Confederação Evangélica Do Brasil

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1 Confederação Evangélica do Brasil 1 Manoel Bernardino de Santana Filho A Confederação Evangélica do Brasil (CEB) foi organizada em junho de 1934, sob a liderança do Rev. Epaminondas Melo do Amaral, integrando as três entidades de cooperação que haviam sido anteriormente estabelecidas no Brasil: União das Escolas Dominicais, organizadas em 1911 e que posteriormente foi transformada no Conselho de Educação Religiosa; a Comissão Brasileira de Cooperação, criada em 1915; e a Federação das Igrejas Evangélicas, constituída em 1933. A existência simultânea dessas e outras organizações de caráter geral criaram uma situação de complexidade inconveniente à boa compreensão por parte das igrejas. Faziam parte da CEB as seguintes Igrejas: Igreja Episcopal Brasileira, Igreja Metodista do Brasil, Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Igreja Cristã do Brasil e União das Igrejas Congregacionais do Brasil. Faziam parte também nove organizações missionárias e duas sociedades bíblicas. Quando a Confederação Evangélica do Brasil surgiu, possuía vários objetivos para sua funcionalidade: cooperar com as autoridades constituídas na qualidade de órgão de representação pública do evangelismo brasileiro, em favor do bem-estar e do progresso da nacionalidade, coordenar o trabalho de capelanias: em escolas, hospitais, nas forças armadas, em leprosários, além de organizar programas de alfabetização; levar os cristãos e as Igrejas a examinar a situação humana à luz da vontade de Deus manifesta em Jesus Cristo como revelada biblicamente e em constante relacionamento com a realidade social. Para isso propunha-se a organizar o Centro de Estudos Brasileiros; produzir e promulgar obras literárias de interesse geral par ao público evangélico e estimular sua difusão; manter relações com entidades congêneres de outros países na área da Ação Social, na concessão de bolsas de estudo e na realização de congressos; promoção de encontros de mocidade para estudar a situação do jovem no meio rural, estudantil e operário e participar de acampamentos de trabalho como expressão de amor e serviço; prestar assistência a refugiados, realizar planos de colonização, cooperar com organizações governamentais na solução do problema da imigração e das migrações internas. 1 Verbete extraído do Dicionário Brasileiro de Teologia. São Paulo: ASTE, 2008, pp.162-167.

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Confederação Evangélica do Brasil1

Manoel Bernardino de Santana Filho

A Confederação Evangélica do Brasil (CEB) foi organizada em junho de 1934,

sob a liderança do Rev. Epaminondas Melo do Amaral, integrando as três entidades de

cooperação que haviam sido anteriormente estabelecidas no Brasil: União das Escolas

Dominicais, organizadas em 1911 e que posteriormente foi transformada no Conselho

de Educação Religiosa; a Comissão Brasileira de Cooperação, criada em 1915; e a

Federação das Igrejas Evangélicas, constituída em 1933. A existência simultânea dessas

e outras organizações de caráter geral criaram uma situação de complexidade

inconveniente à boa compreensão por parte das igrejas. Faziam parte da CEB as

seguintes Igrejas: Igreja Episcopal Brasileira, Igreja Metodista do Brasil, Igreja

Presbiteriana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Igreja Cristã do

Brasil e União das Igrejas Congregacionais do Brasil. Faziam parte também nove

organizações missionárias e duas sociedades bíblicas.

Quando a Confederação Evangélica do Brasil surgiu, possuía vários objetivos

para sua funcionalidade: cooperar com as autoridades constituídas na qualidade de

órgão de representação pública do evangelismo brasileiro, em favor do bem-estar e do

progresso da nacionalidade, coordenar o trabalho de capelanias: em escolas, hospitais,

nas forças armadas, em leprosários, além de organizar programas de alfabetização; levar

os cristãos e as Igrejas a examinar a situação humana à luz da vontade de Deus

manifesta em Jesus Cristo como revelada biblicamente e em constante relacionamento

com a realidade social. Para isso propunha-se a organizar o Centro de Estudos

Brasileiros; produzir e promulgar obras literárias de interesse geral par ao público

evangélico e estimular sua difusão; manter relações com entidades congêneres de outros

países na área da Ação Social, na concessão de bolsas de estudo e na realização de

congressos; promoção de encontros de mocidade para estudar a situação do jovem no

meio rural, estudantil e operário e participar de acampamentos de trabalho como

expressão de amor e serviço; prestar assistência a refugiados, realizar planos de

colonização, cooperar com organizações governamentais na solução do problema da

imigração e das migrações internas.

