CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITOR NO DISCURSO DE … · Católica de Minas Gerais, como requisito...
Transcript of CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITOR NO DISCURSO DE … · Católica de Minas Gerais, como requisito...
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Milza Morais Silva
CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITOR NO DISCURSO DE
DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DO SIMAVE/PROEB
Belo Horizonte
2016
Milza Morais Silva
CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITOR NO DISCURSO DE
DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DO SIMAVE/PROEB
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa e Linguística. Área de Concentração: Língua Portuguesa e Linguística Linha de Pesquisa: Enunciação e Processos Discursivos Orientadora: Dra. Sandra Maria Silva Cavalcante
Belo Horizonte
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Silva, Milza Morais
S586c Concepções de leitura e leitor no discurso de divulgação dos resultados do
SIMAVE/PROEB / Milza Morais Silva, Belo Horizonte, 2016.
141 f.: il.
Orientadora: Sandra Maria Silva Cavalcante
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Leitura. 2. Lingüística - Estudo e ensino. 3. Análise do discurso. 4.
Compreensão na leitura. 5. Comunicação oral. I. Cavalcante, Sandra Maria
Silva. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Letras. III. Título.
CDU: 028.1
Milza Morais Silva
CONCEPÇÕES DE LEITURA E LEITOR NO DISCURSO DE
DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DO SIMAVE/PROEB
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa e Linguística. Área de Concentração: Língua Portuguesa e Linguística Linha de Pesquisa: Enunciação e Processos Discursivos Orientadora: Dra. Sandra Maria Silva Cavalcante
___________________________________________________________ Profa. Dra. Sandra Maria Silva Cavalcante (Orientadora) - PUC Minas
___________________________________________________________ Profa. Dra. Juliana Alves Assis - PUC Minas
___________________________________________________________ Profa. Dra. Delaine Cafiero Bicalho - FALE-UFMG
___________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes - Suplente - PUC Minas
Belo Horizonte, 24 de junho de 2016.
Para meu marido, Sebastião e meus
filhos, Gustavo e Henrique, pelo
amor que sinto por vocês!
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo.
À Sandra Maria Silva Cavalcante, minha orientadora e mestra, pela
dedicação, pela competência, pelo carinho e por tudo que aprendi com você .
À coordenação do POSLETRAS-PUC-MINAS, pelo compromisso de fazer o
melhor .
A todos os professores do POSLETRAS-PUC-MINAS, com quem convivi
durante esses dois anos. Em especial: Professor Hugo Mari, pela presteza, atenção
e carisma, professora Maria Ângela, pelo acolhimento e apoio, professora Juliana
Alves, pela ajuda imensurável no início da pesquisa .
Aos funcionários da secretaria do POSLETRAS, pelo ótimo atendimento.
Jamais me esquecerei de Berenice, Rosária, Giovanni e Jefferson.
Aos colegas do Curso, pelo companheirismo.
À CAPES, por viabilizar a realização desta pesquisa.
À SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO de Minas Gerais (SEE-MG),
pelo apoio institucional.
À Superintendência Regional de Ensino - Metropolitana B (SRE-B), pelo apoio
burocrático, em especial à pessoa de Silvana Ferreira, pela dedicação em organizar
documentação para o meu afastamento laboral.
À E. E. “Santa Quitéria” e E. E. Professor “Augusto Lucas”, pelo incentivo e
apoio burocrático.
Aos colegas de trabalho, pela amizade, em especial, “Professora Belinha”.
Aos meus alunos e ex-alunos, por terem me impulsionado a chegar aqui.
Aos amigos, pela compreensão de minha ausência, em especial Mônica
Maria Silva e Maria Estela Dias, pela amizade incondicional.
Ao querido Doutor Flávio Eustáquio, pelas palavras de coragem, durante
nossas consultas anuais! Deus te levou, mas seu exemplo de dedicação e amor
ficou!
E a todas as pessoas que contribuíram significativamente para eu conquistar
esse mérito, em especial:
Henrique Leroy, pelas aulas de Inglês, pelo incentivo e pelo seu bom humor...
Romison Eduardo, colega do curso, pelo apoio, suporte e amizade!
Graça Sette, pelas palavras de motivação e apoio que foram responsáveis
para os primeiros passos para o Mestrado.
Meu pai, Geraldo de Morais, por ter me incentivado a gostar de ler, através de
suas histórias fantásticas, pelo exemplo de amor ao próximo e humildade.
Minha mãe, Maria Jacinta (D. Ita), pelo exemplo de garra, de amor e de luta.
Meus irmãos, presentes e ausente, pela nossa união, pelo nosso amor.
Aos meus sobrinhos, pelo carinho.
E aos meus filhos, Gustavo e Henrique, pelo o amor e a compreensão de
minha ausência e meu querido e estimado marido, Sebastião, por fazer parte
de mim e por tudo que fez e faz por mim.
MUITO OBRIGADA!
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo analisar as estratégias linguísticas
no discurso de divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB- Sistema Mineiro de
Avaliação da Educação Pública (SIMAVE) e Programa de Avaliação da Rede Pública
de Educação Básica (PROEB) 2013 e 2014, dos alunos concluintes do Ensino Médio
de Minas Gerais, com vistas a explicitar as concepções de leitor e de leitura,
subjacentes a estes documentos. Com este intuito, buscamos nos estudos
relacionados à linguagem, instrumentos capazes de descrever e analisar as relações
entre linguagem (discurso) e práticas de avaliação educacional. Para esta tarefa,
temos como corpora, as Revistas Pedagógicas, que são os documentos de
divulgação dos resultados dos alunos concluintes do 3º ano do Ensino Médio, em
Língua Portuguesa no exame do SIMAVE/PROEB, realizadas nos anos de 2013/2014,
considerando os seguintes aspectos: i) a caracterização polifônica dos atos de
linguagem e seus desdobramentos; ii) a análise das concepções de leitor e leitura que
subjazem os documentos; e iii) a análise de questões representativas que compõem
os documentos. Nesta perspectiva, assumimos bases teóricas que assumem a
linguagem como atividade (Enunciação), o discurso e a leitura como práticas sociais, e
que nos possibilitasse investigar as seguintes questões: (a) através da descrição e
análise da emergência de padrões linguístico-discursivos identificados no discurso
empreendido nos documentos do SIMAVE/PROEB, é possível evidenciar as
concepções de leitor e de leitura que fundamentam o exame e, por conseguinte, o
próprio Sistema de Avaliação? E (b) as concepções de leitor e de leitura identificadas,
no processo de encenação discursiva, instaurado nos/pelos documentos,
correspondem, efetivamente e satisfatoriamente, àquelas identificadas nas questões
propostas pelo exame? Em nosso percurso, investigar ações linguístico-discursivas,
diante de sua complexidade e amplitude, requereu-nos análises das condições que
regem enunciados concretos e específicos, como também das condições
circunstanciais de sua realização. Portanto, a fim de contribuir para uma melhor
compreensão desse processo e reflexão das práticas político-pedagógicas,
acreditamos que este trabalho apontou e analisou os elementos fundamentais para o
entendimento dessa situação enunciativa – avaliação externa/sistêmica – a partir de
sua proposição teórica.
Palavras-chave: Ato de linguagem. Leitura. Avaliação Externa. SIMAVE/PROEB.
ABSTRACT
This research work aims to analyze the linguistic strategies in disseminating the
results of speech SIMAVE / PROEB- Mineiro System of Public Education Evaluation
(SIMAVE) and Public Network Assessment Program Basic Education (PROEB)
(2013 and 2014), of graduating high school students in Minas Gerais, in order to
explain the reader and reading concepts, underlying these documents. To this end,
we seek to studies related to language, instruments able to describe and analyze the
relationships between language (speech) and educational assessment practices. For
this task, we have as corpora, the Pedagogical Magazines, which are the disclosure
documents of the results of the graduating students of the 3rd year of high school, in
Portuguese in exam SIMAVE/PROEB, conducted in the years 2013/2014,
considering the following aspects: i) the polyphonic characterization of speech acts
and their consequences; ii) the analysis of reader concepts and reading underlying
documents; and iii) the analysis of representative issues that make up the
documents. In this perspective, we assume theoretical bases that take language as
activity (enunciation), speech and reading as social practices, and we would enable
to investigate the following questions: (a) through the description and analysis of
emergency identified linguistic and discursive patterns the discourse undertaken in
documents SIMAVE/PROEB, you can show the reader and reading concepts that
underlie the examination and therefore the system of evaluation itself? And (b) the
reader concepts and identified reading, in the discursive staging process, established
in / by the documents correspond effectively and satisfactorily, those identified in the
questions proposed by the exam? In our journey, investigating linguistic-discursive
actions before its complexity and breadth, it required us analyzes the conditions
governing set out concrete and specific, as well as the circumstantial conditions for
its realization. Therefore, in order to contribute to a better understanding of this
process and reflection of the political-pedagogical practices, we believe that this work
showed and analyzed the key to the understanding of this enunciative situation -
external evaluation/systemic - from its theoretical proposition.
Keywords: Language Act. Reading. External Evaluation. SIMAVE / PROEB.
LISTA DE SIGLAS
ABL Associação Brasileira da Leitura
BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
BM Banco Mundial
CAEd Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBC Currículo Básico Comum
CEALE Centro de Alfabetização e Letramento
CF Constituição Federal
EF Ensino Fundamental
EM Ensino Médio
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
EUc Sujeito Comunicante
EUe Sujeito Enunciador
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB Leis de Diretrizes e Bases
LP Língua Portuguesa
MEC Ministério da Educação e Cultura
OCEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio
ONU Organização das Nações Unidas
PAAE Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar
PCNEMs Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PIP Programa de intervenção Pedagógica
PISA Programme for International Student Assessment - Programa
Internacional de Avaliação de Proficiência Educacional
PNE Plano Nacional de Educação
PROALFA Programa de Avaliação da Alfabetização
PROEB Programa de Avaliação da Educação Básica
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PT Partido dos trabalhadores
PUC Minas Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEE-MG Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais
SIMAVE Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública
SRE-B Superintendência Regional de Ensino – Metropolitana
TUd Sujeito Destinatário
TUi Sujeito Interpretante
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Interação verbal .................................................................................. 39
Figura 2 - Situação de comunicação ................................................................... 45
Figura 3 - Ato de linguagem “Carta de Apresentação” ........................................ 52
Figura 4 - Leitura ao ar livre ................................................................................ 59
Figura 5 - Gráfico ilustrativo, SIMAVE ................................................................. 77
Figura 6 - SIMAVE .............................................................................................. 91
Figura 7 - Carta de Apresentação para o(s)educador(es) ................................... 96
Figura 8- Ato de Linguagem - Artigo da seção pedagógica ................................ 104
Figura 9 - Ato de Linguagem - Situação de exame ............................................. 109
Gráfico 1 - Gráfico da questão 01 ....................................................................... 112
Gráfico 2 - Gráfico da questão 02 ....................................................................... 118
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 25
2 PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA ................................................. 31
2.1 Por que investigar documentosde divulgação dos resultados de avaliação da Educação Básica? ....................................................................... 31
2.2 Linguagem, ato de linguagem e leitura: abordagens do discurso como prática social ...................................................................................................... 34
2.2.1 Língua(gem): sobre a teoria enunciativa: uma atividade (inter)subjetiva e social .................................................................................................................... 35
2.2.1.1 Das bases teóricas da enunciação, de Émile Benveniste .................. 35
2.2.1.2 Das bases teóricas da enunciação, de Bakhtin/Voloshinov ............... 37
2.2.1.3 Breve reflexão sobre a atividade de linguagem e os documentos de divugação dos resultados de avaliação externa/sistêmica ............................ 41
2.2.2 A teoria semiolinguística: um modelo para análise discursivo- enunciativa ........................................................................................................... 43
2.2.2.1 O ato de linguagem e os lugares enunciativos: o circuito externo e o circuito interno ................................................................................................ 46
2.2.2.2 Sobre as estratégias de encenação: legitimidade e credibilidade dos objetos de parametrização e avaliação ..................................................... 54
2.2.3 Breves reflexões sobre concepções de leitura e leitor ................................ 57
2.2.3.1 Síntese da história da leitura no Brasil ................................................ 57
2.2.3.2 Leitura e ensino: por uma abordagem sócio-interacional .................. 62
2.2.3.3 Concepção de leitura como atividade de análise crítica .................... 70
3 APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS CORPORA ...................................... 73
3 .1 Das orientações gerais: delimitação e apresentação do objeto de pesquisa .............................................................................................................. 73
3.1.1 Nossas perguntas e hipóteses de pesquisa ................................................ 75
3.1.2 Por que assumir a abordagem do Ato de Linguagem como relevante para a descrição e análise dos resultados do SIMAVE? ...................................... 76
3.1.3 O papel da leitura nos documentos de divulgação do SIMAVE .................. 78
3.1.4 Os procedimentos de avaliação do SIMAVE ............................................... 81
3.1.4.1 Um pouco sobre a avaliação em larga escala no Brasil ..................... 86
3.1.4.2 Avaliação externa em Minas Gerais: SIMAVE/PROEB ........................ 90
4 ANÁLISES CONTRASTIVAS DOS DOCUMENTOS DE DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS DO SIMAVE/PROEB .................................................................. 95
4.1 Análises da encenação do Ato de Linguagem (o contrato comunicacional) na apresentação nos documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE 2013 e 2014 .................................................................. 95
4.2 Análises de concepções de leitura e eleitor constitutivas nos documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE 2013 e 2014 ............ 103
4.3 Análises de questões representativas constituintes nos documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE 2013 e 2014 .................................. 108
4.3.1 Análise da questão 01 ................................................................................. 110
4.3.2 Análise da questão 02 ................................................................................. 116
4.3.3 Análise da questão 03 ................................................................................. 121
4.3.4 Análise da questão 04 ................................................................................. 124
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 129
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 133
ANEXO A - Revistas Pedagógicas (2013/2014) em CD, na íntegra ............... 141
25
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o setor educacional tem passado por várias reformas que
foram possibilitadas por avanços de natureza política, econômica e social. Essas
reformas impactaram vários setores da sociedade a partir de propostas que visavam
contribuir para o avanço educacional no Brasil. Ao repensar-se os paradigmas
educacionais, estruturam-se políticas para a melhoria na qualidade da educação e,
também, na proposição de instrumentos avaliativos. Dois importantes documentos
jurídico-político-sociais que possibilitaram tal avanço para a discussão e
reconhecimento do papel da educação foram: a Constituição Federal (19881) e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/19962), que atribuem, entre outras coisas,
ao Distrito Federal, Estados, Municípios e União o dever de integrar todos os
estabelecimentos de Ensino da Educação Básica ao sistema nacional de avaliação
do rendimento escolar, como, também, confere a eles o direito de propor seus
próprios instrumentos de avaliação.
Se por um lado alcançou-se reconhecimento da necessidade do amparo
jurídico e político, por outro faltava-nos, de fato, a construção de bases político-
pedagógicas para a estruturação de artefatos para o desenvolvimento do ensino-
aprendizagem e também de avaliação desse processo. Em função disso, outra
medida a favor de uma melhor formação educacional no Brasil foi o lançamento em
2007, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE) – “que tem a finalidade de discutir a qualidade da educação,
propondo ações em longo prazo para toda a esfera educacional, do infantil à pós-
graduação”3. Neste contexto de políticas de qualidade na educação, sugiram vários
programas para “auxiliar/orientar” a qualidade da educação, bem como, outros para
mensurar/avaliar o processo de ensino aprendizagem desses alunos. Estes
instrumentos responsáveis, ora por parametrizarem o nível de formação dos
discentes, ora para avaliar o processo, parecem apresentar um grande
descompasso no produto final das avaliações.
Essa realidade da educação brasileira pode evidenciar vários
questionamentos: se os testes de proficiência aferem o desempenho dos alunos, em
1 BRASIL. Constituição Federal de 1988, Capítulo III, Seção I, artigo 206, inciso VII.
2 BRASIL. Lei nº 9.394/96, artigo 87, paragrafo 3º, inciso IV
3 Estas ações compõem o Plano Nacional da Educação (PNE).
26
habilidades fundamentais para cada disciplina e etapa de escolaridade avaliada, e
se existe um plano político-pedagógico que orienta o que deve e como deve
ensinado pelos professores, por que existe um grande descompasso no resultado
final? Por que a média dos alunos não corresponde ao trabalho desenvolvido em
sala? Que fatores gerariam esses resultados insatisfatórios? Seria um problema com
o plano político-pedagógico? Seria reflexo das condições “adversas” do trabalho do
professor? Seria um problema do aluno? Ou seria um problema dos instrumentos e
dos procedimentos de avaliação?
Evidentemente esse é um tema complexo, visto que vários fatores interferem
no resultado do produto dessas avaliações externas dos governos. Portanto, não é
possível definir, a priori, como sendo um problema exclusivo de A ou B. Contudo,
acreditamos que seja necessária uma investigação desse processo, a fim de analisar
e refletir sobre o cenário da educação brasileira. Para isso, são profícuas
investigações que busquem responder questões, por exemplo: com qual interesse
esses instrumentos de avaliação são propostos? Quais/como habilidades e
competências são privilegiadas na realização das questões? Que procedimentos de
leitura são esperados? Como são elaboradas as alternativas? Como os alunos se
engajam na resolução das questões? Que interlocutores são projetados a partir da
organização enunciativa dos enunciados e dos temas propostos? Quais gêneros
textuais do discurso são mais ou menos privilegiados? etc.
Diante disso, muitas pesquisas4 foram e vêm sendo propostas a fim de
contribuir para o avanço e compreensão dos processos de ensino-aprendizagem.
Com esse intuito, buscaremos, à luz de pesquisas realizadas no campos dos
Estudos da Linguagem, instrumentos capazes de descrever e analisar as relações
entre linguagem (discurso) e práticas de avaliação educacional. Muitas são as
teorias que tentaram e tentam dar conta desse universo complexo que representa a
linguagem humana e sua interação/relação com a sociedade e a cultura.
Sendo assim, investigar ações linguístico-discursivas, diante de sua
complexidade e amplitude, requer uma análise das condições que regem
enunciados concretos e específicos, como também das condições circunstanciais de
sua realização. E o nosso trabalho pretende apontar e analisar, os elementos dessa
situação enunciativa – avaliação externa/sistêmica – a partir de conceitos teóricos
4 Ferreiro e Teberosky (1999); Soares (1998); Colomer e Camps (2011); e Kato (1987).
27
que possibilitam uma melhor compreensão desse processo.
Neste sentido, este trabalho de pesquisa caracteriza-se em termos de uma
proposta de descrição e análise de excertos e modelos 04 questões representativas
que compõem documentos de divulgação dos resultados dos alunos concluintes do
3º ano do Ensino Médio, em Língua Portuguesa no exame do Sistema Mineiro de
Avaliação da Educação Pública (SIMAVE) e Programa de Avaliação da Rede
Pública de Educação Básica (PROEB), realizadas nos anos de 2013 e 2014, e de
textos que parametrizam o SIMAVE, considerando os seguintes aspectos:
i) Concepções de leitura/ leitor;
ii) O modo como essas concepções são propostas nos documentos de
avaliação.
Assim, a partir da realização desta pesquisa, pretendemos investigar as
seguintes hipóteses:
a) através da descrição e análise da emergência de padrões linguístico-
discursivos identificados no discurso empreendido no exame do
SIMAVE/PROEB, é possível evidenciar diferentes concepções de leitura e
de leitor que fundamentam o exame e, por conseguinte, o próprio sistema
de avaliação;
b) as concepções de leitor e de leitura identificadas, no processo de
encenação discursiva, instaurado nos/pelos exames, correspondem,
efetivamente, àquelas identificadas nos documentos de parametrização do
ensino de Língua Portuguesa.
Como objetivo geral estabelecido para a pesquisa, pretendemos, portanto,
analisar as ações/estratégias linguístico-discursivas dos documentos de divulgação
dos resultados, dos alunos concluintes do Ensino Médio (SIMAVE/PROEB), com
vistas a explicitar concepções de leitor e de leitura, subjacentes à estes documentos.
Como forma de cumprir o objetivo, estabelecemos como objetivos
específicos:
i) apresentar a trajetória do programa de avaliação da rede pública de
28
educação básica (PROEB) que integra o sistema mineiro de avaliação da
educação pública (SIMAVE);
ii) descrever os objetivos que norteiam o SIMAVE/PROEB;
iii) apresentar as diferentes concepções de leitor e de leitura, com base em
pressupostos que cooperem para a compreensão da construção histórico-
social dessas concepções que podem emergir nos documentos de
divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB;
iv) analisar como essas concepções emergem nos documentos de avaliação;
v) identificar ações e padrões linguístico-discursivos, básicos no processo de
encenação enunciativa, que caracteriza o SIMAVE/PROEB, tal como
instanciado na configuração dos espaços interlocutivos próprios do exame;
vi) caracterizar a função dessas ações e padrões linguístico-discursivos,
identificados na dinâmica geral do exame (proposição, estruturação e
implementação do instrumento), com vistas a explicitar as concepções de
leitor e de leitura subjacentes.
Neste trabalho, adotaremos uma divisão em quatro partes, que apresentam o
percurso de nossa investigação. Na primeira parte, buscaremos apresentar o
arcabouço teórico-metodológico que norteou nossa pesquisa, sendo essa divida em
três seções. Nessa primeira parte, “perspectiva teórico-metodológica”,
apresentaremos as considerações gerais sobre as bases teóricas convocadas para
sua fundamentação. Entre os conceitos nucleares, destacam-se os de Linguagem,
Ato de Linguagem e Leitura. Na segunda parte, “Descrição e seleção do corpus”,
buscaremos elucidar, mais especificamente, o nosso objeto de pesquisa: a
constituição e relevância dos corpora. Na terceira parte, “Análise contrastiva dos
documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB”, apresentaremos as
análises, de maneira a descrever como se dá a atualização do Ato de Linguagem
considerando as concepções de leitura/leitor projetados nessa situação. Na quarta e
última parte, “Considerações finais”, apresentamos uma síntese do percurso trilhado
no decorrer da pesquisa, buscando enfatizar aspectos que consideramos
importantes no trabalho empreendido, em busca da análise do objetos de estudo.
Neste sentido, as informações depreendidas das análises anteriores nos servirão de
base para as considerações e reflexões finais.
Nossa pretensão, enfim, é a de compartilhar com colegas professores e
29
pesquisadores da área de Letras, de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e de
outras áreas considerações que possam contribuir para compreensão das práticas
discursivas no universo político-pedagógico. Gostaríamos, entretanto, de sublinhar
que, diante da complexidade dos objetos da pesquisa, não assumiremos o
compromisso de realizar uma análise exaustiva das diferentes dimensões propostas,
ficando tal intenção, quem sabe, para trabalhos posteriores.
31
2 PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA
2.1 Por que investigar os documentos de divulgação dos resultados de
avaliação da Educação Básica?
Muito tem se refletido a respeito do papel da leitura e sua influência nos
diversos contextos e ambientes sociais. Reflexão essa que ultrapassa os limites da
esfera educacional, e vem sendo objeto de “preocupação” em diferentes instâncias:
ora em debates midiáticos, artigos de imprensa, ora em pesquisas acadêmicas e,
até mesmo, suscitando por parte do público em geral opiniões das mais variadas a
respeito do tema: desde aqueles que defendem que as pessoas leem mais (e nem
por isso melhor), quanto daqueles que vão à contramão e dizem que as pessoas, na
atualidade, leem menos comparativamente ao passado. A amplitude dessa questão
permite perceber que o problema não pode ser considerado, tão somente, como um
problema exclusivo do ambiente escolar. Observa-se um crescimento na
preocupação e na conscientização do papel da leitura no desenvolvimento social
dos brasileiros, não sendo exclusivo de um segmento – escolar – senão uma
atividade que permeia os mais variados setores.
Todavia, não podemos desconsiderar que a escola foi, e é, histórico-
socialmente responsável por desenvolver e potencializar tanto as práticas, quanto as
habilidades/competências da/na atividade de leitura. Se, de fato, existe uma “crise
na leitura” (ABREU, 2001b, p. 139), ela, nos parece, muito mais um reflexo de uma
crise na educação. Segundo avaliação de Abreu (2001b, p. 139), “a história da
leitura no Brasil é uma história de lamentos” e que “os relatos que se têm sobre
leitura e a utilização de materiais impressos no Brasil são feitos por escritores
estrangeiros”. O que percebemos é que esses escritores pouco conheciam sobre a
realidade da cultura brasileira e que, na verdade, não havia, de fato, uma identidade
literária nacional. Ainda que esses relatos tenham servido como fonte para
reconstituição das condições culturais brasileiras, eles representam muito mais um
imaginário, por vezes idealizado e/ou estereotipado, da cultura brasileira. Isso revela
a precariedade das condições de vida intelectual e produção literária que vigorou por
longo tempo no Brasil, marcada pela ausência de escolas e/ou sua inadequação
para atender a uma determinada parcela da população. Consequentemente, por se
tratar de uma democracia relativamente nova, e em sua longa história sem grandes
32
esforços por tornar a educação um direito/bem público, vindo essa garantia de
acesso à educação básica ser uma decisão constitucional recente, explicam o fato
do Brasil ainda figurar o ranking dos países com baixos/insatisfatórios índices de
letramento5.
A “crise na leitura” (S0ARES, 2002) se acentua, de fato, quando nos
deparamos com os resultados dos alunos nos testes de leitura, sobretudo, nos
exames externos e sistêmicos aplicados pelos governos federal e estadual, como:
Prova Brasil, SAEB, Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outros. Para o
senso comum, o que os gráficos sugerem é que o baixo rendimento dos alunos se
deve a sua dificuldade em ler e entender o que está lendo, ou, ainda, a falta de
consolidação das habilidades básicas em leitura. Isso seria por que o brasileiro lê
pouco? Ou seria efeito daquilo que é lido (uma literatura marginalizada)?
Como relação a isso, Soares defende que:
É preciso esclarecer uma faceta fundamental do problema da leitura no Brasil. Quando se diz que o brasileiro lê pouco ou mal é preciso ser claro nos seguintes aspectos: ler é verbo transitivo, é um processo complexo e multifacetado e depende da natureza, do tipo e do gênero daquilo que se lê, e depende do objetivo que se tem ao ler. (SOARES, 2002, p. 01).
Apesar de um mesmo leitor aparentemente ler “muito mal” uma avaliação, e
por outro lado poder ler “muito bem” um artigo sobre futebol ou outro assunto de seu
interesse, é necessário que a escola desenvolva determinadas
habilidades/competências que o possibilite interagir com diferentes tipos de texto e
de gêneros. Outro aspecto é saber se esse indivíduo não lê “bem”, porque não
gosta, não tem interesse, não tem oportunidade, não tem o hábito, ou porque não
sabe ler – ou seja, apenas decodificar o código linguístico não pode ser sinônimo de
leitura. Então o que percebemos é que: quando se fala em – “ler bem”, “ler pouco”,
“ler mal”, ou “ler muito” – é preciso relativizar os advérbios modalizadores, e saber
qual complemento direto vamos dar a esse verbo. Isto é, em quais práticas de leitura
esse sujeito leitor está mais ou menos engajado, quais gêneros ele tem maior
familiaridade/acesso, em que suporte/mídia esse leitor desenvolve suas leituras, etc.
5 Buscando contornar essa realidade, por exemplo, um dos lemas do governo atual é: “Pátria
educadora” – o que representou um conjunto de medidas do governo buscando proporcionar o maior acesso da população a cursos técnicos e superiores – FIES, PRONATEC, PROUNI, SISU, PDSE, Ciência sem fronteira – além da construção de inúmeros Institutos e Universidades Federais.
33
Ou seja, é preciso refletir sobre os modos de leitura desses sujeitos. Esse
complemento influenciará muito no resultado desse processo de leitura. Não é
suficiente somente falar que a leitura está em crise, mas é preciso, como adverte
Soares (2002), ver qual leitura está em crise.
Portanto, depreendemos que não é uma responsabilidade exclusivamente
escolar aumentar ou não o fluxo de leitura, mas sim, o de refletir sobre as práticas de
leitura de seus alunos, almejando potencializar e desenvolver habilidades de
interpretação e compreensão de textos dos mais variados tipos de gênero, suportes
e espaços de circulação. Atividades que desenvolvam uma reflexão, não apenas
sobre a estruturação formal desses textos, mas, sim, atividades que possibilitem que
o aluno reflita sobre os processos de produção, recepção e circulação dos textos
propostos, tornando-os mais aptos/hábeis nas atividades de leitura. E nem sempre a
escola/currículo/professor está(estão) preparado(s) – ou desenvolve(m) de modo
satisfatório – esse trabalho. Quase sempre desnaturalizando a prática da leitura,
tomando-a, na maioria das vezes, como atividade de identificação de informações no
texto. Isto, porque, como atividade, a leitura pressupõe ações complexas dos
sujeitos. Entre elas, em sentido amplo, a projeção de seus interlocutores.
Nesse sentido, minha hipótese, para a realização desta pesquisa, é de que
seja possível descrever e explicitar a emergência de padrões linguístico-discursivos
no discurso do SIMAVE/PROEB empreendido nos documentos de divulgação dos
resultados que evidenciam uma concepção de leitor/leitura. Desse modo, esses
documentos político-pedagógicos revelariam certa orientação político-social, por
vezes, conflitante com a realidade da formação escolar e sociocultural desses atores
(aluno/professor) em questão. Em função de suas possíveis projeções – e
desdobramentos – na/pela qual a situação enunciativa de exame se atualiza. Ela
encena também outros atores (colegas/ professores/ instituição escolar/ instituição
governamental), que também influenciam na avaliação do desempenho leitor desse
aluno.
Dessa forma nosso objeto de pesquisa revela o discurso, materializado sob a
forma dos exames do SIMAVE/PROEB, como prática social e não apenas como
produto puramente individual ou simples reflexo de variáveis sociais. Isto é, o
discurso é um modo de ação, algo pelo qual as pessoas podem agir sobre o mundo
e especialmente sobre os outros, bem como um modo de representação do mundo e
suas relações de poder.
34
Nesta perspectiva, adotamos a noção de leitura como uma prática social e
interacional, implicando-nos a considerar documentos de divulgação dos resultados
como artefatos complexos nesse evento social e político-pedagógico, ao afetar
diretamente e/ou indiretamente várias instâncias (aluno, professor, coordenador,
escola, superintendências regionais, secretarias de educação, Ministério da
Educação [...] órgãos internacionais6). Assim, por mais que se considere, pelo senso
comum, caótica a situação da leitura no Brasil, acreditamos ser necessário investigar
documentos(políticos) que se prestam a avaliar pedagogicamente a proficiência em
habilidades/competências de leitura. Isto porque a atividade de leitura pressupõe a
existência de uma pluralidade de sujeitos, cujas identidades se constroem através de
suas relações intersubjetivas, em função de um conjunto de interesses.
Enfim, nesse contexto, consideramos em relação ao processo avaliativo,
tensos os seguintes pontos: a) as diferentes relações de poder; b) considerar
homogêneas as vivências desses sujeitos; e c) parametrizados as ações e os
discursos que o compõem, etc.
A seguir, apresentaremos as concepções Língua(gem), Leitura/leitor e Ato de
Linguagem que nos servirão de base teórico-metodológica nesta pesquisa.
2.2 Linguagem, ato de linguagem e leitura: abordagens do discurso como
prática social
Para efeito de leitura, apresentaremos uma síntese dos principais
pressupostos que nortearam nosso trabalho, sendo representados metonimicamente
pelos seguintes teóricos: Teoria da Enunciação (BENVENISTE, 1988, 1989;
BAKHTIN, [1979]/2003; BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]/2006), o papel da leitura
como prática social e interacional (KLEIMAN, 1989, 1997, 2007; MATENCIO, 2000,
2005), e, visando à sistematização das análises, nos apropriaremos do quadro da
Teoria Semiolinguística (Ato de linguagem) proposto por Charaudeau (2001, 2004,
2009). Salientamos que não assumiremos um compromisso com a descrição
pormenorizada dos quadros acima, senão os conceitos por nós sinalizados como
relevantes para a realização e compreensão das análises. Neste contexto,
apresentar-se-ão, a seguir, os principais pontos teórico-metodológicos relevantes
6 Os produtos das avaliações servem de base, por exemplo, para situar o Brasil em rankings
internacionais de desenvolvimento educacional.
35
para realização do nosso trabalho.
2.2.1 Língua(gem): sobre a teoria enunciativa: uma atividade (inter)subjetiva e social
Em linhas gerais, no campo dos Estudos Linguísticos, observamos, ao longo
de sua história, uma evolução no tratamento dado ao objeto língua(gem) humana,
constatando-se que houve (e há) diferentes formas de concebê-lo. Essas
concepções poderiam ser identificadas, genericamente, em três momentos e/ou
modos de fazer linguística, que denominaremos de fases, sendo elas com fortes
influências: estruturalistas/formais, gerativistas/cognitivistas e/ou psicosociológicas/
interacionais.
