Condições Socioeconômicas Em Saúde
-
Upload
paulo-tsuneta -
Category
Documents
-
view
219 -
download
0
Transcript of Condições Socioeconômicas Em Saúde
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
1/6
Rev Sade Pblica 2008;42(3):562-7
Jos Leopoldo Ferreira Antunes
Faculdade de Odontologia. Universidade deSo Paulo. So Paulo, SP, Brasil
Correspondncia | Correspondence:
Jos Leopoldo Ferreira AntunesAv. Prof. Lineu Prestes, 222705508-900 So Paulo, SP, BrasilE-mail: [email protected]
Recebido: 28/2/2007Aprovado: 31/10/2007
Condies socioeconmicasem sade: discusso de dois
paradigmasSocioeconomic status and health: adiscussion of two paradigms
RESUMO
Condio socioeconmica e seu impacto em sade so objeto de grande interesse
para pesquisadores e gestores de sade. O artigo discute dois paradigmas de
aferio da condio socioeconmica e revisa estudos epidemiolgicos em
que eles foram aplicados. Um dos paradigmas referenciado por medidas de
prestgio e diferenciao positiva entre os estratos sociais, como classificaes
baseadas em capital social e no acesso a bens e servios. O outro referenciado
por classificaes envolvendo privao material e diferenciao negativa
entre os estratos sociais, e envolve a proposta de reposio aos segmentos
populacionais mais afetados pela privao pelo Estado. A reflexo sobre
opes metodolgicas para se aferir condio socioeconmica em estudosepidemiolgicos pode contribuir para a promoo de sade e justia social.
DESCRITORES: Desigualdades em Sade. Fatores Socioeconmicos.
Anlise Socioeconmica. Iniqidade Social.
ABSTRACT
Socioeconomic status and its impact on health are in the mainstream of
public health thinking. This text discusses two paradigms utilized in assessing
socioeconomic status in epidemiologic studies. One paradigm refers to prestige-based measurements and positive differentiation among social strata. This
paradigm is characterized by classifications assessing social capital and the
access to goods and services. The other paradigm refers to the classification of
social deprivation and negative differentiation among social strata. The proposal
of State-funded reposition to the mostly deprived social strata is acknowledged
as characteristic of this paradigm. The contrast between these paradigms, and
their potential interaction and debate are discussed. Fostering reflection on
methodological strategies to assess socioeconomic status in epidemiologic
studies can contribute to the promotion of health and social justice
DESCRIPTORS: Health Inequalities. Socioeconomic Factors.
Socioeconomic Analysis. Social Inequity.
Comentrios | Comments
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
2/6
563Rev Sade Pblica 2008;42(3):562-7
Definio influente e atual aponta sade pblica como
a cincia e a arte de prevenir as doenas, prolongar a
vida e promover a sade por meio do esforo organi-
zado e escolhas informadas da sociedade, organizaespblicas e privadas, comunidade e indivduos.20Evi-
dencia-se a indicao da sade pblica como processo
dinmico que demanda a conjuno de esforos indivi-
duais e institucionais. Para compatibilizar os interesses
que viabilizam a ao social, necessrio o debate de
idias e a conjuno das vontades; a sade pblica ,
portanto, fundada na poltica.
A poltica envolve discusso e conflito de interesses, o
que pode resultar em desgaste pessoal e esgaradura do
tecido social. Todavia esse processo tem como contra-
partida a organizao das iniciativas e a agregao dos
agentes sociais. A poltica o recurso para a construo
de consensos possveis que justificam a efetivao dos
programas e intervenes em sade.
Ao estudar as causas e a distribuio de estados ou
eventos relacionados sade em populaes espec-
ficas, a epidemiologia contribui para a sade pblica
fornecendo conhecimentos e informaes que instruem
a formao do consenso e a tomada de deciso. Para
essa funo, no raro, os estudos epidemiolgicos
precisam classificar indivduos e grupos de populao
segundo condies socioeconmicas dimenso h
muito reconhecida como importante fator para modifi-
cao do risco de doenas, para restrio ou facilitao
do acesso a servios de sade.
