CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS FÍSICO-QUÍMICAS DO ENSINO...

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Investigações em Ensino de Ciências – V19(2), pp. 403- 429, 2014 403 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS FÍSICO-QUÍMICAS DO ENSINO BÁSICO (Physics and chemistry middle school teachers’ conceptions and practices about assessment) Marisa Sofia Monteiro Correia [[email protected]] Escola Superior de Educação de Santarém Complexo Andaluz, Apartado 131, 2001-902, Santarém, Portugal Ana Maria Martins Silva Freire [[email protected]] Instituto de Educação da Universidade de Lisboa Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal Resumo Este estudo teve como objetivo caracterizar as concepções e práticas de avaliação de professores portugueses de Ciências Físico-Químicas do ensino básico e conhecer como estes integram a avaliação nas suas aulas no contexto de uma reorganização curricular. Realizaram-se três estudos de caso, em que participaram professores com menos de três anos de serviço. A recolha de dados consistiu na observação naturalista de aulas, entrevistas semiestruturadas e documentos fornecidos pelos participantes. Os resultados evidenciam duas concepções de avaliação das aprendizagens: avaliação da aprendizagem e avaliação para a aprendizagem. Um dos participantes evidencia uma concepção de avaliação da aprendizagem, valorizando uma avaliação de natureza sumativa. Os professores com uma concepção sobre avaliação para a aprendizagem promovem uma avaliação orientada para a melhoria das aprendizagens, valorizando o carácter formativo da avaliação. Relativamente às práticas avaliativas dos três participantes, verificou-se que os critérios de avaliação não são explicitados aos alunos, o feedback é pouco frequente e os alunos têm um papel reduzido no processo de avaliação. Todos os professores demonstram dificuldades na avaliação das competências atitudinais e processuais, sendo que, apenas um dos participantes elabora registos de observação para avaliar estas competências. Os testes constituem o principal instrumento de avaliação nas aulas dos professores participantes neste estudo, o que é coerente com uma concepção de ensino e aprendizagem ainda, marcadamente tradicional. Palavras-chave: concepções sobre avaliação; práticas de avaliação; concepções de ensino e aprendizagem. Abstract The main goal of this study is to characterize conceptions that Portuguese teachers of Physics and Chemistry have about learning assessment and how teachers incorporate assessment in their teaching practices within a curriculum reorganization. Three case studies of teachers with less than three years of service were carried out. Data was collected from semi-structured interviews, observations of lessons and documents supplied by the participants. This study’s findings indicate two conceptions of assessment: assessment of learning and assessment for learning. One of the participants shows a conception of assessment of learning, valuing a summative viewpoint of assessment. The other teachers revealed a conception of assessment for learning emphasizing a formative perspective of assessment, that as the role of regularizing and promoting improvement of learning. Relatively to the teachers’ practices, it seems clear that the assessment criteria are implicit, the feedback is sporadic and the students have a reduced role in the assessment process. All of the teachers demonstrate difficulties in assessment of attitudinal and procedural competences. Only one of the participants elaborates observation with registration to assess these competences. The tests constitute the main assessment instrument in the teachers' lessons, what is coherent with a teaching and learning conception that still remains traditional. Keywords: conceptions of assessment; teachers’ assessment practices; conceptions of teaching and learning. Introdução Na última década em Portugal, tem-se assistido a uma mudança nos currículos que apelam para concepções de ensino e aprendizagem de ciência que valorizem o trabalho laboratorial do tipo

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Artigo publicado na revista Investigações em Ensino de Ciênciashttp://www.if.ufrgs.br/ienci/artigos/Artigo_ID375/v19_n2_a2014.pdf

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    CONCEPES E PRTICAS DE AVALIAO DE PROFESSORES DE CINCIAS FSICO-QUMICAS DO ENSINO BSICO

    (Physics and chemistry middle school teachers conceptions and practices about assessment)

    Marisa Sofia Monteiro Correia [[email protected]] Escola Superior de Educao de Santarm

    Complexo Andaluz, Apartado 131, 2001-902, Santarm, Portugal Ana Maria Martins Silva Freire [[email protected]]

    Instituto de Educao da Universidade de Lisboa Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal

    Resumo

    Este estudo teve como objetivo caracterizar as concepes e prticas de avaliao de professores portugueses de Cincias Fsico-Qumicas do ensino bsico e conhecer como estes integram a avaliao nas suas aulas no contexto de uma reorganizao curricular. Realizaram-se trs estudos de caso, em que participaram professores com menos de trs anos de servio. A recolha de dados consistiu na observao naturalista de aulas, entrevistas semiestruturadas e documentos fornecidos pelos participantes. Os resultados evidenciam duas concepes de avaliao das aprendizagens: avaliao da aprendizagem e avaliao para a aprendizagem. Um dos participantes evidencia uma concepo de avaliao da aprendizagem, valorizando uma avaliao de natureza sumativa. Os professores com uma concepo sobre avaliao para a aprendizagem promovem uma avaliao orientada para a melhoria das aprendizagens, valorizando o carcter formativo da avaliao. Relativamente s prticas avaliativas dos trs participantes, verificou-se que os critrios de avaliao no so explicitados aos alunos, o feedback pouco frequente e os alunos tm um papel reduzido no processo de avaliao. Todos os professores demonstram dificuldades na avaliao das competncias atitudinais e processuais, sendo que, apenas um dos participantes elabora registos de observao para avaliar estas competncias. Os testes constituem o principal instrumento de avaliao nas aulas dos professores participantes neste estudo, o que coerente com uma concepo de ensino e aprendizagem ainda, marcadamente tradicional. Palavras-chave: concepes sobre avaliao; prticas de avaliao; concepes de ensino e aprendizagem.

    Abstract

    The main goal of this study is to characterize conceptions that Portuguese teachers of Physics and

    Chemistry have about learning assessment and how teachers incorporate assessment in their teaching practices within a curriculum reorganization. Three case studies of teachers with less than three years of service were carried out. Data was collected from semi-structured interviews, observations of lessons and documents supplied by the participants. This studys findings indicate two conceptions of assessment: assessment of learning and assessment for learning. One of the participants shows a conception of assessment of learning, valuing a summative viewpoint of assessment. The other teachers revealed a conception of assessment for learning emphasizing a formative perspective of assessment, that as the role of regularizing and promoting improvement of learning. Relatively to the teachers practices, it seems clear that the assessment criteria are implicit, the feedback is sporadic and the students have a reduced role in the assessment process. All of the teachers demonstrate difficulties in assessment of attitudinal and procedural competences. Only one of the participants elaborates observation with registration to assess these competences. The tests constitute the main assessment instrument in the teachers' lessons, what is coherent with a teaching and learning conception that still remains traditional. Keywords: conceptions of assessment; teachers assessment practices; conceptions of teaching and learning.

    Introduo

    Na ltima dcada em Portugal, tem-se assistido a uma mudana nos currculos que apelam para concepes de ensino e aprendizagem de cincia que valorizem o trabalho laboratorial do tipo

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    investigativo, que favoream o envolvimento ativo dos alunos na sala de aula, passando de ouvintes passivos a atores e que promovam a relao entre Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (Freire, 2004). A este respeito, Alves (2004) salienta que um currculo por competncias assume como uma das premissas pedaggicas a de desenvolver, no educando, a capacidade de resolver problemas (p. 131). Tal acarreta no s necessariamente novas prticas avaliativas, mas acima de tudo o desenvolvimento de um outro conceito de avaliao, por outras palavras, uma nova cultura de avaliao. A posio expressamente adotada na Reorganizao Curricular do Ensino Bsico consiste em entender o currculo e a avaliao como componentes integradas de um mesmo sistema (Abrantes, 2001, p. 8). Apela-se agora, ao uso sistemtico da avaliao diagnstica e formativa pelos professores como parte integrante do processo de ensino e aprendizagem (Galvo, et al., 2006). Esta ideia de que a avaliao deve ser parte integrante do processo de ensino e aprendizagem, com o objetivo de melhorar as aprendizagens, informar o professor e os alunos, das suas dificuldades e das suas aprendizagens defendida por diversos autores (De Ketele, 1986; Earl, 2003; Fernandes, 2005; Hadji, 1994; Valadares & Graa, 1998). Ao conceber a avaliao como parte integrante da aprendizagem, com um carcter formativo e positivo, e no como um sistema separado, preciso criar e usar uma variedade de modos e instrumentos de avaliao, e repensar as situaes de aprendizagem. Ora, estas novas ideias fazem importantes exigncias aos professores, implicando mudanas a nvel das suas concepes e das suas prticas (Borko et al., 1997).

    Prticas de ensino tradicionais aliadas a insegurana quer na concepo e estruturao da avaliao formativa, quer na sua articulao com a avaliao sumativa, conduz a que a avaliao formativa seja pouco praticada nas escolas (Pacheco, 1995). As prticas de avaliao dominantes nas escolas continuam, assim, a visar a classificao dos alunos, como os testes, em detrimento de prticas de avaliao que visem a melhoria das aprendizagens (Fernandes, 2005). Concordamos, assim, com Valente (1996) quando refere que o pior inimigo da educao cientfica so certas formas de avaliao, pois estas orientam os comportamentos sociais dos pais, dos alunos e por arrastamento dos prprios professores, assistindo-se assim a uma escola que por causa do seu sistema de avaliao invalida e transforma por completo todos os objetivos que para si prpria definiu (p. 104).

    A qualidade da atual escolaridade bsica depende fortemente de uma avaliao das aprendizagens diferente da tradicional, mais consistente com os novos princpios preconizados. Por isso, urgente mudar e melhorar as prticas de avaliao das aprendizagens dos alunos, que esto claramente desfasadas das exigncias curriculares e sociais com que os sistemas educativos esto confrontados. Mas, no basta mudar a avaliao para mudar o sistema, uma mudana real implica mudanas nos comportamentos e nas mentalidades dos intervenientes (Pacheco, 1995). Mudar a avaliao na escola bsica em sintonia com as orientaes curriculares nacionais acarreta mudanas nas concepes e nas prticas avaliativas dos professores e na organizao das escolas. Desta forma, e como salientam Sanches e Jacinto (2003), importante compreender como se transmitem e perpetuam as crenas e as concepes dos professores sobre o ensino e os alunos; e discernir at que ponto influem na persistncia das prticas (p. 137). Tambm Thompson (1992) admite que as concepes influenciam o processo avaliativo. As concepes dos professores revelam-se, assim, determinantes na forma como os professores percepcionam o ensino e a avaliao.

    Para que os professores alterem as suas prticas de avaliao, em conformidade com o preconizado na reorganizao curricular do ensino bsico, necessrio que as suas concepes evoluam. Contudo, as concepes que os professores possuem da avaliao so um campo gerador de dificuldades que, segundo vrios autores nacionais (Alves, 2004; Amado, 1998; Campos, 1996; Canavarro, 1993; Fernandes, 1994; Guimares, 1988; Martins, 1996; Ponte, 1992; Ponte & Santos, 1998; Queirs, 1997; Raposo, 2006) e internacionais (Brown, 2004; Brown, Lake & Matters, 2009; Remesal, 2007, 2011) constituem elementos bloqueadores para as mudanas nas prticas. Os estudos

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    apontam para uma valorizao crescente da avaliao formativa, no entanto, persiste ainda uma concepo de avaliao como classificao. Para alm do referido, verificou-se alguma incongruncia entre as prticas avaliativas dos professores e as ideias que aparentam defender no seu discurso. Existem alguns estudos (Ruivo, 1990; Pires, 2001; Galvo, 1993; Galvo, 1998; Freire, 1999) a nvel nacional que incidem sobre as concepes dos professores no perodo de estgio, mas poucos sobre os primeiros anos de experincia (Flores, 2004). De notar, que as concepes e as prticas de avaliao de jovens professores em incio de carreira tm sido pouco estudadas na rea das cincias. Um ponto que merece destaque, uma vez que estes professores tm a influncia da sua formao inicial situada numa camada mais recente, e mesmo que esta tenha sido bem-sucedida, os seus efeitos podem ser dissipados na adaptao s realidades da prtica pedaggica (Feinam-Nemser & Floden, 1986).

    Perante o quadro descrito, caracterizam-se as concepes de avaliao de professores em incio de carreira de forma a compreender a incidncia dessas concepes nas interpretaes que fazem das orientaes curriculares. De modo a clarificar os objetivos do estudo, consideram-se as seguintes questes:

    1. Quais so as concepes sobre avaliao manifestadas pelos professores? 2. Que estratgias e instrumentos de avaliao utilizam os professores nas suas prticas? 3. Como articulam as prticas de ensino e de aprendizagem com as prticas de avaliao nas suas

    aulas? 4. Que concepes de ensino e aprendizagem se refletem nas prticas avaliativas dos professores?

    Reviso de Literatura

    Durante as ltimas dcadas, os resultados da investigao sobre o processo de pensamento dos professores tem revelado que o seu comportamento e as suas aes so fortemente influenciados pelas suas concepes (Clark & Peterson, 1986; Thompson, 1992; Ponte, 1992). Se as concepes dos professores forem incompatveis com a filosofia de uma reforma curricular, desenvolve-se uma lacuna entre os princpios desejados e os princpios implementados pela reforma impedindo a mudana (Feldman, 2000; Jones & Carter, 2007; Levitt, 2001; Thompson, 1992). Assim, a ocorrncia de mudanas significativas nas prticas dos professores requer uma adaptao considervel das suas concepes.

    As prticas de avaliao constituem indicadores bastante seguros da filosofia que orienta os processos de ensino-aprendizagem e por isso, so tambm indicadores das concepes que se tem do papel que se atribui escola, aos professores e aos alunos (Corteso, 2002, p. 40). Tambm Abrantes (2002) considera que as concepes e prticas de avaliao decorrem das concepes e prticas acerca do ensino e aprendizagem e refletem aquilo que se entende por uma escola bsica e uma educao para todos com qualidade (p. 10). A melhoria das prticas de avaliao est diretamente relacionada com a melhoria do ensino das cincias. Se a avaliao for vista como um processo integrado, ento a reforma da educao em cincias pode ter sucesso e a melhoria da literacia cientfica poder ser conseguida (Accongio & Doran, 1993). Caso contrrio, se a implementao de uma reforma requer alterar os comportamentos dos professores na sala de aula, ser necessrio modificar as suas concepes acerca da natureza do ensino e da aprendizagem das cincias, de forma a alinhar as prticas com os princpios da reforma (Boujaoude, 2000). Mudar as concepes de avaliao dos professores requer, assim, clarificar e reconstruir as suas concepes acerca do currculo, do ensino e da aprendizagem (Hargreaves, 2005; Maceno & Guimares, 2013; Wang, Kao & Lin, 2010).

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    De acordo com uma concepo de cincias tradicional, o ensino centra-se nos contedos e o manual escolar determina, quase sempre, as aes do professor (Cachapuz, 2000). Traduzindo-se em estratgias de ensino pouco diversificadas tais como, resoluo de exerccios, transmisso expositiva de conhecimentos e correo de testes. Este tipo de metodologias de ensino, de acordo com o estudo desenvolvido por Martins et al. (2002), o mais comum nas aulas de Fsica e Qumica. O trabalho laboratorial pouco frequente e quando usado tem sobretudo, um carcter demonstrativo, como revelam vrios estudos realizados em Portugal (Almeida, 1995; Cachapuz, et al., 1989; Martins et al., 2002; Miguns, 1991). O papel dos alunos surge, nas atividades laboratoriais tradicionais, fortemente condicionado pela prpria natureza das atividades. Como descreve Almeida (2001), o trabalho laboratorial do tipo confirmatrio, em que se pretende corroborar uma teoria previamente ensinada, e cujo papel do aluno se resume a um executor de receitas de cozinha, no contribui para o desenvolvimento de capacidades de resoluo de problemas e, de competncias de argumentao e de avaliao crtica dos resultados..

    Freire (2004) enumera alguns fatores contextuais apresentados pelos professores para justificarem a no realizao de trabalho laboratorial, como o elevado nmero de alunos por turma, a falta de material e a extenso do programa. Martins et al. (2002) acrescentam, ainda, as dificuldades de aprendizagem e o comportamento dos alunos, a falta de formao dos professores e as prticas de avaliao. Segundo estas autoras, o facto de os exames valorizarem mais o conhecimento de factos, leis e conceitos pode contribuir para um ensino expositivo e pouco focado no desenvolvimento de competncias prticas, curiosidade, esprito crtico e criatividade nos alunos. Nesta medida, no surpreende que, de acordo com uma concepo de ensino tradicional, a avaliao se encontre separada do processo de ensino e aprendizagem e que seja essencialmente de ndole classificatria. Aqui cumprir o programa e preparar para os exames confundido com aprender o programa (Cachapuz, 2000).

    Numa perspetiva de ensino diametralmente oposta tradicional, que Cachapuz (2000) denomina ensino por pesquisa, valoriza-se o papel ativo dos alunos no processo de aprendizagem e o professor assume-se como um orientador das aprendizagens. Cabe ao professor organizar situaes problemticas que fomentem a criatividade e a participao ativa dos alunos. Este autor considera que o trabalho laboratorial deve ser mais aberto tendo por base o modelo de resoluo de problemas. Esta abordagem ao trabalho laboratorial como investigao enaltecida nos National Science Education Standards (NRC, 1996, 2000), nas Orientaes Curriculares (Galvo et al., 2002) do 3 ciclo do ensino bsico e por muitos autores a nvel nacional e internacional (Hofstein, 2004; Leite, 2001, 2002; Lunetta, 1991; Roth, 1995; Wellington, 2000; Woolnough, 2000). Estas atividades so consideradas centrais no ensino das cincias (NRC, 1996, p. 2), porque proporcionam aos alunos uma exposio direta a experincias e reforam a natureza investigativa da cincia. A avaliao tradicional do trabalho laboratorial deve por isso ser repensada, como destaca Leite (2000), tal como a utilizao das atividades laboratoriais, tambm a avaliao dos alunos deve ser orientada pelas finalidades do ensino e aprendizagem das cincias. A componente da avaliao assume grande relevncia nesta perspetiva de ensino, de tal modo que, segundo Cachapuz (2000), o seu aprofundamento passa pelo avano da investigao sobre a avaliao.

    Um dos problemas cruciais relacionados com a implementao de atividades laboratoriais do tipo investigativo, segundo Hofstein (2004), prende-se com a avaliao das aprendizagens dos alunos. Na sua opinio, os professores devem usar estratgias e metodologias de avaliao que identifiquem as aprendizagens dos alunos quer em termos de conceitos quer em termos de procedimentos. O mesmo autor destaca, ainda, a avaliao do efeito das atividades sobre o interesse e a motivao dos alunos. Para Ash e Klein (2000) o ensino por investigao pressupe uma avaliao formativa, contnua e integrada no processo de investigao. Tambm Carlson, Humphrey e Reinhardt (2003) designam a avaliao que acompanha o trabalho dos alunos durante a implementao de investigaes por

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    avaliao contnua. Na medida em que, as estratgias de ensino so indissociveis das estratgias de avaliao. O professor tem que interagir com o aluno como um facilitador e acompanhar os progressos dos alunos recolhendo dados e dando constante feedback. Trata-se, portanto, de uma avaliao formativa, que cumpre ainda o objetivo de melhorar a prtica do professor. Estes autores destacam algumas tcnicas de avaliao como o questionamento, o feedback constante, a discusso na turma (ou heteroavaliao) e a autoavaliao. Este feedback constante ao longo de uma investigao encoraja o aluno a aprofundar o seu pensamento, alterar a investigao e rever as suas ideias enquanto a investigao decorre. Lunetta, Hofstein e Clough (2007) sugerem uma combinao de diferentes estratgias de avaliao: exames prticos, relatrios, portflios e a avaliao contnua. Esta ltima baseia-se na tcnica da observao, que como Leite (2000) sugere, pode recorrer a grelhas de observao ou a listas de verificao.

    Hodson (1992) defende que se pretendemos promover uma boa avaliao, temos que assegurar que esta apresenta quatro funes e que cada uma delas se relaciona com as finalidades do ensino das cincias. O autor, para alm da funo sumativa e formativa, destaca a funo avaliativa, que fornece informao ao professor sobre a eficcia das atividades implementadas permitindo-lhe refletir sobre as tomadas de deciso e planificaes. Acrescenta tambm uma funo educativa que se relaciona com o facto de a avaliao constituir tambm uma atividade de aprendizagem e no algo adicional. O envolvimento em atividades de avaliao constitui, assim, uma oportunidade de aprendizagem. A este respeito, Freire (2004) apresenta dois propsitos distintos sobre o papel da avaliao das aprendizagens dos alunos: ajudar o professor a refletir sobre as estratgias usadas e sobre as aprendizagens realizadas pelos alunos; e ajudar os alunos a aprender, acompanhando o seu envolvimento nas tarefas e informando-os acerca da sua evoluo.

    Valadares e Graa (1998) referem que vivemos num perodo de tenso resultante do conflito entre os defensores do paradigma psicomtrico, que entendem a avaliao como a medida rigorosa das capacidades e conhecimento dos alunos, e do paradigma cognitivista ou construtivista, que considera que a avaliao inseparvel do contexto em que a aprendizagem tem lugar e que o seu principal objetivo o conhecimento do desempenho atravs de tarefas diversificadas de aprendizagem.. Autores como Fernandes (2005) e Alves (2004) salientam que este ltimo se traduz numa concepo de avaliao mais humanizada, mais situada nos contextos vividos por professores e alunos, mais centrada na regulao e melhoria das aprendizagens, mais participada, mais transparente e integrada nos processos de ensino e de aprendizagem. Gipps (1999) considera que o enfoque agora est numa avaliao mais abrangente das aprendizagens, no envolvimento do aluno durante a avaliao, e no envolvimento dos professores no processo de avaliao. O propsito desta avaliao no a seleo ou certificao, mas sim a melhoria das aprendizagens dos alunos. Trata-se de uma concepo alargada de avaliao em que j no basta aplicar testes e exames aos alunos, necessrio apreciar comportamentos, conhecimentos, capacidades, atitudes, hbitos, interesses, de forma a assegurar informao que permita o desenvolvimento de um conjunto alargado de capacidades e competncias.

    Para mudar a avaliao necessrio que o professor compreenda que a avaliao e a aprendizagem esto interrelacionadas (Earl, 2003). Esta autora define trs concepes de avaliao: a avaliao da aprendizagem, a avaliao para a aprendizagem e a avaliao como aprendizagem. A avaliao que predomina nas escolas a avaliao da aprendizagem, em que a nfase colocada nos produtos, com um carcter essencialmente sumativo, focada na valorizao dos contedos e cujo objetivo certificar as aprendizagens dos alunos no final do ano. A avaliao para a aprendizagem valoriza a vertente formativa, a diversificao de instrumentos de avaliao e tem como finalidade a orientao e regulao do processo de aprendizagem. Na avaliao como aprendizagem o papel do aluno no processo de aprendizagem e na avaliao completamente alterado, passando a desempenhar um papel mais ativo e determinante no processo de aprendizagem, e avaliao. O feedback tem um

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    papel fundamental na promoo da melhoria das aprendizagens. A informao avaliativa obtida atravs de uma diversidade de estratgias, tcnicas e instrumentos. Earl (2003) explica que a avaliao da aprendizagem continua a ser importante, quando necessrio avaliar sumativamente, embora deva ter um papel mais reduzido do que as outras duas abordagens, sendo que a mais importante deve ser aquela que pe em destaque o papel do aluno, a avaliao como aprendizagem. Desta forma, no necessrio cortar com o paradigma psicomtrico, desde que a avaliao alternativa tenha um lugar de destaque.

    Alguns autores consideram que as concepes dos professores sobre avaliao so determinantes para a mudana nas prticas de avaliao (Benavente, Leo & Rabaa, 1995). Com efeito, vrios estudos revelam dificuldades dos professores em adaptar e alterar as suas prticas avaliativas em conformidade com as reformas curriculares (Amado, 1998; Alves, 2004; Martins, 1996; Queirs, 1997; Raposo, 2006; Viana, 2003). Por exemplo, o estudo desenvolvido por Raposo (2006) demonstra que os professores tm dificuldades na avaliao de competncias comunicativas, processuais e atitudinais, o que poder explicar a permanncia de prticas desajustadas ao currculo atual. O predomnio de prticas tradicionais na avaliao das aprendizagens ligadas ao paradigma positivista confirmado pelo facto de os testes permanecerem o instrumento mais amplamente utilizado nas escolas do ensino bsico. Os professores sentem a necessidade de medir os conhecimentos e comportamentos observveis, atravs de instrumentos em que acreditam, que se lhes apresentam como rigorosos e fiveis, os testes escritos (Alaz, Gonalves & Barbosa, 1997; Rafael, 1998). Esta herana de quando eram alunos e de muitos anos de uma experincia pouco diversificada ilustra bem o peso que os produtos de aprendizagem tinham na avaliao tradicional, e que ainda um elemento constante na prtica de muitos professores. Apesar dos resultados de vrios estudos (Amado, 1998; Campos, 1996; Graa, 1995; Gil, 1997; Queirs, 1997; Raposo, 2006) apontarem que alguns professores valorizam a avaliao com carter formativo, que recorrem a outro tipo de instrumentos de avaliao e que permitem a participao dos alunos na respetiva avaliao. A diversificao de instrumentos de avaliao atravs da utilizao de questionrios, entrevistas e portflios, ainda no uma prtica corrente. A forma como os dados recolhidos a partir da observao so integrados na avaliao dos alunos no explcita, pois na sua maioria, os professores recorrem a registos mentais. Os critrios de avaliao so pouco explcitos e no so devidamente explicados aos alunos. Esta perspetiva da avaliao tradicionalista, segundo a qual avaliar classificar, medir, selecionar e quantificar, surge associada a concepes de ensino centradas na transmisso e na sobrevalorizao dos contedos disciplinares (Benavente; Leo & Rabaa, 1995; Raposo, 2006).

    A maioria dos estudos mencionados demonstrou consistncia entre concepes e prticas de avaliao das aprendizagens. No entanto, os resultados de alguns estudos realizados (Alves, 2004; Rafael, 1998; Viana, 2003) apontam para incoerncias entre o discurso dos professores e as suas prticas de avaliao. Para Benavente, Leo e Rabaa (1995), a no articulao entre concepes e prticas dos professores relativas ao ensino, aprendizagem e avaliao, revela que os professores apesar de defenderem a diferenciao pedaggica tm dificuldades na sua operacionalizao. A organizao e a implementao de estratgias de ensino, como a resoluo de problemas e o trabalho de grupo, revela-se difcil para os professores (Rafael, 1998). A existncia de prticas que se afastam do que seria esperado no quadro do novo sistema de avaliao, como por exemplo, o teste como instrumento privilegiado, pode dever-se tambm a uma dificuldade em quebrar rotinas e hbitos (Benavente, Leo & Rabaa, 1995). Esta relao inconsistente entre o que conceptualmente se defende e o que se concretiza na prtica pode estar relacionada com fatores extrnsecos, como as condies do contexto, a experincia profissional, o gnero e o grupo disciplinar (Alves, 2004). Rafael (1998) menciona outros dilemas com que os professores se confrontam na prtica, nomeadamente: a falta de tempo para a implementao de estratgias inovadoras de ensino ou de formas de acompanhamento

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    individualizado dos alunos; a presso exercida pela necessidade de cumprimento do programa; a tenso provocada pelas exigncias da mudana e inovao, os interesses variados dos alunos e a sua pouca motivao; e o tipo de conhecimentos e capacidades que no correspondem ao nvel de escolaridade em que se encontram. Benavente, Leo e Rabaa (1995) consideram, ainda, que as dificuldades extrnsecas dos professores se prendem com a falta de condies de trabalho, como a constante mobilidade dos professores, a pouca participao das famlias e encarregados de educao na avaliao, a ausncia de uma poltica de avaliao ao nvel do grupo disciplinar e da Escola, a necessidades de formao de professores em avaliao e a falta de documentos de trabalho que apoiem os professores na implementao de prticas de avaliao inovadoras.

    Os problemas com que os professores se debatem quando tentam conceber prticas em consonncia com o defendido nos documentos curriculares agravam-se quando se trata de professores em incio de carreira. As condies da prtica podem ser facilitadoras ou inibidoras da mudana, especialmente nos primeiros anos de servio, que um perodo complexo e desafiante (Tillema, 2000; Flores, 2004). De acordo o estudo realizado por Flores (2004), as prticas de um professor em incio de carreira podem evoluir de uma perspetiva mais tradicional, centrada no professor, para uma abordagem mais centrada no aluno, quando este encontra um clima profissional de apoio e interajuda e alunos motivados; ou inversamente, quando enfrenta problemas de gesto da aula e de controlo dos alunos e outros constrangimentos associados socializao profissional no local de trabalho.

    Metodologia

    As concepes dos professores no so diretamente observveis o que implica que tero de ser necessariamente inferidas a partir daquilo que os professores dizem e fazem, de preferncia, atravs de metodologias interpretativas (Pajares, 1992). Dado que, de acordo com as questes colocadas, se pretende que o produto do estudo tenha uma natureza descritiva e interpretativa, optou-se por uma metodologia qualitativa. Para Bogdan e Biklen (1994), o objetivo de uma investigao qualitativa o de melhor compreender o comportamento e experincia humanas () compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever em que consistem esses mesmos significados (p.70). Nesta pesquisa em que se pretende descrever o mais pormenorizadamente possvel as concepes e as prticas dos professores dentro do seu contexto real, optou-se pela realizao de um estudo de casos mltiplos em profundidade, como descrito por Yin (2003), atravs da anlise comparativa entre casos das concepes de trs professores.

    Participaram no estudo trs professores de Fsica e Qumica do 3. Ciclo em incio de carreira que tiveram oportunidade de se familiarizar com a reorganizao curricular ainda no perodo da formao inicial. Os participantes possuem licenciatura com estgio integrado. Este corresponde a um ano de prtica pedaggica supervisionada por um professor da escola secundria e trs professores (educao, fsica e qumica) da Faculdade de Cincias. No Quadro 1 apresenta-se um resumo das caractersticas pessoais, profissionais e acadmicas dos professores.

    Como o contexto e o fenmeno no so fceis de distinguir, foi necessrio diversificar a recolha de dados. O recurso entrevista pode, por si s, ser insuficiente para detetar as concepes dos professores. Por vezes, os professores apresentam um discurso que pouco tem a ver com as suas prticas, mas que aquele que reconhecem estar de acordo com determinadas orientaes. Desta forma, para promover a triangulao de dados, como sugerido por vrios autores (Merriam, 1988; Patton, 2002; Bogdan & Biklen, 1994; Yin, 2003), recorreu-se a trs tipos de tcnicas de recolha de dados entrevista, observao e anlise de documentos.

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    Quadro1. Caracterizao Profissional e Acadmica dos Participantes.

