Concepção de common x gentleman na obra grandes esperanças

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____________________________ 1 Acadêmica do 5º período do Curso de Letras LI da Universidade Estadual Vale do Acaraú UVA. CONCEPÇÃO DE COMMON x GENTLEMAN NA OBRA GRANDES ESPERANÇAS Marta Maria de Sousa Matos 1 RESUMO Este artigo tem por objetivo analisar como se dá o paralelo entre Common e Gentleman na obra Grandes Esperanças de Charles Dickens. Para tanto, verificaremos os relatos do personagem Pip, um garoto pobre, de essência comum, que ao receber dinheiro de um benfeitor anônimo tenta trasnformar-se em um gentleman. Para tal transformação, Pip contará com a ajuda de Herbert, um garoto que nasceu em berço nobre, mas não possui dinheiro para ostentar a riqueza. Este forte contraste está presente do meio da obra até o final, e provoca o leitor para se ater a grande quantidade de auto-análise, muitas vezes de forma dissimulada do autor Charles Dickens no intuito de traçar um retrato ou uma definição do conceito de Gentleman. Dickens tentou toda a vida ser um gentleman, pois o pai ostentava riqueza, mesmo sem a possuir. Dickens foi educado em uma família de classe média, mas que não possuia o suficiente para se manter neste pantamar. Porém, mesmo com a prisão do pai, pelo não pagamento de dívidas, Dickens fez questão de manter por muito tempo essa parte de sua vida em sigilo. E ao começar a ganhar dinheiro com as suas obras, fez grandes esforços para manter-se como gentleman. No decorrer do trabalho analisaremos também a relação em tornar-se um gentleman e se abster de trabalhar. Já que na era vitoriana, época em que se dá o desenrolar da obra, um gentleman era caracterizado como alguém que não tinha necessidade de trabalhar para sobreviver. O personagem Pip, ao receber o dinheiro, não trabalha de forma alguma para aplicar o que recebeu, revertendo em lucros maiores. Veremos os motivos dessa concepção do autor, entre ser gentleman e não necessitar de trabalho para manter-se bem visto pela sociedade. PALAVRAS-CHAVES: Gentleman. Comum. Grandes Esperanças.

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1Acadêmica do 5º período do Curso de Letras – LI da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

CONCEPÇÃO DE COMMON x GENTLEMAN NA OBRA

GRANDES ESPERANÇAS

Marta Maria de Sousa Matos1

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar como se dá o paralelo entre Common e Gentleman na

obra Grandes Esperanças de Charles Dickens. Para tanto, verificaremos os relatos do

personagem Pip, um garoto pobre, de essência comum, que ao receber dinheiro de um

benfeitor anônimo tenta trasnformar-se em um gentleman. Para tal transformação, Pip

contará com a ajuda de Herbert, um garoto que nasceu em berço nobre, mas não possui dinheiro para ostentar a riqueza. Este forte contraste está presente do meio da obra até o

final, e provoca o leitor para se ater a grande quantidade de auto-análise, muitas vezes de

forma dissimulada do autor Charles Dickens no intuito de traçar um retrato ou uma

definição do conceito de Gentleman. Dickens tentou toda a vida ser um gentleman, pois o

pai ostentava riqueza, mesmo sem a possuir. Dickens foi educado em uma família de classe

média, mas que não possuia o suficiente para se manter neste pantamar. Porém, mesmo

com a prisão do pai, pelo não pagamento de dívidas, Dickens fez questão de manter por

muito tempo essa parte de sua vida em sigilo. E ao começar a ganhar dinheiro com as suas

obras, fez grandes esforços para manter-se como gentleman. No decorrer do trabalho

analisaremos também a relação em tornar-se um gentleman e se abster de trabalhar. Já que

na era vitoriana, época em que se dá o desenrolar da obra, um gentleman era caracterizado

como alguém que não tinha necessidade de trabalhar para sobreviver. O personagem Pip, ao receber o dinheiro, não trabalha de forma alguma para aplicar o que recebeu, revertendo em

lucros maiores. Veremos os motivos dessa concepção do autor, entre ser gentleman e não

necessitar de trabalho para manter-se bem visto pela sociedade.

PALAVRAS-CHAVES: Gentleman. Comum. Grandes Esperanças.

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INTRODUÇÃO

Um Gentleman na sociedade vitoriana era um homem com modos,

não especificamente rico, e sim nascido em berço nobre. Sabia de assuntos

variados e despertava comentários interessantes que cativava tanto a

mulheres, como também ao público masculino por sua elegância e classe.

Um homem não se tornava um gentleman, ele nascia um, e não tinha

necessidade de trabalhar para viver.