Condies socioeconmicas podem ser aferidas por
meio de indicadores de renda, escolaridade e ocupao
para referenciar hipteses de interesse; podem tambm
ser empregados ndices que agregam informaes sobre
diferentes aspectos da condio socioeconmica. De
todo modo, os recursos de classificao da sociedade
so permeados por diferentes ideologias, valores e
concepes. A aferio de condies socioeconmicas
nos estudos epidemiolgicos tambm tem proeminentedimenso poltica, o que torna ainda mais complexa a
imbricao entre sade pblica e poltica.
O presente texto teve por objetivo descrever dois
paradigmas para a mensurao de condies socioe-
conmicas, os quais tm sido utilizados em estudos
epidemiolgicos recentes, em particular no contexto
brasileiro. Espera-se com isso propiciar reflexo quanto
s opes metodolgicas disponveis e suas conseqn-
cias, contribuindo com os estudos nessa rea.
DIFERENA ENTRE NS
No foi realizada uma reviso sistemtica de literatura;
apenas procurou-se reunir indicaes para o escla-
recimento das posies em contraste. O confronto
INTRODUO
ideolgico entre essas perspectivas analticas no
recente, nem exclusivo da realidade brasileira. A
diferena entre ns diz respeito contraposio entre
os dois paradigmas que adiante sero detalhados. Paraintroduzir a temtica, um trecho de depoimento de
Leeder (2003)9 sintetiza as idias em debate:
Em 1988, participei de um congresso sobre gerencia-
mento de servios de sade, reunindo delegaes do
Reino Unido, Estados Unidos, Canad, Austrlia e Nova
Zelndia. Estivemos discutindo a alocao de recursos
e a frustrao avanava durante os dois primeiros dias.
Ideologicamente, os participantes estavam divididos em
dois times os Estados Unidos e o Resto.
No terceiro dia, o lder do grupo americano disse: A
diferena entre ns que vocs acreditam na eqida-de e ns no. Nos Estados Unidos, as pessoas esto
menos interessadas em garantir que todos recebam
assistncia do que em assegurar um elevado padro
para os que podem pagar por isso. As pessoas aceitam
no receber assistncia imediata caso estejam seguras
das oportunidades em melhorar sua posio e sucesso
financeiro, de modo a poderem pagar por assistncia
de boa qualidade quando tiverem dinheiro suficiente.
Tudo uma questo de oportunidade. As pessoas nos
Estados Unidos querem oportunidade, no eqidade.
Isso o que elas acreditam ser justo.
Foi importante que o representante da delegao ame-
ricana tenha dito o que disse. Aquilo limpou o terreno.
Fez-nos lembrar que nem todas as sociedades, e nem
todas as pessoas no interior de uma mesma sociedade,
partilham uma viso comum do que justo. Nos Esta-
dos Unidos, justia significa que voc encorajado
a procurar o sucesso pessoal sem ter que se preocupar
muito com os demais. No Reino Unido, Canad, Nova
Zelndia e Austrlia, h um interesse geral pelo bem-
estar dos outros.
PRIMEIRO PARADIGMA: LIBERDADE EOPORTUNIDADE
O primeiro paradigma de classificao da sociedade
envolve a perspectiva de que a diferenciao socioe-
conmica entre os seres humanos pode estar associada
a valores humanos fundamentais: liberdade, realizao
das potencialidades individuais. Nesse sentido, atribui-
se um aspecto positivo proeminente desigualdade
socioeconmica resultante dessa diferenciao; a reali-
zao das oportunidades pode ser causa e conseqncia
do acesso a melhores condies de sade.
