra, sem que seu texto tenha sido literalmente alterado. So os fatos que mudam, a sociedade que se transforma, a ordem social que se altera, gerando a necessidade de o intrprete adequar a norma aos fins que o legislador pretendeu alcanar, rejuvenescendo-a, atualizando-a.

Carlos Maximiliano11 diz que Por mais hbeis que sejam os elaboradores de Cdigo, logo depois de promulgado surgem dificuldades e dvidas sobre a aplicao de dispositivos bem redigidos. Uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de abranger em sua viso lcida a infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens. No perdura o acordo estabelecido, entre o texto expresso e as realidades objetivas. Fixou-se o Direito Positivo; porm a vida continua, evolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos mltiplos: morais, sociais, econmicos. Transformam-se as situaes, interesses e negcios que teve o Cdigo em mira regular. Surgem fenmenos imprevistos, espalham-se novas idias, a tcnica revela coisas cuja existncia ningum poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A letra permanece: apenas o sentido se adapta s mudanas que a evoluo opera na vida social. O interprete o renovador inteligente e cauto, o socilogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a frmula prematuramente decrpita, e atua como elemento integrador e complementar da prpria lei escrita. Esta a esttica, e a funo interpretativa, a dinmica do Direito. Leciona Maria Helena Diniz12 que no conflito de norma existe sempre a possibilidade de uma soluo por meio de interpretao corretiva e eqitativa do jurista e do aplicador, que, se utilizando dos meios de preenchimento da lacuna (LICC, art. 4), opta pela norma que, ao ser aplicada, no produzir efeitos contraditrios aos fins e s valoraes, pelos quais se modela a ordem jurdica, rechaando a outra, tendo-a por no escrita (interpretao ab-rogante). Na aplicao do direito deve haver flexibilidade do entendimento razovel do preceito e no a uniformidade lgica do raciocnio matemtico. No se pode perder de vista que as regras anteriores Constituio devem ser aferidas de acordo com a nova ordem constitucional. Afirmam Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Cndida da Cunha Ferraz13 que esse cotejo, essa comparao deve ser norteada pela considerao, em primeiro lugar, de que os princpios gerais de todos os ramos do direito passam a ser os que constem da nova Constituio ou dela se possam inferir e, em segundo lugar, de que as leis e demais atos normativos vigentes quando do advento da nova Constituio devem ser reinterpretados em favor desta, s subsistindo se conformes aos seus princpios e normas, inclusive as programticas (grifamos). No caso em tela, depois da atual Constituio, a sade do trabalhador e a inspeo do trabalho devem ser analisadas, interpretadas, decompostas e compreendidas de acordo com os novos valores sociais, culturais e jurdicos que a atual Constituio traduz, sob pena de se invalidar a pretenso do constituinte de proteger a sade no trabalho. At o advento da Constituio de 88, a inspeo do trabalho (tratada na CLT e regulamentos) tinha um significado que compreendia aes de sade e higiene; hoje, entretanto, essa interpretao ocasionar, no ordenamento jurdico, uma antinomia jurdica que poder anular a eficcia das regras constitucionais referentes sade, uma vez que a inspeo do trabalho matria exclusiva da Unio. No houvesse a nova ordem constitucional tratado a sade com a amplitude com que o fez e repartido entre os entes federativos a sua competncia, nenhum problema haveria, uma vez que a questo era pacfica no antigo sistema nacional de sade (Lei 6.229/75), conforme j mencionado. A competncia para cuidar das relaes do trabalho, repetimos, estava dirigida, de acordo com o disposto naquela lei e na prpria CLT, Unio, que o fazia atravs do Ministrio do Trabalho e suas delegacias regionais do trabalho. Mas, a sociedade mudou. As relaes econmicas e sociais tambm mudaram e a Constituio retratou os novos reclamos sociais criando o direito sade. E dentro da sade definiu diretrizes e princpios. Competncias novas foram dadas aos Estados e aos Municpios.14 A prpria vigilncia em sade adquiriu tal vulto ante a complexidade da sociedade, e o seu campo de atuao to vasto que foi criada recentemente a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, vinculada ao Ministrio da Sade. E dentro dessa nova estrutura social e jurdica que se deve entender a sade no ambiente de trabalho. A sade, como decorrncia do direito vida, assegurada a qualquer indivduo no exerccio ou no de uma atividade laboral. Mas quis o legislador garanti-la de modo especial a determinadas pessoas, como os deficientes, a criana e o adolescente, a gestante, o idoso, o trabalhador, por entender que essas pessoas esto expostas, de um modo mais sensvel, ao risco de doena. Assim, o indivduo em sua atividade de trabalho tem o direito de no ser submetido a riscos, pouco importando se a atividade executada no mercado formal ou informal, com ou sem carteira de trabalho, em ambiente urbano ou rural etc. As questes relativas s relaes de trabalho importam, sim, mas ao Ministrio do Trabalho, cabendo sade os cuidados com os riscos que o ambiente do trabalho pode encerrar._______________ Hermenutica e Aplicao do Direito. 9 ed./1 tiragem. Forense.1980. p.11. Norma Constitucional e seus efeitos. Editora Saraiva. 3 ed., 1997. p.130. Efeitos da Constituio sobre o Direito Anterior, Revista da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo, jun.1989, p.45. (14) Hoje, na esteira do que ocorre em outros pases, fala-se at em um novo ramo do direito, o direito sanitrio, em razo da importncia, complexidade e crescimento das normas de proteo sade do indivduo e da coletividade (alguns pases j sistematizaram as normas sanitrias criando o direito sanitrio, como um ramo autnomo do direito administrativo). A USP criou o Ncleo de Direito Sanitrio e, na Faculdade de Sade Pblica, a disciplina de Direito Sanitrio).(11) (12) (13)

Desse modo, deve-se voltar os olhos para a vontade do legislador de manter como competncia privativa da Unio organizar, manter e executar a inspeo do trabalho, ao mesmo tempo que quis conferir s trs esferas governamentais o dever de cuidar da sade do indivduo , inserindo no SUS a atribuio de executar aes e servios de vigilncia sanitria, nela compreendida a sade do trabalhador. Assim, a fim de tornar os dois comandos constitucionais conciliveis entre si, conferir-lhes uma compatibilidade, que se deve reinterpretar os conceitos, at to pouco tempo em vigor no nosso ordenamento jurdico, da inspeo do trabalho, integrando os princpios, interrelacionando preceitos e harmonizando textos para ajustar a vontade do constituinte de garantir ao indivduo o direito a uma vida saudvel, protegendo-o dos riscos do processo produtivo, mediante o respeito s normas de sade voltadas para o ambiente de trabalho. A inspeo do trabalho A inspeo do trabalho est regulada no Decreto Federal 55.841, de 15.3.1965, alterado pelos Decretos ns. 97.995/89 57.819/66, 65.557/69, e definida como O sistema federal de inspeo do trabalho, a cargo do Ministrio do Trabalho e Previdncia Social, sob a superviso do Ministro de Estado, tem por finalidade assegurar, em todo o territrio nacional, a aplicao das disposies legais e regulamentares, incluindo as convenes internacionais ratificadas, dos atos e decises das autoridades competentes e das convenes coletivas de trabalho, no que concerne durao e s disposies de trabalho, bem como proteo dos trabalhadores no exerccio da profisso (art. 1). Na inspeo do trabalho realizada no local de trabalho, fica o empregador obrigado a exibir aos Agentes da Inspeo o quadro de horrio, livros ou fichas de registro de empregado, folhas de pagamentos, relao de empregados, relao de empregados menores, acordos sobre horrio prorrogado ou compensado, carteira de trabalho, aplices de seguro, cartes ou livros de ponto, atestados de sade, recibos de frias etc. (art. 6). Reza, ainda, o art. 9, que a inspeo do trabalho, sempre que se fizer necessrio, solicitar o concurso de especialistas e tcnicos devidamente qualificados em medicina, mecnica, eletricidade e qumica, assim como recorrer a laboratrios tcnico-cientficos governamentais, a fim de assegurar a aplicao das disposies legais relativas higiene e segurana do trabalho, no implicando, todavia, tal colaborao qualquer vinculao ao sistema de inspeo do trabalho. O disposto no art. 10, por sua vez, define a competncia do mdico do trabalho na sua funo de Agente da Inspeo do Trabalho, ao qual atribudo o dever de inspecionar os locais de trabalho, a fim de verificar o cumprimento da legislao de medicina, higiene e segurana do trabalho, dentre outras funes. A segurana e medicina do trabalho tratada na Consolidao das Leis do Trabalho CLT (arts. 154 e seguintes), e regulada mediante normas regulamentares (NRs) editadas pelo Ministrio do Trabalho. Pelo que se depreende do regramento acima, a inspeo do trabalho abrange todas as atividades relacionadas com as relaes de trabalho, cabendo autoridade competente fiscalizar o cumprimento das normas legais e regulamentares, no que concerne durao e s condies de trabalho e proteo da sade do trabalhador quando no exerccio da profisso. Mas essa legislao definidora da inspeo do trabalho anterior Constituio de 88. Desse modo, as regras anteriores - que no foram revogadas - tero que ser reinterpretadas, harmonizando-as com nova ordem constitucional, sob pena de gerar uma antinomia jurdica que poder por fim eficcia das normas constitucionais. Com a atual repartio de competncia constitucional e o direito sade, no se pode mais admitir que a inspeo do trabalho, de competncia exclusiva da Unio, continue a gozar da mesma amplitude de antes. A legislao acima citada tem que ser entendida de acordo com os atuais princpios constitucionais e legais. Tem que ser remoada ante a nova ordem social e jurdica. A norma anterior continua em vigor, mas a sua interpretao, doravante, deve contar com os novos elementos existentes. Podemos compor esse conjunto com os seguintes elementos constitucionais e legais: a) o direito do trabalhador reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana. b) competncia concorrente (Unio, Estados e Municpios) para legislar e cuidar da sade; c) competncia exclusiva da Unio para organizar e realizar a inspeo do trabalho; d) vigilncia sanitria, como atribuio do sistema pblico de sade, englobando sade do trabalhador; e) art. 154 da CLT, que determina sejam respeitados os regulamentos sanitrios dos Estados, alm de suas prprias normas; f) o novo conceito de regulamentos sanitrios, diante da reforma sanitria promovida pela atual Constituio; e, ainda, g) a direo nica em cada esfera de governo, na rea tripartida da sade. Outro elemento pode ainda ser acrescido queles para ajudar na soluo da aparente antinomia existente. Quando da celebrao do convnio SUDS - que tinha por objeto integrar e descentralizar para Estados e Municpios as aes e servios de sade a cargo da Unio, e franquear gratuitamente populao o acesso aos servios de sade - pela Unio, assinavam o instrumento convenial todos os Ministrios que

