Conceito de Mundo e de Pessoa Em Gestalt _excerto

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Sumário Prefácio 11 Apresentação 15 Introdução 21 1. A questão epistemológica 25 2. Conceitos de mundo e de pessoa 35 3. Fundamentação teórica do conceito de mundo 39 4. Teorias de base do conceito de mundo 47 PSICOLOGIA DA GESTALT 47 TEORIA DO CAMPO 54 TEORIA HOLÍSTICA 60 5. Fundamentação teórica do conceito de pessoa 69 6. Filosofias de base do conceito de pessoa 77 HUMANISMO 77 FENOMENOLOGIA 85 EXISTENCIALISMO 104 Conclusão 115 Posfácio 121 Bibliografia 123

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Conceito de Mundo e de Pessoa Em Gestalt _excerto

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  • Sumrio

    Prefcio 11Apresentao 15Introduo 21

    1. A questo epistemolgica 252. Conceitos de mundo e de pessoa 353. Fundamentao terica do conceito de mundo 394. Teorias de base do conceito de mundo 47 PSICOLOGIA DA GESTALT 47 TEORIA DO CAMPO 54 TEORIA HOLSTICA 605. Fundamentao terica do conceito de pessoa 696. Filosofias de base do conceito de pessoa 77 HUMANISMO 77 FENOMENOLOGIA 85 EXISTENCIALISMO 104

    Concluso 115Posfcio 121Bibliografia 123

  • claro, a cincia jamais consegue alcanar sua meta. Em qualquer momento de sua histria existe e existir sempre um hiato entre seu ideal e suas reali-

    zaes concretas. O sistema nunca est completo, existem sempre fatos recm --descobertos que se somam aos antigos e desafiam a unidade do sistema.

    (Koffka, , p. )

    Em resumo: a aquisio do verdadeiro saber deve ajudar -nos a reintegrar o nosso mundo, que foi fragmentado; deve ensinar -nos a irrefutabilidade das

    relaes objetivas, independentes de nossos desejos e preconceitos; e deve indicar -nos nossa verdadeira posio no mundo, fazendo -nos respeitar e

    reverenciar as coisas animadas e inanimadas que nos cercam. (Koffka, , p. )

    Mas toda a teoria que no se torne praxe e vida, isto , que no seja acompanhada por uma ao correspondente, estril.

    (Nogare, , p. )

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    Prefcio

    Apresentar uma das obras de Jorge Ponciano Ribeiro alm de ser uma deferncia e uma honra tarefa de monta. Principalmente por conta da histria de Jorge na psicologia com todas as suas contribuies , na Universidade de Braslia (UnB) como professor emrito, na minha formao como orientando no mestrado e como discpulo na formao de Gestalt, l pelo final dos anos 1990 e, claro, na Gestalt -terapia, como um dos protagonistas.

    H vinte e cinco anos, Jorge publicava um livro que teria du-pla funo: seria um livro de referncia para se fazer uma episte-mologia da Gestalt -terapia, o primeiro e um dos nicos nessa direo. Ainda hoje, mesmo a abordagem gestltica tendo cresci-do e se desenvolvido, tendo se organizado em inmeros ncleos e institutos espalhados pelo pas, tendo adentrado com autorida-de o ambiente acadmico tanto como disciplina e como com-preenso clnica na graduao, como rea de pesquisa na ps -graduao e se recriado em novas perspectivas e novas reas de ao, seu livro Gestalt -terapia: refazendo um caminho uma referncia na rea.

    Costumo apresent -lo como um livro que criou necessi-dades. Foi o segundo livro publicado no Brasil sobre Gestalt--terapia (o primeiro, Gestalt e grupos, de autoria de Thrse Tellegen), mas foi o primeiro que se props a pensar um fazer, um fazer gestltico. Estvamos, ento, pensando uma abordagem

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    nova, nefita tanto no Brasil, com apenas poucos anos de co-nhecimento, quanto no mundo, afinal era apenas uma aborda-gem balzaquiana*.

