Concepcoesalternativasdo.trabalho
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CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS DOS CONHECIMENTOS
CIENTÍFICOS: ELEMENTOS PARA A DETERMINAÇÃO DE SUA
GÊNESE
Profa. Alcina Maria Testa Braz da Silvaª [[email protected],
ªUniversidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO
RESUMO
A discussão sobre concepções alternativas e mudança conceitual preocupa-se com a
necessidade de produzir a aprendizagem do estudante, ou seja, o imperativo prático do
ensinar, deixando de lado as origens desses conceitos preexistentes. As tendências
dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o significado tanto de
transformação, quanto de substituição das concepções prévias. Essas significações
conduzem em direção as estratégias diversas no sentido de auxiliar o estudante em seu
processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos epistemológicos de
cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os conhecimentos
informais ou espontâneos e os formais ou científicos. Este trabalho é uma critica da base
epistemológica que sustenta tais tendências, a partir das contribuições da Sociologia do
Conhecimento Científico (SSK), da Epistemologia Genética e da Teoria das
Representações Sociais
INTRODUÇÃO
As tendências dominantes na literatura dão à expressão mudança conceitual o
significado tanto de transformação, quanto de substituição das concepções prévias. Essas
significações conduzem em direção a estratégias diversas no sentido de auxiliar o
estudante em seu processo de aquisição dos conhecimentos científicos. Os pressupostos
epistemológicos de cada pólo da oscilação envolvem continuidade ou ruptura entre os
conhecimentos informais ou espontâneos e os formais ou científicos.
Em relação a essa discussão podemos dizer que os estudiosos que se apóiam na
epistemologia rupturista tendem a propor a substituição do conhecimento espontâneo do
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estudante pelo conhecimento científico, tratando como central as questões referentes às
concepções resistentes que devem ser confrontadas de maneira a se promover mudança
por substituição das idéias alternativas (Posner e cols., 1982a, 1982b, 1992; Hewson e
Hewson, 1983, 1988).
Em contraposição a esta estratégia erguem-se aqueles que defendem uma
epistemologia construtiva (diSessa, 1982, 1983, 1985, 1988, 1993 e Smith e cols., 1993),
baseada no refinamento e na reorganização do conhecimento de maneira a fornecer “um
referencial teórico para a compreensão das concepções alternativas, tanto as errôneas
quanto as produtivas” (Smith e cols., 1993, p. 115). Esses autores sustentam que as
proposições apresentadas como de domínio comum na pesquisa em concepções
alternativas são, em sua maioria, inconsistentes com uma posição construtiva, visto que,
por um lado, assumem a existência de concepções prévias e, por outro, a partir delas,
nada constroem, pelo contrário, rejeitam-nas em substituição ao novo conhecimento. Essa
crítica torna-se mais abrangente ao se considerar que “a maioria das pesquisas [sobre
concepções espontâneas e mudança conceitual] se apropria de conceitos da Filosofia da
ciência ou das teorias cognitivas, mas raramente possibilitam um aprofundamento da
relação entre os trabalhos realizados e as teorias” (Gomes, 1996, p. 34).
Este trabalho é uma critica da base epistemológica que sustenta tais tendências, a
partir das contribuições da Sociologia do Conhecimento Científico (SSK), da
Epistemologia Genética e da Teoria das Representações Sociais
QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
Em diversas situações, a validade dos avanços científicos, seja do ponto de vista
prático ou filosófico, vem sendo colocada em questão. Entretanto, da mesma forma,
muitas vezes acredita-se firmemente que o conhecimento cientifico é exato, neutro, e
mais benéfico para a humanidade. Tais concepções da Ciência nada têm de construtivo,
uma apresenta-se demolidora e a outra acrítica. A primeira posição peca por ser pouco
fundamentada enquanto que a segunda já não se justifica, em nossa época, pela
ingenuidade. Permeando estas duas posições, maniqueístas e aparentemente antagônicas,
existe o percurso histórico do conhecimento cientifico
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Aliada a tecnologia, a ciência tem levado o homem à construção de um mundo
contraditório, sendo ele próprio (homem) o criador das diversas formas simbólicas de
cultura (linguagem, religião, arte), entre elas a própria Ciência. Por intermédio dessas
formas simbólicas o homem interage com o mundo, mas também representa as imagens
que estas formas lhe transmitem do mundo. Portanto, por ser uma construção humana,
uma forma simbólica criada pelo homem, contém as contradições inerentes a este. Esse
movimento imbricado leva a muitos questionamentos.