cuidavam da sade: Ministrio da Sade (aes de interesse coletivo), Ministrio da Previdncia e Assistncia Social (atendimento mdico-hospitalar aos trabalhadores), Ministrio da Educao e Cultura (hospitais de ensino) e Ministrio do Trabalho (higiene, segurana do trabalho, preveno de acidentes, doenas profissionais). Se o convnio SUDS tinha por finalidade integrar as aes e servios de sade e descentralizar a sua execuo para Estados e Municpios em cumprimento s idias da reforma sanitria pretendida, no seria crvel entender que uma vez consagrados esses ideais na Constituio, com a criao do SUS, a sade do trabalhador continuasse fora da sade quando, no mbito de um programa convenial, ela foi integrada sade. Diante desse marco de referncias, podemos concluir que a inspeo do trabalho, por ser uma atividade de competncia privativa da Unio, no engloba mais questes pertinentes sade do trabalhador descritas na Lei 8.080/90, ficando adstrita questes das relaes individuais e coletivas do trabalho, regulados pela CLT, cabendo vigilncia sanitria dos Estados e Municpios, conforme disposto na mesma Lei, inspecionar os ambientes de trabalho e adotar as medidas coercitivas necessrias correo das distores verificadas.

Sade do trabalhador A Constituio ao assegurar ao trabalhador o direito reduo dos riscos inerentes ao trabalho, mediante o estabelecimento de normas de sade e segurana, quis particularizar, de maneira especial, dentro do princpio geral do direito sade, a sade do trabalhador, diante da dignificao que o trabalho alcanou na sociedade. Sebastio Geraldo de Oliveira(15) revela o quanto a Constituio se preocupou com a dignidade do trabalho, inserindo disposies que reconhecem o trabalho como um valor fundamental da sociedade: Logo no art. 1 da Constituio, o trabalho foi considerado como um dos fundamentos da Repblica, um valor social, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo poltico. De valor social, foi tambm considerado Direito Social no art. 6. Para enfatizar, ainda mais, ficou estabelecido que a ordem econmica dever estar apoiada, na valorizao do trabalho (art. 170) e a ordem social ter como base o primado do trabalho (art. 193). A educao dever estar voltada para o desenvolvimento da pessoa e sua qualificao para o trabalho (art. 205), tanto que o plano nacional de educao dever conduzir formao para o trabalho (art. 214). A legislao ordinria, dependente que do respaldo constitucional, ter de se amoldar a esses comandos de hierarquia superior e dever ser interpretada de modo a garantir a harmonia do conjunto e a prevalncia da Lei Maior. A primazia do trabalho sobre a ordem econmica e social privilegia o trabalhador antes de avaliar sua atividade; valoriza o trabalho do homem em dimenses ticas que no ficam reduzidas a meras expresses monetrias. Lanadas as premissas bsicas da dignificao do trabalho, poderemos apreender, com maior profundidade, o significado e a extenso do direito sade do trabalhador, o direito ao meio ambiente de trabalho saudvel e a reduo dos riscos inerentes ao trabalho. A sade do trabalhador est conceituada na Lei Federal 8.080, de 19.9.90, nos seguintes termos: Art. 6. Esto includas ainda no campo de atuao do Sistema nico de Sade-SUS: I a execuo de aes: ... c) de sade do trabalhador; e ... 3. Entende-se por sade do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, atravs das aes de vigilncia epidemiolgica e vigilncia sanitria, promoo e proteo da sade dos trabalhadores, assim como visa recuperao e reabilitao da sade dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condies de trabalho, abrangendo: I assistncia ao trabalhador vtima de acidente de trabalho ou portador de doena profissional e do trabalho; II participao, no mbito de competncia do Sistema nico de Sade-SUS, em estudos, pesquisas, avaliao e controle dos riscos e agravos potenciais sade existentes no processo de trabalho; III participao, no mbito de competncias do Sistema nico de Sade-SUS, da normatizao, fiscalizao e controle das condies de produo, extrao, armazenamento, transporte, distribuio e manuseio de substncias, de produtos, de mquinas e de equipamentos que apresentem riscos sade do trabalhador; IV avaliao do impacto que as tecnologias provocam sade; V informao ao trabalhador e sua respectiva entidade sindical e a empresas, sobre os riscos de acidente de trabalho, doena profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizaes, avaliaes

ambientais e exames de sade, de admisso, peridicos e de demisso, respeitados os preceitos da tica profissional; VI participao na normatizao, fiscalizao e controle dos servios de sade do trabalhador nas instituies e empresas pblicas e privadas; VII reviso peridica da listagem oficial de doenas originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaborao a colaborao das entidades sindicais; e VIII a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao rgo competente a interdio de mquina, de setor de servio ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposio a risco iminente para a vida ou sade dos trabalhadores. A sade do trabalhador um conjunto de atividades ligadas diretamente vigilncia sanitria e vigilncia epidemiolgica, que se destinam a prevenir e proteger o trabalhador dos riscos de doenas prprias de ambientes de trabalho, bem como recuperar a sua sade quando submetida a qualquer agravo ocasionado pelo trabalho. V-se que a sade do trabalhador se insere no campo de atividades da vigilncia sanitria e epidemiolgica que tambm esto definidas na mesma Lei (art. 6, 1 e 2) como: Vigilncia sanitria um conjunto de aes capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos sade e de intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade. Vigilncia epidemiolgica um conjunto de aes que proporcionam o conhecimento, a deteco ou preveno de qualquer mudana nos fatores determinantes e condicionantes de sade individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de preveno e controle das doenas ou agravos. Cabe vigilncia sanitria e vigilncia epidemiolgica proteger e defender a qualidade de vida do cidado atravs da adoo de um conjunto de medidas que implicam o compromisso solidrio do Poder Pblico e da sociedade na eliminao, diminuio e preveno de riscos de agravo sade individual ou coletiva. Exercendo a fiscalizao e o controle sobre o meio ambiente, a produo, a distribuio, a comercializao e uso de bens, a prestao de servios etc., no seria possvel admitir como fora do seu alcance o controle do ambiente de trabalho com todas as conseqncias que podem advir para a sade do indivduo, no exerccio de uma profisso ou ofcio._______________(15)

Proteo Jurdica Sade do Trabalhador Editora LTr - 2 edio p. 115.

