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1 CONCURSO FORMAL - Tudo o que você precisa saber para as provas (atualizado) Obs: havia um erro na tabela com os percentuais de aumento (obrigado ao colega Wagner Malaquias) CONCURSO DE CRIMES Ocorre o concurso de crimes quando o agente pratica dois ou mais crimes. Esses crimes podem ser praticados com apenas uma ou com mais de uma conduta. Ex1: “X” atira contra “Y” com a finalidade de matá-lo. A bala atravessa o corpo de “Y”, atingindo também “Z”. Haverá concurso de crimes, considerando que houve a prática de dois delitos (homicídio doloso contra “Y” e homicídio culposo contra “Z”). Esses dois crimes foram praticados com apenas uma conduta. Ex2: “X” decide roubar “Y” em um beco escuro. Após subtrair, com grave ameaça, a bolsa, “X” resolve estuprar “Y”. Haverá concurso de crimes, considerando que houve a prática de dois crimes (roubo e estupro). Esses dois crimes foram praticados com duas condutas. Existem três espécies de concursos de crimes: a) Concurso material (art. 69 do CP); b) Concurso formal (art. 70 do CP); c) Crime continuado (art. 71 do CP). Desse modo, o concurso formal é uma espécie de concurso de crimes. CONCURSO FORMAL (ou CONCURSO IDEAL) Conceito: Ocorre o concurso formal quando o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Requisitos: • Uma única conduta (uma única ação ou omissão); • Pluralidade de crimes (dois ou mais crimes praticados). Obs: você deve relembrar que conduta é diferente de ato. Se “João” desfere várias facadas em “Maria” com o intuito de matá-la, ele pratica vários atos, mas uma só conduta. Espécies: I – Concurso formal homogêneo e heterogêneo HOMOGÊNEO HETEROGÊNEO O agente, com uma única conduta, O agente, com uma única conduta,

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CONCURSO FORMAL - Tudo o que você precisa saber para as provas (atualizado)

Obs: havia um erro na tabela com os percentuais de aumento (obrigado ao colega Wagner Malaquias) CONCURSO DE CRIMES Ocorre o concurso de crimes quando o agente pratica dois ou mais crimes. Esses crimes podem ser praticados com apenas uma ou com mais de uma conduta. Ex1: “X” atira contra “Y” com a finalidade de matá-lo. A bala atravessa o corpo de “Y”, atingindo também “Z”. Haverá concurso de crimes, considerando que houve a prática de dois delitos (homicídio doloso contra “Y” e homicídio culposo contra “Z”). Esses dois crimes foram praticados com apenas uma conduta. Ex2: “X” decide roubar “Y” em um beco escuro. Após subtrair, com grave ameaça, a bolsa, “X” resolve estuprar “Y”. Haverá concurso de crimes, considerando que houve a prática de dois crimes (roubo e estupro). Esses dois crimes foram praticados com duas condutas. Existem três espécies de concursos de crimes: a) Concurso material (art. 69 do CP); b) Concurso formal (art. 70 do CP); c) Crime continuado (art. 71 do CP). Desse modo, o concurso formal é uma espécie de concurso de crimes. CONCURSO FORMAL (ou CONCURSO IDEAL) Conceito: Ocorre o concurso formal quando o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Requisitos: • Uma única conduta (uma única ação ou omissão); • Pluralidade de crimes (dois ou mais crimes praticados). Obs: você deve relembrar que conduta é diferente de ato. Se “João” desfere várias facadas em “Maria” com o intuito de matá-la, ele pratica vários atos, mas uma só conduta. Espécies:

I – Concurso formal homogêneo e heterogêneo

HOMOGÊNEO HETEROGÊNEO O agente, com uma única conduta, O agente, com uma única conduta,

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pratica dois ou mais crimes idênticos. pratica dois ou mais crimes diferentes. Ex: o sujeito, dirigindo seu veículo de forma imprudente, avança na contramão e atinge outro carro matando as duas pessoas que lá estavam (dois homicídios culposos – art. 302 do CTB).

Ex: o sujeito, dirigindo seu veículo de forma imprudente, avança na contramão e atinge outro carro matando uma pessoa que lá estava e ferindo a outra (um homicídio culposo e uma lesão corporal culposa – art. 302 e 303 do CTB).

II – Concurso formal perfeito e imperfeito

PERFEITO (normal, próprio) IMPERFEITO (anormal, impróprio) O agente produziu dois ou mais resultados criminosos, mas não tinha o desígnio de praticá-los de forma autônoma.

Quando o agente, com uma única conduta, pratica dois ou mais crimes dolosos, tendo o desígnio de praticar cada um deles (desígnios autônomos).

Ex1: João atira para matar Maria, acertando-a. Ocorre que, por culpa, atinge também Pedro, causando-lhe lesões corporais. João não tinha o desígnio de ferir Pedro.

Ex2: motorista causa acidente e mata 3 pessoas. Não havia o desígnio autônomo de praticar os diversos homicídios.

Ex1: Jack quer matar Bill e Paul, seus inimigos. Para tanto, Jack instala uma bomba no carro utilizado pelos dois, causando a morte de ambos. Jack matou dois coelhos com uma cajadada só.

Ex2: Rambo vê seu inimigo andando de mãos dadas com a namorada. Rambo pega seu fuzil e resolve atirar em seu inimigo. Alguém alerta Rambo: “não atire agora, você poderá acertar também a namorada”, mas Rambo responde: “eu só quero matá-lo, mas se pegar nela também tanto faz. Não estou nem aí”. Rambo, então, desfere um único tiro que perfura o corpo do inimigo e acerta também a namorada. Ambos morrem.

Pode ocorrer em duas situações: DOLO + CULPA: quando o agente tinha

dolo de praticar um crime e os demais delitos foram praticados por culpa (exemplo 1);

CULPA + CULPA: quando o agente não tinha a intenção de praticar nenhum dos delitos, tendo todos eles ocorrido por culpa (exemplo 2).

Ocorre, portanto, quando o sujeito age com dolo em relação a todos os crimes produzidos. Aqui é DOLO + DOLO. Pode ser:

Dolo direto + dolo direto (exemplo 1); Dolo direto + dolo eventual (exemplo

2).

Fixação da pena: Regra geral: exasperação da pena:

Aplica-se a maior das penas, aumentada de 1/6 até 1/2.

Fixação da pena No caso de concurso formal imperfeito, as penas dos diversos crimes são sempre SOMADAS. Isso porque o

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Para aumentar mais ou menos, o juiz leva em consideração a quantidade de crimes. Exceção: concurso material benéfico O montante da pena para o concurso formal não pode ser maior do que a que seria aplicada se houvesse feito o concurso material de crimes (ou seja, se fossem somados todos os crimes). É o caso do exemplo 1, que demos acima, sobre João. A pena mínima para o homicídio simples de Maria é 6 anos. A pena mínima para a lesão corporal culposa de Pedro é 2 meses. Se fôssemos aplicar a pena do homicídio aumentada de 1/6, totalizaria 7 anos. Se fôssemos somar as penas do homicídio com a lesão corporal, daria 6 anos e 2 meses. Logo, nesse caso, é mais benéfico para o réu aplicar a regra do concurso material (que é a soma das penas). É o que a lei determina que se faça (art. 70, parágrafo único, do CP) porque o concurso formal foi idealizado para ajudar o réu.

sujeito agiu com desígnios autônomos.

Concurso formal e pena de multa: Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. Imagine agora o seguinte caso recentemente julgado pelo STJ (com adaptações): “João”, com a intenção de ceifar a vida de “Maria” (que estava grávida de 8 meses e ele sabia disso), desfere várias facadas em sua nuca. “Maria” e o feto morrem. Se fosse uma prova do CESPE, como você tipificaria a conduta de “João”? R: “João” praticou homicídio (art. 121) e aborto provocado por terceiro (art. 125) em concurso formal (art. 70). A pergunta difícil vem agora: trata-se de concurso formal perfeito ou imperfeito? R: concurso formal IMPERFEITO (impróprio ou anormal). Houve dolo direto em relação ao homicídio e dolo eventual no que se refere ao aborto. Assim, o agente possuía desígnios autônomos com relação aos dois crimes praticados. Tinha o dolo de praticar os dois delitos.

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Como será calculada a pena de “João”? A pena pelo homicídio será somada à pena do aborto (segunda parte do art. 70). (Sexta Turma. HC 191.490-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2012). Roubo de bens pertencentes a várias vítimas no mesmo contexto: O sujeito entra no ônibus e, com arma em punho, exige que oito passageiros entreguem seus pertences (dois desses passageiros eram marido e mulher). Tipifique a conduta. R: O agente irá responder por oito roubos majorados (art. 157, § 2º, I, do CP) em concurso formal (art. 70). Atenção: não se trata, portanto, de crime único! Ocorre concurso formal quando o agente, mediante uma só ação, pratica crimes de roubo contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, eis que caracterizada a violação a patrimônios distintos. Precedentes. (...) (HC 207.543/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/04/2012) Nesse caso, o concurso formal é próprio ou impróprio? R: Segundo a jurisprudência majoritária, consiste em concurso formal PRÓPRIO. Veja recente precedente: (...) Praticado o crime de roubo mediante uma só ação contra vítimas distintas, no mesmo contexto fático, resta configurado o concurso formal próprio, e não a hipótese de crime único, visto que violados patrimônios distintos. (...) (HC 197.684/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/06/2012) Qual será o percentual de aumento que o juiz irá impor ao condenado (corrigido): R: 1/2 (considerando que foram oito roubos). Segundo o STJ, o critério para o aumento é o número de crimes praticados: 2 crimes – aumenta 1/6 3 crimes – aumenta 1/5 4 crimes – aumenta 1/4 5 crimes – aumenta 1/3 6 ou mais – aumenta 1/2 Concurso formal e prescrição: Para que seja feito o cálculo da prescrição, o juiz irá considerar o total da pena com o aumento do concurso formal ou levará em conta a pena de cada crime, isoladamente? R: Para fins de calcular a prescrição, o juiz considera a pena aplicada para cada um dos delitos, isoladamente. Assim, não se calcula a prescrição com o aumento imposto pelo concurso formal. O objetivo é que seja mais benéfico ao réu. CP/Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. Concurso formal e suspensão condicional do processo:

