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CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS: ELEMENTOS PARA A DETERMINAÇÃO DE SUA GÊNESE Profa. Alcina Maria Testa Braz da Silvaª [ [email protected] , [email protected] ] ªUniversidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO RESUMO A discussão sobre concepções alternativas e mudança conceitual preocupa-se com a necessidade de produzir a aprendizagem do estudante, ou seja, o imperativo prático do ensinar, deixando de lado as origens desses conceitos preexistentes. As tendências dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o significado tanto de transformação, quanto de substituição das concepções prévias . Essas significações conduzem em direção as estratégias diversas no sentido de auxiliar o estudante em seu processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos epistemológicos de cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os conhecimentos informais ou espontâneos e os formais ou científicos. Este trabalho é uma critica da base epistemológica que sustenta tais tendências, a partir das contribuições da Sociologia do Conhecimento Científico (SSK), da Epistemologia Genética e da Teoria das Representações Sociais INTRODUÇÃO As tendências dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o significado tanto de transformação, quanto de substituição das concepções prévias . Essas significações conduzem em direção a estratégias diversas no sentido de auxiliar o estudante em seu processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos epistemológicos de cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os conhecimentos informais ou espontâneos e os formais ou científicos. Em relação a essa discussão podemos dizer que os estudiosos que se apóiam na epistemologia rupturista tendem a propor a substituição do conhecimento espontâneo do

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CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DOS CONHECIMENTOS

CIENTÍFICOS: ELEMENTOS PARA A DETERMINAÇÃO DE SUA

GÊNESE

Profa. Alcina Maria Testa Braz da Silvaª [[email protected],

[email protected]]

ªUniversidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO

RESUMO

A discussão sobre concepções alternativas e mudança conceitual preocupa-se com a

necessidade de produzir a aprendizagem do estudante, ou seja, o imperativo prático do

ensinar, deixando de lado as origens desses conceitos preexistentes. As tendências

dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o significado tanto de

transformação, quanto de substituição das concepções prévias. Essas significações

conduzem em direção as estratégias diversas no sentido de auxiliar o estudante em seu

processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos epistemológicos de

cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os conhecimentos

informais ou espontâneos e os formais ou científicos. Este trabalho é uma critica da base

epistemológica que sustenta tais tendências, a partir das contribuições da Sociologia do

Conhecimento Científico (SSK), da Epistemologia Genética e da Teoria das

Representações Sociais

INTRODUÇÃO

As tendências dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o

significado tanto de transformação, quanto de substituição das concepções prévias. Essas

significações conduzem em direção a estratégias diversas no sentido de auxiliar o

estudante em seu processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos

epistemológicos de cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os

conhecimentos informais ou espontâneos e os formais ou científicos.

Em relação a essa discussão podemos dizer que os estudiosos que se apóiam na

epistemologia rupturista tendem a propor a substituição do conhecimento espontâneo do

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estudante pelo conhecimento científico, tratando como central as questões referentes às

concepções resistentes que devem ser confrontadas de maneira a se promover mudança

por substituição das idéias alternativas (Posner e cols., 1982a, 1982b, 1992; Hewson e

Hewson, 1983, 1988).

Em contraposição a esta estratégia erguem-se aqueles que defendem uma

epistemologia construtiva (diSessa, 1982, 1983, 1985, 1988, 1993 e Smith e cols., 1993),

baseada no refinamento e na reorganização do conhecimento de maneira a fornecer “um

referencial teórico para a compreensão das concepções alternativas, tanto as errôneas

quanto as produtivas” (Smith e cols., 1993, p. 115). Esses autores sustentam que as

proposições apresentadas como de domínio comum na pesquisa em concepções

alternativas são, em sua maioria, inconsistentes com uma posição construtiva, visto que,

por um lado, assumem a existência de concepções prévias e, por outro, a partir delas,

nada constroem, pelo contrário, rejeitam-nas em substituição ao novo conhecimento. Essa

crítica torna-se mais abrangente ao se considerar que “a maioria das pesquisas [sobre

concepções espontâneas e mudança conceitual] se apropria de conceitos da Filosofia da

ciência ou das teorias cognitivas, mas raramente possibilitam um aprofundamento da

relação entre os trabalhos realizados e as teorias” (Gomes, 1996, p. 34).