Nesse passo importante abrir um parntese para refletir sobre o disposto na Constituio, art. 200, inciso II que trata da sade do trabalhador e inciso VIII que diz respeito ao meio ambiente. No inciso II, a Constituio conferiu aos rgos integrantes do SUS a competncia para a realizao de aes referentes sade do trabalhador. No inciso VIII, ressalta o dever dos rgos do SUS de colaborar com o meio ambiente, nele includo o do trabalho. Um no conflita com o outro. Um trata da sade do trabalhador como atividade realizada no mbito da vigilncia sanitria e epidemiolgica; no outro, temos o SUS, como agente colaborador de todas as aes voltadas para o meio ambiente, diante de sua importncia para a sade da coletividade. No primeiro, por se tratar de matria prpria da sade, a vigilncia, ela exclusiva do SUS; no segundo, por se tratar do meio ambiente, rea difusa que envolve muitas outras, o SUS deve interagir, colaborando com todas as demais demais reas envolvidas, uma vez que o meio ambiente, ainda que o do trabalho se liga, tambm, segurana da populao. O prprio meio ambiente do trabalho tambm tem uma interface com o mundo externo ao trabalho, j que um ambiente interno poludo e inseguro expele poluio e insegurana externa, de acordo com referncia feita pelo constitucionalista Jos Afonso Silva16 citando Franco Giampietro. Tudo isso nos conduz ao entendimento de que o meio ambiente, olhado genericamente, est intrinsecamente ligado sade, uma vez que o desequilbrio ambiental interfere na qualidade de vida da populao, mas sem exclusividade de atuao. E quis o legislador conferir especial ateno, ao ambiente do trabalho. Tendo em vista o estatudo nos artigos comentados acima, ao se deparar com uma infrao sanitria, o agente inspetor do trabalho do MTb, no mbito de suas atribuies, tem o dever de informar imediatamente ao agente da vigilncia sanitria, as condies de higiene e sade do local fiscalizado. Recomenda-se, at, que os agentes fiscalizadores ajam conjuntamente. As atividades de um e de outro dentro de um campo conexo, de interligaes e interdependncia devem ser realizadas de forma cooperativa. Com a justaposio dos elementos utilizados para a nova interpretao do que seja a inspeo do trabalho aos preceitos legais aqui mencionados sobre a definio de sade do trabalhador, vamos concluir

que a sade do trabalhador inclui-se no mbito de competncia da vigilncia sanitria sem nenhum esforo maior de hermenutica jurdica. Legislao federal, constituies estaduais, leis estaduais e municipais. Aes judiciais. Manifestao de rgos jurdicos dos Ministrios. Manifestaes do Ministrio Pblico Federal e Estadual. Por todo o exposto, podemos afirmar, entretanto, que a questo, na prtica, longe est de ser solucionada. Ela tem se tornado mais complexa, na medida em que novos atos regulamentares surgem, aprofundando o conflito das normas constitucionais que se pretende solucionar. Aes judiciais tm sido impetradas. Liminares concedidas. Acrdos proferidos. Promotores de Justia manifestam-se em artigos e documentos. Consultores jurdicos emitem pareceres. Leis estaduais so editadas, consolidando nos Estados o entendimento consagrado, na maioria das constituies estaduais, de que a sade do trabalhador se insere no mbito do SUS, sendo competncia da vigilncia sanitria. Mas a desarmonia tem prevalecido. Uma medida liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal17 na Ao Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Confederao Nacional da Indstria CNI, que discute a constitucional de Lei n. 2702/97, editada pelo Estado do Rio de Janeiro, tornou o tema mais polmico ainda. A pulverizao de aes nessa rea, a diviso de atribuies entre os mais diversos rgos, todos agindo de forma isolada, tem agravado a situao. Sebastio Geraldo de Oliveira muito bem retrata este aspecto da questo: Falta unidade na atuao do Estado para solucionar os problemas relacionados com a sade do trabalhador. As responsabilidades esto distribudas entre vrios rgos distintos, praticamente sem comunicao entre si, acarretando vises parciais do problema, com esforos desarticulados. Uma conseqncia grave de tudo isso a falta de comunicao entre todos esses rgos para ajustar um comportamento sintonizado. Para o Juiz do Trabalho, por exemplo, a insalubridade apresenta-se fisionomizada como mera expresso monetria, j que no convive com as conseqncias dolorosas das doenas profissionais que viro mais tarde. Alguns rgos atuam na preveno, uma parte nas causas, outros nas conseqncias e outros ainda na reparao, mas ningum tem viso ntida do conjunto. O fracionamento dessas competncias faz com que o grande problema da sade do trabalhador seja transformado numa questo menor, diluda no quadro de atribuies de cada um desses rgos. O art. 15.2 da Conveno n. 155 da OIT recomenda que essas disposies deveriam incluir o estabelecimento de um organismo central, quando a prtica e as condies nacionais permitirem. Convm registrar, todavia, que algumas iniciativas elogiveis de integrao esto aparecendo. A Portaria Interministerial Mtb/MPAS n. 7, de 25 de julho de 1997, dando seqncia ao que j estava previsto na Portaria Interministerial n. 18, de 9 de novembro de 1993, instituiu o Grupo Executivo Interministerial de Sade do Trabalhador GEISAT, de natureza permanente, com o objetivo de analisar medidas e propor aes integradas e sinrgicas, que contribuam para aprimorar as condies de sade e segurana do trabalhador. Este grupo integrado por representantes de trs Ministrios: Trabalho, Sade e Previdncia e Assistncia Social. 18 Confundindo mais as coisas, recentemente foi editada a Lei 9.649, de 27 de maio de 1988, alterada pela Medida Provisria 1.999-15, de 11 de fevereiro de 2000, que dispe sobre a organizao da Presidncia da Repblica e dos Ministrios, a qual reza que ao Ministrio da Sade compete, dentre outras coisas, definir a poltica nacional de sade, coordenar e fiscalizar o Sistema nico de Sade, cuidar da sade ambiental e aes de promoo, proteo e recuperao da sade individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores cabendo ao Ministrio do Trabalho e Emprego, dentre outras atribuies, cuidar da segurana e sade no trabalho._______________(16) (17) (18)

Direito Ambiental Constitucional 2a edio Malheiros Editores p. 5. Ao Direta de Inconstitucionalidade n.1893-9. Sebastio Geraldo de Oliveira, in obra citada, p. 131.

Por outro lado, os Estados e Municpios, em contraponto, diante das mudanas estruturais havidas na sade, vm atualizando os seus regulamentos sanitrios, que evoluram conceitualmente, compreendendo a vigilncia sanitria a proteo e defesa da qualidade de vida do cidado na sociedade, cabendo-lhes intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio ambiente, da produo, do trabalho, da circulao de bens e produtos etc. Os aspectos da vida social que importam vigilncia sanitria so por demais abrangentes e incomensurveis. Assim, diante de tal complexidade, no h mais como pensar-se que, s restam ao Estado e ao Municpio a regulao de medidas que visem higiene e segurana das edificaes pblicas e particulares e ao controle dos alimentos destinados ao consumo local ou regional, como ocorria anteriormente.