Um perfeito gentleman na obra Grandes Esperanças era Herbert,

este foi incubido de ajudar Pip a tornar-se um gentleman. Pip era um garoto

pobre, de origem comum, que tinha um futuro traçado, tornar-se um ferreiro

e trabalhar na ferraria do cunhado Joe. Mas, ao receber uma fortuna de um

anônimo deixa esses planos de lado e vai morar em Londres para se educar

e aprender a ser um gentleman, assim como ele mesmo relata “O pai de

Herbert aconselhou-me a frequentar certos lugares em Londres, para

aaquisição dos mínimos rudimentos do que eu precissasse”. (Cap. 24, p.

224.).

Pip jamais havia percebido que era diferente das outras pessoas, que

o tratavam com certa indiferença, ele era satisfeito com seu destino de

tornar-se um ferreiro. Mas tudo muda na visita feita à Miss Havisham,

quando Pip é humilhado por Estella,

“Disse Estella, com desprezo ___ e que mãos grosseiras ele

tem! E as botas! Trabalhadorzinho estúpido e desajeitado [...]

Eles nunca haviam me incomodado antes, mas agora tais

apêndices vulgares me incomodam. […] Senti-me tão humilhado, ferido, agredido, insultado, com raiva, pesaroso.”

(Cap. 08, p. 82 – 84).

Até aquele momento Pip não tinha idéia que ele era diferente, tinha

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um estilo de vida completamente oposto ao de Estella. E então começa a se

incomodar pelo motivo de estar mal vestido e não saber se expressar de

forma adequada. Ele passa a sentir vergonha de si próprio, da sua família e

do modo como vive, mas não ver outro caminho a ser percorrido para

tornar-se um cavalheiro que estivesse à altura de Estella, pois ele é pobre e

ela rica, e esse já é por si um longo percurso que os separa.

O contraste entre Herbert e Pip está no fato daquele ser um

gentleman porque era de linhagem nobre e recebeu educação condizente

com sua posição, porém sua família não possuia dinheiro para manterem-se

nesse pantamar, como ele mesmo diz “pois tenho de ganhar meu próprio

pão, e meu pai não pode me sustentar”. (Cap. 21, p. 202). Já Pip era comum

por natureza, estudou pouco na infância, e não foi educado para se tornar

outra coisa além de um ferreiro. Os dois garotos se encontram e tornam-se

amigos, Herbert tenta ensinar a Pip como um gentleman se comporta, se

veste, fala. Pip aprendeu bem as lições e aparentava ser um gentleman,

porém a sua essência não era aquela, ele era simples e tinha outros valores.

No entanto, Dickens nos leva a reflexão sobre a possibilidade da

sociedade mudar até os nossos valores. Pip tinha valores como simplicidade,

companheirismo, honestidade e ao tornar-se um gentleman esqueceu da

família, resumida apenas ao cunhado Joe, esqueceu a simplicidade. Algumas

vezes, Pip lembrava-se de como era a vida simples ao lado do amigo Joe,

porém logo estava convencido que lá não era mais o seu lugar. Nessa

passagem, ele demonstra sentir vergonha do único amigo “Queria fazer de

Joe uma pessoa menos ignorante e comum, para que tivesse à altura de

minha convivência e menos exposto à reprovação de Estella” (Cap. 15, p.

135).

Mesmo convivendo com esses pensamentos, ele não muda e

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continua sua vida de ostentação, de cavalheiro educado e rico. No final da

obra, quando Pip volta a ser pobre, ele retorna ao vilarejo onde nasceu para

reencontrar Joe, com esperanças de casar-se com a amiga de infância Biddy.

Mas ao chegar depara-se com Biddy casada com Joe e com um filho fruto

dessa união. Percebemos então o egoísmo e prepotência de Pip, ao supor

que Biddy iria passar o resto da vida esperando o dia que ele decidisse amá-

la. Como se as pessoas fosses peças de um jogo controlado por ele. Essa é a

essência de um gentleman, prepotente, egoísta e não do garoto comum,

companheiro, simples e fiel. Então a sociedade foi capaz de modificar a

essência de Pip, tornado-o um gentleman mesmo sem ele ter vindo de berço

nobre.

Essa análise feita por Dickens nas entrelinhas da obra leva o leitor a

conclusão que no final do século XIX poderia ser aceito na sociedade um

homem, que vindo de berço comum, mas que ao estudar em escolas de

renome ser um gentleman, sem importar qual seria sua origem. Vemos então

a importância da literatura para estudo das transformações sociais ocorridas

em determinadas épocas. E como os escritores contribuíram para este

estudo, ao relatar a realidade social, as transformações, as injustiças e as

vitórias que presenciaram.

Como relata Williams em um dos seus textos, Dickens foi um dos

escritores que mais tiveram excelência em retratar a sociedade em que

viveu. Williams diz:

“Embora Dickens fosse afetado pelas imagens da cidade como

uma nova espécie de ordem social, e no caso de Coketown e

alguns outros, de importância reduzida, em outras obras suas,

realizasse projeções diretas dessa imagem, sua reação à nova

experiência urbana era basicamente mais diversificada e, ao

meu ver, mais arguta [...] Pois este é o outro aspecto da

originalidade de Dickens. Ele consegue dramatizar as instituições sociais e suas consequencias que não se revelam à

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observação física comum. Ele as toma e as apresenta como se

fossem pessoas ou fenômenos naturais.” (WILLIAMS, 1990, p.