Segundo essa diretriz, justia social consistiria em
propiciar que cada indivduo tivesse condies de rea-
lizar suas vocaes e oportunidades, ainda que isso im-
plique alguma diferenciao de condies entre os seres
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
3/6
564 Condies socioeconmicas em sade Antunes JLF
aAssociao Brasileira de Empresas de Pesquisas. Critrio de Classificao Econmica Brasil. Disponvel em: http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf [Acesso em 28 Fev 2008]
humanos. Nem por isso, as disparidades em sade
seriam sempre justificadas, e o estudo socioeconmico
permitiria identificar estratgias para a ampliao das
oportunidades, para uma extensa difuso dos recursos
e benefcios sociais. Os estudos que avaliam a relao
entre condies socioeconmicas e sade segundo esseparadigma estratificam a populao em termos da quan-
tificao das aquisies individuais, das oportunidades
que se pde realizar, procurando assim indicar o acesso
a melhores condies de sade.
Acesso a bens e servios
Para essa finalidade, um recurso utilizado com alguma
freqncia consiste em quantificar o acesso diferencial
a bens e servios de mercado. A Associao Brasileira
de Anunciantes props em 1970 um primeiro critrio
para estratificao social dos ncleos familiares segun-do caractersticas relativas a seus hbitos de consumo.
Nas dcadas seguintes, a Associao Brasileira dos
Institutos de Pesquisa de Mercado associou-se a essa
iniciativa e diferentes reformulaes dessa metodo-
logia foram apresentadas, com a proposio de itens
adicionais e novos sistemas de pontuao. Chancelada
pela Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa
(ABEP), a verso mais recente (2003) do questionrio
pode ser consultada on-line.a
Essa classificao baseia-se em itens como posse de
artigos (televiso, rdio, automvel, aspirador de p,videocassete e/ou aparelho de DVD, geladeira, freezer e
mquina de lavar), servios (empregada mensalista), ca-
ractersticas do domiclio (nmero de banheiros) e grau
de instruo do responsvel pelo domiclio. A totalizao
dos pontos relativos a cada item resulta na classificao
dos respondentes em sete estratos, identificados como
classes sociais A1, A2, B1, B2, C, D e E.
A finalidade precpua desse sistema classificatrio
estimar o poder de compra dos participantes de pes-
quisas de mercado, para dirigir a ao de fabricantes
e anunciantes. Seus proponentes reiteraram que oobjetivo restringia-se a medir potencial de mercado,
no havendo pretenses de inferir classes sociais para
estudos mais abrangentes de populao. E mesmo nessa
dimenso a metodologia foi criticada como sendo ul-
trapassada, insensvel s modificaes mais dinmicas
dos hbitos de consumo, e por incluir itens instveis e
de pequeno poder discriminatrio.11
Apesar disso, a facilidade de obteno desses dados
parece ter cativado pesquisadores da rea de sade para a
classificao segundo esse critrio. Ao revisar 86 estudos
do Brasil e do exterior, que abordaram diferenciais deordem socioeconmica na prevalncia de crie dentria
e doena periodontal entre 1990 e 2001, Boing et al5
identificaram trs estudos que adotaram essa metodolo-
gia. Almeida-Filho et al1utilizaram a pontuao obtida
no questionrio da ABEP para inferir classe social,
segundo as categorias alta, mdia, trabalhadores
e pobres, e explorar interaes entre desigualdades
sociais e condies de sade mental na Bahia.
A despeito de sua facilidade operacional, ressalta-se
que esse ndice no foi desenvolvido tendo em vista
preocupaes de sade e bem-estar social. Hbitos de
consumo no necessariamente refletem padres com-
portamentais em sade, nveis diferenciais de acesso a
servios mdicos ou risco de doena. H relativa incon-
gruncia entre o objeto de mensurao desse ndice e os
motivos mais comuns que levam as pesquisas em sade
a estratificar a populao. Ao ponderar a possibilidade
de seu uso, deve-se tambm levar em considerao que
esse critrio de classifi
cao no foi validado no Pas eno tem similar no contexto internacional.
Capital social
Outro recurso analtico para aferir o potencial de reali-
zao da liberdade e das oportunidades dos indivduos
e coletividades refere-se ao conceito de capital social.