As atividades que importam sade tm um espectro to amplo que seria impossvel descrev-las. A proteo da sade, nos dias de hoje, envolve questes de extrema complexidade, como o controle dos padres ticos para pesquisas em sade, biotecnologia, transplantes de rgos, reproduo assistida etc. Desse modo, ao determinar que a observncia, em todos os locais de trabalho, do disposto neste Captulo, no desobriga as empresas do cumprimento de outras disposies que, com relao matria, sejam includas em cdigos de obras ou regulamentos sanitrios dos Estados ou Municpios em que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de convenes coletivas de trabalho, o art. 154 da CLT exige, nos dias de hoje, interpretao compatvel com essa realidade, no se admitindo mais o entendimento de que os regulamentos sanitrios se reduzam aos aspectos construtivos, quando, na atualidade, a sociedade tecnolgica est a reclamar uma regulao mais abrangente de todos os aspectos que interferem na sade do indivduo e da coletividade. Podemos citar, como exemplo, o Cdigo de Sade do Estado de So Paulo (Lei Complementar n. 791/95), que, ao dispor sobre normas de ordem pblica e interesse social, para a promoo, defesa e recuperao da sade, define a vigilncia sanitria como um conjunto de normas que compreende, dentre outras coisas, a proteo do ambiente de trabalho e de sade do trabalhador, conferindo poderes autoridade sanitria para proceder avaliao das fontes de riscos no meio ambiente, nele includos o local e os processos de trabalho, e determinando a adoo de providncias para que cessem os motivos que lhes deram causa. O mencionado Cdigo tem um captulo que trata especificamente do local de trabalho. Por sua vez, o Cdigo Sanitrio Paulista - Lei 10.083/98 - (tambm denominado regulamento sanitrio) enquadra o ambiente do trabalho no campo de atuao da vigilncia sanitria, estabelecendo o seu art. 2 que os princpios expressos neste Cdigo disporo sobre proteo, promoo e preservao da sade, no que se refere s atividades de interesse sade e meio ambiente, nele includo o do trabalho, dedicando um ttulo exclusivo ao tema sade e trabalho o qual dispe que a sade do trabalhador dever ser resguardada, tanto nas relaes sociais que se estabelecem entre o capital e o trabalho, como no processo de produo, dizendo ser dever da autoridade sanitria indicar a obrigao do empregador de adotar todas as medidas necessrias para plena correo de irregularidades no ambientes de trabalho. Temos ainda a Lei Paulista n. 9.505/97, que obriga os empregadores pblicos ou privados a permitir a ao dos agentes sanitrios nos ambientes de trabalhos, alm da prpria carta constitucional do Estado, que dispe amplamente sobre a matria. Isso sem contar com as normas previstas nas Constituies da maioria dos Estados e em leis estaduais infraconstitucionais, todas no sentido de manter a fiscalizao da sade e higiene do trabalho no mbito da vigilncia sanitria, seguindo, a orientao dada pela Constituio Federal, art. 200, II e VIII e Lei Orgnica da Sade. ainda, nessa mesma linha que se inscrevem os estudos realizados por interessados, especialistas, juristas, conselhos, comisses. Mantendo uma coerncia interpretativa, entendem que a Constituio mudou o conceito de inspeo do trabalho e que a sade do trabalhador se insere na rea da sade, sendo, portanto, de competncia das trs esferas do governo. Em Comentrios Lei Orgnica da Sade, em co-autoria com Guido Ivan de Carvalho(19) , j nos havamos manifestado, nos seguintes termos: Note-se que determinadas aes referentes sade do trabalhador estavam na alada do Ministrio do Trabalho, porque abrangiam a Previdncia Social (Ministrio do Trabalho e Previdncia Social) e o sistema de previdncia social era responsvel anteriormente no s pela assistncia sade do trabalhador urbano e rural como tambm pelos benefcios, auxlios, penses, aposentadorias, acidente do trabalho e a reabilitao profissional; 3. A legislao infraconstitucional anterior que esteja em conflito com a Constituio de 88 (que inovou o sentido e o contedo da seguridade social, deixando a sade de ser um aspecto da Previdncia Social) no pode subsistir, por inconstitucionalidade ou, como entende o STF, por revogao. Nessa conformidade, deve ser revista toda a legislao referente inspeo do trabalho... As atividades ligadas sade do trabalhador devem ser praticadas pela vigilncia sanitria e pela vigilncia epidemiolgica. Nesse sentido, a atribuio dada a cada gestor do SUS para a execuo de aes e servios compreendidos no mbito da vigilncia sanitria h de se coadunar com a competncia no campo da sade do trabalhador. Tambm em trabalho realizado conjuntamente com Leila Maria Reschke e Antnio Lopes Monteiro(20) afirmamos: Vemos, pois, a total incompatibilidade em aceitar que dentro do conceito inspeo do trabalho est compreendida aes e servios referentes sade do trabalhador, do mesmo modo que no podemos aceitar que sade do trabalhador integra o conceito do direito do trabalho. Sendo a inspeo do trabalho competncia material privativa da Unio por sorte no se pode admitir que dentro deste conceito resida a expresso sade do trabalhador. Ora, sade do trabalhador est no campo de incidncia do SUS, e o SUS um sistema de mbito nacional, cuja competncia material comum das trs esferas de governo: Unio, Estados e Municpios. Por outro lado, competncia exclusiva da Unio legislar sobre direito do trabalho. Se sade do trabalhador matria prpria do direito do trabalho, tambm a Constituio teria incidido em uma contradio, pois a competncia para legislar sobre sade concorrente entre a Unio e o Estado. (E dentro do conceito sade foi inserido o tema sade do trabalhador, conforme se v no art. 200, II, da CF e da Lei 8.080/90).

Transcrevemos, ainda, trechos de alguns estudos, pareceres e decises judiciais coerentes com esse entendimento:

_______________(19) (20)

Comentrios Lei Orgnica da Sade, Editora Hucitec, 2 ed., p. 171 A sade do trabalhador e o sistema nico de sade SUS. Competncia. 1996.

1. Outra questo, que s tem servido para atrapalhar o trabalho de preveno de acidentes e melhoria do meio ambiente de trabalho, diz respeito a conflito existente entre o Ministrio do Trabalho, Sistema nico de Sade (SUS) e os Centros de Referncia de Sade do Trabalhador (estes existentes em muitos municpios), pois alguns entendem, inclusive com base em parecer do ex-ministro do Trabalho, que a fiscalizao do meio ambiente de trabalho compete exclusivamente aos agentes da inspeo do MTb. Mas tal entendimento destoa da Constituio Federal e de outros dispositivos legais, inclusive da Constituio do Estado de So Paulo... Dessa forma, estabelecem competncia do SUS para cuidar da sade do trabalhador e, por conseguinte, do meio ambiente de trabalho, o Cdigo de Sade do Estado Paulista (LC 791/95, arts. 1, 3, 4), a Lei Orgnica da Sade (Lei Federal n. 8.080/90), entre outros dispositivos legais. Ora, se ao Sistema nico de Sade (SUS), integrado e financiado pela Unio, pelos Estados, Distrito Federal e Municpios, compete executar aes para prevenir a sade do trabalhador e o meio ambiente do trabalho, constitui-se mesmo em absurdo o entendimento de que s aos agentes federais cabe fiscalizar o meio ambiente do trabalho. Na verdade, preciso entendermos que as coisas mudaram com a Constituio de 88, de cunho democrtico e descentralizadora, cujo constituinte quis acabar com monoplios na defesa dos direitos de cidadania.21 2. A Constituio de 1988 instituiu o sistema nico de sade como dever estatal, com incumbncia de executar aes de sade do trabalhador e de colaborar na proteo do meio ambiente, inclusive o do trabalho (arts. 198, 200-II e VIII), dentre outras, de sorte a reduzir o risco universal de doena e de outros agravos e a garantir o acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao (art. 196). Tambm dispe sobre a competncia da Unio para com a previdncia social do trabalhador e para organizar, manter e executar a inspeo do trabalho (art. 21-XXIV). O dever do Estado para com a sade do trabalhador compreende, portanto, aspectos sanitrios, previdencirios e trabalhistas, cujas aes so atualmente atribudas, no plano federal, ao Ministrio da Sade, da Previdncia Social e do Trabalho, respectivamente. .... Aparentemente h competncia comum entre os diversos setores da atividade estatal, mas esta aparncia superada pela compreenso, sob a regncia da Constituio, das finalidades de cada ao estatal. O Ministrio do Trabalho realiza aes de fiscalizao e vigilncia das condies e ambientes de trabalho em funo do dever da Unio de organizar, manter e executar a inspeo do trabalho (art. 21-XXIV), justificada por diversas situaes diretamente envolvidas nas relaes de trabalho, como o trabalhado escravo ou de menores, o trabalho ilcito, a durao da jornada de trabalho, e que s indiretamente interessa sade. .... O Sistema nico de Sade deve preparar-se para realizar todas as aes e servios que diretamente estejam relacionados com o dever que a Constituio lhe confere de promover, proteger e recuperar a sade, seja de forma preventiva, na reduo de riscos de doena e de outros agravos, seja de forma curativa. Em outras palavras, as aes preventivas de sade da alada do Ministrio do Trabalho tm em vista a preservao da relao de trabalho, enquanto as desenvolvidas no mbito do Sistema nico de Sade, prprias do Ministrio da Sade, tm o propsito de prevenir ou resgatar o direito individual ou coletivo sade. (22) 3. as aes em sade do trabalhador nos ambientes de trabalho no invadem competncia exclusiva da Unio, considerando-se que as aes em sade do trabalhador e vigilncia sanitria nos ambientes e processos de trabalho, no mbito de competncia do Sistema nico de Sade, no esto presentes na expresso inspeo do trabalho, porque no so aes de natureza trabalhista, no atraindo, desta forma, a incidncia do art. 21, XXIV, da CF/88 (23) 4. Sade do trabalhador, como est na Constituio Federal e na LONS, uma expresso de maior abrangncia do que a inspeo do trabalho ou da segurana e medicina do trabalho. Sade no est ligada ao Ministrio da Previdncia Social, nem sade do Trabalhador no MTb. Pela nova sistemtica, sade est no mbito do SUS, e a ele competem, prioritariamente, todas as aes e servios pblicos, inclusive a fiscalizao dos ambientes do trabalho prejudiciais sade do trabalhador, o que no impede que o Ministrio