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A suspensão condicional do processo é prevista no art. 89 da Lei n.° 9.099/95 e somente pode ser aplicada para os réus que estejam sendo acusados de crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 (um) ano. A pena do furto simples é de 1 a 4 anos. Logo, é possível a suspensão condicional. E se a pessoa tiver praticado três furtos simples, em concurso formal, ela poderá ser beneficiada com a suspensão condicional do processo? R: NÃO. Segundo entendeu a jurisprudência, para fins de suspensão, deve-se considerar a pena do crime já com o acréscimo decorrente do concurso formal. Veja: Súmula 243-STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano. Crime continuado e Juizado Especial: O Juizado Especial Criminal possui competência para julgar as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos (art. 61 da Lei n.° 9.099/95). Imagine que o agente praticou, em concurso formal, três crimes, cuja pena máxima para cada um deles é de 2 anos. Indaga-se: o julgamento será de competência do Juizado? R: NÃO. É pacífica a jurisprudência do STJ de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Assim, se desse somatório resultar uma pena superior a 02 anos, fica afastada a competência do Juizado (HC 143.500/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 31/05/2011). Chegou a hora de testar o que vocês aprenderam: 1. (DPE/SP – 2012) O agente que investe com seu veículo automotor dolosamente em direção a um desafeto atingindo-o, mas acaba por lesionar culposamente também um terceiro, incorre em hipótese de concurso formal imperfeito ou impróprio. ( ) 2. (DPE/SP – 2012) Se a aplicação do critério do concurso formal redundar em pena superior àquela que seria aplicável na hipótese de reconhecimento do concurso material, as penas relativas aos crimes devem ser somadas. ( ) 3. (DPU – 2010) Segundo precedentes do STJ, o percentual de aumento decorrente do concurso formal de crimes deve ser aferido em razão do número de delitos praticados, e não, à luz das circunstâncias judiciais analisadas na primeira fase da dosimetria da pena. ( ) 4. (Promotor RN – 2009) Abel pretendia tirar a vida do seu desafeto Bruno, que se encontrava caminhando em um parque ao lado da namorada. Mesmo ciente de que também poderia acertar a garota, Abel continuou sua empreitada criminosa, efetuou um único disparo e acertou letalmente Bruno, ferindo levemente sua namorada. A

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partir dessa situação hipotética pode-se dizer que Abel deve responder pelos delitos de homicídio e lesão corporal leve em concurso formal imperfeito. ( ) 5. (Juiz TJCE – 2012) Se, no delito de roubo, houver, com uma só ação, lesão ao patrimônio de várias vítimas, estará configurado concurso formal, raciocínio que não se aplica ao crime de cárcere privado nas hipóteses em que, por meio de uma só conduta, haja a restrição da liberdade de mais de uma pessoa, caso que configura um único delito. ( ) 6. (Juiz Federal TRF5 – 2011) Caracteriza-se o concurso formal quando praticados crimes de roubo mediante uma só ação, exceto se as vítimas forem distintas. ( ) 7. (Juiz TJES – 2012) Suponha que, em troca de tiros com policiais, certo traficante atinja o soldado A, e o mesmo projétil também atinja o transeunte B, provocando duas mortes. Nesse caso, ainda que não tenha pretendido matar B, nem aceito sua morte, o atirador responderá por dois homicídios dolosos em concurso formal imperfeito. ( ) 8. (Promotor RN – 2009) Na hipótese de concurso formal perfeito de infrações penais de menor potencial ofensivo, afasta-se a competência do juizado especial criminal, ainda que a pena máxima cominada ao crime mais grave acrescida de eventual exasperação máxima decorrente do concurso resulte em pena privativa de liberdade não-superior a dois anos. ( ) 9. (Juiz TJPB – 2011) Compete à justiça comum o julgamento de acusado de crime de menor potencial ofensivo em concurso formal com delito de outra natureza, visto que, no concurso de crimes, a pena considerada para a fixação da competência é a resultante da soma das penas previstas, havendo concurso material, ou da exasperação, no caso de concurso formal ou de crime continuado. ( ) 10. Ocorre concurso formal quando o agente, mediante uma só ação, pratica crimes de roubo contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, eis que caracterizada a violação a patrimônios distintos. ( ) Gabarito 1. E 2. C 3. C 4. C 5. E 6. E 7. E 8. E 9. C 10. C

Competência no caso de crimes cometidos a bordo de navio atracado ou aeronave pousada

O art. 109, IX, da CF/88 estabelece:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;

Para que sejam crimes de competência da Justiça Federal exige-se que o navio ou a aeronave esteja navegando ou voando, respectivamente?

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O crime cometido a bordo de navio ancorado no porto ou de avião pousado continua sendo de competência da Justiça Federal?

Por mais incrível que pareça, a jurisprudência confere tratamento diferenciado se a hipótese for de navio ou de avião. Vejamos:

Vale ressaltar que, segundo o STJ, quando o art. 109, IX, da CF/88 fala em “navio” quer se referir a “embarcações de grande porte”. Assim, se o crime for cometido a bordo de um pequeno barco, lancha, veleiro etc., ainda que em navegação, a competência não será da Justiça Federal:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO. ART. 109, INCISO IX, DA CF/88. CRIME COMETIDO A BORDO DE NAVIO. CIRCUNSTÂNCIA NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A expressão "a bordo de navio", constante do art. 109, inciso IX, da CF/88, significa interior de embarcação de grande porte. 2. Realizando-se uma interpretação teleológica da locução, tem-se que a norma visa abranger as hipóteses em que tripulantes e passageiros, pelo potencial marítimo do navio, possam ser deslocados para águas territoriais internacionais. 3. Se à vitima não é implementado este potencial de deslocamento internacional, inexistindo o efetivo ingresso no navio, resta afastada a competência da Justiça Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 6ª Vara Criminal da Comarca de Santos/SP, suscitante. (CC 43.404/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/02/2005, DJ 02/03/2005, p. 184)

Por fim, uma última observação: a Justiça Federal não julga contravenções penais uma vez que o art. 109, da CF fala apenas em crimes. Nesse sentido, é a súmula 38 do STJ:

Súmula 38-STJ: Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.

A doutrina afirma que existe uma única exceção no qual a Justiça Federal julgaria contravenção penal: contravenção penal praticada, por exemplo, por juiz federal.

E se a contravenção penal for conexa com crime federal? R: Haverá a cisão dos processos:

PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME E CONTRAVENÇÃO. DESMEMBRAMENTO. CONEXÃO. I - As contravenções, mesmo que praticadas em detrimento de interesse da União, são apreciadas na Justiça Estadual (Súmula nº 38-STJ). II - Na hipótese de conexão ou continência, prevalece a regra constitucional (art. 109, inciso IV), indicando a necessidade do desmembramento. Conflito julgado procedente. STJ, CC 20454/RO, 3ª Seção, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 13.12.1999, DJ 14.02.2000. Desse modo, se for praticada uma contravenção penal a bordo de navio ou aeronave, mesmo que esteja navegando ou em voo, a competência será da Justiça Estadual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL PRATICADA A BORDO DE AERONAVE. ARTIGO 109, INCISOS IV E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SÚMULA Nº 38/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A Justiça Federal não tem competência para julgar contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, nos termos da

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Súmula nº 38 desta Corte. 2. O artigo 109, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, utilizado pelo Juízo suscitado para embasar o declínio da competência para o Juízo Federal, refere-se tão somente aos crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, excluídas, portanto, as contravenções penais. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Segundo Juizado Especial Criminal de Itapuã/BA, o suscitado. (CC 117.220/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 07/12/2011)

Questão interessante sobre conexão entre crimes de competência da Justiça Federal e Estadual

Olá amigos do Dizer o Direito, Vamos hoje tratar de um julgado do STJ que pode ser transformado em uma excelente questão discursiva ou mesmo prática de sentença. Imagine a seguinte situação: Em determinada investigação identificou-se que “X”, agente público estadual, apropriou-se de dinheiro estadual de que tinha a posse em razão do cargo. Além disso, “X” omitiu o recebimento desses valores em sua declaração de imposto de renda, fazendo com que a Receita Federal instaurasse um procedimento fiscal e constituísse crédito tributário em desfavor de “X”. Que crimes cometeu “X”? • Peculato (art. 312 do CP): em princípio, de competência da Justiça Estadual (porque o servidor e os valores apropriados eram do Estado). • Sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei 8.137/90): de competência da Justiça Federal (porque o tributo sonegado – IR – é de competência da União). O que é conexão no processo penal? No processo penal, a conexão ocorre quando dois ou mais crimes possuem uma relação entre si que faz com que seja recomendável que sejam julgados pelo mesmo juiz ou Tribunal. Quais os fundamentos que justificam a conexão? • Economia processual (é possível que sejam aproveitadas as mesmas provas); • Melhor julgamento da causa (permite-se que o julgador tenha uma visão mais completa dos fatos); • Evitar decisões contraditórias. Os casos de conexão estão previstos em Lei? SIM. Encontram-se elencados, de forma taxativa, no art. 76 do CPP: Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

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III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Os dois crimes cometidos por “A” são conexos? SIM. Há entre eles a chamada “conexão instrumental, probatória ou processual”, prevista no art. 76, III: Art. 76. A competência será determinada pela conexão: III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração. Para a prova do crime de sonegação fiscal será necessário demonstrar, antes de tudo, que “X” recebeu os valores e, mesmo assim, não os declarou. Assim, será indispensável que se prove a apropriação do dinheiro, que é a elementar do peculato. Portanto, a prova da elementar do peculato (apropriação de dinheiro) irá influir na prova da sonegação fiscal (omitir rendimentos). Esses dois crimes terão que ser julgados conjuntamente? SIM. Em regra, quando dois ou mais crimes são conexos, eles deverão ser julgados conjuntamente. Isso está previsto no caput do art. 79 do CPP. Mas nesse caso, um dos crimes é de competência da Justiça Federal e outro da Justiça Estadual... Não tem problema. Mesmo assim eles deverão ser julgados conjuntamente, ou seja, no mesmo juízo. E esse julgamento conjunto dos dois crimes ocorrerá na Justiça Estadual ou Federal? Justiça Federal. Havendo conexão entre crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual, o julgamento conjunto será na Justiça Federal. Nesse sentido: Súmula 122-STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal. No caso concreto, havia mais uma peculiaridade: “X”, depois de ajuizada a ação penal, efetuou um parcelamento do débito tributário. Nos crimes tributários materiais, como é o caso do art. 1º, I, da Lei n.° 8.137/90, o parcelamento suspende a ação penal e, se ao final, ocorrer o pagamento integral, extingue-se a punibilidade. A pergunta, então, é a seguinte: mesmo estando suspensa a ação penal quanto à sonegação fiscal, o juízo federal continuará competente para julgar o peculato? SIM. Segundo decidiu o STJ, deve ser aplicado, por analogia, o disposto no art. 81 do CPP: Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos.