Este trabalho é uma critica da base epistemológica que sustenta tais tendências, a

partir das contribuições da Sociologia do Conhecimento Científico (SSK), da

Epistemologia Genética e da Teoria das Representações Sociais

QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

Em diversas situações, a validade dos avanços científicos, seja do ponto de vista

prático ou filosófico, vem sendo colocada em questão. Entretanto, da mesma forma,

muitas vezes acredita-se firmemente que o conhecimento cientifico é exato, neutro, e

mais benéfico para a humanidade. Tais concepções da Ciência nada têm de construtivo,

uma apresenta-se demolidora e a outra acrítica. A primeira posição peca por ser pouco

fundamentada enquanto que a segunda já não se justifica, em nossa época, pela

ingenuidade. Permeando estas duas posições, maniqueístas e aparentemente antagônicas,

existe o percurso histórico do conhecimento cientifico

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Aliada a tecnologia, a ciência tem levado o homem à construção de um mundo

contraditório, sendo ele próprio (homem) o criador das diversas formas simbólicas de

cultura (linguagem, religião, arte), entre elas a própria Ciência. Por intermédio dessas

formas simbólicas o homem interage com o mundo, mas também representa as imagens

que estas formas lhe transmitem do mundo. Portanto, por ser uma construção humana,

uma forma simbólica criada pelo homem, contém as contradições inerentes a este. Esse

movimento imbricado leva a muitos questionamentos.

Segundo Portocarrero (1994) compreender a constituição ética e social da

ciência é necessário, seja para desmistificar a sua pretensa neutralidade, seja para

enfatizar sua responsabilidade política, considerando seu potencial enquanto forma de

poder, sobretudo em sua articulação com a alta tecnologia.

Do um ponto de vista epistemológico, o desenvolvimento histórico das ciências

permite afirmar que as ciências encontram-se em constante progresso, de maneira que

nenhum setor, por mais limitado que seja, pode ser considerado “como definitivamente

estabelecido sobre as suas bases e protegido de qualquer modificação posterior” (Piaget e

Garcia, 1987, p.22). Isto não significa dizer que esse progresso seja apenas de natureza

contínua e também não implica o predomínio de descontinuidades ou cortes

epistemológicos, “ambos intervêm em todo o desenvolvimento” (locus cit. supra). A não

linearidade reside justamente nessa dupla intervenção.

A perspectiva construtivista, no âmbito da Sociologia do Conhecimento

científico, não entra em choque, portanto, com essa discussão, uma vez que assume a

legitimação dos conhecimentos científicos segundo a construção social e histórica

(Portocarrero, 1994). Além disso, não sendo as ciências sistemas fechados em si próprios,

nem blocos herméticos de informações acabadas, mas campos teóricos e de pesquisa

merecedores do “status” de produzir conhecimento confiável que busque investigar as

relações existentes entre os fenômenos, torna-se importante examinar as concepções que

são construídas e apreendidas na rede de significações dos indivíduos, em particular, em

situações que envolvam ensino-aprendizagem.

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Os pólos de oscilação epistemológica

Posner e cols. (1982a, 1982b, 1992), expoentes da corrente rupturista, admitem

em sua discussão sobre a mudança conceitual, dois tipos de mudança: a assimilação ou

captura conceitual, na qual o conceito novo não sendo incompatível com os conceitos

prévios do estudante é incorporado ao seu sistema conceitual pré existente (ecologia

conceitual); acomodação ou troca conceitual, caracterizada pela incompatibilidade entre

conceitos prévios e novos, gerando um conflito conceitual que tem como solução a

substituição do conceito prévio antagônico - modelo PSHG. Porém, apesar dos autores se

referirem aos dois tipos de mudança, a assimilação é tratada de maneira discreta,

provavelmente para evitar o impasse que se chegaria ao se discutir a questão da

coexistência entre conceitos prévios e novos, situação essa encaminhada pela própria

classificação dos autores e pelos pressupostos históricos filosóficos assumidos.