    Nome Idade Gnero Habilitaes acadmicas Habilitaes profissionais

    Situao profissional

    Anos de

    servio

    Disciplina /Ano Cargos

    A 28 Masculino

    Licenciatura no Ensino da Fsica e da Qumica

    Estgio integrado Contratado 3

    Cincias Fsico-Qumicas (7, 8 e 9)

    Diretor de turma; Coordenador de departamento

    B 24 Feminino

    Licenciatura no Ensino da Fsica e da Qumica

    Estgio integrado Contratada 3

    Cincias Fsico-Qumicas (7, 8 e 9)

    ----------------

    C 25 Masculino

    Licenciatura no Ensino da Fsica e da Qumica

    Estgio integrado Contratado 3

    Cincias Fsico-Qumicas (8) Fsico-Qumica (11)

    Diretor de turma;

    Neste trabalho foram usados trs tipos distintos de entrevistas semiestruturadas, a entrevista

    inicial, a entrevista aps observao das aulas e a entrevista sobre relatos de aula. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas pelas investigadoras. A primeira entrevista realizada foi estruturada em trs grandes blocos percurso acadmico e profissional, ensino e aprendizagem, e avaliao. Pretendia-se com esta primeira entrevista recolher dados que permitissem: (a) obter informao acerca da formao acadmica e, principalmente, do percurso profissional dos professores; (b) determinar as concepes dos professores sobre o ensino e a aprendizagem; e (c) determinar as concepes dos professores sobre avaliao. As entrevistas iniciais foram complementadas posteriormente por um conjunto de observaes diretas dos participantes em contexto de aula, das quais se fez um registo udio. Depois de cada observao de aula foi realizada uma entrevista para refletir sobre alguns aspectos que sobressaram na observao das aulas e precisavam de ser clarificados. Depois de concluda a srie de observaes de aulas realizou-se outra entrevista sntese das observaes efetuadas.

    Foi, ainda, realizada uma entrevista sobre relatos de aula que tinha como finalidade levar os professores a refletir e a manifestar as suas concepes de ensino e de avaliao, ao compararem esses relatos com as suas prticas (Freire, 1991). Cada relato corresponde a uma sugesto de aula que manifesta sobretudo, duas concepes de ensino. Nos relatos A e B as aulas so centradas na figura do professor, que expe matria no relato A e realiza uma atividade laboratorial no relato B. Os alunos tm um papel passivo, intervindo apenas quando solicitados, respondendo s questes colocadas pelo professor e tirando apontamentos sobre o que realizado na aula. Estes relatos exemplificam aulas com um carcter mais tradicional em que o professor visto como um transmissor do conhecimento e os alunos como meros receptores de informao. Nos relatos C e D, o professor surge como um agente facilitador da aprendizagem, organizando os alunos em grupo e dinamizando atividades que proporcionam uma maior autonomia aos alunos. O relato C apresenta uma aula em que os alunos teriam de realizar uma pesquisa e discusso em grupo com o objetivo de resolver um problema colocado pelo professor. No relato D descrita uma atividade de investigao em que cabe aos alunos a sua planificao, realizao e discusso. Nestes dois relatos evidente o papel ativo do aluno, organizando a sua prpria aprendizagem.

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    A observao das aulas permitiu colher informaes sobre as prticas dos professores e a forma como integram a avaliao nas atividades realizadas com os alunos. Foi solicitado a cada professor que selecionasse aulas com caractersticas diferentes expositiva, de resoluo de exerccios e de atividade prtica, para permitir uma recolha de dados mais diversificada. Durante cada sesso foi realizado um registo escrito, o mais completo possvel, tendo sido descritos e evidenciados aspectos que necessitavam de posterior esclarecimento junto dos professores numa entrevista aps a observao de aulas.

    A recolha de dados foi complementada com a anlise de documentos oficiais e pessoais dos professores. Em relao aos primeiros, foram recolhidos os critrios de avaliao e planificaes anuais de cada uma das escolas onde os participantes lecionavam. No que se refere aos documentos pessoais foram recolhidas fichas de trabalho, testes, grelhas de classificao, materiais didticos, registos de observao e fichas de atividades laboratoriais. A informao proveniente da anlise destes documentos foi depois confrontada com a informao obtida atravs da anlise das entrevistas e das observaes. A anlise de contedo dos documentos permitiu, ainda, confirmar a interpretao das investigadoras sobre as concepes dos professores acerca da avaliao, assim como, esclarecer e caracterizar as suas prticas avaliativas.

    Os dados recolhidos foram analisados de acordo com o quadro conceptual e as questes do estudo, apresentando-se no Quadro 2 uma sntese dos instrumentos de recolha de dados utilizados para a anlise de cada uma das questes.

    Quadro 2. Instrumentos de recolha de dados e questes de investigao

    Recolha de dados

    Entrevista Questes de Investigao Inicial Relatos Aps observao

    Observao Documentos

    Concepes de avaliao X

    Estratgias/ Instrumentos de avaliao X X X X

    Articulao entre prticas de ensino e prticas de

    avaliao X X X

    Concepes de ensino e aprendizagem X X X X

    Neste estudo a anlise de dados seguiu, em traos gerais, o modelo de Miles e Huberman (1994), que consiste em trs fases: a reduo de dados, representao e organizao de dados, e a interpretao dos dados. O mtodo do questionamento e comparao constantes (Strauss & Corbin, 1998) permitiu a emergncia de vrias categorias. As transcries das entrevistas, as notas de campo recolhidas pela investigadora durante a observao de aulas e os documentos recolhidos foram submetidos a uma anlise de contedo que permitiu fazer inferncias sobre a fonte e o contexto que gerou os dados em anlise, bem como confirmar a interpretao da investigadora sobre o pensamento dos professores (Bardin, 2004). Da anlise dos dados e da reviso da literatura resultaram as categorias apresentadas no Quadro 3, que se encontram organizadas de acordo com as questes de investigao.

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    Quadro 3. Categorias de anlise. Questes de investigao

    Categorias Definio

    Conceito de avaliao

    Avaliao como medida, predominando a funo de classificao e seleo (avaliao de aprendizagem). Avaliao como um processo de orientao e regulao da aprendizagem (avaliao para a aprendizagem).

    Finalidades da avaliao

    Informar os alunos sobre o seu desempenho Orientar o processo de aprendizagem Adequar as estratgias de ensino e de avaliao s necessidades dos alunos Avaliar o desempenho dos alunos e do professor

    Objeto da avaliao Desempenho do professor Produtos das aprendizagens Atitudes

    Critrios da avaliao Explicitao dos critrios de avaliao Aplicao dos critrios de avaliao Atribuio de nveis

    Intervenientes da avaliao

    Professores Alunos (autoavaliao e definio de critrios)

    Concepes de avaliao

    Modalidades da avaliao

    Avaliao diagnstica Avaliao formativa Avaliao sumativa Autoavaliao Heteroavaliao

    Estratgias de recolha de informao

    Questionamento Observao Documentos escritos (testes, fichas de trabalho, trabalhos, trabalhos para casa) Atividades Laboratoriais

    Estratgias/ Instrumentos de

    avaliao

    Instrumentos de avaliao Processo de registo (escrito ou mental)

    Articulao entre prticas de ensino e prticas de avaliao

    Integrao da avaliao no processo de ensino e

    aprendizagem

    Estratgias de ensino coincidentes ou no com as estratgias de avaliao. Feedback proporcionado aos alunos. Dilogo com os alunos.

    Papel do aluno Interventivo Passivo

    Papel do professor Transmissor Orientador

    Finalidades de ensino Desenvolvimento de competncias de conhecimento substantivo e processual, e de raciocnio, atitudes e comunicao.

    Concepes de ensino e aprendizagem

    Estratgias de ensino Diversificao de recursos Atividades implementadas (questionamento, trabalhos, resoluo de exerccios, atividades laboratoriais)

    Resultados

    Os resultados da anlise comparativa dos trs estudos de caso em torno das quatro questes de investigao organizaram-se em quatro temas: concepes de avaliao; prticas de avaliao; articulao entre prticas de ensino e prticas de avaliao; e as concepes de ensino e aprendizagem. De seguida, apresentam-se os resultados de uma forma sistematizada e fundamentada com citaes dos professores.

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    Concepes de avaliao

    Esta seco apresenta uma anlise da concepo de avaliao revelada pelos professores, segundo vrios componentes: conceito de avaliao, finalidades da avaliao; objeto da avaliao; critrios de avaliao, intervenientes da avaliao e modalidades da avaliao. Os argumentos enunciados pelo professor nas entrevistas so aqui analisados relativamente a cada uma das categorias atrs referidas.

    O discurso do professor C aproxima-se da concepo da avaliao da aprendizagem (Earl, 2003), pelo enfoque numa avaliao com uma funo meramente classificativa, que valoriza os produtos da aprendizagem em detrimento dos procedimentos de adequao de estratgias e melhoria das aprendizagens dos alunos. Apesar de demonstrar preocupao em encontrar as dificuldades dos alunos, quando questiona os alunos

    para serem confrontados com aquilo que fizeram ou no fizeram na aula e com o que sabem e no sabem. A partir da eu tambm posso avaliar o que fiz bem ou menos bem e tentar dar uma volta, e explicar novamente. (Entrevista inicial)

    Este professor no utiliza as informaes recolhidas pela avaliao para alterar as estratgias de acordo com as dificuldades sentidas pelos alunos, limitando-se a explicar mais um pouco a matria aos alunos. Quando altera as suas estratgias devido a questes de tempo, para cumprir a planificao definida em funo dos contedos.

    Os outros dois professores envolvidos neste estudo, o professor A e a professora B, evidenciam uma concepo de avaliao para a aprendizagem (Earl, 2003). Por exemplo, o professor A quando refere, na entrevista inicial, que a avaliao vai alm da classificao, que perceber o que funciona e o que no funciona para as aprendizagens () ver o que os alunos fazem e ver o que posso mudar, est a evidenciar que a avaliao tem a finalidade de orientar e regular o processo de ensino e aprendizagem. Apesar de no ser explcito a esse respeito, depreende-se no seu discurso que a avaliao ter tambm como finalidades adequar as estratgias de ensino e de avaliao face s necessidades dos alunos, e de avaliar o seu prprio desempenho. Tambm a professora B evidencia esta mesma ideia, considerando que existem certas estratgias que mudei (), porque verifiquei que no obtive bons resultados. () fui fazendo ajustes consoante as dificuldades dos alunos. Os discursos destes dois professores parecem refletir a influncia do paradigma construtivista na avaliao, no entanto, tambm refletem o paradigma psicomtrico, na importncia atribuda avaliao de conhecimentos e capacidades atravs de testes (Gipps, 1999).

