Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

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Missão Integral procurando fidelidade à missio Dei Comissão de Missão Integral da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil 2008

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Missão Integral

procurando fidelidade à missio Dei

Comissão de Missão Integral da

Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

2008

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Índice

Prefácio .........................................................................................................................................................

Introdução .....................................................................................................................................................

Fundamentos Bíblico-Teológicos .................................................................................................................

Gênesis 1-11............................................................................................................................................

Gênesis 12-50..........................................................................................................................................

Êxodo a Josué..........................................................................................................................................

Os Profetas ..............................................................................................................................................

Os Escritos ..............................................................................................................................................

Os Evangelhos.........................................................................................................................................

Atos .........................................................................................................................................................

As Epístolas.............................................................................................................................................

Apocalipse...............................................................................................................................................

Fundamentos Históricos................................................................................................................................

Missão do século I ao século IV .............................................................................................................

Missão na Idade Média ...........................................................................................................................

Missão e a Igreja Católica Romana na Idade Moderna ..........................................................................

Missão e a Igreja Protestante ..................................................................................................................

Missão e evangelização na Perspectiva Ecumência................................................................................

Missão e evangelização no Movimento Evangelical ..............................................................................

Ações missionárias no Brasil ..................................................................................................................

A história da missão na IPI do Brasil......................................................................................................

Modelos e Desafios.......................................................................................................................................

Ministério de Missão...............................................................................................................................

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Secretaria de Evangelização..............................................................................................................

Secretaria de Pastoral ........................................................................................................................

Secretaria de Diaconia ......................................................................................................................

Secretaria de Família.........................................................................................................................

Ministério de Educação...........................................................................................................................

Secretarias de Educação Teológica e Continuada, Educação Cristã e Educação Secular ................

Secretaria de Música de Liturgia ......................................................................................................

Bibliografia ...................................................................................................................................................

Anexos...........................................................................................................................................................

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Prefácio

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil iniciou um processo de Planejamento Estratégico, em 2006,

dando origem ao Projeto Semeando, lançado oficialmente em sua primeira fase no final de 2007,

projetando até 2017, quando comemoraremos 500 anos da Reforma Protestante.

O Ministério da Missão recebeu o trabalho desenvolvido em 2006, analisando as ações gerais propostas a

ele e as específicas das suas quatro Secretarias: Diaconia, Evangelização, Família e Pastoral.

A primeira ação geral do Ministério era: Promover a conscientização da igreja sobre a Missão Integral.

Levando em conta que o conceito de Missão Integral precisava ser mais bem estudado, visto a grande

quantidade de literatura e reflexão disponível no mercado, decidimos nomear uma Comissão de Redação

do Texto de “Missão Integral”, composta dos membros do próprio Ministério, bem como dos diretores

dos Ministérios da Educação e Comunicação, e de um representante de cada Seminário, tendo como

relator o Rev. Dr. Timóteo Carriker, pastor-missionário, cedido pela Igreja Presbiteriana dos Estados

Unidos da América e há muitos anos trabalhando no Brasil, especialmente como professor em diferentes

seminários e com vários livros publicados, diretamente relacionados com o tema da Missão Integral.

Ao longo da caminhada, outros irmãos contribuíram com textos mais específicos, cujos nomes são

mencionados no índice.

Trabalhamos usando o seguinte esquema: Fundamentação Bíblica e Teológica, Fundamentação História,

Modelos Atuais (dentro e fora da IPI do Brasil) e Desafios. A idéia é: partindo da Bíblia e da Teologia,

analisar nossos modelos atuais de fazer missão e efetuar as mudanças necessárias, diante dos desafios que

o presente momento nos apresenta, tendo em mente o lema da Reforma Protestante: “A igreja, porque é

reformada, sempre se reforma”.

Em cada reunião, percebíamos que áreas que se encaixam no conceito de Missão Integral não estavam

sendo analisadas e decidíamos incorporá-las. Quando vimos, o documento já estava um tanto longo, mas

temos plena consciência de que pontos fundamentais para o desenvolvimento do conceito ainda precisam

ser trabalhados e alguns deles são mencionados no final.

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Temos entendido que o trabalho da Comissão deverá continuar, especialmente com a chegada das reações

e participações de todos os segmentos da IPI do Brasil.

Assim, apresentamos o texto à Comissão Executiva da Assembléia Geral, em sua reunião de novembro de

2008, para que, após aprovação, seja disponibilizado a toda a igreja, para ser lido, estudado e discutido, e

para receber sugestões a serem encaminhadas ao relator.

Cremos que um bom embasamento conceitual nos ajudará na prática missional. Por isso, gastamos um

bom tempo na preparação do presente texto.

Contamos com a participação de toda a igreja para o seu aprimoramento. Pedimos aos pastores que o

estudem nas igrejas locais, presbitérios e sínodos, promovendo consultas, encontros e congressos sobre o

tema.

No vínculo do Calvário.

Rev. Paulo de Melo Cintra Damião

Diretor do Ministério da Missão

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Introdução

Não deixei de lhes anunciar todo o plano de Deus

(At 20.27).

Durante os últimos 20-25 anos, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB) tem adotado o

qualitativo “integral” para descrever a sua compreensão e ação missionária de modo abrangente e

inclusivo.1 Esta adoção representa uma preocupação de não restringir as áreas de atuação missionária.

Entretanto, até hoje não há uma definição específica nem das atividades nem dos conceitos que esta

integralidade “abrange” e “inclui”.

A necessidade de afirmar que a missão é integral significa que, na prática, ela não é concebida como tal.

De acordo com Valdir Steuernagel, o evangelho não precisa dessa expressão. Ela é utilizada por causa da

dureza do coração, em virtude de fatores como nossas divisões ideológicas e nossas barreiras culturais, e

porque é preciso ouvir o evangelho como um todo que nos desafia e nos compromete a vivê-lo

integralmente, não nos permitindo nos render a uma agenda da missão direcionada pelas exigências do

mercado.

A afirmação de que a missão é integral serve também para nos trazer à memória que o envolvimento na

missão passa pelo crivo do entendimento de que ela é amor que se encarna, que se compadece, que toma a

iniciativa da aproximação na perspectiva da graça. Nesse sentido, o outro passa a ser o próximo porque

alguém se aproximou dele e assumiu a sua condição de sofredor, sem pedir nada em troca (Lc 10.25-37).

Para tanto, temos de estar dispostos a escutar as vozes do mundo amado por Deus, pelo qual enviou seu

Filho. Isso é muito significativo, uma vez que vivemos num mundo onde ecoam vozes de dor, sofrimento,

opressão, injustiça e falta de solidariedade, expressadas de maneira tão dramática nos lábios e nos

corações dos proscritos, e no grito de socorro dos excluídos.

1 Os dicionários definem “integral” positivamente como “total”, “inteiro” e “global”, e negativamente como aquilo “que não sofreu qualquer diminuição ou restrição”. Cf. HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. Versão 3.0. Lexikon Informática Ltda, 1999; e HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salles, e DE MELLO FRANCO, Francisco Manuel. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Editora Objetiva Ltda, 2001.

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Nos últimos 3-5 anos, para auxiliar a compreensão da igreja “em missão”, surge também uma reflexão em

torno do conceito de missio Dei.2 Os dois discursos, acerca da “missão integral” e acerca da missio Dei,

surtem efeitos ligeiramente distintos, mas complementares. O primeiro ajuda a igreja a contemplar quais

ministérios ou dimensões faltam à sua ação missionária para que esta reflita “todo o conselho de Deus”. O

último, ao distanciar a missão da igreja da missão de Deus, ajuda a igreja a desconstruir e desmistificar os

seus projetos, estratégias e metodologias missionários, e a se perguntar novamente como pode adequar a

sua missão de tal forma que exerça melhor o papel que Deus deseja para ela. Em ambos os casos, a igreja

procura questionar, ampliando ou até eliminando aspectos da sua prática no mundo e na história em que

Deus a inseriu. Em ambos os casos, a intenção maior não é de sacralizar a compreensão e empenho atual

da igreja e, sim, ousar radicalizá-los para ser sal mais salgado e luz mais brilhante.

“Missão” é projeto de Deus. É Ele quem toma a iniciativa de salvar o mundo manchado pelo pecado,

separado dele, com o objetivo de estabelecer o seu reino neste mundo e sobre toda a sua criação. Faz parte

da concepção de muitos que a missão é da igreja, como se essa, num sentimento de posse, usasse a Deus

para a salvação do mundo, quando, na verdade, a missão é de Deus, o qual concede à igreja o privilégio de

ser parceira na consecução desse projeto. Sendo assim, podemos afirmar que a missão de Deus tem uma

igreja que, segundo David Bosch, passa de remetente para remetida, por estar a serviço de alguém que é

maior do que ela.3 A missão de Deus cria e envia a igreja ao mundo, visando à transformação e à salvação

do mundo, à implantação definitiva de seu reino de amor, justiça, solidariedade, e paz.

“Missão diz respeito às relações entre Deus e o mundo(...) Vocacionada, [a igreja]

é co-participante da própria ação de Deus no mundo, que visa salvar e libertar a

humanidade. Sua tarefa como enviada é ver, ouvir, chamar, orientar, ajudar e

tornar-se solidária como parte do testemunho daquela ação de Deus.”4

Para corrigir a concepção eclesiocêntrica da missão, é necessário avaliar o conceito de missio Dei (missão

de Deus). Na missio Dei, o próprio Deus torna a igreja um instrumento privilegiado de sua missão, mas

2 Veja, por exemplo, o documento aprovado pela Assembléia Geral da IPIB em 2005 sobre a Reforma na Educação Teológica da Igreja. Diversos livros recentes ajudam a fomentar a reflexão acerca do conceito de missio Dei, notoriamente: BOSCH, David J. Missão transformadora. Mudanças de paradigmas na teologia de missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002. 3 Ibid, 444. 4 Citado por GEORGE, Sherron Kay. “Um Novo Paradigma da Missão para o Século 21. Em Simpósio, vol. 10 (2) ano XXXVII, nº 46, novembro de 2004, p. 17.

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não a razão da mesma. Moltmann afirmou que não é a igreja que deve cumprir uma missão de salvação do

mundo, mas é a missão do Filho e do Espírito Santo mediante o Pai que inclui a igreja. Sendo assim, a

igreja não pode ser vista como fundamento da missão, nem como objetivo desta, mas como instrumento.

De acordo com Moltmann, “a palavra final da igreja não é a igreja, mas a glória do Pai e do Filho no

Espírito da liberdade.”5

Segundo David Bosch, a missão da igreja deverá ser o serviço à missio Dei, ou seja, representar a Deus no

mundo e, diante do mundo, apontar para Deus. A missão da igreja e a igreja só podem ser vistas juntas,

como instrumentos de Deus, através dos quais Ele realiza a sua missão.

Deus não apenas envia e se torna enviado, mas Ele é o próprio conteúdo do envio. Em cada uma das

pessoas da Trindade, Deus age por inteiro. Nessa forma de atuação, Deus nos mostra como se faz missão.

Dois discursos: missão integral e missio Dei

Esta reflexão fará uso destes dois discursos. O último, o conceito de missio Dei, ajuda a definir melhor o

conceito de “missão integral” que, por uma questão pedagógica, é o fio condutor desta reflexão. Logo, o

propósito desta reflexão é sugerir, de modo amplo e aberto, um conceito e as atividades da “missão

integral” da IPIB. Não é nosso propósito fechar o assunto e, sim, procurando um consenso geral, refletir

sobre as diversas expressões bíblicas da atuação do povo de Deus frente ao mundo e sugerir passos

inclusivos para a IPIB, em continuidade com a história antiga e sua história mais recente, desempenhar

com fidelidade e coragem a sua vocação dentro do contexto brasileiro e mundial hoje.

O estudo a seguir passa por três momentos: considera fundamentos bíblicos e teológicos; avalia a

trajetória histórica da igreja; e pondera diversos modelos e desafios de ação. Este último procede por

Ministérios e Secretarias da denominação.

5 Citado por BOSCH, op cit., 453.

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Fundamentação

Bíblico-Teológica

Observação introdutória

Por um lado, a mera existência da Bíblia como Palavra de Deus já é um profundo dado missionário: Deus

se revela ao ser humano com um propósito, isto é, com uma incumbência dada ao ser humao em relação a

Deus, à criação e ao seu próximo. Por outro lado e ao mesmo tempo, a Bíblia é também registro da

interação e reflexão missiológica pelo povo de Deus da sua fé e da sua incumbência em relação ao mundo.

Logo, faz-se necessário ressaltar a riqueza missiológica da Bíblia e reconhecer que sempre a sua

interpretação – uma tarefa nunca conclusiva – poderá ser explorada com melhor proveito dentro do

contexto do povo de Deus em toda a sua amplitude, diversidade cultural e extensão histórica. Igualmente

reconhece-se a limitação da nossa tarefa e a necessidade da manutenção do diálogo sempre aberto entre as

Escrituras e o povo de Deus.

Mesmo reconhecendo esta limitação, a seguinte reflexão organiza-se em nove partes:

1. A criação no Livro de Gênesis

2. O chamado de Abraão no Livro de Gênesis

3. O nascimento de Israel no Egito, no deserto e no Monte Sinai, no Pentateuco

4. O desenvolvimento, a decadência e a esperança de Israel nos Livros Proféticos

5. O culto e a ética do povo de Deus nos Escritos

6. O papel de Jesus como o “missionário” (enviado) de Deus nos Evangelhos

7. A expansão missionária da igreja no Livro de Atos

8. A vivência da igreja no mundo, nas Epístolas

9. A nova criação no Livro de Apocalipse.

É possível desdobrar cada um destes temas e acrescentar outros, mas as principais reflexões

missiológicas6 das últimas cinco décadas normalmente incluem estes. Cada um destes temas ajuda a

conceituar a missão integral da igreja como se vê a seguir.

6 Além do livro já mencionado de David Bosch, os seguintes estudos são ilustrativos: BLAUW, Johannes. A natureza missionária da igreja. São Paulo: ASTE, 1966; CARRIKER, Timóteo. O caminho missionário de Deus: Uma teologia bíblica de missões, Brasília: Editora Palavra, 2005; SENIOR, Donald e STUHLMUELLER, Carroll. Os fundamentos bíblicos da

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A criação CUIDADO E BONDADE:

Gênesis 1-11

Toda reflexão da Bíblia como Palavra de Deus precisa dar conta da organização canônica geral que

começa com a criação e termina com a nova criação. A criação, este mundo e esta história, não só

estabelece o palco da atuação de Deus entre o seu povo e todos os povos da terra, mas também forma uma

moldura para todo o relato a seguir. Não é pano de fundo de outro enredo “principal” e, sim, origem e

propósito finais. No terceiro milênio, mais que nunca, o povo de Deus precisa ponderar a sua “missão” de

modo tão abrangente que abrace a criação toda. Tal “tarefa” de todo ser humano precede a tarefa

evangelística da igreja, que abraça também a mesma incumbência como parte da sua missão. Antes de

termos uma missão como povo de Deus, temos uma incumbência como “gente” e, por isso, a igreja pode e

deve procurar se juntar a todos os esforços humanos que procuram o bem-estar ambiental. Eventualmente

no Novo Testamento, veremos que o alvo redentor da missão de Deus, na qual a igreja participa, abrange

não apenas a humanidade decaída como o meio ambiente todo, do qual a humanidade faz parte.

Uma missão “ecológica”7

Os relatos da criação no Livro de Gênesis ensinam que o destino e o bem-estar da criação estão

entrelaçados com o destino humano. Descrevem o papel do ser humano, fêmea e macho juntos, como

ligado ao cuidado e à ordenação proativos de todas as outras criaturas (capítulo 1) que, para isso, ele

próprio deve conhecer (nomeando) minusciosamente (capítulo 2). A história do dilúvio deixa claro que

nem a “queda” anulou esta incumbência primordial da humanidade. Portanto, assumimos a nossa

humanidade legítima, em parte, na medida em que assumimos esta “missão ecológica” da boa ordenação

do nosso meio ambiente, não apenas para o benefício humano, mas, acima de tudo, como a expressão da

imagem de Deus e para que toda a criação, na sua beleza e bem-estar, preste glória a Deus (Gênesis 1.27-

31; Salmos 8, 19, 29, 65, 93, 95, 98, 104, 107, 145, 148). Ser “gente” é ser agente no cuidado da criação.

Ser povo de Deus é ser agente da redenção da criação. Este é o mundo que o profeta Isaías espera

missão. São Paulo: Edições Paulinas, 1987; e VAN ENGEN, Charles Povo missionário, povo de Deus: Por uma definição do papel da igreja local. São Paulo: Vida Nova, 1996. 7 Poderá encontrar uma rica reflexão, repleta de citações extensas de autores sobre o tema, no trabalho de Paulo Damião: http://missao.info/?p=140 e também: http://ceuseterra.com/2007/10/16/uma-perspectiva-crista-da-ecologia/

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(capítulo 11) e que o Livro de Apocalipse anuncia, um mundo onde a justiça e a eqüidade finalmente

estabelecer-se-ão – o lobo e o cordeiro caminham juntos, e o leopardo e o cabrito dormem no mesmo leito

– um espaço e um tempo onde o mal e o dano deixam de existir e, finalmente, o conhecimento da glória

do Senhor encherá a terra como as águas cobrem o mar. É importante que a igreja mantenha a mira na

missão ecológica, tanto na sua origem como no seu alvo final.

Quanto a estas observações escatológicas, surge uma dúvida comum: a criação, conforme o relato bíblico,

não se destina à destruição? Por que perder tempo com o conservacionismo, se tudo vai virar fumaça? No

Novo Testamento, a visão apocalíptica da criação não só pressupõe o seu julgamento (2Pe 3.1-12), como

também e ultimamente a sua renovação (2Pe 3.13; Ap 21). Lemos que haverá novos céus e nova terra –

não “outros” céus e “outra” terra –, uma visão que serve de paradigma e motivação para a “missão

ecológica” da igreja.8 A redenção final da igreja, mesmo por caminhos angusiantes e como a incumbência

inicial da humanidade toda, encontra-se intimamente vinculada à sua fidelidade no cuidado da criação

(Rm 8.18-25).

Uma missão dentro da nossa história e do nosso mundo

Tudo isso significa que a esperança da igreja não é uma esperança ultramundana e extrahistórica.9 Uma

missiologia que leva a sério o papel criador de Deus, que age dentro da história humana, compreenderá o

seu destino também dentro da história e dentro do mundo ainda em construção por Deus. Não fomos

criados para fugir deste mundo e do nosso tempo, mas, sim, para redimi-los. Até uma leitura das mais

superficiais das Escrituras percebe esta proximidade, iniciativa e propósito de Deus nas atividades

humanas. A missão “integral” inclui não só os diversos ministérios da igreja em relação ao seu próximo,

mas também integra o mundo todo criado por Deus e a história toda guiada por Deus. A escatologia da

missão “integral” é uma escatologia engajada no projeto de Deus para o mundo que ele próprio criou e

ainda redimirá.10 A escatologia não é periférica à missão, pois é ela que determinará o caráter otimista ou

8 A visão paradisíaca da linguagem apocalíptica funcionava não para dispensar o povo de Deus da sua responsabilidade e engajmento no aqui e no agora em favor de um lugar e tempo remotos. Ao invés disto, servia de inspiração e paradigma para sua missão dentro da história e mundo presentes. 9 Ao contrário da interpretação superficial de 1 Coríntios 15.19, que desconsidera que a passagem toda depende da confiança na realização por Deus de algo que aconteceu dentro da nossa história e do nosso mundo concretos: a ressurreição de Jesus por via de morte. Em 1 Coríntios 15.19, Paulo denuncia a fé coríntia que tente excluir a morte nesta vida a favor duma “ressurreição” já realizada num plano espiritual e extra-terrestre, uma noção mais gnóstica que bíblica. 10 Nesta reflexão somos forçados a optar entre, por um lado, uma escatologia reformada, que avalia positivamente a ação de Deus na nossa história e no nosso mundo, e, por conseqüência, a viabilidade essencial da incumbência missionária da igreja e, por outro lado, uma escatologia que avalia com pessimismo a viabilidade de tal incumbência e a efetividade da ação redentora

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pessimista da missão da igreja: ou o engajamento pela força do Espírito na nossa história e no nosso

mundo ou a espera passiva e socialmente alheia dum celeste porvir.11

Uma missão cultural

Nos relatos da criação, parte importante da “missão ecológica” da humanidade de cuidar da criação é sua

incumbência “cultural” (mandato cultural).12 Isto é, cabe ao ser humano não só cuidar da criação, mas

também se relacionar bem com o próximo. A sua relação mais íntima entre homem e mulher e a criação

de famílias são o auge deste relacionamento e se destacam nos relatos da criação. Tanto é que o

relacionamento da igreja com Deus e com Cristo frequentemente recorre para a linguagem da relação

comprometida entre homem e mulher. Entretanto, lendo além de Gênesis 1-2, vemos que a incumbência

de se relacionar com o próximo de maneira alguma se esgota no casamento, mesmo que aqui se

exemplifique melhor. Mas a missão “cultural” abrange toda a organização dos grupos humanos nas suas

múltiplas dimensões econômicas, políticas e culturais. Logo, o desenvolvimento da “cultura” como meio

de expressar o relacionamento entre os seres humanos faz parte da “missão ecológica”.

Convém o crente participar em atividades “seculares” como, por exemplo, grupos de interesse político,

cívico, cultural ou educativo? Isto não desvia a sua atenção das atividades da igreja? Estas são perguntas

que permanecem na cabeça de muitos membros das nossas igrejas. Por um lado, a resposta é simples e

inequivocada: sim, o crente pode e deve participar porque isto compete aos seres humanos (dos quais a

igreja participa!). Além disto, é vocação dos crentes que, com a mente renovada no Espírito, são

desafiados a serem sal e luz dentro do mundo. É parte da nossa incumbência como povo de Deus, não

atividade à parte. Ser enviado por Deus é ser enviado para dentro do nosso mundo e da nossa história.

de Deus em Jesus Cristo dentro da nossa história e dentro do nosso mundo. É impossível abraçar as duas posturas simultaneamente. 11 A escatologia não é tanto o discurso sobre as últimas coisas no sentido de eventos que ainda estão por vir e por isso estão grandemente fora da cognição humana. Antes disto, é o estudo das conseqüências últimas do plano eterno de Deus já inaugurado em Cristo Jesus e ainda por ser realizado por Deus mesmo, que convida a igreja a participar desta realização. 12 O teólogo luterano alemão Dietrich Bonhoeffer distingue quatro “mandatos” na criação: do trabalho, do casamento, do governo e da igreja. Abraham Kuyper, teólogo reformado holandês, fala de dois: o mandato cultural e o mandato redentor. Ambos estão antecipando, para além da leitura de Gênesis, o papel missionário da igreja. Preferimos falar da “missão” ou “mandato” do ser humano em Gênesis em relação à criação (“ecológica”) e dentro da criação, em relação ao seu próximo (“cultural”). Somente depois, à medida que se desenvolve, é possível falar duma missão mais específica (“redentora”) em relação aos outros povos.

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Uma missão ética

Boa parte de Gênesis 1-11 fala do fracasso humano em relação à sua incumbência dada por Deus, da

mesma forma que boa parte do Antigo Testamento focaliza o fracasso do povo escolhido em relação ao

seu papel diante de Deus e diante do mundo. Aliás, em Gênesis 3-11, o fracasso humano aumenta e se

intensifica cada vez mais. Esta observação dá muita sobriedade à reflexão a respeito da missão “integral”.

É preciso computar o fracasso humano e o fracasso do povo de Deus, quando se contrói uma noção de

missão dos dois. Desde o princípio, a missão se revela ultimamente “de Deus”. Por isso, distinguimos

missio Dei de missiones ecclesiae. Temos uma incumbência, sim. Entretanto, ela se desenvolve em meio

ao fracasso e freqüentemente alheia ao plano de Deus para a sua criação. Se o resultado da presente

reflexão for apenas o de parabenizar o bom desempenho institucional da igreja, então teremos fracassado

miseravelmente. As exortações dirigidas para o povo de Deus, explicitamente em boa parte do Antigo

Testamento (os profetas anteriores e posteriores) e também do Novo Testamento (as Epístolas, Apocalipse

2-3) e implicitamente no restante da Bíblia, exigem de nós sempre uma autocrítica.

Com o fracasso humano, surge uma necessidade de reparo e restauração. O Deus que age na história e no

mundo é o Deus que resgata e que restaura. Com a queda, já surge uma promessa, ainda que enigmática,

de restauração (Gn 3.15). Ao longo das Escrituras, esta promessa de endireitar o mundo e a humanidade

caídos e aviltados é ação divina, mas também envolve a participação humana (Gn 12.3). Assim, junto com

a queda nasce, em primeiro lugar, a missão salvadora de Deus e, depois e eventualmente, a missão

evangelística da igreja. Esta situação de malignidade dum mundo declarado “bom”, “muito bom” e

abençoado por Deus (Gn 1.4, 10, 12, 18, 21, 25, 28, 31; 2.3) gera, portanto, a necessidade de retificação.

Desde o princípio e fundamental à fé bíblica, existe a preocupação pela ética, pela justiça e pelo

endireitamento do mundo em todos os aspectos.

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O chamado de Abraão e Sara BÊNÇÃO E ELEIÇÃO:

Gênesis 12-50

O fracasso cada vez maior do ser humano em Gênesis 1-11 nos prepara para a “solução” de Deus a partir

de Gênesis 12. Aqui, lemos a respeito do chamado divino dirigido a um casal, Abraão e Sara, que formou

um grande povo, que, por sua vez, irá exerceu um papel fundamental no alcance das nações.

Uma missão participativa

Há uma observação importante para ampliar a noção de “missão” ao ponto mais integral possível: tanto na

incumbência dada ao ser humano na criação quanto na “eleição” de um povo para levar adiante a tarefa

inacabada de “bem-fazer” ou “abençoar” o mundo (Gn 1.31; 12.3), ambos os gêneros humanos são

inclusos como participantes iguais e igualmente incumbidos. O “homem”, como macho e fêmea, e os

ancestrais do povo de Deus, tanto Abraão quanto Sara, recebem a designada “missão” (Gn 1.27; 12.1-3;

17.15-22). Isso implica tanto na luta pela quebra de preconceitos de gênero na sociedade, quanto na

capacitação e delegação de autoridade para ambos os gêneros, não para a competição, mas, sim, para a

plena participação como parceiros na missão de Deus.

Uma missão de abençoar

Quanto à incumbência em si, é importante reparar que o alvo inicial da “missão” dada para o povo de

Deus13 eleito em Gênesis 12 não se define em termos das penas ou galardões eternos da salvação, mas,

sim, em termos de “bênção”.14 A primeira expressão da missão do povo de Deus é “abençoar” os outros

povos com a mesma incumbência criativa inicial que a humanidade recebeu de Deus. Logo, embora

possamos falar de ecos de “fé” e “justificação” (Gn 15.6), na história de Abraão e Sara, a ênfase parece

estar no bem-estar do povo de Deus e, por meio dele, de todos os povos do mundo. Por outro lado, a igreja

primitiva entendeu a incumbência de “abençoar” como um tratamento da queda e do pecado (At 3.25, 26)

que restabelece nossa devida relação com Deus por meio de Jesus Cristo (Ef 1.3-4). Abençoar, portanto,

desemboca na tarefa de anunciar as boas notícias de que, em Jesus, Deus provê o meio definitivo para

13 Os componentes da aliança estabelecidos em Gênesis 12 se repetem para gerações subseqüentes ao longo do relato do livro. 14 A palavra para “abençoar” na língua hebraica, na sua forma verbal piel, significa “delegar ou declarar poder para sucesso, fertilidade e prosperidade” (veja o mesmo uso em Gênesis 1.22, 28 e 2.3).

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reatar os nossos laços com Ele como seres criados à sua imagem e à sua semelhança. Missão, antes de

tudo, é abençoar os povos com as boas novas do cumprimento dos propósitos de Deus em Jesus Cristo.

A promessa de abençoar todas as famílias da terra através de Abraão e da sua descendência não é

promessa passageira, mas se repete diversas vezes ao longo de todo o Livro de Gênesis, primeiro, para

Abraão (Gn 13.14-16; 15.5-7,18; 17.4-8; 18.18; 22.15-18) e, depois, para cada um dos seus descendentes

(Gn 26.2-4,24; 28.3-4, 13-14; 35.9-12; 48.16; 49.22). É uma das promessas mais fundamentais de toda a

Bíblia porque serve de base para as demais promessas. Tão importante era que o apostólo Paulo

considerou-a como o “preanúncio do evangelho” (Gl 3.8).

Uma missão litúrgica

Outra observação importante: “missão” não é antagônica nem periférica à vida e ao culto do povo de

Deus. O culto já aparece na aliança abraâmica como conseqüência final deste trato de Deus com um povo

específico (Gn 12.7-8). A missão do povo de Deus leva ao culto a Deus. O culto define o propósito último

da missão como a missão dá definição e sentido à vida eclesiástica. A missão da igreja não é mera

subdivisão da sua vida e, sim, a sua vocação essencial. “Missão” é algo primordial na definição do povo

de Deus, mas não é a sua finalidade última. O culto o é.

Uma missão mundial e multicultural

A incumbência dada a Abraão e Sara, aos seus descendentes e ao seu descendente mantém, por definição,

a participação no povo de Deus sempre abrangente. A “sua” bênção é meio para “abençoar” todas as

famílias da terra. Não se cumpre até que povos de todas as etnias, povos e raças sejam incluídos no povo

de Deus (Mt 24.14; 28.18-20). Esta caractéristica de missão ganha destaque ao longo das Escrituras, como

veremos em seguida. A igreja que limita a abrangência da sua missão ou em termos étnicos ou em termos

geográficos não percebeu a natureza mundial e multi-étnica da sua incumbência e se caracteriza mais pelo

provincialismo do que pela inclusividade inerente da sua missão.

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16

O Egito e o Monte Sinai LIBERTAÇÃO E ALIANÇA:

Êxodo – Josué

Se o primeiro livro do Pentatêuco relata a chamada (eleição) de um povo para Deus, os outros quatro

elaboram a sua formalização (aliança). Aqui lemos de três principais eventos: a libertação da opressão

egípcia, a peregrinação no deserto e o estabelecimento da aliança no Monte Sinai. Também lemos de duas

grandes instituições deste povo: o culto e a lei.

Na libertação, aprendemos que Deus age dentro da história humana, que a justiça é sua marca e que ele

age na história tanto através da humanidade quanto poderosa ou independentemente dela. Na

peregrinação, aprendemos que seguir Javé significa passar por deserto (no Novo Testamento: tomar a sua

cruz), exige fé e dependência de Deus que é o nosso sustento suficiente, e que temos um destino adiante.

Na aliança sinaítica, aprendemos que o povo de Deus, mesmo chamado à parte dos outros povos,

novamente, como no chamado de Abraão, encontra a sua vocação em favor dos povos:

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha

aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos;

porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa.

São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel (Êx 19.5-6; cf. 1Pe 2.9)

Sua missão seria de obediência total e diária de Deus (como no deserto) que as instituições da lei e do

culto elaboram e especificam. Mais uma vez, as instituições do povo de Deus servem a um propósito

maior, um propósito “missionário” em favor dos povos e ultimamente um propósito de glorificar a Deus.

“Missão” na experiência do êxodo, do deserto e da aliança se caracteriza pela libertação da opressão, pela

justiça de Deus, pela ação de Deus na história humana (missio Dei), pela intercessão incessante, pelo culto

e pela ética do povo de Deus. Nisto, os conceitos de “missão” elaborados até aqui são reforçados e

adiantados.

São adiantados especificamente pela emergência e desenvolvimento das instituições da lei e do culto. A

lei, por sua vez, abrange toda a vida do povo de Deus, e ainda leva em conta a inclusão do estrangeiro e o

tratamento justo dos órfãos e viúvas. Integralidade está no coração do conceito da vivência do povo de

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17

Deus. Também o alvo mundial e multi-étnico do culto se estabelece logo no princípio da aliança mosaica

pela especificação vocacional dos agentes do culto (sacerdotes) que intercedem a favor de todos os povos

(Êxodo 19.5-6; cf. 1 Pedro 2.9). Nisto, entendemos que a integralidade da missão se refere não somente à

diversidade de ministérios que a igreja exerce em relação ao mundo. Também implica na amplitude do

alvo destes ministérios no alcance de todos os povos, todas as raças, e todos os grupos sociais no mundo

todo.

O reino JULGAMENTO E MISERICÓRDIA:

Os Profetas

Se o papel missionário do povo de Deus encontra maior definição no Pentatêuco, nos Profetas15 a ênfase

está cada vez mais no seu descumprimento, o subseqüente julgamento de Deus e a promessa da

misericórdia e libertação vindouras do Deus justo, poderoso e íntegro. Também, se a figura de Abraão

domina o Livro de Gênesis e a figura de Moisés domina o resto do Pentatêuco, é a figura de Davi e do seu

“descendente” que recebe mais destaque nos Profetas e nos Escritos.

Uma missão de serviço

Notório entre as “promessas” é o cumprimento do papel missionário de um “descendente” de Eva (Gn

3.15), de Abraão (Gn 12.7; 13.15; 15.18; 17.7; 22.17), de Moisés (Dt 18.15-18), de Davi (2Sm 7.12-17; Sl

72) e, assim, o cumprimento do mesmo papel do povo de Deus (Is 42.6; 49.6; 51.4). O Servo é um

descendente fiel de Deus e servo também é o seu povo. A missão é de serviço e é de seguir o modelo de

um Santo, que Deus revelará para cumprir os seus propósitos para todas as nações do mundo. A missão,

também, tem a ver com libertação, justiça e eventualmente a remoção das iniqüidades humanas (Is 53). É

nos Profetas, especialmente em Isaías, que aprendemos que a missão do povo de Deus, acima de tudo, é

seguir a missão do próprio Deus e, assim, cumprir o destino do ser humano, criado à imagem do seu

criador, isto é, o destino de ser o seu representante neste mundo e nesta história.

15 Por “Profetas” contemplamos tanto os “anteriores” (às vezes chamados de Livros Históricos) quanto os “posteriores” (comumente dividos em “maiores” e “menores”). A extensão da história relatada, e não do período da sua composição, é desde o final do período dos juízes, percorrendo as diversas monarquias e cativeiros, até o período pós-exílico.

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Uma missão escatológica

Nas Escrituras todas, Deus se revela como o Deus que age dentro e através da história. Repetidas vezes,

lemos que o fracasso do povo de Deus não impede o avanço dos propósitos de Deus na história, mesmo

que Deus o convide a ser o seu agente de transformação no mundo. Nos profetas, uma das ilustrações mais

notórias desta missio Dei é a história de Jonas. A sua desobediência não impede o alcance da misericórdia

de Deus para com os ninivitas. E a parábola do verme, que fere a planta que dá sombra para Jonas, ilustra

como o povo de Deus se preocupa com coisas mesquinhas e pouco se importa com a vida dos outros, que

é de suma importância para Deus. Por trás destas e outras narrativas proféticas está o Deus que avança os

seus propósitos, ora por meio do seu povo, ora apesar dele.

Uma missão profética

No Antigo Testamento, são os Profetas Posteriores que mais destacam a dimensão crítica e denunciadora

da missão, tanto que a qualificativa “profética” no meio cristão já adquiriu esta conotação abrasiva. Esta

missão é uma faca de dois gumes. Às vezes, a critíca é dirigida à injustiça e à idolatria das nações.16 Mais

freqüentemente, é dirigida à injustiça e à idolatria do povo de Deus.17 Quando a injustiça dentro do povo

de Deus se manifesta, abafa toda a barulheira do culto (Am 5.23).

O culto e a cultura FIDELIDADE E COMUNICAÇÃO:

Os Escritos

Assim chegamos aos Escritos, comumente negligenciados em relação à sua contribuição missiológica.

Aqui, entretanto, destacamos duas lições de tremenda relevância para a idéia de “missão integral”.

Uma missão contextualizada

Em primeiro lugar, especialmente a literatura sapiencial, mas também os Salmos estabelecem uma postura

de abertura e diálogo entre o povo de Deus e o mundo. Isto ocorre pelo freqüente aproveitamento e

adaptação de metáforas e ditados estrangeiros dentro deste dois tipos de literatura. Os Escritos oferecem

16 Para a denúncia contra as nações, veja especialmente Jeremias 46-50. 17 Para a denúncia da idolatria entre o povo de Deus, veja, por exemplo, 1 Reis 4.20-25 e a narrativa sobre os profetas de Baal em 1 Reis 18. Para a denúncia da opressão entre o povo de Deus, veja 1 Reis 5.13-18; 9.15-22; Isaías 1.21-23; 7.1-9; 37. 33, 35; Amós 3.8; 9.8-10; Oséias 4.11-14, 17-19; 6.8-10; Isaías 59; Salmo 53.

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um modelo importante para uma avaliação essencialmente positiva da cultura. Como Deus se encarnou

para nos alcançar, a igreja adota uma postura otimista na sua busca de aproveitamento de elementos

culturais para conduzir o seu culto e para expressar as verdades da vida diária.

Isto é uma importante qualificação da postura de confronto que encontramos freqüentemente nos Profetas.

“Missão” implica num diálogo entre igreja e sociedade, não um diálogo que abre mão do senhorio e

soberania do único Deus, mas um diálogo que, mesmo assim, busca as verdades num mundo criado por

Deus e impressas em todos os povos, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, mesmo

procedentes de outras religiões.

Missão como “diálogo”, embora não abra mão do senhorio do único Deus, mantém uma postura

essencialmente evangelística (de boas-novas) de um Deus que se revela ao ser humano dentro do seu

contexto e da sua cultura. Logo, não cabe uma postura proselitista (de más-novas) de um Deus que

somente se revela dentro da cultura cristã predominante, e não em todas as culturas que, por serem

humanas, refletem algo da imagem e semelhança de Deus.

Uma missão que chama para o culto

Em segundo lugar, os Escritos, em especial os Salmos, nos ensinam que missão envolve poesia e música.

Missão e culto, de fato, são dois lados da mesma moeda. A liturgia que agrada a Deus não é aquela que

afasta os diversos povos e, sim, a que os atrai. Não só atrai os povos como também a criação toda no

louvor e adoração a Deus, Javé. Missão, portanto, não é apenas ir ao encontro das nações (movimento

centrífugo), mas também atraí-las ao culto e à adoração a Deus (centrípeto). Assim, somos lembrados que

a nossa missão, por mais que ela nos defina, não é última. Último é o culto a Deus. Missão é a maneira de

chegar ao que é último, encher a terra com o conhecimento da glória do Senhor. Missão, logo, é o que

mais orienta o nosso culto, e o culto a Deus é a razão da nossa missão.

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20

Jesus CUMPRIMENTO E MODELO:

Os Evangelhos

Os escritores do Novo Testamento, a igreja primitiva e nós entendemos que o Servo de Deus é Jesus (At

3.24-26; Rm 15.8-9; Hb 1.1-4). Ele é o cumprimento das promessas feitas por Deus aos pais (Abraão,

Moisés e Davi) e modelo para a igreja.

Uma missão segundo o cumprimento por Deus (missio Dei)

Jesus cumpriu as promessas de Deus a Abraão, a Moisés e a Davi. As promessas a Abraão são de

abrangência nacional e internacional, e correspondem aos dois imperativos de ser povo de Deus e de

abençoar as nações. Estas promessas se aplicam ao patriarca e à sua descendência, esta última se referindo

ao povo de Israel e, também, a um descendente individual, fiel e real, que abençoará todos os povos do

mundo.

As promessas para Moisés, semelhantemente, assumem as mesmas duas dimensões, externa e interna. Só

que a natureza condicional da promessa e a incumbência de obediência por parte do povo de Deus se

formalizam através da lei e do culto. A lei e o culto serão duas áreas críticas para avaliar a obediência de

Israel. Fracassos nestas duas áreas, através da injustiça moral e social em relação à lei, e através da

adoração a outros deuses em relação ao culto, constituíram a decadência de Israel e a quebra da aliança

com o Deus Supremo.

As promessas a Davi se apresentam como um desdobramento das promessas anteriores. São de natureza

qualitativa e quantitativa. Isto é, o reino do descendente de Davi será qualitativamente de justiça e

eqüidade, e será eterno. Quantitativamente, as promessas, por um lado, se estreitam através do

remanescente até a figura messiânica. Por outro lado, se alargam na medida em que o Israel fiel e o servo

fiel e real serão luz para as nações. Desta maneira, as promessas, colocadas lado a lado, de bênção para a

nação e bênção para os povos da terra se realizarão.

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Jesus Cristo cumpriu as promessas de Deus a Abraão18, a Moisés19 e a Davi20. Assim, estabeleceu a

inauguração duma nova criação, de bênção para todas as nações e do governo de Deus.

Uma missão segundo o modelo de Jesus

Sua mensagem, seu ministério, sua crucificação e sua ressurreição, todos são paradigmáticos para a

missão da igreja (João 20.21). Sua mensagem, que exige arrependimento, oferece perdão e anuncia que o

dono deste mundo é Deus, e não os senhores deste mundo, é também a mensagem missionária da igreja

(Mc 1.14-15; cf. At 2.38; 3.19, 25-26; 4.12). Seu ministério tríplice, de cura, libertação e proclamação, é o

mesmo ministério missionário da igreja (cf. At 2.43; 3.1-10; 5.12-16; 8.7; 9.32-42; 14.3, 8-10; 16.16-19;

28.8-9). Até mesmo a sua crucificação e a sua ressurreição são paradigmáticos para a vida (Rm 5.17; 6.8-

11; 8.11) e para a missão da igreja (1 Coríntios 1.18-25; Colossenses 1.24). Para a igreja, ser criado à

imagem e à semelhança de Deus adquire uma dimensão mais específica que a dimensão original para a

humanidade toda. Significa imitar ou seguir a Jesus. “Assim como o Pai me enviou, eu vos envio” (Jo

20.21).

Urge uma ação missionária da igreja que siga o padrão destes três aspectos do modelo de Jesus: sua

mensagem, seu ministério, e sua crucificação e ressurreição. Assim, uma missão integral procura emular,

pela presença do Espírito Santo na sua vida, a própria presença de Cristo, e sua missão reflete o cerne do

missio Dei, isto é, solus Christus, como o princípio protestante mestre (principium theologiae) dos outros

três gritos: sola Scriptura, sola fide e sola gratia. Colocar-se à disposição da missio Dei significa assumir

a postura radical de refletir a missio Christi, de novo, na sua mensagem, no seu ministério, e até mesmo na

sua crucificação e ressurreição. Consideremos, primeiro, a sua mensagem de arrependimento, perdão e

anúncio da chegada do reino de Deus.

18 Mateus 1.1,17; 8.11; Lucas 1.54-55, João 8.56; ver os discursos de Pedro em Atos 3.25-26 e Paulo em Gálatas 3.16. 19 João 1.17, 45 (cf. Deuteronômio 18.15); 3.14-18; 6.32-35; Hebreus 3.1-6; 8.1-2; 9.13-15, 24-25, 27-28; 8.6; 9.15; Romanos 3.31; 10.4; Gálatas 3.24. 20 Os escritores do Novo Testamento afirmam que as promessas para um descendente de Davi, em 2 Samuel 7.12-16 e Salmo 72, foram cumpridas em Jesus. As seguintes passagens são ilustrativas:

• Mateus 26.61: constuirá a casa de Deus; • Atos 26.22-23: reinará eternamente; • Mateus 14.33: será para Deus por filho; • Lucas 4.17-19: terá sempre a misericórdia de Deus, i.e, julgará com justiça e eqüidade; • Efésios 1.3: um domínio pelo mundo inteiro; • Mateus 1.1, 17: Filho de Davi.

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22

O “reino de Deus” é um conceito teológico central para uma teologia da missão e, conseqüentemente, para

o entendimento da missão como sendo integral. Falar em reino de Deus é afirmar que Deus reina e

governa a criação e a história. Georg Vicedom define o reino de Deus como sendo o senhorio de Deus.

Para Zabatiero, o reino é o projeto histórico de Deus que pretende estabelecer uma sociedade perfeita, sem

injustiças ou sofrimentos. O reino é, portanto, o símbolo que expressa a ação de Deus no mundo, hoje e no

futuro. Este símbolo é marcado por uma dupla dialética: entre presença e futuridade; e entre ação humana

e ação divina. “A simultaneidade de presença e a futuridade do reino de Deus estão numa tensão

dialética.”21 Crer que o reino é, a um só tempo, presente e futuro passa pela compreensão de dois

aspectos, ou seja, primeiro, que, em Jesus e no seu ministério, o reino entrou para a história e ainda hoje se

manifesta no mundo; e, segundo, que o mesmo reino aguarda, na história ou além dela, uma consumação

onde alcançará a plenitude. Entretanto, presente e futuro são características formais do reino. O que

importa é o que é o reino.22

Há um projeto histórico de Deus para a humanidade e isso se enquadra na reflexão que Zabatiero faz

utilizando-se dos textos proféticos de Isaías 11.1-6 e 65.17-25. Quem não deseja uma sociedade perfeita?

Nessa perspectiva, esses dois textos trazem no bojo, de forma poética, a utopia de uma sociedade perfeita,

marcada pela ausência de sofrimentos, injustiças, etc., descrevendo a forma histórica que o reino de Deus

tem como objetivo assumir no seio da humanidade. Um reino com ênfase num relacionamento perfeito

entre Deus e as pessoas a quem Ele criou à sua imagem e semelhança (11.1-5); repleto do louvor marcado

pela alegria diante da majestade divina (65.17-19); com a ausência de pessoas carentes e oprimidas, as

quais terão direito a moradia, trabalho, terra e vida.23

A igreja, por sua vez, enquanto espera a vinda do seu Senhor, desempenhará a sua missão, não sem

direção, mas tendo o reino de Deus como seu ponto de referência e seu paradigma.24 Sustentado pelo

poder do Espírito Santo, o projeto histórico de Deus será o projeto histórico da igreja. Caberá, portanto, à

igreja, como parceira de Deus, com base na sua graça, viabilizar esse projeto para a humanidade, o qual

foi inaugurado decisivamente por Jesus Cristo, pois, nele, a utopia se torna topia, ou seja, sonho possível.

21 BRAKEMEIER, G. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo, Sinodal, 1984, p. 14. 22 FACCIO, Flávio Braga. “Os sinais do reino de Deus na História” em Boletim Teológico – Fraternidade Teológica Latino-Americana. 21. Julho-setembro/1993, p. 18. 23 ZABATIERO, J.P. Tavares. Liberdade e Paixão. Missiologia latino-americana e o Antigo testamento. Londrina: Descoberta, 2000, pp. 153-154. 24 Ibid., p. 156.

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23

Ao anunciar e sinalizar o reino de Deus, a igreja apresenta ao mundo um aperitivo daquilo que deve ser a

humanidade na perspectiva divina. Freitag se valeu da centralidade do conceito de reino de Deus na

mensagem de Jesus para mostrar os sinais que, na história da igreja, indicam os propósitos de Deus, ou

seja, como o reinado futuro de Deus exerce influência sobre o presente. Como afirma Cullmann, o “já” do

reinado de Deus excede seu “ainda não”.25

Em Jesus Cristo, a utopia do reino começa a se concretizar historicamente. Com Ele, o reino se realiza de

forma humanamente perceptível. Há certa dificuldade para se afirmar que, naquele Jesus, sem força,

falando de paz, demonstrando poder através do serviço, Deus estabeleceu seu reino no mundo. Jesus

mostra, através de sua prática, o modo de ser do reino de Deus. As atitudes de Jesus constituem sinais do

reino, pois, através delas, Deus restaura e promove a vida das pessoas. Deus se faz presente na cura dos

enfermos, na ressurreição dos mortos e no anúncio do Evangelho aos pobres (Lc 7.18-23).

Tendo o reino de Deus como paradigma, a prática cristã deve nos tornar aliados no que Ele já está

fazendo, tornando-nos seus instrumentos para a construção de um mundo melhor. Para tanto, precisamos

estar atentos à sua maneira de agir na história. Nesse sentido, os sinais do reino como sendo as

manifestações da ação divina no mundo precisam se fazer presentes na nossa vida. Nessa perspectiva, a

igreja tem a responsabilidade de manifestar o reino por meio da unidade, da diaconia, da solidariedade, da

ação social, da ação política e através da pregação do Evangelho.

Uma missão universal

Jesus também tira qualquer dúvida de que os propósitos de Deus e a incumbência do seu povo somente se

realizam quando atingem toda raça, toda classe social e toda etnia neste mundo. Como Jesus quebrava

barreiras no exercício do seu ministério, a igreja jamais poderá se contentar com um enfoque no status

quo, mas profeticamente segue os passos do seu Senhor ao anunciar que a mesa do banquete escatológico

está posta e os excluídos pela sociedade serão os primeiros convidados.

Uma missão transformadora

Somos enviados segundo o modelo de Cristo (Jo 20.21). Qual foi a vocação missionária de Jesus, então,

que imitamos? É uma missão que segue a tradição profética de priorizar os pobres e trazer a justiça de

25 Cf. BOSCH, op cit., p. 603.

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Deus especialmente aos mais injustiçados (Lc 4.18-19). Acima de tudo, é uma missão de serviço e não de

dominação (Jo 13). Esta postura não pode ser ultrapassada quando a igreja contempla a “grande comissão”

dada por Jesus (Mt 28.18-20; Lc 24.44-48; At 1.8). Se o for, corre o perigo de se transformar em

programa triunfal e conquistador, uma característica que, tragicamente, acompanha a história da igreja e

que precisa ser constantemente denunciada. A cruz é mais que um enfeite cristão. É paradigma do nosso

discurso (1Co 1.18-25) e da nossa ação. Não só assumimos a via crucis como estilo do discipulado (Mc

8.34-38), mas também aceitamos o sofrimento em prol do evangelho como meio de efetuar o resgate por

Deus da sua criação (Rm 8.18-25) e meio pelo qual construimos a igreja (Cl 2.24).

Existe uma tensão entre a ênfase no evangelho que prioriza a conversão a partir de uma esperança apenas

futura, que não considera a necessidade de edificação de um mundo melhor e mais digno no momento

presente, e a que enfatiza um evangelho que não possui vínculo algum com o transcendente, ou seja, sem

verticalidade, conversão a Cristo, discipulado e temor. São duas posições extremas. A primeira se

preocupa apenas com o que está além mundo, com forte ênfase na salvação futura das almas (salvação

eterna), fazendo com que a vida presente se resuma a uma separação do mundo e a uma preparação para o

que está por vir, sem nenhuma preocupação com os problemas sociais, políticos, ecológicos, etc. É a

dimensão que considera que a vida depois da morte é mais importante do que a vida que vivemos aqui e

agora. O outro extremo é o da preocupação exclusiva com os trabalhos de promoção humana e

transformação de estruturas sociais, políticas, etc. Em ambos os extremos, falta a compreensão de que

uma dimensão sem a outra torna-se excludente e não contempla a dimensão integral do reino de Deus,

relacionado a um preceito importante da teologia da missão integral da igreja: “o evangelho todo, para o

ser humano todo, para todos os seres humanos.”

Alegramo-nos, sim, quando a igreja cresce na sua estatura e no seu alcance. Entretanto, é preciso

incentivar a igreja a não se contentar em contar almas, visando apenas o crescimento numérico, mas a

entender que a sua tarefa continua durante todo o tempo em que o pecado se manifesta na vida humana,

através da opressão, do racismo, das falsas religiões, das estruturas sócio-econômicas injustas, das

rupturas familiares, das drogas, da imoralidade e da corrupção.26 Sendo assim, entendemos que a missão

se constitui em luta contra o pecado na sua forma mais ampla: o pecado que prende o ser humano no seu

egoísmo, no seu individualismo, na sua ganância e na sua alienação.

26 ZABATIERO, ibid., 156.

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25

Uma missão de múltiplas interpretações

Os evangelhos nos deixam com uma ressalva a respeito da tarefa de interpretar a nossa missão. Quatro

testemunhos que refletem as quatro personalidades dos seus quatro autores e as quatro situações das suas

comunidades eclesiais não nos permitem falar da nossa tarefa de modo único e 100% consensual. Diversas

interpretações não implicam no comprometimento da revelação divina e, sim, estabelecem a necessidade

da multiplicidade das nossas visões. Não que não haja concordância e unanimidade substanciais entre os

quatro evangelhos, apenas que os sabores distintos de cada um são paradigmáticos para o nosso pensar

missiológico. Uma vez reconhecido este papel da existência de quatro evangelhos, reparamos semelhante

fenômeno ao longo das Escrituras: diversos relatos da criação, diversos livros de lei, diversos relatos

históricos de Israel, diversos livros proféticos, epístolas de diversos autores com suas perspectivas

peculiares e diversas intenções e posturas pelo mesmo autor entre suas diversas epístolas. Buscamos a

unidade da fé e a concordância. Ao mesmo tempo, englobamos perspectivas que divergem da perspectiva

peculiar de qualquer um. Assim, espelhamos a universalidade do alvo missionário de levar todos os povos,

raças e nações a cultuar o único Deus.

O nascimento da igreja COMPROMISSO E EXPANSÃO:

Atos

Provavelmente nenhum outro livro bíblico é mais procurado que o livro de Atos como referencial para a

missão da igreja. Ele nos conta da expansão da igreja e do seu comprometimento com a fé nascente.

Embora seja necessária cautela na aplicação das suas práticas ao nosso tempo, nem por isso deixa de

fornecer desafios ao nosso empenho. O livro de Atos nos deixa duas “dialéticas”. Primeiro, se, por um

lado, a missão se desenvolve de maneira soberana e sobrenatural – pelo poder do Espírito Santo –; por

outro lado e ao mesmo tempo, avança pelo esforço sacrificial, mesmo que falho, do povo de Deus.

Segundo, por um lado, no livro de Atos encontramos a igreja toda engajada na proclamação das boas-

novas; por outro lado, destaca-se especialmente o papel de alguns vocacionados específicos.

Missão como expansão estratégica

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26

Por um lado, a missão avança pela atuação do Espírito na vida da igreja e dos apóstolos. Em cada nova

fase de expansão, o Espírito se faz presente por meio de sinais e prodígios (2.3-13; 8.15-17; 10.44-45;

18.24-28). E o Espírito possibilita a intrepidez no anúncio do evangelho (4.1-31; 6.5, 10, 55; 12.11-12;

28.31; cf. Ef 6.19; Tt 3.13). Há grande esperança de que o “conhecimento da glória do Senhor”, de fato,

no decorrer da história, encherá a terra como “as águas cobrem o mar” (Hc 2.14). E há ênfase na expansão

e no estabelecimento constante de novas fronteiras.

Nesta expansão em Atos, algumas estratégias começam a se desenvolver. Acima de tudo, destaca-se o

papel da oração como a postura normal e mais comum da igreja (1.14, 24; 2.42; 4.23-31; 12.5, 12; 13.3;

14.23). Junto com a pregação, a oração é a atividade mais comum dos apóstolos/missionários (3.1; 6.4, 6;

8.15; 9.11; 10.9; 11.5; 16.13, 16, 25; 21.5; 22.17; 28.8). A recomendação de Paulo para que a igreja ore

“em todo o tempo, no Espírito” (Ef 6.18), diante do relato do livro de Atos, só nos parece extraordinária

porque não reflete mais a atividade mais comum da igreja. A suprema estratégia da igreja em missão é a

oração pela atuação de Deus através do seu ministério. No caso de Atos e das Epístolas, as estratégias

conseqüentes da oração incluem o enfoque nas cidades principais do império, a promoção de igrejas

autóctones pela transferência rápida do poder decisivo para líderes locais (20.28-31) e a identificação de

pessoas “chaves”, como Cornélio, Lídia e outros, para a implantação da igreja.

Por outro lado, a missão em Atos avança em meio a perseguição e grande sacrifício (5.17, 40-41; 12.3;

14.14). O último terço do livro inteiro (caps. 21-28), ao mesmo tempo em que relata as “viagens

missionárias” de Paulo (caps. 13-20), focaliza o aprisionamento e a defesa de Paulo diante de diversas

audiências. A história não é nem somente nem principalmente de poder e glória. É uma saga de muito

esforço humano, de lutas, de desistências (13.13) e de portas fechadas (16.6-7).

Missão por todos e por alguns vocacionados específicos

Enquanto o livro de Atos descreve a igreja toda como uma comunidade missionária, também destaca o

papel de algumas pessoas vocacionadas em particular para o avanço do evangelho e o estabelecimento de

novas comunidades de fé. Lemos, logo, do papel marcante de Pedro no início desta caminhada (1.15;

2.14; 4.5-13; 5.1-11; 8.14). Freqüentemente, João o acompanha. Também lemos narrativas inspiradoras de

Filipe e Estevão (6.8; 8.5). Mas quem acaba predominando na história que Lucas nos traz é o apóstolo

Paulo. Surge como principal opositor e se revela como o principal defensor e o maior articulador do

Page 27: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

27

movimento. Os Evangelhos e as cartas dos outros apóstolos evidenciam o esforço e o cuidado deles na

proclamação do evangelho para o leste e para o sul. E, mesmo que Paulo predomine no livro de Atos,

Lucas o descreve como uma pessoa que sabia dividir o trabalho com outros obreiros capazes, tais como

Barnabé (13.2), Silas e Judas (15.22), João Marcos (12.25), e Priscila e Áquila (18.2). Mas, pelo

testemunho de Paulo, havia mais parceiros ainda (Rm 16). Eram seus amigos, seus parentes e seus co-

obreiros. Até mesmo as suas cartas, em sua maioria, ele não as escreve sozinho. A missão envolve mais do

que a igreja toda, avançando também por meio de vocacionados específicos, mas o “missionário” nunca

trabalha sozinho. Sempre desenvolve o seu ministério no colegiado de uma equipe. Quando a igreja

desenvolve o seu ministério por equipes, espelha a própria Trindade.

A vida da igreja ACERTOS E DESACERTOS:

As Epístolas

As Epístolas preenchem uma lacuna deixada pelo livro de Atos ao apresentar-nos a vida diária das igrejas

nascentes com seus acertos e desacertos. Os seus problemas e desafios são tão variados quanto o número

das cartas e demonstram que contextos diferentes e grupos sociais diferentes exigem tratamento

diferenciado. Não existe um “manual” definitivo de “como fazer” a missão da igreja. Ao invés disto,

existem instruções de como não fazê-la.

Missão como re-comprometimento

A mensagem incessante das Epístolas nos deixa sóbrios. Aqui, aprendemos que a missão ocorre em meio

a má compreensão, desobediência e necessidade de re-comprometimento. Urge uma postura constante e

ousada da igreja para sempre se reformar. Aqui, o anúncio é de salvação e o chamado é para revestir-se do

“novo homem”. Enquanto o livro de Atos descreve a igreja em pleno crescimento numérico e de fé, as

Epístolas deixam igualmente claro que a igreja precisava constantemente crescer também em sua

profundidade e na sua transformação social. De outra sorte, perde as suas qualidades de sal e luz

(comparar as cartas às sete igrejas do Apocalipse). Um crescimento integral envolve engajamento no

serviço (diaconia) e investimento na educação e capacitação dos seus membros para o exercício dos seus

ministérios (Ef 4.12-13)

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28

Missão como pastoral

O maior missionário da igreja primitiva, Paulo, no livro de Atos, plantava igrejas. Nas suas próprias

cartas, desenvolve o trabalho pastoral. Nem menciona a “grande comissão” (mas ver Rm 10.14-15; 2Tm

4.2). O que faz é deixar o modelo do seu ministério, um ministério essencialmente pastoral. Paulo, o

grande missionário, escrevia cartas pastorais. Sabia que igrejas fortes, fiéis e engajadas eram o maior

segredo da expansão missionária (Ef 3.10; 1Ts 1.6-8). E, por isso, vivia a tensão de se distanciar delas,

para permitir o seu próprio desenvolvimento autóctone, e de manter-se próximo delas através das cartas,

para corrigi-las e motivá-las na nova vida em Cristo. As igrejas eram a evidência concreta de que a era

vindoura de Deus havia sido inaugurada e de que a era do Espírito havia chegado de modo visível. E, por

isso, era tão importante a implantação de igrejas sadias e marcadas pela presença do Espírito e pela nova

época escatológica inaugurada por Jesus.

Missão como carisma (graça)

Para Paulo, isto significava que, entre as marcas da igreja, estão ou deveriam estar uma vida pela fé, uma

ética conforme os moldes de Deus e, até mesmo, manifestações extraordinárias de Deus (Gl 3.5; 1Co 12,

14). Urge o testemunho de novas comunidades marcadas pelos carismas de Deus, onde todos possuam um

papel e ministério, onde a união e a concórdia dominem, e onde a justiça se manifeste nas vidas dos fiéis

e, por meio deles, na transformação da sociedade.

Missão priorizada

O norte da missão sempre é o conhecimento da glória de Deus (Hc 2.14). Este é o alvo final e a igreja

precisa sempre mantê-lo na sua mira. Para tanto, possui objetivos penúltimos. Por exemplo, por trás da

expansão geográfica da igreja primitiva, estava o princípio de anunciar Cristo “não onde já fora

anunciado” (Rm 15.20). Significa priorizar as pessoas, não necessariamente a geografia. Perguntamo-nos:

“onde Cristo já não fora anunciado”, entre quais grupos humanos, quais etnias, quais circunstâncias

sociais e de que maneira? A resposta varia de acordo com o momento histórico e o lugar social. Para a

igreja brasileira, por exemplo, os “confins da terra” (At 1.8) estão, literalmente, naa Oceania Pacífica, a

região com mais freqüência em igrejas do mundo inteiro. Logo, a questão não é meramente geográfica,

mas saber onde estão os maiores desafios para o evangelho. Não só é possível fazer esta pergunta. Urge

fazê-la.

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29

A nova criação LUTA E ESPERANÇA:

Apocalipse

A promessa de bênção para todas as famílias da terra (Gn 12.3) e luz para as nações (Is 42.6; 49.6) é

prevista (Lc 13.29) e estabelecida (Rm 15.8) por Jesus. A visão celestial de Apocalipse alimenta o

empenho missionário terrestre da igreja. E esta é uma visão de novo céu e nova terra, onde toda a criação

celebra a presença de Jesus, o que incentiva a nossa missão ecológica (5.13; 21.1-2; cf. 2Pe 3.13). É uma

visão inclusiva de todos os grupos humanos, que alimenta (5.9; 7.9) a missão social e evangelística da

igreja. É uma visão de adoração e louvor por todos os povos e toda a criação que motiva a missão litúrgica

da igreja. E é uma visão de justiça e retidão, finalmente, transbordantes (15.4; 19.8-11) que enfrenta a

constância e multiplicação da opressão e do mal atual, e encoraja a igreja a denunciar estas últimas e

incansavelmente sustentar a manifestação das primeiras. A justiça restabelecida. A terra e os céus

recriados. E a glória de Deus conhecida massivamente como a extensão e profundidade dos mares!

CONCLUSÃO

Concluimos a reflexão bíblica e teológica com algumas observações sobre a maneira que lemos as

Escrituras. Somos herdeiros de um movimento missionário marcado pela ênfase na fé individual. O

Pietismo estreitou a compreensão de reino de Deus ao reduzi-lo demais ao indivíduo. Exemplo disso é o

que se refere à tradição de leitura bíblica no protestantismo, marcada pela individualidade. É presunção

achar que os textos bíblicos foram escritos especificamente “para mim”. Eles são, na verdade, produção

comunitária; ligados à vida de um povo. Esse fator é muito importante no estabelecimento de uma

comunidade hermenêutica que estabeleça suas perguntas e preocupações ante o texto bíblico.

Essa perspectiva do ser humano enxergar sua relação com Deus como algo essencialmente individual

provoca também uma leitura Bíblica des-historizante, ou seja, retira do texto todo e qualquer conteúdo

histórico, privilegiando apenas o efeito momentâneo que o texto produz no leitor ou alguma expressão que

o permita se identificar com a experiência relatada no texto.

Para Zabatiero, em nossa tradição, a leitura da Bíblia passa por um único procedimento que se supõe

correto para o seu entendimento, resultando numa leitura do tipo doutrinária, quando se procura afirmar as

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30

verdades de fé, e existencial, quando a intenção é a de aplicar tais verdades à vida das pessoas. Nessa

maneira de ler a Bíblia, a missão da igreja deixa de ser prioridade. “O conceito de missão que se

desenvolveu a partir deste modelo individualista de leitura da Bíblia também foi um projeto

individualista: a missão tem a ver com a salvação das almas ou das pessoas, como já se avançou em

tempos mais recentes. Salvação, sim, em alguns casos, até se pode usar o termo salvação plena, mas

sempre se dirige aos indivíduos. O Evangelho é lido de forma redutiva e, assim, a missão é considerada

de forma redutiva – um dos seus aspectos (a salvação de indivíduos) se torna praticamente o único ato

missionário eclesiástico.”27

Zabatiero afirma que a partir da missão integral pode-se dizer que é possível o desenvolvimento de uma

nova maneira de ler a Bíblia que, segundo ele, se chama modelo dialogal. É uma maneira de ler a Bíblia

com o objetivo de edificar consensos; em outras palavras, acordos fraternos sobre como praticar a vontade

de Deus na atualidade. Para esse autor, tais consensos devem ser: “Eticamente válidos, pois nem todos os

meios são justificados pelos fins – ou nem tudo o que funciona ou que dá prazer é justo, é bom, é santo;

cognitivamente verdadeiros, pois nem todas as experiências, doutrinas e conceitos que defendemos

passam pelo crivo da Sagrada Escritura; e pessoalmente verídicos; ler a Bíblia em busca de consensos

missionais depende de uma estratégia em que os sujeitos da leitura não sejam mais os indivíduos isolados,

os especialistas da técnica, mas sejam todos os participantes da comunidade de fé”.

Diante de tudo o que foi exposto, compartilhamos com Steuernagel que um dos caminhos para o

entendimento da Missão Integral é a de que esta seja “aberta para ser fundamentada nas Escrituras.

Aberta para ser guiada pelo Espírito. Aberta para ouvir as questões de vida local e para derramar

lágrimas de dor na mais profunda identificação com o sofrimento humano”. 28 Dessa maneira, não será

necessário afirmar que a missão é integral, porque, na prática, ela será visualizada e entendida com tal. Por

isso, “missão integral é um chamado ao arrependimento; um arrependimento que nos chama de volta ao

mundo do Evangelho e no leva adiante para o perdido e o pobre.” 29

Timóteo Carriker

Missiólogo e Educador

27ZABATIERO, J.P. Tavares. “Missão Integral e Leitura da Bíblia” - Reflexões sobre temas da missão integral. Em: www.forumjovemdemissaointegral.org 28 STEUERNAGEL, Valdir R. “Missão Integral”– Reflexões sobre temas da missão integral . Em: www.forumjovemdemissaointegral.org 29 Idem.

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31

Fundamentação

Histórica

É fundamental que, ao fazermos uma reflexão histórica sobre a “missão”, observemos alguns aspectos que

foram e têm sido determinantes em seu processo. Consideremos a terminologia usada por certas agências

missionárias ou igrejas ao longo da história. O uso do termo “missão” ou “missões” está sempre

relacionado à origem da teologia da missão, da ideologia política e até mesmo econômica de missão,

adotada pelos agentes de políticas missionárias.

Há quem prefira falar e agir em termos de “missões”, com um caráter mais pragmático, para atender a

certos interesses institucionais, temporais, de caráter apologético em defesa da fé cristã, ou proselitista,

como foi largamente usado por protestantes e católicos para converter judeus (responsabilizados pela

crucificação de Jesus) e pagãos.

Mas também há os que se referem a “missão” em sentido mais amplo e rico, vendo-a mais como um

evento que deve proceder da missio Dei, que não se fragmenta em ações pontuais, institucionais e

temporais, em função de determinadas situações, para atender a certos interesses políticos, econômicos ou

mesmo religiosos. Fala-se de “missão” e sua história, com um sentido mais ecumênico, nos termos da

palavra grega oikoumenē significando “todo o mundo habitado”, que se explica mais em função do Reino

de Deus do que em função da igreja enquanto instituição. Segundo Lutero, “missão” não depende de

esforços humanos, pois é vista como obra exclusiva de Deus, sendo cada cristão e a igreja um instrumento

crucial para a missão.

Católicos e protestantes alternaram e ainda alternam o uso dos termos “missão” e “missões” conforme o

momento histórico e os interesses envolvidos.

do Século I MISSÃO

ao Século IV

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32

A missão tem sido uma característica própria do cristianismo. Nem todas as religiões históricas

(hinduísmo, budismo e outras) realizam a missão de maneira tão explícita e determinada como ocorre no

cristianismo. O judaísmo, apesar das recomendações que aparecem no Antigo Testamento, afirmando que

a salvação deveria chegar a todos os povos por intermédio dos judeus, não foi uma religião missionária,

por excelência. A religião deste povo se difundiu de maneira natural, mais através das relações comerciais,

das conquistas militares, dos casamentos mistos, das alianças com outros povos do que por meio de

esforços e estratégias específicas de missão. Os judeus sempre estiveram mais preocupados na defesa de

sua fé do que em propagá-la, uma vez que sempre estiveram ameaçados pela idolatria adotada por povos

vizinhos. Entretanto, no período do Novo Testamento, como fruto da dispersão após o exílio babilônico e

por meio das sinagogas, emerge um judaismo um pouco mais “missionário” (Mt 23.15), que começa a

alcançar os gentios simpatizantes do monteísmo que chegam a ser conhecidos como “tementes a Deus”

(At 10.2,22; 16.14; 18.7).

Merecem destaque, porém, as pregações missionárias de Jesus, nos evangelhos. Antes e depois de sua

morte, Jesus insiste na missão a ser empreendida aos judeus e a todos os povos, tendo em vista a

realização da missio Dei de maneira universal. E, nos Atos dos Apóstolos, percebe-se a determinação dos

primeiros missionários cristãos em realizar a missão de maneira universal, através do ministério da igreja,

apesar das discussões sobre a prática ou não da circuncisão (conforme se percebe no contraste entre Pedro

e Paulo, Igreja de Jerusalém e Igreja de Antioquia).

Pode-se mesmo afirmar que o cristianismo dos primeiros séculos é caracterizado pelo exercício da missão.

De modo geral, a história nos leva a entender que todos os cristãos se sentiam missionários, protagonistas

da mensagem de salvação através de Jesus, apesar de certas distorções na interpretação do significado da

pessoa de Cristo como o Salvador da humanidade. Graças a esse tipo de procedimento, percebe-se uma

rápida difusão do cristianismo por toda a Grécia, Roma e norte da África.

O século I do cristianismo se caracteriza por dois períodos na história da missão: o primeiro (30 a 40 d.C),

chamado de período Judaico-Cristão, foi marcado pela influência da Igreja de Jerusalém como o centro

propulsor que tenta superar a religião tradicional. Aqui, merece destaque o que ocorreu em Cesaréia,

quando Pedro converte o centurião romano, Cornélio, um pagão (At 10). O segundo período (40 a 60 d.C.)

tem sido chamado de Pagão-Cristão, pela Igreja Católica, que destaca a Igreja de Antioquia como ponto

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33

de partida para a difusão do cristianismo (At 13.1-3). Nesse século I, Paulo é o grande protagonista das

viagens missionárias, alcançando, inclusive, Roma e região.

Após a morte dos apóstolos, a missão continuou de maneira intensa e rápida, favorecida por fatores

sociais, político e culturais existentes no Império Romano: unidade da língua, a paz romana, a difusa

esperança de um salvador, facilidade de comunicações, pregação da liberdade dos escravos, entusiasmo

missionário dos cristãos e a riqueza de carismas.

No ano 313, o imperador Constantino concedeu liberdade de culto devido à rápida difusão do cristianismo

no império.30 No ano 379, o imperador Teodósio tornou o cristianismo religião oficial. Isto trouxe, ao

mesmo tempo, vantagens e desgraças, pois levou a igreja à acomodação e a usufruir de privilégios que

comprometeram moral, espiritual e teologicamente a sua marcha missionária na Idade Antiga e começo da

Idade Moderna, quando ocorre, em 1517, o movimento da Reforma Religiosa do século XVI, uma nova

fase para a história do cristianismo.

MISSÃO na Idade Média

A igreja, do ponto de vista histórico, tem considerado, como ação missionária que merece destaque, entre

outros, três momentos de sua história, ocorridos no Oriente: as Cruzadas, expedições para libertar os

lugares santos (1095-1274); o envio de missões diplomáticas aos povos da Ásia, sobretudo aos mongóis; e

o envio de missionários aos povos da Ásia (franciscanos e dominicanos). É bom lembrar que, nesse

período, há uma grande expansão do islamismo no Oriente Médio e na África do Norte, onde já havia

muitas dioceses organizadas.

No início da Idade Média, as “missões” quase sempre foram marcadas por interesses políticos e

econômicos, embora mascarados como sendo um empreendimento religioso e missionário. Certas

investidas da igreja, tidas como missionárias, chegaram a ser chamadas de “guerras missionárias”, pelo

30 STARK, Rodney.The Rise of Christianity. A Sociologist Reconsiders History. Princeton: Princeton University Press. 1996

Page 34: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

34

seu caráter agressivo e freqüentemente brutal. Matar pagão, herege ou apóstata era algo digno de justo

reconhecimento e o assassino não seria culpado, mas, sim, merecedor de louvor e honra. Os judeus, por

causa da influência de Paulo e Agostinho, às vezes eram tolerados, sendo, contudo, discriminados.

Teólogos, como Crisóstomo, proferiam sermões virulentos contra os judeus. Muitos judeus que recusavam

a conversão ao cristianismo chegavam a ser ameaçados de execução.

Durante a Idade Média, o cristianismo foi levado ao norte da Europa e, daí, para a China e a Rússia. Essa

expansão deveu-se a alguns fatores. Entre eles, a constatação de que, em algumas situações, ocorreram

conversões em massa de todo um povo ou uma nação, sob a influência de um governante. Essas

conversões, embora significativas para a igreja e, aparentemente, positivas, por outro lado, quase sempre

trazia algum prejuízo em termos de qualidade, tendo em vista a compreensão do evangelho por parte dos

novos conversos. Isto também significa que era preciso que a igreja estivesse devidamente organizada

para promover um amplo projeto de educação cristã para os novos seguidores, a fim de que pudessem dar,

com segurança, as razões de sua fé.

Essas novas conversões em massa, que ocorriam sob a ação de um rei, que bem podia ser o da própria

nação, como no caso dos reis da Inglaterra, ou sob a ação de um rei invasor que via no cristianismo um

apoio à sua política expansionista, como foi o caso de Carlos Magno, tinham um sentido político e

ideológico. Muitas vezes, a função do rei na conversão se limitava apenas a usar o seu prestígio para

favorecer à nova fé, embora tenham sido freqüentes os casos em que o rei apelou para a força a fim de

levar os seus súditos para as águas do batismo. Houve também situações em que, com o fim de proteger

suas fronteiras, um governante enviou missionários a países vizinhos, como ocorreu no caso da proteção

prestada a Bonifácio por parte de Carlos Martel.

Outro aspecto determinante para o crescimento do cristianismo na Idade Média foi a importância do

monasticismo. São freqüentes os casos de monges que abandonavam seus antigos lares em busca de

solidão e, assim, tornavam-se, de maneira natural, precursores e fundadores do cristianismo em regiões

onde este ainda não havia chegado. Em muitos casos, como ocorreu com monges irlandeses, os que se

dirigiam a terras pagãs muitas vezes o faziam conscientes de sua responsabilidade missionária, mas com o

propósito primordial de praticar sua obra entre eles como um ato de renúncia. Os franciscanos e os

dominicanos, por exemplo, para os quais a tarefa missionária era primordial, a disciplina monástica

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tornou-se um dos pilares de sua obra. Em toda a história da igreja na Idade Média, os monges foram os

que mais se distinguiram na expansão do evangelho. Mesmo quando o cristianismo se impunha pela força

e pelas armas, sempre eram os monges quem seguiam os soldados e, com seu trabalho de pregação,

procuravam legitimar a mudança de religião com uma sincera conversão.

Mas convém ressaltar que os papas e a hierarquia romana nem sempre tiveram com a expansão do

cristianismo medieval a preocupação que se poderia supor. Na verdade, antes da missão de Agostinho à

Inglaterra, não se tem notícias fidedignas de algum outro caso em que o papa tenha se empenhado em

enviar missionários a algum lugar. Embora as Cruzadas tenham recebido de Roma parte de seu impulso

inicial, não se pode dizer que seu propósito tenha sido de caráter missionário, de maneira estrita.

As ordens de São Francisco e Santo Domingo também não teriam surgido por iniciativa da autoridade de

Roma, apesar de sua ligação com o Vaticano, embora seu projeto de trabalho estivesse fundamentalmente

voltado para a obediência à autoridade religiosa de Roma. É incontestável, na Idade Média, o grande

prestígio, influência e autoridade da Igreja de Roma sobre a humanidade. Mas seu papel na expansão do

cristianismo na época não foi tão fundamental como veio a ser na Idade Moderna, certamente diante de

um novo desafio para o seu futuro, com o surgimento da Reforma Religiosa do século XVI e das igrejas

protestantes.

Finalmente, vale destacar o teor e o sentido da mensagem anunciada pelos missionários medievais. De um

modo geral, eles se ocupavam em pregar contra os deuses pagãos. Estes eram considerados impotentes,

habitados pelo diabo ou seus representantes. Os apelos dos missionários eram no sentido de que as

pessoas deixassem os deuses pagãos e caminhassem na direção do Deus verdadeiro, que enviou o seu

Filho Jesus Cristo para salvar o mundo. Esta mensagem se fazia acompanhar de um apelo e de uma

ameaça: os que não aceitassem o Deus verdadeiro sofreriam os tormentos do fogo eterno.

Um argumento geralmente usado pelos missionários medievais era o de que os seguidores do Deus

verdadeiro tinham garantida a prosperidade, como se percebe na vida dos fiéis seguidores do cristianismo

nos países cristãos. Assim também os missionários se referiam à necessidade dos reis se tornarem cristãos,

a fim de que conseguissem a vitória contra seus inimigos nas batalhas. A não aceitação dessa mensagem

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levava os missionários a fazerem ameaças contra os refratários, constrangendo-os a uma possível

aceitação do cristianismo.

Esse tipo de pregação dos missionários medievais garantiu êxito para a missão que tinham em mente,

tendo em vista que muitos povos aceitaram esse cristianismo e nele permaneceram. Mais do que tudo isso,

apesar desses métodos, considerados adequados, naquela época, para a expansão do cristianismo, tal

pregação deu origem a outros movimentos missionários, com métodos nem sempre cristãos, embora em

nome da fé cristã.

e a Igreja Católica Romana MISSÃO

na Idade Moderna

De acordo com Justo L. Gonzalez, em sua História das Missões, as razões comumente apontadas para

justificar a superioridade das missões católicas romanas em relação aos empreendimentos protestantes na

Idade Moderna não passariam de conjecturas. Mesmo assim, pode ser que tenham algum sentido como

referência histórica. Essas razões seriam: a vantagem geográfica resultante das conquistas de Portugal e

Espanha na América e no Sul da África; a vantagem militar e política dos católicos, decorrente das guerras

de religião na Europa. A unidade católico-romana, por se tratar de uma massa monolítica que tinha mais

facilidade para articulações internas, seria outro fator facilitador. Finalmente, a continuação do trabalho

missionário já empreendido desde o século XIII, através das ordens mendicantes, seria um velho impulso

motivador para a preservação do ideal de preservação de suas bases. Acrescente-se a isso, também, o

trabalho das ordens monásticas, nas quais os monges se esforçaram na expansão do evangelho.

No começo do século XVI, depois do chamado “descobrimento da América”, da descoberta do Sul da

África e do início do movimento da Reforma Religiosa na Alemanha (1517), inicia-se a evangelização

nessas terras recém-descobertas, sob o comando da Igreja Católica Apostólica Romana, conforme decisão

do Concílio de Trento, no qual foi organizada a Contra-Reforma para combater o crescimento do

protestantismo no mundo.

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Preocupações tanto religiosas, como o sebastianismo, quanto políticas, como a ganância dos espanhóis e

dos portugueses, beneficiaram a expansão do catolicismo nas terras recém-descobertas. Em suas

expedições exploratórias e de conquista, sempre levavam sacerdotes. Tais sacerdotes, principalmente os

seculares, consideravam-se em missão e entendiam que sua função limitava-se a ministrar às necessidades

espirituais dos componentes da expedição. A princípio, os espanhóis, por exemplo, perguntavam-se se era

possível converter índios ao cristianismo.

Considerando que se tornava comum o aparecimento de ordens religiosas mendicantes, esse fato facilitou

a organização de projetos missionários para divulgação do cristianismo. Foi assim que surgiu, com muito

vigor missionário, a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola. Essas ordens se tornaram o

principal instrumento do trabalho missionário no Novo Mundo.

A Companhia de Jesus

Inácio de Loyola recebeu do Papa Paulo III a incumbência de reconquista católica em regiões protestantes

e de catequese dos nativos das terras acima referidas. Além da catequese, como estratégia usada para a

conversão de nativos (índios) e negros escravos procedentes da África, os seguidores de Inácio de Loyola

também fundaram missões, deram ênfase à pregação anti-protestante, realizaram retiros e dedicaram-se ao

ensino como instrumentos da reconquista de católicos e conquista de novos adeptos ao catolicismo. A

Companhia de Jesus foi, ao mesmo tempo, uma das principais forças de combate ao protestantismo e do

movimento da Contra-Reforma.

Os nativos da América tiveram muita dificuldade de compreensão da mensagem cristã sob o prisma do

catolicismo romano. Além de outras razões, também as práticas consideradas cristãs eram censuráveis: os

conquistadores portugueses e espanhóis apoderavam-se das riquezas dos nativos e pregavam que o

cristianismo do qual eram portadores anunciava um novo mundo, construído sobre os fundamentos do

amor cristão.

É a partir do século XVI, portanto, que o processo evangelizador toma novo curso e passa a ser

comandado pelas coroas espanhola e portuguesa, também através da concessão, pelo Papa, do direito do

padroado real. Pelo padroado, a igreja reconhece a posse das terras descobertas na América, África e Ásia

por Portugal e Espanha. Em troca, os reis assumem a tarefa evangelizadora em sentido pleno e a igreja

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fica sob o controle quase pleno das coroas. Isto significa que o envio de missionários depende da

aprovação e manutenção dos governos de Portugal e Espanha. Os missionários católicos perdem, assim, a

autonomia profética. Aceitam e toleram as injustiças praticadas contra os nativos e os escravos

provenientes da África, condenando-as raramente e com limitações.

De qualquer forma, a Idade Moderna tornou-se o período de maior expansão do cristianismo, graças às

conquistas e à colonização imposta por nações européias sobre povos dominados. Essas iniciativas

missionárias, repetimos, nem sempre estiveram sob a jurisdição direta do papa, mas eram patrocinadas

pelas coroas, em virtude do direito do Padroado que o poder religioso de Roma havia concedido aos reis

de Espanha e Portugal.

É importante ressaltar que grande parte das conversões conseguidas pelo catolicismo resultava de

batismos realizados em massa. Muitos índios foram assim batizados para que também se pudesse justificar

a declaração de guerra aos mesmos pelos invasores, pois o batismo dava aos indígenas o “status” de

“civilizados”.

Na história do catolicismo na América, alguns nomes, entre os sacerdotes, merecem destaque: Bartolomeu

de las Casas, dominicano, primeiramente foi colonizador, possuiu propriedades; depois, converteu-se em

grande defensor dos povos indígenas, tendo influenciado, inclusive, na criação de leis protecionistas na

Espanha. Pela sua disposição de proteger os verdadeiros donos da terra, Bartolomeu de las Casas recebeu

na Espanha o título de Protetor Geral dos Índios.

José de Anchieta, chamado de Apóstolo do Brasil e patrono dos educadores brasileiros, notabilizou-se,

também por tornar-se cúmplice na morte de Le Balleur, calvinista condenado à morte por ser protestante.

A história diz que Anchieta participou diretamente de seu enforcamento. Pedro Claver, que chegou a ser

considerado santo, dedicou sua vida ao atendimento de negros escravos de Cartagena, na Colômbia.

Antônio Montesino, dominicano, foi defensor dos índios. Antônio Vieira, jesuíta, lutou contra a

escravidão no Brasil, mas, mesmo assim, chegou à conclusão de que o sistema português não funcionaria

sem escravos. Antônio de Valdivieso, bispo da Nicarágua, morreu assassinado por defender os indígenas.

O envio desses agentes eclesiásticos às colônias foi chamado de “missão”, termo empregado incialmente

por Inácio de Loyola, sendo tais agentes chamados de missionários.

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MISSÃO e a Igreja Protestante

A Reforma Religiosa do século XVI (1517) marca o início do protestantismo, a princípio conhecido como

luteranismo. Este surgiu como “movimento confessante” dentro da cristandade católica romana ocidental.

A Reforma visava corrigir os erros de uma cristandade já existente, sem pretender uma nova forma de

cristianismo, conforme está escrito no prefácio da Confissão de Augsburgo (1530). Apesar dessa

pretensão inicial, circunstâncias históricas favoreceram o surgimento de igrejas luteranas separadas, com

características confessionais muito claras.

Lutero e a missão

O líder da Reforma chegou mesmo a ser considerado omisso em relação a empreendimentos missionários,

embora fiel à ordem missionária encontrada nas Escrituras, segundo a qual a igreja, a palavra de Deus e

todo crente batizado são instrumentos cruciais para a missão. Houve quem o achasse possuidor de uma

consciência missionária deficiente. Mas também houve quem entendesse que essa “deficiência” de Lutero

estava relacionada às muitas tarefas urgentes de sua causa ou ao fato de que ele “simplesmente acreditava

que o fim do mundo estava tão próximo que o esforço não valia a pena”.

Na verdade, Lutero estava muito preocupado com a sua tarefa de ver a igreja reformada e de ver

convertidos os que ainda se mantinham fiéis a velhos costumes e doutrinas controvertidas. Por isso, teria

afirmado que a Grande Comissão, conforme aparece nos evangelhos, no sentido de ir por todo o mundo

pregando o evangelho, foi dada somente aos apóstolos, não se aplicando aos cristãos de sua época.

Segundo Lutero, cada cristão deveria, então, permanecer no lugar em que tinha sido colocado para

trabalhar pela causa do evangelho.

Apesas disso, em vários momentos, encontramos Lutero pronunciando-se sobre a importância da obra

missionária, mostrando, inclusive, que a missão é a tarefa essencial da igreja em todos os tempos. Porém,

ele ressalva que somente pode fazer missão uma igreja que está, ela própria, fundamentada e Evangelho.

Em nenhum lugar, contudo, o reformador faz da igreja o ponto de partida ou o alvo final da missão, como

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queria a missiologia do século XIX. Em Lutero, a missão é sempre obra de Deus, a missio Dei, cujo alvo e

resultado são a vinda do reino de Deus.

Calvino e a missão

De maneira semelhante à posição de Lutero, Calvino também admitiu que o apostolado foi um ofício

extraordinário, confiado aos primeiros discípulos de Jesus. Zuínglio, porém, achava que o ofício

apostólico continua através da história da igreja, e que Deus chama pessoas e as envia para pregar o

evangelho em diferentes partes do mundo. Todavia, Calvino também demonstrou, em todo o seu trabalho,

certo interesse pela missão, tendo chegado a propor uma teologia essencialmente missionária, sem,

contudo, admitir o emprego da força para cristianizar pessoas, como fizeram agentes missionários

católicos.

Apesar das evidências acima, vários missiólogos católicos chegaram a dizer que os reformadores eram

indiferentes e até hostis à missão. David Bosch cita o cardeal Berlamino que disse: “Hereges jamais

converteram pagãos ou judeus à fé, mas somente perverteram cristãos.” Apesar do rigor da afirmação, este

tipo de pronunciamento parece verdadeiro; porém, isto toma outro sentido quando se reconhece

historicamente que “pouquíssimo aconteceu em termos de empreendimentos missionários durante os

primeiros dois séculos após a Reforma” (D. Bosch). As razões para isto estão relacionadas a vários

fatores: os protestantes inicialmente estavam mais preocupados com a reforma da igreja; não tinham muito

contato com os povos não-cristãos; lutavam pela sua sobrevivência doutrinária, social, política e

econômica, com muitas contendas e dissensões a serem superadas; e necessitavam de tempo para que se

desenvolvesse no protestantismo um movimento missionário monástico próprio.

Apesar desses fatores, a história das missões ou das missões protestantes mostra-nos que esse aparente

desinteresse nem sempre predominou. De fato, houve significativos esforços missionários protestantes

empreendidos a partir do século XVIII. Já se afirmava, no final do século XVII, que o catolicismo

implantara, na América Latina, um cristianismo deformado, razão pela qual começaram a surgir

iniciativas norte-americanas de “transferir para a América Latina os benefícios do ‘sonho americano’ ou

do ‘estilo americano de vida’, cujos componentes são o patriotismo, racismo e protestantismo”.

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Contribuições para a explosão missionária no século XIX

O século XIX foi chamado o “século das missões”. Várias foram as contribuições para que isso

acontecesse.

Referimo-nos, inicialmente, à influência do despertamento missionário ocorrido entre os irmãos morávios,

sob a liderança do conde Nicolaus Ludwig Von Zinzendorf, grandemente influenciado pelo pietismo. Suas

características principais são: cada missionário deve entregar-se totalmente a Cristo para trabalhar em

qualquer lugar do mundo e com total amor à família humana; cada cristão é um missionário e deve

compartilhar sua fé onde está; cada missionário é um trabalhador e sustenta a si próprio e sua família.

O projeto dos morávios expandiu-se para as Ilhas Virgens (1732), Groenlândia (1733), América do Norte

(1734), Lapônia e América do Sul (1735), África do Sul (1736), América Central (1849) e Alasca (1885).

William Carey, um sapateiro inglês, foi considerado o “pai das missões modernas”, ao iniciar um

empreendimento missionário em 1792. Filho de família humilde, foi influenciado pela cultura de seu pai,

que era professor, obtendo assim certo grau de conhecimento escolar, obtendo, inclusive, o gosto pela

leitura. Descobriu os valores da vida cristã em contato com um amigo e, por intermédio dele, passou a

freqüentar uma Igreja Batista, onde foi recebido pelo batismo. Através de esforços pessoais, fez para si um

mapa detalhado com o nome de diversas regiões, com o caráter e as religiões de seus habitantes. Era a

busca de uma visão mundial da humanidade, um passo para a carreira missionária que viria a seguir.

Ao estudar a Bíblia sob a influência de seus conhecimentos geográficos, William Carey chegou à

conclusão de que a tarefa missionária era tarefa dos cristãos em todas as épocas da história da

humanidade. Foi assim que publicou um estudo sobre a obrigação dos cristãos de empregar meios que

viabilizem a conversão dos pagãos. Foi assim também que Carey, em maio de 1792, pregou diante da

Associação dos Ministros Batistas sobre Isaías 54.2-3. Em outubro do mesmo ano, constituiu a Sociedade

Batista Particular para Propagar o Evangelho entre os Pagãos.

Em 1793, acompanhado do médico John Thomas e contra a vontade da esposa, que a princípio negou-se a

segui-lo, iniciou o trabalho missionário na Índia, em Calcutá, apesar das circunstâncias adversas do lugar.

Graças à sua dedicação à obra missionária e com a ajuda de seus companheiros de missão, imprimiu as

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primeiras Bíblias na linguagem do povo do lugar, com traduções por ele mesmo realizadas. Em 1812,

recebeu a ajuda de Adoniram Judson. Este, depois de um tempo com Carey, seguiu para Mianmar (ex-

Burma), onde lançou as bases de mais um projeto missionário.

David Livingstone, também considerado o herói da Inglaterra vitoriana, desenvolveu um magnífico

trabalho missionário que se estendeu à África a partir de 1840, ligado à Sociedade Missionária Londrina.

Na África, Livingstone viajou 48 mil quilômetros realizando um trabalho missionário que foi além do

convencional, ao descobrir rios, medidas topográficas e cruzar pela primeira vez o lago Tanganica,

fixando sua extensão.

Várias organizações tornaram-se importantes para empreendimentos missionários no mundo: a Sociedade

Missionária Batista, da Inglaterra (1792); a Sociedade Missionária Londrina e Sociedade Missionária da

Igreja (1795); a Sociedade Missionária dos Países Baixos (Holanda, 1797); a Missão da Basiléia (1815);

a Junta Americana de Comissários e Missões Estrangeiras (EUA, 1810); e a Junta Americana

Missionária Batista (1814). Com a expansão colonial do mundo anglo-saxão, percebe-se que o

movimento missionário atingiu escala mundial.

MISSÃO E EVANGELIZAÇÃO na Perspectiva Ecumência

O final do século XIX representa também o começo de uma nova etapa na história das missões. Até a

realização da Conferência de Edimburgo (1910), o principal marco nessa nova etapa da história das

missões, três conferências mundiais aconteceram: em Liverpool, 1860; em Londres, 1888; e em Nova

Iorque, 1900. Em nível continental, também ocorreram conferências missionárias na Ásia, na África e na

América Latina. Todas tiveram um novo enfoque missionário, discutindo temas como: tradução da Bíblia;

ajuda médica; trabalho social; literatura em língua nativa; formação de pessoal em nível nacional,

continental e mundial; lugar e formação da mulher; evangelização de novas regiões; crescimento da igreja;

relação entre os missionários estrangeiros e nacionais; desenvolvimento, auto-sustento e auto-

administração das igrejas; e relação com os governos. Já se percebe um grande interesse pela integralidade

da missão.

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Todas essas conferências estavam voltadas para a busca de uma teologia ecumênica de missão, tendo em

vista que as igrejas e o cristianismo em si passavam por mudanças significativas. Surgia a necessidade de

se rever, através de uma reflexão mais profunda, as políticas, o planejamento e estratégias missionárias.

Principalmente depois das duas grandes guerras mundiais, fazia-se necessário repensar a missão e a

questão da obediência missionária dos cristãos. Em muito contribuiu para o equacionamento desse novo

momento na história das missões a organização do Conselho Mundial de Igrejas.

A contribuição do Conselho Mundial de Igrejas

O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) foi organizado formalmente em 1948, quando se deu a fusão do

Movimento de Fé e Constituição com o Movimento de Vida e Ação. Tornou-se um conselho de igrejas de

amplitude praticamente global, constituído pela maioria das denominações protestantes e ortodoxas. A

Igreja Católica Apostólica Romana, embora não seja membro, colabora com o CMI em diversas áreas,

entre elas a de diaconia.

Na III Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas em Nova Délhi, o Conselho Missionário Internacional

(CoMIn) foi integrado formalmente na estrutura do CMI (em 1961) como um movimento constitutivo.

Este tornou-se na Comissão e Divisão de Missão Mundial e Evangelização (CMME/DMME) do CMI,

com a finalidade de “promover a proclamação do evangelho de Jesus Cristo a todo mundo, a fim de que

todos os homens creiam nele e sejam salvos”. Entre as funções dessa Comissão estavam a

responsabilidade de “confrontar as igrejas com sua vocação e seu privilégio de empenhar-se em constante

oração pela obra missionária e evangelística da igreja” e de “lembrar as igrejas (...) da tarefa inconclusa e

aprofundar seu senso de obrigação missionária”.

Esse ato de integração do Conselho Missionário Internacional, que tinha sido organizado através da

Conferência de Edimburgo de 1910, tornou-se, em certo sentido, o originador do movimento ecumênico

moderno, reunido a seu filho conciliar, o Conselho Mundial de Igrejas, juntamente com a Conferência

Mundial de Fé e Constituição e a Conferência Cristã Universal de Vida e Ação. Tal integração resultou,

conseqüentemente, em importantes realizações para o trabalho permanente do antigo CoMIn, bem como

para o movimento missionário ecumênico pós-Edimburgo.

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Nem todos concordaram com essa integração, entre eles os evangelicais, que se desfiliaram da Comissão

de Missão Mundial e Evangelização (CMME) do CMI, assumindo uma atitude crítica em relação ao

trabalho desta Comissão. A expansão do movimento missionário de Lausanne na década de 70 é também

reflexo dessa dissidência, como alternativa ao movimento missionário ecumênico.

A Conferência Missionária de Edimburgo (1910)

Essa Conferência tornou-se símbolo do movimento missionário antigo. Deu origem a um movimento

global de cooperação missionária, principalmente entre protestantes no Ocidente, que lhe deu maior

direção e impulso, ao estimular a criação de uma rede de organizações missionárias cooperativas, em nível

mundial, regional e nacional. Antecipou o conceito de “parceria em obediência” de igrejas dos seis

continentes, a fim de dar continuidade à tarefa inconclusa.

Ao desenvolver a tese de um “corpus christianum” mundial, centralizou os objetivos missionários nos

povos considerados pagãos, entre eles asiáticos e africanos. De maneira divergente, veio à tona a questão

da situação dos católicos, no sentido de se definir se seriam ou não considerados pagãos. Esta foi uma das

questões levantadas pelos mais conservadores, a fim de incluí-los entre os alvos da missão protestante.

Desta forma, a América Latina, já inteiramente católica, deveria estar dentro dos objetivos missionários, a

partir do princípio de que era evidente que ainda existiam povos que precisavam ser cristianizados ou,

como se pensava, colonizados.

Analisando o caráter dessa Conferência, pode-se dizer que não chegou a ser uma conferência sobre a

“teologia da missão” propriamente dita, mas um encontro para a discussão de estratégias para a ação de

igrejas cooperadas que aderissem ao pacto para a realização da “tarefa inconclusa”. Estava na mente de

todos a idéia de que a Grande Comissão precisava ser completada. Daí a colocação em pauta de questões a

respeito do “como” e do “por que” da missão: a mensagem missionária; a igreja no campo de missão;

educação; treinamento missionário; a base doméstica; missões e governos; promoção da unidade, entre

outros. Em síntese, Edimburgo demonstrou “unidade de espírito”, propósito e compromisso comum com a

tarefa que não precisava ser testada por uma concordância teológica explícita.

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O Congresso de Ação Cristã na América Latina – Congresso do Panamá (1916)

Apesar de ser realizado na América Latina, o também chamado “Congresso do Panamá” foi, em sua maior

parte, dirigido por missionários e executivos das missões estrangeiros, sem um caráter transcultural, uma

vez que a predominância era de norte-americanos. Embora seu objetivo fosse discutir o protestantismo

latino-americano, o que ocorreu foi a discussão dos mesmos documentos preparatórios usados na

conferência de Edimburgo. Isto significa que os grandes problemas relacionados à situação do

protestantismo na América Latina e desta região não foram considerados. Também não se considerou

devidamente a hegemonia da Igreja Católica que, naturalmente, deveria ser analisada, tendo em vista uma

definição de princípios para a ação missionária, uma vez que se tratava de um dos grandes desafios para o

trabalho missionário protestante na América Latina.

Entre os assuntos considerados para se pensar sobre o protestantismo latino-americano estavam em pauta:

a questão da exploração e ocupação; mensagem e método; educação; publicação; trabalho feminino; igreja

no campo; as bases no lugar de origem; e cooperação e promoção da unidade.

De acordo com Luiz Longuini Neto, em O novo rosto da missão, o congresso provocou novas opções para

um novo projeto missionário na América Latina, mas partiu de um diagnóstico equivocado sobre o

continente, porque os documentos que serviram como ponto de partida para a discussão foram elaborados

em Edimburgo, longe da real situação do nosso protestantismo. Entende Longuini que o protestantismo

brasileiro, apesar de suas limitações, vinha desenvolvendo até então um projeto missionário mais

adequado à situação latino-americana, pois a proposta missionária estaria mais de acordo para a realidade

dos países da África e da Ásia, considerados não-cristãos (Longuini, 2002).

Na verdade, antigos problemas relacionados com o catolicismo não foram discutidos com propriedade.

Mesmo durante a realização da conferência, uma das evidências desse problema veio à tona através de um

episódio que bem ilustra essa situação. Quando o bispo da Igreja Católica do Panamá, ao perceber que se

realizava um evento daquela magnitude em sua região, proibiu o uso de qualquer edifício da capital para a

conferência e declarou que os participantes da mesma estavam cometendo pecado mortal.

Entre os participantes do congresso, não houve unanimidade quanto ao que se devia fazer em termos de

missão na América Latina. Uns achavam que o congresso estava sinalizando que a igreja protestante

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caminhava em direção a Roma; outros achavam uma ofensa a realização de tal evento em território

católico. De qualquer forma, procurou-se justificar a presença missionária protestante na América Latina,

conforme palavras do presbiteriano Robert Speer, um dos destaques da conferência, por se considerar que

“a Igreja Católica não fora capaz de garantir a educação e a moralidade do subcontinente; não dera a

Bíblia ao povo na sua própria língua; não formara um clero idôneo, intelectual ou eticamente; pregara um

evangelho deformado; não tinha recursos para evangelizar toda a América Latina”, embora discordassem

dessas idéias líderes brasileiros como Erasmo Braga (presbiteriano) e Epaminondas Melo do Amaral

(presbiteriano independente), pertencentes à ala liberal do encontro.

Também convém destacar que um dos propósitos desse congresso foi motivar os missionários protestantes

para que se esforçassem na evangelização das elites cultas da América Latina, tendo em vista ganhar a

classe mais intelectualizada da sociedade, como fora a estratégia católica por meio dos salesianos nas

décadas anteriores. A ênfase no investimento na educação e cultura dos povos latino-americanos foi

veemente, pois se considerava que seria inaceitável a existência de uma nação sem cultura e analfabeta.

De alguma forma, direta ou indiretamente, o que se dizia era que o catolicismo seria o culpado pelo atraso

cultural na América Latina.

Em síntese, a Conferência do Panamá trouxe algumas contribuições para o programa missionário de

evangelização da América Latina: apelou para a cooperação mais próxima entre as organizações

missionárias e as igrejas; procurou motivar as organizações missionárias e igrejas para a evangelização

das classes cultas; incentivou a criação de educação teológica unificada; procurou despertar igrejas e

organizações missionárias para a valorização da dimensão social da missão; e lançou as bases para um

trabalho de promoção da unidade protestante.

O grupo de representantes da igreja brasileira nessa conferência foi constituído por pastores de duas alas

diferentes, isto é, liberais (Erasmo Braga, presbiteriano, e Epaminondas Melo do Amaral, presbiteriano

independente) e conservadores (Eduardo Carlos Pereira, presbiteriano independente, e Álvaro Reis,

presbiteriano). A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, portanto, aparece como uma instituição

onde aparentemente seria possível a convivência de duas correntes de pensamento diferentes. Todavia, na

crise doutrinária entre liberais e conservadores da década de 40, percebe-se que as divergências nem

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sempre foram bem toleradas, inclusive com a saída do Rev. Epaminondas Melo do Amaral, que fundou a

Igreja Cristã de São Paulo (embora tenha retornado, posteriormente, às suas origens).

O Congresso de Montevidéu

Outros encontros se sucederam na perspectiva do ecumenismo missionário. Em 1925, em Montevidéu,

aconteceu o Congresso da Obra Cristã na América Latina que, dando continuidade ao que se discutiu no

Congresso do Panamá, procurou coordenar e promover a cooperação entre as igrejas protestantes na

América Latina. A proposta nesse congresso era de uma avaliação da situação das igrejas evangélicas na

América Latina, à luz das discussões anteriores ocorridas no Congresso do Panamá, acrescentando-se um

novo problema, isto é, a discussão sobre a influência da I Guerra Mundial sobre as igrejas e o cristianismo

na América Latina.

Apesar de certas dificuldades para se entender o trabalho de missionários norte-americanos em relação ao

crescimento protestante na América Latina, esse congresso teve uma contribuição decisiva na construção

de uma identidade para o protestantismo no subcontinente, tendo servido de ponte entre o Congresso do

Panamá e o de Havana, em 1929.

O Congresso Evangélico Hispano-Americano de Havana

Teve como objetivo reunir os protestantes da região do Caribe em busca de sua identidade, com a

organização sob o domínio de líderes latino-americanos, embora contando com a colaboração do Comitê

de Cooperação de Nova Iorque, tendo em vista que, no Congresso do Panamá, os anglo-saxões

dominaram e, no de Montevidéu, já tinha havia uma mudança em termos de liderança. Dirigiu o congresso

o jovem metodista, leigo e ex-soldado da revolução mexicana, com 30 anos, Gonzalo Báez Camargo.

As áreas escolhidas para discussão foram solidariedade evangélica, educação, ação social e literatura. Em

relação à solidariedade evangélica, foram abordados referentes ao meio-ambiente e os ideais cristãos na

América Latina, à questão da nacionalização e auto-sustento, à evangelização e trabalho entre as raças

indígenas. Na área da educação, foram discutidos assuntos como: escola evangélica, educação religiosa,

cultura ministerial e juventude estudantil. Na área de ação social, os temas foram: a atitude da igreja para

com a comunidade, problemas industriais e rurais, o trabalho médico missionário e a ação da mulher na

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obra evangélica. Sobre literatura, o estudo foi abordado isoladamente, tendo em vista que, desde o

Congresso do Panamá, esta foi uma constante preocupação do protestantismo latino-americano.

No estudo sobre “Nacionalização e auto-sustento”, apresentado por Angel Archilla Cabrera, chamou a

atenção dos participantes a questão sobre a autonomia das “igrejas-filhas” das “igrejas-mães” e a relação

dos missionários estrangeiros com os obreiros nacionais. Discutiu-se com destaque a questão sobre se

“quem paga, manda?”, sob a alegação de que os estrangeiros entendiam que os nacionais não tinham

competência para dirigir o trabalho, tendo em vista seu caráter revolucionário, volúvel e revoltado.

Apesar dos desentendimentos havidos, chegou-se à conclusão de que vale “o propósito e esforço de

alcançar sustento, governo e extensão próprios, sem separar-se da comunhão espiritual da igreja

universal”.

Desse congresso resultou a criação da Federação Internacional Evangélica, composta pelos concílios

evangélicos nacionais. Como saldo positivo, deve-se destacar, portanto, a preocupação com um conceito

mais amplo de missão, envolvendo as necessidades humanas no contexto da sociedade, o

desenvolvimento do espírito ecumênico no campo da missão, a reafirmação da busca da unidade e

identidade em relação à incômoda influência da liderança norte-americana.

Congresso de Whitby, Canadá (1947)

Em Whitby, comemorou-se a sobrevivência das igrejas em termos de unidade espiritual que manteve

integrado o corpo de Cristo, em relação às duas grandes guerras mundiais. Comemorou-se o fato de se

poder cumprir a missão de pregar o evangelho a toda a criatura. Reconheceu-se que a igreja sozinha não

tem condições de cumprir a Grande Comissão, razão porque todas as igrejas devem se unir, inspiradas por

um profundo sentimento de lealdade comum e missionário. Todas as igrejas foram desafiadas a aderirem à

“parceria na obediência”, na perspectiva do chamado e da visão da missão universal.

Assim foi compreendida a Grande Comissão em Whitby: “Todas as igrejas têm um compromisso com a

tarefa evangelística global, que, em nossos dias, inclui a proclamação do evangelho aos que nunca o

ouviram, a conversão de membros nominais da igreja, a recuperação daquelas amplas áreas nos países das

igrejas antigas que se afastaram da igreja e a cristianização daquelas partes da vida humana que ainda não

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reconheceram o senhorio de Cristo. Embora as ênfases sejam diferentes, a tarefa é essencialmente a

mesma em cada país. As igrejas antigas ainda têm muito a contribuir para a vida das jovens, mas também

é verdade que, para o cumprimento de sua tarefa, as igrejas antigas precisam do auxílio dos ricos recursos

espirituais que estão sendo desenvolvidos nas igrejas jovens” (C. W. RANSON, ed., Renewal and

advance; Christian Witness in a Revolucionary World, London, Edinburg House, 1948, p. 173). De

acordo com James A. Scherer, Whitby antecipou, de modo digno, quase todos os acontecimentos positivos

da posterior política ecumênica de missão, inclusive a reevangelização e a “missão nos seis continentes”.

A contribuição do congresso de Willingen para o ecumenismo missionário e descoberta do missio

Dei

Depois das duas grandes guerras mundiais, chegou-se à conclusão de que era necessário que as igrejas se

unissem e procurassem preparar-se para uma parceria global de evangelização, aprofundando sua vida

espiritual, fomentando uma consciência ecumênica, promovendo o espírito missionário, mobilizando e

treinando leigos. Foi assim que igrejas jovens e velhas se sentiram desafiadas a se tornarem parceiras no

estabelecimento de trabalho pioneiro no mundo, principalmente em lugares onde o evangelho ainda não

havia sido pregado ou as igrejas ainda não estavam consolidadas. Era o que se entendia como a

necessidade de “parceria na obediência” a fim de que se cumprisse a “Grande Comissão.”

Em Willingen, na República Federal da Alemanha, em 1952, o Conselho Missionário Internacional

(CoMIn) assumiu a tarefa de reformular o mandato missionário e revisar as políticas de missão

tradicionais, tendo em vista encontrar a base teológica da missão mundial e a situação particular das

necessidades de cada igreja no mundo, na luta pela sobrevivência diante de novos desafios da história,

sem condições para avançarem no trabalho de evangelização e missão.

A conferência de Willingen destacou que a vocação única da Igreja para a missão e a unidade, consiste em

que a Igreja seja uma só família em Cristo, tornando essa experiência conhecida do mundo em palavra e

ação. O conceito chave da conferência para a reformulação da base teológica da missão nessa

oportunidade foi o destaque à missio Dei, na época considerada uma idéia nova para nortear o trabalho das

igrejas no mundo e na história.

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A contribuição dessa conferência foi fundamental para se poder afirmar que a “era das missões chegou ao

fim; iniciou-se a era da missão” A partir disso, deve-se entender que já não há mais sentido em se

continuar defendendo a idéia de salvação de almas e implantação de igrejas (como era o propósito inicial

das “missio ecclesiae”) como atividades missionárias. Isto porque o trabalho missionário autêntico, agora,

deve ser entendido como serviço dentro do propósito da participação na missão de Deus.

No texto “A Vocação Missionária da Igreja” (The Missionary Obligation of the Church, pp. 55) consta a

declaração final da conferência em Willingen, onde se lê:

O movimento missionário de que somos parte tem sua origem no próprio Deus

triuno. A partir das profundezas de seu amor por nós o Pai enviou seu próprio

Filho amado para reconciliar todas as coisas consigo, a fim de que, nele, nós e

todos os homens possamos, através do Espírito, ser um com o Pai, naquele amor

perfeito que é a própria natureza de Deus.

A conferência de Nova Délhi e a caminhada missionária ecumênica nas décadas seguintes. Em Nova

Délhi (1961), tornou-se um marco histórico na caminhada missionária do protestantismo na linha do

ecumenismo. Foi nessa conferência que o Conselho Missionário Internacional se fundiu ao Conselho

Mundial de Igrejas, a partir do que aconteceram mudanças significativas. Essas mudanças visavam a uma

avaliação das formas de atividade missionária do passado bem como ao reconhecimento de “que a tarefa

missionária é tão central para a vida da igreja quanto a busca de renovação e unidade.” A Comissão de

Missão Mundial e Evangelização (CMME) foi autorizada pelo CMI com o objetivo de “promover a

proclamação do evangelho de Jesus Cristo ao mundo todo, para que os homens creiam nele e sejam

salvos.” (The New Delhi Report, p. 429).

É importante destacar que uma das conseqüências estruturais da fusão do Conselho Missionário

Internacional com Conselho Mundial de Igrejas foi a exclusão de organizações não-denominacionais e

trans-denominacionais que participaram das discussões no Conselho Missionário Internacional até a sua

dissolução. Sem dúvida, esta mudança estrutural contribuiu para a emergência, apenas cinco anos depois,

do chamado movimento “Evangelical”. Embora os dois grupos sejam tipicamente diferentes pelos seus

distintivos teológicos, é importante observar que as diferenças maiores se referem mais às suas

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composições estruturais que geram enfoques ora mais eclesiásticos ora mais evangelísticos. Esta distinção

também é precária. Bastam reparar que grandes líderes associados ao movimento “Evangelical”

participaram ativamente das reuniões do Conselho Mundial de Igrejas e vice versa. Isso talvez sirva para

indicar que a integralidade da missão e o maior compromisso com a missio Dei nos obrigam a

reconsiderar as distinções e a procurar o consenso.

Entre as funções da Comissão de Missão Mundial e Evangelização (que assumiu muitas das preocupações

do extinto Conselho Missionário Internacional), merecem destaque as seguintes: preservar a vocação e

privilégio das igrejas na obra missionária e evangelística; lembrar as igrejas da amplitude e caráter da

tarefa evangelística inconclusa e aprofundar seu senso de obrigação missionária; aprofundar a

preocupação evangelística e missionária em toda a vida e trabalho do Conselho Mundial de Igrejas.

Acrescente-se a essas funções ainda as seguintes: promover o estudo bíblico e teológico a respeito da

tarefa missionária; e estimular a cooperação e ação unificada na evangelização.

A integração ocorrida já era uma preocupação presente no mundo ecumênico em relação ao cumprimento

da missão que vinha crescendo desde 1952, quando se deu a conferência de Willingen. A expectativa era

no sentido de que se poderia conseguir um maior aprofundamento e ampliação do empreendimento

missionário envolvendo as igrejas. Naturalmente, essa transição trazia em seu processo uma certa tensão

em relação ao futuro, embora se acreditasse tratar de uma decisão correta e necessária. Entre as

preocupações, estavam a questão da escolha das prioridades, a definição da política ecumênica de missão

para as igrejas no mundo em todos os seis continentes e a alocação de recursos.

Apesar das expectativas serem ampliadas em relação ao trabalho missionário ecumênico, os sonhos de

missão não se concretizaram a contento. A igreja, como base da missão não desapareceu, mas sofreu

muitas críticas ao focalizar os aspectos negativos ou obsoletos de congregações, instituições e estruturas

eclesiásticas. As falhas no processo são apontadas, levando-se em conta que desde a conferência de

Willingen e Nova Délhi certas questões teológicas, como cristologia, escatologia e a natureza do Reino,

deixaram de ser consideradas com a profundidade necessária. Segundo James A. Scherer, em “Evangelho,

Igreja e Reino”, a missio Dei, “continuava sendo o motivo dominante neste período pós-secular, e não no

sentido tradicional de “história da salvação”.

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Já nas décadas de 60 e 70, nos vários encontros sobre missão, a preocupação variou entre estudos sobre a

missão no mundo secular, envolvendo discussões sobre a estrutura missionária da congregação (1963, no

México, e 1968, em Upsala), a evangelização como tema de excelência e considerada “uma vocação

negligenciada” pelo CMI, e a necessidade de se buscar a renovação da missão, reconhecendo-se a

necessidade de se tratar da inclusão do tema da humanização, tendo em vista desafiar as pessoas para o

crescimento e para a novidade de vida em Jesus Cristo.

Em Upsala (1968), na 4ª Assembléia do CMI, foi fundamental o estudo de Visser’t Hooft que desafiou a

todos para uma compreensão do evangelho em sua plenitude, o que seria capaz de reconciliar a

preocupação vertical pela ação salvadora de Deus na vida dos indivíduos com a ênfase horizontal nas

relações humanas no mundo, conforme assim ficou registrado: “Um cristianismo que perdeu sua dimensão

vertical perdeu seu sal, e não é somente insípido em si mesmo, mas inútil para o mundo. Mas um

cristianismo que usasse a preocupação vertical como meio de escapar de sua responsabilidade pela e na

vida comum do homem seria uma negação da encarnação, do amor de Deus manifestado em Cristo. O

segredo todo da fé cristã reside no fato de que ela é centrada no homem por ser centrada em Deus. Não

podemos falar de Cristo como homem para os outros sem falar dele como homem que veio de Deus e

viveu para Deus” (“The Mandate of the Ecumenical Moviment”, p. 138).

A Assembléia de Upsala foi decisiva para a definição de princípios, na medida em que trabalhou a

necessidade de renovação das estruturas para a missão, ao considerar que a igreja em missão é a igreja

para os outros. O relatório final apontou para o reconhecimento de que os campos de missão já não são

lugares exóticos em terras estrangeiras, mas, sim, locais no mundo secular onde há carência, crescimento,

tensão, responsabilidade de tomar decisões e conflitos entre seres humanos (Scherer, Evangelho, Igreja e

Reino, p. 91).

Upsala contribuiu decisivamente para a crescente cisão com os evangelicais. Suas teses, ao apontarem

para a pregação e testemunho com uma preocupação mais voltada para os problemas das sociedades no

mundo, determinaram os novos rumos da missão e debateram suas prioridades para os anos seguintes.

Em 1973, em Bangcoc, a reunião da Comissão de Missão Mundial e Evangelização (CMME) decidiu pela

eliminação de qualquer referência à “tarefa evangelística inconclusa”, por considerar que tal missão seria

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53

possivelmente um programa de dimensões infinitas. Todavia, o desafio missionário deveria ser entendido

de maneira mais holística, buscando-se a ampliação do conceito de missão, desejo já manifesto em

consultas anteriores. Concentrando estudos sobre “Salvação Hoje”, concluiu que a salvação em Cristo é

simples e abrangente, liberta a totalidade da realidade humana de tudo que a mantém em escravidão. As

preocupações de Upsala sobre a salvação pessoal e a questão da responsabilidade social foram

incorporadas em Bangcoc.

O conceito de salvação foi enriquecido com o ideal de “uma salvação da alma e do corpo, do indivíduo e

da sociedade, da humanidade e da criação que geme”(Assembléia de Bangcoc, 1973, p. 1). Estas idéias do

relatório expressam o novo tom que se deveria dar à missão, com ênfase na questão da justiça social e do

desafio em relação à necessidade de denúncia das estruturas opressoras, também responsáveis pelas

desigualdades econômicas. Nas linhas e entrelinhas da conferência estava a questão da libertação do ser

humano das amarras dos poderes de opressão da sociedade. Bangcoc caracteriza-se, assim, como a

assembléia onde se dá o começo de uma nova era missionária.

Emílio Castro, um líder latino-americano eleito diretor do DMME, declarou, no final da assembléia:

“Vimos o fim de uma era missionária; estamos começando uma nova era em que a idéia da missão

mundial será fundamental”, pois chegara ao fim a velha distinção entre empreendimento missionário no

estrangeiro e missão doméstica. Isto significa que a participação das igrejas norte-americanas no processo

missionário assume um envolvimento maior, superior às atitudes pontuais de envio de obreiros a países a

serem evangelizados. Esta é uma das evidências da Conferência de Bangcoc na tentativa de ajustamento

em relação às estratégias missionárias até então adotadas nos projetos de missão empreendidos. Embora

teologicamente não tenha havido grandes avanços, foi fundamental a discussão de questões eclesiásticas

como a possibilidade de autonomia de igrejas mais fracas.

A V Assembléia do CMI, ocorrida em Nairobi, Quênia (1975), que discutiu o tema “Jesus Cristo Liberta e

Une”, deu destaque especial à evangelização, como desafio a ser empreendido no contexto da teologia

ecumênica de missão. Foram razões para isto o fato da reunião acontecer no continente africano, onde era

grande o crescimento nas igrejas-membro do CMI, e o trabalho realizado: pela Conferência Pan-africana

de Igrejas (CPAI), em 1974, em Lusaka, Zâmbia; pela Comissão de Missão Mundial e Evangelização do

CMI na consulta de teólogos ortodoxos sobre o tema “Confessando Cristo Hoje”, em Bucareste, Romênia;

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54

pelo Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial, que reuniu 4.000 pessoas em Lausanne, na

Suíça, em julho de 1974; e pela Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos, em Roma, em outubro de 1974,

que discutiu o tema “Evangelização no Mundo Moderno”, onde foi reafirmado o “mandato de evangelizar

todos os povos constitui a missão essencial da igreja”. Participou dessa última Assembléia, como um dos

preletores, o secretário-geral do CMI, Philip Potter.

Percebe-se, diante dos dados acima, que a Assembléia de Nairobi foi enriquecida pelas contribuições

diretas ou indiretas de um contexto onde o desafio à evangelização e à necessidade da Grande Comissão

estava presente. Não se pode negar, portanto, algum tipo de influência dos teólogos ortodoxos, dos bispos

católicos apostólicos romanos e até mesmo dos evangelicais que se reuniram em Lausanne. O moderador

do CMI nessa reunião, M. M. Thomas, fez questão de destacar que, nessa Assembléia, houve uma certa

convergência teológica entre o trabalho da Assembléia de Bangcoc (1973) e o Congresso dos evangelicais

que se reuniram em Lausanne em 1974.

M. M. Thomas, em seu relatório para o Comitê Central declarou que essa convergência merece destaque:

Em primeiro lugar, em sua ênfase no evangelho todo para o homem todo no mundo

todo; em segundo lugar, em seu esforço de relacionar a evangelização com a

identidade da igreja e com seu crescimento, renovação e unidade; e em terceiro

lugar, em sua afirmação das realidades do mundo contemporâneo, especialmente a

renascença de culturas e religiões e a dinâmica de serviço, desenvolvimento e

justiça na sociedade. (“The Report of the Moderator to the Central Committee”, in

Breaking Barriers: Nairobi 1975, pp. 231-232)

Apesar das considerações acima, restaram alguns problemas a serem tratados em Nairobi. Havia

acusações de que os programas do CMI, ao defender a justiça social e política, seriam um reflexo de certo

“utopismo social que nega o fato do pecado e endossa um humanismo auto-redentor”. Outra questão

reclamada pelos ortodoxos era sobre o conteúdo da salvação. Achavam que o CMI tinha de ser mais

sólido dentro da perspectiva do “objetivo último da salvação, (...) a vida eterna de Deus”. Estas questões

mostram a existência de diferenças relevantes no que se refere à prática da evangelização, quanto à ação

social e ao diálogo com outras religiões.

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55

Esse momento do desenvolvimento do pensamento missionário ecumênico, ao contar com a participação

de pessoas ligadas ao Congresso de Lausanne, teve em John R. W. Stott um porta-voz que, ao referir-se à

importância da evangelização, chamou à atenção para alguns aspectos que o CMI tinha necessidade de

recuperar em seu empreendimento missionário: 1) o reconhecimento da perdição dos seres humanos; 2) a

confiança na verdade, relevância e poder do evangelho de Deus; 3) a convicção a respeito da unicidade de

Jesus Cristo; 4) um senso de urgência no tocante à evangelização (no sentido estrito ou específico do

termo); 5) uma experiência pessoal de Jesus Cristo. Suas expectativas eram no sentido de que os

ecumênicos e os evangelicais se unissem ao tomarem medidas para superar “a ampla lacuna de confiança

e credibilidade que existe hoje”.

Percebe-se nos pronunciamentos dos líderes que compareceram à Assembléia um profundo interesse pela

reconciliação, superação da polarização e construção de pontes que pudessem unir esforços de ortodoxos,

evangelicais e ecumênicos na realização da evangelização para a realização da Grande Comissão. Não se

pode deixar de reconhecer que foi um momento de certa tensão na medida em que havia o risco do

Conselho Mundial de Igrejas desintegrar-se. Nessa ocasião, foi importante para a manutenção dos avanços

ecumênicos o relatório sobre “Confessando Cristo Hoje”, que contribuiu para a preservação do CMI.

Nesse relatório, as igrejas-membro confessam Cristo como Salvador e Senhor, a confiança no poder do

evangelho para libertar e unir, o reconhecimento dos cristãos como sacerdócio real para engajar-se na

evangelização e na ação social de maneira plena, e a proclamação do evangelho até os confins da terra.

Assumem também o desafio de lutar pela realização da vontade de Deus em favor da paz, da justiça e

liberdade em toda a sociedade.

A Conferência de Melbourne, em 1980, ao ter como tema principal “Venha o Teu Reino”, tratou de

questões-chave sob quatro aspectos: 1) Boas Novas para os pobres; 2) O Reino de Deus e as lutas

humanas; 3) A Igreja testemunha o Reino; 4) Cristo, ressuscitado e ressurreto, desafia o poder humano.

Nessa conferência, percebe-se o esforço de vincular a CMME à grande tradição missionária originária de

Edimburgo (1910) e à espiritualidade do movimento missionário estudantil, conforme pronunciamento

tácito de Philip Potter, quando afirmou que o movimento missionário e as conferências missionárias

mundiais sempre se basearam no culto, na oração e no estudo bíblico, na presença e na esperança do

Reino.

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56

Na mesma linha de pensamento de Philip Potter, outros também se pronunciaram destacando a

importância da oração pela vinda do reino e a necessidade de se evitar debates polarizadores que

pudessem enfraquecer o testemunho da igreja no mundo e diminuir seu zelo e entusiasmo pela missão.

A vinda do Reino foi discutida à luz da necessidade de libertação para os que ainda vivem dominados pela

pobreza e pela opressão diante de questões como: qual era a significância missionária do fato que a maior

parte dos cristãos era rica e privilegiada, ao passo que a maioria dos que não tinham ouvido o evangelho

era pobre e oprimida? Quem eram os pobres e que direito especial tinham em relação ao Reino de Deus?

Quais eram as implicações missionárias contemporâneas da identificação de Jesus com os pobres e de seu

manifesto messiânico apresentado em Nazaré?

Convém mencionar que essa conferência realizou-se um ano após a realização da 3ª Conferência Geral

dos Bispos católicos romanos latino-americanos, realizada em Puebla, no México, onde foi reafirmada a

“opção preferencial da igreja pelos pobres.” De alguma forma, a questão da pobreza continuava em

evidência nas discussões sobre missão no mundo.

Na discussão dos quatro aspectos acima citados, sob o tema “Venha o teu reino”, a conferência deixou

claro que os pobres são todos que precisam da satisfação das necessidades básicas da vida, mas inclue

também os que, “possuindo riquezas materiais e culturais, ainda não vivem num mundo de bem-estar”,

mas sofrem de “mal-estar, anomia e comportamento autodestrutivo” (I.7). Portanto, as igrejas devem levar

em conta em sua tarefa missionária e evangelística a situação de todos os que ainda necessitam da “boa

nova” para a sua libertação em todos os segmentos da vida. Reconhece-se, porém, a existência de certa

hesitação sentida pelas igrejas em muitos lugares do mundo quanto à forma de testemunhar, tendo em

vista situações em que podem ser esmagadas por poderes que continuam atuando contra o Reino de Deus,

embora cada cristão precise envolver-se nas lutas a favor desse Reino.

Para a anunciação das “boas novas”, a conferência ressaltou que, mesmo em situações antagônicas, é

preciso que se leve em consideração o autêntico testemunho sobre a história de Deus e seu projeto de

salvação através de Cristo. Esse testemunho da igreja deve ser entendido no sentido de alcançar o ser

humano holisticamente, com comunicação em palavra e ação, no ensino, aprendizado e serviço. Para

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57

tanto, a igreja não deve temer, pois, a exemplo do Cristo sacrificado, ela também deve se reconhecer

sujeita a sofrimento, prisão, martírio e perseguição por causa da sua fé.

Em síntese, Melbourne foi importante para a tarefa missionária ecumênica na medida em que: 1) Destacou

a importância do Reino de Deus como meta da missão; 2) Deu lugar à cristologia como conteúdo para a

missão e para a evangelização; 3) Deu ênfase aos pobres como novo parâmetro missionário; 4)

Conclamou as igrejas a um novo estilo de vida missionário; 5) Reconheceu a igreja como agente

missionário renovado; 6) Enfatizou a necessidade de coerência entre a teoria e a prática da missão.

Após a Assembléia de Nairobi (1975), o CMI tomou a iniciativa de produzir um documento específico

sobre missão e evangelização. Trata-se do documento “Missão e Evangelização: uma Afirmação

Ecumênica”, aprovado em 1982, a pedido do Comitê Central do CMI à CMME e que mereceu, entre

outros, elogios dos evangelicais e dos católicos romanos, considerado digno de destaque, tendo em vista a

maneira como reafirma e esclarece posições existentes sobre missão e evangelização. Sem tendências

polarizantes, o documento valorizou as iniciativas da conferência de Nairobi rumo à convergência e ao

consenso. Nesse texto, há referência à considerável urgência existente no que se refere ao privilégio e à

obrigação da igreja de anunciar o evangelho da salvação a toda criatura, sendo que o fundamento dessa

tarefa missionária está no Deus trino: “A igreja é enviada ao mundo para chamar pessoas e nações ao

arrependimento, para anunciar o perdão dos pecados e um novo começo nas relações com Deus e o

próximo através de Jesus Cristo”, diz o documento.

Entre as afirmações do documento acima, as sete chamadas “convicções ecumênicas” merecem ser

mencionadas: 1) conversão pessoal; 2) o evangelho para todos os âmbitos da vida (totalidade); 3) missão

na unidade; 4) missão ao modo de Cristo; 5) boa nova para os pobres; 6) missão em e para os seis

continentes; 7) testemunho entre adeptos de religiões vivas. Na conclusão, também merece destaque o

sub-título “Olhando para o Futuro”, onde aparecem como desafios a serem considerados as novas

fronteiras da missão e evangelização: as massas secularizadas de sociedades industrializadas; as novas

ideologias emergentes; os movimentos de trabalhadores e refugiados políticos; a busca do povo por

libertação e justiça; a peregrinação incerta da geração mais jovem para um futuro obscurecido pelo perigo

nuclear. Conclusivamente, o documento chama a atenção para o fato de que “a igreja é chamada a estar

presente e a articular o sentido do amor de Deus para cada pessoa e cada situação.” E os cristãos são

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58

chamados a levar “seus corações, mentes e vontades” ao altar de Deus na fé sustentada por oração e

adoração.

A Assembléia de Vancouver, realizada em 1983, praticamente nada acrescentou em termos de missão e

evangelização. Seu tema principal foi “Jesus Cristo – a Vida do Mundo”. O pouco que se viu não passou

de uma retomada de alguns aspectos dos desafios missionários enfocados em assembléias anteriores.

Observadores evangelicais presentes nessa conferência demonstraram seu desapontamento em relação à

falta de preocupação objetiva sobre a missão e a evangelização. Referindo-se ao documento “Missão e

Evangelização: uma Afirmação Ecumênica”, produzido no ínterim entre a Assembléia de Nairobi (1975) e

a de Vancouver (1983), os evangelicais o consideraram apropriado e “completamente evangelical”,

claramente aceito pelos conservadores. Todavia, estranharam o fato do mesmo não ter sido mencionado

em palestra específica para o plenário. O observador católico romano presente na conferência também

lamentou que o relatório produzido pelo primeiro grupo temático, sob o título “Testemunho num Mundo

Dividido”, estivesse muito aquém do documento sobre “Missão e Evangelização: uma Afirmação

Ecumênica”.

Em San Antonio, nos Estados Unidos, em 1989, houve a 10ª Conferência de Missão e Evangelismo, sob o

tema “Seja Feita a Tua vontade: Missão à Maneira de Cristo”. Essa conferência tornou-se marcante por

alguns aspectos que devem ser considerados: 43% dos participantes oficiais eram mulheres; incentivo à

participação dos leigos; valorização de expressões culturais autóctones; realização do encontro em uma

cidade cuja maioria populacional era de fala espanhola, perto da fronteira dos Estados Unidos com o

México; realização às vésperas dos 500 anos de conquista da América.

Em relação aos aspectos positivos do encontro, convém mencionar que as discussões apontaram para o

reconhecimento da nova realidade emergencial da missão e o início oficial do diálogo entre evangelicais e

ecumênicos, tendo em vista a priorização da missão da igreja. Foi fundamental, em nível de agendamento

e discussões, a inclusão da questão da cultura e sua relação com o evangelho e a evangelização.

De caráter ecumênico foi também a realização em 1996, na cidade de Salvador, Bahia, da 11ª Conferência

Mundial de Missão e Evangelização, patrocinada pela Comissão de Missão Mundial e Evangelização do

CMI, para discutir o tema: “Chamados para uma mesma Esperança: o Evangelho de Diferentes Culturas.”

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O princípio em discussão era o de que a participação na missão significa cumprir a obra de Deus em

Cristo, encarnando sua presença no mundo de hoje. Desta forma, somos chamados a oferecer a outros os

dons de misericórdia, verdade, justiça e compaixão para que se tenha vida. Chamou-se, mais uma vez, a

atenção para a importância das Escrituras Sagradas e para a experiência das comunidades eclesiais.

Entre os principais aspectos da conferência de Salvador temos: a missão em seu sentido mais amplo,

incluídos todos os aspectos do testemunho da igreja; a evangelização como comunicação do evangelho,

empreendida em colaboração com as igrejas locais; a relação entre o evangelho e as distintas culturas do

mundo; o sincretismo e a inculturação; as relações internacionais na missão e o intercâmbio de pessoas; a

Bíblia e a missão; as escrituras nos distintos contextos e o ministério intercultural.

Outras Assembléias do CMI se sucederam: 1991, em Canberra, Austrália, com debate sobre o tema “Vem,

Espírito Santo, Renova a Criação”; 1998, em Harare, Zimbabwe, com debate sobre “Buscai a Deus na

Alegria da Esperança.”; e em 2006, em Porto Alegre, Brasil, que refletiu sobre “Deus, em tua graça,

transforma o mundo.”

Em todas essas assembléias, estiveram em discussão a questão da missão e os desafios missionários para o

século XXI. Como a igreja deverá reagir, de maneira missionária, frente a problemas humanos num

mundo globalizado, com pessoas cada vez mais carentes? – Esta e outras questões pertinentes para a

época continuam sobre a mesa de discussões ecumênicas como desafios para futuros empreendimentos

missionários.

Organismos ecumênicos latino-americanos envolvidos com a missão

Embora nem sempre tenham estado envolvidos diretamente com o tema “missão”, é importante mencionar

a participação deles em esforços do que se tem chamado de “missão integral”, cada um com suas

peculiaridades. Entre esses organismos citamos CLAI, ISAL e UNELAM.

1) CLAI

O Conselho Latino-Americano de Igrejas tem caráter ecumênico e procura ajudar as igrejas-membro na

participação na discussão e aprofundamento de questões que envolvem a sociedade civil e seus desafios

de justiça social à luz da Palavra de Deus. Em seus objetivos de trabalho estão: a promoção da unidade do

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povo de Deus na América Latina “como expressão local da Igreja Universal de Cristo”; aprofundamento

da unidade já existente em Cristo, sendo que diferenças confessionais são percebidas como

enriquecimento; ligação de identidade e compromisso na realidade latino-americana; promoção da

evangelização; promoção da reflexão e do diálogo teológicos (Cf CLAI, ed. Indaiatuba, pp. 133ss.).

2) Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL)

Foi fundada em 1961, como resultado de uma inquietação já existente entre jovens, nas décadas de 40 e

50, especialmente da Igreja Metodista do Brasil, preocupados com a evangelização e a educação na

América Latina. Embora essa preocupação tenha inicialmente sido bastante abstrata, na década de 50 o

movimento cresceu, principalmente com a publicação do boletim Cristiano y Sociedad.

Com uma preocupação bem acentuada com a questão da responsabilidade social dos cristãos na América

Latina, ISAL teve muitas dificuldades para resistir às perseguições das ditaduras políticas que se

instalaram no Brasil e Bolívia em 1964; em Santo Domingo, em 1965; no Uruguai, em 1973; no Chile,

após a queda de Allende. Muitos de seus membros foram torturados, presos e mortos. E, assim, ISAL, em

crise, desapareceu. Em substituição a ISAL, surgiu, em 1975, a Ação Social Ecumênica Latino-Americana

(ASEL), porém, com acentuada preocupação com a reflexão teológica, sem, contudo, deixar de lado a

responsabilidade sócio-política dos cristãos.

3) CELADEC

A Comissão Evangélica Latino-Americana de Educação Cristã foi organizada na mesma época de ISAL,

snedo ambas resultantes da Conferência de Lima, em 1961 (Conferência Evangélica Latino-Americana –

CELA II). Voltada para a educação cristã, CELADEC trouxe importante contribuição para o

fortalecimento das igrejas na América do Sul, ao promover encontros e publicações pertinentes para a vida

das igrejas no continente.

4) UNELAM – Comissão Provisória Pró-Unidade Evangélica Latino-Americana

Foi criada em 1965, em uma reunião ocorrida em Campinas, SP, tendo como presidente do Comitê

Executivo o brasileiro Dr. Benjamim Morais e, na segunda assembléia, o pastor argentino Luis P.

Bucafusco e, como Secretário Coordenador, Emílio Castro. A princípio, sua constituição teria como

finalidade exercer o papel de confederação para aglutinar ISAL, CELADEC e ULAJE (União Latino-

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Americana de Juventudes Evangélicas). Os muitos conflitos envolvendo a direção das igrejas, em sua

maioria conservadoras, enfraqueceram essa possibilidade em relação a esses organismos. Todavia, mais

do que agasalhar esses organismos, a UNELAM ficou integrada por alianças, concílios, conselhos,

federações, confederações e associações interdenominacionais de igrejas evangélicas em nível nacional ou

regional. Também organismos continentais de cooperação evangélica vieram a ser membros da

UNELAM, depois de 1974. Na prática, a UNELAM nasceu para acompanhar a ação das igrejas no

momento histórico de sua organização. Sua criação, na época, foi avaliada como um organismo de relação

ecumênica para ajudar, de alguma forma, as igrejas a cumprirem planos de libertação da humanidade no

continente latino-americano, a partir de uma compreensão clara da missão para a qual Deus convoca seu

povo.

Os objetivos principais de UNELAM foram: manter a cooperação na vida, na missão e no testemunho das

igrejas no mundo; estimular e promover a maior unidade de ação quanto ao evangelismo, ao serviço, ao

estudo e à informação mútua; estimular o estabelecimento de relações mais estreitas e criativas entre seus

integrantes em nível nacional, regional e continental; prestar toda a ajuda possível nos planos de educação

teológica, capacitação leiga e meios de comunicação; colaborar com a comunidade cristã mundial na

interpretação da realidade evangélica latino-americana.

As Conferências Evangélicas Latino-Americanas (CELA I, II e III)

A primeira dessas conferências ocorreu em 1949, em Buenos Aires, nove meses depois da organização do

Conselho Mundial de Igrejas. Marca uma nova fase do protestantismo latino-americano, entendida como

uma nova vertente em termos de reuniões continentais. O tema dessa conferência foi “O cristianismo

evangélico na América Latina”. Além de representantes das chamadas igrejas históricas, entre elas, as do

Brasil, participaram pela primeira vez, em um congresso de nível continental e ecumênico, representantes

do protestantismo pentecostal, sem a tutela das “igrejas-mãe.”

O encontro deu ênfase à evangelização e à necessidade de cooperação entre as igrejas, tendo em vista a

realidade do crescimento dessas igrejas, os sofrimentos e perseguições vividos na sociedade por muitos

crentes, sendo, portanto, necessário que o desejo de unidade se torne realidade, deixando de lado as

diferenças pela unidade espiritual. Destacou que as igrejas evangélicas são pela lei e pela ordem e

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defensoras do direito igual a todos os seres humanos, oportunidade em que fez alusão à Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

Dois documentos foram redigidos como expressão do teor das discussões que se sucederam na

conferência: uma “Carta ao povo evangélico” e outro dirigido “Aos nossos povos”, de caráter mais

universal. Em ambos os textos fica muito claro o compromisso de luta pela unidade, pela solidariedade

nos sofrimentos, pela igualdade de direitos, pela fraternidade e pela dignidade dos povos latino-

americanos.

A segunda Conferência Evangélica Latino-Americana (CELA II) ocorreu em Lima (1961) num contexto

social, político, econômico, ideológico, eclesiástico e geográfico diferente da primeira conferência.

Precederam a essa conferência duas outras de caráter continental: o encontro sobre educação, promovido

pela Comissão Evangélica Latino-Americana de Educação Cristã (CELADEC) e por uma conferência

promovida por Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL), que serviram de aquecimento para as

discussões da CELA II. Diante das conturbações sócio-políticas da época, o tema pareceu oportuno:

“Cristo, esperança para a América Latina.”

Mais uma vez os líderes latino-americanos discutiram a questão da cooperação e da unidade na

perspectiva das necessidades dos povos latino-americanos, angustiados diante do drama da pobreza e da

miséria, das perseguições políticas, da falta de liberdade de pensamento e de expressão e, ao mesmo

tempo, diante do desafio de proclamação do evangelho numa perspectiva mais voltada para ações sociais.

Como disse o teólogo uruguaio Miguez Bonino, em termos teológicos, é necessário que se procure

fundamentar na totalidade da compreensão da situação e da missão em uma cristologia constituída sobre

os conceitos de “encarnação” e “senhorio” de Jesus Cristo.

A terceira Conferência Evangélica Latino-Americana (CELA III) foi realizada mais uma vez em Buenos

Aires. Ela estava prevista para ser realizada no Brasil em 1965, com participação da Confederação

Evangélica do Brasil. Em virtude do golpe militar ocorrido no Brasil em 31 de março de 1964 e das

tensões existentes no protestantismo da América Latina entre setores conservadores e fundamentalistas

que dominavam a Confederação Evangélica do Brasil e progressistas da UNELAM, a conferência foi

adiada e somente realizada em 1969 em Buenos Aires.

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63

Pela primeira vez, participaram de conferência desse teor, em atenção a convite dos organizadores,

representantes da Igreja Católica. Na verdade, em retribuição ao convite dos católicos a líderes

protestantes para que participassem II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín,

na Colombia (1968).

“Deveres do Mundo” foi o tema da conferência, a fim de refletir sobre a obrigação das igrejas evangélicas,

diante dos grandes desafios dos problemas sociais latino-americanos. Prevaleceram as discussões sobre

problemas de justiça social, envolvendo a situação das populações do campo e da cidade. Convém lembrar

que se tratava de uma época em que as ditaduras militares se estabeleceram em vários países do

subcontinente e, nas igrejas evangélicas da América Latina, prevalecia a influência da mentalidade

fundamentalista norte-americana e das igrejas pentecostais. Nessa conferência, não prevaleceu o mesmo

pensamento sobre unidade das conferências anteriores.

São importantes os comentários do teólogo Orlando Costas sobre o CELA III, ao afirmar que ele marca

um novo momento como o de “uma nova consciência protestante” e articulou uma nova teologia com uma

dimensão missiológica encarnacional, com uma eclesiologia diaconal, uma cristologia autóctone, uma

antropologia libertadora e uma preocupação pela pneumatologia (COSTAS. In. Oaxtepec 1978). Em

considerações finais sobre o CELA III, o teólogo Orlando Costas disse que essa conferência lançou as

bases para um novo pensamento protestante ao enfatizar a realidade conflitiva ao reconhecer a situação

revolucionária e as exigências justas dos oprimidos, que eram negadas por um sistema político, econômico

e social repressivo e injusto; ao afirmar que o evangelho não se refere unicamente à vida pessoal, mas,

também, às próprias estruturas da sociedade; e ao apontar para a possibilidade de um compromisso

revolucionário dos cristãos.

Além dos Congressos Evangélicos da América Latina, ocorridos em 1949 (Buenos Aires), em 1961

(Lima) e em 1969 (Buenos Aires), outros eventos significativos marcaram a caminhada histórica

missionária na América Latina: as conferências de Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL), em 1961

(Lima), em 1963 (Rio de Janeiro) e em 1966 (El Tabo). Também as Assembléias do Conselho Latino-

Americano de Igrejas (CLAI) em 1978 (Oaxtepec), em 1982 (Lima), em 1988 (Indaiatuba), em 1995

(Concepción), em 2001 (Barranquilla) foram importantes para o equacionamento dos principais problemas

que envolvem a questão da missão das igrejas na América Latina.

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64

MISSÃO E EVANGELIZAÇÃO no Movimento Evangelical

Ao longo da história do cristianismo, percebe-se que têm sido vários os esforços missionários tendo em

vista o cumprimento da Grande Comissão. Dentro do protestantismo em particular, esses esforços têm

sido multiplicados e diversificados, por causa das várias leituras que se pode fazer das Escrituras, com

liberdade, o que tem determinado a prática de variadas metodologias e diferentes conteúdos para o

empreendimento missionário. As iniciativas ecumênicas, acima avaliadas, resultaram da necessidade de

busca de cooperação para a realização da tarefa missionária. Mas outras estruturas organizacionais e

órgãos consultivos para a missão também tiveram grande importância para o avanço do protestantismo.

Entre esses esforços, temos o movimento missionário evangelical.

Entre as principais instituições missionárias evangelicais convém mencionar: a Comunhão Evangelical

Mundial (CEM); a Aliança Evangélica Mundial (AEM); a Associação Interdenominacional para Missões

no Exterior (AIME); a Associação Evangelical para Missões no Exterior (AEME); a Associação

Evangelística Billy Graham; a Visão Mundial e sua extensão, o Centro de Pesquisa Avançada sobre

Missão e Comunicação (CPAMC); a Comunhão Cristã Interuniversitária (Bill Bright); a Comunidade

Internacional de Estudantes Evangelicais (CIEE). Acrescente-se a esses organismos a revista evangelical

Christianity Today e a Escola de Missões do Seminário Teológico de Fuller, em Pasadena, na Califórnia.

Até 1966, essas organizações trabalhavam praticamente separadas. A partir desta data, a aproximação

tornou-se possível graças à participação desses organismos em congressos ou conferências que tratavam

de aspectos comuns a um empreendimento missionário com características conservadores, incluindo

posição teológica comum e propósitos missionários e evangelísticos comuns.

No esforço de aproximação entre essas instituições, em abril de 1966, em Wheaton, Illinois, a Associação

Interdenominacional para Missão no Exterior (AIME) e a Associação Evangelical para Missão no Exterior

(AEME) patrocinaram um Congresso sobre a Missão Mundial da Igreja, com quase 1.000 delegados

evangelicais de 71 países, onde foram debatidos assuntos sobre a teologia e estratégia missionárias em

contraposição às teses ecumênicas sobre missão. Como resultado desse encontro, surgiu a “Declaração de

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65

Wheaton”, onde, sem reservas, reafirma o grupo o seu compromisso com a “primazia da pregação do

evangelho a toda a criatura”. Prevaleceu no congresso, e aparece na declaração, a defesa da prioridade

para a urgente pregação do evangelho e a necessidade de implantação de novas igrejas. A igreja local foi

responsabilizada com a tarefa contínua de promover a missão e a evangelização a partir de sua

comunidade.

A reunião em Wheaton admitiu o fracasso dos evangelicais em manifestar unidade bíblica em Cristo por

conta do que chamaram de “diferenças carnais e agravos pessoais”. De modo geral, não foram poupados

ataques ao movimento ecumênico, com críticas às estratégias na tarefa missionária, ao conteúdo da

mensagem evangelística e aos princípios teológicos norteadores da missão.

Ainda em 1966, no mês de outubro, realizou-se em Berlim mais um encontro entre evangelicais,

patrocinado pela revista evangelical Christianity Today. Trata-se do Congresso Mundial de

Evangelização, que contou com a participação de 1.100 líderes evangelicais, representando mais de 100

países. Entre os objetivos desse congresso estavam: definir o que se deveria chamar de evangelização

bíblica; dar destaque à urgência da evangelização e missão; e estudar medidas para superação dos

obstáculos à evangelização. A preocupação maior e a tônica do encontro foram a valorização das

Escrituras Sagradas para a obediência da Grande Comissão. De maneira prática, estipulou-se como meta a

evangelização da terra nos 30 anos que restavam para o fim do século XX.

O Congresso de Berlim preocupou-se com temas relacionados à necessidade de ações sociais na prática da

evangelização. O racismo foi considerado um escândalo, uma negação do evangelho e um obstáculo ao

testemunho evangelístico, mas a congresso não foi além desse reconhecimento. Não decidiu pela

realização de nada de prático na luta contra o batismo.

O Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial

As organizações evangelicais estão, de alguma forma, relacionadas com o Comitê de Lausanne para a

Evangelização Mundial (CLEM), um amplo movimento para consulta, coordenação e planejamento

conjunto de esforços missionários, embora várias delas sejam anteriores à organização do CLEM. O

movimento de Lausanne teve um grande desenvolvimento e crescimento depois da Segunda Guerra

Mundial. Trata-se de uma organização paralela aos esforços ecumênicos de igrejas e instituições

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66

relacionadas com o Conselho Mundial de Igrejas, mas de caráter conservador quanto à teologia, estratégia

e organização. Na atualidade, tem sido possível algum diálogo com os organismos ecumênicos e mesmo

com os representantes da Igreja Católica Romana.

O Comitê de Lausanne aglutina pessoas, agências missionárias e organizações cristãs que compartilham

princípios teológicos comuns, propósitos e estratégias de evangelização e missão. A força desse

movimento cresceu com a realização do Congresso Internacional de Evangelização Mundial (CIEM), em

Lausanne, Suíça, em 1974. A partir desse Congresso, surgiu o “movimento de Lausanne”, sob a direção

do CLEM.

Lausanne e o Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial (16 a 25/7/1974)

Representou um grande avanço em relação aos movimentos evangelicais anteriores. Lausanne superou as

diferenças entre as ênfases mais limitadas de Wheaton e Berlim, ocorridos em 1966, e se constituiu numa

frente unida evangelical de pessoas que compartilhavam interesses relacionados à missão mundial e

evangelização. Esse congresso levantou importantes perguntas sobre a natureza do evangelho proclamado

e o papel da igreja em sua proclamação.

Com a participação de 2.700 delegados de 150 países, 50% dos quais do mundo dos dois terços, o

Congresso de Lausanne criou uma frente unida evangelical dos que compartilhavam interesses

relacionados à missão mundial e evangelização. Foi interessante o debate sobre questões como a natureza

do evangelho proclamado e o papel da igreja em sua proclamação. Os participantes do encontro,não só se

motivaram com as discussões ocorridas no local, mas também tiveram a oportunidade de adotar o

chamado Pacto de Lausanne, considerado um consenso teológico sobre a natureza da evangelização.

Os principais preletores do encontro foram: Billy Graham – “Por que Lausanne?”; John R. W. Stott – “A

Base Bíblica da Evangelização”; Michael Green – “Estratégia e Métodos Evangelísticos da Igreja” e

“Evangelização na Igreja Primitiva”; Howard A. Snyder – “A Igreja como Agente de Deus na

Evangelização”; René Padilla – “A Evangelização e o Mundo”; Samuel Escobar – “A Evangelização e a

Busca de Liberdade, de Justiça e de Realização pelo Homem”; Francis A. Schaffer – “Forma e Liberdade

na Igreja”; e Festo Kivengere – “A Cruz e a Evangelização Mundial”.

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67

Mereceu destaque nesse congresso as palavras de Billy Graham, seu presidente de honra, quando

declarou-se esperançoso ao perceber a presença do que considerou a “nata evangelística da Igreja de Jesus

como entidade universal”, interessada em buscar formas de cumprir a última comissão de Jesus. Em sua

fala, Billy Graham referiu-se: à importância desse congresso no contexto da tradição de numerosos

movimentos de evangelização na história da igreja; à importância da igreja reconhecer-se como “um só

corpo, obedecendo a um só Senhor, voltada para o mundo com uma só tarefa”, isto é, proclamar a uma só

voz que somente Cristo salva; à necessidade de mais uma vez enfatizar os conceitos bíblicos que são

essenciais à evangelização. Lamentou que a igreja no mundo tivesse perdido autoridade da mensagem do

evangelho, que tivesse se preocupado exageradamente com problemas político-sociais e com sua unidade

organizacional, levando-a a perder muito da visão e do ardor missionário do início do século XX,

referindo-se, assim, à Conferência de Edimburgo (1910).

Em várias situações, a Conferência de Edimburgo foi citada, a exemplo do que também sempre ocorre nas

reuniões do Conselho Mundial de Igrejas, como referência, por vários debatedores do encontro,

lamentando-se que se tivessem perdido os rumos do ardor missionário inicial, pois o foco originário da

autoridade evangelística sutilmente foi sendo deslocado das Escrituras para a organização eclesiástica. Os

mais críticos chegaram a dizer que, ao longo dos anos, as atenções dos líderes evangélicos passaram a

centrar-se mais na salvação materialista da sociedade do que no indivíduo. Esta foi uma crítica, portanto,

dirigida aos líderes evangélicos ecumênicos.

Ao definir metas a serem atingidas a partir de Lausanne, Billy Graham foi explícito ao dizer que aquele

congresso deveria: formular uma declaração bíblica sobre a evangelização, que falasse com uma voz

evangelical clara e ao mesmo tempo desafiasse o CMI; desafiar a Igreja a concluir a tarefa da

evangelização mundial; explicitar a relação existente entre evangelização e responsabilidade social;

desenvolver uma koinonia ou comunhão mundial entre evangelicais de todas as tendências. Em síntese,

Graham entendia que o eixo central de Lausanne girava em torno da visão da Conferência de Edimburgo

(1910), que se perdeu pela influência do movimento ecumênico, mas que, agora, era recuperada pelos

evangelicais conservadores.

Do Congresso surgiu o mandato a ser observado pelos evangelicais, cujos objetivos específicos

estabelecidos pelo CLEM eram os seguintes: 1) Promover a evangelização bíblica na forma refletida no

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Pacto de Lausanne; 2) Fomentar a renovação espiritual como fundamento para a evangelização mundial;

3) Ser um motivador e facilitador para a evangelização mundial através de redes de relacionamento; 4)

Medir o progresso obtido na evangelização mundial de modo a concentrar a oração e outros recursos na

expectativa de novos avanços espirituais.

O Pacto de Lausanne

Um dos efeitos positivos para os evangelicais conservadores foi a elaboração do Pacto de Lausanne.

Tornou-se praticamente uma confissão de fé, considerada a mais significativa das confissões sobre o

evangelismo já produzidas pela igreja, resultante de um consenso teológico, assinado por 2.200 pessoas

em Lausanne, tornando-se a base para a Consulta de Pattaya (Consulta sobre Evangelização Mundial –

COEM) em 1980. O Congresso de Lausanne foi determinante para se chegar à conclusão de que era

fundamental “apressar a evangelização de todos os povos em obediência à ordem de Jesus Cristo e na

expectativa de sua volta, multiplicando e fortalecendo as formas pelas quais os crentes evangelicais

trabalhem juntos para cumprir essa tarefa através de igrejas, missões e outras organizações cristãs” (The

Future of World Evangelization, p.34).

O Pacto tornou-se o fundamento para a cooperação entre os evangelicais na evangelização mundial,

tornando-se uma referência motivadora para a unidade evangelical. Na verdade, os que assinaram esse

documento, sentiram-se firmando um “pacto com Deus e com os demais signatários, com o compromisso

de orar, planejar e trabalhar juntos pela evangelização de todo o mundo. Embora abrangente, foi uma

declaração concisa no que se refere a definição da teologia evangelical da missão a ser empreendida a

partir daquele Congresso.

Entre as afirmações de maior importância estão: a questão do propósito de Deus, que assim está no

parágrafo 1º. do Pacto: “Afirmamos a nossa crença no Deus eterno, Criador e Senhor do mundo, Pai, Filho

e Espírito Santo, que governa todas as coisas segundo o propósito de sua vontade. Ele tem chamado do

mundo um povo para si, enviando-o novamente ao mundo como seus servos e testemunhas, para

promoverem o crescimento do seu reino, a edificação do Corpo de Cristo e para glorificarem o seu nome.”

Outra afirmação importante é sobre a autoridade da Bíblia, conforme se lê no Pacto: “Afirmamos a divina

inspiração, veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Antigo como do Novo Testamentos, em sua

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totalidade, como a única Palavra de Deus escrita, isenta de qualquer erro em tudo quanto afirma, e a única

regra infalível de fé e prática. Também afirmamos o poder da Escritura Sagrada para efetuar o propósito

de Deus na salvação do homem.”

A unicidade e universalidade de Cristo é mais uma afirmação que serve de fundamento para os signatários

de Lausanne, pois se refere a soteriologia e ao conhecimento de Deus. Nela se afirma que só existe um

Salvador e um só evangelho, apesar da variedade de maneiras de realizar a obra de evangelização. Negam

que o conhecimento de Deus seja suficiente para que a pessoa se salve, e rejeita qualquer forma de

sincretismo ou diálogo que indique que Cristo fale através de todas as religiões e ideologias. Jesus é Deus-

Homem, suficiente para a redenção da humanidade. Reconhece que a humanidade perece por causa do

pecado, mas Deus, por seu amor deseja que todos se arrependam e se salvem através de Jesus.

Uma outra afirmação presente no Pacto refere-se à natureza da evangelização. Esta, deve incluir a

proclamação das “Boas Novas” de que Cristo morreu, e a conversão do homem pelos Seus méritos. O

conteúdo da proclamação deve ser o Cristo bíblico e histórico como o Salvador e Senhor, com a finalidade

de persuadir os homens a se achegarem a Ele pessoalmente e assim conseguirem a reconciliação com

Deus. Desta forma, os resultados dessa evangelização devem incluir obediência a Cristo, inclusão no seio

da Igreja e serviço fidedigno no mundo.

A 5ª. afirmação do Pacto, sobre a “responsabilidade social cristã”, foi indicativa em relação à nova direção

da tarefa missionária dos evangelicais, na medida em que introduziu nas preocupações a serem

consideradas na missão e evangelização, uma nova linguagem sobre a situação do homem em sociedade:

“Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu

interesse pela justiça e reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo

tipo de opressão.” Continuando, o Pacto incluiu também uma afirmação de humildade quando seus

signatários foram levados a dizer: “aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos

algumas considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas.” Nessa mesma linha, o

Pacto incluiu a afirmação de que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do

nosso dever cristão.

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70

Os demais temas contemplados no Pacto de Lausanne foram a relação entre a Igreja e a evangelização, o

desafio da cooperação na evangelização, o esforço conjugado de Igrejas na evangelização, a necessidade

de urgência da obra missionária, a relação entre evangelização e cultura, a questão da educação teológica e

a formação dos líderes da Igreja, o problema da liberdade e da perseguição e afirmações sobre o poder do

Espírito Santo e o retorno de Cristo. O documento é encerrado com a declaração de seus apoiadores de

que se comprometem a orar, a planejar e a trabalhar juntos pela evangelização da totalidade do mundo.

Convém relatar a reação do grupo de “Discipulado Radical”, formado por evangelicais, que surgiu em

Lausanne, que conclamou o congresso a “repudiar como demoníaca a tentativa de criar um hiato entre

evangelização e ação social”. Esse grupo afirmava que o método de evangelização deve centralizar-se em

Jesus Cristo, que tornou-se humano e sofreu a ponto de morrer pela humanidade. O grupo rejeitava a

dicotomia bíblica entre a Palavra falada e a Palavra tornada visível na vida do povo de Deus. Referindo-se

ainda a Jesus Cristo no contexto da obra missionária, os radicais afirmaram que Ele envia sua comunidade

para dentro do mundo para identificar-se com a agonia dos homens, renunciar ao status e ao poder

demoníaco, entregar-se em serviço altruísta aos outros e a Deus, procurando estar onde os homens estão.

O “Discipulado Radical” faz, portanto, uma conclamação a mudanças radicais na maneira de viver e

praticar a evangelização. Esse posicionamento praticamente forçou a realização de uma conferência em

Grand Rapids, em junho de 1982, patrocinada conjuntamente pelo Grupo de Trabalho sobre Teologia, do

CLEM, e pela Comissão Teológica da Comunhão Evangelical Mundial, a fim de resolver a controvertida

questão da responsabilidade social cristã no âmbito da tarefa missionária, contemplando assim à

necessidade de melhor esclarecimento sobre um dos mais importantes itens do Pacto.

Eventos evangelicais em continuidade ao congresso de Lausanne. Além dos congressos evangelicais

já citados, depois do Congresso de Lausanne outros congressos deram continuidade aos temas debatidos

em Lausanne. O CLEM nomeou quatro grupos de trabalho para discutir separadamente os temas teologia,

estratégia, intercessão e comunicação. O Grupo de Trabalho sobre Teologia (GTT) foi incumbido de

promover o estudo de questões teológicas envolvendo a relação entre teologia e prática. O Grupo de

Trabalho sobre Estratégia (GTE), em cooperação com CPAMC-Visão Mundial (Centro de Pesquisa

Avançada sobre Missão), preocupou-se com os recursos e as metodologias para completar a tarefa

inconclusa e, desde 1979, com o projeto “Povos Não-Atingidos”.

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O Grupo de Trabalho sobre Teologia e Educação promoveu encontros para debater assuntos que exigiam

alguma definição e direcionamento. Uma das questões era o “princípio de unidade homogênea”,

defendido por Donald McGavran e protagonistas do Movimento de Crescimento da Igreja. Esta idéia de

crescimento da Igreja circulava fortemente na escola de Missão Mundial do Seminário Teológico Fuller.

Trata-se de uma opção missiológica preferida pelos evangelicais norte-americanos que defendiam que

Deus deseja o crescimento numérico dos cristãos através de “movimentos populares.”

Essa opção missiológica não foi bem aceita, tendo em vista que alguns evangelicais entendiam que “as

pessoas gostam de se tornar cristãs sem cruzar barreiras de raça, língua ou classe (The Pasadena

Consultation – Homogeneous Unit Principle, Wheaton, III. LCWE, 1978, p.3 (LOP, 1). Desta forma, o

GTT do CLEM, reunido em maio/junho de 1977, concluiu que de fato poderia haver um conflito de

princípio entre a metodologia de crescimento da Igreja, erroneamente aplicada, e o espírito do Pacto de

Lausanne.

Em 1978 o Grupo de Teologia e Educação realizou uma consulta em Willowbank, nas Bermudas, para

tratar da questão sobre “Educação e Cultura”, assunto já tratado em Lausanne em 1974, mas que precisava

de uma melhor consideração. Aqui, a relação “Cristo e cultura” é melhor detalhada, levando-se em

consideração o papel da cultura e seu sentido bíblico, o contexto cultural das Escrituras, a comunicação do

evangelho através da cultura, a espiritualidade missionária baseada na encarnação, a cultura na experiência

de conversão e a cultura na formação da Igreja. Resultou dessa consulta, o princípio de que todas as

Igrejas devem “contextualizar o evangelho a fim de partilharem-no eficazmente em sua própria cultura.”

De 17 a 21 de março de 1980, realizou-se uma Consulta sobremodo significativa sobre “Compromisso

Evangelical com um Estilo de Vida Simples”, em Londres, patrocinada pelo Grupo de Teologia e

Educação de Lausanne e pela Comunhão Evangelical Mundial. A finalidade do encontro foi discutir sobre

uma das afirmações do Pacto de Lausanne que se refere ao reconhecimento da opulência vivida por

muitos dos líderes das igrejas, diante da pobreza de milhões de pessoas socialmente injustiçadas no

mundo, e a necessidade de que todos busquem um estilo de vida simples, como contribuição generosa

para o alívio e evangelização dos que sofrem.

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Os resultados dessa consulta foram considerados históricos e transformadores. No texto final, foram

abordados os seguintes itens: Criação, mordomia, pobreza e riqueza, a nova comunidade, estilo de vida

pessoal, desenvolvimento internacional, justiça e política, evangelização e a volta do Senhor.

Para ilustrar, destacamos alguns itens, conforme transcrição de Alan Nichols (in Viva a Simplicidade!, São

Paulo, ABU/ Belo Horizonte, Visão Mundial, 1983):

Mordomia:

Se formos mordomos infiéis, deixando de conservar os recursos finitos da Terra, de

desenvolvê-los ou distribuí-los com justiça, tanto desobedecemos a Deus como

alienamos as pessoas de Seu propósito para com elas. Portanto, resolvemos honrar

a Deus como dono de todas as coisas...

Pobreza e Riqueza:

Afirmamos que a pobreza involuntária é uma ofensa contra a bondade de Deus. Na

Bíblia, a pobreza aparece associada à impotência, pois os pobres não têm meios de

se proteger. O apelo de Deus às autoridades é no sentido de que usem seu poder

para defender os pobres, não para explorá-los. A Igreja precisa ficar ao lado de

Deus e dos pobres contra a injustiça, sofrer com eles e apelar às autoridades para

que cumpram o papel que lhes foi determinado por Deus. (...) O reino é uma dádiva

oferecida a todos, mas o que ele é, de maneira especial, são boas novas para os

pobres, dado que são eles que recebem mais benefícios em conseqüência das

mudanças implantadas pelo reino...

Estilo de Vida Pessoal:

Nossa obediência cristã exige um estilo de vida simples, mesmo sem levar em

consideração as necessidades dos outros. Entretanto, o fato de 800 milhões de

pessoas viverem na miséria e 10.000 morrerem de fome todo dia torna inviável

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qualquer outro estilo de vida. (...) Tencionamos reexaminar nossa renda e nossos

gastos, a fim de gastar menos, para que possamos doar mais. (...) Aqueles dentre

nós que pertencem ao Ocidente necessitam da ajuda de nossos irmãos e irmãs do

Terceiro Mundo a fim de avaliarem seus gastos. (...)

Desenvolvimento Internacional:

Um quarto da população mundial goza de prosperidade sem paralelo, enquanto

outro quarto padece da mais opressiva pobreza. Essa brutal disparidade é uma

injustiça intolerável; recusamo-nos a nos conformarmos com ela. A exigência de

uma Nova Ordem Econômica Internacional expressa a justificada frustração do

Terceiro Mundo.

Justiça e Política:

Também estamos convencidos de que a presente situação de injustiça social é tão

repulsiva a Deus, que grandes mudanças são necessárias. Pobreza e riqueza

excessiva, militarismo e indústria armamentista, e a distribuição injusta de capital,

de terra e de recursos constituem problemas que têm a ver com poder e impotência.

Sem uma mudança de poder através de mudanças estruturais, esses problemas não

podem ser resolvidos. A igreja cristã, juntamente com o resto da sociedade, está

inevitavelmente envolvida na política. (...) Os servos de Cristo precisam expressar

o senhorio dele em seus compromissos políticos, econômicos e sociais, e em seu

amor pelo próximo, participando do processo político.

Evangelização:

O apelo por um estilo de vida responsável não deve estar divorciado do apelo por

um testemunho responsável. Pois a credibilidade de nossa imagem diminui

seriamente sempre que a contradizemos com nossas vidas. É impossível proclamar,

com integridade, a salvação de Cristo se é evidente que ele não nos salvou da

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cobiça, ou proclamar seu senhorio se não somos bons mordomos de nossas posses,

ou proclamar seu amor se fechamos nossos corações para os necessitados. Quando

os cristãos se importam uns com os outros e com os pobres, Jesus Cristo se torna

mais visivelmente atraente.

As afirmações acima destacados são as que, de maneira mais contundente, referem-se à questão da

responsabilidade social e da necessidade de mudança, ao se desenvolver um estilo de vida justo e simples.

Apesar da objetividade e determinação expressa pelos defensores do documento, o CLEM divulgou nota

afirmando que “não endossa necessariamente todos os pontos do documento.” Como se percebe, a questão

sobre a responsabilidade social do cristão, continuou sendo um problema a ser resolvido pelos

evangelicais conservadores!

Em junho de 1980, em Pattaya, Tailândia, o CLEM patrocinou mais uma grande Consulta sobre

Evangelização Mundial. Com a participação de aproximadamente 800 delegados, o tema discutido teve

como fundamento bíblico a Carta de Paulo aos Romanos, capítulo dez, de 14 a 17, “Como ouvirão?”.

Trata-se de mais um encontro no espírito do Pacto de Lausanne. Foram estudadas as possibilidades para o

desenvolvimento de novas estratégias de evangelização transcultural, ao mesmo em que também foi feita

uma avaliação do progresso do desenvolvimento da evangelização mundial a partir de Lausanne (1974).

Embora já estivesse em operação, foi trabalhada a questão do desenvolvimento das estratégias em relação

aos diferentes povos não-atingidos.

Na declaração final, Pattaya endossou e reafirmou os termos do Pacto de Lausanne, defendeu a prioridade

da evangelização transcultural como tarefa da Igreja em todos os países e chamou a atenção para a

importância de se procurar atingir na tarefa missionária as pessoas que já são cristãos de nome, mas ainda

precisam ser evangelizados por não terem entendido suficientemente o evangelho e a ele não atenderam.

Os delegados de Pattaya pediram sensibilidade em relação aos padrões culturais de outros povos e

pediram mudança de atitude missionária com ênfase no amor, na humildade, na integridade, na busca do

poder do Espírito Santo para vencer na batalha espiritual contra as forças demoníacas, tendo em vista que

a estratégia e a organização, por si, não são suficientes.

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Ao mesmo tempo em que se realizava a grande consulta, em Pattaya ocorreram 17 “miniconsultas” a fim

de estudar questões teológicas e estratégias de evangelização, tendo em vista atingir grupos específicos

por meio da evangelização transcultural. Foram realizadas importantes abordagens sobre a

reevangelização dos cristãos nominais, a evangelização de cidades grandes, estudo de casos em 38

grandes cidades da Ásia, África, América Latina, Europa e em mais 18 grandes cidades na América do

Norte. De maneira prática, líderes de igrejas locais receberam treinamento em métodos multidimensionais

para o trabalho em grandes cidades, utilizando recursos conjuntamente, com base na cooperação e na

comunicação.

Apesar dos esforços até aqui referidos para a viabilização de ações sociais no contexto da missão e

evangelização, como ocorreu no encontro de Londres, em março de 1980, a convocação de uma consulta

internacional fez-se necessária, tendo em vista a afirmação de delegados que estiveram em Pattaya,

quando disseram que o CLEM não estava suficientemente preocupado com a justiça social. Alegaram

ainda que o comitê regredira em relação ao seu firme compromisso com a “Responsabilidade Social

Cristã”, conforme destacou o Pacto de Lausanne em 1974.

Ao mesmo tempo em que as afirmações acima praticamente determinaram a necessidade de uma consulta

específica para melhor equacionar o problema da responsabilidade social na missão, por outro lado levou

os mais conservadores a pensarem que os mais liberais estavam abandonando o evangelho histórico da

graça de Deus.

A Consulta de Grand Rapids ocorreu em 1982, em meio a controvérsias e confusões entre os evangelicais

mais conservadores e mais liberais. O enfoque maior foi sobre a necessidade de se encontrar uma

explicação cabível para o texto do Pacto de Lausanne quando afirma que “na missão de serviço sacrificial

da Igreja a evangelização é primordial,” sem deixar claro, porém, a questão da relação entre a “Natureza

da Evangelização” e a “Responsabilidade Social Cristã.” Era evidente o medo de que houvesse um

destaque maior para a evangelização em detrimento da responsabilidade social ou ocorresse o contrário.

Estava em discussão a questão da totalidade ou integralidade da missão e da evangelização. Os

organizadores da consulta, preocupados com o desfecho da situação, optaram por decidir a questão a partir

de uma reflexão teológica, usando, para tanto, como estratégia, trabalhar com estudo bíblico, oração e

discussões em grupo.

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O relatório final da consulta levou a bom termo as discussões, ficando assim elaborado, conforme registro

de John R. W. Stott em Evangelização e Responsabilidade Social, abaixo descrito:

O que ficou claro a partir da nossa discussão é que elas não se relacionam de uma

só maneira, mas, pelo menos, de três formas igualmente válidas. Em primeiro

lugar, a ação social é uma conseqüência da evangelização. Ou seja, a

evangelização é um meio pelo qual Deus produz nas pessoas um novo nascimento;

e esta nova vida se manifesta no serviço prestado aos outros. (...)

Em segundo lugar, a ação social pode ser uma ponte para a evangelização. Ela

pode destruir preconceitos e desconfianças, abrir portas fechadas e ganhar a

atenção das pessoas para o evangelho. O próprio Jesus às vezes realizava obras de

misericórdia antes de proclamar as boas novas do Reino. (...)

Em terceiro lugar, a ação social não apenas se segue à evangelização como seu

objetivo e conseqüência, e não só a precede, servindo de ponte para ela, mas

também a acompanha como sua parceira. A ação social e a evangelização são

como as duas lâminas de uma tesoura, ou como as duas asas de um pássaro. Esta

relação pode ser vista claramente no ministério público de Jesus, que não somente

pregou o evangelho, mas alimentou os famintos e curou os enfermos. No ministério

de Cristo, o kerygma (proclamação) e a diakonia (serviço) caminhavam de mãos

dadas. Suas palavras expunham suas obras, e suas obras dramatizavam suas

palavras.

O relatório da consulta de Grand Rapids, considerado bom para o movimento de Lausanne, conseguiu

manter o grupo unido no espírito do Pacto, ainda que com limitações. Todavia, além de garantir a

continuidade e a credibilidade dos evangelicais na tarefa missionária a partir do Pacto de Lausanne, foi

importante quando conseguiu estabelecer uma ponte de entendimento com o pensamento do

Departamento de Evangelização do CMI, no que se refere à tríplice ênfase na evangelização abrangente

como kerygma, diaconia e koinonia.

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Numa avaliação geral, pode-se dizer que o Movimento de Lausanne, como alternativa ao entendimento

em relação às iniciativas ecumênicas do CMI, tentou trazer para si a herança do legado histórico da

Conferência de Edimburgo, realizada em 1910. Apegou-se às Sagradas Escrituras como referência maior

para a defesa de seus princípios missionários e evangelísticos, resistindo às várias tentações de preocupar-

se com questões sócio-políticas e à unidade organizacional às custas da evangelização.

James A. Scherer, em seu livro “Evangelho, Igreja e Reino” (p. 152), diz que, entre outras,

...os evangelicais deram uma contribuição significativa para o esclarecimento de

questões teológicas concernentes à missão e para o desenvolvimento de novas

estratégias , metodologias e abordagens analíticas da missão transcultural” graças

ao seu esforço sistemático de contribuir para o esclarecimento e aprofundamento

do entendimento sobre questões fundamentais inerentes às decisões de Lausanne e

reafirmação do Pacto. Em 13 anos, foram mais de 100 reuniões realizadas em

todos os níveis (regional, nacional, mundial), sempre no “espírito de Lausanne.

Apesar dessas contribuições consideradas positivas, o movimento de Lausanne não prosseguiu tão

tranqüilo em sua marcha nas lutas pela missão e evangelização em 1983, em Wheaton, Illinois, foi

realizada a Conferência Internacional sobre Natureza e Missão da Igreja, que discutiu o tema “A Igreja

Responde à Necessidade Humana”, sob o patrocínio da Comunhão Evangelical Mundial (CEM). Desse

encontro fizeram parte evangelicais alinhados com o chamado “grupo radical”, que fazia críticas à direção

do CLEM, por entender que a mesma era muito conservadora. A conferência foi um tipo de réplica às

decisões de Grand Rapids, consideradas pelos líderes da CEM, uma atitude contemporizadora em relação

às estruturas malignas da realidade social mundial. Os líderes evangelicais dessa organização chegaram a

dizer: “Não há escapatória: ou contestamos as estruturas malignas da sociedade ou as apoiamos.” Em

síntese, era uma crítica ao relatório de Grand Rapids, uma reprimenda ao CLEM por sua hesitação, e mais

um esforço de evangelicais progressistas para levar o evangelicalismo a um compromisso maior com a

ação pela justiça social em seu projeto de evangelização com determinada responsabilidade social.

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78

Em julho de 1989, em Manilla, nas Filipinas, sob o tema “Proclamar a Cristo até que ele volte”, foi

realizado mais um Congresso Internacional de Evangelização Mundial, considerado um Lausanne II,

tendo em vista que após quinze anos da realização do congresso de Lausanne, fazia-se necessário retomar

os pressupostos básicos do Pacto, avaliar a caminhada da tarefa missionário até aquele momento e propor

uma nova agenda para as igrejas diante da aproximação do ano 2000.

Os resultados do congresso de Manilla foram considerados um grande fracasso. Não se cumpriu a agenda

prevista e temas pertinentes que foram discutidos em Lausanne em 1974 não foram abordados.

Acrescente-se a essa situação, o boicote aos evangelicais, considerados radicais. Uma ala considerada

fundamentalista teria manipulado o congresso, comprometendo, assim, o futuro da missão no movimento

angelical, é o que afirmam críticos ao encontro de Manilla.

Instituições Missionárias Latino-Americanas. Além das instituições acima citadas, é importante

mencionar outras evangelicais que têm trabalho na América Latina seguindo os rumos traçados pelo Pacto

de Lausanne: a Aliança Bíblica Universitária – ABU; a Associação Nacional de Evangelicais – ANE; o

Centro Brasileiro de Estudos Pastorais – CEBEP; o Comitê Evangelical para a América Latina – CEAL; o

Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos – CPPC; a Missão Latino-Americana – MLA; o Seminário

Bíblico Latino-Americano – SBL; a Sociedade de Estudantes de Teologia Evangélica – SETE; a

Fraternidade Teológica Latino-Americana – FTL; o Centro Evangélico Latino-Americano de Estudos

Pastorais – CELEP; a Visão Nacional de Evangelização – VINDE; a Visão Mundial; a Associação

Evangélica Brasileira – AEVB

Congressos Latino-Americanos. Entre os congressos latino-americanos realizados temos: em 1962, a

Consulta Latino-Americana sobre Evangelização (CLASE); em 1969, em Bogotá, o Congresso Latino-

Americano de Evangelização - CLADE I; em 1970, em Cochabamba, Constituição da FTL; em 1979,

Lima – Congresso Latino-Americano de Evangelização - CLADE II; em 1983, em Belo Horizonte, o

Congresso Brasileiro de Evangelização; em 1988, em Recife, o Congresso Nordestino de Evangelização;

em 1992, em Quito – Congresso Latino-Americano de Evangelização – CLADE III; em 2000, em Quito –

Congresso Latino-Americano de Evangelização – CLADE IV.

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79

AÇÕES MISSIONÁRIAS NO BRASIL

Foi no Brasil que teve lugar a primeira tentativa de implantação do protestantismo na América Latina. Isto

se deu em 1555, com a invasão dos franceses, calvinistas, no Rio de Janeiro, com a finalidade de

fundarem a França Antártica e terem condições de praticarem livremente o culto reformado. Enviados

pela Igreja de Genebra, pastores calvinistas iniciaram a pregação protestante, em expedição dirigida por

Nicolau Durand Villegaignon. Essa tentativa, porém, terminou em tragédia, uma vez que, além de

Villegaignon haver traído as esperanças postas em sua missão pelos calvinistas, convém lembrar, entre

outros, o fato de um pastor calvinista, Jean Jacques Le Balleur, que conseguiu escapar à perseguição de

Villegaignon, e foi pregar o evangelho em São Vicente, São Paulo. Condenado pelos jesuítas, foi preso

durante oito anos na Bahia, sendo, em seguida, enforcado, atribuindo-se ao Padre Anchieta participação

nesse ato como carrasco auxiliar. A tragédia termina com a expulsão dos franceses pelo Governador Geral

do Brasil, Mem de Sá, em 1567.

Embora não se possa claramente identificar como um empreendimento missionário, é interessante que

mencionemos a invasão dos holandeses no Brasil, em 1630, no nordeste. Essa invasão, que durou de 1630

a 1645, tem sido interpretada como um feito estritamente extrativista, com objetivos econômicos.

Todavia, temos que reconhecer que os invasores ainda chegaram a organizar uma igreja em Recife, e

procuraram alcançar, com sua pregação, os indígenas, os escravos e os portugueses.

Os franceses voltaram ao Brasil na primeira década do século XVII, com uma expedição comandada por

Rasilly e La Ravardière, com a intenção de fundar, no Maranhão, a França Equinocial. Rasilly era católico

e se fazia acompanhar de vários frades capuchinhos, embora também numerosos fossem os protestantes

que vieram na expedição. Provavelmente, os protestantes apenas tenham se limitado a devocionais

domésticas, sem qualquer pretensão missionária e conversionista.

No século XIX, em 1810, Inglaterra e Portugal assinaram um Tratado de Comércio no qual constava um

Artigo que admitia ou tolerava a prática de outros cultos a cidadãos britânicos, da Igreja Anglicana, não-

católicos, embora com certas restrições, desde que vivessem no Brasil. Não admitia atos missionários

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tendo em vista fazer prosélitos. Em 1824, baseados no mesmo Tratado, os luteranos da Alemanha e da

Suíça e outros grupos evangélicos, também foram contemplados com a tolerância religiosa.

O contexto social, político e econômico, portanto, pouco a pouco foi tornando-se cada vez mais favorável

à inserção do protestantismo no Brasil. Por um lado, porque o Brasil necessitava da mão de obra

estrangeira, que, em grande parte, era de origem protestante, cuja prática impulsionaria o programa de

civilização e colonização do império; por outro, também, porque o Imperador, D. Pedro II era simpático à

cultura dos missionários protestantes e às suas práticas, inclusive na área da educação, embora não

apreciasse o caráter proselitista desses missionários em sua pregação religiosa.

O Board of Mission da Methodist Episcopal Church in the United States, enviou seu primeiro missionário

ao Brasil em 1835, o Rev. Fountain E. Pitts. Em 1836, o segundo missionário, Rev. Justus Spaulding

chegou ao Brasil enviado pelo mesmo Board, tendo organizado uma igreja com quarenta membros, todos

estrangeiros. Em 1837, colabora com o programa missionário da Igreja metodista Daniel P. Kidder, um

distribuidor de Bíblias que realizou diversas viagens pelo Brasil, deixando escritos importantes

(Reminiscências) sobre o que aprendera sobre a cultura brasileira. Apesar dos avanços, a primeira Igreja

Metodista organizada no Brasil encerrou suas atividades, provavelmente por causa da crise entre os

protestantes nos Estados Unidos, onde se discutia o problema da escravidão. Essa crise atingiu

diretamente a Igreja Metodista em 1844, resultando, possivelmente, no corte dos recursos para o trabalho

no Brasil.

Em 1871, os metodistas fundaram uma nova igreja no Brasil, entre os imigrantes confederados em Santa

Bárbara, interior de São Paulo. Esse empreendimento missionário, porém, também não prosperou, pois o

seu fundador e mantenedor, Rev. J. E. Newman, misteriosamente desapareceu do trabalho no Brasil. De

maneira definitiva, a Igreja Metodista parece considerar como data para o seu estabelecimento oficial no

Brasil o ano de 1876, quando o Rev. J. J. Ramson organizou no Rio de Janeiro a considerada terceira

igreja metodista no Brasil, com seis pessoas, todas estrangeiras.

Caracterizou o protestantismo de imigração no Brasil, portanto, as facilidades que surgiram na sociedade

brasileira, através das portas de trabalho que se abriram para a mão-de-obra mais especializada,

geralmente procedentes de países protestantes. Já em 1823 os primeiros colonos, em sua maioria alemães,

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81

vieram para o nosso país à busca de melhores condições de vida e se instalaram no sul e também, embora

em número menor, no leste brasileiro. Esses primeiros colonos enfrentaram problemas culturais em

relação ao isolamento geográfico, lingüístico e cultural, além de certos constrangimentos criados em

alguns lugares por causa de suas práticas religiosas protestantes.

Entre os constrangimentos vivenciados pelos imigrantes protestantes, estavam as proibições em relação à

construção de templos, com cruzes e sinos, a fim de não terem a aparência dos templos católicos e

confundir os seus fiéis. Também tiveram dificuldades em relação ao casamento e batismo de menores com

registro, pois o único casamento reconhecido no Brasil na época, por falta de cartórios, era o casamento

realizado na Igreja Católica, o que na maioria das vezes os protestantes não aceitavam. E quanto ao

registro dos filhos, batizados nas comunidades protestantes, seus nomes não tinham reconhecimento

público. Até para enterrar os seus mortos os protestantes tiveram dificuldades, pois, os “hereges

protestantes” não podiam ser enterrados em “campos santos”, isto é, cemitérios destinados aos católicos.

A princípio a assistência espiritual aos imigrantes alemães era dada por pastores leigos e missionários

vindos da Alemanha. A princípio, esses pastores e missionários apenas davam assistência às comunidades

de alemães, sem visão missionária propriamente dita, com evangelização destinada ao povo brasileiro.

Com o passar do tempo, preocupações sócio-políticas e a necessidade de soluções para os problemas de

relacionamento acima descritos, os imigrantes alemães, luteranos, através da Igreja, começaram a

participar das lutas comuns de toda a sociedade brasileira, em busca de justiça social para todos. Essa

abertura também contemplou o reconhecimento da necessidade de comunicar o evangelho aos não-

imigrantes, agora dentro de um projeto de missão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

(IECLB) voltado para os não-evangélicos.

Os “evangelicais” da IECLB, por seu turno, insatisfeitos com o desempenho de muitos membros de sua

comunidade inoperantes, empreenderam um projeto de “missões internas” tendo em vista alcançar os

cristãos nominais a uma experiência com Jesus Cristo. Ao lado desses esforços da Igreja Evangélica da

Confissão Luterana no Brasil, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), um grupo luterano mais

conservador, proveniente do trabalho missionário do Sínodo de Missourii, dos Estados Unidos.

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82

A contribuição das Sociedades Bíblicas. Tendo em vista as circunstâncias favoráveis do século XIX,

merecem destaque alguns empreendimentos que contribuíram para a inserção do protestantismo no Brasil

como a chegada das Sociedades Bíblicas, inglesa e norte-americana. Ligado à Sociedade Bíblica norte-

americana, lembramos o nome do pastor presbiteriano Rev. James Cooley Fletcher, que também era

diretor da União Cristã Americana de Jovens, agente da Sociedade dos Amigos do Marujo e secretário da

legação dos Estados Unidos. Esta última função facilitava-lhe as relações com o Palácio Imperial, sendo,

inclusive, admitido como membro do Instituto Histórico Brasileiro. A distribuição das Escrituras no país,

facilitada pelas Sociedades Bíblicas citadas, contribuiu decisivamente para que os missionários

estrangeiros desenvolvessem seu trabalho missionário.

A contribuição da família Kalley. As primeiras missões estrangeiras protestantes, chegaram ao Brasil

durante o governo de D. Pedro II, que, pela sua posição liberal, não se opunha às pregações protestantes.

Além desse aspecto a favor, as missões estrangeiras também foram favorecidas com a necessidade de

imigrantes dos países protestantes para ajudar no desenvolvimento da economia brasileira.

Foi durante o governo de D. Pedro II que se deu a vinda para o Brasil, em 1855, dos escoceses Robert

Reid Kalley e sua esposa Sara Kalley que, depois de um período dedicado à evangelização na Ilha da

Madeira, fugiram de uma violenta perseguição religiosa empreendida pelo clero católico local, abrigando-

se por um tempo nos Estados Unidos antes de chegarem ao nosso país. Embora ligado inicialmente à

Sociedade Missionária de Londres, Kalley era independente trabalhava com recursos próprios. Juntamente

com sua esposa, estava entre os propagandistas anglo-saxões, aristocratas ou burgueses ricos, que se

tornaram viajantes e utilizavam sua fortuna para fazer turismo e difundir a fé protestante. Não possuindo

consistência teológica, segundo Carl Hahn, teria tido influência negativa no pensamento e na prática

protestantes no Brasil.

Por entender que a simples distribuição das Escrituras não seria suficiente para fazer prosélitos para o

protestantismo, Kalley deu início ao que se chamou a “era da evangelização”, com destacado papel

missionário dos portugueses provenientes da Ilha da Madeira. Do trabalho de Kalley, resultou a Igreja

Evangélica Fluminense, cuja data de fundação (11 de julho de 1858) coincide com o batismo do primeiro

brasileiro pertencente a uma igreja protestante, Pedro Nolasco de Andrade. Além da organização dessa

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83

Igreja, Kalley conseguiu o respeito da das autoridades brasileiras, o reconhecimento de suas atividades

civil (como médico) e religiosa (como pastor).

É importante ainda ressaltar, em particular, o trabalho de Sara Kalley ao entregar à comunidade

protestante uma coleção de cânticos evangélicos, que se chamou “Salmos e Hinos”, com os direitos

autorais hoje pertencentes à Igreja Evangélica Fluminense. A ela, também é atribuída a responsável pela

introdução da Escola Dominical, em 1855, que, ainda segundo Carl Hahn, teria aberto caminho para a

miscelânea e a superficialidade teológica que existe nas igrejas evangélicas brasileiras, como se vê, por

exemplo, na teologia que está inserida nos cânticos do hinário “Salmos e Hinos”. Com isso, e apesar

disso, o trabalho missionário, aos poucos, foi ganhando estabilidade e o devido reconhecimento da

sociedade.

A chegada de Ashbel Green Simonton e a inserção do presbiterianismo no Brasil. Enviado pela Junta

de Missões Estrangeiras, dos Estados Unidos, mais conhecida como Board de Nova York, Simonton

chegou ao Brasil em 12 de agosto de 1859, como resultado de sua escolha pessoal para desenvolver em

nosso país atividade missionária. O objetivo de sua missão era evangelizar pessoas e criar uma Igreja que

viesse a ser uma comunidade missionária. Simonton era fruto do movimento de avivamento na Igreja da

chamada “Nova Escola” em Harrisburg, Estados Unidos. Essa sua origem contribuiu para o tipo de vida e

ministério que adotou no Brasil. Sua ordenação ao ministério pastoral, porém, se deu na Igreja da “Velha

Escola” sob a influência de Charles Hodge, um dos principais expoentes da ortodoxia dessa escola.

Percebe-se em Simonton, portanto, uma posição ambígua. O certo é que a sua ortodoxia influenciou

decisivamente na formação do tipo de presbiterianismo que temos hoje no Brasil.

Em seus três primeiros anos, dedicados a viagens entre Rio de Janeiro e São Paulo, enfrentou várias

dificuldades até organizar a primeira igreja presbiteriana no Brasil (em 12 de janeiro de 1862), com dois

membros, um português e outro norte-americano, sendo que o primeiro brasileiro a ser batizado foi

Serafim Pinto Ribeiro. Em 5 de março de 1865, o Rev. Alexander L. Blackford organiza em São Paulo a

segunda igreja presbiteriana, com dezoito pessoas. A terceira igreja foi organizada em Brotas, interior

paulista, com onze pessoas, todas brasileiras, em cerimônia presidida pelos Rev. Blackford e José Manoel

da Conceição, este, um ex-padre e ex-vigário de Brotas, também o primeiro pastor protestante brasileiro.

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Além dos missionários do Board de Nova York, registramos a presença dos missionários da Igreja

Presbiteriana do sul dos Estados Unidos, ligados ao Board de Nashville. Muitos imigrantes, após a Guerra

de Secessão, localizaram-se em Santa Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo e cidades vizinhas. Para

atender espiritualmente a esses presbiterianos norte-americanos, a Assembléia Geral da Igreja

Presbiteriana do Sul enviou ao Brasil os missionários George Nasch Morton e Edward Lane, que

fundaram duas comunidades, sendo uma em Santa Bárbara do Oeste em 26 de junho de 1870 e outra em

Campinas, em 10 de julho do mesmo ano. O mesmo Board enviou em 1873, mais dois missionários,

William Leconte e J. Rockwell Smith, que se instalaram em Recife.

Favoreceu também o desenvolvimento do trabalho missionário brasileiro, o estabelecimento, em

Campinas, em 1868, da Missão da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos, trazendo entre suas

preocupações a situação religiosa dos emigrantes confederados que, em 1866, estabeleceram-se em Santa

Bárbara do Oeste, no interior de São Paulo. Outras denominações religiosas ou igrejas, entre elas a batista

e a metodista também se preocuparam com a situação dos seus fiéis que emigraram para o Brasil depois

do fim Guerra de Secessão. O motivo de tal preocupação estava ligado ao fato de que os confederados

careciam de assistência espiritual e seus apelos, provenientes de Santa Bárbara, mostravam essa

necessidade. Também nessa região, a Igreja Batista, conforme Crabtree, em a História dos Batistas no

Brasil e o Jornal Batista de 21-12-1908, organizou a sua primeira Igreja em 10 de agosto de 1870, com 23

membros, embora Émile G. Leonard afirme que teria sido em 10 de setembro do mesmo ano.

Apesar das diferenças de pensamento, em sua origem, entre os Boards missionários do norte e do sul dos

Estados Unidos, o trabalho de evangelização promovido pelos presbiterianos não foi prejudicado. E assim

é que em 1888 foi organizado o Sínodo do Brasil, após a abolição da escravidão, embora as diferenças de

ordem política e eclesiástica permanecessem entre os dois grupos, com reflexos ainda nas futuras crises do

presbiterianismo brasileiro.

O trabalho missionário de José Manuel da Conceição. Também chamado de “padre protestante”, José

Manuel da Conceição foi o primeiro pastor brasileiro ordenado pela Igreja Presbiteriana. Nascido em São

Paulo em 1822, foi ordenado padre em 1845. Ao longo de sua história de vida sacerdotal, ele sempre

demonstrou uma certa inquietação e inconformismo em relação às doutrinas e práticas religiosas adotadas

pela Igreja Católica Apostólica Romana. Enfrentou várias crises vocacionais e espirituais, mesmo depois

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de ter aderido ao protestantismo. Em várias situações foi acompanhado pelo Rev. Blackford, inclusive em

suas lutas espirituais.

José Manuel da Conceição nem sempre desenvolveu um trabalho missionário de acordo com o programa

estabelecido pela missão presbiteriana. Nunca foi seguidor de rotinas e estratégias missionárias

previamente planejadas. Na verdade, sempre foi um pregador itinerante, um evangelizador nato, que

viajava de cidade em cidade, de povoado em povoado pregando o evangelho. A partir de Brotas, cidade do

interior paulista e onde, Conceição dirigiu a sua última paróquia como padre, pregou o evangelho em

dezenas de cidades, entre elas Itaquarí, Rio Claro, Limeira, Piracicaba, Capivari, Campinas, Itatiba,

Bragança, Atibaia, Santo Antonio da Cachoeira (Piracaia), Nazaré, Santa Isabel, São Paulo, Cotia, Ibiúna,

Piedade, São Roque, Sorocaba, Porto Feliz, Itú, Guaratinguetá, Queluz, Rezende, Barra Mansa, Piraí,

Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba, Caçapava, entre outras.

As condições para as viagens nem sempre foram as melhores. Hospedava-se em sítios, em casas, em

palhoças, em casas de amigos e de desconhecidos. Nem sempre tinha dinheiro para pagar ou contribuir

com algo em troca da hospedagem e, por isso, quando podia, fazia pequenos serviços para os hospedeiros.

De preferência, gostava de ficar em casa de pessoas mais humildes. Faleceu na noite de Natal, em situação

precária, depois de ter sido confundido com um marginal, por estar com os pés descalços e maltrapilho, e,

por isso, ter sido preso. Por falta de dinheiro para comprar a passagem de trem, em Irajá, que o levaria à

cidade de Piraí, no Rio de Janeiro, tentou chegar ao seu destino a pé. Em Piraí, morreu, socorrido por um

amigo.

A obra de José Manoel da Conceição foi de valor inestimável para o programa missionário da igreja em

sua época. Sua missão não se desenvolveu de maneira organizada nem estava presa à propaganda

confessional, como se esperava. Embora os missionários lhe pedissem que se fixasse em algum lugar,

passando da evangelização à organização, seu temperamento não lhe permitiu aderir a tal iniciativa. Ele

entendia que o melhor para a missão era difundir a mensagem de salvação, sem se preocupar muito com

destruir instituições para elevar outras. No final de sua caminhada, dedicou-se com ardor a um ministério

de caridade e instrução religiosa entre os mais humildes. Seu trabalho abriu caminho aos missionários, a

fim de que estes lançassem os fundamentos de igrejas. É verdade que por onde Conceição passou

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evangelizando nem sempre os missionários conseguiram chegar para dar assistência espiritual aos novos

convertidos.

O movimento pentecostal no Brasil. Os pentecostais chegaram ao Brasil no início do século XX (1910):

a Igreja Assembléia de Deus, com Daniel Berg e Gunnar Vingren, no Pará e a Congregação Cristã do

Brasil, com Luigi Francescon, em São Paulo e Paraná. Vieram para o Brasil sem recursos financeiros e

sem o amparo adequado de algum organismo missionário. Vieram para o Brasil impulsionados pelo

avivamento pentecostal. Por uma questão de sobrevivência, tiveram que trabalhar como operários até que

o trabalho começasse a dar frutos.

A pregação pentecostal no Brasil foi uma novidade entre as igrejas evangélicas já aqui implantadas. Com

linguagem simples, facilmente alcançaram as pessoas de baixa escolaridade, operários, pequenos

vendedores, a massa da sociedade brasileira. A novidade era a ênfase nos dons espirituais, as curas

milagrosas, o discurso apelativo às emoções, o rigor a ser observado pelos fiéis em relação a usos e

costumes. A “religião de massa” cresceu rapidamente, apesar das desconfianças dos demais evangélicos

das igrejas tradicionais. Em pouco tempo, tinham conseguido autonomia financeira para sustentação do

trabalho e autonomia administrativa.

Na década de 30 o Brasil recebeu mais de 500 missionários estrangeiros e, de 1950 a 1970, tornou-se o

país do Terceiro Mundo com a maior quantidade de missionários estrangeiros trabalhando em projetos de

missão no país. A participação desses estrangeiros no processo de evangelização do Brasil, sustentados

por suas igrejas de origem ou por voluntários apaixonados por missões, sem apoio de agências

missionárias, deu lugar ao surgimento de várias pequenas e médias denominações, em sua maioria de

pentecostais.

Igrejas de minorias étnicas, como a “Holiness”, de etnia japonesa, chinesa, coreana e outras de origem

européia, também aqui chegaram. Dependendo de sua capacidade de aculturação, algumas dessas

comunidades estão enfraquecidas e outras em melhor situação.

Visando a evangelização e com um novo discurso baseado no desenvolvimento dos dons do Espírito

Santo, diferentemente das igrejas pentecostais acima referidas (Assembléia de Deus e Congregação Cristã

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do Brasil), nas décadas de 50 e 60 surgiram várias igrejas pentecostais com respeitável avanço no

protestantismo brasileiro: em 1953, surgiu a Igreja do Evangelho Quadrangular – Cruzada Nacional de

Evangelização; a Igreja “O Brasil Para Cristo” (1956), sob a liderança do auto-denominado Missionário

Manoel de Melo, um dissidente da Igreja do Evangelho Quadrangular. Com sua pregação sobre cura

divina e dons do Espírito Santo sua comunidade cresceu, espalhando-se em todo o país. Da Igreja “O

Brasil Para Cristo” surgiu um outro grupo forte, pentecostal, sob a liderança do Missionário David

Martins de Miranda, que criou a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (1961); em 1960 a Igreja de Nova

Vida; a Casa da Bênção em 1964; a Igreja Metodista Wesleyana em 1967.

Nos anos setenta, surgiu a Igreja “O Salão da Fé” (1975) e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)

(1977), sob a liderança de Edir Macedo. Em 1980, foi organizada a Igreja Internacional da Graça, sob a

liderança do Missionário R. R. Soares.

Devido ao gigantesco crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais, o perfil do protestantismo

brasileiro tem sido alterado. Tendo em vista os problemas econômicos da sociedade brasileira, com a

perda de status de terminadas camadas da sociedade, as igrejas históricas, mas também muitos adeptos das

igrejas pentecostais e neopentecostais são pessoas da classe média (em decadência) e das classes mais

baixas economicamente. A religião, no caso, o protestantismo neopentecostal, tem aparecido como um

sinal de esperança de reconquista de determinados ganhos, apesar das implicações éticas muitas vezes

vivenciadas em certas práticas religiosas.

A Confederação Evangélica do Brasil. Esta, na verdade, é a continuação do trabalho da Comissão

Brasileira de Cooperação, fundada em 1918. Essa Comissão foi o mais importante resultado do

Congresso de Panamá e das conferências regionais subseqüentes. Criada pelo pastor presbiteriano Erasmo

Braga, começou suas atividades em 1920. Dela faziam parte 19 instituições eclesiásticas, incluindo

igrejas, sociedades missionárias e outras organizações evangélicas. No futuro, essa comissão se

transformaria num conselho maior, nacional, a Confederação Evangélica do Brasil, em 1934. Já no ano de

1911, foi criada a Associação das Escolas Dominicais do Brasil que, em 1918 transformou-se em

Conselho Evangélico de Educação Religiosa no Brasil. Com a existência da Comissão Brasileira de

Cooperação, a possibilidade de se pensar em um conselho de dimensões nacionais era uma questão de

tempo.

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No ano de 1933, foi fundada a Federação de Igrejas Evangélicas do Brasil, por uma questão de estratégia

para garantir a sobrevivência das Igrejas, uma vez que surgia no cenário político da sociedade brasileiro,

um movimento reacionário que estaria interessado criar restrições na nova Constituição do pais, para a

liberdade religiosa. Diante dessa realidade e considerando as suspeitas que existiam quanto ao trabalho

das missões estrangeiras e a crescente maré de nacionalismo, vários líderes evangélicos acharam que seria

melhor que as igrejas se agrupassem como uma federação, a fim de que se tornasse mais fácil representar

a mente comum de milhares de evangélicos sobre assuntos públicos e, particularmente, em defesa da

liberdade religiosa. Foi assim que as três organizações interconfessionais já existentes uniram-se na

Confederação Evangélica do Brasil. Um ano mais tarde, esta filiou-se ao Conselho Missionário

Internacional.

Inicialmente faziam parte da Confederação Evangélica do Brasil a Igreja Metodista do Brasil, a Igreja

Presbiteriana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e a Igreja Episcopal do Brasil. A

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil somente filiou-se em 1959. Entre as igrejas

pentecostais, houve a filiação da Igreja do Evangelho Quadrangular em 1963 e a Igreja “O Brasil para

Cristo” em 1968.

Entre as principais preocupações dos líderes das igrejas associadas estavam: a defesa dos interesses dos

evangélicos diante da hegemonia da Igreja Católica, as questões referentes à educação, formação e

aperfeiçoamento, projetos sociais com cursos de alfabetização e campanhas de ajuda a pessoas

necessitadas em situações de emergência e um plano especial de missões.

O plano de missões teve como objetivo evitar a sobreposição do trabalho missionário, com a duplicação

de atividades e, naturalmente, a concorrência entre sociedades missionárias de diversas igrejas. Para

facilitar a sua execução, foi criado o Conselho de Relações Intereclesiásticas, com funções de

coordenação, reconciliação e decisão diante de situações conflitantes.

A Confederação Evangélica do Brasil também teve participação nas Conferências Evangélicas Latino-

Americanas (CELA I – em 1949, em Buenos Aires; CELA II – em 1961, em Lima). A CEB não

sobreviveu ao tempo da ditadura militar no Brasil. Também a situação de sobrevivência em relação à

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hegemonia da Igreja Católica já não era mais um problema com a mesma configuração anterior, na década

de 60. Na década de 70, a CEB desapareceu.

Destaque para os congressos brasileiros de evangelização. O Congresso Brasileiro de Evangelização

foi considerado o primeiro congresso evangelical brasileiro de evangelização, de grande porte, que

ocorreu em 1983, de 31 de outubro a 5 de novembro, em Belo Horizonte, com a participação de mais de

duas mil pessoas representando todas as regiões do país, denominações e tipos de ministério. A origem

desse evento tem sido considerada pelos seus organizadores como de difícil discernimento. Pode ter sido

um anseio alimentado por muitos dos seus participantes a partir de Lausanne, em 1974, como um sonho

alimentado no Congresso para Evangelização Mundial em 1979, em Lima ou mesmo no Congresso de

1980 em Pattaya, quando realmente iniciou o período preparatório que se estendeu até 1983, quando

ocorreu o evento.

Foram os objetivos do Congresso: conclamar o povo evangélico para a obra de evangelização; buscar a

consagração de vidas a Jesus Cristo, Senhor e Salvador, único caminho de salvação, sempre sob a

orientação do Espírito Santo e das Escrituras Sagradas; reafirmar a evangelização como tarefa prioritária

da Igreja, desafiando o povo de Deus a realizá-la de forma autêntica e urgente, em âmbito nacional e

mundial; identificar as necessidades e desafios do homem brasileiro e avaliar os recursos disponíveis para

a realização de uma evangelização integral, a fim de alcançá-lo em todas as suas dimensões; reavaliar a

atual prática de evangelização perguntando por sua fidelidade à Palavra de Deus e sua eficácia

metodológica, buscando superar as limitações e propondo novos modelos de evangelização; incentivar a

fraternidade e cooperação entre o povo evangélico brasileiro, buscando a manifestação visível do Corpo

de Cristo e um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis para a expansão do evangelho.

Como pressuposto para o cumprimento desses objetivos estava a constatação de seus organizadores de que

a evangelização no Brasil deve ser considerada “uma tarefa inacabada”, razão porque se fazia necessário

uma ação evangelizadora para ser cumprida ainda “nesta geração.” Os temas em discussão buscavam

atender aos clamores: pela evangelização, pela unidade do Corpo de Cristo, pelo homem e a realidade

brasileira.

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Para atender aos “clamores” implícitos na proposta do Congresso, foram abordados, entre outros, os

seguintes temas: “A evangelização do Brasil: desafio e compromisso” (Caio Fábio Júnior); “A prioridade

da evangelização na tarefa missionária da Igreja” (Valdir Raul Steuernagel); “150 anos de evangelização

no Brasil: uma obra inacabada” (Alcebíades P. Vasconcelos); “O homem brasileiro como objeto do amor

de Deus” (Key Yuassa); “Afluência e pobreza: a relação entre evangelização e responsabilidade social”

(Dieter Brepohl). Em sínteses, os temas abordados atenderam à necessidade de um melhor entendimento

sobre evangelização, propriamente dita, a contextualização em relação à realidade brasileira, a importância

da espiritualidade e os desafios das questões sociais na tarefa missionária no Brasil.

A exemplo do Congresso de Lausanne, os participantes assinaram um termo de compromissos onde

declaram a disposição de assumir de forma ampla a responsabilidade missionária, de forma ousada;

exercer ministério profético, pastoral e intercessório, segundo as Escrituras, sob a direção do Espírito

Santo; buscar a unidade fraterna da Igreja, no testemunho e no trabalho; assumir o homem brasileiro,

objeto do amor de Deus, no contexto dramático da realidade brasileira; disponibilizar forças, recursos e

possibilidades a serviço de Jesus Cristo no contexto de sua Igreja e missão.

Para garantir a continuidade e cumprimento dos termos do compromisso, foi criada a Comissão Brasileira

de Evangelização, que se dispôs a estabelecer uma caminhada conjunta com o Comitê de Lausanne para a

Evangelização Mundial, frisando-se que não se tratava de alinhamento, mas de mutualidade e parceria,

tendo em vista a obediência a Jesus Cristo, o Senhor da Igreja, de maneira criativa e, ao mesmo tempo,

crítica.

O segundo congresso evangelical no Brasil, para discutir a evangelização, ocorreu em Recife, em 1988,

conhecido como Congresso Nordestino de Evangelização. Esse evento foi a continuidade do Congresso

Brasileiro de Evangelização ocorrido em Belo Horizonte, em 1983 e abordou, tanto quanto o primeiro, em

1983, o movimento pelo resgate da ética evangélica, entre outros assuntos.

Ocuparam-se seus organizadores em tratar da possibilidade de ser constituída uma representação oficial

dos evangélicos no Brasil. Tal preocupação foi ocasionada por causa dos escândalos provocados por

deputados federais evangélicos que reorganizaram a Confederação Evangélica do Brasil. Essa abordagem

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dos congressistas resultou na criação de um órgão nacional de representação dos evangélicos, que recebeu

o nome de Associação Evangélica Brasileira (AEVB).

Contribuições de organismos paraeclesiásticos para a missão no Brasil. Os grupos paraeclesiásticos,

em sua maioria, chegaram no Brasil a partir da década de 40, sem que declaradamente estivessem

dispostos a “fundar igrejas”, como fizeram as igrejas históricas a partir do século XIX. Quase todos os

grupos vieram dos Estados Unidos. Na década de 50 começaram a chegar várias empresas multinacionais,

com um modelo capitalista de trabalho, produção e lucro, que corresponde também ao modelo capitalista

de “evangelizar para crescer” e de crer para obter os bens da salvação, para adorar e servir

pragmaticamente.

Vinte anos depois da chegada dos primeiros grupos, mais discretos em sua maneira de trabalhar a

evangelização, vieram grupos mais ousados em relação à forma de culto e pregação existentes nas igrejas

tradicionais. Muitos tinham como proposta evangelizadora agir mais dentro das igrejas já existentes,

embora pudessem também trabalhar ao “ar livre” como se dizia na época, mais focados em atividades com

jovens.

A década de 60 também foi propícia para o desenvolvimento desse tipo de trabalho por ter sido um

momento de muita turbulência na sociedade brasileira e até mesmo na América Latina, época em que

surgiram governos autoritários, que estabeleceram limitações para a liberdade de pensamento e ações

políticas voltadas para o povo. A classe estudantil viveu em meio a grande tensão e viu seus grêmios e

centros acadêmicos serem fechados por decreto formal do governo. Nas escolas, mudanças significativas

nos currículos, afastaram disciplinas que faziam o jovem pensar, como foi o caso da retirada da Filosofia e

da Sociologia dos cursos de Ensino Médio. De caráter ideológico, nessa época, deu-se a inclusão de

Estudos de Moral e Cívica, Organização Social e Política da primeira série do Ensino Fundamental à

última série do Ensino Médio; nos cursos superiores tornou-se obrigatório o curso de Estudos de

Problemas Brasileiros, com o propósito de dar continuidade ao estudo de disciplinas semelhantes já

adotadas nos dois primeiros graus de ensino do estudante.

Principalmente os jovens buscavam compensações que pudessem ajudá-los na realização de seus sonhos e

expectativas em relação à vida pessoal e social. Por outro lado, convém lembrar que, se na sociedade o

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92

sentimento era de perdas, dentro das igrejas a característica era de estagnação. Por isso, vale também a

pena frisar que o êxito dos grupos paraeclesiásticos no Brasil está, de alguma forma, relacionado ao

tradicionalismo das igrejas históricas em relação à realização de seus cultos, pregação, cânticos,

testemunhos, principalmente em relação aos jovens. Foi assim que desenvolveu-se nas igrejas um novo

modelo de ser igreja, basicamente voltado para um novo estilo de culto, com novos instrumentos musicais

(guitarra, violão, instrumentos de percussão), saindo assim das práticas convencionais das igrejas,

geralmente acostumadas com o órgão ou o piano. Os sermões tornaram-se curtos, de tom emocional-

evangelístico, sem conteúdo teológico de qualidade. Os testemunhos pessoais, uma novidade para as

igrejas tradicionais, tornaram-se comuns nos cultos.

É importante ressaltar que sempre existiram grupos paraeclesiásticos que nunca se descuidaram da ação

proselitista dentro do protestantismo brasileiro. De alguma forma, a preocupação geral sempre foi a de

“ganhar almas”: das crianças, dos jovens, dos universitários, dos adultos, dos judeus, entre outros e a

formação de líderes que pudessem viabilizar com estratégias consideradas mais eficazes, a evangelização

direta ou indireta da sociedade. A sensação que se criou foi a de que o avivamento do século XIX, nos

Estados Unidos, transferiu-se para o Brasil. Isto porque o teor da mensagem desses grupos foi sempre

pietista, conservador, mais para o coração do que para a mente, para a razão.

Entre esses grupos que se inseriram no protestantismo brasileiro temos:

1. Palavra da Vida: de origem norte-americana, é especializado em atividades evangelísticas com

jovens e formação de obreiros. Trabalha com acampamentos e formação teológica em vários

níveis, inclusive de bacharelado.

2. Jovens da Verdade: também especializados em trabalhos com a juventude, com preocupação

evangelística e despertamento de vocações. Trabalha com acampamentos e formação de obreiros

para campos missionários. Apesar de ser um grupo brasileiro, trabalha com metodologia norte-

americana em suas várias atividades.

3. SEPAL (Serviço de Evangelização Para a América Latina), voltada para o auxílio na formação dos

pastores e missionários na sua preparação e reciclagem para a obra de missão e evangelização;

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93

4. Visão Mundial, que trabalha com projetos sociais junto às igrejas evangélicas, de acordo com

orientação do Movimento de Lausanne, que entende que a evangelização também está relacionada

com a salvação do corpo, tendo em vista a realização da “missão integral”.

5. Cruzada Estudantil e Profissional Para Cristo, voltada para a evangelização através do uso das

“Quatro Leis Espirituais”, como estratégia de pregação para a conversão de pecadores não

arrependidos.

6. Aliança Pró-Evangelização das Crianças (APEC), procedente dos Estados Unidos, organizada no

Brasil no final da década de 30, tem extenso trabalho na área de evangelização de crianças dentro

das igrejas locais brasileiras e nas escolas públicas. Além do trabalho direto com as crianças, a

APEC tem trabalhado intensamente na formação de obreiros para servirem nas escolas bíblicas

dominicais e escolas públicas. Na década de 60, durante a ditadura militar no Brasil, a APEC

conseguiu exclusividade, por vinte anos, renovada em várias outras oportunidades, para o ensino

religioso nas escolas públicas do Estado de São Paulo, conforme convênio firmado com a

Secretaria da Educação.

Características do protestantismo de missão no Brasil. Como se percebe, diante de tudo que vimos no

protestantismo de missão no Brasil, este resulta de alguns aspectos que não podem ser deixados de lado, a

fim de que se entenda melhor determinadas tendências das igrejas protestantes na atualidade.

Inicialmente, trata-se de um protestantismo influenciado pela teologia arminiana e dos movimentos

avivalistas do século XVIII e XIX. Uma teologia antagônica às tradições agostiniana, luterana e calvinista.

É também um protestantismo baseado em uma ética puritana, rígida, ao mesmo tempo zelosa e severa,

com características negativas em relação ao que o crente deveria deixar de fazer para não ser considerado

mundano, também característica de um protestantismo dogmático.

Esse protestantismo revelou-se também competitivo, denominacionalista, anti-católico, polêmico,

apologético, proselitista, sempre com uma postura de busca de conversão em relação aos que ainda se

mantêm no chamado “mundo das trevas”, esteja ou não no catolicismo. A Igreja Católica, do ponto de

vista de Simonton, é pagã, “uma religião cristã só de nome, distante de suas origens, mitológica, mais

propícia aos ricos, contraditória, mantida por um cerimonial externo e responsável em boa parte pela

irreligiosidade reinante na sociedade...” (A.G. Mendonça, O Celeste Porvir, p. 84).

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Caracteriza-se também por ser um protestantismo marcado pela ênfase numa escatologia pré-milenista,

trazida pelos missionários, com promessas apocalípticas do milênio que teria lugar no mundo presente. .

Finalmente, uma religião da retórica, caracterizada por pregações consideradas corretas, marcadas por

uma ética própria do “espírito burguês”. A retórica protestante de “espírito burguês” muitas vezes foi

praticada no campo e na cidade, independentemente dos interesses reais dos ouvintes da classe social a

que pertencia ou pertence.

A HISTÓRIA DA MISSÃO NA IPI DO BRASIL

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil tem sua história de “missão” ou de “missões” influenciada

pelo pensamento de Simonton, que retratava a teologia do protestantismo norte-americano do século XIX,

e que entendia que era a missão da igreja a implantação do Reino de Deus na terra. O conceito de “Reino

de Deus”, aqui, está relacionado à teologia calvinista do “Reino de Deus” e “povo escolhido”, encampado

pelo “sonho americano”, assim como o de “povo escolhido” para expandir o reino (A. G. Mendonça).

Trata-se de uma pregação missionária conversionista individualista, que também marcou o trabalho

missionário das organizações paraeclesiásticas a partir dos anos 50 no Brasil.

O conteúdo dessa teologia missionária destaca que a tarefa missionária é de todos os crentes, os quais

devem ter consciência dessa grande responsabilidade, que pragmaticamente deve ser exercida através de

vida exemplar, distribuição de Bíblias, folhetos e convites aos incrédulos para que viessem aos cultos.

Essa tarefa dos crentes também deve ser continuada pelos ministros ordenados, devidamente preparados,

que utilizariam os cultos para pregar a necessidade de conversão e para a transmissão da verdadeira

doutrina. Completaria a tarefa missionária o estabelecimento de escolas, que trariam o progresso e o Reino

de Cristo com a transformação geral da sociedade.

A contribuição de Eduardo Carlos Pereira. Influenciado pela teologia missionária da qual Simonton era

portador, o Rev. Eduardo Carlos Pereira tornou-se o principal articulador da caminhada missionária do

presbiterianismo no Brasil no final do século XIX e, em especial, da IPI do Brasil. Em 1883, fundou a

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Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos, com a finalidade de publicar textos contra o catolicismo, a

fim de converter católicos ao protestantismo. Em 1886, elaborou o Plano de Missões Nacionais, com o

objetivo de “despertar nas comunidades presbiterianas o sentimento de sua responsabilidade em face à

evangelização do país e de construir um fundo que permitisse, sem nenhum auxílio estrangeiro, a

manutenção de pastores; a manutenção de evangelistas; a manutenção de professores e estudantes do

ministério.” Em 1887, fundou a Revista de Missões Nacionais, para incentivar os presbiterianos nacionais

a assumirem a responsabilidade evangelística e missionária no Brasil, ao lado dos esforços estrangeiros.

Convém ressaltar que os missionários estrangeiros, no fim do século XIX, não tinham uma convivência

pacífica em relação ao trabalho que se fazia no Brasil. Era evidente uma certa divisão entre os

missionários procedentes do sul e do norte dos Estados Unidos. Em meio a essa situação estava Eduardo

Carlos Pereira, opondo-se ao pensamento dos missionários procedentes do norte e lutando para que os

fundos missionários fossem dedicados à evangelização mais direta, principalmente na preparação dos

ministros nacionais.

Por divergir da maioria dos missionários estrangeiros quanto a estratégia para a evangelização do país, que

a idealizavam através da valorização da educação, defendeu, em 1888, a criação do Seminário, onde seria

possível realizar a formação dos pastores com uma educação que viabilizasse o trabalho evangelístico por

meios mais diretos. Para os missionários norte-americanos, a educação seria um meio de “civilizar” o

povo para que pudesse entender melhor e converter-se ao protestantismo. Eduardo Carlos Pereira, porém,

entendia que o melhor seria implantar o protestantismo para civilizar o país.

Em 1902, os partidários de Eduardo Carlos Pereira firmaram um documento que recebeu o nome de

“Plataforma”, no qual estava proposto um programa para ser cumprido pela Igreja com o seguinte teor:

1. Independência absoluta ou soberania espiritual da Igreja Presbiteriana no Brasil;

2. Desligamento dos missionários dos presbitérios nacionais.

3. Declaração oficial da incompatibilidade da Marçonaria com o Evangelho de nosso Senhor Jesus

Cristo.

4. Conversão das Missões Nacionais em Missões Presbiteriais ou autonomia dos Presbitérios na

evangelização de seus territórios.

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5. Educação sistematizada dos filhos da Igreja pela Igreja e para a Igreja”.

Como se percebe nessa “Plataforma”, a questão missionária é um dos pontos relevantes em direção à

separação entre os presbiterianos no começo do século XX, e Eduardo Carlos Pereira é o principal líder

desse movimento, tendo em vista seu constante inconformismo em relação aos rumos que estavam sendo

dados à evangelização e missão no país.

Uma outra questão vale a pena ser mostrada, que era a relação entre os pastores brasileiros e os

missionários norte-americanos. Há diferenças que lamentavelmente existiam entre eles que, por uma

questão histórica, convém mencionar. O historiador Émile Leonard em sua obra “O protestantismo

brasileiro”, publicado pela ASTE, lembra que os brasileiros eram chamados de “nativos” pelos

missionários e que essa terminologia é a mesma que era utilizada na época em relação às tribos africanas

submetidas à colonização no processo de colonização daqueles povos pelos dominadores {Leonard, 1963,

pp. 19 e 20). Esse termo, “nativo”, não apenas era usado pelos missionários norte-americanos, mas

também pelas igrejas que os enviavam, em suas cartas e documentos, para exprimir uma suposta

superioridade, escreve Leonard (Leonard, 1963, p. 131).

O surgimento da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. As divergências de Eduardo Carlos

Pereira com os missionários norte-americanos chegaram ao seu apogeu na reunião do Sínodo da Igreja

Presbiteriana do Brasil de 1903. Por um lado, Eduardo insistia em dar novos rumos missionários ao

trabalho da Igreja, inclusive contando com a possibilidade de renúncia dos missionários norte-americanos

em participar dos presbitérios da denominação, cabendo-lhes apenas a tarefa de abrir novos campos

missionários.

Além da questão missionária, Eduardo Carlos Pereira defendia a tese de que a educação dos filhos da

igreja deveria ser ministrada na igreja, pela igreja e para a igreja, posição esta que, de maneira antagônica,

se chocava com as orientações do Board de Nova Yorque, defensora da educação aberta ao público, à

sociedade em geral.

Embora estas questões tenham verdadeiramente sido fundamentais, os impasses para uma convivência

pacífica entre os eduardistas e os missionários norte-americanos, acompanhados de vários lideres da

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Igreja, foi a questão maçônica que se constituiu no principal fator da primeira divisão de presbiterianos no

Brasil, em 1903. Para Eduardo Carlos Pereira, é evidente a incompatibilidade do evangelho com a

maçonaria.

A IPI do Brasil surgiu, então, motivada, entre outras questões, a levar avante o ideal de vários pastores

nacionais que concordavam com o projeto de missão idealizado pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira. Nesse

ideal, estava o objetivo de que os pastores “eram e tinham de ser missionários além de pastores.” Toda a

Igreja deveria ter como propósito “missões”, apesar dos parcos recursos financeiros para tal

empreendimento. Por falta de pastores para todas as igrejas e campos, muitas comunidades ficavam muito

tempo sem visitas pastorais. A igreja dependeu, nesse período, do trabalho incansável de muitos obreiros

leigos e “provisionados”, que se dedicavam intensamente à assistência espiritual do rebanho e ao trabalho

missionário.

O que se percebe diante de toda essa história em relação ao surgimento da Igreja Presbiteriana

Independente do Brasil é que ideais nacionalistas, maçonaria e missões estiveram nas bases da plataforma

de Eduardo Carlos Pereira e seus seguidores, embora a questão maçônica tenha passado para a história

como a principal causa da separação entre os presbiterianos.

O surgimento de instituições missionárias da IPI do Brasil: A Escola Missionária. Esta foi

organizada no final da década de 30, por iniciativa da 1ª. IPI de Assis/SP, e da CERAL ( Comissão de

Educação Religiosa e Atividades Leigas), com a finalidade de formar obreiros, com “consciências

voltadas às sagradas missões”, como assim disse o Presb. Mário Amaral Novaes. Sua primeira Diretora foi

a Missionária Cesarina Xavier Pinto, que bacharelou-se no Seminário da IPIB, em São Paulo. A substituiu

na função a Missionária Loide Bomfim, até o momento em que foi trabalhar na Missão Caiuá, onde

prestou relevantes serviços à causa indígena.

Sem apoio denominacional, a Escola Missionária teve o seu funcionamento, a princípio, num dos

cômodos da residência do Presb. Mário e, em seguida, com o apoio do Rev. Azor Etz Rodrigues, em um

galpão da 1ª. IPI de Assis. Faziam parte do currículo: inglês, latim, português, matemática, missões,

homilética, história bíblica e geografia bíblica. Entre os estudantes dessa escola estavam jovens de

diversas partes do país. Foi um empreendimento sério, apesar das limitações. Entre seus ex-alunos

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tivemos o Rev. João de Godoy (que tornou-se missionário no campo de Manaus) e o Rev. José Coelho

Ferraz ( que tornou-se presidente do Supremo Concílio da IPI do Brasil). Entre 1947 e 1948, a escola

fechou, tendo formado quase 50 obreiros para as missões.

A Junta de Missões. Foi criada em 1951 e instalada no dia 15 de maio do mesmo ano, graças a proposta

dos Revs. Luthero Cintra Damião e Nicola Aversari, com a finalidade de atender necessidades

emergenciais do campo. Suas funções: desenvolver a obra missionária da Igreja; entrar em entendimento

com os presbitérios, no sentido de lhes serem concedidos os ministros os quais viessem a necessitar;

determinar o número e a localização dos seus missionários; promover a propaganda em favor da obra

missionária.

Entre as ações da Junta de Missões que merecem destaque estão: a instituição do Dia Oficial de Missões,

no último domingo de setembro (hoje essa data é comemorada no dia 28 de fevereiro, em homenagem à

data de nascimento do Rev. Caetano Nogueira Júnior, pelo caráter missionário de seu ministério); o envio,

em 1955, do primeiro missionário para o campo de Manaus (Rev. João de Godoy); a substituição, em

1956, do Rev. João pelo Rev. Mário de Abreu Alvarenga, que tornou-se conhecido pelas “Cartas do

Amazonas” que, entre outros, sensibilizou a Igreja para a necessidade de ter um barco (o “Pendão Real”),

na região, a fim de facilitar o trabalho de pregação do Evangelho; o envio do Rev. Sebastião Gomes

Moreira para o campo de Brasília. Durante muitos anos esses foram os únicos missionários da Igreja

mantidos pela Junta de Missões.

A Secretaria de Missões. A Secretaria de Missões surgiu na administração do Rev. Abival Pires da

Silveira, presidente do Supremo Concílio na época (1981-1984). Ela resulta do aparecimento de novos

desafios que se impuseram sobre a vida da Igreja, numa sociedade de constantes mudanças. Com a criação

do Seminário de Londrina, que recebeu da Igreja a tarefa de dar ênfase em missões, a Secretaria fixou-se

naquele Seminário em 1985. Essa Secretaria trouxe frutos que ainda perduram na vida missionária da

Igreja: instalação do Departamento de Crescimento Integral de Igrejas; produção de material para

evangelização e missões; cursos para reciclagem dos atuais obreiros; e instalação, em 1996, do Centro de

Treinamento Missionário, em Cuiabá, MT, recentemente fechado. Essa Secretaria, contribuiu para

enriquecer a reforma constitucional da IPI em fevereiro de 1995, com o reconhecimento do missionário

leigo, definindo seu campo de atuação.

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Plano Missionário Global (PMG). Este foi elaborado em 1992, embora pela secretaria de Missões com a

finalidade de orientar e nortear o trabalho missionário da denominação. Até a data acima, a Igreja não

tinha à sua disposição um documento que lhe servisse de referência no que se refere aos vários aspectos

do trabalho missionário. Faltava pressupostos teológicos sistematizados ou voltados para a obra

missionário; faltavam estudos mais pormenorizados sobre a realidade sócio-econômico-político do país;

faltavam estudos mais consistentes sobre as necessidades dos campos a serem atingidos e sobre as

necessidades missionários em geral, incluindo a situação dos obreiros no campo de trabalho.

Esse Plano estabeleceu uma política de trabalho que, por exemplo, desse maior prioridade a projetos

institucionais sobre projetos pessoais de missão. Desta forma, o PMG veio sistematizar o trabalho

missionário tendo em vista eficiência e eficácia na missão.

Os Centros de Treinamento Missionário (CTMs). Estes surgiram com a finalidade de suprir uma das

carências na formação dos missionários, tendo em vista que os Seminários da Igreja sempre se dedicaram

à formação pastoral de seus estudantes. Quase sempre os missionários da Igreja quando quiseram obter

uma formação mais específica na área de missão foram procurar em instituições especializadas fora da IPI

do Brasil. Foi reconhecendo essa necessidade que foram organizados os CTMs de Cuiabá, Natal,

Florianópolis e, por último, o de Campinas. Atualmente, encontram-se funcionando apenas os CTMs de

Campinas e Natal.

Projeto Natanael. Nascido em 1999, esse Projeto surgiu para estimular as igrejas à prática da

evangelização, tendo em vista o crescimento e a implantação de novas igrejas no país. A Secretaria de

Evangelização tem procurado, pelo Departamento de Crescimento Integral de Igrejas, produzir materiais

de apoio, oferecendo cursos de evangelização e discipulado nas igrejas locais.

Os Projetos de Missão da IPI do Brasil com reflexos na realidade social: Por uma política de

“Missão Integral” na IPI do Brasil. Dentro do princípio de “Missão Integral”, projetos de ação social

têm sido entendidos como fundamentais para fortalecer a pregação do evangelho. Merecem destaque dois

projetos de grande alcance na realidade social onde estão inseridos: o primeiro, o Projeto Tocantins, que

tem sido considerado referência pela Organização Mundial de Saúde, na cidade de Palmas, em Tocantins.

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Trata-se de uma realização que beneficia a população da cidade, na área de atendimento à saúde básica e

que funciona em parceria com o governo local.

Os recursos para viabilização desse Projeto resultam de uma parceria entre a IPI do Brasil, PCUSA, e o

governo do Estado de Tocantins, conforme acima referido.

Em segundo lugar referimo-nos ao Projeto Sertão, que também tem sido uma outra frente de trabalho que

tem como finalidade a evangelização de regiões do norte e nordeste do país, com assistência à população

carente através de benefícios na área da educação, esportes, orientação familiar e a abertura de poços

artesianos para fornecimento de água numa região seca.

A Associação Bethel, com sede em Sorocaba, embora seja um projeto de ação social ligado à Secretaria

de Diaconia da IPIB, está inserido entre os projetos de “missão integral” da Igreja, na medida em que

procura atender, na prática, às necessidades de crianças em situação de risco e outras faixas etárias, de

acordo com suas necessidades, em várias regiões do país.

Secretaria de Diaconia. A herança diaconal da IPIB extrapola sua organização em 1987. Já em 1978

durante reunião do Supremo Concílio, O Rev. Adiel Tito de Figueiredo apresentou proposta para a

organização de uma confederação de Mesas Diaconais. Esta proposta e depois a organização da secretaria

deram início aos muitos congressos que foram ações de suma importância na conscientizarão e

capacitação da Igreja para a Diaconia.

Os congressos nacionais de Diaconia. Alguns dos principais eventos incluem:

I CONGRESSO NACIONAL DE MESAS DIACONAIS

15-18 de novembro de 1979, na 1ª IPI de S.P.

Tema: “Trocando Idéias e Experiências”

II CONGRESSO NACIONAL DE MESAS DIACONAIS

30 de outubro a 2 de novembro de 1982, chácara Recanto Peniel, em São José do

Rio Preto, SP.

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Assunto Principal: “As experiências diaconais de outras denominações

evangélicas”.

III CONGRESSO NACIONAL DE DIÁCONOS E DIACONISAS

18 a 21 de julho de 1985, na 1ª IPI de Osasco, SP.

Tema: “Construindo Juntos”.

IV CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

9 a 12 de outubro de 1987, em Lençóis Paulista,

V CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

9 a 12 de julho de 1992, nas Faculdades Anchieta em SP.

Tema: “Igreja apaixonada a serviço da vida”.

VI CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

5 a 7 de abril de 1996, no acampamento Valdomiro Ferreira da Silva, em Londrina,

PR

Tema: “Por uma igreja Cidadã”

Estes congressos foram relatados pelo Revdo Adiel. Os próximos fazem parte da memória da atual

Secretaria de Diaconia e foram fornecidos pelo Revdo Marcos Nunes o Secretário Anterior:

VII CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

Realizado de 24 a 27/11/1998, em Salvador/BA

Tema: "Resgatando uma Espiritualidade Integral".

Neste congresso, surgiu a discussão sobre espiritualidade, baseada num trinômio:

solidariedade, justiça e cidadania.

VIII CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

Realizado de 14 a 17/11/2001, em Sumaré/S.P.

Tema: “Revendo a Espiritualidade e Ação Diaconal da Igreja”.

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102

Mais de 300 diáconos e diaconisas de todo o Brasil, participaram deste Congresso,

que procurou discutir o tema da espiritualidade sob a ótica diaconal. Viu-se que a

igreja, que vem sofrendo grande influência do movimento gospel, precisa rever seus

conceitos sobre o sentido da verdadeira espiritualidade, que deve ir além de gestos

repetitivos, como "o levantar as mãos"; dizer frases de efeitos no momento do

louvor. Foi dito mais de uma vez que "as mãos que se erguem para louvar devem

ser as mesmas que se abaixam para levantar aquele que está caído".

IX CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

Realizado de 01 a 04 de Maio de 2003, no Hotel Fazenda 3 Poderes, município de

Caraguatatuba/SP

Tema: "Consolai todos os que choram",

Participação de mais de 460 congressistas, representados por 161 igrejas de todo o

Brasil.

X CONGRESSO NACIONAL DE DIACONIA

Realizado em Ubatuba/SP de 19 a 21 de abril de 2005, no Hotel Água Doce.

Tema: "Fé a Serviço da Vida - Vivendo o que se fala e falando o que se vive"

Participação de 450 congressistas. Foi o congresso de maior representação regional.

Os muitos congressos realizados, reflexo do trabalho belo e eficiente na intenção de conscientizar e

motivar a IPIB a realizar a Diaconia. Apresentavam propostas teológicas e sociais para o envolvimento do

cristão e da igreja na resolução dos muitos problemas da sociedade, e como estes problemas afetavam a

vida das pessoas provocando sofrimento e desesperança. Porém revela uma deficiência. Com a proposta

de que cada igreja se envolvesse e organizasse projetos sociais que fossem administrados pelas mesas

diaconais, surge uma bandeira que fora levantada: “cada igreja um projeto social”, teve seu valor, foi um

passo importante, mas faltou profissionalismo. Hoje podemos dizer isso, naquele momento isso não era

tão importante; hoje percebemos que é fundamental, tão necessária, que pode inviabilizar o próprio

projeto. A realidade é que não se pode conceber um projeto social que não tenha uma eficiente

administração.

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103

Associação Bethel, antes denominada Bethel Lar Da Igreja. Surge em 1922 como entidade de

benemerência da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, na fazenda Quilombo, na cidade de

Campinas-SP a primeira entidade filantrópica da igreja, o orfanato Bethel. Em 1945 foi autorizada a venda

da fazenda Quilombo para ser adquirida em 1946 a chácara Bethel em Sorocaba-SP, onde então passou a

atender os meninos órfãos, carentes, necessitados da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Em 13

de Julho de 1990 – Cria-se o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 – Estabelece então

uma nova forma de atuação ao atendimento as crianças e adolescentes brasileiros. Bethel Lar da Igreja

atendendo as exigências da nova lei, muda sua forma de atendimento criando assim o sistema de casas

lares. Bethel vem passando por transformações e em 1998 nasce a Associação Bethel, adiante

denominada simplesmente “Bethel”. Portanto, a igreja enquanto sociedade civil, é chamada a participar do

resgate da cidadania dos excluídos, processo este que trazemos arraigados nos princípios cristãos que

norteiam a instituição: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10:10).

Bethel por sua vez foi se instituindo, se organizando administrativamente e conseguiu ao longo da sua

história ser reconhecida de utilidade pùblica nas três esferas do Governo, a obter isenções governamentais

próprias de entidades de assistência social. A entidade tem passado por transformações gradativas e hoje

possui uma visão bem mais nítida da sua missão.

A missão da Associação Bethel é: “promover a vida com justiça, cidadania, dignidade e ética, priorizando

os seres humanos em situação de risco, através de serviços e ações transformadoras”. Seus objetivos e

finalidades incluem:

A Associação bethel tem por finalidade o desenvolvimento de atividades no campo

da ordem social com o fim de garantir o bem estar e justiça social, tendo com

objetivo a atuação prioritária nas seguintes áreas: da saúde, da assistência social,

da educação, da cultura, do desporto, da comunicação social, do meio ambiente,

da pesquisa e da tecnologia, da garantia da qualidade de vida, da moradia, da

criança e do adolescente, da família, do idoso, do índio, da mulher e dos

portadores de deficiência, promovendo o bem de todos, sem preconceito de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. — artigo 2º, 3º

e 4º do estatuto.

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A fim de cumprir suas finalidades Bethel organizará e manterá Unidades

prestadoras de Serviços – UPS – para o desenvolvimento das atividades que se

fizerem necessárias, as quais se regerão por regulamentos específicos, aprovados

pela diretoria de Bethel. — artigo 6º do estatuto

Entre as unidades prestadoras de serviços (UPS) da Associação Bethel estão:

1. Bethel Casas Lares: Sorocaba-SP

2. Bethel Ambulatório Evangélico: Palmas-To

3. Bethel Aconchego: Piracicaba –SP

4. Bethel Mão Amiga: Presidente Prudente – SP

5. Bethel Tupã: Tupã-SP

6. Bethel OiKos: Presidente Bernardes –SP

7. Bethel Franco da Rocha: Franco da Rocha – SP

8. Bethel São Mateus: São Mateus – ES

9. Bethel Projeto Sertão: Patos – PB

10. Bethel Adamantina: Adamantina – SP

11. Bethel Avaré: Avaré –

12. BETHEL Colégio Presbiteriano OSASCO: Osasco – SP –

13. Bethel CPEL – Colégio Presbiteriano Eduardo Lane – SP

14. Bethel ASA – Associação Sócio Ambiental – Avaré – SP

15. Bethel Educação Botucatu – SP

16. Bethel Natal – RN

A Diretoria da Associação Bethel inclue: Presidente: Marcos Nunes da Silva; Vice Presidente: Ezequias

Pires de Camargo; 1º Secretário: Ebenézer Salgado Soares; 2º Secretário: Djalma Terra Araújo; 1º

Tesoureiro: Edson Alcântara; e 2º Tesoureiro: Augusto Sérgio Vasconcellos de Assumpção.

Entre as suas funções consta a gestão do 3º setor, uma administração mais profissional e menos romântica,

ou de apenas boa vontade. Alguns congressos contemplaram a necessidade em dar suporte para a

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organização de projetos sociais, mas faltou capacitação no sentido de administrar com eficiência estes

projetos. Não estamos dizendo que ouve má fé, mas conhecimento para administrar. Alguns projetos

foram abandonados por força das dificuldades e da burocracia que impediu que irmãos de bom coração

administrassem. Não cabe a este trabalho entrar em detalhes, mas apenas destacar, não como uma critica

desmedida, mas com pesar, pois projetos minguaram. Neste novo tempo busca-se capacitar as igrejas para

administrar e sustentar seus projetos, através de captação de recursos. Há cursos de graduação e pós

graduação em terceiro setor. As empresas, por causa da lei de isenção de impostos, procuram ajudar e

sustentar projetos com reconhecimento Federal.

Alguns exemplos de Ação Diaconal da Associação Bethel incluem:

1. Visão Mundial tem muitos programas, dentre eles um programa de apadrinhamento para crianças

carentes, arrecadando, um pouco mais de um real por dia uma pessoa pode adotar (a adoção aqui

se caracteriza apenas pela ajuda financeira e oração) uma criança e ajuda-la no sustento alimentar,

educacional, médico. Erradicação da Pobreza, Educação para todos, Combate à desnutrição, são os

objetivos específicos do programa. Programa de Desenvolvimento de Área: é um programa que

coopera para que sociedades carentes busquem a sua sustentabilidade. Ele pretende diminuir as

desigualdades, promover a inclusão social, desenvolver o protagonismo e estimular a vida

associativa das populações. Os programas desenvolvidos pela Visão Mundial cobrem as seguintes

áreas de desenvolvimento: educação, saúde, desenvolvimento econômico, desenvolvimento rural,

organização comunitária, direitos humanos, habilitação e socorro em situações de emergências

humanitárias. Site Visão Mundial

2. Assistência e Promoção Social Exército de Salvação (APROSES): Sua missão é identificar

problemas, assistir e promover, sem distinção, o ser humano, em nome de Jesus. Alguns

programas podem ser destacados: PAES – Programa de Apadrinhamento do Exército da Salvação,

ABRIGOS para crianças e adolescentes, são acolhidos para serem protegidos contra a violência,

em casas lares. Centros de Educação Infantil que atende crianças de 0-6 anos, com alimentação,

educação, apoio e orientação familiar, estes centros recebem parceria do Estado e da comunidade

local. Qualificação profissional para adolescentes. Entre outros, ações sociais de conscientização

de cidadania e direito a vida.

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Cooperação Missionária. A realização dos projetos acima e outros de grande relevância, também têm

sido possíveis graças ao trabalho de cooperação entre Igrejas entre si, e entre organismos de visão

missionária, que têm gerado frutos como a “Missão Evangélica Caiuá”. Esse empreendimento, é o

resultado do esforço missionário das Igrejas Presbiterianas (a IPIB e a IPB) e Metodista que, juntamente

com missionários norte-americanos se articularam para a evangelização e assistência social aos indígenas

do Brasil.

Destaques. Já frisamos que um dos motivos determinantes do surgimento da IPIB no cenário da sociedade

brasileira foi a “questão missionária”. O maior destaque em relação à tarefa missionária, deve ser dado

para os primeiros pastores e presbíteros que deram origem à nossa denominação. Isto porque a IPIB já

nasceu missionária, sentindo-se vocacionada para a evangelização do Brasil. Mas ao longo dessa história

missionária, a IPI do Brasil contou com mais pessoas especiais, solidários ao sentimento missionário de

1903 e que muito fizeram em nome da missão, evangelizando e abrindo fronteiras em várias regiões.

Convém lembrar os nomes dos Revs. Silas Silveira, José Inocêncio de Lima e Ryoshi Iizuka, na região

central do Brasil. O Rev. Ryoshi, que envolveu-se no Projeto Rondon, com expressiva influência

missionária na evangelização em Goiás e Rondônia, tendo sido coordenador de campo da Secretaria de

Missões. Com ele, lembramos também os nomes do Rev. Gerson José Bueno, Rev. Sebastião Gomes

Moreira (em Brasília) e do Rev. Manoel Machado, (também chamado de “Leão do Norte”), no norte e

nordeste do Brasil, numa época em que não havia pastores suficientes para cuidar do rebanho de maneira

sistemática. Acrescentamos ainda os nomes dos reverendos Jonas Dias Martins, no Paraná; Adiel Tito de

Figueiredo, no Maranhão; João de Godoy, no Amazonas e em Fortaleza. Lauresto Rufino, na região da

noroeste paulista; Mário Alvarenga, com brilhante trabalho realizado no Amazonas. De sua autoria são as

“Cartas do Amazonas”, escritas com detalhes, apelos e desafios à Igreja, a fim de que pudesse orar e

colaborar pelo e com o seu trabalho em Manaus e cidades do interior amazonense. Colaboraram também

para o trabalho, muitos obreiros leigos, posteriormente ordenados ou não ao ministério pastoral, que

realizaram significativa obra missionária em suas respectivas regiões.

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O Patrono de Missões da IPIB – É assim que vem sendo considerado o Rev. Caetano Nogueira Júnior,

desde que se considerou a data de seu nascimento, 28 de fevereiro, como o “Dia de Missões” da IPIB.

O Rev. Caetaninho, como carinhosamente também é conhecido, foi ordenado em 1886. De procedência de

família simples, mineira, terminou com muitas dificuldades os seus estudos no Rio de Janeiro,

constituindo-se, porém, um missionário de grande visão e coragem para enfrentar os desafios de seu

tempo. Para cumprir o seu ministério, utilizava-se dos meios de transporte disponíveis na época: cavalos,

bois, charretes, carros de boi e muitas vezes, dependendo das circunstâncias, precisou visitar o seu campo

missionário andando a pé, em qualquer situação, sempre sujeito às intempéries ocorridas da estrada e a

pernoites em lugares sem conforto, depois de um longo dia de viagem.

Dedicou o seu trabalho à população mais humilde, de baixa renda, e procurava ajudar as pessoas em

situações de necessidades através da manipulação e administração de remédios caseiros, dentro do

princípio que tem norteado a nossa Igreja, de praticar a “Missão Integral”. Em sua última viagem para

visitar o seu campo missionário, faleceu, longe de sua casa e parentes, mas feliz por haver cumprido o

“bom combate”!

A contribuição de missionários estrangeiros – A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil também

conta, em sua história de missão, com a ajuda valiosa de homens e mulheres que prestaram relevantes

serviços à evangelização e ao propósito de “missão integral” na sociedade brasileira: entre eles citamos os

reverendos Richard W. Irwin, que continua prestando serviços à 1ª. IPI de São Paulo e ao nosso jornal “O

Estandarte”; Frank A. Arnold e sua esposa Hope Arnold, que colaborou decisivamente na consolidação do

Seminário da IPI em Fortaleza, Ceará; Gordon Trew e sua esposa Ada Hope; Archibald Woodruff, na área

de educação teológica; Timoteo Carriker, na área de educação teológica, com ênfase em Teologia da

Missão; Eriberto Soto, na área de educação teológica; Guidoberto Mahecha e sua esposa Sara Maltodano

Mahecha, na área de educação teológica no Seminário da IPIB, em Fortaleza; Bill Adler, na área de

educação teológica no Seminário da IPIB, em Londrina.

A contribuição nominal de leigos – Referimo-nos ao espírito de muitos leigos na vida da Igreja

Presbiteriana Independente do Brasil que se dedicaram, a partir das experiências de sua área de atuação na

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sociedade, à tarefa missionária, entre eles: os presbíteros Mário Amaral Novais, Carlos Fernandes Franco,

Carlos René Egg.

As mulheres da IPIB e os desafios da missão e evangelização. Apesar do empenho das mulheres no

sentido de estarem engajadas na tarefa missionária da Igreja, seu reconhecimento somente agora tem

ocorrido. Reunidas como Sociedade Auxiliadora de Senhoras (SAS), as mulheres sempre foram sensíveis

à causa missionária, colaborando de uma maneira ou de outra para a realização da missão. Em 1938 foi

organizada a Comissão de Educação Religiosa e Atividades Leigas (CERAL), com o objetivo de

coordenar o trabalho leigo na Igreja. Dessa Comissão fizeram parte várias senhoras que, agora,

contribuem para uma visibilidade maior em relação ao trabalho feminino na vida da IPIB. Compuseram

essa Comissão: Diaconisa Albina Pires de Campos, Gertrudes Ermel Ferraz, Iracema Barros Stella,

Adelina Mota de Cerqueira Leite, Gertrudes Pereira de Magalhães e Rosalina de Barros Motta. A

secretária executiva escolhida para a Comissão de Atividades Leigas foi a Missionária Cesarina Xavier

Pinto.

O primeiro Congresso das Senhoras Presbiterianas Independentes ocorreu em 1940, quando foi eleita

presidente da primeira diretoria a Sra. Rosalina de Barros Motta. A contribuição da CERAL e das

Senhoras, em particular, na obra de evangelização, na época, foi muito importante para a viabilidade da

missão evangelizadora. A Missionária viajou por várias regiões do país, inclusive norte e nordeste,

evangelizando e realizando um trabalho de reavivamento nas igrejas locais, desafiando o povo a, através

de uma vida santificada, melhor servir a Deus “ganhando almas para Cristo.”

Mais tarde, outras mulheres deram continuidade ao trabalho iniciado, através da Confederação Nacional

de Senhoras que, direta ou indiretamente estavam sempre focadas na necessidade de evangelizar.

Contribuíram para tanto, Maria Clemência Mourão Cintra Damião, que liderou a Confederação de

Senhoras, Helena Pitta Guida, Isva Ruth Xavier, Isolina de Magalhães Venosa, Ruth França, Ílbia

Damião, Suely de Morais, Maria de Lourdes Morais, Heloísa Costa, Berenice Neves de Camargo, Neusa

do Amaral Tarcha, Miriam Monteiro Puccio.

Alguns expedientes foram utilizados pelas mulheres para que a Confederação de Senhoras não deixasse de

cumprir sua tarefa evangelizadora:

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A “pequena moeda”, com o objetivo de poupar recursos para os filhos dos missionários, em projeto

dirigido por Nilza Guercio Duarte;

Estímulo e orientação às igrejas, para que cedem espaço físico ocioso ou de utilização múltipla, para a

organização de creches, dentro do princípio de se poder fazer a “missão integral” dentro da Igreja,

alcançando assim as famílias mais carentes. Este seria também um meio de atrair pessoas de fora da Igreja

para um conhecimento de Cristo através da ação social. Este projeto esteve a cargo da Sra. Helena Pitta

Guida, possuidora de grande experiência no atendimento a crianças necessitadas, como fazia com os filhos

de presidiários, à frente do MAESP.

“Falemos de Cristo aos Pequeninos” foi também um projeto missionário, dentro do princípio da “missão

integral” na área de educação cristã, que se desenvolveu sob a direção da Profa. Maria Clemência Cintra

Damião. Trata-se de um manual de educação cristã, que chegou a ser usado por vários denominações e até

mesmo por escolas públicas do país.

A “Revista Alvorada”, embora não fosse na época, nem seja na atualidade um veículo de comunicação

abertamente voltada para a evangelização, sempre esteve no foco da realização da missão, ao oferecer

artigos, reportagens, programas, experiências da vida cristã para fortalecimento e instrumentação das

famílias para o testemunho cristão diante do mundo. Hoje é uma revista voltada para a família e não

apenas sob a orientação de mulheres, mas começou como uma publicação dirigida por mulheres.

Apesar dessas e muitas outras atividades realizadas por mulheres dentro da Igreja, elas estavam impedidas

de tomar decisões dentro dos centros de poder da Igreja: conselho de igrejas locais, presbitérios, sínodos e

Assembléia Geral. Quando muito, podiam ser diaconisas, o único tipo de ordenação possível. Em 1999,

depois de seguidos eventos pela ordenação feminina ao presbiterato e ao ministério pastoral, finalmente as

mulheres foram reconhecidas em seu direito de participar das decisões-chave na vida da Igreja. Muitas

mulheres, inclusive, já haviam concluído o curso de bacharel em teologia e aguardavam, na luta, pela

oportunidade de poderem ser úteis de maneira mais direta nos projetos missionários da Igreja. Entre essas

mulheres, convém citar as reverendas: Shirley Maria dos Santos Proença, que esperou 5 anos para a sua

ordenação, e Nair Borges Birseneck, que esperou 41 anos para conseguir esse direito.

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Principais eventos missionários na IPIB ou como parceira de missão:

1. Campanha Nacional de Evangelização “Cristo é Vida” (1982). No segundo ano da gestão do Rev.

Abival Pires da Silveira como presidente do Supremo Concílio da IPIB, realizou-se a Campanha

Nacional de Evangelização “Cristo é Vida” com a participação de todas as igrejas locais em todo o

país. O lançamento da Campanha ocorreu em todas as Igrejas no dia 31 de julho de 1982, durante

as comemorações do aniversário da Igreja Nacional. Fizeram parte da Comissão de Evangelização,

encarregada de organizar o evento os Reverendos: Manuel Simões Filho (Relator), Messias

Anacleto Rosa, João Rodrigues e Naamã Mendes. Os participantes dessa campanha receberam

uma Cartilha com orientações a serem observadas em cada Igreja local, com calendário das

atividades, organograma e detalhes sobre estratégias, orientações para comissões técnicas de

música, comunicação, estatística, entre outros. O objetivo dessa Cartilha era no sentido de que os

líderes das igrejas pudessem orientar-se a respeito das atividades a serem viabilizadas durante o

período. O slogan adotado pelos organizadores era “Evangelizar para crescer”, um ideal a ser

observado por todas as comunidades presbiterianas independentes no país.

2. I Congresso Nacional de Evangelização (1988) – Este evento foi realizado em Curitiba, no Paraná,

com a participação de presbiterianos independentes de todo o país, tendo em vista sensibilizar a

Igreja para a evangelização. À frente da Secretaria de Missões da IPIB nessa época, era o Rev.

Mathias Quintela de Souza.

3. I Consulta Missionária da IPI do Brasil (1989) – Esta consulta foi realizada em Londrina, Paraná,

patrocinada pela Secretaria de Missões da IPIB, com participação restrita a pessoas do Norte do

Paraná e das regiões de Presidente Prudente e Assis, em São Paulo.

4. Consulta da Missão Presbiteriana do Brasil sobre Evangelização e Missão no Brasil (1990) -

Outro evento significativo do qual a IPI do Brasil participou como membro, foi a consulta

missionária patrocinada pela Missão Presbiteriana do Brasil, em Mariápolis, Vargem Grande

Paulista, de 19 a 23 de setembro de 1990. Fizeram parte desse encontro as Igrejas Presbiteriana

Independente do Brasil, Presbiteriana Unida do Brasil e Presbiteriana dos Estados Unidos da

América. Além das Igrejas-membro acima descrito, também participaram a convite, os

observadores da Igreja Presbiteriana da Irlanda, da Igreja Presbiteriana da Venezuela e da Igreja

Metodista do Brasil. Com um total de 129 participantes, estiveram presentes pastores, professores

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de teologia, presbíteros, missionários, dirigentes de organismos voltados para a missão e

moderadores de presbitérios das igrejas-membro.

O objetivo do encontro era buscar formas e instrumentos que pudessem adequar a nova visão e

filosofia missionárias no trabalho conjunto entre a Igreja Presbiteriana Americana e as Igrejas

Presbiterianas da América Latina e Brasileiras.

O encontro foi decisivo para uma nova visão no relacionamento das igrejas-membro brasileiras

(IPIB e IPUB), com a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA). Decide-se por um

redimensionamento nas articulações da Missão Presbiteriana no Brasil, que deixa de ser uma

sociedade composta por missionários da PCUSA que trabalham no Brasil e passa a ser composta

por Igrejas (IPIB, IPUB e PCUSA). Em outros termos, o relacionamento deixa de ser de pessoas

de Igrejas Presbiterianas e passa a ser entre instituições eclesiásticas, as Igrejas Presbiterianas do

Brasil e dos Estados Unidos.

A Missão Presbiteriana do Brasil deveria ser reconhecida como um instrumento de trabalho a

serviço das igrejas-membro na execução de programas conjuntos de apoio aos campos

missionários avançados e áreas de desenvolvimento das Igrejas. A MPB, torna-se, assim, ponte

para um novo momento de relacionamento eclesiástico, passando da forma de ação missionária

estrangeira com a incumbência de realizar projetos de implantação de Igrejas “no” Brasil, para o

trabalho de colaboração com as Igrejas “do” Brasil na tarefa de evangelização e implantação de

igrejas. Reconhece-se que as Igrejas do Brasil é que devem realizar a sua obra missionária, com a

parceria de todos que queiram associar-se em seus empreendimentos missionários.

Esse redimensionamento levantou dúvidas quanto a continuidade da MPB em nosso país, o que

viria acontecer mais de dez anos depois. Todavia, o entendimento durante a realização do

encontro, foi no sentido de que a MPB não apenas deveria manter a sua estrutura logística para

atender às necessidades da tarefa missionária, como também ampliar, como entidade legalmente

reconhecida, seu trabalho de assistência às necessidades jurídicas dos missionários norte-

americanos no país, manutenção de sua estrutura patrimonial e aprimoramento administrativo de

seu escritório em Campinas. Tudo isso foi entendido como necessário para que se pudesse atender

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dignamente ao trabalho missionário de proclamar o evangelho de Jesus Cristo através da palavra e

ações que pudesse contemplar as necessidades humanas integralmente, mantendo intercâmbio,

cooperação e diálogo entre as igrejas-membro.

Os entendimentos também avançaram no sentido de busca de mais recursos para fins missionários,

tendo em vista a abertura de novas frentes de trabalho, atendimento à missão na área de ensino,

diaconia, comunicação, editoração, informática e áreas afins ao programa ministerial das igrejas e

apoio pessoal aos missionários que estão no campo tanto no Brasil como no exterior. Acrescente-

se a tudo isso a necessidade de busca de novos parceiros para a missão comum de evangelizar no

Brasil e América Latina.

Estudos, liturgias, decisões, declarações e relatórios da Consulta foram publicados em livro,

Sonhos em Parceria, pela Missão Presbiteriana do Brasil, a fim de que ficasse documentado como

memória do encontro e pudesse constituir-se em parte significativa da história da missão no Brasil.

5. II Consulta Missionária da IPI do Brasil (1992) – Foi realizada em Londrina, no Paraná, de 29 de

janeiro a 2 de fevereiro de 1992, para uma discussão mais profunda sobre o significado da missão

e suas variadas formas de aplicabilidade na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Como

queria a Secretaria de Missões, foi possível reunir líderes da Igreja, pastores, missionários,

teólogos, especialistas em ciências da religião, representantes de setores da IPI e de outras

denominação, relacionados com a questão da missão no Brasil, para uma reflexão aberta e mais

profunda. Também esteve presente, o representante da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos

(PCUSA), o Rev. Benjamin Gutierrez . A PCUSA colaborou decisivamente, com recursos

financeiros, para a realização do evento.

Foram abordados os seguintes temas: “O conceito de missão: uma perspectiva eclesiológica”;

“Situações missionárias na América Latina”; “Leitura Missionária da Bíblia”; “A trajetória

missionária da IPI do Brasil”; “Formação missiológica”; “Base missiológica”; “Estratégia

missionária”; Mobilização e estrutura missionária da Igreja”; “Espiritualidade missionária”; “O

missionário no contexto da legislação eclesiástica”; além dos estudos bíblicos com “Reflexões

missionárias no Evangelho de Marcos, apresentados pelo Rev. Guilherme Cook.

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Relatórios dos grupos temáticos e uma Declaração da 2ª. Consulta Missionária da IPI do Brasil

foram publicados em livro, “Paixão Missionária”, editado pelo Rev. Eber Ferreira Silveira Lima,

juntamente com os estudos bíblicos e palestras que fizeram parte do encontro. Essa iniciativa foi

tomada a fim de que toda a Igreja, incluindo pastores e lideranças de Igrejas locais pudessem ter

acesso ao material produzido e discutir com sua comunidade os desafios missionário para a vida da

Igreja local e nacional.

Um novo tempo para a Missão da Igreja - a Secretaria de Evangelização. A Assembléia Geral da

Igreja, em sua reunião de janeiro de 2007, aprovou um novo projeto de missão, do qual a Secretaria de

Evangelização faz parte. Em seu objetivo maior, a missão tem como atribuições promover a

conscientização da Igreja sobre “missão integral”; elaborar e acompanhar programas de crescimento

integral da igreja; estimular e acompanhar eventos nacionais, sinodais e presbiteriais que promovam o

compromisso com a “missio Dei”; coordenar e supervisionar as ações do Acampamento Cristo é Vida;

integrar o planejamento das Secretarias de Evangelização, Diaconia, Família e Pastoral, entre outros. A

Secretaria de Evangelização, portanto, como um dos braços estendidos da missão da Igreja, tem por

finalidade, entre outros, conscientizar a Igreja sobre “Missão Integral” e suas implicações nas

comunidades locais, identificar e capacitar lideranças, desenvolver programas de treinamento de

evangelização e discipulado nas igrejas locais, promover eventos nacionais, sinodais e presbiteriais,

desenvolver com a Secretaria de Educação a educação continuada de missionários.

É visível a evolução do conceito de missão na IPI do Brasil. Como “missão” ou “missão integral”. A

Igreja hoje tem ampliado o seu trabalho missionário, concebendo e pondo em prática, como vimos acima,

projetos que incluem diaconia, educação, a partir de um novo e mais amplo conceito de evangelização.

Leontino Farias dos Santos

Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Osasco

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Modelos e Desafios

A reflexão bíblica, teológica e histórica é preliminar à avaliação dos nossos modelos atuais, à

consideração de outros modelos eclesiásticos e à identificação de desafios para o ministério nos próximos

anos. Esta parte se divide de acordo com as secretarias de dois dos ministérios da igreja, a saber:

1. Ministério da Missão

1.1. Secretaria de Evangelização

1.2. Secretaria de Diaconia

1.3. Secretaria de Família

1.4. Secretaria Pastoral

2. Ministério da Educação

2.1. Secretaria de Educação Teológica e Continuada

2.2. Secretaria de Educação Cristã

2.3. Secretaria de Educação Secular

2.4. Secretaria de Música e Liturgia

SECRETARIA DE EVANGELIZAÇÃO

Dentro da IPIB. A IPIB reflete em sua caminhada histórica o dinamismo das mudanças que a própria

sociedade ao seu redor vive. Quando pensamos em modelos iremos justamente perceber esta variedade de

ações no labor missionário no meio presbiteriano independente.

De fato, a igreja evangélica no Brasil reflete as variantes cultural-regionais que caracterizam o povo

brasileiro. De modo que os modelos sempre estarão vinculados aos aspectos culturais e sociais de

determinada região, cidades ou até mesmo bairros de determinada localidade. Focalizando, inicialmente,

na IPIB, podemos observar o seguinte:

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A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil é um ramo do Cristianismo que se

governa, sustenta e propaga por si mesmo— Artigo 1º da Constituição

O auto-governo, auto-sustento e a auto-propagação reflete o período histórico em que surge a IPI do

Brasil. Este modelo denominado Three Self foi elaborado pelo missionário John Nevius, que trabalhou no

oriente. Com certeza nossos pais tiveram contato com esta influência, o que se tornou um princípio

norteador para a igreja independente que nascia na virada dos séculos XIX-XX. A não observância deste

artigo pelos presbitérios tem levado à organização de igrejas deficitárias ao longo dos anos.

Modelo Comum: Este modelo pode ser deduzido da observação de que são três os grandes desafios de

uma nova igreja a serem alcançados: 1) construção do templo; 2) construção da casa pastoral e 3) ter um

pastor residente de tempo integral. As dificuldades deste modelo é que leva tempo demais e com custo

muito alto financeiro. Os resultados é que quando chega ao ponto de organizar em congregação, o

processo estagna gerando uma congregação com “problemas” de igreja sem ser organizada, liderança

fraca e excesso de dependência da igreja sede ou Presbitério. Outra característica é o aproveitamento do

campo para os licenciados cumprirem suas licenciaturas. Como a maioria dos alunos não recebeu

treinamento em pioneirismo, implantação de igrejas, etc., surge várias dificuldades no relacionamento

obreiro e congregação, baseadas em expectativas não alcançadas. Quando não são os licenciados a serem

enviados a estas congregações, normalmente encaminham-se pessoas da chamada força leiga da igreja,

ministério não-ordenado, que pode ter as mesmas dificuldades se não receberem o devido treinamento e

capacitação.

Modelo Urbano: Com o fenômeno da urbanização e o êxodo rural, surgem as IPIs nos grandes centros

urbanos. Regra geral, as igrejas nos grandes centros surgiram para abrigar as famílias independentes que

buscavam condições melhores de vida nas grandes cidades. Estas igrejas, normalmente nos bairros,

possuem a marca central de que são igrejas urbanas com forte mentalidade rural. Este modelo, aqui

denominado de urbano, possui algumas características:

1. Liderança centralizada e rotativa entre as famílias fundadoras;

2. Sociologicamente buscam viver fortemente o conceito de “comunidade”, daí a grande reunião

semanal;

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3. O intenso desejo de deixar a grande cidade e retornar para o “interior”;

4. Forte conflito de gerações com os filhos que possuem mentalidade urbana;

5. Dificuldade de alcançar o próprio bairro com o evangelho;

6. Influenciáveis pelas grandes igrejas urbanas em suas liturgias e nas estratégias de crescimento e

7. Normalmente pastoreadas por ministros de tempo parcial.

Modelo da IPI “Central”: Há um fenômeno percebido de que as “igrejas centrais” passaram por um

crescimento acelerado nas últimas décadas em relação às demais do mesmo presbitério, especialmente nos

estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Algumas pistas deste modelo podem ser detectadas:

1. São igrejas antigas que buscam alternativas de crescimento, enfrentando as crises da “forma” e do

“conteúdo”;

2. Possuem pastorados longos e seus pastores são mais jovens e investem em reciclagem;

3. Normalmente seus membros são socialmente ascendentes;

4. Possuem liderança forte e comprometida;

5. Ousaram na contemporaneidade litúrgica e;

6. Há pastorado em equipe;

7. Algumas sofreram divisões, possivelmente mais por falta de paciência da liderança do que por

possibilidades reais de mudanças.

Modelo com Crianças: Tem sido comum iniciar atividade evangelistica-missionária através de

evangelização de crianças. Este modelo surge, regra geral, espontaneamente dentro de uma igreja local.

Alguns poucos apaixonados se dedicam a esta tarefa e vão percebendo que:

1. Os adultos (pais e familiares das crianças) vão se tornando mais difíceis de serem alcançados e,

2. A igreja sede não se apaixona na mesma intensidade que o núcleo iniciador.

3. Normalmente as crianças a serem alcançadas são de bairros mais pobres, o que leva a incluir na

estratégia alimentos e roupas, gerando uma possível confusão identificando o evangelho apenas

com essa ação de amor e solidariedade.

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Mais do que nunca, o modelo com crianças precisa ser repensado dentro da IPIB, para que não se torne

um modelo de opressão e escravidão ao invés de uma ação libertadora de missão integral.

Modelo Atual da Secretaria da Evangelização: A palavra chave que define o trabalho da SE é parceria.

Seja com igrejas/órgãos do exterior, com Sínodos e Presbitérios. Com isto foi possível formatar os

projetos. Regra geral os projetos possuem coordenadores missionários e uma equipe de missionários. O

plano inclui a promoção humana e organização de igrejas locais. Um projeto pioneiro é o desenvolvido no

Rio Grande do Sul, onde está sendo usado o modelo de grupos pequenos (células) na capital Porto Alegre

e cidades vizinhas. Nas parcerias com os presbitérios as ações incluem: organizações de igrejas entre as

populações mais humildes, sempre contando com um projeto social associado e, por outro lado, a SE está

tendo a experiência de alcançar pessoas residentes em bairros de classe média. A SE, em suas parcerias,

tem acordado investimento em revitalização de igrejas deficitárias dos presbitérios. Há parcerias em que a

SE está envolvida nas 3 áreas acima descritas. No exercício de suas atividades a SE conta com o apoio,

ainda, de parceiras para-eclesiasticas como a Missão Asas de Socorro, SEPAL, Luz para o Caminho e

outros.

Pensamos que algumas decisões tomadas pela AG da IPIB nas últimas décadas podem ter gerado

ambiente favorável à integralidade da missão. São elas:

1. Desmembramento dos Presbitérios na década de 80;

2. O conceito de que para cada nova igreja organizada, um projeto social al lado;

3. Contemporaneidade dos dons espirituais;

4. Parcerias com igrejas do exterior;

5. Ordenação feminina;

6. Reforma Administrativa;

7. Reforma Teológica;

8. Definições sobre Ordenações Litúrgicas;

9. Educação Continuada dos Ministros;

10. Decisões orçamentárias;

11. Os CTM’s;

12. Projeto Semeando.

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Fora da IPIB. Para melhor entender esta dinâmica de modelos, creio ser importante distinguir entre

modelos protestantes, modelos pentecostais e modelos neo-pentecostais. Eles retratam historicamente a

inserção do protestantismo no Brasil.

Modelo Protestante: Deixando a 1ª e 2ª tentativas de inserção do protestantismo no Brasil (já no

descobrimento do Brasil com o huguenotes e depois com os holandeses no nordeste) e focalizando na 3ª

tentativa, temos o protestantismo de missão a partir da segunda metade do século 19. Este tipo de ação

missionária chegou com a estratégia definida de alcançar as classes dominantes antes de atingir o povo.

Inicialmente, as capitais por toda costa litorânea foram os alvos e somente depois é que o interior do país

foi contemplado, seguindo as linhas de estradas de ferro fruto do ciclo do café. A liturgia protestante era

mais racional e exigia alfabetização, pois a Bíblia e o hinário eram essenciais para a participação do fiel

nas celebrações culticas.

Modelo Pentecostal: Fruto do movimento Holiness americano e de uma reação ao racionalismo que

graçava em todas as áreas da vida humana no século 19, este modelo defendia as experiências

entusiásticas com a terceira pessoa da Trindade, o que gerou um novo estilo de culto mais participativo e

místico. Outro aspecto marcante do pentecostalismo é o uso da força não ordenada de seus membros na

expansão do evangelho e a liderança muito forte de seus pastores. Podemos dizer que o modelo

pentecostal aproveitou-se muito bem da organização social latino americana, onde a figura do “coronel”,

do “patrão” e do “caudilho” ainda se encontra presente na vida e no inconsciente coletivo do nosso povo.

Forte ênfase nos usos e costumes como expressão ética na busca de uma espiritualidade ascética.

Modelo Neo-Pentecostal: Presente a partir da década de 70, este modelo tem na urbanização o seu habitat.

Se o homem rural é conformado com sua pobreza, já o homem urbano é inconformado e até mesmo

revoltado com sua pobreza. Com a proposta de trazer o céu para a terra (teologia da prosperidade) e busca

de curas pela oração da fé e exorcismo (saúde), o modelo neo-pentecostal tem atraído milhares de pessoas.

Este modelo, diferente do pentecostal, retirou o ascetismo dos usos e costumes, tornando-se mais adaptado

aos grandes centros urbanos. O modelo de igreja neo-pentecostal pode ser resumido nas seguintes

palavras: templo-centrista, evento-centrista e púlpito-centrista.

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119

Podemos observar ainda que, o ambiente evangélico brasileiro luta com as crises da forma e do conteúdo.

O simples fato de termos tantos modelos apresentados revela isso. Destacamos os seguintes modelos

abaixo:

Modelo de Igreja em Células: Denominado a 2ª Reforma, pleiteia fortemente o retorno ao cristianismo

primitivo, tendo nos pequenos grupos sua estrutura e não apenas uma estratégia. Tomou forma e impacto

mundial a partir do ministério do Pr. Ralph Neighboor (Texas-EUA, modelo original) e recebeu uma cor

mais latino-americana com o Pr. César Castelhanos em Bogotá, Colômbia (modelo do G-12).

Modelo de Igreja com Propósitos: Tem na pessoa do Pr. Rick Warren o seu criador, no Estado da

Califórnia - EUA. A máxima deste modelo é que a igreja local deve ser orientada por propósitos e não por

programas, sendo que tais propósitos estão delineados no Novo Testamento sendo aplicados à vida

pessoal, à família, ao ministério, etc.

Modelo de Igreja em Rede Ministerial: Fruto da experiência do Pr. Bill Hybels na cidade de Chicago –

EUA. Este modelo pensa a igreja estruturada numa rede de ministérios, cujo alvo é a mobilização de cada

membro ou participante da comunidade local. Apesar destes três modelos serem de localidades diferentes

e distantes umas das outras, eles se deram no mesmo país, trazendo assim a marca distintiva da cultura

americana que é o “pragmatismo”.

Modelo das Comunidades: Muito comum nas décadas de 70 e 80, este modelo é caracterizado por uma

forte reação à igreja institucionalizada, como subproduto dos movimentos sociais da década de 60.

Iniciando nos Estados Unidos, espalhou pelo mundo e alcançou o Brasil. Por aqui teve suas versões

tupiniquins (Ex: Sara Nossa Terra e outros). Possuem na renovação litúrgica e expressões musicais sua

grande marca distintiva.

Modelos Alternativos: Mais recentemente podemos observar o que denominamos como igrejas de Tribos

Urbanas. É um modo de ser igreja caracterizada pela unidade homogênea: igreja de surfistas, igreja de

motoqueiros, igreja de amantes do rock, igreja de atletas, etc.

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120

Naturalmente que poderíamos enveredar nossa reflexão sobre os modelos específicos de denominações.

No entanto, cremos que para o objetivo deste trabalho uma visão panorâmica servirá para nos despertar

para a relevância deste tema e fazer-nos refletir sobre os modelos praticados dentro da IPI do Brasil na

plantação e organização de igrejas locais.

Para pensar: Diante destes diversos modelos, poderemos considerar...

Missões: presbiteriais ou nacional? Organizada a IPI do Brasil, em 1903, estabeleceu-se a Comissão de

Missões Nacionais, tendo como presidente do Rev. Eduardo Carlos Pereira, até 1922.

No entusiasmo da organização da IPI do Brasil, em 1903, nos dias 2 e 3/8/1903, foram levantadas as duas

primeiras ofertas em favor de missões, que renderam Cr$ 1.595,00. Foi também aprovado o Plano de

Missões Presbiteriais, com orçamento de Cr$ 4.000,00. Em 1904, a receita para missões já estava em R$

17.717,10. Diz o Rev. Azor Etz Rodrigues:

Alguém teve a idéia feliz e luminosa de se comemorar a data aniversária do 31 de

Julho com uma grande coleta de gratidão e fidelidade. E a coleta de 31 de Julho de

1904 rendeu C$ 12.000,00! Em Campinas, o Presbitério Independente aprova o seu

segundo orçamento: Cr$29.000,00, e a receita sobe à bela importância de Cr$

38.592,00!

Com a criação do Sínodo, em 1908, a Comissão de Missões Presbiteriais foi transformada em Comissão

de Missões Nacionais. Sobre ela diz o Rev. Azor: “era o organismo que centralizada a administração

geral da igreja, inclusive e especialmente as finanças.”

As mudanças no sistema centralizado de missões só foram introduzidas no Sínodo de 1922, quando o Rev.

Eduardo Carlos Pereira deixou a presidência da Comissão de Missões Nacionais. Nesta reunião do

Sínodo, foram feitas mudanças na máquina administrativa da igreja. Em decorrência delas, estabeleceu-se

o sistema de Missões Presbiteriais, em 20/1/1927. Os presbitérios conquistaram plena autonomia na

administração e nas finanças, reservando 5% para missões.

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Ao que tudo indica, o sistema de Missões Presbiteriais não funcionou bem. Tanto é que, em janeiro de

1932, o Sínodo decidiu retornar ao sistema de Missões Nacionais. Só que, desta vez, também a

centralização não funcionou bem. A situação das finanças da IPI do Brasil entrou em profunda crise. O

problema foi sofrido principalmente pelos ministros que dependiam integralmente da igreja, muitos dos

quais recebiam seus proventos com bastante atraso.

Em janeiro 1933, foi estabelecido emergencialmente pela Mesa Administrativa o sistema de Missões

Campais. Nas palavras do Rev. Azor, funcionava da seguinte forma:

cada igreja ou grupo de igrejas, com capacidade financeira para sustentar o seu

pastor, constituiria um campo, tendo uma tesouraria regional. E das contribuições

para o sustento pastoral, uma parte – 10%, depois 15%, e agora (1943) 13% -

seria remetida à Tesouraria Sinodal.

Em 1951, a situação foi alterada com a instituição da Junta de Missões, posteriormente transformada em

Secretaria de Missões. O que se nota em toda essa história? Alguns pontos merecem a nossa reflexão:

1. Quando se falava em missões, pensava-se no trabalho todo da igreja. Não se pensava, tão somente,

num plano de implantação de igrejas. Tanto é assim que a Comissão de Missões Nacionais

centralizava os recursos da igreja para pagamento do sustento pastoral nos campos, ao mesmo

tempo em que cuidava, com muito interesse, da organização do Seminário com sede própria.

2. A história da IPI do Brasil oscilou entre centralização e descentralização dos recursos. Durante

praticamente toda a vida do grande líder Rev. Eduardo Carlos Pereira, houve centralização. No

final de sua existência, passou-se à descentralização.

3. Na época das Missões Presbiteriais e das Missões Campais, houve prejuízo para o trabalho

missionário feito em nome da denominação, como um todo. Sem recursos, a tesouraria da IPI do

Brasil não teve como sustentar o trabalho missionário. Por outro lado, com o fortalecimento da

idéia de um trabalho missionário da igreja nacional, parece que os presbitérios se esqueceram de

sua responsabilidade com missões em seus campos, delegando-a integralmente para a Junta de

Missões ou para a Secretaria de Missões.

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122

Mário Sérgio de Góis

Secretaria de Evangelização

Gerson Correia de Lacerda

Secretário Executivo

Implantação de Igrejas. Antes de entrarmos na reflexão dos modelos atuais de plantação de igrejas,

precisamos reafirmar nossa posição reformada de que a expressão “igreja” não deve ser entendida

somente no contexto neo-testamentário, mas como extensão do Israel de Deus, sendo que as duas

expressões se mesclam e se completam.

Quando Paulo escreve à Igreja da Galácia ele afirma: “E, a todos quantos andarem de conformidade com

esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus” (Gl 6.16). Portanto essa era atual

da Igreja não é uma interrupção nos planos eternos de Deus para a salvação da humanidade, como

entendem algumas corrrentes teológicas. Estamos diante de uma história onde Deus é o protagonista que

busca levar a salvação e libertação ao ser humano. Paulo chega a afirmar que Abrãao não é somente um

pai do povo judeu, mas pai de todos os que crêem (Rm 4.11).

Base Bíblica. No Antigo Testamento o povo de Deus se constitui como uma congregação segundo o

modelo da sinagoga (Dt 31.12; Jz 20.1,2; Sl 40.9; Pv 5.14). No Novo Testamento, os modelos são

variados e incluem a igreja como “noiva de Cristo” (Mc 2.18-20; Jo 3.29; Ef 5.24-27); “rebanho”(Jo

10.11); fundamentado em Cristo (Mt 16.18-19), “família de Deus” (Ef 2.19), e “corpo de Cristo”(Ef 4.15-

16; Gl 3.29).

Base Teológica. O Credo Niceno afirma que a igreja é o objeto da nossa fé. Nesse mesmo credo afirma-se

que “cremos na Igreja”. O calvinismo insiste nas marcas da verdadeira igreja de Cristo como sendo:

1. Unidade: A Igreja é una (1 Co 12.20; Ef 4.4)

2. Santidade: O Espírito habita na Igreja. Deus é santo. (Ef 5.27).

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123

3. Catolicidade: Universal em suas dimensões. (Mc 9.38-40). (Gl 3.28) (Ap 7.9)

4. Apostolicidade: fundamentada no testemunho dos apóstolos e na Palavra de Deus.

Por ser apostólica, a Igreja manifesta sua visibilidade ao mundo através da:

1. Adoração: Celebração, reverência, adoração e louvor

2. Palavra: João Calvino afirma: “onde quer que vemos a Palavra de Deus ser sinceramente pregada e

ouvida, onde vemos serem os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, aí, de

modo nenhum, se há de contestar, está uma Igreja de Deus...”

3. Sacramentos: Este é um termo latino, tradução do termo grego bíblico mysterion, sinal de

participação na graça salvadora

4. Governo: provê ordem e disciplina; deve ser constante, ordenado e revigorante.

5. Disciplina: como distinguir a verdadeira Igreja de Cristo? Calvino disse: “aqueles que pensam que

a igreja pode sobreviver por longo tempo sem disciplina estão enganados; a menos que pensemos

que podemos omitir um recurso que o Senhor considerou necessário para nós. A disciplina

eclesiástica é tão necessária quanto os ligamentos do corpo humano, ou como a disciplina em

família.”

De tudo isso, a característica mais importante da apostolicidade é missão! Vivendo dias em que a

expressão “apóstolo” tem sido manipulada e usada apenas para fins de hierarquia eclesiástica, é

importante lembrar que “apóstolo” é o significado da origem latina da palavra “missão”. É essencial que

esta dimensão seja incluida aqui. Isto serviria também de “ponte” para o seu próximo parágrafo.

Base Histórica. O movimento de plantação de igrejas no século I parece mostrar que era algo

extremamente simples e natural. Nada indica que a plantação de igrejas era resultado de algum tipo de

planejamento ou mesmo de pressão dos líderes cristãos para que o cristianismo se expandisse. O que as

Escrituras parecem indicar era que havia duas vertentes básicas para que a Igreja se expandisse. Uma

delas era a igreja instalada enviar seus líderes, como aconteceu com Paulo e Barnabé em Atos 13. A outra

forma era através de iniciativa individuais, como aconteceu na casa de Crispo, em Atos 14. As referencias

são Atos 18.8 e 1 Cor. 1.14, que indicam que Crispo era fruto da “primeira vertente”. Esta observação é

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124

significante, porque realça a importância do envio por parte da igreja e do papel da igreja no plano

missionário de Deus. Deus incumbe a igreja, e ela precisa assumir devidamente a sua responsabilidade.

A estrutura eclesiástica naqueles dias também parecia ser bem mais simples e leve do que temos hoje.

Com o tempo, a Igreja tornou-se serva do Estado, e passou a mostrar sinais de deterioração espiritual e

moral, na Idade Média. Os grandes templos e catedrais passaram a ser sinônimos da presença majestosa de

Deus, sem que haja uma grande preocupação com a vida e o caráter dos congregados. O fato é que a igreja

passa a ser conhecida pelos seus templos mais que como povo de Deus no mundo. Esta distorção, junto

com a a burocratização ou institucionalização da liderança da igreja que o surgimento dos templos

facilitou, permanece grande desafio para o conceito de igreja até os nossos dias.

Plantação de Igrejas dentro da IPIB. Até onde posso perceber a IPIB no decorrer dos seus 104 anos tem

plantado igrejas seguindo duas opções. A primeira, que poderia ser chamada de evangelística, fincando

seu templo numa cidade ou povoado onde ainda há necessidade do conhecimento de Cristo. A outra opção

tem sido membros da IPIB abrirem suas casas (à semelhança do que aconteceu no início da igreja cristã)

para um novo trabalho começar, como congregação. Algumas vezes estas duas situações se mesclam e

nasce uma nova IPIB. Há igrejas dentro da nossa denominação que estão plantando novas comunidades

através dos chamados grupos familiares ou células. Normalmente são pequenos grupos que se reúnem

semanalmente em casas e que passam pela experiência do crescimento numérico e tornam-se

congregações para depois tornarem-se igrejas.

Plantação de Igrejas fora da IPIB. Dentre as várias denominações evangélicas, sabe-se que hoje a

Assembléia de Deus (entre os pentecostais históricos) e os Batistas são aqueles que mais tem avançado na

plantação de novas igrejas. Não estamos citando aqui a IURD e outras do ramo neo pentecostal por não

conhecermos suas estratégias nessa área. Os assembleianos tem plantado novas igrejas utilizando-se de

obreiros e evangelistas, que incentivam os membros a abrirem suas casas para iniciarem assim um novo

trabalho. Os batistas tem trabalhado com planos de avanço de plantação de novas igrejas e também com o

treinamento de plantadores de igrejas. Outro tipo que tem surgido são igrejas-comunidades. Elas nascem

usualmente por cisão de alguma outra igreja. Elas se multiplicam rapidamente atraves de alianças entre

essas próprias comunidades.

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125

Desafios. A IPIB tem um grande desafio pela frente: plantar novas igrejas em grandes centros urbanos e

também em cidades de médio porte, nas cidades do sertão nordestino e nas regiões ribeirinhas. Segundo o

Rev. Tim Keller, pastor presbiteriano em Nova Iorque, estamos vivendo um tempo muito parecido com

aquele que foi o Império Romano. E se queremos plantar novas igrejas precisamos estar atentos a isso.

Estamos diante de um mundo novamente globalizado, como aconteceu nos dias do Império Romano. O

triunfo do poder de Roma criou a Pax Romana, e houve uma mobilização não somente de pessoas em todo

o miundo, mas também uma mobilização de capital e de idéias. As cidades se tornaram multi etnicas e se

internacionalizaram. Hoje as cidades do mundo estão conectadas.

Vivemos num mundo urbanizado. Durante o Império Romano, as chamadas nações-estado não tinham

muita força. No entanto, cidades como Roma, Corinto, Éfeso eram vistas como cidades-estado, tamanho o

poder que possuíam. Hoje, a tecnologia e a mobilidade do capital tem tornado os países relativamente

fracos em seus próprios territórios. E algumas cidades do mundo tem se projetado de forma fantástica.

Finalmente, novamente estamos diante de um mundo fragmentado e pluralista. Como acontencia nos dias

do Império Romano, as questões da verdade, moral, ética não são mais absolutas. Diante de todo esse

quadro surge a pergunta: como vamos avançar o Reino de Deus com a plantação de novas igrejas da IPIB

em centros urbanos e mesmo em zonas rurais?

Certamente precisaremos conhecer o perfil das pessoas que desejamos alcançar na formação de uma nova

igreja. O mesmo Rev. Tim Keller afirma que sempre encontraremos os tradicionais (normalmente terão

mais de 65 anos), os modernos (aqueles que tem mais de 45 anos) , os pós modernos (que se situam na

faixa dos 25 aos 45 anos) e as tribos urbanas (abaixo dos 25 anos). Provavelmente plantar uma nova igreja

entre a geração emergente será uma experiência bem diferente do que plantar uma igreja entre aqueles que

se situam na faixa dos 45 a 50 anos.

Outras questões que deveremos enfrentar são:

1. temos pastores preparados não somente para pastorear, mas também para serem plantadores de

igrejas?

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2. usaremos o modelo tradicional de construção de templos, que demandam grandes recursos

financeiros, ou optaremos por outros tipos de estruturas?

3. o Projeto Brasil 21, em parceria com a Sepal, tem trabalhado nestes últimos 14 anos, na área de

pesquisa (buscando levantar informações de cidades com pouca presença evangélica) e também no

treinamento de plantadores de igrejas. Essa seria também uma alternativa concreta para se oferecer

aos pastores, seminaristas, missionários e líderes da IPIB.

4. nossas instituições teológicas devem buscar formar pastores que não somente sejam aqueles que

irão alimentar o rebanho, mas também outros que certamente terão perfil apostólico e plantarão

igrejas onde muitos não querem ir.

5. outra proposta seria estabelecer parcerias entre igrejas e seminários reformados de outros países

que tem obtido sucesso na área de plantação de igrejas, especialmente em área urbanas.

Crescimento Integral. Quando desenvolvemos o tema da Missão Integral, obrigatoriamente ele nos

remete a um outro, subjacente a ele, o Crescimento Integral da Igreja. Esse assunto é familiar à Igreja

Presbiteriana Independente do Brasil, e, nos últimos anos, alguns documentos tem sido escritos para apoio

aos pastores e líderes de nossa denominação. Entendemos que uma Igreja, como Corpo de Cristo no

mundo, deve ser vista como um organismo vivo e que, portanto, cresce de forma integral, no resgate do

ser humano e de toda criação, no cumprimento da missão de Deus.

Desta forma, tratar do crescimento integral da igreja tem a ver substancialmente com a missão integral. No

entanto, percebemos que há uma equação quase impossível de ser resolvida: como refletir sobre esse tema

de forma a integrá-lo com a missão da Igreja? Refletindo sobre isso, Antonio Carlos Barro escreve:

Poucos são os autores que têm trabalhado o tema da espiritualidade em relação à

missão integral, até mesmo porque o integral com o espiritual parecem não

combinar. Integral pressupõe fazer, agir, tomar uma posição mais radical, enquanto

espiritualidade está mais próximo do meditar, refletir, contemplar. Assim, se

alguém é integral, não é espiritual; e se alguém é espiritual não é integral. A

espiritualidade da missão integral tem de encontrar suas raízes principalmente e

primordialmente na vida e obra de Jesus Cristo. É nas páginas do Novo Testamento

que iremos encontrar aquele que nos forneceu não somente a missão, mas também a

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127

espiritualidade. (“Implicações e desafios da missão integral”, disponível em

http://usuarios.lycos.es/matioli/Implmiss.htm)

A grande tentação dos nossos dias é o excessivo pragmatismo que ocupa um espaço enorme dentro de

nossas igrejas. A sedução pelo sucesso do crescimento tem feito com que pastores e comunidades se

percam em devaneios e na busca quase que incessante de novos modelos. Isso tem crescido muito nos

últimos anos e tem sido comum pastores usarem modelos de crescimento e descartarem esses mesmos

modelos por outro com a mesma facilidade com que abraçaram o primeiro.

Dr. Charles Van Engen, missiólogo presbiteriano, afirma que os líderes tem buscado sempre alguns

modelos que sirvam de guia para seus ministérios:

Igreja modelo: que usa algumas congregações como exemplos ou modelos para

outras.

Amostragem maior: que usa análise estatística e estudos sociológicos para ressaltar

apenas aspectos importantes que talvez sejam oportunos.

Pesquisa bíblica: que leva em conta os exemplos, as ordenanças e as verdades

proposicionais da Bíblia acerca da Igreja e que os contextualiza a um povo numa

determinada época. (Povo missionário, povo de Deus, pag.19)

Nossa proposta, inicialmente, é buscar os fundamentos do crescimento integral nas Escrituras.

Fundamentos Bíblico-Teológicos. O Antigo Testamento registra a história do povo de Israel, e o vetor da

ação de Deus na História é fazer com que Javé seja reconhecido entre os demais povos da terra. Abrão

recebe o desafio da missão, que implica na multiplicação da benção de Deus para outras nações: “e por

meio de você todos os povos da terra serão abençoados” (Gen.12:3). Timóteo Carriker afirma:

a partir de Gênesis 12, encontramos uma mudança de estratégia que marca todo o

resto da Bíblia. Aqui, Deus separa um só povo através de quem a sua benevolência

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e restauração se manifestarão para todos os povos e para o mundo todo. (A visão

missionária da Bíblia)

É importante notar que os escritos vetero-testamentários são suficientemente claros para afirmar que o

propósito de Deus é extender seu Reino entre todas as famílias da terra. Isso implica certamente em

crescimento. As Escrituras afirmam que Deus ficou grato com a criação e que tudo era bom. E Deus

escolhe Abrão para abençoar todas as famílias da terra, para que haja expansão e restauração.

Outro ponto interessante a ser observado é que esse propósito de Deus, que é global, se contrapõe

totalmente às culturas dos povos que normalmente fazem uso do exclusivismo. Moisés foi o responsável

pelo êxodo do povo de Israel (Ex 13-17). Mas por que isso aconteceu? Para que Faraó e o Egito pudessem

conhecer que o Deus de Israel é o Deus único e verdadeiro. Quando Deus questiona a Adão: “Onde está

você?” (Gn 3.9), Ele não estaria repercutindo a mesma pergunta a todos os seres do mundo buscando

salvar a todos? Essa mesma pergunta não deveria ser feita hoje para todas as etnias da terra? E o restante

dos relatos que encontramos nos textos bíblicos é de um Deus que busca todos, em todas as nações.

Novamente surge, diante de nossos olhos, a idéia da expansão, do crescimento.

Quando olhamos para o Novo Testamento nos deparamos com a declaração de Jesus de que Ele edificaria

Sua Igreja. (Mt 16.18). Nesse sentido, somos apenas os agentes da missão que deverão expandir essa

Igreja até aos confins da terra. A expressão “edificar” nos traz a idéia de um crescimento contínuo, à

semelhança de uma casa que construímos. Ela vai sendo edificada pouco a pouco.

Pedro segue esse pensamento quando escreve: “vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas

na edificação de uma casa espiritual ...” (2Pe 2.5). No entanto, deve sempre permanecer em nossas mentes

que o edificador da Igreja é Cristo. Além de edificar, Ele é quem promove o crescimento.

Mas se somos os agentes do crescimento da Igreja, como membros do Corpo de Cristo, como isso pode

ocorrer? As últimas palavras de Cristo antes de sua ascenção vem confirmar a idéia da expansão

geográfica, mas certamente também quantitativa: “Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer

sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da

terra.” (At 1.8). O crescimento integral da Igreja é promovido pela 3ª. pessoa da Trindade. É ele quem

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gera força e poder para o avanço das comunidades cristãs em direção a todos os cantos da terra. Isso

elimina, logo de início, qualquer tentativa humana de promover qualquer tipo de crescimento na Igreja. A

missão é de Deus (missio Dei) e a força motriz da missão é o Espírito Santo.

Um sinal evidente de crescimento integral acontece logo após a pregação de Pedro, quando cerca de 3000

pessoas são agregadas à fé cristã. (At 2.41). Em seguida, Lucas declara que “o Senhor lhes acrescentava

diariamente os que iam sendo salvos”(At 2.47). Em seguida o número de homens a crerem em Cristo

chega perto de 5.000. (At 4.4). Lucas registra que novas comunidades foram plantadas em cidades e casas

a partir de Antioquia. (At 13). Vale a pena registrar que o crescimento dos novos convertidos estava

intimamente ligado a expansão das igrejas, conforme relato de Atos 9.31: “A igreja passava por um

período de paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se edificavae, encorajada pelo Espírito Santo,

crescia em número, vivendo no temor do Senhor”.

Um ponto importante a considerar é que o crescimento numérico era acompanhado de ações de

misericórdia, amor e justiça. Recursos eram repartidos entre os necessitados. Os convertidos se reuniam

de casa em casa. E isso certamente não era apenas um sinal de comunhão, mas a oportunidade que tinham

de crescer juntos na fé. (At 2.45,46)

Além disso o crescimento integral acontecia através do sobrenatural. “Muitas maravilhas e sinais era

feitos pelos apóstolos”, provocando certamente a entrada de novos convertidos à fé cristã. (At 2.43).

Resgatando a tradição judaica, a visão diaconal nasce diante da necessidade das “viúvas que estavam

sendo esquecidas na distribuição diária de alimento”. (At 6.1).

Fundamentos Históricos.31 O que aconteceu durante os últimos 40 anos é o seguinte: na década de 60,

dentro dum contexto de conscientização social cada vez maior no Concílio Mundial de Igrejas, Donald

McGavran procurou colocar o evangelismo e a implantação e desenvolvimento de igrejas locais como

preocupação central para a missão da igreja.32 Através disto e as escolas que McGavran fundou, surgiu um

31 Extraído e adaptado de CARRIKER, Timóteo. Proclamando boas-novas. Bases sólidas para o evangelismo. Brasília: Palavra, 2008. 32 Alguns dos principais textos do “Movimento de Crescimento da Igreja” em português incluem: MCGAVRAN, Donald, Compreendendo o crescimento da Igreja, São Paulo: SEPAL, 2001; WAGNER, C. Peter, Por que crescem os pentecostais, Edições Vida e Estratégias para o crescimento da igreja, São Paulo: SEPAL, 1991; READ, JOHNSON, e MONTEROSO, Ocrescimento da igreja na América Latina, São Paulo: Edições Vida Nova, 1970; MIRANDA, Juan Carlos. Manual de

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pensamento ou perspectiva de missão que chegou a ser conhecido como a perspectiva do “crescimento da

igreja”. Como é bem conhecido, a sua ênfase estava no crescimento numérico. O que é bem menos

conhecido é que, para McGavran e os seus discípulos, o crescimento numérico era mais que um fim em si.

Também era um forte indício da saúde da igreja como as medidas númericas de peso, e os exames

quantitativos de sangue e urina são indícios da saúde do corpo humano. Mesmo assim, a perspectiva do

crescimento da igreja sofreu muitas críticas e provocou um bom discurso teológico.

Por isso, nos anos 1970, um antropólogo cristão, Alan Tippett33, que era colega do McGavran, propôs

uma elaboração do conceito do crescimento da igreja. Tippett sugeriu que o desenvolvimento poderia ser

avaliado em três dimensões: o desenvolvimento qualitativo, o desenvolvimento quantitativo e o

desenvolvimento orgânico, este último se referindo à unidade dentro do corpo de Cristo. Era uma

perspectiva bem melhor que a anterior e durante anos o modelo de Tippett foi divulgado e utilizado na

avaliação do desempenho no desenvolvimento de ministérios. Mas houve também inquietação,

especialmente da América Latina.

No final dos anos 70 e entrando na década dos 80, vários teólogos latino-americanos, como René Padilla,

Samuel Escobar e Orlando Costas34, chamaram a atenção para a falta de princípios explicitamente

fundados na Bíblia para a elaboração destas dimensões do desenvolvimento da igreja. Juan Carlos

Miranda falou de quatro dimensões: o desenvolvimento espiritual, o desenvolvimento corporativo, o

desenvolvimento social e o desenvolvimento numérico. Somente o desenvolvimento social é uma

novidade no esquema do autor e se refere tanto à apreciação da igreja pela sociedade em geral, quanto à

assistência social prestada pela igreja aos seus membros. Mas entre todos os teólogos mencionados acima,

Orlando Costas foi quem ofereceu sugestões mais construtivas. Ele também fala de quatro dimensões do

desenvolvimento, a saber, o desenvolvimento numérico, o desenvolvimento orgânico, o desenvolvimento

crescimento da igreja, São Paulo: Edições Vida Nova, 1989; GERBER, Vergil. Sua igreja precisa crescer, São Paulo: Vida Nova, 1983; READ, William. Fermento nas Massas, 1967; WAYMIRE, Bob e WAGNER, Peter. Manual de pesquisa sobre o crescimento da igreja, São Paulo: SEPAL, 1990; e KEYES, Lourenço. Crescimento equilibrado na igreja, SEPAL: São Paulo. 33 Veja, por exemplo: TIPPETT, Alan. A palavra de Deus e o crescimento da igreja, São Paulo: Edições Vida Nova, 1970 e FULLER, Charles E. Bases Bíblicas para el Iglecrecimiento, Pasadena, CA., Instituto de Evangelismo e Iglecrecimiento, 1978. 34 Veja, por exemplo: PADILLA, René “La unidad de la iglesia e el principio de las unidades homogéneas” na revista Misión, nº 6 (setembro de 1983), A missão integral, São Paulo: Temática e FTL, 1992, e os artigos de COSTAS, Orlando “Origen y desarrollo del movimiento de crescimiento de la iglesia” na revista Misión, vol. 3, nº 1, (março de 1984) “La iglesia como comunidad misionera en la misionología del movimiento de Iglecrecimiento” na revista Misión, vol. 5, nº 2 (junho de 1986), “Análisis sociocultural del crecimiento en las comunidades cristianas” na revista Misión, vol. 5, nºs 3 e 4 (dezembro de 1986) e “La estrategia de Iglecrecimiento para la expansión del cristianismo” na revista Misión, vol. 6, nº 1 (março de 1987).

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conceitual e o desenvolvimento diaconal. Estes dois últimos são contribuições novas e se referem

respectivamente ao aprofundamento no conhecimento teológico e bíblico da fé e à “intensidade do serviço

que a igreja rende como demonstração do amor concreto de Deus”. É importante distinguir entre o

desenvolvimento diaconal de Costas, cujo alvo é o serviço ao mundo e o desenvolvimento social de

Miranda cujo alvo é a assistência aos membros da igreja. Fora isto, Costas correlaciona três qualidades do

desenvolvimento às suas quatro dimensões:

Dimensões

Qualidades

Numérico Orgânic

o Conceitual Diaconal

Espiritualidade

Encarnação

Fidelidade

Estas qualidades são mais teológicas que práticas, como no caso das dimensões, e seguem a analogia da

trindade. Portanto as qualidades incluem espiritualidade (a presença e operação dinâmica do Espírito

Santo), encarnação (a presença histórica de Jesus na dor e nas aflições da humanidade) e fidelidade (a

coerência da ação da igreja com os propósitos de Deus para o seu povo). Estas qualidades ajudam a

avaliar níveis de desenvolvimento numérico, orgânico, conceitual e diaconal e assim fornecem a

possibilidade de uma avaliação mais criteriosa. Desta forma, tudo indica que Costas tenha finalmente

desenvolvido a discussão de maneira positiva a respeito de critérios para avaliação do crescimento da

igreja. Porém, suas quatro dimensões ainda não refletem precisamente as principais dimensões

encontradas na Bíblia da atuação e crescimento da igreja.

Enquanto a sugestão de Costas representou um avanço no conceito das dimensões do ministério a serem

avaliadas, parece não haver um consenso, principalmente, porque a fundamentação bíblica deste discurso

nunca foi explicitada.

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132

Modelos de Crescimento Integral na IPIB e em outras denominações. Começamos com o exemplo duma

das nossas igrejas grandes: a Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Londrina. Citando o Rev.

Jonas Dias Martins podemos dizer que o alvo da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Londrina

não é apenas a salvação de almas, mas de homens e mulheres. Assim, todo o trabalho desenvolvido por

esta igreja visa resgatar o ser humano em sua integralidade. Há cerca de 11 anos em um processo de

transição para o modelo de uma Igreja em Células, descobrimos no pequeno grupo um enorme potencial

para perceber e atender as reais necessidades das pessoas que estão chegando para nosso convívio.

Conhecendo e convivendo mais de perto com as pessoas, as necessidades são identificadas, sejam elas

física, emocional ou espiritual, e, dentro do possível são supridas no próprio grupo, através de oração

(Tiago 5.16), compartilhar e aconselhar mútuo e até mesmo suprindo necessidades financeiras ou de

tratamentos de membros dos grupos com muito critério e zelo quanto a mordomia dos recursos

financeiros.

A Primeira IPI conta ainda com uma estrutura de apoio às células, quando esta encontra limites na sua

atuação. São as chamadas áreas de apoio, como por exemplo:

• Ministério de Ação Social e Diaconia – promovendo socorro aos s, como cestas básicas,

medicamento e outros;

• Centro de Aconselhamento e Ajuda, formado por profissionais de aconselhamento que dedicam

algum tempo à comunidade;

• Parcerias com a ONG Instituto Esperança, que mantém o Centro de Educação Infantil Alegria

junto à Congregação da Vila Marízia atendendo cerca de 60 crianças em período integral e a Bolsa

de Empregos, intermediando negociações de emprego e oferecendo cursos de capacitação

profissional;

• Parceria com a ONG Água Pura que oferece atendimento às pessoas com dependência química.

• Parceria com Êxodos Brasil e Ministério Paz com Deus, ajudando pessoas com lutas na área da

sexualidade.

Nos últimos meses esta igreja tem trabalhado com a proposta de integração entre as comunidades mais

carentes e as demais classes econômicas da igreja. Para isso proporciona que as celebrações e outros

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133

eventos sejam feitas em lugar comum, oferecendo transporte nos bairros afastados do centro, promovendo

assim, grandes celebrações comunitárias.

Outras denominações. Nas últimas duas décadas tem havido um movimento crescente em direção ao

crescimento integral nas mais variadas denominações brasileiras. A antiga dicotomia entre ação social e

evangelismo, que tempos atrás dominava os círculos tradicionais e liberais da igreja, deixou de ser uma

discussão relevante para se tornar um ministério profícuo em muitas comunidades.

Hoje é comum encontrar movimentos de diaconia extremamente desenvolvidos, não somente em grandes

centros urbanos, mas também em pequenas cidades. Também não podemos fazer distinção entre os

pentecostais, neo pentecostais e históricos. Aparentemente há uma identidade forte das mais variadas

correntes de denominacionais nessa área de serviço social. Como resultado, especialmente a educação e a

saúde tem sido contempladas com projetos inovadores em muitas localidades do Brasil.

Por outro lado, o crescimento no discipulado, visando a formação de cristãos maduros parece não

acompanhar hoje o mesmo ritmo dos movimentos sociais. Seja em razão da urbanidade que se instalou

entre nós, causando o isolamento e a falta de tempo e a busca pelo crescimento numérico a todo custo, o

fato é que hoje o discipulado tem sido descartado em favor dos modelos de crescimento.

Além disso, algumas organizações forâneas como “Igreja com Propósito” e “Willow Creek” entraram no

Brasil com muita força, motivando os pastores e líderes a buscarem o crescimento de suas igrejas. Não

podemos desmerecer essas organizações, no entanto, novamente, os modelos tem sido absorvidos, muitas

vezes, sem o mínimo senso de adaptação cultural e social.

Também devemos ressaltar que o movimento de igrejas em células tem causado um impacto sem

precedentes no meio evangélico. As mais variadas denominações tem optado por esse modelo de

crescimento, que, em muitos casos, tem privilegiado a igreja local, mas também tem deixado de lado a

missão além de Jerusalém. De qualquer forma, devemos reconhecer que as igrejas no Brasil tem crescido,

numericamente falando, através do modelo de células familiares.

Desafios

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134

• Refletir, a partir da formação teológica dos nossos futuros pastores e pastoras, a dimensão do

crescimento integral de nossas igrejas, evitando assim a proposta de “manutenção” de nossas

comunidades;

• Resgatar a unidade do evangelho integral em nossas igrejas, através de estudos, palestras e

sermões, para que os nossos membros sejam desafiados a cumprir a missão em toda a sua

plenitude, evangelizando e praticando atos de justiça, amor e misericórdia;

• Buscar parcerias com organizações como o Brasil 21 (Sepal) que tem trabalhado no levantamento

de informações das regiões ainda não alcançadas pelo evangelho, bem como da situação

econômica, social, educacional e de saúde em nossas cidades brasileiras

Oswaldo Prado

Pastor da IPIB e missionário do SEPAL

Timóteo Carriker

Missiólogo e Educador Teológico

Revitalização de Igrejas. O tema da revitalização é atual, relevante e pertinente. Existem números

expressivos de sites na internet para os verbetes “revitalização de igrejas” (61.800) e “revitalization of

churches” (858.000). E, se buscarmos o verbete fora do contexto eclesiástico, teremos: ”revitalização”

(1.340.000) e “revitalization” (5.450.000).

Secularmente, é notório o esforço dos governos nos níveis federal, estadual e municipal em revitalizar

lugares históricos e centros das cidades. Inclusive há parcerias público-privadas para tais

empreendimentos. O processo de urbanização exige estas ações governamentais. Diferentemente da

revitalização das cidades, onde os objetivos são estéticos, econômicos e turísticos, a revitalização na igreja

tem por objetivo maior alcançar e transformar pessoas pelo evangelho de Jesus Cristo.

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135

Como desejamos transformar turistas em peregrinos, que saibam sua missão e nela estejam engajados, este

tema e importante para a IPI do Brasil como denominação integrante do protestantismo histórico. Igrejas

irmãs já estão envolvidas e atuantes neste campo. É o caso da Igreja Presbiteriana do Brasil, das Igrejas

Batistas, da Igreja Metodista e outras. Desde o final do século 20, as denominações históricas da América

do Norte estão tratando deste tema por meio de publicações, congressos, currículos teológicos e ação

prática. Elas perceberam que, nos últimos 40 anos, houve uma curva descendente no número de membros

e diminuição da contribuição financeira. Nossa situação não é diferente. Por isso, temos diante de nós o

desafio de revitalizarmos comunidades locais e concílios espalhados por todo o país.

Base Bíblica. O Salmo 104 descreve a ação criativa de Deus e nos informa da ação renovadora do Espírito

Santo ao dizer no verso 30: “Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra”. O

livro dos Juízes, com os seus “ciclos” sobre a caminhada do povo com Deus, os quais incluíam – clamor

do povo por libertação, Deus levanta um libertador, ensina-nos sobre a dinâmica da renovação histórica. E

possível observar este processo num período maior do povo de Israel, quando lemos sobre os notáveis

“reavivamentos vétero-testamentários”: Josué 5 e 24; 1 Samuel 7; 1 Reis 17-19 (Elias); 2 Reis 22-23

(Josias) e Esdras, Neemias.

A vida cristã tem início, segundo o apóstolo Paulo, com uma recriação: “E, assim, se alguém está em

Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. Estas palavras fazem eco

às de Jesus ditas a Nicodemos no capítulo 3 do Evangelho de João, onde o Mestre afirma ser necessário

nascer de novo. Deste modo, se o início da vida cristã é uma recriação, a continuidade da mesma se faz

por meio da renovação e revitalização. O mesmo apóstolo Paulo nos diz em Romanos 6.4 “Fomos, pois,

sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela

glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida”. E, assim como Jesus Cristo é o início e o

fim da história, do mesmo modo a vida cristã tem nele o inicio e o fim, através de uma dinâmica

existencial de processo e propósito muito bem explicitada em Romanos 8.28-29: “Sabemos que todas as

coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (processo), daqueles que são chamados segundo

o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à

imagem de seu Filho (propósito), a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”. Não é sem

intencionalidade, pois, que o apostolo dirá em Romanos 12.2: “E não vos conformeis com este século,

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136

mas transformai-vos pela renovação de vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e

perfeita vontade de Deus”. (Conferir: Colossenses 3, Efésios 4, 2 Coríntios 3).

O que Jesus Cristo diz as sete igrejas da Ásia em Apocalipse 2 e 3 e muito interessante para o tema da

revitalização. O Senhor da Igreja se dirige a ela - o noivo escrevendo para a noiva – e, “abrindo seu

coração”, deseja comunicar algo especial. Usando elogios, denúncias, alertas, críticas e promessas, o

Senhor encerra suas palavras com um convite. Este convite-desafio é essencialmente um chamado a

revitalização.

Base teológica. Continuidade ou descontinuidade? A história da salvação por toda a Escritura Sagrada dá-

nos a entender de que Deus trabalha com o princípio da continuidade. No jardim do Éden, o ser humano

pecou e recebeu a punição divina. Todavia, o Criador continuou a escrever a história com as mesmas

personagens. No evento do Dilúvio, encerra-se um período, é feito o julgamento e dá-se continuidade com

a família de Noé. Quando o Senhor desce e confunde as línguas em Babel, espalhando a humanidade por

toda a terra, ele está preparando o cenário para o chamado de Abraão. A saída do povo de Israel do Egito,

conduzido por Moisés e sua posterior posse da terra prometida sob a liderança de Josué, revela que Deus

está continuando a mesma história. No período dos reis em Israel, entre maus e bons monarcas, a história

está sendo entretecida com detalhes importantes sobre como a revitalização ocorreu em vários casos (Ex:

a descoberta do livro da lei no reinado de Josias). Os cativeiros assírio e babilônico serviram aos

propósitos providenciais de Deus de fazer novas todas as coisas. Os profetas, com a mensagem de

condenação e restauração, mantinham a esperança viva na alma do povo com palavras como essas: “Eis

que faço cousa nova, que está saindo à luz, porventura, não o percebeis? Eis que porei um caminho no

deserto e rios, no ermo” (Is 43.19).

O povo de Deus, comunidade da fé, encontra na igreja a sua expressão histórica no Novo Testamento,

trazendo algo novo e amplo nas relações do Eterno com os escolhidos. A história da salvação é linear. O

Senhor Jesus é o Alfa e o Ômega, Princípio e Fim (Ap 1.8,17). Todavia, a igreja, ao longo de sua história,

passa por diferentes momentos. Muitas vezes, a igreja atravessa períodos de decadência; outras vezes,

experimenta fases de reforma e de despertamento.

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137

Em Mateus 16.18 registra-se pela primeira vez no Novo Testamento o termo igreja, usado por Jesus

quando afirmou ser Ele mesmo o fundamento deste edifício espiritual. Por essa razão o apóstolo Pedro

usou em sua primeira epístola a terminologia da construção civil ao dizer que nós somos pedras vivas,

edificados como casa espiritual (2Pe 2.5). No Apocalipse, o princípio da continuidade se revela na

expressão do escritor sagrado que registra: “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira

terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém” (Ap 22.1-2). Se o

Novo Testamento tem início com a chegada do Messias, cumprimento das promessas proféticas do Antigo

Testamento, iremos encontrar em seu epílogo uma oração que revela expectativa e esperança: “O Espírito

e noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de

graça a água da vida” (Ap 22.17). Se não há vida sem a presença da água, certamente a revitalização

necessita, também, de água e água viva (Salmo 1, João 7.37-39). Oremos, pois, junto com o Espírito:

“Vem!”

Base Histórica. A história do povo de Israel no Antigo Testamento, com seus “altos e baixos” no

relacionamento com Javé e a ação do profetismo no meio da nação, ensina-nos sobre a realidade da

revitalização.

A Igreja Cristã desde seus primórdios convive com ações revitalizadoras, em diferentes lugares e

circunstâncias. Na era apostólica, o capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos, no Concílio de Jerusalém, registra

esta tensão entre preservação (judaísmo) e renovação (cristianismo). É muito interessante observar isto na

própria igreja nascente, fazendo-se uma correlação entre Atos 1.8, onde lemos sobre a comissão da igreja

de levar o evangelho para todos os lugares, e Atos 8.1, que é a continuidade da narrativa acerca da

primeira perseguição aos cristãos, que desembocou na dispersão dos discípulos. Nos primeiros 7 capítulos

de Atos, a igreja estava preservada e se preservando em Jerusalém. Com a ação providencial e soberana de

Deus, a perseguição serviu aos propósitos missionários, dispersando os discípulos por toda parte.

O mesmo fenômeno se repetiu ao longo de toda a história da igreja. Sempre que o povo de Deus enfrentou

crise e decadência, surgiram movimentos de renovação e de revitalização. Tais movimentos mantiveram

acesa a tocha do evangelho mais puro e vigoroso. Como exemplo, citamos o movimento monástico no

quarto século, o surgimento das novas ordens eclesiásticas na Alta Idade Média, os pré-reformadores e a

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138

Reforma Protestante do século 16, o puritanismo e o metodismo, os grandes avivamentos norte-

americanos dos séculos 18 e 19, e assim por diante.

O próprio surgimento de um presbiterianismo nacional, defendido pela IPI do Brasil em seus primórdios,

é um movimento de revitalização. Com a bandeira do auto-governo, auto-sustento e auto-propagação, a

IPI do Brasil deu início a uma nova caminhada histórica e nela já se encontra por 105 anos.

Na verdade, até mesmo na própria história da IPI do Brasil observa-se o mesmo fenômeno da existência

de períodos de acomodação e decadência, ao lado de períodos de renovação e revitalização.

Revitalização na IPI do Brasil. A IPI do Brasil já experimentou ações revitalizadoras no decorrer dos

anos. As primeiras décadas de sua história são um exemplo disso. O mesmo se pode dizer a respeito das

décadas de 40 e 50 do século passado. Depois da grave crise conhecida como “Questão Doutrinária”

(entre 1938 e 1942), houve uma intensa revitalização, com despertamento missionários e de atividades

leigas.

Nos dias de hoje, cremos que a IPI do Brasil está experimentado o mesmo fenômeno, com a reforma

administrativa, a nova estrutura denominacional, o orçamento focado em missão priorizando as regiões do

país mais carentes do evangelho, a comunicação melhorada e transparente, a reforma teológica e o

planejamento estratégico para os próximos dez anos (Projeto Semeando). São sinais claros de uma igreja

que não está fechada em si mesma, mas procurando caminhos de relevância e utilidade no contexto em

que esta inserida.

Em termos denominacionais, a Secretaria de Evangelização da IPI do Brasil está envolvida com ações de

revitalização por meio de parcerias com presbitérios, especialmente do Nordeste. São vários os casos em

que temos missionários com apoio e sustento da Secretaria de Evangelização a laborar em campos de

revitalização. Os CTMs (Centro de Treinamento Missionário) têm servido a este propósito,

especificamente o de Campinas, SP, cujo currículo está focado na plantação e revitalização de igrejas no

contexto urbano, enquanto o de Natal, RN, tem servido a igreja com obreiros para os campos do sertão

nordestino. No além fronteiras, temos o pedido de parceiros latino-americanos (Igreja dos Valdenses no

Rio da Prata e Reformados da Argentina) que aspiram que obreiros nossos atravessem a fronteira e levem

um pouco desta revitalização para eles.

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139

Reconhecemos, também, que quase todos os presbitérios e sínodos, de alguma forma, ajudam as igrejas

deficitárias dentro de seus orçamentos e distribuição de campos. São esforços elogiáveis.

Mas devemos ir além na nossa reflexão. Temos de avaliar criticamente tudo o que está sendo realizado.

Devemos examinar se não estamos nos limitando a apenas manter uma situação agonizante ou compondo

sustento de ministros. Precisamos de um planejamento com vistas a uma efetiva revitalização dos campos.

O Projeto Semeando chega justamente para dar direcionamento numa ação coordenada e objetiva sobre as

iniciativas em cada campo sinodal, presbiterial e local.

Revitalização fora da IPI do Brasil. Há um clamor geral por renovação e revitalização nas mais diferentes

igrejas. Convivemos com pastores cansados e frustrados, com liderança desanimada e membros dispersos.

Esta é a realidade de muitas igrejas locais. Muitos membros de igrejas do protestantismo histórico

parecem que se cansaram e se sentem diminuídos frente à propaganda massiva do movimento neo-

pentecostal, com sua ênfase em números e numa religião de poder. Por outro lado, são muitas as igrejas

que estão percebendo que é possível crescer com maturidade e fazer diferença na sociedade. Tem havido a

compreensão de que o crescimento de igreja, a saúde eclesiástica e a reflexão teológica são compatíveis

nas Escrituras Sagradas.

Desafios. Saber onde estamos é o primeiro passo para a revitalização. Saúde vem de equilíbrio. Igrejas

saudáveis demonstram equilíbrio em todas as áreas. Daí a necessidade de realizar um auto-exame, de

sermos humildes e buscarmos conhecimento sobre esse assunto, ler a respeito, ouvir de quem já está há

mais tempo no caminho, buscar aconselhamento. Tudo isso deve ser feito com o objetivo de nos

situarmos, de entendermo-nos a nós mesmos e de nos posicionarmos neste mundo globalizado e mutante.

Queremos revitalização mesmo? O segundo passo é justamente responder a esta pergunta a nós mesmos

como ponto de partida para nossa reflexão e posterior ação. Por quê? Porque o processo de revitalização

requer a consciência de que as mudanças na igreja irão envolver variadas e diferentes áreas. Isto implicará

em fazermos coisas que nunca fizemos antes. Nova liderança será indispensável e nós teremos que

promovê-la. Conviveremos com a sensação de que já não estamos mais no controle. Temos de estar

prontos para experimentar novas idéias que poderão não ser do nosso gosto e preferência. Teremos de nos

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140

relacionar com uma geração mais jovem e fazer apelos diferentes. Enfim, temos de estar dispostos a

arriscar a igreja e a igreja como a conhecemos.

As áreas em que os desafios são maiores podem ser:

• Liderança: Parece não restar dúvidas que, à luz dos textos bíblicos, o papel da liderança é

indispensável e essencial. Quando Deus pensou na revitalização do povo de Israel, chamou seu

profeta Ezequiel e com ele dialogou enquanto olhavam juntos o vale dos ossos secos. Vejamos,

também, como é didático para nós o Salmo 103.7 onde o salmista relembra que Deus “manifestou

seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de Israel”. Deus não prescindiu de usar Moisés

como líder; pelo contrário, a ele mostrou o que desejava fazer (visão) e ao povo Ele apresentou-se

em glória e prodígios (sinais). Por isso, neste desafio para a liderança, incluímos algumas ações:

1. A revitalização passa pelo púlpito, ou seja, as pregações deverão ter como foco a mudança

de vidas. Nossas mensagens devem ser mais “um pedaço de pão para o faminto do que uma

obra de arte para ser apreciada”. O Senhor Jesus sempre falava das necessidades, mágoas e

interesses das pessoas. Lembremos de que sermões negativos enchem a igreja de pessoas

negativas. Na cultura de hoje, pregação enfadonha é imperdoável! Os recursos da mídia

estão aí! Se é possível usar, devemos usá-los.

2. Devemos amar mais os sem-igreja do que a própria tradição de nossa igreja. O povo nos

copiará nesta paixão equilibrada. O costume das nossas igrejas locais é oferecer programas

para os membros, suprindo necessidades dos mesmos. Mas um equilíbrio de ação incluiria

o seguinte processo: alcançar... ensinar... enviar (Mt 28.18-10). Isso implica em sermos

intencionalmente voltados para as pessoas fora da igreja, balanceando os aspectos comunial

(Mt 11.28-30: “Vinde a mim todos, todos os que estais cansado e sobrecarregados...”) e

missional (Mt 28.18-20: “Portanto, ide, fazei discípulos de todas nações...”). Jesus

exemplifica este princípio em Marcos 3.14: “Então,designou doze para estarem com ele

(comunhão)e os enviou (missão) a pregar”. Sigamos nas pegadas do Mestre!

3. A busca de uma renovação pessoal da própria vida dos líderes e uma formação espiritual

que leve a uma espiritualidade contagiante. Recordemos o sugestivo selo de João Calvino,

no qual aparece um coração sendo segurado por uma mão e envolto numa chama, com os

dizeres: “Meu coração eu te dou, ó Senhor, pronta e sinceramente”. Um coração ardente

deve ter certos hábitos espirituais como: devoção (crescendo na comunhão com Cristo

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141

através da adoração e devocional pessoal), bem-estar pessoal (cuidando da saúde física,

emocional e espiritual), edificação da família e amizades (construindo relacionamento na

família e entre amigos), comunhão (gastando tempo com outros cristãos em um pequeno

grupo), mordomia (administrando sua própria vida financeira, sexualidade, poder, tempo e

uso da língua), ministério e missão (nutrindo outras pessoas em seu bem-estar e

discipulado), trabalho (ofertando meu trabalho a Deus e dele testemunhando em todas as

situações).

• Liturgia: Como o culto é o centro da vida eclesiástica, naturalmente que nele se percebe mais

prontamente os dramas de uma igreja em transição. No quesito musical, não é simplesmente mudar

o estilo musical (músicas antigas para contemporâneas), mas ter a compreensão de que todos os

estilos e gostos são relevantes. Tanto podemos cantar um cântico novo, como cantar um canto

novo de um antigo cântico. Cada comunidade deverá se conhecer e alcançar as pessoas em suas

necessidades. Reflexão, criatividade, participação do povo e interatividade, associados ao uso

adequado da tecnologia disponível, podem abrir “janelas” onde o ar fresco entrará trazendo novas

possibilidades e dinâmicas, produzindo crescimento e saúde espiritual. Por outro lado, menos

avisos de púlpito, menos orações rebuscadas e maior participação do leigo na liturgia (Ef 4) podem

trazer algo novo e motivador para todos. Um bom acolhimento ao visitante, com pessoas treinadas

e com paixão ministerial poderá definir muito do futuro da igreja local. Ter a sensibilidade para,

em algumas situações e igrejas locais, não apresentar os visitantes publicamente pode ser um

caminho melhor.

• Estruturas: Pequenas atitudes, grandes mudanças! Às vezes, uma pintura nova do templo com cor

pedagógica, um pouco mais de luz no púlpito, melhor limpeza das dependências, arranjos florais

criativos, som adequado, banheiros limpos e de fácil acesso fazem uma profunda diferença e

comunicam revitalização prática. Deverão ser consideradas as possibilidades de mudança de

endereço e até mesmo a mudança do nome (Ex: de primeira ou segunda para nomes bíblicos ou do

bairro) na fachada do templo. O uso das dependências da igreja para servir à comunidade ao redor

com ações práticas de cidadania e amor cristão (afinal, elas custam muito para serem usadas

apenas duas ou três vezes por semana!) torna-nos relevantes. As igrejas na América do Norte

reservam algumas de suas melhores vagas no estacionamento para os visitantes de primeira vez. A

simplicidade atrai revitalização!

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• Formação dos ministros: O conteúdo programático de disciplinas afins deverá conter o assunto em

pauta na formação dos ministros. Na educação continuada é um caminho certo e curto na

promoção da revitalização. A realização a nível regional e nacional de eventos sobre revitalização

pode trazer uma enorme esperança para muitos ministros, liderança e igrejas locais, os quais

passarão a gozar de uma vitalidade espiritual e estarão se “transformando pela renovação da

mente”. O pastoreio de pastores está na “ordem do dia” e em alta prioridade. Muitos colegas

sofrem no pastoreio do dia-a-dia pela falta de reciclagem teológica, oferecendo as mesmas

respostas, sem perceberem que as perguntas mudaram. Por isso, apenas nos reunirmos e

compartilharmos experiências já seria uma fonte inesgotável de ar fresco para a revitalização.

Imaginemos o convívio e intercâmbio com os nossos parceiros nacionais e internacionais, como

aumentaria este ar fresco!

Estudo de caso: O Conselho da 1ª IPI de São José do Rio Preto, SP, aprovou um Plano Global das

Congregações, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento das 6 congregações sob sua jurisdição. O

mesmo foi fruto de um retiro da Equipe Pastoral que se dedicou a pensar estrategicamente o que

queríamos para as nossas congregações. Perguntamos: Como conduzi-las de um processo de manutenção

para uma dinâmica de crescimento saudável? Há anos vínhamos investindo nas mesmas, sendo que três se

encontravam em bairros da cidade e três em cidades vizinhas. Uma delas já estava beirando 4s 0 anos de

existência; reunia-se em imóvel emprestado e era fonte de problemas constantes, progresso lento e falta de

perspectiva. Congregação com problemas de igreja! O Conselho, anos atrás, decidiu fechá-la. Todavia,

quando da comunicação de tal decisão à mesma, a situação piorou, ficando uma ferida aberta e muita dor.

A congregação, como conseqüência, afastou-se emocional e fisicamente da igreja sede

A revitalização teve inicio através de varias ações ao longo dos anos. Primeiramente, logo após a ferida

aberta, um casal e filhos, apoiados por alguns membros da sede, se dedicaram integralmente a esses

irmãos feridos, oferecendo-lhes amor incondicional e apoio financeiro, sob decisão do Conselho. Este foi

um tempo de renovação, estruturação, ensino e cura de aproximadamente 7 anos, quando a família de

líderes teve que se mudar de cidade por motivos profissionais. Após isso, uma segunda fase teve início,

envolvendo deixar o local de reunião de quase 40 anos e alugar outro com decoração e equipamentos

novos, com a transferência da liderança para membros da própria congregação com supervisão pastoral.

Decorrido dois anos, a mesma está experimentando crescimento numérico e financeiro, por um lado, e

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recuperação da confiança no Conselho, por outro. Com isso, os irmãos já sonham com a organização da

congregação em igreja. Ha, ainda, um caminho a ser percorrido. Todavia, o mais importante é a esperança

renovada e o compromisso com a liderança do Conselho como autoridade de jurisdição. Os antigos feridos

com o passado passaram a sonhar com o futuro!

Neste caso e em outros dentro do Plano Global desenvolvido pelo Conselho, usamos o termo “reescrever a

história”. Revitalização é reescrever a história de dezenas, centenas de igrejas e congregações espalhadas

pelo país. É possível! É o que Deus espera de nós.

Conclusão. Certamente que o assunto revitalização é emocionante e levanta muitas questões e

preocupações. Por isso a insistência: desejamos realmente a revitalização? Lembremos dos apóstolos que

foram tidos pela religião dominante como perturbadores da ordem: “Estes que tem transtornado o mundo

chegaram também até aqui...”(At 17.6).

Em Levítico 6:8-13, observamos a lei do holocausto. Deus ordena que o fogo não pode se apagar. Isso é

repetido três vezes no texto. Tomando este texto como motivação e ilustração, podemos compreender um

pouco mais sobre este assunto. O fato de que houve necessidade de deixar uma lei escrita para que o fogo

não se apagasse é indicação que Deus se importava e muito com o culto vivo em Israel. Cada manhã, o

fogo deveria ser aceso. Sem fogo, não haveria sacrifício e, sem sacrifício, não haveria expiação de pecado

e culto. Nossa tendência natural é o esfriamento.

Significativo é o tratamento estabelecido em relação às cinzas. Os sacerdotes deveriam tratá-las com

roupas apropriadas e colocá-las em local indicado pelo Senhor Deus. E o que são as cinzas? São a

lembrança de um fogo que já foi. O que resta quando o fogo fez o seu trabalho. Lembranças de um

sacrifício que já ocorreu. Tirar as cinzas é necessário para o fogo novo na manhã seguinte. Não se pode

acender fogo novo em cima de cinzas. Assim, revitalização eclesiástica implica tratar adequadamente as

nossas cinzas (nossa herança, nossas realizações do passado, nossas lembranças, etc.) e preparar o

ambiente para o fogo novo.

E mais: buscá-lo em santidade (roupas adequadas dos sacerdotes – ver Colossenses 3.9-12) e oração.

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144

O fato é que não temos fogo em nós mesmos; ele vem do alto (ver 1 Reis 18.36-39 e Atos 2.1-4).

Uma teologia de missão integral em muito ajudará no processo de revitalização e Deus, pelo seu Espírito,

nos conduzirá aos vales de ossos secos e fará a intrigante pergunta que fez ao profeta: “Filho do Homem,

acaso poderão reviver esses ossos?” Ezequiel respondeu no seu tempo. Nós devemos responder neste

tempo em que Deus nos colocou para escrever e reescrever a história.

Mário Sérgio de Góis

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente de São José do Rio Preto

Diretor da Secretaria de Evangelização

Gerson Correia de Lacerda

Secretário Executivo

O desafio ecumênico. Sempre houve e haverá quem pensa ser o filho predileto de Deus. A Igreja de Jesus

Cristo, desde os primórdios, tem sofrido com opiniões divergentes e divisões, tanto internas quanto

externas. Logo no seu nascedouro a igreja teve de debater e decidir seriamente sobre a maneira que os

gentios podem ser incluídos no povo de Deus, pois alguns líderes da igreja mãe, que era judáica cristã,

queriam impor aos cristãos os costumes judaicos, afirmando que “se não receberdes a circuncisão,

segundo o rito de Moisés, não podereis salvar-vos”. Atos 15.1. Exatamente para este assunto é que foi

convocado o primeiro concilio da igreja, que decidiu não impor aos cristãos os costumes judáicos.

Deus teve de trabalhar e insistir bastante com Pedro para que ele descobrisse que mesmo o gentio, o

“outro” não é coisa imunda e desprezível, mas, também, pode ser amado e acolhido por Deus. No seu

processo de conversão Pedro teve de passar pela aceitação do gentio. “Em verdade, agora compreendo que

Deus não faz distinção de pessoas, mas que todo aquele que o teme e pratica o bem lhe é agradável, seja

de que povo for” (Atos 11.34-35)

Na Igreja de Corinto havia grupos que pelejavam entre si, dizendo: “... eu sou a favor de Paulo, e outro:

Eu sou de Apolo” (1 Corintios 3.4).

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145

A igreja já nasceu sofrendo sucessivos embates e divisões. Quem conhece a história da igreja sabe que

pode facilmente afirmar que sempre houve e que sempre haverá grupos dentro da família cristã que

pensam ser os filhos prediletos de Deus, que advogaram para si mesmos privilégios exclusivos, que Deus

reservou para todos e todas.

O que não é ecumenismo. Um bom caminho para desenvolver uma espiritualidade ecumênica enraizada

nas Sagradas Escrituras é entender, antes de tudo, exatamente o que não é pretensão do movimento

ecumênico. Portanto, o ecumenismo cristão não pretende:

1. Ser uma única confissão religiosa nacional ou internacional. Criar uma mega-Igreja. Misturar de

tudo num novo cristianismo.

2. Ser disfarce ou isca para uma Igreja dominar a outra, isto é, armar uma arapuca religiosa.

3. Considerar a minha ‘verdade religiosa’, mais verdadeira, em detrimento das demais;

4. Desvalorizar as normas particulares de cada Igreja;

5. Deixar de lado o espírito crítico diante de qualquer grupo que se auto-denomina cristão;

6. Algo que afaste a pessoa da própria Igreja;

7. Camuflar as divergências, desconsiderando as diferenças confessionais;

8. Fazer todos concordarem em tudo e fingir que as diferenças não existem

9. Usar a Bíblia como instrumento de discórdia e divisões. A Bíblia, se mal usada, pode ser a mãe de

muitas heresias.

O que é ecumenismo? O ecumenismo é um conjunto de esforços, de diálogos e de celebrações que visam

tornar visíveis a unidade do Corpo de Cristo que se espalha e se reflete nas mais diferentes denominações

cristãs espalhadas pelo mundo. O que é ecumenismo, ainda?

1. Crer verdadeiramente que Deus nos fez um em Jesus Cristo;

2. Respeitar a outra pessoa em sua diferente expressão de fé;

3. Diálogo que reconhece e respeita a diversidade;

4. Cultivar a amizade para que o mundo veja e creia em Jesus Cristo;

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5. Valorização leal de tudo de bom que as diferentes denominações cristãs realizam e que já nos une

como Igreja Cristã;

6. Trabalho conjunto na construção de um mundo melhor;

7. Criação de laços de afeto fraterno entre as Igrejas;

8. Oração em comum a partir da fé básica;

9. Busca sincera de caminhos para curar as feridas da separação ocasionadas por séculos de agressões

mútuas;

10. Ter a identidade confessional bem definida, mas como um instrumento e não com uma barreira

para que o projeto libertador de Deus se efetive cotidianamente.

11. Um aprendizado mútuo de boas maneiras de servir ao Reino de Deus na proclamação do

Evangelho.

O ecumenismo na família cristã. Neste pequeno, a questão ecumênica está pensada nos limites da família

cristã, isto é, aquelas igrejas que tem como base comum as Sagradas Escrituras e pertencem a grande

família da fé deixada por Jesus Cristo. Há pensadores que pensam que podemos estender este diálogo há

outras famílias religiosas. Isto é, buscarmos o entendimento mútuo entre outras religiões, cujas tradições

não são cristãs. Havendo uma pluralidade de religiões, esta tentativa de aproximação é comumente

denominada de diálogo inter-religioso.

Todavia, nós aqui, de propósito, não menosprezando a importância do diálogo com todo segmento

religioso, mesmo sabendo das limitações desta opção, vamos nos manter dentro dos limites daquelas

igrejas que “mais ou menos puras”, conforme diz a Confissão de Fé de Westminster, podem ser

enquadradas no gradiente da grande família cristã.

A grande batalha da espiritualidade ecumênica é para mostrar que podemos ser e somos um em Cristo,

apesar de sermos diferentes. Se formos honestos para conosco mesmos, vamos perceber que temos muita

mais coisa que unem do que nos separam. E, as coisas que nos separam, não podem ser vistas como

maiores do que o amor de Deus que nos une em um só corpo.

A origem missionária do movimento ecumênico moderno. O movimento ecumênico, ao contrário, do que

muita gente pensa, é filho legítimo das igrejas protestantes. O movimento missionário do século 19

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147

obrigou as igrejas protestantes a refletirem seriamente sobre este assunto. Num mesmo país, ou cidade, era

possível encontrar, como hoje também, denominações cristãs diferentes, mas pregavam as mesmas

verdades, ministravam os mesmos sacramentos em nome da Trindade Santa. Os missionários começaram

a perceber que este testemunho “dividido” do evangelho era prejudicial a expansão e ao progresso do

evangelismo. É, então, neste contexto missionário que as igrejas da Europa e Estados Unidos começam a

se encontrar e a se aproximarem.

Todavia, é no século XX que surgem as organizações ecumênicas mundiais. Em 1948, nasceu na Holanda,

o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1978, na Argentina, nasceu o Conselho Latino-Americano de

Igrejas (CLAI). De ambos os conselhos a IPI faz parte, como também, da Aliança Mundial de Igrejas

Reformadas (AMIR) e da Aliança de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL).

A Igreja Católica Apostólica Romana demorou em se aproximar do barco ecumênico. Atualmente,

acompanha bem de perto o movimento ecumênico mundial, fazendo parte de algumas comissões.

No Brasil a maior organização que representou oficialmente o protestantismo foi a Confederação

Evangélica Brasileira que, sem sombra de dúvida, foi uma autêntica força ecumênica da qual a IPI tomou

parte de forma intensa. Infelizmente, no período da ditadura militar a Confederação se desfez e até hoje

não conseguimos ainda nos agregar num organismo maior que nos represente na pátria brasileira.

Em 1982, nasceu o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC). Deste conselho fazem parte

algumas poucas Igrejas Evangélicas. Para a surpresa de muitos, no maior país católico do mundo, onde o

catolicismo sempre esteve fechado às idéias reformadas e de outros credos, a Igreja Católica Apostólica

Romana se filiou como membro do CONIC. Deste conselho, ainda, estão de fora a maior força do

protestantismo brasileiro. A IPI, também, ainda, não faz parte.

Algumas boas razões para sermos ecumênicos:

1. Jesus pediu a unidade de seus discípulos e discípulas: “...Para que todos sejam um a fim de que o

mundo creia que tu me enviaste...” (Jo 17.21)

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2. Segundo Jesus a unidade é testemunho essencial para que o mundo creia que Ele foi enviado pelo

Pai.

3. Igrejas que se engalfinham e agridem uma a outra, às vezes, no mesmo local, vizinhas de rua, dão

mau testemunho e prejudicam tremendamente a pregação do evangelho.

4. A espiritualidade ecumênica nos ensina tratar respeitosamente as outras igrejas e sua forma de

expressar a fé, da mesma forma que gostaríamos que nos respeitassem e tratassem a nossa igreja;

5. Os membros das outras igrejas, se vistos sob a óptica dos evangelhos, não são necessariamente

nossos inimigos ou concorrentes na pregação, mas, sim, são nossos irmãos e irmãs em Cristo. E,

como irmãos, devemos andar unidos como numa grande família.

6. A igreja de Cristo é uma só, as muitas denominações são apenas expressões da Igreja de Cristo,

então, toda vez que alguém aceita o desafio de viver os valores cristãos, independente da

denominação, quem cresce, sobretudo, é a Igreja de Cristo. Aqui vale lembrar um depoimento

alhures de um pastor batista: “cada pessoa que aceita Cristo é uma pessoa a menos para a igreja

evangelizar”.

7. Ter amigos e irmãos facilita muito na pregação do Evangelho e na expansão numérica de qualquer

igreja. É melhor ter amigos do que inimigos ou competidores.

8. Uma espiritualidade ecumênica sadia nos permite repartir dons e talentos na tarefa missionária de

evangelização dos povos.

9. Quem tem uma espiritualidade ecumênica consegue dizer verdades eternas de forma mansa,

tranqüila, respeitosa, sem ofender ou agredir a fé das pessoas que procura evangelizar.

Regra áurea para o movimento ecumênico. Para cumprirmos o desejo de Jesus expresso na sua oração

sacerdotal, temos de sermos cristão com “C” em maiúsculo. Por que, na verdade, as igrejas estão cheias de

si mesmas, cada uma querendo puxar mais “brasa para a sua sardinha”, sentindo-se mais especiais do que

a outras e detentoras de privilégios que Deus não concedeu a nenhum seguimento particular de seus

discípulos. Para constatar isso basta ler os documentos e as declarações das diferentes denominações

cristãs espalhadas pelo mundo. Algumas têm a pretensão de privatizar o céu, pregando que somente serão

salvas as pessoas que a elas estão ligadas.

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149

Para relevarmos as impurezas das outras igrejas, assim também, como para sermos relevados pelas outras

igrejas nas nossas próprias impurezas, para sermos fiéis a Jesus Cristo e sermos profetas da unidade, a

regra abaixo, constitui a nossa regra áurea:

In necessarriis unitas - no essencial a unidade

In dubis libertas – no que é dúbio a liberdade (no que é próprio de cada igreja)

In omnibus caritas – em tudo a caridade. (e a fidelidade a Jesus)

Rompendo costumes antigos. No Brasil a religiosidade católica, na vertente santorial portuguesa, foi

implantada a custa da cruz e da espada como parte mesmo da própria cultura brasileira. De fato, o

catolicismo, sincretizado com a religiosidade africana e indígena, foi que cimentou a cultura brasileira. O

protestantismo teve muita dificuldade de chegar e se implantar aqui. Era visto como religião de

estrangeiro e invasor. O Brasil ficou quase três séculos sem testemunho protestante ou reformado. Todo

este passado de conflitos religiosos, de perseguições, de sofrimentos, de segregação de ambas as partes,

causou muitas feridas que até hoje sangram. Fomos acostumados a olhar para os católicos como os nossos

inimigos, como gente pagã, sem Deus, que precisa se tornar protestante para herdar o céu. Por sua vez, o

catolicismo sempre nos olhou da mesma forma, como gente separatista, perigosa que se desviou da

verdadeira igreja e, que para ser salvo, precisa voltar à casa da antiga mãe espiritual.

A despeito de toda esta herança de conflitos, no Brasil, para se falar com seriedade em ecumenismo, tem

de se levar em conta a obrigatoriedade de incluir neste diálogo os católicos apostólicos romanos.

No campo religioso protestantes, alem dos protestantes históricos, temos os pentecostais. Estes grupos de

pentecostais, variados e multifacetados, é quase que um capítulo à parte na história religiosa do Brasil. A

implantação do pentecostalismo no Brasil também não foi pacifica. Houve muita divisão nas igrejas

históricas. É, também, uma história marcada pela dor dos conflitos e embates. Mas, embora reticentes ao

diálogo, com raras exceções, também precisam estar incluídos no diálogo ecumênico.

Para o protestantismo histórico, como para qualquer outro grupo religioso, não é tarefa fácil romper com

estes costumes antigos de inimizades e agressões mútuas. Curar estas velhas feridas e abrir um capítulo

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novo na história da religião no Brasil é uma tarefa hercúlea, mas que não pode ser esquecida, sob pena de

esquecermos da oração sacerdotal de Jesus: “para que todos sejam um a fim de que o mundo creia”.

Mas, pela graça de Deus que transforma o mundo, as coisas estão mudando. O Espírito Santo tem soprado

ventos novos de unidade e companheirismo que estão nos levando ao diálogo, ao respeito mútuo e à

convergências de caminhos. É preciso ter coragem, muita fé e amor para se aproximar do “outro”, outrora

visto como “inimigo”, e ver refletido no rosto dele, o rosto de Deus.

Preservando a Unidade do Espírito no Vínculo da Paz. (Efésios 4.3). A exortação paulina à Igreja de

Éfeso para que “preservasse a unidade do Espírito no vínculo da paz” bem pode guiar a nossa querida IPI

na implantação de novas igrejas e na convivência das nossas igrejas com a irmandade cristã, como

também, no respeito para com aqueles que ainda não pertencem à família cristã, espalhada pela pátria e

pelo mundo.

Estamos vivendo dias em que a intolerância, o radicalismo e o fanatismo religioso tem se espalhado como

praga ao redor do mundo. Não há ódio mais mortal do que o ódio religioso. Não há incoerência mais

absurda do que matar e odiar o semelhante em o nome de Deus.

As várias denominações cristãs não criam a unidade da Igreja de Jesus. Esta unidade já foi criada pelo

próprio Senhor. A Igreja de Jesus Cristo é Una por causa do próprio Cristo que a criou. Por isso, a

recomendação do apostolo é para que esta unidade seja preservada. Então, cabe a nós, denominações,

ramos da Igreja de Cristo, o árduo trabalho pela preservação da unidade.

No campo religioso brasileiro, onde os conflitos são constantes e agressões continuam a acontecer

desnecessariamente, pela sua graça e misericórdia Deus tem concedido a IPI um espírito fraterno, manso,

pacificador e podemos ser entre nossos irmãos e irmãs um símbolo de luta pelo trabalho de pacificação

das relações e de preservação da unidade.

Ao implantar uma nova igreja ou na manutenção das igrejas implantadas é essencial colocar em prática

este espírito ecumênico de fraternidade, compreensão e ajuda mútua na tarefa de evangelização e

testemunho das verdades eternas.

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151

Deus tem dado a IPI todas as condições necessárias para ser instrumento de Deus na construção e na

manutenção da comunhão entre as igrejas, “para preservar a unidade do Espírito no Vínculo da Paz” para

que o “mundo creia que Jesus Cristo é o enviado do Pai”.

Clayton Leal da Silva

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente Central de Botucatu

Missão em parceria nacional e internacional. É impossível pensar em missão em nossos dias

isoladamente, ou com arrogância crendo que tudo podemos fazer sozinhos porque temos o Espírito Santo.

Não nos esqueçamos da parceria que beira a cumplicidade existente na Trindade. Desde a fundação do

mundo, passando pela fundação da Igreja e até a vitória final sobre dos salvos, as Escrituras relatam que

Pai, Filho e Espírito Santo são solidários e parceiros.

O Pentecostes revela um Deus preocupado com a unidade, com a solidariedade, com o companheirismo,

com o relacionamento humano onde as pessoas se sentem responsáveis umas pelas outras. A igreja que

nascia trazia a marca da comunhão, do respeito aos diferentes e com o dom para se comunicar em meio à

pluralidade de culturas, raças e línguas. Logo após a formação da igreja vemos uma comunidade que nada

possuía que fosse exclusivamente seu. Foi uma comunidade que nasceu com a vocação de tudo

compartilhar. Não é isto que nos diz o texto de Atos dos Apóstolos 2.42-47?

Todos perseveravam unânimes nos ensinamentos dos apóstolos, na comunhão, no

partir do pão e nas orações...

Missão em parceria: questão teológica e mandato bíblico. Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo,

estão cheios de textos que nos chama para o exercício missionário em parceria. O capítulo 56 de Isaías é

um convite a conviver com os estrangeiros e eunucos, compartilhando com eles a mesma fé e esperança.

O ponto alto está no versículo 7 que diz: “A minha casa será chamada Casa de Oração para todos os

povos”.

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O verso 3 do mesmo texto é esclarecedor:

O estrangeiro que adora ao Senhor não deve dizer: O Senhor vai me expulsar do

seu povo. E um eunuco não deve pensar : Eu não posso ter filhos e por isso não

posso pertencer ao povo de Deus.

Nós que somos pródigos em tratar os diferentes com todo o peso de nossa intolerância precisamos

aprender com as palavras de Isaías. O profeta afirma que se os eunucos e estrangeiros forem fiéis à aliança

de Deus, ouvirão de Deus:

Eu darei uma coisa melhor que filhos e filhas. Eu farei com que seu nome seja

escrito no meu Templo, e ele fará parte do meu povo para sempre; e seu nome

nunca será esquecido. — Isaías 56.5

O Novo Testamento está repleto de exemplos deste importante instrumento oferecido por Deus para que

Seu Reino aconteça. Quem sabe, o mais forte impulso para nos levar na direção de outras comunidades de

fé para o cumprimento da ordenança divina: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda

criatura...” nós encontramos na Oração Sacerdotal de Jesus em João 17: “Pai oro para que todos sejam um,

para que o mundo creia.”

O que a IPI do Brasil entende por pacto de parceria? Nossa Assembléia Geral aprovou um texto que tem

servido como documento oficial em todas as parcerias que temos assinado com as igreja parceiras da

nossa denominação, entre outras as Igrejas Presbiterianas dos EEUU, da Coréia, de Taiwan, Valdense do

Rio da Prata, Reformada Argentina. Neste texto há um capítulo que recebeu o título: “Conceito de

Parceria”. O pensamento da IPI sobre o assunto traz uma fundamentação bíblica e teológica. Segue este

texto na íntegra:

2. Conceito de Parceria

Nossa compreensão de parceria é baseada na oração de nosso Senhor Jesus

Cristo, “para que todos sejam um” (João 17.21). É por causa desse mandato

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bíblico que nós buscamos um relacionamento que nos aproxime da visão de uma

expressão visível de nossa fé, em busca da unidade da igreja em Cristo. Parceria é

nosso esforço contínuo de enlaçar nossa diversidade como igrejas espalhadas pelo

mundo com o objetivo de edificar o corpo de Jesus Cristo.

Entendemos parceria como sendo o compartilhar nossas experiências de fé e vida,

que nos unem uns aos outros em nossa responsabilidade pela implantação do Reino

de Deus. Abrimo-nos a nós mesmos para aprender, para ser transformados e para

ministrar mutuamente uns aos outros. Na parceria, sustentamos o princípio da

igualdade, segundo o qual, embora existam diferenças, elas não serão usadas para

que um tenha poder ou controle o outro.

Iniciamos uma parceria com a compreensão em comum de que não existem aqueles

que só têm coisas a oferecer e aqueles que só têm coisas a receber. Entramos em

parceria reconhecendo que todos nós temos dons a ofertar e necessidades a serem

atendidas na parceria. Nesse espírito, oferecemo-nos a nós mesmos em parceria

com o desejo de ouvir as necessidades um do outro e de discernir nos recursos de

que dispomos os dons disponíveis a socorrer tais necessidades. Através da

parceria, promovemos o ecumenismo local e regional, encorajando a compreensão

da unidade na diversidade e a ativa participação na igreja espalhada pelo mundo

todo.

Nossa parceria irá respeitar mutuamente a autonomia de nossas igrejas, bem como

suas respectivas políticas e estruturas, programas e prioridades.

Estamos anexando também, a parte do Documento que trata das áreas de cooperação nas quais as igrejas

parceras são desafiadas a atuar.

3. Áreas de Cooperação

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154

Nossa parceria sempre deve buscar se expressar através do mútuo envolvimento e

atuação no esforço para dar vida e significado ao relacionamento.

O texto a seguir apresenta as responsabilidades e idéias que partilhamos para dar

expressão à nossa parceria, seguindo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo:

Nós, com muita oração, nos comprometemos conjuntamente a assumir o seguinte:

a) No que diz respeito ao compartilhar da fé:

• Promover celebrações de culto e eucaristia, compartilhando materiais

litúrgicos, orações e meditações;

b) No que diz respeito ao interesse mútuo pelas questões principais de nossos

respectivos países e igrejas:

• Apresentar projetos e programas que nossas respectivas igrejas estão

desenvolvendo com a finalidade de nos aproximarmos mutuamente;

• Desafiar a injusta e desumana realidade resultante da globalização e

buscar cooperação mútua em todas as questões sociais e políticas;

c) No que diz respeito a consultas e cooperação:

• Promover regularmente o intercâmbio de materiais e de análise da situação

de nossos respectivos países e igrejas;

• Planejar a realização de conferências e consultas especiais para estudar

novos desdobramentos que afetem nossa parceria e para explorar em

conjunto temas de teologia, de educação cristã, e de política, programa e

estratégia missionária;

d) No que diz respeito ao desenvolvimento de programas:

• Promover e implementar oportunidades para intercâmbio mútuo de pessoal,

por intermédio de visitas ecumênicas, exposição de projetos e jornadas de

estudo para partilhar perspectivas, estratégias, projetos e espiritualidade,

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155

de modo que possamos fortalecer nossa ativa participação na missão de

Deus de amor, paz e justiça;

• Desenvolver parcerias em diversos níveis, inclusive entre igrejas locais,

presbitérios e associações leigas;

e) No que diz respeito ao intercâmbio de pessoal:

• Promover o intercâmbio de obreiros para partilhar perspectivas de fé,

desafios e apoio mútuo na resposta à vocação de Deus para a missão no

mundo;

• Desenvolver programa de visitação como oportunidade para partilhar e

aprender através do diálogo e envolvimento com comunidades e

organizações eclesiásticas em outras partes do mundo.

O Documento chamado de “Pacto de Parceria” encerra-se com a seguinte afirmação:

Levando em consideração o nosso passado e como expressão de mútuo respeito de

nossas igrejas pelas doutrinas, tradições e práticas uma da outra, nós

conclamamos todos os nossos membros a promover este Pacto de Parceria e a

trabalhar para o enriquecimento da vida, fé e ministério de nossas igrejas.

Que a nossa parceria sirva à nobre causa de fortalecimento da missão libertadora

e salvífica da Igreja de Jesus Cristo.

Rev. Assir Pereira

Presidente da Assembléia Geral

Intrepidez na Pregação. Base Bíblica. Os vocábulos traduzidos nas mais diferentes versões são os

seguintes: “intrepidez”, “coragem” e “ousadia”, mencionados nas Escrituras nos seguintes contextos:

Jesus deixa transparecer no rosto, a sua decisão corajosa e resoluta de ir para Jerusalém.

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E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu,

manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém. – Lucas 9.51

As autoridades do Sinédrio reconhecem a coragem de Pedro e João em enfrentá-los, mesmo sendo homens

sem muita instrução.

Vendo a coragem de Pedro e de João, e percebendo que eram homens comuns e

sem instrução, ficaram admirados e reconheceram que eles haviam estado com

Jesus – Atos 4.13

Pedido específico da Igreja, diante das ameaças feitas a Pedro e João, não se intimidando diante delas,

mas, clamando por coragem na pregação da Palavra.

Agora, Senhor, considera as ameaças deles e capacita os teus servos para

anunciarem a tua Palavra corajosamente. – Atos 4.29

Resultado das manifestações internas e externas do Espírito Santo, motivando a Igreja a pregar

corajosamente.

Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios

do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a Palavra de Deus. – Atos 4.31

Apóstolo Paulo em sua casa, em Roma, mesmo preso fisicamente, ensinava com toda intrepidez sobre o

Reino e sobre Jesus Cristo.

Pregando o Reino de Deus e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum,

ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo. – Atos 28.31

Pedido do Apóstolo Paulo, à Igreja de Éfeso, que orasse por ele, para que sempre tivesse intrepidez na

pregação.

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... para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para com intrepidez

fazer conhecido o mistério do Evangelho. – Efésios 6.19

O Apóstolo Paulo orienta a Timóteo, dizendo que, os diáconos que trabalharem bem, não só serão

reconhecidos como também, serão intrépidos na fé.

Pois os que desempenharam bem o diaconato, alcançam para si mesmos justa

preeminência e muita intrepidez na fé em Cristo Jesus. – 1 Timóteo 3.13

Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de

Jesus”. – Hebreus 10.19

Base Teológica. A pregação faz parte do mandato de Cristo (Mt 28.19-20; Mc 16.15) e os discípulos

tornaram-na um instrumento poderoso e eficaz, na proclamação do Evangelho do Reino de Deus e na

mensagem profética. A intrepidez foi um ingrediente fundamental para a sua manifestação, diante de

diferentes situações e era algo que todos pregadores deveriam ter e buscar, em Deus, em oração. A

pregação feita com intrepidez, produzia, invariavelmente, conversões, milagres e compromisso com o

Reino de Deus. A intrepidez é algo que pode ser, também, manifestada no rosto, no serviço diaconal, que

exige muita fé e no ato de adoração, para se buscar uma maior e mais profundo relacionamento com Deus.

Base Histórica. No decorrer da história, a Igreja experimentou momentos de estagnação por falta de

intrepidez na pregação. Na pré-reforma, o grande pregador italiano Jeronymo Savonarolla, marcou época

com seu estilo intrépido e bíblico de pregação. No movimento da Reforma, destaca-se o retorno à Bíblia e

o reconhecimento de sua autoridade, manifestos nos sermões de Lutero e Calvino, especialmente.

Os movimentos, chamados de “avivamentos”, que ocorreram na Europa e América do Norte, nos séculos

XVIII e XIX, foram marcados por pregadores intrépidos, que não só apontaram para a eternidade, como,

produziram profundas mudanças na sociedade e motivaram a Igreja numa grande expansão missionária.

A Pregação Intrépida dentro da IPIB. Desde o seu início, a IPIB teve dentre seus pastores, homens

intrépidos, tais como: Eduardo Carlos Pereira, na apologética e Bento Ferraz, na oratória. Nos anos

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seguintes, outros pregadores surgiram, tais como: Sebastião Gomes Moreira, Azor Etz Rodrigues e Jonas

Dias Martins. Nos anos mais recentes, Deus tem levantado alguns pregadores corajosos. (poderá fornecer

alguns nomes...)

A Pregação Intrépida Fora da IPIB. O cenário brasileiro evangélico experimentou o surgimento de

pregadores mais intrépidos, com o surgimento das denominações chamadas de “pentecostais”, tais como:

Manoel de Melo, ainda que, dentro das denominações chamadas “históricas”, o mesmo fenômeno também

aconteceu, dentre os quais destacamos: Rubens Lopes, Enéas Tognini e Antonio Elias. Num período mais

recente, destacam-se: Cáio Fábio e Ricardo Gondim.

Desafios incluem; 1) Rever a formação dos pastores, procurando descobrir meios que os tornem mais

intrépidos, sem prejuízo da formação acadêmica; e 2) Aproveitar o espaço da Educação Continuada para

discutir com os pastores que já estão nos campos, sobre como termos uma pregação mais intrépida, sem

deixar de respeitar as características individuais de cada um.

Paulo de Mello Cintra Damião

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente de Presidente Prudente

Diretor do Ministério de Missão

Oswaldo Prado

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

Missionário do SEPAL

SECRETARIA DE PASTORAL

O chamado para o ministério pastoral implica riscos, conflitos e às vezes fracassos. Necessitamos, pois, de

toda a graça e poder de Deus para realizar a missão do pastoreio em meio aos desafios que lhe são

inerentes.

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159

3.2.1 Crises externas: por um lado: um mundo que não quer ser pastoreado, um mundo cansado de

religião, um mundo cansado de lideranças narcisistas; por outro lado: a necessidade, as crises sócio-

econômicas e o desejo pelo sucesso instantâneo (a via mais fácil e mais rápida), favorece o surgimento de

‘pastores’ vendedores de ilusões que deturpam a mensagem do Evangelho, mercadejando-a como se fora

um produto para o alcançar benesses e o suprimento de desejos materiais (teologias da prosperidade, cura

divina, maldição hereditária) e que se utilizam da propaganda, travestida de proclamação/pregação da

Palavra de Deus, como meio de persuasão das massas.

3.2.2 Crises internas: por um lado: a exigência/cobrança de crescimento da igreja, como marca de um

ministério abençoado do sucesso, que transforma o pastor num gerenciador de uma empresa. O pastor de

sucesso não é “só” pastor, ele precisa agregar conhecimentos de gestão, administração, psicologismos,

etc... Um “bom pastor” é, no moderno conceito de liderança, alguém acima dos padrões da normalidade, é

um sujeito ‘extraordinário’, capaz de ditar regras, dominar, e ‘fazer acontecer’. Com a igreja

transformando-se num negócio, automaticamente o pastor trocou o cajado pela agenda eletrônica e a

Bíblia pelo manual de técnicas de vendas e de sucesso empresarial. O “Pastoreai o Rebanho“ foi trocado

pelo “Como influenciar pessoas”. Os pastores, assim, estão sofrendo das mesmas conseqüências que a

igreja local: a fé cristã tornou-se um evento/momento e a igreja um empreendimento/clube social.

Por outro lado: a angústia causada pela negação de se ‘entrar’ no esquema, o questionamento da própria

vocação (às vezes questionada por si mesmo e pelos outros por conta da ‘do insucesso’ de se fazer da

igreja um empreendimento de sucesso (aqui medido pela quantidade de freqüentadores e pelo lucro

auferido)

A crise de vocação quase sempre está relacionada à crise na compreensão da relevância do que se faz, mas

também à crise no que concerne ao que se crê. A crise da fé na autoridade e relevância das Escrituras

resulta na falta de ardor/paixão/fervor na prática do ministério pastoral. Assim, mais uma vez o pastor é

empurrado para a categoria de profissional da religião, haja vista que o ministério se torna tão somente um

meio de subsistência em detrimento da vocação genuína cujo propósito é Glória de Deus.

3.2.3 Paradigma: O paradigma do ministério pastoral não pode ser outro senão o Supremo Pastor (1

Pedro 5.4).

Page 160: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

160

• Modelo centrado no cuidado integral. Salvação que envolve o ser humano todo em todas as suas

necessidades: a) necessidade espiritual (salvação para a vida eterna); b) necessidades físico-

biológicas (pão e cura); c) necessidade social (comunidade de irmãos e irmãs).

• Análise de conjuntura e resposta às questões concretas da realidade humana. O ministério de

Jesus focou as questões concretas do seu tempo. Jesus enfrentou as questões políticas (a

dominação romana) e religiosas (a religião opressora praticada no Templo). Boa parte do

ministério de Jesus foi concentrada nas questões relativas aos problemas da cidade, lidando com as

enfermidades e pregando o evangelho do Reino de Deus. Uma análise de conjuntura é fundamental

para que possamos compreender as questões do nosso tempo e, assim, poder respondê-las.

• Oração e proclamação. Especialmente em Lucas os ‘grandes’ eventos do ministério de Jesus são

precedidos pela oração. Na agenda de Jesus a prioridade era a vontade do pai e não as emergências

e exigências que se lhe impunham (Lucas 5.15-16). Proclamação: Jesus utilizou-se com

abundância das parábolas que versavam sobre as questões do cotidiano. O uso de parábolas aponta

para a linguagem emocional, não cartesiano que prioriza a razão às custas da emoção.

3.2.4 Desafios ao ministério contemporâneo.

• Um ministério que não ignora o seu propósito: a Glória Deus versus o sucesso pessoal. James

Houston aponta que um dos grandes males para a liderança cristã é o que ela chama de “a

tendência narcisista”35. “O narcisismo, portanto, constitui um sintoma de uma cultura

moribunda, onde o ascetismo tradicional é substituído por uma cultura terapêutica indulgente e o

tipo de personalidade que passa a dominar é o do homem auto-indugente, exibicionista, sensual e

movido por aparências externas” (p. 174). Houston conclui de forma brilhante: “Se um líder for

de fato influenciar outras pessoas, ele ou ela irá se defrontar constantemente com o fracasso, em

relação a si próprio e em relação aos outros (...) é a partir da experiência do fracasso e até

mesmo da desgraça social que um líder vai sendo preparado para pregar o evangelho da

redenção e vai se tornando também um servo de Deus mais humilde e mais sábio. Basta lembrar

que Jesus Cristo foi o mais notável fracasso de toda a história! A disposição parra correr riscos, o

coração aberto, o reconhecimento do pecado, o fato de Jesus ter carregado os nossos pecados

35 HOUSTON, James. A liderança cristã e a tendência narcisista in: STEUERNAGEL, Valdir e BARBOSA, Ricardo. Nova Liderança: paradigmas de liderança em tempo de crise. Encontro, Curitiba, 2002, p. 171-200.

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161

apesar de não haver nele qualquer pecado, todas essas coisas fizeram de Jesus o ser humano mais

relacional de toda a humanidade. E, no entanto, Ele era o próprio Deus, Aquele que penetrou no

mais profundo fracasso quando enfrentou e venceu a morte. É isso mesmo: o fracasso é uma parte

intrínseca da realidade do verdadeiro líder cristão. É esta a razão por que qualquer líder cristão

precisa fazer uma opção crucial: escolher primeiro a fidelidade ao invés do sucesso” (p. 185)

• Um ministério consciente dos desafios: a atual conjuntura e sua negação da realidade de Deus e a

busca pelo sucesso (hedonismo, busca pelo prazer e pela emoção – a cultura do ‘preciso me sentir

bem’)

• Um ministério que tenha a coragem de questionar-se e escolher novos caminhos. A prática

pastoral é a resposta de Deus através da igreja a um mundo com seus dilemas e idiossincrasias.

Falhamos no ministério pastoral à medida que não conseguimos atingir/responder àqueles que são

o alvo do ministério pastoral. Isto posto, faz-se necessário e urgente um questionamento das nossas

ações, sobre sua real relevância para ‘o ser humano moderno’ secularizado. A auto-avaliação que

redunda em mudanças é um ato de coragem! Isto posto, o ministério pastoral necessita ser criativo,

à medida que precisa repensar-se como instrumento para alcançar determinado fim, e não como

um fim em si mesmo. O ministério pastoral existe como resposta pessoal ao chamado de Deus,

sim, mas configura-se dentro da esfera do povo de Deus, e é nela que ele é confirmado e

desenvolvido.

É estranho à compreensão bíblica o conceito de um ministério pastoral cujo propósito volta-se para si

mesmo, ignorando sua missão dentro da comunhão do povo de Deus e como parte da Missão do povo

Deus. A “vocação do coração” (chamado pessoal) é confirmada pela Igreja, haja vista que o chamado

pessoal e a comissão para a liderança na igreja procede da própria igreja.

Ignoro esse chamado secreto, do qual cada ministro está consciente diante de Deus

e que não tem a igreja como testemunha” — João Calvino, Institutes, II, 1062

Eis porque o Ministério Pastoral precisa ser criativo. Precisa repensar-se, avaliar-se e ter a coragem de

mudar para que possa, assim, cumprir sua missão. Fechado em si mesmo, como fim em si mesmo, corre o

risco de tornar-se irrelevante, à medida que não atinge seu propósito. Por isso, o exercício da prática

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162

pastoral exige uma constante reavaliação daquele que a exerce. Não somente de si mesmo, mas também

daquilo que envolve sua prática:

1. Repensar/avaliar a eclesiologia. No que tange à eclesiologia, faz-se urgente um repensar/avaliar

aquilo que o templo configura hoje para a maioria das pessoas. Algumas perguntas podem nos

ajudar nesta avaliação:

a. Hoje o templo funciona como ambiente de atração ou repulsa?

b. Como o ministério pastoral pode ampliar o conceito de igreja, sem necessariamente ligarmos

sua existência à ‘imagem do templo’?

c. A sacralização dos espaços litúrgicos e de um tempo litúrgico traz mais benefícios ou

malefícios no contexto geral da Missão?

2. Repensar a liturgia (mente x coração). A liturgia como elemento pedagógico no culto tem uma

função inquestionável. Mas a dicotomia entre “mente” (conhecimento) e “coração”(emoção)

precisa ser tratada muito a sério no contexto social brasileiro.

3. Repensar a prática da pregação (linguagem, método, duração, forma...). A pregação, como “vox

Dei”, ocupa lugar de destaque na confissão Reformada. É inquestionável sua importância. É

questionável, por outro, a forma que pregamos. A pregação na atualidade não pode ignorar o fato

de que vivemos numa sociedade midiática. A pregação precisa, portanto, inovar em técnicas

modernas de comunicação áudio-visual.

4. Repensar a questão do cuidado integral (a importância de recuperar o conceito de ‘cura d’almas’).

O pastor como cura d’almas perdeu lugar para o gestor/administrador/animador de auditório. A

igreja precisa recuperar o ministério do cuidado. Não necessariamente que o pastor exerça-o, mas

que ele também ocupe esta função ou se torne capacitador para que a igreja seja realmente uma

comunidade terapêutica.

5. Repensar a importância da oração (não como método, mas como experiência de fé e

espiritualidade autêntica). A oração desde a experiência dos apóstolos, acompanhou o ministério

da pregação/ensino: Atos 6.2-4: “Então, os doze convocaram a comunidade dos discípulos e

disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. Mas,

irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos

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163

quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério

da palavra”. A oração aqui não deve ser compreendida de acordo com o conceito pragmático,

como uma ferramenta para fazer mais e melhor. A oração como comunhão e intimidade com Deus,

como expressão de que o Ministério não pode ser exercido senão na dependência do próprio Deus.

As crises inerentes ao ministério pastoral não revelam sua crise, mas a sua necessidade. As crises,

contudo, devem fazer-nos repensar o ministério a fim de que Ele cumpra seu propósito.

Ézio Martins de Lima

Primeiro Secretário da Diretoria da AG

Secretaria Pastoral

Redescobrir a teologia de sinais e milagres. Dentre todos os desafios que se apresentam, provavelmente

este seja um dos mais controvertidos. Estamos diante de uma igreja evangélica brasileira

predominantemente pentecostal e neo-pentecostal, onde as manifestações de sinais e prodígios são

buscados de forma intensa, mas muitas vezes, sem o respaldo bíblico-teológico. A IPIB, em sua reunião

ordinária do Supremo Concílio de 1995, aprovou um texto preparado por eminentes pastores e presbíteros

de nossa denominação que tratou do tema da pessoa e obra do Espírito Santo. Este material servirá de

balizamento para nossa reflexão diante deste grande desafio de redescobrir a teologia de sinais e milagres.

Base Bíblica. Mesmo reconhecendo a presença de milagres nos textos vétero-testamentários, vamos nos

deter nos textos do Novo Testamento, que foi objeto de discussão do documento citado acima,

especialmente no que diz aos dons de curar:

No ministério de Jesus:

Ora, aconteceu que, num daqueles dias, estava ele ensinando, e achavam-se ali

assentados fariseus e mestres da Lei, vindos de todas as aldeias da Galiléia, da

Judéia e de Jerusalém. E o poder do Senhor estava com ele para curar. — Lucas

5.17

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164

Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho

do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo. E a sua

fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos

de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele

os curou. — Mateus 4.23,24

Naquela mesma hora, curou Jesus muitos de moléstias, e de flagelos, e de espíritos

malignos; e deu vista a muitos cegos. Então, Jesus lhes respondeu: Ide e anunciai a

João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são

purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-

se-lhes o evangelho. — Lucas 7.21,22

E eis que um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se

quiseres, podes purificar-me. E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo:

Quero, fica limpo! E imediatamente ele ficou limpo da sua lepra. — Mateus 8.2,3;

também Mateus 9.2,6,29 e Marcos 5.30; 8.22-25

No ministério dos discípulos:

Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos

imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. —

Mateus 10.1

Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça

recebestes, de graça dai. — Mateus 10.8

No ministério após o Pentecostes:

Pedro, porém, lhe disse: Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te

dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda! E, tomando-o pela mão direita, o

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165

levantou; imediatamente, os seus pés e tornozelos se firmaram; de um salto se pôs

em pé, passou a andar e entrou com eles no templo, saltando e louvando a Deus. —

Atos 3.6-8

Muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. —

Atos 5.12

No ministério de Paulo:

Em Listra, costumava estar assentado certo homem aleijado, paralítico desde o seu

nascimento, o qual jamais pudera andar. Esse homem ouviu falar Paulo, que,

fixando nele os olhos e vendo que possuía fé para ser curado, disse-lhe em alta voz:

Apruma-te direito sobre os pés! Ele saltou e andava. — Atos 14.8-10

E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem

aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as

enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam. —

Atos 19.11,12

Base Teológica. Na teologia reformada, a presença dos sinais e milagres na vida da Igreja devem estar

debaixo da convição de que há um Deus soberano que controla todas coisas (Salmo 115.3). O registro de

sinais e milagres nas Escrituras são essenciais para a fé cristã. A encarnação e a ressurreição de Jesus são

uma prova inquestionável do que acabamos de citar. O Documento da IPIB sobre a doutrina do Espírito

Santo afirma:

O Corpo de Cristo é formado de membros que interagem para um crescimento

equilibrado e normal (Efésios 4.16). Paulo, o apóstolo, nos ensina que este corpo

tem diferentes dons e que devem ser exercitados com o objetivo de promover a

edificação na Igreja. Também nos exorta a conhecermos os dons (1 Coríntios 12.1)

e a procurarmos com zelo os melhores (1 Coríntios 12.31;14.1). Os dons

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166

necessitam de reavivamento constante, pois coexistem em nossa natureza. (1

Timóteo 1.6; cf. 1 Timóteo 4.14)

As Escrituras parecem indicar que os sinais e prodígios sempre estão profundamente vinculados à missão

da Igreja, a expansão do Reino de Deus entre os povos da terra. O derramamento do Espírito Santo no

Pentecostes não deixa dúvidas quanto a isso. O poder do Espírito Santo deveria ser direcionado sempre

para o testemunho missionário.

Base Histórica. Os sinais e milagres na vida da Igreja sempre estiveram muito perto de uma linha tênue

entre o verdadeiro e o falso. Por outro lado, a expansão da fé cristã desde os seus primórdios aconteceu em

meio à presença destes fenômenos sobrenaturais. E certamente a presença destes dons tem levado muitos

ao reconhecimento de Jesus como Filho de Deus. De forma semelhante, muitos tem se decepcionado

diante de manifestações falsas. E não são poucos aqueles que tem abandonado a Igreja diante dos falsos

profetas. No entanto, vale ressaltar que as denominações evangélicas que buscam genuíno fundamento

bíblico e doutrina tem experimentado a revitalização da fé cristã através dos dons espirituais, e também

crescido numericamente.

Os sinais e milagres dentro da IPIB. Por entendermos que não buscamos os sinais e milagres como

simples prioridade em nossa tarefa ministerial, eles não tem acontecido com frequência em nosso meio.

Entendemos que o discipulado vem através do aprendizado da doutrina cristã, da comunhão com o corpo

de Cristo, e da participação na liturgia. Mas algumas comunidades tem separado algumas vezes certos dias

da semana para orar especificamente por pessoas que necessitam ser curadas. Outras igrejas de nossa

denominação também fazem isso após os cultos. E também existem aquelas que separam um momento

durante o serviço religioso para orar especificamente por manifestações de curas e milagres.

Os sinais e milagres fora da IPIB. Fazendo parte de uma maioria evangélica predominantemente

pentecostal ou neo-pentecostal, é extremamente comum encontrarmos igrejas buscando com bastante

afinco os dons sobrenaturais e extáticos. Muitas dessas além de separar momentos para oração de cura e

milagres, também permitem que seus membros manifestem testemunhos públicos de curas recebidas.

Page 167: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

167

Entre as denominações históricas também tem crescido a busca da revitalização dos dons espirituais,

sempre com equilíbrio.

Desafios. Tendo em vista um documento já aprovado por nossa Igreja em relação à pessoa do Espírito

Santo e a contemporaneidade dos dons espirituais, urge esse assunto seja tratado adequadamente e de

forma rotineira entre nossa liderança e junto às nossas igrejas. Para tanto, sugerimos a promoção de fóruns

de debate entre pastores(as), presbíteros(as), missionários (as) e líderes onde possam compartilhar e

refletir sobre este tema. Também as nossas instituições de ensino e centros de treinamento não podem se

furtar a refletir sobre esse tema, desenvolvendo um conteúdo programático deste assunto. Por fim,

reconheçemos a necessidade de discutir uma proposta de Igreja reformada que contemple palavra e poder,

e relação dos mesmos com uma teologia da cruz que assume a posição missiológica de servo, e que este

posicionamento seja incluído no documento final do texto da missão integral.

Paulo de Mello Cintra Damião

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente de Presidente Prudente

Diretor do Ministério de Missão

Oswaldo Prado

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

Missionário do SEPAL

SECRETARIA DE DIACONIA36

A compreensão de que vários membros das igrejas possuem a respeito da diaconia, ainda é bastante

pessoal, como se esta ação fosse desvinculada da vida, da condição primordial do ser Igreja de Jesus

Cristo no mundo, do privilégio e da responsabilidade que todos devem ter quanto à disponibilidade para o

serviço, de forma gratuita, ou seja, da participação no reino de Deus através do exercício do amor. O

próprio Jesus é modelo da missão, através de seu jeito diaconal de lidar com as pessoas, principalmente

36 Reflexão baseada no Estudo de Capacitação e Formação Diaconal da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil – Secretaria de Evangelização - Projeto Natanael – Série: Oficiais da Igreja. Marco Antonio BARBOSA.

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168

com os proscritos e necessitados. Na noite que antecedeu a sua morte, lavou os pés dos seus discípulos

como um símbolo marcante de sua missão (“Porque eu vos dei o exemplo, para que , como eu vos fiz,

façais vós também.” João 13.15). Só consegue entregar, contribuir, servir, quem pela graça de Deus

aprendeu a amar. É possível entregar, contribuir, servir, sem amor, mas é impossível amar, sem entregar,

contribuir, servir. Eu posso dar o que tenho sem amor, mas se eu fui impactado pela graça de Deus, e fui

tomado pelo mesmo sentimento de Deus para com a minha vida, é impossível que eu não entregue, não

contribua, não sirva. Deus amou de tal maneira...Porque amou, deu o melhor, deu o seu Filho. Desta

maneira, diaconia – vida – culto – serviço – amor – missão; se misturam, a ponto de ser possível afirmar

que, separados, perdem o sentido da integralidade que compõe o desafio da tarefa do cristão no mundo.

Diaconia é Missão. Um dos mais graves erros históricos cometidos pela Igreja foi o esquecimento da

diaconia como um dos eixos fundamentais de sua espiritualidade e missão. Uma das principais causas é o

fato de ela possuir uma visão dicotomizada do ser humano, não valorizando assim o ser humano como um

todo, daí a utilização constante da expressão “salvar almas”. A salvação, ou a presença de Jesus Cristo nos

nossos corações como prática da sua misericórdia, exercida como graça, como amor sobre as nossas vidas,

é transformada em atitude de exercício de amor que nós temos em relação aos que estão à nossa volta. É

uma conseqüência prática.

Quando pensamos em um país do terceiro mundo, não há como falar de Jesus sem que isso gere um

compromisso com a sua situação de dor, angústia e marginalização. Portanto, diaconia refere-se ao

consolo, como sendo o abraço que cura as pessoas em situação de dor, e à hospitalidade, baseada na

própria ação messiânica de Jesus que deixa o céu e passa a habitar entre nós, vindo para nos consolar,

confortar e curar os nossos ferimentos, angústias e dores. Por isso a Igreja deve visitar também para curar,

além de receber as pessoas, integrando-as de forma efetiva na comunidade, como instrumento da

hospitalidade. Quantos cânticos, pregações e orações referem-se à justiça, ao amor, à misericórdia, à

fraternidade, à solidariedade? A Igreja canta, ora e prega diaconia?

Diaconia é missão que se traduz no serviço. A resposta que mais se ouve é a de que a tarefa diaconal

pertence aos diáconos e diaconisas eleitos pelas assembléias. Nessa perspectiva, pastores(as)

presbíteros(as), e membros de forma geral não necessitariam ter compromisso diaconal.

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169

Não dá para ser cristão sem ser diácono e não dá para ser Igreja sem ser diacônica. Não se pode conceber

a tentativa de exercitar o ministério de uma Igreja sem que todas as pessoas tenham uma disponibilidade

de coração e um exercício do ministério diaconal. O Apóstolo João disse que Deus é amor e que a única

forma de conhecer a Deus é amando. A atividade diaconal deve ser vista como uma predisposição do

exercício da misericórdia que acontece na vida; o estilo de vida que cada uma das pessoas que querem

servir a Jesus deve buscar ter. O exercício do amor é o aprendizado as respeito de Deus e, assim,

entendemos que conhecemos a Deus quando aprendemos a exercitar o amor.

Com o entendimento acima mencionado, não se reduz a importância daqueles que são eleitos para o

ministério diaconal. A Igreja elege institucionalmente diáconos e diaconisas para “gerenciar” as ações

diaconia, ou seja, são administradores da ação evangelizadora e social da Igreja. Isso não significa que

somente os eleitos podem fazer ações diaconais. As funções de servos e “gerentes” se completam, pois

uma das funções importantes dos eleitos é a de agregar pessoas ao ministério diaconal; despertar nas

pessoas o desejo de servir integralmente, de expressar através der atos a misericórdia salvadora de Deus

para com os necessitados e promover o reino de Deus na terra. Por isso é necessário escolher pessoas que

possuam coração diaconal, espírito de misericórdia; que enxerguem não apenas o que está sendo feito,

mas o que pode ser feito.

Diaconia e proclamação do Evangelho. Atos 6.1-6. Evangelização e diaconia não são coisas distintas.

Nesse sentido, o culto, por exemplo, precisa ser diaconal, e, só faz sentido, quando cumpre o papel de

preparação da comunidade para o exercício da diaconia no mundo. Sendo assim, tudo na vida da Igreja é

concebido como ato de evangelização, o que inclui a proclamação da expressa proclamação da Palavra, da

ação social, da solidariedade, do consolo, da beneficência, etc. Nesse aspecto a expressão de Francisco de

Assis é pertinente: “Evangelize sempre e, se for necessário, fale!”.

Contra o argumento de que em Atos 6.1-6 distingue-se a “diaconia da mesa” da “diaconia da palavra”, é

importante frisar um contexto de reestruturação para o bem da comunidade, não se tratando de uma

separação, mas a consideração idêntica das duas e sua inter-relação. Esse texto pertence ao tempo em que

não havia distinção entre uma e outra, “já que pregação da Palavra e trabalho caritativo formam uma

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unidade tanto para os apóstolos quanto para os sete.”37 Não há nesse momento da história da Igreja a

concepção da mesma como uma organização, mas como um organismo vivo, permeado por uma

espontaneidade da Igreja que se reúne nas casas dos irmãos.

De acordo com Odete L. A. Adriano, o serviço ou diaconia da Igreja não pode ser entendido como alguma

outra tarefa, como se além de evangelização houvesse ainda que exercer a diaconia.” Não se trata de

avangelizar “e” servir. Não são duas tarefas, pois nossa única tarefa é proclamar o evangelho por ações e

palavras. Sendo assim, para Odete, “Diaconia é método, é o caminho obrigatório da Igreja de Jesus em

tudo o que faz, pois Jesus é o Servo por excelência”. Somos enviados (Missão) a evangelizar (tarefa)

mediante o serviço (método).”38

Marco Antônio Barbosa

Secretaria de Diaconia

Práticas conjuntas do evangelismo e da diaconia. O conceito de evangelização baseado no texto que se

tornou tradicional: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16.15). Na busca

de se cumprir esta ordem, percebe-se uma maior ênfase na “pregação” é pouco no “Evangelho”. Fazendo

um exercício simples de análise da frase, percebe-se que o verbo “pregar” é a ação que permite realizar

aquilo que é o mais importante; ou seja, a frase esta construída a partir do “Evangelho”. Seguindo esta

lógica, aquele que prega, prega o Evangelho. E teologicamente o Evangelho é o centro da fé cristã e não a

pregação. A pregação é o instrumento; inclusive de outras religiões que anunciam suas próprias doutrinas.

O Evangelho, a boa nova de salvação, a vida eterna, vida plena, é o centro da fé, e é o mandato primordial

de Cristo. Jesus Cristo não falou apenas ide pregai, ele disse: “ide pregai o Evangelho”. Se ele dissesse

apenas ide pregai, seus discípulos teriam perguntado: pregar o que?

A partir desta constatação surgem perguntas que vão aprofundar a compreensão do texto. Como pregar o

evangelho sem vivê-lo? Como falar de algo que não experimentamos? Como testemunhar algo que não

37 Odete Líber de Almeida ADRIANO. Profecia e Evangelização (A Diaconia em Atos 6.1-6). In: BARBOSA, Marco Antonio (org.). Torna-te Padrão: Estudo de Capacitação e Formação Diaconal da Igreja. p. 67 38 Ibid. p. 67

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vivenciamos? A redundância se faz necessária para chamar a atenção à prática do evangelho. Como pregar

sem viver está vida nova, plena, sem que a vivência reflita os valores do reino?

Proclamar o evangelho é anunciar a pessoa e obra de Jesus Cristo. É falar deste ser humano/divino que

agiu em favor do perdido, com profundo amor na intenção de proporcionar a Vida. Vida em abundância,

eterna, com sentido verdadeiro. É falar de seu ministério que se baseou em servir: “tal como o Filho do

Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. (Mateus

20.28). É anunciar que aquele que buscar preservar sua vida vai perde-la e aquele que doar ao outro, vai

preserva-la, vai ganha-la (Mateus 16.24-28). A sua própria vida foi entregue para resgatar a humanidade

da morte, a vida como um todo, não apenas alma, mas o corpo como retrata o apóstolo Paulo em (1

Coríntios 15) o universo imaterial e material obra das suas mãos (Colossenses 1.16). Apesar de

verificarmos uma ênfase na espiritualização da salvação, dizendo: é preciso “salvar almas”. O texto

bíblico citado relata uma outra realidade; o apóstolo Paulo fala da ressurreição do corpo, de corpos

transformados não mais sofrendo a influencia do pecado.

Evangelizar é proclamar, é viver este evangelho que busca resgatar a vida como um todo. É se dar em

favor do próximo na intenção de ser benção em todos os sentidos. Proclamando, promovendo a vida e a

dignidade. O respeito e a valorização da vida, do ser humano criado e amado por Deus. (Gênesis1.26-28;

João 3.16)

Viver o evangelho é proclamar e servir. A Diaconia enquanto serviço é sempre um desafio para a vida

cristã. Percebe-se que a igreja encontra facilidade em falar, proclamar, mas muita dificuldade em realizar

ações concretas, ações diaconais, serviço em favor da vida. O “serviço em favor da vida” (diaconia) se

não for acompanhado da proclamação verbal, do pregar, encontra resistência por parte da igreja, não é

aceito como diaconia. No entanto, a reflexão bíblica nos remete a outra realidade. A realidade bíblica

comprova que um ato de amor não precisa ser explicado. Mas se um ato de solidariedade, beneficência, de

ajuda, não for realizado com amor, não tem significado diante de Deus, não adianta ser explicado; a

explicação não vai validar àquele ato. O texto de I Coríntios 13, apresenta base Bíblica e teológica para se

realizar a diaconia sem se preocupar em explicar o que se está fazendo, o próprio ato será expressão de o

amor de Deus. O que deve ser em essência a Diaconia: amor divino, que flui através de seus servos e

servas.

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172

Quando Jesus deu exemplos da vida eterna, vida cristã (a vida eterna tem inicio a partir do momento em

que o crente nasce de novo), “O Bom Samaritano” não proclamou, não anunciou, mas demonstrou amor e

cuidado pela vida, por um ser humano que não conhecia (Lucas 10.25-37).

Se tivermos que anunciar, que este anúncio seja sempre acompanhado de atos de amor e resgate da vida

que esta perdida. Se tivermos que falar, que estas palavras sejam conseqüências de uma vida

compromissada com o outro, de uma vida consagrada à diaconia.

Qual a diferença entre Evangelização e Diaconia? A diferença não deve ser entendida como algo que

atrapalha ou dificulta a realização de da missão, mas que completa e faz com que a missão seja realizada

segundo nosso mestre Jesus Cristo. Uma fala do que vive e a outra vive do que fala. Duas pernas de um

mesmo corpo, andam lado a lado, caminham e apóiam-se mutuamente. Enquanto uma descansa a outra

sustenta. Elas se completam e conseguem o seu objetivo, fazer com que o corpo seja sustentado. Na

prática a evangelização deve falar do amor de Jesus e a diaconia expressar este amor. Quando visitamos

uma família, uma pessoa, devemos expressar o amor de Jesus, falando, ajudando, cooperando para que

aquela família possa sentir, perceber, provar do amor de Cristo.

As ações missionárias desenvolvidas atualmente têm sido influenciadas pelo conceito integral ou

holístico. Isto tem ocorrido, dentro de suas particularidades, em cada denominação da Igreja Evangélica

Brasileira. Logicamente, esta tem sido a preocupação da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. O

Plano Missionário Global (PMG), aprovado em 1996, reforçava a necessidade da criação de projetos de

missão integral. A seguir, descrevemos alguns projetos da IPI do Brasil, onde Evangelização e Diaconia

atuam mutuamente:

Projeto Sertão. No enunciado da Missão do Projeto, já temos: apresentar as Boas Novas do Reino do

Deus Trino: Pai, Filho e Espírito Santo; considerando a realidade, as necessidades e a cultura do povo do

sertão nordestino; estabelecendo Igrejas Presbiterianas Independentes autóctones, através da proclamação,

ensino, comunhão e serviço; visando a transformação das realidades religiosa, educacional e sócio-

econômica de homens, mulheres e crianças sertanejos para uma melhor qualidade de vida e dignidade;

Sendo tudo para glória de Deus.

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173

A proposta de estabelecer igrejas autóctones, com uma visão de missão integral, nunca se ausentou das

nossas convicções de que o chamado de Deus para a realização deste projeto precisa ter uma profunda

ação espiritual, que liberte homens e mulheres, velhos e crianças de uma espiritualidade doentia e

opressora, mas que, também, tenha uma eficaz ação diaconal, que dignifique a vida dessa gente tão sofrida

do sertão nordestino. Estamos certos de que este é o papel do Projeto Sertão.

• Foi organizada e instalada a Associação Bethel Patos, com escritório montado com toda infra-

estrutura para prestar assessoria aos campos missionários na execução dos seus projetos. Vem

desenvolvendo atividades, como: Projeto Vida Plena - Programa de Saúde Integral. Atividades de

ginástica para mulheres. Beneficia mulheres de diferentes classes sociais. Projeto realizado na

igreja do Jardim Queiroz, em Patos. Além das atividades físicas, as aulas visam à evangelização.

• Programa de Desenvolvimento Integral - Pré-Escola. Atende crianças carentes de 4 a 6 anos de

idade e acontece na Igreja do São Sebastião, em Patos. As crianças recebem o material escolar,

uniformes e refeições. Além da parte educacional, estas crianças e suas famílias passaram a ser

beneficiadas com a distribuição de água purificada, através de um purificador que foi instalado

pelos parceiros da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA).

• Projeto Alfabetização de Jovens e Adultos. Todos os missionários do projeto estão capacitados

para executar esse projeto. Utilizando o método ALFALIT. Projeto Complementação Escolar -

Está acontecendo em Cruzeta, atendendo crianças carentes da uma comunidade. Tem como

objetivo trabalhar com o reforço escolar para crianças que encontram dificuldades de

aprendizagem.

• Programa de Convivência Digna com o Semi-Árido – Projeto Cisternas. As cisternas foram

construídas em parceria com a ONG PROPAC. Cada família recebe uma cisterna que tem

capacidade para 16 mil litros de água e serve para o abastecimento durante oito meses (água para

beber e cozinhar).

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174

Programa Amazônia. A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil está presente na Amazônia desde

1952, quando iniciou a implantação de ações na capital do Estado, Manaus, e, também, em pequenas

cidades e comunidades ribeirinhas, através do trabalho dedicado do Revº Mário Alvarenga, e todos os

demais que o sucederam.

Assim, a IPIB sempre investiu nesta região. Desde 2004, numa ação efetiva, entre a Secretaria de

Evangelização e o Programa Amazônia, vem-se desenvolvendo um trabalho amplo compreendendo alguns

projetos de ação pastoral, social, educacional e na área de saúde.

A Importância e a Solidificação das parcerias. Desde o início dos trabalhos do Programa Amazônia nós

temos visto a importância fundamental do trabalho em parceria, de como é frutífero e eficaz este trabalho

de colaboração. Sem parcerias, não haveria ações com os resultados que estamos presenciando. Os

parceiros atuam de forma interdependente, porém, cada um na sua especialidade e com seu valor, fazendo

do trabalho em união, um sucesso, criando um elo que traz resultados favoráveis na área social e

principalmente para o Reino de Deus. A cada ano, o relacionamento entre os parceiros se torna mais

sólido e o trabalho mais amplo. Por exemplo, a parceria com Asas de Socorro, a cada ano tem se tornado

maior e produzido maiores resultados. Para demonstrar a relevância desta parceria, temos que, atualmente,

50% da agenda de trabalhos de Asas de Socorro na região do Amazonas, é levada a cabo juntamente com

o Programa Amazônia, da IPI do Brasil. Também, a parceria com a Igreja Presbiteriana dos Estados

Unidos (PCUSA), através da Outreach Foundation e da First Presbyterian Church of Fort Lauderdale, se

torna cada vez maior e mais ampla, estreitando os laços entre estas igrejas que são tão distantes

geograficamente, mas que se apaixonaram por este trabalho missionário na região amazônica.

Campos de Atuação - Rio Negro. Nesta região desenvolve-se o Projeto Lagos, trabalho que já existe há

vários anos, iniciado no Lago do Guedes. Neste campo, o trabalho tem alcançado muitos frutos. Como

testemunho, registra-se que a maioria das pessoas já são evangélicas. Outra boa notícia é na área de saúde,

pois com o trabalho que tem sido feito de tratamento e prevenção, pode-se notar que a qualidade de vida

das pessoas da comunidade tem melhorado muito nos dois últimos anos. Também, temos influenciado a

comunidade quanto a projetos de desenvolvimento, orientando a troca do desmatamento para produção de

carvão, pela pesca, criação de galinhas, artesanato. Também estão contratando várias pessoas desta

comunidade para trabalhar em hotéis de selva, geradores de empregos na região. Nos Lagos do Teste e do

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175

Cacau depara-se com mesmo quadro, contudo, no Lago do Cacau percebe-se uma intensa participação da

comunidade, que tem se mostrado sempre muito animada com o trabalho.

Rio Solimões. Aqui é desenvolvido o Projeto Manaquiri, que envolve sete comunidades ribeirinhas, e onde

há grande carência, em áreas, como: saúde e educação. O trabalho do Barco é sempre bem-vindo para

estas comunidades. Tem-se conquistado a confiança dos líderes comunitários. Em todas as comunidades,

se constata a falta de assistência médica e de remédios, e a inexistência de tratamento odontológico.

Também há grande carência na área da educação, pois, não há escolas suficientes. As existentes estão em

estado crítico, com salas sem paredes e caindo. Os professores não recebem as condições mínimas para o

trabalho e falta material específico e, também, merenda para as crianças.

Outra carência é na área religiosa, pois na maioria destas comunidades não existem igrejas evangélicas, e

os poucos templos católicos estão totalmente abandonados. Portanto, trata-se de grande desafio.

Instrumentos de trabalho. Os instrumentos de trabalho os barcos e canoas. Naturalmente, estes meios que

facilitam o trabalho, necessitam estar sempre prontos para serem usados. Em razão disto, carecem de

constante manutenção corretiva e preventiva, encarecendo os custos deste projeto. Porém, os custos são

pequenos, frente ao que proporcionam em viabilidade para a implantação do trabalho.

O Programa Amazônia tem um desafio gigante, talvez tão grande quanto a vasta região amazônica. O

trabalho pode e deve ser ampliado a centenas de comunidades ribeirinhas que existem espalhadas por esta

imensa floresta. Pessoas que estão isoladas e necessitadas de saúde física e espiritual.

Outros exemplos. Além dos exemplos citados, outros campos da Secretaria de Evangelização são

alavancados, tendo um projeto social de acordo com o desafio revelado pelo contexto onde está inserido.

Em alguns campos, funcionam UPs (Unidades Prestadoras de serviços) de Bhetel, caso de Patos na

Paraíba, onde funciona a Escola Linda Bates. Também, em Palmas, no Tocantins, temos Laboratório

Evangélico.

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176

Apoiamos o Projeto Siloé, que trabalha com dependentes químicos, tendo sua sede na cidade de

Florianópolis. Este projeto é personificado na atuação da Missionária Nídia Caldas Mafra, que reúne um

expressivo trabalho desenvolvido já há mais de uma década. Atualmente, também, desenvolve um

trabalho de conscientização, junto às igrejas, através de Conferências e Cursos missionários.

A atuação como Associada junto à Missão Evangélica Caiuá, cuja sede está na cidade de Dourados, MS,

faz da partícipe deste ministério diferenciado, de evangelização dos povos indígenas do Brasil. A Missão

tem, ao longo de oitenta anos, prestado relevantes serviços em áreas como educação e saúde, entre outras.

Para concluir, vale registrar que um número considerável de igrejas locais possui projetos de

evangelização através de práticas de missão integral. Há desde oficinas de trabalhos manuais

desenvolvidos, geralmente, em uma das tardes da semana, bem como creches, escolas, projetos de

inclusão digital, etc.

Jonas Furtado do Nascimento

Secretaria de Evangelização

Ricardo José Bento

Secretaria de Diaconia

Captação de Recursos

Distribuir dinheiro é algo fácil e quase todos os homens têm este

poder. Porém, decidir a quem dar, quanto, quando, para que objetivo

e como, não está dentro do poder de muitos e nem tão pouco é tarefa

fácil. — Aristóteles: 384-322 a.C

Page 177: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

177

Este texto é apenas o princípio do início do começo de alguma coisa, como diz o matuto. Nasce a partir da

observação participante e da experiência de estar envolvido na criação e manutenção de um projeto social,

a Bethel Educação, como Unidade Prestadora de Serviço da Associação Bethel, como também da

necessidade de levantar recursos pra projetos missionários na lida pastoral.

O que escrevo aqui, de propósito, não será um texto de estilo universitário, por isso, é escrito de forma

livre, quase que uma prosa gostosa numa varanda, num final de tarde de primavera que, obvio, não se

pauta pelos rigores da academia. Devo o que aqui está há muitas pessoas que foram meus mestres e

mestras em horas de curso, seminários e diálogos sobre a árdua tarefa de planejar e levantar recursos por

aqui e fora da nossa pátria. É, portanto, um mosaico de lembranças e de informações práticas coletadas,

que a memória cuidou de armazenar. Jamais teria possibilidade de dar crédito, sem cometer injustiça, se

fosse fazer um apanhado de citações bibliográficas.

Onde quero chegar? Antes de tratar de qualquer tipo de levantamento de recursos é necessário planejar. É

preciso, é indispensável que se tenha um planejamento, mesmo que seja mínimo. Sem um trabalho

anterior de planejamento, de estabelecimento de meta, de clareza de objetivo, de onde se quer chegar com

aquele projeto, ou com aquele trabalho missionário é muito difícil de tratar de como levantar recursos. A

idéia é simples, não se pode calcular o preço de uma viagem se você não sabe para onde quer ir. E, se

você não sabe aonde quer chegar, quem vai acreditar e investir numa viagem dessas? Por isso, há

necessidade de saber anteriormente e com clareza aonde se quer chegar.

Num projeto missionário ou num projeto social, há muitas variantes possíveis. Seguindo com a

comparação da viagem, pode se viajar para muitos lugares do país e do mundo, com os mais diversos

meios de transporte. Por isso, antes da viagem, se planeja. Por exemplo, vou a São Paulo, de ônibus, que

sai às 20h00 e chega às 23h30min. A passagem custa tanto, o trem custa tanto, etc. Depois deste simples

planejamento, agora já sei o que preciso e o quanto preciso para realizar esta viagem. Já pensou que coisa

mais estranha você chegar numa rodoviária, aeroporto ou num ponto de ônibus e não saber direito para

onde vai? Você vai ficar perdido no meio de tantas opções. O mesmo acontece com o projeto missionário

ou social. Há tantas necessidades, tantas carências, tantas variantes que aparecem no meio do caminho,

que é preciso estar bem fundamentado na meta pré-estabelecida de onde se quer chegar para não se perder.

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178

Aqui vale lembrar o esforço da igreja com o projeto semear. Neste projeto temos um bom exemplo para

começar a tarefa. Não se pode semear a esmo.

Quais recursos serão necessários? Depois que já se delimitou onde se quer chegar, agora é hora de fazer

um levantamento do que é necessito para alcançar o objetivo. Normalmente quando pensamos num

projeto missionário, num projeto social ou outro de qualquer natureza, na hora de tratar da questão dos

recursos, de como tocar este empreendimento, a primeira coisa que fazemos, às vezes, até

inconscientemente, é nomear as coisas que nos faltam, àquelas que não temos ainda, principalmente, o

dinheiro. E, muitos, param exatamente aí, não conseguem caminhar nem no planejamento porque está

parado na questão financeira e não consegue vislumbrar outras possibilidades.

Um bom começo é perguntarmos, quais são os recursos humanos que já temos? Se não temos onde vamos

consegui-los? Quais são os recursos materiais que vamos precisar? Temos parte disso, se não temos, como

consegui-los? Temos infra-estrutura, se não temos como vamos conseguir?

Quando fazemos um bom levantamento dos recursos necessários, apontando o que já temos e o que ainda

nos falta, teremos um quadro mais claro, de quais os recursos financeiros que vamos necessitar. Muita

vez, nos surpreendemos que os recursos que já temos são maiores do que os recursos que teremos de

buscar para concretizar o nosso projeto. É muito mais convincente apresentar um projeto e dizer o que já

tem e depois do que ainda precisa para concretiza-lo, do que apenas dizer que tem um projeto, uma

missão, mas que lhe falta dinheiro.

O orçamento. Quanto custa? Depois do trabalho de delimitar bem onde queremos chegar, quais recursos

que já possuímos e quais ainda necessitamos, então, é hora de apontar com clareza o quanto ainda vamos

necessitar para suprir o que nos falta para o empreendimento planejado.

O orçamento ou o quadro de recursos que necessitamos precisa ser feito de forma bem clara, com cifras

concisas, prevendo bem todos os gastos que se vai ter, naquele período.

Quando fazemos o orçamento, na peça pronta, reforço a idéia de que devemos demonstrar os recursos que

já temos. Por que quando você for buscar um financiador, um apoiador para o projeto, você vai

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demonstrar que não está só pedindo, mas, que também esta oferecendo, seja recurso como mão de obra,

seja recurso humano, seja infra-estrutura. Na maioria das vezes, nos surpreendemos a soma dos recursos

que temos é maior do que a soma dos recursos que necessitamos. A isso, costuma-se chamar de contra

partida. Neste sentido, quando buscamos ajuda, um apoio solidário, na verdade estamos buscando um

parceiro, que pode ser tanto missionário quanto social. Parceiro, porque quem está apresentando o projeto

também está entrando com alguma coisa, não esta só pedindo, mas, também, esta oferecendo. Muita vez,

oferecendo mais do que recebendo. Isso é muito importante: orçamento claro, conciso, real, que também

demonstra os recursos que já temos, e se não temos como iremos consegui-los. Facilita muito mesmo para

demonstrar credibilidade e seriedade na execução do projeto. A quem apresentar então este projeto, para

levantar recursos?

O Povo de Deus é a fonte primária de levantamento de recursos. A história da IPIB é testemunha, entre

poucas igrejas ao redor do mundo, para falar com propriedade de auto-sustento e levantamento próprio de

recursos.

Na história das missões mundiais nossos pais e mães na fé mostraram um testemunho vigoroso de que o

povo de Deus, por mais simples que seja, quando incentivado e despertado para o valor da missão que está

à sua frente, é capaz de verdadeiros milagres. Não foi esse o nosso codinome no passado? “A Igrejinha

dos milagres”.

Quando em 1903 nossos pais iniciaram a igreja e decidiram escrever a história com as suas próprias mãos

e recursos, quem observava à distância vaticinava que esse arroubo de fé não seria capaz de sustentar a

igreja. Interessante notar que a primeira oferta era uma oferta missionária. De onde parecia não haver

possibilidades o povo de Deus foi capaz de levantar recursos, sustentar a nova missão e estabelecer a

igreja. A situação não era nada fácil, os desafios eram tantos, que até mesmo quem não acreditava na nova

igreja, teve de admitir e chamá-la de “igrejinha dos milagres”. A alcunha era pejorativa, mas com o passar

do tempo serviu de testemunho histórico. A “igrejinha” era para dizer do tamanho da igreja. Realmente

era pequena. Era um humilde começo. Dos “milagres” não porque era milagreira, mas por que o seu

sustento e a sua manutenção vindo de onde vinha só poderia mesmo ser um grande milagre de Deus.

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A própria história da IPI demonstra de sobejo que o povo de Deus tem recursos e se não o tem no

momento, tem criatividade suficiente para levantá-lo quando a necessidade bater à porta.

Por isso, afirmo ser a igreja a fonte primária de recursos, tantos humanos, estruturais, como financeiros.

Como Levantar Recursos? Não há uma formula mágica. Não se tem receita pronta de como fazer um bolo

de recursos. O se pode indicar são algumas pistas, que podem ou não ser úteis, dependo das circunstancias

localizadas do projeto.

O que indicamos abaixo são os caminhos já percorridos por nossos projetos e que tem dado certo.

1. Mostre a necessidade e o projeto para a igreja. Todavia, lembre-se que mostrar a necessidade é

algo diferente de toda hora ficar mendigando recursos ou ajuda. Como que dizendo, se você não

ajudar o projeto morre. Ninguém tem coragem de investir num projeto falido.

2. Divulgue dentro e fora da igreja. Se ninguém conhece o seu projeto, dificilmente você terá ajuda.

Ainda me lembro de um desafio feito à igreja no qual o alvo parecia ser algo difícil de ser

alcançado. Só mesmo pela fé. Mas, era um sonho que o próprio Deus tinha plantado no nosso

coração. Naquele domingo um visitante que não era evangélico ficou sabendo do projeto e me

pediu para visitá-lo. Na visita ele perguntou do projeto. Depois da explicação detalhada das

necessidades e do já tínhamos ele se dispôs a ajudar o projeto. Com uma única oferta ele financiou

todo o projeto. Deus pode usar recursos de gente de fora da comunidade presbiteriana. O ouro e a

prata pertencem a Deus. Portanto, a divulgação é parte da estratégia de levantamento de recursos.

3. Compartilhe seus sonhos e desafios. Você ficará surpreso quando perceber que muita gente que

você nem sonha tem os mesmos sonhos e vão ser seus parceiros e parceiras. Não se admire se

encontrar muito apoio fora do circulo cristão.

4. Ore muito. Envolva a igreja em oração pelo projeto Crie grupo de oração para interceder a Deus

pelo projeto e pelo levantamento de recursos. O mesmo Deus que dá a visão, também, dá os

recursos. Aqui entra a confiança inabalável na providência divina. Mas, seja cauteloso, não faça

conta demasiada para Deus pagar. Crer é também pensar.

5. Deixe a Igreja, Presbitério ou Organização que representa informada sobre tudo. A falta de

informação detalhada das coisas pode acarretar muito prejuízo e problemas.

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6. Não espere o parceiro chegar ate você, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, cantava o

poeta. Corra atrás dos seus sonhos. Vá onde os recursos estão disponíveis. Leia. Informe-se. As

empresas, embaixadas, órgãos públicos, clubes de serviços, normalmente publicam datas e

projetos que estão nos seus planos de financiamento. Outros financiadores possíveis são as

agencias internacionais, agencias oficiais de desenvolvimento, agencias bilaterais e multilaterais,

fundações nacionais e internacionais. Visite os consulados para obter mais informações. Há outras

organizações internacionais,como: Ashoka, Save the Childrem, Oxfam e NOVIB, etc. Além, é

claro, das instituições religiosas de apoio e fomento.

7. Seja transparente na aplicação dos recursos.

8. Forneça sempre recibos.

9. Preste contas de tudo que for doado. Você vai precisar novamente daquele financiador.

10. Leve pessoas para conhecerem o seu projeto, se estiver funcionando, nada mais útil e eficaz para

sensibilizar um possível parceiro do que uma visita ao local.

11. Convide a mídia local para uma visita, uma reportagem, etc.

12. Mostre os frutos, as realizações do projeto.

13. Patrocínio de empresas, empresários, às vezes, nem são cristãos, mas se simpatizam com trabalho

feito e se tornam excelentes parceiros. Temos uma grande força de mobilização e de recursos, que,

muitas vezes, não sabemos aproveitar todo o nosso potencial. Dependendo da igreja, uma das

coisas que se pode negociar com muita tranqüilidade é a questão do patrocínio. De vincular o

trabalho feito a uma empresa, a uma marca, que em troca dos recursos oferecidos usará o trabalho

feito para divulgar seus produtos. É uma troca de bens, a empresa entra com os recursos e o projeto

com o bem simbólico do projeto, permitindo o uso do projeto pela a empresa. Isso parece, aos

olhos de muitos, “coisa do mundo”, profana, mas, esse não é o caso, estamos negociando para

realizar um trabalho, que certamente é uma coisa boa, que engrandece a igreja, testemunha do

amor de Deus e serve ao próximo.

14. Quaisquer formas de levantar recursos, desde que respeitando os padrões cristãos, são válidas.

Aqui depende da criatividade e da cultura de onde está plantada a igreja ou o projeto.

Muitos projetos se sustentam com bazares, almoços e jantares beneficentes, doações voluntárias. Ofertas

especiais nas igrejas, primícias, etc. É preciso ter criatividade.

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Mas, um projeto, que tenha sido feita sob a égide da igreja, tem de necessariamente ter a igreja como

parceira e como sustentadora. O MASD (Ministério de Ação Social e Diaconia) é o parceiro por

excelência de todo projeto social de uma igreja organizada. Se não for igreja organizada, o MASD deve

nascer da experiência e do trabalho conjunto do projeto social.

Principais Razões para Doação de Recursos. Há uma infinidade de razões para que uma pessoa ou

empresa possa fazer doação para um projeto, desde razões intimas até razões puramente comerciais, mas

as que mais encontramos no dia a dia são:

1. Agradecimento a Deus por graças alcançadas;

2. Isenções Fiscais;

3. Amizade, respeito e companheirismo pelos que pedem;

4. Honrar a memória de um ente querido;

5. Perpetuar seu próprio nome, desejo de imortalidade;

6. Reconhecimento público;

7. Por pertencerem ou por quererem pertencer à instituição;

8. Por se identificarem com a causa;

9. Por realmente acreditarem que as necessidades apresentadas são importantes, que o projeto faz

sentido;

10. Para promover sua instituição ou sua pessoa;

11. Por que acreditam na instituição que está solicitando o recurso;

12. Por um sentimento de responsabilidade social;

13. Por ganho social;

14. Por orgulho pessoal;

15. Por responsabilidade comunitária

16. Por que fazer uma doação, participar de um grupo de ajuda ao próximo, lhe faz bem, lhe faz sentir

útil na sociedade.

Diversificação de Recursos. A igreja por si só, juntamente com o seu MASD ou Secretaria de Missões,

não precisa e, me parece que há muito tempo, já se deu conta que não tem condições de tocar sozinha um

projeto social ou de missão integral, que envolva aspectos amplos de transformação social.

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Sempre que possível para a realização de algum projeto é recomendável ter mais que um parceiro,

financiador ou colaborador. Recursos vindos de diversos lugares capacita o projeto a seguir funcionando,

caso aconteça algum acidente de percurso, se o projeto tiver um único financiador.

Para diversificar recursos é preciso romper com certos paradigmas. Desde antanho, nos acostumamos

como igreja a sempre pagar as nossas próprias contas, a não nos envolver com a sociedade, com governos,

com empresas ou seja lá quem for. Fomos educados a viver fora da sociedade onde estamos plantados. Na

verdade adquirimos comportamento de minoria, de gueto, de gente que não se mistura à sociedade que o

cerca. Os tempos mudaram e continuamos do mesmo jeito. Ainda pior, desconhecemos as leis que nos

favorecem. Parece que só nos ajustamos às nossas obrigações para com o estado. Qualquer beneficio que

possa ser usufruído legalmente parece estar vinculado a idéia de falcatrua, de mordomia, de coisa errada.

Pensando e agindo assim, estamos perdendo um grande filão de recursos disponíveis no primeiro e no

segundo setor da sociedade. Por isso, penso ser urgente mudarmos este paradigma e nos ajustarmos às leis

para que possamos ser parceiros destes importantes setores da sociedade que movimentam bilhões que,

também, podem estar disponíveis para os nossos projetos e missão.

Primeiro, Segundo e Terceiro Setor – Fontes Saudáveis de Recursos quase que desconhecidas pelas

Igrejas. De maneira simplificada pode-se dizer que a organização de uma sociedade constituída, nos

moldes em que vivemos, comporta, pelo menos, três âmbitos ou setores, a saber:

1. O Primeiro Setor corresponde à emanação da vontade popular, pelo voto, que confere o poder ao

governo. Movimenta dinheiro público para fins públicos. Este setor é responsável direto pelas

questões sociais.

2. O Segundo Setor está relacionado à livre iniciativa, é o setor privado que opera o mercado, define

a agenda econômica usando o lucro como instrumento. Movimenta dinheiro privado para fins

privados. Este setor responde pelas questões individuais.

3. O Terceiro Setor que não é público e nem privado, mas, sim, é uma junção do setor publico, estatal

e do setor privado para uma finalidade maior: suprir as falhas do Estado e do setor privado no

atendimento às necessidades sociais da população, em uma relação conjunta. Sendo assim, o

Terceiro Setor gera serviço de caráter público.

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O chamado terceiro setor é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as iniciativas privadas

de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é uma tradução de Third Sector, vocábulo

norte-americano utilizado largamente para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o

primeiro setor (Estado) e o segundo setor (Mercado).

Formam o terceiro setor as instituições com preocupações e práticas sociais, sem fins lucrativos, que

geram bens e serviços de caráter público, tais como: Associações, ONGs, OSCIPs, Instituições Religiosas,

Clubes de Serviços, Entidades Beneficentes, Centros Sociais, Organizações de Voluntariado, etc.

É um erro imaginar que somente o primeiro e o segundo setores operam com dinheiro, como se o terceiro

setor pudesse renunciar a este instrumento. O Terceiro Setor opera com dinheiro privado para fins

públicos, mas, também, opera com dinheiro do poder público, através de parcerias, convênios, etc, destina

dos para execução de seus projetos.

Este terceiro setor, atualmente, é regido por leis governamentais especificas, que a maioria das nossas

igrejas desconhece e não usufruí. Sem se organizar, sem se enquadrar nas exigências, simplesmente, como

igreja, como instituição religioso, mesmo que sendo pessoa jurídica, por lei, não é mais possível utilizar

estes recursos. O Terceiro Setor movimenta anualmente mais de um trilhão de dólares, o que o coloca na

posição de oitava economia mundial, se comparado ao PIB (Produto Interno Bruto) das nações mais ricas

do planeta.

Ao lado de cada igreja (missão) um projeto social (missão integral). É conhecida a frase no meio

reformado: ao lado de cada igreja uma escola. Nos dias em que vivemos, talvez, seja melhor dizermos que

ao lado de cada igreja, devemos ter um projeto social, que, também, pode ser uma escola, que para ser um

projeto social, necessita ter ideais de serviço diaconal e não de lucro.

No Primeiro Fórum Evangélico do Terceiro Setor, organizado pelo Conselho de Pastores da cidade de

Botucatu, em 2007, o vice-prefeito da cidade, abriu sua fala dizendo que “o governo em todos os setores:

federal, estadual e municipal, não tem condição de atender à demanda social de um país da dimensão do

Brasil”. Afirmou, também, que o governo tem verba destinada no orçamento para este fim. Esta é uma

realidade que até agora a igreja, ainda não se deu conta, de que, embora, tenha recursos disponíveis,

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legalmente destinados para a área social, nem o governo e nem o segundo setor têm potencial

organizacional e capilar de que dispõe a igreja para desempenhar esta tarefa.

Como estes recursos disponíveis legalmente no orçamento só podem ser gastos nesta área social, o

governo, criou leis e legalizou instituições para que o auxilie nesta importante tarefa. Daí o surgimento de

incontáveis ONGs (Organizações não Governamentais), OSCIP (Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público).Associações e Fundações. Muitos destes organismos ligados à ICAR (Igreja Católica

Apostólica Romana), espiritismo e maçonaria e sociedade civil.

Na sua maioria, a Igreja Evangélica no Brasil, salvo honrosas exceções, participa efetivamente destes

setores e esta organizada e apta para fazer parceria com os órgãos governamentais, tornando-se assim

parceiras do governo na construção de um mundo mais fraterno e mais cristão.

A título de informação, em Botucatu, SP, depois de mais de 120 anos de presbiterianismo na cidade, só no

de 2007, que uma entidade genuinamente evangélica, a Bethel Educação, Unidade Prestadora de Serviço

da Associação Bethel, ligada à IPI, foi legalmente reconhecida em todos os níveis governamentais e

conseguiu vencer a burocracia da documentação e trabalhar em parceria com o município. No ano de 2008

temos três projetos sociais feitos em parceria com o poder publico municipal e mais um em fase de

aprovação final por uma embaixada. A soma destes recursos vindos de parcerias significam um montante

que a igreja sozinha gastaria quase 10 anos para destinar ao Ministério de Ação Social e Diaconia.

O que é muito importante de enfatizar que este recurso existe, é legal, é retirado do imposto que pagamos

e esta destinado para aplicação no setor social. Ainda, se entidades ligada às igrejas dele não fizerem uso,

outras entidades o farão, quer a gente concorde ou não. Então, carece acordar e nos dar conta que somos

cidadãos plenos, votamos, somos votados, pagamos impostos, taxas, cumprimos com os nossos deveres

cívicos e devemos, portanto, também, neste setor, termos direito de usar estas verbas públicas, sem medo

de nos atrelarmos a nenhum partido político. Todavia, para isso é necessário nos habilitarmos legalmente

para usar destes recursos. Podemos ter ao lado de cada templo, nos moldes da lei, uma projeto social em

parceria com os poderes públicos. Basta se organizar.

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Servindo ao Reino de Deus com os recursos disponíveis. Faz bastante tempo que venho escutando nos

corredores eclesiásticos que missão e diaconia precisam andar de mãos dadas, que uma obra missionária

necessariamente também precisa ter caráter social. Todavia, ainda não conheço um projeto missionário

cujo inicio se deu juntamente com um projeto social organizado oficialmente pela igreja, por uma

associação da igreja.

Fruto de muita luta e trabalho árduo é a Associação Bethel. A Associação Bethel é um excelente recurso

disponível para ser usado, conforme os princípios legais, pela IPIB, mas pelo menos nos últimos dez anos,

desconheço algum projeto missionário idealizado em parceria com esta associação da igreja que tem todas

as condições legais de estabelecer projetos sociais em qualquer cidade do nosso pais. O tempo já chegou

de sentarmos e pensarmos nossos projetos missionários em parceria com a Secretaria de Diaconia e

Associação Bethel.

Clayton Leal da Silva

Pastor da Igreja Presbiteriana Independente Central de Botucatu

Capelania. O tema capelania hospitalar tem sido abordado por diversas perspectivas religiosas, tanto no

campo do protestantismo como no catolicismo. Em sua maioria, é visto como um meio de levar consolo e

solidariedade às pessoas internadas em um hospital, e, frequentemente, com o objetivo de levá-la a uma

conversão ao cristianismo.

Visto dessa forma, a capelania pode exercer um papel proselitista numa clara demonstração de desrespeito

ao paciente num momento de fragilidade. Certamente que o capelão não deve negar a fé que professa, mas

nem por isso deve impô-la as pessoas que atende.

Capelania hospitalar não é simplesmente uma visita que leva consolo e conforto ao paciente, mas,

também, deve ser parte de um processo que ajude no tratamento do indivíduo. O serviço de capelania

hospitalar não é uma ação simplesmente espontânea, deve ser fruto de uma ação reflexiva que visa, além

do consolo, levar uma orientação segura para as crises espirituais que as pessoas em estado de

enfermidade normalmente enfrentam.

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O capelão deve atender as pessoas internadas e tratá-las levando em consideração o ser humano integral.

Dessa forma, o serviço de capelania poderá colaborar para que as pessoas internadas sejam atendidas no

hospital considerando os vários fatores que estão envolvidos na vida de uma pessoa e o seu direito a saúde

integral.

A pessoa internada fica extremamente fragilizada, em todos os sentidos, gerando insegurança e medo.

Roelke (2003, pp. 6-7) mostra quais os sentimentos que afloram numa pessoa que é internada num

hospital em relação a sociedade, a família e o hospital. Na sociedade a pessoa doente é desvalorizada, pois

não consegue mais produzir e trabalhar. Além do mais precisa de atenção e atendimento especial. Tudo

isto envolve desgaste para a família e também gastos financeiros com médico, hospital, remédios. Na

família a grande dificuldade da pessoa doente consiste no fato de que ela precisa ser ajudada e os outros

precisam trabalhar por ela. Ela sente o quanto a sua doença pode afetar a sua família, tanto

emocionalmente como financeiramente. No hospital a pessoa doente é confrontada com um mundo

totalmente estranho e diferente. A realidade em um hospital é bem outra: o paciente é despido, banhado e

tratado por enfermeiros e médicos. Além do mais, nem sempre se explica para ele os procedimentos a que

é submetido.

Tudo isso cria sentimentos diversos no paciente como: medo e insegurança por causa da doença. O

paciente, frequentemente, passa a ter medo de tudo, das enfermeiras, dos médicos, dos exames e

procedimentos a que é submetido; ansiedade diante dos diagnósticos, por melhora, pela família que está

em casa, às vezes em outra cidade, em relação ao emprego, ao custo do tratamento; vergonha, por muitas

vezes ter que ficar nu diante dos enfermeiros ou companheiros de quarto, vergonha por ser limpado ou

banhado por pessoas estranhas; revolta contra Deus, contra o hospital, contra o médico, contra o

enfermeiro. Normalmente ele experimenta um forte sentimento de abandono; sentimento de culpa e

arrependimento por ter permitido que a doença avançasse tanto assim ou por ter sido contaminado, nos

casos de doenças infecto-contagiosas, como as doenças sexualmente transmitidas e a Aids.

Para Esslinger (2004, p. 57), “a hospitalização, a despersonalização daí decorrentes, a perda de sua

autonomia e de seu poder, são fatores altamente angustiantes”. Remen (1993, p. 11) também aponta o

ambiente hospitalar como um fator desumanizante ao afirmar que “em geral, a tecnologia nos oferece a

opção da preservação da saúde à custa da dignidade humana”.

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188

Capelania hospitalar tem que ser encarnada, participativa, criativa e que proporcione a pessoa a assumir a

sua própria história. O capelão deve identificar-se com o paciente e ajudá-lo a encontrar sentido em meio à

dor e o sofrimento.

Teologia e História. O cuidado com os doentes vem desde os tempos antigos. As várias culturas

frequentemente ligavam a prática da medicina à religião, pois acreditavam que as doenças eram causadas

por demônios ou por castigo divino. Na Bíblia encontramos no Antigo Testamento referências aos

cuidados dos enfermos no meio do povo hebreu. O livro de Levítico mostra a preocupação da religião

judaica com seus doentes, conferindo aos sacerdotes funções terapêuticas. O Levítico (13.20-23) também

tem uma preocupação com a prevenção e a cura das doenças, inclusive com questões sanitárias.39

O sacerdote a examinará; se ela parece mais funda do que a pele, e o seu pelo se

tornou branco, o sacerdote o declarará imundo; praga de lepra é, que brotou da

úlcera. Porém, se o sacerdote a examinar, e nela não houver pelo branco, e não

estiver ela mais funda do que a pele, porém baça, então, o sacerdote o encerrará

por sete dias. Se ela se estender na pele, o sacerdote o declarará imundo o homem;

é lepra. Mas, se a mancha lustrosa parar no seu lugar, não se estendendo, é

cicatriz da úlcera; o sacerdote, pois, o declarará limpo.

Cabia, portanto, ao sacerdote o diagnóstico e o cuidado com o doente e também com a não proliferação da

doença no meio do povo.

Para diversas tradições cristãs, Jesus é o modelo de capelão na história. Segundo os textos bíblicos do

Novo Testamento, Jesus tinha uma capacidade de atrair essas pessoas para si, ao mesmo tempo em que ia

ao encontro delas, ajudando-as em suas necessidades e curando suas enfermidades.

A tradição cristã e suas raízes bíblicas mostraram o quanto a Igreja se preocupou com os enfermos e

necessitados. Desde o seu início, a Igreja tinha uma preocupação diaconal, do grego diakonia que quer

39 Levítico é o terceiro livro da Bíblia judaico-cristã. Nele encontramos vários preceitos sobre as doenças e como deveriam ser tratadas as pessoas que tinham enfermidades consideradas impuras pelos hebreus.

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189

dizer serviço. A diaconia fazia parte da missão da Igreja como a parte prática ou uma práxis libertadora

em meio ao povo sofrido. O Papa Fabiano (236-250) dividiu Roma em 7 bairros e os confiou a sete

diáconos a fim de desenvolverem tarefas de socorrer os necessitados e doentes (CINÁ, LOCCI E

RONCHETTA, 1999, p. 907). O Edito de Milão em 313 d.C. trouxe tranqüilidade à Igreja40

(GONZALEZ, 1986, p. 176-177). O Imperador Constantino, ao se converter ao cristianismo,41 acabou

com a perseguição a Igreja e passou a beneficiá-la. Foi um período em que muitos hospitais foram

fundados pela Igreja para atender especialmente os pobres. Helena, a mãe de Constantino foi muito

importante nesse período construindo os primeiros hospitais cristãos. Os templos foram transformados em

lugares de acolhimento aos enfermos. Os serviços prestados aos doentes eram realizados pelos diáconos e

diaconisas. Os mosteiros, apesar de privilegiar uma prática ascética, dedicavam-se aos cuidados dos

necessitados. Muitos mosteiros foram criados exclusivamente para atender aos doentes. Esses mosteiros

urbanos foram as primeiras casas de caridade para cuidados dos enfermos e pobres. Eram assim

classificados: nosocômios para os enfermos; gerontocômios para os idosos; xenodóquios para os

peregrinos; orfanatos para os órfãos (PESSINI, 1989, p. 204-205).

Apesar da Igreja se projetar como local de assistência aos doentes, por meio de hospitais e casa de

caridade, ainda mantinha a mentalidade do Antigo Testamento, associando a doença ao pecado e ao

castigo divino. Nesse sentido a doença é vista como uma bênção que vem para corrigir os pecadores a se

voltarem ao Sagrado.

Na Idade Média, durante o feudalismo, foram criadas as ordens de cavalaria militares que, apesar de terem

como atividade principal defender a hegemonia feudal, a Igreja transformou-os em instrumento de justiça

e socorro para os fracos e oprimidos, especialmente os enfermos. Na Idade Média, aos poucos, a medicina

vai saindo das mãos dos clérigos, assumindo seu caráter secular. As instituições leigas, no início,

associavam-se à Igreja construindo obras paralelas de assistência aos doentes.

Surgem no final da Idade Média as preocupações com a peste e a lepra. Especialmente para os leprosos

são criados os “lazaretos”, lugar onde os doentes de lepra eram internados. “Os seus estatutos previam a

presença do capelão e a obrigação do enfermo de se confessar como premissa para a assistência de saúde”

40 Edito de Milão: Aliança entre os Imperadores Constantino e Licínio que acabava com a perseguição aos cristãos pelo Império Romano. 41 Quanto à conversão de Constantino, é muito contestada pelos historiadores, mas não é objeto de nossa pesquisa.

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190

(CINÁ, LOCCI E RONCHETTA, 1999, p. 907). Ainda na Idade Média, muitas iniciativas mostraram a

preocupação da Igreja com o atendimento aos enfermos, ainda que com ações isoladas de pessoas, como

Santa Clara, a irmã de São Francisco de Assis. Foi ela quem fundou o primeiro convento de

religiosas(clarissas) que cuidava dos doentes com remédios e curativos (PAIXÃO, 1979, p. 26).

Na renascença, no século XVI, a preocupação com uma ação sanitária mais eficaz passa a fazer parte da

agenda dos Estados. Para a Igreja, isso representou uma intromissão à sua missão de cuidar dos pobres e

doentes. Pessini (1989, p. 209) relata que,

O campo sanitário estava tão unido à ação da Igreja que durante séculos

considerou-o próprio, diretamente derivado do preceito evangélico da caridade, de

tal maneira que, quando o Estado começou a fundar instituições hospitalares, a

Igreja viu o fato como grave intromissão em suas funções.

No século XVI acontece a Reforma Protestante42 em que se destaca a dimensão diaconal da atuação de

Calvino43 na cidade de Genebra e por outros reformadores nas cidades de Zurique e Berna.

A atuação de Calvino na cidade de Genebra foi muito profícua na área social. Em 1535 foi fundado o

Hospital Geral na cidade de Genebra para atender os doentes pobres, órfãos e os idosos. Para que todos

pudessem ter os alimentos básicos, medidas de ordem econômica foram tomadas contra o monopólio e a

especulação (BIELÉR, 1990, p. 224).

Vale ressaltar que o trabalho diaconal da igreja reformada em Genebra não ficava no assistencialismo,

mas tinha uma dimensão libertadora, pois propiciava condições necessárias para que as pessoas não

precisassem mendigar. No Hospital Geral as crianças dos enfermos recebiam instrução de um professor.

Essa educação era estendida aos adultos enfermos também a fim de reeducá-los profissionalmente

(BIELÉR, 1990, p. 225).

42 No dia 31 de outubro de 1517, Lutero, um monge agostiniano, afixa na porta da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, suas 95 teses, combatendo as heresias da Igreja Católica da época, dando início ao movimento que ganhou o nome de Reforma Protestante. 43 Calvino é considerado o teólogo reformado que melhor sistematizou as idéias da Reforma Protestante do séc. XVI. Suas idéias constam em seus escritos que ganharam o nome de “As Institutas”.

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191

No renascimento, há uma mudança muito clara na forma de administrar os hospitais, pois os mesmos

deixam de ser gestados por instituições religiosas, passando para as instituições leigas. Consequentemente

a ênfase passa a ser mais nas estruturas hospitalares, com a construção de grandes hospitais, concebidos

mais como obras de arte do que como locais de tratamento. Cresce o exterior, mas o serviço não

acompanha o mesmo ritmo. O paciente deixa de ser o irmão em Cristo e passa a ser tratado como cidadão,

sujeito a direitos. “O serviço ao enfermo se torna serviço sem alma, mais obrigação legal do que exigência

da caridade” (CINÁ, LOCCI E RONCHETTA, 1999, p. 907). Em 1700 acontece a liberação definitiva da

hospitalização religiosa para a leiga.

Isto não significa que a Igreja se ausentou dessa responsabilidade, pelo contrário, ela continuou exercendo

a sua vocação. Várias iniciativas marcaram a preocupação da Igreja por meio de pessoas que se

dedicavam ao cuidado dos doentes. Entre essas pessoas destacam-se São João de Deus e São Camilo de

Lellis, considerados pelos cristãos católicos como os patronos dos enfermos, dos hospitais e trabalhadores

da saúde. São Camilo foi quem lutou pela humanização da assistência hospitalar pública, estabelecendo

regras para melhorar o atendimento ao enfermo, promovendo a formação dos assistentes e o surgimento

do voluntariado leigo. Estabeleceu o atendimento domiciliar e nos campos de batalha (PESSINI, 1989,

p.209).

Segundo Ferreira e Zitti (2002, pp. 35-38), o conceito histórico de capelania vem da França, desde os

tempos da Idade Média. Em tempos de guerra, o rei da França costumava levar uma relíquia cristã ou o

oratório de São Martin de Tours, para os acampamentos militares. A relíquia era posta em uma tenda

especial que levava o nome de capela. Para cuidar desse lugar e também realizar os ofícios religiosos, era

mantido um sacerdote durante o tempo que a guerra durasse. Esse sacerdote era também considerado um

conselheiro e mesmo em tempo de paz essa tenda ou capela continuava no reino. Logo o costume passou a

ser observado em Roma.

Em 1789, esse ofício foi abolido na França, mas restabelecido em 1857, pelo papa Pio IX. A esta altura, o

sacerdote que tomava conta da capela, que era chamado capelão, passava a ser o líder espiritual do

soberano rei e de seus representantes. O serviço costumava estender-se também a outras instituições:

parlamentos, colégios, cemitérios e prisões.

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192

No século XIX é que a capelania hospitalar começou a ganhar destaque, por causa das discussões sobre

psicologia pastoral, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra. O principal defensor da idéia de que

deveria haver uma cooperação entre o clero e a classe médica foi o pastor congregacional de Columbus,

no Estado de Ohio, nos Estados Unidos, Washington Gladden (FERREIRA E ZITI, 2002, p. 36).

Na virada do século XIX para o século XX as discussões sobre o assunto era muito intensa. “O tema

principal era ‘cura para todos’, e o objetivo maior era buscar saúde para ‘o homem inteiro’” (FERREIRA

E ZITI, 2002, p. 36).

Anton Boisen foi também um dos pioneiros nessa área, assumindo uma capelania no Hospital Estadual de

Worcester, para doentes mentais. Ele foi o primeiro a levar estudantes de teologia para dentro de um

hospital psiquiátrico para treinamento pastoral clínico, fazendo parte dos trabalhos normais do hospital.

Boisen é considerado pela literatura moderna um dos fundadores do treinamento pastoral clínico.44

Na Inglaterra quem se destacou nesse movimento de capelania hospitalar foi o pastor metodista Leslie

Weatherhead. Em 1916 foi como missionário para a Índia e ingressou no oficialato militar da reserva do

exército da Índia, sendo enviado para o deserto da Mesopotâmia. Ali foi nomeado capelão do exército.

Durante esse trabalho na Mesopotâmia, conheceu um médico que defendia a participação dos capelães

religiosos no tratamento dos doentes, especialmente nas doenças de natureza psicossomáticas. Quando

retornou à Inglaterra, decidiu estudar profundamente o assunto e realizou vários seminários de debates

envolvendo psicologia, medicina e psicanálise. O seu trabalho com certeza ajudou a firmar as atividades

de capelania hospitalar daquele tempo. “É bom lembrar a esta altura, que o trabalho de capelania estava

muito ligado à psicologia, principalmente a emergente disciplina denominada psicologia pastoral”

(FERREIRA E ZITI, 2002, p. 37).

No Brasil a capelania também iniciou na área militar em 1858 com o nome de Repartição Eclesiástica,

somente com a Igreja Católica. Esse serviço foi abolido em 1899. Durante a Segunda Guerra Mundial, em

1944, a capelania voltou com o nome de Assistência Religiosa das Forças Armadas. Na mesma época foi

criada a Capelania Evangélica para assegurar a presença de capelães evangélicos na Força Expedicionária

Brasileira (FEB). Até hoje existe essa função no Exército Brasileiro.

44 Sobre Boisen, ver também o livro The Exploration of the Inner World, 1936.

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193

Em nossos dias, o serviço de capelania tem ampliado a sua esfera de atuação, estendendo-se as várias

áreas de nossa sociedade: escolas, universidades, presídios, indústrias, na polícia militar, etc. A capelania

hospitalar como uma ação transformadora, deve ajudar o paciente a se enxergar como uma pessoa que,

embora esteja vivenciando uma enfermidade, não deve ser confundida com ela. Remen (1993, p. 34) vai

mostrar que “o rótulo pode definir a doença, mas o paciente geralmente é definido por aquilo que ele

acredita a seu respeito, pelo que acredita ser possível”. Ela ainda cita Maslow “quando tudo o que você

tem é um martelo, todas as coisas se parecem com um prego” (REMEN, apud MASLOW, 1993, p. 42).

Isso significa que o capelão deve ajudar o paciente a assumir o controle de sua vida a ser o que deseja e

não o que os outros desejam que ele seja, o que Remen (1993, p. 63) chama de “desidentificação”,

mostrando que o paciente tem direitos, mas também deveres quanto ao seu próprio bem-estar físico,

emocional e espiritual.

O serviço de capelania hospitalar é o de levar consolo e solidariedade às pessoas internadas num hospital,

mas essa ação não é simplesmente espontânea, deve ser fruto de uma ação reflexiva que visa, além do

consolo, levar uma orientação segura para as crises espirituais que os pacientes normalmente enfrentam. O

capelão deve propiciar aos pacientes, a possibilidade do encontro consigo mesmo e com as pessoas ao seu

redor, numa vivência de uma espiritualidade sadia.

O autor de Eclesiastes afirmou que “é melhor ir a uma casa onde há luto do que ir a uma casa onde há

festa, pois onde há luto lembramos que um dia também vamos morrer. E os vivos nunca devem esquecer

isso” (NTLH, 2000, Eclesiastes 7,2). Isso significa que a doença, o sofrimento e a presença da morte são

fatores didáticos, nos quais o capelão deve apresentar as pessoas internadas. Mas, para encontrar sentido

na doença e consequentemente, no sofrimento e morte, faz-se necessário um relacionamento sadio com o

Sagrado e aquilo que ele significa em meio a nossa crise.

Comblin (1985, p. 112) em sua antropologia cristã, ao defender o valor da vida, afirma essa dimensão

espiritual do ser humano, em que “a vida é uma vontade pessoal, assumida, alimentada, desenvolvida...no

fundo da vontade de viver há uma fé na vida, fé no futuro. O que faz viver é a fé, sem fé não se vive”.

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194

A medicina encontra muitas dificuldades em reconhecer essa necessidade intrínseca no ser humano, de

experimentar sua fé no Sagrado, naquilo que “nos toca incondicionalmente” como diz Tillich (1985, p. 5).

Tillich ainda afirma que “O coração humano procura o infinito, porque o finito quer repousar no infinito”

(TILLICH, 1985, p. 13). Reis (2002, p. 64) aponta para a importância do acompanhamento do paciente

pelo capelão, ajudando-o a descobrir ou a redescobrir seu relacionamento com o Sagrado e que a

enfermidade propicia esse caminhar em direção ao Divino. Para ele “ajudar as pessoas a encontrarem o

sentido da espiritualidade na vida é o mesmo que lhe apontar perspectivas e segurança diante do medo e

do sofrimento inevitáveis” (REIS, 2002, p. 65).

Diante da enfermidade, a pessoa fica cheia de dúvidas em relação ao Sagrado. Muitos pacientes nutrem

uma revolta contra Deus por acreditarem que Deus, ou está alheio ao seu sofrimento, ou por não entender

o porquê ele permitiu que estivessem nessa situação. O capelão deve ajudar o paciente a se abrir diante de

Deus e desabafar toda sua angústia, medo, raiva e às vezes, sua falta de fé. Pessini (2003, p. 111) mostra

que a “raiva não é o contrário do amor, mas uma dimensão desse. Não sentimos raiva de alguém que não

amamos”. Para ele, são esses momentos de vulnerabilidade, causados pela doença, que, frequentemente,

encontra-se Deus (PESSINI, 2003, p. 112).

Outra dúvida é em relação à vida após a morte. Varella (2004, p. 203) afirma que “a angústia causada pela

impossibilidade de comprovar por meios racionais se existe vida depois da morte acompanha a

humanidade desde seus primórdios”.

Rubem Alves (2002, pp. 34-35) diz que para essas crises não existe remédio, são dores da alma que vai

para além da capacidade da medicina em diagnosticar e tratar:

Há também as dores da alma que nenhuma cirurgia consegue curar. O medo, por

exemplo, não pode ser amputado. Pena. Porque o medo paralisa a vida.

Dominada pelo medo, a vida se encolhe, perde a capacidade de lutar, entrega-se à

morte.

Para vencer o medo, seja da morte ou do sofrimento que está por vir, é necessário confiar, ter fé, é

acreditar que apesar da desgraça ao redor, existe uma esperança, Deus. Nas palavras de Pessini (2003, p.

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195

113), “Confiar é ser convicto de que o sol brilha através das nuvens, que em meio ao inverno rigoroso

existem sementes da primavera, que todas as nossas mortes contêm a promessa da ressurreição”.

Ter fé não significa necessariamente ausência de dúvida. Para Tillich (1985), a dúvida é parte constitutiva

da fé. Ela está na essência da fé e caminham juntas. Para ele, a “fé é certeza na medida em que ela se

baseia na experiência do sagrado. Mas ao mesmo tempo a fé é cheia de incerteza, uma vez que o infinito,

para o qual ela está orientada, é experimentado por um ser finito” (TILLICH, 1985, p. 15). Josias Pereira

(2003, pp. 48-49) também afirma que a dúvida não só faz parte da fé como nos conduz a ela:

A dúvida pode ser entendida como uma espécie de sombra da fé. Mas numa

compreensão do fenômeno a partir da teoria dos opostos e à luz da afirmativa de

que os opostos são apenas extremos de um mesmo seguimento, entender-se-á que a

fé se origina na dúvida.

O capelão deve mostrar que a fé e a dúvida não são opostas entre si, pelo contrário, a dúvida nos conduz a

fé, quando temos a coragem de reconhecê-la dentro de nossa espiritualidade e vivência da fé. A dúvida

está justamente no descompasso entre a promessa de Deus e a fé. Novamente Tillich (1985, p. 66) vai

dizer que “A dúvida não é superada pela repressão, e sim pela coragem”. A coragem não nega a dúvida,

mas a aceita como expressão da nossa finitude e mesmo assim vai ao encontro do que nos toca

incondicionalmente, sabendo se aceito por ele, pelo Sagrado.

É isso que se constitui num serviço de capelania hospitalar encarnada e solidária. É ouvir e cuidar da

pessoa enferma, que em meio à crise, necessita se reconciliar com o Sagrado, trazendo-lhe paz e

significado ao seu momento de vida. Dittrich (2004, p. 48) ao enfatizar a espiritualidade do paciente

posiciona-se da seguinte forma:

A espiritualidade é uma característica fundante do ser humano. É pelo seu espírito

criador que ele tem a capacidade de se colocar para além do mundo imediato, de

sonhar para o alto para sentir e encontrar Deus, recuperando assim um sentido

pessoal das experiências que a humanidade fez em contato com o Sagrado, o

Divino.

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196

Capelania hospitalar é ir muito além de uma visita ao paciente, mas acompanhá-lo em seu tratamento,

ajudando-lhe em suas dúvidas, apontando um caminho de restauração da sua espiritualidade, num

relacionamento sadio com o Sagrado, dando sentido a sua existência humana. Perine (2004, p. 175) em

sua pesquisa sobre a filosofia de Eric Weil, aponta para essa dimensão da vida humana:

É verdade que o que se pode chamar de abertura ao transcendente ou à

transcendência é uma dimensão da existência humana. Porém, justamente por isso

ela não pode ser isolada, pois o próprio de uma dimensão é contribuir para

estruturar o todo da existência...

Cuidar do paciente sem levar em consideração essa dimensão é negligenciar ou negar o seu direito a saúde

integral, onde cada dimensão da existência humana é importante e precisa estar em harmonia. Isso vai

ajudar no próprio tratamento da pessoa enferma, pois o mesmo passará a acreditar ou a ter esperança na

vida e consequentemente no tratamento a que está sendo submetido. Esperança não é otimismo, mas a

certeza de que não está sozinho nessa caminhada, que existe um Deus que se preocupa e sofre junto. Eleny

Vassão (MEZZOMO, 2003, p. 62) em seu artigo “Uma pitada de amor”, enfatiza que, “uma alma

atendida, e o paciente estará muito engajado no tratamento, aceitando melhor o tempo de hospitalização,

as dores do tratamento e até mesmo a morte”.

O capelão hospitalar é aquele que está trabalhando em nome da comunidade dentro de um hospital. Dessa

forma, sua ação deve ser de acolhimento, sem distinção de sexo, raça, social, econômica e de orientação

sexual. O hospital é a Igreja do capelão onde todos são aceitos por Deus e assim, podem experimentar

desse relacionamento com o Sagrado, com sentimento de pertença. Nas palavras de Pessini (2003, p. 153),

“a Igreja recebeu o mandato de ser continuadora da obra misericordiosa de Jesus Cristo junto aos

enfermos. Negar essa verdade é trair o próprio evangelho como boa nova da vida (‘Eu vim para que todos

tenham vida e a tenham em abundância – João 10.10’).

O capelão deve se colocar como instrumento de Deus para trazer esperança e vida às pessoas enfermas,

como aquele que assume a responsabilidade cristã em nome da Igreja dentro do ambiente hospitalar.

Adotando uma postura ecumênica, onde o respeito à espiritualidade do paciente é mantida, combatendo

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197

toda forma de proselitismo. A capelania hospitalar é chamada a viver o evangelho de Jesus por meio da

promoção da vida às pessoas doentes, levando fé e esperança aos que foram destituídos delas, por uma

sociedade que valoriza o ter acima do ser.

Quando se fala em viver o evangelho de Jesus, entra-se num campo minado dentro da assistência

espiritual que se propõe a capelania hospitalar. As capelanias hospitalares de tradição cristã têm em seus

estatutos, regimentos e missão, a garantia de que todos os pacientes de um hospital são alvos do serviço,

independente da religião que professa. Elas afirmam o seu respeito pelos credos professados pelas pessoas

enfermas, internadas em um hospital.

Mas o que se vê em muitos serviços de capelania é justamente o contrário do que afirmam em seus

estatutos, regimentos e missão. O que acontece, frequentemente, é puro proselitismo, ou seja, a imposição

da fé do capelão ou do visitador45. Nessa tentativa de cooptar a pessoa doente à sua fé, aproveitando da

fragilidade causada pela enfermidade, esquece que ali está uma pessoa que deve ser respeitada em seu

momento de dor e sofrimento, bem como em sua fé ou não fé. Muitos, mal preparados, na ansiedade de

“evangelizar”, não conseguem atender o que realmente o paciente está precisando, pois sequer conseguem

ouvir o que ele está falando.

Capelania hospitalar não pode fazer do seu serviço um meio de arrebanhar vidas para sua religião ou

credo. Capelania hospitalar como é aquela que respeita a todos os credos, sendo capaz de dialogar,

“cooperando no objetivo comum de servir ao doente, preservando a própria identidade de fé” (PESSINI,

1993, p. 28).

O anúncio das Boas Novas do Evangelho de Jesus é levar vida a quem está alijada de uma vida completa.

Anunciar as Boas Novas é levar fé e esperança, consolo e solidariedade às pessoas internadas que vivem o

drama da enfermidade. O capelão ou o visitador para ter uma práxis libertadora é necessário que seja

ecumênico e consciente do amor de Deus por todas as pessoas, independente da fé que professam. Pessini

(2003, p. 99), em sua postura ecumênica, afirma que, “As várias religiões da humanidade sempre

procuraram dar uma resposta sobre o significado do sofrimento, bem como reconhecer a necessidade de

demonstrar compaixão e amabilidade para com as pessoas que sofrem”.

45 Visitador são voluntários que ajudam no trabalho de capelania.

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Capelania hospitalar como práxis libertadora não é alvo de estatísticas de quantas pessoas são “salvas”

num dia de visitas no hospital, mas que tem a preocupação em ser instrumento de Deus para o consolo de

todas as pessoas que precisam.

Jesus em seu ministério, percorria as cidades e aldeias, enxergando as pessoas e a multidão. Identificava-

se com as dores e o sofrimento humano. Para esses, ele sempre tinha uma palavra de ânimo e esperança,

sem nenhum tipo de discriminação. Em todas as situações, Jesus demonstrou muito respeito, amor e

compreensão para com as pessoas. Ele não atropelava ninguém, tinha paciência e caminhava junto,

restaurando a dignidade do ser humano.

Figueiredo (1997, p. 161) define a evangelização assim:

Podemos entender a evangelização de diversas formas. Sem excluir as outras,

procuraremos definir e trabalhar a evangelização como humanização, isto é, fazer

o ser humano sentir-se humano realmente e não um objeto. Cristo evangelizou

humanizando e humanizou evangelizando.

Como diz Pessini (1988, p. 30), temos que “ajudar os doentes, para que a passagem pelo hospital se torne

uma experiência de descoberta e aprofundamento do sentido da vida”.

Desafios à IPI do Brasil. A saúde pública e os hospitais precisam passar por um processo de humanização

para que possam enxergar o ser humano por trás da doença. Em cada pessoa internada, existe uma vida,

uma história, uma experiência de fé que deve ser levada em conta no tratamento.

Os médicos e as enfermeiras na realização de suas atividades, nem sempre têm tempo para conhecer os

pacientes, ouvir suas histórias e se envolver com eles, por isso, a necessidade do trabalho da capelania

hospitalar.

Outra realidade importante que o capelão ou capelã deve estar consciente é que vivemos numa sociedade

que prega e vive a não-vida, onde os direitos são desrespeitados e as injustiças imperam. A saúde pública

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199

está prejudicada e as pessoas não conseguem atendimento médico, especialmente nas grandes cidades. Em

muitos hospitais é nítida a discriminação dos pacientes mais pobres, ou seja, aqueles que não têm

convênio médico e que não podem pagar por quartos particulares.

Nesse sentido, a capelania hospitalar, tem que se posicionar em favor das pessoas doentes. Colocar-se

como a voz de quem não tem voz, denunciando essas injustiças e procurando assegurar o direito de todos

à saúde integral. Quando se fala em saúde integral está se referindo aos vários aspectos ou fatores que

envolvem a vida de uma pessoa. Saúde integral é muito mais que apenas elementos médicos e

hospitalares, mas envolve todas as facetas do desenvolvimento. A pessoa deve ser vista com um ser

integral onde todas as dimensões da vida estão presentes e para que essa pessoa seja sadia é necessário que

essas dimensões, biofísica, psíquica, social, mental e transcendental estejam em harmonia. A deficiência

em qualquer uma delas impede a presença da saúde em seu estado pleno. A conceituação de saúde integral

parte do princípio fundamental de que a saúde significa mais do que ter uma boa saúde física, mais do que

simplesmente não estar com uma enfermidade. Mezzomo (2003, p. 21) em seu livro sobre a humanização

hospitalar diz que, “a ausência de doença é um requisito essencial, mas não passa de um negativo, uma

base sobre a qual deve existir algo que torne a vida eficaz, produtiva e prazerosa”. Saúde integral requer

estar de bem consigo, com o próximo e com o sagrado, numa relação direta com qualidade satisfatória de

vida. Como disse Remem (1993, p. 8), “a saúde não é a qualidade de uma pessoa e sim de uma vida”.

Portanto, saúde integral tem a ver com qualidade de vida e não com a ausência do que atrapalha.

Mezzomo (2003, p. 23) afirma que “a saúde é um valor e um bem tão extraordinário, que seu conceito se

torna complexo, porque sua abrangência parece não ter limites e, no entanto, é um direito e um dever de

cada um”. A capelania hospitalar deve proporcionar vida às pessoas doentes e internadas, levando fé e

esperança aos que foram destituídos delas, por uma sociedade que valoriza o ter acima do ser.

Hoje, muitos hospitais contam com o serviço de capelania. Poucos são os hospitais que contratam e

remuneram seus capelães. A grande maioria dos capelães trabalha de forma voluntária. Algumas

capelanias não têm a figura do capelão ou da capelã e são formadas por voluntários e voluntárias que são

chamados de visitadores. Atualmente existem vários cursos preparatórios ou de formação, tanto para

capelães como para visitadores e visitadoras, alguns de qualidade duvidosa.

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200

O serviço de capelania hospitalar tem por função levar conforto e solidariedade, prestando assistência

espiritual às pessoas internadas, aos familiares e a todos que trabalham no hospital: médicos, enfermeiros,

e quaisquer outros funcionários, sendo parte integrante no tratamento, bem como lutar pelos direitos dos

pacientes à saúde integral.

O serviço de capelania deve ser exercido sempre por uma pessoa, homem ou mulher, devidamente

qualificado, para evitar alguns erros que normalmente são cometidos, como por exemplo, prestar

assistência psicológica aos pacientes. O trabalho do capelão está restrito a área espiritual, levando consolo

e solidariedade, devendo deixar para o psicólogo ou psicóloga a tarefa de tratar essa área. Entretanto, para

exercer a capelania não basta ser pastor ou pastora ou ter cursado teologia. É necessário especializar-se e

qualificar-se nessa área para desenvolver esse serviço.

Por isso, os desafios para a IPI do Brasil são grandes. Precisamos urgentemente formatar um curso de

capelania Hospitalar para pastores e membros da Igreja, pois muitos tem recorrido a cursos que não

atendem a um trabalho sério de capelania, que leve em conta o ser humano como um todo e seu direito a

saúde integral. Esse curso poderia ser oferecido nas regiões ou até mesmo no novo seminário teológico da

IPI do Brasil.

Outro desafio seria tratar o serviço do capelão como um ministério extraordinário, propiciando sustento

aqueles que, dentro dos critérios e da disponibilidade, fizessem parte desse ministério, que poderia estar

subordinado ao Ministério da Missão, através da Secretaria de Diaconia ou Pastoral.

Marcos Nunes da Silva

Educador Teológico ?????

Bioética. Historicamente, a Bioética surgiu em 1971, com a publicação da obra Bioethics, a Bridge to the

future46, de Van Rensselaer Potter, que, preocupado com a questão da sobrevivência no planeta, propôs

que o ser humano adotasse nova postura frente ao meio ambiente, além de uma adaptação a esse meio,

como forma de sustentar e melhorar o mundo civilizado. Em 1974, o governo e o congresso dos Estados

46 POTTER, V.R. BIOETHICS: Bridge to the Future. Englewood Cliffs: Printice – Hall, 1971.

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201

Unidos da América constituíram a National Commission For The Protection of Human Subjects of

Biomedical and Behavioral Research47, cujo objetivo era identificar os princípios éticos que deveriam

nortear as experimentações em seres humanos. O relatório dos trabalhos dessa Comissão conhecida como

Relatório Belmont, publicado em 1978, tornou-se o documento básico para reflexão da Bioética em geral,

pelo menos durante os anos 80 e até início dos anos 90. Três foram os princípios apontados pelo Relatório

Belmont e que deveriam ser seguidos nas experimentações com seres humanos: autonomia - capacidade

do sujeito para decidir, de forma esclarecida e sem coação; beneficência – dever de não causar dano e, ao

mesmo tempo, potencializar os benefícios da pesquisa; e justiça – imparcialidade na distribuição dos

riscos e benefícios.

Em 1979, BEAUCHAMP e CHILDRESS publicam Principles of Biomedical Ethics48, aplicando os

princípios apontados pelo Relatório Belmont à prática biomédica. Os autores vão além e desdobram o

princípio da beneficência em dois: beneficência e não maleficência. Esses são os quatro princípios

clássicos da Bioética, que neles, entretanto, não se esgota, pois a Bioética é um novo campo de

conhecimento, ainda em fase de desenvolvimento. Em pouco tempo, no entanto, apalavra “bioética” foi de

certa forma apropriada pelos pesquisadores do Instituto Kennedy, dos Estados Unidos, que deram ao seu

conceito uma feição mais relacionada com as situações éticas relacionadas à vida das pessoas, desde seu

nascimento, transcurso e até sua morte. Foi principalmente a partir daí, com esta conotação, que ela se

expandiu e é hoje reconhecida nos meios acadêmicos e sanitários internacionais.

A base da bioética é a “ética prática” ou ética aplicada. Atualmente, é provável que este campo da

filosofia tenha sua utilização aperfeiçoada. Isso é, até certo ponto natural, uma vez que os grandes dilemas

que passaram a se apresentar às pessoas e às coletividades, na vida quotidiana e prática, principalmente

dos anos 50 para cá, começaram a exigir respostas ou decisões muitas vezes imediatas e sempre concretas.

Refiro-me a temas como a fecundação assistida, os transplantes de órgãos, a terapia gênica e tantas outras

situações que atingem, de certo modo, os limites, os confins da vida, e que dizem respeito ao mais intimo

da espécie humana. Parece-me, portanto, que melhor que ater-nos a princípios rígidos, é tentarmos realizar

esforços para melhor contextualizar cada situação conflitiva, dentro de seus aspectos sociais, culturais,

47 The National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. The Belmond Report. Washington: Government Printing Office, 1979. 48 BEAUCHAMP, T.L. & CHILDRESS, J. F. Principles of Biomedical Ethics 5 rd. Ed. New York: Oxford University Press, 2001.

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econômicos, biológicos, etc...Neste sentido, o movimento feminista, por exemplo, conseguiu mostrar de

forma clara ao mundo a importância de se compreender e respeitar as diferenças. Dentro deste contexto, o

conceito de diferença, nas questões de gênero, do mesmo modo nas questões raciais, não significa

desigualdade (ou inferioridade...). Pelo contrário, resgata a necessidade democrática de que cada situação

seja contextualizada exatamente a partir destes parâmetros diferenciais para que, assim, se dê a verdadeira

igualdade. Desde aspectos mais simples e diretos como aqueles referentes aos direitos de uma gestante,

até aqueles que dizem respeito à igualdade de acesso à todas pessoas indistintamente na disputa aos postos

de trabalho – conquistas consideradas longínquas para alguns grupos sociais há poucas décadas atrás –

ganharam novo impulso com os avanços destes movimentos democráticos.

Em todos os temas inerentes à bioética, existe uma questão que, sem dúvida, atravessa longitudinalmente

todos os problemas e conflitos a serem abordados e estudados. Refiro-me ao assunto ao qual o filósofo

alemão Hans Jonas dedicou toda sua vida, ou seja, à ética da responsabilidade. Seja com relação à bioética

das situações persistentes (questões antigas da humanindade, Ex. Aborto) ou das situações emergentes (

Ex. Seleção de embriões ) o princípio universal da responsabilidade não pode ser deixado de lado.

Hans Jonas contribui com três aspectos importantes para o desenvolvimento da bioética: a ética da

responsabilidade individual, que se refere ao papel e aos compromissos que cada um de nós deve assumir

frente a si mesmo e aos seus semelhantes, seja em ações privadas ou públicas, singulares ou coletivas; a

ética da responsabilidade pública, que diz respeito ao papel e aos deveres dos Estados democráticos

frente não só a temas universais como a cidadania e os direitos humanos, mas também com relação ao

cumprimento das cartas constitucionais de cada nação, principalmente nos capítulos referentes

diretamente à saúde e vida das pessoas; e a ética da responsabilidade planetária, que significa o

compromisso de cada um de nós, cidadãos do mundo, de cada país e do próprio conjunto de todas as

nações, frente ao desafio que é a preservação do planeta, em respeito àqueles que virão depois de nós.

A bioética, assim, não tem por base a limitação ou a negação. Ao contrário, trata de atuar afirmativamente,

positivamente. Para ela, a essência é a liberdade, porém com compromisso e responsabilidade. Estas

preocupações, portanto, reveladas à cima levou-nos a emergia da bioética, enquanto campo da ética

prática.

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203

Emergência Da Bioética / O Porquê De Sua Origem. O neologismo, “bioética”, fora criado pelo

cancerologista estadunidense Van Rensselaer Potter na publicação do seu livro, Bioethics: Bridge to the

Future (Bioética: ponte para o futuro). Paralelamente a este fato, o anestesiologista Henry Becher

divulgou um artigo que assombrou a comunidade científica desde o anúncio das atrocidades nazistas. O

artigo era composto por 22 relatos de casos de pesquisa em situações subumanas: Ethics and Clinical

Research.49 Outros dois momentos importantes na gênese da Bioética, quanto ética prática, foram o

Relatório Belmont e a obra de Beauchamp e Childress, Principals of Biomedicals Ethics.50

Nestes termos três casos notáveis mobilizaram a opinião pública norte americana e que exigiram

regulamentação ética, desencadeando o relatório Belmont e a obra de Beauchamp e Childress, são eles:

Em 1963, no Hospital Israelida de Doenças Crônicas, em Nova York, foram

injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes. Entre 1950 e 1970, no

Hospital Estatal de Willow Brook (NY), injetaram vírus da hepatite em crianças

portadoras de necessidades especiais. Desde os anos 30, mas divulgado apenas em

1972, no caso Tuskeeg Study, no estado do Alabama, 400 negros sifilíticos foram

deixados sem tratamento para realização de uma pesquisa da história natural da

doença. — Revista do CFM, pág. 82, 1988

Diante deste contexto, a Bioética consolidou-se como uma disciplina acadêmica, pois havia, à partir destes

fatos uma certeza, a imoralidade não era algo presente apenas em médicos pesquisadores nazistas. De

maneira que todos estes fatos permitiram com que se deparasse com a fragilidade da proteção ética nas

pesquisas envolvendo seres humanos. Tornou-se, portanto imperativo a emergência de uma estrutura de

pensamento que pudesse servir de instância mediadora dos conflitos morais.

É oportuno mencionar que a Bioética em sua visão original focalizou o equilíbrio e a preservação dos

seres humanos e seu ecossistema. Não obstante o que se difundiu nos meios científicos foi uma Bioética

estadunidense, sob o enfoque principialista, ou seja, o desenvolvimento da Bioética a partir de quatro

49 Becher Henry. "Ethics and Clinical Research". In the New England Journal of Medicine, June 16, pgs 1354-1360, 1996. Citado por Débora Diniz. Revista Mundo da Saúde, pg 333, 1999. 50 Para uma melhor compreensão ver Revista do CFM. In Iniciação a Bioética, pg. 82-83, 1998.

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princípios básicos. São eles a Autonomia, Beneficência, Justiça e Não-maleficência. Estes princípios não

são absolutos, mas foram assimilados e constituem uma ferramenta muito utilizada pelos bioeticistas na

mediação e resolução de conflitos morais. Salienta-se que o principialismo é um entre os vários modelos

teóricos usados como diferentes linhas de atuação Bioética. Hoje em Bioética defende-se cada vez mais a

contextualização, onde cada caso deve ser analisado individualmente, dentro de sua especificidade social,

cultural e econômica. No Brasil o modelo teórico adotado é o da contextualização da bioética. Sempre

com o objetivo de buscar definições, deve-se compreender Bioética como a ética da qualidade de vida. