Concurso literário

6
1 2010-2011 TEXTOS PREMIADOS ENSINO SECUNDÁRIO Quatro Pegadas Hoje sei que deixei as minhas pegadas na areia por onde passei, simples, inocentes...mais que isso, únicas. Aquelas pegadas são diferentes de todos os milhares de pegadas que por lá passaram. Algumas passaram-lhes por cima, outras gritavam por baixo delas, mas nem assim as minhas pegadas deixaram de um dia lá terem sido gravadas. Podiam remover toda a areia das praias, podiam vir as ondas mais fortes e apagar as minhas pegadas dali, podiam passar uns pés maiores que os meus que as abafariam, mas tenho uma certeza: um dia, no dia em que eu por lá passei, as minhas pegadas marcaram aquela praia. Mudaram-na. Também sei que nem as minhas próprias pegadas são iguais entre si de cada vez que piso a areia. Ou porque fiz um pouco mais de força nos dedos do pé, ou porque vinquei o calcanhar, ou pelo simples facto de umas vezes correr pela praia e outras andar calmamente... Por mais que tentasse nunca conseguiria desenhar uma pegada EXACTAMENTE igual à anterior. Na vida também deixo muitas pegadas por aí. Com certeza que muitas são passadas por cima e esquecidas, outras são levadas pelo mar e é chorada a sua ausência, outras simplesmente são vividas e guardadas no coração. Essas pegadas que alguns guardam no coração são talvez as mais bonitas e torná-las cada vez mais especiais é simples: agarras-me a mão com a amizade que me dás e eu não caio, simplesmente sigo o meu caminho contigo a meu lado, em frente e aí deixo de desenhar duas pegadas a cada instante e passo a desenhar quatro pegadas… São essas quatro pegadas que é bonito ver. E por mais ondas, pés gigantescos e fúteis, ventanias infernais, as nossas pegadas jamais serão apagadas do areal por onde passámos. A essas quatro pegadas eu chamei um dia amizade… 1.ª classificada: Inês Coelho, 11.º 1, nº 6 (Pseudónimo: Filipa Morais)

description

textos premiados dos alunos

Transcript of Concurso literário

1

2010-2011

TEXTOS PREMIADOS

ENSINO SECUNDÁRIO

Quatro Pegadas

Hoje sei que deixei as minhas pegadas na areia por onde passei,

simples, inocentes...mais que isso, únicas.

Aquelas pegadas são diferentes de todos os milhares de pegadas que

por lá passaram. Algumas passaram-lhes por cima, outras gritavam por

baixo delas, mas nem assim as minhas pegadas deixaram de um dia lá

terem sido gravadas. Podiam remover toda a areia das praias, podiam vir as

ondas mais fortes e apagar as minhas pegadas dali, podiam passar uns pés

maiores que os meus que as abafariam, mas tenho uma certeza: um dia, no

dia em que eu por lá passei, as minhas pegadas marcaram aquela praia.

Mudaram-na. Também sei que nem as minhas próprias pegadas são iguais

entre si de cada vez que piso a areia. Ou porque fiz um pouco mais de força

nos dedos do pé, ou porque vinquei o calcanhar, ou pelo simples facto de

umas vezes correr pela praia e outras andar calmamente... Por mais que

tentasse nunca conseguiria desenhar uma pegada EXACTAMENTE igual à

anterior.

Na vida também deixo muitas pegadas por aí. Com certeza que muitas

são passadas por cima e esquecidas, outras são levadas pelo mar e é

chorada a sua ausência, outras simplesmente são vividas e guardadas no

coração. Essas pegadas que alguns guardam no coração são talvez as mais

bonitas e torná-las cada vez mais especiais é simples: agarras-me a mão

com a amizade que me dás e eu não caio, simplesmente sigo o meu

caminho contigo a meu lado, em frente e aí deixo de desenhar duas pegadas

a cada instante e passo a desenhar quatro pegadas…

São essas quatro pegadas que é bonito ver. E por mais ondas, pés

gigantescos e fúteis, ventanias infernais, as nossas pegadas jamais serão

apagadas do areal por onde passámos.

A essas quatro pegadas eu chamei um dia amizade…

1.ª classificada: Inês Coelho, 11.º 1, nº 6

(Pseudónimo: Filipa Morais)

2

A Lágrima

Sentei-me.

Cruzei-me no chão.

Abriram-se as portas dos meus olhos,

e saiu de lá um rio.

No final, uma gota caiu,

pairou sobre o chão

onde eu me encontro cruzada,

abalada.

Essa lágrima, agora, olha-me.

Quer voltar à porta donde saiu,

para depois apenas sair

quando de facto necessário.

Agora não, diz-me ela.

Não chores. Ainda não é tempo.

Fecha a porta.

Senta-te. Pensa. Reflecte nos teus erros.