Assim, a língua(gem) ora foi considerada, apenas, um objeto abstrato que
demandava uma descrição exaustiva de seus sistemas internos – fonológicos,
sintáticos, morfológicos e/ou lexicográficos – simulando que o sentido estivesse
intrínseco a realidade da palavra/sentença e/ou suas propriedades morfossintático-
semânticas, tendo como expoente, nos estudos linguísticos, o trabalho de Saussure
(1916). Em outro extremo, temos a linguagem como de natureza “mentalista”, um
objeto que demanda uma explicação neurobiofisiológica. Tem como ponto de partida
os trabalhos produzidos pelo Gerativismo (Chomsky), hoje conhecido como
Programa Minimalista, chegando a trabalhos da chamada Linguística Cognitiva. E,
por último, com o desenvolvimento das reflexões sobre uma Teoria da Enunciação
(BENVENISTE, 1988, 1989; BAKHTIN, [1979]/2003; BAKHTIN/VOLOCHINOV,
[1929]/2006), temos um deslocamento do foco dos estudos em linguagem:
considerando significativamente um sujeito (psicossocialmente engajado) que
integra e participa de práticas discursivas das mais variadas, em variadas esferas7.
2.2.1.1 Das bases teóricas da enunciação, de Émile Benveniste
No campo dos estudos linguísticos, Émile Benveniste representa uma
importante autoridade a partir de sua concepção e da proposição das instâncias que
7 Essa concepção de língua/linguagem ganhou força a partir do momento em que as concepções
estruturalistas e gerativistas começaram a ser contestadas juntamente com o formalismo da língua. Outro fator que serviu para dar forças a essa concepção foi a partir da influência e prestígio das teorias de Mikhail Bakhtin (1895-1975) filólogo russo, teórico da cultura europeia e das artes, no campo da linguística em meados do século XX.
36
estruturam a Enunciação. Gostaríamos de assumir um ponto nuclear do pensamento
Benvenistiano, de que a Linguagem é uma propriedade do homem8. Ou seja, é a
concepção de linguagem natural, constitutiva, do homem. Por exemplo, em “Da
subjetividade na Linguagem”, Benveniste (1989,p. 286) declara que a “subjetividade”
é a capacidade do locutor de se propor como sujeito. É na/pela atividade enunciativa
que a subjetividade se manifesta.
Segundo (Benveniste, 1989, p. 288): “A linguagem é, pois, a possibilidade da
subjetividade, pelo fato de conter sempre as formas linguísticas apropriadas à sua
expressão, e o discurso provoca a emergência da subjetividade”.
Observamos que o pensador, em sua exposição, nesse texto, refuta uma
visão da Linguagem como instrumento de comunicação, e a assume como
constitutiva do ser humano. Para ele, o discurso, enquanto atividade, é uma de suas
emergências, possibilitando, por exemplo, a partir da apropriação de determinadas
formas linguísticas a emergência e a expressão da subjetividade9.
Esse é um dos textos que fundamenta a discussão de Benveniste (1989) para
o que ele concebe como “Aparelho formal da enunciação”10. Nele, o línguista
concebe a enunciação como um grande processo, uma atividade. Portanto, para ele,
a enunciação é o colocar a língua em funcionamento por um ato individual de
utilização, podendo ser estudado sob diferentes aspectos (BENVENISTE, 1989, p.
82). O autor também declara que o que “em geral caracterizar a enunciação é a
acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado,
individual ou coletivo” (BENVENISTE, 1989, p. 87). Disso decorre uma questão
fundamental e presente em teorias enunciativas até hoje: a relação com o outro, a
intersubjetividade.
Assim, a enunciação como forma de discurso coloca duas figuras na posição
de parceiros como protagonistas da enunciação – EU e TU. Ou seja, a enunciação
em sua realização, em sua atividade, coloca em cena os protagonistas da estrutura
dialógica. Assim:
8 Pode-se dizer que é difícil, nessa teoria, estudar-se um elemento isolado de outro. Logo, o viés de
leitura assumido deve sempre levar em conta que tal teoria estrutura-se como uma rede de primitivos teóricos – por exemplo, Linguagem, Subjetividade, Temporalidade e espacialidade.
9 Sem dúvida, essas relações variam na medida em que variam os termos – elementos dêiticos -
que servem como ponto de partida da marcação de pessoa – EU/TU. 10
Cabe lembrar também que o texto O aparelho formal da enunciação é o último publicado em vida por Benveniste que trata da enunciação.
37
[...] na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. (BENVENISTE, 1989, p. 84).
Benveniste ([1970]/1989), portanto, centra suas ideias em uma perspectiva
que toma a enunciação como o processo que envolve um EU e um TU engajados
discursivamente, tematizando um ELE, em um AQUI/AGORA enunciativo – como o
verdadeiro princípio da língua(gem).
2.2.1.2 Das bases teóricas da enunciação, de Bakhtin/Volochinov
Outra importante referência no campo dos estudos linguísticos são as
discussões e considerações BAKHTIN/VOLOCHINOV [1929]/2006) significativas
para a compreensão do processo enunciativo e sua dimensão sócio-ideológica.
Seus postulados, em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, são fundamentais para a
compreensão da dimensão dialógica da linguagem. O pensamento apresentado,
nessa obra, ainda ecoa em muitas abordagens e quadros teóricos da Análise do
Discurso. Um ponto nuclear das proposições desses autores, é que um dos
princípios da Linguagem é o dialogismo, em que o sujeito é dialógico porque se
encontra em constante interação com o outro, propiciando assim o sentido. Isto é, “a
linguagem é uma atividade que permite a interação social, que se estabelece entre
indivíduos socialmente organizados e inseridos numa situação concreta de
comunicação” BAKHTIN/VOLOCHINOV, ([1929]/2006, p. 111). Esses autores
assumem que a língua é um fato social cuja existência funda-se nas necessidades
de interação. Assim como Benveniste, concebem a enunciação como realidade da
linguagem, privilegiando a situação de enunciação como elemento preponderante à
compreensão das trocas linguísticas. Como fenômeno de interação, na enunciação,
os interlocutores ocupam os lugares de sujeito ativo na constituição do sentido e a
linguagem articula o linguístico, o social e o ideológico.
Assim:
Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da
38
pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos [...]. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]/2006, p. 112).
Para Bakhtin e Volochinov ([1929]/2006, p. 113), “a palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade,
na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”. Portanto, para o autor “a palavra é o
território comum do locutor e do interlocutor”. E, por ser um território comum, carrega
consigo toda uma carga de enunciações da qual já fez parte11. Constituindo um
elemento dialético e dialógico, o uso da palavra, portanto, o enunciado é a
manifestação da capacidade interativa desse homem, determinado sócio
ideologicamente.
Ao inserir a enunciação no contexto social mais amplo, os autores não só
enfatizam a importância da situação de produção, incluindo os “atos sociais de
caráter não verbal”, como explicita a verdadeira substância da língua, ou seja, sua
realidade fundamental, constituída pelo “fenômeno social da interação verbal”
Bakhtin/Volochinov ([1929]/2006, p. 127), que propicia as circunstâncias para a
evolução real da língua.
Assumida como forma de interação, a linguagem estabelece a relação do
linguístico com o extralinguístico e as instâncias de discurso, uma vez que “toda
palavra procede de alguém e dirige-se para alguém” Bakhtin e Volochinov
([1929]/2006, p.113). Assim, a realização da palavra como signo concreto é
determinada pelas relações sociais, pelos interlocutores e pela situação de
produção.
A tese dos autores é de que: “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da
língua, nem no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
[1929]/2006, p. 124).
Seu texto propõe, genericamente, os seguintes pontos metodológicos para
uma abordagem adequada do processo interacional:
a) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições
11
Nesse sentido, o autor concebe a palavra como signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado para a manifestação, por exemplo, da ideologia, retrata as diferentes formas de significar a realidade, segundo vozes, pontos de vista daqueles que a empregam.
39
concretas em que se realiza;
b) as formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal; e
c) a partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, [1929]/2006, p. 124).
Dessa forma, esse percurso metodológico poderia ser representado,
esquematicamente, pela consideração dos seguintes pontos:
Figura 1 - Interação verbal
INTERAÇÃO VERBAL
Linguagem
Fonte: adaptado pela autora de Paulista (2013).
Bakhtin e Volochinov ([1929]/2006) parte do princípio de que a língua é um
fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação, atribuindo
um lugar privilegiado à enunciação enquanto realidade da linguagem (SOBRAL,
2009). Desse modo, quando se produz um discurso, esse é atravessado por
convenções e/ou determinações das esferas na quais são produzidos.
Assim:
Quando se produz um discurso, esse discurso circula em partes da sociedade, ou na sociedade como um todo, e é objeto de uma dada recepção. Mesmo quando circula e é objeto de recepção na sociedade como um todo, o discurso apresenta um dado modo de ver o mundo, a sociedade, etc., que reflete a posição relativa dos que estão nele envolvidos – um dado locutor e um dado interlocutor típico, seja, ele mais geral ou mais específico. (SOBRAL, 2009, p. 120).
Todo discurso tem como traço essencial (constitutivo) o endereçamento a um
destinatário, cujo papel ativo no processo de comunicação não pode ser ignorado, já
Esfera de Atividade ↕ Determinações Institucionais
Prática Discursiva ↕ Artefatos
Ações Linguísticas ↕
Estratégias Linguístico-discursivas
40
que determina não só o tratamento a ser dado ao tema, como também o querer-
dizer do locutor e o gênero do discurso com o qual fazê-lo. Esse processo de
discursivização e suas determinações “socioinstitucionais” são influenciados pela
esfera de atividade na qual o discurso é atualizado.
Como veremos mais adiante, o discurso empreendido pelos documentos de
divulgação dos resultados dos instrumentos de avaliação político-pedagógicos
atravessam várias esferas de atividade – sendo as principais: a esfera público-
política, e a esfera pedagógica-educacional. E, em função disso, esse discurso sofre
injunções das instituições que dele se valem. A esfera é concebida, em geral, como
“instituição(es)”, ou seja, uma modalidade sócio-histórica, relativamente estável de
relacionamento entre os sujeitos. Interessantemente, os artefatos que são utilizados
nessa “esfera” adquirem, por vezes, um valor muito mais político, que pedagógico.
É, portanto, complexo, visto que as esferas representam os mais variados campos
de atuação e organização social, apresentando práticas discursivas relativamente
estáveis – tomadas como gêneros do discurso.
Para Bakhtin ([1979]/2003, p. 262), “todos os campos da atividade humana
estão ligados ao uso da linguagem”. Assim, tais campos são regulados/organizados
por determinadas práticas linguístico-discursivas – os gêneros do discurso – que não
representam apenas um instrumento/dispositivo de comunicação ou suporte de
pensamento, mas a manifestação do discurso como um modo de produção social.
Declara-se:
Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados os quais denominamos gêneros do discurso. A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. (BAKHTIN, [1979]/2003, p. 262, grifo no original).
Ainda segundo o autor, esses fatores são determinantes tanto no diálogo
cotidiano quanto em obras de construção complexa e/ou obras especializadas –
gêneros primários e gêneros secundários.
Em ambas as situações, o discurso é uma unidade real – enunciado, delimitada pela alternância dos sujeitos (interlocutores), na qual a individualidade se estabelece em relação aos demais discursos pela posição dos interlocutores e com os quais mantém uma atitude responsiva
41
ativa (concordância, discordância, obediência, execução, objeção, adesão, etc.), também esperada em relação a esse novo discurso. (BAKHTIN, [1979]/2003, p. 264 apud SOBRAL, 2009, p. 126-128).
Ainda segundo Sobral (2009), para que essas ações sejam satisfatórias, os
interlocutores agem dentro de um conjunto de convenções e estratégias linguístico-
discursivas. Nessas circunstâncias, a atividade discursiva é fruto da interação entre
os sujeitos, caracterizada por uma dimensão discursiva mediada pela linguagem, no
interior da qual se forjam os processos de significação, pressupõem práticas
discursivas ritualizadas socialmente, e em função de sua relativa estabilidade,
estratégias múltiplas para alcançar seus objetivos.
2.2.1.3 Breve reflexão sobre a atividade de linguagem e os documentos de
divulgação dos resultados de avaliação externa/sistêmica.
Embora aspectos relacionados ao ensino-aprendizagem de leitura e escrita,
do processo de escolarização formal da Educação Básica, obviamente, não se
constituíssem preocupações para Bakhtin ([1979]/2003), suas reflexões têm
respaldado a discussão em torno do processo de apropriação dessas práticas
sociais. No Brasil, isso passou a ocorrer marcadamente após a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) e dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 2000), representando referenciais de
qualidade para a Educação Básica em todo o país, que prevê a adoção do texto
como unidade e o gênero como objeto de ensino de Língua Portuguesa.
Não ignorando as críticas que podem ser – e efetivamente o são – feitas a
esse documento, é preciso reconhecer-lhe o mérito de ter provocado a realização de
várias pesquisas, apontando alternativas para solucionar ou, ao menos, amenizar as
dificuldades de domínio de leitura e escrita, práticas sociais indispensáveis na
sociedade “multi” (letrada, genérica...) em que nos inserimos (MARCUSCHI, 2008).
Transpondo esses conceitos teóricos bakhtinianos para o campo do ensino da
leitura e da escrita, percebemos sua grande atualidade, necessidade e viabilidade
no que tange, especialmente, não só a produção do texto/discurso escrito – aspecto
que apresenta inúmeras dificuldades tanto para professores, como para alunos, –
quanto da recepção desses textos, visto que, em nosso caso, documentos de
divulgação dos resultados das avaliações do SIMAVE/PROEB avaliam, somente, as
42
habilidades/competências leitoras dos alunos.
Assim, tomando-se o fato de que a interação entre os homens se realiza por
meio de discursos organizados sócio-historicamente, o aperfeiçoamento das
capacidades linguístico-discursivas de leitura/escrita necessárias à produção e
recepção de “textos” mais coerentes e adequados às situações de comunicação
diversificadas deve ser um dos objetivos do ensino de Língua Portuguesa. Objetivo
esse que, de acordo com o documento de parametrização PCNs (1997), é
desenvolver e aperfeiçoar não só a competência linguística, por vezes, sendo o
estudo descontextualizado da gramática, mas, principalmente, desenvolver a
reflexão sobre a competência discursiva considerando as dimensões enunciativas
que organizam os discursos.
Para tanto, segundo os PCNs (1997), é indispensável que o aluno seja capaz
de relacionar o domínio dos recursos linguístico-discursivos, oferecidos pela própria
língua, conduzindo-o à obtenção/interpretação/compreensão de efeitos de sentidos
adequados às diferentes circunstâncias em que realiza suas práticas discursivas,
sejam elas orais e/ou escritas. E que a competência discursiva materializa-se, então,
na compreensão do funcionamento e na produção dos diferentes discursos que
circulam na sociedade, cada qual construído com diferentes mecanismos, cuja
apropriação permite ao aluno transformar-se em um sujeito responsivo e não mero
repetidor de ideias.
Quanto à leitura, nessa perspectiva, Matêncio conclui que:
A compreensão de um texto [...] relaciona-se diretamente aos objetivos, interesses, conhecimentos e referenciais temáticos e textuais do leitor. Estabelece-se ainda, por meio da leitura um evento interativo entre autor e leitor que é mediado pelo texto e completa-se em outros eventos: a leitura é uma prática de atribuição de significados que ultrapassa o momento em que é realizada. (MATÊNCIO, 2000, p. 42).
Na modalidade escrita, essa competência de compreensão textual manifestar-
se-á na dimensão textual, que representa a apropriação dos recursos e mecanismos
linguístico-discursivos próprios à “construção” de cada gênero discursivo, quando
(re)significados nessa prática tomados como elementos constitutivos dos artefatos
interacionais. Portanto, esse modo de se conceber a linguagem constitui-se em
aspecto fundamental no ensino-aprendizagem, uma vez que a língua é uma
realidade e, ao mesmo tempo, é uma forma de criar realidade. Como afirma Bakhtin
43
([1979]/2003, p. 261) “todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso
da linguagem”. Sendo assim, a aprendizagem da língua deve instituir como objeto
de estudo, análise e fruição o próprio discurso, materializado em diferentes gêneros
tomados como atividade (re)significada.
2.2.2 A teoria semiolinguística: um modelo para análise discursivo-enunciativa
O uso da linguagem nos possibilita interagir socialmente e orientar nosso
discurso a fim de estabelecer relações, incitar reações e comportamentos desejados.
Utilizamo-la para provocar efeitos em nossos interlocutores e, em contrapartida,
tornamo-nos sujeitos às suas orientações pragmáticas. Daí advém o interesse de
nosso estudo: verificar como a linguagem torna-se instrumento para a ação no
discurso e como os sujeitos se posicionam diante desse discurso e de suas
orientações pragmáticas. Ao deslocar a discussão do eixo estritamente linguístico
para uma dimensão discursiva mais abrangente, a teoria desenvolvida por
Charaudeau (2001, 2009) busca contemplar a linguagem como prática social,
propondo, em razão disso, uma adequação na abordagem da significação (o ato de
linguagem), na medida em que integra as dimensões situacional e linguística do
discurso como componentes essenciais para entender as atividades dos sujeitos na
produção de sentido.
Assim:
O ato de linguagem não pode ser concebido de outra forma a não ser como um conjunto de atos significadores que falam o mundo através das condições e da própria instancia de sua transmissão. De onde se conclui que o Objeto do Conhecimento é o do que fala a linguagem através do como fala a linguagem, um constituindo o outro (e não um após o outro). O mundo não é dado a princípio. Ele se faz através da estratégia humana de significação. (CHARAUDEU, 2009, p. 20, grifo no original).
A seguir, apresentaremos as proposições do quadro da Teoria
Semiolinguística, que nos servirão de base para a análise dos dados. Como
anunciado, tomaremos como objeto de análise as concepções de leitura/leitor12
apresentados no discurso dos documentos de parametrização e o discurso dos
instrumentos de avaliação.
A partir da escolha desse objeto de estudo, representado sob a forma de
12
Essas concepções estão devidamente aprofundadas na seção 2.2.3.2.
44
documentos de divulgação dos resultados das avaliações do SIMAVE/PROEB - as
Revistas Pedagógicas - (2013 e 2014), buscamos, neste primeiro momento,
apresentar e discorrer sobre algumas proposições teóricas que visam iluminar a
análise desse discurso. Dentre as especificações teórico-metodológicas para análise
desse evento (Exame externo/sistêmico), concernentes ao dispositivo contratual
(gênero), instância locutora (EUc/EUe), instância alocutiva (TUi/TUd), suporte e
outras especificidades que influenciam a materialização desse discurso, elegemos a
linha de análise Semiolinguística proposta por Charaudeau (2001, 2009), no que
concerne ao Ato de linguagem (contrato comunicacional).
Em linhas gerais, para a Teoria Semiolinguística, o discurso é entendido como
um jogo entre interlocutores que, envolvidos num contrato, se reconhecem
mutuamente como parceiros de comunicação que são movidos por convenções e
intenções discursivas (CHARAUDEAU, 2009). Ainda segundo esse autor, essa
proposta teórica adota uma postura aberta a diferentes áreas do conhecimento, na
medida em que busca contemplar as contribuições, por exemplo, da psicologia, da
antropologia, da sociologia e da Linguística. O que nos leva a entender o discurso
como um processo complexo, integrado e estabelecido na sociedade, e
materializado através do uso linguístico.
Diremos, primeiramente, à maneira de Bakhtin (1984:285) que é preciso, ao sujeito falante, referencias para poder se inscrever no mundo dos signos, significar suas intenções e comunicar. Isto é o resultado do processo de socialização do sujeito através da linguagem e da linguagem através do sujeito, ser individual e coletivo. É conjuntamente que se constroem, em nome do uso, a normalização dos comportamentos, do sentido e das formas, o sujeito registrando-os em sua memoria. (CHARAUDEAU, 2004, p. 19).
Em diálogo com Bakhtin, Charaudeau (2004) conclui que a sociedade
estrutura institucionalmente suas práticas discursivas em grandes setores de
atividades ou domínios de prática social, que a experiência de comunicação humana
organiza em espaços de palavra, sejam eles: os domínios político, religioso, jurídico,
científico, educativo etc.
Em consonância com as concepções de linguagem apresentadas
anteriormente, uma forma de ação dos sujeitos na sociedade na/pela linguagem
(CHARAUDEAU, 2009, p. 56), o Ato de Linguagem (contrato de comunicação),
como um dos modelos teórico-metodológico da Análise do Discurso, oferece um
45
referencial produtivo para a análise dos discursos institucionalizados que permeiam
a sociedade, justamente por levar em consideração que o sentido é socialmente
construído a partir dos processos enunciativos, engendrados na interação
linguístico-discursiva.
Como veremos adiante, há na proposta do referido autor, um lugar social de
ancoragem de toda atividade discursiva que pode ser dividido em dois espaços que
se intercambiam: um espaço de posicionamentos, relativos aos sistemas de valores
que circulam em uma sociedade; e um espaço de condicionamentos
comunicacionais/enunciativos – relativos aos diferentes formatos de comunicação
ligados às diferentes maneiras de falar do locutor em cada situação de comunicação.
Portanto, o que poderá ser percebido tanto no discurso de parametrização
(documento) quanto no discurso de avaliação.
Em síntese, Charaudeau propõe o seguinte quadro metodológico:
Figura 2 - Situação de comunicação
SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
(Finalidade)
(Projeto de Fala)
Locutor EUc (Sujeito
Comunicante – ser social)
EUe Enunciador (Ser de fala)
Dizer
TUd Destinatário (ser de fala)
Receptor TUi
(sujeito Interpretante –
ser social)
Espaço interno
Espaço externo
Fonte: adaptado de Charaudeau (2009, p. 77) por Paulista (2013) no prelo.
Assim, em linhas gerais, nesse modelo teórico-metodológico fica a ideia de que
nenhum ato de linguagem é aleatório. Os indivíduos, no desempenho efetivo de suas
práticas comunicativas, estão subordinados a certo número de contratos e convenções.
Outro ponto a ser destacado no âmbito desse quadro teórico são as
expectativas:
46
Todo Ato de Linguagem corresponde a uma dada expectativa de significação. O Ato de Linguagem pode ser considerado como uma interação de intencionalidades cujo motor seria o principio do jogo: „Jogar um lance na expectativa de ganhar‟. O que nos leva a afirmar que a encenação do dizer depende de uma atividade estratégica (conjunto de estratégias discursivas) que considera as determinações do quadro situacional. (CHARAUDEAU, 2001, p. 29, grifo no original).
Para essa teoria, o Ato de Linguagem é, portanto, um fenômeno que combina
o dizer (cênico) e o fazer (situacional). Assim, para obter “sucesso” na prática
linguageira, espera-se que os sujeitos respeitem certas convenções/orientações e
que empregue certo número de estratégias inseridas no contrato comunicacional
que irá estabelecer com seu eventual parceiro.
Segundo o pesquisador, ainda:
Denominamos Contrato de comunicação o ritual sociolinguageiro do qual depende o Implícito codificado e o definimos dizendo que ele é constituído pelo conjunto das restrições que codificam as práticas sociolinguageiras, lembrando que tais restrições resultam das condições de produção e de interpretação (Circunstâncias de Discurso) do ato de linguagem. O Contrato de comunicação fornece um estatuto sociolinguageiro aos diferentes sujeitos da linguagem. Assim, as estratégias discursivas mencionadas anteriormente devem ser estudadas em função desse contrato. (CHARAUDEAU, 2009, p. 60, grifo no original).
2.2.2.1 O ato de linguagem e os lugares enunciativos: o circuito externo e o
circuito interno
Para Charaudeau (2009), o discurso como prática humana está previsto por
algumas regras e deveres (Fazer) no momento de interação, e, por outro lado, o
discurso também se materializa como um palco de encenação (Dizer) dos sujeitos.
Segundo Charaudeau (2009, p. 56), o caráter eminentemente teatral das práticas
linguageiras proporciona13 estratégias dos sujeitos de fala, por ser comum
reconhecer no discurso simulações/projeções de espaços discursivos (EUe – TUd)
diferentes daqueles ocupados pelo sujeito comunicante e interpretante (EUc – TUi).
Para o pesquisador, o que revela esse aspecto cênico, da atividade de linguagem, é
a possibilidade que os sujeitos possuem para contrapor e disfarçar a imagem do
sujeito “real”/empírico (EUc – TUi), instância reconhecidamente histórica, e a partir
13
Esta escolha metodológica de descrição e análise das concepções de leitura/leitor, a partir da teoria Semiolinguística, deve-se ao fato de o discurso não ser uma realização apenas no nível discursivo e textual, mas também por ser uma prática social que prevê regulamentos (convenções) entre os parceiros de linguagem, que possuem uma realidade histórica e sociocultural.
47
de suas possíveis escolhas estratégicas (linguístico-discursivas) efetivar um ato de
linguagem instituindo como sujeito enunciador e destinatário sujeitos de palavras
(EUe – TUd), que podem corresponder ou não a realidade sócia histórica do sujeito
comunicante e/ou do sujeito interpretante.
Neste sentido:
O ato de linguagem não pode ser considerado somente como um ato de comunicação: tal ato não é apenas o resultado de uma única intenção do emissor e não é o resultado de um duplo processo simétrico entre Emissor e Receptor. Todo ato de linguagem resulta de um jogo entre o implícito e o explícito e, por isso: i) vai nascer de circunstâncias de discurso específicas; ii) vai se realizar no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; iii) será encenado por duas entidades, desdobradas em sujeito de fala e sujeito agente (CHARAUDEAU, 2009, p. 52).
Essas considerações fazem-se necessárias ao se conceber a ação
enunciativa dos discursos analisados, como sendo um ato de linguagem específico.
Charaudeau (2009), ao considerar as práticas discursivas, argumenta que
estabelecemos um tipo de discurso (político, publicitário, religioso, educacional,
jornalístico), no qual um sujeito (EUc) tem a intenção de interagir com o outro (TUi)
por meio de um material linguageiro (texto oral ou escrito), em que são engendradas
estratégias para realização de suas expectativas.
Segundo Charaudeau:
Nessa perspectiva, podemos dizer que um ato de linguagem participa sempre de um projeto global de comunicação concebido pelo sujeito comunicante (EUc). Assim, o EUc deve organizar o que está disponível no conjunto de suas competências, levando em conta a margem de liberdade e de restrições de ordem relacional de que dispõe. Deve também desejar que seu ato tenha sucesso; ora, a garantia de tal sucesso estará na coincidência de interpretações que poderá ocorrer entre o sujeito interpretante (TUi) e o destinatário (TUd). Para ser bem-sucedido nessa expedição, o sujeito comunicante fará uso de contratos e estratégias. (CHARAUDEAU, 2009, p. 56, grifo no original).
Para esse autor, a noção de contrato comunicacional pressupõe que os
indivíduos, pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociolinguageiros, estejam
suscetíveis de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras
compartilhadas socialmente.
Assim, como sugerido por Bakhtin e Volochinov ([1929]/2006, p. 112) “Com
efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído
48
pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor”.
Cabe ressaltar aqui, que esse tipo específico de interação, investigado nessa
pesquisa, exame externo/sistêmico, orienta para uma formulação discursiva
marcadamente prescritiva/injuntiva, dada as condições e repercussões políticas e
pedagógicas que regulam esse evento discursivo.
Como poderemos verificar nos exemplos seguintes, os interlocutores
envolvidos no ato de linguagem reconhecem-se mutuamente como parceiros de uma
atividade de comunicação, de modo a estabelecer entre si um contrato como
participantes dessa prática discursiva.
De modo ilustrativo, dessa parceria, apresentaremos uma análise preliminar
do texto de introdução/apresentação da Revista SIMAVE/PROEB 2013 e 2014.
APRESENTAÇÃO – SIMAVE/PROEB 201314
Caro(a) educador(a), encaminhamos os resultados do último Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb). A avaliação, realizada em 2013, revelou avanços no desempenho dos alunos e crescimento no índice de participação. O Proeb testa as habilidades dos alunos, em Língua Portuguesa e Matemática, ao final de cada nível escolar — 5º e 9º anos do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio.
[...]
Avançamos nos anos iniciais, mas houve uma oscilação nos demais níveis. Os resultados apurados confirmam que o nosso maior desafio continua sendo o ensino médio. Esperamos que as ações realizadas por meio do Reinventando o Ensino Médio tenham impacto positivo no desempenho de nossos alunos em avaliações futuras. (Revista Pedagógica, 2013, p. 06).
APRESENTAÇÃO – SIMAVE/PROEB 2014
Caro(a) educador(a), O Sistema Mineiro de Avaliação (Simave) é um instrumento importante para Minas Gerais e, mais do que isso, para o Brasil. Trata-se de um sistema pioneiro desenvolvido para avaliar a rede Estadual de Educação Básica e, a partir dessa avaliação, pensar a construção de políticas públicas.
[...]
Por ser um sistema já consolidado, o Simave também deve apontar pistas para a sua própria reestruturação. Portanto, o momento é de avaliá-lo para fortalecê-lo e transformá-lo, a fim de que atenda à realidade do sistema educacional de hoje. Para isso, contamos com a participação dos estudantes, professores, diretores, supervisores pedagógicos, coordenadores, dentre tantos outros profissionais da educação que são os que, de verdade, vão tecendo a cada dia a educação no nosso Estado. (Revista Pedagógica, 2014, p. 07).
14
Todos os excertos na pesquisa, retirados da Revista Pedagógica, utilizados nas pré-análises e análises, serão apresentados em negrito, por opção da autora.
49
No discurso de apresentação, dos referidos documentos, podemos selecionar
unidades linguísticas que justificam a tematização desse Ato de Linguagem,
principalmente, as que se referem aos caracteres específicos da enunciação: “EU” e
“TU”. O ato de linguagem só acontece porque existe um “EU” – Secretaria de Estado
de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) – que fala a um “TU” – Educador (a).
Nesse contexto, apresenta-se um “EU” que propõe, fundamentalmente, a divulgação
dos resultados e o papel assumido pelos dois últimos SIMAVE/PROEB (Sistema
Mineiro de Avaliação Escolar - Programa de Avaliação da Rede Pública de
Educação Básica), realizados nos anos de 2013 e 2014.
Para isso selecionamos os seguintes trechos: ENCAMINHAMOS OS
RESULTADOS do último Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação
Básica (Proeb)...; (o proeb) REVELOU AVANÇOS no desempenho...; (O Proeb)
TESTA AS HABILIDADES dos alunos... (2013); [...] Trata-se de UM SISTEMA
PIONEIRO DESENVOLVIDO PARA AVALIAR a rede Estadual de Educação
Básica...; a partir dessa avaliação, PENSAR A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS... (2014).
É possível perceber, tanto no documento de 2013, quanto no de 2014, uma
afirmação dos objetivos gerais do documento. Os elementos em destaque
caracterizam as ações a que o documento se presta que é a divulgação de
resultados, reafirmar o papel e o objetivo dos instrumentos de avaliação e a
proposição de ações que aprimorem seu funcionamento. Assim quando o
enunciador diz que: ― A avaliação, realizada em 2013, revelou avanços no
desempenho dos alunos e crescimento no índice de participação – ele,
indiretamente, elogia o trabalho realizado pelos alunos/professores.15 Dessa forma,
os discursos de apresentação têm como funções, principais, de avaliar o papel do
enunciador (Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais - SEE-MG), e
também de “convocar/convidar” o educador a participar desse processo, a fim de
aprimorar o instrumento de avaliação, e melhorar os resultados de avaliações
futuras. Assim, outra importante ação da “carta de apresentação” é se posicionar de
modo auto-avaliativo, frente a tais resultados.
Para isso, apresentam-se os seguintes trechos: AVANÇAMOS NOS ANOS
15
No ano de 2013, apresentou-se um resultado melhor que em anos anteriores nos índices avaliados pelo SIMAVE/PROEB, provavelmente, fruto de um trabalho de conscientização e fortalecimento, realizado por meio do Programa de Intervenção Pedagógica (PIP).
50
INICIAIS, mas HOUVE UMA OSCILAÇÃO NOS DEMAIS NÍVEIS...; OS
RESULTADOS APURADOS CONFIRMAM que o NOSSO MAIOR DESAFIO
CONTINUA SENDO o ensino médio...; ESPERAMOS QUE AS AÇÕES
REALIZADAS (...) TENHAM IMPACTO POSITIVO no desempenho de nossos
alunos em avaliações futuras... (2013); Por ser UM SISTEMA JÁ CONSOLIDADO, o
SIMAVE também DEVE APONTAR PISTAS para a sua própria reestruturação; ...o
momento é de AVALIÁ-LO para FORTALECÊ-LO e TRANSFORMÁ-LO... (2014).
Observamos, a partir da seleção dos elementos sinalizados, um
posicionamento enunciativo assumido por esse enunciador tanto em relação aos
seus interlocutores – CARO(A) EDUCADOR(A) –, quanto ao objeto de seu discurso -
ENCAMINHAMOS OS RESULTADOS; um SISTEMA PIONEIRO desenvolvido para
avaliar a rede Estadual de Educação Básica. Dessa forma, percebe-se que a análise
das ações discursivas se mostram necessárias para a caracterização enunciativa
desse locutor em relação aos seus alocutários nesse ato de linguagem,
representadas pela avaliação e divulgação dos resultados dos instrumentos de
avaliação.
