CONDEMNA&AO CONDICIONAL - stf.jus.br · mesmo tempo, que a acgao social ... O assento na materia...

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CONDEMNA&AO CONDICIONAL (SURSIS)

DO MESMO AUTOR:

JURY, sexta edicdo;

TERRAS, sexta edigao;

DESAPROPRlACoES, seg-unda edigao.

F. WHITAKER

Condemnapao Condicional

DfCRfTO N.° 16.588 DE 6 be SETEnBRO D£ 1924

JMVRAKJA FREITAS KISTON ( A N T I G A L E I T E R I B E I R O ) Ruas : Beihencourf do Silva 15. 17 e 19 e 13 de Ma\o, 74 e 76 —■ Rio de Janeiro 7 ~ ~ ~" -~—~ 1 0 3 O — — ~

0

A' minha sanfa Esposa,

o ultimo trabalho.

Estas notas, tornados no meio de um labor inten-

so, visam, sem qualquer outra preoccupacdo, esclare-

cer o texto do Decreto sobre o SURSIS. Servem, pois,

somente para os principiantes. Os doutos corrigirdo

as lacunas e defeitos que, certam-ente, ellas contem,

Rio de Janeiro, 5 de Fevereiro de 1930.

J§. %u\aW

CAPITULO I

Nogoes

1 — Condemnacao conditional e a que, em algumas infracgoes penaes e mediante certos re­quisites, embora tenha decretado a pena de pri-sao, permitte que nao seja ella executada e fique, afinal, sem effeito, si durante um prazo fixado pelo juiz. verificar-se a regeneracao do reo.

2 — Estas infracgoes sao as de penas de curta duragao, impostas somente aos delinquen-tes primarios e de bom caracter. A lei quer evi-tar o contacto desses reos com outros mais peri-gosos. As prisoes curtas sao inconvenientes, por-que nao tern o tempo preciso para a correcgao dos criminosos e, entretanto, os degradam, liu-milliam e corrompem. Por isso Garraud (1) diz que sao a ehaga viva do regimen penitenciario. D'alii, a sua substituigao pela vigilancia judi­cial, acto que constitue mera advertencia, pena

(1) — 3/pag. 185. — As penas de curta duracao podem tcr effeitos lamentaveis. Si houver promiscuidade entre delinquents primarios e habituaes, aquelles ficam em perigo de corrupcao; si houver isolamento, ellas, por serem curtas, nao intimidam, nao evi-tam que o infractor caia na desconfianca publiea, humilhando sempre.

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moral, que pode produzir o arrependimento e a volta ao cumprimento do dever. Outro motivo do instituto e a individualizagao do castigo. A pena moderna, ensina A. Prins (1) deve ser adequada a pessoa do delinquente, estudando o juiz o in-dividuo e a acgao que o castigo nelle produz; e de todas as formas de individualisagao, talvez esta seja a mais efficiente. Ve-se dahi que o funda-mento do instituto nao e so o interesse do delin­quente. B' evidente esse interesse, porque a li-berdade nao fica supprimida, posto se torne li-mitada; mas a principal razao e o interesse da sociedade, que visa regenerar o delinquente es-timulando-o para o bem e fazendo-lhe sentir, ao mesmo tempo, que a acgao social sempre esta prompta para punir os seiis desvarios (2).

3 — A natureza do instituto e a de uma con-digao resolutiva. E 'condigao, porque a pena fica subordinada a um acontecimento futuro e incer-to; e resolutiva porque a indulgencia vigorando desde logo, deixa entretanto de existir, si a clau-

(1) — Pis. 402. (2) — Actualmente, ensina Prins, a sciencia considera o di-

reito de punir, nao como um direito absolute nias como um di-reito relativo de defesa e proteccao social. Como essa theoria nao e exclusiva, reconhece o que ha de bom nas theorias anteriores — da reparagoo social dos primeiros tempos; da expiagao ou intimi-dacao, dos romanos; da correccdo ou melhoramento, que appareceu com a philosiphia racionalista. Assim, a theoria da defesa social admitte a intimidacao e severidade, quando necessaria; a indulgencia e simples correccdo, quando e possivel; a reparacdo do mal causado a victima. Quer isso di^er que as verdades contidas nas licgoes do ipassado nao sao despresadas pelo direito novo; sao, ao con-trario, aproveitadas. (Intr. C. 2. ').

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sula imposta nao for cuinprida de accordo com o estabelecido. Absolutamente nao se Hie poderia dar a natureza do indulto, porque indulto e per-dao definitivo (1); nem tao pouco a da prescri-peao, porque e esta a perda do direito de agir, pela negligencia.

4 — Em nosso paiz, e novo o institute Data de 6 de Setembro de 1924. Dentre os dois typos adoptados no estrangeiro (2) o de suspensao do processo e o da suspensao da condemnagao — este pareceu melbor que aquelle. E de facto o e. Si o primeiro tem a vantagem de nao exigir que o delinquente seja previamente condemnado, tem o inconveniente de tolber a ac§ao da justiga durante o prazo eoncedido, com manifesto peri-go do desapparecimento de provas que possam esclarecer a verdade. Preferivel e que o proces­so termine e a execucao fique suspensa.

Veiu de um decreto — o de n" 16.588 de 6 de Setembro de 1924 — por delegacao da lei 4.577 de 5 de Setembro de 1922, delegacao ampla, de modo que o Poder Executivo ficou autorisado a fazer tudo quanto, no momento, fosse convenien-te. Em nossa legislagao, nao e caso raro, o da lei ser feita pelo governo, mediante encargo do Po­der Legislativo; e ainda que tal pratica nao seja louvavel, tern sido tolerada, devido a lentidao do

(1) — No sursis nao e a autoridade que concede a liberdade; e 0 reu que a conquista por sua boa conducta.

{2) — Na Inglaterra e E. Unidos, ha a suspensao do julffa-mento; na Belgica e na Franga, ha, como entre nos, a suspensao da

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poder competente e, as vezes, a complexidade de assumptos, que sao entregues aos especialis-tas e, portanto, mais competentes. (1)

5 — Nem todas as infracgoes penaes pos-suem o privilegio da suspensao. Os delictos mili-

(1) — O E. Ministro Pedro dos Santos e contrario a essas de­lega tes . Diz elle: Nao sei, nao posso comprehender como ante o nosso diroito, seja possivcl conceder — sursie — ao recorrido e nao so a elk, como a todos os que, com elle, se apresentarem condemnados por crime de difamagao tenha sido esta realisada por meio da imprensa ou por outro qualquer que haja recebido as preferencias dos difamadores.

Facil e contestar a assercao; refutal-a, porem, se me afigura impossivel.

O assento na materia entre nos e o Decreto TI. 16.588 de 6 de Setembro de 1924 e o que nelle se depara e a mais poderosa bar-reira erigida contra a pretencao do recorrido.

Em termos fuiminantes, la se eneontra eonsignado no artigo 15, que ndo i-avord aiispvn-do da execucaa da jjena nos crimes cow-tra a honra e a boa fatna e contra a seguranca da honra e hones-tidade das families,

Ma3, si nao e neste Decreto — como nao e licito pretender ante o dispositivo qua ah! fica transcripto — onde encontrar arrimo para justifiear a almejada concessao, que importa na suspensao de um preceito de lei repressiva applieado pela justica ao recorrido?

Na lei n. 4.577 de 5 de Setembro de 1922? Mas, em verdade ella tal nao autorisa. E' lel-a e relel-a, soletrando demoradamente uma a uma todas

as palavras empregadas para compor as suas enunciacoes e nada se deparara, fazendo ou determinando a eoncessao discutida.

QUANDO MUITO — o que admitfco so para argumentar — terd\ autorizado o executivo a fazel-a.

Mas, si este nao a fez ou o que fez foi transgredindo o mandato recebido. evidentementa desamparado de qualquer fundamento e que se apresenta a pretengao em causa.

Nao tera apoio nem do acto do legislativo, nem do executivo. Este sera nullo ou contrario a concessao, o outro tera ficado

em simples autorizacao, em mero mandato sem correspondent pratiea.

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Dir-se-a que, em todo caso, fieou manifesta a vontade do lejfislador de fazel-a.

Mas licito e retrucar: — de fazel-a nao: de autorizar o exe­cutivo a fazel-a, o que e cousa diversa.

Mas, se apesar da autorizacao, este nao a fez, por feita nao se podera ter.

E' o que o direito e a razao a mais elementar estao ensi-nando.

Demais e principio rudimentarissimo de direito que nao basra a vontade do legislador para fazer a lei.

E' imprescindivel que essa vontade claramente expressa tenha sido submettida aos tramites constitucionaes estab.decidos.

E' o que ensinam os mestres, entre os quaes destaco — Cooley — para nao citar mais de urn, pela universal reputacao de que dispoe de grande constitucionalista:

"Importa nao so que a vontade dos legiladores seja cla­ramente expressa, corno E\ TAMBEU ESSENCIAL QUE ASSIM SEJA OBEDECENDO A TODAS AS FORMALIDA­DES REGULARMENTE EXIGIDAS desde que A LEI SE NAO FORMA, SO' E SIMPI^ESMENTE, PORQUE OS LE-GISLADORES A QUEREM; mas, tambem porque, assim a querendo elles exp-re&sam a sua vontade pelo modo designado no instrurnento que os investht cm sitas attribuigoes, MEDI-ANTE TODAS AS FORMALIDADES QUE ELLE TEM CONSIDERADO ESSENCIAES." (Th. Cooley — Constitutio­nal Limitation. — pags. 186).

Desnecessario, porem, e insistir sobro o assumpto, porque po-sitivamente certo e que nenhuma autorisacao existe ao executivo para estabeleeer a providencia, nem quando tive-se havido legitimo seria o acto autorisado.

Quern cuidadosamente estudar a eitada lei n. 4.577 percebera, por entre o confuso dos seus termos, que o legislativo fez ao exe­cutive duas delegacies e nenhuma dellas — absolutamente nenhuma — importou em eoneeder poderes para estabeleeer o sursis.

Ahi esta. !

"E' o poder executivo autorisado." Mas, autorisado a que? Ahi vein logo a seguir

" . . . a rever e a reformar os regulamentos das Casas de Detencdo, Correcgdo, Coloni&s e Escolas Correccionaes e Pv-nitenciarias."

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Ai esta a primeira delegacao, alias de uma attribuicao que o poder delegante nao possue: — a da regulamentacao.

Regulain'Sntar, rever e reformar regulamentos e funccao qu^ que so compete ao executive

El!e a tern e a pode exercer com o mesmo desassombro, fir-meza e autoridade com que o legislativo decreta as suas leis e o judiciario profere as suas sentences.

O legislativo e que assume singular e injustificavel posicao, quando pretende dar o que nao tern e exactamente a quern tern.

Mas, em todo caso o que sobretudo cumpre no momento sali-entar e que no trecho legal transcripto nao se fala, nem siquer se allude, directa ou indirectamente, a adopcao do Bursts,

Immediatamente vem a segunda delegacao.

" . . . bem asdim a verificar a situacdo dos presos pelos juices seccionaes do Districto Federal e dos Estados."

Necessitando o legislador desse exame ou verifica$ao, au-torisou o executivo a fazel-a. E' o que esta na lei. E para que essa r-eforma e essa syndicancia? Com que eriterio deveriam ser executadas? Com que sentido? Para que fim? Para logo acudiu o legislador a exigencia.

"no sentido de nniform-izar e unificar a direcgao dos estabele-cimentos penaes dependentes do Governo Federal e de tornar effectivo o livramento conditional."

E so para isso? Nao; proseguiu o legislador, apontando outras medidas aeon-

.- ?lhadas pelos ideaes modernos no direito penal, entre as quaes o sursis.

Assim ficou denunciado o objectivo que teve em vista o le­gislador, reclamando as duas providencias.

Nao e possivel eonfundir essas duas providencias com o fim para que foram reclamadas ou com o objectivo que se pretendia satisfazer nellas apoiado.

Ellas, as diligencias, foram effectivamente d«legadas; mas, o objectivo, nao.

Quanto a este nenhuma delegacao houve e ate o legislador aguardaria o resultado das syndicancias para resolver a respeito.

E' o que esta na lei.

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O mais que o executivo fez, alem das duas delegacies indicadas, fez por sua propria conta e por isso imporbou em abuso de poder, em verdadeira usurpacao, a que os juizes nao deviam amparar, associando-se ao usurpador contra a Constituicao.

Mas, dado que delegacao tivesse havido e exactamente para aquelle fim, ainda assim o acto delegatorio nenhum valor teria por contrario flagrantemente a Constituicao e ao systema politico por ella estabelecido.

No regimen das Constituicoes escriptas e promulgadas em nome da saberania popular, que consignam entr? os seus principios cardeaes a separacao limitativa dos poderes, como e a nossa, como e a americana em vigor entre nos, as delegacoes ou transferencias embora parciaes e momentaneas das attribuicoes de um poder a outro, sao juridicamente impossiveis.

O principio e evidente e se encontra arrolado entre os mais elementares do direito.

Para comprehend el-o e adoptal-o nao mais e preciso do que o minimo esforco de simples ponderacao.

Realmente, desde que a Constituigao dividiu o poder publico em departamentos differentes e deu a cada um missao diversa, es-phera propria e distincta de accao, fixando minuciosamente as suas funcgoes, balisando rigorosamente o circulo da competencia de cada um, como de faeto fez a nossa, adoptando os principios ba-sicos do constitucionalismo americano, impossivel e que um destes departamentos possa transferir a qualquer dos outros, ainda que parcial ou provisoriamente. o exercicio das funccoes que lhe foram conferidas sem alterar, por instantes embora, durante e para os effeitos da delegacao, a discriminacao constitucional, sem proceder de modo diverso do que a lei suprema estabeleceu, sem consequen-temente a violar de modo o mais positivo.

(Vide — As delegacies legislativas na Revista de Critica Judiciaria — vol. 4, pag. 1).

Demais, se o legislative pode validamente delegar as suas attribuicoes ao presiderte, apesar do regimen e da Constituieao taxativamente as considerar privativas, nao ha razao para que o judiciario nao possa tambem delegar as suas, e, entao, quando chegarmos a esta situacao, para a qual, ao que parece, tendemos a largos passos, ja licito nao sera falar do principio da separacao dos poderes, nao obstante estar inscripto em nossa Carta e os patriarchas e commentadores da organisagao constitucional por nos adoptados o considerarem — "a sua caracteristica fundamen­tal'' —, l'o seu principio sacrosanto'' —, ''o< supremo dogma dos seus dogmas."

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(J. Bryce — The American Commonwealth — vol. I, pag. 215; W. Garner — Idees el Institutions politiques aniericaines — pag. 176; Boutmy — Etudes de droit Comtitutionnel — pags. 131 e 132).

Em vao se appellara como fez o Ace, para escriptores expondo regimen essencialmente differente do nosso; bem como para a auto-

ridade de Ruy Barbosa e de exemplos norte-americanos. Na Inglaterra e na Italia o regimen dominante nao repelle as

delegacoes, ao contrario do americano pelo qual moldamos o nosso. E' ler Cooley, Esmein, Campbell Black, Gaston Jeze, Locke,.

Watson, Mc.Clain, Calderon, Sutherland, Joao Barbalho, Brunialti, Peesantoni, Rudini, Giovani Lauza, entre outros e outros que sobre o assumpto se teem manifestado e outra ligao nao se encontrara.

A Ruy Barbosa sempre encontrei af firmando que: "As delegacoes legislativas ineorrem na taxa palpavel de Ule~

gitimidade." Nao sei de nenhum acto administrativo americano, subscript© tal-

vez por algum Jackson — que houvesse admittido esse attentado contra o rigor constitucional.

Mas, que haja. . -O que sei e com a mais certa das eertezas, e que nao conheco,

nem se apontou. nem se apontara uma licao de americanista, od de julgado americano — as fontes as mais puras para a interpre-

tacao do nosso organismo constitucional — amparando a anomalia das delegacoes legislativas. repellidas ate por muitos no proprio regimen parlamentar.

{Pimenta Bueno —■ Di-> e-Uo Publico — pags. 37 e 38; Duguit— Traite de Droit Constituciomiel — vol. 2, pag. 459; Haurwu — Droit Public — pag. 419; Esmein — Droit Constitutional — pag. 616; A. Brimialti — Diritto Constitution\ali ■—■ vol. 2, pag. 234).

A respeito ninguem melhor informara do que esse mesmo Buy Barbosa, com o brilho e vigor de que so elle entre nds dispunha:

"Nos Estados Unidos, por cuja Constiiwigdo ■moldamos a nossa, a doutrina dos Constitucionalistas e a jurispriidencia dos tribunaes ESTAO E SEMPRE ESTIVERAM de accordo em rejeitar como inconstitucionaes e conseguintemente nullas as delegacoes da mitoridade legislativa ao poder executive."

E depois de citar Cooley, Campbell Black e Sutherland, accres-

centa:

"Quawto d jurisprudencia e nwmerosissiima a serie dos arestos, onde se acha consignada sem nenhum julgado que a

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tares foram excluidos. Alias assim o fizeram as legislagpes que nos serviram de inodelo (1). A delegagao que a lei 4.577 deu ao Poder Executi-vo somente se refere as penas, aos estabelecimen-tos, as prisoes applicadas aos civis. 0 mandata-rio devia, pois, limitar sua accao, como de facto a limitou; tanto que o decreto so e referendado pelo Ministro da Justica, o que nao aconteceria, si as repartigoes militares fossem, tambem, nelle interessadas (2). Esse illustre Ministro da Jus­tica, quando mais tarde occupou uma das cadei-ras de juiz no Supremo Tribunal, esclareceu o ponto, mostrando que, alem da falta de autori-sacao legal para o instituto abranger as penas militares, o fundamento primordial que o deter-minou — o contagio da prisao — nao podia ser invocado relativamente as prisoes de natureza militar, (3) pois estas sao realisadas em logares

contrarie, esta " assentada maxima do direito constitucional — This nettled maxim in constitutional law" para nos exprimivmos como COOLEY, cuja autoridade nos Eatados Unidos se imvoca a miwlo, como chlssico ate mis sentences da Corte Suprema." (EUY BA.EBOSA — PARECER de 15 de Agosto de 1911).

E basta. Nao bemdirei nunca a jurisprudeneia que, fugindo das licoes

dos constitucionalistas e dos julgados dos tribunaes, for se abrigar a sombra dos desvarios das decisoes administrativas e attender a qualquer conveniencia que importe em sacrificar a supremaeia da Constituicao.

Sera fazer politfca e nao justica. (1) — Assim a da Belgiea e da Franca. (2) — Constituicao Federal, art. 49. (3) — HABEAS-CORPUS N. 15.468

O sursis so se applica a delictos praticados por

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civis, nao comprehendendo os crimes de natureza militar.

VIST-OS, relatados e discutidos os autos de peticao de habeas-corpm em que e impetrante o Dr. Clovis Dunshee de Albranches e paciente o Capitao do Exercito Mario Maciel Wanderley, actual-mente preso no quartel do 4." Batalhao de Cacadores, por haver sido condemnado pelo Supremo Tribunal Militar no grau minimo do art. 117 do Codigo Penal Militar, por militar em seu favor a eircumstancia attenuante do art. 37, § 7.°, do mesmo Codigo:

Considerando que o paciente requereu ao mesmo Tribunal a suspensao da execucao da pena que lhe foi imposta, nos termos do art . 1.°, do Dec. n. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, isto e, sete mezes e 1 dia de prisao;

Considerando que o Tribunal Militar indeferiu o pedido porq-ce o "sursis" nao se applica ao foro militar; e que eiribora o citado decreto n. 16.588, de 1924, tivesse sido inspirado na melhor dou-trina juridica penal e viesse acudir a unia necessidade judiciaria ha muito reclamada, elle foi elaborado apenas para ser executado no foro civil; outra cou?a nao se depreende do seu elemento his-torico e da Ieitura de todos os dispositivos, onde se nao depara a mais leve ou vaga allusao a Justica Militar, nao se vendo assim como haja meio de extender a sua applicacao aos militares; e mesmo corrente, conclue a decisao, que, quando o Congresso legisla sobre direito ou processo criminal commum, invariavelmente o faz tendo em vista unica e exclusivamente o respectivo foro, ao qual fica circumscripto o alcance dos textos da lei;

Considerando que o impetrante allega, invocando o art . 72, § 2.°, da Constitui?ao da Repulblica, que o citado decreto, que creou o instituto do "sursis", nao -excluiu dos seus effeitos os militares, por nao o haver expressamente declarado em seu texto, accrescen-tando que na Franca, apesar de defendido por Lafoie desde 1882, no seu livro "Loi du Pardon'', o ''sursis" so foi adoptado pela lei de 26 de Margo de 1891, conhecida pelo cognome de Lei Berenger; essa lei, no seu artigo 7, declarava taxativamente que a suspensao da condemnagao nao era applicavel aos pronunciamentos da Jus-tica Militar: "La presente loi n'est applicable aux condamnations prononcees par les tribunaux militaires qu'en ce qui concerne le^ modifications apportees par l'article 5 ci-dessus aux articles 57 et 58 du Code Penal"; — que na Italia a "condanna condizionale". instituida pelos arts. 423, 424, 426 e 426 do Codigo do Processo Penal commum, approvado pelo decreto penal n. 127 de 27 de Fevereiro de 1913, nao abrangia tambem os militares; que no Brasil, o projecto apresentado a Camara dos Deputados em 18 de

,

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Julho de 1906 do Dr. Esmeraldino Bandeira excluia expressamente, no art. 6." as condemnagoes pronunciadas pelos tribunaes milita­res, mas o alludido decreto, em vez de assim se manifestar, fala em todas as disposigoes em termos genericos, referindo-se sempre aos condemnados em geral e aos julgados de qualquer natureza; que a lei franceza de 28 de Junho de 1904 e a lei italiana tornaram-se extensivas aos julgados militares e a lei Berenger, tendo em vista naturalmente que os principios que regem o direito criminal com-mum e o direito repressivo militar sao os mesmos, os fundamentos e os fins da pena, quer em urn, quer em outro, sao tambem os mesmos; e, finalmente, que se fosse possivel a duvida, a interpre-tacao mais favoravel do texto legal devia ser applicada a especie dos autos;

Considerando que, segundo os esclarecimentos prestados pelo entao Ministro da Justiga, Dr. Joao Luiz Alves, e hoje Minisitro do Supremo Tribunal Federal, referendatario do decreto n. 16.588, de 1954, lidos em sessao antes do jalgamento pelo ST. Ministro Pro-curador Geral. este exclue expressamente os militares do beneficio do "sursis", como consta da justificagao seguinte:

A titulo de simples esclarecimentos, como Ministro referenda­tario do Dec. do "sursis";

1." — Do silencio desse decreto nao e de concluir-se que elle compreende os delictos militares.

O projecto Esmeraldino os excluia expressamente. O projecto organizado por incumbencia minha, para base do

decreto, pela commissao composta do Juiz de Direito, Dr. Mello Mattos, do Procurador Geral do Districto Federal, Dr. Andre Pe-reira, do Dr. Candido Mendes. professor de direito, e do illustre advogado e consultor geral, interino, da Republics, Dr. Astolpho Rezende, "incluia expressamente" os delictos militares.

Eu os eliminei no decreto que submetti ao Sr. Presidente da Republica e ora esta em causa.

Eliminei: a) porque a autorizacao legislativa so se referia a legislagao

e regimen penaes civis. Na verdade a lei autorizando a reforma — de n. 4.577, de

5 de Setembro de 1922, diz no seu art. 1.°: " E ' o Governo autorizado a rever os regulamentos das Casas

de Detencao, Correcgao, colonias e escolas correccionaes ou pre-ventivas (prisoes civis), bem como verificar a situagao dos presos pelos juizes seccionaes do Districto Federal e dos Estados (presos civis), no sentido de uniformizar e unificar a direcgao dos estabe-lecimentos penaes. (estabelecimentos civis) dependentes do Go-

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verno Federal, e de tornar effeetivo o livrj".mento condicional (ins-tituto puramente civil), e o regimen penitenciario legal (tambem civil), modificando-o no que for necessario, de accordo com as ideas modernas (direito penal civil), tendentes a renegeragao dos cri-minosos, e os relatives aos incorrigiveis, a creagao de penitenciarias agricolas (estabelecimentos civis), suspensao da condemnagao, etc.

Accresce que tal lei so foi referendada pelo Ministro da Jus­tice, o que bem revela o seu caraeter civil.

Portanto, o decreto do "sursis" so podia eogitar do delicto civil, como o fez.

Se nao o fiaesse, em vista do art. 49 da Constituigao, seria preciso que o acto fosse subscripts pelos Ministros da Guerra e da Marinha, como acontece com o Codigo Penal Militar e as leis da justiga e do processo militar;

b) porque, sendo o fim primordial do "sursis" evitar o con-tagio da prisao commum, essa razao de politica penal nao pode ser invocada nos delictos e penas militares.

Nesse caso nao e de temer o contagie. Na verdade em taes delictos a pena e, para os officiaes, a de

prisao simples em quarteis, fortalezas e pragas de guerra, onde o militar passa a sua existencia profissional, e para os inferiores e pragas, a de prisao simples ou a de prisao com trabalho em es­tabelecimentos militares, pragas de guerra e quarteis;

c) porque nao podia prevalecer o arguments de igualdade da lei, que e contraproducente.

O "sursis" nao e urn direito, mas que o fosse, nao se poderia invocar a igualdade, porque o militar tern "lei penal especial, pro­cesso penal especial, penas especiaes, prisoes especiaes, justiga penal especial" e isso exclue a pretendida extensao da "lei penal civil".

2.° — A jurisprudencia e a doutrina estrangeiras nao soccor-rem, antes contrariam, essa extensao.

Nem a lei franceza, nem a lei belga, nem a lei italiana, creando o "sursis", se referem a delicto "militar" para incluil-o ou excluil-o do favor. O texto dessas leis e, nesse panto, igual ao do nosso de­creto "o delinquente primario, condemnado a pena inferior a tantos annos" etc., sem referencia incluindo ou excluindo os crimes mili­tares. Em face de taes leis — sempre se entendeu que o "sursis" nao se estendia aos delictos militares como se pode ver em JEtoux para a Franca, Adolpho Prins para a Belgica e na "Revista Pe-nale", vol. 86, de 1917, pag. 417, para a Italia. Tanto isso e certo que, na Franga. foi preciso se votarem leis especiaes (as de 28 de

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onde os militares habitualmente passam a sua existencia profissional — pragas de guerra, quarteis, etc.

Entretanto, seria justo que a lei comprehen-desse alguiis desses delictos. 0 Codigo Militar content duas espeeies de delictos: os propria-mente militares, como a revolta, o motim, a insu-bordinacao, a rebelliao, e os que seriam conside-rados civis si nao f ossem praticados por milita­res, entre militares e em servigo militar, como o bomicidio, o furto, o peculato, etc. Para estes, a nao concessao da indulgencia pode constituir e de facto constitue, desigualdade. E' verdade que a pena a que estao sujeitos e de natureza diver-sa; mas o fim da lei e tambem, a regeneragao, o nao aviltamento do reu.

Junho de 1904 e de 27 de Aibril de 1916) esfcendendo o "sursis" aos delictos militares em tempo de paz e depois em tempo de guerra.

0 mesmo aconteeeu na Italia, como informa o proprio impe-trante. Creio que na Belgica essa extensao tambem ja se tenha dado por lei especial.

Por todos estes motivos penso que o decreto de ''sursis" nao compreende os delictos militares.

Sera necessario acto legal expresso, com a referenda dos Mi-nistros das pastas militares para que isso se de.

A C ' O O E D A O a vista do exposto negar a ordem impetrada, de conformidade com os fundamentos da justificacao supra e os do Supremo Tribunal Militar, pagas as eustas pelo paciente.

Supremo Tribunal Federal, 20 de Maio de 1925. — Andre Ca-valcanti, presidente. — Godofredo Cunha, relator. — G. Natal, vencido. — Geminiano da Franca. — Hermenegildo de Barros, ven-cido. — A. Ribeiro, vencido. — Leoni Homos. — Pedro dos Santos. Pedro Mibielli. — Muniz Barreto. — E. Litis, vencido, attentos os fundamentos que proferi na sessao do julgamento, ao fundamentar o meu voto, os quaes foram publicados na "Gazeta de Notieias",

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"Gazeta J'udiciaria", de 21 de Maio de 1925, e que devem constar da "'Re vista do Supremo Tribunal" em numero correspondent a esse mez. — Viveiros de Castro, vencido.

CAPITULO I I

Eequisitos da lei

6 — Para a suspensao ser decretada, a lei exige estes requisitos:

a) eondemnacao primaria; b) pena de prisao ou multa conversivel em

prisao, ate um anno; c) earacter nao pervertido (1).

(1) — As leis processuaes nao podem erear outras condicoes.

HABEAS^CORPUS N. 23.543, DO EST ADO DE MINAS-

Vistos, etc

E ' a seguinte a especie: Arthur de Paula e Souza foi, em sentenca confirmada pelo Tri­

bunal da Relagao do Estado de Minas, condemnado a um mez de prisao, grau minimo do artigo 184 do Codigo Penal, attenta a ausencia de aggravantes e a existencia da attenuante do exemplar comportamento anterior.

Requereu a suspensao condicional da pena, e o alludido Tri­bunal nao tomou conhecimento do pedido.

A razao unica por que assim decidiu, foi nao ter ainda o-reu se recolhido a prisao, como o exige, para que elle possa re-qioerer o sursis, o art . 64, § 2.°, do Codigo Penal do Estado.

A' vista disto, o paciente impetrou este habecus-cor-pus. Isto posto, considerando que o decreto federal, relativo a sus­

pensao condicional da pena nao estabelece essa condicao (Decreto n. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, art . 1.°);

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SBCgAO I Condemnagao primaria

7 — Sem entrar no estudo da classifieac,ao dos delinquentes pelas escolas modernas, pois, o nosso intuito e fazer conhecido o novo instituto sem o complicar, recordamos que os criminalistas com muita razao distinguem os delinquentes pri-marios, dos habituaes. Os primeiros, tendo limpo o seu passado, sao as mais das vezes victimas da occasiao, arrastados por impulsos irresistiveis que obliteram a sua intelligencia e vontade, con-duzindo-os ao crime como a um accidente; os se-gundos sao os que se acostumaram as faltas, constituindo-se elemento perigoso a sociedade. A indulgencia, para estes, seria inutilidade, e para a sociedade, um perigo. So aquelles devem ser tratados com benignidade, constituindo a suspensao, nao so medida protectora, como util advertencia.

Considerando que, ao contrario, esse Decreto estatiie que esse beneficio pode ser concedido ao reu revel (Art. 8.°, ultimo ineiso);

Considerando que, assim sendo, aos Estados federados fallece eompeteneia para exig-irem qualquer condigao, nao estabelecida pelo eitado decreto federal;

Considerando, effectivamente, que si elles o podessera fazer, se infringiria o § 2." do art . 72 da Constituieao da Republiea, pois a lei deixaria evidentemente, de ser egual para todos:

Accorda o Supremo Tribunal Federal deferir o pedido de habeas-oorpus e eonceder o stirsis requerido, pagas as custas peio impetrante.

Sejam devolvidos os autos ao Tribunal a quo, para nelles se cumprirem as formalidades preseriptas peio Decreto eitado numero 16.B88 art. 2.°, §§ 1.° e 2." e art. 8".

Supremo Tribunal Federal, 14 de Outubro de 1929. Godofredo Cunha, Presidente. — E. Lins, Relator.

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8 — Eeferindo-se a lei a condemnagao, ex-clue naturalmente todo processo crime que ter-mine pela absolvigao do accusado, bem como aquelle que ainda nao tenha attingido a pliase de-finitiva. De modo que as denuncias, pronuncias e causas em andamento, nao sao ostaculos para o reconhecimento do requisite

9 — A sentenca condemnatoria, alem disso, deve ter forca de cousa julgada. Dahi estas consequencias: a) si a sentenca estiver depen-dente do recurso ou dentro do prazo do recurso, nao pode a condemnacao ser considerada existen-te, pois esta sujeita a reforma pelo juiz ou tribu­nal superior; b) si o julgado for de paiz estran-geiro nao e obstaculo porque tal decisao, nao ten-do forga executoria em territorio brasileiro, nao constitue cousa julgada nos termos da lei (1)

Quanto a coisa julgada, observe-se: a) 0 reu favorecido pela amnistia, e considerado prima-rio. A amnistia annulla o crime, ,considerando-o inexistente para os effeitos da pena (2). O mes-mo, porem, nao se da com o indulto. Indulto e perdao. Nao annulla o crime; supprime, apenas,

(1) — O artigo 16 do Codigo Civil diz que as sentences dos tribunaes estrangeiros serao exequiveis no Brasil, mediante as con-digoes que a lei brasileira fixar. A lei que se refere ao assumpto e a de n. 221 de 30 de Novembro de 1894, que somente trata de senteneas em causas civis e commerciaes. As senteneas eriminaes sao apresentadas as autoridades brasileiras apenas para os pedidos de extradiccao, nao contituindo cousa julgada. A lei que regula a ex-tradiccao e de n. 2.416 de 28 de Junto de 1911.

(2) — Jury, n. 289.

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as suas consequeneias (1). b) 0 reu favorecido pela prescripgao, si ja estiver condemnado por sentenga irrecorrivel, nao pode ser tido como pri-mario, visto que a sentenga condemnatoria que lhe foi imposta so nao foi executada por culpa sua — fuga ou desobediencia ao decreto do juiz. Seu crime nao fieou apagado, como na amnistia; consideral-o nao existente, seria premiar a astu-cia. A prescripgao so pode favorecel-o, si ainda nao ha condemnagao, porque esta e elemento es-sencial. c) Si a lei nova considerar nao crirriinoso o facto que, anteriormente, o era, e pelo qual o reu fora condemnado, a condemnagao fica sem effeito e o delinquente deve ser tido como prima-rio em relagao ao segundo crime. A interpreta-gao mais benigna neste ponto deve ser adoptada; a lei nova sempre retroage quando tira o caracter de crime ao facto que, como crime, era antes re-putado. Esta solugao deve ser dada mesmo no caso do reu ter ja cumprido a pena; uma vez que, ao tempo da segunda condemnagao, o primeiro facto nao mais era punivel, tal circumstancia basta para o infractor que solicita a suspensao, ser tido como primario.

10 — Existindo a condemnagao ,pouco im-porta que o facto que a determinou, seja poste­rior aquelle para o qual a suspensao e invocada. Si o reu commetteu dois crimes successivos e si

(1) — Jury, n. 282.

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o primeiro ainda nao esta apurado, a condemna­gao pelo segundo, sendo a unica existente, pode originar a suspensao. A lei, como ja se viu, nao se refere a existencia de um facto criminoso, mas de uma primeira condemnagao; o primeiro facto pode ser justificado pelo reu ou nao ser devida-mente provado, dando essas circumstancias en-sejo a absolvicao (1).

11 — A condemnagao anterior que impede a suspensao e a que teve como pena a prisao e a multa conversivel. O decreto 16.588 diz — "em caso de primeira condemnagao as penas de multa conversivel em prisao ou de prisao de qualquer natureza". De modo que a condemnagao somente a interdicgao, suspensao ou perda de emprego, nao serve de obstaculo (2).

12 — A condemnagao que obsta a indulgen-cia e a proferida tanto em processos de delictos communs, como nos chamados delictos politicos.

(1) — Quanto aos menores, pela leg is la te actual, (decreto n. 16.272 de 20 de Dezembro de 1923), ate 14 annos, tern elles a presumpcao absoluta de irresponsabilidade. Tendo mais de 16 annos, sendo £rave o delicto e revelando perversidade, a pena sera applicada de accordo com o art. 65 do Codigo Penal. Tendo mais de 18 annos, o favor esta na attenuante da menoridade. Nestes dois ultimos casos, a eondemnacao pode servir de obstaculo para o snrsis que for pe-dido mais tarde.

(2) — Arts. 56 e 57 do C. P. — A condemnagao anterior que impede a suspensao e somente a que pune com pena de prisao ou de multa conversivel em prisao. Casos ha em que a pena, nem e de multa, nem de .prisao. Earissimos sao elles (226, 230, 231, 238). Nao ipoderao nunca servir de obstaculo a suspensao, no crime pos­terior; e, por seu turno, nao podem ter o favor da lei.

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E' excluida da regra, a condemnagao por delietos militares. Os delietos politicos so deixam de ser punidos, quando lia amnistia; si nao lia amnistia e si o delinquente infringe outros dispositivos do Codigo, nao pode ser tido como primario. Os cri­mes militares sao de jurisdicgao especial, de na-tureza restricta, na maioria delietos de profissao (revolta, motim, insubordinagao, insubmissao, excesso de poder) que devem ser considerados estranlios ao fim da lei relativa a, suspensao da pena.

A condemnagao pelas f altas contravencio-naes estao excluidas? A lei refere-se, apenas, a primeira condemnagao, sem distinguir. Si esta existe, seja por crime ou contravencao, o delin­quente nao pode ser tido como primario. En-tretanto, como a contravengao e considerada mais um meio preventivo do que repressivo, sendo menos prejudicial do que o crime aos inte-resses publicos, a lei, no caso da primeira contra­vengao ter obtido a indulgencia legal, nao consi-dera essa condemnagao como obstaculo aos pe-didos posteriores do mesmo favor. E' uma exce-pgao que so muito cautelosamente deve ser con-cedida (1).

As decisoes disciplinares nao tern natureza de infracgao penal. Sao medidas coercitivas des-tinadas a fins diversos e em' bem da ordem e re-gularidade dos servigos publicos. Nao estao com-preliendidas na proliibigao.

(1) — Dec. eifc, art. 6.

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13 — Uma questao que tern sido ventilada e a de saber si a lei, exigindo que nao haja ante­rior condemnacao, refere-se a condemnacao pro-ferida depois de sua promulgacao ou a prof eri-da mesmo anteriormente. 0 preceito nao distin­gue. Desde que exista no passivo do infractor, uma condemnagao, pouco importa saber a epoca em que ella foi decretada; tal sentenca impede a indulgencia, mesmo que seja muito anterior ao instituto que creou a suspensao.

SECQAO I I

0 segundo requisite

14 — 0 segundo requisite e que a pena ma­xima da prisao seja de um anno, ou originaria-mente ou por meio de conversao da multa im-posta. A lei refere-se, nao a pena afestracta, mas-a pena que foi imposta, embora tenha sido re-baixada pelo reconheciniento de circumstancias favoraveis ao reu.

15 — E' fundamento da suspensao, como ja se viu, a repugnancia da lei as penas curtas, pois nao duram o tempo preciso para a emenda do infractor, permanecendo, entretanto, por tem­po sufficiente para corrompel-o e aviltal-o. A lei falla em prisao, sem distinguir a sua especie, re-ferindo-se, portanto, a, prisao de qualquer natu-reza, seja a mera reclusao, seja a prisao cellular, simples ou com trabalho. 0 mesmo nao succede

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em algumas legislagoes, que se restringem as pri-soes communs.

16 — Quanto a multa, ou a pena e exclusi-vamente de multa, ou de multa com prisao. JSfo primeiro caso sera liquidada e so depois de verificar-se que a importancia respectiva nao pode ser paga, e que sera convertida. A prisao fica sem effeito, desde que o criminoso ou tercei-ro pague a multa ou preste fianga idonea para o seu pagamento (1). Convertida a multa em pri­sao, si esta nao exceder de um anno, o favor le­gal pode ser concedido.

No segundo caso, quando e paga a multa, nao ha difficuldade a resolver; si, porem, nao e paga e o reu solicita o favor, o tempo da prisao designado pela sentenga, deve ser addicionado ao tempo da prisao que substituiu a multa para ver o juiz si o limite de um anno nao esta exce-dido.

Nao se permitte o pagamento de multa, em parte. Constitue ella um todo indivisivel. Da multa, o Thesouro e credor; e a elle nao se pode impor que receba uma parcella da divida, quan­do ao todo tern incontestavel direito.

17 — Si a pena e superior a um anno, mas fica reduzida a menos de um anno pelo indulto, a suspensao pode ser decretada. E' verdade que a lei f ala em condemnagao. Para corrigir, porem, o exeesso desta, foi que o Poder Executivo ficou

(1) — Arts. 58 e 59 do Codigo Penal.

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com a faculdade excepcional de perdoar ou mi-norar o castigo. Dado o indulto parcial e ficando a pena reduzida ao limite da lei, esta preenchida a condigao exigida. Dir-se-a que neste caso, ten-do o reu ja cumprido parte da pena, o receio de eontagio nao pocle mais ser invocado para justi-ficar a excepcional medida. B' exacto. Mas, si o reu mereceu o indulto, foi porque nao revelou no facto a condigao de temibilidade de que a socie-dade se arreceia (1). Ja vimos que, na suspen-sao, ha o interesse publico de encorajar a quern, por accidente, caiu no crime.

SECQAO I I I

0 terceiro requisite

18 — A ultima das condigoes e que o reu nao teiiha revelado mau caracter, na occasiao do delicto. A lei refere-se ao procedimehto perver­se on que denote corrupgao (2).

(1) — O indulto, no dizer de Ihering, serve de correccao as sentencas, e valvula de seguranca aos direitos.

0 perdao podc coexistir com a suspensao condicional. Visa elle abrandar o rigor da pena, as mais das vezes e eorrigir o erro dos juizes impressinados pela atmosphora creada pelo crime. Si nao e complteto e si o reu tern todas as condicoes para obter a substituicao da prisao pela vigiianeia, por que priva]-o desse bene-ficio? Si o Poder Kxecutivo apenas teve em consideracao o rigor da pena para reduzil-a a sua justa proporcao, o Poder Judieiario pode complstar a obra, modificando o modo de execucao. O in-teiesse da soeiedade nao e ver ninguem preso. E' eorrigir severa ou brandamente a nuem infringe as leis penaes.

(2) — Art. 1.' do Deer. 16.588.

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19 — Nao e so da natureza do crime que se deve deduzir a existencia deste requisite Sao in­famantes os delietos de furto ou estellionato; en-tretanto, podem ter sido praticados sem eorru-pcao do infractor, havendo, mesmo, casos de se-rem niotivados por sentimentos de caridade ou dedicagao. Nao sao infamantes os delietos contra a integridade pliysica; podem, porem, ser reves-tidos de maldade ou perversidade.