Os primeiros artigos (Posner e cols., 1982a, 1982b) expõem os fundamentos

teóricos do modelo, defendendo a posição de que a aprendizagem é o resultado da

interação entre o que é ensinado ao estudante e suas idéias preexistentes ou conceitos

prévios acerca de um determinado assunto. Tal processo de interação é centrado no

conteúdo dessas idéias e supõe que os novos conceitos são incompatíveis com os antigos.

O referencial teórico fundamenta-se nas idéias da Filosofia da ciência desenvolvidas por

autores como Lakatos (1970, 1976, 1977), Toulmim (1972) e Kuhn (1970, 1972, 1977),

conforme a bibliografia citada por Posner e cols. (1982a, 1982b), partindo do pressuposto

que existe uma analogia entre as mudanças que ocorrem nas concepções alternativas do

estudante e aquelas produzidas pela comunidade científica - mudanças de paradigma

(Kuhn, 1975), por exemplo.

Os autores distinguem duas fases na aprendizagem dos conceitos científicos: a

assimilação e a acomodação, deixando claro que esses conceitos não possuem relação

com o referencial piagetiano. Assimilação ou captura conceitual relaciona-se com a

incorporação de conceitos prévios do estudante na resolução de uma situação nova,

assumindo portanto uma conciliação entre ambos. Esta fase relaciona-se com o que Kunh

denominou ciência normal. Acomodação ou troca conceitual ocorre quando esses

conceitos se mostram insuficientes para lidar com uma situação nova, sendo preciso

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substituí-los. Esta fase seria equivalente ao que Kuhn chamou de ciência revolucionária .

A fase da acomodação se refere a mudança conceitual propriamente dita e corresponde à

base de construção do modelo PSHG.

Entretanto, no que se refere à mudança por acomodação, uma investigação

epistêmica do processo é negligenciada. A analogia com a visão das mudanças de

paradigmas de Kuhn ou mudança de programa de pesquisa de Lakatos ocorridas ao

longo da história do desenvolvimento das ciências é tomada como suporte para explicar a

substituição das concepções prévias. Porém, as limitações e implicações das teorias

utilizadas não constituem preocupação de análise. O resultado é uma fragilização do

modelo proposto, que fica suscetível às críticas que o caracterizam como incoerente

quanto à apropriação de seus fundamentos teóricos. Gewanderznadjer (1995) ao se

propor a fazer uma análise filosófica do modelo PSHG conclui que “a partir das críticas a

Kuhn e à Nova Filosofia da Ciência, feitas pelo racionalismo crítico e pelos filósofos que

defendem as idéias de objetividade, verdade e avaliação de teorias, é possível mostrar que

o modelo PSHG não esclarece devidamente as condições de acomodação; é incoerente

com as idéias de Kuhn e outros filósofos e que as idéias utilizadas não são adequadas

para promover uma mudança conceitual em bases racionais, como é pretensão do

modelo.” (p. 215).

A ruptura entre os conhecimentos de senso comum e científico - pressuposto

dessas abordagens filosóficas - permanece no vazio de toda a discussão e a ênfase em

uma perspectiva construtiva, entendida como baseada em uma atitude ativa do estudante

na construção do seu aprendizado, acaba por obstruir a visão dos verdadeiros alicerces

epistemológicos do modelo: a ruptura das estruturas e da função cognitiva. O que acaba

ficando em evidência no modelo PSHG são, portanto, as mudanças de conteúdo.

O desenvolvimento ou reorganização conceitual, como é assumido o significado

da mudança conceitual para aqueles que defendem a continuidade entre os

conhecimentos intuitivo e científico, tem em diSessa e cols. seu principal articulador. O

caminho teórico seguido nesses trabalhos não se apóia explicitamente em algum

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referencial específico. Entretanto, o referencial implícito parece ser o da Epistemologia

Genética1.