O documento “A carta de apresentação” encena em sua enunciação, a partir
da relação discursiva que EUc (SEE-MG) quer estabelecer com seus alocutários, um
contrato comunicacional, criando uma certa identidade coletiva para a Comunidade
Escolar. O público, para o qual é destinado esse relatório/boletim, não é
homogêneo, apesar de ser destinado aos “educadores”, é também um documento
que projeta a comunidade escolar em geral. No ato de linguagem, o EUe representa,
na “carta de apresentação”, uma suposta reciprocidade encenada pelos
interlocutores. Essa encenação é feita como forma de corroborar para construir a
credibilidade do EUc (SEE-MG) junto ao público (Comunidade Escolar), ao reportar
qualitativamente e quantitativamente os resultados das avaliações aos alocutários; e
apontam os aspectos que merecem maior atenção por parte dos educadores,
através de uma escala de proficiência16. É interessante comentar aqui que no
discurso de apresentação, é possível reconhecer uma mudança no tom do
16
A Escala de Proficiência foi desenvolvida com o objetivo de traduzir medidas em diagnósticos qualitativos do desempenho escolar. Ela orienta, por exemplo, o trabalho do professor com relação às competências que seus alunos desenvolveram, apresentando os resultados em uma espécie de régua onde os valores obtidos são ordenados e categorizados em intervalos ou faixas que indicam o grau de desenvolvimento das habilidades para os alunos que alcançaram determinado nível de desempenho.
51
enunciador17. No segundo texto (documento 2014), apresenta-se uma defesa mais
entusiasmada da importância dos instrumentos de avaliação, o enunciador se
apresenta mais engajado político-ideologicamente com a função do instrumento,
enquanto que o primeiro (documento 2013) parece apenas cumprir
responsabilidades protocolares de informação dos resultados.
Como observamos, brevemente, em resumo a noção de Ato de linguagem
parece uma categoria profícua para a nossa análise e reflexão18, pois representa
uma base teórico-metodológica que iluminará as ações linguístico-discursivas
engendradas pelo EUc/EUe (SEE-MG) tanto nos documentos de parametrização,
quanto na proposição dos instrumentos de avaliação. Em sua teoria, Charaudeau
(2001, 2009) argumenta que o contrato comunicacional possui natureza tanto
linguística como situacional, disso resulta a concepção desse dispositivo teórico-
conceitual constituído de dois espaços: o circuito interno (dizer) e o circuito externo
(fazer). O linguísta defende que a dimensão externa determina certas condições a
serem satisfeitas para que o ato de linguagem se efetive satisfatoriamente, é o lugar
do fazer psicossocial dos parceiros envolvidos na comunicação. Já o circuito interno,
ou, o lugar das estratégias, é o lugar da organização do dizer, pois corresponde às
possíveis escolhas que os sujeitos podem fazer na encenação do ato de linguagem,
em função das restrições/condições da instância situacional.
Em síntese:
O ato de linguagem é um fenômeno que combina o dizer e o fazer. O fazer é o lugar da instância situacional que se auto define pelo espaço que ocupam os responsáveis por esse ato. O dizer é o lugar da instância discursiva que se auto define como uma encenação da qual participam seres de palavra [...]. Essa dupla realidade do Dizer e do Fazer, nos leva a considerar que o ato de linguagem é uma totalidade que se compõe de um circuito externo (fazer) e um circuito interno (dizer), indissociáveis um do outro. (CHARAUDEAU, 2001, p. 28, grifo no original).
Desse modo, o contrato requer certas expectativas para que sejam bem-
sucedidas as trocas interlocutivas. Isso faz com que os sujeitos (SEE-MG) elaborem
seu projeto de fala de acordo com os contratos sócio-linguageiros (Documentos de
17
Isto possivelmente em função da troca de governos – PSDB/2013 e PT/2014. 18
Nosso trabalho de análise das concepções de leitura/leitor, a princípio, descreverá a estrutura do contrato/ato de linguagem a partir dos componentes básicos tematizados na apresentação da teoria-metodologia Semiolinguística. Visto o caráter amplo e imbricado de alguns conceitos e/ou categorias de análise na proposta semiolinguística, salientamos que apontaremos para os elementos que forem pertinentes para a justificativa de nossas hipóteses e ferramenta profícua para nossa análise final.
52
Parametrização e Exames externos/sistêmicos) que compartilham com os seus
interlocutores (Comunidade Escolar) e a situação enunciativa pressuposta.
Nessa perspectiva, na atividade de linguagem, o autor defende que os
parceiros situam-se e subordinam-se a contratos e convenções, que são próprias
das práticas psicossociais compartilhadas entre membros de uma dada comunidade,
assim, o contrato requer como condição que os sujeitos se reconheçam mutuamente
como parceiros do evento comunicativo que possuem o direito a palavra por terem
de antemão um projeto de fala, elaborado segundo restrições contextuais e
pertinência intencional (CHARAUDEAU, 2009).
A seguir, como ilustração, apresentamos a configuração do ato de linguagem
representado pela “Carta de apresentação”, do SIMAVE/PROEB:
Figura 3- Ato de linguagem ―Carta de Apresentação‖
Ato de Linguagem “Carta de
Apresentação” (Para o educador)
EUc (SEE)
EUe (Avaliador/ Parceiro)
TUd (Avaliado/
Especialista/ Colaborador)
TUi (Comunidade
escolar)
Circuito Interno (dizer)
(Fazer-crer)
Circuito Externo (fazer)
(Fazer-saber)
Fonte: adaptado de Charaudeau (2009, p. 77) por Paulista (2013) no prelo.
O contrato comunicacional se define, então, por componentes da ordem
situacional, do comunicacional e do discursivo. O primeiro componente, o
situacional, é constituído por um dispositivo conceitual que representa a estrutura
do contrato, composta das seguintes categorias:
a) identidade dos interlocutores – Euc/TUi – (quem se dirige a quem?);
b) finalidade discursiva – expectativa/intenção – (para que dizer?);
c) domínio temático (sobre o que dizer?);
d) suporte físico/material (dizer através de que meio de comunicação?).
53
O segundo é chamado de comunicacional e diz respeito ao funcionamento
do contrato em termos do horizonte de estratégias passíveis de serem atualizadas
em função dos elementos do nível situacional, configurando um nível intermediário
entre o situacional (fazer) e o nível discursivo (dizer) de efetivação de estratégias. O
terceiro componente discursivo/intencional é o nível da encenação, e se refere ao
espaço de intervenção do sujeito comunicante tornado sujeito enunciador, que deve
realizar seu projeto de fala, tendo em vista as restrições do situacional e as
possibilidades do comunicacional.
A relação entre as dimensões situacional e discursivo-comunicacional do
texto apresentado pode ser assim descrita: em relação à finalidade do contrato
comunicacional da “Carta de Apresentação”, podemos dizer que o EUc (SEE-MG)
tem como objetivo do contrato comunicacional que estabelece com o auditório o
fazer-saber (informação), ou seja, ele tem como objetivo, a partir da Revista
Pedagógica, informar ao TUi (Comunidade Escolar) os resultados do
SIMAVE/PROEB. Porém, no circuito-interno, a ação de EUe é também de que o TUd
venha assumir um papel responsivo no aperfeiçoamento e sucesso do exame,
portanto, sua finalidade confunde-se com o fazer-crer (incitação). Na carta de
apresentação, ao menos na de 2013, além do relato dos dados estatísticos,
observamos no último parágrafo uma “convocação/convite” ao aperfeiçoamento dos
instrumentos. Enquanto que em 2014, a ênfase era na participação da comunidade
como, maior interessada, e especializada, para o aperfeiçoamento dos instrumentos
de avaliação.
Para isso, os procedimentos enunciativos são ferramentas profícuas para a
interpretação das “Cartas de Apresentação”, pois podem permitir àquele que fala
colocar-se em cena (enunciação “elocutiva”), implicar seu interlocutor no mesmo ato
de linguagem (enunciação “alocutiva”) e/ou apresentar o que é dito como se
ninguém estivesse implicado (enunciação “delocutiva”). Assim, por exemplo, o texto
do documento de 2013 privilegia o modo delocutivo – privilegiando a referência dos
dados estatísticos, o EUe constrói-se, prioritariamente, como AVALIADOR, e seu
TUd como AVALIADO, enquanto que o texto de 2014 privilegia o modo elocutivo e
alocutivo – assumindo uma imagem de EUe como PARCEIRO e seu TUd como
COLABORADOR.
Dessa forma, SEE-MG é responsável por um discurso de “prestação de
contas” e/ou de “conscientização da classe”, representado pela comunidade escolar.
54
Assim, esse órgão cumpre o papel de avaliador, uma vez que tem a
responsabilidade de apresentar os resultados das avaliações do SIMAVE/PROEB
(2013 e 2014) visando informar a comunidade escolar as proficiências e deficiências
do sistema educacional do estado. A comunidade escolar, projetada ora como
instância avaliada, ora como instância colaboradora, por sua vez, ao receber esse
discurso é colocada no papel de maior interessada no processo, a fim de contribuir
para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem.
Em termos do propósito temático ou domínio do saber, observamos que a
SEE-MG busca afirmar a importância dos instrumentos de avaliação e sua
repercussão para a melhora do ensino.
2.2.2.2 Sobre as estratégias de encenação: legitimidade e credibilidade dos
objetos de parametrização e avaliação
Na tentativa de aplicabilidade das categorias do modelo proposto
anteriormente, para a análise das concepções de leitura/leitor, a breve consideração
que se segue, diz respeito à “intenção pragmática” dos objetos analisados em
relação à situação enunciativa. Interessante observarmos, que na dinâmica do uso
desses objetos, os enunciadores pretendem ações ora de cunho
orientacional/prescritivo (PCNs), ora de cunho avaliativo/orientacional
(SIMAVE/PROEB). Explicitamente, estes objetos, que são legitimados socialmente,
estão voltados para corroborar no fazer político-pedagógico, e para isso, constrói
sua credibilidade ao apresentar: teóricos/especialistas das áreas, dados estatísticos,
gráficos, cartas de apresentação, excertos de orientações e análises da SEE/MG,
questões representativas e outros.
Segundo Charaudeau (2004), a legitimidade é conferida ao enunciador, a
priori, a partir de seu estatuto social – no nosso caso, dos órgãos/setores
governamentais, Ministério da Educação e Cultura (MEC) - Instituto Nacional de
Pesquisa Educacional (INEP) e Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais
(SEE-MG), responsáveis pelas ações que visam o desenvolvimento e/ou
aprimoramento dos instrumentos político-educacionais. Já a credibilidade, por sua
vez, pressupõe-se não apenas a legitimidade, mas as estratégias discursivas que
garantem essa competência no ato enunciativo. Portanto, a legitimidade está “mais”
ligada ao situacional-comunicacional e a credibilidade ao comunicacional-discursivo.
55
Para Charaudeau, o sujeito possui um projeto de fala que é orientado em
torno de certo número de objetivos discursivos sobre os seus alocutários. Por
exemplo, a instância político-pedagógica orienta, explicitamente, suas ações a fim de
agir sobre as atividades dos professores e alunos. Para isso, encena modos de dizer
para agir eficazmente sobre os interlocutores.
A situação de comunicação é o lugar onde se instituem as restrições que determinam a expectativa (enjeu) da troca, restrições estas provenientes ao mesmo tempo da identidade dos parceiros e do lugar que eles ocupam na troca, da finalidade que os religa em termos de visada, do propósito que pode ser convocado e das circunstancias materiais nas quais a troca se realiza. (CHARAUDEAU, 2004, p. 22, grifo no original).
Para que o parceiro envolvido no ato de linguagem seja reconhecido no seu
estatuto de sujeito comunicante e na eficiência de seu discurso é necessário que lhe
seja reconhecido tal direito à palavra. Charaudeau, desse modo, apresenta três
condições essenciais para o êxito das intenções discursivas, como apresenta Mello
(2005), a saber:
i) Reconhecimento do Saber: representa certo conjunto de universos de
referência, em termos de sistemas de crenças e valores, que permitem que
os parceiros assumam as suas representações supostamente partilhadas
sobre o mundo;
ii) Reconhecimento do Poder: diz respeito à posição sócio-institucional
ocupada pelos parceiros do contrato de comunicação, articulada aos
papeis linguageiros que os sujeitos assumem no discurso em razão da
realidade psicossocial em que se dá o jogo enunciativo;
iii) Reconhecimento do Saber fazer: refere-se à capacidade do sujeito
comunicante, tornado enunciador, de confirmar as duas condições, acima
citadas, através da sua enunciação, ou seja, através da efetivação de seu
projeto de fala por meio do discurso, adequando o circuito interno (do dizer)
ao externo (do fazer).
Para Mello,
Tais implicações permitem legitimar o ato de linguagem e identificar papéis de cada um nessa interação possibilita, intercompreensão, o reconhecimento recíproco, a autolegitimação desses papéis, suas intenções
56
no momento da troca linguageira, além do (re)conhecimento e do controle dessas intenções. (MELLO, 2005, p. 65).
Assim, o reconhecimento do saber e o reconhecimento do poder estão
implicados na dimensão da legitimidade dos sujeitos conferida a eles, em razão da
posição que eles assumem nas diferentes situações de prática social. E, por outro
lado, o saber fazer busca conferir credibilidade ao sujeito falante, em função dessa
legitimidade, estando diretamente associado ao desempenho enunciativo
apresentado pelo sujeito comunicante, tornado enunciador.
Dessa maneira, geralmente, consideradas do ponto de vista da instância de
produção, tendo em vista um “destinatário ideal”, pressupõe-se que, ao mesmo
tempo, essas “intenções/visadas” devam ser reconhecidas pela instância receptora,
para que a interação e intercompreensão entre locutor e alocutário sejam bem
sucedidas.
Para Charaudeau:
As visadas correspondem a uma intencionalidade psico-sócio-discursiva que determina a expectativa (enjeu) do ato de linguagem do sujeito falante e, por conseguinte da própria troca linguageira. As visadas devem ser consideradas do ponto de vista da instância de produção que em perspectiva sujeito destinatário ideal, mas evidentemente elas devem ser reconhecidas como tais pela instância de recepção [...] as visadas correspondem, assim, a atitudes enunciativas de base que encontraríamos em um grande corpus de atos comunicativos reagrupados em nome de sua orientação pragmática [...]. (CHARAUDEAU, 2004, p. 23).
Assim, para o sujeito interpretante, interpretar é criar hipóteses sobre: (i) o saber do sujeito enunciador; (ii) sobre seus pontos de vista em relação aos seus enunciados; (iii) e também seus pontos de vista em relação ao seu sujeito destinatário, lembrando que toda interpretação é uma suposição de intenção. (CHARAUDEAU, 2009, p. 31).
Para esse autor (2004), os tipos de “visadas” são definidos por um duplo
critério: i) a intenção pragmática do EU em relação com a posição que ele ocupa
como enunciador na relação de força que o liga ao TU; ii) a posição que da mesma
forma TU deve ocupar.
O autor apresenta quatro esquemas metapredicativos para as “visadas”
comunicacionais, são eles: fazer-saber (informação, instrução, demonstração...),
fazer-crer (persuasão e adesão), fazer-sentir (sedução) e fazer-fazer (incitação,
prescrição). Charaudeau (2004) argumenta que numa situação de comunicação
podemos falar de certa predominância de uma dessas “visadas”. Por exemplo, no
57
caso específico do nosso corpora, Revista Pedagógica 2013/2014, pode-se dizer
que as visadas predominantes nos objetos seriam as visadas – fazer-saber e fazer-
crer. Porém, podemos argumentar que, no primeiro, existiria também uma visada
fazer-fazer, portanto, de incitação à ação por parte dos professores/alunos, e que,
no segundo, existiria uma visada fazer-sentir, pois a partir do modo como são
tematizados os resultados, os interlocutores poderão se sentir “enaltecidos” ou
“acusados”. Portanto, o ato de linguagem pode ser atravessado por diferentes
visadas que corroboram ou refutam o projeto de fala dos interlocutores.
Em síntese, as principais considerações teórico-metodológicas do quadro
Semiolinguístico foram expostas nesta seção. Salientaram-se as contribuições
oferecidas pela teoria semiolinguística: a) a possibilidade de investigar e analisar as
determinações sócio-discursivas a que estão submetidos os interlocutores; b) sua
possível caracterização polifônica; e c) por permitir descrever e analisar outros
fatores que determinam as condições de uso efetivo dos enunciados na construção
das concepções de leitura/leitor nos objetos em análise.
2.2.3 Breves reflexões sobre concepções de leitura e leitor
O peso da prática de leitura na vida do indivíduo moderno e o período de
tempo que cada um consagra a essa atividade, segundo a sua idade, sua posição
cultural ou social vem sendo estudado, amplamente, no cenário acadêmico
brasileiro. O que a leitura representa para certa sociedade, ou para uma faixa etária,
ou para um grupo social; ou, ainda, a forma como os escritos circulam ou modificam
as relações entre as pessoas, enfim, essas dimensões afetivas, sociais, culturais e
políticas, tornaram-se objetos de reflexão e pesquisa de muitos estudiosos19. A
seguir, apresentaremos algumas considerações a respeito dessa prática.
2.2.3.1 Síntese da história da leitura no Brasil
A fim de apresentar um panorama sobre a história da leitura no Brasil,
apresentaremos a seguir as considerações de duas autoridades no assunto – Márcia
Abreu (2001a, 2001b) e Regina Zilberman (2001).
19
Gusmão (2015); Chartier (1991, 1994, 1998); Manguel (2000); e. Van Dijk (1978)
58
Abreu (2001a), ao relatar sobre a história da leitura, ressalta que, na
antiguidade, ler era uma tarefa que poucas pessoas podiam e conseguiam executar,
consequentemente, isso acontecia devido ao fato de que poucas pessoas tinham
conhecimento do código linguístico e acesso, por exemplo, aos objetos de leitura.
Dessa forma, a leitura em voz alta, tornou-se uma norma a fim de que mais pessoas
pudessem ouvir o que estava sendo lido. Essa atividade era considerada uma forma
de lazer, porque era uma prática em que um grupo de pessoas se reunia para ler e
conversar, geralmente lugares públicos – portanto uma concepção de leitura como
fruição.
Posteriormente, o número de pessoas que passaram a ter acesso à leitura
aumentou, a prática da leitura, em voz alta, foi diminuindo. A leitura em voz alta
passou a ser praticada, preferencialmente, em alguns lugares, como: igrejas,
tribunais e/ou escola (nos anos iniciais). Começou a surgir então, a prática da leitura
silenciosa, embora, segundo a autora, essa fosse uma forma não muito aceita,
porque cada leitor, lendo silenciosamente e isolado, fugia um pouco dos olhos de
quem vigiavam essas leituras – portanto, leitura como uma prática “perigosa”20.
Acreditavam que quem agia assim, poderia estar fazendo uma leitura pecaminosa
e/ou obscena.
Abreu (2001a) aponta que as formas de ler foram se transformando e foi com
o surgimento da imprensa que tivemos uma modificação mais radical. Muitas
pessoas passaram a ter acesso à leitura e, devido a esse aumento,
consequentemente mais material escrito começou a ser disseminado. A leitura
começou a popularizar-se. Os livros deixaram de pertencer somente aos que tinham
condições de adquiri-los. Porém, como enfatiza a autora, as formas de leituras e as
concepções sobre o ato de ler variaram bastante ao longo dos tempos, “mas a ideia
do que seja ler durante toda essa trajetória mostraram que as práticas de leituras
foram e continuam sendo bastante familiares” (ABREU, 2001a, p. 2).
O modo como é retratada a leitura sempre foi uma forma ideal para mostrar
como essas práticas eram socialmente valorizadas, praticadas por pessoas de
20
Abreu (2001a) explica que a leitura, em geral, até o século XVIII, foi muito policiada, principalmente para as mulheres. Ler romance, gênero textual, que começou a ser difundido nessa época, era visto como algo perigoso para a moral, especialmente das mulheres e moças. Considerando os efeitos maléficos que pudessem ser contraídos através do contato com essas leituras, chegaram até mesmo a proibi-las. Para as mulheres, era, então, permitida a leitura religiosa, principalmente as novenas, enquanto que para os homens a liberdade era total, com acesso a qualquer tipo de leitura.
59
destaque na sociedade, dando assim, um ar de soberania e de supremacia perante
aos demais – portanto, leitura como status social. Isso, nitidamente, retratado nos
quadros e fotografias de época, que sempre retratavam a leitura como algo
prazeroso, feito por pessoas que demonstravam ter alto poder aquisitivo,
geralmente, realizada em lugares tranquilos e saudáveis, sempre familiares.
Figura 4 - Leitura ao ar livre
Fonte: https://www.google.com.br/imgres
Zilberman (2001) enfatiza que no Brasil, a leitura começa a se destacar no
cenário cultural, somente a partir do século XIX21, época de grandes mudanças,
tanto no setor político, como no social e cultural. Outro aspecto importante que
mostra as mudanças na história da leitura no Brasil é a nossa independência
promulgada em 1822, acontecimento tornou as pessoas mais autônomas e
participativas. Para exemplificar, o Romantismo brasileiro, estilo de época,
predominante, no século XIX, especificamente na sua primeira fase possibilitou o
surgimento de vigorosas produções literárias brasileiras22, sobretudo aquelas que
falam de nossa terra, nosso povo, nossas tradições, costumes, riquezas e belezas.
Nesse contexto, a pesquisadora Zilberman (2001), chama atenção para a
importância do aspecto social que a prática da leitura teve no Brasil. Quando tem
início, em meados do século XIX, o seu processo de institucionalização do Estado,
21
Um exemplo para assegurar essas mudanças é o fato ocorrido em 1808, ano em que a Família Real Portuguesa, aporta no Brasil e que traz consigo a Real Biblioteca Portuguesa, transformada posteriormente em Fundação Biblioteca Nacional.
22 Também nessa época, surgiram os primeiros escritores ditos brasileiros natos, escrevendo e
publicando obras genuinamente brasileiras. A chamada fase do Nacionalismo caracteriza-se por uma grande valorização do que era do Brasil e não aceitação do que era do exterior. Até então, principalmente na literatura, muito daquilo que aqui se lia e escrevia eram de escritores estrangeiros que, às vezes, estavam apenas de passagem ou continuamente vieram com o intuito de dar seguimento ao processo de colonização implantado pela Coroa Portuguesa.
60
como nação politicamente organizada, o Brasil era um país constituído
eminentemente por analfabetos; excluindo uma minúscula parcela da sociedade que
constituía uma elite dominante e que possuía recursos financeiros para enviarem
seus filhos para estudar na Europa ou então inscrevê-los nas primeiras escolas que
começaram a surgir. O restante da população não tinha acesso à leitura e à escrita.
Segundo Zilberman (2001), a história do desenvolvimento da leitura no Brasil
está diretamente relacionada à história da educação, que sempre priorizou as elites.
Ainda segundo a autora, as imposições de um mundo capitalista, no qual o Brasil se
viu inserido diretamente a partir do século XX, com o início da industrialização, exigiu
da massa operária certa qualificação que os levassem a aceitar, sem questionar, as
imposições da burguesia representante de uma ideologia dominante. Não era
preciso saber ler; bastava entender as ordens que lhe eram dirigidas e obedecê-las.
Sobre esse aspecto também, Abreu (2001b, p. 139) afirma que comentários
do tipo: as escolas são inadequadas, pouco livros são vendidos, mal se ler no Brasil
e outros pejorativos, incorporaram-se ao senso comum, não requerendo qualquer
tipo de comprovação23. Esses comentários enraizaram-se de tal forma que acabaram
levando o Brasil a ocupar o ranking de país com baixo índice de desenvolvimento
educacional. Diante dessa situação lançam-se campanhas e mais campanhas de
promoção da leitura buscando solucionar esse problema e tentando aumentar os
índices de letramento da população.
Nesse sentido, a autora critica:
A concepção de ser um bom leitor aquele indivíduo que lê os livros certos que são avaliados por critérios que estejam vinculados a noções particulares de valor, estética, cidadania e conhecimento. Dessa forma fica explícito que grande parte dos brasileiros realmente não tem condições de serem bons leitores, pois a leitura que se faz no Brasil é mais utilitária e informal. (ABREU, 2001b, p. 141).
Consequentemente, essa ideia de que a leitura é algo para poucos e para os
bons já vem sendo disseminada socialmente, principalmente, pelas intervenções
pedagógicas. Segundo Abreu (2001b), o trabalho escolar tem contribuído para o
23
Abreu (2001b), por outro lado, defende a ideia de que antes de tomar qualquer atitude no sentido de julgar esses discursos, é necessário examinar de onde vieram essas formas de alardear os fracassos da cultura letrada no Brasil e, sobretudo os seus pressupostos. A autora defende a tese de que esses relatos eram feitos por viajantes europeus que tinham uma concepção de cultura elitista totalmente incompatível com a concepção de cultura brasileira. A autora apresenta como exemplos, os quadros oitocentistas feitos por pintores europeus que retratam um determinado tipo de leitor e leitura e um determinado modo de ler como válidos.
61
discurso do não ler. Poucas são as contribuições para o incentivo da leitura e para a
reflexão sobre as suas práticas.
A autora afirma que
As leituras são diferentes, não piores ou melhores e que deveríamos entender que a diferença não precisa ser sinônimo de desigualdade. [...] que ganharíamos muito mais se percebêssemos que os discursos convencionais sobre a leitura estigmatizam grupos sociais e práticas culturais. (ABREU, 2001b, p. 155).
O que a autora enfatiza é que se queremos uma sociedade igualitária em
todos os aspectos é preciso que as pessoas tenham condições materiais para serem
leitores – portanto, o acesso à leitura é um bem público. Não é preciso que se leiam
ou que se goste dos mesmos livros, muito menos que todos tenham a mesma
opinião sobre eles, mas cada um faça sua leitura a sua maneira ou da forma que lhe
é possível. E também ressalta que as pessoas não deveriam classificadas e/ou
selecionadas pelas suas leituras.
Outro aspecto importante, frisado por Abreu (2001a, p. 02), é a ideia de que o
bom leitor é o que lê muito e variados textos é mais recente. Como, durante muito
tempo, a quantidade de livros impressos disponíveis era pequena, o bom leitor era
aquele que lia pouco, relia com frequência e meditava sobre os escritos. Segundo a
autora, o bonito mesmo era decorar o que se lia daí o surgimento dos saraus –
atividade ainda usada, até hoje, embora pouco, em alguns lugares.
Para Zilberman (2001), a leitura, nas últimas décadas, se consolidou como
prática, nas suas várias acepções. Foi e ainda continua sendo produto da escola e
critério para ingresso e a participação do indivíduo na sociedade, valorizada como
ideia, por distinguir o homem alfabetizado e culto do analfabeto e ignorante –
portanto, leitura é vista e continua sendo como “divisor social”. A leitura passou a ser
um objeto de distinção que vem afastando o homem comum da cultura oral; nesse
sentido, cooperou para acentuar a clivagem social, sem, contudo, revelar a natureza
de sua ação, pois colocava o ato de ler como um ideal a perseguir. Desse modo,
autora afirma que uma história da leitura faz parte, portanto, da história da sociedade
capitalista.
Para enriquecer as reflexões aqui apresentadas à luz do trabalho realizado
por Abreu e Zilberman, citaremos Britto (1999), para quem também a leitura é poder
e para uma minoria:
62
A leitura e escrita sempre foram, e continuam sendo, instrumento fundamental de poder, nesse sentido, sempre estiveram e continuam estando, articuladas aos processos sociais de produção de conhecimento e apropriação dos bens econômicos. [...]
Portanto, o que e o quanto um cidadão é leitor, depende, acima de tudo, de sua condição social, e da possibilidade de ter acesso ao escrito, e isto depende das relações sociais. (BRITTO, 1999, p. 90-91).
Nesse sentido, o que percebemos é que virar a “página” da história da leitura
no Brasil, só terá sentido em um movimento político de democratização social, em
que todos deveriam ter o direito de ler, sem a promoção de comportamento,
valorização de gosto e limitação de quantidade.
2.2.3.2 Leitura e ensino: por uma abordagem sócio-interacional
No contexto escolar brasileiro, aparentemente, a resistência dos alunos
quanto à leitura estaria atrelada à sua dificuldade de ir além da decifração do código
linguístico. Essa hipótese é o principal tema quando se discute os insatisfatórios
índices de habilidade em leitura, gerando os tão conhecidos jargões: “os alunos não
gostam de ler”, “os alunos leem, mas não entendem o que estão lendo”.
Relacionar os baixos índices apenas a esta capacidade, no entanto, ainda
deixa uma lacuna muito grande para avaliar o processo de leitura. Várias
pesquisas24, ora de cunho psico-cognitivo, ora de cunho sócio-interacional buscam
entender que fatores e/ou processos estão envolvidos nessa atividade, tão
significativa para a comunidade escolar e para a vida cotidiana. Sabe-se que a
escola é a principal instituição responsável por desenvolver as habilidades e
competências de escrita e leitura.
Diante dessa questão, Kleiman postula que:
É desmotivadora a ideia de que a maioria de nossos alunos, que chegará a uma universidade, estaria condenada, a sair da escola sem ter desenvolvido as habilidades necessárias para compreender um texto de modo a expressar o mais importante dele num resumo ou de perceber a atitude do autor. (KLEIMAN, 1989, p. 51).
Uma hipótese a respeito disso é que os sujeitos avaliados não se saem bem
24
Sobre o assunto, conferir trabalhos desenvolvidos por Freire (1982); Zilberman (1982); Silva (1986); Soares (1988); Orlandi (1983), além de trabalhos de outros pesquisadores, que podem ser identificados nas publicações Associação de Leitura do Brasil.
63
nessas avaliações porque não sabem ler ou porque não conseguem construir um
sentido para o que está lendo. Porém, esta constatação é simplista diante da
complexidade do problema. O que se percebe, até mesmo pela alta produção e
investigação acadêmica a respeito do tema, é que realmente a problemática da
leitura demanda uma sistematização dos estudos e uma proposição mais eficiente
dessas práticas no universo escolar.
Com relação a isso, Kleiman (1989, p. 52) defende que “Os sujeitos, nos
diversos níveis de desenvolvimento e escolarização, estão à procura de sentido e de
significação do texto, mas as estratégias por eles utilizadas não são, senão,
automatismo fora de seu controle consciente”.
Não nos restam dúvidas de que, quando se trabalha a leitura, em grande
parte das vezes, há uma preocupação muito grande em seguir o antigo paradigma
de questionários (perguntas/respostas). Atividade essa quase sempre definida em
termos de identificar as respostas que estão explícitas nos textos.
Nessa perspectiva, o ato de ler torna-se uma atividade formal a fim de
verificar o grau de compreensão do texto, apenas, pela capacidade de
reconhecimento das respostas das perguntas. Porém, quando solicitados a resumir
em poucas palavras o que entendeu do texto, os sujeitos apresentam grande
dificuldade de interpretação e compreensão das informações.
Segundo a autora, desde os primeiros anos de alfabetização, os alunos são
treinados na associação mecânica de sons com letras, sílabas, palavras até chegar
à sentença essas tarefas chegam a ser descontextualizadas e desinteressantes.
Outro aspecto negativo do uso das atividades de leitura, apresentado pela a autora,
é o de simplesmente usá-la para identificar sujeitos, predicados, encontros vocálicos,
verbos e outros aspectos que causam canseira e distanciamento do que se está
lendo (KLEIMAN, 1989, p. 54). Dito de outra forma, seria utilizar o texto, apenas,
como um pretexto para o estudo da gramática, da estrutura formal da língua.
Matêncio (2000, p. 40), por sua vez, afirma que a leitura, assim como a
escrita, é uma atividade individual, realizada de forma visual, nesse processo os
olhos se fixam em cada palavra, mas identificam um conjunto. E pondera que o leitor
não é passivo, mesmo a escola orientando para isso, os sentidos que esse leitor se
estabelece na leitura são vinculados aos seus conhecimentos da atividade, da
estrutura textual e de mundo. Ao longo do processo de ler esse autor cria, confirma
ou rebate suas hipóteses acerca do que lhe é exposto.
64
Ainda sobre esse aspecto, Kleiman afirma que
Se o aluno é capaz de decodificar o texto escrito, se ele é capaz de utilizar a informação sintática do texto na leitura, e se, ademais, ele já completou a aquisição da língua materna, as dificuldades que ele revela na compreensão do texto escrito são decorrentes de estratégias inadequadas de leitura. (KLEIMAN, 1989. p. 50).
[...] é função primordial da escola ensinar seus alunos a orientar-se também em relação aos enunciados na modalidade escrita, isto é, aos textos escritos dos diversos gêneros que circulam na sociedade letrada. Essa orientação precisa ter elementos valorativos que fazem parte de todo enunciada. Em outras palavras, a compreensão necessariamente envolve uma atitude responsiva também à expressividade do enunciado, aos conteúdos ou sentidos „vivenciais ou ideológicos‟ que toda palavra no texto carrega. (KLEIMAN, 2007, p. 111) .
Outro aspecto que percebemos é que algumas práticas de leitura, propostas
por alguns professores no âmbito escolar e pelos agenciadores dos documentos de
divulgação dos resultados aplicadas aos alunos, não veem a leitura como uma
atividade sociointerativa e também não consideram que a relação que se estabelece
entre o leitor e o texto, determinando diferentes formas de leituras como um fator
importante.