Arrepende-te.

Mas não chores.

2.ª classificada, em ex aequo: Tânia Veludo Tavares da Silva, 10.º 1, n.º27

(Pseudónimo: Mara Silvestre)

Nota: ilustração escolhida pela aluna.

3

Necessidade

Falta-me algo. No meio de tudo o que me pertence, há algo que não tenho.

Há algo que me faz falta, mas que não é presente na minha vida, que identifico

não por não ter importância suficiente, mas como algo que quero. Mergulho em

pensamentos e acontecimentos, em memórias e factos, mergulho com mágoa na

saudade e na dor da distância, na dor incompreensível da ausência.

No escuro, onde apaguei e me privei de todas as memórias, procuro

fragmentos do que outrora era preenchido, do que outrora fazia sentido e era

necessário.

Recolho pedaços, junto-os na vã esperança de formar algo reconhecível, algo

que me falte, algo que quero.

Vou atingindo, aprisionando, retendo tudo o que sinto passar pelos meus

dedos, mesmo que no escuro não identifique a sua origem. Vou recolhendo tudo

e juntando os bocados, unindo tudo de forma a criar algo idêntico ao anterior. E

atingindo esse ponto, procuro sentido nesse algo que os fragmentos me

apresentaram, exigindo um fim para a informação recolhida. E volto a

mergulhar no escuro, procurando novos fragmentos que possa utilizar para

assegurar o uso do que formei.

Dou por mim a vaguear nesse escuro, que antes era luminoso e vivo, que

antes era origem de contentamento e que, por alguma razão, excluí do meu dia.

Rendo-me ao inevitável desagrado da ignorância, aceitando-o como um

coerente erro impossível de apagar. Habituo-me ao desagradável e castigo a

minha memória por não me recordar do porquê de ter posto tamanho

contentamento fora do meu alcance.

Perco-me nos castigos mentais e nos esforços inúteis a fim de relembrar porque

perdi o que me faz falta, se tanto preciso e quero que me pertença novamente.

Perco-me e vou caindo no escuro. Sinto a vida a passar-me pelos dedos e

observo todas as memórias mantidas.

Analiso cada momento, cada acontecimento, cada pensamento. Coisas boas

e coisas más sobressaem, com os seus prós e contras, está lá tudo.

Tudo o que aconteceu, tudo o que levei a acontecer. Está lá tudo presente,

tudo o que queria e precisava, tenho tudo comigo.

E mesmo assim, tendo tudo no sítio, tendo tudo o que preciso para tornar o

meu dia relevante, há algo que não está lá, que não está presente. Por mais que

vagueie na memória, estará sempre escura. Basta não estar lá algo, algo que me

faz falta, e será sempre um lugar vazio e escuro, proveniente de um erro que

quero a todo o custo remendar.

Culpo-me por não ter sido flexível, por certamente não ter tolerado o

suficiente, por ter sido egoísta ao ponto de excluir algo que precisava por razões,

talvez, ridículas. Castigo-me por ter agido assim, por não saber aceitar algo que

me aborreceu momentaneamente, por ter sido rígida e bruta e ter banido algo tão

importante.

4

Após tanto suplício, surge uma pequena luz. Como um raio de esperança que

abrilhantou o meu escuro. Há medida que o escuro desvanece, testemunho uma

vaga de felicidade, de calor, de luz, de algo simpático que me perdoa, que me

devolve o que me foi tirado.

Agradeço, chorando e rogando pragas a quem não agradecer juntamente. E

recebo calorosamente o que tanto me fazia falta, o que tanto queria novamente

no meu pensamento. Recebo, satisfeita e com lágrimas doces no rosto, o que

outrora desperdicei. Recordo pensamentos e acontecimentos, memórias e factos,

recordo tudo o que antes me foi concedido. Lembro-me então do porquê de ter

abdicado do que me fazia feliz momentaneamente.

E deixo o escuro voltar, deixo o escuro apoderar-se do meu particular ser,

deixo-me castigar e culpar. Pois o que antes me fez renunciar o que me fazia

falta, forçava-me novamente a abdicar do que agora quero.

Tenho de largar e desistir. Sempre que me lembrar de ti, é uma obrigação a

seguir. Tenho de abdicar de ti, porque me fazes falta.

Fazes-me falta porque me contentas. Tenho de abdicar porque não te faço

falta, porque apesar de me quereres e sentires necessidade de me teres perto, a

dor que te transmito por me contentares é maior.

Então, perdoa-me. Volto a ser egoísta e a excluir-te, pois o melhor para um

alvo é que desistam de chegar a ele, só assim está em segurança.

Abdico do que me faz falta, porque o que quero e preciso não precisa das

minhas vontades.