do Trabalho tambm atue nessa rea (Constituio da Repblica, art. 21, inciso XXIV) e o prprio INSS, a cujos cofres diretamente interessa a reduo dos infortnios e molstias ocupacionais (art. 19, 4, da Lei 8.213/91).(24) Anote-se aqui que o direito da pessoa a condies seguras e salubres de trabalho corolrio no do direito ao trabalho, mas do direito vida e sade. No peculiar s relaes de trabalho apenas. Antes, a garantia sade se faz nsita a todas as relaes jurdicas que mereceram a tutela jurdica do Estado. (25) 5. Com a falsa polmica quanto competncia fiscal em Sade do Trabalhador, levantada pelas entidades patronais consultantes, quem perde , sem dvida, a classe trabalhadora, na medida em que a divulgao do referido documento, por parte dessas entidades,, s diversas empresas e, inclusive, a diversos rgos pblicos, vem gerando resistncias fiscalizao sanitria do Sistema nico de Sade. Trata-se de flagrante obstruo do poder de polcia sanitria da autoridade constituda, no Rio de Janeiro. O processo, ora em curso no Estado do Rio de Janeiro, de implantao de Termos de Compromisso assinados entre os Programas de Sade do Trabalhador, do Sistema nico de Sade, Sindicatos de Trabalhadores e Patronais, Instituies Pblicas de Ensino e Pesquisa e Empresas, com vistas melhoria das condies de segurana e sade dos trabalhadores, est sendo retardado pela postura anacrnica e intransigente dessas entidades patronais. 26_______________ Raimundo Simo de Melo, Procurador-Chefe do MPT/15 Regio-Campinas, em trabalho intitulado Meio Ambiente do Trabalho. Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora Regional da Repblica, no trabalho encaminhado ao Conselho Nacional de Sade, denominado Limite de Competncia do Sistema nico de Sade nas Questes Relativas Sade do Trabalhador. (23) Leila Maria Reschke, Procuradora do Municpio de Porto Alegre, no trabalho intitulado Competncia do Sistema nico de Sade para fiscalizar os ambientes de trabalho na esfera municipal. (24) Antnio Lopes Monteiro, Promotor de Justia, Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, em artigo intitulado Aspectos Legais da Sade do Trabalhador. (25) Paulo Srgio Cornacchioni, Promotor de Justia, Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Acidentes do Trabalho, no trabalho Competncia Administrativa para fiscalizar acidentes de trabalho. (26) Documento do Conselho Estadual de Sade do Trabalhador, Rio de Janeiro, 1995, assinado pelas Secretarias de Estado da Sade, de Trabalho e Ao Social, FioCruz, UFRJ, UERJ, UFRRJ, FEEMA, Fundacentro, diversos programas de sade do trabalhador e sindicatos dos trabalhadores.(22) (21)

6. Mandado de Segurana. Descumprimento de normas atinentes sade do trabalhador e segurana e medicina do trabalho. Ordem denegada. Deciso confirmada. O ato de interdio de obra de construo pelo agente pblico, por violao de normas relativas sade do trabalhador e segurana e medicina do trabalho, tem amparo no poder de polcia do Estado, no podendo ser considerado ilegal ou abusivo. Nesse caso, impetrada segurana contra tal ato, denega-se a ordem. ... A segurana, impetrada por empresa da construo civil, contra ato do agente fiscal, do Centro de Saneamento e Vigilncia Sanitria da Secretaria da Sade, visa a afastar tal ato que interditou obra em construo, que estaria violando normas referentes sade do trabalhador e segurana e medicina do trabalho, sob a alegao de que inocorrem os motivos da interdio, a competncia de fiscalizar do Ministrio do Trabalho e apenas supletiva dos rgos estaduais e municipais e o agente fiscal incompetente para o ato. Inocorre a alegada incompetncia do agente para a imposio da sano aplicada...(27) 7. Ainda sobre a estrutura o SUS possui uma rede de servios de sade presentes em todas as regies do pas e, pode-se dizer, em praticamente todos os municpios brasileiros. Essa capilaridade institucional, peculiar ao SUS, confere-lhe uma capacidade potencial de atender a todos os trabalhadores. O Ministrio do Trabalho nem a possui e, dadas as suas caractersticas estruturais, no a possuir. Acerca da metodologia por se tratar de rea emergente no campo da sade, a questo da sade do trabalhador vem se consolidando e legitimando em algumas regies do pas, atravs de Programas de Sade do Trabalhador... (28) 8. d) devido s extensas interfaces entre as aes de fiscalizao e as de vigilncia sanitria, recomenda-se que os rgos locais do SUS e do MTb estabeleam canais de discusso, troca de informao e de planejamento conjunto, visando a obter ampliao da cobertura, melhorar o aproveitamento dos recursos disponveis e possibilitar o aumento da eficcia das intervenes; d) as relaes entre o MTb e o MS/SUS nos seus diversos nveis dever pautar-se no contexto da parceria solidria. O Ministrio do Trabalho encontra-se aberto possibilidade de trabalhar em parceria com o MS/SUS e de buscar, junto aos Municpios, possibilidades arrojadas de integrao, seja atravs de convnio ou protocolo de intenes entre os dois rgos, seja atravs da cooperao operacional, desde que adequados s especificidades loco-regionais; (29) Pelo que se depreende dos textos acima, v-se que h uma tendncia natural a se interpretar que a inspeo do trabalho no mais comporta a fiscalizao de aspectos que digam respeito sade do trabalhador ou sade no trabalho, que para ns so expresses sinnimas e no distintas, conforme deciso do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul. No acrdo prolatado pelo Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul (Apelao Cvil n. 596214577), que negou provimento apelao interposta pelo Municpio de Porto Alegre contra sentena favorvel em mandado de segurana impetrado pela empresa Fundio Becker, entendeu aquele Colegiado que existe uma diferena entre a sade no trabalho e a sade do trabalhador, sendo a sade no trabalho aquela

pertinente s circunstncias que envolvem o local do trabalho e as condies com que prestado e a sade do trabalhador aes que envolvem a sade do trabalhador como tal, o que exprime a implantao e manuteno de unidades sanitrias que possam atender aos trabalhadores, fornecimento de medicao e orientaes mdico-sanitrias. E a vigilncia sanitria foi tratada como aquela que atrela-se proteo da sade dos trabalhadores submetidos a riscos e agravos advindos das condies de trabalho. Ou seja, a sade, em si, e no as condies do trabalho, senso estrito. Ora, entender a sade do trabalhador no sentido estrito de oferecimento de servios ambulatoriais e hospitalares ao trabalhador acidentado do trabalho (j que o acidente do trabalho conceituado com o acidente em si e a doena profissional e a doena do trabalho, art. 19, Lei 8.212/91), com excluso das aes preventivas e coercitivas que possam eliminar os riscos advindos das condies de trabalho, e retirando-lhe a funo de fiscalizar e intervir nas condies de trabalho, fazer uma leitura redutora do conceito de sade e desconhecer o campo de atuao da vigilncia sanitria, que no cuida de recuperar a sade do indivduo doente, mas to somente pratica aes que visam a diminuir, prevenir, eliminar, coibir, fiscalizar, induzir e intervir nas condies que possam constituir riscos de agravo sade do indivduo, da coletividade e, de modo especial, do indivduo trabalhador em seu ambiente de trabalho. Alm do mais, alega, ainda, o ilustre julgador, Teria o legislador constituinte construdo um catico sistema, com atividades fiscalizadoras superpostas e, notadamente, permitindo que cada Municpio estabelea critrios prprios de definio das condies sanitrias de prestao do trabalho? Ou seja, as mesmas atividades comerciais, industriais ou de prestao de servios, acaso desenvolvidas em um municpio, tero de atender as regras locais; se for no municpio limtrofe, j estaro submissas a outro regramento. A uniformidade de critrios em todo o territrio nacional que justifica, a meu sentir, a concentrao da atividade de controle das condies de prestao do trabalho na Unio Federal, tal como expressamente posto pela norma constitucional. Entendemos que tal preocupao no procede, uma vez que, se assim fosse, tambm haveria de ser catico o sistema da vigilncia sanitria que, da mesma forma, compete s trs esferas de governo e regula e fiscaliza servios e aes complexos do setor produtivo da sociedade. No campo da sade, a competncia executiva dos trs entes federativos; quanto competncia legislativa da Unio e dos Estados, cabe Unio editar normas de carter geral, de cunho nacional, o que garante a uniformidade e a unicidade naquilo que comum a todos, deixando as peculiaridades regionais para serem decididas pelos Estados federados; restando, ainda, aos Municpios, a suplementao da legislao federal e estadual, quando o interesse local assim o exigir. Inclua-se ainda o artigo 7 XXII, da CF, que garante ao trabalhador o direito reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana. Ora, a reduo do risco est diretamente ligada edio de normas de sade, higiene e segurana, e quem tem competncia para_______________ Apelao Cvel n. 42.549-2 de Curitiba 2 Vara da Fazenda Pblica. Apelante: Norconsil Construes Civis. Apelado: Estado do Paran. Tribunal de Justia do Estado do Paran. Luiz Carlos Fadel de Vasconcelos, membro da Comisso Intersetorial de Sade do Trabalhador do Conselho Nacional de Sade, representando o CONASS Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade, documento Reflexes sobre a competncia do Sistema nico de Sade-SUS. (29) Relatrio Final da Comisso Interministerial de Sade do Trabalhador, Braslia,DF, nov/1993.(27) (28)