Segundo Portocarrero (1994) compreender a constituição ética e social da
ciência é necessário, seja para desmistificar a sua pretensa neutralidade, seja para
enfatizar sua responsabilidade política, considerando seu potencial enquanto forma de
poder, sobretudo em sua articulação com a alta tecnologia.
Do um ponto de vista epistemológico, o desenvolvimento histórico das ciências
permite afirmar que as ciências encontram-se em constante progresso, de maneira que
nenhum setor, por mais limitado que seja, pode ser considerado “como definitivamente
estabelecido sobre as suas bases e protegido de qualquer modificação posterior” (Piaget e
Garcia, 1987, p.22). Isto não significa dizer que esse progresso seja apenas de natureza
contínua e também não implica o predomínio de descontinuidades ou cortes
epistemológicos, “ambos intervêm em todo o desenvolvimento” (locus cit. supra). A não
linearidade reside justamente nessa dupla intervenção.
A perspectiva construtivista, no âmbito da Sociologia do Conhecimento
científico, não entra em choque, portanto, com essa discussão, uma vez que assume a
legitimação dos conhecimentos científicos segundo a construção social e histórica
(Portocarrero, 1994). Além disso, não sendo as ciências sistemas fechados em si próprios,
nem blocos herméticos de informações acabadas, mas campos teóricos e de pesquisa
merecedores do “status” de produzir conhecimento confiável que busque investigar as
relações existentes entre os fenômenos, torna-se importante examinar as concepções que
são construídas e apreendidas na rede de significações dos indivíduos, em particular, em
situações que envolvam ensino-aprendizagem.
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Os pólos de oscilação epistemológica
Posner e cols. (1982a, 1982b, 1992), expoentes da corrente rupturista, admitem
em sua discussão sobre a mudança conceitual, dois tipos de mudança: a assimilação ou
captura conceitual, na qual o conceito novo não sendo incompatível com os conceitos
prévios do estudante é incorporado ao seu sistema conceitual pré existente (ecologia
conceitual); acomodação ou troca conceitual, caracterizada pela incompatibilidade entre
conceitos prévios e novos, gerando um conflito conceitual que tem como solução a
substituição do conceito prévio antagônico - modelo PSHG. Porém, apesar dos autores se
referirem aos dois tipos de mudança, a assimilação é tratada de maneira discreta,
provavelmente para evitar o impasse que se chegaria ao se discutir a questão da
coexistência entre conceitos prévios e novos, situação essa encaminhada pela própria
classificação dos autores e pelos pressupostos históricos filosóficos assumidos.
Os primeiros artigos (Posner e cols., 1982a, 1982b) expõem os fundamentos
teóricos do modelo, defendendo a posição de que a aprendizagem é o resultado da
interação entre o que é ensinado ao estudante e suas idéias preexistentes ou conceitos
prévios acerca de um determinado assunto. Tal processo de interação é centrado no
conteúdo dessas idéias e supõe que os novos conceitos são incompatíveis com os antigos.
O referencial teórico fundamenta-se nas idéias da Filosofia da ciência desenvolvidas por
autores como Lakatos (1970, 1976, 1977), Toulmim (1972) e Kuhn (1970, 1972, 1977),
conforme a bibliografia citada por Posner e cols. (1982a, 1982b), partindo do pressuposto
que existe uma analogia entre as mudanças que ocorrem nas concepções alternativas do
estudante e aquelas produzidas pela comunidade científica - mudanças de paradigma
(Kuhn, 1975), por exemplo.
Os autores distinguem duas fases na aprendizagem dos conceitos científicos: a
assimilação e a acomodação, deixando claro que esses conceitos não possuem relação
com o referencial piagetiano. Assimilação ou captura conceitual relaciona-se com a
incorporação de conceitos prévios do estudante na resolução de uma situação nova,
assumindo portanto uma conciliação entre ambos. Esta fase relaciona-se com o que Kunh
denominou ciência normal. Acomodação ou troca conceitual ocorre quando esses
conceitos se mostram insuficientes para lidar com uma situação nova, sendo preciso
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substituí-los. Esta fase seria equivalente ao que Kuhn chamou de ciência revolucionária .
A fase da acomodação se refere a mudança conceitual propriamente dita e corresponde à
base de construção do modelo PSHG.