    Digo que o Gestalt -terapia: refazendo um caminho criou ne-cessidades porque, depois dele, convencionou -se indic -lo quase como uma tradio nas diversas apresentaes da nova aborda-gem. Apresentvamos o livro e ainda o fazemos em muitas ocasies como uma abordagem que se constituiria em trs per-fis, mais ou menos desenvolvidos em termos epistemolgicos, divididos em blocos (sendo que os dois primeiros ganharam mais destaque): os pressupostos filosficos, as teorias de fundo ou de base, e os antecedentes pessoais. O que Jorge fez, poca, foi facilitar nossa compreenso de como se organizava essa nova abordagem e como poderamos qualific -la epistemologicamen-te, alm de nos oferecer um excelente ponto de partida para estu-dos mais aprofundados.

    A partir da, Jorge passou a no somente desenvolver a nova abordagem, como a recri -la, de diversas maneiras, em novos contextos, sob novas perspectivas, seja desbravando o pas com grupos de formao os mais diversos (desde Braslia, passando pelo Mato Grosso do Sul, Maranho, Par, Gois, So Paulo e tantos outros locais), seja escrevendo e reescrevendo a aborda-gem, com temas e proposies, ora inovadoras, ora verdadeira-mente novas, tornando -se o autor que mais publicou em Gestalt no pas. Ciclo do contato, grupos, terapia de curta durao, todos com perspectivas revisionistas ou autnticas, so apenas alguns dos temas trabalhados em suas obras.

    * Refiro -me, aqui, a alguns marcos histricos. No Brasil, consideramos os anos 1970 do sculo passado como referncia de chegada da Gestalt -terapia ao Brasil, com os trabalhos de Tellegen e Jean Clark Juliano no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Cincias Mdicas de So Paulo; com a publicao do primeiro artigo no Boletim de Psicologia da Sociedade de Psicologia de So Paulo, bem como os trabalhos desenvolvidos no Rio de Janeiro e no Paran na mesma poca. J em relao Gestalt original, conside-ramos como referncia a publicao, em 1951, do Gestalt -therapy, de Frederic Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline.

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    Agora, Jorge nos prima com mais uma de suas reflexes. Este novo livro traz j em seu ttulo sua proposio: Conceito de mun-do e de pessoa em Gestalt -terapia: revisitando o caminho. mais um presente aos leitores, principalmente os iniciantes, que que-rem entrar um pouco mais nos meandros dessa abordagem to rica quanto complexa que a Gestalt -terapia. E ningum melhor do que o Jorge para realizar tal empreitada, j que um sujeito de palavra fcil, um sujeito que fala para o sujeito o outro sem os rebuscamentos clssicos da academia, e sem os melindres das palavras. Como um sujeito de palavra fcil, como um sujeito de vasta experincia e de conhecimento largo, Jorge faz deste novo livro uma nova busca por facilitar compreen ses, simplifi-cando olhares e falando do e para o corao.

    Para se compreender um fazer, preciso saber de que lugar se est falando, em qual lugar estamos nos colocando e colocando o outro a ser compreendido, para, da, podermos acessar uma teo-ria e utiliz -la com sabedoria. Se no tomamos conhecimento desse lugar, arriscamo -nos a um mau uso da tcnica, a um exer-ccio meramente experimental de seu arcabouo e a uma consi-derao do nosso interlocutor de modo a objetific -lo. Para tanto, preciso uma dupla reflexo: sobre nosso lugar e sobre o lugar da teoria.

    nesse caminho que temos esta nova obra de Jorge. E ainda somos primados com uma linguagem que s os poetas e os cami-nhantes aqueles que observam as paisagens e os caminhos podem nos legar. E a figura de Jorge consegue agregar os dois personagens. O livro de linguagem fcil nos revela uma liberdade potica de quem j percorreu longos caminhos, alm das trilhas do Caminho de Santiago de Compostela, as trilhas da psicologia e da Gestalt -terapia.

