Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia

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Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia

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Concesso de Uso Especial para fins de MoradiaO art. 183, da vigente Constituio, instituiu o usucapio especial de imvel urbano, conferindo quele que possuir como seu, por cinco anos ininterruptos e sem oposio, imvel de at duzentos e cinquenta metros quadrados, para sua moradia ou de sua famlia, o direito de adquirir o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural. Trata-se de relevante instrumento de poltica urbana, regulado pela Lei n 10.257, de 10/7/2001 o Estatuto da Cidade.Esse diploma, porm, direcionou o usucapio especial para imveis urbanos depropriedade privada. Como os imveis pblicos no so suscetveis de ser adquiridos por usucapio, conforme averba o art. 183, 3, da CF, sentiu-se a necessidade de adotar para eles outro instrumento que guardasse similitude com aquele instituto, sempre tendo em mira atender s necessidades reclamadas pela poltica urbana. Foi ento instituda aconcesso de uso especial para fins de moradia, disciplinada pela Medida Provisria n 2.220, de 4/9/2001.[3369]Sendo instrumento recente, vale a pena alinhavar sucintamente algumas observaes sobre seu regime jurdico.Antes, porm, cumpre salientar que ambos os instrumentos tm como ncleo central odireito moradia, sem dvida um dos direitos fundamentais dos indivduos. Desse modo, pode dizer-se que odireito propriedade, no usucapio, e odireito ao uso de imvel pblico, na concesso de uso especial, retratamdireitos-meiopara o exerccio dodireito-fim este o direito moradia, verdadeiro pano de fundo daqueles outros direitos. Esse aspecto no deve ser esquecido na medida em que o Estatuto da Cidade inclui o direito moradia como um dos fatores que marcam ascidades sustentveis.[3370]Constitui, pois, uma das diretrizes de poltica urbana, de modo que outros instrumentos devem ser institudos para tal desiderato poltica urbana.[3371]Ospressupostosda concesso de uso especial para fins de moradia so bem semelhantes aos do usucapio especial urbano:a) posse por cinco anos at 30 de junho de 2001;b) posse ininterrupta e pacfica (sem oposio);c) imvel urbano pblico de at duzentos e cinquenta metros quadrados;d) uso do terreno para fins de moradia do possuidor ou de sua famlia; ee) no ter o possuidor a propriedade de outro imvel urbano ou rural (art. 1).A distino entre a concesso de uso especial para fins de moradia e o usucapio especial urbano, quanto aos pressupostos, reside em dois pontos: 1) nesta o objeto imvel privado, ao passo que naquela imvel pblico (federal, estadual, distrital ou municipal, desde que regular a ocupao, como reza o art. 3); 2) na concesso s se conferiu o direito ao possuidor se os pressupostos foram atendidos at 30 de junho de 2001, ao passo que no usucapio no foi previsto termo final para a aquisio do direito. Significa que, se o indivduo, naquela data, tinha a posse do imvel pblico por quatro anos, por exemplo, no adquirir o direito concesso de uso especial.Na esfera federal, a concesso de uso especial para fins de moradia aplica-se s reas de propriedade da Unio, alcanando, inclusive, os terrenos de marinha e acrescidos, desde que, obviamente, os ocupantes preencham os requisitos estabelecidos na MP n 2.220/2001. A lei, todavia, veda a incidncia do instituto sobre imveis funcionais, o que, porm, no impede, como j vimos, sejam utilizados por fora de outros institutos jurdicos.[3372]Por outro lado, no h para o ocupante direito subjetivo concesso em foco relativa ocupao de imveis sob administrao do Ministrio da Defesa ou dos Comandos da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica; tais imveis so considerados deinteresse da defesa nacional, o que permite que a Administrao transfira a concesso para outra rea (art. 5, III, do Estatuto da Cidade).