    A anlise dos critrios de avaliao da escola e da grelha de classificao elaborada por cada professor permitiu verificar que outros fatores, como opinies pessoais, podero influenciar os professores na atribuio das classificaes. Nos seus discursos, o professor A e a professora B, afirmavam-se condicionados pelos critrios de avaliao definidos pela escola. Estes professores utilizaram este argumento para justificar o peso excessivo atribudo aos testes e o pouco peso atribudo a outras competncias, como as atitudes. Esta discordncia com o peso atribudo aos testes nos critrios de avaliao da sua escola ficou bem clara no discurso da professora B.

    os testes so o que tem mais peso. Portanto, eles at acham que se podem portar mal nas aulas, porque tm testes positivos. Eles acham que podem nem sequer fazer os trabalhos e que no precisavam de se aplicar porque tm positiva nos testes. E at, inclusivamente, era isso que acontecia, porque eu tive um aluno, pelo menos, que nunca fez os trabalhos, depois tinha sempre positivas altas nos testes e tinha a classificao de trs, porque assim que definido pela escola, a escola definiu 70%, no d margem de manobra (). Todos os parmetros so importantes, na nossa escola estabeleceu-se 30% [] s atitudes. Se calhar no o mais justo,

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    mas dentro da cabea de todos est inserida esta ideia, imagina o que era um aluno ter positivas nos testes e ter negativa por causa das atitudes, os pais saltavam para a escola, porque est incorporada essa ideia, eles tm positivas nos testes e vo ter positivas no perodo. (Entrevista aps observao de aula)

    Apenas esta professora se baseia nos critrios de avaliao da escola para atribuir as classificaes dos seus alunos. Os outros professores elaboram critrios de classificao onde apenas constam os parmetros por eles valorizados, que no caso do professor C retira quase toda a importncia ao parmetro referente s atitudes dos alunos. Aquilo que parecia uma condicionante das prticas avaliativas destes dois professores revelou-se pouco constrangedora para a seleo de instrumentos de avaliao e a atribuio de classificaes aos alunos. Os professores demonstram, ainda, uma grande dificuldade na explicitao dos critrios de avaliao, o que, de acordo com Fernandes (2005), pode colocar em causa a transparncia do processo de avaliao. Por exemplo, o professor A explicita os critrios por escrito no incio do ano letivo, mas considera que os alunos no tm presente qual o peso de cada parmetro. Quando confrontado com a no explicitao dos critrios ao longo do ano, afirma que apenas explicita a importncia do teste, pois estes tm um peso de 50%, justificando que

    Eles [alunos] so muito centrados nos testes, eles sabem que h outras coisas que contam, que o caderno dirio conta, que a participao conta, mas no fundo o teste o mais importante no ponto de vista deles. Portanto, se eu lhes disser tens que trabalhar nesta aula para eu te dar uma boa nota, isso se calhar indiferente, mas se eu disser que tm de trabalhar, pois ainda tm um teste, se calhar uma motivao maior. Porque sempre aquela coisa, vai a nota para casa, para os pais. (Entrevista aps observao de aula)

    A atribuio de nveis no constitui uma dificuldade para o professor C no processo de avaliao dos alunos, ao contrrio dos seus colegas. O professor A explica estas dificuldades enfrentadas no seguinte excerto da entrevista inicial:

    ser que estou a ser justo. uma grande responsabilidade principalmente quando o futuro deles est em jogo. Eu gosto de ter a confiana de que aquilo que est ali corresponde ao trabalho desenvolvido pelos alunos na minha aula. A parte mais ingrata saber se podia ter feito mais pelo aluno. Um aluno que falte ser penalizado ainda que as razes para as suas faltas sejam mais do que legtimas. () Ser justo do ponto de vista de no me deixar influenciar por situaes pontuais ou preferncias. Eu procuro ser o mais justo possvel, agora acredito que no o consiga ser sempre. (Entrevista inicial)

    Apesar de afirmar que a classificao tem por base a aplicao dos critrios de avaliao estabelecidos pela escola, o professor A admite que esta pode sofrer a influncia de outros fatores, nomeadamente, a falta de objetividade devido s relaes afetivas entre professor e alunos. Uma preocupao desnecessria na perspetiva de Peralta (2002), que considera que no preciso evitar a todo o custo a subjetividade, mas sim a arbitrariedade e a ausncia de critrios.

    Todos os professores ocupam o papel principal no processo de avaliao, informando os seus alunos do seu desempenho esporadicamente no decorrer das aulas e no final dos perodos. Os alunos no tm qualquer influncia na definio de critrios ou na escolha das estratgias de avaliao, a sua participao resume-se autoavaliao no final dos perodos. No entanto, o professor A demonstra valorizar o dilogo com os alunos, de onde retira informao para tomar decises relativamente aos alunos. J a professora B aproveita os momentos de autoavaliao para refletir sobre a adequao das suas estratgias e ouvir as sugestes dos alunos. O professor C considera importante que os alunos reflitam sobre o trabalho que produziram no final do perodo, onde espera que os alunos confirmem as decises que j tomou em relao aos seus desempenhos. De uma forma geral, evidente um papel mais interventivo na negociao dos termos e dos resultados de avaliao ainda pouco valorizado por este professores (Gipps, 1999).

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    A modalidade de avaliao privilegiada por todos os professores a avaliao sumativa, concretizada na forma de testes. O professor C no demonstra valorizar a avaliao formativa enquanto, os outros professores afirmam necessitar desta para adequarem as suas estratgias s dificuldades dos alunos e tambm para informar os alunos. Apenas o professor A se refere avaliao diagnstica, que utiliza para compreender as dificuldades dos alunos. Estes resultados demonstram que os professores ainda se distanciam da perspetiva, defendida por Abrantes (2002), de que o processo de avaliao deve evidenciar os aspectos em que as aprendizagens dos alunos precisam de ser melhoradas, apontando modos de superar as dificuldades e ao mesmo tempo valorizar os seus interesses e aptides.

    Prticas de avaliao

    As prticas de avaliao que os professores implementam esto divididas em duas categorias: estratgias de recolha de informao e instrumentos de avaliao. Relativamente primeira, as estratgias mais usadas pelos professores so o questionamento dos alunos, a observao, os trabalhos para casa e os testes. O questionamento uma estratgia fundamental nas aulas do professor A, como explica numa entrevista realizada aps uma das aulas observadas, porque desta maneira sei o que foi aprendido e avalio quer formativa quer sumativamente. As respostas que eles [alunos] me do so muito importantes para saber se eles esto a compreender e para avali-los. Esta estratgia revela-se essencial quando promove atividades laboratoriais, para perceber qual a dificuldade e a dar pistas para pensar em maneiras de superar as dificuldades.

    As estratgias de recolha de informao mais frequentes nas aulas de todos os professores so as que visam a avaliao do conhecimento substantivo e do raciocnio, como o questionamento sobre os contedos, os testes e a resoluo de exerccios. Destas estratgias a mais usada o questionamento oral, no entanto, o instrumento de avaliao mais importante para o professor A e para a professora B o teste, pois apresenta um maior peso na classificao dos alunos. A mesma valorizao do teste se constatou nas prticas do professor C, em conformidade com a afirmao que fez na entrevista inicial em que considera que atravs deste instrumento de avaliao conseguimos num nico momento avaliar o conhecimento substantivo e de uma forma homognea todos os alunos. A anlise destes instrumentos de avaliao construdos pelos professores mostrou que a professora B coloca questes de interpretao, em que os alunos devem estabelecer comparaes entre os contedos abordados. O professor A tem a preocupao de introduzir nos testes de questes que relacionam os contedos com as atividades laboratoriais que os alunos realizaram. As questes concebidas pelo professor C nos testes so diversificadas, mas no envolvem questes de interpretao e anlise, e nem fazem aluso ao trabalho laboratorial realizado.

    A observao outra estratgia de avaliao muito utilizada pelos professores. Contudo, apenas a professora B recorre a registos escritos sistemticos da observao realizada nas aulas atravs de listas de verificao, como demonstra o seguinte excerto da transcrio da entrevista inicial:

    Registo tudo o que eles fazem. Muitas vezes eu dou fichas para os alunos resolverem com atividades ou exerccios, e muitas vezes no recolho essas fichas porque j anotei nas listas o que eles fizeram. () H competncias que conseguimos avaliar apenas olhando para os alunos, quando por exemplo eles trabalham em grupo ou fazem uma montagem, para isso usamos os nossos registos, que pode no ser to dirio quanto isso mas ns temos ideia das coisas que os nossos alunos fazem e do que cada um deles capaz ou no de fazer. Utilizo uma folha de registos em que tenho vrios parmetros e coloco l o desempenho dos alunos com uma escala. (Entrevista inicial)

    Os registos de observao das aulas e das atividades laboratoriais fornecem informao acerca do desenvolvimento das atitudes e do conhecimento processual, ainda que esta ltima competncia no seja to valorizada, uma vez que o trabalho laboratorial pouco frequente nas aulas desta professora.

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    Quanto observao realizada na sala de aula, o professor A afirma, na entrevista inicial, fazer registos, porque na altura de dar uma nota no posso basear-me s na minha cabea. Escrevo numa folha e no fim tento organizar tudo. Estes registos das observaes so pontuais como reala,

    Fao um julgamento do comportamento do aluno quando ele se evidencia pela positiva ou pela negativa. Tomo notas mas s dos alunos que se destacam positiva e negativamente. E se h alguma situao em que eu veja que h grandes dificuldades para poder mais tarde trabalhar nelas. Hoje ia destacar a Ctia que esteve bem e a Roseane que tambm teve umas respostas boas. Pela negativa destacaria a Ins, que no estava interessada. Fao registos neste sentido. (Entrevista inicial)

    Os registos da observao das aulas so pouco exaustivos, fornecendo pouca informao quanto s atitudes e a evoluo dos alunos. Durante a realizao de atividades laboratoriais este professor no procede recolha de informao relativamente ao conhecimento processual.

    Em relao a registos de observaes das aulas com recurso a grelhas ou listas de verificao, o professor C categrico

    Observao de aulas, no. Porque esse tipo de observao, eu e se calhar, muitos professores tambm, conseguimos ao longo do ano ir verificando que determinado aluno tem determinado comportamento, um outro dia pode ser uma exceo, mas geralmente todos tm um comportamento padro ao longo do ano. (Entrevista inicial)

    Nas aulas em que implementa trabalho laboratorial, semelhana das outras aulas, o professor C raramente recorre a registos de observaes. Numa entrevista realizada aps a observao de uma aula, o professor afirma no fao registos. E quando fao mais em aulas prticas. No h disponibilidade de tempo nem disponibilidade fsica. No sinto necessidade porque o tipo de comportamentos, respostas e motivaes mais ou menos homogneo ao longo do tempo. Os nicos registos que realiza resumem-se a anotar

    quem que fez e quem no fez, quem traz as fichas e quem no traz para a aula. s vezes fao registos, depende das turmas. Muitas vezes no vale a pena, porque imagina que todos trazem sempre, h sempre um ou outro que se esquece. (Entrevista inicial)

    Daqui se depreende que raramente faz registos escritos. Este professor argumenta dispor de pouco tempo para a execuo de registos de observaes, desta forma, no clara a forma como avalia as competncias atitudinais e processuais. Da anlise dos critrios de avaliao da escola e da grelha de classificao que elabora, pode-se concluir que o professor C por sua iniciativa no avalia o conhecimento processual. A atribuio de uma classificao no parmetro comunicao baseada unicamente na participao oral dos alunos, pois no realizam nem apresentam trabalhos. A avaliao das atitudes resulta da imagem que o professor tem do aluno e no da recolha sistemtica de informao atravs de registos.