    Por isso que esta obra necessria. Certamente causar es-panto em uns ou outros, por uma ou outra razo, mas igualmen-te ficar marcada como aquela porta de entrada para o grande salo que a Gestalt. Depois de irrompermos da escadaria que

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    nos leva at esta porta, ao abri -la, deparamo -nos com um salo festivo e ricamente ornamentado, que nos permite uma excep-cional oportunidade de deleite com sua diversidade.

    Creio que estamos conhecendo agora uma rara reflexo que poder ser incio de uma longa jornada para os leitores, pois, depois de superadas estas pginas, claramente se descortinaro novas necessidades.

    Adriano Furtado HolandaDoutor em Psicologia

    Professor adjunto da Universidade Federal do Paran

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    Apresentao

    H anos, em 1985, publiquei Gestalt -terapia: refazendo um caminho, obra em que procurei lanar as bases tericas e filosfi-cas de um modelo de psicoterapia, que, hoje posso dizer, estava apenas comeando. Foi o primeiro livro de epistemologia gestl-tica e penso que, ainda hoje, salvo maior engano, no existe algo semelhante na literatura gestltica mundial.

    Eu era um iniciante na abordagem gestltica, mas meu back-ground de psicanalista, de filsofo e de professor da Universidade de Braslia me animaram a lanar as bases de uma teoria que dava, timidamente, seus primeiros passos. Foram trs anos de pesquisa, de estudos que redundaram na publicao de Gestalt--terapia: refazendo um caminho que, agora, na sua oitava edio, completa 25 anos, suas Bodas de Prata.

    Os tempos passaram, a realidade brasileira mudou assim como ns, gestaltistas. No somos mais os mesmos. Crescemos, ficamos adultos. Temos publicaes que, sem dvida alguma, so das melhores na comunidade acadmica internacional. Temos revistas e livros de excelente qualidade que nada deixam a dese-jar, comparadas literatura gestltica mundial. No precisamos ter inveja de ningum, nem dos Estados Unidos, de onde a Gestalt -terapia emigrou para o mundo inteiro. Somos dezenas de institutos e centros de formao, somos milhares de Gestalt--terapeutas esparramados por todas as partes do Brasil.

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    Diz -se que o caminho se faz caminhando e eu acrescento: o caminho constri o caminhante. Caminhamos um longo e difcil caminho, pois alm da abordagem gestltica ser complexa, a apreenso de sua realidade terico -prtica demanda um empe-nho imenso para poder ser entendida e usada clinicamente.

    No faltaram improvisaes e, consequentemente, erros de perspectiva que, ainda hoje, de algum modo, impedem -nos de criar a Sociedade Brasileira da Abordagem Gestltica, que ser, no futuro, a Casa da Abordagem e que dever acolher todos aqueles que se empenharem no aprofundamento e propagao de sua teoria e prtica. Essa sociedade nos dar uma identidade, um rosto que, olhado, poder ser reconhecido e confirmado.

    Passaram -se 25 anos, e, de novo, estou eu a lanar sementes, no sementes novas, mas sementes nascidas da safra terica que o Brasil plantou ao longo dos anos. Hoje, eu colho os frutos das sementes que j lancei e ofereo -os nossa comunidade.

    A tese : temos um amplo e complexo campo terico, episte-mologicamente consolidado. Esse campo nos fornece as bases conceituais para o desenvolvimento de nossa abordagem nas di-versas reas que ela atinge e nas quais opera. No temos uma teo ria de personalidade constituda e nem precisamos dela, pois a abordagem gestltica no essencialista, existencialista. Sua essncia , simplesmente, existir, e sua existncia , simplesmen-te, prestar uma contnua ateno relao homem -mundo, de onde nascem a sabedoria e as solues do cotidiano.

    No estamos preocupados com o que a pessoa, mas sim com o COMO ela funciona. Gestalt movimento, processo de resgate do imediato. O que as coisas so mora no passado, s vezes em um futuro imaginado. O nico modo de surpreender a realidade est no presente e a que a gestalt das coisas pode ser captada e se fechar.

    Para o observar e para o descrever dessa realidade, pessoa--mundo, estamos mais que suficientemente embasados, no mo-mento em que fizemos da Psicologia da Gestalt, da Teoria do

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    Campo, da Teoria Holstica Organsmica, do Humanismo, da Fenomenologia e do Existencialismo o porto onde atracamos com segurana nossas observaes e certezas epistemolgicas.

    Esse imenso campo terico de tal modo harmonioso, inter e intraligado que, como diz Gary Yontef (apud Clarkson, 1989 p. 26): Quando se trabalha bem com uma dessas teorias, esta-mos trabalhando com todas elas.

    Estou, formalmente, tentando constituir um Conceito de Mundo e de Pessoa a partir de teorias e de filosofias que do sustentao crtica Gestalt -terapia, a qual no surgiu do acaso, ou de meras coincidncias, sem dono, sem lugar e sem mestres. Suas teorias e filosofias de base, embora no tenham sido siste-matizadas nem por Perls nem por seus cofundadores, tiveram neles sua origem, seus preceptores, seus iniciadores.

    Essas teorias, de modo s vezes claro, s vezes em simples re-ferncias, permeiam os escritos do chamado Grupo dos Sete, embora devamos afirmar que, na realidade, a Gestalt -terapia fruto da reflexo de oito pessoas, pois no podemos esquecer o importante papel que Laura Perls exerceu na constituio da Gestalt -terapia. Embora seja difcil dizer quem quem e como cada um atuou na reflexo do surgimento da Gestalt -terapia, no h dvida de que ela fruto de uma reflexo conjunta de pessoas de uma determinada poca e que viveram em um mundo concre-to. Pessoas que tinham uma noo de pessoa e de mundo e que, de algum modo, imprimiram suas prprias concepes na nova forma de psicoterapia que estava surgindo.

    A Gestalt -terapia surge no ps -guerra, em um mundo que tinha perdido seu rumo. Surge de pessoas que tinham sofrido, na carne, o desespero, a solido, a angstia, a nusea, a nsia de liberdade e que tiveram de renunciar aos prprios caminhos para caminhar o caminho que lhes era possvel. O conceito de mundo e de pessoa que esses homens e mulheres viveram tinha uma cara, que se tornou horrvel e da qual eles queriam se livrar a todo custo.

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    nesse horizonte e a partir dele que a Gestalt -terapia surge. O mundo tinha perdido seu rumo e procurava, a todo custo, um novo rumo, uma nova possibilidade de acreditar, de ter f, de ter esperana no novo homem que surgia.

    A Gestalt -terapia nasce com essa cara, com um instinto teri-co autoecorregulador, procurando, sempre que necessrio, atua-lizar um novo ajustamento criativo para corresponder s demandas de um mundo ps -moderno por meio do qual o futu-ro se tornasse provvel. O passado tinha passado, o futuro ainda no tinha chegado, embora estivesse delineado na mente das pessoas e na nova estrutura do mundo que surgia.

    A Gestalt -terapia surge, ento, de um profundo processo de conscincia e de conscientizao que aflorava no mundo, no co-rao e na mente das pessoas. Veio como uma tentativa de res-posta, embora no se soubesse exatamente qual era a pergunta, mas veio centrada na tentativa de resgatar a experincia imediata das pessoas, tentando dar uma luz, uma esperana a um aqui--agora liberto da angstia do passado e das iluses de um futuro apenas possvel pela incredulidade que morava, e com razo, no corao, mais do que na mente, das pessoas.