Do simples reconhecimento de circumstan-cias que rodearam o crime, tambem nao se pode inferir a existencia ou nao deste requisite. Pre-meditar ou ajustar, por exemplo, a morte, para livrar de soffrimento a um doente incuravel (eu­thanasia), pode re velar erro, ignorancia, deses-pero, mas nao mau caracter (1). Ter tido exem­plar conducta anterioi nao exprime que o acto delictuoso seja apenas o producto de uma pai-xao momentanea (2). A fuga nao e indicio de mau caracter, pois pode resultar da fraqueza, do terror da prisao, de necessidades da familia ou provideneias de defesa.

0 criterio deve ser colhido no exame das con-dicoes da pessoa, das causas do delicto e das cir-cumstancias que o cerearam. O juiz deve: exami-nar a idade e educagao do reu, o meio em que elle se creou ou viveu, a natureza do trabalho a que

(1) — A lei nao autorisa ninguem a matar uma pessna conde-mnada a morte por molestia incuravel. A morte seria, neste caso, verdadeiro assassinato.

(2) — Do contrario, 0 reconhecimento da attenuante teria gempre como consequencia, a concessao do sursis.

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se entregava, sens habitos, temperamento, ante-cedentes de conducta, sua saude e a dos proge-nitores; verificar si houve motivo ou nao para o crime, si havia odio, prevencao, amizade, re-sentimento entre o reu e a victima; reflectir so-bre as condicoes de miseria. suggestao, emulacao, exaggeros de pundouor ou brio, sobre o clima e as tendencias de iinitacao, etc. So depois desse estudo feito com criterio e calma, e que deve dar a sua decisao; decisao detalhada, circurastancia-da, provada, para que os interessados a conhe-cam e possam interpor os recursos que entende-rem de justica (1).

(1) — JURISPKU'DENCIA — HABEAS-CORPUS N. 18.010. 0 simples facto de ter havido a juste para a pra-

tica do crime nao constitue, por si so, circumstancia indicativa de perversidade, impossilbilitando a cou-cessao do sursis.

N. 18.010 — Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas-corpus do Distrieto Federal, em que sao paeientes Carlos Daltro e Almerio Ramos Daltro:

Estes foram denunciados no art. 303 do Codigo Penal, porque no dia 18 de Fevereiro de 1925 fizeram em Adriao Petter Villa Nova as cscoriacoes constantes do auto de corpo de delicto, quando viajavam em um bonde.

Carlos Daltro foi condemnado a 9 mezes 22 dias e 12 horas, grau sub-maximo do artigo 303, por coneorrerem as aggravantes do ajuste e da surpresa com a attenuante do exemplar compor-tamento anterior.

Almerico Daltro, foi condemnado a 7 mezes e 15 dias de prisao, grau medio do citado artigo, por se darem as mesmas aggravantes com as attenuantes do exemplar comportamento anterior e da rae-noridade de 21 annos.

A 3.a Camara da Cfirte de Appellacao confirmou a sentenca de primeira instancia, tendo indeferido o pedido de suspensao da execucao, porque os appellantes se ajustaram para a aggressao e a realisacao com rurpresa, revelando assim caracter perverso.

Allega-se no pedido de habeas-corpus em favor dos paeientes,

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que elles se acham em condicoes de mereeer o beneficio que Ihes foi recusado.

A denuncia limitou-se a narrar o facto, sem mengao alguma de qualquer circumstancia indicativa da perversidade.

Da prova dos autos tamfoem nao reaulta que os pacientes sejam de caracter perverso, nem essa perversidade se demonstra pelo facto de terem ajustado a aggressao, dado mesmo que essa ag-

gravante estivesse provada, como se julgou na Corte de Appella-

cao, contra o voto do Senhor Desembargador Angra de Oliveira. Alem disso, no Gabinete de Idsntificacao nada consta contra

os pacientes (fl. 44 e 45), em cujo favor se leconheceu a attenuante de eexemplar comportamento anterior.

Urn dos pacientes e cirurgiao-dentista; o outro e cmpregado na E. F. Central do Brasil e ambos offerecem attestados de boa conducta fornecidos por pessoas qualificadas (fl. 24 e 26).

Accordao, pelo exposto, deferir o pedido de concessao do sursis; pagas as custas "ex-causa".

Rio de Janeiro, 13 de Setembro de 1926. — Hermenegildo de Barros, relator. — Heitor de Souza. — Bento de Farm. ■— A. Rl-

beiro. — Leoni Ramos. — Godofredo Cunha. — Pedro dos Santos, vencido. —- Muniz Barreto. — Presidiu o julgamenfco o Ministro Andre Cavalcanti. e foram votos vencedores os dos Ministros Gui-

maraes Natal, Pedro Mibielli e Viveiros de Castro. O sub-secretario, Theophilo Gongalves Pereira.

* * * i i

"HABI;AS-CORPUS" N. 23.125

Revela caracter perverso ou corrompido quern, adquire suhziaucia venenosa ou to.cica, para re-vendel-a a menores.

Accordao 23.125. — Vistos e examinados estes autos do Dis-

tricto Federal, em que sao recorrente o Dr. Pedro Limoeiro Junior e recorrida a Corte de Appellacao, accordao negar provimento ao recurso, condemnando o recorrente nas custas.

I. O Dr. Pedro Limoeiro Junior pediu a Corte, concessao de li-

berdade provisoria a favor de Satyro J. Portella, que tinha sido condemnado no grau minimo do art. 1." § 1." da lei 4.294 de 6 de Julho de 1291 — venda de substancia venenosa entorpecente. O juiz hr.via indeferido o pedido do reo, apesar de ter reeonheeido que elle era de exemplar comportamento. A Corte nao concedeu

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ao reo o beneficio solicitado, po"que, para isso era necessario que o reo tivesse bom earacter, requisite este que nao estava provado. Dahi, o presente recurso para este Tribunal.

II. E' juiidico o despacho recorrido. 0 reo, tendo adquirido a substancia venenosa de quern a havia subtrahido e tendo feito venda de parte della a um viciado e de menor idade, com pleno conhecimento dessa circumstancia, revelou earacter corrompido. Poueo importa que, antes do delicto, apparentasse bom procedi-

mento e, por isso, tivesse a attenuante que minorou a sua pena. No acto do crime, seu procedimento revelou as mas qualidades que possuia.

Rio de Janeiro, 22 de Outubro de 1928. — Godofredo Cimtia, Presidente. — F. WMtaker Filho, Relator. — Heitor de Souza. — Bento de Faric. ■— E. Bins. — Hermenegildo de Barros. — Gemi-

niano da Franca. — Caidoso Ribeiro. — A. Ribeiro. — Leoni Ramos. — Pedro dos Santos.

23.063. Accordam. Vi^tos e exaininados estes autos do Estado do Rio

de Janeiro, em quo e impetrante o Advogado Socrates P. Diniz e paciente Antonio Rodrigues Pinheiro, accordam negar a ordem de habeas-corpus pedida, condemnando o impetrante nas custas.

I. O paciente foi denunciado em Nictheroy, pelo delicto do ar-

tigo 338, ns. 5 e 8 do Codigo Penal e condemnado no minimo desse artigo. O juiz, para graduar a pena, reconheceu a existencia da attenuante do § 9 do art. 42 do mesmo Codigo. Tendo passado em juigado a sentenga condemnatoria, a requerimento do reo, foi-Ihe concedida liberdade provisoria. Da decisao, nesse sentido, houve recurso para o Tribunal da Relacao; e este Tribunal mandou cassar o sursis. O paciente, a vista disso, pediu, que por habeas-corpus, o accordam que o desfavoreceu fosse reformado.

II. Para a eoncessao da liberdade provisoria, e indispens?vel. como um dos requisitos, nao ter o delinquente revelado possuir um earacter corrompido. Ora, na pratica do delicto pelo qual o paciente foi condemnado -— uso de ^rtificio para sorpreender a boa fe de outrem e uso de qualidade falsa para conseguir pro-

veito proprio em detrimento dos interesses alheios — revelou elle um earacter mau. Poueo importa que anteriormente, fazendo-se abstracgao do delicto da mesma natureza pelo qual fora absolvido, tivesse elle apparentado a lisura de procedimento que lhe valeu a attenuante do actual delicto; o que e incontestavel e que na oeeasiao

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de praticar o crime pelo qual xoi condemnado, demonstrou que nao tinha bom caracter, nao podendo, portanto, gosar de um beneficio que somente e concedido ao que e victima de uma fatalidade.

Rio de Janeiro, 1 de Outubro de 1928.

Presidente: — Godofredo Cunha. Relator designado: — F. Wkitaker.

* * * "HABEAS-CORPUS" N. 23.002

0 beneficio do sursis visa estimular o reo que e condemnado pela primeira vez em pena branda, li-vrando-o do contagio pernicioso da prisao; mas so pode ser ceneedido ao que nao tenha revelado, na pra-tica do crime, caracter perverso ou eorrompido.

Vistos e examinados estes autos do Districto Federal, em que e impetrante K» Dr. Antonio C. Gusmao e e paciente Antonio Ro-drigues Pinheiro, accordao negar a ordem pedida, conriemnando J impetrante has cu<tas.

a) 0 reo, pela segunda vez, pediu a reforma da decisao do Tribunal de Nictheroy que revogou a sentenea que ihe conesdeu suspensao da pena do artigo 338, 5, do Cod. Penal, em que fora condemnado. Os nrotivos do pedido foram os mesmos com que o reo se apresentou no "habeas-corpus" negado pelo accordao deste Tri­bunal, datado de 28 de Dezembro de 1927.

6) Nao podia ser attendido o seu pedido. 0 beneficio do sursis visa estimular o reo que e condemnado pela primeira vez em pena branda, livrando-o do contagio pernicioso da prisao; para isso, porem, e preciso que o reo nao tenha revelado caracter per­verso ou eorrompido. Esta condicao falta, no caso actual. O reo habituou-se a pratica de actos illicitos e reprovados com os quaes, em prejuizo de tereeiros, adquiria os saus meios de sub^istencia. Tal circumstancia ficou provada do.- autos e e certificada pelas autoridades que julgaram o reo.

c) A allegagao de que era por motivo de molestia mental que o reo mal procedia, alleg-acao feita no eorrer do julgamento, nao encontra prova nos autos; ao contrario o que consta do primeiro "habeas corpus" e que tal molestia nao foi verificada pelos peritos que examinaram o reo.

Rio de Janeiro, 13 de Agosto de 1928. — Godofredo Cunha, P. — F. Wkitaker Filho, relator designado. — Heibor de Souza. — Linn. — G&miniano da Franca, vencido. — Leoni Ramos.

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* * * 23.fi06. D. F. "Habeas-corpus"'.

ACCORDAM

Vistos e examinados estes autos do Districto Federal, em quo que e imtpetrante o Dr. Aurelio Castello Branco e e paciente Joao Abdias da Silva, accordam negar a ordem pedida, condemnando o requerente nas eustas.

I. Joao Abdias da Silva foi processado e condemnado no grao minimo do artigo 331, 2, combinado com o 330, 4, do Codigo Penal e artigo 39 do Decreto 4.780 &e 1923. Havia elle se apropriado de quantia.s pertencentes a firma F. Passos & Comp., quantias qu» recebia como vendedor e eobrador. O facto realisou-se em occasioe.-* differentes e o prejuizo attingiu a somma avultada. Descoberto o delicto, foi o mesmo confessado em todas as suas rainudeneias, tendo o eriminoso dito que, praticada a primeira falta, as outras se succederam com o intuito de reparar o mal, mas sempre sem o exito desejado. Da sentenca condemnatoria, o reo appellou; a ap-pellacao, porem, nao foi provida. Passando em julgado a conde-mnaeao, o reo pediu a Corte, que a pena ficasse suspensa, por ser delinquente primario. Foi negado o favor legal. Veiu, entao a este Supremo Tribunal, o presente pedido -de "habeas-corpus", para corrigir a deeisao denegatoria.

II. O pedido foi indeferido. Antes do delicto, podia ser bom o comportamento do reo, para

merecer a attenuante do § 9." do artigo 42 do Codigo Penal, como mereceu. No facto delictuoso, porem, revelou elle nao ser digno da indulgencia creada pelo Decreto 16.588 de 6 de Setembro d;: 1924, apesar de delinquente primario. Nao. peia natureza do de­licto; mesmo em infracgoes tidas como infamantes, circumstanciari podem occorrer que nao demonstrem, no delinquente, a perversao de caracter que a lei nao perdoa. Sim, pela reiteragao do facto eriminoso, pois o reo, praticada a primeira falta de pequeno valor pecuniario, foi intencionalmente, realisando outras muitas, ate o prejuiso attingir grande somma. Foi, por isso que a condemnacao se deu de accordo com o artigo 39 do Decreto n. 4780 de 1923. Quern assim pro-cede, nao se pode julgar digno do excepcional favor que ora solicita. A deeisao da Corte foi justa.

Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 1929.

Presidente: — Godofredn Cunka. Relator designado: — F. Whitaker.

_ 3 8 —

H. e. 23.656. D. F.

A COORD AM

Vistos e examinados estes autos do Districto Federal, em que e impetrante o advogado Joao S. C. Oliveira e e paciente Joao Abdias da Silva, accordam negar a ordem pedida, condemnando o impetrante nas custas.

I. Foi o paciente condemnado pelo crime de apropriacao inde­

bita, no minimo do art. 3S1, 2 comb, com o 330, 4 do Codigo Penal e 30 do Deereto 4780 de 1923. Confessou o facto deste modo: "era vendedor e cobrador da firma F. Passos ■& Comp., quando, ha um anno mais ou menos da data de suas declaracoes, perdeu a quantia de tres contos de reis pertencentes a mesraa firma; re­

ceioso de ser descoberta a falta dessa importancia, eomecou a jogar e a comprar bilhetes de loterias, afim de ver si por esse meio, obtinha a quantia perdida; o alciance, porem, dia por dia foi augmentando, ate attingir a importancia de reis 41:874$130; no dia 19 de Junho de 1928, o seu crime foi descoberto e sua de­

missao foi dada." Estas declaracoes, reunidas a outras provaa, determinaram a sentenca condemnatoria que foi confirmada, em grao de re­^urso pelo Tribunal Superior. Pretendeu, entao, o reo que a pena fosse suspensa, porque e delinquente primario e tao bom comportamento tern que foi reconhecida a seu favor a atte­

nuante do artigo 42 § 9° do Codigo Penal. Nao foi acolhida sua pretencao, nem na justica local, nem perante este Tribunal, como se ve do accordam de 27 de Novembro do anno passado. Este novo pedido tern o mesmo objeclo.

II. E' negado o "habeas­corpus". Nao foi a natureaa do delicto que determinou o indeferimento do pedido. Mesmo em de­

lictos tidos como infamantes, pode o infractor, conforme as cir­

cumstancias, obter a suspensao da pena. Determinou o indeferi­

mento no primeiro como no actual pedido, a ausencia do bom cara­

cter que a lei exige para eonceder a indulgencia solicitada. O pa­

ciente, encobrindo a primeira falta e praticando outras muitas ate elevar o prejuizo de seus patroes a uma somma elevada, abusou da confianca que nelle era depositada, revelando nao ter quali­

dades moraes. Pouco importa que tivesse sido reconhecida a favor do paciente a attenuante do artigo 42 § 9.° do Codigo Penal. Para

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ser concedida a suspensao da pena e precise que, no crime, o in­

fractor nao tenha revelado mao caracter. Rio de Janeiro, 3 de Janeiro de 1930.

Presidente: — Godofredo Cunha. Relator designado: — F. Whitaker.

* * * N. 22 929.

ACCORDAM

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas-corpus do Districto Federal, paciente e impetrante Joaquim Portella:

Aecordam conceder a ordem impetrada, para que, suspensa a cxecucao da pena pelo tempo de dois annos, nos termos do art . 1." do Dec. n. 16.588 de 6 de Setembro de 1924, seja o paciente posto immediatament? em liberdade, se por at nao estiver preso.

Estao provados os requisitos do citado artigo, para que haja lugar semelhante beneficio.

Os documentos que instruem o pedido mostrara que o paciente e merecedor do favor legal por que vem insistindo.

No facto criminoso em que se viu envolvido talvez para occulta:' faltas de terceiro, seu amigo, fl. 12, nao revelou caracter perverso ou corrompido.

Nem seria possxvel que tal acontecesse com urn individuo que, pouco antes, trabalhando na mesma easa commercial que adiante se disse lesada, acudira. com elevada somma, a am companheiro para que elle pudesse fazer uma indemnisacao que o livraria de grande infortunio.

Ainda agora os sentimentos que revela sao apreciaveis, pre­

ferindo, aos dias restantes de prisao que a sua condemnagao de sete mezes ainda reclama, o tempo minimo de dois annos em que devera ficar sujeito a fiscalisa?ao policial, na esperanca de con­

seguir rehabilitar­se, promovendo a revisao do seu processo. Assim julgando, determinam ao juiz da execucao o cumprimento

do art. 8." e seguintes do Dec. 16.588. ■Custas pelo impetrante. Supremo Tribunal Federal, 18 de Junho de 1928. — Godofredo

Cunha, Presidente. — Cardoso Ribeiro, relator. * * *

AOCORDAM N. 23.370

Vistos, relatados e discutidos os autos de habeas-corpus do Districto Federal, impetrante Dr. Caio Monteiro de Barros e paei­

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entes Jose Augusto de Campos e Bernardino Francisco Henrique: Aeeordam conceder a ordem impetrada, afim de poderem os

pacientes go^ar o beneficio da suspensao condicional da pena de 4 mezes, 22 dias e 12 horas de prisao cellular convertida em prisao com trabalho, a que estao obrigados, nos termos do julgamento pela 1," Camara da Corte de Appellagao e do recurso que interpuzeram da sentenca do juiz da 7." Pretoria Criminal, que Oi condemnors a pena do grau medio do art. 303 do Codigo Penal.

Os pacientes sao operarios, de exemplar comportamento ante­

rior e reconhecido como circumstancia attenuante do delicto que praticaram. Divertiam­se em sua resideneia "soltando fogos", em a noite de 23 de Junho de 1928, costumada i'esta de S. Joao. quando o visinho Jose Guimaraes lhes foi pedir que nao continuassem es­

tourando bombas, porque sua mae doente, com isso se incommodava. Verdadeiro ou nao, o allegado deu ensanchas a uma discussao

que degenerou em luta corporal, da qual sairam feridos os tres. ■ 0 sursis foi negado aos pacientes, por terem desattendido ao

pedido apparentemente rasoavel de Guimaraes; com elle brigado, ferindo­o.

A accusagao viu o delicto aggravado pelo motivo reprovado da recusa a solicitagao.

A justica. acceitando a aggravante. considerou de caracter perverso, pelo mesmo motivo da recusa, a acgao dos pacientes.

.Sem prejulgar quanto a propriedade ou nao da aggravante, o Supremo Tribunal Federal entende que a acgao do? pacientes nao revelou "caracter perverso ou corrompido­" que pudesse embaragar a esses delinquentes primaries "de exemplar comportamento an­

terior", a fruicao de vantagem assegurada pelo art. 1." do Dec. nu­

mero 16.588 de 6 de Setembro de 1924. Ditos pacientes nao teriam sido attenciosos, delicados, bons

visinhos: ao contrario, teriam sido grosseiros e maus visinhos. Ja­

mais mostrariam, por6m, so por isso, caracter perverso ou cor­

rompido. Estao, pois, em condicoes de merecer o favor legal, que lhes devera ser proporcionado. com as cautelas regulares.

Custas ex-<$ausa. Rio de Janeiro, 27 de Junho de 1929. — Godofredo Cm ' .

Predidente. — Cardoso Ribeiro, relator. * # * AOCORDAM

N. 23.385. — VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de recurso interposto da decisao de fls. 10. denegatoria de habeas-

corpus; paciente Francisco Antonio Luiz Quilichini:

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ACCORDAM, negar provimento ao recurso, pelos seguints.s fundamentos.

I. 0 advogado Joao Romeiro Neto requereu a Cortc de Ap-pellacao, 1." Camara, uma ordem de habeas-corpus em favor de Francisco Antonio Luiz Quilichini, para o effeito de ser decre-tada a suspensdo conditional da pena imposta pelo Juiz da 8.a Vara Criminal, no processo em que condemnou o paciente como incurso no grao minimo do art . 1." do Dec. n. 4.294, de 6 de Julho de 1921, o qual dispoe o seguinte: "Vender, expor a venda ou ministrar substancias venenosas, sem legitima autorisaciio e sem as forma-lidades prescriptas nos regulamentos sanitarios: - - - Paragrapho unico. Si a substantia venenosa tiver qualidade entorpecente, como o opio e seua dzrivudos: Pena — prisdo cellular por wm a quatro-annos ".

Allegou o impetrante: que esse crime nao esta comprehendulo entre os que forara excluidos do beneficio do sursis, pois estes sao apenas, como determina o art. 573 do Codigo do Processo Penal, OH dellctos contra a kontfa e boa jama (Codigo, arts. 315 e 325 e ieis modificadoras) e contra a seguranca da honra e honestidade das familias (Codigo, arts. 266 a 278 e 283 e leis modificadoras); que o paciente e um delinquente primario, tendo sido reconhecida, na sentenca condemnatoria, a attenuante do exemplar comportamen-to anterior; e a pena e de urn, anno de prisdo celhdar; que a terceira condicao. tambem esta provada — nao ter o paciente revelado ra-racter perverso ou corrompido na pratica do crime; que basta a circumstancia de nao ter sido declarada pela sentenga a existencia de aggravants, para assim so concluir; que o art. 38, § 1.°, forrSece o conceito da perversidade e da corrupgao, quando estatue: "Preva-lecerdo as aggravantes: a) quando preponderar a perversidade do criminoso, a extensao do damno e a intensidade do alarma causado pelo crime; b) quando o criminoso for avezado a praticar mas acgoes, ou desregrado de costum\es".

A 1." Camara da Corte denegou a ordem, fundando a sua decisao em que "o despacho pelo qual foi ind&ferido o pedido d? suspensdo da condemnacdo imposta ao paciente e juridico, estd de accordo com a lei".

Dessa decisao recorreu o impetrante, pelos motivos ja ex-postos.

II. No instituito do sursis, denominacao franceza, a que se re-fere o art. 1.' do Dec. Leg. n. 4.577, de 5 de Setembro de 1922, verbis — "E ' o Poder Executivo autorisado: I — . . . d creacdo da suspensdo da condemnacdo (sursis)". A condemnagao e affe-

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ctada de uma condicao resolutoria, que, verificada, torna definitivn a condemnfagao.

Como diz a exposigao de motivos do Dec. n. 1G.588, de 6 de Setembro de 1924, a candemnagdo conditional, que elle regula. tem por principal eseopo: 1.", nao inutilisar desde logo, pelo cumpri-mento da pena, o delinquent--/ prmiario nao corrompido e nao per-verso; 2.°, evitar-liie, com o contagio da prisao, as funestas e co-nhecidas consequencias desse grave trial, maior entre nds do que em outros paizes, pelo nosso defeituoso systema penitenciario, se tal nome pode ser dado a um regimen sera methodo, sem unidade, sem orientacao scientifica e sem estabelecimentos adequados; 3.°, diminuir o numero dos reincidentes, pelo receio de que se tome effectiva a primeira condemnagao.

Que o paciente e um delinquente primario ninguem contesta. 0 segundo requisito, na modalidade prisao, esta patente, pois a pena imposta e de um anno de prisao cellular ('Dec. n. 16.588, art. 1.°). Entretanto, o mesmo se nao pode dizer quanto ao requi­sito de ordem moral, cuja demonstragao nao se faz com o so facto de ter sido boa, ou mesmo excellente, a vida pregressa do criminoso. Comquanto possa esta cooperar para a concessao do beneficio nao basta para justifical-a. Neste assumpto, seguimos o direito belga, que nao se satisiaz com os antecedentes. E, si assim nao fosse, o reconhecimento da alludida attenuante teria sempre como con-sequencia a suspensao da execucda da pena nas pequenas conde-mnagoes embora o delinquente houvesse revelado grande perver-sidade ou corrupcdo ao "xecutar o crime.

Como observa Adolphe Prins {Science Penale et Droit Positif), "on donne au juge une faculte dont il ne doit user qu'exceptionelle-ment en faveur du condamne primaire qui a encore assez le sen­timent de I'konneur pour q'ane menace de peine soit un frein suf-fisant.. Si Us cir Constances dans lesquelles le delinquent a afffc ne sont pas telles, qu'on puisse croire a un entrainement irreflechi, V application du sursis ne repond pas a la pensee iu Ugislateur. La loi reagit contre toute application machinale des textes et exige un\e etude attentive des faits de la cause".

iSao de Berenguer, autor do projecto apresentado em 1883 no Senado francez, as seguintes palavras, breves e expressivas: "Ti\aia-s\e de medir o estado moral do condemnado e o grdo dej garantia que este estado suppoe".

0 nosso decreto organico inspirou-se nessas licoes e nas leis dos paizes que adoptaram, em substancia, o typo do projecto Beranger; e por isso dispoz no sen art. 1.°: "Em caso de l.a conde­mnacao as penas de multa conversivel em prisao mi de prisao

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de qaalquer natureza ate um anno, tratando-se de accusado que nao tenha revelado caracter perversa ou corrcm^pido, o Juiz ou Tribunal, tomando em consideragao «s nossas condicoes individuals, os ■motivos que dettrninriaru.m, e circumstaneias que cercaram a infracqao da lei penal, podera suspender a execugao da pena, em sentenca fundamentada, por um praso expressamente fixado de 2 a 4 annos, si se t ra tar de crime, e de 1 a 2 annos, si de contravencao".

Assim, o decreto quer que as condigoes subjectivas do agente e os factos e circumstancias concern mitantes cam a infracqao mos-

trem que esba foi antes a manifestacd-o de um estado de fraqueza do delinquente ou o vesultado de um movimento irnpeiuoso e irr?-

flectido, do que de uma dMibe vacuo perversa e calma. Nao obstante a natureza summarissima do remedio do habeas-

corpus, a suspensao da condemnacao ha de ser o resultado do estudo meditado da causa principal, que forneca irrecusaveis ele­

mentos de conviccao. demonstrativos das condicoes moraes do cri­

minoso no acto da delinquencia, de modo a assegurar a proficuidade da repressao consistente no so facto da eventual exeencao da pena, isto e, em a ameaga de se tornar esta effectiva, si o conde­

mnado delinquir de novo, no prazo fixado na senteca. Ora, a sentenca eondemnatoria, nao infirmada pelo paciente,

no ponto em exame, diz de Quilicbini que elle ''foi preso em fla­

grante vendendo chlorftydrato de cocaina sem legitima autorisacao, tendo sido apurado que o reo explorava desde muito tempo e me­

diante precos avidtados o torpe cowvmercio dos toxicos; attendia pelo telephone aos pedidos dos viciados, indo ao encontro destes...; dada uma busca no commodo occupado pelo denunciado, foram encontrados sete papeis, hermeticamente fechados, contendo aquelle entorpecente".

O caracter perverso e corrompido do paciente revela­se clara­

mente pela malefica exploracao, auferindo elle lucros com a venda clandestina de substancia nociva a saude e a vida de seus se­

melhantes. Nao ha nenhum dado, nenhum signal, que contrarie a ma paixao, os baixos sentimentos a que obedeceu o paciente, quando delinquiu pela forma descripta. Tel­o em liberdade pelo sursis e dar­lhe ensejo a renovar a criminosa mercancia. produaindo ou facilitando o cocainismo, o entorpecimento physieo e moral de outros homens, com graves prejuizos para a sociedade.

Rio de Janeiro. 27 de Maio de 1929.

Presidents: — Godofredo Cunha. Relator: — .1/. Barreto,

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* * * AOOORDAM

N. 22.718 — Vistos, relatados e diseutidos estes autos de petigao de habcas-corpiis em que sao impetrante o Dr. Jose Maria Leoni e paeiente, Antonio Maria Velloso:

Para o fim de resguardar Antonio Maria Velioso de prisao imminente, por ter a 1." Camara da Corte de Appellacao deste Districto confirmado a condemnacao que Ihe foi imposta pelo Juiz da 6 / Pretoria Criminal, no grao medio do ar t . 306 do Codigo Penal, e ainda negado a suspensao da execugao de tal sentence, o Dr. Jose Maria Leoni pedc para clle uma ordem de habeas-corpus, allegando:

a) nullidade do respective proces^o, motivada pelo cercea-mento da defesa, visto como suas teatemunhas, apesar de compa-recerem em Juizo, nunca foram inquiridas, o que teria sido devido a conluio entre o effendido e empregados subalternos da Pre­toria ;

6) inexistencia de prova permissiva do alludido decreto conde-mnatorio;

c) illegalidade da recusa da suspensao da pena, tr^tando-se de delinquente primario, *em antecedentes judieiarios ou policiae.s chefe de familia exemplar, trabalhador, honrado, espirito mode-rado e bondoso.

Foram prestadas as informacoes solicitadas. Isto posto: Considerando que do exame dos autos requisitados nao se

evidencia qualquer pratica tendente a impedir a audieneia das testemunhas arroladas pela defesa,

Deferida a respectiva inquiric.ao, si nao teve logar nos dias 6, 18 e 26 de Abril do anno proximo passado, tal foi devido as circums-tancias declaradas a fls. 63, 65 e 67 verso.

D^signado, porem, para aquclle fim, o dia 2 de Mai0 se-guinte, quer o pacierte, quer suas all 'didas teatemunhas, deixaram, entretanto, de comparccer, apesar de mtimados (fls. 70 v.), de-terminando o Juiz, mas so entao, requeressem as partes as dili-gencias que entendes-ei: (fls. 72), nada tendo pedido ou recla-mado o accusado (fls. 75 v.).

Sem alludir a qualquer obstaculo posto a sua prova, e ainda confirmando o nao comparecimento dos que deviam produzil-a, em razoes finaes apenas sustentou, a tal proposito, a obrigatoriedade da respectiva conduccao compulsoria, ex-officio, de cuja omissao

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teria resultado pretericao de formalidadc substancial. A al!egac,ao improcede porquanto o proprio intere-sado nao

tendo acudido ao chamamento judicial para usar da providencia facultada pelo art . 263, do Decreto n. 16.751, de 31 de Dezembro de 1924, nao podia pretender fosse expcdido, sem justa causa, o prazo certo para ultimacao do processo.

Tambem: Considerando que o exame das arguicoes relativas a impres-

tabilidade dos elementos basicos da condemnagao nao e susceptive! de ser feito em recurso desta natuieza.

Egualmente: Considerando que, para denegar a suspcnsao da exccugao desse

julgamento, o Tribunal local nao attendcu unicamente a fuga do paciente afim de evitar a prisao em flagrante.

Do processo emergem outras circumstancias justificativas da-quella decisao.

Assim e que elle: a) nao businou antes do accidente, facto esse demonstrative

de negligencia e de descaso pela mcolumnidade do- transeuntes; b) nao desviou siquer o vehiculo apesar dos signaes que,

ainda distante e de bracos erguidos. Ihe fizera a victima, homem velho e doente da vista;

c) nao soccorreu. nao obstante seus gritos, quando, agarrado ao radiador, era arrastado pelo automovel;

d) nao parou expontaneamente dito carro, cuja machina acce-lerada somente foi detida pela rebentacao de um dos pneumatico..

Esses factos reveladores da falta de piedade pela criatura humana, denotam caracter subordinado a sentimentos cgoisticos e maldosos. o que exclue o direito ao mencionado beneficio.

Em conseqnencia: Accordam, afinal, em denegar a ordem impetrada, c mandam

sejam immediatamente devolvido? o-z autos requisitados. Custas pelo impetrante. Supremo Tribunal Federal, aos 4 dp Janeiro de 1928. — Go-

dofredo Cunka, Presidents. — Bento de Farh, relator. (Decisao unanime).

* * * ACCORDAM

N. 22.706. — Vistos, relatados e discutidos estes autos de pe-ticao de kabeas-corpus em que sao: Impetrante — o Bacharel An­tonio Cardo-o de Gusmao Junior e Paciente —- Antonio Rodrigues Pinheiro.

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Antonio Rodriguez Pinhciro foi condemnado pelo Juiz de Di-reito da 3.B Vara Criminal da comarca de Nictheroy, Estado do Rio a soffrer a pena do grao minimo do art. i!38 n. 5 do Codxgo Penal por ter sido reeonhecida a circumstancia attenuante prc-vista no § 9." do seu art . 42, sendo-lhe, porem concedido o bene-ficio do art. 1." do Dec. 16.588, de 5 de Setembro de 1924 pars ficar suspensa a execucao da respectiva sentence pelo praso de tres annos.

O Promoter Publico, nada arguindo contra a condemnacao assim proferida, com a qual se conformou, recorreu, entretanco, da referida suspensao por entender que tal accusado nao merecia o favor da lei, visto como respondera a processo por facto identico perante o Juizo da 2." Vara Criminal dcste Districto, embora ti-vesse sido absolvido por deficieneia de provas.

O Tribunal da Relacao do alludido Estado deu provimento ao recur so para reformar, nesse ponto, semelhante determinacao do Juiz a quo, por entender, consoante as informacoes. prestadas por seu Presidente a esta Superior Instancia, se tratar de um criminoso de — caracter corrompido.

D'ahi o pedido de habeas-corp-us, sustentado o Requerente a coaecao illegal resultante dessa decisao, de vez que a mencionada absolvicao do Paciente e a eonceituacao de tal decreto judiciario o collocavam agora na situaciio de delinquente primario de exemplar comportamento anterior.

E assim sendo, sem prejuizo da cousa julgada. nao lhc podia ser recusada a liberdade na confoimidade da sua concessao.

Isto posto: Considerando que a su-pensao da execucao da pena, nos termos

do art . 1.° do Dec. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, esta subor-dinada, entre outras, a circumstancia de nao se tratar de individuo de — caracter perverso ou corrompido.

Na hypethese, o estellionato, e certo, nao attribue por si, ao seu agente uma indole — ferina, de accentuada maldade — tanto mais quando o uso de artificras para enganar, para iilquear a boa fe, para illudir, e excludente da brutalidade de ac§ao ou da falta de piedade para com o soffrimento da victima.

Delictos tae?, realisados pela intelligencia e nao pelos musculos. nao emprestam aos seu autores o qualificativo de summamente maos — significagao essa que. na lingua portugueza, e attribute ao vocabulo — perverso.

Mas, revela nelles, sem duvida, um caracter em decomposigao, pervertido, divorciado da moral — si nao hesitam em se apropriar do alheio, por meio de manobras fraudulentas, para assim, sem

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pejo e com deshonra, obter proventos, sem o esforco nobilitante do trabalho honeslo.

Considerando que, cm tal situacao, se oncontra, realmente, o paciente.

Si foi antes absolvido da respon.-abilidade por acto identico, mas tao somente devido a insufficiencia de provas, a reiteracao da mesma pratica, definindo seus habitos, o inculcam como um — corrompido —, nao mereccdor do beneficio em apreco.

Por conseguinte: Accordam em denegar a ordem pretendida. Custas pelo impe-

trante. Supremo Tribunal Federal, aos 28 de Dezembro de 1927. —

Godofredo CunJia, Presidente. — Dento de Faria, Relator.

* * * ACCORDAM

"HABEAS-CORPUS" N. 16.507

Niio preenche as condicoe.- necessarias ao bene­ficio do sursis o chauffeur que, embora pela primeira vez cor.demnado a pena menor de um anno de prisao por delicto culposo, commetteu innumeras transgres-soes regu lament a res no exercicio da ?ua profissao.

Vistos. relatado- e discutidos estes autos do Districto Federal. Edgar Antonio Monteiro requer ao Supremo Tribunal uma

ordem de hab&as-corpus em favor de Augusto Francisco, conde­mnado a tres mezes, sete dias e doze horas de prisao, grau medio do art. 306 do Codigo Penal, por sentenca do Juiz da 4.a Pretoria Criminal, confirmada pela 4.;< Camara da C5rte de Appellacao.

Allega o impetrante que requereu a suspensao da execucao a mesma Camara, que a denegou. por ter o paciente caracter pe--verso, exeluido, alit,.-•, observa elle, pela propria natureza do de­licto, que se diz commettido por imprudencia, negligencia ou impe-ricia, sem qualquer circumstancia aggravants.

I>o processo do paciente consta que este foi denunciado como incurso no art. 30G do Cod. Penal, por ter, no dia 22 de Maio de 1924, ao passar pila rua das Laranjeiras, guiando o automovel n. 4.129, atropeladu Antonio da Motta Silva, quando este procurava atravessar a rua, em frente ao Instituto dos Surdos Mudos.

A condemnacao e primaria; a pena imposta e muito inferior ao maximo da esi::belecida no Decreto n. 16.588; o delicto pelo qual o paciente foi condemnado e o daquelle que, por imprudencia.

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negligeneia ou impericia na sua arte ou profissao, ou por inobser-vancia de alguma disposicao regulamentar, commetter ou for causa involuntaria de alguma lesao corporal — o que por sua natureza nao revela perversidade de caracter.

0 delicto nao foi rodeado de circumstancia alguma digna de nota.

Basta considerar que o proprio offendido, victima de leve con-tusao na perna esquerda, dispensou o soccorro da Assistencia e declarou que o chauffeur nenhuma culpa tivera no accidente, pois o attribuia a mera casualidade (fl. 24).

A prova testemunhal nao autorisava, sequer, a eondemnacjlo. pois nao ha testemunha que tivesse attribuido o atropelamento a negligeneia, impericia, imprudencia do paciente, ou a inobservancia de alguma disposigao regulamentar, mesmo porque as testemunha.-nao viram como o facto se passou.

A propria sentenca condemnatory, proferida por ura supplento de pretor, e de manifesta inconsistencia. 0 juiz considera que duas testemunhas ouviram o reo declarar que nao tivera culpa no atropelamento, e dahi concluio que o reo confessou o delicto e que a sua responsabilidade ficou provada!

Considera ainda a sentenca condemnatoria que o proprio of­fendido nao isenta o reo de responsabilidade criminal e que este nao observava anteriormente as disposic.oes regulamentares da Inspectoria de Vehieulos.

A Quarta Camara da Coite de Appellagao confirmou a sen­tenca, nao por seus funda.:ie:itos, mas porque o reo foi preso em flagrante e a sua responsabilidade ficou demonstrada pelas declaracoes do mesmo reo a lis. 9. Ora, o que o reo declarou no lugar indicado foi simplesmente que -'ao enfrentar a rua Soares Cabral, via que do lado direito da rua das Laranjeiras urn individuo procurava atravessar, quando o declarante o vendo diminuiu a marcha do automovel, na oecasiiio, porem, que o auto passava perto delle o mesmo bateu com a cabeca no vidro do lado do auto, quebrando-se. . . "

Aecordao, porem, apesar do que fiea exposto, negar a ordem de kabeas-eorpus porque dos autos consta o documento de fl. 29, que prova contra as condigoes individuaes do paciente.

E ' assim que esse documento informa que o paciente e moto-rista profissional e desobedeceu ao signal dezenove vezes, mostrou-se desuniformizado duas vezes, commetteu excesso de velocidade qua-tro vezes, fez uso do escapamento livre quatro vezes, alem de outras infracgoes do Regulamento de Vehieulos, durante o periodo

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de treze annos em que o paciente exerce a profissao. Custas "ex­causa".

Rio da Janeiro, 5 de Outubro de 1925. — Andre Cavalcanti, P. — Hermenegildo de Barros, relator. — E. Lms. — A. Ribeiro. — Bento da Faria. — Pedro dos Santos. —■ Godofredo Cunha. — Ge­

minw.no da France. — Leotii Ramos. — Pedro Mibielli. — Viveiiros de Castro. — Muniz Barreto. — G. Natal.

* * *

"HABEAS­CORPUS" N. 15.997

Para que o beneficio do sarsh possa ser concedido per rseio de habeas­corpus 6 imprescindivel que, pela prova ccinpleta dos requisites exigidos para a con­

cessit, se demonstre a illegalidade manifesta da de­

negacSo, por abuso de poder por parte do Juiz da execugao.

N. 15.997. ■— VISTOS, relatados e discutido.­ estes autos de habeas­corpus do Districto Federal, em que e impetrante o Dr. Arthur Possolo e paciente Antonio Ferreira:

Accordam negar a ordem impetrada, por nao ter o impe­

trante produzido prova plena e complete da existencia de todas as condicoes exigidas pela lei para a concessao do beneficio da conde­

rnnacao ccndicional (sursis), que a Terceira Camara da Corte de Appellac^o der.egou ao paciente. Para que efse beneficio seja concedido, por meio de habeas­corpus, e ir.iprescindivel que, pela prova completa dos requisites exigidos para a concessao, se de­

monstre a iliegalid.­.­le manifesta da denegacao. por abuso de poder, por parte do Juiz da execucao. Pague o impetrante as custas.

Supremo Tribunal Federal, 13 de Julho de 1925. — Andre Ca­

valcanti, President?. — A. Ribeiro, relator "adhoc".— E. Lins. — Hermenegildo de Barros, vencido. — 0 advogado Arthur Possolo requereu ordem de habeas­corpus em favor de Antonio Ferreira, por lh­e haver sic3 recusado o livramento eondicional (alias nao e disto que se trata, mas de suspensao da execucao), quer pelo Juiz da 6." Pretoria Criminal, quer pela 3." Camara da Corte de Appellacao. Alleg.. o impetrante que o paciente foi condemnado uma <6 vez, pelo Juiz da 1.' instancia, a pena de um anno de

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prisao, reduzida a 7 mezes e 15 dias pela 3." Camara, nada hu-vendo que desabone o seu procedimento anterior.

Do processo do paciente consta que este foi denuneiado eomo incurso no art. 303 do Codigo Penal, por ter offendido, physica-mente, o menor Antonio Ferreira da Costa Junior, empregado de sua casa commercial.

0 pretor condemnou o reo no grau da pena, por concorrer a aggravante da superioridade em forca e nao estar plenamente provado o exemplar comportamento anterior, nao bastando para isso o simples facto de nao ter o individuo antecedentes judiciarios-

Pelo mesmo motivo, negou a suspensao da execugao. A 3." Camara da Corte de Appellacao impoz a pena no grau medio do citado artigo, por estar provado o comportamento exemplar pelo documento official de fls. 24.

Requerida a suspensao da exeeueao, a Camara a denegou sem fundamentafao.