Entretanto, no que se refere à mudança por acomodação, uma investigação
epistêmica do processo é negligenciada. A analogia com a visão das mudanças de
paradigmas de Kuhn ou mudança de programa de pesquisa de Lakatos ocorridas ao
longo da história do desenvolvimento das ciências é tomada como suporte para explicar a
substituição das concepções prévias. Porém, as limitações e implicações das teorias
utilizadas não constituem preocupação de análise. O resultado é uma fragilização do
modelo proposto, que fica suscetível às críticas que o caracterizam como incoerente
quanto à apropriação de seus fundamentos teóricos. Gewanderznadjer (1995) ao se
propor a fazer uma análise filosófica do modelo PSHG conclui que “a partir das críticas a
Kuhn e à Nova Filosofia da Ciência, feitas pelo racionalismo crítico e pelos filósofos que
defendem as idéias de objetividade, verdade e avaliação de teorias, é possível mostrar que
o modelo PSHG não esclarece devidamente as condições de acomodação; é incoerente
com as idéias de Kuhn e outros filósofos e que as idéias utilizadas não são adequadas
para promover uma mudança conceitual em bases racionais, como é pretensão do
modelo.” (p. 215).
A ruptura entre os conhecimentos de senso comum e científico - pressuposto
dessas abordagens filosóficas - permanece no vazio de toda a discussão e a ênfase em
uma perspectiva construtiva, entendida como baseada em uma atitude ativa do estudante
na construção do seu aprendizado, acaba por obstruir a visão dos verdadeiros alicerces
epistemológicos do modelo: a ruptura das estruturas e da função cognitiva. O que acaba
ficando em evidência no modelo PSHG são, portanto, as mudanças de conteúdo.
O desenvolvimento ou reorganização conceitual, como é assumido o significado
da mudança conceitual para aqueles que defendem a continuidade entre os
conhecimentos intuitivo e científico, tem em diSessa e cols. seu principal articulador. O
caminho teórico seguido nesses trabalhos não se apóia explicitamente em algum
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referencial específico. Entretanto, o referencial implícito parece ser o da Epistemologia
Genética1.
Os diversos trabalhos de diSessa e cols. têm por premissa que as concepções
prévias devem ser compreendidas como parte ativa de um processo de desenvolvimento
cognitivo/conceitual. Desta maneira, as concepções prévias podem ser tomadas como
ponto de partida para a construção de novos conhecimentos. Assim sendo, o papel do
indivíduo/estudante é o de construtor de seus conhecimentos a partir de seus interesses,
que o conduz à ação no sentido de tomar para si um dado objeto . Este, o objeto, não é, de
fato, puro, ou seja, é sempre o resultado de alguma interpretação do sujeito. Esta maneira
de ver é coerente com a Epistemologia Genética que considera que o objeto é apreendido
por meio de alguma estrutura cognitiva constituída pelo sujeito a partir de seus interesses
e necessidades.(Piaget, 1975).
Na proposta de diSessa e cols. a construção do conhecimento sustenta-se nas
idéias de contexto e fontes produtivas que remetem às noções de primitivos
fenomenológicos - estruturas elementares obtidas por abstrações simples - e
conhecimento em pedaços - expressão do relacionamento estabelecido entre essas
estruturas. A partir desse sistema caracteriza-se a física de senso comum como um
conjunto de elementos intuitivos que, em função do contexto onde são requeridos,
representam valiosas fontes para se chegar ao entendimento científico ou são
abandonados sem serem substituídos conforme a especificidade da situação. Esse
processo funciona como uma gradual reorganização das idéias prévias, na qual os
mecanismos cognitivos não são alterados mas mudanças estruturais ocorrem.
Do ponto de vista da Epistemologia Genética o desenvolvimento conceitual é
função de uma transformação constante das estruturas cognitivas sendo porém garantida
a invariância funcional - a função cognitiva se processa da mesma maneira seja na
1 Coordenando a História crítica das ciências, a Psicologia Genética e a formalização, Piaget instituiu seu programa de investigação, conhecido como Epistemologia Genética, no qual enfatiza justamente, com base nas ações práticas ou concretas dos sujeitos, mediadas pelo contexto ou pelas condições colocadas pelo meio, o desenvolvimento das ações mentais ou do pensamento, buscando responder inicialmente as perguntas postas ao empírico.
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criança ou no cientista - que caracteriza a auto-regulação2 em todos os níveis (Piaget,
1973). Essas mudanças estruturais implicam rupturas - novas estruturas mais adequadas -
que permitem a construção de modelos do real por meio da coordenação de pedaços de
estruturas (Piaget e Garcia, 1987a), enquanto que os instrumentos e mecanismos de
elaboração do conhecimento permanecem ativos, garantindo a continuidade da função
cognitiva (Piaget e Garcia, 1987b).