[3373]A legislao era omissa a respeito danatureza do direitooriundo da concesso sob exame, muito embora sua fisionomia fosse a dedireito real, como sustentamos em edies anteriores.Atualmente, a concesso de uso especial para fins de moradia est expressamente mencionada na relao dos direitos reais contida no Cdigo Civil (art. 1.225, XI, com a alterao da Lei n 11.481, de 31.05.2007). Por outro lado, o direito passou a estar entre aqueles que podem ser objeto dehipoteca, como registra o art. 1.473, VIII, do Cdigo Civil.[3374]Ademais, o direito de uso especial para fins de moradia tem idoneidade para figurar como objeto dealienao fiduciria, podendo, portanto, o devedor transferi-lo, de forma resolvel, ao credor como instrumento de garantia contratual.[3375]Alm disso, o ttulo da concesso, seja ele formalizado por termo administrativo, seja por sentena judicial, reclama registro no Cartrio do Registro de Imveis.[3376]Devidamente regularizada, a concesso pode ser objeto de garantia real, cominando-se aos agentes financeiros do sistema financeiro da habitao a obrigao de aceit-la.[3377]A concesso em foco, porm, distingue-se da concesso de direito real de uso prevista no Decr.-Lei 271/67 pela circunstncia de que ela conferida para afinalidade exclusiva de moradia, o que no ocorre nesta ltima, em que h outras finalidades do uso, como visto anteriormente.Outro aspecto que nos parece relevante no tema diz respeito natureza jurdica do instituto no que concerne forma jurdica de que se reveste. Ao exame do regime jurdico desse tipo de concesses, que tem lineamentos singulares, est claro que o legislador atribuiu Administraoatividade vinculadapara o fim de reconhecer ao ocupante odireito subjetivo concesso para moradia, desde que cumpridos os requisitos legais. Quer dizer: cumprido o suporte ftico do direito pelo ocupante, outra conduta no se espera da Administrao seno a de outorgar a concesso. A lei no lhe outorgou qualquer margem de liberdade para decidir sobre a outorga ou no da concesso. Ora, justamente por isso que a concesso de uso especial para fins de moradia s pode ostentar a natureza jurdica deato administrativo vinculado, e no de contrato administrativo, como poderia parecer primeira vista em razo do que sucede nas demais formas de concesso.H mais de uma razo para tal fisionomia.Primeiramente, inexiste qualquer tipo de negcio jurdico bilateral que ao menos denuncie a celebrao de contrato. Depois, no h como se admitir contrato administrativo em que a Administrao seja obrigada celebrao. Note-se que a hiptese no a mesma que ocorre nos contratos administrativos, em que o vencedor da licitao, sendo esta homologada, tem direito subjetivo ao contrato (arts. 49 e 50 da Lei n 8.666/93). Mesmo quando tal ocorre, possvel, diante de razes de interesse pblico, que a Administrao no firme o contrato, embora deva arcar com as consequncias pecunirias. No o que acontece com a concesso em foco: preenchidos os requisitos pelo ocupante, tem ele direito subjetivo concesso. Se a Administrao opuser algum interesse pblico incontornvel para a outorga, ter que indenizar integralmente o concessionrio, como o faria se o caso fosse de desapropriao.Por ltimo, essa modalidade de concesso tem o mesmo suporte jurdico bsico do usucapio especial de imvel urbano para fins de moradia, instituto que, obviamente, est distante de qualquer concepo contratual. Em suma, se o instituto tem linhas especficas e regime jurdico prprio, o que deve prevalecer o seu contedo, e no a denominao, que pode conduzir a uma errnea perspectiva.Pode-se, pois, considerar, para concluir, que anatureza jurdicada concesso de uso especial para fins de moradia a deato administrativo vinculado, de outorga de direito real de uso em imvel pblico, para fins de moradia do possuidor ou de sua famlia.Para evitar o desvio de finalidade do instituto, o direito concesso de uso especial para fins de moradia s ser reconhecido uma vez ao mesmo possuidor. A concesso ser gratuita e poder ser outorgada ao homem ou mulher, ou a ambos, sendo irrelevante o estado civil dos interessados. No caso de morte do possuidor, o herdeiro legtimo continua a posse do antecessor, desde que j resida no imvel ao tempo da abertura da sucesso.