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Ora, se mesmo havendo absolvição ou desclassificação do crime, a competência permanece para julgar o outro crime conexo, não há razão para no caso de suspensão da ação penal ser modificada a competência atraída pela conexão. Em outras palavras, segundo o art. 81, ainda que o juiz federal absolvesse o crime tributário, a Justiça Federal permaneceria sendo competente para apreciar o peculato. Com maior razão, se a ação penal estivesse apenas suspensa quanto à sonegação fiscal. Processo a que se refere essa explicação: STJ Terceira Seção. CC 121.022-AC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/10/2012. Duas questões objetivas relacionadas com o tema: 1. (DPE/SP – 2012) A competência inicialmente atribuída à Justiça Federal para o julgamento dos crimes de competência da Justiça Estadual em razão de conexão de natureza objetiva é cessada caso haja absolvição em relação ao único crime conexo de competência da Justiça Federal, devendo o juiz federal encaminhar o processo remanescente para a Justiça Estadual competente. ( ) 2. (Juiz TJPB – 2011) Em caso de conexão entre crimes da competência estadual e federal, a absolvição ou a desclassificação quanto ao delito que atraiu a competência para a justiça federal não retira a sua competência para apreciar as demais imputações. ( ) Gabarito: 1 - E / 2 - C

Teste seus conhecimentos sobre HABEAS CORPUS

O Dizer o Direito lança hoje mais uma série de publicações destinada à sua adequada preparação para concursos públicos. Trata-se da série “Teste seus conhecimentos”. Toda semana serão publicadas questões objetivas e/ou discursivas sobre temas atuais e polêmicos relacionados aos principais ramos do direito e tendo como perspectiva de análise o entendimento do STJ e do STF acerca do assunto. Serão escolhidos, primordialmente, temas não tratados pela maioria dos livros ou cuja abordagem doutrinária destoa da jurisprudência. O objetivo é deixar o leitor preparado para as mais difíceis questões de concurso. Começamos hoje com três questões interessantes sobre o habeas corpus. Confiram.

QUESTÃO 1

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Assinale certo ou errado para a afirmação abaixo segundo o entendimento do STF e do STJ: O habeas corpus pode ser preventivo ou repressivo. Se o HC for impetrado de forma preventiva e a coação se verificar antes de seu julgamento, o writ poderá ser convertido em liberatório ( )

QUESTÃO 2 (Juiz Federal – TRF 5 – 2011 – adaptada) No que se refere ao habeas corpus, julgue a afirmação abaixo: Tem sido reiteradamente aceita, conforme a jurisprudência do STJ, a utilização do habeas corpus, inclusive como substitutivo de recurso próprio e, em respeito ao princípio constitucional da celeridade processual, para o reconhecimento de nulidades (error in procedendo), mesmo após o trânsito em julgado da ação penal e ainda que já cumprida a condenação, desde que a prova se mostre de plano. ( )

QUESTÃO 3 – DISCURSIVA É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental?

GABARITO

Resposta Comentários 1) CERTA

Em regra, o HC preventivo pode ser julgado como repressivo se, após a impetração e antes do pedido ser apreciado, a ameaça à liberdade de locomoção concretizar-se. Ex: Mário tem receio justo e concreto de que o juiz de seu processo decrete sua prisão. Impetra então HC preventivo no TJ no dia 10/02/2012. No dia 15/02/2012, antes que o TJ tenha examinado o mérito do HC, o juiz efetivamente decreta a prisão de Mário. O TJ poderá aproveitar o HC impetrado e julgá-lo como se fosse um HC liberatório (repressivo), concedendo a liberdade ao acusado. Esse é o entendimento do STF: O habeas corpus preventivo diz com o futuro. Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e vir. Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia veiculada em jornal de grande circulação, veio a ser concretizado. Justifica-se a conversão do habeas corpus preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial e porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e vir. (HC 95009/SP, rel. Min. Eros Grau, 6.11.2008) Este é o entendimento também do STJ: Aperfeiçoada a coação ilegal suportada pelo paciente com a prolação da decisão pelo Tribunal a quo, o habeas corpus impetrado preventivamente deve ser conhecido como repressivo. (HC 89.640/SP, julgado em 25/02/2008)

Resposta Comentários

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2) ERRADA

Tratava-se de questão difícil considerando que a afirmação estava quase toda correta. O que está errado na alternativa? Apenas o seguinte trecho: “ainda que já cumprida a condenação”. Segundo a jurisprudência do STJ e do STF, se a pena já foi cumprida, não cabe o habeas corpus porque não existe mais qualquer risco à liberdade de locomoção: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 304 C.C. ART. 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA. AUSÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N.º 695 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO DESPROVIDO. Tendo sido declarada extinta a pena imposta ao ora Agravante, não é o habeas corpus o instrumento processual adequado para se buscar o reconhecimento da pretendida absolvição. Inteligência da Súmula n.º 695 da Suprema Corte. Precedentes. (AgRg no HC 144.028/SP, Min. Laurita Vaz, julgado em 13/12/2011) A súmula 695 do STF enuncia: Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade. Vale ressaltar as informações que estão corretas na referida alternativa: 1) A jurisprudência tem admitido, como regra, a utilização do habeas corpus como substitutivo de recurso próprio. É o que se chama de habeas corpus substitutivo, consistente na possibilidade de o impetrante, sendo-lhe negado o habeas corpus anterior, optar por impetrar novo habeas corpus, dirigido à instância superior, ao invés de interpor o recurso. Com um exemplo fica mais fácil de entender: Fulano impetra HC no TJ contra decisão do juiz. O TJ, por meio de uma Câmara criminal, denega a ordem (julga improcedente o HC). Fulano poderia, neste caso, interpor um recurso ordinário constitucional para o STJ (art. 105, II, a, da CF/88). No entanto, pode optar por impetrar novo HC, desta vez, no STJ contra a decisão da Câmara criminal do TJ que denegou o primeiro HC. Este novo HC é chamado de habeas corpus substitutivo. Se o STJ também negar o HC, Fulano terá novamente duas opções: interpor recurso ordinário constitucional ao STF (art. 102, II, a, da CF/88) ou impetrar logo um HC no STF. Na prática, os advogados preferem valer-se do HC substitutivo, sendo este mais simples e rápido que o recurso. 2) A jurisprudência admite, como regra, a utilização do habeas corpus mesmo após o trânsito em julgado da condenação, se o impetrante alegar vícios insanáveis, que podem ser constatados sem necessidade de outras provas que não as documentais e desde que a pena ainda não tenha sido integralmente cumprida. O HC funciona, neste caso, como uma forma de substituição da revisão criminal. Para finalizar, queremos demonstrar a importância de se conhecer a jurisprudência nos concursos públicos. Este enunciado da questão foi quase que integralmente retirado do seguinte julgado:

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(...) 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente aceitando a utilização do habeas corpus, inclusive como substitutivo de recurso próprio e em respeito ao princípio constitucional da celeridade processual, para o reconhecimento de nulidades (error in procedendo), inclusive após o trânsito em julgado da ação penal, desde que ainda não-cumprida a condenação e a prova se mostre de plano. (...) (HC 132.189/RJ, Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 15/10/2009) Pedimos, por gentileza, que volte novamente à questão e compare com a ementa do julgado acima.

QUESTÃO 3 – Discursiva É possível a impetração de habeas corpus em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental? Segundo a CF/88, é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais (art. 225, § 3º). Este é o entendimento majoritário na doutrina e a posição solidificada na jurisprudência do STJ e STF. Quanto à possibilidade de impetração de HC em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental, existem duas posições na jurisprudência: 1ª corrente: Não é possível que a pessoa jurídica seja paciente de habeas corpus em nenhuma hipótese, considerando que se trata de instrumento que tutela a liberdade de locomoção, característica incompatível com as pessoas jurídicas. É a posição do STF. Com efeito, o STF entende que, mesmo quando a pessoa jurídica for acusada de crime ambiental não pode ser paciente (beneficiária) de habeas corpus considerando que, ainda que condenada, a pessoa jurídica, por razões de ordem lógica, não receberá uma pena privativa de liberdade (não será presa), sendo reprimida com outras espécies de sanção penal. Como o habeas corpus tutela a liberdade de ir e vir, não haveria qualquer sentido em admitir o pedido. Nesse sentido, confira-se trechos do seguinte julgado: (...) 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo -- lógico -- a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física. E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação constitucional. Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. Afinal, habeas corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. (...) Pessoa Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos. Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou restringida. (HC 88747 AgR, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 15/09/2009)

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2ª corrente: Sim, é possível que a pessoa jurídica seja paciente de habeas corpus no caso de estar sendo acusada de crime ambiental e se o writ tiver sido proposto em favor da pessoa jurídica e também das pessoas físicas que forem corrés na ação penal. É o que entende o STJ. Antes de detalharmos melhor esta corrente, convém fazer uma explicação prévia: O STJ, no caso de ações penais propostas contra pessoas jurídicas por crimes ambientais, adota a chamada teoria ou sistema da dupla imputação (ou de imputações paralelas). De acordo com esta teoria, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (Resp nº 564960/SC). Trata-se, portanto, de crime em que o concurso de pessoas (jurídica e física) é necessário. Entendido isso, deve-se explicar que, para o STJ, a pessoa jurídica pode ser admitida como paciente de habeas corpus nos casos de crimes ambientais, desde que as pessoas físicas que também foram acusadas figurem conjuntamente como pacientes do habeas corpus. Nas palavras da própria Corte: tem-se admitido a pessoa jurídica como paciente, apenas nos casos de crimes ambientais, quando as pessoas físicas também se apresentam nesta qualidade, no mesmo pedido, por estarem a sofrer coação ilegal à sua liberdade de ir e vir (RHC 24933/RJ). De acordo com o STJ, se o HC é impetrado em favor dos réus pessoas física e jurídica, não haveria sentido não conhecer da impetração apenas quanto à pessoa jurídica uma vez que, se a pessoa física for excluída, não subsistirá também o processo para a pessoa jurídica (HC 147541 / RS). Exemplo prático: A sociedade limitada “X” foi denunciada, juntamente com seus dirigentes Michel e Luan, pela prática de crime ambiental. Reparem que existem três réus nesta ação penal: a pessoa jurídica “X”, “Michel” e “Luan”. Os advogados da pessoa jurídica “X” impetram habeas corpus no Tribunal pedindo o “trancamento” da ação penal e apontando como paciente apenas a pessoa jurídica. Pelo entendimento do STJ, o habeas corpus não seria conhecido. Confira-se: (...) II. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que o habeas corpus não se presta para amparar reclamos de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à liberdade ambulatorial, o que não pode ser atribuído à empresa. III. Admite-se a empresa como paciente tão somente nos casos de crimes ambientais, desde que pessoas físicas também figurem conjuntamente no pólo passivo da impetração, o que não se infere na presente hipótese (Precedentes). IV. Recurso ordinário desprovido, nos termos do voto do Relator. (RHC 28.811/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, quinta turma, julgado em 02/12/2010, DJe 13/12/2010)

Sintetizando:

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É possível a impetração de HC em favor de pessoa jurídica que pratique crime ambiental? STF: NÃO. Pessoa jurídica pode cometer crime ambiental, mas não pode ser paciente de HC porque nunca poderá ser presa. STJ: Depende:

Se o HC é impetrado em favor apenas da pessoa jurídica, não será conhecido. Se o HC é impetrado em favor da pessoa jurídica e dos corréus pessoas físicas, poderá ser

conhecido e ter seu mérito julgado. Trata-se de uma sutil distinção que não é abordada por muitos livros de Processo Penal, razão pela qual deverão ter redobrada atenção. Ressalte-se, por fim, que não há qualquer restrição para que a pessoa jurídica seja impetrante de habeas corpus em favor de pacientes pessoas físicas. Ex: pessoa jurídica impetra um habeas corpus para obter a liberdade de um dirigente ou funcionário. Esperamos que tenham gostado e aprendido coisas novas sobre o tema. Siga-nos no Twitter e em nossa página no Facebook. Bons estudos e fiquem com Deus.

