Concepções metacognitivas

12
1 CONCEPÇÕES METACOGNITIVAS O termo metacognição foi cientificamente utilizado a partir dos trabalhos de John Flavell nos anos 70. Através de estudos, principalmente na área de memória, este pesquisador definiu-a como o conhecimento que o indivíduo tem sobre o seu próprio conhecimento. Em 1979, em artigo considerado clássico, ele chama a metacognição de cognição das cognições, o que acaba gerando uma nova área de estudo na Psicologia Cognitiva (Flavell, 1979). Aprender um conteúdo e perceber como aconteceu a compreensão ou aperceber-se do não entendimento deste são exemplos do fenômeno metacognitivo. Embora a amplitude do processo metacognitivo seja dificilmente mensurável, a ciência cognitiva que estuda o processamento da informação cada vez mais busca respostas para a explicação deste fenômeno, que é familiar a todas as pessoas, mas que encerra em si complexidades que os modelos explicativos, até hoje, não conseguiram satisfazer totalmente. Nas últimas décadas, com o crescimento das pesquisas na área da ciência cognitiva, desenvolveram-se vários modelos teóricos buscando explicar os mecanismos envolvidos no processamento da informação (Pinker, 1998). Por outro lado, a ampliação do conhecimento na área da neurociência cognitiva provocou um crescente interesse no substrato neural dos processos mentais (Gazzaniga, Ivry & Mangun 2006). Já a metacognição (Sternberg, 2000), como área de investigação, não acompanhou integralmente este avanço, pois a própria dificuldade de unidade conceitual colocou este estudo à margem das investigações científicas. Desta forma, o termo metacognição vem sendo hoje utilizado muito mais como um jargão, principalmente, na área da educação, psicologia clínica cognitiva e psicopedagogia, do que como um conceito unificado, isto é, um conceito científico consolidado. Observa-se que alguns autores como Brown (1987), por exemplo, abordam a metacognição de forma geral, considerando-a como o conhecimento do próprio conhecimento, o conhecimento dos próprios processos cognitivos e suas formas de operação, auto- regulação e, ainda, o auto-monitoramento. Já outros autores, como Cavanaugh e Perlmutter (1982) tentam especificar os componentes do processo metacognitivo. Nessa discussão conceitual, Brown (1987) propõe duas dimensões da metacognição: o próprio conhecimento e o controle deste. A autora acrescenta que as mesmas podem distingüir-se, pois enquanto o conhecimento é