Mas, a eondemna^ao e primaria, o tempo da prisao e inferior a urn anno, o procedimento anterior do paciente e exemplar, no eonceito da propria Camara, e as circumstancias que rodearam o crime nao tern absolutamente nada de extra or dinaiio, pois apenas ?e poderia arguir ao patrao a brutalidade de ter dado um socco no menor, seu empregado, o que fez brotar sangue pelo nariz. Isto provaria. quando muito, a brutalidade, sem a qual o crime nao existiria. mas n.ao provaria nem prova perversidadc do caracter, que e o que a lei exige para que nao seja eoncedida a suspensao da execugao.

Se esta nao for eoncedida num caso como este, nao o sera em nenhum outro. — Godofredo Cunha. — Viveiros de Castro. — Pedro Mibielli. — Leoni Ramos. — Pedro dos Santos. — <G, Natal. — Muniz Barreto.

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20 — Nao se pode, pois sustentar que, quaiito a este requisito, a faculdade do juiz seja arbitraria. Sempre e perigoso, o arbitrio. Si a lei o concedesse, nao teria ordenado que a sentenga sobre a suspensao, fosse fundamentada. (1). A faculdade de apreeiagao e discrecionaria, mas nao arbitraria. O juiz tem plena liberdade de apreciar o caso; nao pode, porem, fazer o que quer, devendo satisfagao ao publico, as partes e aos seus superiores (2).

(1) — Art. 1." do Decreto.

(2) — O sursis nao e favor do juiz: e urn direito do reo. A. Jud. SJ262, 5|35, 12J279, 386.

CAPITULO II I

Objecto

21 — Todos os delictos, de qualquer natu-reza, punidos com o maximo de um anno de pri­sao ou multa conversivel em prisao, podem ser objecto do favor legal. Exceptuam-se os referen­t s a lionra e boa fama individual (arts. 315 a 325 do Codigo e leis modificadoras) e os que ata-cam a seguranga da lionestidade das familias (266 a 278 e 283 do Codigo e leis modificadoras) — (1). Esses delictos sao os de injuria, calu-mnia, violencia carnal, rapto, lenocinio e poly-gamia.

(1) — D. art. 5.°

JUMSPRUDENCIA

Em Outubro de 1925, o Advogado Dr. Raul Gomes de Mattos impetrou ao Supremo Tribunal Federal uma ordem de kabeas-corpus em favor de Joao Domingues Tavares condemnado pela Justiga de S. Paulo em um processo por crime de injurias impressas.

Allegava o paeiente, em resumo o seguinte: "0 decreto n. 16.588, de 6 de fietembro de 1924, que, baseado

em autorizagao legislativa, instituiu entre nos o beneficio da sus-pensao condicional da pena, ou melhor, o sursis, adoptando, no seu art. 5.°, que — "nao havera suspensao da execugao da pena "nos crimes contra a lionra e boa fama" (Cod. Penal, art. 315 a 325 e leis modificadoras) e contra a seguranca da bonra e honestidade

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das familias (Cod. Penal arts. 266 a 278 e 283 e leis modifica-doras)".

Por esse artigo, acima transcripto, o Poder Executivo, valendo-se de uma autorizagao legislativa eontida no art. 1." n. 1 do Decreto Legislativo n. 4.577, de 5 de Setembro de 1922, exceptuou do be-neficio do stems "os crimes de imprensa", considerados, por essa forma, "infamantes", pela sua propria natureza, ao contrario de todos os outros para os quaes facultou o referido decreto a suspensao da execugao da pena, desde que, "na sua pratica", nao tivesse revelado o criminoso caracter perverso ou corrompido.

Mas, recusando o sursis para os crimes de imprensa em geral, como o fez, sem attender as condigoes personalissimas do accusado e a. maior ou menor gravidade da infracgao, pela "quan-tidade" da pena imposta, podia fazel-o o Executivo?

A resposta negativa nao carece de larga demonstragao. Com effeito, le-se no Decreto n. 16.588, de 5 de Setembro de

1924: — "0 Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil "usando da autorizagao constante do art. 1." n. 1 do Decreto nu-mero 4.577, de 5 de Setembro de 1922", resolve decretar:

Ve-se, portanto, que o Poder Executivo, quando baixou ta) Decreto, estava usando de uma autorizacao legislativa e, assim sendo. nao podia ir alem do que Ihe permittia tal autorizagao "ma-xime tratando-se de materia penal".

Eis, de facto, o que estabelecia o art. 1.*, n. 1, do Decreto nu-mero 4.577, de 5 Setembro de 1922, em virtude de cuja "autori­zagao" baixou o Executivo o Decreto em questao estabelecendo a condemnagao condicional em materia penal.

Ahi estao os seus termos precisos: " E ' o Poder Executivo autorizado: I — A rever e reformar os regulam-entos das Casas de De-

tengao, Correcgao, Colonias e Escolas Correcionaes ou preventivas, bem como verifiear a situagao dos presos pelos Juizes seccionaes do Districto Federal e dos Estados, no sentido de uniformizar e unificar a direccao dos e.-tabelecimentos penaes dependentes do Governo Federal e de tornar effectivo o livramento condicional e o regime penitenciario legal, modificando-o no que for necessario, de accordo com os ideaes modernos, tendentes a regeneragao dos criminosos e os relativos aos incorrigiveis. a creagao de penitenciarias agri-colas, "suspensao da condemnagao" ("sursis"), encurtamento da pena pelo bom procedimento (Lei americana do good time), provi-denciando a respeito do modo mais conveniente".

Como se ve, em face dos termos precisos da autorizagao legis-

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lativa, nao podia o Executivo exeluir do benefieio do sursis, este ou aquelle crime, mas subordinal-os "todos" a um mesmo criterio "geral", tendo em vista tao somente a gravidade da pena e as condicoes personalissimas do condemnado, isto e, a sua condigao de criminoso primario e o seu caraeter perverso ou corrompido "revelado na pratica do crime".

E' obvio e evidente que, dando cumpnimento a uma autorizacao legislativa, o Executivo tinha de cingir-se a ella, pois que estava agindo por delegagao e nao podia ultrapassar os poderes que Ihc haviam sido relegados.

Entretanto, o Poder Executivo exhorbitou da autorizacao le­gislativa, passando a "iegislar" sobre o direito penal, funcgao privativa do Congresso, estabelecendo distinccao entre crimes di-versos, para consideral-os "spoente sua" estes mais graves que aquelles, nao obstante punidos com penas iguaes ou menores.

Ora, conforme se deduz dos termos da autorizacao legislativa, o Congresso nao fez nenhuma distinecao, "e somente elle o podia fazer", entre os crimes aos quaes se deveria ou nao conceder o sursis, tampoueo deixou elle ao criterio do Executivo fazer essas distincgoes "por elle nao autorizadas". A sua autorizagao foi e era tao somente para que o Executivo, estabelecendo o novo instituto, de accordo com os ideaes modernos, adoptasse um so e unico criterio para a sua applicagao: este seria o da gravidade da pena, ou o da perversidade do delinquents, "manifestada na pratica do crime".

Estabelecido um desses criterios ou os dois reunidos, como o foi, e bem de ver que, dentro do criterio estabelecido, nao era licito ao Executivo restringir essa ou aquella classe de crimes.

Foi, entretanto, o que fez o Poder Executivo, e, assim fazendo, exhorbitou da autorizagao legislativa, motivo porque e illegal a restricgao por elle feita com a subtracgao dos crimes de imprensa ao benefieio do sursis, "somente pela sua propria natureza de "cri­mes de imprensa" e sem obedieneia ao criterio commum da gravi­dade da pena, e da perversidade do criminoso, revelada na pratica do crime, estabelecido para os demais crimes.

Que a autorizagao legislativa nao estabeleceu nenhuma restricgao entre os crimes, para a concessao do sursis, ja o decidiu o Egregio Supremo Tribunal Federal ao discutir o habeas-corptis n. 15.463, conforme se ve do respectiv0 julga-mento na "Revista do upremo Tribunal Federal' ', vol, 87, pa-ginas 285 e 443. Trata-se ahi de saber se a autorizacao legislativa contida no

atr. 1.° n. 1 da lei 4.577, de 5 de Setembro de 1922, na parte

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relativa ao sursis, excluia ou nao de^se beneficio 03 delictos militar; \ 0 eminente Sr. Ministro Viveiros de Castro tevc entao ensejo

de dizer o seguinte ao proferir o seu lum'aoso voto naquelle habeas-corpus.

"Em vez de proeurar saber o que o Exeeutivo quiz fazer pro­

curei saber o que era que o legislador queria que se fizesse, porque, se nao entrou na intencao do legislador conceder o sursis aos mili­

tares, o Governo nao podia estender­lhes esse beneficio: e, por outro lado, se o pensamento do Congresso i'oi estender­lhes o sursis o Governo absolutamente nao Ihes poderia retirar tal be­

neficio.

(Op. cit, pag. 443). Mais adiante, desenvolvendo o seu pensamento assim se mani­

festou o Egregio Magistrado: . . . "nao sou pela inconstitucionalidade das delegacies,

nao sendo e aeceitando a autorizagao legislativa, a questao, a meu ver e ler o que esta escripto aqui": Que se diz? "Suspeii­

sao da condemnagao {sursw)" — nada mais. Portanto, o legis­

lador nao entendeu convenient^ fazer distinccoes; "nao disse que esta ou aquella condemnagao teria o sursis. Disse "suspen­

sao da condemnagao". Porque razao ha de excluir os militares, cs crimes propriamente militares, do sursis? Por conseguintc, desde que houver u-ma condemnagao, seja qual fdr o juiz que a ■proferir o sursis {deve ser adrtbittido como que,] o legisladort

(Op. cit., pag. 445). E depois de offerecer grande copia de argumentos em apoio

do seu modo de pensar, assim concluiu S. Exa.

"Por conseguinte, a intencao do legislador foi esta. Mas eu, juiz, nao vou applicar a lei somenbe pela intencao do le­

gislador. A mini e indifferente saber qual o desejo dos que votaram a medida, isto e, dos 109 Deputados e 32 Senadore.­

que a approvaram nas suas Camaras. Quero saber o que o le­

gislador estabeleceu, interpretando o texto legal tal como esta escripto. E, se a minha interpretagao nao for a verdadeira, o legislador so tera um recurso: fazer outra iei dizendo o que quiz votar afim de que de outra forma se decida em casos futuros.

Mas interpreto a lei como esta escripta. Aqui se fala em suspensao da condemnagao. sera se fazer distinegao entre civis ou militares. Nao sei se convem ou nao convem. Nada disto examino. Nao estou fazendo uma lei, mas applicando­a. Ova,

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se r.do encontro disUuc^uo algnma entre as condemnacoes <>e TODAS AS CONDEMNAQOES ESTAO AQU1 COMPREENDIDAS NESTA AUTOHIZAQAO, os militares tern direito ao beneficio".

(Op. cit. pag. 446). Mutatis mutandis a brilhante argumentagao do insigne Minis-

tro tern infceira applicagao aos crimes de imprensa. Nao tendo o l^gislador excluido esses crimes do beneficio do sursis, nao podia o Governo ex-proprio Marte fazel-o e. se o fez, e como se o nao tivesse feito, pois a restriccao e illegal e nenhum effeito podera produzir.

Mas, nao foi somente o Egregio Ministro Viveiros de Castro que se manifestou por essa forma relativamente a nenhuma res­triccao imposta pelo Legislativo quando autorizou o Executivo a estabelecer a condemnacao condicional (stirsis) em materia penal.

Ahi esta o voto, do nao menos eminente Ministro Arthur Ribeiro:

"Estou de accordo com a opiniao adduzida pelo eminente Sr. Ministro Viveiros de Oastro.

0 dispositivo da lei a esse ponto nao faz distinc<;ao entre os delictos communs e militares e ao regidamentador da lei nao e licito d-istvnguir onde o legislador nao distingum".

(Op. loc. cits. pag. 450). Tambem o Egregio e nao menos eminente Ministro Hermene-

gildo de Barros assim se expressou:

"Voto de accordo com o Sr. Ministro Viveiros de Castro e nos termos do voto de S. Ex.

A lei nao fez distinccao alguma entre civis e militares; nos, por conseguinte, nao a podemos fazer, tanto mais quanto ella, no caso, seria profundamente odiosa".

(Op. loc. cits., pag. 454).

De igual forma se manifestou outro nao menos eminente vulto da nossa Suprema Corte: o Exmo. ST. Ministro Edmttndo Lins:

"O sursis applica-se aos militares; porquanto a lei que autorizou o Sr. Presidente da RepuMica a estabelecel-o, fala em sursis, sem restringil-o aos civis.

Ora, se a lei 'nao fazia distincmo e preceituava que o Executivo se conformasse com o ideal modemo e se este ideal o estendia aos militares, e claro que o Executivo nao podia fazer tal restricgdo. . .

(Op. loc. cits., pag. 454).

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Outro nao menos eminente membro do Egregio Tribunal, o Sr. Ministro Guimaraes Natal assim se manifestou:

"A Lei autorizou o Governo a regulamentar o sursis como existia naquella occasiao na Franca.

Admittiu o Ministro francez e autorizou o Governo a re­

gulamental­o. Portanto, ainda que o Governo tivesse excluido os militares, nao poderiamos cumprir essa dispo\$igdo do Re­

gu§ame\Ti&o porque este, entdo, estaria em contradig&o conn at lei; e quando o Regulamento estd em contradiccdo coin a lei, prevalece a\Ui e nao o Regidamento".

(Op. loe. cits., pags. 460 e 461). Os proprios Srs. Ministros que, naquella occasiao, negaram a

ordem s6 o fizeram, na sua maioria, sob o funda/mento de que, coin relagao aos 'mAUHrea, o Executivo nao havia usado da autorizacdo legislativa, e sem o respective regularaento nao podia ser applicado tal instituto aos delietos militares. E' o que se deduz dos voto^ dos egregios Ministros Muniz Barreto, Geminiano da Franca, Leo'­n Ramos, Bedro Mibielli e Godofredo Cunka.

Mas, aqui, nao se t rata de um delicto militar, e sim de urn crime coinmium, previsto e punido pelo Codigo Penal Commum, com as modificacoes introduzidas pela Lei de Imprensa. Se, pois, o suirsis, na conformidade da decisao do Egregio Supremo Tribunal Federal, somente nao pode ser applicado aos delietos militares por­

que, neste ponto, a lei ndo foi ainda regulamenUtda, e, fcem de ver que tal nao acontece com os crimes de imprensa de natureza com­

mum, porque nesse parte a lei ja fbi regulamentada. Mas o Regulamento excluiu ejepressamente esses crimes,

dir­se­ha. Se excluiu, nao o podia fazer, porque a lei nao o autorizou a fazel­o e nos termos do voto do Sr. Ministro Guimaraes Natal.

"quando o regulamento esta em contradiccao com a lei, prevaleee a lei e nao o regulamento". A Lei, como vimos, nao fez ■iie­i/Jriaiut dimtuicdo entre os crimes

aos quaes seria ou nao concedido o beneficio do sttrsis. Apenas mandou que o governo estabelecesse esse instituto penal de accordo com o ideal moderno, tomando como norma o modelo francez (sursis). O governo, usando da autorizagao, adoptou um criterio geral: o objective, da gravidade da pena, estabelecido o maximo de um anno de prisao, e o subjectivo, relative ao caracter perverso ou corrompido do delinquente, mamfestado na pratica dd crime.

E, sem que estivesse autorizado, abandonou o criterio seguido, abrindo uma excep?ao odiosa, para excluir do beneficio, de um modo geral, os delietos de imprensa. Assim fazendo, o Executivo

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legislou sobre direito penal, invadindo uma attribuicao que lhe nao competia e foi alem offendendo preceito expresso e positivo da nossa Carta Constitucional. A igualdade de todos perante a Lei tambem se applica aos criminosos.

Qual foi, porem, a razao dessa exclusdo do sursis para os cri­mes de imprensa? Nao foi certamente a gravidade do delicto, pois esta se afere pela quantidade da pena e poucos sao os delictos de im­prensa punidos com pena superior a um anno de prisao.

Sera, talvez, que a so pratica de um delicto de imprensa revele, por si so, o caracter perverso ou eorrompido do seu autor? Mas isso seria classificar de infamantes os crimes de imprensa e, mais que isso, seria emprestar a pena imposta ao crime de imprensa o caracter de infamante, quando a conseiencia juridiea da epoca nao mais permitte penas infamantes.

Ora, o crime de imprensa, em todas as legislates, e tratado de uma maneira especial; em algumas dellas participa elle, por assim dizer, do caracter de crime politico; na nossa, inclusive, a natureza de pena que lhe e imposta e muito ao contrario de in­famante, toda especial pois sera cumprida em prisao especial.

Entao, qual foi o objectivo do governo, ao excluir do beneficio do sursis o crime de imprensa, sem ter em vista as condicoes obje-ctivas e subjectivas determinadas para os demais crimes?

0 legislador, como o vimos, nao fez nenhuma distincao entre os crimes; para elle, todos os criminosos, que participassem das conditjoes que fossem adoptadas pelo Regulamento a ser estabele-cido, teriam direito ao beneficio, qualquer que fosse o crime pra-ticado. Foi alem o legislador: mandou que o Executive, ao estabe-lecer o institute, o adoptasse de accordq com os ideaes modernos, tomando, como exemplo a seguir, o institute francez (sursis).

Ora, nem na Franca, nem na Belgica, os delictos de imprensa sao subtrahidos ao beneficio do sursis. Mas, mesmo que o fossem nesses dois paizes, nao se seguiria que, entre nos, o devessem ser, porque o legislador nao os teria excluido expressamente e, assim, nao o podia fazer o Executivo regulamentando a Lei.

Mas dir-se ha que a natureza da pena imposta aos delictos da imprensa, cumprida em prisao especial, e o bastante para excluir o beneficio do sursis.

Esse arguments ja foi, entretanto, destruido pelo Egregio Supremo Tribunal Federal no habeas-corpus numero 14.099, quando, pelo voto quasi unanime de seus membros, concedeu o sursis a Vicente Marzullo, condemnado por um crime previsto e punido pela Lei de imprensa, e ao qual fora imposta pena de prisao para ser cumprida em prisdoi especial.

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Com a devida venia transcrevemos o seguinte trecho do voto proferido pelo eminente prolator do accordao em questao, ■ integro e illustrado Sr. Ministro Hermenegildo de Barros:

"Nao proeede tambem o segundo fundamento da decisao da Tereeira Camara.

Esta designou a Brigada Policial para curaprimento da pena por uma razao que so podera ser favoravel ao paeiente.

O facto, portanto, de se ter eoncedido ao paeiente prisao especial, longe de exciair o benefieio da suspensao da pena, deveria influir para a concessdo desse benefieio, tanto mais quanto sao restrictos os motives de exelusao e entre estes nao esta compreendido o da concessao da prisao especial ou distincta ao condemnado.

Nao proeede, finalmente, o fundamento de haver o art . 5.G, do Decreto n. 16.588, exciuido expressamente do benefieio da suspensao da pena o condemnado por crime punido pela lei de imprensa.

Em primeiro logar, o antagonismo do decreto com a lei e manifesto.

A lei de imprensa, apesar dos seus rigores, nao considera mfamante o delicto de imprensa; nao considera de caracter perversa e corrompido o accusado por crime dessa natureza tanto que o t rata com certa disrinccao, determinando que a prisao delle "sera sempre distincta da existente para os reos de dilecto commum", exactamente como o art. 80, da Con,­­­

tituicao, que prescreve "a detencao em logar nao destinado aos reos de crime coraraum" para os presos politicos durante o estado de sitio.

Entretanto, o decreto n. 16.588, que, no art . 1," manda conceder o benefieio da suspensao da execucao da pena aos aecusados que nao tenham revelado caracter perverso ou cor­

rompido, esse mesmo decreto, no art. 5.°, recusa o benefieio, odiosaniente, DE MODO ARBITRABIO, s€m motivo algum, ou, melhor, contra o motivo que determinou ao condemnado por peificto de impipnsa, que a lei respectiva nao considera\ revelador de caracter perverso ou corrompido''.

(Op. cit­ vol. 77, pag. 382). Nessas condicoes, e evidente o direito que assiste ao condemnado

por crime de imprensa de invocar o benefieio do sursis, desde que se trate de primeira condemnacao e a pena imposta nao passe de urn anno de prisao.

Preenchidas essas duas condicoes objectivas exigidas pela lei,

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a terceira, a condifao subjectiva, fica ao eriterio do juiz: nao ter o criminoso revelado, na pratica do crime, caraeter perverso ou eorrompido. Essa eondicao tambem nao pode ser recusada aos jor-nalistas, porque, conform? ja decidiu o Egregio Tribunal, no V. Accordao n. 14.099, a lei nao considers o crime de imprensa reve-Iador de caraeter perverso ou eorrompido.

A verifieacao dessa eondicao compete ao juiz da condemnacao, mas se este deixa de o fazer, cabe verifieal-a ao Tribunal do h&beas-corpus, da mesma forma que Ihe cabe conhecer ou nao da necessidade ou conveniencia da prisao pre^entiva quando deeretala sem razao ou sem necessidade peto juiz do processo.

Vem a proposito citar as seguintes palavras do eminente Mi-nistro Muniz Barreto, no habeas-corpus n. 14.805:

"Conced-er o sursis nao e um favor do juiz, nem o favor e compativel com a funccao juigadora; e um favor da lei como o ea fianca. Elbe nao depende da vontade arbitraria do ma-gistrado deve ser o resultado do estudo consciencioso dos autos de um raciocinio claro, logico e justo. A impressao do julgador ou, melhor, o seu juizo, seja na propria causa, seja no jutga-mento do habeas-corpus, ha de provir do exame das condi^oes objectivas do condemnado, satisfeitos os objectivos da lei, nunea das condicoes subjectivas do juiz, da sua orientacao sociologica, do seu temperamento, da escola ou doutrina que tiver adopta-do, em materia penal, nem de outros factores analogos, deter-minativos da sua vontade como homem social.

Quando o juiz decreta a prisao preventiva, tem verificado que ella e necessaria ou conveniente, nao simplesmente porque esse sejo o seu querer, nem porque esse requisito tem, no feitio, a precisa, demonstracao. O Tribunal do habeas-corpus, se di-vergir daquella autoridade, cassard o mandado, fazendo cessar o constrangimento, isto e, relaxando o paciente, na prisao.

Assvm suceede no caso do "sursis".

Op. cit. v. 85, pag. 485). E ' irrecusavel, pois, o direito que assiste ao jornalista, conde­

mnado por crime de imprensa, de invocar a seu favor o beneficio do sursis, sempre que se trate de primeira condemnacao e a pena imposta nao seja maior de um anno de prisao. E no caso de Ihe ser reeusado o favor legal, peio juiz da condemnagao, ao Tribunal do habeas-corpus, cabivel no caso, competira fazel-o, como o tem cntendido a jurisprudencia dos nossos tribunaes. {Rev. Sup. Trib-Fed. vol. 77, pags. 243, 390 e 470; vol. 85, pags. 275 e 477 e vol. 87, pags. 285 e 443, alem de muitos outros) "

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Esse pedido foi distribuido ao Ministro Hermenegildo de Karros, resolvendo o Tribunal disso nao conheeer, visto que nao houve prova de haver o Tribunal de S. Paulo recusado o sursis.

Diante disso foi requerido ao Tribunal de S. Paulo o sursis em favor do paciente que foi indeferido.

iRenovou, entao, o Dr. Raul Gomes de Mattos o pedido de kabms-corpus perante <o Supremo Tribunal, com os mesmos argu-mentos, sendo distribuido ao Ministro Viveiros de Castro, tomando o n. 15.926.

Na sessao de 20 de Novembro de 1925, foi elle julgado, sendo em resumo a seguinte discussao travada em torno do assumpto:

O Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: — O Tribunal ja conhece bem o caso. Trata-se de urn crime de imprensa. 0 paciente foi processado por injurias e calumnias que irrogou ao seu Consul em S. Paulo. Pediu habeas-corpus, fazendo diversas allegacoes. O Supremo Tribunal decidiu que o caso nao era de habeas-corpus; que, por esse meio, nao podia conheeer da materia; que, a vista da natureza das allegacoes, so em recurso de revisao.

Na discussao se disse que o recurso de revisao podia ser pro-posto immediatamente e seria julgado com a eeleridade necessaria, desde que se tratava de uma pena de curta duracao. Elle pediu realmente a revisao e os autos, que aqui estavam para ser exami-nados ficaram instruindo-a. Tudo isto aqui esta narrado longa-mente.

O querelante quiz executar a sentenca em S. Paulo e pediu que se remettessem os autos para la. 0 Tribunal se recorda que ficou resolvido que podia executar la a sentenca sem precisar dos autos, desde que apresentasse as pecas necessarias.

Nesse interim, o advogado do querelado pediu habeas-corpus, porque a justica de Sao Paulo nao havia concedido o sarsis ao paciente. Pela lei processuai do Estado e na propria occasiao da condemnacao que o Juiz concede o sursis. Dizia nessa occasiao o impetrante: neste caso, se nao concedeu, e porque esta na resolucao de negar. Portanto, e caso de habeas-corpus, conforme a jurispru-dencia do Supremo Tribunal.

Disse, entao, o Supremo Tribunal, em Accordam do qual foi Relator o Sr. Ministro Hermenegildo de Barros:

"Accordao nao conheeer do pedido porque a suspensao da exo-cucao compete ao Juiz da condemnacao e so quando por este tenha sido arbitrariamente recusada aquella providencia podera o Supremo Tribunal concedel-a por meio de habeas-corpus.

Ora, o President^ do Tribunal de Justica de Sao Paulo infor-mou que o paciente nao requerera ao mesmo Tribunal o beneficio

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da suspensao da execucao e, pois, ao Supremo Tribunal nao competia conhecer originariamente ao pedido de habeas-corpus.

O Accordam e de 23 de Outubro. Em virtude desta decisao, o paciente foi ao Tribunal de Sao

Paulo e pediu habeas-corpus para Ihe ser concedido o sursis. 0 Tribunal de Justice de Sao Paulo decidiu da seguinte forma: . . . "nao tomar conhecimento do pedido do requerente, constant?

de fls. 2, uma vez que o pedido nao esta convenientemente instruido. na ausencia dos autos do processo criminal a que respondeu o peti-cionario de fls. 2, como ponderou, com todo o acerto, na primeira parte do seu parecer, o Sr. Ministro Procurador Geral do Estado. 0 beneficio da suspensao da pena, nos termos do Dec. n. 16.588, de 1 de Setembro de 1924. somente podera ser concedido quando o julgador tenha diante dos olhos todos os elementos que produ-ziram a condemnagao e todos os esclarecimentos que tenham sido fornecidos no curso da ac§ao".

Este Accordao tern o seguinte voto vencido: "Martins de Menezes. Vencido. Votei convprtendo o julgamento

em diligencia para se juntar o pedido aos autos do processo. to-mando-se a?sim apos esta juntada, conhecimento do mesmo pedid->, como fosse de direito".

Houve a proposta desse Desenrbargador no sentido de que se convertesse o julgamento em diligencia para se juntar a peticaj ao processo e, entao o Tribunal conheceria do pedido, aprecian lo tudo.

Segundo retalhos de jornaes que estiio instruindo a neti?ao. o Tribunal negou a conversao do julgamento em diligencia.

Por occasiao de dar o meu voto, eu me rcfcrirei as questoe suscitadas. Agora, primeiramente, a questao e sab«r se cabe ou nao o sursis aos delictos de imprensa.

Esta feito o relatorio. O Sr. Ministro Andre Cavalcanti, Presidents: — V. Ex. pode

dar o seu voto. 0 Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: — Sr. Presidente,

como ouviu o Tribunal, o Superior Tribunal de Justica do Estado nao quiz eonceder o sursis. Digo — nao quiz — porque considera elle que nao o pode eonceder senao a vista do processo. E quando am Ministro propoz que se requisitasse o processo, essa providencio foi negada. De forma que o paciente esta diante deste dilemma: nao pode ser concedido o sursis sem o processo, mas nao se manda buscar o processo!

Ora, entendo eu que, assim o sursis foi negado pela J'ustifa local. Nao procede, portanto a razao que levou o Tribunal a nao

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conceder o pedido por nao ser caso delle. Fui voto vencedor nesse Accordao. Realmentc sem a Justica local, sem o juiz da condemna?ao falar sobre o sursis, nao ha recusa arbitraria. Mas agora, a meu ver, ha negacao do sursis, porque o Tribunal considerou que, sem conhecer os 'autos, sem examinal­os novamente, nao podia con­

cedel­o. Mas um dos s?us membros propoe que se man&e buscar os autos. Estando elles aqui, naturalmente seria por um pedido de remessa­ Mas o Tribunal nao quiz mandar buscal­os. E negou a medida, porque nao conhece o processo.

Interprets esta solucao como uma negacao do sursis. E assim infcerpretando, entro na questao que o peticionario agita: cabe o sursis cm deUctns do imprensal

Evito muito, Sr. Presidente, repetir. Sei o sacrificio que faco aos collegas, obrigando­os a ouvir­me e nao quero abusar fcipon­

do­lhes maior sacrificio. quando e inutil. Ja discuti esta qu?stao do sursis nos delictos militares. Disse

francamente, que tinha grande admiracao pelo Poder Legislativo rendendo justica ao cuidado com que as nossas Ieis sao votadas, principalmente pelo rigor da sua technica juridica. E' uma das coisas que mais faz sali­cntar as leis brasileiras. Mas, nesta ma­

teria, nao houve esta clareza. Li, procurei compreender e nao con­

segui. Estou mesmo conveneido de que nao c defeito meu, fraqueza da minha intelligencia, porque tambem suscitou duvidas muito serias ao nosso eminente collega, Sr. Ministro Pedro dos Santos, que entrou cm duvidas ate sobre se o Governo tinha autorizacao para outra coisa alem de fazer um inquerito.

Fiz nessa occasiao consideracoes sobre a recommendacao do legislador. Diz ■elle: — "de accordo com os ideaes modernos". Mas o legislador nao emprega palavras inuteis, nao faz frases; quando disse —­ ideaes moderno* — teve em vista alguma coisa mais.

Mas que chamamos idaes modernos? Acho que nao ha de ser, por cxemplo, a legislacao boichevista, que e o que ha de mais moderno em materia de legislacao penal.

Parece­me que o moderno e o que paizes de organizacao seme­

ihante a nossa e costumet publicos aos: nossos semelhantes, que ja tern cultura juridica mais velha do que a nossa —­ nao digo melhor, mas apenas mais vclha —■ que ja possuem mais experiencia; de paizes que — desde quo se t rata de questao entre portuguezes, a citacao de Camoes vem a talho de foics — tenham esse saber de experiencias feito, saber que nao se adquire senao pelo decorrer dos annos.

Mas, dizia eu, nao me guio pelo Regulamento, nao faco obra exclusivamente com elle; nao quero saber o que o Governo fez.

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Quero saber o que o Governo podia fazer. Que foi que o legislador autorizou?

Eu li a disposscao e vi que o noss© eminente collega, Sr. Mi-nistro Pedro dos Santos nao tern razao, que nao era uma simpler autorizac,ao para um inquerito. Mas basta dizsr que S. Ex. pensa assim para termos a eerteza de que e uma opiniao sustentavel. E e. Mas nao ha uma intelligencia lucida que nao tenha momentos passageiros de nao appreensao completa do assumpto. Mas ahi. nao. Realmente, poder-se-ia affirmar com seguranca que o Con-gresso tinha apenas autorizado um inquerito. Entretanto, se nao foi um mero inquerito, estava autorizado a conceder o sursis sem limitacoes.

Disse eu: desde que nao limitou para os militares — neasa occasiao se tratava de crimes militares — por que vamos excluil-os? E ahi, entao me soccorri do ideal moderno.

Se algumas nacx>es, que nao concediam o sursis aos militares votaram leis, concedendo-o, e ideal moderno essa concessao. Por conscguintc vamos ver se o caso e exactamente identico.

Confesso kalmente que nao sei se os ideaes modernos sao no :.cntido de o estender a imprensa. Digo que nao sei porque, nao tendo o Congresso definido, nao vejo onde procurar esses ideaes modrmos. Naquella occasiao eu me servi da Franca e da Italia, francamente a epoca nao esta absolutamente para se estenderem taes medidas aos jornalistas. La hoje o que prepondera e o conceito da ordem quand meme da ordem acima de todo e qualquer direito. ET um ideal moderno. Nao e o meu; nao e, nao foi e espero em Deus sahir sem ter esse ideal. Ainda sou da veiha Escola liberal e considero que nao sao incompativeis os dois conceitos. Mas o que penso a respeito nao interessa ao Tribunal scnio neste ponto: isto e um ideal moderno?

Pode-se sustentar que nao e; mas tambem nao e um ideal antiquissimo; absolutamente; ainda ha muita gentc convencidissima disso:

Mas, desde que a restriccao nao e clara e liquida, nao se deve restringir.

Na questao quanto aos militares eu estava firmado nos ideaes modernos. Mas aqui confesso que -este argumento pode ser com-batido com muita vantagem. Nao sei se ainda e um ideal mo­derno. Creio qu; ainda a seja na Inglaterra. Nao o e na Italia nem na Hespanha. . . Sel-o ha em Portugal?

Francamente nao sei, porqus ultimamente nao me consta que houvesse la tentativa nenhuma de apurar esse direito. Mas a minha razao de votar e esta:

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Se o legislator nao fez distincao alguma no 6&U&, e porque quiz que se estendesse a todos os crimes com as restriccoes que elk mesmo estabeleceu.

Nao conhego o Accordao a que se refere o impetrante. Creio que foi votado em minha ausencia, quando o Tribunal sabe que por gravissimo incommodo de saude, fui obrigado a pedir licenca. Mas na peticao elle cita o Accordao sobre Vicente Marzullo, um condemnado que pediu o sursis e o Tribunal concedeu. Nested habms-corpus, en? favor do paciente, se o Tribunal entendesse que nao era caso de conceder o sursis, porque se tratava de delictos de imprensa, teria sido uma crueldade mandar que fosse pedir em Sao Paulo para depois se dizer que nao cabia o sursis no caso.

Por conseguinte, parece­me que a decisao do Tribunal, nao concedendo o sursis, porque o paciente nao o tinha pedido ao Tri­

bunal local, leva a concluir que, se nao fosse essa razao, o Tribunal teria concedido a medida requerida.

Mas, de^dc que a lei nao restringe. acho que nao podemos re.­­

tringir. Estando um jornalista nas condicoes legaes, e caso de se conceder o sursis.

V. Ex., Sr. Presidente, devera submetter esta preliminar ao voto do Tribunal: se o sursis se estende aos delictos de imprensa.

O Sr. Ministro Andre Cavalcanti, Presidente: — Esta em discussao a preliminar levantada pelo Sr. Ministro Relator. Nao havendo quern peca a palavra, vou tomar os votos.

O Sr. Ministro Bento de Farm: — Sr. Presidente, a hypothese que vem agora ao conhecimento do Tribunal renova ■— acredito — os fundamentos pelos quaes o paciente pediu anteriormente habeas-

■corpus, do qual o Tribunal nao tomou conhecimento. Eu votaria pelo conhecim?nto naquella occasiao. Tinha voto eseripto e as razoe:; sao as mesmas. Vou ler o meu voto. (le)

"Allega o impetrante que Joao Domingues Tavares, tendo sido condemnado pelo Tribunal do Justica de S. Paulo a 4 mczes de prisao cellular e muita de 3:500$000. grao medio do art. 1 n. 3 do Dec. 4.743, de 31 de Outubro de 1923, combinado com 0 art. 317 letras a e c do Cod. Penal, o mesmo Tribunal recusou—lhe o beneficio do sursis1, ou a supensao de tal condemnacao, nao obstante haver preenchido o paciente todas as condicoes para o seu deferimento.

E assim para Iegitimar a concessao da ordem de habeas-corpu? que pede para elle afim de alcancar a sua liberdade por aquelle meio pretende demonstrar o eonstrangimento illegal resultante da nao suspensao da execucao da pena do caso occurrente, affirmando:

1.° — que nao se justifica a exclusao dos crimes de imprensa do beneficio do sursis, para, por tal forma, se os considerar infa­

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mantes, ao contrario de todos os outros para os quaes facujtou o Dec. 16.588, de 6 de Setembro de 1924 a suspensao da pena, desde que na pratica nao tivesse o criminoso revelado caracter perverso ou corrompido.

2.° — que nao era licito ao Poder Executivo deeretar tal ex-cepgao, nao consentida pela autorizacao legislativa, por nao haver a mesma estabelecido essa ou outras restricgoes sobre tal assumpto.

A meu ver nao procedem semelhantes affirmagoes, que passo a apreciar, pondo mesmo de lado a circumstancia primacial de nao poder importar em constrangimento illegal a que resulta do cumprimento da propria Lei, cuja invalidade nunca poderia ser decretada por habeas-corpus, salvo se demonstrada ficasse a sua inconstitucionalidade, o que nao seria admissivel sustentar desde que o Tribunal ja teve opportunidade de nao consideral-a eivada de tal vicio.

Qwinto a 1." allegagdo — E' certo e sabido que o Poder Judi-ciario nao tern competencia para julgar da conveniencia ou incon-veniencia das Leis deeretadas, mas tao somente pode interpretal-as, ou nao applical-as, quando contrarias ao texto constitucional.

Aquelle criterio e exclusive de quern as elabora, quer priva-tivamente, quer por delegacao, corruptela introduzida em nosso direito com a sanccao deste Tribunal.

Aissm sendo, embora como cidadao, pudesse, com restric^oes, adoptar em parte o conceito do impetrante, maxime se attendesse as leis que regulam tal assumpto no direito estranjeiro, como Juiz nao devo admittir a razao da inconveniencia allegada, em respeito ao que dispoe a Constituigao Federal relativamente a harmonia e independencia dos poderes e a delimitagao das suas funcgoes.

Nao obstante nao tern razao o illustre advogado do paciente quando considera essa excepgao posta ao beneficio do sursis como uma equiparagao legal dos delictos de imprensa aos crimes que in-famam.

E' uma opiniao original que nao se justifica me^mo em face das leis estrangeiras, das quaes, neste ponto, a nossa diverge.

Nem por prescreverem todas ellas, como regra geral, para dispensa do beneficio — os bons anteeedentes do delinquente, a na-tureza do delicto e as demais circumstancias que revelam uma per-sonalidade moral nao perigosa, ou pouco perigosa, e, portanto, fa-cilmente readaptavel sem o auxilio da dynamica da pena — nem por isso os systemas deixaram de consagrar excepgoes.

Assim e que, na Belgica, o paiz mais liberal na concessao do sursis, o considera inapplicavel:

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— as condemnacoes disciplinares (NYPELS ET SERVAIS — Code Penal Beige, I. pag: 317).

E embora a lei de 31 de Maio de 188 nao excluisse determi­

nadamente da sua applicagao as infracgoes militares, as suas dis­

posigoes somenie ,­e lhe tornaram extensivas quando tal foi orde­

nado de modo expresso pelo artigo 6." da lei de 24 de Julho de 1923. (Ved: SERVAIS ET HPCKLYNCK — Les Codes et lea lots specifies les plus usuelles en viguer en Belgique, pag. 734).

Na Italia ^c o recusa em se tratando de: a) infrac^'ie'; disciplinares; b) de imposicoes fiscaes; o) de inhabilitagao de empregos publico:; ou de suspensao do

exercicio de piofissao (Manz'mi — Trat. di dir. pen. ital., I, pag. 432, n. 751).

Quanto aos deHctos militares somente depois de 1907 e quo se comegou a cogitar da suspensao das respectivas condemnagoes. (Vede: PKSSINA - - Encyclopedia del dirito penale italiano, vol. 4, pag. 641).

Em Portugal nao se admitte quando: ■a) o crime seja previsto na lei electoral; b) a pena imposta for a da multa; c) e relativamente a indemnizaeao do damno causado pelo

delicto ou qualquer restituicao a que fur o reo obrigado (Luiz OSORIO — Notan do Cod. Pen., Pert. (2." el) — 1923 — vo.. 1, pag. 389.

Na Franca nao se o concede: a) quando a condemnacao for motivada por infracgao da

lei sobre fraudes na venda de mercadorias; 6) ou por motivo da venda de moedas nacionaes, em tempo

de guerra; c) ou com referenda as incapacidades accessorias ou comple­

mentares da pena; Sendo que a jurisprudeneia (Corte de Cassacuo, em 28 de Ou­

tubro de 1894) tambem o nega quando se t ra tar de simples con­

travene, oes. E para que os militares pude^sem invocar esse beneficio, nas

condemnagoes pronuneiadas por seus tribunaes, o que se lhes ne­

gava diante da Lei Beranger, de 26 de Marco de 1891. foi mister a permissao expressa da lei de 28 de Junho de 19l>4, (VIDAL ET MAGNOL — Cours de droit criminel (1921), pags. 126 e 685; Roux — Droit penal et procedure penale (1920), pag. 385).

Na Republica Argentina nao se admitte a condemnacao con­

dicional nas hypotheses dos arts. 84, 94, 136, part. II, 143, 151, 155, /

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157 e 177 do Codigo Penal e em geral em todos os casos reprimido3 com pena de inhabilitacao, como principal ou como acceasoria, e bem assim em se tratando de contravencoes (GONZALEZ ROURA ■— Derecho penal 1922), vol. 2.°, pags. 214 a 217).

Dessa breve exposicao resuita, pois, que a suspensao da exe­

cucao da pena quando estabelecida, nao constitue regra absoluta e pode soffrer excepcoes dictadas por criterios differentes.

Mas, nem por isso, os casos exceptuados sao equiparados a cri­

mes infamantes. Conseguintemenfce, nao ha como arguir, entre nos, a incon­

veniencia de urn preceito legal, para transformal­o em constrangi­

mento por envolver infamia, somente porque exclue da applica<;ao do sursis este ou aquelle delicto.

Supponhamos, entretanto, fos=e essa a intengao e ainda assim nao teria exhorbitado o legislador, mas antes se inspirado nos ensinamentos do direito romano, que, consoante a observagao de CHASSAN (TV. des delits et contraventions de la parole, I, pag. 335), e digno, neste particular, de servir de modelo a todas as legislagoes modernas.

E as leis das Doze Taboas cditavam penas infamantes e dolo­

rosas — danmaium infamia notat — ao — libellus famosur. Certo que nao estou a propugnar pela flagellacao dos calum­

niadores para fazer recuar a riossa civilizagao ao periodo das penas corporaes, mas tao somente me refiro a taes sanccoes para salientar o conceito moral do delicto que pratica quern, falsa e intencionalmente, a outrem attribue a autoria de um crime, real ou imaginario.