A influência do contexto, em particular, e o critério de escolhas mais adequadas
ao aproveitamento dos elementos cognitivos prévios, de um modo geral, consistem em
pontos proximais da teoria elaborada por diSessa e cols. (op. cit.) e a epistemologia
piagetiana: os significados apreendidos do objeto são postos em uma rede de
significações e estas são sempre contextuais.
Pontos de contato também podem ser encontrados quando se considera a
abordagem de Posner e cols. (op. cit.), ao se referir à ecologia conceitual do estudante
como uma tendência em direção uma epistemologia construtiva. A possibilidade de
articulação dos conceitos prévios com componentes tão diversos como conceitos formais
ou crenças, em diferentes níveis de ligação, enfraquece a determinação de que as
concepções errôneas precisariam ser removidas/substituídas por alguma estratégia
especial, caso da confrontação no modelo PSHG.
A polarização que se estabelece entre essas duas epistemologias: (a) a rupturista
que sustenta a necessidade de substituição dos conhecimentos prévios (Posner e cols.); e
(b) a construtiva que se apóia nos conhecimentos prévios para os refinar no sentido do
desenvolvimento conceitual (diSessa e cols.), não pode prescindir dessa apreciação
crítica, que considera tanto a discussão conduzida pela Sociologia do Conhecimento
Científico quanto a Epistemologia Genética. Entretanto, é necessário incluir nesta análise
a contribuição da Psicologia contemporânea, de maneira a se buscar entender porque a
mudança conceitual constitui uma explicação insuficiente para o que esta se propõe:
promover e explicar a aprendizagem das concepções científicas.
2 A auto-regulação é entendida da seguinte forma: todo o organismo é auto regulado, ou se faz pela auto regulação enquanto atividade fundamental, isto é, nenhum organismo vive isolado do meio e caracteriza-se pelas formas com as quais interage com esse meio. (Piaget, 1973, Cap. I, p. 9-50).
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DESENVOLVIMENTO
Toda a discussão relativa às concepções alternativas e mudança conceitual
acaba por preocupar-se mais com a necessidade de produzir a aprendizagem do
estudante, ou seja, o imperativo prático do ensinar, do que com as nuanças envolvidas no
processo de ensino-aprendizagem: a começar pela discussão sobre as origens desses
conceitos preexistentes, cuja pesquisa, segundo Smith e cols. (1993), não constitui
“matéria de ocupação no âmbito de um problema educacional” (p. 152), até a posição que
se refere a pouca importância dada a forma como os indivíduos, através dessas intuições,
interagem com o mundo buscando dar-lhe sentido (Hewson, 1981).
Outro aspecto que caracteriza a maior parte dessas pesquisas diz respeito a
ênfase no conteúdo ou no contexto de aplicação, ambos considerados em relação ao
conhecimento prévio do estudante, enquanto que o contexto social e afetivo onde se
desenvolvem as interações educativas e a possibilidade de que concepções pré-científicas
sejam mantidas por outros atores sociais envolvidos no processo não consistem em
parâmetros contemplados.
Representam os limites de avanço dessa discussão a referência de Posner e
colaboradores ao considerarem que os conceitos científicos e alternativos constituem um
locus que denominam ecologia conceitual, expressando assim a necessidade de se
compreender o contexto social das produções cognitivas. A ecologia conceitual se
apresenta como um conjunto que possui a abrangência de incluir uma série de fatores,
tais como “motivos e objetivos e fontes institucionais e sociais” (Posner e cols., 1992, p.
148), os quais podem gerar mudanças conceituais em qualquer direção. Alia-se a isto o
paralelismo entre as mudanças paradigmáticas que se passam nas ciências e as
conceituais que ocorrem nos indivíduos. O enfoque de diSessa e cols. (1988, 1993) e
Smith e cols. (1993) também acena nesse sentido, ao considerar que o conhecimento
intuitivo encontra-se presente no raciocínio do especialista, possibilitando uma transição
suave dos elementos intuitivos que vão se refinando em direção ao conhecimento
científico.