Transcript of Concepções metacognitivas

7

CONCEPES METACOGNITIVAS

O termo metacognio foi cientificamente utilizado a partir dos trabalhos de John Flavell nos anos 70. Atravs de estudos, principalmente na rea de memria, este pesquisador definiu-a como o conhecimento que o indivduo tem sobre o seu prprio conhecimento. Em 1979, em artigo considerado clssico, ele chama a metacognio de cognio das cognies, o que acaba gerando uma nova rea de estudo na Psicologia Cognitiva (Flavell, 1979).Aprender um contedo e perceber como aconteceu a compreenso ou aperceber-se do no entendimento deste so exemplos do fenmeno metacognitivo. Embora a amplitude do processo metacognitivo seja dificilmente mensurvel, a cincia cognitiva que estuda o processamento da informao cada vez mais busca respostas para a explicao deste fenmeno, que familiar a todas as pessoas, mas que encerra em si complexidades que os modelos explicativos, at hoje, no conseguiram satisfazer totalmente.Nas ltimas dcadas, com o crescimento das pesquisas na rea da cinciacognitiva, desenvolveram-se vrios modelos tericos buscando explicar os mecanismos envolvidos no processamento da informao (Pinker, 1998). Por outro lado, a ampliao do conhecimento na rea da neurocincia cognitiva provocou um crescente interesse no substrato neural dos processos mentais (Gazzaniga, Ivry & Mangun 2006). J a metacognio (Sternberg, 2000), como rea de investigao, no acompanhou integralmente este avano, pois a prpria dificuldade de unidade conceitual colocou este estudo margem das investigaes cientficas. Desta forma, o termo metacognio vem sendo hoje utilizado muito mais como um jargo, principalmente, na rea da educao, psicologia clnica cognitiva e psicopedagogia, do que como um conceito unificado, isto , um conceito cientfico consolidado.Observa-se que alguns autores como Brown (1987), por exemplo, abordam a metacognio de forma geral, considerando-a como o conhecimento do prprio conhecimento, o conhecimento dos prprios processos cognitivos e suas formas de operao, auto-regulao e, ainda, o auto-monitoramento. J outros autores, como Cavanaugh e Perlmutter (1982) tentam especificar os componentes do processo metacognitivo. Nessa discusso conceitual, Brown (1987) prope duas dimenses da metacognio: o prprio conhecimento e o controle deste. A autora acrescenta que as mesmas podem distingir-se, pois enquanto o conhecimento estvel, passvel de verbalizao e falvel, o controle apresenta-se com as caractersticas opostas: instvel e nem sempre passvel de verbalizao. Kirby (1988) considera que o conhecimento e o controle sobre o conhecimento so de natureza diferente, sendo igualmente responsveis por fenmenos cognitivos diversos. Para Lefebvre-Pinard (1983), na capacidade de controle e regulao da atividade cognitiva que reside grande parte da possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento. Weinert (1987) considera a metacognio como cognies de segunda ordem, isto , pensamentos acerca de pensamentos, conhecimento sobre o conhecimento ou reflexes sobre as aes, um sistema de habilidades para planificar, dirigir, monitorizar e avaliar o comportamento durante a aprendizagem. Cavanaugh e Perlmutter (1982) argumentam em favor da excluso do processo de regulao da rea da metacognio, pois para eles a metacognio responsvel pelo conhecimento que o sujeito tem de seu prprio conhecimento, enquanto que atravs do controle executivo, a pessoa avalia e regula as suas aes cognitivas.Se um aluno leu a introduo deste artigo e entendeu e continua sua leitura est vivendo uma experincia metacognitiva. Agora, se no entendeu, percebeu e retorna a ler o princpio do artigo, tambm est vivendo uma experincia metacognitiva. Para facilitar a explicao sobre o fenmeno metacognitivo vivido pelo leitor, pode-se dizer que a metacognio o conhecimento, a conscincia e o controle que a pessoa tem de seus processos cognitivos (Flavell, Miller & Miller, 1999). Cabe destacar que vrias reas como: lingstica, cincias sociais, filosofia,psicologia, medicina, biologia e a neurocincia procuraram pontos de convergncia e lugares transdisciplinares para investigar esse saber. Apesar de todas as novaspossibilidades que a investigao cientfica proporcionou nestes ltimos anos, o modelo terico proposto por Flavell (1979) ainda o mais utilizado nas pesquisas experimentais sobre metacognio