215 – 218).

Outro personagem que também é gentleman, pelo berço nobre e não

por suas ações é Dentley Drummle, que Pip conhece ao chegar em Londres,

segundo Pip “Drummle era tão rabugento, ocioso, arrogante, sovina,

reservado e desconfiado” (Cap. 25, p. 231). Vemos então as características

de Drummle, e percebemos que a prepotência faz parte do seu íntimo. E Pip

adquiri de certa forma essa prepotência, talvez pelo ambiente que está

inserido, pelo tipo de pessoa com quem ele passa a conviver.

A relação entre ser gentleman e não trabalhar é uma das

caracterísitcas marcantes nas obras de Dickens, ele sempre procura

relacionar seus personagens a coisas, a fatos. Quando Pip era um garoto

comum ele tinha um enorme desejo de trabalhar, como se o trabalho fosse

um tipo de libertação, mas ao tornar-se gentleman esquece completamente

este desejo pelo trabalho e isso muito nos diz sobre sua personalidade.

Dickens não precisa dizer ao leitor quem são seus personagens, ele os

apresenta a nós pelos fatos que ocorrem na obra, por ações, por coisas

inanimadas, como fenômenos da natureza. Williams relata que,

“Este método é realmente notável. Naturalmente, baseia-se em

certas propriedades do idioma: percepções entre pessoas e

coisas. Mas em Dickens ele tem uma importância crucial. É

uma maneira consciente de ver e mostrar”. (WILLIAM, 1990,

p. 220).

Pode-se ainda tirar mais conclusões desse paralelo entre ser

gentleman e a abstinência do trabalho. Dickens tem um traço humorístico

em suas obras, assim como Pina relata. Então ele poderia estar relacionando

nas entrelinhas que o homem ocupante de um cargo na sociedade, por ser

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um gentleman não cumpria com suas obrigações no trabalho. Para se ter

uma idéia, os gentlemans na sociedade vitoriana eram os membros da

aristocracia britânica, estes por direito de nascimento, os industriais,

comerciantes, oficias do exército, membros do parlamento que assim foram

reconhecidos por sua ocupação.

Segundo Pina,

O traço humorístico merece atenção aqui como sempre que

acompanha e caracteriza, por exemplo, a relação personagem

central com a estreiteza e o ridículo de facetas da comunidade

rural e da cidade de província; ou com figuras que as

evidenciam enquanto sintoma da confiança em si do

protagonista e do livre jogo das suas faculdades face ao que o

rodeia. Assim, a representação humorística contribui para a

correta avaliação que o receptor faz de personagens, condutas, normas, atitudes a partir da centralidade do Pip em

desenvolvimento, com a autoconfiança criada pela

necessidade do seu desenvolvimento individual, critério

fundamental para julgarmos os contextos sociais e a carreira

da personagem principal”. (PINA, 1984, p. 105).

Conclui-se com este estudo que há diferenças marcantes em ser

comum e ser gentleman na obra Grandes Esperanças, e que essas diferenças

vão muito além do fator abstinência do trabalho quando Pip torna-se

gentleman. Ao analisar a obra de forma crítica percebemos como se

caracteriza a sociedade da época, onde a pessoa era tratada pelo que

ostentava, se fosse pobre era destratada, caso aparentasse ser rica, usando

boas vestimentas, fazendo uso correto da linguagem, era respeitada pela

sociedade. Vemos então a hipocrisia que reinava na era vitoriana, onde o

dinheiro era que mostrava o valor da pessoa. Dickens explorou esses

conceitos de forma excepcional na obra, mesmo que o leitor não consiga

decifrar logo no início os significados existentes nas auto-análises de Pip, os

ricos dados contidos na obra sobre os comportamentos da sociedade, as

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transformações, o cotidiano de um gentleman, a vida difícil de uma pessoa

que tivesse origem comum. Tudo isso Dickens nos revela por meio de seus

personagens e principalmente pelos trechos em que usa um tom sarcástico

para se referir a sociedade da era vitoriana.

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REFERÊNCIAS

1. DICKENS, Charles. Grandes Esperanças: texto integral / Charles

Dickens: tradução Daniel R. Lehman. São Paulo: Martin Claret,

2006. Coleção a obra-prima de casa autor; 49. Série ouro.

2. PINA, Álvaro. 1984. “Great Expectations: A subjectividade como

construção simbólica”. In: Id. Dickens: a arte do romance. Lisboa:

Horizonte Universitário, p. 85-134.

3. WILLIAMS, Raymond. 1990 [1973]. “Gente da cidade”. In: Id. O

campo e a cidade: na história e na literatura. Trad.: Paulo

Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, p. 214-227.