Intuitivamente, esse conceito envolve a idia de que a
famlia, os amigos e colegas, as pessoas e grupos com
que se pode interagir socialmente, constituem patrim-
nio relevante para a satisfao das necessidades huma-
nas. Capital social seria uma indicao de coeso dosindivduos e dos agrupamentos sociais, uma dimenso
mensurvel de algo que lhes qualifica para uma ao con-
junta mais efetiva em busca da realizao de objetivos
compartilhados.21Uma sntese histrica do conceito, sua
capacidade de inferncia dos diferenciais de sade e suas
formas de medida foram recentemente apresentadas ao
meio profissional da sade pblica no Brasil.15,18
Exemplificando a aplicao desse conceito, Pattussi et
al14estudaram traumatismo dentrio em adolescentes
residentes em duas cidades satlites de Braslia. Um
extenso questionrio e um complexo procedimentoestatstico permitiram caracterizar capital social como
atributo de reas residenciais. Os bairros com indicado-
res mais favorveis de capital social estariam sujeitos a
menor prevalncia de traumatismo dentrio em adoles-
centes. Esse estudo tambm utilizou o questionrio da
ABEP para inferir classes sociais (alta, mdia e baixa)
e descrever diferenciais de prevalncia. A conjuno
dos dois procedimentos no mesmo estudo pode ser
interpretada como sinal de sua afinidade ideolgica
e adeso a esse primeiro paradigma de aferio de
condio socioeconmica.
No obstante o grande interesse suscitado e seu uso
crescente na pesquisa em sade, o conceito de capital
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
4/6
565Rev Sade Pblica 2008;42(3):562-7
social tem sido criticado por sua virtual associao ide-
olgica ao neoliberalismo. Navarro13reconstituiu a ge-
nealogia do conceito e sintetizou parmetros para uma
apreciao crtica. Em sua avaliao, a importncia do
conceito teria sido exagerada nos estudos epidemiol-
gicos, e seu uso teria difi
cultado evidenciar relaes depoder e fatores polticos relacionados luta de classes.
Para testar essa hiptese, Muntaner et al12 estudaram
coeficientes de mortalidade de vrios pases e avaliaram
sua associao com diferentes indicadores, organizados
em dois blocos. O primeiro, avalia fatores polticos
relacionados ao poder dos trabalhadores (desigualdade
na distribuio de renda, desemprego, pobreza, gastos
em seguridade social, votos de esquerda); o segundo,
rene medidas convencionais de capital social (traba-
lho voluntrio, corrupo, insero em organizaes).
Por meio desse procedimento, os autores do estudo
concluram que as variveis do primeiro bloco teriammaior poder preditivo sobre condies de interesse para
a sade que as do segundo.
SEGUNDO PARADIGMA: IGUALDADE EEQIDADE
O segundo paradigma de classificao da sociedade
envolve a perspectiva de que a diferenciao socioeco-
nmica entre os seres humanos pode estar associada
explorao e injustia social. Nesse sentido, atribui-se
um aspecto negativo proeminente desigualdade socio-
econmica resultante dessa diferenciao: a privao
material pode ser causa e conseqncia de dificuldades
no acesso a melhores condies de sade.
De acordo com essa diretriz, justia social consistiria
em propiciar reposio de recursos comunitrios ou
estatais para os indivduos e grupos prejudicados em
relao ao patamar possvel de ser atingido de desenvol-
vimento humano em geral, de sade em particular. Nem
por isso, as desigualdades em sade seriam sempre
injustas, e o estudo de condio socioeconmica per-
mitiria identificar quais delas demandam a interveno
dos esforos organizados da sociedade. Os estudos que
avaliam a relao entre condies socioeconmicas e
sade segundo esse paradigma tm procurado estratifi-
car a populao, visando a quantificar as desigualdades
e a qualificar as que so consideradas injustas.