como, por exemplo, nas pesquisas de Vukman (2005), Vandegrift (2005), Pan (2006) e Jou (2001), entre outras.No modelo deste autor pode ser feita uma distino entre o conhecimentometacognitivo, o monitoramento e a auto-regulao cognitiva. O primeiro refere-se ao conhecimento acumulado a respeito de questes cognitivas e pode ser dividido em trs categorias: pessoa, tarefa e estratgia. A categoria pessoa inclui conhecimentos e crenas a respeito das pessoas como processadores cognitivos. A categoria tarefa refere-se ao conhecimento a respeito das implicaes do processamento cognitivo das informaes e exigncias de cada tarefa. A categoria estratgia inclui conhecimentos sobre vrias estratgias. O monitoramento e auto-regulao cognitiva envolvem atividades guiadas pelo conhecimento metacognitivo que proporcionam informaes sobre o progresso em alguma iniciativa cognitiva. Esta informao, s vezes, vem de experincias metacognitivas, experincias afetivas ou cognitivas pertinentes a uma iniciativa, tais como a sbita sensao de ter entendido a explicao do professor em aula.Portanto, como Flavell (1987) afirma: o conhecimento, o monitoramento e aauto-regulao cognitiva interagem entre si medida que influenciam as atividadescognitivas. A relao entre essas atividades cognitivas e suas metacognies respectivas apontada por Mayor (1995) quando afirma que as pesquisas inicialmente privilegiaram a metamemria, metalinguagem e metapensamento. Este autor aceita que existem tantas modalidades metacognitivas quantos processos cognitivos.Embora Flavell seja considerado um estruturalista neopiagetiano e aborde aespecificidade do domnio das habilidades cognitivas, as interseces de suasconcepes tericas com a perspectiva da abordagem do processamento da informao so marcantes em sua obra (Santana, Roazzi & Dias, 2006), especialmente na teoria metacognitiva.Outro modelo metacognitivo muito citado em estudos atuais o de Nelson eNarens (1996), que convenciona a existncia de dois nveis de processamentometacognitivo. O nvel do objeto que seria o momento de atuao cognitiva e o nvel meta sendo o momento de atuao metacognitiva. De forma esquemtica a cognio mudaria para o nvel meta ocorrendo o monitoramento do nvel objeto por meio da construo de um modelo explicativo. J quando ocorresse o caminho inverso haveria a regulao do processo cognitivo.Portanto, existem dois modelos metacognitivos principais: o de Flavell (1979) e o de Nelson e Narens (1996). O modelo pioneiro de John Flavell considera a metacognio como o processamento serial do conhecimento metacognitivo, monitoramento e regulao. Nelson e Narens acreditam na existncia de um nvel de processamento metacognitivo e outro cognitivo. O fenmeno metacognitivo seria como um sistema aberto, onde seu processamento aconteceria como se fosse colocada uma exponencial sobre as cognies; isto , por exemplo, se uma pessoa fica atenta, sobre como presta ateno, em uma determinada ao e se apercebe de qual estmulo no deve direcionar seu foco de ateno estaremos falando de experincia metacognitiva. Para esses autores, a atuao cognitiva em nvel de processo de conscincia se consistiria em uma exponencial sobre uma cognio a ateno, neste caso sendo ento caracterizada como a rea da atuao metacognitiva. A duas propostas tericas tm limitaes: a primeira, por enxergar a metacognio de forma algortmica; e a segunda, por considerar apenas um nvel de processamento metacognitivo.Outros autores tm vislumbrado perspectivas diferenciadas em relao metacognio. Blakey e Spence (2000) afirmam que saber relacionar novas informaess j existentes, saber selecionar estratgias de pensamento com um propsito e saberplanejar, monitorar e avaliar os processos de pensamento funcionam como habilidadesmetacognitivas de alta definio. Ribeiro (2003) chama ateno para a capacidade dametacognio de promover o prprio desenvolvimento cognitivo. Jou (2006) argumentaque a metacognio uma conquista evolutiva do ser humano, em sua constante tarefade adaptao, atendendo s exigncias de um ambiente que tende complexidade. Desta maneira, a metacognio permitiria atingir novos nveis de desenvolvimento mental.Com relao s pesquisas realizadas nesta rea, a reviso da literatura mostraque boa parte dos estudos em metacognio tem sido realizada com crianas, pois asvariveis analisadas ficam circunscritas s tarefas de aprendizagem