Nesse ponto, a evolucao juridica nao modificou a consideracao que deve ser dispensada ao individuo que, assim, procede.

Quanto a 2.a allegagdo: Admlttida a possibilidade e a legalidade da delegagao outorgada

ao Executivo Federal, tambem se ve, sem o esforgo de argumen­

tos que a autorizagao para tornar effectiva a suspensao da conde­

mnacao permittia a exclusao, a criterio do Poder delegado, de qualquer delicto, desde que o Legislativo nao lhe tracou quaesquer regras mas antes expressamente lhe permittiu que — providenciasse a tal respeito do modo que entend\esse mails conveniente,

E' o que leio no final do n. 1 do art . 1.° do Decreto 4.557, de 5 de Setembro de 1922.

Diante de tao amplo poder, nao sei como se possa considerar excedida a dita autorizacao pela alludida exclusao dos delictos pre­

vistos nos arts. 316 a 322 do Codigo Penal e Leis modificadoras,

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desde que foi esse o modo que o Executive entendeu mais conveni&nte adopter para regular o deferimento do sursis.

Diz­se que para sua concessao o Legislador nao estabeleceu nenhuma restricao entre os crimes, mas se elle explicitamente nao o fez, delegou, ■ entretanto, a possibilidade de se fazer, o que se compreende, de modo claro na formula escolhida para a outorga dos poderes — jn o'lndencitindo a respeito do tnodo mais conveniente.

Procedeu bem? Procedeu mal? E' justamente o que o Tribunal nao pode decidir.

Mas, pareee ser mais digno da suspensao da pena, v. g., o chauffeur que, sem culpa e pela primeira vez, atropela urn tran­

seunte imprudente ou desavisado, do que o individuo que tranquil­

lamente escreve e faz publicar uma calumnia? Qual dos doi=, assim procedendo, revela caracter perverse JU

corrompido? Entretanto, contra o meu voto, aquelle ja se negou aqui o

beneficio do sursis somente porque havia antes incorrido em multas policiaes, sem prova da sua justica.

Esta observacao nao tern o proposito de offender a sabedoria do Tribunal, mas o de assignalar a severidade do criterio que adopta diametralmente opposto ao que sustenta o advogado Jo paeiente.

Pretende ainda o impetrante, como argumento favoravel a concessao da ordem que pleiteia, invocar as reeentes opinioes res­

peitavtn's de alguns dos Srs. Ministros tornando extensiva aos de­

lictos militares a applicacao do sursis. As hypotheses sao bem d i versa s.

Embora nao as adoptasse aqui, entao, ja estivesse por attender a natureza nao commum do delicto propriament? militar e as exi­

gencies da diseliplina a que, com mais rigor devem ficar gubordi­

nadas as classes armadas, reconhefo a defensibilidade theoriea daquelles votos, dado o ponto de vista adoptado por seus illustres prolatores.

Nao havendo prohibicao na Lei, entenderam elles nao ser possivel distinguir o que por ella nao fora distinguido.

Com referenda, porem, a hypothese que se julga, a situaeao juridica nao e a mesma.

Ha recusa expressa do sursis, e desconhecel­a importaria na revogagao do texto que a consagra, o que e^cede a competencia do Tribunal.

Eu nao conheco nenhum systema de interpretacao que possa, fundamentadamente, decidir de modo diverso.

■Conseguintemente, se o legislador disse que a condemnacao

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em aprego nao teria o sursis, se podia fazer semelhante restriccao, a Lei deve ser interpretada e applicada tal como se acha escripta, eu nao posso conceder o habeas-corpus, e voto portanto pela dene­

gagao da ordem. 0 Sr. Ministro Arthur Ribeiro: — Sr. Presidente, o que regula.

em nosso paiz, a instituicao do sursis e o Dec. n. 16.588, de 6 de Stembro de 1924, expedido em virtude de autorizacao do Poder Legislative Este decreto dispoe o seguinte:

" Art. 15.— Nao havera suspensao da execufao da pena nos crimes contra a honra e boa fama (Cod. Penal, arts. 315 e 325 e leis modificadoras) e contra a seguranca da honra e honestidade das familias (Cod. Penal).

A disposieao da lei e expressa a respeito. Nem sei como so possa levantar diseussao sobre o assumpto.

0 Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: ■— E' porque nao chamo a isso lei.

0 Sr. Ministro Arthur Ramos: — Mas este regulamento e lei. Ou existe este regulamento ou nao existe o sursis no paiz.

0 Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: —­ Dei razao por­

que penso de outro modo. O decreto regula a hypothese, mas de aceordo com a autorizacao legislativa. Por isso, votei aisim.

O Sr. Ministro Arthur Ribeiro: — Nego a ordem. O Sr. Ministro Geminiano da Franca: — O que esta em dis­

eussao, e a preliminar levantada pelo Sr. Ministro Relator. A meu ver o Tribunal local nao reeusou o sursis. A parte o

havia requerido sem instruir devidamente o pedido. O Tribunal limitou­se a declarar que, deante da falta da instraccao do pedido de concessao do sursis nao podia deliberar, ajuizando dos antece­

dentes do paciente, dos elementos exigidos pela lei. O advogado deveria apresentar doeumentos de modo que o Tribunal pudesse conheeer da especie e, entao sobre elle se manifestar pro ou «ontra.

Desde que o Tribunal local se limitou a dizer que, deante dos elementos constantes dos autos, nao podia declarar se o sursis devia ou nao ser applicado, nao houve propriamente recusa do sursis. Elle teria de exammar, uma por uma, as condicoes exigidas pela lei e para isso era precise que o paciente instruisse devida­

mente o processo. 0 paciente quiz que o Tribunal se manifestasse sobre o sursis

e o requereu directamente, sem doeumentos, sem provas, sabendo que os autos se achavam aqui. E o Tribunal local declarou que nao podia manifestar por nuo ter deante de si os autos.

Por conseguinte, nao houve ainda recusa do sursis. Tire o

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advogado copias, certidoes ou traslado dos autos, emfim todas as pecas necessarias a instrucgao do pedido.

O Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: ■—■ Mas se o Tri­

bunal decidir que nao e caso de sursis, para que tudo isso? O Sr. Ministvo Geminitmo da Franca: — Mas parece­me que

a outra questao deve preceder, para se saber se houve ou nao recusa do sursis e se saber se podemos conhecer ou nao do habeas-corpus Esta e uma questao primordial. Para se verificar se o Tribunal pode entrar na apreciacao do sursis, e preciso saber se o caso e ou nao de habeas-corpus.

Nao considero esta decisao como uma recusa do Tribunal local. E este Tribunal so pode conhecer por habeas-corpus da denegagao do sursis, isto e, quando elle e denegado. E, no caso, nao houve denega<jao.

E este foi o fundamento do voto do Sr. Ministro Hermenegildo de Barros, quando o Tribunal nao tomou conheeimento do primeiro habeas-corpus, por nao ter ainda havido recusa do sursis. E se ainda desta vez nao houve, o Tribunal nao tern que examinar, nao tern que entrar na apreciacao da especie.

A parte renove perante o Tribunal de S. Paulo a mesma questao, devidamente instruida, com copias e certidoes. So depois que o Tribunal, deante do traslado, poder resolver 3e o crime com­

porta o sursis, e se o den­egar, e que este Tribunal podera apreciar o pedido.

Para mim o caso continua a nao ser de habeas-corpus, por estes motivos.

O Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: — Eu, como Re­

lator, tenho o direito de submetter a consideracao do Tribunal as preliminares que me parecam convenientes. A que submetti foi a questao de saber se cabe ou nao o sursis nos crimes da lei de imprensa.

O Sr. Ministro Gemimano da Franca: — Parece­me, porem, melhor que o Tribunal nao tome conheeimento do habeas-corpus, porque nao houve recusa do sursis.

O Sr. Ministro Hermenegildo de Barros: — Mas a preliminar do Sr. Ministro Relator e differente. Elle quer saber se, em face da lei de imprensa, e ou nao cabivel o sursis.

O Sr. Ministro Geminiano da Ftfanca: — Parece­me que a minha preliminar devia preceder a do Sr. Ministro Relator.

Mas, obrigado a votar sobre a preliminar do Sr. Ministro Relator,

O Sr. Ministro Viveiros de Castro, Relator: — V. Ex. pode propor outras.

-Is-

O Sr. Ministro Geminiano da Franca: — . . . nao me parece que a lei s?ja inconsutucional na parte em que nao permitte o sursis nos casos por ella pr^vistos. Nao sendo inecnstitucional, eu a applico. Portanto, nao cabe o sursis. E' o meu voto.

O Sr. Ministro Pedro das Santos: — Sr. Presidente, ja diseuti este decreto do sursis. Ja dei a minha opiniao so'bre -elle e sinto ter de manifestar-me, porque sou contrario a sua applicagao entre nos, exactamente porque foi instituido entre nos de um modo irre­gular e inconstitucional. Pena e que uma instituicao como esta, que tern produzido bons effeitos em toda a parte, entre nos tenha sido instituida de um modo tao irregular.

Mas, toda a vez que vem ao Tribunal esta questao, sou obii-gado a votar e como os meus collegas nao se limitaram so a votar, mas renovaram, repetiram e apresentaram suas opinioes, tambem direi aiguma coisa a respeito.

Sr. Presidente, realmente para se conceder habeas-corpus, a primeira condicao que se esta impondo e a de que o requerente justifique os requisites exigidos para que esta concessao se lhe faga.

Ora, ate agora, nao vi indicar-se nada a respeito. De modo qu? basta isto para que nao se possa, absolutamente, conhecer a medida.

Mas nao fico nisto. O decreto que instituiu entre nos o sursis, express amen te

exclue o crime de imprensa dessa providencia. E' o ponto em que o impetrante, segundo vejo no seu memorial, mais se demorou. Elte affirma, entende que o Poder Exeeutivo, no decreto, se afasfcou da autorizacao e, por isso, o acto, nao tern o menor valor.

Mas, Sr. Presidente, se o Decreto se afastou da autorizacao, parece-me que, pelas regras communs de direito, esse decreto nao teria valor algum. Se assim nao e, eu perguntaria onde foi pro-eurar o impetrante fundamento para esta concessao nos crime? de imprensa? Na autorizacao?

O exeeutivo andou mal. Seja. Mas, entao, nao se encontra apoio nem na lei, nem na autorizacao, nem no decreto autorizado. Se o acto do delegado e irregular, razao de mais para que nao tenha valor algum. Por consequencia, nem no decreto do exeeutivo, nem na lei de autorizacao, encontraria o impetrante absolutamente amparo para a pretencao que tern. Parece-me indiscutivel.

Mas tenho ido mais longe. Tenho affirmado que nem autori-zagao teve o exeeutivo para fazer semelhante eoisa. Quern ler a tal lei de autorizacao ha de ver isto: o poder exeeutivo recebeu duas delegacoe_s, ou antes, uma dupia autorizagao. Aqui esta: (le).

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E' o poder executivo autorizado a rever e reformar os regu-lamentos das Casas de Detencao, Correccao, colonias, escclas cor-reccionaes...

. . . bem como.. . La vem a segunda delegasao. bem como verificar a situa?ao dos presos . . . (le o dispositivo

ate ao final). . . De modo que temos duas autorizacoes. A primeira nao tern

valor algum, porque para rever regulamentos, para expedir regu-lamentos, o poder executivo nao precisa de autorizaeao legislativa. Tern funegSo sua, constitucional, propria, exercida com a mesma autoridade, independencia e legitimidade com que o legislativo de­creta leis e o judiciario as suas sentengas.

Por consequencia, esta primeira parte da delega^ao e, em si mesma desnecessaria, sem valor algum, nem mesmo sentido.

O poder legislativo nao pode autorizar o executivo a exercer funccoes que Ihe sao proprias. Esta autorizaeao tern uma auto­ridade muito mais alta. Vem da propria Constituicao. O legislativo e que mal se colloca, pretendendo dar uma funccao regulamentar, que nao possue, exactamente a quern a possue, ao Poder Executivo. Rever regulamentos nao e uma funceao regulam-entar. 0 Executivo a exerce quando quer e entende, por forca da disposigao, do texto constitucional. Em qualquer momento pode alteral-os. O Po­der Executivo so tern duas limitacoes nesta funccao: uma, e a propria lei, nao podendo decretar regulamento nenhum contra a lei; a outra e a propria Constituicao. E' preciso que se refira, aquelles assumptos que a Constituicao privativamente nao reservou ao poder legislativo.

Mas se porventura, na regulamenta^ao de uma lei, o poder executivo decreta um regulamento, que seja falho, deficiente, que a experiencia demonstre que precisa de diversas modificaeoes, elle as podera fazer, porque exerce uma funegao sua, constitucional e com a mesma autoridade com que o legislativo proclama a lei.

A segunda delegacao e para um exame, uma syndicancia no sentido de uniformizar a reforma a ser feita pelo futuro refor-mador. Mas, quern e este? A lei nao diz e nao e presumivel que frenha conferido essa qualidade ao Executivo, quando diz (le a autorizagao no final).

Logo, se se quer tirar alguma consequencia, e esta: e que o Legislativo tinha em mente uma reforma, mas que o reformadov so podia ser elle. Elle pedia ao •executivo apenas uma syndicancia para inspirar a futura reforma.

E' o que me parece.

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Depois, Sr. Presidente, admitta-se que nao seja assim. Quero admittir que tenha havido uma delegagao. O Tribunal sabe a minha opiniao a respeito. Em nosso regime politico nao pode haver dele-gagoes. Regimen de poderes enumerados e delimitados, cada qual exercendo funcgoes differentes, que a Constituigao tragou, nao pode um delles delegar qualquer de suas funcgoes ao outro.

Nem se me traga o exemplo da Inglaterra ou da Italia, que se regem por instituicoes, que nao as nossas. La as delegagoes existem, porque o regimen politico as permitte. Entre nos, e im-possivel.

Por consequencia, nao encontro meio de conceder o habeas-corpus e a conhecer delle, nego provimento, de accordo com o Sr. Ministro Bento de Faria.

O Sr. Ministro Hermenegildo de Burros: — Sr. Presidente, penso que o caso e de habeas-corpus, porque a lei que autorizou o sursis nao estabeleceu restricgoes para os delictos de imprensa nem havia razao para distiguir, porque o criterio para a denegagao desse beneficio e o facto de ter o individuo sentenciado revelado perversidade de caracter e o delicto de imprensa nao revela absolu-tamente perversidade de caracter. E e a propria lei de imprensa que assim considera, tanto que manda que esses sentenciados por delicto de imprensa sejam recoihidos a prisao especial, mais nobrc.

Portanto, se o Regulamento faz restricoes a respeito dos de­lictos de imprensa, exorbitou da attribuigao que lhe era confiada. Nao so nao havia restricgao alguma, como a restricgao nao tinh<. razao de ser. O Regulamento esta em desacordo com a propria lei, e a lei esta em desaccordo com ella propria, porque estabelece uma restricgao em desaccordo com os seus fins.

0 Sr. Ministro Arthur Ribeiro: — Alem de um determinado tempo nao se concede o sursis. Nao e preciso, nesse caso, que o individuo tenha i-evelado caracter perverso ou corrompido.

0 Sr. Ministro Hermenegildo de Barros: — Estou argumen-tando com a propria lei que nao considera de caracter perverso o individuo que commette esse delicto. Por conseguinte a restricgao e inconstitucional e, portanto, o caso e de habeas-corpus.

Parece-me que e esta a preliminar discutida por emquanto. Acho que para os delictos de imprensa ha tambem o sursis.

O Sr. Ministro Edmundo Lins: — Sr. Presidente, ja se discutiu questao semelhante aqui, quando da ampliagao do sursis aos mili-tares. Entao votei que o sursis se applicava aos militares, porque o legislador tinha autorizado o executivo a estabelecer entre noa a suspensao da condemnagao, accrescentando entre parenthesit;

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sursis, sem fazcr limitacao alguma entro civis e militares. So­

menfca o exccutivo devia attender aos ideaes modernos. A ultima parte do inciso, com que se argumenta — "provi­

denc.ando a respeito do modo mais conveniente'' — so diz respeito ao encurtamento da pena pe!o bom procedimento.

Quanto ao sursis somente estabeleceu que consultasse aos ideaes modernos. For conseguinte, se nao me demonstrarem que, de accordo com os ideaes modernos, o sursis nao se applica aos delictos de im­

prensa eu dirsi que, em these, o sursis se applica a es­es delictos. Isto, em these. Depois vamos ver se, nesta hypothese, concedemos o habdp-s-corpus.

Quanto aos detictos militares, respondi que sa applicava, po:­­

que, de accordo com os ideaes modernos, os delictos militares nao eram excluidos do sursis. Do mesmo modo, emquanto nao me demonrtrarem que os outros paizes. que adniittem o sursis, excluem os delictos de imprensa, eu os incluiiei porque o executive nao podia usar da autoriza?ao que concedeu o legislativo, ampliando­a e muito menos restringindo­a, como o fez.

Portanto, Sr. Presidente, a consulta do Sr. Ministro Relator, rcspondo: Sim; o sursis< applica­se aos delictos de imprensa.

Depois S. Ex. nos dira se o habeas-corpus esta no caso de ser concedido.

O Sr. Ministro Pedro Mibielli: — Sr. Presidente, no meu conceito e parece­me que no conceito dc Sr. Ministro Hermenegildo de Barros, se deve eollocar a questao nos seus verdadeiros termos, no ponto de vista concreto e no ponto de vista abstracto, mau grado o voto hrilhantissimo do nosso douto collega, Sr. Ministro Bento de Faria, fazendo uma resenha das legis lates estranjeiras que, regulando o sursis, ou a suspensao do cumprimento da pena, excluem dellas certos e determinados delictos, entre os quaes os delictos por infraccao disciplinar. os que dizem respeito a perda do exercicio das funccoes publicas. . .

O Sr. Ministro Bento de Faria; ■—■ A' lei eleitoral. O Sr. Ministro Pedro Mibielli: — . . . os que dizem respeito

a materia fiscal. Mas, Sr. Presidente, o sursis tal qual foi imaginado e a des­

peito do qual legislou em primeiro logar a Belgica, depois a Franca, a Italia, e em seguida os outros povos, dizia respeito unica e exclusivamente as penas restrictivas da liberdade individual por um unico motivo e uma unica razao, de ordem social, de ordem juridica e tambem de ordem moral, humana: e que o unico obj'ectivo do sursis da suspensao da pena era precisamente evitar a convivencia de uns condemnado^ com outros individuos

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degredados e condemnados a maiores penas. Quer dizer: convivencia que podia corromper os individuos bons, de bom caracter; que o fun, o objectivo unico, na opiniao de todos os tratadistas, foi evitar a convivenvia dos condemnados bons com os grandes conde­mn ado.-.

De modo que, se foi um objectivo social e humano, nao era possivel qua nenhuma legislacao pudesse cogitar no sursis, de penas que nao dissessem rsspeito unica e exclusivamente a liberdade individual. Dahi a conclupao de nao se cogitar desta medida para os casos de suspensao ou perda de funccoes ou de outras penas de caracter administrativo, que nao importam na restricgao da li-berdade, porque para o cumprimento dellas nao era necessario a reclusao dos condemnados.

Vem ao caso a pena disciplinar. Sabemos que e incompativel com a natureza da pena disciplinar o instituto do sursis, porque e justamente a suspensao do cumprimento da pena ao passo que a pena disclipiinar e justamente o contrario — tern que ser imposta logo, immediatamente.

O delicto de ordem disclipiinar ou militar e de tal natureza que commetida a infraccao, tern que vir a reacgao, a repres?ao, sob pena de ser inefficaz. Dahi decorre que as prisoes de ordem disciplinar sao, por sua natureza, incompativeis com o instituto do surah. As medidas de ordem disciplinar, no seu conceito, nao admittem de forma nenhuma que se retarde a sua sxecucao. Pelo contrario, do cumprimento immediato e que vem a maior efficiencia e efficacia da pena disciplinar.

Ora, se o sursis e precisamente a suspensao do cumprimento da pena, ou nao *e cumprindo a pena, ou deixando-se o seu cum­primento, porque e uma condemnacao condicional, esta visto que e incompativel o conceito subjectivo dos fins moraes do sursis com o objectivo disciplinar. Dahi vem que de todas as legislates de todos os povos ficaram afa-tadas as penas disciplinares.

Sr. Presidcnte, e de se indagar agora, se no caso concreto, prescrcvendo a lei do sursis que a pena maior poderia conseguir ess? beneficio do Juiz, os individuos que nao fossem condemnados a pena maior de quatro annos em delictos de imprensa poderiam obtel-a; se infringiti qualquer disposicao legal o legislador do de-creto ou o Poder Executivo, retirando do beneficio do sursis, por ?ua vontade, a seu arbitrio, porque julgou conveniente e de utili-dade da qua! nao podemos ser juizes, os delictos de imprensa.

Pergunta-se se da autorizacao legislativa podia usar o Exe­cutivo a vontade, fazendo uma classificaQao dos delictos aos quaes devia conceder o sursis e dos que nao devia conceder?

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Acho que nao porque, uma vez que o Poder Executivo nao limitou mas deixou ao arbitrio do Executivo fazel-o, como devia fazel-o se legislador fosse, e assim nao podia estabelecer, con-forme o preceito que estatuiu com infraccao de principio da Conn-tituigao, a desigualdade perante a lei. desigualdade sobretudo odiosa. porque 6 desigualdade ante a lei penal e para delictos de ceria natureza, justamente para delictos de imprensa, que o proprio legislador procurou amenizar em suas penas, destinando aos condo-mnados prisoes especiaes.

0 legislador nao podia fazer essa distinccao em materia de direito penal.

O Sr. Godofredo Gimhas — Ha um argumento invspondivel; tanto o legislador nao quiz estender os beneficios do sursis aos delictos de imprensa, que ha um projecto no Senado cogitando justamente dessa materia.

O Sr. Ministro Pedro Mibielli: — Nao falo do projecto do Senado. Pode haver milhares de projectos, pode haver milhares de leis: se houver uma lei contraria aos preceitos da Constituigao, como a entendo e interpreto, nao Ihe darei cumprimento. Pouco me importa que haja projectos no Senado. Acho que o legislative nao pode fazer destas distinccoes, em materia de direito penal, porque cstabelcceria a desigualdade perante a lei; da mesma forma o executivo poderia fazel-o u^ando de uma autorizacao.

O Sr. Ministro Bento de Faria: — Na propria Franca ha essa desigualdade.

O Sr. Mitmtro Pedro Mibielli: — E tanto ha desigualdade que o decreto destina aos criminosos de imprensa logar nao re-servado aos reos de outros delictos.

O Sr. Ministro Bento de Faria: — Outros regulamento^ deter-minam que os bacbareis de direitos sejam recolhidog ao estado maior dos quarteis.

O Sr. Ministro Hermenegildo de Barros: — E' uma distincc.ae. 0 Sr. Ministro Pedro Mibielli: — Nao admitto privilegio de

bachareis; nao admitto Republica com privilegio de classe alguma. Acho que advocacia e uma industria particular e privada como qualquer outra. 0 privilegio em face da lei penal e o mais odioso de todos.

Por isso voto de accordo com o Sr. Ministro Hermencgildo de Barros, porque entendo que o legislador infringiu a Constitui?ao, retirando do sursis os delictos de imprensa; e tanto infringiu que o Senado esta votando um projecto reintegrando-.-e a imprensa no gozo das suas prerogativas. Antes ja eu havia sustentado aqui.

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Tanto esta errado que o proprio Congresso esta corrigindo o seu erro.

0 Sr. Ministro Pedro dos Scmios: — Entao, o decreto e nullo. O Sr. Vivciros de Castro, Relator: — Somente nesta parte. O Sr. Ministro Pedro dos Santos: — Entao, hao de concluir

commigo que nao se applica o sursis. O Sr. Ministro Edmundo Lins: — So nesta parte. O Sr. Ministro- Pedro Mibielli: — Estou, assim, de accordo

com o voto do Sr. Ministro Hermenegildo de Barros. O Sr. Ministro Muniz Barreto: — iSr. Presidents, acceito os

fundamentos do voto dos Srs. Ministros Geminiano da Franca, Bento de Faria e Arthur Ribeiro.

O Decreto sobre o sursis ja foi considerado constitucional por este Tribunal. Recordo-me bem que o Sr. Ministro Edmundo Lin?, com uma saraivada de argumentos, demonstrou quao legal era essa delegacao, em opposigao ao modo de sentir do Sr. Ministro Pedro dost Santos.

0 Sr. Ministro Edmundo Loins'. — Admitto as delegacies, por­que na America do Norte sao feitas.

O Sr. Ministro Muniz Barreto: — S. Exa. acceitou in totwm as disposicoes do decreto, por isso que nao achava inconstitucional a delegagao do poder legislativo ao poder exeeutivo, nesse par­ticular.

O meu argumento, entao, como hoje, e que o legislador auto-rizou o exeeutivo a regular o instituto do sursis...

O Sr. Ministro Arthur Ribeiro: — Estabelecendo as condicoep. O Sr. Ministro Muniz Barreto: — . . . assentando-o no typo

francez, genuinamente tal, tanto que escreveu entre parenthesis sursis, denominacao que so ha em Franca; nao ha nem na propria Belgica, que copiou o typo francez, precedendo-o apenas na obri-gatoriedade, porque, como sempre, desde que em Franca se offe-rece um novo instituto, aconselhado pela experiencia e pelas neces-sidades do numero da vida social, os projectos de demorada pro-mulgagao sao logo apresentados na Belgica e rapidamente acceitos. Assim, neste caso, como em outros, o instituto tornou-se lei pri-meiro na Belgica.

Mas, como ia dizendo, o nosso legislador quiz que fosse o typo francez e, dizendo sursis, manifestou a sua intencao de que fosse esse typo na sua pureza idealizado pelo Senador Berenger; mostrou que o seu pensamento era bem nitido no sentido de que nao fosse o typo norte americano e o inglez, que e o da sus-pensao do julgamento e nao da condemnacao.

0 legislador estabeleceu que fosse copiada a lei franceza.

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Determinou o typo e as condicoes estructuraes do insti tute E ' bem de ver que se hao ile adoptar certas disposigoes adequadas ao nosso meio judiciario.

Em todos os paizes ha restriecoes? Ha, incon testa velmente, sendo que. na Hespanha, que possue a ultima lei sobre o sursis, (talvez a reforma do Cod. Pen. Argentino seja posterior) se esta-belecem muitos casos earacteiisticos de sursis, independentemente das condicoes subjectivas. Por exemplo, o delinquente, antes de uma certa idade, sendo primario, tern direito ao sursis, haja ou nao ha.ia revelado subjectivamente condicoes moraes de ordem a impor a favor da lei.

O legislador tinha autoridade para delegar. Era, portanto, constitutional essa delegacao, ja acceita pelo Tribunal, para fazer uma ou outra restricgao. que se nao estivessem individualmente no typo escolhido, estariam, em todo o caso implicitamente ind:-cadas, embora sobre uma especie differente.

Note-so que nao foi para restringir a accao da imprensa. Absolutamente. Nao se trata de delicto de imprensa, que e qua-lificado] Trata-se do delicto, na sua simplicidade, da injuria e calumnia, dos crimes contra honra e boa fama. E a lei menciona, entre parenthesis, artigos taes do Codigo Penal e as leis modi-ficadoras. Portanto, o legL4ador nao visou a imprensa, mas os delictos da palavra. qualqur que fosse o vehiculo de sua mani-festacao.

Tantc isto e eerto que exisfce agora um projecto no Senado sobre o qual ja ha parecer, visando justaraente supprimir essa restriccao e criar outra com relacao ao crime de estellionato. A. corrente, por emquanto, tern sido favoravel a suppressao dessa restriccao, por meio de nova lei. Nao se poz, entretanto, absoluta­mente em duvida a constituc'onalidade da delegacao.

Conseguintemente, nao vejo motivo e e de se concluir, como disseram os Srs. Ministros Pedro dos .Santos e Arthur Ribeiro, ou se ha de acceitar in totum o decreto ou declaral-o inexistente; e s e e inexistente, nao existe o sursis. E, se assim nao fosse, como se amparar o pedido de sursis firmado em um decreto com dis-posigao inconstitucional? Ha de ser constitucional so no que apro-veita e inconstitucional em tudo o mais? Nao e possivel. Ou se ha de acceitar inteiramente, ou tudo se ha de declarar inexistente.

0 Sr. Ministro Viveiros de Castro: — Como nao? Pode ser que haja disposicoes inconstitucionaes.

0 Sr. Ministro Guimaraes Natal: — Perfeitamente. O Sr. Ministro Muniz Barreto: — Nao ha disposicoes espe-

ciaes regulamentando o institute Nao ha o modo pratico, o meio

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de se levar ao conhecimento do juiz e de haver a decretagao do sursis. Seguem-se as regras geraes com relagao ao pedido de habeas-corpus. Ou o Juiz ha de decretar o sur&is desde logo, quando profere a sentenga ou ha de esperar a reclamagao.

Ora, houve reclamagao. Mas nao se forneceu ao julgador ne-nhum elemento de conviccao. Como o julgador ha de apreciar o caso, se deve ou nao conceder a medida reclamada, quando nao tern base nenhuma, quando nao sabe onde encontrar os elementos necessarios para verificar se estao preenchidas as condigdes le-gaes? Sabera, quando muito o grau da pena. E o restante? Se e delinquents primario, se nao revelou perversidade, se obedeceu a impulsos violentos de momento, nada disso sabe.

O Sr. Ministro Hermenegildo de Barros: — Isto e outra questao.

O Sr. Ministro Edmundo Lins: — Isto e para o julgamenLo do merito.

O Sr. Ministro Muniz Barreto: — O Tribunal Paulista de-elarou que nao tinha dados para entrar no merito; logo, ficou apenas na preliminar, dizendo que nao podia examinar se devia ou nao conceder o favor, porque nao tinha nenhum dado nem certidoes sufficientes para emittir juizo no caso.

Vamos conhecer em grau de recurso, para que? Nao e possivel. O pedido n?.o estava absolutamente instruido. 0 Tribunal local

«ntendeu que nem devia entrar nessa materia de saber se o pensamento da lei foi autorizar alguma restriccao, se o intuito da lei foi prohibir que houvesse qualquer restricgao, tendo escolhido o typo francez.

Por estes motivos, nao posso conhecer do pedido, ou melhor, entendo que nao se deve entrar no merito do pedido. Estou de accordo com os votos a que me referi, dos Srs. Ministros Bento de Faria, Arthur Ribeiro e Geminiano da Franca.

0 Sr. Ministro Leoni Ramos: — Sr. Presidrnte, no regime de poderes limitados, como o nosso, nao podem ser delegadas por um poder a outro poder as suas attribuigoes.

Portanto, esta pratica, que ali£s vem desde a proclamagao da Republica, dc se autorizar o Poder Executivo a fazer leis, e erronea e inconstitucional.

Mas, o Supremo Tribunal ja ha muitos annos, talvez pe!o receio

O Sr. Ministro Godofredo Cunha: — De destruir toda a le-g i j a c a o . . .

O Sr. Ministro Leoni Ramos: — Perfeitamente. 0 Tribunal, talvez pelo receio de destruir toda a legislagao. como disse o Sr.

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Ministro Godofredo Cunha, a tern tolerado, porque pareee provado que o Poder Legislative nao tcm tempo para legislar e, por isso, vem assim transferindo ao Poder Exeeutivo suas a t t r i b u t e s .

O Sr. Ministro Gnimtaraes Natal: — Mesmo as que Ihe sao privativas.

0 Sr. Ministro Leoni Ramos: — Se este Regulamento ja veio ao Egregio Tribunal e elle o achou constitucional e se este Decreto excluiu de modo insophismavel do sursis os crimes contra a honra e boa fama, que alias, nada tem com a imprensa, sejam injurias faladas ou escriptas, nao sei porque hei de admittir o habeas-corpus.

Acho que nao e cabivel. O Sr. Ministro Godofredo Cunha: — Sr. Presidente, de pleno

accordo com meus collegas Sr. Bento de Faria, Geminian0 da Franca, Arthur Ribeiro, Pedro dos Santos, e Muniz Barreto, que me preeederam na votagao, nego provimento ao recurso.

O Sr. Ministro Guvmaraes Natal: — Sr. Presidente, o que a lei concede irrestricto, o Exeeutivo nao pode restringir. .So por este motive, acho que o sursis e extensivo a todos os delietos.

O Sr. Ministro Muniz Barreto: — O sursis nao e irrestricto em parte alguma do mundo.

O Sr. Ministro Guim-artiex Natal: — Por esse motivo, acho que e caso de habeas'corpus.

O Sr. Ministro Andre Cavalcanti, Presidente: — Preliminar-mente, nao se conheceu o habeas-corpus, por nao caber o sursis nos delietos de imprensa, contra os votos dos Srs. Ministros Viveiros de Castro, Edmundo Lins, Hermenegildo de Barros, Pedro Mi-bielii e Guimaraes Natal.

* * * ACCORDAM

N. 16.926. — Vistos, relatados e discutidos estes autos de petigao dc hahcas-corpws em que e impetrante o Dr. Raul Gomes de Mattos e paciente Joao Domingues Tavares, delles se verifica o seguinte:

Allcga o impetrante que por motivo do dito paciente ter sido condeiTinado pelo Tribunal de Justica de S. Paulo a 4 mezes de prisao cellular e multa de 3:5001000, grao medio do art. 1.° n. 3 do Decrto 4.743, de 31 de Outubro de 1923 combinado com o art. 317 letras a e v do Codigo Penal, nao logrando a dispensa do beneficio da suspensao da condemnagao, apesar de o haver re-

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querido e demonstrado todas as eondigoes para o seu deferimento, recorreu a este Tribunal para pleitear o que lhe fora implicita-mente recusado por aquelle Collegio Judiciario.

Este Supremo Tribunal, por accordam de 23 de Outubro ultimo nao conheceu desse seu pedido por entender somente cabivel o re-curso de habeus-corpua no caso de ser expredsamente denegado pelo Juiz da execucao o questionado benefieio.

Em obedieneia a esse julgado, diriglu-se o paci-ente ao alludido Tribunal local a quern de novo solicitou a mesma providencia, nao sendo, porem, conhecido o seu requtrimento visto nao se acha-rem ali presentes os autos do resoectivo orocedimento criminal, mas sim aqui, appensados, como se encontram, ao processo de revisao desse mesmo processo, ja antes promovida pelo referido condemnado.

Nao tendo sequer requisitado taes autos, o Tribunal de S3.Q Paulo reeusou conceder o que a Lei ao mesmo confere como direito, dahi lhe resultando o soffrimento de uma coaccao illegal, por isso que ja foi expedido mandado para sua prisao em cumpri-mento a alludida sentenga condemnatoria.

Por tal razao o impetrante provando com os documentos jun­tos a verdad'8 das suas affirmacoes, renova, para identico firn, a esta Suprema Corte de Justiga identico pedido de habeas-corpus, affirmando, para justificar a sua procedencia:

1." — que nao se justifica a exclusao dos crimes de im-prensa do benefieio do sursis, para, por tal forma, se os con-siderar infamantes, ao contrario de todos os outros para os quaes facultou o Deer. 16.588, de 6 de Setembro de 1924 a suspensao da pena desde que na sua pratica nao tivesse o criminoso revelado earacter perverso ou corrompido;

2." — que nao era licito ao Poder Ex-ecutivo decretar tal excepcao, nao consentida pela auctorisacao legislativa, por nao haver a mesma estabelecido essa ou outras restriccoes sobre tal assumpto. Isto posto. tendo sido rejeitada a preliminar proposta de saber

se o benefieio da suspensao da condemnacao e ou nao applicavel aos delictos de imprensa:

Considerando que, quanto ao merito, sao manifestamente in-acceitaveis as concludes sustentados pelo impetrante,

Effectivamente: I. — Ao Poder Judiciario faliece competencia para julgar da

conveniencia ou inconveniencia das leis decretadas, mas tao so­mente pode as mterpretar ou nao applical-as quando eontrarias ao texto constitucional.

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Tal criterio e exclusivo de quern as elabora, quer privativa-mente, quer por via de delegagao, sendo que o entendimento con-trario a esse conceito importaria na desattencao ao que dispoe a Constituieao Federal com relagao a harmonia e independencia dos poderes e a delimitagfio das suas funcgoes.

Mas nem por isso o Tribunal fica inhibido de considerar que a extepgao posta ao beneficio do sursis para recusal-o aos delictos de imprensa nao importa na sua equiparagao legal aos crimes que infamam.

No direito estrangeiro, nem por ter sido adoptado, com mais ou menos largueza aquella salutar providencia, os respectivos sys-temas deixaram de consagrar restricgoes.

Assim e que, na Belgica, o paiz mais liberal na sua eoneeasao o considera inapplicavel:

— as condemnacoes disciplinary (Nypels et Servais — Code Penal Beige, 1 pg. 317). E, embora a lei de 31 de Maio de 1888 nao excluisse determi-

nadamente da sua applicagao as infracgoes militares, as suas dis-posigoes somente se lhe tornaram extensivas quando foi ordenado, de modo expresso, pelo art. 6." da Lei de 24 de Julho de 1923 (Vede — SERVAIS ET MECKELLYNCK — Les Codes et lois speciales les phis usitellen en vigueur en Belgique, p. 734).

Na Italia se o recusa em se tratando de:

— miracgoes disciplinares; —- imposigoes fiscaes; — inhabilitagao de empregos publicos ou de suspensao

do exercicio de profissao (MANZINI — Trat. di dir. pen. ital. I p. 432 n. 751).

Quanto ai>s delictos militares somente depois de 1907 e que se comecou a cogitar da suspensao das respectivas condemnagoes. (Vede — PESSINA — Enciclopedia del direito penale italiano, vol. 4, p. 641).

Em Portugal nao se o admitte: a) — quando o crime esteja previsto na lei eleitoral; 6) — a pena imposto for a de multa; c) — e relativamente a indemnizagao ao damno cau-

sado pelo delicto ou qualquer restituigao a que for o reo obrigado (LUIZ OSORIO — Notas ao Cod. Pen. Port. (2.a ed.) — 1923 — vol. I, p. 389).

Na Fraiiga nao se concede: a) — quando a condemnacao fSr motivada por in-

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fraccao da lei sobre fraude na venda de mer-cadorias;

o) — ou por motivo da venda de moedas nacionaes, em tempo de guerra;

c) — ou com referenda as incapacidades accessories ou complementares da pona, sendo que a 33-risprudencia da Corte de Cassacao, em 28 de Outubro de 1894 tambem 0 nega quando se tratar de simples contravencoes.

E para que os militares pudessem invocar esse benefieio, nan condemnacoes pronunciadas por seus tribunaes, o que se lhes ne-gava diante da lei Berenger, de 26 de Mar^o de 1891, foi mister a permissao expressa da Lei de 28 de Junho de 1904 (VIDAL ET MAGNOL — Cours de droit criminel (1921) p. 126 e 685; ROUX — Droit penal et procedure penale (1920) p. S85).

Na Republica Argentina nao se admitte a condemnacao con-dicional nas hypotheses dos artigos 84, 94, 136, part. II, 143, 151, 156, 157 e 177 do Codigo Penal e em geral em todos os casos repri-midos com pena de inhabilitaeao, como principal ou como accessoria, e bem assim em 5=e tratando de contraveneao (GONZALEZ ROURA — Dereche Penal (1922) vol. 2.°, p. 214 a 217).

Dessa breve exposicao resulta, pois, que a suspensao da exe-cu^ao da pena, quando estabelecida, nao eonstitue regra absoluta e pode soffrer excepcoes ditadas por criterios differentes.

Mas, nem por isso, os casos exceptuados sao equiparados a crimes infamantes.

Conseguintemente, nao ha como arguir, entre nos, a incon-veniencia de um preceito de lei, para transformal-o em constran-gimento illegal, por envolver infamia, somente porque exclue da applicagao do sursis este ou aquelle delicto.

II. — Possivel e legal a delegacao transmittida ao Executive Federal, dahi resulta que a auetorisacao para tornar effeetiva a suspensao da condemnacao pcrmittida, a criterio do Poder deJe-gado, a exclusao de qualquei delicto desde que o Legislativo, no seu decreto, nao lhe tragou regras, mas, antes consentiu, expres-samente, que elle — providenciasse a tal respeito do modo que en-tendesse ma/is conveniente.

Foi o que se dispoz no final do n. 1 do art. 1." do Decreto 4.577, de 5 de Setembro de 1922.

Diante de tao amplo poder nao ha como considerar excedida a dita auetorisacao pela alludida exclusao dos delktos previstos nos artigos 315 a 322 do Codigo Penal e leis modificadoras, desde

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que foi esse o modo que o Executivo entendeu mats conveniente adoptar para regular o deferimento do sursis.

E' certo que para sua concessao o legislador nao estabeleceu nenhuma restricgao entre os crimes, mas, se elle explieitamente nao o fez, delegou, entretanto, a possibilidade de se a fazer, o que se compreende, de modo elaro, na formula escolhida para a outorga dos poderes — providenciando a respeito do modo mais conve­niente.

iSi bem, ou mal, procedeu o mandante ou o mandatario, e isso, justamente, o que o Tribunal nao pode decidir para affirmal-ti em seu decreto judiciario.

Assim CONiSIDERANDO que, no caso, a Lei de modo expresso e

insophismavel, reeusa ao paciente o beneficio do sursis, o que nao collide com qualquer garantia eonstitucional coneernente a liber-dade e a seguranca individual, que estao, neeessariamente, subor-dinadas aos preceitos das leis ordinarias ( C O N S T I T U I C A O FE­DERAL, art. 72 § 1.°).

,Si todos devem ser eguaes perante a lei, o preceito constitucio-nal que tal consagra nao significa — egualdade absoluta, mas tao somenfce que a applieacao do texto legal ha de sujeitar a todos, quer proteja, quer castigue, na conformidade do que se contiver nelle,

AOOOBDAM, pois, por taes motivos, denegar a ordem impe-trada por nao ter cabimento, a suspensao da condemnacao.