Os diversos trabalhos de diSessa e cols. têm por premissa que as concepções

prévias devem ser compreendidas como parte ativa de um processo de desenvolvimento

cognitivo/conceitual. Desta maneira, as concepções prévias podem ser tomadas como

ponto de partida para a construção de novos conhecimentos. Assim sendo, o papel do

indivíduo/estudante é o de construtor de seus conhecimentos a partir de seus interesses,

que o conduz à ação no sentido de tomar para si um dado objeto . Este, o objeto, não é, de

fato, puro, ou seja, é sempre o resultado de alguma interpretação do sujeito. Esta maneira

de ver é coerente com a Epistemologia Genética que considera que o objeto é apreendido

por meio de alguma estrutura cognitiva constituída pelo sujeito a partir de seus interesses

e necessidades.(Piaget, 1975).

Na proposta de diSessa e cols. a construção do conhecimento sustenta-se nas

idéias de contexto e fontes produtivas que remetem às noções de primitivos

fenomenológicos - estruturas elementares obtidas por abstrações simples - e

conhecimento em pedaços - expressão do relacionamento estabelecido entre essas

estruturas. A partir desse sistema caracteriza-se a física de senso comum como um

conjunto de elementos intuitivos que, em função do contexto onde são requeridos,

representam valiosas fontes para se chegar ao entendimento científico ou são

abandonados sem serem substituídos conforme a especificidade da situação. Esse

processo funciona como uma gradual reorganização das idéias prévias, na qual os

mecanismos cognitivos não são alterados mas mudanças estruturais ocorrem.

Do ponto de vista da Epistemologia Genética o desenvolvimento conceitual é

função de uma transformação constante das estruturas cognitivas sendo porém garantida

a invariância funcional - a função cognitiva se processa da mesma maneira seja na

1 Coordenando a História crítica das ciências, a Psicologia Genética e a formalização, Piaget instituiu seu programa de investigação, conhecido como Epistemologia Genética, no qual enfatiza justamente, com base nas ações práticas ou concretas dos sujeitos, mediadas pelo contexto ou pelas condições colocadas pelo meio, o desenvolvimento das ações mentais ou do pensamento, buscando responder inicialmente as perguntas postas ao empírico.

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criança ou no cientista - que caracteriza a auto-regulação2 em todos os níveis (Piaget,

1973). Essas mudanças estruturais implicam rupturas - novas estruturas mais adequadas -

que permitem a construção de modelos do real por meio da coordenação de pedaços de

estruturas (Piaget e Garcia, 1987a), enquanto que os instrumentos e mecanismos de

elaboração do conhecimento permanecem ativos, garantindo a continuidade da função

cognitiva (Piaget e Garcia, 1987b).

A influência do contexto, em particular, e o critério de escolhas mais adequadas

ao aproveitamento dos elementos cognitivos prévios, de um modo geral, consistem em

pontos proximais da teoria elaborada por diSessa e cols. (op. cit.) e a epistemologia

piagetiana: os significados apreendidos do objeto são postos em uma rede de

significações e estas são sempre contextuais.

Pontos de contato também podem ser encontrados quando se considera a

abordagem de Posner e cols. (op. cit.), ao se referir à ecologia conceitual do estudante

como uma tendência em direção uma epistemologia construtiva. A possibilidade de

articulação dos conceitos prévios com componentes tão diversos como conceitos formais

ou crenças, em diferentes níveis de ligação, enfraquece a determinação de que as

concepções errôneas precisariam ser removidas/substituídas por alguma estratégia

especial, caso da confrontação no modelo PSHG.