Para Matêncio (2000), as práticas discursivas de leitura e escrita são
concebidas como fenômenos sociais, que ultrapassam os limites da escola. São
atividades dialógicas em que as imagens mútuas dos interlocutores são um
elemento crucial para os processos que se realizam na interlocução.
Segundo a pesquisadora
A função mais esperada da escola seria propiciar aos alunos caminhos para que eles aprendessem, de forma consciente e consistente, os mecanismos de apropriação de conhecimentos E esse conhecimento é óbvio que vem através da leitura. Mas não é isso que está acontecendo, os motivos para o descompasso entre o que espera da instituição escolar e sua atuação efetiva são muitos. (MATÊNCIO, 2000, p. 15).
Matêncio (2000) dialoga com Kleiman (1989), quando defende que o
processo de letramento é constituído por “práticas e eventos relacionados ao uso,
função e impacto da escrita na sociedade” (MATÊNCIO, 2000, p. 18). Para essas
autoras, a leitura e a escrita realizada pelos alunos são orientadas não apenas pelo
processo de escolarização, mas também pela experiência prévia e/ou exterior à
escola. Concordamos com essas autoras que enfatizam que adotar esse ponto de
65
partida nos levaria a ampliar o espaço para o trabalho com leitura e escrita para
além das aulas de Língua Portuguesa. Esta é uma prática que já vem sendo
cobrada desde a criação dos PCNs de Língua Portuguesa (1997), mas que, como
poderemos constatar no processo de análise dos dados desta pesquisa,
acreditamos que não está sendo cumprida como deveria ser, ou que, pelo modo
como são elaboradas as questões das avaliações, não proporcionam de modo
eficaz essa dimensão.
Nessa mesma linha de pensamento, Cagliari afirma que
A leitura não pode ser uma atividade secundária na sala de aula ou na vida, uma atividade para a qual a professora e a escola não dedicam mais que uns míseros minutos, na ânsia de retornar aos problemas de escrita, julgados importantes. Há um descaso enorme pela leitura, pelos textos, pela programação dessa atividade na escola; no entanto, a leitura deveria ser a maior herança legada pela escola aos alunos, pois ela, e não a escrita, será a fonte perene de educação, com ou sem escola. (CAGLIARI, 2002, p. 173).
Dentro dessa perspectiva, podemos destacar, também, o trabalho
desenvolvido por Solé (1998), para quem ensinar leitura é algo difícil, uma vez que
esse processo não é mera decodificação de sinais gráficos, é um conjunto de
habilidades (e de dificuldades) que se instaura entre o implícito e o explícito, entre o
contexto e as práticas discursivas. Assim, Solé pontua que:
Ler não é decodificar, mas é preciso saber decodificar [...] aprender a decodificar pressupõe aprender as correspondências que existem entre sons da linguagem e os signos ou os conjuntos de signos gráficos. [...]Um primeiro aspecto a tratar, portanto deve ser o das dificuldades implícitas no fato de isolar e identificar os sons da linguagem. (SOLÉ, 1998, p. 52).
Desse modo, é necessário que a escola não ensine somente a decodificar,
mas também mostre outras estratégias para uma boa compreensão, pois segundo a
autora, quando se aprende o código, o individuo não precisa apenas usar bem esse
código, também necessita manipulá-lo e refletir sobre ele. É essa reflexão que
permite o indivíduo ir além do código, ou seja, da palavra escrita, do seu som e
muitas outras coisas que Solé (1998, p. 52) chama de “desenvolver certa
consciência metalinguística para compreender os segredos do código”.
O ato de leitura pressupõe níveis de leituras e estratégias para uma boa
compreensão do texto, o professor deve por em prática essas estratégias e levar em
consideração os níveis de cada aluno. Mas quais estratégias utilizar no processo de
leitura para uma melhor apreensão do texto?
66
Segundo a autora
As estratégias que vamos ensinar devem permitir que o aluno planeje tarefa geral da leitura e sua própria localização-motivação, disponibilidade - diante dela; facilitarão a comprovação, a revisão, o controle do que se lê e a tomada de decisões adequadas em função dos objetivos perseguidos. (SOLÉ, 1998, p. 73).
A autora cita, ainda, algumas estratégias que devem ser implementadas nas
aulas de leitura. Algumas delas são:
I) „Compreender os propósitos implícitos e explícitos‟ [...]
II) „Ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios relevantes para o conteúdo em questão‟. [...]
III) „Estabelecer objetivos para a leitura‟ [...]
IV) „Elaborar e provar inferências de diverso tipo‟ (SOLÉ, 1998, p. 73).
Em consonância com os postulados de Solé (1998), vamos ao encontro de
argumentos apresentados por Cafiero (2005) que, em sua reflexão, também reconhece
que o ato de ler necessita muito mais que simplesmente uma decodificação de códigos
e, ainda, defende que esse ato seja proficiente. Para a pesquisadora
É necessário entender que leitura é uma atividade ou um processo cognitivo de construção de sentidos realizado por sujeitos sociais inseridos num tempo histórico, numa dada cultura. [...] a leitura, como processo de construção de sentidos significa dizer que, quando alguém lê um texto não está apenas realizando uma tradução literal daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está produzindo sentidos, em um contexto concreto de comunicação, a partir do material escrito que o autor fornece. (CAFIERO, 2005, p. 17, grifo no original).
Outro aspecto ressaltado por Cafiero é que antes de começar a ler, o leitor
pode ser estimulado a observar as marcas que o texto traz e que, por fazer isso, o
escritor está atento ao papel do leitor na construção do texto, pressupondo o que
esse leitor já sabe sobre o assunto e o que ele precisa saber.
Nesse sentido, a autora pondera que
O leitor deve realizar um esforço cooperativo, no sentido de buscar articular as instruções deixadas no texto, e ainda entender que essas instruções não são aleatórias, ou seja, sem objetivos e que, por isso, não pode estabelecer qualquer relação e muito menos estabelecer qualquer sentido. O leitor não pode abandonar o texto e construir sua compreensão somente com base em seus conhecimentos, porque isso pode levar a incoerências, a leituras erradas
25. (CAFIERO, 2005, p. 55, grifo no original).
25
Grifo da autora, provavelmente, essa expressão está se referindo ao termo já dito por Possenti (1991).
67
Dessa forma, Cafiero afirma, ao mesmo tempo, que o leitor não pode se apegar
somente ao texto, sem considerar sua inserção num contexto situacional ou discursivo,
porque também isso pode levar à incoerência. A autora acredita - e concordamos com
ela - que o papel de professores que se dispõem a ensinar leitura é levar o aluno a
entender que ele é um sujeito social que age sobre o texto escrito. Nesse sentido, a(s)
leitura/leituras feitas pelos leitores serão sempre resultante de uma complexa
atividade, marcada não só por fatores ligados ao próprio sujeito interpretante, como
também à situação na qual a interação comunicativa se processa.
Também no âmbito do papel da escola na formação do leitor, vamos ao
encontro dos argumentos de Walty (1999) que faz uma crítica ao leitor obediente
formado pela escola. A autora ressalta que esse é um leitor que faz fichas de livros
ou reproduz com propriedade enunciados textuais. Mas a autora esclarece que o
leitor preciso é aquele que ao ser instigado pelo texto, produz sentidos, dialoga com
o texto que lê, seus intertextos e seu contexto, ativando sua biblioteca interna,
jamais em repouso. E acima de tudo precisa ser um leitor que seja capaz de “se
safar até mesmos pelas camisas de força impostas pela escola e pela sociedade, na
medida que produz sentidos que fogem ao controle à leitura e à sua metodologia”
(WALTY, 1999, p. 52).
Diante o exposto, podemos, então, afirmar que o ensino da leitura não se
restringe, simplesmente, ao processo de alfabetização, esse é um processo contínuo
e progressivo. E, ainda mais, que esse processo não se restringe à instância
escolar, mas se realiza concreta e efetivamente em inúmeras instâncias sociais.
Também sobre o ato de ler, em consonância com Mari (1999), assumimos
que reconhecer a importância da relação [conhecer] → [ler] é considerá-la condição
básica para qualquer realização processual, principalmente quando se trata do
processo de construção de sentido.
Para Mari,
Nesta relação é possível avaliar consequências em dois planos distintos: um de natureza interna e determinado pelo conhecimento de algumas informações sobre o código, que o falante precisa dominar; outro de natureza externa e representado por informações que não são linguísticas, mas que se estruturam no código [...] No primeiro plano, a condição essencial é a naturalidade dos significantes ter uma feição legível de acordo com os padrões silábicos, ortográficos do sistema ou que podem ser reconstruídos pelo leitor num formato legível torna-se o objeto de uma tentativa de decodificação [...]. (MARI, 1999, p. 192).
68
O autor ressalta, em seu trabalho, que qualquer decodificação de frases, leva
em consideração um volume considerável de informações que estão de alguma
maneira, armazenadas em sua memória. Essas informações linguísticas e não
linguísticas de alguma forma e em um dado momento, no ato de ler são ativadas,
aproveitadas e utilizadas para auxiliar no complexo processo de leitura. E dentre
essas condições extralinguísticas, Mari ressalta que pode destacar três ordens de
fatores fundamentais no processo de leitura: “a) Conhecimento dos fatos; b)
Conhecimento das intenções; c) Conhecimento das convenções” (MARI, 1999, p.
193). Sobre a prática de leitura, em sala de aula, concordamos com Possenti (1994),
quando alerta para uma reflexão sobre o ato de ler na escola e, a partir dessa
reflexão, enumera, metaforicamente, alguns aspectos que interferem no ato de ler
prejudicando essa atividade – “as pragas”. Para o pesquisador, “essas pragas”,
sobretudo na escola, são basicamente de dois tipos: a) as que impedem o ato de ler
e b) as que afetam, de forma negativa, qualquer atividade de leitura e/ou afastam os
leitores dos textos.
Entre as “pragas” que assolam a leitura, o professor destaca:
Pensar que há livros adequados à idade e ao sexo; oferecer livros idiotas para as crianças que não despertam nenhuma curiosidade; direcionar a leitura apenas para os livros didáticos; censurar determinadas leituras, criando outra forma de seleção do livro adequado; a resposta certa e a leitura única ou baseada na autoridade que não é baseada no trabalho interpretativo; as famosas e antigas fichas de leituras; a ausência de leitura e análise de textos de circulação, textos do cotidiano e que ensinam a fazer as coisas; a falta de quantidade que é necessário para que o prazer de ler comece a funcionar. (POSSENTI, 1994, p. 32).
Ao fazer uma reflexão que considero também importante, relativamente ao
ato de ler, Britto (1999) afirma que, de fato, o leitor vai ler aquilo que tenha relação
com o seu modo de vida com suas necessidades pessoais e profissionais, com os
vínculos culturais e sociais. Segundo o autor, não é a leitura que conduz o indivíduo
a novas formas de inserção social, mas o contrário, é o tipo de vínculo que ele
estabelece que pode levá-lo a ler determinadas coisas de determinados jeitos. “A
leitura, mesmo feito em recolhimento, não é um comportamento subjetivo, uma
questão de hábito ou de postura, é uma prática inserida nas relações histórico-
sociais” (BRITTO, 1999, p. 88).
Como exemplo, Britto apresenta a alfabetização em massa, que resulta muito
mais das necessidades do sistema do que uma democratização social ou de uma
69
mudança de consciência dos detentores do poder. Segundo o autor, portanto, o quê
e o quanto um cidadão é leitor, depende, acima de tudo, de sua condição social e da
possibilidade de ter acesso ao escrito, e isto, depende das relações sociais. Não
podemos deixar de ressaltar que essas relações sociais estão imbricadas em outras
relações como, por exemplo, a relação de poder.
Parafraseando uma frase que já ouvimos muitas vezes: “Leitura é poder”, e essa
concepção, constamos no trabalho desenvolvido por vários pesquisadores26. Um dos
importantes pesquisadores a se dedicar à investigação sobre a função, sobre o papel
social da leitura é, sem dúvida, o linguista italiano Mauricio Gnerre (1991) que, em seus
estudos, analisa a linguagem, seus modos de funcionamento, suas relações com a
cultura e as implicações complexas que mantém com a ideologia, não deixando de lado
elementos de natureza política, histórica e antropológica.
Segundo o pesquisador, a linguagem ocupa uma posição central de
comunicar ao ouvinte à posição que o falante ocupa na sociedade em que vive. As
pessoas falam para um alguém e para serem ouvidas, às vezes, para serem
respeitadas e, também, para exercerem uma influência no ambiente em que
realizam os atos linguísticos.
O linguista italiano discute, ainda, a discriminação contra os não usuários da
norma padrão da língua. Na perspectiva defendida por Gnerre e adotada por esta
pesquisadora, esse tipo de discriminação (como toda e qualquer forma de
discriminação) gera muitas controvérsias, mas, principalmente, a de que esses
falantes, não usuários da norma, possuem um valor social minoritário diante dos
usuários da norma padrão. Segundo o linguista, essa discriminação também
contribui para aumentar os números estatísticos de pessoas sem leitura, de pessoas
que não conseguem ter acesso à leitura, de pessoas que se sentem inaptas para
adquirir as habilidades necessárias para e o hábito de leitura.
Em seu trabalho, Gnerre deixa explicitado que, para enfrentar essa situação:
Se as pessoas podem ser discriminadas de forma explícita (e não encoberta), com base nas capacidades linguísticas medidas no metro da gramática normativa e da língua padrão, poderia parecer que a difusão da educação, em geral, e do conhecimento da variedade linguística de maior prestígio, em particular, é um projeto altamente democrático que visa reduzir a distância entre grupos sociais para uma sociedade de „oportunidades iguais‟ para todos. (GNERRE, 1991, p. 28).
26
Conferir: Zilberman (2001); Orlandi (1990); Manguel (1998); Soares (1989); Rojo (2009)
70
Na perspectiva proposta pelo linguista italiano, no entanto, esse seria um
projeto „pseudo-democrático‟, uma vez que parte do não reconhecimento social das
variedades linguísticas de classes sociais desprestigiadas e, nessa medida, do
desconhecimento da importância de sua própria cultura, inclusive oral, em
detrimento da cultura escrita, historicamente privilegiada, profundamente prestigiada
na realidade escolar.
Enfim, tanto para Britto como para Gnerre, a atividade de linguagem e, por
conseguinte, a tecnologia da escrita e as habilidades de leitura estão estreitamente
ligadas ao exercício (ou não) do poder e, em especial, a valores francamente
assumidos e defendidos pela classe dominante. No Brasil, grande massa da
população depende da aprendizagem quase que exclusivamente escolar - de
códigos linguísticos prestigiados socialmente - e que, infelizmente, muitas vezes, são
utilizados para excluir e para reafirmar a identidade e os valores dos integrantes de
um grupo social que, reduzido, é o que tem condições e o poder de ter acesso a
práticas consideradas proficientes de escrita e de leitura.
É claro que o tema, difícil, arestoso, em sua essência, exige muito mais
discussões e reflexões, por motivos aqui já expostos. Todavia, em síntese,
assumimos que a escola, assim como preconizam os documentos de
parametrização, tem o papel de socializar os alunos no processo de produção e
recepção de textos, nas práticas discursivas, em que circulam os saberes
construídos dentro e fora da escola, envolvendo conhecimentos científicos e
didáticos, mas também, posições políticas e ideológicas que são diversas, como as
preconizadas, entre outros, por pesquisadores como Possenti, Britto e Gnerre.
Enfim, é nesse ambiente, diverso sociocultural e politicamente, que as
atividades de leitura assumem estatuto central no processo de socialização e
formação do aprendiz, de forma que ele construa competências/habilidades para
identificar, comparar e compreender, na materialidade textual discursiva, o jogo de
poder e os posicionamentos assumidos pelos interlocutores.
2.2.3.3 Concepção de leitura como atividade de análise crítica
Quando identificamos diferentes momentos do ensino de Língua Portuguesa,
em uma retomada histórica, nos deparamos com diferentes concepções de leitura.
Na seção anterior, algumas dessas concepções já estão fracamente reveladas.
71
Nesta seção, não pretendemos realizar uma discussão a respeito delas.
Apresentaremos, brevemente, a defendida pelos PCNs de Língua Portuguesa e
pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), a fim de revelá-la,
entre as demais concepções de leitura, que vigoravam (ou ainda vigoram) entre nós
(BRASIL, 2006).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(1997), diretriz criada pelo MEC, o processo de leitura não se restringe a um simples
ato psicocognitivo, mas os documentos privilegiam uma concepção de leitura como
prática cultural que envolve ações do leitor não apenas de ordem psicocognitiva,
mas também social, histórica, transformando-se ao mesmo tempo em que
transforma o outro e o mundo à sua volta.
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. (BRASIL, 1998, p. 69-70, grifo nosso).
A leitura crítica dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(PCNs-LP) nos permite perceber que, no processo de leitura, o leitor precisa
estabelecer inferências e formular previsões e também usar seus conhecimentos
prévios de natureza linguística, enciclopédica e de mundo para estabelecer uma
interação com o texto. Assim sendo, todo esse processo nos remete a dimensão
interdiscursiva e projetiva entre leitor/autor em caráter colaborativo, interacional.
Portanto, os documentos de parametrização do ensino de Língua Portuguesa,
operam, preferencialmente, com uma concepção de leitura de viés
sociointeracionista. Para essa vertente, a leitura é concebida como prática social,
histórica e cultural, o que pressupõe que, para ler, é necessário considerar tanto
fatores internos (dimensão linguística), quanto fatores externos (contexto, relacionar
vivências/experiências etc.).
Assim, à logica ação-reflexão-ação que perpassa os documentos oficiais de
parametrização da formação e atuação do professor deve se sobrepor, como
defende Matêncio (2005), que considera o percurso da ação reflexiva como sendo
72
informado por um quadro referencial que é social e historicamente construído, pelo
qual não apenas é feita a seleção de “conteúdos” pertinentes a ensinar como
também é traçada a abordagem a que eles se pode/deve dar.
Enfim, acreditamos que uma concepção de leitura como atitude crítica frente
ao texto exige uma maior dedicação por parte do professor e que as questões das
avalições também reflitam isso. Questões que levem os alunos a inferir situações,
objetos e opiniões vivenciais. Neste sentido, a atividade de leitura deve ser
entendida como um processo interativo, durante o qual envolvemos todas as nossas
capacidades, inferindo, imaginando, interpretando implícitos, identificando e
atribuindo propósitos aos textos/ interlocutores numa comparação de situações.
Nas próximas páginas, buscaremos elucidar, mais especificamente, o nosso
objeto de pesquisa e, a partir dele, a constituição e relevância dos corpora, bem
como a metodologia que adotamos para sua caracterização e análise.
73
3 APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS CORPORA
3.1 Das orientações gerais: delimitação e apresentação do objeto de pesquisa
Neste momento, procederemos à apresentação e descrição dos corpora que
compõem nossa pesquisa. Antes de iniciarmos a análise de nosso objeto,
consideramos importante enfatizar a importância do conceito de Ato de Linguagem
para as reflexões que envolvem o processo de leitura e o modo como os objetos
político-pedagógicos referenciam os resultados e procedimentos esperados pelos
interlocutores envolvidos. Isto, em função da configuração e descrição do circuito
externo e interno previsto/proposto na fundamentação teórica, mais precisamente no
modelo de Patrick Charaudeau (2009).
Procuramos, nesta parte, por meio da apresentação de trechos dos corpora,
demonstrar como a concepção de leitura adotada pelos sistemas de avaliação, pode
interferir na leitura de seus próprios resultados. E como estes, por sua vez, são
aspectos que interferem nas ações que os avaliados realizam.
Como vimos na primeira parte desta dissertação, o ato de linguagem
(CHARAUDEAU, 2009) se configura como uma forma de descrição e análise das
ações dos sujeitos na sociedade por meio da linguagem. Dotados de
intencionalidade, tais sujeitos, em circunstâncias comunicativas concretas, elaboram,
cada um, um projeto de fala com a intenção de influenciar o outro a agir de uma
determinada maneira – divulgação de resultados, relação pergunta/resposta,
proposição de práticas, avaliação de competências e habilidades esperadas etc.
Disso advêm as perguntas que este trabalho pretende investigar:
a) Através da descrição e análise da emergência de padrões linguístico-
discursivos identificados no discurso empreendido no exame do
SIMAVE/PROEB27, é possível evidenciar as concepções de leitor e de
leitura que fundamentam o exame e, por conseguinte, o próprio sistema de
avaliação?
27
O SIMAVE atua em duas modalidades, complementares e integradas: a primeira é a avaliação interna da escola, por meio do Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE). A segunda modalidade é a avaliação externa do sistema de ensino, através do Programa de Avaliação da Alfabetização (PROALFA) e o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB).
74
b) As concepções de leitor e de leitura identificadas, no processo de
encenação discursiva, instaurado nos/pelos exames, correspondem,
efetivamente, àquelas identificadas nos documentos de parametrização do
ensino de Língua Portuguesa?
Nesta perspectiva, é importante reafirmar que o interesse por esta pesquisa
nasceu da minha observação/constatação, como professora de Língua Portuguesa
da Educação Básica, ao analisar os resultados do exame e perceber que esses
apresentam dados insatisfatórios para o grau em que se encontram os discentes
avaliados (concluintes do 3º ano-Ensino Médio). A partir disso, surgiram-me, então,
questionamentos como:
i) será que um instrumento que se presta a medir somente a competência
leitora pode servir de parâmetro para avaliar discentes, escola e docentes?
ii) o modo como o instrumento é construído, proposto, e a forma como as
questões são aplicadas, podem realmente servir para avaliar o processo
num todo?;
iii) criar projetos somente para melhorar os resultados dos estudantes e
melhorar a nota da escola são medidas coerentes com o projeto político-
pedagógico que temos na escola e que almejamos construir
coletivamente?;
iv) essas avaliações levam, de fato, em consideração o fator sociocultural dos
estudantes e das escolas onde elas estão inseridas?
Isto porque, ao longo dos anos, como educadora da rede pública de ensino,
essas indagações sempre me incomodaram ao receber os resultados e verificar que
esses, quase sempre, não refletiam o trabalho desenvolvido em sala com os meus
alunos. Essa inquietação moveu-me para buscar subsídios que pudessem, se não
explicar, ao menos trazer para o campo uma reflexão de aspectos que influenciam
esse processo. Não foi uma tarefa fácil. Hoje, ocupo esse entre-lugar, de
pesquisadora, professora, educadora. Neste sentido, provavelmente, as vozes dos
anos de prática em sala de aula poderão conflitar com os discursos teóricos que,
nem sempre, refletem, de fato, a realidade enfrentada e construída na sala de aula.
Esta pesquisa pretende, portanto, refletir sobre esses aspectos, na busca de
75
contribuir para o aperfeiçoamento e/ou para a criação de outros instrumentos de
avaliação que auxiliem o ensino aprendizagem de forma mais eficiente e mais
coerente com a dinâmica, os desafios e as potencialidades da sala de aula. Abrindo,
assim, um espaço de interação com outros professores-pesquisadores que, também,
se dediquem a refletir criticamente sobre o assunto e para, a partir dessa interação,
incentivar a proposição de medidas que melhorem os procedimentos de avaliação e
que esses sirvam, realmente, para contribuir político-pedagogicamente para a
transformação da educação brasileira.
3.1.1 Nossas perguntas e hipóteses de pesquisa
Nesta seção, apresentaremos uma breve descrição dos corpora que
compõem o nosso objeto, bem como a metodologia adotada para a sua
caracterização e análise. Tal procedimento se faz necessário para que possamos
compreender melhor as condições sociodiscursivas e político-pedagógias gerais em
que se inscrevem os documentos de divulgação dos resultados de avaliação da
educação básica, em busca de estruturar melhor o processo de análise.
De forma a garantir que o processo de análise se estruture em uma
perspectiva coerente com os fundamentos teóricos adotados para a pesquisa,
propomos-nos, mais especificamente, a refletir sobre as seguintes questões:
i) que tipos de ações linguístico-discursivas podem ser tomadas como
básicas no processo de encenação enunciativa que caracteriza o
SIMAVE/PROEB, tal como instanciado na configuração dos espaços
interlocutivos próprios dos documentos de divulgação dos resultados do
exame?
ii) qual a função dessas ações, no discurso de divulgação dos resultados dos
exames, na/para a construção de uma perspectiva leitora do enunciador
(SIMAVE/PROEB) para com os enunciatários – alunos do ensino médio,
professores e escola – projetados nos documentos.?
Como atividade, a leitura pressupõe ações complexas dos sujeitos, entre elas,
em sentido amplo, a projeção de seus interlocutores.
76
3.1.2 Por que assumir a abordagem do Ato de Linguagem como relevante para a
descrição e análise dos resultados do SIMAVE?
Este estudo não traz em si, como objetivo principal, expor a quantidade de
erro ou acerto dos avaliados e sim a tentativa de apresentar qualitativamente a
interpretação desses resultados, a partir, por exemplo, da relativização das
respostas dadas. Ou seja, em muitas questões, exatamente, porque o discente, se
valendo de determinada habilidade, torna-se capaz de propor outra resposta.
Evidentemente, existe uma expectativa por parte dos propositores do exame para
que determinada alternativa seja marcada. Porém, o processo de produção de
sentido, portanto, de leitura, não pode desconsiderar o papel agentivo deste
interlocutor – que parece ser limitado pelas avaliações em larga escala, que
privilegiam questões de múltipla escolha/objetivas em detrimento de outras
estratégias de avaliação.
Como já referido, existe uma gama de possibilidades de abordagem do
discurso (língua(gem)) e, por isso, a dificuldade de se ater a uma teoria que dê conta
de explicar, satisfatoriamente, essa atividade. Acreditamos que o processamento do
sentido se dá por um viés linguístico, discursivo e enunciativo (e, portanto, cognitivo).
Nesta perspectiva, concebemos a produção do discurso do SIMAVE28 –
Revista Pedagógica29 2013 e 201430 – como um ato de linguagem que serve ao
propósito direto de estabelecer uma relação entre um dado enunciador – SEE-MG –
a um determinado alocutário – comunidade escolar –, a partir da divulgação dos
resultados (fazer-saber), numa relação de incitação (fazer-fazer) e convencimento
(fazer-crer), isto é, a partir dos resultados busca-se convencer os interlocutores a
assumirem determinadas atitudes a fim de sanar as deficiências de leitura dos
alunos, e (re)orientar os trabalhos da comunidade escolar.
Em linhas gerais, a Revista Pedagógica estrutura-se, discursivamente,
cumprir um explícito objetivo:
Pensada para o(a) Educador(a), esta Revista Pedagógica apresenta a avaliação educacional a partir de seus principais elementos,
28
Na parte destinada às análises, apresentaremos algumas considerações em relação à caracterização desse enunciador (ou enunciadores), isto porque, no ano 2014 houve a mudança de governo do estado. O que influenciou explicitamente o tom enunciativo assumido pelo SIMAVE.
29 A Revista Pedagógica também é conhecida como Boletim Pedagógico.
30 Essas Revistas Pedagógicas 2013 e 2014 encontram-se na integra, em um CD, no anexo.
77
explorando a Matriz de Referência, que serve de base aos testes, a modelagem estatística utilizada, a estrutura da Escala de Proficiência, a definição dos Padrões de Desempenho e os resultados de sua escola. Apresentando os princípios da avaliação, sua metodologia e seus resultados, o objetivo é fomentar debates na escola que sejam capazes de incrementar o trabalho pedagógico. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 08, grifo nosso).
Na definição dos objetivos e interesses da Revista Pedagógica (2013), o EUc-
EUe explicita que a principal ação pretendida pela revista pedagógica é a
apresentação dos “princípios da avaliação, sua metodologia e seus resultados”, para
alcançar o seu verdadeiro objetivo. A finalidade do Boletim não é, portanto, somente
informar, mas, principalmente, persuadir e incitar ações por parte do TUi –
FOMENTAR debates que sejam capazes de INCREMENTAR o trabalho pedagógico.
O trecho selecionado apresenta também uma síntese dos procedimentos
realizados pelo EUc na apresentação da avaliação educacional: i) apresentar a matriz
de referência que serve de base aos testes, ii) apresentar a modelagem estatística,
iii) apresentar a estrutura da escala de proficiência, iv) apresentar a definição dos
padrões de desempenho, e v) apresentar o resultado de cada escola.
Para que essas ações sejam bem sucedidas, o EUc-EUe utiliza algumas
estratégias, por exemplo, recursos gráficos:
Figura 5 - Gráfico ilustrativo, SIMAVE
Fonte: Gráfico ilustrativo, SIMAVE - 2013, p. 15.
Frente ao gráfico anterior, podemos afirmar que tais recursos auxiliam a
comunidade a verificar quantitativamente o resultado da escola em relação à média das
escolas da rede pública. Por exemplo, na primeira parte, apresenta-se a média dos
alunos da rede estadual e municipal dentro do estado de Minas Gerais; no segundo,
78
apresenta-se a média dentro da Superintendência Regional de Ensino (SRE-
Metropolitana-B); no terceiro, apresenta-se a média do município; e, por último,
apresenta-se a média da escola avaliada. Na segunda parte do gráfico, o EUc pretende
informar e apresentar a evolução da escola ao longo dos últimos três anos,
apresentando a porcentagem de avanço dos alunos nos graus de proficiência avaliados
em: baixo, intermediário e recomendado – a partir das cores “verdes matizadas”.
Como explorado sumariamente, portanto, observamos as potencialidades da
Revista Pedagógica para se desenvolver uma descrição sobre certos aspectos
discursivo-enunciativos que tocam a apresentação dos resultados do SIMAVE.
Todavia, buscaremos desenvolver mais sistematicamente a análise da cenografia
(Ato de Linguagem) e das ações desenvolvidas por esse instrumento, bem como, a
partir disso, reconhecer determinadas concepções de leitura/leitor constitutivas
desse objeto, na parte destinada às análises. Embora, sejam vários os fatores que
podem incidir sobre a configuração e/ou apropriação dos resultados, optamos, aqui,
por descrever e destacar aspectos gerais das estratégias/configuração do SIMAVE.
Será na terceira parte desta dissertação, que nos dedicaremos às análises
que nos possibilitem reconhecer algumas (ir)regularidades nessa produção
discursiva. Nessas análises, veremos que o EUc/EUe, a fim de persuadir e
convencer o outro, não se coloca como simples informante dos resultados, pois
ocupa, a priori, o papel de avaliador de todo o processo, assim suas ações buscam
convencer o TUi/TUd a assumir determinadas atitudes e posturas.
3.1.3 O papel da leitura nos documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE
A metodologia que usaremos para investigar como se dá a construção das
concepções de leitura e leitor, apresentadas no discurso de divulgação dos
resultados do SIMAVE/PROEB, se dará a partir, da análise dos dados quantitativos
apresentados pelos gráficos31 de 2013 e de enunciados produzidos pelo EUc/EUe
(SEE-MG). A investigação será realizada a partir das análises de alguns excertos
das revistas Revista Pedagógica32 (2013 e 2014), bem como análise de dados
31
Nas questões, que foi aplicada no exame/teste 2014, não será possível fazer uma análise de resultados quantitativo do desempenho dos estudantes, inclusive, através de gráficos essa não foi uma estratégia discursiva-avaliativa adotada pela SEE-MG que optou, somente em comentar/analisar as questões
32 Concebemos a Revista Pedagógica como documento nesse processo.
79
constituídos a partir de textos, representativos de diferentes gêneros e de quatro
(04) questões representativas, usadas nessas avaliações33 e apresentadas na
revista, para análises e comentários. Esses documentos são publicados anualmente
pela a agenciadora (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação –
CAED)34, como já explicitado, instituição credenciada pela SEE-MG, para
elaboração, divulgação e análises dos resultados dessas avaliações.
Para isso, uma abordagem linguístico-discursiva, mostra-se importante, pois
sendo também uma avaliação, um gênero textual, concordamos com Marcuschi
(2008), quando defende que texto não é simplesmente um artefato linguístico, mas
um evento que ocorre na forma de linguagem inserida em contextos comunicativos
concretos. O sentido pode ser, portanto, variado, uma vez que é fruto da negociação
que se processa nessas interações.
O pressuposto é o de que: no processo de produção de sentido, em questões
de múltipla escolha e em larga escala, o sentido é uma atividade que requer a
ativação de recursos estratégicos, dialógicos, cognitivos e criativos. A construção
deste sentido é produto da ação compartilhada entre os participantes – sendo
concebida como uma atividade interacional.
Nessa linha de pensamento, Koch (2003) destaca o papel de cada
participante do/no processo de leitura, que pressupõe uma troca interlocutiva,
dialógica, entre autor-texto-leitor em que a leitura é tomada como um processo
discursivo no qual tanto autores quanto leitores são considerados produtores de
sentido. Isto é, o sentido emergiria da inter-relação entre eles como uma co-
produção, resultante de uma ação negociada.
Sendo assim, a leitura, tal como apresentada na primeira parte deste trabalho,
é concebida como prática social, histórica, o que requer considerar a complexidade
nela envolvida. Ler, então, coloca os sujeitos como agentes do/no processo e é
importante entender que, nesse processo complexo das relações sociais, devem ser
33
A avaliação, em sua forma original, não é disponibilizada para consulta, análise e reprodução. A comunidade escolar somente tem acesso a algumas questões da avaliação, nas análises que são feitas e publicadas no ano posterior à sua realização.