Custas pelo impetrante. Supremo Tribunal Federal, 20 de Noverbro de 1925. — Andre

Cavalcanti, Presidente. — Bento de Faria, relator "ad-hoc." — G. Natal, vencido: a autorizacao legislativa nao exclue do beneficio do sursis os reos dos crimes de imprensa e o Regulamento expedido em virtude della o nao poderia fazer validamente. Hermeyiegildo de Boyrros, vencido. Considerei applicavel o sursis aos delictos de imprensa. Nem haveria razao para exeluil-o do instituto, como se vae demonstrar em duas palavras. A lei n. 4.577, de 5 de Setembro de 1922, art. 1.°, autorizou o poder executivo a "rever e refor-mar os regulamentos das Casas de Detencao, Correcgao, Colonias e Escolas Correccionaes ou preventivos, bem como verificar a situacao dos presos pelos juizes seccionaes do Districto Federal e dos Estados, no sentido de uniformisar e unificar a direccao dos estabelecimentos penaes dependentes do Governo Federal e de tornar effectivo o livramento condieional e o regimen penitenciarie legal, modificando-o no que for necessario; de accordo com os ideaes modernos, tendentes a regeneragao dos criminosos e os re-

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lativos aos Incorrigiveis, a creagao de penitenciarias agricolas, suspensdo da eondemnagao... ("sursis'*), encurtamento da pena pelo bom procedimento (lei americana do good time), providen-ciando a respeito do modo mais conveniente".

Como se ve da transcripcao integral, foi autorizado simples-mente o sitrsis, sem nenhuma restricgiio ou distincgao entre crimes que devessem merecel-o ou nao.

Usando da autorizagao, o poder exeeutivo expediu o decreto n. 16.588, de 16 de Setembro de 1924, art. 1.°, no qual estabeleceu que '"em caso de primeira eondemnagao as penas de multa con-sideravel em prisao ou de prisao d equalquer natureza ate um anno, tratando-se de accuaado que nao tenha revelado caracter perverso ou corr-ompido, o juiz ou tribunal, tomando em consi-deragao as suas condigoes individuaes, os motivos que determi-naram e eircumstancias que cercaram a infracgao da lei penal, podera suspender a execugao da pena em sentenga fundamentada, por um prazo expressamente fixado de 2 a 4 annos, si se t ra tar de crime e 1 a 2 annos, si de contravengao".

Por eonseguinte, o criterio para a negaeao do sursis, de aecordo com o proprio decreto do poder exeeutivo, e a perversidade ou a corrupcao do caracter do condemnado.

Ora, o delicto de imprensa nao e infamante por sua natureza; nao e delicto que revele aquella perversidade ou corrupgao de caracter.

E' pelo contrario. um delicto que obedeee, muitas vezes, a sen-timentos elevados de ordem publica, a interesses superiores de patriotismo e da collectividade.

E quern nao considers infamante o delicto de imprensa e a propria lei de imprensa. tanto que trata o delinquente com certa distinccao, determinando que a prisao delle "sera sempre dis-tincta da existente para os reos de delicto commum", a semelhanga do que prescreve o art. 80 da Constituicao para os presos politicos durante o estado de sitio.

Logo nao era licito ao poder exeeutivo vedar no art. 5.° do decreto 16.588 a concessao do sursis aos delictos de imprensa, esta-belecendo, com exorbitancia da autorizagao legislativa, uma res-tricgao para a qual nao estava autorizado, uma restricgao que nao se contem na lei e contra a qual protesta a mesma lei.

Esta consideragao ja foi adduzida no habeas-corpus n. 14.099, onde fieou salientada a contradicgao entre o decreto n. 16.588 e a lei de imprensa.

A lei reserva prisao especial para o condemnado por delicto de imprensa.

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22 — Em todos os paizes que admittem este institute, ha exeepeoes determinadas por imp­resses de ordem publiea. No, nosso, o Poder Exe­cutive podia estabeleeel-as, porque, na delega-gao que teve, suas faculdade so foram limitadas, pelas conveniencias geraes da occasiao (1).

23 — Nos delictos exeeptuados, estao os de injuria e calumnia. Nao visou a lei, tratando de injuria e calumnia, somente a diffamacao im-pressa; referiu-se a todas as especies desses de­lictos. Nao foi, tambem, porque as considerasse delictos reveladores de man caracter ou infa-mantes. Talvez o estado social do momento ti-vesse influido para o afastamento da regra es-tabelecida.

A lei, designando os artigos do Codigo, 315 a 325, accrescenta que a excepgao se refere tam­bem aos delictos da mesma natureza, creados pelas leis posteriores que modificaram o Codi­go. Deve compreliender-se que esses delictos sao

"Entretanto, disse o aecordam, o deereto n. 16.588, que, no art. 1.°, manda conceder o beneficio da suspensao da exeeucao da pena aos aceusados que nao tenham revelado earacter perverso ou corrompido, esse mesmo deereto, no art. 5.°, recusa 0 motitfo que o determinou, ao condemnado por delicto de imprensa, que a lei respectiva nao considera revelador de caracter perverso ou corrompido". — A. Bibeiro. — E. Litis, vencido, attentos os fun-damentos dos metis votos anteriores e veneedores em especie identica. — Leoni Ramos. — Pedro dos Santos. — Pedro Mibielli. — Muniz Bariielo:. — Geminmno da Franca. — Godofredo Cunha. — Foi voto vencido o do Sr. Ministro Guimaraes Natal e vencedor o Sr. Ministro Herculano de Freitas. — 0 Sub^Secretario, Theophiio Gonealves Pereira.

(1) — Lei 4.577 de 5 de Setembro de 1922.

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apenas os que atacam a honra e boa f ama indi­vidual. Ha crimes novos incluidos na lei de im­prensa (31 ­ x ­ 23) que nao attingem indivi­dualmente a esta ou aquella pessoa, como os dos arts. 4 e 5, posto que se refiram aos bons costu­mes e a moral publica. Quanto a estes, a exce­peao nao abrange, devendo ser incluidos na re­grageral. (1)

24 ■— A contra vengao pode dar ensejo a indulgencia legal. O f'im da eontravengao e pre­venir um, mal maior; e punida, nao tanto porque o acto seja immoral ou offensivo, mas porque po­de motivar lesoes de direitos. Exige­se, tambem, que ella nao tenlia revelado mau caracter do in­fractor. Assim, o individuo punido pelo jogo pode ter as complacencias da lei; o mesmo nao succede com o que tern casa de tavolagem, vive do vicio ou seduz a terceiros. Como a lei conside­ra a eontravencao com mais brandura que o deli­cto, si todos os requisitos estiverem preenchidos, a suspensao da pena pode ser concedida mais de uma vez.

(1) — O Supremo Tribunal admittiu o sursis no crime do art. 5." da Lei de Imprensa, pois o Dee. 16.588 a este delicto nao se refere (A. J"ud. 1|195) Ace. do E. M. Hermenegildo de Barros, com os votos vencidos dos ministros Arthur Ribeiro e Muniz Bar­

reto, mostrando este que, no caso, faltava um dos elementos essen­

ciaes para a concessao.

HABEAS-COKPUS N. 14.099

Em easo de primeira condemna^ao as penas de multa conver=ivel em prisao ou de prisao de qualquer

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natureza ate urn anno, tratando-se de accusado que nao tenha revelado caracter perverso ou corrompido, o Juiz ou Tribunal, tomando em consideracao as suas eondicoes individuaes, os motivos que determinaram e as circumstancias que cercaram a infraccuo da lei penal, podera suspender a execugao da pena, em sen­tenca fundamentada, por um prazo expressamente ii-xado de 2 a 4 annos se se tratar de crime, e de 1 a 2 annos se de contravencao.

Do beneficio do utirsis nao estao excluidos os condemnados pelos crimes de offensa a moral publica e ao^ bons costumes, previstos no artigo 5." da Lei de Imprensa.

Tambem nao obsta a eoncessao do beneficio c facto de ter sido concedida ao condemnado prisao especial, distincta da prisao commum.

O simples facto de vender ou expor a venda li-vros immoraes nao revela, por si so, o caracter cor-rompido do agente.

Applicacao da lei n. 4.743, de 1923, art. 5." e do decreto n. 16.588, de 1923, arts. 1.° e 5°.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Districto Federal: Vicente Marzullo foi condemnado por sentenca do Juiz da

Primeira Pretoria Criminal, a seis mezes de prisao cellular, multa de 2OO$0OO e perda de livros apprehendidos, grao minimo do art. 5.", paragrapho unico da lei n. 4.743, de 31 de Outubro de 1923, por conservar expostos a venda livros offensivos a moral publica e aos bons costumes.

A pena foi imposta no grao minimo, na ausencia de qualquer aggravante e por ter o denunciado em seu favor a attenuante do bom comportamento, segundo a senten§a de primeira instancia.

Esta sentenca foi confirmada pela 3." Camara da Corte de Appellac&o, que considerou legal a pena applicada, para cujo cumprimento designou a Brigada Policial.

O condemnado requereu a 3.* Oamara a applicacao do decreto n. 16.588, de 6 de Setembro do anno que esta a findar.

O requerimento foi porem, indeferido, porque embora o art. 1." tenha firmado o principio geral da suspensao da pena, nao pode ser applicada ao caso essa providencia, nao so por haver o rdo revelado caracter corrmpido. como ainda porque, segundo salienta o Procurador Geral do Districto, o fim da lei 16.588 foi evitar que o contagio com maos elementos na prisao produzisse — con-sequencias funestas, o que nao acontecera na hypothese, desde

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que ao reo foi designada prisao especial para cumprimento da pena.

Em vista disso, o eondemnado requer ao Supremo Tribunal Federal uma ordem de habeas-corpus em seu favor, allegando que nao procedem os fundamentos, pelos quaes lhe foi denegada a suspensao da execu^ao da sentenca.

Assim, nao procede o 1." fundamento, porque o paciente, sim­ples engraxate italiano, desconhecedor da lingua portugueza, era encarregada por seu patrao de vender jornaes, revistas e livros na casa, onde esses livros, escriptos em portuguez, foram appre-hendidos como immoraes, e nestas condigoes nao podia o paciente revelar caracter perverse ou corrompido, tanto mais quanto em sentido contrario nos autos ha documentos que attestant o bom caracter e o exemplar comportamento do paciente.

Allega que nao proeede o 2." fundamento, porque a concessao do sursis nao tern somente por fim evitar o contagio do reo com maos elenientos, mas tambem evitar que o delmquente primario, nao perverso ou corrompido, se inutilize pelo cumprimento da pena tornando-se reincidente.

Finalmente, nao procede o 3." argumento invocado pelo Pro-curador Geral do Districto, embora nao comprehendido na decisao da 3." Camara, isto e, nao ter direito ao beneficio da suspensao da execugao o reo eondemnado por crime punido pela Lei de Imprensa, visto com o art. 5." do Decreto 16.588 so exclue do beneficio o eondemnado por crime, contra a honra e boa fama, e nao o eondemnado pelo crime previsto no citado art. 5.".

Accordam conhecer do pedido e conceder a ordem de habeas-corpus pelas seguintes razoes:

O art. 1." do Decreto 16.588, de 6 de Setembro desfce anno dispoe: "Em caso de primeira condemnacao as penas de multa conversivel em prisao ou de prisao de qualquer natureza ate um anno, tratando-se de accusado que nao tenha revelado caracter perverso ou corrompido, o Juiz ou Tribunal, tomando em con&t-deracao as suas condigoes individuaes, os motivos que determinaram e as circumstancias que cercaram a infraccao da lei penal, podera suspender a execugao da pena em sentenca fundamentada, por um prazo exprcssamente fixado de 2 a 4 annos, se se tratar de crime, e d© 1 a 2 annos, se de contravisncao".

Fvmdou-se a decisao da Corte de Appellacao, para nao conceder a suspensao da execugao da pena, num motivo que e previsto pelo decreto — ter o paciente revelado caracter corrom­pido.

Esse motivo, porem, nao esta provado.

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O que se prova, ao contrario, e que o paciente e homem de bom caracter.

Entre outros attestados existentes nos autos, o do Juiz Federal da 3." Vara, Dr. Vaz Pinto, affirma que o paciente e seu co-nhecido ha muitos annos, como engraxate, sem uma unica nota que o desabone, sendo ao contrario homem morigerado, de bons costumes, sem vicios, um cidadao emfim, digno e honesto. O que esta provado, ate pela s-entenca condemnatoria que a propria 3.a

Camara confirmou e que constitue causa julgada, e que ao paciente foi reconhecida a attenuante do exemplar eomportamento anterior, que determinou a applicacao da pena no grao minimo.

Ora, nao se pode conceber que um homem de eomportamento exemplar, antes e no momento mesmo de serem apprehendidos "S livros, seja ao mesmo tempo um homem de caracter corrompido.

For outro lado, a infraccao da lei nao foi rodeada de eircums-tancias indicativas de corrupfao. tanto que nenhuma aggravante foi reconhecida.

Trata-se apenas de romances de Paulo de Kock, expostos a venda na sala de engraxate, como o estariam em qualquer livraria, tanto que o livreiro que vendia o livro "La Garconne" foi pro-cessado e absolvido pelo mesmo Juiz, que condemnou o paciente.

Nao procede tambem o 2.° fundamento da decisao da 3.* Ca­mara. Esta designou a Brigada Policial para cumprimento da pena, por uma razao que so poderia ser favoravel ao paciente. O facto, portanto, de se ter concedido ao paciente prisao especial, longe de excluir o beneficio de suspensao da pena. deveria influir para a coneessao desse beneficio, tanto mais quanto sao restrictos os motivos da exelusao e entre estes nao esta comprehendido o da coneessao dc prisao especial ou distincta ao condemnado.

Nao procede, finalmente, o fundamento de haver o art. 5.° do Decreto 16.588 excluido expressamente dc beneficio da suspensao da pena o condemnado por crime punido pela Lei de Imprensa.

Em primeiro lugar, o antagonisms do decreto com a Lei e manifesto.

A Lei de Imprensa. apesar dos seus rigores, nao considera infamante o delicto de imprensa: nao considera de caracter per-verso ou corrompido o accusado por crime dessa natureza, tanto que q trata com certa distincgao, determinando que a prisao delle, "sera sempre distincta da existente para os reos de delictos com-muns", exectamente como o art. 80 da Constituicao que — pres-rceve "a detencao em lugar nao destinado aos reos de crimes communs" para os presos politicos durante o estado de sitio.

Entretanto, o Dec. 16.588 que, no art. 1/ , manda conceder o

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beneficio da suspensao da execugao da pena dos accusados que nao tenham revelado caracter perverso ou corrompido, esse mesrro decreto, no art. 5.", recusa o beneficio, odiosamente, de modo arbi-trario. sem motivo algum. ou melhor contra o motivo que o deter-minou, ao condemnado pelo delicto de imprensa, que a Lei res-pectiva nao considere revelador de caracter perverso ou cor­rompido.

Em segundo lugar, o art. 5." do Decreto 16.588 so exclue do beneficio da suspensao da pena o condemnado por crime com-mettido por meio de imprensa, o condemnado por crime propria-rtiente de calumnia e injuria pela imprensa, sem qualquer refe­renda ao crime pelo qual o paciente foi condemnado, nao sendo licita a exclusao do beneficio, alem dos casos estabelecidos pelo decreto que o instituiu.

Assim decidindo, condemnam o paciente nas custas "ex-eausa". Rio de Janeiro, 29 de Dezembro de 1924. — Andre Cavalcantr,

Presidente. — Herrnenegildo de Barros. Relator. — Gcmmiano da Franca. — Pedro dos Santos. — A. Ribeiro, vencido. — Pedro Ml-bielli. — G. Natal. — Muniz Barreto, vencido. Neguei a ordem de "habeas-corpus", pelos fundamentos adiante expostos.

Segundo o Decreto n. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, para a eondemnagao condicional. isto e, para a suspensao da execugao da pena, faz-se mister o concurso das seguintes condigoes: a) que se trate de condemnado primario; por outras palavras — de pri-meira condemnagao: b) que a pena imposta seja de multa con-vertida em prisao ou de prisao de qualquer natureza ate 1 anno; c) que o accusado nao tenha revelado caracter perverso ou cor­rompido; d) que as condicoes individuaes do agente, os motivos que determinaram e circumstancias que cercaram a infracgao da Lei Penal influam em beneficio delle. 0 prazo da suspensao da pena e fixado na sentenga, devendo ser esta fundamentada: de 2 a 4 annos, s>e a condemnagao for por crime; de 1 a 2 annos, se de contravengao (artigo 1.°).

0 impetrante allega: que o condemnado era mero empregado do estabelecimento. de nacionalidade italiana, nao conhecendo bem o portuguez; humild-3 engraxate. limitava-se alem do servigo pro-prio de sua profissao, a attender a freguezia, na ausencia do pa-trao; que seu comportamento, antes da infracgao, era eexemplar, figurando, entre os attestados que isto affirmam, um do illustrc Juiz Federal, Dr. Vaz Pinto Coelho.

Como diz a exposicao de motivos do citado decreto, a conde­mnagao condicional que elle regula, tern por principal escopo: 1.°) nao inutilisar, desde logo, pelo eumprimento da pena, o delin-

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quente primario, nao corrompido e nao perverso; 2.°) evitar-lhe, com o contagio da prisao, as funestas e conheeidas consequencias desse grave mal, maior entre nos quo em outros paizes, pelo nosso defeituoso systema penitenciario, sem orientagao scientifica e sem estabelecimentos adequados; 3.") diminuir o numero dos reinciden-tes, pelo receio de que se torne effectiva a primeira condemnagao.

Que o paciente e um criminoso primario, ninguem confresta e para proval-o basta o reconhecimento da circumstancia attenu-ante do exemplar comportamento anterior, nada importando que o Juiz houvesse escrjpto ar>enas bom comportamento, uma vez que elle citou o paragrapho 9.v do artigo 42 do Codigo Penal.

0 segundo requisite csta patente, pois a pena imposta e de seis mezes de prisao cellular. Entnetanto, o mesmo se nao pode dizer quanto aos requisites terceiro e quarto, ja porque a propria natureza do delicto — "ultrajc publico ao pudor", qualificado por meio de publicacao em livro contendo offensas a moral publica •e aos bons costumes, faz presumir caracter corrompido no agente, ja porque este nao provou condicoes individuaes eliminativas desse caracter, nem existem motivos determinantes do delicto e circums-tancias que o cercaram capaaes de influir em beneficio do conde-mnado.

Dos Iivros declarados pelos peritos como offensives aos bons costumes, um existe que logo na capa contem immoral e repu-gnante gravura.

Todos elles estavam expostos a venda em casa d>e engraxate, dirigida pelo paciente, sendo sem valor, e alias nao demonstrada, a allegagao de que a outrem, cujo nome se ignora, pertencia o negocio.

A mereancia de Iivros dessa natureza mostra que o mercador ou seu preposto sacrifica o seu bom nome ao interesse monetario.

A vida pregressa do agente, comquanto possa cooperar bas-tante para a concessao do beneficio legal em exame, nao e suffi-ciente por si so, para determinal-a.

Neste assumpto ^eguimos o direito belga que nao se satLfaz com os antecedentes- E se assim nao fosse o reconhecimento da alludida attenuante teria sempre como consequencia a suspensao da execu^ao da pena nas pequenas condemnagoes, embora o criminoso houvesse revelado grande perversidade ou corrupeao ao exsecutar o crime.

Como diz ADOLPHE PRIKS {Scienoe penale, n. 862) ''on donne au juge une faculte dont il ne doit user qu'exceptionniellement en faveur du condamne primaiie, qui a encore assez le sentiment dc 1'honneur pour qu'une menace de peine soit un frein suffisant.

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Si les circonstances dans lesquelles le delinquant a agi ne sont pas telles qu'on puisse eroire a un entrainemant irreflechi, rap-pli­cation du sursis ne repond pas a la pensee du legislateur. La loi du 31 Mai reagit contra toute application machinale des textes de loi et exige une etude attentive des faits de la cause".

0 legislator quer que as eondicoes subjeetivas do agente e os factos e circumstancias concommitantes com a infraccao mostrem que essa foi antes a manifestagao de um estado de fraqueza do criminoso ou o resultado de um movimento impetuoso e irrefleetido, do que de uma deliberacao perversa e calma.

Na especie ha a assegurar que a allegacao de o condemnado nao conheeer bem a lingua portugueza cae por terra diante dos attestados de bom comportamente anterior, nos quaes os attes-tantes declaram que o conhecem ha 10 annos aqui no Brasil. No proprio attestado do Dr. Vaz Pinto esta consignado este tempo.

A vida pregressa influe muito quando sentimentos especiaes eoneonem para levar o individuo a praticar ou a concorrer para o crime, como nesse caso doloroso que Evaristo de Moraes, um dos propugnadores do novo institute, referido, citando trechos de carta escripta a Faguet pelo Juiz Magnaud: "Velha eastella, de nobre origem e nao menos nobres sentimentos, fartamsnte reconha-cidos pela repeticao d? actos de benemerencia e caridade, viera a barra do tribunal presidido por Magnaud. Por que? Por mal comprehendido amor materno, tinha ajudado as manobras frau-dulentas de um filho, apertado por dividas de jogo, sem que ella se houvesse aproveitado da manor parcella do dinheiro crimino-pamente obtido. Foi essa creatura ate entao honesta e bemquista, que o Tribunal viu curvada, humilhada, confessando a sua falta diante da multidao, que, antes, a admirara e adulara.

"Seria justo recusar a tal estellionataria o beneficio do sursis?" A suspensao da condemnagao quando obtida por meio de

kabeas-corpits, por ter o julgador da accao penal, ou o presidente do tribunal do Jury, se recusado, contra ai verdade, a concedel-a — ha de ser feita com as necessarias cautelas, como se o Tribunal do recurso fosse o proprio Juiz da condemnacao, cumprindo fixai o prazo a que se refere o art. 1.° do alludido deereto e ordenar o pveenehimento das formalidade determinadas nos arts. 2.", 8." e 9°.

CAPITITLO IV

Decisao

25 — A regra e que o juiz que condemna, deve ser o mesmo que conceda a suspensao. Si a sentenga provem do veredictum do Jury, o com-petente e o juiz que o presidiu; si de processos especiaes, e o juiz que decide a causa. Quando a medida e denegada, ao Tribunal superior com­pete a coucessao, sendo corrigida a injustiga, com os recursos permittidos.

26 — A opportunidade da concessao e, tan-to o momento de ser prof erida a sentenga conde-mnatoria, como depois de ter ella passado em julgado (1). Nao tendo o juiz na sentenga se manifestado sobre a materia, o reu pode, depois, exliibir provas e pedir que a indulgcncia lhe seja concedida. A lei nao exige que o reu esteja preso para fazer esta reclamagao, pois o favor solici-tado visa, justamente, evitar a prisao.

27 — 0 juiz tem plena liberdade de apre-ciacao como ja se disse. A lei confia em seu cri-

(1) — Art. 1."

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terio, saber e honra. Nao tern, porem, arbitrio. A suspensao nao e favor sen; quem a concede e a lei. Quando esta diz que o juiz "podera suspen­der a execugao" (1), nao'lhe da liberdade para nao a conceder, si o caso e de concedel-a; "po-dera", si a prova o permittir. Desde que a lei es-tabelece os limites e as condigoes do acto, res-tringe a faculdade outhorgada. E e por isso, que a decisao deve ser fundamentada. Pelos funda-mentos verifica-se a justica ou injustice do acto.

(1) — Art. 1."

* * * AOOORDAM

N. 17.030 — Vistos, relatados e diseutidos estes autos de peticao de habeas-corpus requerido pelo Dr. Mario Gameiro em favor de Antonio Ferreira Dias.

0 pacienbs foi condemnado pelo Juiz da A.' Pretoria Criminal a sete mezes e quinze dias de prisao cellular, grao medio do artigo 303 do Codigo Penal, "ex-vi" da segunda parte do paragrapho 1." do seu art. 62, sendo tal decisao conformada por accordam da 4.* Camara da Corte de Appellacao, de 5 de Setembro do corrente anno.

Nera a sentenca de primeira instancia, nem o julgado que a manteve, concedeu ao condemnado o beneficio da suspensao da pena que Ihe fora imposta, sendo que, requerida ella ao Tribunal do recurso, este Ih'a denegou.

Nao se conformando com semelhante deliberagac, o paciente, por seu advogado, impetra a ordem alludida para qui3 Ihe seja assegurado o deferimento do que Ihe fora recusado, sem apoio na Lei e nas prova^ dos autos.

Afjm de instruir o presente julgamento foi rsquisitado o pro-cesso que determinou a alludida condemnacao, o qual sc encontra appcnsado a e~te.

Isto posto: Considerando que a suspensao da exacueao nao e um favor

estabelecido como excepcao e dependente da vontade do Juiz da executrao, mas sim um direito assegurado ao condemnado e que Ihe deve ser reconhecido, em regra, desde que

a) — se trate de primeira condemnacao a pena de multa con-

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versivel em prisao ou de prisao de qualquer natureza ate um anno; b) — e as suas condicoes individuaes e os motivos determi-

nantes da infraccao da Lei Penal e as circumstancias que a cer-earam nao revelem um earacter perverse e corrompido (Dec. 16.58?, de 6 de Setembro de 1924).

Nem o contrario resulta da expressao — "podera suspender a execucao da perm" — porque tal arbitrio nao se refere, 6 obvio, ao reconhecimento da que nao pode ser recusado a quern a Lei quer "evitar, com o contagio nas prisoes, as funestas e conhecidas consequencias desse grave mal", mas diz respeito unicamente a fixacao do praso da suspensao, que pode variar de dois a quatro annos, si se t ra tar de crime, e de um a dois annos, si de contra-vencao conforme engender o Juiz ou Tribunal, a quern tal in-cumbir.

Considerando que, na especie,

I) — o paciente e criminoso primario;

II) — a pena de prisao que lhe foi imposta nao excede de um anno;

III) — o delicto por telle praticado e as circumstaneias que o cercaram nao revelam perversidade, sendo que foi o proprio offendido quern o desviou do seu caminho para interpellar sobrs certo facto occorrido no dia anterior, dahi resultando dar-lhe o accusado, com a mao, uma pancada no nariz, fugindo acto con-tinuo (declaracoes do offendido nos autos appensos — fls. 4 v. e 5 ) ;

IV) — os seus antecedentes nao sao indicativos de indole ma ou de earacter corrompido.

E' eerto que, ha treze annos passados, em 1913, Antonio Fer-reira Dias esteve na imminencia de ser expulso do territorio na-cional em virtude de um inquerito em que se lhe imputou a pratica do lenocinio.

Mas, tambem e verdade que este Tribunal, em accordam una-nime, de n. 3.49-1, de 14 de Janeiro de 1914, confirmou, por seus proprios fundamentos, a deeisao do Juiz Federal da Segunda Vara deste Districto, o qual concedendo-lhe habeas-corpus contra tal decreto de expulsao affirmou na sua sentenga que elle aqui vivia de occupacao honesta, considerando nao provada a alludida accusa-cao;

V) — esta sufficientemente demonstrado que o mesmo paci­ente continua a viver assim, por isso que conforme se ve da certidao a fls. 7 e estabelecido com o commercio de cafe a rua do Rezende n. 7;

— lflO —

VI) — na folha de antecedents nada se encontra que o desabone, e o facto de haver sido identificado, em 1919, no Corpn de Seguranca, nao pode ser tornado em consideracao sem o conhe-cimento do motivo que tal teria determinado, e a elle ahi nao 3e allude.

ACCORD AM, por taes razees, coneeder afinal a ordem de kabem-corpus hnpetrada para o fim de ser assegurado ao paciente o dii-e/to a suspensao da execucao da pena que Ihe foi imposta, de-vendo o Tribunal que a denegou fixar-lhe o respectivo prazo nos limites estabel?cidos pelo art. 1." do citado Decreto n. 16.588, de 1924.

Castas "ex-causa". Sejam immediatamente devolvidos os autos requisitados. .Supremo Tribunal Federal, 31 de Dezembro de 1925. — And.e

Cavalcanti, Presidents. — Bento de Faria, relator "ad-hoc". —Her-memegildo de Barros. — A. Ribeiro, vencido. — Segundo tenhoi sempre votado, a competencia para coneeder o beneficio da sus­pensao da condemnacao, pertence privativamente ao juiz d,i pro-cesso, ao juiz que proferiu a sentenca condenmatoria.

Somente o coneedo, em habeas-corpus, provando o impetrante que a denegacao foi um abuso de poder e que o paciente preeneheu todas as condicoes exigidas pela lei (Dei. n. 16.588, de 6 de Se-tembro de 1924, art. l.°).

;Sem a prova plena do preenchimento de todos os requisitos legaes, entendo que, em habeas-corpus, se nao pode reformar s decisao daquelle juiz.

Como o impetrante, porem, nenhuma prova apresentou, nesse sentido, eu denegava a ordem impetrada.

Pedro dos Santos, veneido. — Muniz Barreto, vencido. A meu ver, a 4." Camara da Corte de Appellacao decidiu acertadamente nao concendendo o sursis, requerido pelo paciente.

Para suspensao da condemnacao, faz-se mister que as con­dicoes subjectivas do agente e os factos e circumstancias conconi-mitantes com a infraccao mostrem que este foi antes a maniffes-tacao de um estado de fraqueza do cl'iminoso ou o resultado de um movimento impetuoso e irreflectido, do que de uma deliberacao perversa e capaz.

Como observa ADOLPHO PRINS. (Science penale, n. 862), "on donne au juge um faculty dont il en doit user qu'exeeptionnellement en faveur du condemne primaire qui a encore assez le sentiment de I'honneur pour qu'une menace de peine soit um freint suffisant. Si les eirconstances dans lesquelles le delinquent a agi ne sont

— 101 —

28 — A suspensao deve abranger a pena de prisao, no todo. A que favorecesse a pena so em parte nao satisfaria um dos fins da lei, que e evi-tar a prisao pelos inconvenientes do contagio. Da sentenga, fieam excluidas as penas accessorias, as de incapacidade, interdiccao, indemnisa-cao (1).

29 — A sentcnc.a deve declarar o praso da suspensao. Nos crimes, o limite esta entre dois a quatro annos; nas contravencoes, entre um a dois amios (2) , A lei deu ao juiz a liberdade de

pas telles qu'on puis?;; croire a un entrain em en t irreflechi, l'appli-cation du sursis ne repond pas a hi pensee du legislateur".

Por isso, determine muito bem o art. 567 do Codigo do Pro-cesso Penal do Districto Federal que o Juiz ou tribunal tomara em consideracao as suas condicoes individuals {do accu<=ado), 'is motivos que deterniinaram e circumstancias que eercaram a in-fraccSo da lei penal".

Em habms-corpus, a suspensao da condemnacao deve ser de-eretada com todas as cautelas, como si o tribunal do recurso fosse o proprio Juiz que impoz a pena, cumprindo-lhe fixar o pra^o a que se refere o art. 1.° do Dec. n. 16.588, de 1924 e ordenar o preenchimento das formalidades determinadas nos arts. 8.° e 9.°; bem assim marcar o tempo dentro do qual ha de o condemnado pagar as custas do processo (art. 2.°, § 1.°).

Ora, os autos nao autorisam a se concluir que a situacao de Antonio Ferreira Dias, quando delinquiu, era <assa que ficou e c-posta acima como essencial para obtencao do beneficio reclamado por elle perante a 4." Camara da Corte de Appellacao e no presente recurso.

Viveiros de Castro. — Geminiano da Franca. — Godofredti Cunha, veneido.

(1) — Art. 2.°

(2) — Art. 1." 0 prazo conta-se por dia e nao por hora, como na prescripgao.

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deeretar a suspensao dentro desses limites, por-que individuos lia que em pouco tempo podem dar mostras do seu arrependimento, ao passo que, em outros, a observagao e a vigilancia pre-cisam ser mais demoradas. (1)

Si a concessao tiver sido feita em grau de re-curso, ao juiz executor compete a determinagao dos prazos. Esta elle. em melhores condigoes de observar o reu e os faetos.

30 — Em casos de codeliquencia, a concessao pode ser feita a um e nao a outro dos reos (2). A codeliquencia, eonforme sua gi'avidade, e de-i'inida nos arts. 18 e 21 do Codigo Penal. 0 au-tor principal e muitas vezes digno da suspensao da pena; e pode succeder que o mesmo nao acon-teca com o auxiliar, por ter revelado perversi-dade. Seria injusta a igualdade entre elles, para a concessao ou denegagao do favor.

31 — As circumstancias da nacionalidade do delinqueute e do consentimento do infractor em nada influem.

A suspensao e um direito, tanto do estran-

(1) — A lei deu ao juiz o poder de fixar maior ou menor prazo para a vigilancia. 0 fim da indulgencia e tambem a indivi-dualisacao das penas. Mesmo entre os delinquentes primarios pode haver distinceao. Os de oeeasiao mereeem mais brandura do que os que foram levados por uma paixao que niio souberam dominar. Ao juiz compete examinar os casos, tendo, neste assumpto ampla e absoluta liberdade.

(2) — Deereto, art. 7.'

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geiro, como do nacional; si aquelle pode fugir para o seu Paiz, durante o prazo da vigilancia, tal perigo se da, tambem, quanto ao nacional. A lei nao impoz como requisite, para o caso, ser o infractor de nacionalidade brasileira.

A suspensao e favor da lei. Visa o interesse da soeiedade, mais do que o da parte.O consenti-mento do infractor, portanto, e elemento que nao pode ser ponderado. Pouco importa que o reu consinta, que esteja presente ou ausente, ou mesmo que se opponha a medida decretada. Ao juiz ex-officio e ao Ministerio Publico, cabe sup-prir a intervencao da parte (1).

32 — So uma vez, a suspensao e concedida. E' a regra. Nas eontraveneoes, porem, novas sus-pensoes podem ser facultadas. Para isso e pre-ciso que nao tenham revelado vicio ou ma indo­le do accusado em todas ellas (2). Neste caso, quantas vezes a lei a permitted Pode responder-se que duas ou mais vezes, nao devendo, porem, haver abuso. Assim, urn individuo e punido como vendedor do jogo do bicho e obtem a suspensao; si repete o delicto, apesar da primeira conde-mnagao, o favor nao lhe deve ser concedido, por-

(1) — O eonsentimento do reo e dispensavel na suspensao condiciona). A repressao e de direito publico, e do interesse eolleetivo. Sua organisacao, seu funceionamento, sua exeeugao pertencem ao Poder Judiciario e nao podem depender da vontade do individuo, ainda mesmo que o benefieio lhe aproveite. Aeima do inberesse particular, esta o interesse social.

(2) — Decreto, art. 6."

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que tern revelado vicio ou ma indole. (1) Mas, si depois e punido por uso de armas prohibidas e mais tarde por ostentar titulo ou distinctivo a que nao tinha direito, desde que o juiz se con-

(1) — A. Jud. 11 476.

HABEAS-CORPUS N. 23.357

A suspensao da execucao da pena, isto e, o sursis, so pode «er concedida uma vez, salvo se a primeira houver sido applieada era processo de contraveneao. ou nao revele vicio ou ma indole do accusado.

Nao se pode dizer, em absoluto, que a contraven-vencao do jogo do bicho revele sempre vicio ou ma indole do contraventor, dependendo a apreciacao das eircumstancias em que se deu cada facto.

VISTOS. relatados e discutidos estes autos de habeas-corp-ns do Districts Federal, em que e impetrante e paciente Jose Jacob, verifica-se ser a especie a seguinte:

Jose Jacob, tendo sido condemnado a quatro mezes de prisao cellular e multa de 1:000$000, pela contravencao do art. 31, para­g r a p h s 1, 3 e 4, n. 1, letra b, fa lei n. 2.321, de 30 de Dezembro de 1910, requereu Ihe fos^e coneedido o beneficio legal da suspensao da execucao da pena, allegando achar-se nos casos do art. 1.° do Dec. r.. 16.588, de 6 de Setembro de 1924.

A Corte de Appellacao deste Districto indeferiu o pedido, sob o fundamento de ser o peticionario reincidente na contravened do jogo dos bichos.

Effectivamente, o impetrante, em 1918, cumpriu a pena de doi.5 m-ezes de prisao cellular e muita de 500$, em virtude de condenmacao que Ihe foi imposta por contravencao identica a que ora esta condemnado.

Nao procede, porem, o fundamento da denegacao do sut^is, em face do que determina o art. 6." do Dec. cit. n. 16.588, assitn concebido:

"A suspensao da execucao da pena, so pode ser concedida uma vez, salvo se a primeira houver sido applieada em processo de contravencao, que nao revele vicio ou ma indole do accusado".

Fundado nesse dispositivo, o Tribunal, no accordao n. 18.400 concedeu a suspensao da condemna^ao a Carolino Augusto Taveira. que ja havia sido anteriormente condemnado pela mesma contra­vencao.

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veiica de que o acto e producto de uma levianda-de e nao de man proposito, a suspensao pode ser concedida nessas duas infracc.oes. Nao e isso a

Na especie, parece tratar-se de um vicio arraigado sabre que a suspensao nenhum effeito produziu, pois antes de expirado o seu praso, ja o paeiente regredira a praticar o mesmo acto, M>b a ameaca de cuja sancgao elle ainda se encontrava.

Quanto a suspensao da execucao — disse esse accordao —, o art. 1." do Dee. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, a autoriza, em easo de primeira eondemnacao, em pena de prisao ate um anno, tratando-se de accusado que nao tenha revelado earacter perverao ou corrompido. A eondemnacao nao e primeira, porque, em 1919 ja o reo t'oi eondemnado, por ter incorrido em identica contraven-cao. Mas isso nao e obstaculo a concessao do stirsis, desde que se trata de contravencao, pois o art. do Dec. n. 16.588 diz: "A sus­pensao da execugao da pena so pode ser concedida uma vez, salvo se a primeira houver sido applicada em processo de contravencao, que nao revele vicio/ ou ma indole do accusado".

Ora, se o individuo que ja foi eondemnado por contravengao e obteve o sursis, pode obtel-o pela segunda vez, com maioria de razao, deve o beneficio ser eoncedido ao eondemnado por contra­vencao, que nao gozou do beneficio porque este ainda nao existia ao tempo da primeira eondemnacao.

Tratando-se, portanto, de contravencao, pouco importa que a eondemnacao seja segunda; o que e neeessario, para ser eonce­dido o sttrsis, e que ella nao revel* vicio ou ma indole do con-traventor.

Nao se pode dizer, em absoluto, que a contraveneao do jogo do bicho revele sempre aquelle vicio ou ma indole, dependendo a apreciacao das circumstancias em que se deu cada facto.

Na hypothese suscitada e decidida no habeas-corpiis numero 22.964, a contravengao revelou vicio e o sitr&is foi negado.

A denegaoao entao se deu pelo seguinte motivo: "Nao obstante a generalidade do uso desse jogo do bicho e

de outros jogos a que allude o accordao n. 18.400, nao se pode contestar que se trata de um acto accentuadamente illieito, que a lei penal erige em aecao punivel e que a moral nao approva, nao se podendo, portanto, deixar de considerar um vicio a sua pratica habitual.

Nao e essa eireumstancia uma prova de que a ameaga da

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abdicagao da pena. E' a substituigao della pela vigilancia, em infracgoes que a ]ei nao pune com o rigor das violagoes penaes em geral.

sanccao penal nao teve for?a bastante para veneer a tendeneia da natureza viciada do agente?

Mas, se esse habito arraigado na prati-ca do jogo nao pode deixar de ser reputado um vicio, o individuo que o tem, acha-se compreendido na excepgao do eit. art. 6, isto &, na regra desse artigo, que nao admitte senao uma vez a suspensao da conde-mnacao.

No caso dos autos, porem, como no do habeas-corpus numero 18.400, perfeitamente identico a ella, o simples facto de ter sido o reo surpreendido, duas vezes, jogando no bicho, na verdade, nao revelava, por si so, que elle ja se encontrava vieiado na pratica desse acto illicito, tanto mais quanto entre os seus dois actos mediou grande espaco de tempo (cerca de sete ou oito armos).

Por esse motivo, o Tribunal coueedeu o sursis ao impetrante do habeas-corpiis n. 18.400, e por esse mesmo motivo, nao pode deixar de ser concedido ao do presente habeas-corpus.

Pelo exposto, accordao conceder a ordem impetrada, para ser outorgado ao impetrante o beneficio da suspensao da condemnacao, na forma da lei. — Custas ex-causa.

Supremo Tribunal Federal, 20 de Maio de 1929. — Godofredo Cunha, Presidente. — A. Ribeiro, relator. — Bento de Faria. — F. Whitaker. — Hermenegildo de Barros. — Geminiwno da Franca. — Cardoso Ribeiro. — Pedro dos antos. — Sor$a?w de Souza. — Leoni Ramos. — Rodrigo Octavio.

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33 — Depois de proferida a sentenga, ou o infractor esta presente, ou ausente. Xo pri-meiro caso, o proprio juiz lhe dara conliecimen-to da decisao, advertindo-o, ao mesmo tempo, dos deveres que contrabe e perigos a que esta sujei-to; no segundo caso, ao apresentar-se para o cum­primento da pena, a formalidade sera, cumpri-da. Preceituam algumas legislagoes que, liaven-do ausencia e nao obedecendo o reu a chamada por editaes, o favor concedido fica sem effei-to (1). 0 Decreto 16.588 nao estabeleee tal pe­na; e como trata-se de lei substantiva, qualquer modificagao neste ponto, na legislagao proees-sual, nao tern validade.

34 — 0 acto da concessao sera, incorporado no langamento da sentenga condemnatoria, feito em livro especial do Gabinete de Identifieagao e Estatistica; e alii tambem serao averbados os des-paclios relativos a revogagao ou cumprimento da pena. Nos logares onde nao houver tal Gabi­nete, a inseripgao e registros serao feitos em li­vro proprio que o juiz determinar (2) . Este re-gistro e de caracter secreto, so podendo o acto ser revelado, quando houver solicitagao da au-toridade judiciaria para os effeitos da applica-gao do decreto. No caso de revogagao, deve ser ella averbada definitivamente no registro ge-ral (3).

(1) — Cod. Proc, D. Federal, art. 576, por exemplo. (2) — Dec. cit., arts. 9 e 10. (3) — Dec. cit., art. 11.

CAPITULO V

Eecurso

35 — So do despacho que concede a suspen-sao, lia, pelo Deereto 16.588, recurso para o juiz ou tribunal superior (1) Por que? Porquc. di-zem, trata-se de ran beneficio que o juiz da con-deinnaeio, diserecionariamente, pode negar ou eonceder. Mas, si lia essa liberdade plena, si nao age o juiz como "dever", nenlium recurso devia ser admittido, principalmente em caso de con-cessao da indulgencia. Porque recurso contra o acto que favorece o reu, e nao contra o acto que o prejudica? 0 Deereto e incolierente. Varios Es-tados tern corrigido o def eito da lei, por disposi-gao especial (2). Em falta, a indulgencia pode ser concedida por meio de "habeas-corpus".