    Verificam-se algumas inconsistncias nos discursos dos professores, entre o que defendem, em que se aproximam dos objetivos propostos nas orientaes curriculares, e o que dizem fazer, em que se afastam destes princpios. O professor C afirma promover o desenvolvimento de todas as competncias, mas depois acaba por admitir s implementar estratgias que visam quase exclusivamente o conhecimento substantivo e o raciocnio, argumentando que

    muito complicado avaliar as competncias todas em todos os alunos. H muitas competncias que so complicadas de avaliar (). As coisas mais objetivas so fceis de avaliar, portanto, ou est certo ou est errado, pronto! As coisas mais complicadas de avaliar so aquelas que so ligeiramente mais subjetivas. Que o caso daquela coisa chamada de atitudes. Isso para mim o mais difcil de avaliar, porque a tem que haver sempre termo de comparao entre os alunos,

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    enquanto nos outros mais objetivos, conhecimento substantivo, raciocnio e por a fora, ou no , est certo ou est errado. (Entrevista inicial)

    Menos acentuadas estas discrepncias, mas tambm se constataram, no caso dos professores B e A, a primeira ao utilizar pouco atividades laboratoriais e este ltimo, ao no utilizar com frequncia registos escritos para avaliar as atitudes e o conhecimento processual. Estas evidncias deixam claro que os professores tm dificuldade a entender que a avaliao de competncia, como refere Peralta (2002), implica observar os alunos, direta ou indiretamente, na realizao de atividades, to prximas quanto possvel de situaes autnticas, usando para tal um conjunto de instrumentos que permitam a recolha de evidncias sobre o desenvolvimento das competncias do aluno.

    Todos os participantes demonstram dificuldades na avaliao das competncias atitudinais e processuais, sendo que, apenas um dos participantes elabora registos de observao para avaliar estas competncias. No entanto, dois professores recolhem uma quantidade significativa de informao sobre as atitudes dos seus alunos que, muito provavelmente utilizada de forma aleatria, sem se inscrever numa estratgia coerente e deliberada de avaliao. Trata-se de informao que essencialmente proveniente de observaes e de conversas informais. De um modo geral, verifica-se que a atribuio de classificaes est sobretudo dependente dos resultados dos testes. O peso desmesurado do teste sumativo na avaliao dos alunos e a pouca utilizao dos instrumentos ditos de avaliao formativa listas de verificao, escalas de verificao, grelhas de observao, registos de incidentes crticos coincide com a caracterizao que Pacheco (2005) faz das prticas de avaliao mais comuns e refletem a concepo de avaliao da aprendizagem, definida por Earl (2003), que enfatiza os contedos.

    Articulao entre prticas de ensino e prticas de avaliao

    Nesta seco apresentada uma anlise realizada s prticas de ensino e s prticas de avaliao observadas nas aulas para tentar compreender a articulao entre estas. Se h ou no utilizao dos dados da avaliao durante o trabalho real da sala de aula com o objetivo de adequar as estratgias de ensino e aprendizagem, procurando que a avaliao tenha um carcter til na orientao dos alunos durante a realizao das tarefas de aprendizagem e permita a interveno atempada do professor sobre os trabalhos desenvolvidos. Inclui estmulos, expresses de apreciao positiva e negativa, orientaes individualizadas ou coletivas.

    O professor A corrige sempre os alunos quando erram questes quer na correo dos testes quer no decorrer das aulas e incentiva-os a participarem, nomeadamente, chamando-os para resolverem exerccios no quadro. Enquanto os alunos resolvem exerccios ou realizam trabalho laboratorial, o professor procura dar ateno a todos e orient-los sempre que demonstram terem dvidas. Aos alunos que apresentam mais dificuldades tenta fazer um acompanhamento mais individualizado. A informao e a orientao dos alunos nas suas aulas so uma constante, evidenciando uma articulao entre o processo de ensino-aprendizagem e o processo de avaliao. Na sua opinio, a avaliao deve ser sempre integrada nas atividades do dia a dia, no entanto, como se constatou durante a observao das aulas, raramente o professor faz registos sobre as atitudes dos alunos e quando isso acontece resumem-se a algumas anotaes relativamente a um ou dois alunos. O professor ocasionalmente d feedback aos alunos em conversa informal no decorrer e no fim da aula. Quando questionado acerca do carcter do feedback dado a uma aluna, o professor responde que

    s vezes mais fcil fazer quando na negativa do que quando pela positiva, embora a Ctia tenha percebido porque eu disse-lhe que hoje ia ter um mais. Portando, eles tm conscincia que eu estou a avali-los durante todas as aulas e no apenas nos testes. (Entrevista aps observao de aula)

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    O feedback indispensvel para que a avaliao integre os processos de ensino e de aprendizagem e para que a avaliao assuma a sua natureza formativa, porm, tal como frisa Domingos (2005), tem que ser pensado, estruturado e adequadamente integrado no processo de aprendizagem dos alunos, e tem de ser bem mais do que uma simples mensagem. Ao contrrio do exemplo apresentado no excerto da entrevista anterior, o professor deve garantir que o que comunicado aos alunos efetivamente percebido de forma a que eles possam saber o que fazer com tal comunicao (Fernandes, 2005).

    A discrepncia entre prticas de ensino e prticas de avaliao notria, sob diversos aspectos. As estratgias de ensino so, a seu ver, coincidentes com as estratgias de avaliao, mas o que se verifica que a informao no toda recolhida e por conseguinte, no permite informar o processo de ensino-aprendizagem a tempo de fazer adaptaes. Os registos so insuficientes e no abarcam todas as competncias, como o prprio assume

    No estgio tinha uma lista de verificao com uma escala para cada competncia, principalmente nas aulas prticas. Deixei de fazer isso por falta de tempo. Teria mais informaes para a avaliao (). Eu avalio tudo, h coisas que no tenho instrumentos, por exemplo, o comportamento. (Entrevista inicial)

    A importncia do teste como instrumento de avaliao evidente no discurso do professor A quando, no incio de uma aula posterior realizao de um teste, diz aos alunos: precisamos de falar sobre os testes. Nesta aula, o professor em dilogo com os seus alunos acerca do teste explica que tero uma nova oportunidade para ter melhores classificaes nos testes quando abordarem novos contedos, demonstrando que o teste no entendido como uma possvel estratgia de ensino, mas somente como um instrumento que fornece a classificao. Esta relevncia dada ao teste pelo professor partilhada pelos alunos, como um aluno deixa claro ao questionar o professor no incio de uma nova matria, Isto sai no teste?. Tanto o professor como os alunos no consideram as atitudes, o conhecimento processual e a comunicao como parmetros de avaliao em que os alunos podero canalizar os seus esforos com o objetivo de melhorarem a sua classificao. Esta ideia evidente no discurso do professor quando interpela uma aluna aquando da realizao de uma atividade laboratorial, afirmando aproveita agora para melhorar porque isto vai sair no teste!. O professor nunca se refere importncia do trabalho laboratorial como momento de aprendizagem e de avaliao, mas apenas como mais uma hiptese de adquirirem conhecimentos que depois constaro no teste.

    Durante a realizao de exerccios e de atividades laboratoriais, a professora B procura dar algum feedback aos alunos sobre o seu desempenho, quanto mais no seja com aquelas palavras muito bem, boa resposta. Mas, este feedback aos alunos, segundo a professora, nem sempre possvel dada a dimenso da turma e a falta de tempo de aula. Para alm do j referido, o questionamento permite-lhe conhecer as dificuldades dos alunos e tambm, orientar e informar os alunos acerca do seu desempenho durante a realizao das tarefas, como exemplifica: lembro-me de algum que disse que no percebeu nesta aula e ento que repetir. Portanto, nesse aspeto houve algum feedback. No entanto, inmeras vezes quando os alunos lhe dizem que no perceberam alguma coisa, a professora antes de ajud-los interroga-os em tom de crtica: Estiveste na aula anterior?. Este tipo de comentrio dissuade os alunos de colocarem as suas dvidas com receio de serem criticados. Segundo esta professora, a avaliao deve ser frequente e totalmente integrada nas atividades da sala de aula, como se depreende no seguinte excerto da entrevista inicial:

    A avaliao deve ser sempre, devemos avaliar constantemente. Isto apesar dos alunos no terem esta noo, eles acham que s esto a ser avaliados no momento em que fazem os testes. Devemos estar sempre a avaliar os nossos alunos, mas s vezes poder haver pormenores que nos escapam, pois as turmas so muito grandes. importante que tudo o que os alunos faam

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    seja levado em conta para a nota final, porque a nota final um bolo de uma srie de coisas e no apenas de testes. (Entrevista inicial)

    Contudo, verifica-se um afastamento entre o discurso da professora e as suas prticas. O teste surge frequentemente nas advertncias que faz aos alunos nas aulas, como por exemplo: Depois vo tambm achar muita graa quando receberem as notas dos testes (). Depois no teste os que se riem que vo ter pior nota! () Espero que no teste tambm seja assim to fcil!. Estas afirmaes esto obviamente associadas ideia de que o teste o instrumento de avaliao mais valorizado quer pela professora quer pelos alunos, o que prejudica a integrao entre o processo de ensino-aprendizagem e a avaliao. Perante os alunos, a professora no valoriza o desenvolvimento de competncias de conhecimento processual, atitudes e comunicao como o faz com o conhecimento substantivo, promovendo desta forma para a continuao da convico por parte dos alunos que este o nico parmetro importante na sua avaliao, que se centra em momentos avaliativos especficos, os testes. Globalmente as prticas de ensino e as prticas de avaliao desta professora so coincidentes, servindo ambos os propsitos. A professora evidencia recolher informao acerca da avaliao das aprendizagens dos alunos em todas as estratgias de ensino que promove. Porm, essa informao parece servir mais uma funo de classificao do que de regulao das aprendizagens, por vrias razes o feedback aos alunos, no frequente e a autoavaliao, no uma prtica valorizada.