Teste seus conhecimentos sobre HABEAS CORPUS – parte 3

QUESTÃO 1

Assinale certo ou errado para a afirmação abaixo segundo o entendimento do STF e do STJ:

O habeas corpus não é o meio processual adequado para ponderar, em concreto, a suficiência das circunstâncias judiciais invocadas pelas instâncias de mérito para a majoração da pena. ( )

QUESTÃO 2 Assinale certo ou errado para a afirmação abaixo segundo o entendimento do STF e do

STJ: Não cabe HC para garantir o direito de visitas dos filhos do detento em presídio ( )

QUESTÃO 3 – PROVA PRÁTICA Manoel foi indiciado em inquérito policial instaurado no ano de 2005 para apurar a prática de furto qualificado. Durante todos esses anos, a autoridade policial tem realizado diligências na tentativa de encontrar provas testemunhais que liguem Manoel ao local do crime. A Defensoria Pública impetrou habeas corpus no juízo criminal de 1ª instância apontando como autoridade coatora o delegado de polícia e postulando o trancamento do inquérito policial em virtude da ausência de justa causa e em razão da excessiva demora na conclusão das investigações. Argumenta que o paciente vem encontrando obstáculos para conseguir obter emprego por conta da anotação deste IP em sua folha de antecedentes criminais.

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O juiz deu vista do pedido ao MP e este pugnou pela extinção do HC em razão da incompetência absoluta considerando que o Tribunal de Justiça é quem seria competente. Quanto ao mérito, o parecer foi pela denegação da ordem sob o argumento de que a tramitação do IP não está paralisada e que têm sido feitas diligências para a busca de novas provas. Alegou ainda que inexiste constrangimento ilegal pela simples instauração de IP, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição de sua liberdade de locomoção. Os autos vieram conclusos para você, que é o juiz da causa, não havendo nenhuma outra questão pendente. Decida.

GABARITO

Resposta Comentários 1) CERTA

Como regra, o STJ e o STF não admitem habeas corpus para rediscutir a dosimetria da pena aplicada na sentença. Esta é a regra. Excepcionalmente, ao julgar HC estes Tribunais admitem rever a pena aplicada se houver ilegalidade manifesta e desde que não seja necessária a rediscussão de provas. Confira-se os precedentes que espelham este entendimento: O habeas corpus, ação autônoma de impugnação, não é admissível (...) para aferir a exatidão da dosimetria da pena. (...) (STF. HC 99266, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25/10/2011). I – De acordo com a jurisprudência desta Corte, somente em situações excepcionais é que se admite o reexame dos fundamentos da dosimetria levada a efeito pelo juiz a partir do sistema trifásico. Precedentes. (...) (STF. HC 107654, Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, em 11/10/2011). (...) Consoante já decidiu esta Suprema Corte, “a via estreita do processo de habeas corpus não permite que nele se proceda à ponderação das circunstâncias referidas nos arts. 59 e 68 do Código Penal. Não cabe reexaminar, no âmbito deste writ, os elementos de convicção essenciais à definição da sanção penal, porque necessária, para tal fim, a concreta avaliação das circunstâncias de fato subjacentes aos critérios legais que regem a operação de dosimetria da pena.” Precedentes. (...) (STF. HC 101579, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 04/10/2011). (...) O habeas corpus não é o meio processual adequado para a reapreciação de matéria de fato demarcada nas instâncias originárias nem tampouco para ponderar, em concreto, a suficiência das circunstâncias judiciais invocadas pelas instâncias de mérito para a majoração da pena. Precedentes. (...) (STF. HC 107626, Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 27/09/2011). (...) IV. O reexame da dosimetria em sede de mandamus somente é possível quando evidenciado eventual desacerto na consideração de

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circunstância judicial, errônea aplicação do método trifásico ou violação a literal dispositivo da norma, acarretando flagrante ilegalidade. V. Análise da dosimetria da pena, no caso concreto, que aponta ter sido a pena base fixada acima do mínimo legal com fundamentação em circunstâncias concretas do delito. Da mesma forma, não há qualquer desproporcionalidade na compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante do recurso que dificultou a defesa da vítima. VI. Inexistência, na espécie, de flagrante ilegalidade, nulidade absoluta ou teratologia a ser sanada pela via do habeas corpus, caracterizando-se o uso inadequado do instrumento constitucional. VII. Ordem denegada. (STJ. HC 211.600/RJ, Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 02/02/2012).

Resposta Comentários

2) ERRADA

Em recente julgado, a 2ª Turma do STF admitiu HC para tal finalidade. Confira: “Habeas corpus” e direito de detento a visitas É cabível habeas corpus para apreciar toda e qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de locomoção ou, ainda, agravar as restrições a esse direito. Esse o entendimento da 2ª Turma ao deferir habeas corpus para assegurar a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus filhos e enteados. Na espécie, o juízo das execuções criminais decidira que o condenado não teria jus à visitação, visto que a prisão seria local impróprio aos infantes, o que poderia trazer-lhes prejuízos na formação psíquica. A defesa, então, impetrara habeas corpus no STJ, que o indeferira liminarmente, ao fundamento de que a pretensão não se compatibilizava com a modalidade eleita, uma vez que não ofendido o direito de locomoção do ora paciente. De início, rememorou-se que a jurisprudência hodierna da Corte estabelece sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais direta, ao menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos. Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria, por completo, o processo de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar no sistema jurídico brasileiro, sobretudo para conferir força normativa mais robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de abrangência dessa ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento, indiciamento de determinada pessoa, recebimento de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e decisão condenatória, dentre outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e asseguraria aos presidiários o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º: “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e Pacto de São José da Costa Rica: “Art. 5º Direito à Integridade Social 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser

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tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”). Preconizou-se, por conseguinte, que não se poderia tratar a pena com objetivo de retaliação, mas de ressocialização. Aludiu-se que a visitação seria desdobramento do direito de ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a situação do apenado. Isso porque só haveria direito de visitas porque a liberdade do paciente estava tolhida. Ponderou-se que, segundo a própria teleologia da segregação criminal, eventuais erros estatais ao promovê-la poderiam e deveriam ser sanados pela via do habeas corpus, sob pena de não se alcançar a harmônica reintegração à comunidade daqueles que sofrem a ação do magistério punitivo do Estado. Nesse contexto, salientaram-se como escopos para o tratamento dos condenados, enquanto perdurar a sanção: a) inspirar-lhes a vontade de viver conforme a lei; b) incutir-lhes o respeito por si mesmos; e c) desenvolver-lhes o senso de responsabilidade (Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas, nº 65). Igualmente, destacou-se que seria direito do custodiado receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos (LEP: “Art. 41 - Constituem direitos do preso: ... X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados” e Resolução nº 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária: “Art. 33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância, com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência ou por meio de visitas”). Logo, consignou-se que não caberia negativa desse direito nem mesmo aos enteados, porquanto, a despeito de não terem comprovado seu vínculo com o paciente, tampouco a estabilidade da relação com a genitora, inserir-se-iam naquela última categoria. Sublinhou-se que poderia haver denegação motivada de visita pelo diretor do estabelecimento, o que não ocorrera no caso (LEP, art. 41, parágrafo único: “Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”). Ademais, explicitou-se que o notório desajuste do sistema carcerário nacional não poderia justificar o óbice à visita de menores. Esclareceu-se, pois, que caberia ao Poder Público o dever de propiciar meios para que o apenado pudesse receber, inclusive, seus filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável e preparado, de modo a não colocar em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. Assim, concluiu-se que o habeas corpus seria o meio apto a tutelar todo o plexo de relações ligadas à execução penal, até porque outro instrumento não seria identicamente expedito. STF. HC 107701/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.9.2011

QUESTÃO 3 – Prova prática Peça processual a ser elaborada: SENTENÇA. Preliminar de incompetência arguida pelo MP: Deve ser conhecida, mas rejeitada, com base no entendimento do STJ sobre o tema:

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HABEAS CORPUS. PACIENTE INDICIADO POR SUPOSTA PRÁTICA DE ESTELIONATO. EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DE POLÍCIA. TRIBUNAL A QUO QUE NÃO CONHECEU DO FEITO, ENCAMINHANDO O HABEAS CORPUS PARA O JUIZ DE DIREITO DE IGUAPE/SP. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. Tratando-se de alegação de excesso de prazo para o término de Inquérito Policial, é de se reconhecer como autoridade coatora o Delegado de Polícia, razão por que deveria o writ originário ter sido impetrado, inicialmente, perante o Juízo de primeiro grau, não estando a merecer reparos a decisão do Tribunal de Justiça paulista que deixou de conhecer a ordem, na medida em que lhe falecia competência para análise do pedido. 2. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 3. Ordem denegada. (HC 96.184/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 23/11/2009) Mérito: Assiste razão ao impetrante. Com efeito, como regra, a jurisprudência do STJ entende que não há constrangimento ilegal pela simples instauração de inquérito policial, especialmente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção (HC 44.649/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 08.10.07). Entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro. Nesse sentido: (...) Ademais, flagrante o excesso de prazo, pois a investigação perdura por mais de 7 anos, sem que tenha sido oferecida a denúncia. 2. O trancamento do Inquérito Policial por meio do Habeas Corpus, conquanto possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria ou da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade. (...) 5. No caso, passados mais de 7 anos desde a instauração do Inquérito pela Polícia Federal do Maranhão, não houve o oferecimento de denúncia contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constrangimento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locomoção (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constrangimento, abalo moral e, muitas vezes, econômico e financeiro, principalmente quando se trata de grandes empresas e empresários e os fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal. 6. Ordem concedida, para determinar o trancamento do Inquérito Policial 2001.37.00.005023-0 (IPL 521/2001), em que pese o parecer ministerial em sentido contrário. (STJ. HC 96666/MA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 04/09/2008).

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No caso, a Defensoria Pública relata os inúmeros percalços pelos quais vem passando o paciente, sobretudo para conseguir emprego, sendo notório que, atualmente, a maioria das empresas realiza pesquisa acerca dos antecedentes criminais dos candidatos a postos de trabalho, priorizando aqueles que não possuem qualquer ação penal ou mesmo inquérito em curso. Tal prática empresarial foi recentemente reconhecida como legítima pelo TST, de modo a reforçar que se trata de um fato social e econômico que não pode ser ignorado pelo julgador. A doutrina processualista penal moderna tem reforçado a noção de que o inquérito policial tem como uma de suas características a temporariedade, de forma que é abusivo um procedimento investigatório que perdure tramitando durante excessivo número de anos sem que chegue ao final. Apesar de o inquérito policial não ser um processo, mas sim mero procedimento administrativo, parece-me evidente que a garantia constitucional da duração razoável do processo deve espraiar seus efeitos também nesta seara (art. 5º, LXXVIII, da CF/88). Mesmo que no HC não seja admitida a dilação probatória, deve-se ressaltar que o fato de o inquérito possuir movimentações consistentes na tentativa da autoridade policial de encontrar provas que liguem o paciente ao local do crime apenas reforçam a necessidade de que seja concedida a ordem considerando que revelam, de forma patente, a ausência de indícios de autoria. Com base nestas razões e em outras a serem detalhadamente discorridas pelo candidato, deveria o habeas corpus ter sido conhecido e julgado procedente para o fim determinar o trancamento do Inquérito Policial. Uma observação final: ressalte-se, mais uma vez, que o trancamento de IP por excesso de prazo é medida excepcionalíssima, devendo estar evidente tal circunstância no enunciado da questão, como no caso relatado acima.