bsica, como leitura(Jou, 2001) e matemtica (Vieira, 1999). Esses trabalhos mostram que os modelosexplicativos existentes, se no so suficientes, so bastante satisfatrios para seremutilizados na pesquisa com crianas. Ou seja, permitem a operacionalizao do conceitode metacognio na pesquisa experimental.J a respeito das pesquisas com adultos, Vukman (2005), em trabalho comparativo de desenvolvimento metacognitivo com adolescentes e adultos, identificou diferenas significativas em grupos com faixas etrias diversas, sendo que o grupo com maior desempenho metacognitivo neste estudo foi o de adultos maduros. Os resultadosdeste estudo ratificam a suposio de que a maturidade est associada ao desenvolvimento metacognitivo. No entanto, o mesmo trabalho aponta um menor nvelde monitoramento e regulao em adultos gernticos (acima de 60 anos). Apesar da crtica que a abordagem do Processamento de Informao recebeu por focalizar exclusivamente os processos mentais e negligenciar aspectos como a emoo e a motivao, pesquisas atuais mostram o interesse em relacionar estes aspectos.Exemplos disso so evidentes nas pesquisas de Pan (2006), que relacionou eficincia metacognitiva com esquemas emocionais e de Ownsworth e Fleming (2005), que relacionou variveis emocionais e metacognitivas na recuperao de pessoas com danos neurolgicos, onde a influncia emocional aparecia como importante diferencial no fenmeno metacognitivo.O olhar sobre as questes motivacionais na experincia metacognitiva so preocupaes centrais no trabalho de Vandegrift (2005), que considera a motivao como processo gerador de atividade metacognitiva. J os fatores culturais e contextuaisso relacionados tambm a habilidades metacognitivas nas pesquisas de Winston e Fouad (2006) e de Al-Hilwani, Easterbrooks e Marchant (2002). Os dois estudos com metodologias diferentes e realizados em continentes e contextos culturais diversos, concluram que o impacto de conceitos de uma determinada cultura sobre a experinciametacognitiva poderia ser orientador da atividade metacognitiva. Para eles a competncia multicultural amplia a capacidade metacognitiva, pois cada sistema cultural tem paradigmas prprios, de forma que transitar entre referenciais com congruncia exigiria uma grande capacidade metacognitiva.Ao acrescentar emoo, motivao e contexto cultural metacognio, ratificam-se as dificuldades de generalizar resultados em qualquer estudo sobre esta temtica, pois nenhuma metodologia at hoje conseguiu isolar estas variveis. Sendo assim, no so recomendadas comparaes gerais, pois em contrrio aparecero vieses de pesquisa indesejveis. Posto que, todas as pesquisas citadas utilizaram mtodos e formas de anlise de resultados diversos.Na rea de metacognio, a aprendizagem de forma geral tem sido objeto de vrios estudos buscando entender o prprio processo de aprendizagem. Por exemplo, Daz (2005) interessou-se em saber como as pessoas aprendem a aprender, aprendem a pensar e como pensam sobre o que pensam, estudando os instrumentos de avaliao de capacidade metacognitiva.Em trabalhos recentes pesquisadores tentam entender a experincia metacognitiva em domnios especficos. Stdile e Friendlander (2003) propuseram aestimulao da atividade metacognitiva como forma de aumentar o desempenho naprtica da enfermagem na tentativa de que esses profissionais minimizassem os erros.Daz (2005) props um investimento em estratgias metacognitivas e suas incluses noensino de Medicina com intuito de formar profissionais mais capazes. Na rea deaprendizagem, Angrino e Espinosa (2005) relacionaram a compreenso na leitura com ofuncionamento metacognitivo nos universitrios. Cromley (2005), tambm, relacionoucompreenso com metacognio, mas na educao de adultos em instruo de literatura.Em outro estudo, considerando assiduidade, realizao de tarefas acadmicas erelacionamentos interpessoais, estudantes universitrios foram acompanhado duranteum semestre, ao longo do qual se verificou o aumento da atividade metacognitiva(Nietfeld, Cao & Osborne, 2005). Os trabalhos acima mencionados consideram algumtipo de conhecimento especfico para ser relacionado com metacognio, comoenfermagem, medicina e aprendizagem. Estas perspectivas privilegiam o foco sobre oconhecimento metacognitivo nas categorias da tarefa e da estratgia comodeterminantes do desenvolvimento cognitivo como um todo.