Justia social dos programas de sade
Os diferenciais de sade segundo condio socioeco-
nmica podem ser descritos e explorados analitica-
mente com vistas identificao de injustia social
na distribuio da carga de doena ou de resultados
dos programas de sade. As formas usuais para aferir
condio socioeconmica em estudos dessa natureza
foram objeto de vrias revises.4,7,8Alm de sintetizar
as medidas de interesse e apreciar criticamente suas
vantagens e desvantagens, estas revises sublinharam a
necessidade de se aprofundar a compreenso da estreita
relao que se estabelece entre condio socioecon-
mica e sade. Os estudos indicados a seguir so alguns
exemplos de aplicao dessa diretriz.
Victora et al19 avaliaram a implementao de um
programa de assistncia sade infantil em cidades
brasileiras segundo categorias de variao do ndice
de desenvolvimento humano, renda per capita, taxa
de alfabetizados, porte populacional, distncia para a
capital do Estado, percentagem de populao urbana e
cobertura da rede de guas. Com base nesta avaliao,
os autores puderam mostrar que a interveno foi efe-
tivada em menor proporo nas cidades menores, mais
pobres e distantes dos centros metropolitanos. Desse
modo, os autores apontaram um aspecto de injustia so-
cial que deve ser levado em considerao pelos gestores
do programa para benefi
ciar as cidades mais carentesno planejamento de estratgias de expanso.
A reduo de mortalidade por Aids em So Paulo
aps a introduo do programa de distribuio de
medicamentos anti-retrovirais foi avaliada segundo
diferenciais de condio socioeconmica nos distritos
da cidade.2Para essa finalidade, utilizaram-se o ndice
de desenvolvimento humano, renda per capita, coefi-
ciente de Gini (desigualdade na distribuio de renda),
taxa de alfabetizados, anos de estudo, proporo de
chefes de domiclios graduados no ensino secundrio,
percentagem de domiclios localizados em favelas,
aglomerao domiciliar e posse do domiclio. Com
isso, pde-se relatar o sucesso da interveno, tanto do
ponto de vista da melhora global do indicador de sade,
como da ausncia de vis socioeconmico.
Peres et al16estudaram a adio de flor gua de abas-
tecimento pblico, medida preventiva da crie dentria,
quanto a seu potencial efeito na reduo de prevalncia
e o impacto sobre diferenciais socioeconmicos na
distribuio da doena. Foram avaliados dados sobre a
cobertura da rede de guas, ndice de desenvolvimento
humano, diferenciais entre reas urbanas e rurais, indi-
cadores de escolaridade e renda de cidades do Brasil.
Como nem todas as cidades puderam efetivar a fluo-
retao, e mesmo as que o fizeram, no dispunham de
acesso universal para abastecimento de gua, o recurso
preventivo resultou simultaneamente na reduo global
dos ndices de crie e na ampliao da desigualdade
na prevalncia da doena. Os autores concluram que
o direcionamento de recursos para expandir o acesso
gua fluoretada pode resultar em reduo ainda mais
extensa dos nveis globais de crie.
Classe social no enfoque marxista
Aspectos estruturais da diviso de classes da sociedade
capitalista, contemplados pela anlise marxista, podem
ser integrados aos esquemas de estratificao social
dos estudos epidemiolgicos? A injustia social que
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
5/6
566 Condies socioeconmicas em sade Antunes JLF
permeia diferenas socioeconmicas em sade pode
ser refletida segundo o enfoque da explorao e luta
de classes? Essas perguntas so complexas e motiva-
ram pesquisadores no Brasil10e no exterior6,22para a
proposio de esquemas operacionais que permitam
reconhecer o pertencimento de indivduos s diferentesclasses sociais a partir de atributos relativos insero
no trabalho. Embora seja difcil avaliar a validade destas
iniciativas, pode-se ao menos dizer que esse esforo
obteve resultados favorveis de responsividade; isto
, poder discriminatrio para identificar associaes
significantes aos diferenciais de sade.
Exemplificando, menciona-se estudo que identificou
a classe social dos pais como fator distal da preva-
lncia de crie em crianas com dentio decdua.17
As categorias de pequena burguesia tradicional e
proletariado apresentaram razo de chances mais
elevada que a categoria de referncia (burguesia e
nova pequena burguesia). No entanto, essa associao
no foi selecionada para os modelos multivariados de-
lineados, em funo de outros indicadores de condio
socioeconmica (renda familiar e escolaridade da me)
terem apresentado melhor qualidade de ajuste.