estabelecer normas sobre sade so a Unio e os Estados. Nesse sentido, no vejo em que o sistema seria catico. Tanto o Estado quanto os Municpios, na sua funo executiva, esto obrigados a obedecer legislao federal. A legislao estadual ser composta de normas que interessam ao Estado, que suprem lacunas deixadas pelo legislador nacional, exatamente para poderem ser editadas de acordo com as caractersticas regionais, observada a uniformidade de critrios baixados pela Unio. Essa, sim, do interesse de toda a nao. No tocante ao aspecto executivo, a atuao dos agentes locais sempre mais eficaz, tanto que a prpria CLT determina que o Ministrio do Trabalho mantenha delegacias regionais ou celebre convnios com os Estados e Municpios para a execuo da fiscalizao dos ambientes do trabalho. O que no pode existir so atividades fiscalizadoras superpostas, com poderes para cada municpio estabelecer critrios prprios para as condies de trabalho. E isso no ocorre, porque os critrios so nacionais e editados pela Unio, que tem a primazia de editar normas gerais para todo o territrio nacional no tocante sade, competindo-lhe, ainda, estabelecer normas gerais e especificas sobre o direito do trabalho. Desse modo, harmonizado est o sistema, cabendo ao Ministrio do Trabalho e Emprego atuar em todos os aspectos da relao de trabalho, requerendo a ao dos agentes da vigilncia sanitria uma vez verificada, no ambiente de trabalho, a ocorrncia de agravos que possam colocar em risco a sade do indivduo que ali trabalha. Nesse sentido, diante do ordenamento jurdico vigente no Pas - Constituio Federal, Constituies Estaduais, Leis Orgnicas da Sade, nacional e estaduais, Cdigos de Vigilncia Sanitria e outros regulamentos editados aps a Constituio de 88 - que tratam a sade do trabalhador como um conjunto de medidas destinadas a proteger a sade do indivduo no seu ambiente do trabalho, atravs de aes

preventivas de riscos, prprios dos ambientes de trabalho, conferindo poderes aos rgos da vigilncia sanitria para fiscalizar os ambientes de trabalho no que diz respeito higiene e segurana - no seria possvel admitir a existncia de um equvoco coletivo, cometido por todos os Estados e Municpios que inseriram no mbito da sade a sade do trabalhador, e praticam aes em consonncia com esse entendimento. Estariam incidindo no mesmo equvoco promotores de justia, consultores jurdicos, especialistas que se debruaram sobre o tema e produziram os estudos aqui mencionados. Por outro lado, tambm, inegvel a interface das reas da sade e do trabalho com a da previdncia social. Na Lei 8.213/91, que regula os benefcios da previdncia social, existem muitos dispositivos que nos remetem para questes de habilitao e reabilitao profissional e social do trabalhador acidentado, e que tm implicaes com a sade, como exemplo, o disposto no pargrafo nico do art. 89, que cuida do fornecimento de prtese e rtese. Nesse passo, o acidente do trabalho e a previdncia social so temas relevantes para a sade do trabalhador. O acidente de trabalho. O seguro acidentrio. Os servios de sade do INSS. A Constituio assegura ao trabalhador o direito ao seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que este est obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, alm da cobertura dos eventos de doena, invalidez, morte e idade avanada (arts. 7, XXVIII e 201)30 . Na legislao infraconstitucional, o acidente de trabalho est regulado nos arts. 12 e 154 da CLT, nas Lei 6.338/76, Lei 8.213/91 e Lei 8.080/90. A Lei 8.213/91 define o acidente de trabalho, em seu art. 19, assim expresso: Art. 19. Acidente de trabalho o que ocorre pelo exerccio do trabalho dos segurados referidos no inciso VIII do artigo 11 desta Lei, provocando leso corporal ou perturbao funcional que cause morte ou a perda ou reduo, permanente ou temporria, da capacidade para o trabalho. 1. A empresa responsvel pela adoo e uso de medidas coletivas e individuais de proteo e segurana da sade do trabalhador. 2. Constitui contraveno penal, punvel com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurana e higiene do trabalho. 3. dever da empresa prestar informaes pormenorizadas sobre os riscos da operao a executar e do produto a manipular. 4. O Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social fiscalizar e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharo o fiel cumprimento do disposto nos pargrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento. O interesse da rea da sade no campo do acidente de trabalho refere-se: a) ao estabelecimento de normas que conduzam sua preveno, nos termos do art. 7, XXVIII, da CF; b) fiscalizao (art. 200, II, da CF); e c) recuperao da sade do trabalhador acidentado (art. 6, 3, II, da Lei 8.080/90).31 O SUS deve garantir a assistncia ao trabalhador vtima de acidente de trabalho ou portador de doena profissional e do trabalho. o que determina o art. 6, 3, I, da Lei 8.080/90: assistncia ao trabalhador vtima de acidente de trabalho ou portador de doena profissional e do trabalho. Quanto aos demais aspectos, a responsabilidade da Previdncia Social. No obstante o SUS se ocupar da recuperao da sade do trabalhador acidentado, existem na Previdncia Social alguns servios ambulatoriais mantidos no mbito do INSS. A fim de evitar essa duplicidade de servios, a Lei Orgnica da Sade consagrou como um dos princpios e diretrizes do SUS a organizao dos servios pblicos de sade de modo a evitar duplicidade de meios para fins idnticos. Essa questo tambm tem sido polmica, pois, em face de determinadas prticas da Previdncia Social, alguns Estados e Municpios entendem que no lhes compete a assistncia ao trabalhador acidentado do trabalho. Isso tem gerado algumas disputas no Judicirio, que tem decidido que compete aos rgos do SUS oferecer a assistncia necessria ao acidentado do trabalho. Nos demais Estados e Municpios, sem nenhum percalo ou dvida jurdica, assim tem se dado.

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A Emenda Constitucional n. 20 acrescentou o 10 ao art. 201, estabelecendo que Lei disciplinar a cobertura do risco de acidente de trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdncia social e pelo setor privado. (31) Considerando que o art. 194 da CF determina que todos tm direito sade, o trabalhador acidentado do trabalho, ainda que no seja filiado ao regime geral da previdncia, tem direito assistncia; j o trabalhador filiado ao regime previdencirio, em razo da proteo especial que a Lei 8.213/91 lhe garante, faz jus a outros benefcios previdencirios, como aqueles previstos no art. 91 e 118.

A Lei 8.213/91, em seu art. 120, determina que a Previdncia Social propor ao regressiva contra os responsveis pelo acidente do trabalho, nos casos de negligncia quanto s normas padro de segurana e higiene do trabalho indicadas para a proteo individual e coletiva.32 Tem havido muitas crticas atuao da Previdncia Social, que no vem promovendo as aes regressivas contra as empresas responsveis pela negligncia na segurana do trabalho.