Outras reflexes

Para Damsio (2000) a conscincia um fenmeno inteiramente privado, deprimeira pessoa. Na relao entre conscincia e a mente, vinculam-se comportamentosexternos que podem ser observados por terceiras pessoas. J Daz (2005) prope que aproximidade entre conceitos de metacognio e conscincia no os transforma emidnticos, pois considera que o tipo de conhecimento, os nveis de conscincia e o graude automatizao so elementos que em suas relaes determinam o grau dedesenvolvimento metacognitivo. Sendo assim, o investimento metacognitivo geraria uma ampliao da conscincia tal que em um nvel hipottico mximo de metacognio se produziria umaigualdade entre uma mente cognitivo-ciente e a conscincia. De um ponto de vista evolucionista, Damsio (1998) acredita que a razo surge a partir da emoo e juntamente com ela. Segundo a sua hiptese do marcador somtico, a emoo reduz o nmero de opes a serem analisadas pela conscincia, reduzindo, assim, a complexidade do processo e acelerando o tempo de resposta. Mathews (1997) tambm assume essa perspectiva, pois afirma que sem a reduo proporcionada pela emoo, as quantidades de variveis a serem analisadas cognitivamente seriam ilimitadas.A partir deste ponto de vista, considera-se que o fenmeno metacognitivo poderia ocorrer de forma similar, respeitando este pr-selecionador emocional. Talvez essa relao possa parecer forada. Mas, se for considerado que experincias metacognitivas ocorrem a todos os momentos e que estmulos diversos nos sensibilizammais ou menos, pode-se inferir que o processo metacognitivo respeitar esta prvia emocional.Com relao a conhecimentos especficos, pesquisas recentes analisaram aprendizagem procedural com enxadristas. Charness, Feitovich, Hoffman e Ericsson (2006), ao estudar a diferena entre enxadristas iniciantes e peritos, acharam que os peritos organizam as informaes em blocos, que podem ser rapidamente recuperadosna memria de longo prazo e manipulados na memria operacional. Para isso, costumam se dedicar a anos de estudos aplicados, enfrentando constantes desafios queestendam seus limites alargando o espectro metacognitivo.Para Gobet, Voogt e Retschitzki (2004) preciso em torno de uma dcada para dominarmos qualquer campo do conhecimento, sendo assim, existem cada vez mais indcios de que a expertise no inata, mas adquirida. Portanto, pressupe-se que h um desenvolvimento de habilidades metacognitivas. Esses estudos foram realizados com jogadores de xadrez, pois essa habilidade pode ser facilmente submetida a experimentos controlados. Embora este estudo no utilize o termo metacognio, a experincia metacognitiva contemplada em sua totalidade, pois o conhecimento metacognitivo nos nveis da tarefa e da estratgia, o monitoramento e a regulao so as reais atividades desenvolvidas pelos enxadristas.Alm dos estudos sobre conhecimentos especficos em indivduos, tambm a partir da rea da inteligncia artificial possvel estabelecer relaes com a metacognio. Robs virtuais que respondem a situaes complexas so tomados como prottipos, nos quais a rede neurocomputacional raciocina e toma decises. Resultados empricos so verificados na pesquisa com sistemas especialistas. Apesar das limitaes das mquinas, possvel, hoje, a construo de sistemas especialistas com alto grau de desempenho, dependendo da complexidade de sua estrutura e do grau de abrangncia desejado.Um Sistema Especialista uma ferramenta computacional desenvolvida na reade Inteligncia Artificial que tenta simular o desempenho de um especialista humano quando atuando dentro do seu domnio. Normalmente os sistemas especialistas so divididos em duas partes principais: a base de conhecimento e a mquina de inferncia.Existem hoje vrias ferramentas que automatizam partes do processo de codificao de sistemas especialistas. O uso destas, facilita muito para a implementao de sistemas especialistas. Possibilita-se, ento, que o projetista preocupe-se apenas com a base do conhecimento em questo e no com toda gama de conhecimentos que alimentaro o sistema. Entretanto, o emprego dessas ferramentas no desenvolvimento da base de conhecimento no significa que foi desenvolvida uma ferramenta metacognitiva em nvel computacional, pois, as informaes fornecidas ao sistema geram uma resposta com uma lgica algoritma, isto , passo a passo (Gelain, 2007).