Questão interessante sobre latrocínio que pode ser cobrada em uma prova prática ou de sentença

Imagine a seguinte situação hipotética (baseado em um caso concreto, mas com adaptações): João e Pedro decidem roubar uma padaria. Entram no local e, João, armado com um revólver, anuncia o assalto, ameaçando o dono do estabelecimento e subtraindo dinheiro do caixa. Após fugirem, o dono da padaria aciona imediatamente a polícia que, por estar perto, logo chega ao local e começa a fazer uma busca nas redondezas. João e Pedro resolvem, então, assaltar uma farmácia que ficava a duas ruas da padaria. João entrou na farmácia, levantou a camisa, mostrando a arma de fogo e retirou das prateleiras, em seguida, pacotes de fraldas, colocando-as em cima do balcão, enquanto Pedro aguardava do lado de fora para garantir o sucesso da empreitada criminosa.

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Os policiais que faziam a busca lograram êxito em chegar ao local e detiveram João. Pedro, por outro lado, conseguiu empreender fuga, sendo perseguido por um policial. Durante a perseguição, Pedro atingiu o policial com um disparo de arma de fogo, causando-lhe lesões que foram a causa eficiente de sua morte. Ficou provado que João e Pedro utilizaram, nos assaltos, um veículo que sabiam havia sido furtado por Mário, que o “emprestou” para que eles realizassem os crimes. Que crimes cometeram João e Pedro?

Pedro Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP) Latrocínio consumado (art. 157, § 3º do CP) Receptação (art. 180 do CP)

João

Roubo circunstanciado consumado (art. 157, § 2º, I e II, do CP) Roubo circunstanciado tentado (art. 157, § 2º, I e II c/c art. 14, II, do CP) Receptação (art. 180 do CP)

Vamos agora explicar cada uma das imputações: Quanto à receptação: João e Pedro respondem pela receptação pelo fato de terem “recebido” um carro que sabiam ser produto de crime. Veja o tipo penal: Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. “Receber” significa adquirir a posse do bem, não importando que tenha como objetivo usá-lo e depois abandoná-lo. João e Pedro não respondem pelo furto do veículo porque não há provas de que tenham concorrido, de qualquer modo, para a prática desse crime (auxiliado, instigado etc.). Quanto ao roubo da padaria: Tanto João como Pedro respondem pelo roubo circunstanciado (apesar de comum, é errado falar em roubo “qualificado”) previsto no art. 157, § 2º, I (emprego de arma) e II (concurso de pessoas): Art. 157 (...) § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; O fato de apenas João ter anunciado o assalto e apontado a arma não faz com que Pedro deixe de responder pelo mesmo tipo penal. Isso porque o emprego da arma é uma circunstância objetiva e as circunstâncias objetivas se comunicam a todos os envolvidos no evento criminoso, sejam eles coautores ou partícipes, conforme se extrai da regra prevista no art. 30 do CP. Quanto ao roubo da farmácia:

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Aqui é que há uma maior complexidade. Pedro Pedro responde por latrocínio consumado, mesmo a polícia tendo chegado na hora do crime e, por isso, não tendo sido conseguida a subtração de nenhum bem? R: SIM, por razões de política criminal o STF entendeu que, apesar do latrocínio ser originalmente um crime patrimonial, deve-se dar prevalência ao bem jurídico vida, de modo que, se esta foi ceifada, o latrocínio deve ser considerado consumado. Nesse sentido: Súmula 610-STF: Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de bens da vítima.

Subtração Morte Latrocínio Consumada Consumada Consumado Tentada Tentada Tentado Consumada Tentada Tentado Tentada Consumada Consumado (Súmula 610-

STF) Dica: repare que a consumação do latrocínio será sempre determinada pela consumação ou não da morte. João Por que João não responde por latrocínio e sim por roubo tentado? R: Em regra, se duas pessoas decidem participar de um roubo armado e um dos agentes causa a morte de alguém, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos no evento criminoso. Isso porque o Código Penal adota a teoria monista ou unitária prevista no art. 29: Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Em outras palavras, em regra, o coautor que participa de roubo armado responde pelo latrocínio ainda que o disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa. Essa é a jurisprudência do STJ e do STF. Entretanto, excepcionalmente, em um caso concreto noticiado no Informativo 670, a 1ª Turma do STF considerou que não se poderia imputar o resultado morte ao coautor (João) em virtude de ter havido a ruptura do nexo de causalidade entre os agentes (HC 109151/RJ, rel. Min. Rosa Weber, 12.6.2012). Seria necessário que houvesse entre os coautores (Pedro e João) o nexo biopsicológico no quesito relativo à culpabilidade, ou seja, a ciência de ambos a respeito do que iriam fazer. Seria necessário que João, ainda que implicitamente, tivesse concordado com o fato de Pedro atirar no policial. Ocorre que isso não foi demonstrado já que João aceitou ser preso (não reagiu) enquanto que Pedro fugiu e atirou no policial para garantir a fuga. Veja como Cleber Masson, autor do melhor livro de Direito Penal para concursos, explica o tema: “Se, no contexto do roubo, praticado em concurso de pessoas, somente uma delas tenha produzido a morte de alguém – vítima da subtração patrimonial ou terceiro –, o latrocínio consumado deve ser imputado a todos os envolvidos na empreitada

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criminosa, como consectário lógico da adoção da teoria unitária ou monista pelo art. 29, caput, do Código Penal (...). Entretanto, se um dos agentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste. Cuida-se de manifestação do instituto da cooperação dolosamente distinta, ou desvios subjetivos entre os agentes, disciplinado pelo art. 29, § 2º, do Código Penal. Nessa hipótese, não há concurso de pessoas para o crime mais grave, mas somente para o de menor gravidade. Exemplo: “A” e “B” combinam a prática do furto de um automóvel. Quando, em via pública, valendo-se de chave falsa, começam a abrir a fechadura de um veículo para subtraí-lo, são surpreendidos pelo seu proprietário. Nesse momento, “A” decide fugir, ao passo que “B” luta com o dono do automóvel, vindo a mata-lo mediante disparo de arma de fogo. A solução jurídico-penal é simples:

“A” responde por tentativa de furto qualificado, enquanto a “B” será imputado o crime de latrocínio consumado. (...)” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Vol. 2. Parte Especial. 3ª ed., São Paulo : Editora Método, 2011, p. 406).

E então, se fosse um prova prática da Defensoria ou do Ministério Público, você teria conseguido fazer a correta tipificação das condutas? E se fosse uma prova de sentença, teria julgado de acordo com o STF?

Não estranhe se esse exemplo vier a ser cobrado na sua futura prova. Tenho certeza que você irá acertar.

Sete perguntas interessantes sobre o roubo circunstanciado pelo emprego de arma (art. 157, § 2º, I, do Código Penal)

O art. 157 do Código Penal prevê o crime de roubo: Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. O § 2º do art. 157 traz cinco causas de aumento de pena para o roubo. Desse modo, se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”): § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Repare na situação prevista no inciso I: § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:

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I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; Veja agora uma série de possíveis perguntas de prova sobre esse inciso: 1) O que pode ser considerado “arma”? Para os fins do art. 157, § 2º, I, podem ser incluídas no conceito de arma:

• a arma de fogo; • a arma branca (considerada arma imprópria), como faca, facão, canivete; • e quaisquer outros "artefatos" capazes de causar dano à integridade física do ser

humano ou de coisas, como por exemplo uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc.

2) Se o agente emprega no roubo uma “arma” de brinquedo, haverá a referida causa de aumento? NÃO. Até 2002, prevalecia que sim. Havia até a Súmula 174 do STJ afirmando isso. Contudo, essa súmula foi cancelada, de modo que, atualmente, no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo não autoriza o aumento da pena. 3) É necessário que a arma utilizada no roubo seja apreendida e periciada para que incida a majorante? NÃO. O reconhecimento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal prescinde (dispensa) da apreensão e da realização de perícia na arma, desde que provado o seu uso no roubo por outros meios de prova. Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo na arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. 4) Se, após o roubo, foi constatado que a arma empregada pelo agente apresentava defeito, incide mesmo assim a majorante? Depende:

• Se o defeito faz com que o instrumento utilizado pelo agente seja absolutamente ineficaz, não incide a majorante. Ex: revólver que não possui mecanismo necessário para efetuar disparos. Nesse caso, o revólver defeituoso servirá apenas como meio para causar a grave ameaça à vítima, conforme exige o caput do art. 157, sendo o crime o de roubo simples;

• Se o defeito faz com que o instrumento utilizado pelo agente seja relativamente ineficaz, INCIDE a majorante. Ex: revólver que algumas vezes trava e não dispara. Nesse caso, o revólver, mesmo defeituoso, continua tendo potencialidade lesiva, de sorte que poderá causar danos à integridade física, sendo, portanto, o crime o de roubo circunstanciado.

5) O Ministério Público que deve provar que a arma utilizada estava em perfeitas condições de uso? NÃO. Cabe ao réu, se assim for do seu interesse, demonstrar que a arma é desprovida de potencial lesivo, como na hipótese de utilização de arma de brinquedo, arma defeituosa ou arma incapaz de produzir lesão (STJ EREsp 961.863/RS).

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6) Se, após o roubo, foi constatado que a arma estava desmuniciada no momento do crime, incide mesmo assim a majorante? NÃO. A utilização de arma desmuniciada, como forma de intimidar a vítima do delito de roubo, caracteriza o emprego de violência, porém, não permite o reconhecimento da majorante de pena, já que esta está vinculada ao potencial lesivo do instrumento, pericialmente comprovado como ausente no caso, dada a sua ineficácia para a realização de disparos (STJ HC 190.067/MS). 7) Além do roubo qualificado, o agente responderá também pelo porte ilegal de arma de fogo (art. 14 ou 16, da Lei n.° 10.826/2003)? Em regra, não. Geralmente, o crime de porte ilegal de arma de fogo é absorvido pelo crime de roubo circunstanciado. Aplica-se o princípio da consunção, considerando que o porte ilegal de arma de fogo funciona como crime meio para a prática do roubo (crime fim), sendo por este absorvido. Você poderá encontrar assim no concurso: (Promotor/MPRO – 2010) O delito de roubo majorado por uso de arma absorve o delito de porte de arma (afirmação CORRETA).