Quanto a idoneidade do "habeas-corpus", nao se pode contestar, porque, no caso, lia abuso de poder, offensivo da liberdade physica. Impu-gna-se este recurso, porque, sendo de marcha ra­

t i ) — Deer. 16.588, art. 12.

(2) — Em S. Paulo, por exemplo, a lei 2.168 A tie 24 de Dezembro de 1920, art. 6.°, diz: "Da sentenca que negar a sus-pensao da pena, tambem havera recurso interposto pela parte ou pelo Ministerio Publico".

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pida, nao pode entrar em indagagSes demoradas. Nao procede a duvida. No "habeas-corpus", o juiz superior examma as provas ja adduzidas ou mesmo as novas, sem necessidade de delongas c discussoes. Assim, sempre o entendeu o Supre­mo Tribunal Federal (1).

(I) — O HABEAS-CORPUS E' O EECURSO CABIVEL DA DECISAO DENEGATORIA no '-SURSIS".

O Supremo Tribunal Federal, contra o voto do Sr. Ministro Joao Luiz Alves decidio que nao pode deixar de haver recurso da decisao denegatoria do sursis sendo esse recurso, na falta de outro ordinario, o habeas-corpus pois que nao se pod? deixar ao arbitrio do juiz a conces.--ao ou den?gacao do beneficio da lei.

Em uma das sessoes ao ser relatado pelo Sr. Ministro Joao Luiz Alves o habeas-corpus n. 14.805 em favor de Henrique Jero-nymo de Vasconcellos a quern o juiz da 4." Pretoria Criminal indef3rira o beneficio da suspensao da condemnacao e que plei-teava por meio do habeas-corpus o reconhecimento do seu direito a esse beneficio, S. Ex. apresentou ao Tribunal a seguinte questao eonsubstanciada no seu voto denegatorio da medida reclamada:

"Nego o habeas-corpus — As condicoes para a concessao da suspen?ao da pena, estabelecidas pelo dec. n. 16.588, de 6 de Setembro de 1924, sao as seguintes:

1) tratar-s^e de primeira condemnacao; 2) nao exeeder de um anno a pena de prisao; 3) nao ter o condemnado revelado caracter perverso on cor-

rcmpido; 4) attender o juiz da condemnacao as condicoes individuaes

do reo, as circumstancias que cercaram a infraccao e aos motivos que a determinaram.

Como &e ve, duas das exigeneias essenciaes para a concessao do sursis, fundadas precisamente nos objectives da pena, dependem do criterio subjectivo do juiz do tribunal da condemnacao.

Este foi o pensamento dos creadores do instituto, esta e a orientaeao irrecusavel do cit. dec. n. 16.588.

Tanto assim e, que. 1." — 0 decreto nao prescreve que, preenchidas cartas con-

digoes, a suspensao da pena SERA concedida, mas expressamente

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diapoe que o juiz PODERA concedel-a, EM SENTENQA FUNDAMENTADA. Proferida a condemnacao, se o juiz entender que nao e caso

de sursis, nao precisara recusal-o expressamente; basta que nao profira a sua concessao, que deve ser, repito, fundamentada.

E' pois, um acto de sua apreciacao. 2." ~ 0 deereto NAO CONCEDE AO CONDEMNADO RECURSO ALGUM

DIA NAO CONCESSAO DA SUSPENSAO DA PENA; ao contrario, de moio implieito, mas insosphimavel o recusa, porquanto creou gomenle, para o Mlnisterio Publico, o RECURSO DA CONCESSAO.

O Juiz pode, diz o deereto, conceder o sursis, em sentence fundamentada. Se o concede, sem procedeneia, a sociedade, pelo seu orgao, pode recorrer para a instancia superior, demonstrando que nao existem as condicoes que o fazem admittir.

Se o nao concede, o reo nao pode recorrer: — o Juiz exerceu uma faculdade discricionaria, deixada a sua apreciacao e criterio, como em, tantos outros casos.

Por ser recente a institui^ao entre nor., a jurisprudencia ainda nao se firmou, pelo que podemos buscar a lic,ao da jurisprudencia de outros paizes.

Na Italia, por exemplo, a !ei n. 267 de 26 de Junbo de 1904 nao exige, como a nossa, de modo expresso, o exame das condi-<;6es moraes do reo e das circumstancias do delicto, e guarda completo silencio sobre a admissibilidade ou nao do recurso da con­cessao ou recusa do sursis.

Entretanto, a jurisprudencia dos tribunaes italianos tern de-cidido estes pontos:

1.° — Nao cabe recurso para a Corte ds Cassa^ao da recusa do sursis pelo iuiz da condemnacao (Dec. em Cass, de 8 de Outubro de 1904).

2." — So ao juiz da condemnacao e concedida a faculdade de decretar ou recusar a suspensao da pena (Decis. em Cass., de 18 de Outubro de 1904; YAPICHELLA, Giurisp. Pen., 1905, n. 270).

Em summa, si o deereto que estabeleeeu a condemnacao con-dicional declara facultativa a sua concessao pelo juiz da condemna­cao, se exigq que este, concedendo-a, fundamente o seu acto, se da recusa nao admitte recurso ordinario, como conceder o habeas-corptis, isto e, dar recurso contra o intuitu salutar da lei?

Como podera, alias, o Tribunal concedel-o, sem verificar a coexistencia das condicoes estabelecidas pela lei?

Como se verifica no processo de habeas-corpus? Seria precizo instituir uma larga mstrucgao sobie os antece-

dentcs do reo, seu caracter, condicoes e motivos da infraccao, cousa que cabe ao juiz da condemnacao, mas que este Tribunal nao po-

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deria fazer, o que bem revela que o intuito da lei foi conferir ao juiz da condemna§ao, e so a elle, a faculdade de conceder o sursis.

Nego, pois, o habeas-corpus.

0 Sr, Ministro Muniz Barreto, disse o seguinte:

I — Nao me parece que nessa questao primacial tenha razao o nosso distincto collega.

No processo de habeas-corpus numero 14.099, julgado em 29 de Dezembro ultimo, o Tribunal, contra o meu voto e o do Sr. Ministro Arthur Ribeiro, deferio o p:dido, em favor de Vicente Marzullo, a quern a 3.a Camara da Corte, denegara a medida.

Nao se discutiu aqui se o instituto da "condemnacao condicio-nal" permittia, negada que fosse a suspensao, o uso do remedio do habeas-corpus, assegurado pelo art. 72 § 22, da Constituicao da Republica, '"sempre que o individuo soffrer ou se achar em immi-n-snte perigo de soffrer violencia, ou coaccaof por illegalidade o". abuso de poder". Teve-sc implicitamente por indubitavel a idonei-dade do mc;o judicial de que lancara mao o impetrantc, nao havendo discordancia de votos neste particular.

Agora as objeccoes do Sr. Ministro relator e a conclusao do seu voto obrigam os julgadores a manifestar-se cxpressarnente so-bre esse ponto, cuja complexidadc provoca pronunciamento sobre cutras que Ihe sao connexas.

Faz-se mister abordar desde logo o seguinte: O tribunal deve tomar em considera?ao o decrcto do Exccutivo, cuja ementa e: :Estabekce a condemnacao condic;on:\I em materia penal?- ' E' de concluir que a crea^ao desse instituto juridieo-penal emanou tao s.6 daquelie Poder e nao do Legislativo a quern pela Constituicao Federal compete tegislar sobre o Direito Criminal da Republic* (art. o4, n. 23). Por outras palavras: e constitucional o decrcto n. 16.588 de 6 de Setembro de 1924 quando e certo que a lei que o autorizcu spinas disse que o Poder Ex?cutivo ficava encarrcgado de rever e rcformar determinados rcgulamentos, devendo, entre eutras cousas, dispor sobre a condemnacao condicional?

0 d£creto merece acatamento. como tive occasiao de dizer cm aparte no julgamento do habeas-corpus Marzullo. Foi o legis-lador quern adoptou esse instituto, com o typo francez e belga, na i?ua estructura, c por isso cscreveu no texto do art. l.° da lei n. 4.577, de 5 de Setembro de 1922. que o Poder Executivo regu-lamentaria, de accordo com as ideas modernas, "'a suspensao da

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condemnacao", addicionando a essas palavras, est'outra, dentro do signal duplo, parenthesis, — "sursis".

O decreto n. 16.588 nada mais fez do que consignar as dispo-

sicoes indispensaveis ao assumpto, para a execucao entre nos, apro-

veitando da lei franceza, da belga e da italiana o que nellas cons-

titue a parte essencial ou organica da "condemnacao condieional", isto e, da "suspensao da execucao da sentenca condemnatoria em materia criminal"; que tern como principal escopo, no acertado dizer da exposi^ao de motivos do decreto, escripto pelo nosso eminent:? collega, Sr. Ministro Joao Luiz Alves: 1." — ndo inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o delinquente primario, ndo cor-

rompido e ndo perversa; %■" — cvitar-lhe, com o confiagio no, pris&o, as funestas e conhecidas consoquencias desse grave mal, maior entre nos do que em outros paizes, pelo nosso defeituoso systema penitenciario, se tal nome pode ser dado a um regimen sem me-

thodo, sem unidade, sem orientacao scientifica e sem estabeleci-

mentos adcquados; e 3." — diminuir o numero das reincidencia^, pelo receio de que se torne effectiva a primeira condemnacao.

Assim e, sem duvida. Dizem-no os commentadores das leis sobre essa materia, em execucao em diversos juizos, fructos, todos elles, do trabalho do Senador francoz Berenger, que o consubstanciou no projecto apresentado em 1884. convertido em lei de 26 de Marco de 1891. Foi Berenger o proprio relator da Commissao que emittio o parecer sobre o projecto, cujos intuitos e razao de ser estao explicados nas seguintes palavras: "Faz muito tempo que se ex-

proba a nossa lei penal recorrer quasi exclusivamente as penas corporaes. A pena e justa se se t rata da repre?sao do condemnado jO.mrliarizo.do com o crime e de uma perversidade seguiia: este nao pode ser accessivel senao ao soffrimento physico. Nao assim com respcito aquelle cuja falta ndo e, por sua natureza, exclusiva ds todo sentvtwento de honra. A pena, assim comprehendida, pode ter effeitos completamente contrarios ao objecto que ella tern em vista. O projecto substituc uma pena de ordeni moral d pena material da lei. A advertencia, com a ameaca da uma sevcridade maior, nao e senao um meio moral; meio efficaz e de uso universal, empregado pelo cliefe de familia, pelo mestre e pelo patrao.

Respeita os delinquentes cujo sentimento moral nao tenha sido alterado, apezar da falta commettida, — e e necessario dizel-o, constitue o maior numero entre os presos, os domiciliados e os que vivem realmente do seu trabalho honesto, —- ella nao tera menus efficacia do que a prisao, e cam vantagem, sobre isto, de supprimir

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suas desostrosas consequential. . . Sem falar dos -effeitos defcesta-veis causados pelos contactos da prisao, qtiantos desfallecimentos, quantas revoltas contra a soeiedade, tem nascido de uma repressao inutil? Para o reincidente, ao contrario, quern podera negar que o unico recurso esta no soffrimento physico? E' necessario, pois, tanto quanto possivel. evitor a um a piisdo e tornai-a metis rigorosa para otttro". E mais adiante: "Nao se trata de considerar o grdo dv gravidade da falta, porque esta apreciacao foi feita para a de-cretacdo da pena, sim, porem, MEDIR O ESTADO MORAL DO CONDH-MNADO E O ORAO DE GARANTIA QUE ESTE ESTADO SUPPOE".

Tar.ta impressao causou o projecto Berenger nos paizes maia cultos da Europa que antes de convertido em lei. na Franca, a Belgica calcava nelle sua lei de 31 de Maio de 1888. Mais tarde. entre outros paizes, a Italia em 1904 e a Hespanha em 1908. decre-taram e regulamentaram esse insti tute adoptando a parte funda­mental da lei franceza, e tendo bem presente que a decisao de sursi3 nada mais e — como observa Garraud, — "do que uma condemnacdo com execucdo conditional da pena", (Droit Criminal, n. 330, nota 3.)

0 dec. n. 16.588, diversamente do que fez a lei hespanbola, e conservando em sua pureza a idea nossa, nao admittio ca?os deter-minados de concessao do favor legal, isto e, casos caracterizados por factos verificados, como a pouca idade do delinquente primario, o pedido expresso, na quereila mtentada pelo offendido, da applica-cao da condemnacao condicional, etc. 0 que esse decreto quer e alcm da prova das condicoes legaes objectivas:

a) que se trate do condemnado primario; b) que a pena imposta seja de multa- cowvertida em prisao oti

de prisao de qvalquer natureza, ate um anno; c) que o accusado nao tenha revelado caracter perverso on,

corrompido, — examinando o juiz as condicoes mdividuo.es do agentc, os motivos que delerminaram e circmnstancias que cercaram a in-fracgdo da lei penal, em ordem a verificar se tudo isso influc em beneficio do reo. ou. muito de revez, Ihe e desfavorave!.

A impressao produzida no espirito do julgador por esses ele-mentos e personalissima, so elle pode manifestal-a.

A manifestacao somente quando em beneficio do condemnado? Satisfeitos os requisites objectivos, o juiz deve se pronunciar e%-officio pela concessao em denegacao do sursis? Somente ao juiz da 1." instancia e que compete assim proceder? Essa decisao especial faz corpo com a sentenea condemnatoria, de modo que a 2." instancia

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e licito revogal-a na appellacao que o Ministerio Publico ou o quei-xoso interponha, pedindo o augmento da pena? Assiste ao reo o direito de requerer directamente o beneficio da lei depois de conde-mnado e antes de entrar no cumprimento da pena? Em qualquer caso, deneffada a eoneessao, irrevogavel por meio de recurso ordi-nario, e prohibido ao condemnado lancar rnao do habeae-corpus para solieitar a applicagao do beneficio, mostrando que so por abuso de poder foi que o julgador lhe recusou a salutar providencia, pois contra a verdade dor, faetos, das eondigoes individuaes do paciente com I'elacao ao delicto, nao ordenou a suspensao da execugao da sentence, e pedindo que o Tribunal do hab das-corpus examine o processo, todos os seus elementos de eonvicgao, a vida pregressa do paciente, os motivos da infraecao, as segurangas que elle offerece a sociedade, e verifique si e ou nao illegal o constrangimento que soffre em sua liberdade physica, quando outros delinquentes em situacoes identicas e mosmo peiores obtiveram o favor, e a Consti-tui?ao manda que sem demora se faga cessar a illegal violencia ou coac<;ao, effectiva ou imminente, contra a liberdade pe^soal?

Transplantado para o nosso, de paizes onde nao se admitte o reeurso de kabeas-corpus, o instituto da condemnacao condiciona1

ha de se subordinar, quanto a faculdade da concessao, ao principio constitucional e as disposigoes ordinarias consentaneas com elle. desde que nao se trata de revogar ou de cassar uma sentenca conde-mnatoria proferida por juiz competente, contra a qual ha o meio especifico da revisao, mas de applicar providencia estatuida na lei em beneficio tanto do individuo como da sociedade suspendendo a execucao de favor, affectando a condemnacao de uma condi^ao resolutoria, que pode ser eseripta quer na sentenca, qu-er depois della e nao constitue um elemento de sua composicao legal.

0 sursis, — escreve Garraud — nao e um puro favor, max uma m\edida de interesse geral. Diversas c successivai decisoes nao nao sao de extranhar em semelhante assumpto: sursis concedido na primeira, recusado por outra e ordenado pela ultima.

0 decreto n. 16.588 nao dis^e que a suspensao da condemnacao. fazia corpo com o julgado e seria inseparavel delle; e fez bem, porque a decisao de sursis, e autonoma, embora a sua melhor oppor-tunidade se encontre no momento da sentenca condemnatoria.

No Direito francez elle cabe some;nte nesse momento, em 1." ou segundo grao da jurisdiccao, nao separadamente (Garraud); e pelo artigo 9.° da lei belga se ve que o mesmo occorre na Belgica: verbis: ' 'As c6rtes e tribunaes, condemnando a uma ou mats pessoas, podem ordenar, por uma decisao motivada". 0 projecto do Codigo

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Penal argentino de 1906, para que nenhuma duvida houvesse a este respeito, dispoz que "los tribunates podran ordenar en el mistm** pronunciamento que se defe em suspensao el cumpUmento de set' favor.

Comprebendendo com aeerto o dispositive do art. 1." do men-cionado decreto, o Codigo do Processo Penal no Distrieto Federal, depois de reproduzir esse dispositive (artigo 567), estabeleceu o seguinte: "Dentro em dez dias, apos haver transitado em julgado a deeisdo condemnatoria, na qual nao sera expressamente negada a suspensao da exeeucao do favor, poderd o reo preso e o solto ou afiancudoe que se apreseniar vohmtariamente d prisao, requerer ao juiz ou tribunal que seja decretada a mesma suspensao, juntando provas relativas aos seus antecedentes e condigoes pessoaes, deci-dindo o juiz em 48 floras, ou o tribunal nd 1." sessao".

E' elaro, portanto, que entre nos a suspensao pode ser de­cretada por occasiao da sentenca condemnatoria, depoi? della tran-sitar em julgado, dentro em curto prazo, e quer na l.a, quer na 2." instancia. J a Lucchine assim o apregoava antes da creagao do institute por lei italiana de 1904: "Consiste na suspensao decla-rada no mesmo pronunciamento ou ainda em tempo sueoessivo, em cowsideracao do concurso de deterrmnadas conclusoes estabeleoidas pela lei, que geralmente se referem a quantidade e entidade do crime e do favor e am precedentes da condemnagdo (Proc. Pen. artigo 404).

Se as provas constantes dos autos ou as exhibidas posterior-mente pelo condemnado dentro no prazo legal, nao satisfizerem as exigencias indispensaveis a concessao, o juiz deve negal-a mas se nao obstante isso elle a conceder o Ministerio Publico ou a parte queixosa tern o direito di recorrer para a 2.a instancia. Veri-ficada a hypothese eontraria, isto e, negada a suspensao da exe­eucao de favor, nao ha recurso ordinario; mas como o julgador nao pode decidir sem pesar os elementos de convicgao que Ihe foram presentes bem de ver e que no caso delle repudiar esses elementos, sobrepondo-se ao efiectivo preenchimento das condigoes legaes, com-mettera urn abuso de poder, offensivo da liberdade physica do cidadao, que para ser restaurada encontra idoneo e unico remedio no habeas-corpus.

Conceder o, sursis nao e um favor do juiz, nem o favor e com-pativel com a funccao julgadora: e um favor da lei, como o e a fianea. Elle nao depende da vontade arbitraria do magistrado; deve ser o resultado do estado consciencioso dos autos, de um raciocinio claro, logico e justo. A impressao do julgador, ou melhor, o seu juizo, seja na propria causa, seja no - julgamento do habeas-corpus,

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ha de provir do exame das comdicoes subjectivas do condemnado, satisfeitos- os objectives da lei, mas nao das condicoes subjectivas do juiz, da sua orientacao soeiologica, do sea temperament©, da escola ou doutrina que tiver adoptado, em materia penal, nem de outros xactores analogos, determinatives da sua vontade como homem social.

Quando o Juiz decreta a prisao preventiva tern verificado que ella e necessarki on conveniente, nao simplesmente porque esse seja o seu querer, nem porque e.-se requisito tern no feito a sua preciza demonstracao. O tribunal de habem-corpus, se divergir daquella autoridade cassara o mandado, fazendo cessar o constrangimento, isto e, relaxando o paeiente da prisao.

O citado art . 567, § 2.", do Codigo Proc. Pen. do Districto Fe­deral, veio'em apoio da nossa opiniao, e depois delle, a Corte desse Districto nao recusou a conbecer do habeas'cor pus, requerido por motivo de illegal recusa de suspensao.

Depois de abordar outras eonsideracoes S. Ex. assim concluio, a primeira parte do seu voto sobre a idoneidade do recurso.

0 caso nao e de revisao criminal, porque nao ha revisao a ne-gagao ou concessao do sursis, so ha com relacao a sentenca conde-mnatoria, para se verifiear ;e foi proferida de acoordo com todos os casos do art. 74 da lei n. 221 de 1894.

Seria este o unico caso em que nao haveria remedio algum para se fazer cessar o constrangimento physico a liberdade do paeiente.

Isto nao quer dizer que conceda a ordem. Nao considero propriamente prelmiinar. Ficamos de saber se

em obsoluto a Constitui^ao que rege todas as situacoes de constran­gimento physico — menos aquellas em que ha meios especificos — nao rege esse caso. Mas justamente quando nao cabe recurso ordi-nario e< que, por maioria de razao, cabe o do habeas-corpus.

Alias assim ja o tem decidido o Tribunal. Ainda na sessao pas-sada, tivemos o caso de um condemnado ate com recurso ordinario pendente, e a quern o Tribunal concedeu o kabeas-corpus porque manifestamente, nao obstante pender de recurso, o facto exposto na denuncia nao se ajustava absolutamente ao texto da lei penal.

Foi um caso originalis.-imo, pouco commum, mas desses que se impoem a meu ver, respeitando a opiniao de outros.

Concluindo S. Ex. disse que acha idoneo o meio empregadci, assim votando a preliminar levantada.

A seguir usou da palavra, o Sr. Ministro Pedro Mibielli, que assim expoz o seu voto:

"O paeiente, por via de kabeas-corpus, pretende que lhe seja concedido o beneficio do sursis, instituido pelo Dec. n. 16.588 de

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6 de Setembro de 1924. O douto relator, nega a ordem, porque na especie nao cabe recurso algum, e funda-se em que: •— 1), pelo espirito do deereto, em causa, o juiz do julgamento silenciando a outorga do benefieio, como o concedendo, exerce funce,ao discricio-naria, sem outro limite que nao "o criterio subjectivo do juiz ou tribunal da condemnacao"; 2) , o recurso foi somente instituido em beneficio da sociedade, do qual e orgao o Ministerio Publico. E porque, entre nos o instituto e novo para comprovagao do seu enunciado, appella para as leis belga, franceza e italiana e para jurisprudeneia que em torno dellas se formou.

Di.-:cordo dos dous enunciados e das suas conclusoes. Antes de tudo preliminarmente, e em beneficio da argumentagao, convem mostrar desde logo que o paciente usou do recurso extraordinario do habeas-corpus, incorporado nas garantias individuaes, que a Constituiciio da Kepublica assegura a nacionaes e extrangeiros: pelo que nem irnplicitamente, nem explicitamente, e licito ao legist lador ordinario subtrahir ao conhecimento do Tribunal a apreciagao de uma coacgao a liberdade individual, qualquer que seja o poder de onde ella emane, mao grado interdiccao do recurso ordinario.

Tao apurado foi o zelo do nosso legislador constituinte em assegurar a integridade dessa garantia constitucional que em texto expresso estatuio que as decisoes da justiga local em materia de habeas-corpiis nao sao definitivas, (art . 61, n. 1, da Const. Fed.j

Da legislagao extrangeira invocada na exposicao do voto do honrado Sr. Ministro Relator, nao consta a instituigao do habeas-corpus.

Nem uma informacao segura e exaeta, consequentemente, me pode ministrar a jurisprudeneia desses povos, que ainda nao ado-ptaram esse recurso, que nao empregam esse remedio.

A solucao portanto ha de emergir das nossas tradicoes, atravez quasi que um seculo de pratica e emprego do habeas-corpus; do seio da nossa jurisprudeneia; da evolucao por que passou esse recurso ate a Constituigao da Republica, e sobretudo, e muito principal-mente, do texto da Constituigao Federal, que pode ser considerado como a finalidade da evolucao dessa garantia da liberdade indi­vidual.

Ora, no texto constitucional nao se encontra limite algum ao uso e emprego do habeas-corpus no sentido de se garantir a liber­dade do ir a vir, coacta por illegalidade ou abuso de poder. Se a coaojao emanando de despacho de pronuncia ou de ordem escripta de autoridade na forma do art. 72, paragrapho 13, da Const, a respeito da qual a lei ordinaria instituio o recurso ordinario, nao Kmita o emprego do habeas-corpus, em virtude do qual a instancia

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superior, aprecia a eompetencia da autoridade eoactora, investiga si o facto imputado e qualificado delicto pela lei penal, examina =e as formulas substanciaes de instruccao criminal instituidas no interesse da defesa foram com inteira exaccao observadas, aprecia se o facto delictuoso imputado ■ssta prescripto, com mais forte razao o emprego do remedio extraordinario nao pode ser sonegado em relacao a uma eoaccao para a qua! foi interdieto o recurso oidinario, em peior, pava num caso em que o recurso ordinario foi instituido e outorgado unicamente em beneficio da parte aecu^a­

dora do Ministerio Publico —­ com derogagao do velhv) principio, maxime em materia de instruccao criminal que "os r^cursos sao livremente outorgados aos litigantes".

Argumentar­se­ha, porem, que na espoeie nao ha uma eoaccjio, porque nao esta em causa a senlenea condcmnatoria, de mule emana a coaecao, mas um favor, uma fjraga, cuja concessao a lei deixou ao arbitrio discricionario do juiz ou tribunal da condemnacao. Nao e portanto fora do proposito o ?xaminar­se a natureza e effeito desse favor do juiz, dessa indulgencia da lei a luz da legislacao do^ povos que primeiro o instituiram em ordem chronologica: — a Bel­

gica em 31 de Maio de 3 888; a Franca, lei Berangcr de 26 d? Margo de 1891, extensivo o beneficia aos condemnados por tribunaes mili­

tares em tempo de paz, pela lei de 28 de Junho de 1904, e applicavel ainda em condemnacoes militares mesmo em tempo de guerra, pela lei de 27 de Abril de 1916; Hungria, lei de 18 de Maio de 1892; Suissa, Cod. Federal, art. 46 (projecto); Italia, lei Ronehetti de 26 de Junho de 1904.

Somente a Allemanha, informa Georges Vidal, Dir. Criminal e Sciencia Penitenciaria paragrapho 527 pg. 65­6 — risistio a esse movimento geral da con­ciencia juridica moderna. 0 movel social, « a razao de humanidade que inspiraram a consagracao na legis­

lacao moderna do sursis sao de todos conhecidos, e seria fastidioso mal repetir aqui o que tao bem tern sido ja dito, entre nos, nm revistas de direito e na imprensa diaria pelo professor Esmeraldino Bandeira e pelo advogado Evaristo de Moraes, para so ma referir a dous dos nossos especialistas nessa disciplina.

O fim principal do sursis, numa epoca em que a individuacao da pena nao esta systematizada, como deseja Solleile, e subtrahir o pequeno delinquente condemnado a pena de curto prazo, da vida em commum das prisoes, que, na expressao de Scipio Sighele, sao antes escolas de appiicacao e aperfei?oamento da delinquencia que centros de educacao e regeneracao dos detentos. A legislacao an­

tiga so conhecia como meio de prevenir e fazer cessar a pena

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o indulto, a amnistia, o perdao e a prescripcao. O legis-lador moderno, creou a Hberdade conditional, que modifica a appli-cagao da pena, e o sursis que a previne; quer dizer que no livra-mento condcional e essencial que o condemnado ja tenha, pelo me-nos, cumprido parte da pena que lhe fora imposta, e no sursis ao contrario, e fundamental que nao tenha siquer comecado porque elle e concedido ao mesmo tempo que e decretada a condemnacao. O pri-meiro amenisa, o segundo previne, suspende o cumprimento da pena.

Para o effeito da applicacao do sursis pode-se dizer, com J. Eoux, Dir. Penal e Proe. Penal paragrapho 321, que fica nas maos do condemnado a execucao da sentence condemnatoria, porquanto como condemnacao condicional, as condicoes resolutivas estao liga-das a propria vontade do condemnado.

Dahi vem que o Decreto em causa, inspirado na lei italiana, prescreve condicoes de natureza objectiva e subjectiva, que legiti-mam e autorisam a condemnacao condicional e que limitam ao mes-mo tempo o arbitrio do juiz tanto na coneessao coma na denegac^o da indulgencia legal da repressao. Desses requisites ou condigao, uns dizem respeito a natureza da infracgao e a duracao da pent correspondente, e as circumstancias que rodearam o facto punido (objectiva) outros se referem as condicoes personalissimas do de­linquents.

Mas, uns e outros — imperativos e pessoaes — restringem o campo de applicacao da indulgencia legal, e limitam o arbitrio do juiz ao tribunal da condemnacao. Nem era possivel na actuali-dade social, que, em poiitica criminal, se caraeteriza pelo constante pendor de assegurar integra a liberdade individual, cercando-a Je uma somma extraordinaria de meios de defesa, sem prejuizo dos inestimaveis e permanentes da ordem social, houvesse o nosso Ie-gislador por bem deixar ao sic jubes, ao arbitrio inconstratavel do juiz da condemnacao, a outhorga de um benefieio legal, pelo qual se garante ao proprio condemnado o uso e gozo da liberdade individual, alheada do nefasto e parnicioso convivio das prisoe3, as quaes entre nos, excepcao feita de Sao Paulo, nem sequer sao prisoes, mas verdadeiros depositee de delinquentes. O arbitrio do juiz, na especie, nao pode ultrapassar a efficiencia da prova produzidu, a qual as suas faculdades physieas de apreeiacao e de deduceao ee nao de submetter. Do contrario seria uma burla a exigeneia legal de requisites, que legitimam a concessao da suspensao da pena.

Da comprova^ao com exactidao e da maneira Jncontestavel, de todos Os requisites da ordem objectiva e de ordem subjectiva

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impostas e exigidas pela lei, emerge para o juiz o dever da con-eessao e para o condenunado a que se sonegou o beneficio legal, o direito de recorrer a instancia superior, que apreciara o caso concrete em todas as modalidades. .So por essa forma eu posso comprehender a mdulgencia que emana da lei, e nao do arbitrio do juiz, porque em verdade nao e o sursis um favor do juiz da condemnacao.

Ora, como da denegacao da indulgencia resulta uma eoacgao de liberdade do condemnado que, nao obstante ferido de uma conde­mnacao, pode, emtretanto, ficar no uso e goso da sua liberdade individual, preenchidos que sejam os requisitos para a suspensa> da pena imposta, segue-se que o habeas-corpus e o remedio typico e classico para corrigir o erro ou abuse de poder do juiz da conde­mnacao, maxime para a especie a que foi sonegado o recurso or-dinario. Entendo, portanto, que o caso e de habeas-corpus.

Allegou-se, porem, que por via desse recurso extraordinaiio nao e licito ao Tribunal abrir uma nova instruccao que apparelhe melhor a prova relativa em requisitos legaes da concessao da sus­pensao da pena, porque d'essa arte dar-se-hia forma e estrepito de juizo a um processo que por sua natureza e fim e rapido.

Nao ha mister de nova prova, porque ao Tribunal so e licito o exame de prova produzida per ante o Juiz da instruccao e da condemnacao. Se o pedido esta deficientemente instruido, preci-zamente porque esta em apreco um decreto judicial, facil e se or-denar que os autos originaes subam ao conhecimento do Tribunal, Commumente, e ate ja e pratica consagrada quando se t ra ta de prescripcao ou de qualquer outra coaccao emanada de processo ja findo, o Tribunal tern ordenado que os autos originaes Ihes sejam presentes, e fundado na prova ja produzida examina a legalidade da coaccao.

Nem de outra forma se procede quando a prisao preventiva e julgada conveniente pelo Juiz da instruccao que, em regra, mas nao em absolute, deve estar em condieoes de melhor apreciar da conveniencia de uma prisao sem culpa formada.

Por ultimo foi objecto de critica um julgado do Tribunal, que, por via de habeas-corpus, concedeu a suspensao da pena, mas si-Lenciou em relacao ao pagamento das custas, nada decidio a esse respeito. A meu ver nao procede a critica, e bem decidio o Tribunal nada dispondo no acordam sobre as custas.

Primeiro, porque a suspensao da pena nao alcanga a conde­mnacao nas custas nem a responsabilidade civil da indemnizacao do damno ex-delicto (art. 2, § 1." do Dee. 16.588 de 6 de Setembro de 1924) ; 2." porque o Decreto prove a forma do pagamento das

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custas, e nao e licito ao Tribunal prover onde a lei dispoe com clareza; 3." porque e ao Juiz da execu^ao que incumbe, examinando as condicoes de fortuna do condemnado, assignar-lhe o prazo con-veniente para o pagamento das custas. Taes sao, em resumo, os motivos de minha discordaneia com o douto Sr. Mini.stro Relator.

I'edio em seguida a palavra, pela ordem o Sr. Ministro Her-menegildo d? Bano- , que assim expoz as razoes do seu voto:

Sr. Presidente, tendo certa responsabilidade no julgainento do habeas-eo.-pm proferido sobre o 1." caso, relativo ao sursis, trazido ao connhecimento do Tribunal.

Relator que i'ui daquelle habeas-cor pus, sou for^ado a intervir no debate, embora a responsabiiidade do julgamento nao seja minha exclusivamente, mas tambem do Tribunal que o proferio.

Venho dizer algumas palavras em defesa do acordao, de que fui relator, pois quo o vi golpeado de morte, se porventura vingar a doutrina aqui -ustentada na occasiao, em que se iniciou o jul­gamento do presente habeas-corpus.

Venho dizer, alias, pouco Sr. Presidente, porque o acordao ja foi grandemente defendido pelos dous eminentes e preclaros collegaa nossos, Srs. Muniz Rarreto e Pedro Mibielli, como acabamos de ouvir

Em todo caso direi menos do que SS. Exas. mas direi sempre alguma cousa, porque se poderia entender que a mim caberia prin-cipalmente a responsabilidade daquelle julgamento, e defendendo o habeas-corpus terei defendido o proprio instituito creado pelo Poder Executivo. e que desapparecera fatalmente, se vinga a con-sideracao de que o Supremo Tribunal nao apprehendeu perfeita-mente o pensamento do poder creado do instituto.

O decreto 16.588 de 6 de Setembro de 1924 estabelece as con­dicoes mediante as quaes pode o condemnado obter do juiz ou tribunal da condemnacao a suspensao da execucao da sentenca por determinado espaco de tempo.

Satisfeitas as condicoes e sendo, apezar disso, recusada a suspensao, podera concede!-a o Supremo Tribunal Federal por meio de habeas-corpus?

Este e o ponto capital e unico da questao, que se raduz a saber se o caso e de habeas-corpus. Se, porem, o habeas-corpu-4 deve ser denegado. por nao estar o paciente nas condicoes deter-minadas pelo decreto, sera essa uma outra questao sem impor-tancia, mesmo porque sobre ella nenhuma divergencia se estabelece.

Absolutamente contrario a preliminar de se nao conhecer do pedido no caso em questao, eu tomo conhecimento delle, porque habeas-corpus e admissivel. sempre que esta em jogo a liberdade

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physica do paciente, que nao deseja ser preso, estando solto, on nao quer continual' na prisfio em que se acha.

0 condemn ado em cujo favor occorrerem as condigoes do art. 1." do decreto 16.588 tern o direito de requerer a suspensao da pena, e o juiz ou tribunal que a impoz esta na obrigagao de deferir o requerimento, porque nao depende do seu arbitrio, do seu criterio, da sua vontade a concessao ou denegatjao daquella providcncia es-tabelecida em favor do reo.

Sc o juiz a denega arbitrariamente, e fora de duvida, qus o condemnado que esta preso. podendo estar solto, soffre constran-gimento illegal e para fazer cessal-o ahi esta a autorsdade, jamais contrastada, do Supremo Tribunal, por forca do art. 72 § 22 da Const.: "Dar-se-ha o habeaH-corptiH sempre que o individuo soffrer, ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia ou coaecao, por illegalidade ou abuso de poder".

Ao Supremo Tribunal paieceu tao liquido ser o caso de habeas-corpus que, no 1." julgamento proferido sobre o de n. 14.099, de que fui relator, isto nao foi sequer objecto de discussao, mesmo entre os Ministros que so admittem habeas-corpus para garantia da liberdade physica ou de locomo$ao. A divergencia que se levantou foi somente *obre se tinha revelado caracter corrompido o aceusado que expuzera a venda livros considerados offensivos a moral publica e aos bons costumes. A maioria decidio que nao, porque os livros nao eram immoraes; dois juizes julgaram em sentido contrario e um outro nao se pronunciou por qualquer das duas solueoes, mas negou a ordem, somente por haver cntendido que o poder executivo nao podia, por um decreto, autorizar a suspensao de uma conde-mna^ao, bascada em lei, o que importaria na suspensao da lei pelo decreto, o que e contrario ao regimen. Todos, poi-em, entenderam, scm excepsao alguma que o Supremo Tribunal podia conhecer do pedido e conceder ou negar a ordem.

Dir-se-a que tal nao foi o pensamento do poder executivo que, ao crear o instituto da concessao des.e beneficio ao eondemnado, o imaginou drpendente exclusivamente da vontade do juiz ou tri­bunal da condemna^ao. Mas o poder executivo, simples executor da lei, nao pode pensar setiao o que a lei pensou. Ora, nao temos lei alguma a respeito, mas simples autorizagao do poder legi-lativo, coneeblda. em termos geraes, scm restricgao de qualquer especie, e assim ao poder executivo nao seria licito estabelecer uma res­trict;^ de que a lei nao cogitara. Alias o proprio decreto 16.588 nao determinou que a concessao da suspensao condicjonal da pen:i. e acto de privativa attribuicao do juiz ou tribunal da condemnacao,

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de modo que, negada a suspensao, nao possa o Supremo Tribunal concedel-a por meio de habeas-corpus.

Se o pensamento da propria lei diffieilmente pode ser hoje apprehend id o, porque de ordinario as leis se-votam sem discussao, sem exposicao dos motivos que a determinam; se, na opiniao de alguns, o historico da lei, as circumstancias por que passcu a sua elaboracao ja nao constituem actualmente um elemento decisivo na interpretacao da lei, como se podera argumentar com o pensa­mento do poder executivo, se esse pensamento nao foi sequer mani-festado, e sel-o-hia inconstitucionalmente, se pretendesse retirar ao Supremo Tribunal a funccao, que lhe e propria, de conceder habeas-corpus em caso de constrangimonto illegal?

Nao me parecem procedentes os dois argumentos invocad '3 em favor desse nao manifestado pensamento do poder executivo. 0 1." e que o decreto nao diz que a suspen-ao da pena sera concedida, mas que o juiz podera concedel-a em sentenca fundamewtada. De parte a consideracao de que o emprego da expressao podera n'sm sempre significa que o juiz tern a faculdade de fazer ou nao fazer alguma cousa, a verdad-e e que a expressao, no caso, e perfeita-mente explicavel, no sentido de assistir ao juiz aquella faculdade.

O decreto 16.588 preve a pofsibilidade de ser a suspensao da pena concedida na propria sentenca condemnatoria mesmo sem re-querimento do reo. Quer isto dizer que, na sentenca condemnatoria, o juiz podera conceder ou deixar de conceder a suspensao. Se a nao concede, nem a nega expressamente, se guarda silencio, emfim, por lhe parecerem falhos os elementos do processo, pode o conde-mnado, com e?ses mesmos elementos ou com outro que offereca como subsidiaries, requerer a suspensao, e o juiz a conceder a ou nao, cenforme a prova, mas sem arbitrio na conccssao ou denegacao.

0 facto mesmo de exigir o decreto que a sentenca seja fun-damentada esta indicando que o juiz nao tern arbitrio, pois, se o tivessc, desnecessaria seria a fundamentacao.

O 2." fundamento e que da concessao do beneficio pode re-correr o Ministerio Publico e como silenciou o decreto sobre o recurso no caso de denegacao, deve-se concluir implicitamente que o recurso foi recusado. Nao se trata, porem, de recurso no sentido proprio, isto e, de povocacao de acto do juiz inferior para o su­perior, afim de que o reconsidere, mas do recurso no sentido getral, isto e, de habeas-corpus ao Supremo Tribunal, como nos casos em que esse remedio e solicitado contra sentences da justica local ou federal, dos quaes ja nao caiba o recurso proprio, por haverem taes sentencas transitado em julgado. Para esses casos ha sempre

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o recurso de habeas-corpus para o Supremo Tribunal, embora as leis ou regulamentos nao o tenham autorizado.

Se bem que ao Tribunal tenham vindo apenas duas ou tres especies semelhantes, ja se p6de considerar firmada a sua jurispru-dencia, no sentido de ser o caso de liabeas-corpus, porque nenhumn divergencia a respeito sc estabeieceu entre os juizes, a nao ser a que agora acaba de ser manifestada. E' o que se ve principal-mente do acordao n. 14.099.

Ao redigir esse acordao, two me esqueci de que a sentenca, qu^1

concede a suspensao da pena,deve fixar o praso dessa suspensao, tanta que no proprio acordao esta reproduzido o preceito relativo a esse praso. Nao o fixei, porque me pareceu que isto competia mais propriamente ao juiz ou tribunal a quern tivesse de ser apre-sentado o acordao do Supremo Tribunal, pois aquelle juiz e que =e refere o art. L° do decreto. Em todo caso, dessa omissao do acordao nenhum inconveniente resultaria. porque a omissao po-deria ser sanada por meio de embargos de declaracao, para o fim de ficar expresso o ponto omittido no acordao.

Meu voto, portanto, e para se eonhecer do pedido. E como o rcspectivo deferimento ou indeferimento depende do exame das pro-vas, ncgo a ordem, desde que os Ministros que examinaram os autos informem que o paeiente nao provou estar nas eondicoes exigidas para a concessao do habeas-corpus.

A seguir proferio o seu voto o Sr. Ministro Guimaraes Natal que o fez pela scguinte forma:

"Para a solucao da unica qucstao, que interessa ao julgameuto deste pedido de fiabcn-a-corp-us, que e a de saber —- se a concessao do sursis e, eu nao de puro arbitrio do juiz, nao acho necessario saber como foi ella considerada c decidida nos paizes extrangeiros que primeiro adoptaram esse institute; basta, a meu ver, examinal-a em face do nosso direito.

Ja reitcradas vezes tenho sustenlado que com o= regimentos politicos, como nosso, de poderes limitados, em que governam leis e nao homens, sao absolutamcnte incompativeis as faculdades dis-cricionarias. Contra o arbitrio e a discricao armou a Constituicao os cidadaos da garantia do paragrapho 1." do art. 72, segundo o qual "ninguem e obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa senao em virtude da lei"; e no artigo 14 tirou ao poder publico os meios materiaes de fazer effectiva a sua vontade arbitraria, declarando que "a forca armada so e obediente, dentro dos limites da lei''.