Confuses metacognitivas

Ao vislumbrar esta infinidade de estudos referindo-se a metacognio dediferentes formas, apresenta-se uma questo: de que metacognio esto falando?Em publicaes atuais como Metacognio e Sucesso Escolar (Davis, Nunes &Nunes 2005) vinculam-se desempenho e motivao anatomia da metacognio. Esteexemplo um sinalizador da dificuldade que a falta de uma epistemologia clara doestudo metacognitivo causa, pois na rea educacional o fenmeno metacognitivotransita naturalmente no ensinar e aprender. Ou seja, neste contexto a metacogniotransforma-se em sinnimo de competncia. Ao fazer isso, torna a metacognio umresultado, impossibilitando a anlise desta como um processo cognitivo.J no contexto clnico poder-se- dizer que existe a patologizao da metacognio. No modelo metacognitivo de Wells (2003), crenas sobre preocupaes,pensamentos intrusivos, funcionamento cognitivo positivo e negativo, confiana eautoconscincia cognitiva so componentes analisados como metacognitivos. Destesquesitos pode-se dizer que a autoconscincia cognitiva etimologicamente igual metacognio e, portanto, este modelo teria validade no estudo da metacognio. O componente fundamental, que gera uma discrepncia terica, que para o autor a autoconscincia cognitiva significa reconhecer seus prprios esquemas disfuncionais.Pensando uma teoria

Agora, suponha-se um questionamento ao seu professor sobre o contedo queele est ministrando na aula. Para respond-lo, ele ter que utilizar de sua metacognio. E o aluno, para tentar entend-lo, tambm. No ser empregada uma ordem cronolgica, pois est sendo sugerido que o fenmeno metacognitivo acontece simultaneamente em todas suas ordens. Ao invs, utiliza-se o termo hierarquia para precisar um sentido mais adequado ao tipo de processamento metacognitivo integrado que est sendo inferido, sendo que as diferentes graduaes so referentes a peculiaridades qualitativas dos sub-processos (hierarquias).

A primeira hierarquia seria o conhecimento metacognitivo. A segunda hierarquia, o monitoramento e a terceira hierarquia, a regulao cognitiva. Ainda o modelo de Flavell que est sendo tomado como referncia, mas a experincia metacognitiva est sendo descrita como um sistema metacognitivo (Maturana & Varela, 2005) e no mais como um processo.Digamos que a aula do contedo de histria. Pergunta-se: Por que o Protocolo de Kioto no foi assinado pelos Estados Unidos da Amrica? O professor em frao de segundos, responde: Os americanos contrapem-se a este documento, pois, na verdade um acordo de no-explorao de algumas atividades econmicas que so poluentes, mas muito rentveis a este pas.Agora, faz-se um esforo para analisar a experincia metacognitiva vivida peloprofessor. Tomando-se a primeira hierarquia, para facilitar, elege-se o processo bsicocognitivo memria e a metamemria, que nesse exemplo, pela natureza da disciplina, o conhecimento metacognitivo mais acessado.O professor busca em sua memria o Protocolo de Kioto. Lembra que, paralembrar, acessa o que lembra do aquecimento global; para lembrar precisou ter presente o buraco na camada de oznio e lembrou que lembrou disto porque lembrou que oznio oxignio ao cubo e que o monxido de carbono que a base dos gases poluentes, acabava por destruir a camada de oznio. Lembrou, ainda, que os Estados Unidos da Amrica um pas que, aps as grandes guerras, investiu em um desenvolvimento tecnolgico desenfreado; para lembrar disso lembrou das exploses nucleares e lembrou que lembrou disso porque lembrou do processo de colonizao das 13 colnias americanas. Lembrou que os movimentos ecolgicos acusam os americanos de destruir o mundo porque lembrou que as maiores empresas poluidoras, mesmo que sejam multinacionais, tenham capital americano, embora privado. Finalmente, lembrando que lembrou que o capitalismo americano por sua histria no admitiria barreiras a seu crescimento, pois lembrou para lembrar disso que at hoje estas restries sempre acabaram nas guerras. Este exerccio de metamemria aconteceu no nvel da primeira hierarquia.No segundo nvel hierrquico, o monitoramento, o professor d-se conta do que est sendo perguntado, pensa sobre uma resposta, relembra possibilidades explicativas,considera o ambiente de sala de aula e avalia sua possibilidade de formular uma resposta.No terceiro degrau hierrquico, a regulao, o professor cria uma estratgia de resoluo, emite em frao de segundos um modelo explicativo, pensa em sua eficcia ou no, avalia os elementos de sua prpria cognio que o apiam em um determinado desfecho e responde de acordo com o questionado concluindo o raciocnio.Est sendo proposto que as trs hierarquias da metacognio ocorram simultaneamente e de forma contnua. A forma fragmentada apresentada no exemplo doprofessor de histria tem intuito de auxiliar a anlise terica do processo metacognitivo, sem com isso sugerir uma ordem cronolgica de ocorrncia.Portanto, fundamental esclarecer que metacognio no sinnimo de eficcia, pois o acerto ou no da resposta do professor no interessa na anlise do processo metacognitivo. Outro ponto importante que a motivao no faz parte da anatomia do processo metacognitivo. A posio de espectadora de suas prprias cognies que ocupa a teoria da metacognio induz compreenso de que processos como tomada de deciso ou tarefa de resoluo de problemas sejam confundidos com aprpria metacognio. fcil desfazer este engano. Imagine que o professor tivesse passado por todas as hierarquias da metacognio, mas no tivesse verbalizado por que a sineta do intervalo tocou. Nessa situao, o fenmeno metacognitivo aconteceu, embora no tenha ocorrido a resoluo da tarefa.A terceira hierarquia metacognitiva, algumas vezes, tem sido confundida com a tomada de deciso, pois o processo de regulao , em si, uma mudana que acontece durante a experincia metacognitiva e no posterior a ela. evidente que todos estes processos fazem parte de um continuum cognitivo e que na teoria do processamento da informao todos eles esto interligados, acontecendo em paralelo como proposto por Jay McClelland e David Rumelhart na dcada de 1980 (Anderson, 2004). Mas se olharmos para a metacognio sem diferenci-la em sua especificidade, no h como consider-la como um processo cognitivo bsico.