34 O Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(CAEd/UFJF) é referência nacional na execução de programas de avaliação educacional, na formação de especialistas na área de gestão da educação pública e no desenvolvimento de tecnologias de administração escolar. O CAEd atua junto ao Governo Federal, Estados, Municípios, instituições e fundações na realização de avaliações de larga escala com a produção de medidas de desempenho e na investigação de fatores intra e extraescolares associados ao desempenho. O objetivo principal é oferecer dados e informações úteis capazes de subsidiar as ações de melhoria da qualidade da educação e equidade nas oportunidades educacionais.
80
considerados interesses particulares, ou não, para o ato de ler.
O EUc/EUe (SEE/MG) considera que:
A leitura, em todas as suas nuances, só é alcançada plenamente quando o leitor é capaz de identificar; reconhecer e selecionar aspectos variados do que está escrito, a fim de chegar aos efeitos de sentido possíveis, sejam aqueles projetados pelo enunciador, sejam os que se tornam possíveis na interação entre texto, contexto e bagagem do leitor, isto é, no processo da leitura. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 63).
Como percebemos, os enunciadores ressaltam ser importante considerar as
condições de produção de um texto e também os objetivos de leitura do leitor35, mas
como isso é trabalhado no evento de avaliação? Se o leitor exerce um papel
decisivo na produção de sentido do texto, a leitura e a produção de sentido
dependerão também dos objetivos de leitura que esse leitor atribui à atividade de
leitura do texto. São esses objetivos que determinarão as estratégias de leitura que
orientarão o processo interpretativo e de engajamento na resolução das questões no
ato de ler dos discentes.
A avaliação da leitura ao fim do Ensino Médio tem sido feita por meio de instrumentos elaborados na forma de ‗testes‘, por meio dos quais se tenta capturar quais habilidades foram desenvolvidas pelo aluno ao longo de seus anos de escolarização. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 60).
Koch (2003, p.10) assevera que, se ler é uma atividade de interação e de
interlocução, esse processo, caracterizado como ativo, dialógico, “transparente”,
interativo, indeterminado e heterogêneo, está implicado na confluência e na
influência de fatores históricos, sociais, culturais e linguísticos. Se a construção de
sentido é colaborativa, fundada na relação entre autor-texto-leitor, o sentido que se
atribui ao texto será fruto dessa interação e essa se dá através da enunciação.
Vejamos o que o EUc (SEE-MG) espera do avaliado (discente):
O que é esperado, então, de um leitor que conclui o Ensino Médio? Certamente, mais do que apenas decodificar um texto ou atribuir
35
É importante frisar que esta pesquisa possibilita uma projeção da relação do aluno, como sujeito diretamente avaliado, com o instrumento avaliação – SIMAVE/PROEB. Porém, como sinalizado, esse não será o foco da pesquisa. Em função disso, muitas colocações serão especulativas. Todavia, reconhecemos a necessidade de investigar, in loco, também, o processo de compreensão dos enunciados, das alternativas e dos variados tipos de textos, a partir do posicionamento desses alunos – ficando tal interesse, quem sabe, para trabalhos futuros.
81
qualquer sentido superficial a ele. O que diferencia as habilidades desejáveis ao leitor do 3º ano do Ensino Médio daqueles solicitadas aos alunos do Ensino Fundamental e, justamente, a ampliação de suas possibilidades e horizontes como leitor, o alcance de temas e textos mais complexos e intensos, assim como a capacidade de uma reação mais cidadã e participativa, quem sabe disparada mesmo por um texto ou pelo discurso depreendido desse texto. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 63).
A leitura como interação estabelece certa assimetria entre os dois sujeitos,
não há apenas uma leitura ou uma interpretação possível, duas ou mais
interpretações diversas podem ser igualmente aceitáveis, adequadas, desde que
essas sejam respostas ao texto concebido como uma unidade significativa do
discurso, embora deva haver convergência entre os leitores, sobre o conteúdo
referencial específico (KLEIMAM, 1989). Operar com essa perspectiva de Kleiman,
para a análise dos dados, é uma opção teórico-metodológica produtiva ao nos
possibilitar levar a efeito os propósitos deste trabalho. Buscaremos mapear os
mecanismos envolvidos, especificamente, os aspectos que interferem na produção
de sentido para a compreensão das mesmas.
Enfim, assinalamos que o “produto” dessas avaliações, enquanto nota
satisfatória e/ou insatisfatória é resultado, não apenas dos conhecimentos técnicos
construídos ao longo da formação do discente, como também do grau de
engajamento do discente/docente na realização das tarefas e/ou empatia com sua
comunidade escolar.
3.1.4 Os procedimentos de avaliação do SIMAVE
O aprimoramento e a avaliação do ensino-aprendizagem da Educação Básica
são temas recorrentemente discutidos, tanto no âmbito educacional quanto no
âmbito político. No entanto, exatamente em função dessa dualidade de interesses, é
que reside a dificuldade de se aliar o aspecto de formação social e cidadã, em
conflito, por vezes, com nem sempre e coerentes interesses políticos. No mundo “de
excelências”36 no qual estamos inseridos, a prática de avaliar é cada vez mais
frequente e utilizada. As instituições buscam encontrar, através dessa prática, um
36
Para Perrenoud (1999, p. 168), “enquanto a escola der tanto peso à aquisição do conhecimento descontextualizado e tão pouco à transparência e à construção de competências, toda avaliação correrá o risco de se transformar em concurso de excelência”. O autor enfatiza o fato de que a avaliação está sendo usado como elemento discriminatório, colocando, assim, os melhores de um lado e os piores de outro.
82
modo mais preciso e cômodo de selecionar, classificar, promover e adequar os
sujeitos às suas normas – sejam elas administrativas ou pedagógicas.
A avaliação, a partir da realização de exames, por exemplo, é tomada como
um instrumento norteador, que busca possibilitar que seja colocado em prática o que
se “aprendeu” ao longo de um percurso de formação e desenvolvimento de
habilidade e competências. Sendo uma prática frequente no domínio escolar, pode
assumir variadas feições como: questões abertas/subjetivas, questões
fechadas/objetivas, de múltipla escolha, auto-avaliação, avaliação processual etc.
Essa é, portanto, uma prática fundamental para o desenvolvimento do trabalho
pedagógico.
De acordo com Hoffmann, a avaliação é:
[...] uma ação ampla que abrange o cotidiano do fazer pedagógico e cuja energia faz pulsar o planejamento, a proposta pedagógica e a relação entre todos os elementos da ação educativa. Basta pensar que avaliar é agir com base na compreensão do outro, para se entender que ela nutre de forma rigorosa, todo o trabalho educativo. (HOFFMANN, 2009, p. 17).
Como podemos observar, para Hoffmann, ainda mais importante que avaliar é
agir compreendendo o que o outro fez, considerando e respeitando quem está do outro
lado da situação e onde esse outro se encontra. E parece que isso só é possível a partir
de alguma forma de “mensuração”. Da mesma forma, o EUc/EUe (SEE/MG) acredita
que o seu papel como avaliador e o resultado de sua avaliação contribuirá para o
aperfeiçoamento e desenvolvimento do TUi/TUd (comunidade escolar).
As avaliações internas e externas apresentam metodologias e conteúdos diferentes, mas com o mesmo objetivo. Ambas devem se alinhar em torno dos mesmos propósitos: a melhoria da qualidade do ensino e a maximização da aprendizagem dos alunos. A partir da divulgação dos resultados, espera-se prestar contas à sociedade, pelo investimento que realiza na educação deste país, assim como fornecer os subsídios necessários para que ações sejam tomadas no sentido de melhorar a qualidade da educação, promovendo, ao mesmo tempo, a equidade. (SIMAVE- Revista Pedagógica, 2013, p. 9).
Como podemos observar no excerto acima, a ação avaliativa para esse
enunciador tem um propósito direto de melhorar a qualidade do ensino e maximizar
a aprendizagem dos alunos. Em contra partida, a ação avaliativa serve como uma
resposta à sociedade, segundo ele, pelos investimentos empregados no setor
educacional, como também, de instrumento capaz fornecer à comunidade escolar
83
(professores principalmente) “subsídios necessários para que ações sejam tomadas
no sentido de melhorar a qualidade da educação, promovendo, ao mesmo tempo, a
equidade” (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 9).
Segundo Perrenoud (1999), por outro lado, o processo de avaliação da
aprendizagem, quase sempre, cria uma hierarquia em função de métodos
meritocráticos, em que o sujeito avaliado é subordinado pelo avaliador e, de alguma
forma, recebe méritos pelo que fez, como, por exemplo, uma nota. Dessa relação
classificatória, nasce uma relação de soberania, poder e submissão. E, com isso,
uma divisão de classificação dos sujeitos. Esse é um princípio que pode ser
verificado no excerto a seguir.
As avaliações em larga escala assumiram, ao longo dos últimos anos, um preponderante papel no cenário educacional brasileiro: a mensuração do desempenho dos alunos de nossas redes de ensino, e consequentemente, da qualidade do ensino ofertado. Baseadas em testes de proficiência, as avaliações em larga escala buscam aferir o desempenho dos alunos em habilidades consideradas fundamentais para cada disciplina e etapa de escolaridade avaliada. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 9).
Neste momento, considero importante salientar um dos pontos polêmicos37
quando da realização das avaliações e da divulgação desses resultados pela
SEE-MG. Ao final do processo, é atribuída uma nota à escola e esta, por sua vez, é
divulgada, em encontros pedagógicos, e de outras formas, de modo que essa nota
fique explícita para que o público em geral tenha conhecimento dela. Claramente, tal
ação tem a intenção de expor o “grau” de desenvolvimento do grupo. O que pode
gerar, nesse grupo, desde um sentimento de orgulho, em que a nota alta assume
um status positivo diante da comunidade escolar, mas também, pode gerar
desconforto, em função de esse “outro” grupo não atingir determinadas metas. Isto
geraria, ainda, um sentimento de incapacidade e fracasso perante a comunidade
escolar. Essa ação gera, a partir desse ponto de vista, o reconhecimento de mérito
para um grupo e de estigmatização para o outro.
37
Outro ponto polêmico é o Prêmio de Produtividade - Trata-se de um incentivo anual que estava estritamente ligado ao desempenho e à produtividade, apurado por meio da avaliação do Acordo de Resultados. Sua percepção dependia da avaliação satisfatória na 1ª etapa do Acordo de Resultados (Avaliação Institucional) e é diretamente proporcional à avaliação da equipe da qual o servidor fazia parte, conforme pactuado na 2ª etapa do Acordo (Avaliação de Produtividade por Equipe - APE). Além disso, a legislação estabelecia uma série de requisitos que deveriam ser cumpridos para possibilitar a premiação, dentre eles, o Estado deveria ter resultado fiscal positivo no ano de referência do prêmio. Atualmente, esse prêmio encontra-se suspenso.
84
Em uma terceira perspectiva, Luckesi (2000) defende a ideia de avaliação
como ato de amor, no sentido de que a avaliação, por si, seria um ato acolhedor,
integrativo, inclusivo. Para esse autor, a avaliação, como diagnóstico, tem por
objetivo a inclusão, e não a exclusão. O diagnóstico teria por objetivo avaliar coisas,
atos, situações, no intuito de criar melhorias ou obter maior satisfação com aquilo
que se está realizado.
Assim:
[...] a avaliação só funcionará bem se houver clareza do que se deseja, [...] se houver investimento e dedicação na produção dos resultados por parte de quem realiza a ação e se a avaliação funcionar como meio de investigar e se necessário, intervir na realidade pedagógica em busca do melhor resultado. Sem esse requisito, a prática pedagógica permanecerá incompleta e a avaliação da aprendizagem não poderá cumprir com seu verdadeiro papel. (LUCKESI, 2000, p. 177).
O autor não concebe a avaliação de forma negativa, como se essa fosse um
ato de julgar e de excluir o outro, mas ressalta que para inclusão do educando, “uma
avaliação amorosa é uma avaliação de acolhimento tendo em vista a transformação
da sociedade, daqui a rejeição de uma avaliação por provas e exames que implicam
julgamento” (LUCKESI, 2000, p. 171). Para o autor, a avaliação deveria tratar-se de
um ato em que o sujeito se sentisse bem em realizá-la, porque sabe que o resultado
é para seu crescimento; um ato feito por um avaliador que conhece e respeita a
realidade do sujeito avaliado.
Essa concepção de avaliação parece, em alguma medida, também estar
prevista ou proposta para o Exame em análise. Vejamos mais um excerto da Revista
Pedagógica (2014) que o orienta:
Os gestores escolares, por seu turno, em diálogo com a gestão de rede, atuam como mediadores entre os resultados da avaliação externa e seu impacto no cotidiano da escola. Entra em ação, nesse momento, a equipe pedagógica da unidade escolar: junto à equipe gestora, coordenadores pedagógicos e professores podem se debruçar sobre os resultados da avaliação, verificando o desempenho da escola, das turmas e dos alunos. Essa verificação tem o intuito de observar quais são as habilidades desenvolvidas pelos alunos, e quais as que merecem atenção diferenciada. Entretanto, há que se ter cuidado com uma visão reducionista desses resultados: não se pode compreender tais habilidades como as únicas a serem trabalhadas em sala de aula. A Matriz de Referência, base para as avaliações em larga escala, consiste em um ‗recorte‘ do currículo, relacionando aquelas habilidades mínimas já referidas, passíveis de serem avaliadas em um teste de proficiência com questões objetivas. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2014, p. 12).
85
Uma análise do excerto, à luz do arcabouço teórico que utilizamos, nos permite
afirmar que, o EUc/EUe (SEE-MG) coloca-se como aquele que é parceiro na ação
pedagógica, no sentido que sua ação possibilitará a melhoria das práticas
educacionais do TUi/TUd. E isso, a partir do modo preditivo de dizer, cujo efeito
representa o desejo de integração dos trabalhos da comunidade escolar “[...] Entra em
ação, nesse momento, A EQUIPE PEDAGÓGICA da unidade escolar: junto À EQUIPE
GESTORA, coordenadores pedagógicos e professores podem se debruçar sobre os
resultados da avaliação [...]” – aponta para a necessidade da integração tanto da
dimensão pedagógica quanto da dimensão administrativa do ambiente escolar.
No mesmo excerto, porém, o EUc/Eue (SEE-MG) alerta a respeito do perigo
de uma visão reducionista do trabalho proposto a partir dos resultados da avaliação.
Corre-se o risco, ao receber esses resultados, visto que o órgão disponibiliza no
processo tanto um “boletim”38 para a equipe gestora quanto um “boletim” para a
equipe pedagógica, que essa comunidade, sem a devida atenção e análise dos
mesmos, desenvolva um trabalho, de natureza behaviorista. O EUc/EUe
compreende que o trabalho de formação pedagógica e cidadã é muito mais amplo e
complexo que o instaurado pelos testes: [...] há que se TER CUIDADO com uma
VISÃO REDUCIONISTA desses resultados: não se pode compreender tais
habilidades como as únicas a serem trabalhadas em sala de aula. A Matriz de
Referência [...] consiste em um „RECORTE‟ DO CURRÍCULO [habilidades ...]
passíveis de serem avaliadas em um teste de proficiência com questões objetivas.
Nesse sentido, o enunciador pondera os efeitos que os resultados possam
gerar na comunidade escolar. O projeto de fala da SEE/MG defende que a
integração dos dois principais setores da dinâmica escolar – equipe pedagógica e
equipe gestora – devam aliar-se para o efetivo e positivo desenvolvimento desse
ambiente, tomando o resultado das avaliações como o elemento que potencializaria
discutir e propor melhorias para o aspecto do desempenho dos alunos.
Parece-nos relevante apresentar, por fim, o posicionamento apresentado pelo
Conteúdo Básico Comum de Língua Portuguesa de Minas Gerais (CBC/LP-MG),
38
As avaliações realizadas pelo SIMAVE buscam aferir todas as dimensões do sistema educacional da rede pública estadual. Elas analisam os resultados alcançados em sala de aula, na escola e no sistema; na ação docente, na gestão escolar e nas políticas públicas para a educação; no nível de aprendizagem na alfabetização e nos conteúdos básicos do ensino fundamental e médio. Ao final do processo é disponibilizado um relatório geral tanto para a equipe pedagógica quanto para a equipe gestora. Abaixo segue o link de um dos relatórios disponibilizado a equipe gestora. Disponível em: <http://www.simave.caedufjf>.
86
para o processo de avaliação que se institui no âmbito do SIMAVE.
No âmbito do CBC/LP-MG, contempla que
Se é função da escola criar condições para que o aluno aprenda determinados conteúdos e, sobretudo, desenvolva determinadas habilidades, ela precisa, o tempo todo e de diversas formas, avaliar se está atingindo seus objetivos. Ao professor, a avaliação fornece elementos para uma reflexão contínua sobre a sua prática, sobre a criação de novos instrumentos de trabalho, sobre ajustes a fazer no processo de aprendizagem individual e de todo grupo. Ao aluno, permite a tomada de consciência de suas conquistas, dificuldades e possibilidades para reorganização de seu investimento na tarefa de aprender. À escola, possibilita definir prioridades e identificar que aspectos das ações educacionais demandam apoio. (MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação, 2008. p. 141).
O documento apresenta uma síntese das funções que a avaliação deveria
proporcionar aos três setores diretamente afetados por ela: instância docente
(Professor), instância discente (Aluno) e instância institucional (Escola/direção) – a
saber: i) ao professor, proporcionaria elementos para uma reflexão contínua sobre a
sua prática, possibilitando fazer ajustes no processo de aprendizagem; ii) ao aluno,
permitiria a tomada de consciência de suas conquistas e dificuldades, possibilitando
a reorganização de seu investimento na tarefa de aprender; e iii) à escola,
possibilitaria definir prioridades e identificar aspectos das ações educacionais que
demandam apoio. Apesar das muitas variáveis para o alcance desses objetivos,
observa-se a necessidade de apropriar-se da ação avaliativa como elemento
fomentador para avanços na prática de ensino-aprendizagem.
Na seção a seguir, retomaremos algumas questões importantes para o
entendimento do funcionamento das avaliações em larga escala no Brasil e em
Minas Gerais. Isso, como já dito, por considerarmos de fundamental importância
circunscrever os instrumentos de avaliação que constituem o corpus deste estudo,
como um ato de linguagem que, por sua vez, se instaura em um contexto sócio-
histórico e político-educacional, mais amplo e complexo.
3.1.4.1 Um pouco sobre a avaliação em larga escala no Brasil
Com a crise econômica e o aumento das demandas sociais nas últimas
décadas, as políticas educacionais têm assumido um papel relevante no Brasil. O
que observamos é uma certa preferência a conhecimentos voltados às áreas
87
técnicas, que acabam gerando um processo de seleção e competividade. Nesta
perspectiva, os gerenciadores dos sistemas educacionais brasileiros, entre os quais
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (INEP)39 é
o principal representante, juntamente com órgãos públicos, responsáveis pela
avaliação e gerenciamento da educação brasileira, mobilizam recursos, no sentido
de promover e assegurar uma educação de qualidade para todos.
A seguir, construímos um pequeno percurso descritivo sobre a avaliação em
larga escala no Brasil. Para isso, optamos por nos embasar em várias pesquisas
sobre esse assunto, dialogando, em especial, com os estudos de Eliana Cocco
(2013) e Sandra Sousa (1997) e Heraldo Vianna (2003). Segundo esses autores,
essa mobilização social, mais intensa nos últimos anos, no setor educacional trouxe
grandes reformas, que foram concretizadas a partir da Constituição de 1988, que
contribuiu para a defesa de: i) igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola; ii) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber; iii) gratuidade do ensino público; iv) gestão
democrática do ensino público; v) autonomia das universidades; vi) atendimento
especializado a portadores de deficiências; vii) regime de colaboração entre União,
os Estados, o Distrito Federal e os municípios na organização dos sistemas
educativos e padrão mínimo de qualidade do ensino [...] (BRASIL, 2016).
Ainda de acordo com os estudos de Sousa (1997), Cocco (2013), e Vianna
(2003), constatamos que essas reformas tiveram como objetivo buscar uma
educação de melhor qualidade que pudesse atender à nova fase e projeto para a
educação no país. Entre as ações governamentais, a elaboração e aprimoramento
dessas reformas possibilitou e priorizou a criação dos processos avaliativos, criando
assim as chamadas avaliações externas ou em larga escala. Como determinação
constitucional, a União é responsável por fixar as diretrizes e bases da educação
nacional – tomando os procedimentos de avaliação em larga escala como parâmetro
para investimentos e ações político-pedagógicas.
Nesse percurso, Cocco (2013) enfatiza que aproveitando as discussões da
nova Lei de Diretrizes e bases (LDB/96) e da “Conferência Mundial sobre Educação
39
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e equidade, bem como produzir informações aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral.
88
para Todos”40, a esfera educacional brasileira passou a discutir o Plano Decenal para
Todos, editado em 1993, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Uma das
metas do Plano Decenal era intensificar as ações e programas do governo que
visavam à superação de problemas e dificuldades socioeconômicas e políticas. O
Plano dava destaque a uma avaliação em larga escala que já havia sido implantada
em 1990, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)41.
Ainda segundo Cocco (2013), obedecendo ao plano, em abril de 2000,
aconteceu novamente a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em
Dakar, no Senegal, reunindo vários países, entre eles o Brasil, no intuito de avaliar
as ações que foram realizadas a partir da Conferência de Jomtien em 1990. Nessa
oportunidade, estabeleceram novas metas a serem alcançadas até 2015,
construindo assim a chamada Declaração de Dakar.Nessa conferência, foi também
decidido que os países deveriam preparar seus Planos Nacionais de Educação
(PNEs) e que uma de suas metas seria incluir indicadores de desempenho de médio
prazo e reformas referentes aos objetivos de Educação. Em 2001, o PNE, no Brasil,
foi convertido em lei e, assim, ficou decidido que a União, Estados, o Distrito Federal
e os municípios brasileiros deveriam elaborar planos decenais a partir desse
documento. Um dos conceitos incorporados, no documento, foi o estabelecimento de
um processo de avaliação externa sobre os sistemas de ensino.
O Estado, assim, para cumprir essa determinação, organizou-se criando
órgãos que credenciam instituições para a elaboração dessas avaliações. O PNE
dispõe também sobre o uso de indicadores, principalmente do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB42), para avaliar a qualidade de ensino e
40
Outro acontecimento importante no contexto da definição e elaboração das reformas foi a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien (Tailândia), em 1990, em representantes de vários países assumiram o compromisso de atender as necessidades básicas da aprendizagem de todos. Ficou acordado também que, em um prazo de dez anos, os países que possuíssem altas taxas de analfabetismo deveriam universalizar a Educação Básica e erradicar o analfabetismo.
41 São avaliações para diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo INEP/MEC, que objetivam
avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos.
42 IDEB é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2007, pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino. O Ideb funciona como um indicador nacional que possibilita o monitoramento da qualidade da Educação pela população por meio de dados concretos, com o qual a sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias. Para tanto, o Ideb é calculado a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Inep. Os índices de aprovação são obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente.
89
também sugere que sejam criados indicadores para avaliar a qualidade dos
docentes e das escolas.Diante dos desafios propostos nos documentos
mencionados, percebe-se que a melhoria na educação também é uma exigência
externa, portanto, de cunho político, feita pelos países, nos quais o Brasil buscava (e
busca) financiamento para suas ações. Essa é uma questão de natureza
sociohistórica e politico educacional séria.
Segundo Cocco (2013), com a perspectiva de obter investimentos do Banco
Mundial (BM) e de colocar em prática as reformas, a equipe do Ministério e das
Secretarias de Educação, juntamente com os gestores do Banco Mundial, elaboram
diagnósticos43 sobre os indicadores e os dados estatísticos educacionais. A partir
dos elementos supracitados, o banco estabelece onde vai investir e os resultados
que pretende alcançar. Se o acordo não é cumprido e as metas não são alcançadas
pelo Governo, perde-se o financiamento e pode haver outras consequências.
Vianna (2003) argumenta que o Sistema Nacional busca, nas avaliações
externas, uma metodologia que o fotografe sob um ponto de vista amplo, que lhe
apreenda certas características, que lhe desenhe um perfil que possa ser utilizado
para mobilizar esforços no sentido de seu aperfeiçoamento.
Para esse pesquisador,
A avaliação em Larga Escala é um instrumento que deveria utilizar os resultados e transformá-los em indicadores comparativos de desempenho, que serviriam de informações para reformulação, aprimoramento e monitoramento de políticas públicas de educação em suas respectivas escolas. E o que se percebe não é bem isso. [...], as avaliações apontam os problemas, mas não promovem reais soluções. (VIANNA, 2003, p. 11).
Uma tônica para pesquisas, no âmbito da avaliação escolar, em larga escala,
é que a elaboração e a aplicação dessas provas são feitas por instituições que não
conhecem a realidade escolar e consequentemente os sujeitos nelas inseridos. Essa
constatação nos permite perguntar: essa seria a principal limitação dos instrumentos
de avaliação? Diferentes pesquisadores44 alegam que aplicar avaliações apenas
para aferir dados estatísticos a fim de ocupar lugares em determinados “rankings”,
não parece ser uma prática condizente com o projeto educacional defendido pelos
43
Percebe se que as avaliações em larga escala são elaboradas seguindo critérios rígidos e padrões metodológicos já sistematizados pelos órgãos da esfera educacional. Fica notório que os resultados dessas avaliações são de suma importância para quem gerencia, fiscaliza e financia esse processo.
44 Vianna (2003); Werle (2010); Garcia (2010); Horta Neto (2013); Souza (1997)
90
documentos – nesta perspectiva, considerar a diversidade dos grupos, nas
avaliações em larga escala parece ser ainda um grande desafio.
A seção a seguir será dedicada a apresentar o percurso de avaliação em
larga escala adotado pelo no estado de Minas Gerais. Centraremos nossa reflexão,
especialmente, em torno do SIMAVE/PROEB.
3.1.4.2 Avaliação externa em Minas Gerais: SIMAVE/PROEB
Segundo a Revista Pedagógica, publicada anualmente, pela instituição que
gerencia as avaliações em larga escala em Minas Gerais, o Centro de Políticas
Públicas e Avaliação da Educação (CAED), da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), assume, em relação às avaliações em larga escala, que:
as avaliações em Larga Escala têm assumido um papel de destaque no cenário educacional brasileiro, que é o de mensurar o desempenho dos discentes de todas as redes de ensino em especial as públicas e consequentemente, da qualidade da educação. [...] Este modelo de avaliação não é desconectado ao trabalho que vem sido desenvolvido na escola, especificamente na sala de aula. E também é utilizada como um complemento aos diagnósticos e informações fornecidos e efetuados pelos docentes dentro da escola. Tanto as avaliações externas como as internas têm o currículo como a fonte de conteúdo. (SIMAVE- Revista Pedagógica, 2013, p. 6-7).
Como já referimos em outras seções desta pesquisa, para conhecer, entender
e atender o Sistema Público Mineiro de Educação, a Secretaria de Estado da
Educação de Minas Gerais criou o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação
Pública, o SIMAVE, em 2000. O SIMAVE é, portanto, responsável pelo
desenvolvimento de programas de avaliação integrados, cujos resultados forneçam
informações importantes para o planejamento de ações em todos os níveis do
sistema de ensino. Esse programa de avaliação pretende apontar as prioridades
educacionais tanto para professores, especialistas e diretores quanto para os
gestores do sistema. Constitui-se como fundamental na definição de ações que
visam subsidiar políticas públicas para uma educação mais eficaz. Ele é tomado
como um pilar do Projeto Estruturador do Governo de Minas Gerais referente às
políticas-públicas voltadas para a educação no estado.
91
A partir de 2003, o SIMAVE foi aperfeiçoado e ampliado45 e suas avaliações
passaram a ser anuais, verificando o desempenho de alunos das redes Estadual e
Municipal de ensino, nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. O sistema
é dividido em três modalidades a fim de atender e aferir níveis diferenciados de
aprendizagem, sendo eles46: o Programa de Avaliação da Alfabetização (PROALFA),
o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB) e, mais
recentemente, o Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE).
Figura 6 - SIMAVE
Fonte: http://www.simave.caedufjf.net/o-programa/
Em linhas gerais, esse programa pretende:
[...] realizar diagnósticos educacionais para identificar necessidades, e demandas do sistema, das escolas, dos professores e dos alunos. Em posse dos dados do SIMAVE, a SEE/MG/MG estrutura políticas e ações diretamente vinculadas aos resultados de aprendizagem, à qualificação docente, à valorização da escola pública e ao fortalecimento da qualidade da educação em Minas Gerais.
Todos os programas avaliadores anteriormente citados (PROALFA, PROEB,
45
O Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE) foi criado em 2000 e tem seguido o propósito de fomentar mudanças em busca de uma educação de qualidade. Inicialmente o sistema contou com o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB), mas, ao longo dos anos, foram incorporados o Programa de Avaliação da Aprendizagem (PAAE, 2005) e o Programa de Avaliação da Alfabetização (PROALFA, 2006), tornando o diagnóstico produzido pelo SIMAVE mais completo.
46 Para maiores informações a respeito dos Programas de Avaliação do SIMAVE, acessar:
<http://www.simave.caedufjf.net/o-programa/>.
92
PAAE) são parametrizados de acordo com os CBCs47, base curricular ancorada nos
preceitos dos PCNs. Sobre isso, o enunciador relata:
Para realizar uma avaliação, é necessário definir o conteúdo que se deseja avaliar. Em uma avaliação em larga escala, essa definição é dada pela construção de uma MATRIZ DE REFERÊNCIA, que é um recorte do currículo e apresenta os conhecimentos definidos para serem avaliados. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, publicados, respectivamente, em 1997 e em 2000, visam à garantia de que todos tenham, mesmo em lugares e condições diferentes, acesso a conhecimentos considerados essenciais para o exercício da cidadania. Cada estado, município e escola tem autonomia para elaborar seu próprio currículo, desde que atenda a essa premissa. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 15).
O CBC-MG é amplo e espelha as diretrizes de ensino cujo conteúdo deve ser
obrigatório para todos os aprendizes. Também é importante ressaltar que o tipo de
avaliação do SIMAVE/PROEB é orientado por uma Matriz de Referência48, que se
segue abaixo. Ilustrativamente, temos:
MATRIZ DE REFERÊNCIA- SIMAVE/PROEB49
LÍNGUA PORTUGUESA - 3º ANO DO ENSINO MÉDIO
I - PROCEDIMENTOS DE LEITURA
D1 Identificar o tema ou o sentido global de um texto.
D2 Localizar informações explícitas em um texto.
D3 Inferir informações implícitas em um texto.
D5 Inferir o sentido de uma palavra ou uma expressão.
D10 Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato.
II - IMPLICAÇÃO DO SUPORTE, DO GÊNERO E/OU DO ENUNCIADOR NA COMPREENSÃO DO TEXTO
D6 Identificar o gênero de um texto.
D7 Identificar a função de textos de diferentes gêneros.
D8 Interpretar texto que conjuga linguagem verbal e não verbal.
III - RELAÇÃO ENTRE TEXTOS
D18 Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema.
47
Os CBCs foram desenvolvidos pela SEE/MG-MG, com a participação de especialistas em ensino das diversas disciplinas, com o objetivo de apoiar o professor no ensino dos tópicos e habilidades de acordo com as Propostas Curriculares da Educação Básica.
48 A Matriz de Referência para a avaliação em Larga Escala é apenas uma amostra representativa
do CBC. Não podendo, portanto, ser concebida como um conjunto de indicações de estratégias de ensino nas escolas. Esse papel é reservado às Matrizes Curriculares de Ensino Estaduais, aos parâmetros, currículos e diretrizes curriculares. Essa é a diferença básica entre uma Matriz de Referência para Avaliação, que é utilizada como fonte para os testes de avaliação em larga escala, e o CBC, que é muito mais amplo e espelha as diretrizes de ensino.
49 Nesse trabalho de Pesquisa, a Matriz de Referência será apenas apresentada, deixando para uma
analise mais profícua para futuros pesquisadores.
93
D20 Reconhecer diferentes formas de abordar uma informação ao comparar textos que tratam do mesmo tema.
IV - COERÊNCIA E COESÃO NO PROCESSAMENTO DO TEXTO
D11 Reconhecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios, etc.
D12 Estabelecer a relação entre causa e consequência entre partes elementos do texto.
D15 Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a sua continuidade.
D16 Estabelecer relações entre partes de um texto a partir de mecanismos de concordância verbal e nominal.
D19 Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que compõe a narrativa.
D14 Identificar a tese de um texto.
D26 Estabelecer relações entre a tese de um texto e os argumentos oferecidos para sustentá-la.
D27 Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto.
V - RELAÇÃO ENTRE RECURSOS EXPRESSIVOS E EFEITOS DE SENTIDO
D23 Identificar efeitos de ironia ou humor em textos.
D28 Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão.
D21 Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso de pontuação e de outras notações.
D25 Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso de recursos ortográficos e Morfossintáticos.