A polarização que se estabelece entre essas duas epistemologias: (a) a rupturista

que sustenta a necessidade de substituição dos conhecimentos prévios (Posner e cols.); e

(b) a construtiva que se apóia nos conhecimentos prévios para os refinar no sentido do

desenvolvimento conceitual (diSessa e cols.), não pode prescindir dessa apreciação

crítica, que considera tanto a discussão conduzida pela Sociologia do Conhecimento

Científico quanto a Epistemologia Genética. Entretanto, é necessário incluir nesta análise

a contribuição da Psicologia contemporânea, de maneira a se buscar entender porque a

mudança conceitual constitui uma explicação insuficiente para o que esta se propõe:

promover e explicar a aprendizagem das concepções científicas.

2 A auto-regulação é entendida da seguinte forma: todo o organismo é auto regulado, ou se faz pela auto regulação enquanto atividade fundamental, isto é, nenhum organismo vive isolado do meio e caracteriza-se pelas formas com as quais interage com esse meio. (Piaget, 1973, Cap. I, p. 9-50).

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DESENVOLVIMENTO

Toda a discussão relativa às concepções alternativas e mudança conceitual

acaba por preocupar-se mais com a necessidade de produzir a aprendizagem do

estudante, ou seja, o imperativo prático do ensinar, do que com as nuanças envolvidas no

processo de ensino-aprendizagem: a começar pela discussão sobre as origens desses

conceitos preexistentes, cuja pesquisa, segundo Smith e cols. (1993), não constitui

“matéria de ocupação no âmbito de um problema educacional” (p. 152), até a posição que

se refere a pouca importância dada a forma como os indivíduos, através dessas intuições,

interagem com o mundo buscando dar-lhe sentido (Hewson, 1981).

Outro aspecto que caracteriza a maior parte dessas pesquisas diz respeito a

ênfase no conteúdo ou no contexto de aplicação, ambos considerados em relação ao

conhecimento prévio do estudante, enquanto que o contexto social e afetivo onde se

desenvolvem as interações educativas e a possibilidade de que concepções pré-científicas

sejam mantidas por outros atores sociais envolvidos no processo não consistem em

parâmetros contemplados.

Representam os limites de avanço dessa discussão a referência de Posner e

colaboradores ao considerarem que os conceitos científicos e alternativos constituem um

locus que denominam ecologia conceitual, expressando assim a necessidade de se

compreender o contexto social das produções cognitivas. A ecologia conceitual se

apresenta como um conjunto que possui a abrangência de incluir uma série de fatores,

tais como “motivos e objetivos e fontes institucionais e sociais” (Posner e cols., 1992, p.

148), os quais podem gerar mudanças conceituais em qualquer direção. Alia-se a isto o

paralelismo entre as mudanças paradigmáticas que se passam nas ciências e as

conceituais que ocorrem nos indivíduos. O enfoque de diSessa e cols. (1988, 1993) e

Smith e cols. (1993) também acena nesse sentido, ao considerar que o conhecimento

intuitivo encontra-se presente no raciocínio do especialista, possibilitando uma transição

suave dos elementos intuitivos que vão se refinando em direção ao conhecimento

científico.

O erro, enquanto algo inerente ao se definir o campo de estudos das concepções

alternativas, mais apropriadamente denominadas de misconceptions, para ressaltar esse

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cunho errôneo (Smith e cols., 1993), também consiste em um ponto comum a maioria dos

trabalhos levantados na literatura e, ao mesmo tempo, polêmico. Essa polêmica fica por

conta da abordagem traçada por diSessa e cols. (1982, 1983, 1985, 1988, 1993) e Smith e

cols. (1993). Estes pesquisadores argumentam em favor de uma reconceitualização

construtiva na qual as “concepções que guiam a conclusões erradas em um contexto

podem ser bastante úteis em outros” (Smith e cols., 1993, p. 152). Essas concepções

funcionariam como fontes, ou pontos de partida para se atingir um estado de

conhecimento mais avançado. A procura do contexto apropriado no qual as idéias prévias

do estudante desempenhem papéis produtivos não invalida, de todo, o seu caráter

errôneo, apenas o minimiza, visto que o condiciona ao contexto de aplicação, ou seja,

“avaliações do valor das concepções dos novatos devem ser indexadas a contextos

específicos de aplicação, porque simples deslocamentos na aplicação do contexto podem

transformar respostas erradas em idéias produtivas” (idem, p. 153).