DILOGO DOS PARADIGMAS
Um dos paradigmas para mensurao de condies
socioeconmicas valoriza a interveno estatal e
pressupe o fortalecimento de iniciativas normativas,capazes de propiciar reposio para indivduos e grupos
prejudicados nas desigualdades sociais. O outro para-
digma valoriza a liberdade individual e a capacidade
humana de diferenciao positiva.
Descrever esse contraste em termos de posies de
direita e esquerda no favorece a apreenso da com-
plexidade dessa temtica. No existe correspondncia
imediata entre os paradigmas descritos e posies pol-
ticas consolidadas associadas a concepes ideolgicas
mais abrangentes. Ao empregar um ou outro paradigma,
os estudiosos no esto obrigados s rotulaes ideo-
lgicas e, muitas vezes, eles ampliam o escopo de suas
abordagens transitando entre estratgias alinhadas aos
diferentes paradigmas.
Enquanto estratgias de estratificao social, os pa-
radigmas descritos no so mutuamente excludentes;
alguma interseco se estabelece entre eles, e isso
pode ser explorado analiticamente para agregar valor
explicativo aos estudos epidemiolgicos. Quando se
caracteriza condies socioeconmicas desiguais como
meras disparidades, no necessariamente se deixa de
considerar a injustia inerente diferenciao entreos estratos sociais. Para caracterizar desigualdades
em sade que so inquas ou representam falta de
eqidade, no necessrio se furtar a classificar con-
dio socioeconmica como diferenciao positiva. A
estratgia da liberdade no insensvel privao
material; a estratgia da igualdade pode incorporar
medidas de prestgio social na aferio de condio
socioeconmica.
Tradicionalmente empregados em estudos de falta de
eqidade, os ndices de Townsend (Townsend Material
Deprivation Score) e de Carstairs (Carstairs and MorrisScottish Deprivation Score) conjugam informaes
de prestigio social (posse de automvel e residncia)
a dados sobre trabalho e habitao.4 Esses ndices,
no entanto, so baseados em informaes coletadas
pelos recenseamentos britnicos, o que dificulta sua
transposio para o cenrio brasileiro. Pesquisadores
associados ao paradigma da igualdade, com diversas
intervenes em prol da eqidade, tambm propuseram
formas de medida de condio socioeconmica baseada
em prestgio social e diferenciao positiva.3
CONCLUSES
Condies socioeconmicas e seu impacto em sade
merecem e de fato recebem considervel ateno por
parte de pesquisadores e gestores de sade. Esse tema
abordado com ainda maior complexidade, quando se
considera a imbricao de diferenciais socioeconmi-
cos, de gnero e de grupo tnico.
Os dois paradigmas aqui discutidos no so mutua-
mente excludentes ou redutveis, e sua contraposio
decerto continuar animando os estudos de sade.
Deve-se estar atento para o fato de que a escolha derecursos metodolgicos para a aferio do impacto das
condies socioeconmicas sobre as desigualdades em
sade pode influenciar o resultado do estudo e dificultar
sua comparabilidade com observaes relativas a outras
regies ou perodos.
-
7/24/2019 Condies Socioeconmicas Em Sade
6/6
567Rev Sade Pblica 2008;42(3):562-7
1. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhes L, Arajo MJ,Aquino E, James AS, et al. Social inequality anddepressive disorders in Bahia, Brazil: interactionsof gender, ethnicity and social class. Soc Sci Med.
2004;59(7):1339-53.
2. Antunes JLF, Waldman EA, Borrell C. Is it possible toreduce AIDS deaths without reinforcing socioeconomicinequalities in health? Int J Epidemiol.2005;34(3):586-92.
3. Barros AJD, Victora CG. Indicador econmico para oBrasil baseado no censo demogrfico de 2000. RevSaude Publica.2005;39(4):523-9.