    De maneira vvida, os fundadores da Gestalt -terapia sabiam que ali estava implcito um conceito de mundo e de pessoa, no s por meio de suas teorias, mas de teorias que eles viviam e ti-nham experimentado na prpria carne.

    Criaram, juntamente com a Gestalt -terapia, uma teoria liber-tadora do homem e do mundo, criaram um mtodo eficiente de percepo, experincia e vivncia da realidade, porque tinham, eles mesmos, escapado de uma escravido terica experimentada e vivenciada e que os tinha dominado na guerra e no ps -guerra. Abriram seus olhos, para que ns pudssemos ver atravs do olhar deles um novo mundo e uma nova pessoa.

    O Grupo dos Sete era composto de pessoas muito diferentes entre si e foi a vivncia experimentada dessas diferenas que fez da Gestalt -terapia a potencialidade humana que ela contm.

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    O igual os uniu, convocou -os para uma nova guerra, mas de paz, amor, contato, excitamento e crescimento humano. Esse o ber-o da Gestalt -terapia. Ela herda do Grupo dos Sete, por meio das teorias que eles imprimiram ao conjunto de suas formulaes, o conceito de mundo e de pessoa que este livro tenta traduzir e passar para o leitor. Dentre eles, e na prpria constituio da Gestalt -terapia, Perls deixa ainda escorrer nas suas entrelinhas aspectos importantes da psicanlise, da teoria reichiana e do zen e do tantra budismo.

    Assim, a Gestalt -terapia, alm de emergir de um complexo campo terico, emerge tambm impregnada da experincia e vivncia de seus formuladores, mas, e principalmente, de seu principal fundador: FREDERICK SALOMON PERLS.

    Refao, assim, neste livro, um caminho, percorrido h 25 anos, agora, no mais como um nefito, mas como um estudioso amadurecido e envelhecido nas lides acadmicas. Apresento -o comunidade gestltica como: Conceito de mundo e de pessoa em Gestalt -terapia: revisitando o caminho.

    Este livro fruto de 50 anos de magistrio superior e de uma caminhada com colegas maravilhosos com os quais aprendi Gestalt -terapia. Agora devolvo ao leitor, agradecido, parte do que eu sei, na esperana de ser til nossa querida comunidade gestltica.

    metafsico: O caminho constri o caminhante, ao final da caminhada, as bolhas nos ps e os machucados no desaparecem, deixam suas cicatrizes, que, quando revistos, produzem uma imensa saudade do caminho percorrido.

    Braslia, 10 de fevereiro de 2011Jorge Ponciano Ribeiro

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    Introduo

    Em Boiucanga, So Paulo, reuniu -se, pela primeira vez, um grupo de quinze Gestalt -terapeutas recm -formados que, jun-tamente com outros profissionais espalhados pelo Brasil afora e que tambm se intitulavam Gestalt -terapeutas, levaram a boa nova pelo pas inteiro.

    Assim como uma criana, que nasceu de muitos pais e mes de diferentes origens e lugares, nasceu a Gestalt -terapia no Brasil e foi se espalhando, sem muita ordem e consistncia terica, levada, sem dvida, pela mente criativa, criadora, frtil e entusiasmada dos seus primeiros expositores.

    Essa evoluo rpida pelo pas afora no se deve apenas ao entusiasmo dos pioneiros da Gestalt -terapia no pas, mas tam-bm a uma percepo clara, quase uma evidncia terica, de que ela trazia no seu bojo um germe ou, mais que isso, uma consis-tncia a ser explorada, mas que j estava ali contida, esperando por especialistas que descobrissem toda a sua riqueza terica.

    As informaes chegavam de forma coerente, incoerente, contraditrias muitas vezes, pois vinham de pessoas e de lugares diferentes. Isto no uma crtica, um fato, um dado, um acon-tecimento e, se no fora assim, tambm no teria se espalhado pelo pas afora. No nasceu pronta, no est pronta, est em mar-cha, procura de uma totalidade terica que lhe d mais visibili-dade e garantias epistemolgicas.