A lei nao deixou ao puro arbitrio do juiz da condemnagao o conceder, ou nao, o sursis, uma vez que estabeieceu condigoes para

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a concessao. Sera permittido ao juiz conceder o sursis a um cond"-mnado que preencheu as condicoes legaes e nrgal-o a outro em iden-tieas clrcumstaneias? Evfclentemente nao, porque a isso se oppoe uma outra garantia constitucional, basica do regimen, a igualdade de todos perante a lei.

Portanto, ainda que a lei empregue a expressao "podera". em face dos dispo-itivos constitucionaes eitados, para todas ao.-eondemnados que satisfizercm os requisites legaes ~— o sursis e um direito,. e nao um favor do juiz. E se e um direito, ao s«u ti­tular cabe o recurso possivel da denegacao do juiz para as instan-cias superiores. Nao existindo recurso especial instituido, nada obsta que invoque o do hab<ia.s-corpus.

0 Sr. Ministro Arthur Ribeiro, a seguir votou pela seguinte maneira:

"No intuito de evitar a desvantagem da prisao de duracao curta e de instituir um novo motivo de prevencao individual e tendo em vista os excellente* rcsultad-os que o systema da cond£-mnacao condicional tern produzido em outros paizes, o legislador bra^ilciro autorizcu o executivo a Ihe dar a organizacac conve-niente.

Usando des.-a autoriragao, o governo expedio o decreto n. 16.588 de 6 de Seternbro de 1924, em que desenvolveu <o psnsamento con-tido na these legal.

Segundo esse systema, introduzido na legislacao franceza, por iniciativa do ^cnador Berenger, em 1891. pronunciada a yentenca condemnatoria, suspende-sc a sua execucao, ate a incidencia em nova falta, dentro dc um ceito prazo, expirado o qual a conde-mnagao e tida como nao pronunciada.

O sivrsis somente e concedido para certas penas e a certos delinqucntes.

Aquelle decreto so o permitte, em se tratando de condemnaeao a pena de multa conversivei em prisao ou a pena de prisao de qualquer natureza ate um anno, e o favor so e concedido a delin-quente primario, que nao lenha revelado caracter per verso ou co' rompido, tomand; - e em consideracao as suas condicoes indi-viduaes, os motivos que determinaram a infxaccao da lei penal e a;; cncumslancias que cercaram essa infraccao.

Alem ditso, a suspensao nao e tambem conccdida nos crimes contia a honra e boa iama e contra a seguranca da honra -e honestidade das familiat.

Fundado nas condicoes exigidas pela lei para a concessao do beneficio e nos termos em que a mesma lei esta concedida, entende o Sr. relator que a aprecia^uo das exigencias legaes dependc do

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criterio subjectivo do juiz ou tribunal da eondenmacao, que exerce a respeito uma faculdade discricionaria, deixada exclusivamente a seu criterio.

Nao me parece que assim seja. Segundo o systema legal de provas, o juiz tern de subordinar-se

aos elementos probatorios que os autos fornecerem, tem de exami-nar se, na espccie, se verifier ram as condicoes que a lei exige para ser concedida a eondenmacao condicional, concedendo on denegando esse beneficio, conforme a prova produzida.

E' pelos autos que elle deve saber se se trata de um reincidente, se, pelos ?eus antecedentes ou pela natureza do proprio crime, o condemnado ha revelado um caraeter perverse ou corrompido e se e patenlemente :ncfficaz a medida solicitada, em face das condigoes indivicluaes do autor do acto, dos motivos que determinaram esse acto e das circumstancias que o rodearam.

0 juiz nao pode fugir dessa prova e deixar levar-se exclusiva-raente pelo ECU criterio subjectivo, sem ir de franco arrepio com os expressos prcceitos de lei que lbe regulam a actividade.

0 artigo 12 do dec. cit. admitte recurso do M. P. ou da parte para o juiz ou tribunal superior da sentence do juiz de priraeira instancia, concedendo a suspensao.

Como podera c juiz ad quern apreciar a justica ou a injustiga da concessao a ;iao ser a luz da prova colhida?

Tudo, pois, deve constar dos autos: — para a concessao do favor, deve ficar provado que o delinquente nao e reincidente e nao reve-lara um caractcr perverso on corrompido e que autorizam a suppo-sicao da efficacia da medida, as condicoes individuaes do mesmo delinquente, os motivos que determinaram o acto e as circumstancias que o cercaram.

Mas, se aquelle a quern o beneficio legal for negado, mostrar que a prova lhe e inteiramente favoravel, e se do processo constar a prova plena e completa de que foram preenchidas todos os re­quisites que a lei exige para a concessao daquelle beneficio, nao esta elle soffrendo um constrangimento illegal, em sua liberdade physica, nao e elle victima de um abuso de poder, de uma decisao em contradicao flagrante com o que os mandamentos legaes prc-screvem?

Em tal ca?o, como lhe recusar a proteccao do artigo 72, para­graphs 22, da Constituicao da Republica, que manda se conceda habelas-corpiis a todo aquelle que soffrer ou se achar em perigo de soffrer vioh ncia ou coacgao, por illegalidade ou abuso de poder?

Nao me parece acceitavel qualquer argumento que se queira tirar de legislates extrangeiras para a sustentacao da recusa Jo

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habeas-corpus, no caso da denegacao do sursis, com franca e ma-nifesta violac,ao da lei.

Para ser acolhido o argumento, seria mister que preliminar-mente se provasse que a legislacao alienigena invocada eonsagrasse o recurso do habeas-corpus, com a amplitude que Ihe deu a Coni-tituigao da Republiea.

Essa prova nao se fez, nem podia ser feita. Se, em vez de condemnasao condicional estivesse em causa o

livramento condicional, eu, em principio, nao estaria longe de con-ceder poderes discricionarios a autoiidade administrativa peniten-ciaria e repellir a intromissao do judiciario na concessao do beneficio, desde que aqueila se encontrasse devidamente organizada e appa-relhada dos elementos technicos essenciaes aos altos objectivos do regimen penitenciario moderno.

Realmente, se o director de uma prisao dispoe de um registro de entrada minucio-o e exacto sobre os acontecimentos do conde-ranado, se tern a seu service um corpo de inspectores idoneos e dili-gentes e se e coadjuvado pela accao benefica de visitantes, que, por caridade ou religiao, procurem despertar nos senteneiados o senso moral, esta em condicoes de seguir de parte os progresses de cada preso no caminho do bem, e melhor do que ninguem, pode resolver sobre a couveniencia e a opportunidade de se experimental pelo livramento condicional. a efficacia dos msios therapeuticos empregados.

Dada, pois, a existencia de um perfeito l'egimen penitenciario. somente a autoiidade administrativa esta em condicoes de conceder ou nao o livramento condicional, e, em principio, so a ella deve pcrtenccr a sua concessao ou denegacao.

O mesmo, porem, nao acontece com a condemnagao condicional, que e uma medida judiciaria que e uma providencia que so ao juiz do processo deve caber.

Pelo exposto eu continue a pensar que o caao e de ha-beas-corpus. Nao quero terminal- essas minhas ligeiraa ob-ervagoes sobre o

as&umpto sem aproveitar o ensejo para dirigir as minhas calo-rosas felicitagoes ao Sr. relator por ter introduzido em o nosso apparelho repressivo essa alutamsima reforma. cujos esplendidos resultados tern sido proclamados em todos os paizes em que foi introduzido.

S. Ex., em seu voto. citou Cache, o acatado penalogista frances. e naturalmente conhece delle o segumte trecho:

"A applicacao que, em Franca, se tern feito, desde mais de dez annos, da lei do gursis mostrou a sem razao de muitas criticas que a sua introducgao levantou.

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Hoje, pode se afiirmar que o recuo bastante sensivel que as estatisticas destes ultimos annos permittem verificar no movimento de reincidencia, deve ser attribuido, talvez raesmo exclusivamente, ao uso judicioso da condemnac,ao condicional".

Depois de ■fjpr elaborado a lei, S. Ex., vera collaborar na sua applicaeao, e essa cooperacao tiao lia mister encarecida.

Nao se arreceie o eminente eollega. da intervencao do kabeas-

corpus na hypothese, pois, nos casos excepcionaes em que o pedido podera ter exito, a intervencao somente podera ter como conse--

quencia corrigir abusos na execuca0 do pensamento do legislador que o decreto n. 16.588 procurou desenvolver, em seus diversos dis-

positivos. Essa intervencao, portanto, somente deve ser desejada, como

um grande beneficio, por todo,- que aspirem pela execugao integral da salutar reforma".

O Sr. Ministro Joao Luiz Alves interveio entao no debate, sus-

tentando o seu veto anterior pela seguinte forma: Peco ao Tribunal que me desculpe as citacoes a que vou ser

forcado, para cobrir a falta da minha autoridade e o tempo que assim Ihe tomo a eontragosto.

Jla anteriormente expuz os argumentos em que me escudo para negar o kabews-corpus — em caso de recusa do surnis.

Resumindo-os, nao concedo o habeas-corpiis na especie referida, por que o sursis e um beneficio, que o juiz da condemnacao pode conceder ou recusar, como "faculdade discricionaria", que Ihe e dada, e nao como "dever" que Ihe imponha a lei, tanto que eista nao admitte recurso algum commum contra a nao concessao.

Alem disso. a concessao do sursis, que deve ser fundamentada, depende da apreciacao subjectiva das condigoes pessoaes do reo, do exame do seu caracter e conducta anterior, dos motivos que o levaram a infraccao, das circumstancias desta, etc.

Ora, estas questoes nao podem ser amplamente examinadas no processo de kabeas-corpus. O Tribunal ja tem decidido que "o pro-

cesso de kabms-corptis, por ser de rifco muito rapido, sem forma, nem figura de juizo, nao comporta o exame, nem a prova, nem a decisao que exijam um estudo algum tanto detido" (Ace. de 22 de Setembro de 1917, na Rev. do Sup. Trib. — vol. 16. pagina 26) c tambem que "o kabeas-corpus nao admitte investigacao demorada de provas" (Ace. de 19 de Setembro de 1921, na Rev. cit., vol. 41, pag. 32).

Ora, o exame de todas as condigoes que o decreto do svrsis esta-

belece, no seu art. 1." para a respectiva concessao e que ja. enume-

rei, exigem "estudo algum tanto detido" e "investigacao ou apre-

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ciagao demorada de proTOs". 0 exito da condemnagao condicional esta na sua concessao bem fundamentada; do contrario degenerara em impunidade perniciosa. Para bem fundamental a sua concessao. o unico juiz que dispoe dos meios de api-eeiacao e de investigaQao e que pode fazer a observacao pessoal do reo — e o juiz de conde-mna?ao, pelo que a elle a nossa lei conferio, "como todas as leis congeneres ", a faculdade de conceder ou recusar o sursis, nao ad-mittindo recurso da recusa.

Cumpre ter em vista que o xnrsis, sendo unl beneficio ao reo, nao e uma medida concedida somente para beneficial-o, como obser-vam "todos OH escriptores" pobre a materia. E' principal, essenciai e fundamentalmentc uma medida criada por utilidade social, porque visa, em beneficio da sociedade, evitar o contagio das prisoes a delinquentes primarios, que, em breve prazo, devem voltar ao seu seio sem se corromperem, pelo que e recusado aos que tenham caracter perverso ou corrompido. Ao juiz da condemnacao deixou. por isso, a sociedade, pela sua lei, a faculdade discricionaria de con-cedel-a ou nao, so admittindo recurso da sua concessao, ainda em sua defesa, contra a possivel tolerancia do juiz.

Ja citei em atono da minha these algumas sentences da justi^a italiana.

Invoco agoia a opiniao de Ingenieros, escriptor de notoria autoridade que. commentando a lei hespanhola do sursis, era sua "Cdminologia" (trad, de Haeckel de Lemos), diz: "Sao condicdes indispensaveis para suspender o cumprimento da condemnacao: — que o reo haja delinquido pela primeira vez, que nao haja sido declarado em rebeldia e que a pena consista em privacao da liber-dade por tempo nao excedente a um a n n o . . . Nestes casos, accres-ta, os Tribunae* "poderao" applicar ou nao a condemnacao con­dicional, "segundo queiram", attendendo para isto: — a idade 8 os antecedentes do reo, natureza de todas as classes que concorrem para sua execuc^ao'.

Como Ingenieros, Cuche, em sua recente mon~,graphia "Science et legislation penitenciaire*', commenta que alguns criticos repro-vam na lei do sursis preeizamente o arbitrorio que ella deixa ao juiz da condemnacao. mas pondera que esse arbitrario e indispensavel no caso^ como ainda terei opportunidade de dizer, porque a socio-logia e a politica penaes nao dispoem. na actualidade, de elemento? que permittam e^tabelecer regras e preceitos obrigatorios, na especic, para o juiz.

0 proprio trecho de Adolpho Prins, na sua "Science Penate et Droit Positif". ja aqui citado pelo Sr. Ministro Muniz Barreto, affirma a mesma cousa em relacao a lei belga. Peco venia para

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relembral-o: — "A lei do sursis nao teria alcance, se o juiz para decidir, nao fizesse obra de consciencia e de reflexao, nao eximinasse a conducta anterior do culpado, suas disposieoes moraes, sua si-tuagao pessoal, signaes de seu arrependimento, etc.". Pergunto: — Podera fazel-o este Tribunal em urn processo d? habeas-corpuv? Obra de consciencia pode ser obra obrigatoria? Accrescenta, porem, Ad. Prins: "Da-se ao juiz uma faculdade, note-se uma faculdade, de que so deve usar excepcionalmente. A lei nao admitte uma ap-plieacao machinal do seu texto, mas exige um estudo miimcioso o attento dos faotos da causa". FV.de fazel-o o Tribunal em processo de habeas-corpus?

Que o juiz da eond-e-mnacao exerce, no caso, uma faculdade arbitraria dizem toda as leis que instituiram o sitr.iis. Ja vimos a italiana, a franceza, a belga e a hespanhola.

O notavel Codigo Penal do Peru, promulgadc em 1924, esta-belece no artigo 53 — "El juez podrd, a su juicio, suspender la eje-cucion de la pen a".

O proj. de reforma do Cod. Pen. Argentino dispoe no art. 36: "Los tribunales podrdan ordenar, en nel mismo pronuncimento, que se deje en suspenso el cumplimento de la pena".

O proj. de Cod. Pen., Ped.da Suissa, no art. 39 prescreve: "En eas de condamnation a 1'emprionnement n'exeedat pas un an ou de condamnation aux arrets, le juge pourra suspendre I'execution de la peine".

Eis o pensamento dos legisladores. Da jurisprudencia, alem do que ja eitei em anterior sessao,

invocoainda arestos de tribunaes italianos que encontro na "Re-vista Penale" (vol. 82, de 1915, pags. 696-697) e na "Revista de Procedura Penale" (vol. 2.°, parte 2.", pag. 266) e nos quaes se f irmou:

a) que "il benefizio della condanna condizionale e compreso inquella sfera di facolta discretiva del magistrato del inerito, che non puo mori one censura ove l'accordi o lo respinga" (Eass. em 18-V-915);

6) que "il benefizio della suspensione della esenKione della condanna rientra ne potrei discrezionali del giudiee" (Cass, em 19-V-915);

c) que "la concessione del benefizio della sosponzione condi­zionale della pena e riservata al prudente arhitrio del giudiee d'~ merito; ne tale concessione puo formare oggetto di censura in cas-sazione" (Cass, em 13-XII: 904).

Essa e alias, sem receio de contestagao a jurisprudencia nos outros paizes. A doutrina e pacifica. Alem de Prins, Ingenieros e

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Cuche, ja citados, o notavel "Comment, del Nuovo Codice di Pro-cedura Penale Italiano", publicado sob a direc§ao de Garofalo, Be-renini, Zerboglio e Plorian, ensina (vol. IV, pag. 110): " E ' pure in facolta discretiva del giudice di ordinare la sospensione della esecuzione della pena".

Na conhecida "Revista di Dirito e Proeedura Penale", vol. V, parte 1.", pags. 145 e segs., se encontra exhaustiva monographia sobre "I poteri discrezionali del giudice nel processo penale", na qual ai'firma que "i principali di questi poteri discrezainali sui generis sono: a ( . . . . : 6) la facolta di condizionare la condanna', faculdade que o autor, como Cuche e Iiigenieros, nota que e uma das formas da individual izaeao judicial das penas, preconizada peia escola positiva de direito penal, porque, como ja diasemos por ou-tras palavras, no sursix "'e necessario tener conto di tante cii-constanze di fatto e del carattere psichico del delinquente, in modo che non sarebbe stato possible al legislators contetnplare — tutti i casi in cut potessero adottarsi i surrogati penale, e quindi si d dovuto affidare alle discrezion-e del giudice''. E' decisivo!

Ainda Manzini, no seu "Trattato di dir. pen. ital.", vol. I l l , pag. 431, depois de longo commentario da lei italiana, abundando no inesmo ponto de vista que aquj defendo, diz: "non ha un diritt^ subiettivo a venir condannato condizionalmente" e, se tal direito nao existe, accrescento eu, a sua recusa nao pode eonstituir ille-galidade, que de lugar a concessao de habeas-corpus.

Em Franca ensina o professor Roux (Cours de dr. et de proce­dure penale, ed. 1920, pag. 384): 'Alors, la k>i du 26 mars 1891, derogeant au principe de I'execution immediate des sentences pe-nales, put, sans soulever de trop vives oppositions, attribuer au juge le — droit — (note-se, o direito) d'ordoner, sous certaines conditions, qu'il serait sursis a I'execution de la peine".

E accrescenta que "la loi, cependant, n'a fait, dans mtcun can, du sursis, un droit pour le coupable".

Se nao e um direito, nao o pode o reo reelamar, nem sua re­cusa constitue illegalidade.

Em resume: 1.° As leis em que a nossa se inspirou (italiana, belga e fran-

ceza) para estabelecer o sursis, o erearam como faculdade discri-eionaria do juiz, sujeita ao seu criterio subjectivo.

2.° As leis e projectos, posteriores (lei hespanhola, Cod. Pen. do Peru, — proj. do Cod. Pen. Fed. da Suissa, proj. da reforma do Cod. Pen. Argentino, etc.) todos mantiveram o mesmo criterio e orientacao.

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3.° 0 nosso decreto nao divergio, preserevendo que o juiz pod-era conceder o sitrsis, e nao dando reeurso de sua reeusa.

4.° A sentenca de concessao da suspensao da pena, que deve ser lida ao eondemnado, em audlencia, com adverteneia sobre as consequencias para e3Ie de uma nova infraccao, tem de aer fun-damentada, devendo, pois, preeedel-a o conhecimento do caraeter do reo, seus anteeedentes, moveis do delicto, etc.

Ora, A) Este exame nao pode aer feito em processo de habeas-corpus, Lego, — O habeas-coi pus pel a reeusa do sursis nao deve aer con-

cedido: — tiraria ao institute o caraeter de beneficio dependente do criterio subjectivo do juiz da eondemnaeao, como faculdade dis­cricionaria e institairia reeurso da reeusa por aquelle juiz, contra a lettra e espirito da lei

Dir-»e-ha e e este arguments que aparentemente pode impres-sionar, mas e improcedente, como veremoa, que o habeas-corpus e ura remedio eonstitucional, que nao depende de lei ordinaria e que os outros paizes que admittem o sursis nao possuem a instituicao do habeas-corpus. A Argentina pos;ue o habeas-cor pus, mas nao fujo a pretensa difficuldade: — o habeas-corptts, como remedio eonstitucional, nao pode ser recusado nos casos em que a Const, o admitte.

De accordo, mas para a sua concessao exige a Const, que haja na coacao ou imminencia "della illegalidade ou abuso de poder ".

Ora, o que sustento com argumentos irrespondiveis, com a autoridade das leis que inspiraram a nossa, da doutrina que as tem e-tudado e explicado e da jurisprudencia que as tem interpretado e applicado, e precizamente que na reeusa do sursis pelo Juiz da condemnagao nao ha illegalidade ou abuso de poder, porque:

1.°) Ha uma eondemnaeao legal do reo, que normalmente o suj-eita a prisao.

2.°) A suspensao desta e um beneficio, em cuja instituicao a lei pode constitucionalmente estabeleeer condieoes para sua con­cessao, como a da faculdade discricionaria do Juiz, por convenieneia social, a da reeusa de reeurso, etc.

3." Um beneficio, condicionado a certas regras e que a lei podia deixar de instituir, como fez ate ha poueo, nao eonstitue um direito do reo.

Por conseguinte, a reeusa do sursis, pelo Juiz, no uso de uma faculdade discricionaria legal, nao violando direito do reo, legal­mente eondemnado, e por isso legalmente ^ujeito a prisao, nao pode

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36 — 0 reeurso permittido expressamente pela lei deve ser interposto no prazo de 5 dias, a eontar da intimacao da sentenga. 0 meio e a sim­ples peticao, pelo prejudicado ou legitimo pro-curador. E' faeultado tambem ao Ministerio Pu-

constituir illegalidade ou abuso de poder, que legitime a eoneessSo de habeas-corpus.

Portanto, e dentro da Const., com a Const., e com o seu con-cetio do habeas-corpus, que defendo o meu voto.

Nao tern procedencia, portanto, o argumento de que nao po-demos invoear a doutrina e a jurisprudencia de outros paizes, qua nao possuem o habeas-corpus.

Mas, acerescento, se taes paizes nao possuem o habeas-corpus, possuem o reeurso da cassa^ao, que e, como aquelle, um meio de reparar a illegalidade ou abuso de poder dori Juizes inferiores com a differenca de que na c&ssagao podem haver exame e investigagao de provas mais detidos do que no habeas-corpus. Pois, apezar disso, a jrispmdencia dos tribunaes de ca?safSo e no sentido que defendo, iato e, na recusa do sursis, que entra nas faculdades discrieionarias do Juiz, nao ha illegalidade nem abuso de poder nao podendo o Juiz ser censurado por essa recusa, nem cassada sua sentenga.

Eis porque, sem poder invoear a autoridade, que falta, do autor do nosso decreto de condemnagao condieional, cuja interpre-tagao reproduz a sua propria intengao, mas invoeando as autori-dades e sentences que citei, nego o habeas-corpus t por nao haver na recusa do stirsis illegalidade ou abuso de poder que justifique a sua coneessao.

E' o meu voto". Palou depois o sr. Ministro Pedro dos Santos que depois ds

discutir a constitncionalidade do decreto do sursis por decorrer de uma simples autorizagao legislativa, manifestou-se pela idonei-dade do reeurso. Da mesma maneira votou o Sr. Ministro Edmundo ins que discutio a idoneidade manifestando-se tambem sobre a constitucionalidade, eomo da lei.

Finalmente os Srs. Ministros Genn'niano da Franca e Godo-fredo Cunha tambem se manifestaram no me-mo sentido quanto ao cabimento do reeurso.

Tornados os votos de meritis unanimemenle, o Tribunal negou a ordem poi'que o paciente nao provou achar-se nos casos de obter a medida reclamada, pois nao instruio convenientemente o pedido.

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blieo. 0 "habeas-corpus" a todo tempo pode ser requerido e repetido.

37 — 0 effeito do recurso e suspensivo; de modo que, estando o reu preso, preso continua. Seria perigoso que o reu, preso em virtude da sentenca eondemnatoria, fosse posto em liber-dade por uma medida que, pelo recurso, tern ea-raeter provisorio.

38 — Qua] o effeito do recurso da sentenca eondemnatoria, em relacao a suspensao conce-dida? Si o recurso for do Ministerio Publico ou da parte accusadora, a suspensao nao se executa, porque pode a eondemnagao ser peiorada pela decisao do Tribunal superior, ficando a pena ele-vada aleiu do limite legal; si o recurso for, ape-nas, do reu, a suspensao continua a produzir os seus effeitos, porque a pena nunca podera ser aggravada na instancia superior (1).

(1) — Jury, n. 266 A. — Sendo a appellacao somente do reo, o Tribunal Superior esta impedido de augmentar a pena imposta, pena que servio de base para a suspensao. ET a consequeneia do que dispoe o artigo 81 § 2.° da Constituicao Federal. Podera o Tribunal, decidindo sobre o merito da causa, cassar a suspensao concedida? Njio altera para peior a pena, mas nao admitte o favor eoncedido por entender que nao e favor legal, mas pessoal. Pode fazel-o? Nao pode. Sendo a appellacao somente do reo, tal pro-cedimento seria desfavorecel-o, peiorar sua situacao, t irar uma vantagem adquirida. Quando a appellacao for, ou so do Ministerio Publico ou deste eonjunctamente com o reo, a liberdade do Tribunal e plena.

CAPITULO VI

Effeitos

39 — 0 primeiro el'i'eito da suspensao con-dicional e a vigiiancia do reu, pela autoridade judiciaria, durante o prazo i'ixado. 0 segundo, declarar extincia a pena, detinitivamente, si dentro desse prazo, o reu satisfez a condicao da lei. Este, portanto, depende daquelle.

SECgAO PRIMEIRA

VIGILANCIA

40 — A pena legal fica substituida pela vi­gilancia, que e pena moral, que nao humilha e conserva o deliquente em seu habitual trabalho e no eonvivio da familia e da sociedade. A vigi­lancia, porem, nao e constante, permanente, ve-xatoria, abrangendo todos os aetos do reu; con-siste, apenas, em verificar si, no prazo fixado, elle soffre condemnacao por outro crime ou con-travengao, isto e, si o reu se mostra digno do fa­vor concedido.

41 — Pelo Decreto 16.588, desde que o reu durante o prazo fixado nenhuma condemnacao soffra, recebe o premio da boa conducta, readqui-

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riiido a liberdade plena; si o contrario so der, a suspensao fica desde logo sem effeito. Poueo im-porta, neste caso, que o facto apurado na senten-ga eondemnatoria seja anterior ou posterior ao decreto de suspensao. E' o julgamento conde-imlatorio que revela, no reu, a incapacidade de nianter a indulgencia (1) .

42 — "Sentenga eondemnatoria", diz a lei. Nilo basta, portanto, o simples processo, pela in-fraccao penal; pode esta ter-se dado com excu-sas e justificativas. E' indispensavel, tanibem, que a sentenga eondemnatoria tenlia transitado em julgado; cinquanto pende de reeurso ou a elle esta sujeita, pode ser annul]ada ou revogada. Da-se aqui o mesmo que se da para a verificagao do primeiro requisito exigido pela lei, para o favor ser concedido..,.

43 — E' indifferente que a segunda conde-mnagao nao tenlia revelado mau caracter ou per-versidade. Basta que exista. Isso, tanto no cri­me, eomo na contravengao. Pode dar-se o caso mesmo, de ser a segunda contravengao favore-cida pela indulgencia por nao ser a reiteragao do mesmo facto. Pouco importa. A lei nao distingue. Desde que ha condemnagao durante o praxo fi-xado, revogada fica a indulgencia. E' o facto, em si, que deve ser eonsiderado. A lei usou desse

(1) — Dec, art. 1.°, § 2."

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meio para reintegrar o reu ao cumprimento do dever, at'astando-o do mau eaminlio.

Sao circumstaiicias, tambem inoperantes: ser a pena posterior, maior ou menor que aquel-la que detcrminou a suspensao (1); ser pena de prisao, multa, ou de prisao e multa conjuncta-mente.

44 — O delicto que revoga a suspensao e o eommum. 0 politico, tambem, porque, como vi-mos, sendo elle obstaculo a indulgencia e poden-do ser favorecido pela suspensao, coherentemen-te deve ser considerado motivo de revogacao, si occorrido durante o prazo da vigilancia.

0 delicto rigorosamente militar nenhuma influencia tern. E' infraecao especial que nao deve ser considerada, neste instituto, para qual-quer effeito. Da-se o mesmo com o delicto mili­tar assim chamado, por circumstancias alheias ;i uatureza do delicto, posto que devesse este ser equiparado, para o fim, ao delicto eommum.

45 — A revogacao e decretada ex-officio ou a pedido do Ministerio Publico, por sentenca proferida pelo juiz da exeeucao ou pelo Superior

(1) — Neste ponto, a nossa lei diverge das leis de outros paizes, onde 6 exigida eondemnacao em pena mais grave. A lios.^a lei diz somente: "iSi no prazo fixado a contar da data da sus­pensao, nao tiver sido imposta outra pena ao accusado por facto anterior ou posterior a mesma suspensao, sera a eondemnacao con­siderada inexistente.

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Tribunal, em grau de recurso. O recurso nao tem effeito suspensivo (1).

Dada a revogagao, a sentenga condemnato-ria eujos effeitos estavam suspensos, sera, imme-diatamente executada. Entre ella e a que moti­vou a revogacao nada ha de cominuin. Sao inde-pendentes entre si. Nao pode haver, portanto, reuniao, absorpcao on degradacao de penas (2) .

4.6 — Quanto as penas accessorias e inca-pacidades, indeiimisagoes e restituigoes sao ellas estranhas ao institute, que so comprehende os delictos punidos coin prisao ou multa eonversi-vel, sendo una de suas causas evitar a prisao de eurto tempo (3). Entretanto, o reu deve pri-meiramente iiideinnisar e restituir, para depois gosar da indulgencia eoncedida. A lei diz que a suspensao esta subordinada ao dever do reu de reparar, restituir e indemnisar; a liberdade do reu, portanto, depende deste requisite, nao sen-do eoncedida, sem a sua realisagao (4). 0 nioti-

(1) —( Dec, art. 1.", § 4." Sua forma e a do recurso em sen-tido estricto.

(2) — Dec, art. 1.°, § 3," Si a suspensao for revogada, a pena de prisao voita a ter todss os seus effeitos, isto e, o reo a el!a se tem de sujeitar, como si 0' favor nao lhe tivesse sido concedido. Nao ha mais razao para a indulgencia da sociedade. Elle mostrou que tem uma natureza que se aclimata com o crime. As duas conde-mnacoes devem ser cumpridas. A ordem e esta: primeiro, o reo cumprira a pena que motivou a suspensao e depois a pena que motivou a revogacao. Sao crimes independentes e um nao pode ser confundido com 0 outro.

(3) — Dec, art. 2.° (4) — Esta realisacao pode dar-se, ou por meio do pagamento,

ou por meio de consignacao judicial nos casos permittidos em lei, ou por meio de fianca idonea.

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vo e nao favorecer o reu, prejudicando a victi-ma. So ha uma exeepgao — a insolvencia prova-da e reconhecida pelo juiz da execugao (1),.

Praticamente, essa disposigao tem a sua dif-ficuldade. A restituigao nao sera, cousa talvez embaragosa. Consiste no restabelecimento da si-tuagfio anterior ao crime, como entrega da cousa subtraMda, aunullagao do acto illicito praticado. E' dever do juiz, determinal-a, mesmo quando occorra absohigao. Mas a indemnisagao e cousa diversa, pois consiste no resarcimento de pre-juisos soffridos com a infracgao penal. Depende do pedido do offendido. 0 reo pode discutil-a, provando que o mri causado nao proveio directa-mente do crime, nao e sinao imaginario ou tem importancia inferior a que se lhe attribue. A dis-cussao e perante o juizo civil e nao perante o cri­minal. Si o reu tem esse direito, como ha de ficar a suspensao condicional subordinada a indemni­sagao? Os processos civis tem marcha morosa e ate que haja sentenga passada em julgado, des-apparece a utilidade da suspensao. A solucao da difficuldade parece que deve ser esta: ava-liado o prejuizo provisoriamente, a requerimen-to do reo, depositar elle a importancia em juizo competente ou prestar fianca idonea para depois discutir o seu direito. Nest as condigoes, a suspen­sao pode ser concedida, porque o preceito da lei esta respeitado e os direitos do reu nao ficarao prejudicados.

(1) — Dsc, art. 2.', § 1.*

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47 — 0 pagamento das custas nao e entra-ve para o favor da lei. As custas nao sao unia pe-na imposta pela infracgao. Sao despesas judi-ciaes feitas com a movimeiitagao do processo, nas quaes o reu fica eondemnado, por ter sido vencido. Essas despesas, salvo o caso de insolva-bilidade, devem ser pagas, no prazo designado peJo juiz. Findo esse prazo, o reo sera accionado para o cuniprimento do dever. De niodo que o nao pagamento das custas, nem e iinpedimento para ser conccdida a suspensao, nem pode ser causa de sua revogagao.

No livramento condicional, pode haver du-vida, diante do Decreto 16.665 de 6 de Novem-bro de 1924, art" 10. Em relacao, porem, a sus­pensao, o que a lei respectiva diz eo seguinte: "Na sentenga de suspensao sera f'ixado um prazo para o acusado pagar as custas do processo, ten-do o juiz ou tribunal em attengao as suas condi-goes economieas ou profissionaes". Como esta disposigao e de direito substantivo, nao pode ser alterada pela legislagao dos Estados (1).

(1) — Contra — A. Jud. 3,88. A favor — A. Jud. 7|455, 11|337.

HABEAS-CORPUS N. 21.641

Em face do art. 2." da decreto n. 16.588, de 1921, que estabelece a, condemnacdo condicional em materia. de direito substantive, obrigatoria em. todo a territorio da Rejmblica, a falta de pagamento das despesas do processo no tenno prefixado nao esta cottipreendidfl

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entre as condi$6es resolutorias do " sursis". E' inconstituicional o Codigo do Processo Penal-

do Districto Federal na parte em que considerou como motivo de revogacdo do "sursis" a falta de pagamento das custas do processo.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso, interposto da sentenga de fl. 18, denegatoria de habeas-corpus; paciente, Arlindo Sarmento:

Accordao prover o recur.o e conceder a ordera, pelos seguin-tes fundamentos:

1 — 0 paciente foi condemnado nas penas do grau minimo oo art . 330, paragrapho 4.°, do Codigo Penal, — 6 mezes de prisao cellular e multa de 5 °|°, tendo o Juiz ordenado ficasse suspensa ,t execucao da cmidemnaqa/), por se tratar de um delinquente pri-mario, existindo com este requisito os demais exigidos para a con-cessao do beneficio da lei. Como fosse novamente preso, pediu uma ordem de habeas-corpus, allegando: que solto em virtude do sursis concedido o remetteram dias depoi.- para a Colonia Correccional, sendo solto somente em 3 de Abril ultima; que durante esse tempo esteve impossibilitado de pagar as custas do processo a que respondeu, deixando assim, por motivo alheio a sua vontade, de cumprir o dcterminado na sentenga suspensiva da execugao da pena.

Ao Juiz de Direito da Oitava Vara Criminal desta cidade informou o Pretor: que na propria sentence condemnatoria decretou o sursis, tendo fixado o prazo — de seis mezes para o reo pagar as custas do processo; que intimado na audiencia de 14 de Outubro de 1924, o reo foi posto em liberdade; decorrido o prazo sem que elle satisfizesse o pagamento das custas, revogou o beneficio, e ^ 20 de Maio de 1925, e fez prender o condemnado, para cumpri-mento do resto da pena, a qual so terminara no dia 23 de Outubro do anno corrente.

O Juiz de Direito, Dr. Chrysolito de Gusmao, tendo examinado os autos do processo instaurado contra o paciente, concedeu a ordem de soltura, firmado em que; a) o pagamento das custas ndo constiue wma condicdo subordinadora do go3o da suepeiisao condicional da> pena, isto e, o sen pagamento no prazo estvpulado ndo constitvs condicdo resolutoria do beneficio; b) que of que o legislador patrio preccituou no art. 2, paragrapho 1." do dec. n. 16.588 de 1924, foi tao so e exchisivamente que a suspensao condicional ndo importa no perddo das custas; ndo declarou fosse tal a obrigacdo, que pet* siste, uma conditio para que a smpensdo seja mantida; diversa-

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mente procedeu quando dispoz sabre a s reparacoes, prescrevendo no paragrapho 2.° daquella artigo que "a smpemao sera subordi-no/la a obrigaqao de fazer o condemnado as reparacoes, iwdenwwzar coos ou rcstituicoes devidas, salvo caso de insolvencia provada c reconhecida pelo juiz da execucao"; se as eonsequencias fdssem as mesmas em ambas as s i tua tes , o decreto teria dito: " suspensao sera subordinada a obrIga$ao de fazer o condemnado as reparacoes, satisfazer as custas", etc.; c) dispositivo identico ao patrio se ve na lei franceza d* 26 de Marco de 1891, art. 2.°, paragrapho 1." no art. 10 da lei portugueza de 1893, nas legis lates de diversos cantoes da Suissa, sem que ninguem se tenha lembrado de ahi en-contrar uma condicas snbordimadora, cujo inadimplemento acarrete a revogacao do benefieio; o citado art. 2.°, paragrapho 1.°, da lei franceza declara que "la suspension da la peine ne comprend pas le paiement des frals du proces"', e os commentadores, alludindo ao assumpto, concluem que a nao satisfa?ao das custas ou despesas do processo importa tao so na applicacao do commum meio judicial para sua cobranga, que nao decorre da lei do "sursis", mas sim da legislacao processual e penal geral (Gairaud, Traite de Droit Penal Francais. torn. I l l , pags. 446 e 449); d) nao ha invocar a lei italiana. como sub^idio para interpretacao do nosso decreto, porque a Italia seguiu, neste particular, systema different? do francez. em que o brasileiro se inspirou: ella deu expressamentc ao juiz a faculdade de tornar o pagamento das custas condkao subordina-dora da suspensao; e) o decreto patrio e mais liberal do que as leis dos outros paizes porque o accrescimo que fez consiste em fixar o juiz um pyazo para o pagamento, nao sendo permittida a cohranca judicial das custas senao depois de findo o prazo.

A Primeira Camara da Oorte de Appellagao, porem, dando pro-vimento ao recurso ex-offieio, ca^sou a ordem, apoiando-se no ar-tigo 568, paragraphos 1.", 2." e 3." do Codigo do Processo Penal deste Districto, que, no seu entender, esta de harmonia com o citado de­creto n. 16.588 de 1924; tendo concluido por estas palavras: "Dahi results, portanto, nao so que e perfeitamente licita a condicao do pagamento das custas, imposta para subsistencia da suspensao da pena, mas ainda que e peremptorio o termo deferido para o seu cumprimento. E nestas condicoes, nao tendo o paciente cumprido a obrigagao. por elle livremente aeceita, do pagamento das despesas judiciaes no termo prefixado, nem havendo, outrosim. demonstrado sua insolvencia, a consequencia natural e a revogagao do mrsis, da qual nao decorre nem pode decorrer uma situacao illegal de constrangimento. reparavel por meio de habeas-corpus.

D — A razao esta com o Juiz de Direito da 8." Vara Criminal.

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O Congresso autorizou o Poder Executive a organizar o ins-tituto de suspensao da condemnacao, tendo-o qualifieado com o vo-cabulo francez — sursis, para significar que era este o typo ado-ptado (dec. leg. n. 4.577 de 1922, art. l.°) — A criacao desse insti-tuto emanou, pois, do orgao da soberania incumbido de confeccionar as leis. 0 Executivo se limitou a organizar a sua composieao, a regulamental-o. estabelecendo, de aecordo com o regime preferido, a que se refere a exposicao de motivos, o objecto do beneficio, as condicoes a serem preenchidas para sua concessao, as causas ex-tinctivas, e outras medidas indispensaveis a finalidade e funccio-namento do utilissimo apparelho, nao tendo esquecido as disposicoes de adaptacao. que o nosso meio, a nos-a legislacao penal e o nosso regime democratico impunham. — Por essa forma seria attingido o escopo principal da lei.

Correspondendo ao pensamento do legislador, estatuiu o de-creto no sou art. 2.": "A suspensao nao compreende as penas acces-sorias e incapacidades, nem os effeitos relativos a indemnizacao do damno resultante da infraccao da lei penal". — Foi aproveitado neste dispositivo quasi todo o texto do artigo 2." da lei franceza de 1891. — O d^creto de=tacou a parte referente as custas do pro-cesso para collocal-a separadamente no paragrapho 1.°, e de modo seguinte: "Na ...entenea da suspensao sera fixado urn prazo para o accusado pagai- as custas do processo, tendo o Juiz ou Tribunal em attencao as ^uas condicoes eeonomicas ou profissionaes".

'Como se ve, nao obstante a suspensao da condemnacao, o reo esta obrigado a indemnizar o damno, bem como a pagar as custas do processo e fica sujeito as penas accessorial e as incapacidades decorrentes da sentenca.

Mas o meio Judicial para haver essa indemnizacao ou conseguir semelhante pagamento e o eommum, que nao estorva a immediata effectividade da concessao do beneficio.

Como escrcve Garraud "le regime du sursis est etranger a toutes les condemnations aux frais, dommages — interets, resti­tutions (art. 2.", paragrapho 3.°), qui sont exigibles suivants les modes ordinaires" ^Droit Criminel, n. 342).

O modo ordinario, para cobranca das custas, em o nosso Di-reito, e o executivo. — Mas o decreto, com justa razao, nao tornou exigivel desde logo a obrigacao de pagamento das despezas judi-ciaes. — Facultou urn prazo, mareado pelo Juiz, dentro do qual o eondemnado satisfara essas despesas, prazo cuja duragao deve ser fixada segundo "as condicoes eeonomicas ou profissionaes" do respon;avel. — Vencido o tempo sem o devedor se desobrigar, ca-bera a execucao, de aecordo com o rito legal, subsistente, porem,

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o sm-sis, uma vez que a falta do pagamento nao se acha incluida entre as causas extinctivas do beneficio.

0 que o decreto nao fez, nem devia fazel-o, foi incorporar ao seu texto a determinagao demasiadamente rigorosa da lei italiana de 1904, assim concebida: in caso de delitto la sospenzione delta condenna pud essere subordinata... al pagamento delle epese del procedimento'' (art. 2."). — Mas o Codigo do Processo Penal ja nao procedeu desse modo, e incluiu o caso entre as condicoes subor-dinadoras euja inobservancia acarreta a revogagao do beneficio. — E h a n o Codigo duas circumstancias aggravativas do dispositivo, em face da fonte inspiradora: a) a de compreender tambem as contravenedes, quando ella abrange somente os delictos; b) a de obrigatoriedade da imposigao, que nessa fonte a facultativa. — O singular dispositivo (que nao foi approvado sem grande resistencia do Senado, tendo o Senador Vischi, relator do parecer, declarado que "tal disposi^ao nao se encontra em nenhuma das leis vigentes no estranjeiro"), deixa ao criterio do Juiz, ao seu prudente arbitrio, o estabelecimento dessa condigao, podendo este abster-se de impol-a, ou decretal-a somente em parte (Adelgiso Bavisza, La Condctnna CoTidizionale, ns. 170 a 177).