VI - VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
D13 Identificar marcas linguísticas que evidenciam o locutor interlocutor de um texto (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 17).
A matriz supracitada apresenta uma divisão em seis (6) macro-tópicos
(conteúdo curricular) que agrupam por afinidade um conjunto de habilidades
indicadas pelos descritores, como exemplo, o conteúdo “Procedimentos de Leitura”
abarca, segundo a matriz, um conjunto básico de 05 (cinco) habilidades ou
descritores. Nesse sentido, os descritores associam o conteúdo curricular
(procedimentos de leitura) às operações cognitivas, indicando as habilidades que
serão avaliadas, por exemplo, nas questões propostas.
O excerto a seguir nos permite constatar como, no instrumento de avaliação,
essas habilidades são compreendidas como passíveis de serem mensuradas em
questões de múltipla escolha.
As habilidades selecionadas para a composição dos testes são escolhidas por serem consideradas essenciais para o período de escolaridade avaliado e por serem passíveis de medição por meio de testes padronizados de desempenho, compostos, na maioria das vezes, apenas por itens de múltipla escolha. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 15).
94
Adaptada a partir do PCN50 de Língua Portuguesa, a matriz do SIMAVE elege
as habilidades que se julgam coerentes com o período de formação desses
discentes. Como de amplo domínio da esfera educacional, essas matrizes visam
difundir os princípios da reforma curricular, bem como, orientar os professores na
sua atuação, em sala de aula, em busca de novas abordagens e metodologias.
Outro ponto significativo desse documento é a sua pretensão de averiguar a
proficiência dos discentes avaliados e, concomitantemente, avaliar a prática docente.
Evidentemente, o EUc-EUe apresenta-se, neste momento, ponderado em
relação à função que a matriz deverá assumir no desenvolvimento das práticas
educacionais, afinal, a avaliação é, apenas, um dos eventos que compõem a vida
prático-escolar desse discente. Esse enunciador alerta a comunidade para não
confundir a função orientacional pretendida pela Matriz, como sendo de função
prescritiva e/ou impositiva.
A respeito disso, o enunciador conclui que:
É importante ressaltar que a Matriz de Referência não abarca todo o currículo; portanto, não deve ser confundida com ele nem utilizada como ferramenta para a definição do conteúdo a ser ensinado em sala de aula. [...] Há, também, outros conhecimentos necessários ao pleno desenvolvimento do aluno que não se encontram na Matriz de Referência por não serem compatíveis com o modelo de teste adotado. (SIMAVE - Revista Pedagógica, 2013, p. 15).
O enunciador assume no Ato de Linguagem que se inscreve na Revista,
claramente, que o currículo é bem mais amplo e complexo do que podem aferir um
exame em larga escala e de questões objetivas. Esta é uma limitação que
consideramos significativa no processo avaliativo de habilidades de leitura.
No capítulo que se segue, essa limitação será retomada, à medida que
assumimos o desafio de identificar diferentes concepções de leitura que se
circunscrevem nos instrumentos de avaliação em estudo.
50
Para maiores informações, acessar o Portal do Ministério da Educação (MEC) pelo link: <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/parametros-curriculares-nacionais>.
95
4 ANÁLISES CONTRASTIVAS DOS DOCUMENTOS DE DIVULGAÇÃO DOS
RESULTADOS DO SIMAVE/PROEB
Neste momento, nos dedicaremos mais sistematicamente às análises51 da
cenografia – Ato de Linguagem – e das ações desenvolvidas pelo discurso de
divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB – 2013/2014. Pretendemos, com
isso, apresentar concepções de leitura e leitor, constitutivas desse objeto, e também
reconhecer (ir)regularidades nessa produção discursiva.
4.1 Análises da encenação do Ato de Linguagem (o contrato comunicacional)
na apresentação dos documentos de divulgação dos resultados do SIMAVE
2013 e 2014
Em linhas gerais, o EUc-EUe – SEE/MG – ao apresentar os documentos do
SIMAVE/PROEB 2013 e 2014, com o intuito de informar, persuadir, convencer e
avaliar o seu interlocutor, não se coloca como simples informante dos resultados,
pois ocupa, inicialmente, o papel de avaliador de todo processo e, posteriormente,
busca convencer o outro (comunidade escolar), a assumir determinadas atitudes e
posturas através da análise dos resultados. Desse modo, o TUi-TUd – comunidade
escolar – é convocado a se apropriar desses resultados ou refutá-los, para que a
partir deles, possa construir ações que potencializem os resultados positivos nos
próximos exames, procurando sanar as deficiências apontadas pelo
avaliador/propositor no trabalho desenvolvido pelo alunos avaliados.
Em síntese, como ilustração, apresentaremos, à luz do quadro teórico
adotado na/pela pesquisa, a configuração do Ato de Linguagem instituído pela
“Carta de apresentação” para o(s) educador(es) nos anos de 2013 e 2014.
51
Embora sejam vários os fatores que podem incidir sobre a configuração e/ou apropriação dos resultados do SIMAVE/PROEB, aqui optamos por descrever e destacar os aspectos gerais das estratégias/configuração dos documentos e instrumentos.
96
Figura 7 - Carta de Apresentação para o(s)educador(es)
Ato de Linguagem – Carta de
Apresentação para o(s)educador(es)
(2013/2014)
Euc (SEE)
EUe (Propositor/ Avaliador/ Divugador/
Informante/ Parceiro)
TUd (Educador(e)(s)
Alunos do 3ºano E.M.
TUi (Comunidade
escolar)
Circuito Interno (dizer)
(Fazer-crer)
Circuito Externo (fazer)
(Fazer-saber)
Fonte: Adaptado pela autora de Charaudeau (2009, p. 77).
Neste momento, para o entendimento global do Ato de Linguagem,
procederemos a uma análise contrastiva entre as duas “Cartas de Apresentação
para o educador”, que se encontram no início de cada Revista Pedagógica.
CARTA DE APRESENTAÇÃO – SIMAVE/PROEB 2013
Caro (a) Educador(a),
Encaminhamos os resultados do último Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB). A avaliação, realizada em 2013, revelou avanços no desempenho dos alunos e crescimento no índice de participação. O Proeb testa as habilidades dos alunos, em Língua Portuguesa e Matemática, ao final de cada nível escolar — 5º e 9º anos do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio.
No 5º ano do ensino fundamental, o percentual de estudantes no nível recomendado de desempenho em Língua Portuguesa passou de 45,6%, em 2012, para 46,5%, em 2013. No 9º ano do ensino fundamental o crescimento foi mais significativo. Em 2012, o percentual de alunos no nível recomendado era 34,8% e em 2013 foi de 40,5%. Já no 3º ano do ensino médio o crescimento também foi expressivo, passou de 30,7% para 36,4%.
Em Matemática, no 5º ano do ensino fundamental, o percentual de estudantes no nível de desempenho recomendado passou de 60%, em 2012, para 61,7%, em 2013. Nos demais níveis avaliados — 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio — o percentual de estudantes nesse nível ficou estável. No 9º ano, o percentual passou de 23,2% para 22,9% e no 3º ano passou de 3,75% para 3,85% de um ano para o outro.
O desempenho da rede estadual de Minas Gerais, em comparação com outros Estados, por meio de outras avaliações, é muito positivo,
97
mesmo com esta variação. De acordo com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), responsável pela aplicação do Proeb, o desempenho da rede estadual de Minas Gerais é muito significativo.
Outro ponto de destaque são os índices de participação. Em todos os níveis avaliados, a rede estadual alcançou participação recorde na história do Proeb.No 5º ano do ensino fundamental, 94,2% dos estudantes fizeram as provas. No 9º ano esse percentual também ultrapassou os 90% e ficou em 90,5%. Já no 3º ano do ensino médio, a participação dos alunos ficou em 85,1%.
As avaliações são instrumentos essenciais para planejar as políticas públicas e, na Educação, quando a comunidade escolar, a exemplo do que ocorre na rede estadual de Minas Gerais, compreende essa importância e se envolve, podemos obter um retrato fiel do sistema.
Avançamos nos anos iniciais, mas houve uma oscilação nos demais níveis. Os resultados apurados confirmam que o nosso maior desafio continua sendo o ensino médio. Esperamos que as ações realizadas por meio do Reinventando o Ensino Médio tenham impacto positivo no desempenho de nossos alunos em avaliações futuras.
Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais
Governo do Estado de Minas Gerais (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2013, p. 03).
Ainda que não seja o foco do nosso trabalho, a leitura atenta das cartas de
apresentação em questão, nos permite perceber claramente uma mudança do
“tom”52 assumido pelo EUc-EUe – SEE-MG entre 2013 e 2014. Considero importante
esclarecer que, em 2013, o projeto de governo em que se inscreve a avaliação do
SIMAVE/PROEB é proposto pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
enquanto, em 2014, avaliação passa a se inscrever e responder aos objetivos do
projeto político do Partido dos Trabalhadores (PT). Neste segundo momento,
ocorrem alterações significativas no sistema de avaliação, entre os quais a
suspensão do Prêmio de Produtividade e a ampliação do exame para as turmas do
1º ano do Ensino Médio.
Passemos, neste momento, à leitura da Carta de Apresentação do ano de
2014.
CARTA DE APRESENTAÇÃO – SIMAVE/PROEB 2014
Caros EDUCADORES,
O Sistema Mineiro de Avaliação (Simave) é um instrumento importante para Minas Gerais e, mais do que isso, para o Brasil. Trata-se de um sistema pioneiro desenvolvido para avaliar a rede Estadual de Educação Básica e, a partir dessa avaliação, pensar a construção de políticas públicas.
52
Este texto compreende o termo “TOM” como efeitos gerados pelos posicionamentos e/ou estratégias assumidos pelos interlocutores. Neste sentido, aqui, o termo é utilizado para designar aspectos discursivos do engajamento dos co-enunciadores.
98
Até a criação do Simave, o Brasil não tinha uma tradição de avaliação destinada a verificar o desempenho dos estudantes nas diferentes etapas do percurso de aprendizagem. A partir do Simave, avançamos muito e, hoje, foram construídos, pelo Governo Federal, outros indicadores e instrumentos, como a Prova Brasil, que avalia todas as crianças do 5º e 9º ano no país inteiro, além disso o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
O desafio agora é pensar mecanismos para que os profissionais da educação e as escolas se apropriem do processo de avaliação, dos seus resultados e principalmente tenham uma visão de cada um dos estudantes, para que possam compreender melhor esses resultados e, portanto, produzir respostas a partir dessas avaliações. Também é importante que o Simave possa ser compartilhado com as famílias, permitindo-lhes acessar esses dados.
É preciso ainda fazer um acerto entre as esferas de governo, pois o Simave hoje não pode ser pensado isolado, mas no contexto de uma política nacional de avaliação do sistema de ensino. No momento, mantemos um diálogo profícuo com o Governo Federal buscando maneiras de articular o sistema estadual com avaliações nacionais para evitar duplicidades de esforços. A partir daí, poderemos trabalhar mais na apropriação dos resultados pelos profissionais, assessorar melhor as escolas no entendimento do que está sendo avaliado e pensar intervenções para a melhoria da aprendizagem.
Por ser um sistema já consolidado, o Simave também deve apontar pistas para a sua própria reestruturação. Portanto, o momento é de avaliá-lo para fortalecê-lo e transformá-lo, a fim de que atenda à realidade do sistema educacional de hoje. Para isso, contamos com a participação dos estudantes, professores, diretores, supervisores pedagógicos, coordenadores, dentre tantos outros profissionais da educação que são os que, de verdade, vão tecendo a cada dia a educação no nosso Estado.
Cordialmente,
Macaé Evaristo
Secretária de Estado da Educação de Minas Gerais (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2014, p. 03).
Como podemos verificar nas “Cartas de Apresentação”, tanto na que se refere
ao ano de 2013, como na que se refere ao ano de 2014, ao (à)(s) educador(a)(s), os
interlocutores envolvidos no Ato de Linguagem reconhecem-se mutuamente como
parceiros de uma atividade de comunicação, de modo a estabelecer entre si um
contrato como participantes dessa prática discursiva.
Esse contrato de parceria já fica evidente, no início dos documentos de
apresentação, quando EUc-EUe - (SEE-MG) se dirige ao TUi-TUd (comunidade
escolar) utilizando o vocativo no plural, – “CAROS EDUCADORES” – (Documento
2014) – e no singular – “CARO(A) EDUCADOR (A)” – (Documento 2013). Podemos
interpretar essa ação de dois modos: pelo primeiro, entendemos que o EUc/EUe
(2014), ao escolher o uso do plural, deixa uma marca que orienta que o documento
se presta a informar não só ao educador, especificadamente, mas toda a
99
comunidade escolar, dando uma ideia de coletividade, ou seja, o documento foi
produzido para que todos tenham acesso a ele e que todos trabalhem para que suas
proposições sejam atendidas e suas intenções atingidas.
Já, no documento 2013, ao identificar o vocativo no singular, construímos
uma ideia de que a ação a ser realizada, prevista a partir da carta, especificamente,
ficando a cargo desse profissional trabalhar a ação proposta e sugerida. Nesse
sentido, a estratégia de singularização do TUd, por meio do vocativo, ao interpelar
diretamente “o educador”, busca o engajamento desse sujeito no desempenho
satisfatório do trabalho pedagógico. Dessa forma, o uso singular ou plural do
vocativo representa uma estratégia retórica dos EUc/2013 e EUc/2014.
A análise desse Ato de Linguagem nos permite perceber, portanto uma
orientação no sentido de que o EUc/EUe, ao selecionar um ou/outro vocativo,
parece ter a intenção de persuadir os interlocutores a assumirem determinados
papéis, mais ou menos engajados, seja na forma de uma atividade individual, seja
através de sua participação coletiva nas ações que decorrem dos resultados do
sistema de avaliação.
Dando continuidade à análise, no “corpo” das cartas de apresentação,
EUc/EUe (2014) ao se dirigir ao TUi/TUd, apresenta, enunciativamente, uma defesa
mais entusiasmada da importância dos instrumentos de avaliação em
comparativamente ao documento de 2013. Com intuito de convencer o seu
interlocutor sobre essa importância, o enunciador se apresenta mais engajado
político-ideologicamente com a função e a importância da avaliação, sem se
preocupar em apresentar os dados estatísticos: “SIMAVE é um “INSTRUMENTO
IMPORTANTE” tanto para Minas Gerais, como para o Brasil e que é “A PARTIR
DESSA AVALIAÇÃO” é que pensam a “CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS.” Por outro lado, na “Carta de apresentação 2013”, O EUc/EUe, ao
revelar a importância do sistema de avaliação, logo no início do documento, parece
apenas cumprir responsabilidades protocolares de informação dos resultados, o que
se dá através do relato dos dados estatísticos “[...] de desempenho em Língua
Portuguesa PASSOU DE 45,6%, em 2012, PARA 46,5%, em 2013 [...]. Já no 3º ano
do ensino médio, a PARTICIPAÇÃO dos alunos FICOU EM 85,1%”.
Continuando este processo de análise comparativa das duas cartas, o
EUc/EUe (2014) reconhece e avalia, em seu dizer, que os resultados do SIMAVE,
nem sempre são utilizados como deveriam ser e não são compreendidos o suficiente
100
para que o seu objetivo seja alcançado. Nesse sentido, aponta que “o DESAFIO
MAIOR é pensar mecanismos para que os profissionais de educação e as escolas
SE APROPRIEM DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO, dos SEUS RESULTADOS e
principalmente que tenham uma visão de cada um dos estudantes”. O enunciador
ressalta, ainda, a necessidade de participação da família, para isso, aponta que “é
importante que o SIMAVE possa ser COMPARTILHADO COM AS FAMÍLIAS,
permitindo-lhes acessar esses dados”.
Assim também age discursivamente o enunciador do documento de 2013. Ao
reconhecer e avaliar os resultados, afirma que “a avaliação, realizada em 2013,
REVELOU AVANÇOS no desempenho dos alunos e CRESCIMENTO NO ÍNDICE
DE PARTICIPAÇÃO” – e, ao fazê-lo, indiretamente, elogia o trabalho realizado pelos
alunos/professores/escola/comunidade.
Uma ação de destaque na “Carta de Apresentação 2013” é o fato do EUc-
EUe, se posicionar de modo auto-avaliativo, frente aos resultados, “AVANÇAMOS
nos anos iniciais, mas HOUVE UMA OSCILAÇÃO nos demais níveis [...]” e ainda
apontar que “os RESULTADOS apurados CONFIRMAM que o nosso MAIOR
DESAFIO continua sendo o ensino médio...; ESPERAMOS QUE AS AÇÕES
REALIZADAS [...] TENHAM IMPACTO POSITIVO no desempenho de nossos
alunos em avaliações futuras [...]”. O enunciador, destaca também, o “desempenho
POSITIVO da rede estadual de Minas Gerais, EM COMPARAÇÃO a OUTROS
ESTADOS”, enaltece o aumento de “índices de participação em todos os níveis, [...]
alcançou PARTICIPAÇÃO RECORDE NA HISTÓRIA DO PROEB”.
Já no documento de 2014, a ação de destaque é o desejo do EUc/EUe de
persuadir outras esferas, tanto no âmbito estadual, como federal, que estejam
engajadas na política da avaliação sistêmica, como forma de assessorar uma boa
educação, “fazer um ACERTO ENTRE ESFERAS DE GOVERNO,” para que o
SIMAVE não seja “PENSADO ISOLADO, mas INSERIDO NO CONTEXTO DE UMA
POLÍTICA nacional de avaliação de sistema de ensino”. Desse modo percebemos, o
enunciador admite que o acordo só será concretizado a partir de “um DIÁLOGO
PROFÍCUO é que se pode TRABALHAR MAIS na APROPRIAÇÃO DOS
RESULTADOS pelos profissionais, assessorar MELHOR as escolas [...]”.
É possível perceber, tanto no documento de 2013, quanto no de 2014, uma
afirmação dos objetivos gerais do documento: – a divulgação de resultados,
reafirmar o papel/objetivo dos instrumentos de avaliação e a proposição de ações
101
que aprimorem seu funcionamento como:
ENCAMINHAMOS OS RESULTADOS do último Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb)...; (o proeb) REVELOU AVANÇOS no desempenho [...]; (O Proeb) TESTA AS HABILIDADES dos alunos [...] (2013); [...] Trata-se de UM SISTEMA PIONEIRO DESENVOLVIDO PARA AVALIAR a rede Estadual de Educação Básica [...]; a partir dessa avaliação, PENSAR A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS [...] (2014).
Observamos, no último parágrafo, do documento de 2014, uma estratégia de
persuasão quando o EUc/EUe faz uma “CONVOCAÇÃO/CONVITE” ao
aperfeiçoamento dos instrumentos. Percebemos isso, claramente, quando afirma
que “[...] o SIMAVE já é um SISTEMA CONSOLIDADO e que já têm CONDIÇÕES
DE APONTAR PISTAS para sua própria REESTRUTURAÇÃO [...]”. Através dessa
enunciação percebe-se que o EUc/EUe avalia e admite “falhas” no sistema de
avaliação e que este já se encontra em condições para que possa ser mudado e,
consequentemente, melhorado. Mas, para que essa melhoria ocorra, destaca a
importância da “parceria” de toda comunidade escolar quando conclama e tenta
convencer “[...] A PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES, PROFESSORES,
DIRETORES, SUPERVISORES PEDAGÓGICOS, COORDENADORES [...]”, ou
seja, a adesão do TUi-TUd.
No término do documento de 2014, o Euc-Eue avalia e elogia a participação
da comunidade escolar como maior interessada e especializada, para o
aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação, como para a melhoria da educação
em Minas Gerais – “[...] profissionais da educação que são os que, DE VERDADE,
vão TECENDO A CADA DIA A EDUCAÇÃO no nosso estado.” Por outro lado, no
final documento de 2013, o enunciador também reforça a importância das avaliações
e o engajamento da comunidade nesse processo quando aponta que “[...] são
INSTRUMENTOS ESSENCIAIS para planejar as políticas públicas e, na educação,
quando a comunidade escolar, [...] COMPREENDE essa IMPORTÂNCIA e SE
ENVOLVE, podemos obter um retrato fiel do sistema”.
Dessa forma, os discursos de apresentação nos dois documentos 2013/2014-
têm como funções discursivas, principais, de avaliar/apresentar o papel do
enunciador (SEE- MG) e “convocar/convidar” seu interlocutor, o educador, a
participar desse processo, a fim de aprimorar o instrumento de avaliação e melhorar
os resultados de avaliações futuras.
102
Percebemos, também, que realçando “as visadas”, para convencer e
persuadir, no documento de 2014, o enunciador formaliza uma rotina comunicativa
própria do gênero carta, indicando deferência para com seu interlocutor através do
termo “CORDIALMENTE” e assinando como “MACAÉ EVARISTO - Secretaria de
Estado da Educação.” Essa ação é importante para a diferenciação do o ato de
linguagem de 2013 e 2014. A assinatura de um “responsável” gera um efeito de
responsabilização pelo processo e desempenho do programa. Enquanto que o
documento de 2013, diferentemente, não se vale da mesma estratégia, finalizando a
carta sem assinatura do responsável pela secretaria, apenas com o nome do órgão
e do estado, “Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais - Governo do
Estado de Minas Gerais”- o que gera um efeito protocolar.
Um aspecto interessante que merece destaque é que o documento de 2014
nomeia o sistema de avaliação como SIMAVE, o documento de 2013 o nomeia
como PROEB, essa ação pode ser justificada pela diferença de “tom” e também no
conteúdo entre os dois documentos. Enquanto o documento de 2013 dedica-se mais
especificamente ao PROEB, o documento de 2014 dedica-se ao sistema como um
todo, no geral, nesse caso, ao SIMAVE.
Frente ao conjunto de argumentos ora expostos, o EUc-EUe – SEE-MG – é
responsável por um discurso de “prestação de contas” (2013) e/ou de
“conscientização da classe educacional” (2014), que se dirige ao TUi-TUd
comunidade escolar. Assim, a SEE-MG discursivamente se institui no papel de
avaliadora, uma vez que tem a responsabilidade, primeiro de propor e aplicar os
testes, e, posteriormente, de apresentar os resultados das avaliações do
SIMAVE/PROEB, visando informar à comunidade escolar as proficiências e
deficiências do sistema educacional do estado. A comunidade escolar projetada –
ora como instância avaliada, ora como instância colaboradora –, por sua vez, ao
receber esse discurso é instanciada no papel de maior interessada no processo, a
fim de contribuir para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem. Como elemento
motivador e aferidor desses objetivos, elege-se questões, que visam “medir” o
desempenho leitor dos alunos.
A diferenciação entre o ato de linguagem de 2013 e 2014 é um indicador de
que fatores de ordem político-partidária podem influenciar, significativamente, nas
concepções do que seja a ação docente, comunidade escolar e/ou conteúdo a ser
examinado. Entretanto, como não aprofundamos sistematicamente nessa questão,
103
apenas apontamos que esta é uma dimensão que merece ser considerada no
processo de análise. Na próxima seção, desenvolveremos a análise das concepções
de leitor/leitura apresentada nos documentos.
4.2 Análises de concepções de leitura/leitor constitutivas dos documentos do
SIMAVE 2013 e 2014
Como já discutido no primeiro capítulo, neste trabalho de pesquisa, a leitura é
concebida como prática social, histórica e cultural, o que requer considerar a
complexidade nela envolvida. O ato de ler, então, coloca os sujeitos dessa prática
social no papel de agentes do/no processo de interação. É importante entender que,
nesse processo complexo, implicado nas relações sociais, devem ser considerados
interesses particulares, ou não, próprios ao ato de ler. A fim de refletir sobre essa
questão, propomos as análises, mais adiante, concernentes a concepções de leitura
e leitor nos documentos.
Ao apresentar, nos documentos do SIMAVE/PROEB (2013 e 2014), os artigos
que compõe a Seção Pedagógica, com o intuito de informar e orientar o seu
interlocutor, o EUc/EUe – SEE/MG – não se coloca como simples informante do
tema, uma vez que, inicialmente, o papel de informar sobre os aspectos teóricos das
práticas sociais da leitura, na etapa final de escolaridade e, posteriormente, o de
orientar, buscando convencer o outro (comunidade escolar) a assumir determinadas
atitudes e posturas através dos conceitos apresentados sobre práticas de leitura.
Desse modo, o TUi/TUd – comunidade escolar – é convocado a se orientar a partir
desses aspectos teóricos para que, a partir delas, possa construir ações que
alcancem e potencializem resultados positivos nos próximos exames, procurando,
assim, superar deficiências apontadas pelo avaliador/propositor no trabalho
desenvolvido nos exames/resultados anteriores.
Como forma de sintetizar e ilustrar, a configuração do Ato de Linguagem em
que instanciam os artigos que compõe a “Seção Pedagógica” - 2013/2014 para a
comunidade escolar em especial para o(s) educador(es) e pedagogos,
apresentamos o quadro a seguir:
104
Figura 08 - Ato de Linguagem - Artigo da seção pedagógica
Ato de Linguagem – Artigo da seção
pedagógica – 2013-2014
EUc (SEE)
EUe (Informante/ Orientador/ Especialista)
TUd (Educador(e)(s)/
Equipe pedagógica)
TUi (Comunidade
escolar)
Circuito Interno (dizer)
(Fazer-crer)
Convencer
Circuito Externo (fazer)
(Fazer-saber)
Informar
Fonte: Adaptado pela autora de Charaudeau (2009, p. 77).
Neste momento, a partir dos elementos que constituem o quadro que
descreve, esquematicamente, o Ato de Linguagem que constituem os artigos que
compõe a “seção pedagógica” apresentaremos a análise de excertos, que
constituem a seção que introduz artigos que visam orientar a ação pedagógica, parte
dos artigos (2013/2014) foram retirados da seção destinada à ação pedagógica,
cujos títulos são respectivamente, 2013 – “PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO” e
2014 – “REFLEXÃO PEDAGÓGICA”.
PARA O TRABALHO PEDAGÓGICO
A seguir, apresentamos um artigo cujo conteúdo é uma sugestão para o trabalho pedagógico com uma competência em sala de aula. A partir do exemplo trazido por este artigo, é possível expandir a análise para outras competências e habilidades. O objetivo é que as estratégias de intervenção pedagógica
53 ao contexto escolar no qual o professor atua
sejam capazes de promover uma ação focada nas necessidades dos alunos. (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2013, p. 57).
REFLEXÃO PEDAGÓGICA
Com base nos resultados da avaliação, como associar, na prática,
53
Em 2008, foi criado pela SEE-MG, o Programa de Intervenção Pedagógica (PIP), com o desafio de reverter a realidade detectada. Seu principal objetivo foi melhorar o aprendizado dos alunos e reduzir a repetência [...]. Desta forma, a análise dos efeitos do PIP é um instrumento valioso para reforçar as boas práticas existentes ou sugerir mudanças nos rumos de gestão do programa.
105
competências e habilidades ao trabalho pedagógico em sala de aula? O artigo a seguir apresenta sugestões sobre como essa intervenção pode ser feita no contexto escolar, visando, a partir da análise de algumas competências e habilidades. (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2014, p. 46).
Essas seções introdutórias, certamente, foram criadas pelos elaboradores da
revista com a finalidade de orientar o profissional da educação, de cada escola, para
um trabalho mais proficiente. Segundo o EUc-EUe, essa seção deve ser
compreendida, tanto em 2013, como “uma SUGESTÃO para o trabalho pedagógico”,
quanto em em 2014, “SUGESTÕES sobre como essa intervenção pode ser feita no
contexto escolar”. O Euc/EUe tem o intuito de “sugerir” benefícios/melhorias para a
prática escolar/docente do TUi/TUd.
Segundo o enunciador, no sentido de aperfeiçoar/complementar o trabalho da
comunidade escolar, essa sugestão em 2013, tem como objetivos – “[...] l
EXPANDIR a análise”, “[capacitar o professor] PROMOVER uma ação focada [...]”.
Em 2014, o enunciador instancia o seu dizer a partir de uma pergunta – “Com base
nos resultados da avaliação, como ASSOCIAR, na prática, COMPETÊNCIAS E
HABILIDADES AO TRABALHO PEDAGÓGICO em sala de aula?”. Desse modo, a
ação do enunciador, no documento 2014, é exatamente a de buscar a reflexão por
parte do TUi-TUd a respeito da função assumida pelos resultados, cujo objetivo
principal é – “PROMOVER UMA AÇÃO focada nas necessidades dos alunos”.
Apesar dos dois documentos assumirem, explicitamente, o mesmo objetivo
“SUGERIR AÇÕES”, fica nítido, mais uma vez, a diferenciação do “tom” enunciativo.
Enquanto o título do artigo de 2013 estrutura-se de forma a privilegiar a dimensão da
prática do trabalho pedagógico, o que pode ser comprovado pela seleção do item
lexical “trabalho”, o título de 2014, privilegia a dimensão reflexiva das práticas, o que
se explicita pela seleção intencional do item lexical “reflexão”. A partir dessas
observações preliminares, propomo-nos avançar no trabalho de análise, destacando
os trechos a seguir, também dos artigos pedagógicos (2013 e 2014), mais uma
breve análise dos trechos.
LEITURA E EFEITOS DE SENTIDO NO ENSINO MÉDIO
O final do Ensino Médio é uma etapa crítica do processo educacional brasileiro para um jovem aluno. Além de ser o fim da escolarização básica, geralmente, é o momento da escolha profissional e universitária, mesmo para aqueles que optaram pelos cursos profissionalizantes de nível médio. Muitas competências são
106
esperadas desse jovem, sendo que o maior exame nacional do país é aplicado nessa época.
Uma das competências avaliadas ao fim do Ensino Médio é a leitura, certamente uma competência de caráter transversal, com incidência sobre todas as outras ‗disciplinas‘ escolares e impacto para a vida do cidadão e do país.
A avaliação da leitura ao fim do Ensino Médio tem sido feita por meio de instrumentos elaborados na forma de ‗testes‘, por meio dos quais se tenta capturar quais habilidades foram desenvolvidas pelo aluno ao longo de seus anos de escolarização. [...] (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2013, p. 58).
TRABALHANDO AS HABILIDADES DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA COM GÊNEROS TEXTUAIS
Ao concluir o Ensino Médio, presume-se que o jovem tenha consolidado as habilidades esperadas para todo o ensino básico. No final dessa etapa de escolaridade, os alunos precisam estar aptos para as práticas sociais de leitura e escrita, que norteiam nossas vidas e que exigem, cada dia mais, que sejamos leitores competentes, capazes de responder de forma satisfatória às exigências da sociedade. Além disso, é nesta etapa de escolarização, Ensino Médio, que os alunos começam a se preparar para suas escolhas profissionais e, também, para prestar vestibulares e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o maior exame do Brasil. Sendo assim, é importante que o trabalho desenvolvido nas salas de aula dê subsídios para todas as demandas que esses alunos terão que responder. [...] (SIMAVE – Revista Pedagógica, 2014, p. 47).
Ao analisarmos os títulos dos artigos (2013 e 2014), percebemos que a leitura
é francamente tematizada. Pressupomos que essa tematização ocorra pelo fato de
que após o EUc-EUe analisarem os resultados, constatarem que um dos fatores que
interferem nos resultados dos exames do SIMAVE é o modo como a leitura é
trabalhada nas práticas escolares.
Observamos que o título relativo ao ano de 2013 - LEITURA E EFEITOS DE
SENTIDO NO ENSINO MÉDIO- além de tematizar a leitura, ressalta um aspecto
particular – “leitura e efeitos de sentido” – que é um ponto que interfere quase
sempre em atividades de leitura, principalmente em situação de exame/teste,
tornando-se assim em um fator preponderante para os resultados. Enquanto que o
título relativo ao ano de 2014 – TRABALHANDO AS HABILIDADES DE LEITURA
NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA COM GÊNEROS TEXTUAIS – elege um
título mais coerente e específico, por além de tematizar a leitura, aborda as
habilidades e ainda ressalta que essa proposta é mais eficiente através dos gêneros
textuais.
Como percebemos, os enunciadores identificados, instanciados nos
107
documentos 2013 e 2014 ressaltam ser importante que ao terminar o ensino médio o
aluno tenha consolidado as habilidades esperadas para todo o ensino básico,
metonimicamente, representada pelos descritores da matriz de referencia. Isso
porque, na perspectiva adotada por esses enunciadores (SEE-MG – 2013 e 2014)
consideram que essa etapa escolar além de crítica é também decisiva para o futuro
dos concluintes dessa etapa de escolarização. O EUc/EUe (2013) escolhe os
seguintes pontos para relatar esse processo: a) o final do Ensino Médio é uma
ETAPA CRÍTICA do processo educacional [...]; b) o FIM da escolarização básica [...];
e, c) o momento da ESCOLHA PROFISSIONAL e UNIVERSITÁRIA [...]. Para esse
enunciador, a prova do ENEM é o instrumento e o evento que fecha esse ciclo -
sendo que O MAIOR EXAME NACIONAL do país é aplicado nessa época.
No processo de discursivização do documento 2014 é possível perceber o
privilégio da aptidão para leitura e escrita dos estudantes e, também, o
reconhecimento das exigências próprias do ato de ler para a realização dos exames.