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    A Gestalt -terapia e a Abordagem Gestltica, entretanto, nunca vo estar prontas, acabadas, redondas, porque, embora Gestalt signifique uma totalidade organizada, indivisvel, articulada, isto , uma configurao; jamais teremos uma teoria que contemple plenamente a configurao de uma totalidade terica, pois a to-talidade sempre relativa, por mais totalidade que ela expresse, no aqui -agora, de um campo terico.

    Essa a riqueza da Gestalt -terapia: nunca estar pronta, no ter uma cara fixa, engessada em conceitos, mas ter uma estrutura processual que flua, sem, no entanto, perder sua singularidade de ser Gestalt -terapia e do que isso basicamente significa.

    O livro Gestalt -terapia: refazendo um caminho foi a primeira tentativa de dar um rosto, uma configurao terica Gestalt--terapia no Brasil. Esse texto uma tentativa de dar logicidade, compreensibilidade, universalidade, repetibilidade abordagem gestltica e de criar uma intrarrelao de teorias diversas, mas que tivessem, no bojo, um phylum, uma linha que lhe permitisse ligar uma a outra, conduzindo a uma operacionalizao terica do ponto de vista prtico.

    A Gestalt -terapia no nasce de uma salada terica na qual cada teoria nada, ou quase nada, tem a ver com as demais. A Gestalt -terapia nasce, sim, de rvores tericas j constitudas, cujos frutos tm as mesmas propriedades, embora, quando, em contato com o organismo, funcionem de maneira diferente, mas sempre na direo do desenvolvimento, do crescimento e da ma-turao esperada.

    Essas teorias so amplas, ricas, complexas, comprovam -se epis-temologicamente e delas podem nascer os mais variados sistemas, com sustentabilidade terica, sem, no entanto, confundirem -se com elas. As teorias que deram origem Gestalt -terapia so am-plas e mais complexas que os sistemas que delas nascem, pois, para ser me preciso estar dotada de muito mais do que aquilo de que um filho precisa para nascer, atualizando toda potencialidade com

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    que a natureza dotou o ser humano. A questo no s nascer, crescer, desenvolvendo -se em toda a sua potencialidade.

    Suas teorias e filosofias de base, por mais diversas que sejam, assim como os rgos do corpo humano, formam um todo abso-lutamente funcional. No se trata de uma forao de barra de teorias diversas entre si para gerar a base terica de uma prtica clnica coerente, pois, se isso acontecesse, no teramos um cor-po, correramos, sim, o risco de ter um monstro terico em um corpo disfuncional.

    O corpo humano como um holograma, isto , cada um de seus rgos uma perfeita miniatura do corpo total. Assim tambm a Gestalt -terapia, que compreende um campo terico hologrfico em que suas teorias, embora diferentes umas das outras, esto ligadas por laos que lhes permitem se ver e se apresentar como epistemo-logicamente viveis e operacionais.

    Assim como o corao no o pulmo, a teoria do campo no a psicologia da gestalt, mas h entre elas um elo essencial, cons-titutivo, como uma estrutura lgica, que lhes permite a existncia de um jeito de ser e funcionar que passa por uma intrarrelao funcional terica, fruto no s da sabedoria do organismo, mas, sobretudo, de uma funcionalidade operante, com um holos que permite e produz uma ao conjunta e harmoniosa, cujos laos no se veem todos, mas cujos efeitos podem ser vistos e sentidos. Assim como o corao e o pulmo no so o corpo, mas o corpo o corao, o pulmo, assim tambm a psicologia da gestalt e a teoria do campo no so a Gestalt -terapia, mas a Gestalt -terapia psicologia da gestalt, teoria do campo.

    Estamos falando da gnese da psicodinamicidade terica que existe, nesses casos, entre o todo de cada uma das teorias e filosofias de base e sua parte, isto , a abordagem gestltica que delas emana.