    O professor C considera que as questes que coloca aos alunos lhe permitem detetar as suas dificuldades e ao mesmo tempo, a par com a correo dos testes, proporcionam o feedback que os alunos precisam para melhorarem. Algumas vezes utiliza expresses como muito bem para incentivar a participao dos alunos. Durante as aulas procura responder a todas as dvidas colocadas pelos alunos e mostra-se disponvel para acompanhar os alunos que apresentam mais dificuldades, mesmo fora das aulas, mas admitiu, durante a entrevista inicial, que por vezes

    h alguns alunos um bocadinho mais fracos que s vezes na aula no conseguem talvez, acompanhar-me, mas uma opo que tem que ser feita e eu fao essa opo sem problemas de conscincia, [] os mdio/bons tambm no podem ser prejudicados relativamente aos outros, enquanto que os outros podem ter apoio extra. (Entrevista inicial)

    A orientao dos alunos durante a realizao de atividades laboratoriais e na resoluo de exerccios proporcionada de uma forma mais coletiva do que individualizada. O que provoca o constrangimento de alguns alunos em expor as suas dvidas perante todos os colegas e, por consequncia, o seu desinteresse na realizao das tarefas. Para este professor, a avaliao deve ser contnua e realizada ao longo das aulas e deve tambm, ter momentos especficos. Refere-se a uma avaliao integrada nas atividades do dia a dia da sala de aula, mas, no decorrer da entrevista inicial, d como exemplos apenas as competncias do conhecimento substantivo e o raciocnio pode ser no decorrer das aulas com trabalhos de casa, fichas de trabalho. Quando se refere aos momentos especficos, est-se a referir aos testes, conforme se pode depreender do seguinte excerto:

    O [], h certos momentos na vida que ele tem que ter responsabilidade, que ali naquela situao se vai determinar ou definir se segue um caminho ou segue outro, na sua vida. Portanto, ele tem de ter essa noo, que h momentos maiores de responsabilidade, que vo definir o rumo da sua via, portanto, acho importante que haja momentos prprios para um tipo de avaliao mais pesada. (Entrevista inicial)

    As prticas avaliativas deste professor relacionam-se mais com uma concepo de avaliao da aprendizagem (Earl, 2003). As estratgias de ensino no so muito diversificadas, embora o professor tenha referido na entrevista inicial que todo o tipo de atividades fazem falta, porque todas tm o seu papel na aprendizagem, na realidade a maioria das estratgias centram-se nos contedos e isso reflete-se nas suas prticas de avaliao, que se focam na realizao de testes e fichas. Os testes

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    so o instrumento mais valorizado e sempre presente no discurso do professor nas aulas, com afirmaes do tipo ai que nota to m que eu vou ter no teste!. Este exemplo analisado pelo professor da seguinte forma:

    O que eu fiz foi como uma pisadela no calo para ver se acordavam e voltavam a ter noo ao que estavam a fazer e ao que no estavam a fazer, no foi chamar a ateno para a importncia do teste como instrumento de avaliao. Foi para os alunos que se queixam de ter negativa e o que quis dizer foi que por causa de atitudes como estas que o tm. (Entrevista aps observao de aula)

    Durante as aulas o dilogo entre professor e alunos acerca da avaliao inexistente. Esta situao constatada atravs da observao das aulas distancia-se daquilo que o professor defendeu relativamente a uma avaliao como integrante no processo de ensino e aprendizagem. As incoerncias entre prticas de ensino e de avaliao verificam-se tambm na inexistncia de instrumentos capazes de avaliar todas as competncias desenvolvidas pelos alunos, como o caso de grelhas de observao ou listas de verificao para avaliar as atitudes e o conhecimento processual.

    A observao de aulas permitiu compreender a integrao da avaliao no processo de ensino-aprendizagem. Nas prticas dos professores A e B constata-se uma articulao entre prticas de ensino e prticas de avaliao, os professores fornecem feedback regular e sistemtico aos alunos, orientando-os na sua aprendizagem. As diferenas entre estes dois professores situam-se ao nvel dos registos das observaes, que a professora B utiliza em todas as aulas para fazer um acompanhamento sistemtico das aprendizagens e dificuldades dos alunos. Tambm nas aulas de trabalho laboratorial esta professora faz registos de observaes para poder avaliar as competncias processuais. No entanto, em termos de feedback aos alunos, o professor A procura em quase todas as aulas informar os alunos sobre o seu desempenho no final da aula. Os resultados evidenciam, assim, que existe maior integrao entre as prticas destes professores que possuem uma concepo de avaliao para a aprendizagem (Earl, 2003). Esta concepo aproxima-se mais de uma avaliao enfatizada pelos novos currculos, que encarada como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem.

    Concepes de ensino e aprendizagem da cincia e prticas avaliativas

    De acordo com o quadro conceptual, as estratgias de ensino e de avaliao so influenciadas pelas concepes de ensino e de avaliao. Com o objetivo de conhecer as concepes de ensino que se refletem nas prticas de avaliao dos professores, foram analisados enunciados significativos das entrevistas do professor, em especial da entrevista de relatos e das observaes das aulas. A forma como o professor perceciona o papel do aluno, o papel do professor, as finalidades do ensino e as estratgias de ensino que implementa demonstra a sua concepo de ensino, e que consequentemente influencia a avaliao que implementa nas aulas.

    No que diz respeito ao modo como os professores neste estudo entendem o papel do professor e do aluno existem diferenas acentuadas. Para o professor C, o papel do professor em aula explicar os assuntos, procurando que os alunos acompanhem a exposio. Como tal, o papel do aluno resume-se a seguir o professor, resolver as atividades propostas e participar colocando questes ou respondendo s solicitaes diretas. Os outros professores consideram necessrio fornecer informao ao aluno, mas evitam as intervenes de tipo expositivo. Assim, reservam um papel mais ativo ao aluno, incentivando a sua participao na aula e procurando envolv-lo no desenvolvimento do trabalho. Estes professores permitem aos alunos ter um papel mais interventivo e assumem-se como facilitadores da aprendizagem. Por exemplo, a professora B demarca-se da ideia tradicionalista do aluno passivo, deixando claro, na entrevista sobre relatos de aula, que uma boa aula uma aula em que se aplicam metodologias

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    diferenciadas, tem que ser a mais adequada para o tema em causa, mas os atores principais deviam ser os alunos.

    Para o professor C o desenvolvimento de competncias surge como algo secundrio, face aos contedos da disciplina de Cincias Fsico-Qumicas que tm que ser adquiridos pelos alunos. Esta opinio fica bem vincada quando se refere, na entrevista inicial, ,

    a menor exigncia feita pelo professor ao aluno. Cada vez se exige menos, cada vez se pensa mais em termos de competncias, os alunos tm que saber desenvencilhar-se de muitas situaes, mas comea a dar-se pouca importncia, que se dava antigamente, mais capacidade de raciocnio e muito menos memorizao, o que para mim um erro. Porque acho que no conhecimento sem memorizao, mas no s isso, obviamente que no podem ser mquinas que so treinadas para fazer aquele gnero de coisas. (Entrevista inicial)

    A principal finalidade do ensino para este professor a aquisio de conhecimentos tericos, o que est relacionado com uma concepo de ensino tradicional e em sintonia com as estratgias de ensino que o professor promove nas suas aulas. As estratgias de ensino que promove so pouco diversificadas e visam quase exclusivamente o desenvolvimento de competncias, como o raciocnio e o conhecimento substantivo. Ao contrrio desta viso, o professor A considera que o mais importante aqui form-los como pessoas e no o que eles sabem, como esclarece na entrevista aps a observao das aulas. A formao de cidados conscientes e capazes de tomar decises na sociedade tambm assumida pela professora B, no decorrer da entrevista inicial, como uma finalidade do ensino das cincias essencial. Para esta professora, o importante so as atitudes porque no estamos a formar mquinas de conhecimento, so pessoas que tm de viver numa sociedade e tm de relacionar-se com outros e os alunos cada vez so mais competitivos.

    A anlise dos instrumentos de avaliao do professor A mostra que, embora se centre em grande parte no desenvolvimento de competncias de conhecimento substantivo, alguns instrumentos permitem desenvolver outras competncias. O trabalho laboratorial valorizado por este professor, apostando em atividades de carcter aberto. Frequentemente entrega uma ficha a cada aluno com um problema inicial a que o aluno ter de dar resposta e inclui algumas questes para o aluno refletir. Contudo, as condies de trabalho condicionam as suas prticas, nomeadamente, o material disponvel na escola e o facto de os alunos serem provenientes de um meio desfavorecido, que conduz a um desinteresse pela escola. Estas so, tambm, as razes apontadas para a implementao de trabalho laboratorial menos frequente e com um carter mais fechado que em anos anteriores, quando refere gosto das mais abertas, mas com estes alunos ao contrrio dos do ano passado, resultam melhor se tiverem um carcter mais fechado, durante a entrevista inicial. Quanto operacionalizao das competncias existem algumas deficincias, o professor nos registos que faz no valoriza o conhecimento processual e as atitudes.

    Para os outros professores o trabalho laboratorial no tem o mesmo espao nas suas aulas que tinha quando realizaram o estgio pedaggico. A este respeito, a professora B admite mesmo, no decorrer da entrevista inicial, que isto se deve a algum comodismo da sua parte e talvez porque tenha receio de levar certas turmas para um laboratrio. A maioria das atividades laboratoriais que implementam tem por base uma ficha onde so dadas instrues aos alunos sobre os objetivos, material necessrio, procedimento e contm algumas questes a que devem responder em gnero de concluso. Tratam-se, portanto, de atividades com um carcter essencialmente fechado e demonstrativo, como esclarece o professor C no seguinte extrato da entrevista inicial:

    com este gnero de turmas muito mais fcil trabalhar com atividades prticas mais fechadas, completamente orientada, fazer isto, fazer aquilo, porque h mais controlo sobre o que eles

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    fazem, sobre o que eles vo fazendo, embora no estgio tenha feito muito poucas destas e mais das outras mais abertas. Este ano j no foi assim, fiz das mais fechadas. (Entrevista inicial)

    Ao longo do ano letivo estes professores apenas implementaram uma vez uma atividade laboratorial de carcter mais aberto em que os alunos, como explica, durante a entrevista inicial, o professor C: tinham que descobrir o material a usar, e depois com o material que lhes era dado, sem nenhum protocolo, tinham que resolver o problema. Uma estratgia que este professor no voltou a repetir devido ao carcter da turma () e ao tempo disponvel, porque uma atividade completamente aberta necessita de tempo para eles amadurecerem as hipteses, as ideias ou como fazer, no em quarenta minutos que isso pode ser feito, como deixa claro na entrevista realizada aps as observaes de aulas. Esta ideia novamente evidente na entrevista sobre relatos de aulas, quando, ao analisar uma proposta de aula deste tipo, afirma: no a considero adequada, porque no h tempo em sala de aula para fazer, porque os meninos para fazerem este tipo de atividade necessitam de pelo menos trs horas, para descobrir as coisas sozinhos, para pensarem, para refletirem ().