Metacognio: um processo cognitivo bsico

Ao tecer todas estas consideraes, argumentaes e proposies relativas ao escopo metacognitivo, prope-se uma reflexo que v alm da reviso terica e do posicionamento crtico. Sendo assim, a partir da reviso da proposta original de Flavell, pretende-se sugerir um modelo terico para a atividade metacognitiva.Pensar em hierarquias metacognitivas sem gradu-las e desconsiderar um mero processamento serial e admitir a existncia de um sistema metacognitivo transforma uma intrincada e, at certo ponto abandonada teoria, em um mote de estudo experimental. Ao abordar a metacognio como um processo cognitivo bsico, h menos possibilidade de ser utilizado de forma inadequada, ou pior, com semnticas incompatveis com esta rea de estudo.Finalmente, ao constatar-se que metacognio um conceito em discusso, nos deparamos com uma limitao humana na admisso de suas prprias fragilidades e impossibilidades. A teoria metacognitiva tem esbarrado em uma pretensa falta de comprovao ou dificuldade de replicao de estudos, que denotam muito mais uma incapacidade dos mtodos cientficos conhecidos do que uma inexistncia do processo metacognitivo.Afinal, ao menos na espcie humana, a existncia de cognies pressupe a existncia de metacognio. Sua funo de gerenciamento de seus auto-processos talvez explique e justifique as dificuldades desse estudo. Essa reflexo tem como objetivo lanar uma luz sobre o pensar em metacognio propondo a possibilidade de uma unificao terica que respeite os princpios do modelo de Flavell (1979), mas que alm da estrutura serial proposta por ele, possa contemplar a possibilidade de ver tambm um processamento distribudo em paralelo em todas as hierarquias. Criando, portanto, uma idia de sistema metacognitivo integrado, prope-se uma teoria que d conta do escopo metacognitivo. Assim, o termo metacognio poderia passar de um simples jargo profissional para o status de um fundamento terico.

GRANDENE, Mario Vinicius Canfild. Metacognio: Uma teoria em busca de validao. Tese de Mestrado: Psicologia Social: PUC/RS, 2007