Outra questão que provoca controvérsias relaciona-se com a resistência das

misconceptions frente às concepções corretas que devem ser aprendidas. Essa resistência,

tomada como uma das características fundamentais desses conceitos prévios, tem sua

relevância explicada em função da auto-consistência do esquema intuitivo (Viennot,

1979), ou pelo fato de que tais intuições servem para lidar com situações cotidianas de

forma considerada satisfatória pelo indivíduo (Driver e Erickson, 1983), ou ainda pelos

liames que estas mantêm com outros componentes da ecologia conceitual do estudante

que lhes garantem plausibilidade e inteligibilidade (Posner e cols., 1992).

diSessa e cols. discordam dessas caracterizações afirmando que nem todas as

misconceptions são resistentes e estáveis em relação à mudança. Além disso, elas muitas

vezes persistem, reaparecendo após terem sido supostamente modificadas. Suas

afirmações têm por base o mesmo suporte que norteou toda a sua perspectiva teórica: o

conhecimento prévio e o conhecimento do especialista possuem características comuns

que estabelecem uma continuidade entre ambos e permitem tratar esses elementos

intuitivos como extensões para além de um limite de aplicabilidade produtivo, os quais

podem ser refinados ou reorganizados em contextos próprios para se alcançar à

aprendizagem científica. Entretanto, os mesmos autores admitem que em algumas

situações a resistência de tais concepções pode ser justificada, nos casos em que estas

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possuam fortes e abrangentes suportes experimentais, ou na ausência de alternativas

plausíveis, ou ainda quando estas fazem parte de sistemas conceituais cuja utilidade e

amplitude dos elementos constituintes não se encontram imediatamente evidenciadas,

assumindo que entender a resistência de uma concepção particular depende “da

caracterização do sistema de conhecimento que envolve aquele elemento” (Smith e cols.,

1993, p. 152).

A ressalva colocada pelos autores abre possibilidades para se retornar a um dos

pontos nucleadores de toda discussão: as fontes de resistência e/ou de persistência das

concepções alternativas.

CONCLUSÕES

As pesquisas relativas a esse assunto tratam o problema da permanência dessas

concepções de forma individual, ou seja, procuram explicações centradas no próprio

indivíduo através das propriedades de seu raciocínio intuitivo ou da função que este

raciocínio desempenha ao lidar com o meio em que este interage. Mesmo no caso em que

se vincula fatores externos, tais como aqueles aventados por Smith e cols. (1993),

referentes a forte sustentação experimental ou a falta de concepções plausíveis, o que se

percebe são justificavas voltadas para a esfera do próprio conhecimento científico.

Entretanto a necessidade, enfatizada pelos autores, de se tratar essas idéias prévias como

elementos de um sistema mais complexo de conhecimento permite apresentar as

seguintes questões: (i) O seria este sistema? (ii) Qual o seu domínio?.

As respostas podem ser procuradas em um enfoque novo de investigação,

conduzido pelos estudos da Teoria das representações sociais (Moscovici, 1978,

1981,1984, 1986, 1988), na qual as concepções prévias passam a serem compreendidas

como parte de um processo socialmente construído. Os atores sociais - indivíduo ou

grupo, no caso tanto estudantes quanto professores - constituem suas representações de

um determinado objeto de interesse a partir de suas práticas sociais. Essas representações

são produzidas com vistas a fazer frente a uma teoria ou um conceito com qual

interagem. No processo de ensino/aprendizagem, os atores sociais estabelecem um

relacionamento de simbolização/interpretação ou representação do objeto conhecimento

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ensinado/ensinável. Essas representações tomam o lugar do objeto conferindo-lhe

significações. Dessa maneira, o novo conceito é assimilado a uma rede anterior de

significações que lhe dá sentido. Esse sentido encontra-se tanto na origem quanto na

permanência dessas concepções/representações determinando o próprio processo

pedagógico.

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