Fica evidente, ao adentramos os mais variados campos da sade do trabalhador, a conexo das reas da previdncia, sade e trabalho. Por isso, urge, luz da Constituio, delimitar o campo de cada um, a fim de permitir que a intersetoriedade seja um fator de soma e no de limitaes ou conflitos. CONCLUSO Por todo o exposto, enumeramos abaixo as referncias legislativas e conceituais que devem ser utilizadas para se concluir este trabalho: 1. Um dos fundamentos da Repblica repousa no direito dignidade da pessoa humana; 2. Assegura-se ao indivduo o direito sade e ao trabalhador, em especial, o direito reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana; 3. A Unio tem competncia privativa para organizar, manter e executar a inspeo do trabalho e legislar sobre direito do trabalho; 4. Quem edita normas sobre sade so a Unio e os Estados no mbito de sua competncia concorrente para legislar sobre sade. A Unio legisla sobre normas gerais e os Estados as suplementam. 5. A Unio, os Estados e Municpios tm competncia executiva para cuidar da sade. 6. Os Municpios tm competncia para cuidar da sade, legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislao federal e estadual, no que couber; 7. A sade pblica executada de forma descentralizada, com direo nica em cada esfera de governo; 8. Inserem-se nas atribuies do Sistema nico de Sade a execuo da vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como a sade do trabalhador e a colaborao na proteo ao meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; 9. A Lei Orgnica da Sade Lei 8.080/90 define a vigilncia sanitria e epidemiolgica e a sade do trabalhador e fixa atribuies para a Unio, os Estados e os Municpios a respeito da sade do trabalhador (art. 15, VI; art. 16, II, c, V; Art. 17, VII; art. 18, IV, e; 10. A CLT determina que todos os locais de trabalho devem observar o disposto naquela lei, sem prejuzo do cumprimento de normas inseridas em regulamentos sanitrios dos Estados e Municpios, e prope a celebrao de convnio entre a Unio e os Estados e Municpios para a fiscalizao do cumprimento das normas referentes higiene e segurana do trabalho; 11. O conceito de regulamentos sanitrios evoluiu com o decorrer do tempo, no comportando mais a mesma noo de 50 anos atrs. Vigilncia sanitria um conceito complexo e abrange todas as questes que possam eliminar, diminuir, prevenir riscos sade, principalmente os decorrentes do meio ambiente, dos processos de trabalho etc. 12. A sade do trabalhador est abrangida pela vigilncia sanitria pelo fato de esse sistema compreender um conjunto de medidas capazes de eliminar, prevenir, fiscalizar, induzir e intervir nos problemas sanitrios que possam prejudicar a sade do indivduo e da coletividade e, de modo especial, a do trabalhador. 12. Constituies estaduais, leis estaduais, cdigos de vigilncia sanitria dos Estados e leis especficas dos Municpios tratam da sade do trabalhador como atribuio do Sistema nico de Sade. 13. O Ministrio da Sade vem regulando o tema sade do trabalhador, tendo editado as Portarias ns. 1565, de 26.8.94, 3.908, de 30.10.98 e a Instruo Normativa de Vigilncia em Sade do Trabalhador no SUS, Portaria n. 3.120, de 1.7.98. 14. O trabalhador acidentado do trabalho tem o direito de ser atendido nos servios de sade que integram o SUS, conforme o disposto no art. 6, 3, I, da Lei 8.080/90. 15. A inspeo do trabalho sempre necessitou do concurso da sade na execuo de suas atividades. Diante desse conjunto de elementos jurdicos, conceituais e normativos, conclumos que no mbito federal sero editadas normas gerais sobre sade do trabalhador, nos termos do art. 7, XXII e 24, XII, da CF e art. 15, VI, da Lei 8.080/90, que devero ser respeitadas nacionalmente. Essas normas gerais sobre proteo e defesa da sade do trabalhador podero ser suplementada pelos Estados (art. 24, 2) e pelos Municpios, quando o interesse local assim o exigir (art. 30, II e VII). As normas federais devem ser editadas de forma intersetorial, interagindo as reas da sade, do trabalho e, muitas vezes, da previdncia social.

A competncia privativa da Unio para legislar sobre direito do trabalho no se sobrepe nem entra em_______________(32)

Existe um projeto de lei, de autoria do Poder Executivo, que visa a regulamentar o seguro de acidentes do trabalho, nos termos do disposto no inciso XXVIII do artigo 7 e no 10 do art. 201 da CF. Dentre as responsabilidades da empresa seguradora que deveriam estar relacionadas to somente com o pagamento de indenizao ao trabalhador acidentado incluem-se a prestao de servios de assistncia mdica e reabilitao profissional. Retornaremos, pelo visto, velha questo de que: sendo a sade direito de todos e dever do Estado, garantido a qualquer indivduo, como deveriam se comportar os agentes dos servios pblicos de sade diante de um trabalhador acidentado do trabalho? Recusar-lhe atendimento, uma vez que mantm seguro acidentrio? Estaremos aqui repetindo a situao ora existente dos indivduos que buscam os servios do SUS, mas mantm com alguma entidade privada um seguro-sade; situao que faz 10 anos que se discute sem contudo ter sido implementado, em todo o pas, o ressarcimento devido pelas seguradoras aos rgos pblicos que atendem pacientes do seguro-sade, nos termos da Lei n. 9.656/98. E o projeto de lei no se refere ao ressarcimento de servios prestados pelo Poder Pblico, nem vincula sua administrao e fiscalizao Agncia Nacional de Sade Suplementar, como no menciona o SUS e o Ministrio da Sade. De qualquer modo, refora em seu texto, a responsabilidade do Ministrio do Trabalho e Emprego quanto fiscalizao da preveno dos acidentes de trabalho, aprofundando os conflitos j existentes. O projeto de lei determina que o Conselho Nacional de Seguros Privados criar uma comisso consultiva de acidente de trabalho e uma Junta Mdica de Julgamento de Acidente Trabalho, no se referindo ao Ministrio da Sade, tampouco ao Conselho Nacional de Sade. A seguridade social foi concebida de forma a manter uma solidariedade entre suas fontes de financiamento, exatamente porque existem aes e servios que so conexos, interligados, que no podem dissociar-se uns dos outros. Entretanto, a fim de manter a coerncia interpretativa e a separao das trs reas que compem a seguridade social, todos os aspectos que envolvam a sade do trabalhador se inserem no mbito de competncia do SUS, de competncia tripartida.

conflito com a competncia dos Estados e dos Municpios ao editar, de forma suplementar, normas de proteo e defesa da sade, em especial do trabalhador, por se situarem em campos distintos, autnomos, ainda que conexos pelo bem jurdico que se pretende proteger. A fiscalizao do cumprimento dessas normas em todos os ambientes de trabalho pblicos ou privados, formal ou informal dever ser realizada pelos agentes da vigilncia sanitria dos Estados e Municpios, conforme estiver definido em cada Estado, uma vez que, por fora do art. 18, IV, e e art. 17, III, IV, d, VII da Lei 8.080/90, a competncia se reparte entre as duas esferas de governo, cabendo ao Estado coordenar e, em carter complementar, executar aes de vigilncia sanitria, de controle e avaliao dos ambientes de trabalho e de sade do trabalhador. O termo inspeo do trabalho, renovado, rejuvenescido pela nova ordem social e jurdica, deve ser entendido como todo e qualquer tipo de fiscalizao a respeito das relaes individuais e coletivas de trabalho, devendo excluir-se do poder de polcia administrativa dos agentes federais inspetores do trabalho as aes referentes s questes que envolvam o cumprimento de normas de sade e higiene, uma vez que se encontram inseridas no campo de atuao do poder de polcia sanitrio dos Estados e Municpios. Entretanto, as autoridades trabalhistas e sanitrias tm o dever de cientificar umas s outras a respeito dos agravos que possam encontrar em determinados ambientes, requerendo o seu concurso, no mbito da competncia de cada um, sempre que necessrio realizao de sua funo, com a participao do Ministrio Pblico do Trabalho, que tem um papel relevante. Devem ainda manter-se protocolos ou convnios para o exerccio conjugado de funes, diante do bem jurdico protegido: a sade do indivduo no seu ambiente de trabalho. A assistncia ao trabalhador vtima de acidente de trabalho ou portador de doena profissional e do trabalho se realiza no mbito do SUS, conforme determinao constitucional e legal, devendo a sade e a previdncia social manterem protocolos, convnios e comisses intersetoriais diante da interligao das reas, para discusso e aes comuns. PROPOSTAS Diante do conflito ora existente, e at que o mesmo seja dirimido, seria de todo conveniente que os Ministrios da Sade, do Trabalho e Emprego e da Previdncia e Assistncia Social firmassem um termo de compromisso com o objetivo de atuarem conjuntamente no estabelecimento de normas sobre sade, segurana e acidente de trabalho, editadas mediante portarias interministeriais, opinando, ainda, as trs pastas, em projetos de lei e decretos relacionados com o tema. Tambm seria oportuno, nesta fase de transio, enquanto se discute a competncia para fiscalizar os ambientes de trabalho, a celebrao de convnio entre a Unio, pelo Ministrio do Trabalho e Emprego, e os Estados e Municpios, para a realizao de aes conjuntas do agente inspetor do trabalho e do agente da vigilncia sanitria, alis como j recomenda a CLT (art. 159). Tais aes em muito contribuiriam para a melhoria das condies de trabalho, uma vez que a vigilncia sanitria e epidemiolgica so servios existentes em todos os Estados e na maioria dos Municpios.33 Muitos doutrinadores trabalhistas propem a celebrao de convnios para a falta de fiscalizao existente, sempre em razo da centralizao das atividades no Ministrio do Trabalho e Emprego que, de acordo com o presente estudo, no encontra mais amparo na Constituio. II - REFERNCIA LEGISLATIVA 1. Constituio da Repblica Art. 7 - So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: XXII - reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana;