    Quando confrontada com uma atividade deste tipo, na entrevista sobre relatos de aula, a professora B considera que desenvolvem muito mais competncias, eles raciocinam, manipulam, tiram concluses, eles comunicam entre si, expressam-se com o professor, portanto, uma aula muito mais rica. Porm, apresenta vrias razes para o facto deste tipo de atividades no serem frequentes nas suas aulas, como explica

    por no estarem habituados tm muita dificuldade em fazer actividades deste gnero. Acho que estas atividades so boas para eles e tm que se esforar mais, mas inicialmente sentem-se muito perdidos, porque no esto habituados. (). Tento aplic-la tanto quanto possvel, mas menos vezes que as atividades do outro tipo (Entrevista sobre relatos de aula)

    Os trabalhos individuais e em grupo so uma prtica corrente nas aulas da professora B, afirmando, durante a entrevista inicial, que estes ltimos so mais ricos em aprendizagens em termos de relacionamento social. O professor A incentiva o trabalho em pares quer na resoluo de exerccios quer nas atividades laboratoriais, mas trabalhos individuais ou em grupo fora do espao da aula, no solicita a todas as turmas, justificando que

    complicado (). Se eles j no tm grande interesse, ao estar a pedir um trabalho extra se calhar estou a sobrecarreg-los com uma situao que j no do agrado deles e se o principal interesse deles acabar o 9 ano, sem praticamente nenhum tempo disponvel. Com outras turmas estou a fazer tal como fiz em anos anteriores, depende da dinmica que se estabelece entre professor e alunos. (Entrevista aps observao de aula)

    semelhana do professor A, o professor C tambm no solicita trabalhos individuais ou de grupo aos seus alunos e no valoriza este tipo de estratgia para o desenvolvimento de competncias, como demonstra na entrevista inicial, pois para ele estes trabalhos so quase todos feitos fora do contexto escolar, isto , tudo feito em casa ou no centro de explicaes, portanto a avaliao que se d neste tipo de trabalhos, se calhar, no toda do aluno.

    Os resultados evidenciam uma grande coerncia entre as estratgias de avaliao e as estratgias de ensino que o professor C implementa, confirmando uma concepo de ensino mais tradicional. As estratgias de ensino visam as competncias de conhecimento substantivo e de raciocnio, que depois so avaliadas com instrumentos de avaliao, que se resumem a fichas de trabalho e a testes. As incoerncias verificam-se quando salienta a importncia de criar diferentes estratgias para avaliar diferentes competncias, quando na realidade raramente implementa atividades que permitam desenvolver o conhecimento processual e quando o faz no recolhe evidncias do seu desenvolvimento nos alunos. Compreendem-se as suas dificuldades em avaliar atitudes, porque os

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    registos so apenas mentais, no realizando assim um acompanhamento eficaz da evoluo do aluno. Estes resultados apontam para a existncia de uma relao de causa-efeito entre as ideias dos professores acerca da forma como os alunos aprendem e a forma como avaliam as aprendizagens (Fernandes, 2005).

    Os discursos e as prticas de ensino dos professores A e B afastam-se de uma concepo de ensino tradicional, percecionando a avaliao como parte integrante do processo de ensino e aprendizagem. No entanto, embora os seus discursos demonstrem estar concordantes com o das orientaes curriculares para o ensino bsico, no sentido do desenvolvimento de competncias, verifica-se que as suas prticas de ensino ainda denotam algum carcter expositivo e centrado no professor. Isto reflete-se na avaliao dos alunos, em que os testes continuam a ser o instrumento privilegiado pelos professores e os alunos no tm, ainda, um papel interventivo, e de regulao da sua prpria aprendizagem. Esta dificuldade em realizar na prtica aquilo em que dizem acreditar, poder indicar que outros fatores de ordem externa condicionam as prticas, como as caractersticas dos alunos, as dimenses das turmas e as condies materiais da escola.

    Concluso e Discusso

    Os resultados obtidos evidenciam duas concepes sobre avaliao definidas por Earl (2003), a avaliao da aprendizagem e a avaliao para a aprendizagem. O professor C demonstra uma concepo de avaliao da aprendizagem, valorizando uma avaliao de natureza sumativa, e por isso, orientada quase exclusivamente para classificar, certificar ou selecionar os alunos. H uma reduzida diversidade na utilizao de estratgias, tcnicas e instrumentos de avaliao, predominando a utilizao de testes. A explicitao de critrios de avaliao insuficiente, ou mesmo ausente e por vezes so confundidos com critrios de classificao. O feedback , em geral, insuficientemente explicitado e pouco frequente, acabando por contribuir muito pouco para informar os alunos sobre o que tm de fazer para superar as suas dificuldades. Os outros professores revelaram uma concepo sobre avaliao para a aprendizagem orientada para a melhoria das aprendizagens, valorizando o carcter formativo da avaliao. Contudo, as prticas destes professores esto, ainda, marcadas por caractersticas que se relacionam com a concepo anterior, os critrios de avaliao no so explicitados aos alunos, o feedback pouco frequente e os alunos tm um papel reduzido no processo de avaliao. As concepes de avaliao reconhecidas neste estudo esto em consonncia com os resultados de outros estudos recentes (Alves, 2004; Amado, 1998; Gil, 1997; Graa, 1995; Queirs, 1997; Rafael, 1998; Raposo, 2006), em que se verifica a coexistncia entre os paradigmas psicomtrico e construtivista na avaliao das aprendizagens dos alunos.

    A observao e as questes que colocam aos alunos so as formas de avaliao mais utilizadas no quotidiano da aula. No entanto, verifica-se que o instrumento de avaliao privilegiado na recolha de dados e o que tem um maior peso na classificao dos alunos o teste, um resultado consistente com outros estudos (Alaz, Gonalves & Barbosa, 1997; Alves, 2004; Amado, 1998; Gil, 1997; Martins, 1996; Rafael, 1998; Raposo, 2006). O facto de os testes constiturem o principal instrumento de avaliao nas aulas participantes neste estudo denuncia uma nfase no desenvolvimento do conhecimento substantivo e do raciocnio em detrimento das atitudes e do conhecimento processual, o que coerente com uma concepo de ensino e aprendizagem ainda, marcadamente tradicional. Contudo, os professores A e B implementam atividades mais diversificadas e mais centradas nos alunos afastam-se de uma concepo de ensino mais tradicional, valorizando o desenvolvimento de competncias de natureza diversa e assumindo-se como facilitadores das aprendizagens dos alunos. Os aspectos referidos aliados a uma viso da avaliao como parte integrante do processo de ensino-

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    aprendizagem, com o objetivo de melhorar as aprendizagens, informar o professor e os alunos, das suas dificuldades e das suas aprendizagens (De Ketele, 1986; Fernandes, 2005; Hadji, 1994; Valadares & Graa, 1998), surgem associados a uma concepo de avaliao para a aprendizagem. Outros estudos desenvolvidos nesta rea tambm chegaram a resultados semelhantes, constatando que existe uma relao estreita entre a viso dos participantes acerca do ensino e da aprendizagem das cincias e as suas prticas de avaliao (Maceno & Guimares, 2013; Wang, Kao & Lin, 2010).

    Na generalidade, existe consistncia entre as concepes dos professores e as suas prticas, no entanto, importa realar que o seu discurso nem sempre coerente com que o que fazem na realidade. Nos seus discursos os professores por vezes afirmam avaliar de acordo com as orientaes curriculares mas, nas prticas o que se verifica um distanciamento entre os instrumentos que utilizam e o desenvolvimento de competncias que dizem promover nos alunos. Por vezes, o discurso concordante com as finalidades do programa, mas as prticas aproximam-se de uma concepo tradicional do ensino e de uma concepo de avaliao da aprendizagem. Esta situao reveladora de dois problemas. O primeiro tem a ver com um dos maiores desafios de um ensino direcionado para o desenvolvimento de competncias, que operacionalizar a avaliao de competncias processuais, de comunicao e as atitudes (Raposo, 2006). O outro prende-se com a dificuldade em promover um ensino em que o trabalho laboratorial do tipo investigativo tenha um lugar de destaque.

    Os professores mencionam fatores que podero condicionar as suas prticas de avaliao, tais como, os critrios de avaliao da escola, as condies de trabalho e o nmero de alunos por turma, o que vai ao encontro de resultados apresentados noutras investigaes (Alves, 2004; Rafael, 1998; Raposo, 2006). Estes constrangimentos constituem um entrave implementao de prticas de acordo com o defendido nos documentos curriculares, especialmente por se tratar de professores em incio de carreira (Feinam-Nemser & Floden, 1986; Flores, 2004; Tillema, 2000). Segundo Alves (2004), nos primeiros trs anos de servio os professores so caracterizados, como sendo idealistas e reprodutores de uma formao que traduz determinados modelos de ensino-aprendizagem veiculados nas Universidades nos ltimos anos. Este facto pode ter influncia nos discursos e nas prticas dos professores A e B, mas o mesmo no acontece com o professor C, que demonstra concepes de ensino enraizadas em experincias anteriores, possivelmente sedimentadas desde a infncia e reforadas durante a sua experincia como aluno (Ponte & Santos, 1998).

    As mudanas nas prticas avaliativas passam por uma alterao da forma como os professores percepcionam o ensino, para que este deixe de ser focado na figura do professor e na aquisio de conhecimentos. Ao aluno deve ser dada a hiptese de construir o seu prprio conhecimento atravs da resoluo prtica de situaes problemticas relacionadas com questes do quotidiano, como preconizam as orientaes curriculares para o Ensino Bsico, contribuindo para a formao de um cidado consciente e conhecedor das implicaes da cincia na nossa sociedade. Mas, para que isto se verifique nas prticas dos professores, ainda h um longo caminho a percorrer, uma vez que estamos a lidar com concepes centrais dos professores e que, como Pajares (1992) destaca, so muito resistentes mudana. A formao inicial e contnua, assim como o trabalho em colaborao entre professores poder aqui ter um papel determinante para a mudana e a melhoria nas prticas dos professores.

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