Para isso, aponta que “[...] No final dessa etapa de escolaridade, os alunos
PRECISAM ESTAR APTOS para as práticas sociais de LEITURA E ESCRITA, [...]
que SEJAM LEITORES COMPETENTES, CAPAZES DE RESPONDER [...] às
EXIGÊNCIAS da sociedade”. Além disso, “é nesta etapa que os alunos COMEÇAM
a se preparar para suas ESCOLHAS PROFISSIONAIS [...] e para PRESTAR O
MAIOR EXAME do Brasil [...] (2014)”.
Percebemos que os dois enunciadores, anteriormente analisados, instituem-
se na defesa de que o ENEM é o maior exame brasileiro da educação básica e que
uma das competências mais requisitadas desse exame é, efetivamente, a leitura.
Para o EUc/EUe (2013) “[...] a leitura É CONSIDERADA uma COMPETÊNCIA
DE CARÁTER TRANSVERSAL, com INCIDÊNCIA SOBRE TODAS AS OUTRAS
„DISCIPLINAS‟ escolares e impacto para a vida do cidadão e do país”. Esse aspecto
revela a necessidade de se responsabilizar toda a comunidade escolar para a
prática da leitura. Já o EUc/EUe (2014), considera “[...] a leitura como uma
COMPETÊNCIA EXIGIDA dos alunos e que PRECISA SER MUITO EXPLORADA
no ambiente escolar. A leitura é uma HABILIDADE [...] NORTEADORA das
avaliações, e que INFLUENCIA no desenvolvimento dos alunos, pois PERPASSA
POR TODAS AS DISCIPLINAS estudadas na escola”. Analisando o posicionamento
discursivo documento 2013 e 2014 relativamente à leitura, é possível inferir que
esses enunciadores compreendem a leitura como uma atividade de natureza
108
interdisciplinar e de suma importância para os desafios que se impõem à vida social
dos estudantes.
Como percebemos e como já foi expresso, os enunciadores ressaltam, em
seu posicionamento discursivo, ser importante considerar as condições de produção
de um texto e também os objetivos de leitura do leitor. Nesse sentido, eles
concordam com um tipo de encaminhamento pedagógico para o desenvolvimento da
leitura. Ambos também concordam que a situação “teste” e/ou de “conteúdos” da
matriz limitam a compreensão da atividade leitora dos alunos. Neste sentido, a
concepção de leitura assumida54, paradigmaticamente, no documento é que: a
atividade de leitura deve ser entendida como um processo interativo durante o qual
envolvemos todas as nossas capacidades, inferindo, imaginando, interpretando
implícitos, identificando e atribuindo propósitos aos textos/ interlocutores numa
comparação de situações.
Na seção a seguir, nos dedicaremos a apresentação da análise de quatro
questões propostas nos exames – sendo duas de 2013 e duas de 2014. Nosso
interesse é descrever algumas ações de leitura dos alunos projetadas a partir da
análise dessas questões e identificar concepções de leitor e de leitura que nelas se
inscrevem.
4.3 Análises de modelos de questões constituintes dos documentos de
divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB 2013 e 2014.
Ao analisar as questões que constituem os instrumentos do SIMAVE/PROEB
2013 e 2014, percebemos que o EUc/EUe – SEE/MG – ao apresentá-las, tem o
intuito de comentar, analisar, informar, convencer e avaliar o seu interlocutor. Ao
realizar essas ações discursivas, no entanto, não se coloca como um simples
avaliador, pois se ocupa, inicialmente, de apresentar e comentar as questões que
tiveram algumas (ir)regularidades e que, possivelmente, possam ter interferido no
desempenho geral dos estudantes. Desse modo, busca convencer o outro
(comunidade escolar), a assumir determinadas atitudes e posturas através de seus
comentários e análises. Assim, o TUi/TUd – comunidade escolar / professor(es) – é
convocado a se apropriar dessa ação, para que, a partir dela, possa construir outras
54
Isto porque os posicionamentos assumidos ao longo do documento ecoam as determinações do texto do PCN de Língua portuguesa.
109
ações que potencializem resultados positivos nos próximos exames, procurando
sanar as deficiências apontadas pelas análises/comentários.
Como forma de sintetizar, de maneira esquemática, a configuração do Ato de
Linguagem que instancia a situação de “análises/comentários” das questões para
o(s) educador(es) /pedagogos nos anos de 2013 e 2014, apresentamos o quadro a
seguir:
Figura 8 - Ato de Linguagem - Situação de exame
Ato de Linguagem – Situação de exame
(questões do exame) 2013/2014
EUc (SEE)
EUe (Propositor/ Avaliador/ (Analista
55)
TUd (Educador(e)(s)
Equipe pedagógica)
TUi (Comunidade
escolar)
Circuito Interno (dizer)
(Fazer-crer)
Circuito Externo (fazer)
(Fazer-saber)
Fonte: Adaptado pela autora de Charaudeau (2009, p. 77).
Em busca de cumprir objetivo previsto para essa pesquisa, selecionamos
para fins da análise 04 (quatro)56 questões, representativas dos instrumentos dos
instrumentos de avaliação propostos pelo SIMAVE (2013 e 2014). O critério da
escolha foi a partir das análises dos gráficos de 2013 e também pelo formato de
elaboração que pode ter influenciado no desempenho do processo de resolução e
consequentemente no seu resultado.
55
O papel de analista/especialista justifica-se, na medida em que, ao final da apresentação de cada exemplo de questão no documento, apresenta-se uma análise e comentários relativos a ações e conhecimentos esperados por parte do aluno.
56 Nesta pesquisa, em função dos seus objetivos e dos limites próprios de sua realização, faremos a
análise de apenas 04 (quatro) questões, 02 (duas) referente ao ano de 2013 e 02 (duas) de 2014.
110
4.3.1 Análise da questão 01
Fonte: Revista Pedagógica, 2013, p. 50.
De acordo com o documento de parametrização do exame, a questão em
análise é um item que avalia a habilidade de o aluno “interpretar texto que conjuga
linguagem verbal e não verbal” (D-8) que se encontra inserido no tópico II –
Implicações do suporte, do gênero e/ou do enunciador na compreensão do
texto. Para isso, o aluno/leitor deverá relacionar informações identificadas e
construídas em ambas linguagens, em busca de construir o sentido pretendido.
Na cena comunicacional em questão, observamos que o EUc (SEE-MG) –
projeta-se em um EUe (avaliador), ao propor a pergunta – “QUAL É O PROVÉRBIO
QUE MELHOR TRADUZ O SENTIDO DESSE TEXTO?”- projeta seu TUd –
(avaliando), a fim de verificar sua aprendizagem, testando sua habilidade leitora.
Para isso o EUc-EUe - (SEE-MG/Avaliador) - se apropria de um gênero textual como
suporte/apoio – “tirinha” – utilizando a imagem de uma brincadeira infantil conhecida,
111
popularmente, como “telefone sem fio”57, atualmente, não muito praticada.
Ao iniciar a questão, o enunciador faz uso de um enunciado diretivo,
orientando a necessidade da leitura do texto, através do comando – “LEIA O TEXTO
ABAIXO.” Logo após, é solicitado que o avaliando relacione a sequência de ações
da brincadeira infantil, com o provérbio que melhor traduziria o sentido desse texto.
Nesse caso, o propositor/avaliador da questão, apresenta 04 (quatro) alternativas
que podem estar relacionadas ao texto. Segundo o avaliador, apenas uma
alternativa deve ser a considerada a correta. No entanto, analisando, a natureza das
alternativas, seu modo de construção, a partir da utilização de sintagmas verbais
como – na alternativa A: “aprenda – transgrida”, na alternativa B: “pense - fale”, na
alternativa C: “aumenta um conto”, na alternativa D: “ri –ri”- parece-nos coerente
afirmar que esses sintagmas visam conduzir à atenção do leitor para estabelecer
relações diretas e/ou indiretas com a configuração visual da tirinha, e a produção de
inferências lhe permitam eleger a alternativa adequada.
A tirinha estrutura-se a partir de elementos verbais e não-verbais,
sequenciadas em quatro momentos que pretendem representar a brincadeira infantil,
“telefone sem fio”. É interessante observarmos que as cenas da tirinha representam
um conjunto de crianças sentadas, próximas uma às outras, em círculo e em
posições idênticas, sussurrando um enunciado indicado pela sequência de sinais
gráficos, apresentados dentro dos balões, representando os elementos sonoros que
é a mensagem inicial da brincadeira.
De acordo com a análise apresentada pelo documento de orientação do
exame – Revista Pedagógica 2013, essa é uma questão considerada no nível
Padrão de Desempenho como intermediária. Em consonância com o documento:
Nesse nível, esses alunos já interagem com textos expositivos e argumentativos com temáticas conhecidas e são capazes de identificar informações parafraseadas e distinguir a informação principal das secundárias. [...] No que se refere à intertextualidade, fazem a leitura comparativa de textos que tratam do mesmo tema, revelando avanço no tratamento das informações apresentadas. (Revista Pedagógica, 2013, p. 43).
57
A brincadeira do telefone sem fio é uma tradicional brincadeira popular que funciona assim: numa roda de muitas pessoas, quanto mais pessoas mais engraçado ela fica, o primeiro inventa secretamente uma palavra e fala - sem que ninguém mais ouça - nos ouvidos do próximo (à direita ou à esquerda). Assim, o próximo fala para o próximo e assim por diante até chegar ao último. Quando a corrente chegar ao último esse deve falar o que ouviu em voz alta. Geralmente o resultado é desastroso e engraçado, a palavra se deforma ao passar de pessoa para pessoa e geralmente chega totalmente diferente no destino.
112
A partir do recurso das imagens, ao representar: a forma como as crianças
estão sentadas, a direção apontada através de setas para a transmissão da
conversa, algumas expressões faciais das crianças e a leitura dos balões, o EUc-
EUe – (SEE-MG), como avaliador, tem uma expectativa que o TUi – (Aluno), o
avaliando, assinale a resposta considerada correta que é a alternativa C – QUEM
CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO.
Como podemos observar pelo gráfico a seguir 54,3% dos estudantes que
realizara o exame optaram pela alternativa considerada correta.
Gráfico 1 - Gráfico da questão 01
Fonte: adaptado pela autora de SEE-MG, Revista Pedagógica, 2013, p. 48.
Visto que o EUc/EUe – (SEE-MG/Avaliador) considera que somente a
resposta C é a que melhor traduziria a relação solicitada no enunciado, espera-se
que esse aluno tenha conhecimento do que seja um provérbio e que também
consiga estabelecer relação entre um determinado provérbio e a tirinha. Para ler e
compreender proficientemente, a questão, o aluno/leitor precisa mobilizar o
conhecimento do que seja provérbio e do que seja a brincadeira infantil “telefone
sem fio”. Sabemos que o provérbio é, comumente, uma prática discursiva utilizada
no meio rural e/ou por pessoas mais velhas, isto porque, o provérbio caracteriza-se
como uma narrativa condensada que inscreve e representa valores da sabedoria
popular; que atualmente parece se encontrar em desuso como prática discursiva
realizada por jovens em contextos sociais tipicamente urbanos. Podemos afirmar,
ainda, que a brincadeira “telefone sem fio” já não é tão praticada e que, mesmo que
113
o fosse, não teríamos como garantir que as „pistas‟ no texto seriam suficientes para
entender que se trata dessa brincadeira em particular.
Frente à configuração semiótico-discursivo da questão em análise, o
avaliando pode, em tese, reconhecer, em quase todas as alternativas possibilidades
de respostas corretas. Isso é o que ocorreu com 9,6% dos alunos/avaliados na
alternativa A - APRENDA TODAS AS REGRAS E TRANSGRIDA ALGUMAS. O
aluno que assinalou tal questão parece ter percebido nitidamente que havia uma
regra e que essa regra parece ter sido transgredida, a partir da seguinte sequência
de ações: a) o TUi observa que no segundo balão, existe uma alteração de uma
letra em relação ao primeiro – ABCDE → ABZDE ; b) no segundo quadrinho, ocorre
sequencialmente a alteração de um elemento do segundo quadrinho, em relação ao
primeiro – ABZDE → ABZTE –, e assim sucessivamente – VDZQB ≠ ABCDE. Isso
porque os interlocutores, nessa situação, parecem reconhecer que existe uma regra
– “ALTERE UM ELEMENTO”. Desse modo por se tratar de 08 (oito) participantes,
nessa cena, ao final, o resultado da sequência fônica será transgredida totalmente,
isto é, como observado pelo avaliando, a regra foi realmente aprendida, a partir da
alteração de um elemento – ABCDE → ABZDE → ABZTE → [...] → VDZQB ≠
ABCDE.
Já na alternativa B - PENSE RÁPIDO, FALE DEVAGAR. Os 27% dos
alunos que a consideraram e assinalaram como correta, provavelmente, utilizaram
para resolução da mesma, as estratégias de relacionar o elemento “pensar” e o
elemento “falar” na configuração semiótica dos balões, observamos que um
representa o sussurro – linhas pontilhadas – e o outro representa o pensamento –
linhas curvas imitando nuvem e projeção de bolinhas. O TUi também parece
considerar significativo os modalizadores -“RÁPIDO" e “DEVAGAR”- como estratégia
contrastantes comum em provérbios. Como por exemplo: “Quem MUITO quer,
NADA tem”. A relação contrastiva é feita tanto pelo verbo quanto pelos advérbios.
Desse modo, usando a lógica, as expressões “pensar rápido” e “falar devagar”
podem ser assumidas por alguns avaliados como um provérbio.
Quanto à alternativa D – QUEM RI POR ÚLTIMO, RI MELHOR. – Desses
7,2% dos alunos que assinalaram essa alternativa, parece que optaram por uma
possível estratégia utilizada para a resolução da questão, que foi construída a partir
do elemento aspecto-semblante das crianças participantes da brincadeira, que é
visivelmente destacado no último quadrinho – “todos sorrindo” - enquanto que nos
114
demais quadrinhos aparecem todos sérios. Sendo assim, esses alunos,
consideraram, que, de fato, “QUEM RI POR ÚLTIMO RI MELHOR” representa um
provérbio popular.
Quanto aos alunos que assinalaram a questão considerada correta pelos
agenciadores/propositores, alternativa C – QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA
UM PONTO - uma maioria de 54,3% conseguiram reconhecer no texto, ao conjugar
a linguagem verbal e não-verbal e, através das poucas pistas fornecidas pelo texto,
que houve uma alteração na mensagem inicial para a mensagem final. Também
conseguiram relacionar essa alteração com o provérbio que melhor traduziria o
sentido do texto. Esses alunos demonstraram ter uma concepção de leitura, mais
aguçada e perceptual.
A análise aqui realizada nos permite flagrar uma concepção de leitor e de
leitura em fator sócio-cultural do que seja provérbio e brincadeira “telefone sem fio”
é importante para a resolução da questão. Além disso, pretendemos ter
demonstrado que o fato de alguns alunos marcarem a alternativa A, B ou D também
revela a importância do fator sócio-cultural em sua escolha.
Neste momento, retomamos a Mari (1999) para explicar melhor o argumento
apresentado anteriormente. Segundo o pesquisador, reconhecer a importância da
relação [conhecer] → [ler] é considerá-la condição básica para qualquer realização
processual do ato de ler. Esse é um argumento que precisa ser considerado,
especialmente, quando o processo de construção de sentido se dá no contexto das
avaliações de larga escala ou sistêmicas, que se estruturam, geralmente, com base
em questões objetivas. Essas avaliações, via de regra, por privilegiar uma única
resposta, uma perspectiva diretiva de interpretação das informações ali
apresentadas, exige que o sistema perceptual do estudante/leitor seja/esteja
“simétrico” ao do autor que propõe a questão, fato que merece reflexão crítica (e que
pode merecer até contestação) quando o assunto é leitura.
Sobre o assunto, Mari enfatiza que
Qualquer atividade que o homem exerce, ele faz por conhecer, de algum modo, instrumentos, objetos, circunstâncias e meios para sua execução. Assim, podemos afirmar de modo mais determinante uma inversão constante entre as categorias: Conhecer e Ler. Da mesma forma que ler pode ser uma condição para conhecer, conhecer também pode ser uma condição para ler. (MARI, 1999, p. 191).
115
O autor assevera que ter conhecimento de um fato significa ser capaz de
identificar uma situação de realidade na qual as relações entre certos objetos
tornaram-se independentes das circunstâncias enunciativas que são usadas para
expressá-las.
Um fato contém uma existência independente de atos linguísticos que podem ser usados para asseverá-lo [...] A natureza fenomênica de um fato não o torna objetivamente disponível para qualquer sujeito, nem faz dele uma percepção universal ainda que haja muitos fatos que devam ser traduzidos precisamente pelo teor universal que assumem. (MARI, 1999, p. 195-196).
Em diálogo com Mari (1999), para a análise da questão em estudo,
acreditamos ser coerente afirmar que, um dos fatores considerado principal, para
que o aluno consiga produzir sentido que lhe permita acertar a questão é “conhecer”
a brincadeira infantil “telefone sem fio” e conhecer provérbios da cultura popular
brasileira, seu uso e objetivos sociodiscursivos, só assim poderá entender os
propósitos da questão. Como já mencionado, essa e outras circunstâncias
conduzem o aluno, no processo de leitura, a acertar/ou não a questão.
Nesse momento, optamos por retomar também Solé (1998), quando defende
a necessidade de que a escola não ensine somente a decodificar sinais gráficos, a
identificar informações linguísticas no corpo do texto, mas também utilize outras
estratégias em busca do aprimoramento das habilidades leitoras. Segundo a autora,
quando se aprende o código linguístico, o indivíduo não se deve se restringir a
utilizar esse código, mas também necessita manipulá-lo, de forma criativa, e refletir
criticamente sobre ele. É essa reflexão que permite o indivíduo ir além das regras
próprias do código, ou seja, da palavra escrita, do seu som e outros aspectos que a
constituem. Para Solé (1998, p. 52), essa reflexão precisa, inclusive, garantir ao
estudante o direito de “desenvolver certa consciência metalinguística para
compreender os segredos do código”.
Assumindo o desafio de analisar questões representativas dos exames que
constituem o SIMAVE 2013 e 2014 discutiremos mais uma questão em que,
também, percebemos que a relação entre [conhecer]→[ler] é preponderante para o
processo de construção de sentido e para o acerto ou não da questão.
116
4.3.2 Análise da questão 02
Leia o texto abaixo.
De onde vieram os tomates?
A história do tomate é cheia de rumores, boatos e especulações, mas uma coisa é
certa: essa fruta vermelha favorita de muita gente (sim, o tomate é uma fruta) não
tem sua origem na Itália. Apesar do fato de ser um ingrediente essencial para
massas, pizzas e saladas, o tomate é originário do México e da América Central.
O tomate em sua forma original, no entanto, não tinha nada a ver com esse globo
vermelho que nós conhecemos e adoramos hoje em dia. Tratava-se de uma
pequena fruta perfumada (imagine algo como o tomate cereja) que os grupos
nativos americanos combinavam com ―ahi‖, um tipo de pimenta para fazer um
molho bem temperado. Embora os nativos americanos o tenham consumido por
séculos, os tomates rapidamente ganharam uma má reputação nas Américas. Os
colonizadores acreditavam que o tomate era venenoso e nenhum ascendente
europeu se atreveu a comer a fruta até o início do século 19 – com medo de morrer. Na verdade, credita-se à Fundação Americana Padre Thomas Jefferson o início do
cultivo de tomate para consumo nos Estados Unidos. Os registros de Jefferson
contam que ele plantava a fruta todos os anos em seu ―Garden Kalendar‖ que
manteve de 1809 a 1824. Talvez essa seja a primeira referência escrita do cultivo de
tomate pelos colonizadores do Novo Mundo e que foi publicada nas ―Notas sobre o
Estado da Virgínia‖, em 1787. Seus registros meticulosos indicavam que ele
frequentemente vendia seus tomates em mercados de Washington, além de
apresentar diferentes usos para o mesmo em sua coleção pessoal de receitas.
Disponível:http://lazer.hsw.uol.com.br/origemtomates.htm.acesso/em:13/01/2011.Fragmentos/
(120603ES-SUP)
(P120603ES) No trecho ―(sim, o tomate é uma fruta)‖ (ℓ. 2), os parênteses indicam
A) explicação de um termo. B) especificação de um fato. C) conceito de um especialista. D) observação irônica. E) comentário do autor.
Fonte: MINAS GERAIS. SEE-MG, Revista Pedagógica, 2013, p. 50.
Em consonância com os parâmetros adotados pelo SIMAVE 2013, essa
questão avalia a habilidade de o aluno “reconhecer o efeito de sentido decorrente do
uso de determinado sinal de pontuação” (D21) do tópico V- Relações entre recursos
expressivos e efeitos de sentido. Para avaliação dessa habilidade, seria necessária
a identificação dos significados que a pontuação (parênteses) adquire em
determinados contextos.
Nesse caso, o texto, utilizado como elemento de análise pelo aluno, é uma
reportagem que discorre acerca de uma curiosidade sobre a origem do tomate. Por
se tratar de um texto de caráter informativo, é fácil perceber que sua função
comunicativa é informar sobre um determinado assunto; no caso, sobre a origem do
117
tomate. A questão é considerada de média compreensão para os alunos dessa
etapa de escolarização, por isso, de acordo com o documento 2013, ela está
inserida no Padrão de Desempenho Intermediário, sendo ele:
Um padrão em que se encontram habilidades mais complexas, que exigem dos alunos/leitores uma maior autonomia de leitura em face das atividades cognitivas que lhe são exigidas e dos textos com os quais irão interagir. (Revista Pedagógica, 2013, p. 43).
O Euc-EUe inicia a questão com um enunciado diretivo, orientando o TUi
sobre a necessidade da leitura do texto, através do comando – “LEIA O TEXTO
ABAIXO”. Ao observarmos o título do texto, em forma da pergunta, – “DE ONDE
VIERAM OS TOMATES?” – esse parece orientar o leitor para uma ideia de que será
feita uma descrição informativa sobre a origem do tomate, para que se chegue a
uma suposta resposta à pergunta (De onde vieram os tomates?). O que percebemos
é que o EUc/EUd (SEE-MG/avalidaor) ao se dirigir ao seu TUi/Tud (aluno/leitor)
através do comando – “No trecho ―(sim, o tomate é uma fruta)‖ (ℓ. 2), os
parênteses indicam‖ – exige desse aluno, identificar a função dos parênteses no
trecho e, dessa forma, a habilidade de voltar ao texto e contextualizar o uso desse
sinal de pontuação. Desse modo, o aluno, além de ter que reconhecer o uso dos
parênteses, também deve perceber, dentre as alternativas, aquela que mais
convém, no caso específico, aquela que descreva melhor a função dos parênteses.
Assim, os que não entenderam a intencionalidade do enunciado que se encontra
entre parênteses e o porquê desse enunciado estar entre parênteses, também, terão
dificuldades para escolher a alternativa, pois todas alternativas parecem conduzir ao
acerto.
Podemos perceber isso mais claramente através da análise do percentual de
acerto em questão, que pode ser constatado no gráfico a seguir.
118
Gráfico 2 - Gráfico da questão 02
21,7% de acerto
A
34%
C
5%
D
15%
E
22%
B
24%
Fonte: adaptado pela autora de SEE-MG, Revista Pedagógica, 2013, p. 52.
Observamos que os alunos que assinalaram a alternativa A – EXPLICAÇÃO
DE UM TERMO – nesse caso, uma maioria de 34,0% entendeu, com certa lógica,
que poderia ser sim, uma explicação do termo tomate classificando-o como uma
fruta. Essa compreensão se deveu ao fato de esses alunos, talvez, não
reconhecerem outros usos para os parênteses e, assim, entenderem que o trecho
entre parênteses estivesse explicando um termo. Uma resposta que pode ser
considerada também correta, pelo fato de os parênteses poderem estar, nesse caso,
”explicando” que o termo “TOMATE‖ refere-se a uma fruta.
Quanto aos alunos que assinalaram a alternativa B – ESPECIFICAÇÃO DE
UM FATO – um número considerável de 23,7%, provavelmente, também não
poderiam ser considerados errados. O trecho entre parênteses também poder ser
interpretado com o objetivo de estar especificando o fato de “TOMATE SER UMA
FRUTA”.
Os alunos que assinalaram a alternativa C – CONCEITO DE UM
ESPECIALISTA – uma minoria de 5,3%, provavelmente, acreditaram que o uso dos
parênteses confirmaria uma ideia apresentada pelo autor e, dessa forma, deveria ser
a citação de algum especialista no assunto, com a função de dar mais credibilidade
à afirmação do autor. Embora menos aceitável, nessa perspectiva, a alternativa não
seria definitivamente descartada pelo leitor.
Quanto aos alunos que marcaram a alternativa D – OBSERVAÇÃO
IRÔNICA – um número de 14,4%, possivelmente, entenderam que pelo fato de o
119
EUC-EUe projetar a palavra “SIM”, no início da frase, deveria ser no sentido com
conduzir TUi (leitor) a inferir que os parênteses foram utilizados com o objetivo de
fazer um comentário irônico. Percebemos, também, que o efeito do advérbio “SIM”,
no início do enunciado, talvez tenha permitido ao leitor, de alguma forma, aproximá-
lo do contexto de uma pergunta subentendida e de uma resposta, possivelmente,
hilária, risível ou absurda. O que nos permite perceber, também, que essa é uma
alternativa que não podemos desconsiderar como, possivelmente, correta.
E, por fim, os alunos que assinalaram a alternativa E – COMENTÁRIO DO
AUTOR – um número de 21,7%, ao considerarem como correta, perceberam que os
parênteses foram utilizados para marcar um COMENTÁRIO DO AUTOR. Esse
comentário parece ter o objetivo de reafirmar uma informação que pode não fazer
parte do senso comum do leitor, ou seja, poucas pessoas têm conhecimento de que
o tomate é uma fruta. Observamos que, nesta questão, o percentual de acerto foi
bem abaixo do esperado, tanto pelo nível da questão, como para a etapa de
escolaridade. Esse número parece ser, no entanto, justificável pelo modo como a
questão foi estruturada e o conteúdo que lhe foi aferido – RECONHECIMENTO DO
EFEITO DE SENTIDO DECORRENTE DO USO DOS PARÊNTESES. Geralmente,
se trabalha nas praticas de leitura, em sala de aula, somente com o efeito de sentido
canônico dos sinais de pontuação.
Para compreender o movimento de leitura realizado pelos estudantes no
processo de análise dessa questão, optamos por retomar Koch e Elias (2014).
Segundo os pesquisadores, o texto é lugar de interação de sujeitos sociais, os quais,
dialogicamente, nele se constituem e são constituídos; e, por meio de ações
linguísticas e sociognitivas, constroem objetos de discursos e propostas de sentido.
Cabe aos leitores operarem escolhas significativas entre as múltiplas formas de
organização textual e as diversas possibilidades de seleção lexical que a língua põe
à disposição. As pesquisadoras afirmam, ainda, que os textos, em geral, trazem uma
gama de implícitos, que somente podem ser detectáveis pela mobilização do
contexto sociocognitivo no interior do qual se movem os atores sociais.
Com base nesses argumentos, frente à análise da questão 02, podemos
constatar que o EUc-EUe, ao propô-la, não parecem considerar dois aspectos
importantes em termos da instauração/projeção do TUi-TUd, no que tange à prática
de leitura na escola.
120
1- As leituras que nossos alunos estão acostumados a fazer ainda são
leituras canônicas centradas em textos que a escola quer que seus alunos
leiam (Kleiman 1989). São leituras que não despertam análise de
pequenos detalhes em um texto, como, por exemplo, no caso específico da
questão 2, reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso do parêntese
num determinado contexto.
2- Nenhuma leitura tem obrigação de ser perfeita, simétrica (MARI, 1999) e
detalhes como função do uso do parêntese, em determinadas situações,
podem adquirir diferentes significações.
Como vimos no capítulo teórico, para Koch e Elias (2014), a leitura de um
texto exige muito mais que o simples conhecimento linguístico compartilhado pelos
interlocutores, exige também mobilizar uma série de estratégias de ordem linguística
e de ordem cognitivo-discursiva, com a finalidade de levantar hipótese, validar ou
não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta,
participando assim, de forma ativa da construção do sentido.
Na contramão dessa perspectiva, a partir da análise das duas questões
anteriores, representativas do SIMAVE 2013, o ato de ler corre o risco de tornar-se
uma atividade de natureza essencialmente formal, que busca - e, em tese, deveria
permitir - verificar o grau de compreensão do texto. Como isso se dá, apenas, pela
capacidade de reconhecimento das respostas às perguntas apresentadas ao
estudante/leitor, a pergunta que podemos nos fazer, como pesquisadores e como
professores, é se a atividade leitora, dessa forma proposta e avaliada, estaria em
consonância com as concepções de leitura e de leitor que parametrizam os
documentos do Sistema de Avaliação em estudo. A resposta, me parece, é negativa,
mas defendê-la, de forma mais consistente e aprofundada, exigiria a análise outras
tantas questões, o que, nesta pesquisa, em função dos seus objetivos e dos limites
próprios de sua realização, não será investigado.
A partir da análise das duas questões anteriores, é possível concluir,
preliminarmente, que, quando se exige a prática da leitura em exames de larga
escala parece haver um movimento pedagógico-discursivo que privilegia um antigo
paradigma, para o qual questionários (perguntas/respostas) exercem fundamental
importância. Essa atividade, quase sempre é definida em termos de identificar como
resposta informações que estão explícitas nos textos, não valorizando as que estão
121
implícitas ou outros aspectos que compõe um melhor entendimento para o texto.
(KLEIMAN, 1989). Outro aspecto a ser considerado é que algumas práticas de
leitura, propostas no âmbito escolar e pelos agenciadores dos documentos de
divulgação dos resultados, parecem não compreender a leitura como uma atividade
sociointerativa e também não considerar que a relação que se estabelece entre o
leitor e o texto, determina diferentes formas de leituras como um fator
preponderante.
Passemos, neste momento, à análise da terceira questão selecionada. Como
dito anteriormente, essa trata-se de uma questão representativa do instrumento de
avaliação de Língua Portuguesa do SIMAVE-2014.
4.3.3 Análise da questão 03
LEIA OS TEXTOS ABAIXO
Texto 1
A morte chega cedo
A morte chega cedo, Pois breve é toda vida O instante é o arremedo De uma coisa perdida. 5 O amor foi começado, O ideal não acabou, E quem tenha alcançado Não sabe o que alcançou. E tudo isto a morte 10 Risca por não estar certo No caderno da sorte Que Deus deixou aberto. PESSOA, Fernando. Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/fpessoa53.html>. Acesso em: 10 mar. 2011.
Texto 2
122
A cura do envelhecimento
[...] A busca pela imortalidade e pela juventude eterna sempre fascinou o homem, único animal que tem consciência da própria morte – e por isso sofre. Mas nunca esteve tão próxima de ser alcançada. Como Ponce de Leóns contemporâneos, os cientistas do século XXI vêm perseguindo a maior causa de morte no mundo: a velhice. Por consequência, as doenças decorrentes dela [...]. [...] A crença de que a ciência e a tecnologia nos permitirão redesenhar o próprio corpo para nos fazer viver muito mais, até indefinidamente, guia uma corrente filosófica chamada transumanismo. Os seguidores do pensamento acreditam que por meio de áreas de conhecimento emergentes como a biotecnologia, poderemos superar a própria condição humana. ―O homem não é o final da evolução biológica, e sim o começo de uma evolução tecnológica‖, afirma o engenheiro venezuelano formado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que já trabalhou para a Nasa, José Cordeiro, grande divulgador do transumanismo na América Latina. Ele acredita que assistiremos à morte da morte – e que não há nada de antinatural nisso. ―O propósito da vida é mais vida. Além do mais, ninguém quer morrer, ainda mais se tiver a oportunidade de não ficar velho‖. A visão de que vale a pena manipular nosso corpo a qualquer custo para ser jovem para sempre encontra olhares críticos. ―Essa pretensão de vida eterna é um erro existencial, uma arrogância do homem em querer inventar uma vida que não é sua. Pois a finitude é um atributo da nossa vida, e é o que a faz ser boa‖, afirma o cientista político Clóvis Barros Filho, professor de Ética da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). ―É uma ilusão narcisista acreditar que se vai viver em gozo eternamente. Ficar dos 60 aos 120 anos curtindo aposentadoria e nunca aceitar o dissolver que é o nosso destino‖, diz a filósofa e terapeuta Regina Favre, de São Paulo, que acredita que a busca pela longevidade sem fim seja fruto da solidão, do desamparo e do medo gerado pelos problemas da velhice e proximidade da morte. Ou como escreveu o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) no conto O Imortal, publicado no livro O Aleph: ―Dilatar a vida dos homens é como dilatar sua agonia e multiplicar o número de suas mortes‖. Galileu. São Paulo: Globo, n. 2351, p. 43, fev. 2011. Fragmento. (P120018EX) No Texto 2, no trecho ―Por consequência, as doenças decorrentes dela...‖ (ℓ. 4-5), o termo destacado refere-se à
A) crença. B) imortalidade. C) juventude. D) morte. E) velhice.
Fonte: Revista Pedagógica, 2014, p. 42.