4. Boing AF, Kovaleski DF, Antunes JLF. Medidasde condies socioeconmicas em estudosepidemiolgicos de sade bucal. In: Antunes JLF, PeresMA, organizadores. Epidemiologia da sade bucal. Rio
de Janeiro: Guanabara-Koogan; 2006. p.235-48.
5. Boing AF, Peres MA, Kovaleski DF, Zange SE,Antunes JLF. Estratificao scio-econmica emestudos epidemiolgicos de crie dentria e doenasperiodontais: caractersticas da produo na dcada de90. Cad Saude Publica.2005;21(3):673-8.
6. Borrell C, Muntaner C, Benach J, Artazcoz L. Socialclass and self-reported health status among menand women: what is the role of work organisation,household material standards and household labour?Soc Sci Med. 2004;58(10):1869-87.
7. Galobardes B, Shaw M, Lawlor DA, Lynch JW, Davey-
Smith G. Indicators of socioeconomic position (part 1).J Epidemiol Community Health.2006;60(1):7-12.
8. Galobardes B, Shaw M, Lawlor DA, Lynch JW, Davey-Smith G. Indicators of socioeconomic position (part 2).
J Epidemiol Community Health.2006;60(2):95-101.
9. Leeder SR. Achieving equity in the Australianhealthcare system. Med J Aust.2003;179(9):475-8.
10. Lombardi C, Bronfman M, Facchini LA, Victora CG,Barros FC, Bria JU, et al. Operacionalizao doconceito de classe social em estudos epidemiolgicos.Rev Saude Publica.1988;22(4):253-65.
11. Mattar FN. Anlise crtica dos estudos de estratificaosocioeconmica de ABA-ABIPEME. Rev Adm.1995;30(1):57-74.
12. Muntaner C, Lynch JW, Hillemeier M, Lee JH, DavidR, Benach J, et al. Economic inequality, working-classpower, social capital, and cause-specific mortality inwealthy countries. Int J Health Serv.2002;32(4):629-56.
13. Navarro V. A critique of social capital. Int J Health Serv.2002;32(3):423-32.
14. Pattussi MP, Hardy R, Sheiham A. Neighborhood socialcapital and dental injuries in Brazilian adolescents.Am
J Public Health.2006;96(8):1462-8.
15. Pattussi MP, Moyss SJ, Junges JR, Sheiham A. Capitalsocial e a agenda de pesquisa em epidemiologia. CadSaude Publica.2006;22(8):1525-46.
16. Peres MA, Antunes JLF, Peres KG. Is water fluoridationeffective in reducing inequalities in dentalcaries distribution in developing countries? SozPraventivmed.2006;51(5):302-10.
17. Peres MA, Latorre MRDO, Sheiham A, Peres KG,Barros FCV; Pedro Gonzales Hernandez P, et al.Determinantes sociais e biolgicos da crie dentriaem crianas de 6 anos de idade: um estudo transversalaninhado numa coorte de nascidos vivos no Sul doBrasil. Rev Bras Epidemiol.2003;6(4):293-306.
18. Sapag JC, Kawachi I. Capital social y promocinde la salud en Amrica Latina. Rev Saude Publica.2007;41(1):139-49.
19. Victora CG, Huicho L, Amaral J, Armstrong-Schellenberg J, Manzi F, Mason E, et al. Are healthinterventions implemented where they are most
needed? District uptake of the Integrated Managementof Childhood Illness strategy in Brazil, Peru and theUnited Republic of Tanzania. Bull World Health Organ.2006;84(10):792-801.
20. Wanless D. Securing good health for the wholepopulation: final report. London: HM Treasury; 2004[acesso em 26 fev 2007]. Disponvel em: http://www.hm-treasury.gov.uk/consultations_and_legislation/wanless/consult_wanless04_final.cfm
21. Woolcock M, Narayan D. Social capital: implicationsfor development theory, research, and policy. WorldBank Res Obs.2000;15(2):225-50.
22. Wright EO. Class counts: comparative studies in classanalysis. Cambridge: Cambridge University Press;2000.
REFERNCIAS