2.ª classificada, em ex aequo: Miriam Raquel Silva São José, 10.º 6

(Pseudónimo: Mia Cardoso)

5

ENSINO BÁSICO

A Aldeia de Tudo

Localizada para lá dos vales e das montanhas, para lá dos rios e dos mares,

para lá da imaginação e da criação, estava uma aldeia maior do que as maiores

aldeias e mais pequena do que as pequenas. Tendo milhares de casas, esta aldeia

era o abrigo de muito e de pouco. Servia de abrigo aos pequenos livros que eram

deitados fora, aos peluches que iam parar à lixeira depois dos bebés crescerem e

passarem a preferir as consolas. Mas estas, passado anos de uso, acabam por

estragar e avariar e, deste modo, acabam no mesmo sitio que os outros, n’ A

Aldeia de Tudo.

Uma vez na aldeia, tudo se separava e tudo se mantinha unido. Havia a Rua

dos Peluches, a Rua das Consolas, a Rua dos Livros e até a Rua dos Sapatos,

entre muitas outras. Cada uma das casas abria o seu negócio, a sua loja e assim a

aldeia ia crescendo, crescendo e crescendo, tornando-se infinita. Mas o mais

importante de todos era O Reparador. Era este o senhor que dedicava a vida a

reparar os mais diversos e mais comuns dos brinquedos. Antes dele, fizera-o o

seu pai e, antes deste, o seu pai e assim sucessivamente, desde que a aldeia foi

criada.

Certo dia, estavam todos atarefados com as suas vidas quando, de repente, o

chão começou a vibrar. Todo começou a tombar, os candeeiros começaram a

tremer e aos poucos, toda a aldeia já estava a abanar. Os objectos corriam de um

lado para o outro sem saber o que fazer, pois nunca, mas mesmo nunca, se tinha

sentido um terramoto com tal intensidade. O Reparador tentava acalmá-los,

dizendo-lhes para se dirigirem para os espaços abertos e não para as casas, mas

ninguém o ouvia. Estavam todos demasiados assustados com o acontecimento.

Passado minutos, que pareceram horas, o terramoto parou.

A medo, os objectos olhavam para as casas arruinadas, para os destroços das

ruas e avenidas. Alguns ainda choravam pela perda de parentes. A alegria

daquela aldeia tinha desaparecido, sendo substituída pela tristeza. Para piorar, a

avenida do óleo para os pequenos carros e motas tinham sido a mais danificada.

O Reparador convocou os sobreviventes, para determinarem o ponto de

situação.

— As casas estão destruídas. — diziam uns.

— E as lojas? Desapareceram! — exclamavam outros.

— Pior, é que o óleo derramou quase todo. — gritavam as motas e os carros.

— Vá lá, vamos ter calma. Assim não chegamos a lado nenhum — interveio

o Reparador — Temos que nos acalmar e traçar um plano.

— Precisamos de material para reconstruir as casas — gritou alguém na

multidão.

6

— E também precisamos de material para recuperar os cidadãos partidos —

interveio um velho objecto.

— Então e os mortos? Temos que os enterrar! — lembrou a dona da

mercearia.

— Que tal organizarmo-nos? — propôs O Reparador — Comecemos pelo

principio. O mais importante, recuperar os feridos! Ajudem os objectos partidos

a dirigirem-se à minha cabana.

— Não conseguimos andar! Não temos óleo — disse uma mota.

— Então os que não conseguem fiquem aqui.

— Juntamos um grupo para ir até as reservas buscar óleo. Deve chegar até

comprarmos mais… — disse, timidamente, um carrinho de mão.

— É isso mesmo, os carrinhos de mão como são maiores podem-se unir e

fazê-lo. Os restantes ajudem os objectos feridos a chegarem à minha cabana e,

quando terminado, comecem a procura de sobreviventes que tenham ficado

subterrados no meio dos destroços. No final disto realizaremos um funeral para

todos os mortos. Que dizem? — inquiriu O Reparador.

— SIM! — gritaram os diversos objectos.

E assim foi, cada um fez o que lhe estava destinado. O Reparador, mal

acabou de falar, desatou a andar na direcção da sua cabana. Os pequenos e

grandes objectos passaram toda a tarde à procura dos sobreviventes.

E assim foram passados vários dias até que já não havia mais nada para

procurar nem nada para encontrar, apenas pó e destroços. Juntaram-se na praça e

aí decidiram que quem ainda tinha um lar, iria abrigar os que tinham ficado

desalojados até que estes tenham recuperado as suas casas.

Assim, a pouco e pouco a aldeia foi reconstruída. Os que iam chegando,

eram posto a par sobre o que se tinha passado e rapidamente ponham-se a

trabalhar e a ajudar. E, passado meses de trabalho duro e complicado, A Aldeia

de Tudo regressou.

Único prémio atribuído: Rafaela Saraiva, 8.º 2, n.º 24

(Pseudónimo: Rapariga Azul)