XXVIII seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que esteja obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; Art. 21 Compete Unio: XXIV organizar, manter e executar a inspeo do trabalho; Art. 23 competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios: II cuidar da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia; Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII previdncia social, proteo e defesa da sade; Art. 30 Compete aos Municpios: I legislar sobre assuntos de interesse local; II suplementar a legislao federal e estadual no que couber; VII prestar, com a cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado, servios de atendimento sade da populao; Art. 196 A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios de sade para sua promoo, proteo e recuperao. Art. 198 As aes e os servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:_______________(33)

Muitos doutrinadores vm sustentando a necessidade de serem firmados convnios com os Estados e Municpios, para resolver a falta de fiscalizao existente em razo de centralizao das atividades no Ministrio do Trabalho e Emprego. Eduardo Gabriel Saad entende que A Constituio no se ope formao de convnios que permitam a fiscalizao de toda a legislao trabalhista pelo Estado ou pelo Municpio. (CLT Comentada, 31 edio, LRr, p. 137). Melhor seria se essa questo da competncia para a fiscalizao das questes voltadas para a segurana do trabalho fosse enfrentada e o assunto resolvido de uma vez por todas, mas de qualquer modo, a recomendao que nossos doutrinadores vm fazendo a favor da delegao de competncia s reafirma a necessidade da descentralizao dessas atividades que, no nosso entendimento, j foi resolvida pela Constituio. O art. 160 da CLT determina que nenhum estabelecimento poder iniciar suas atividades sem prvia inspeo e aprovao das respectivas instalaes pela autoridade regional competente em matria de segurana e medicina do trabalho. Defendemos que essa aprovao pelos rgos competentes do MTb dever contar com o concurso da vigilncia sanitria, que dever emitir laudo a respeito do cumprimento das normas de sade.

I descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo; II atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; III participao da comunidade. Art. 200 Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos da lei: II executar as aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como as de sade do trabalhador; VIII colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Art. 201 A previdncia social ser organizada sob a forma de regime geral, de carter contributivo e de filiao obrigatria, observados critrios que preservem o equilbrio financeiro e atuarial, e atender, nos termo da lei, a: I cobertura dos eventos de doena, invalidez, morte e idade avanada; 10 . Lei disciplinar a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdncia social e pelo setor privado. 2. Legislao federal 2.1 - Lei Orgnica da Sade Lei 8.080/90 Art. 6. Esto includas ainda no campo de atuao do Sistema nico de Sade-SUS: I a execuo de aes: a) de vigilncia sanitria; b) de sade do trabalhador; V a colaborao na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; 1. Entende-se por vigilncia sanitria um conjunto de aes capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos sade e de intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade, abrangendo: I o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a sade, compreendidas todas as etapas e processos, da produo ao consumo; e II o controle da prestao de servios que se relacionem direta ou indiretamente com a sade. 2. Entende-se por vigilncia epidemiolgica um conjunto de aes que proporcionam o conhecimento, a deteco ou preveno de qualquer mudana nos fatores determinantes e condicionantes de sade individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de preveno e controle das doenas ou agravos. 3. Entende-se por sade do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, atravs das aes de vigilncia epidemiolgica e sanitria, promoo e proteo da sade dos

trabalhadores, assim como visa recuperao e reabilitao da sade dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condies de trabalho, abrangendo: I assistncia ao trabalhador vtima de acidente de trabalho ou portador de doena profissional e do trabalho; II participao, no mbito de competncia do Sistema nico de Sade SUS, em estudos, pesquisas, avaliao e controle dos riscos e agravos potenciais sade existentes no processo de trabalho; III participao, no mbito de competncia do Sistema nico de Sade SUS, da normatizao, fiscalizao e controle das condies de produo, extrao, armazenamento, transporte, distribuio e manuseio de substncias, de produtos, de mquinas e de equipamentos que apresentem riscos sade do trabalhador; IV avaliao do impacto que as tecnologias provocam sade; V informao ao trabalhador e sua respectiva entidade sindical e a empresas, sobre os riscos de acidente de trabalho, doena profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizaes, avaliaes ambientais e exames de sade, de admisso, peridicos e de demisso, respeitados os preceitos da tica profissional; VI reviso peridica da listagem oficial de doenas originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaborao a colaborao das entidades sindicais; e VIII a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao rgo competente a interdio de mquina, de setor de servio ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposio a risco iminente para a vida ou sade dos trabalhadores. Art. 7 - As aes e servios pblicos de sade e os servios privados contratados ou conveniados que integram o Sistema nico de Sade SUS so desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituio Federal, obedecendo ainda aos seguintes princpios: II integralidade de assistncia, entendida como um conjunto articulado e contnuo das aes e servios preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do sistema; Art. 12 Sero criadas comisses intersetoriais de mbito nacional, subordinadas ao Conselho Nacional de Sade, integradas pelos ministrios e rgos competentes e por entidades representativas da sociedade civil. Art. 13 A articulao das polticas e programas, a cargo das comisses intersetoriais, abranger, em especial, as seguintes atividades: VI sade do trabalhador. Art. 15 A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os municpios exercero, em seu mbito administrativo, as seguintes atribuies: VI elaborao de normas tcnicas e estabelecimento de padres de qualidade para promoo da sade do trabalhador; Art. 16 direo nacional do Sistema nico de Sade SUS compete: II participar na formulao e na implementao das polticas: c) relativas s condies e aos ambientes de trabalho; V participar da definio de normas, critrios e padres para o controle das condies e dos ambientes de trabalho e coordenar a poltica de sade do trabalhador; Art. 17 direo estadual do Sistema nico de Sade-SUS, compete: IV coordenar e, em carter complementar, executar aes e servios: d) sade do trabalhador; VII participar das aes de controle e avaliao das condies e dos ambientes de trabalho; Art. 18 direo municipal do Sistema nico de Sade-SUS compete: III participar da execuo, controle e avaliao das aes referentes s condies e aos ambientes de trabalho; IV executar servios: e) de sade do trabalhador; 2.2 CLT arts. 156 a 200. 2.3 Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 Lei sobre Planos de Benefcios da Previdncia Social. 2.4. Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, alterada pela Medida Provisria n. 1999-15, de 11 de fevereiro de 2000. Art. 14. Os assuntos que constituem rea de competncia de cada Ministrio so os seguintes: XVIII Ministrio da Sade a) poltica nacional de sade; b) coordenao e fiscalizao do Sistema nico de Sade;

c) sade ambiental e aes de promoo, proteo e recuperao da sade individual e coletiva, inclusive a dos trabalhadores e dos ndios; d) informaes em sade; e) insumos crticos para a sade; f) ao preventiva em geral, vigilncia e controle sanitrio de fronteiras e de portos martimos, fluviais e areos; g) vigilncia de sade, especialmente drogas, medica-mentos e alimentos; h) pesquisa cientfica e tecnolgica na rea da sade; XIX Ministrio do Trabalho e Emprego f) segurana e sade no trabalho; 2.5 - Decreto n. 55.841, de 15.3.1965 (alterado pelos decretos ns. 97.995/89, 57.881/66, 65.557/69) 2.6- Portaria Ministrio da Sade n. 1.565, de 26.8.94 Define competncias no mbito da Vigilncia Sanitria 2.7 Portaria Ministrio da Sade n. 3.120, de 1.7.98 Aprova a Instruo Normativa de Vigilncia em Sade do Trabalhador no SUS. 2.8 Portaria Ministrio da Sade n. 3.908, de 30.10.98 Estabelece procedimentos para orientar e instrumentalizar as aes e os servios de sade do trabalhador no Sistema nico de Sade (SUS). 3. Constituies estaduais (34) 3.1. Estado do Amap Art. 262 - As entidades de classes atuaro em conjunto com o Poder Pblico no controle do ambiente de trabalho, visando proteo da sade do trabalhador. 3.2. Estado do Amazonas Art. 185 - Ao Sistema Estadual de Sade compete, alm de outras atribuies estabelecidas na Lei Orgnic