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    1. A questo epistemolgicaU M A E X I S T N C I A T E R I C O - F U N C I O N A L N A S C E D E U M A M A T R I Z T E R I C A , J C O N S O L I D A D A .

    Ele (Lewin) acredita fortemente que a cincia um empreendimento no qual oprogresso se faz por aproximaes sucessivas verdade e por uma

    srie interminvel de pequenas excurses no desconhecido. (Lewin, , p. xi)

    Entendo epistemologia (classicamente, chamada de criterio-logia, gnoseologia) como a cincia que critica as outras cincias ou outros conhecimentos j estabelecidos, dando -lhes credibili-dade terico -cientfica. Para tanto, a epistemologia tem de estar constituda como uma totalidade de conceitos, uma metacincia, uma ontologia conceitual, de tal modo que ela se torne a medida que mede todo e qualquer conhecimento com relao a sua lgi-ca interna. A epistemologia uma totalidade terica, que mede toda e qualquer cincia ou conhecimento estabelecido que se relacionam entre si e com ela mesma, como uma parte que no s se harmoniza com essa totalidade, mas com as partes dela.

    Epistemologia uma cincia de totalidade, de universalidade, ela que timbra o que d visibilidade a qualquer uma de suas partes cientficas e/ou tericas.

    Se duas teorias se opem a respeito do mesmo objeto de conhe-cimento: ou as duas esto erradas ou uma est certa e a outra er-rada, porque duas partes em absoluta oposio entre si sobre o mesmo objeto no cabem, no podem ser contidas em um mesmo todo chamado conhecimento ou teoria do conhecimento ou crite-riologia ou epistemologia. Seria uma contradictio in termine que destruiria a prpria possibilidade do conhecimento.

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    As teorias e filosofias de base da Gestalt -terapia tm de conter e ser contidas nesse e por esse todo chamado epistemologia (cincia das cincias) sob pena de no se justificarem, cientificamente, como uma proposta de ao terica. De maneira simples: tudo aquilo que os pesquisadores afirmam constituir a cincia ou o conceito de cin cia tem, obviamente, de decorrer dessa totalidade epistmica chamada cincia do conhecimento (gnosiologia) ou epistemologia.

    Epistemologia uma matriz de conhecimento, dela que nasce a cientificidade de qualquer outro conhecimento, mas, assim como um filho no herda a totalidade gentica dos pais, assim uma cin-cia, um conhecimento cientfico no herda toda a cientificidade que a epistemologia espera. Uma cincia ou teoria cientfica no podem se opor sua prpria matriz epistmica, sob pena de no serem filhas, de no serem reconhecidas pelas outras partes que a matriz contm, ou de serem rejeitadas pela prpria matriz.

    Essa matriz como um ser -conhecimento do qual tudo decor-re, adquirindo, no seu processo de constituio cientfica, suas prprias caractersticas, herdadas, em primeiro lugar, desse ser--conhecimento, dessa totalidade ontolgica de conhecimento e, em segundo lugar, da relao que esse saber incipiente estabelece com as outras partes cientficas do todo, da matriz, da qual proce-dem. Nenhum conhecimento pode, nesse caso, opor -se a outro, porque isso implicaria a no existncia do ser -total -conhecimento, do qual o conhecimento emana para, em seguida, ir se constituin-do como fruto de sua prpria caminhada terica.

    Essa proeza terica, aparentemente paradoxal, pode ser con-seguida por meio de um mtodo de construo que foi primei-ramente desenvolvido na matemtica.

    Considerar entidades geomtricas qualitativamente diferentes (como cr-culo, quadrado, parbola) como produto de uma determinada combinao de certos elementos de construo (tais como pontos e movimentos) foi desde os tempos dos gregos o segredo deste mtodo. , s vezes, denomina-do mtodo da definio gentica. (Lewin, 1965, p. 37)