Essa assertiva de concurso é baseada na jurisprudência do STJ: “A conduta de portar arma ilegalmente é absorvida pelo crime de roubo, quando, ao longo da instrução criminal, restar evidenciado o nexo de dependência ou de subordinação entre as duas condutas e que os delitos foram praticados em um mesmo contexto fático, incidindo, assim, o princípio da consunção” (STJ HC 178.561/DF). No entanto, vale ressaltar que poderá haver condenação pelo crime de porte em concurso material com o roubo se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do crime de roubo e que ele não se utilizou da arma tão somente para cometer o crime patrimonial. Ex: “Tício”, às 13h, mediante emprego de um revólver, praticou roubo contra “Caio”, que estava na parada de ônibus (art. 157, § 2º, I, CP). No mesmo dia, por volta das 14h 30min, em uma blitz de rotina da polícia (sem que os policiais soubessem do roubo ocorrido), “Ticio” foi preso com os pertences da vítima e com o revólver empregado no assalto. Em um caso semelhante a esse, a 5ª Turma do STJ reconheceu o concurso material entre o roubo e o delito do art. 14, da Lei n.° 10.826/2003, afastando o princípio da consunção. Veja trechos da ementa desse julgado mencionado acima: 1. O princípio da consunção é aplicado para resolver o conflito aparente de normas penais quando um crime menos grave é meio necessário ou fase de preparação ou de execução do delito de alcance mais amplo, de tal sorte que o agente só será responsabilizado pelo último, desde que se constate uma relação de dependência entre as condutas praticadas (Precedentes STJ). 2. No caso em apreço, observa-se que o crime de porte ilegal de arma de fogo ocorreu em circunstância fática distinta ao do crime de roubo majorado, porquanto os pacientes foram presos em flagrante na posse do referido instrumento em momento

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posterior à prática do crime contra o patrimônio, logo, em se tratando de delitos autônomos, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção. (...) (HC 199.031/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/06/2011)

Teoria do Fato Consumado

Olá amigos do Dizer o Direito, Vocês sabem o que é a Teoria do Fato Consumado? Segundo essa teoria, as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais (STJ REsp 709.934/RJ). Assim, de acordo com essa tese, se uma decisão judicial autorizou determinada situação jurídica e, após muitos anos, constatou-se que tal solução não era acertada, ainda assim não deve ser desconstituída essa situação para que não haja insegurança jurídica. Em suma, seria uma espécie de convalidação da situação pelo decurso de longo prazo. A Teoria do Fato Consumado é admitida pela jurisprudência? Trata-se de tema polêmico, que é resolvido de acordo com o caso concreto. No entanto, o STJ e o STF têm sido cada vez mais restritivos em aceitá-la. A Teoria do Fato consumado incide apenas em casos excepcionalíssimos, nas quais a inércia da Administração ou a morosidade do Judiciário deram ensejo a que situações precárias se consolidassem pelo decurso do tempo (STJ AgRg no RMS 34.189/GO, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012). Tal teoria tem valia em hipóteses extremas, de modo a não eternizar liminares indevidas e a não gerar expectativas de definitividade em juízos proferidos em cognição não exauriente, apenas em razão da demora do Judiciário (STJ EDcl na MC 19.817/SP).

Dois exemplos em que o STJ não aceita a teoria do fato consumado: Concurso público O STJ, em regra, tem negado a teoria nos casos de candidato que consegue provimento liminar para mantê-lo no concurso público, mas a ação é julgada improcedente ao final. Em tais hipóteses, a Corte afirma que o candidato não tem direito de permanência no cargo (STJ MC 18.980/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012). Assim, o STJ entende que, se candidato foi nomeado e empossado, por força de medida judicial precária, sem preencher os requisitos inerentes ao cargo ele não tem direito de permanecer no cargo ainda que lá esteja há muitos anos. Veja: “Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a Teoria do Fato Consumado em matéria de concurso público requer o cumprimento dos requisitos legalmente estabelecidos para a investidura no cargo pretendido” (AgRg no REsp 1248007/RS,

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Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21/06/2011, DJe 29/06/2011). O STF possui a mesma posição; “A jurisprudência deste Tribunal é no sentido da inaplicabilidade da teoria do fato consumado a casos nos quais se pleiteia a permanência em cargo público, cuja posse tenha ocorrido de forma precária, em razão de decisão judicial não definitiva.” (RE 405964 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 24/04/2012) Direito ao exercício da profissão mesmo sem revalidação do diploma estrangeiro: Profissional formado em outro país e que obteve, por antecipação de tutela, o direito de exercer sua profissão no Brasil, mesmo sem que seu diploma fosse revalidado segundo a Lei, não pode invocar a teoria do fato consumado caso a medida judicial precária seja revogada, ainda que ele estivesse exercendo a atividade há anos (REsp 1333588/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 16/10/2012).

Exemplo em que o STJ aceita a teoria do fato consumado: Estudante que, por força de decisão precária, já frequentou 3 ou mais anos do curso superior A jurisprudência do STJ tem aplicado a teoria do fato consumado na hipótese em que o estudante, amparado por medida judicial de natureza precária, consegue frequentar a instituição de ensino, na qualidade de aluno, há pelo menos 3 anos e depois é revogada a decisão. Em tais situações, a Corte reconhece seu direito de continuar matriculado e estudando até se formar (AgRg no REsp 1267594/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, DJe 21/05/2012). Portanto, amigos, tenham cuidado ao assumirem cargos públicos por força de decisões provisórias, como em casos de antecipações de tutela. Avaliem os riscos dessa escolha e analisem a possibilidade do provimento jurisdicional ser revisto. Isso porque, como visto, os Tribunais Superiores têm sido cada vez mais refratários em aplicar a teoria do fato consumado às questões relacionadas com concursos públicos.

Adolescente inicia a execução de extorsão mediante sequestro quando tinha 17 anos, mas no momento em que a vítima é libertada, ele já havia completado 18 anos. Responderá por ato infracional ou por crime?

Vamos analisar um julgado proferido pelo STJ no dia de ontem e aproveitar para discorrer acerca de algumas peculiaridades dos crimes permanentes. O caso hipotético é o seguinte: Rafael e mais três comparsas decidem abordar um rico empresário, levá-lo até um cativeiro e mantê-lo no local até que a família pague um milhão de reais como resgate. Qual o crime praticado por Rafael? R: Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP).

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Cuidado para não responder sem pensar muito e dizer que se trata simplesmente de sequestro. "Sequestro" é diferente de "extorsão mediante sequestro".

Sequestro (art. 148) Extorsão mediante sequestro (art. 159) Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de um a três anos.

Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de oito a quinze anos.

Aqui o elemento subjetivo é o dolo, sem qualquer finalidade específica.

Neste delito, a intenção do agente, com a privação da liberdade da vítima, é obter, para si ou para outrem, alguma vantagem, como condição ou preço do resgate.

A diferença, portanto, é que a extorsão mediante sequestro é um delito específico (mais especial) em relação ao sequestro. O art. 159 é um tipo específico de sequestro no qual o agente tem uma finalidade especial, que é a obtenção da vantagem como condição ou preço do resgate. No caso relatado, o propósito de Rafael era o de obter a vantagem econômica (um milhão de reais) como preço do resgate. Logo, é o crime do art. 159 do CP. No dia em que Rafael e seus comparsas capturaram o empresário (02/07/2010), Rafael possuía 17 anos. Na data em que o empresário foi libertado (02/11/2010), após o pagamento do resgate, Rafael já havia completado 18 anos (fez aniversário no dia 02/10/2010). Rafael irá responder por ato infracional (como adolescente) ou por crime (como adulto)? R: Responderá por crime (como adulto). Qual o motivo? R: A extorsão mediante sequestro (art. 159), assim como o sequestro (art. 148), é classificada como crime permanente. No crime permanente a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. Assim, a consumação do delito persistirá durante todo o tempo em que a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção. Como o empresário ficou durante 4 meses sequestrado, a consumação da extorsão mediante sequestro foi prolongada durante todo esse tempo. Logo, quando Rafael completou 18 anos, a consumação da extorsão ainda estava ocorrendo e, mesmo assim, ele optou por continuar a consumar o crime, de forma que se pode dizer que o crime foi consumado também quando ele já tinha mais de 18 anos. No dia de ontem, a 5ª Turma do STJ, ao julgar o HC 169150 (Min. Marco Aurélio Bellizze), que tratava de tema semelhante a este narrado, chegou a esta mesma conclusão e decidiu que se o réu “atingiu a idade de 18 anos durante a consumação do crime, não há de se cogitar de inimputabilidade”. Outras consequências que decorrem do fato de um crime ser considerado permanente:

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• Flagrante: no crime permanente, é possível a prisão em flagrante a qualquer momento. No exemplo dado, a qualquer instante em que a polícia descobrisse o cativeiro poderia ir até lá e prender em flagrante os envolvidos.

• Prescrição: a prescrição só começa a correr depois de cessada a permanência. Logo, no caso narrado, o prazo prescricional iniciou-se no dia da libertação da vítima (02/11/2010) e não no momento em que foi capturado.

• Lei nova: se, durante a permanência, for editada uma lei nova, ainda que mais grave, ela será aplicada ao caso concreto, considerando que o réu decidiu continuar a consumação do delito (continuando com o sequestro), mesmo após ser editada a nova lei. Existe até mesmo uma súmula do STF sobre o tema:

Súmula 711-STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Entenderam tudo até agora? Então se preparem para a pergunta que poderia confundir alguns: Qual é o momento da consumação do crime de extorsão mediante sequestro (art. 159)? Trata-se de crime formal, de consumação antecipada. Algumas provas podem afirmar que se trata de delito de tendência interna transcendente de resultado cortado. O mais importante a saber é que este crime se consuma com a privação da liberdade da vítima, independentemente da obtenção da vantagem pelo agente. Vejamos o STJ: (...) 1. O delito previsto no art. 159 do Código Penal é crime complexo, que ofende ao mesmo tempo o patrimônio e a liberdade da vítima. Em sua forma qualificada – com resultado morte – fere ainda um terceiro bem jurídico, a vida, razão porque é punido de forma mais rigorosa. (...)3. "A extorsão mediante sequestro, como crime formal ou de consumação antecipada, opera-se com a simples privação da liberdade de locomoção da vítima, por tempo juridicamente relevante. Ainda que o sequestrado não tenha sido conduzido ao local de destino, o crime está consumado" (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6ª edição. São Paulo: Atlas. 2007, pág. 1.476).4. No caso, tem-se que a vítima foi surpreendida em um quarto de hotel, chegando a ser algemada para viabilizar o seu transporte para o local do cativeiro, não restando dúvidas acerca da consumação do delito. (...)(HC 113.978/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16/09/2010) Desse modo, o crime se consuma desde a privação da liberdade da vítima. Durante o tempo em que a vítima ficar privada de sua liberdade (no cativeiro, p. ex.), a consumação do delito vai ficar se prolongando, mas pode-se dizer perfeitamente que o crime já se consumou desde o instante em que houve a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante. Tanto isso é verdade que, segundo a jurisprudência, o local do crime, para fins de competência, é a localidade onde ocorreu o sequestro e não o da entrega do resgate: (STF. HC 73521, Min. Ilmar Galvão, 1ª Turma, julgado em 16/04/1996)

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O momento consumativo não ocorre com a entrega do resgate porque se trata de crime formal, ou seja, consiste em delito que não exige, para consumação, que ocorra o resultado naturalístico esperado. Não se exige a obtenção da vantagem para que o delito se consuma. Com a palavra, mais uma vez o STJ: Extorsão mediante seqüestro: a consumação desse delito prescinde da efetiva obtenção da vantagem, pelo que, com a privação de liberdade, já está consumado o delito.(HC 87.764/SC, Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), 6ª T, em 07/05/2009) Se Rafael, no dia 15/10/2010, tivesse ficado com pena do empresário e decidisse, voluntariamente, libertá-lo, haveria desistência voluntária? Rafael ficaria livre do crime do art. 159? R: NÃO. Não há desistência voluntária e sim delito consumado. Lembre-se que o crime se consumou com a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante. O fato de a vítima continuar no cativeiro somente fez com que esta consumação fosse sendo prolongada no tempo. Se a vítima tivesse conseguido fugir do cativeiro no dia 10/10/2010, haveria crime tentado ou consumado? R: Crime consumado. A obtenção da vantagem indevida não é necessária para a consumação. Trata-se de mero exaurimento. Repita-se: o crime foi consumado com a privação da liberdade por tempo juridicamente relevante. Vejamos duas questões de concurso sobre o tema: 1 - (Delegado de Polícia/MG – 2007 – adaptada) O crime de extorsão mediante sequestro consuma-se no momento em que a privação da liberdade da vítima se completa ( ) 2 - (Delegado de Polícia/CE – 2006 – adaptada) A extorsão mediante sequestro é crime de natureza permanente e sendo crime contra o patrimônio tem sua consumação quando o valor do resgate é efetivamente pago, pois é nesse momento que ocorre o concreto dano ao patrimônio ( ) Gabarito: 1 – Certa / 2 – Errada Publique suas dúvidas no Facebook e no Twitter do site e vamos utilizar estas ferramentas como um espaço para debatermos os assuntos postados.

Revisão criminal e Tribunal do Júri

Vamos tratar hoje sobre um assunto muito importante de Processo Penal, qual seja, a revisão criminal, explicando se é possível ou não a sua realização no caso de condenações proferidas pelo Corpo de Jurados. Revisão criminal é... - uma ação autônoma de impugnação - de competência originária dos Tribunais (ou da Turma Recursal no caso dos Juizados) - por meio da qual a pessoa condenada requer ao Tribunal

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- que reveja a decisão que a condenou (e que já transitou em julgado) - sob o argumento de que ocorreu erro judiciário. Revisão criminal e ação rescisória A revisão criminal se parece com a ação rescisória do processo civil. Existem, no entanto, duas diferenças principais:

Revisão criminal Ação rescisória Pode ser interposta a qualquer tempo após o trânsito em julgado (não há prazo de decadência para ajuizar a revisão).

Deve ser interposta até o prazo de 2 anos após o trânsito em julgado.

Só pode ser ajuizada em favor do condenado (só existe revisão criminal pro reo; não existe revisão criminal pro societate).

A ação rescisória pode ser proposta pelo autor ou pelo réu.

Então a revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo? SIM. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, mesmo após já ter sido extinta a pena (art. 622 do CPP). Natureza jurídica A revisão criminal NÃO é um recurso. Trata-se de uma ação autônoma de impugnação, mais precisamente uma ação penal de natureza constitutiva (tem por objetivo desconstituir uma decisão transitada em julgado). Pressupostos: A revisão criminal tem dois pressupostos: a) existência de decisão condenatória (ou absolutória imprópria) com trânsito em julgado; b) demonstração de que houve erro judiciário. Quem pode propor a revisão criminal? O próprio réu; Procurador legalmente habilitado pelo réu; O cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do réu, caso este já tenha morrido. CPP/Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. O MP pode propor revisão criminal em favor do réu? Há divergência na doutrina. No entanto, para fins de prova objetiva, deve-se afirmar que não é possível, considerando que o CPP não prevê essa legitimidade. Juízo rescindente e juízo rescisório: No julgamento da revisão criminal, se o Tribunal decidir desconstituir a decisão impugnada, diz-se que houve juízo rescindente. Se, além de desconstituir a decisão impugnada, o próprio Tribunal proferir uma outra decisão em substituição àquela que foi rescindida, diz-se que houve juízo rescisório.

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Vamos comparar essas duas situações:

Juízo rescindente (juízo revidente) (juízo de cassação):

Juízo rescisório (juízo revisório) (juízo de reforma):

Haverá juízo rescindente quando o Tribunal desconstituir a decisão impugnada.

Haverá juízo rescisório quando o Tribunal, após desconstituir a decisão impugnada, proferir uma nova decisão em substituição àquela que foi rescindida.

Repare que, após realizar o juízo rescindente, pode acontecer (ou não) de o Tribunal realizar o juízo rescisório. Quando haverá juízo rescisório na revisão criminal? O CPP prevê o seguinte: Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo. Dessa feita, julgando procedente a revisão (juízo rescindente), o Tribunal poderá: - alterar a classificação da infração (juízo rescindente + juízo rescisório) - absolver o réu (juízo rescindente + juízo rescisório) - modificar a pena (juízo rescindente + juízo rescisório) ou - anular o processo (nesse caso, só haverá juízo rescindente porque o processo será devolvido à 1ª instância onde lá será proferida nova sentença). Hipóteses em que caberá a revisão criminal: Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Revisão criminal e soberania dos veredictos: A Constituição Federal afirma que, no Tribunal do Júri, o veredicto dos jurados é soberano: Art. 5º (...) XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: c) a soberania dos veredictos;

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Sobre esse tema, existem dois grandes debates: 1) A revisão criminal pode ser aplicada no caso de condenações proferidas pelo júri ou haveria uma violação à soberania dos veredictos? Em outras palavras, a revisão criminal de uma decisão condenatória do júri ofende o princípio da soberania dos veredictos? R: NÃO. Cabe revisão criminal mesmo no caso de condenações proferidas pelo Júri. Assim, a condenação penal definitiva imposta pelo Júri também pode ser desconstituída mediante revisão criminal, não lhe sendo oponível a cláusula constitucional da soberania do veredicto do Conselho de Sentença. Esse é o entendimento do STF e do STJ, tendo sido reafirmado neste julgado. Argumentos:

• A soberania dos veredictos do Júri, apesar de ser prevista constitucionalmente, não é absoluta, podendo a decisão ser impugnada, seja por meio de recurso, seja por revisão criminal. A CF não previu os veredictos como um poder incontrastável e ilimitado.

• Segundo a doutrina, a soberania dos veredictos é uma garantia constitucional prevista em favor do réu (e não da sociedade).

• Desse modo, se a decisão do júri apresenta um erro que prejudica o réu, ele poderá se valer da revisão criminal. Não se pode permitir que uma garantia instituída em favor do réu (soberania dos veredictos) acabe por prejudicá-lo, impedindo que ele faça uso da revisão criminal.

Agora vem a pergunta mais polêmica: 2) O Tribunal que irá julgar a revisão criminal, além de fazer o juízo rescindente, poderá também efetuar o juízo rescisório? Ex: se o Tribunal de Justiça entender que a decisão condenatória do júri foi contrária à evidência dos autos (art. 621, I, do CPP), ele terá que apenas anular a decisão e determinar que outra seja proferida (juízo rescindente) ou poderá, além de desconstituir a decisão condenatória, julgar o caso e absolver desde logo o réu (juízo rescisório)?

1ª corrente: O Tribunal, ao julgar a revisão, tem

competência para fazer o juízo rescindente e também o juízo rescisório.

2ª corrente: O Tribunal só poderá fazer o juízo

rescindente, devendo determinar que seja realizado novo júri ao invés de absolver o

réu. Quem defende: Ada Pellegrini Grinover Quem defende: Guilherme de Souza

Nucci Qual é o entendimento do STJ? Trata-se de tema polêmico, mas a 5ª Turma do STJ recentemente adotou a 1ª corrente. Assim, se o Tribunal de Justiça, ao julgar uma revisão criminal, entender que a condenação do réu foi proferida de forma contrária à evidência dos autos, ele poderá

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absolver diretamente o condenado, não sendo necessário que outro júri seja realizado. Confira: (...) 1. É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri. (...) 5. Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal, observa-se que entre as prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a possibilidade de absolvição do réu, enquanto a determinação de novo julgamento seria consectário lógico da anulação do processo. (...) (REsp 964.978/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 14/08/2012, DJe 30/08/2012) Uma última pergunta: Se houver empate no julgamento da revisão criminal pelo Tribunal, o que acontece? Em caso de empate, deve-se aplicar, por analogia, a regra prevista no § 1º do art. 615 do CPP: § 1º Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu. Desse modo, havendo empate de votos no julgamento da revisão criminal, se o presidente do Tribunal, Câmara ou Turma, não tiver votado ainda, deverá proferir o voto de desempate. Caso já tenha votado, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu. (Quinta Turma. HC 137.504-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012) Obra consultada: LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. II. Niterói : Impetus, 2012.

Questões relacionadas com o tema e cobradas em concursos recentes: 1. (DPU – CESPE – 2010) A revisão criminal, que é um dos aspectos diferenciadores do mero direito à defesa e do direito à ampla defesa, este caracterizador do direito processual penal, tem por finalidade o reexame do processo já alcançado pela coisa julgada, de forma a possibilitar ao condenado a absolvição, a melhora de sua situação jurídica ou a anulação do processo. ( ) 2. (Promotor/SE – CESPE – 2010) Compete ao tribunal de justiça processar e julgar revisão criminal em que o réu condenado pelo juizado especial criminal, por praticar crime de menor potencial ofensivo, pugne pela reforma de decisão. ( ) 3. (Promotor/RO – CESPE – 2010) Acerca dos recursos e das ações penais autônomas, assinale a opção correta.

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a) A soberania dos vereditos no tribunal do júri não é absoluta, pois se admite revisão criminal, ação na qual o réu que foi condenado pelo conselho de sentença poderá ser absolvido. b) De acordo com o CPP, têm legitimidade para promover a revisão criminal o próprio réu, seu procurador legal, membro do MP e, em caso de morte do réu, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do condenado. c) A revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo, desde que não esteja extinta a punibilidade, hipótese em que não será possível a revisão por falta de interesse de agir. d) É pressuposto da revisão criminal o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, sendo inadmissível nos casos de sentença penal absolutória, ainda que se aplique medida de segurança. e) De acordo com a Lei de Execuções Penais, das decisões proferidas pelo juiz das execuções caberá recurso de agravo no prazo de dez dias, com efeito suspensivo. Gabarito 1. C 2. E 3. Letra A

A Lei Maria da Penha pode ser aplicada para violência praticada contra a cunhada?

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 226, § 8º: § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. No mesmo sentido deste comando constitucional, o Estado Brasileiro, com o intuito de coibir a violência contra a mulher, assinou dois importantes tratados internacionais:

• Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher;

• Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará).