De acordo com o documento de parametrização do Exame, a questão em
análise é um item que avalia a habilidade de o aluno “estabelecer relações entre
partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem
para a sua continuidade” (D-15) que se encontra inserido no tópico IV – coerência
e coesão no processamento do texto.
O EUc-EUe, ao propor a questão para o TUi, utiliza como objeto de reflexão e
análise dois textos, um de natureza literária, um poema - Texto 1 – “A morte chega
cedo” e um outro, fragmento de um artigo científico – Texto 2 – “A Cura do
envelhecimento”. Após a solicitação diretiva – “Leia os textos abaixo”, o
enunciador propõe, ao seu interlocutor o comando – ―No Texto 2, no trecho „Por
123
consequência, as doenças decorrentes dela...‟ (ℓ. 4-5), o termo destacado refere-
se à‖. Para que essa tarefa seja realizada, o aluno deverá executar várias ações
para chegar a uma resposta adequada. Entre essas ações: voltar à leitura
minuciosa, somente ao Texto 2, especificamente à linha 4-5; ler o trecho utilizado no
comando; observar o termo destacado, no caso, o pronome possessivo ―dela”;
verificar qual das cinco alternativas refere-se ao pronome destacado, que é o termo
determinante para se chegar à resposta considerada correta pelo EUc-EUe.
As alternativas são expressas através de sintagmas nominais, que de alguma
forma, estão situadas ou não, em relação ao pronome destacado pelo comando,
assim posicionados: “A- “crença”, B- “imortalidade”, C- “juventude”, D- “morte”, E,
“velhice.” No processo de estruturação discursiva dessa questão, o que percebemos
é que o Texto 1 - “A morte chega cedo‖, do poeta Português Fernando Pessoa,
que tem como tema - “a morte como ponto final da vida”, parece ter sido
selecionado somente para ilustrar e propor uma reflexão sobre o aspecto científico
da “imortalidade”, abordado no Texto 2, “A cura do envelhecimento”, publicado
na Revista Galileu. Esse que, por sua vez, dedica-se à publicação de artigos
científicos.
De acordo com a análise, apresentada pelo documento de orientação do
Exame – Revista Pedagógica, essa é uma questão considerada no nível Padrão de
Desempenho Intermediário. Em consonância com o documento:
Nesse nível, os alunos demonstram conhecimento acerca das relações estabelecidas por conjunções, preposições, pronomes e advérbios, que constroem um texto coeso e coerente, e geram os efeitos de sentidos pretendidos pelo o autor. (Revista Pedagógica, 2014, p. 41).
Percebemos que, para o aluno assinalar a alternativa correta proposta para
essa questão, adequadamente, deverá identificar o elemento do discurso a que se
refere o pronome demonstrativo e, nessa medida, deverá identificar o termos que
garante ao texto/discurso um processamento coeso e coerente no desenvolvimento
da prática de leitura.
Desse modo, os alunos que assinalaram a alternativa A – ―crença” –
provavelmente, entenderam que, pela sua proximidade com pronome “dela”, esse
elemento referencial estaria estabelecendo uma relação catafórica, de retomada
posterior ao termo, o que possibilitou uma escolha da alternativa incorreta. Esses
alunos demonstraram que, talvez, não tenham uma compreensão (um
124
conhecimento) que lhes permita estabelecer uma relação que se estabelece entre os
termos linguísticos, com o objetivo de evitar repetições.
Já os estudantes que assinalaram a alternativa B- “Imortalidade‖ C-
“Juventude” e D- “Morte‖, provavelmente, reconheceram a relação anafórica
expressa pelo pronome – “dela”, mas não conseguiram associá-lo de acordo com o
sentido coerente que se estabelecem entre essas palavras. Nesse caso, nos parece
que esses alunos foram induzidos, pela proximidade dessas palavras, no primeiro
parágrafo do texto. Outro aspecto relevante, a ser destacado, é que, geralmente,
quando, em avaliações, aparecem textos longos e bastante complexos, como no
caso da questão em análise, o desinteresse pela leitura desses textos se instaura, e,
consequentemente, o entendimento para a resposta considerada correta fica
comprometido.
Aos alunos que optaram por assinalar a alternativa E- “velhice” – mostraram
que foram capazes de estabelecer a relação anafórica adequadamente e que
identificaram, adequadamente, o elemento referencial a que está se referindo ao
pronome “dela”, como forma de estabelecer coesão e coerência. Nesse caso,
designado pelo termo que está imediatamente anterior a esse pronome, ou seja, o
termo “velhice”.
Passemos a análise da quarta e última questão relacionada. Esta é uma
questão representativa do instrumento de avaliação de Língua Portuguesa do
SIMAVE-2014.
4.3.4 Análise da questão 04
Leia os textos abaixo
Texto 1
5
10
Identidade (DUPLA) revelada O olhar enigmático e o sorriso misterioso da Mona Lisa guardam segredos que permaneceram ocultos por mais de 500 anos. Agora, o maior deles – a identidade da modelo retratada por Leonardo Da Vinci – foi aparentemente desvendado, como anunciaram ontem pesquisadores do Conselho Nacional para Valorização do Patrimônio Histórico, Cultural, Arquitetônico e Ambiental da Itália. Depois de fotografar em altíssima resolução a obra, os cientistas encontraram informações que, garantem, levaram à solução do enigma. E a conclusão é tão surpreendente quanto a genialidade de Da Vinci. O rosto visto por 8,5 milhões de pessoas todos os anos no Museu do Louvre, em Paris, é formado pela fusão dos semblantes de uma mulher e de um homem: Lisa Ghirardini, italiana que encomendou o quadro, e Gian Oreno, servo e aluno do pintor, também conhecido como Salai. MELO, Max Milliano. Correio Braziliense. Brasília, 3 fev. 2011. Fragmento
125
Texto 2
Desvendado o segredo de Mona Lisa O enigmático sorriso de ―Mona Lisa‖, pintado pelo mestre italiano Leonardo Da Vinci, parece ter sido desvendado. Pelo menos é esta a convicção da neurobióloga e professora da Harvard Medical School, Margaret Livingstone. No Congresso Europeu de Percepção Visual, que decorreu na semana passada na Corunha (Galiza), aquela investigadora explicou que o sorriso misterioso de Gioconda não passa de uma ilusão óptica. A enigmática expressão parece desaparecer quando fixamos o quadro de frente e reaparece quando o olhar se fixa noutras partes do quadro. Por esta razão, só conseguimos visualizar o sorriso desde que os lábios da ―musa‖ inspiradora de Da Vinci fiquem no nosso campo da visão periférica. Disponível em: <http://monalisasegredo.blogspot.com/2008/07/desvendado-o-sorriso-de-mona-lisa.html>. Acesso em: 7 fev. 2011. Fragmento.
(P121202ES) Uma abordagem do Texto 1 também presente no Texto 2 é A) a identidade secreta de Mona Lisa. B) a ilusão de óptica presente na pintura de Da Vinci. C) o enigmático sorriso de Mona Lisa. D) o público visitante anual do Museu do Louvre. E) o rosto de Mona Lisa ser fruto da fusão de semblantes. Fonte: SEE-MG, Revista pedagógica, 2014, p. 45.
A habilidade avaliada por esse item, por essa questão, privilegia, de acordo
com os descritores, o reconhecimento de diferentes formas de abordagem de
uma informação ao comparar textos que tratam de uma mesma temática –
(D20) do tópico III- Relações entre textos. Para sua composição, foram utilizadas
duas reportagens de curta extensão e vocabulário simples, que tratam de um
assunto voltado ao estudo da Arte, mas de conhecimento universal, tendo em vista
que apresentam informações acerca de uma das telas renascentistas mais
conhecidas em todo o mundo - a obra-prima de Leonardo Da Vinci - Mona Lisa.
De acordo com a Revista Pedagógica (documento 2014), essa é uma
questão/item que se encontra dentro do nível Padrão de Desempenho
Recomendado, que é um nível em que:
Os alunos já conseguem interagir com textos de alta complexidade estrutural, temática e lexical [...]. Portanto, os alunos que se posicionam acima desse ponto na escala de proficiência podem ser considerados leitores proficientes, capazes de selecionar informações, levantar hipóteses, realizar inferências e autorregular sua leitura corrigindo sua trajetória interpretativa quando suas hipóteses não são confirmadas pelo o texto. (Revista Pedagógica, 2014, p. 44).
A proposta apresentada pelo o EUc/EUe (2014) ao se dirigir ao seu TUi/TUd
(2014) através do comando no item: – “Uma abordagem do Texto 1 também
presente no Texto 2 é” – requer dos alunos/leitores uma análise comparativa dos
textos utilizados como suporte/apoio, buscando por meio dessa atividade, que eles
126
reconheçam o traço comum mantido no Texto 2 e no Texto 1. Para essa tarefa,
exige-se do aluno/leitor a habilidade de voltar aos textos e contextualizar a
abordagem comum entre eles e também perceber, dentre as alternativas, aquela
que mais convém, com o que propõe o comando, ou seja, aquela que é considerada
correta para o avaliador. Dessa forma, quem que não compreender o que exige a
questão, a “abordagem” de cada texto, também não compreenderá o que esses
textos, em tese, têm em comum58.
Como forma de explicitar o objetivo da questão, o EUC-EUe inicia-se com um
enunciado diretivo, orientando a necessidade da leitura do texto, através do
comando – “LEIA OS TEXTOS ABAIXO” – Parece-nos que ao fazer uma leitura
atenta aos títulos dos textos, – “Identidade (DUPLA) revelada‖ e ―Desvendando o
segredo de Mona Lisa” haver uma orientação ao aluno/leitor de que será feita uma
descrição informativa sobre o enigma/problema, acerca da obra-prima de Da Vinci –
Mona Lisa – através dos termos – “IDENTIDADE REVELADA” e “DESVENDANDO
O SEGREDO” Ressaltando ser um assunto – IDENTIDADE DE MONA LISA –
discutido e abordado em diferentes meios de comunicação, podemos inferir que a
abordagem comum, nos dois textos, parece não ser tão difícil de ser percebida.
Assim, os alunos que assinalaram a alternativa C – “o enigmático sorriso
de Mona Lisa.‖, sinalizaram perceber que o ponto comum entre as duas
reportagens é a informação a respeito do SORRISO ENIGMÁTICO DA MONA LISA
– assunto que permeia várias discussões artísticas ao longo da história humana.
Esses alunos também além de ter lido os dois textos com a devida atenção para
captar a abordagem comum, demonstraram ter certa uma leitura de mundo e de
assuntos atuais e/ou culturais.
Já os alunos que assinalaram a alternativa A- ―a identidade secreta de
Mona Lisa‖, fundamentaram-se em informações presentes somente no Texto 1,
com o título ―Identidade (Dupla) revelada”. Esses alunos não revelaram ter
conhecimento da obra - Mona Lisa - não reconheceram que essa obra tem uma
particularidade – sorriso enigmático – e parecem não ter lido os textos com a
devida atenção para conseguirem captar a ABORDAGEM COMUM entre eles.
Enquanto que os que assinalaram a alternativa E- “o rosto de Mona Lisa
58
Nas questões, que foram aplicadas no exame/teste 2014, não será possível fazer uma análise de resultados quantitativos do desempenho dos estudantes, inclusive, através de gráficos. Isso em função de fato de que essa não foi uma estratégia discursivo-avaliativa adotada pela SEE-MG que optou, somente, por comentar/analisar as questões no geral.
127
ser fruto de fusão de semblante” fundamentaram também suas informações
somente ao Texto 1 e, exclusivamente, ao trecho “... É FORMADA PELA FUSÃO DE
UMA MULHER E DE UM HOMEM...”. Parece que esses alunos, também, não leram
o texto com a devida atenção, não têm conhecimento do aspecto enigmático na obra
Mona Lisa e não conseguiram estabelecer uma abordagem comum entre os dois
textos.
Já os alunos que escolheram a alternativa D- “o público visitante anual do
Museu de Louvre”- parece terem se baseado em outro trecho da reportagem,
também do Texto 1, que informa o número anual aproximado dos visitantes do
Louvre. “[...] O ROSTO VISTO POR 8,5 MILHÕES DE PESSOAS TODOS OS ANOS
NO MUSEU DO LOUVRE, EM PARIS, [...]”. Esses alunos, também, parecem não
saber estabelecer uma abordagem comum entre os dois textos.
Por fim, em relação aos que marcaram a alternativa B – “a ilusão de óptica
presente na pintura de Da Vinci.” , esses centraram especial atenção no Texto 2,
priorizando um argumento da professora de Harvard, Margaret Livingstone, sobre
sua explicação a respeito de uma possível ILUSÃO DE ÓPTICA NO QUE SE
REFERE AO SORRISO ENIGMÁTICO DA MONA LISA, aspecto que aponta para
uma leitura não devida aos textos, sendo assim, não foi possível estabelecer a
abordagem comum entre eles.
O que percebemos, pela análise da questão 4, ora selecionada, é que o
reconhecimento de diferentes formas de abordagem de uma informação ao
comparar textos que tratam de uma mesma temática é (ou deveria ser) determinante
para o processo de leitura e a resolução da questão.
Para Walty (1996), o texto é como se fosse um recorte de uma rede e cada nó
dessa rede só tem significação se for lido por alguém em relações que se(o)
inscrevem em permanente interação com outros textos e com o outro. Para
aprofundar essa reflexão, retomamos Matêncio (2000), para quem as práticas
discursivas de leitura e de escrita são concebidas como fenômenos sociais, que
ultrapassam os limites da escola. Essas são atividades dialógicas em que as
imagens mútuas dos interlocutores são um elemento crucial para os processos que
se realizam na interlocução. Nesse sentido, para a pesquisadora, a função mais
esperada da escola seria propiciar aos alunos caminhos para que eles
aprendessem, de forma consciente e consistente, os mecanismos de apropriação de
conhecimentos E esse conhecimento, é óbvio, vem através da leitura. Não é isso, no
128
entanto, o que ocorre. Os motivos para o descompasso entre o que se espera da
instituição escolar e sua atuação efetiva são muitos (MATÊNCIO, 2000, p. 15).
A partir das análises, realizadas nesta seção, tentamos responder uma
pergunta que (nos) propusemos no início dela: as concepções de leitura e de leitor,
identificadas no processo de encenação discursiva, instaurado nas/pelas avaliações
externas, nem sempre correspondem àquelas identificadas nas práticas de leituras
em sala de aula preconizadas pelos documentos oficiais.
129
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho de investigação, desenvolvido nos capítulos
precedentes, abordamos aspectos da relação entre Ato de linguagem, Leitura e
Sistema de Avaliação Externa. Nossa trajetória apresentou um conjunto de reflexões
e análises do processo enunciativo-discursivo representado sob a forma documentos
de divulgação dos resultados do SIMAVE/PROEB - Sistema Mineiro de Avaliação da
Educação Pública (SIMAVE) e Programa de Avaliação da Rede Pública de
Educação Básica (PROEB), realizadas nos anos de 2013 e 2014.
Nossa finalidade foi descrever os Atos de Linguagem e explicitar as
concepções de leitor e de leitura, subjacentes a esses documentos. Em consonância
com a integração das instâncias teóricas - Enunciação, Ato de Linguagem e Leitura
buscamos explicitar aspectos significantes para o entendimento do modo como os
objetos político-pedagógicos foram construídos referencialmente, sob a forma de
resultados e procedimentos esperados pelos interlocutores envolvidos no Ato de
Linguagem instanciado nos discursos que constituem os corpora investigados.
Esta trajetória caracterizou-se em termos de uma proposta de descrição e
análise de questões e excertos que compõem os documentos. Consideraram-se as
orientações/concepções de leitura/leitor e o modo como estes objetos foram
propostos e constituídos nesses documentos de divulgação de resultados de
avaliação, as Revistas Pedagógicas dos anos de 2013 e 2014.
Em nossa trajetória, adotamos uma divisão em três partes, e as
considerações finais, que sintetizaram o percurso de nossa investigação. Na
primeira parte, apresentamos os fundamentos teórico-metodológicos que nortearam
nossa pesquisa. Na segunda parte, elucidamos o objeto de investigação e os
corpora em análise, sob a forma de descrições e/ou pré-análises. Na terceira parte,
dedicamo-nos à análise dos corpora a partir de três dimensões – Ato de Linguagem,
concepções de leitura/leitor e avaliação.
A partir da proposta de caracterização dos Atos de Linguagem, o dispositivo
enunciativo que regula as ações dos co-enunciadores envolvidos nesse processo,
observamos que o EUc/EUe (SEE-MG) assume uma “multiplicidade” de vozes e,
consequentemente, busca agir sobre uma multiplicidade de interlocutores – TUi/TUd
(Comunidade Escolar). Em síntese, a vantagem de descrevermos os Atos de
130
Linguagem foi que a partir dessa atividade foi possível analisar a produção, e de
certo modo a recepção, dos documentos. Isto porque, ao organizá-los de acordo
com os lugares ocupados pelos parceiros da troca, a natureza de suas identidades,
as relações que instauram entre eles em função de certa finalidade, foi possível
constatar, na comparação dos documentos, uma orientação político-pedagógica
diferente em 2013 e 2014. Apontamos também que na caracterização dos atos de
linguagem deve-se levar em conta que a proposição dos quadros depende,
significativamente, das condições materiais em que se desenvolve a troca
linguageira – por exemplo, na realização do exame. A caracterização dos atos de
linguagem (contratos comunicacionais) foi, portanto, aquilo que garantiu a análise
das ações e intenções dos interlocutores.
Assim, a partir da descrição e análise dos Atos de Linguagem representados
pelos discursos do SIMAVE/PROEB, observou-se que eles se dão da seguinte
forma: documentos (revistas pedagógicas) de 2013 3 2014, o EUc/EUe (SEE-MG)
apresenta o resultado do processo avaliativo das instâncias escolares do estado de
Minas Gerais. Esses resultados são obtidos a partir dos exames aplicados aos
alunos dessas instituições e, posteriormente, enviados a TUi/TUd (comunidade
escolar) – direção, coordenação e docentes. O EUc/EUe exerce o papel de avaliador
do sistema educacional e é responsável por “cobrar” das instâncias alocutivas
(TUi/TUd) ações para o melhoramento dos índices educacionais aferidos pelos
exames. Para isso, o EUc/EUe apresenta/informa os resultados e também propõe
ações que potencialize os trabalhos de TUi/TUd (Comunidade Escolar). Um quadro
político-pedagógico que pretende apresentar as deficiências e traçar ações que
prepare TUi/TUd para um melhor desempenho nos índices aferidos. Dessa forma, o
EUc/EUe espera convencer as instâncias alocutárias a acreditarem no seu
engajamento com a classe e interesse na qualidade da educação no estado. Esta
instância enunciativa desenvolve estratégias discursivas que corroborem para seu
status de especialista (2013), em que se privilegiou os dados quantitativos, e/ou que
simule seu comprometimento com a comunidade escolar, como evidenciado em
2014, em que EUc/EUe enfatiza a importância da participação social de TUi/TUd,
propondo, assim, “ânimo” e dinâmica político-pedagógica.
O enunciador então, assume vários papéis discursivos: avaliador,
especialista, “companheiro”, informante. Mas em todos os casos o efeito que se
131
pretende é de simular-se como benfeitor (afinal, ele afirma desenvolver ações que
potencialize o trabalho dos educadores) e as instâncias alocutárias como
beneficiários das avaliações e ações do EUc/EUe. Todavia, os efeitos gerados em
TUi/TUd podem ser adversos, isto por que, o TUi/TUd pode sentir-se acusado
diretamente pelo fracasso escolar. Ou seja, em função dos múltiplos papeis
assumidos e dos vários interlocutores envolvidos não há um consenso quanto aos
efeitos.
O segundo aspecto que analisamos, é referente às concepções de leitura e
leitor constitutivas nos documentos de avaliação. Nesta perspectiva, adotamos ao
longo de nossa investigação a noção de leitura como uma prática social e
interacional, implicando-nos a considerar documentos de divulgação dos resultados
(sua elaboração, execução e resultado) como artefatos complexos nesse evento
social e político-pedagógico, ao afetar diretamente e/ou indiretamente várias
instâncias (aluno, professor, coordenador, escola, superintendências regionais,
secretarias de educação (...) órgãos internacionais).
Em síntese, a concepção de atividade de leitura defendida pelos propositores
deve ser entendida como um processo interativo, durante o qual, os alunos deveriam
envolver todas as suas capacidades, inferindo, imaginando, interpretando implícitos,
identificando e atribuindo propósitos aos textos/ interlocutores numa comparação de
situações. Grosso modo, eles assumem as mesmas diretrizes das matrizes PCNs e
PCNEM quanto à leitura. Com objetivo não apenas de formação pedagógica, mas,
também, cidadã é que as atividades devem ser pensadas. É nesse ambiente
diverso, sociocultural e politicamente, que as atividades de leitura propostas pelo
SIMAVE/PROEB assumem estatuto central no processo de avaliação e socialização
dos resultados. Elas teriam o função de “raio x” do processo de formação do
aprendiz no estado. As atividades propostas teriam o “poder” de averiguar,
satisfatoriamente, a forma e o nível com que os alunos constroem e aplicam
competências/habilidades de leitura para identificar, comparar e compreender, na
materialidade textual discursiva, o jogo de poder e os posicionamentos assumidos
pelos interlocutores.
Como constatado nas análises, dos excertos e dos modelos de algumas
questões, o exame em larga escala apresenta um dado conflito: avaliar a todos os
132
alunos de várias regiões e de várias realidades com um instrumento de avaliação no
formato de múltipla escolha. E não é só isso, com um instrumento que restringe as
ações leitoras dos indivíduo. Entre essas ações, não apenas o conhecimento
conceitual, mas também a projeção de seus interlocutores, o engajamento ou não na
realização da tarefa. Se por um lado assumir uma concepção de leitura/leitor é
fundamental, por outro existe a necessidade propor instrumentos capazes de aferir
como isso se dá. Não é uma exclusividade do SIMAVE essa limitação, senão de
todo processo avaliativo, que se estrutura fundamentalmente em avaliações
exclusivamente de múltiplas escolhas. Por isso a necessidade de reflexão para o
aprimoramento dos instrumentos. Evidentemente isso representa um custo público
altíssimo para os cofres públicos, porém, só assim teríamos, de fato, uma noção do
desenvolvimento dos alunos.
Assim, como já dito, por mais que se considere, pelo senso comum, caótica a
situação da leitura no Brasil, acreditamos ser necessário investigar criticamente os
documentos/instrumentos(políticos) que se prestam a avaliar pedagogicamente a
proficiência em habilidades/competências de leitura. Em um tempo de intensa
atividade “virtual”, os sujeitos têm escrito e lido como nunca antes. Então,
acreditamos ser necessário que os documentos assumam que a atividade de leitura
pressupõe, não só, a existência de uma pluralidade de sujeitos, cujas identidades se
constroem através de suas relações intersubjetivas, mas também uma pluralidade
de “leituras” em função de um conjunto de interesses. Esses instrumentos político-
pedagógicos, portanto, revelariam certa orientação político-social, por vezes,
conflitante com a realidade da formação escolar e sociocultural do TUi/TUd. Isto
significaria que a base para compreensão do desempenho leitor do aluno não pode
ser considerada apenas pelo resultado quantitativo das notas, mas há de se levar
em conta que existem fatores sócio históricos e uma situação interativa que
influenciam decisivamente na leitura desses resultados.
133
REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia. As várias formas de ler. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, INTERCOM, XXIV, Campo Grande, 2001. Anais ..., Campo Grande: Intercom, 2001a. p. 1-9.
ABREU, Márcia. Diferença e desigualdade: preconceitos em leitura. In: MARINHO, Marildes (Org.). Ler e navegar: espaços e percursos da leitura. Campinas, SP: Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 2001b. p. 139-157.
ANTUNES, Celso. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Papirus,1995.
ANTUNES, Irandé. A aula de português: encontro & interação. 8. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, [1979]/2003.
BAKHTIN, Mikhail; VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, [1929]/2006.
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. Campinas, SP: Pontes, 1988.
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2016.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, n. 248, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 11 abr. 2016.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE: prova Brasil. Ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores. Brasília: MEC, SEB, INEP, 2008.
134
BRASIL. Ministério da Educação. Plano decenal de educação para todos: 1993-2003. Brasília: MEC/UNESCO, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ocem linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. v. 1.
BRASIL. Portaria nº 1.795, de 27 de dezembro de 1994. Sistema nacional de avaliação da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1994. p. 20.767-20.768.
BRITTO, Luiz Percival Leme. A formação do leitor e a construção do cidadão. In: PRADO, Jason; CONDINI, Paulo (Org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999. v. 1, p. 86-91.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999.
CAFIERO, Delaine. Leitura como processo: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005. (Coleção Alfabetização e Letramento).
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 2002.
CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso. Modos de organização. São Paulo: Contexto, 2009.
CHARAUDEAU, Patrick. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, Hugo; MACHADO, Ida Lúcia; MELLO, Renato de (Org.). Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2001. p. 23-38.
CHARAUDEAU, Patrick. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. In: MACHADO, Ida Lúcia; MELLO, Renato de (Org.). Gêneros: reflexão em análise do discurso. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, UFMG, 2004. p. 13-42.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1999.
CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
CHOMSKY, Noam. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix, 1980.
COCCO, Eliane Maria. Olimpíada de matemática das escolas públicas em um município do RS e avaliação em larga escala: possíveis interlocuções. 2013. 161 f. Dissertação - (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Frederico Westphalen, RS, 2013.
135
DELL‟ISOLA, Regina Lucia Peret. Leitura: inferência e contexto sócio-cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Formato, 2001.
DEMO, Pedro. Avaliação qualitativa. São Paulo: Cortez, 1997.
FRANÇA, Robson Luiz de. A reforma educacional em Minas Gerais na década de 90: o impacto da descentralização das políticas públicas de educação no Brasil. 2000. 288 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2000.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, Cortez, 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GARCIA, Ana Lúcia. Gestão da escola, qualidade do ensino e avaliação externa: desafios na e da escola. 2010. 167 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo, 2010.
GATTI, Bernardete A. Avaliação educacional no Brasil: experiências, problemas, recomendações. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 10, p. 67-80, jul./dez. 1994.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GNERRE, Maurizzio. Considerações sobre o campo de estudo da escrita. In: GNERRE, Maurízzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 35-95.
GOMES, Vilma Aparecida. O discurso da avaliação de leitura do PROEB: do equívoco do imaginário à contingência do real. 2004. 186 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2004.
HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2009.
HORTA NETO, João Luiz. As avalições externas e seus efeitos sobre as politicas educacionais: uma análise comparada entre união e estados de Minas Gerais e São Paulo. 2013. 358 f. Tese (Doutorado em Política Social) - Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2013.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 1989.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 1997.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes, 2007.
136
KOCH, Ingedore G. Villaca. Desvendando os segredos do texto. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
KOCH, Ingedore G. Villaca; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2014.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 2001.
LEFFA, Vilson J. Perspectivas no estudo da leitura; texto, leitor e interação social. In: LEFFA, Vilson J.; PEREIRA, Aracy E. (Org.). O ensino da leitura e produção textual: alternativas de renovação. Pelotas, RS: Educat, 1999. p. 13-37.
LOCATELLI, Iza. Construção de Instrumentos para a Avaliação de Larga Escala e Indicadores de Rendimento: o modelo SAEB. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 25, p. 3-21, jan.jun. 2002.
LOPES, Maria Angela Paulino Teixeira. O processamento dêitico na constituição da polifonia. 1998. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1994.
MACHADO, Ida Lucia. Analise do discurso e texto paródico: um encontro marcado. In: LARA, Gláucia Muniz Proença (Org.). Língua(gem), texto, discurso. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006. v. 1: Entre a reflexão e a prática, p. 71-86.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Tradução Freda Indursky. Campinas, SP: Ed. da Unicamp & Pontes, 1989.
MALUF, Mônica Maia Bonel. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica no Brasil: análise e proposições. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 14, p. 5-32, 1996.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Lisboa: Editorial Presença, 1998.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Exercícios de compreensão ou copiação nos manuais de ensino de língua? Revista em Aberto, Brasília, ano 16, n. 69, p. 64-82, jan./mar. 1996.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MARI, Hugo. Sobre algumas condições da leitura: da naturalidade do significante ao
137
conhecimento de intenções. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani. A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 191-216.
MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. A leitura na formação e atuação do professor da educação básica. In: MARI, Hugo; WALTY, Ivete; VERSIANI, Zélia (Org.). Ensaios sobre leitura. Belo Horizonte: Ed. da PUC Minas, 2005. v. 1, p. 15-32.
MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Leitura, produção de textos e a escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2000.
MELLO, Renato de. A relação professor/aluno e o contrato de comunicação. In: MACHADO, lda Lúcia; SANTOS, João Bôsco Cabral dos; MENEZES, William Augusto (Org.). Movimentos de um percurso em análise do Discurso. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso da UFMG, 2005. p. 53-74.
MENEGASSI, Renilson José. Compreensão e interpretação no processo de leitura: noções básicas ao professor. Revista UNIMAR, Marília, v. 17, n. 1, p. 85-94, 1995.
MINAS GERAIS. Resolução nº 113, de 14 de agosto de 2000. Institui a comissão executiva do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública – SIMAVE. Informativo MAI de Ensino, Belo Horizonte, n. 297, p. 19-20, set. 2000.
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. SIMAVE/PROEB: língua portuguesa - 3º ano do ensino médio. Revista Pedagógica, Juiz de Fora, v. 1, jan./dez. 2013. (Anexo A).
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação. Conteúdos básicos comuns/língua portuguesa: ensinos fundamental e médio. Belo Horizonte: SEE, 2008. Disponível em: <crv.educação.mg.gov.br>. Acesso em: 12 abr. 2016.
MORETO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo não um acerto de contas. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
NARDI, Nadia Lúcia. Concepções de leitura e o desafio de ser leitor. Revista Voz das Letras, Concórdia, SC, n. 4, p. 1-7, 2006.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Declaración mundial sobre educación para todos: satisfacción de las necesidades básicas de aprendizaje. Nova York: Unesco, 1990.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Linguagem e seu funcionamento. São Paulo: Brasiliense, 1983.
PAULISTA, Romison Eduardo. Análise dos atos de fala como estratégia
138
discursiva e retórico-argumentativa no discurso político de posse-eleição e posse-reeleição. 2013. 184 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens - entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema Integrado de Bibliotecas. Orientações para elaboração de trabalhos científicos: projeto de pesquisa, teses, dissertações, monografias e trabalhos acadêmicos, conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). 2. ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2016. Disponível em: <www.pucminas. br/biblioteca>. Acesso em: 10 mar. 2016.
POSSENTI, Sirio. As pragas da leitura. São Paulo: FDE, 1994. (Série Ideais, n. 13).
POSSENTI, Sirio. Existe a leitura errada? Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 7, n. 40, p. 114 a 119. , 2001.
POSSENTI, Sirio. Leitura errada existe? In: BARZOTTO, Valdir Heitor (Org.). Estado da leitura. Campinas, SP: Mercado das letras: Associação de Leitura do Brasil, 1999. p. 87-98.
ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
SANTOS, Regina Lúcia Lourindo dos. Sistema nacional de avaliação da educação
básica: uma leitura crítica. 2001. 204 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2001.
SAUSSURE, Ferdinand de ([1916] 1974): Course in General Linguistics . Curso de linguística Geral. 27ª edição. Organizado e editado por Charles Bally e Albert Sechehaye. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2006.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
SOARES, Magda Becker. As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel (Org.). Leitura perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1991. p. 18-29.
SOARES, Magda Becker. Ler, verbo intransitivo. Belo Horizonte, 2002. Disponível em: <http://www.leiabrasil.org.br/leiaecomente/valeoescrito/magda.htm>. Acesso em: 10 fev. 2016.
SOBRAL, Adail. Ver o mundo com olhos do gênero. In: SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do circulo de Bakhtin. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. p. 115-133.
139
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SOUSA, Sandra Maria Zakia Lian. Avaliação escolar e democratização: o direito de errar. In: AQUINO, Júlio Groppa (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997. p. 125-138.
SOUZA, Maria Alba de. A experiência de avaliação educacional em Minas Gerais: 1992 a 1998. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 19, p. 57-76, 1999.
SUASSUNA, Lívia. Linguagem como discurso: implicações para as práticas de avaliação. 2004. 389 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2004.
VAN DIJK, T.A. Cognição, discurso e interação. São Paulo, Contexto, 1992, 207p. (Org. Apres. I.V. Koch)
VIANNA, Heraldo Marelim. Avaliação educacional e o avaliador. 1997. 244 f. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1997.
VIANNA, Heraldo Marelim. Avaliações nacionais em larga escala: análises e propostas. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 27, p. 41-76, jan./jun. 2003.
WALTY, Ivete Lara Camargos. Literatura e escola: anti-lições. In: MARTINS, Aracy Alves; BRANDÃO, Heliana Maria Brina; MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 49-58.
WERLE, Flávia Obino Corrêa. Avaliação em larga escala: foco na escola. Brasília: Liber Livro, 2010.
ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Ed. Senac, 2001.
141
ANEXO A - Revistas Pedagógicas 2013 e 2014
Encontram-se na integra, em um CD, anexo a dissertação.