1 Verbete extraído do Dicionário Brasileiro de Teologia. São Paulo: ASTE, 2008, pp.162-167.

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O Escritório da CEB estava situado na Rua Erasmo Braga, 12, Rio de Janeiro.

Na verdade, as dependências eram da Sociedade Bíblica Americana, onde a CEB se

reunia periodicamente. O prédio construído em 1932 tinha nove andares e acabou

vendido em 1944. Rodolfo Anders, que desde 1930 cooperava com as entidades que

viriam a dar origem à Confederação, era o chefe do escritório e secretário.

A CEB foi ativa e social até 1964 e, por razões óbvias, mudou seu perfil a partir

dos anos da ditadura militar. Alguns dos ministros e funcionários integrantes dos seus

quadros foram afastados e sumiram. Numa carta de 26/3/1975, uma antiga funcionária,

Emília Black, secretária executiva do DEBA (Departamento de Educação Básica de

Adultos), informa a Porto Filho, então presidente, sobre investigações que o secretário

geral da CEB, Dr. José Coelho Ferraz, vinha sendo alvo por parte dos serviços de

informação do Governo. Isto se devia, segundo a carta, ao relacionamento que Ferraz

mantinha com a CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços), com sede na Bahia, o

CEI (Centro Ecumênico de Informação), com sede no Rio de Janeiro e o CAVE (Centro

Áudio Visual Evangélico), entidades investigadas pelo SNI (Serviço Nacional de

Informação).

A partir de 1972, um congregacional, Manoel Porto Filho assumiu a CEB. O

Brasil vivia os “Anos de Chumbo”. A Ditadura, sob o comando de Emílio Garrastazu

Médici, vivia seu período mais cruel. Não havia liberdades constitucionais. Indivíduos e

entidades estavam sob investigação. Com isso, os projetos pareciam se desfazer.

Questionava-se a finalidade da CEB. Em 1974, faziam parte dela: Igreja Reformada do

Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, Exército da Salvação, Igreja

Metodista do Brasil, Igreja Metodista Livre do Brasil, Igreja do Nazareno do Brasil,

Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo, Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja

Presbiteriana Independente do Brasil, União das Igrejas Evangélicas Congregacionais

do Brasil, Convenção das Igrejas Assembléias de Deus, Igreja Evangélica Árabe, Igreja

Episcopal do Brasil, Igreja Evangélica dos Irmãos Unidos e Sociedade Bíblica do

Brasil. (...)

A CEB funcionava por meio de seus departamentos. Foi criado o Departamento

de Imigração e Colonização, DIC, em fevereiro de 1960, sob a direção de Valdo César e

Gláucia Souto. Esse departamento estabeleceu relações com a Conferência Mundial de

Imigração, promovida pelo CMI e, em junho de 1961, o DIC se fez representar na

Conferência realizada em Leysin, Suíça. Em dezembro de 1962 obteve o registro no

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Instituto Nacional de Imigração e Colonização, órgão ligado à Superintendência de

Política Agrária. Isto significava que o governo brasileiro reconhecia que a CEB, por

meio de seus departamentos, tinha condições de operar, em nome das igrejas

evangélicas em todo o país. Em 1963, em um período de muita efervescência política, a

CEB criou o Projeto Gurupi, no município de Açailândia, Maranhão, às margens do rio

Gurupi. A proposta era assentar 250 famílias com o título de propriedade. O Governo

do Maranhão doou três mil hectares de terra à CEB para execução do projeto

juntamente com a IPB.

Um outro projeto de assentamento, denominado Projeto Buriti, realizou-se no

Brasil Central, a 70 quilômetros de Cuiabá. A Fazenda Buriti, como era chamada,

esperava a chegada de 60 famílias presbiterianas da Coréia do Sul. A fazenda pertencia

à Missão Presbiteriana do Brasil Central, que se comprometeu a vender parte da fazenda

ao grupo coreano, cabendo ao DIC encaminhar os planos ao Governo e administrar o

projeto até a sua autonomia completa. O DIC, além de encaminhar o projeto na área

federal, conseguiu que um terço da área colonizada fosse destinada a trinta famílias de

colonos brasileiros. Era um dos departamentos mais atuantes na área social e

internacional. Constantemente o CMI pedia o apoio da CEB, para a integração de

imigrantes nas terras do Brasil e para a assistência a refugiados com apoio psicológico e

espiritual.