A fim de regulamentar o §8º do art. 226 da CF/88 e dar maior efetividade aos compromissos internacionais assumidos em defesa da mulher, foi editada a Lei n.° 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”. A referida Lei cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Indaga-se então: Qual é o conceito legal de violência doméstica? Quais os casos em que é possível configurar-se violência doméstica? Violência doméstica e familiar contra a mulher é:

qualquer ação ou omissão baseada no gênero

I - no âmbito da unidade doméstica; ou Unidade doméstica é o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.

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que cause morte, lesão, sofrimento físico, sofrimento sexual ou sofrimento psicológico e dano moral ou dano patrimonial à mulher e que ocorra:

II - no âmbito da família; ou Família aqui deve ser compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Algumas perguntas decorrentes deste conceito, que está previsto no art. 5º da Lei: 1) É possível a aplicação da Lei Maria da Penha para a violência praticada por irmão contra irmã, ainda que eles nem mais morem sob o mesmo teto? SIM, é possível, com base no inciso III acima exposto. Ressalte-se, mais uma vez, que, para a configuração de violência doméstica não precisa, necessariamente, que haja coabitação (Quinta Turma. REsp 1.239.850-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/2/2012). 2) A Lei Maria da Penha pode ser aplicada para namorados? SIM. A Terceira Seção do STJ vem firmando entendimento jurisprudencial de que é possível a aplicação da Lei nº 11.340/2006 à agressão cometida por ex-namorado. Em tais circunstâncias, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado. (HC 181.217/RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 20/10/2011) Esta Lei pode ser aplicada a agressor que não se conforma com o término do namoro: Incide a aplicação da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) uma vez que a vítima grávida mantinha íntima relação com o agressor, que vinha praticando agressões físicas por não se conformar com o término do namoro, sendo ele o suposto pai. Assim, competente a Justiça comum para processar e julgar a questão. CC 92.591-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 5/12/2008. Mas cuidado: não é qualquer namoro que se enquadra na Lei Maria da Penha: Como o art. 5º da Lei n.° 11.340/2006 dispõe que a “violência doméstica” abrange qualquer relação íntima de afeto e dispensa a coabitação, cada demanda deve ter uma análise cuidadosa, caso a caso. Deve-se comprovar se a convivência é duradoura ou se o vínculo entre as partes é eventual, efêmero, uma vez que não incide a lei em comento nas relações de namoro eventuais. (CC 91.979-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/2/2009) 3) Por fim, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para a agressão perpetrada por um homem contra a sua cunhada? SIM. Trata-se da hipótese prevista no inciso II, considerando que a cunhada é parente por afinidade do agressor. Assim, já decidiu o STJ: (...)

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2. Na espécie, apurou-se que a Vítima, irmã da companheira do Acusado, vivendo há mais de um ano com o casal sob o mesmo teto, foi agredida por ele. 3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n.º 11.343/06 (rectius: Lei n.° 11.340/2006), tendo em vista a ocorrência de ação baseada no gênero causadora de sofrimento físico no âmbito da família, nos termos expressos do art. 5.º, inciso II, da mencionada legislação. 4. "Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha) [...]" (HC 115.857/MG, 6.ª Turma, Rel. Min. JANE SILVA (Desembargadora Convocada do TJ/MG), DJe de 02/02/2009). (...) (HC 172634/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 06/03/2012)

STF julga constitucional a “Lei da Ficha Limpa” - entenda

O Supremo Tribunal Federal julgou hoje (16/02/2012) que a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n.° 135/2010) é CONSTITUCIONAL. Com a decisão, os dispositivos desta Lei passam a valer para as eleições municipais de outubro deste ano. O resultado da votação foi 7 a 4. Veja como votaram os Ministros:

FAVORÁVEIS à Lei da Ficha Limpa

CONTRÁRIOS à Lei da Ficha Limpa

Min. Luiz Fux (Relator) Min. Rosa Weber Min. Cármen Lúcia Min. Joaquim Barbosa Min. Ricardo Lewandowski Min. Carlos Ayres Britto Min. Marco Aurélio

Min. Dias Toffoli Min. Gilmar Mendes Min. Celso de Mello Min. Cezar Peluso.

A Lei da Ficha Limpa torna inelegíveis políticos que tenham condenação por determinados crimes, por algumas práticas ilícitas eleitorais ou por ato de improbidade administrativa, em decisão proferida por órgão colegiado (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou mesmo Tribunal do Júri). Também ficam impedidos de concorrer a cargos públicos eletivos os políticos cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação. A declaração de constitucionalidade da Lei ocorreu no julgamento conjunto de três ações: ADC n. 29: proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS) ADC n. 30: proposta pela OAB. ADI n. 4578: proposta pela CNPL (Confederação Nacional dos Profissionais Liberais) O que pediam as ações e o que foi decidido: As duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) pediam que fosse reconhecida a constitucionalidade integral da Lei.

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A Ação Direta de Inconstitucionalidade, por sua vez, pugnava pela declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da Lei que torna inelegíveis os profissionais que tenham sido excluídos do exercício da profissão por órgão de classe competente (exs: OAB, CREA). O STF julgou procedentes as ADC’s propostas e improcedente a ADI, reconhecendo, assim, a constitucionalidade da Lei na íntegra. Iniciativa popular A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135) foi proposta ao Congresso por iniciativa popular, registrando mais de 1,6 milhões de assinaturas. Lei não foi aplicada em 2010 A Lei Complementar 135 foi promulgada em 4 de junho de 2010. Como não entrou em vigor um ano antes das eleições gerais de 2010, o STF entendeu que não poderia ser aplicada naquele pleito com base no que dispõe o art. 16 da CF/88: Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Entenda melhor em que consiste a Lei da Ficha Limpa A Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º dispõe que uma Lei Complementar deverá estabelecer casos de inelegibilidade a fim de proteger: a probidade administrativa a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. A inelegibilidade consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva. Inelegibilidade = impossibilidade jurídica de ser candidato. A Lei Complementar mencionada pelo § 9º do art. 14 é a Lei Complementar n.° 64/90. Em 2010, foi aprovada a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), que teve como objetivo alterar a LC 64/90, incluindo novas hipóteses de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Casos de inelegibilidade disciplinados pela Lei da Ficha Limpa:

Não podem ser eleitos para nenhum cargo as pessoas que estiverem nas seguintes situações:

Governador (e Vice-Governador) ou Prefeito (e Vice-Prefeito) que... perderam seus cargos eletivos por violação

à Constituição Estadual, à Lei Orgânica do DF ou à Lei Orgânica do Município

(ex: Governador que sofreu impeachment) Pessoa que for condenada em representação eleitoral por abuso do poder econômico ou político. A pessoa que for condenada pelos seguintes crimes:

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1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando. Esta inelegibilidade não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada. A pessoa que for declarada indigna do oficialato, ou com ele incompatível. Obs: segundo a CF/88, o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra (art. 142, § 3º, III). Administrador público que tiver suas contas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Obs: se a decisão que rejeitou as contas tiver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, não incidirá a inelegibilidade. Os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que tiverem sido condenados por beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político. A pessoa condenada por:

corrupção eleitoral captação ilícita de sufrágio doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem

cassação do registro ou do diploma Presidente da República Governador Prefeito Senadores, Deputados ou Vereadores ... que renunciarem a seus mandatos... ... desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo de perda do mandato. A pessoa que for condenada à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Pessoa que for excluída do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional. Ex: advogado condenado pelo Tribunal de Ética da OAB;

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Ex2: engenheiro condenado pelo CREA. Pessoa que for condenada por ter desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade. Ex: marido é governador, já reeleito, e simula que se divorcia da sua esposa para que esta se candidate ao governo do estado, burlando a proibição do § 7º do art. 14 da CF. Pessoa que for demitida do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial. Pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais julgadas ilegais pela Justiça Eleitoral. Magistrados e membros do Ministério Público que:

foram aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória; tenham perdido o cargo por sentença ou tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo

administrativo disciplinar. Observações importantes sobre as hipóteses de inelegibilidade acima listadas: 1) Não é necessário que a decisão condenatória tenha transitado em julgado. Basta que tenha sido proferida por órgão colegiado (exs: TRE, TJ, TRF). Assim, por exemplo, se um prefeito for condenado pelo Tribunal de Justiça por peculato, ficará inelegível por 8 anos, ainda que tenha recorrido desta decisão e ainda esteja aguardando o julgamento do recurso. 2) A desnecessidade de trânsito em julgado é a maior inovação e era a maior polêmica da Lei. Inovação porque o trânsito em julgado de uma decisão condenatória criminal demora muito tempo para ocorrer, isto quando não acontece antes a extinção do processo pela prescrição. Polêmica porque muitos argumentavam que isso violava o princípio da presunção de inocência. 3) Estas inelegibilidades irão perdurar pelo prazo de 8 anos, contados da decisão, do cumprimento da pena (no caso da condenação criminal) ou do término do mandato.

ARTIGOS DO PROF. LFG: Interceptação telefônica: serendipidade é aceita pelo STJ

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Não há ilegalidade se a interceptação telefônica foi determinada por notícia-crime obtida de outra interceptação, previamente autorizada. Esta foi a posição adotada pela Quinta Turma do STJ para negar o pedido de habeas corpus HC 123.285 AM , relatado pelo Ministro Jorge Mussi.

Veja-se. Investigava-se um delito e se descobriu outro.

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Isso é o que a doutrina chama de "encontro fortuito de fatos novos" ( hallazgos fortuitos ) ou "descubrimientos causales" ou "descubrimientos acidentales" (ou Zufallsfunden ). Para nós, há na hipótese serendipidade.

Serendipidade é o ato de fazer descobertas relevantes ao acaso, em forma de aparentes coincidências. De acordo com o dicionário Houaiss, a palavra vem do inglês serendipity: descobrir coisas por acaso.

A Lei nº. 9.296/96, ao tratar dos pressupostos básicos da interceptação telefônica, impõe a necessidade de o solicitante da medida e o próprio juiz, ao autorizá-la, descrever com clareza a situação objeto da investigação (individualização objetiva).

Assim, em princípio, o que se espera é a existência de identidade (congruência) entre o fato indicado e o efetivamente investigado. Na eventualidade de que haja discordância (com desvio, portanto, do princípio da identidade ou da congruência), é indispensável que se comunique o magistrado para que o mesmo delibere a respeito.

A principal discussão sobre a serendipidade (encontro fortuito) é sobre a validade da prova, pois há divergências se o meio probatório conquistado com a interceptação telefônica vale também para os fatos ou pessoas encontradas fortuitamente.

No presente julgado, o relator do writ , Ministro Jorge Mussi, destacou que todas as provas colhidas contra o paciente advieram de práticas legalmente autorizadas pelo juiz competente, pelo que, não havia qualquer constrangimento ilegal a ser remediado pelo Tribunal da Cidadania.

*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog . Siga-me no Twitter . Encontre-me no Facebook .

Autor: Luiz Flávio Gomes