O erro, enquanto algo inerente ao se definir o campo de estudos das concepções
alternativas, mais apropriadamente denominadas de misconceptions, para ressaltar esse
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cunho errôneo (Smith e cols., 1993), também consiste em um ponto comum a maioria dos
trabalhos levantados na literatura e, ao mesmo tempo, polêmico. Essa polêmica fica por
conta da abordagem traçada por diSessa e cols. (1982, 1983, 1985, 1988, 1993) e Smith e
cols. (1993). Estes pesquisadores argumentam em favor de uma reconceitualização
construtiva na qual as “concepções que guiam a conclusões erradas em um contexto
podem ser bastante úteis em outros” (Smith e cols., 1993, p. 152). Essas concepções
funcionariam como fontes, ou pontos de partida para se atingir um estado de
conhecimento mais avançado. A procura do contexto apropriado no qual as idéias prévias
do estudante desempenhem papéis produtivos não invalida, de todo, o seu caráter
errôneo, apenas o minimiza, visto que o condiciona ao contexto de aplicação, ou seja,
“avaliações do valor das concepções dos novatos devem ser indexadas a contextos
específicos de aplicação, porque simples deslocamentos na aplicação do contexto podem
transformar respostas erradas em idéias produtivas” (idem, p. 153).
Outra questão que provoca controvérsias relaciona-se com a resistência das
misconceptions frente às concepções corretas que devem ser aprendidas. Essa resistência,
tomada como uma das características fundamentais desses conceitos prévios, tem sua
relevância explicada em função da auto-consistência do esquema intuitivo (Viennot,
1979), ou pelo fato de que tais intuições servem para lidar com situações cotidianas de
forma considerada satisfatória pelo indivíduo (Driver e Erickson, 1983), ou ainda pelos
liames que estas mantêm com outros componentes da ecologia conceitual do estudante
que lhes garantem plausibilidade e inteligibilidade (Posner e cols., 1992).
diSessa e cols. discordam dessas caracterizações afirmando que nem todas as
misconceptions são resistentes e estáveis em relação à mudança. Além disso, elas muitas
vezes persistem, reaparecendo após terem sido supostamente modificadas. Suas
afirmações têm por base o mesmo suporte que norteou toda a sua perspectiva teórica: o
conhecimento prévio e o conhecimento do especialista possuem características comuns
que estabelecem uma continuidade entre ambos e permitem tratar esses elementos
intuitivos como extensões para além de um limite de aplicabilidade produtivo, os quais
podem ser refinados ou reorganizados em contextos próprios para se alcançar à
aprendizagem científica. Entretanto, os mesmos autores admitem que em algumas
situações a resistência de tais concepções pode ser justificada, nos casos em que estas
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possuam fortes e abrangentes suportes experimentais, ou na ausência de alternativas
plausíveis, ou ainda quando estas fazem parte de sistemas conceituais cuja utilidade e
amplitude dos elementos constituintes não se encontram imediatamente evidenciadas,
assumindo que entender a resistência de uma concepção particular depende “da
caracterização do sistema de conhecimento que envolve aquele elemento” (Smith e cols.,
1993, p. 152).
A ressalva colocada pelos autores abre possibilidades para se retornar a um dos
pontos nucleadores de toda discussão: as fontes de resistência e/ou de persistência das
concepções alternativas.
CONCLUSÕES
As pesquisas relativas a esse assunto tratam o problema da permanência dessas
concepções de forma individual, ou seja, procuram explicações centradas no próprio
indivíduo através das propriedades de seu raciocínio intuitivo ou da função que este
raciocínio desempenha ao lidar com o meio em que este interage. Mesmo no caso em que
se vincula fatores externos, tais como aqueles aventados por Smith e cols. (1993),
referentes a forte sustentação experimental ou a falta de concepções plausíveis, o que se
percebe são justificavas voltadas para a esfera do próprio conhecimento científico.
Entretanto a necessidade, enfatizada pelos autores, de se tratar essas idéias prévias como
elementos de um sistema mais complexo de conhecimento permite apresentar as
seguintes questões: (i) O seria este sistema? (ii) Qual o seu domínio?.
As respostas podem ser procuradas em um enfoque novo de investigação,
conduzido pelos estudos da Teoria das representações sociais (Moscovici, 1978,
1981,1984, 1986, 1988), na qual as concepções prévias passam a serem compreendidas
como parte de um processo socialmente construído. Os atores sociais - indivíduo ou
grupo, no caso tanto estudantes quanto professores - constituem suas representações de
um determinado objeto de interesse a partir de suas práticas sociais. Essas representações
são produzidas com vistas a fazer frente a uma teoria ou um conceito com qual
interagem. No processo de ensino/aprendizagem, os atores sociais estabelecem um
relacionamento de simbolização/interpretação ou representação do objeto conhecimento
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ensinado/ensinável. Essas representações tomam o lugar do objeto conferindo-lhe
significações. Dessa maneira, o novo conceito é assimilado a uma rede anterior de
significações que lhe dá sentido. Esse sentido encontra-se tanto na origem quanto na
permanência dessas concepções/representações determinando o próprio processo
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