O decreto, alias, determina, expressamente a revogacao da sus-pensao, tomente para o caso de ter sido "imposta outra pena ao accusado per facto anterior ou posterior a mesma suspensao", mandando que se execute "immediatamente a pena, de forma a nao se confundir com a segunda condemnacao"' (art . 1.°, paragra-phos 2.° e 3.°).

O § 2." do art. 2.°, e certo, empregou as palavras da lei italiana — subordinagao da suspensao ao re?arcimento do damno, ou as reparacoes, decorrendo dellas que, nao cumprida a eondicao, cessara o beneficio; mas nao prescreveu modo especial para a exigibilidade do resarcimento ou da reparacao, nem fixou o prazo dentro do qual devem ser elles satisfeitos. — E por isso foi que o Codigo do Processo dispoz, nesse § 2 / , que a obrigacao, neste particular, e de Ee cumprir "'antes de findo o prazo a que se refere o artigo antecedente", isto e, o art. 1." do decreto, que autoriza a suspensao da "execugiio da pena por um prazo expressamente fixado de 2 a 4 annos, se se tratar de crime, e 1 a 2 annos se de contraven?ao"'. — de modo que ate o ultimo dia da dura^ao do beneficio e facultado o cumprimento dessa obrigasao, da qual se libertara, entretanto, o condemnado, se provar a insolvencia, perante o juiz da execucao.

O que o decreto nao ordenou, implicitamente sequer, foi que o pagamento das ciutas constituiria tambem condigao sobordinadora.

— 14? —

— Neste ponto, nao houve quebra do systema que de rigor o decreto devia respeitar; naquelle o mesmo nao suceedeu,

Assim, e inteiramente fora de duvida que em face do art . 2." do decreto n. 10.588, de 1924, que "estabelece a eondemnacao con­ditional em materia penal", materia de direito substantivo, obri-gatoria em todo o territorio da Republiea, a falta de pagamento das despesas do processo, no termo prefixado, nao esta compreendidri entre as condieoes xesoiutorias do aursis. — Ao alludido Godigo, circumscripto a Capital Federal, nao era licito, como o nao e a nenhum dos Codigos dos Estado=, alterar as regras reguladoras do instituto em exame, emanadas do Governo da Uniao e appli-caveis, sem excepeao, nas diversas circumscripcdes judieiarias do paiz.

Rio de Janeiro, 12 de Setembro de 1927. — Godofredo Cunha, P. __ Muniz Ba-rieto, relator. — F. Whitaker. — Cardoso Ribeiro. — Ileom Ramos. — A. Ribeiro, — Gemimawo da Franca, — Heitor de Souza. — Hermenegildo de Barros. — Soriano de Souza.

Bento de FaHa, pela conclusao. E assim deeidi pelas seguintes razoes:

Em 13 de Outubro de 1924, Arlindo Sarmento, por haver fur-tado bolas de bilhar existentes em um estabelecimento a rua Mariz e Barros n. 307, foi condemnado a 6 mezes de prisao cellular e multa de 5Q|™ sobre o valor de taes objectos, grao mininio do artigo 330 § 4.° do Codigo Penal.

O respectivo juiz, de accordo com o art. 1.° do Deereto 16.588 de 6 de Setembro de 1924, suspendeu a execucao da pena, durante o prazo de tres annos, e, consoante a determinagao do § 1." do art. 2.1 da mesmo Ordenacao, fixou o periodo de seis mezes para pagamento das custas do processo.

Em posterior audiencia, aos 14 do mesmo mez, tal decisao, por seu prolator, foi lida ao reo que declarou com ella se conformar. Nao obstante, sem provar insolvencia, deixou de pagar ditas des-pezas judiciaes, pelo que, em 20 de Maio de 1925, foi revogada a a alludida suspensao, e, em consequencia, expedido mandado de prisao.

Tendo obtido do Juiz de Direito da 8." Vara Criminal uma ordem de habeas-corpus, tal decisao foi, entretanto, reformada pela Primeira Camara da Corte de Appellacao em 11 de Junho d'este anno, por considerar que nao havendo o paciente cumprido aquella obrigacao, Hvremente acceita, no termo prefixado, nem havendo demonstrado impo&sibilidade de a satisfazer, se impunha, em con­sequencia, a revogagao do sursis, nao decorrendo, portanto, d'esse

— 148

facto situagao illegal de constrangimento, reparavel por kabea$-

corpus. ID'ahi o recurso interposto. Decidindo assim, alias na conformidade do que antes ja havia

sido resolvido por esta Suprema Instancia, em eapecie perfeita­

mente igual, teria desacertado o Tribunal recorrido? Nao me pa­

rece.

I

Estabelecendo o cit. Dec. 16.588 de 1924, no seu art. 1." a pos­

sibilidade de ser decretada, ex-officio, a suspensao da execucao da pena accrescentou:

§ 2.° — se, no prazo fixado, a contar da data da sus­

pensao, nao tiver sido imposta outra pena ao accusado, por facto anterior ou posterior a mesma suspensao, sera a conde­

mnacao considerada im?xistente, pelo Juiz ou Tribunal, ex-

off-kfio, ou a requerimento do accusado ou do Ministerio Pu­

blico. § 3." ■— Em caso contrario, a suspensao sera revogada

e executada immediatamente a pena, de forma a nao de confimdir com a segunda condemnacao.

Art. 2." § 1." — Na sentenca de suspensao sera fixado um prazo para o accusado pagar as custas do processo, tendo o Juiz ou Tribunal em attencao as suas condicoes economicas ou profissionaes.

§ 2.'1 — A suspensao serd subordinada a obrigagao de fazer o condemnado as reparacoes devidas, salvo o caso de insolveneia provada e reconhecida pelo Juiz da execugao.

Ora, se, — subordinar — quer dizer — tornar dependente — e bem de ver que tal — suspensao — tendo ficado necessariamente sujeita ao eumprimento de certos encargos, nao devia subsistir quando nao fossem os mesmos satisfeitos, sem a demonstracao da indicada razao relevante — a insolveneia — o que, alias, nao exclue, com o mesmo effeito, outro qualquer caso de forga maior.

Do contrario importaria malferir o imperativo legal, tornando o questionado beneficio mdependente d'esta ou de qualquer outra condieao.

■Conseguintemente, determinando o posterior Dee. 16.751, de 31 de Dezembro de 1924, no art . 568 § 2.", que a — suspensao — ficasse ainda subordinada aquellas obrigacoes, com emprogar esse adverbio nao innovou o preeeito anterior, mas antes o repetio com seu verdadeiro sentido.

E' o que me parsce clarissimo.

— 149 —

II

Admitta-se, porem, a conveniencia de nao despresar o apoio moral do direito estrangeiro para bem fixar a orientacao, na pra-tica, de urn instituto, que apesar de maduro, ainda e novo, entre nos. Nesse caso, o conselho, a meu ver, nao deve ser pedido ao sys-tema francez ou as legislates filiadas, m.as ao italiano, simples-mente porque n'este, e nao naqnelle, e que se encontra mandamento semelhante aos referidos dispo.-itivos da nossa lei, cuja Exposicao de motivos teria acertado se a apresentasse como instituidora dc um regimen eccletico, senao original.

Seja como for, o facto e que somente no direito italiano e que se depara, como aqui, a possibilidade da subordinagao do stirs is — ao resarcimento do damno e ao pagamento das d.jspezas do pro-cesso, em prazo previamente fixado, importando a falta na revo-gacao da raedida, salvo o easo de indigencia do condemnado.

(Vede: Nocito — La condanna consizionale; Pola — Condanna condizionale p. 122; Ravizza — a condanna condizionale p. 281; George — Du. sursis conditionnel p. 321.

No direito francez, e certo. a esse respeito, unicamente se prescreve que dita suspensao nao comprehend^ a satisfaeao das despezas judiciaes e das perdas e damnos, sem que, em qualquer outro passo, se permitta subordinar o respeetivo deferimento aquelle pagamento, cuja exibilidade so e consentida pelos meios do processo commum (George op. cit. p. 271; Capitant — La loi du 28 Mars 1891; he Po-ittevin — La loi da sursis conditionnel).

Mas, a esse entendimento nao se ajusta a nossa lei. Na Italia, em sentido contrario, resolvendo questao exactamente

analoga, assim se manifestou sua Corte de Cassacao: "A suspensao da condemnacao foi egualmente .-ubordi-

nada ao pagamento dos damnos e das despezas dentro de certo prazo, na conformidade do disposto no art. 2." da lei de 26 de Junho de 1904.

Ora, se tal condicao nao foi cumprida dentro d'elle, e natural que a condemnacao se torne exigivel, visto como sua suspensao fora admittida no prcsupposto em todos seus termos, isto e, quanto ao pagamento e com relacao ao tempo de sua realizacao.

Nada vale dizer que esse prazo (de tres mezes) nao fora prefixado sob pena de revogacdo, porque, pela logica juridica, todo termo prescripto como limite ao cumprimento de certa obrigacao vence, neeessariamente, se tal nao for praticado no lapso de tempo indicado, e isto pela razao simplissima

— 150 -4

de ser inutil dita prefixacao, se dito prazo, offerecido para o deferimento do beneficio legal, pudesse ser, impunemente, inobservado, nao occorrendo caso de forga maior (Rev. Pe-nale vols. 6-2 e 90; Ravizza — Op. cit. p. 252.

Ora, se aqui, como ali, estatue o dispositivo legal que— na sentenca de siispensao sera fixado um prazo para o accusado pagar as custas do processo — releve-me o Tribunal a prefereneia pelo systema italiano, por ser o nosso.

Dada a inexistencia de disposicao parallela no direito francez, nao podia acceitar a doutrinaeao do aeeordam.

I l l

Contra esse entendimento se invoea certa opiniao de VI&CHI, no Parlamento italiano, o qual teria taxado a disposicao de macula' dora excepcdo —, objurgatoria ouvida, sem protestos, por juristas como elle.

Nao conheco nem procurei conhecer o respective discurso se tal razao de opposicao e tao fragil que nao chega a constituir ar­guments pond-era vel.

E nao constitue porque o parecer de um Senador desapparece diante do voto contrario dos seus eollegas, os mesmos jurisconsultos que ouviram a increpagao, mas nao a endossaram.

Demais, se vakm, como esteios, para amparar a pratica con-traria a prescripcao legal, o pronunciamento individual com o effeito unico de refleetlr uma opiniao isolada, entao, n'esse caso, por maioria de razoes, deveria ser combatido, ou n5o applicado, o mesmo institute da suspensao da pena, porque na Allemanha, na Italia e na propria Franca encontrou oppositores da estatura de WEERHAUSS, de APPELLINS, de BINDING, de BURI, de MANDUCA, de BRUSA, de NOCITO, de CRIVELLARI e de PETIT — si todos elles o censuram como — incompativel com a Justica, com a funceao do Juiz e com a finalidade da causa julgada.

POLS, O Presidente da l.a Seccao do Congresso Penitenciario de S. Petersburgo e Professor na Universidade de Utrecht, chegou a declarar que:

"com a condemnacao suspensiva, so existira a sombra de um magistrado, applicando a sombra de uma pena, a sombra de um delinquente".

Mas, nem por isso deixaram de ser reconhecidas, como incon-testaveis, as vantagens que legitimaram a questionada instituicao, quer sob o ponto de vista repressivo, quer sob seu aspecto economico.

Conseguintemente, o parecer de VlSCHi, em um Parlamento que nao o adoptou, vale tanto como as opinioes de quantos se tern in-

— 151 —

surgido contra o institute em apreco, consagrado, como se acha, por mandamento legal contrario as doutrinacoes de todos elles.

IV

Em justificagao da ordem pretendida, foi allegado que: a) — ao pagamento das custas nao foi expressament;:

subordinada a subaistencia da suspensao da pena; l) — Qt pretender o contrario importaria na decr?tacav

de penalidade pelo nao pagamento de divida. Essas razoes, entretanto, nao me impressionaram porque:

1." — Determinando a lei, no § 1." do seu art. 2.", que o Juiz fixe certo prazo para o accusado pagar as custas do proee^so, logo em seguida,, no § 2.°, mandou subordinar a mesma suspensao a obrigacao de fazer o condemnado as reparacoes, iademn-isacoes, ou restituicoes devidas.

Sendo assim, si as — reparacoes — sao evidentemente respei-

tantes ao — damno causado —, e bem de ver que a — indemnii zaqao obrigatoria — se refere ao pagamento das — despezas judi-

ciaes —, des que por indemnisar — tambem se entende — satis-

fazer a despeza feita (Vede: EDUABDO DE FARIA — Dice, da lingua portugueza — Verbo Indemnisar; CORREA DE LACERDA — Dice, en-

cyelopedico da lingua portugueza (1-* ed.) Vale o vocabulo por — mdemnidade; MORAES E SILVA — Dice, da lingua portugueza (7.* ed.) do latim — indemnitas — satisfacao de despeza; AULETE? — Dice, eontemporaneo da lingua portugueza; MAXIMIANO LEMOS — Encyclopedia portugueza).

Na realidade, se o preceito legal usou, conjuntamente, dos termos reparagdo, indenmisacoes e restituicoes — e porque Ihes emprestou significacao differente e nao uma unica, tanto mais quando na lei nao se admittem palavras escusadas ou superfluas.

2." — Nao ha, absolutamente, penalidade nova, se a pena a ser cumprida, nesse caso, nao surge como creacao de-

sauctorisada, mas resulta de condemna$ao ja proferida por motivo de ura crime tambem ja praticado.

Nunca, portanto, poderia se legitimar o argumento da —■ prisao por divida.

V

Assim eontestada a proeedencia dos unicos motivos adduzidos pava pleitear a ordem de habeas-corpus, bem poderia tel-a denegado se nao devesse contas a minha eonsciencia.

Oecorre, entretanto, circumstaneia que, embora nao allegada, aurtorisa o deferimento do pedido.

<

^- 152 —

O cit. Dec. a- 16.588 de 1924, no art. 1.* prescreve que o j . u i z — poderd suspender — a execueao da pena quando se veri-ficarem as condicoes ahi previstas.

Essa expressao — poderd suspender — nao lhe outorga o arbi-trio de recusal- a suspensao se o delinquente provar a concurrencia de todos os requisites legaes, mas apenas faculta, quando estes resuitarem evidentes, a respectiva decretacao ex-officio, ainda quando nao s-eja requerido o beneficio.

Ora, se o julgador nao esta obrigado a dispensal-o, na ausencia do pedido, o condemnado tambem nao fiea sujeito a acceitaeao quando nao houver reclamado, simplesmente porque sendo con-dicional o deferimento, pode elle desde logo nao acceitar as calu-sulas impostos.

E como nao seja licito compellir alguem a acceitar o eum-primento de uma obrigagao de natureza civil, maxime sem o previo conhecimento de sua exiensao, d'ahi resulta que o condemnado deve saber, desde logo, no acto da leitura da sentenga, o quantum das despezas a cujo pagamento fica sujeito.

Dessa forma e que podera elle, Uvremente, consentir, se lhe convier.

Admittindo que essa conveniencia, alias em nada semelhante ao estado de insolvencia, pudesse, entretanto, lhe ser equiparada, para permittir a manifestacao ulterior, tornando licita a recusa da suspensao depois de acceita, o que eu eontesto, ainda, nesse caso, seria mister, indispensavelmente, a existencia da conta das custas exigidas.

Como pode o reo provar a impossibilidade de satisfazel-as se desconhece a importancia que deve pagar?

Nao obstante, e essa a situaeao em que se encontra o paciente, des que, ate hoje, ja deeorridos tres annos de sua condemnacao ainda nao foi feita aquella conta!!!

Certo e que lhe incumbe a prova do pagamento, mas a outrem e que corre o dever nao cumprido, de demonstrar, com exactidao, a quantia, realmente, devida e exigida.

Ha mais. A suspensao da prescripeao, durante o prazo da prova do proceder do senteneiado, sendo apenas respeitante a= obrigacoes de caracter civil impostas como condicao para sus­pensao do decreto eondemnatorio. Nao recusando eu essa natureza as — custas do processo — d'ahi concluo que a obrigacao de pagal-as nao pode ser mantida, se, por occasiao da exigencia o direito de havel-as ja se encontrava prescripto.

E' o que occorreo. Effectivamente, a sentenga de condemnacao, de 13 de Outubro

— 153 —

48 — Questiona-se si o reu condemnado e gozando do beneficio da suspensao da pena, pode ser expulso do territorio nacional. Alguns en-tendem que nao, porque, estando elle sob a vigi-lancia da autoridade judiciaria, haveria intro-missao do Poder Executivo em acto da esphera de outro Poder. Esta e a opiniao que tern preva-lecido no Supremo Tribunal Federal (1). Ou-

de 1924, tendo fixado o prazo de seis mezes para effectividade da indemnizacao, esse termo vencido ficava, em egual data, .le Abril do anno seguinte.

Sem embargo, revogada a suspensao, aos 20 de Maio de 192o, o paeiente somente foi preso, por es=e motivo, dois annas depois, em Maio deste anno, quando sua obrigacao por ditas despezas ja de ha muito estava prescripta, porquanto o § 6.° n, VIII do artigo 178 do Codigo Civil, sob tal comminacao, marca o prazo de urn anno para o exercicio da accao dos tabelliaes e outros officiaes do Juizo, porteiros do auditorio e eserivaes, para cobranca das custas dos actos que praticaram.

Por conseguinte, extincto, desse modo, o vigor da questionada condicao, deixou de ser legitima a exigencia do alludido pagamento para tornar illegal a deten^ao do paeiente.

Foi essa a razao unica pela qual Ihe concedi a ordem impe-trada, recusando os fundamentog do aceordam. E. LITIS. — Pedro dos Santos, vencido.

(1) — Bento de Faria, Direito de Expulsao, fls. 157. N. 22.893. Vistos, examinados e diseutidos estes autos de habeas-corpus

em que e imp-etrante o Dr. Jose Basilio da Gama e paeiente Je Chio Ming.

0 impetrante allega: 1-° -— Que o paeiente esta soffrendo constrangimento

illegal resultante de prisao sem nota de culpa desde 9 do mez findo quando foi eonduzido a Segunda Delegacia Auxi-liar da Polieia deste Distrieto a disposieao do Sr. Ministro da Justica para ser expulso;

2." — Que o paeiente foi processado pelo Juizo de

— 1S4 —

tros entendem que nao ha inconveniente em ser decretada tal medida; pelo eontrario o interes-se publico pode ter necessidade urgente da im-mediata retirada do delinquents, nao devendo

Dheito da 1.' Vara Criminal e condemnado por ^entenga de 23 de Abril deste anno a pena de um anno de prisao cel­lular gran minimo do art. 1." paragrapho unico, da lei n. 4.294, de 6 de Julho de 1921;

3." — Que tendo obtido livramento conditional na forma do art. 567, do Codigo do Processo Penal do DIstrlcto Fe­deral ficou aquella pena suspensa por quatro annos;

4." — Que em taes circumstancias estando o paciente sub-judice durante quatro annos e sob a fiscalisagao do juizo nao pode ser expulso do paiz;

5.- _ QUe a expulsao do territorio nacional nos expres-EOS termos do paragrapho 33, do art. 72, da Constituigao Federal, como medida excepcional so adoptado nos paizes liberaes como o nosso por necessidade de defesa social, nao pode ser decretada senao mediante prova de que o estran-geiro expulsando incidiu nos casos previstos naquelle dispo-sitivo constitucional;

6." — Que essa prova nao foi dada na especie e nem poderia sel-o porque o paciente e commerciante estabelecido no Brasil ha mais de sete annos e accumulou patrimonio devido ao seu trabalho honesto, sendo a sua expulsao um acto de clamorosa injustiga.

0 impetrante instruiu o pedido com as certidoes da sentenga eondemnatoria e da decisao que concedeu a suspensao da execugao da pena e com o conhecimento do imposto de industrias e pro-fissSes pago a Prefeitura Municipal pelo exercicio do commercio.

Solicitadas informacoes ao Exmo. Sr. Ministro da Justica fo-ram prestadas nos seguintes termos:

a) 0 paciente foi preso em flagrante delicto em 23 de Fevereiro do eorrente anno na rua do Lavradio n. 42 — sobrado, em flagrante delicto de fornecer cachimbos com opio a varios chinezes, entre os quaes um menor de 16 annos, sendo aprehendidos em seu poder mais de quatro kilos desse toxieo;

b) Processado na 1." Vara Criminal foi o paciente conde­mnado como incurso no grau minimo do artigo 1." paragrapho unico, do decreto n. 4.780;

c) Obteve o paciente suspensao da execugao da pena

— 155 —

consideracoes de ordem secundaria impedir o acto. Sempre nos pareceu mais rasoavel esta opimao. 0 preeeito constitucional nao eontem restriceoes desta natiireza acerca da faculdade

sob fundamento de que, originario de urn paiz em que o uso do opio e permittido, nao revelou com a pratica do acto delictuoso caracter perverso ou corrompido;

d) Posto em liberdade, no goso do sursis, continuon o im-petrante, como verificou a Policia desta capital, a pratica do mesmo delicto porque fora condemnado;

e) Feita essa verificacao foi instaurado o competente processo de expulsao contra elle por ser manifesta a sua nocividade a sociedade e prejudicialidade aos interesses da Republica, pois, alem de mostrarse incorrigivel na pratica daquelle delicto, nao tern a paciente plena consciencia de que esta praticando urn mal, dados ofl costumes de seu paiz, como accentuou a sentenca que por tal motivo lhe outorgou a suspensao da pena;

/ ) Que, de accordo com a autorisacao ampla da Consti­tuicao Federal e com a jurisprudencia deste Tribunal, o Poder Executivo tem a faculdade de exptdsao quando, a seu juizo, considera o estrangeiro incurso nos casos ja referidos do art. 72, paragrapho 33, da mesffla Constituicao;

g) Que a permanencia do paciente em plena liberdade no territorio nacional tornou-se um perigo para a sociedade desde que o mesmo paciente confessa son rebticos a pratica do crime e, posto em liberdade por effeito do sursis, retoma a faina criminasa, restaura o commercio de toxicos, procura seus companheiros suspeitos e com elles frequenta os logares onde prolifera o uso dos entorpecentes;

h) Que a expulsao do paciente no regime da suspensao da pena nao contraria a sentence condemnatoria e a con­cess i t desse beneficio porque nao impoe ao paciente a prisao cellular; antes a expulsao mantem este ultimo favor porque evita ao beneficiado o convivio for^ado com criminosos;

Isto posto:

Considerando que e realmente irrecusavel a faculdade confe-rida pela Constituicao Federal (artigo 72, paragrapho 33) ao Poder Executivo de expulsar do territorio nacional os estran-geiros perigosos a ordem publica ou nocivos aos interesses da Republica:

— 156 —

da expulsao. Alem disso, pelo Decreto 16.588, suspensa a pena, so pode ser revogada quando, durante o prazo de vigilancia, occorre outra sen-tenga condemnatoria; ova, emquanto o reu esta. em liberdade e nova condemnagao nao e impos-

Considerando que na apreciacao dessas causas de expulsao e aquelle Poder, juiz exclusivo;

Con>iderando que no caso concreto a motivagao do uso dessa medida no tocante ao paciente convence dc que occorrem as duas hypotheses que justificam o exercicio dessc acto de defesa da ordem publics c dos interesses nacionaes;

Considerando, entretanto, que, estando o paciente sob a acgdo d'recta da Justic-a, como reo condemnado por esta, embora sus­penses os effeitos da condemnagao, a faculdade de expulsao, nao pSde ser dc prompto exercitada sem intromissao do Poder Executivo em acto da csphera jurisdiccional do Poder J'udieiario;

Considerando que tendo incorrido o paciente em infraccao da lei penal que pode produzir, alem da revogaeao do sursis, nova condemnagao, (Codigo do Processo Penal — artigo 567, para-grapho 4.°), nao e possivel subtrahil-o a essas sancfoes por mcio de sua expulsao para fora do territorio nacional;

Considerando que a sua nocividade ficara limitada ate a so-lucjxo final e definitiva do processo ou proce sos criminaes pelo^ effeitos destas;

Accordam, em Supremo Tribunal Federal, conceder a ordem impetrada para o fim de nao poder o paciente ser expulso em­quanto estiver sob a accao directa do Poder Judiciario.

Custas ex-causa. Rio, 3 de Junho de 1928. Godofredo Cunha, P. — Heitor de Souza, relator designado. —

E. flms, pela conclusao. — Hermenegildo de Barros. F. Whitaker F. — Neguei o habeas~corpu$. • O reo nao estava cumprindo pena: estava em liberdade. Solto,

em vez de corrigir-se, constituio-se elemento nocivo a sociedade e, porisso, foi expulso pelo Governo, nos termos da Lei. 0 texto constitucional nao tern restriccoes; o sursis nao tem por effeito impedir penas administrativas; a justi(;a nao pode ter mais inte-resse em proteger uma liberdade condicionada, do que uma liber­dade sem restriccoes. Deneguei, porisso, a ordem. — A. Ribeiro, — Bento de Faria. — Cardoso Ribeiro, vencido. — Leoni Ramos.

— 157 —

ta, quant os males apezar da vigilancia, pode elle causar a sociedade1?! (1) Nao e possivel que a autoridade publica so para nao offender susce-ptibilidades do judieiario, fique privada de ga-rantir a ordeni e a moralidade social, usando do expediente que a Constituicao lbe outorga. Nao e pelo interesse as vezes premente da sociedade que a expulsao e decretada1? A expulsao e um acto da soberania do Estado. 0 Poder Executivo o exerce, descrieionariamente, nao dependendo a sua decisao da confirmagao de outro Poder. 0 Poder Judieiario so deve ser invoeado nesta ma­teria, quando a autoridade for incompetente, o motivo for estranho a permissao da lei e se des-presarem formalidades garantidoras do direito de def eza. Fora disso, seria uma absorcao, uma uzurpagao de faculdades de outro Poder igual-mente independente. 0 interesse qiie a socieda­de tem na concessao do favor afim de ser regene-rado o reo, pode ser sobrepujado pelo interesse superior da tranqnillidade e moralidade publica. Nao e nunca de presumir que a autoridade admi-nistrativa queira amesquinbar a accao da auto­ridade judiciaria. Emquanto, porem, outra nao for a orientacao do Supremo Tribunal, sabio in-terprete de nossa mais importante lei, a primei-ra opiniao deve prevalecer.

(1) — Figurem-se os easos de um vendedor de entorpecentes ou de um communista de prestigio que esteja propagando a dou-trina vermelha nas classes ignorantes. Quantos outros casos existem que, emquanto sao apurados pela autoridade judiciaria, podem ir causando serios prejuizos a sociedade?

— 158 —

49 — Durante o prazo do favor, nao corre a prescripgao (1). A prescripgao funda-se na inercia, na iiegligencia. Ora, no caso, nao ha abandono do direito; ao contrario, a sentenga esta sendo executada, posto que de um modo be-nigno, pois e substituida a pena imposta por ou-tra de natureza moral.

SECQAO SEGUNDA

ANNULLAQAO DA PENA

50 — Si o prazo da vigilancia decorre sem o reu ter soffrido outra condemnagao, a pena que determinou a indulgencia 6 considerada como inexistente (2),.

51 — Em nosso direito, nao comprehenden-do o favor legal as penas accessorias, incapaci-dades, indemiiisagoes (3), o unico effeito da obscrvancia do bom procedimento do reu, e f icar elle livre da prisao imposta. Como o facto, porem, nao se apaga, posto que a sociedade tenha desis-tido do direito de punir, as consequencias do mesmo facto, sob outros aspectos, persistem,

(1) — Dec. cit., art. 4." A prescripcao nao corre, diz a lei, durante o prazo da suspensao. E' evidente. A prescripcao so existe porque a sentenca deixa de ser executada ou o processo deixa de ser impulsionado. Nem urn, nem outro caso se da na hypothese. Ao contrario: a condemnaciio esta sendo cumprida de um modo brando, porque a prisao e substituida pela vigilancia, pela pena moral, que nao prejudica, mas que e pena.

(2) — Dec. cit. ar t . 1.", § 2." (3) — Dec. cit. ar t . 2."

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quer em relagao a soeiedade, quer em relagao a terceiros prejudicados. Nesse sentido deve ser interpretada a lei quando diz — "Si no prazo fi-xado, a contar da data da ,suspensao, nao tiver sido imposta outra pena ao accusado, por facto anterior ou posterior a mesma suspensao, sera a condemnagao considerada inexistente" (1). Pelo artigo seguinte, ve-se que a condemnagao tida como inexistente e somente a relativa a prisao.

52 — Nao equivale, o acto que considera a pena extincta, a uma rehabilitagao, ao contra-rio do que se da em alguns paizes. Entre nos, a rehabilitagao so existe para o que e declarado innocente, por meio da revisao do seu processo pelo Supremo Tribunal Federal (2); o culpa-do, embora nao cumpra a pena, nao gosa desse direito. — Dahi este corollario: si o reu praticar outro delicto depois do acto que eonsiderou ex­tincta a prisao, nao pode ser considerado delin-quente primario. So tera esse direito, si a revisao do seu processo o absolver. 0 caso, entao, sera dif f erente.

53 — A extincgao da pena pode ser decre-tada ex-officio, a pedido do accusado ou a reque-rimento do Ministerio Publico (3). 0 acto nao

(1) — Art. 1.", § 2.°

(2) — Art . 86, C. Penal. Jury n. 281.

(3) — Dec. cit. ar t . I.° § 2°.

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e so do interesse individual; e, principalmente, do interesse da sociedade.

O meio processual e a sentenga proferida pelo juiz da execugao; si a sentenga for injusta-mente denegatoria, o erro pode ser corrigido pela autoridade judiciaria superior, mediante recurso.

Proferida a decisao, o funccionario averba-ra esse novo acto no livro de inscripgao do Grabi-nete de Estatistica ou, em logar em que nao liaja este Gabinete, no livro proprio onde a inscripgao for feita (1).

(1) — Dec. ar t . 9." e 10.

APPENDICE

DECRETO N° 4.577, de 5 de Setembro de 1922 Autoriza o Potter Executivo a rever

e reformat os reguUtnwntos das Casus de Detencao, Correccdo, colonias e es~ colas correccionaes oil preventivas, e da outran pravixlencias,

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:

Faco saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a seguinte resolucao:

Art. 1°. — E' o Poder Executivo autorizado: I — A rever e reformar os regulamentos das Casas

de Detencao, Correcgao, colonias e escolas cor-reccionaes ou preventivas, bem como verificar a situagao dos presos pelos juizes seccionaes do Districto Federal e dos Estados, no sentido de uniformizar e unificar a direcgao dos estabeleci-mentos penaes dependentes do Governo Federal e de lornar effective o livramento condicional e o regimen penitenciario legal, modificando-o no que for necessario, de accordo com os ideaes mo-dernos, teudentes a regeneragao dos criminosos, e os relativos aos incorrigiveis, a creaQao de pe-nitenciarias agricolas, suspensao de condemna-Qao (sursis), encurtamento da pena pelo bom procedimento (lei americana do good time), providenciando a respeito do modo mais conve-niente.

II — A crear a Inspectoria Geral das Prisoes Fede-raes para a realizacao desses servicps, incluindo

— 164 —

o cadastro penitenciario de todo o Brasil, com-prehendendo nao so os reclusos, processados ou condemnados, quer dependentes da Justiga Fe ­deral, quer da local do Districto Federal e do Terr i tor io do Acre, quer dependentes das justices dos Estados. de modo a habili tar os tri-bunaes federaes e locaes a dispor de informacCjes certas e rapidas sobre os reincidentes foragidos

de urn para outros pontos do terri torio nacional .

IT! — A providenciar para a remodelacao do proces-so de investigacao criminal do Districto Fe­deral .

IV — A abrir os necessiarios creditos para a realixa-cao desscs servicos. Ar t . 2° — Revogam-se as disposicoes em con-

t ra r io . Rio de Janeiro, 5 de Setembro de 1922, l o l da

jndependencia e 34 da Republica.

EPITACIO PESSOA

Joaquim Ferreira Chavesi.

DECRETO N° 16.588 — DE 6 DE SETEM-BEO DE 1924

Estabelece a condemnagao condicional em materia penal

O Presidente da Republics dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorizacao constante do art. n. 1, do decreto n. 4-577, de 5 de setcmbro de 1922. resolve decretar:

Art. 1.° — Em caso de primeira condemnacao as penas de multa conversivel em prisao ou de prisao de qualquer natureza ate urn anno, tratando-se de accusa-do que nao tenha revelado caracter perverso ou cor-rompido. o juiz ou o Tribunal, tomando em considera-cao as suas condicoes individuaes. os motivos que de-terminaram e circumstancias que cercaram a infra-c<;iio da lei penal, podera suspender a execucao da pe-na, ou sentenca fundamentada por urn prazo expres-samente fixado de 2 a 4 annos, si se tratar de crime, e 1 a 2 annoS, si de contravengao.

§ 1.° — Quando a condemnacao for imposta por ciecisao do Tribunal do Jury, a suspensao sera decre-tada pelo Juiz Presidente.

§ 2." — Si no prazo fixado a contar da data da suspensao, nao tiver sido imposta outra pena ao ac-cusado, por facto anterior ou posterior a mesma sus­pensao, sera a condemnacao considerada inexistente. pelo Juiz ou Tribunal, ex-officio, ou a requerimento do accusado ou do Ministerio Publico.

§ 3.0 — Em caso contrario, a suspensao sera re-

- 16G —

vogada e executada immediatamente a pena, de for­ma a nao se confundir com a segunda condemnagao.

§ 4° — A revogac.ao sera declarada na forma es-tabelecida para o incidente da execucao, pelo Tribunal ou Juiz competente e susceptivel de recurso sem ef-feito suspensivo.

Art. 2° — A suspensao nao comprehende as pe-fias accesorias e incapacidades, nem os effeitos relati-vos a indemnizacao do damno resultante da infra-ecao da lei penal.

§ 1.° — Na sentence de suspensao sera fixado urn prazo para o accusado pagar as custas do processo, tendo o juiz ou Tribunal em attencao as s-uas condi-coes economicas ou profissionaes.

§ 2° — A suspensao sera subordinada a obriga-gao de fazer o condemnado as reparagoes, indemnisa-coes ou r e s t i t u t e s devidas, salvo caso de insolven-cia provada e reconhecida pelo juiz da execucao.

Art. 3.° — Cessarao os effeitos penaes da con-demnacao no dia em que a mesma for declarada in-existente.

Art. 4.° — Durante o prazo da suspensao nao correra prescripcao.

Art. 5.° — Nao havera suspensao da execugao da pena nos crimes contra a honra e boa fama (Codigo Penal, arts. 3IS e 32S e leis modificadoras) e contra a seguranca da honra e honestidade das familias (Codi­go Penal, arts. 266 a 278 e 283 e leis modificadoras).

Art. 6." — A suspensao da execucao da pena so pride s!er concedida uma vez, salvo si a primeira hou-ver sido applicada em processo de contravencao, que nao revele vicio ou ma indole do accusado.

Art. 7° — Em caso de co-delinquencia podera a suspensao ser concedida a uns e nao a outros accusa-dos, tendo o Juiz ou Tribunal em attengao ao estabe-lecido no art. 1."

— 167 — j

Art. 8.° — O juiz ou presidente do Tribunal que conceder a suspensao lera ao accusado, em audiencia, a sentenca respectiva, e o advertira das consequencias para elle de uma nova infraojao. Si o accusado tiver iido revel, o jure; ou Tribunal podera tomar em consi-deracao essa circumstancia para conceder ou nao a suspensao.

Art. 9." — A condemnacao sera inscripta com a nota de suspensao. em livro especial do Gabinete de identificacao e Estatistica, averbando-se, mediante communicacao do juiz ou Tribunal, si for revogada a suspensao, extincta a condemnacao ou cumprida a pena.

Art." lo — Nos logares onde nao houver Gabine­te de Identificacao e Estatistica a inscripcjio e regis-tros serao feitos em livro proprio do juiz ou Tribunal, que decretar a suspensao da condemnacao.

Art. 11." — Esse registro e de caracter secreto, salvo quando requisitadas informacoes por autorida-<jes judiciarias para os effeitos de applicacao deste de-creto.

Em caso de revoga^ao da suspensao. sera feita a averbagao definitiva no registro geral.

Art. 12.° — Da decisao do juiz da 1" instancia, concedendo a suspensao. podera haver recurso do Mi-nisterio Publico ou da parte para o juiz ou Tribunal Superior, com effeito suspensjivo.

Art. 13.° — Este decreto applica-se tambem as tondemnacoes ja impostas e as que resultem de pro­cesses em andamento e entrara em vigor na data de

sua publica?ao. Art. I4.0 — Revogam-se as disposicoes em con-

trario. Rio de Janeiro, 6 de Setembro de 1924, 103° da

Tndependencia e 36° da Republica. ARTHUR DA SILVA BERNARDES.

Joao Luiz Alves

INDICE ANALYTICO

INDICE ANALYTICO

CAPITULO I

GENERALIDADES 1) Definicao do sursis — 2) Fundamento do instituto — 3)

Natureza do instituto — 4) Historia, em nosso direito — 5) De-lictos excluidos.

CAPITULO II

REQUISITOS 6) Enumeracao.

SE'CCAO I Primeiro requisite

7) Delinquente iprimario — 8) Acto judicial que impede o favor... — 9) Cbusa julgada — 10) Tempo do facto e espoca da condemnacao — 11) Penas anteriores que imjpedem a eonces-sao — 12) Infraccoes anteriores que impedem o favor — 13) Crimes anteriores a lei do sursis.

SECCAO II

Segundo requisite 14) Penas que admittem oipedido—15) Especies de prisSes

— 16) Pena de miulta — 17) Reduccao da pena pelo indulto...

— 172 —

SECA.O III

Terceiro requisite

18) O bom caracter — 19) Criterio para o raconhecimento do requisite — 20) Liberdade de ajpleciacao, dada ao juiz.

CAPITOLO III OBJBCTO DO SURSIS

21) Delictos excluidos— 22) Direito de exclusao— 23) In-jurias, calumnias e Lei da Imprensa — 24) Contravencoes.

CAP1TDL0 IV DECISAO

25) J"iz competente para iproferir a decisao — 26) Oip-. portunidade da decisao — 27) Limites da apreciacao do julga-dor — 28) Concessao pareial — 29) Prazo da suspensao — 30) Casos de codelinquencia — 31) Nacionalidade e consentimento do reo — 32) Unidade da concessao — 33) Advertencia judicial ao favorecido — 34) Inscripcao e averbamento da decisao.

CAPITCLO V KEiCURSOS

35) Disposicao restrictiva do decreto — 36) Brazo legal do recurso de concessao — 37) Effeitos do recurso — 38) In-

— 173 —

fluencia da appellagao da sentenca eondemnatoria sobre o sur-

sis concedido.

CAPITULO VI EFFEITOS DA CON'OESSAO

39) Quaes sao os effeitos da concessao.

SBCCAO I

VIGILANCIA

40) Em que consiste a vigilaneia — 41) Boa e ma conducta — 42) Sentenca com forca para a revogacao do favor — 43) Condicao nao exigida pela lei — 44) Esipecies de delictos que podem revogar o sursis — 45) Modo e effeito da revogacao — 46) Penas accessorias — 47) Falta de pagamento de custas — 48) Expulsao durante o praso da vigilaneia — 49) Pres-

cripcao.

SECQAO II

A N N U L L A C A O DA PENA

50) Premio da boa conducta — 51) Penas accessorias —■ - 52) Rehabilitagao — 53) Formalidades do acto de extinccao.

INDICE ALPHABETICO

INDICE ALPHABETICO (i)

Amnistia 9. 12 Arbitrio do juiz _ 20, 27 Ausencia do reo 33 Averbacao 34, 53 Annulla^ao da pena 50

B Boa conducts do reo 41

Condemnacao primaria . . . . Cousa julgada Condemnacao anterior a lei Contraveneao Conversao da multa Caracter mau Circumstancias do delicto . Oi ter io do juiz Calumnia Competencia do juiz . . . .

7 9,

13 12, 16 18 19 19 23 25

42

24,

43

32

(1) A referenda e quanto aos paragraphos

— 178 —

Co-delinquencia 30 Consentimento do reo 31 Conheciimento da decisao 33 Condemnacao que revoga o sursis 42, 43 Oustas, seu pagamento 47

D

Definicao do sursis 1 Delinquente primario 2 Delegacao de ipoderes 4 Delictos civis e militares 5, 44 Delictos politicos 12, 44 Decisao disciiplinar 12 Delictos que nao admittem o sursis 21 Delictos navos da lei de imprensa 23 Delictos que revogam o sursis 44

E

Effeitos do recurso da decisao reiativa ao sursis 37 Effeitos do recurso da sentenga condemjiatoria,

em relacao ao sursis 38 Effeitos da concessao do sursis 39 Expulsao do favorecido ipelo sursis 48 Extinccao da pena 53

F

Facto e epoca da condemnagao 10

Favor da lei 31

H

Habeas-corpus 35

— 179 —

Individualisacao Indulto Injurias Indemnisacao . .

2 3,

23 46

9, 17

Lei nova considerando o crime como inexistente Liberdade de apreciacao do juiz

Menores delinquents Multa

M

9 20, 27

11. nota 11, 16

N Natureza do sursis . . Natureza do crime . . Nacionalidade do reo

3 19 31

Objecto de sursis Opportunidade do ipedido

0 21 26

Penas de curta duracao . . . . Prescriipcao Processos em andamento . . . Pena que admitte o sursis . . Prisoes e especles Pena no todo e nao em .parte Prazos do sursis

2 3, 8

11, 15 28 29

9, 49.

14

■— 180 —

Prazos do recurso ordinario 36 Processo do recurso ordinario 36 Penas aceessorias 46, 51

R Requisites do sursis 6 Registro 34 Recursos 35 Revogacao do sursis 42 a 45 Rehabilitacao 52 Revisao 52

s Sentencas estrangeiras 9

T

Typos do sursis nas legislacoes 4 Tempo de prisao jjara o sursis 14

V Vigilancia judicial 2, 40 Vezes da eoncessao 32

Este livro foi composto impresso nas officinas rf;

EMPRESA NUMERO.. . R. Vise, da Gavea,

26, loja — Rio