[3378]Sem esta condio, no haver continuidade e, em consequncia, invivel ser a outorga da concesso.Aformalizaoda concesso para moradia pode efetivar-se portermo administrativo, quando o pedido for atendido na via administrativa, sem a formao de litgio, ou porsentena judicial, quando, denegado o pedido ou omissa a Administrao em apreci-lo, o ocupante formular seu pedido em juzo.[3379]Qualquer desses ttulos ser suscetvel de registro no Cartrio do Registro Imobilirio. Se se tratar de imvel da Unio ou dos Estados, o interessado deve instruir o pedido de concesso com certido do rgo municipal competente, na qual seja certificado que o imvel se localiza em rea urbana e que se destina realmente moradia do ocupante ou de sua famlia.[3380]Em alguns casos, o legislador admite que o possuidor possa obter a concesso em outro local. Um desses casos pressupe que o local da ocupao provoque risco vida ou sade dos possuidores; se tal suceder, fica garantido aos ocupantes odireito subjetivo concesso em local diverso (art. 4). A Administrao, portanto, tambm aqui estvinculada outorga desse direito, no tendo qualquer margem de decidir de forma diversa.[3381]Em outros, no entanto, o legislador conferiu ao Poder Pblico afaculdadede transferir o local da ocupao, rendendo ensejo, assim, a atuaodiscricionriapor parte dos rgos administrativos. o que ocorre quando a ocupao se processa em imvel:a) de uso comum do povo;b) situado em via de comunicao;c) destinado a projeto de urbanizao;d) adequado construo de represas e obras congneres; ee) de interesse da preservao ambiental, da proteo dos ecossistemas naturais ou da defesa nacional.[3382]A concesso de uso especial para fins de moradia pode extinguir-se de duas maneiras: 1) quando houver desvio de finalidade, ou seja, quando o concessionrio der ao imvel outro fim que no o de moradia para si ou para sua famlia; 2) no caso de o concessionrio adquirir a propriedade de outro imvel urbano ou rural.[3383]Extinta a concesso, dever averbar-se o fato no Cartrio do Registro de Imveis por meio de declarao da Administrao que outorgou a concesso, a fim de produzir efeitoserga omnes.O legislador, ainda, curvando-se a exigncias urbansticas inafastveis, instituiu a concessocoletivade uso especial para fins de moradia (art. 2), semelhana do usucapio especial coletivo de imvel urbano particular, disciplinado pela Lei n 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Outorgar-se- a concesso coletiva para moradia quando, em imvel pblico urbano com rea superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, haja ocupao por populao de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposio, no sendo possvel identificar os terrenos ocupados por possuidor. Aqui tambm h a exigncia de que o possuidor no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural.Na concesso coletiva, a cada concessionrio ser atribuda igual frao ideal do terreno, e isso sem levar em conta a dimenso do terreno que cada possuidor ocupe. Ressalva-se apenas a celebrao de acordo entre os ocupantes, no qual pode ser pactuada a atribuio de fraes ideais diferenciadas. A frao ideal outorgada a cada possuidor no poder exceder a duzentos e cinquenta metros quadrados.[3384]Sem dvida singular, e at mesmo se afigura esdrxulo, que a concesso seja outorgada para incidir sobre uma frao ideal do terreno. Entretanto, deve considerar-se que o instituto tem carter urbanstico e visa a regularizar a situao imobiliria de infinito nmero de pessoas, integrantes do que a lei denominou de populao de baixa renda. Alm disso, procurou o legislador assemelhar esse tipo de concesso ao usucapio especial de imvel urbano privado, figura em que, pela formao de condomnio, o domnio de frao ideal de terreno no acarreta qualquer estranheza. Por fim, preciso aceitar que a ordem urbanstica est mesmo a reclamar medidas jurdicas novas, ainda mais quando se cuida de garantir o bem-estar, a segurana e a comodidade das populaes.