O Departamento de Ação Social, DAS, tinha funções parecidas com o DIC. Era

coordenado por Jether Pereira Ramalho, Carlos Cunha e John Nasstron. Seus objetivos

principais eram: cooperar com as igrejas e ensiná-las sobre o ministério da diaconia;

promover estudos, planejamento de ação, execução e avaliação das formas de

concretizar este ministério; coordenar pesquisas e o recebimento de recursos de dentro e

fora das igrejas, nos níveis nacional e internacional, para a promoção de programas de

ação social. (...)

Um outro departamento com grande atividade era o DARE, Departamento de

Atividades Religiosas e Educativas, que cuidava da literatura para educação cristã,

assistência religiosa em penitenciárias, presídios, sanatórios, leprosários e forças

armadas, bem como orientar a obra da Escola Dominical, oferecendo serviço às igrejas

filiadas. Também incluía o serviço de capelania, educação religiosa, alfabetização,

ensino religioso nas escolas públicas e programas sociais. (...)

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Sem dúvida, a contribuição da CEB nessa área foi tremenda. O setor de

capelania, por meio de capelães a ela jurisdicionados e ligados às igrejas metodistas,

congregacionais, presbiterianas, presbiterianas independentes, pentecostais e batistas foi

importantíssimo, não só pelo trabalho em si, como também para o bom entendimento

entre as diversas confissões e o respeito mútuo. Era possível caminhar juntos e realizar

tarefas comuns para o bem estar social e espiritual da sociedade. (...)

Antes mesmo do famoso MOBRAL, Movimento Brasileiro de Alfabetização, a

CEB tinha sua Cruzada Evangélica de Alfabetização. Essa cruzada tinha uma secretária

executiva, a Professora Edla de Oliveira, que coordenava todo o trabalho de

alfabetização. Foi oficialmente lançado em 10 de fevereiro de 1963, recebeu apoio

direto do Ministério da Educação e Cultura. Até o final daquele ano já estavam sendo

atingidos estados do Norte e Nordeste, os territórios e grandes áreas do Centro-Oeste.

Mais de 330 escolas já estavam funcionando no segundo semestre de 1963 sob a

orientação da Cruzada. O objetivo era uma escola em cada igreja e cada evangélico,

maior de 14 anos, sabendo ler e escrever, ser responsável por um analfabeto. Foram

criados dois centros regionais: um em São Paulo e outro em Recife.

O Departamento de Literatura (...) criado em 8 de dezembro de 1962, vinha dar

continuidade ao trabalho realizado pela Comissão Central de Literatura e pelo Centro

Cristão de Literatura. (...)

O Setor de Responsabilidade Social da Igreja, SRSI, era resultado da criação de

um grupo de pastores e leigos, representativos de várias igrejas, que criaram a Comissão

de Igreja e Sociedade e que se integrou ao trabalho da CEB. (...)

O mais importante encontro sobre a Responsabilidade Social da Igreja foi a

Conferência do Nordeste. Mas o evento em si não foi uma realização isolada; surgiu

como resultado de uma série de reuniões de estudo que o SRSI realizou nos anos de

1955, 1957 e 1960. Na primeira consulta o tema foi A Responsabilidade Social da

Igreja; na segunda, A Igreja e as Rápidas Transformações Sociais do Brasil; na terceira,

A Presença da Igreja na Evolução da Nacionalidade. (...)

Por outro lado, a situação política do país apontava na direção de uma consulta

que refletiria a preocupação da Igreja com o curso de toda a sociedade civil. A escolha

do Recife para sediar o evento foi também estratégica. Naqueles anos Pernambuco era

um “barril de pólvora” pronto para explodir. Os usineiros tinham suas terras invadidas

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por colonos que queriam fazer a Reforma Agrária à força. Francisco Julião liderava as

Ligas Camponesas; Paulo Freire, o Movimento de Cultura Popular; e, Miguel Arraes,

uma política contrária aos interesses dos usineiros. (...)

Não foi sem razão que Recife foi a capital escolhida para sediar a Conferência.

Estiveram presentes 167 delegados de 16 estados e pertencentes a 14 ramos

eclesiásticos, de várias denominações, das quais seis integradas à CEB. Havia também

representação dos Estados Unidos, México e Uruguai. O lugar das reuniões seria o

Colégio Presbiteriano Agnes Erskine, na Avenida Rui Barbosa. Mas, a abertura, seria

no Teatro do Parque; era domingo, 22 de julho de 1962. A sociedade pernambucana

estava presente no teatro lotado. O Governador Cid Pessoa compareceu em pessoa. O

tema do encontro foi: Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro.

A CEB queria estabelecer um diálogo frutífero entre a Igreja e a Sociedade,

entre teólogos, sociólogos e economistas. Queria situar dois grandes campos: o

econômico e o cultural. No primeiro, analisar os problemas urbanos, rurais e industriais;

no segundo, analisar as questões relacionadas ao problema educacional, estudantil e da

arte e comunicação, sempre à luz do Evangelho. A CEB conseguiu a participação do

sociólogo e antropólogo Gilberto Freire e de outros grandes nomes da inteligência

brasileira, como Paulo Singer e Celso Furtado. À frente da organização da Conferência

estavam Carlos Cunha, Almir dos Santos, que era o presidente do SRSI, e Waldo César,

o secretário-executivo. Os temas nela desenvolvidos eram provocantes: A revolução e o

reino de Deus, João Dias de Araújo; Os profetas numa época de transformações

políticas, Joaquim Beato; e A missão total da Igreja numa sociedade em crise,

Edmundo K. Sherril. A CEB publicou em novembro daquele ano o livro A Conferência

do Nordeste, no qual apresenta a cronologia do evento. A apresentação foi de Amantino

Adorno Vassão, na época presidente do Supremo Concilio da IPB.

Com a revolução decretada e em pleno curso, a CEB viu-se em crise. Nos meses

que se seguiram ao golpe militar de 1964, o SRSI foi o alvo das maiores denúncias. O

seu escritório foi invadido e grande parte do material destruído. Três líderes da CEB

perderam seus postos: Waldo César, Jether Pereira Ramalho e Francisco Pereira de

Souza, líder do Departamento da Juventude. Outros foram simplesmente demitidos e de

modo geral os departamentos foram proibidos de atuar a partir de agosto de 1964. Em

1967, Waldo César foi preso e, sendo ameaçado, tornou-se um exilado político.

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Começava um período de declínio para a CEB. A ajuda externa não tinha mais

condições de chegar. As relações com o governo, em quase todas as esferas,

completamente desgastadas. (...)

Em 1977, foi criada uma comissão para estudar a criação de uma entidade que

substituísse a desgastada CEB. Faziam parte da comissão para a criação do futuro

CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs): Jaci Maraschin (Anglicano), Clory

Trindade de Oliveira (Metodista), Betholdo Weber (IECLB) e D. Cláudio Hummes, da

CNBB. Mesmo assim a CEB não conseguia manter alguns projetos financiados pelo

CMI e pelo Governo Federal, todos ligados ao DEBA.

Mais uma assembléia foi marcada para o dia 26 de março de 1982, em São

Paulo. A convocação dizia que a agenda trataria de reformas da estrutura da CEB para

dinamizá-la no ministério da representação pública de suas filiadas e a promoção de

seus interesses comuns de fraternidade e serviço. Chegou-se a preparar um novo projeto

de Estatuto. Mas os velhos companheiros de jornadas latino-americanas ou já haviam se

aposentado ou não estavam mais à frente de suas igrejas. Eram os anos 80. O sonho da

CEB terminava. Novas entidades tomariam o seu lugar daí em diante. Em novembro de

1982, foi fundado o CONIC, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, com sede em

Brasília, cujo símbolo é um barco; o mesmo símbolo do CMI, um barquinho pequeno e

frágil que singra um mar cheio de ondas bravias. A cada vento forte parece que o

barquinho vai naufragar. Talvez para expressar a fragilidade das alianças entre os

cristãos mundo afora.

Bibliografia

ANDERS, Rodolfo. A confederação Evangélica do Brasil e suas relações com o evangelismo mundial. 1950.

BERNARDINO FILHO, M. Manoel da Silveira Porto Filho: poeta, pastor e mestre. Rio de Janeiro: UNIGEVAN, 2006.

CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL. A Conferência do Nordeste: Cristo e o processo revolucionário brasileiro. 1962.

CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL. Perspectivas e realizações. 1947.

GALASSO FARIA, Eduardo. Richard Shall e a teologia no Brasil. São Paulo: ASTE, 2002.

Jornal Brasil Evangélico, agosto de 1963.

Jornal Unum Corpus,1952.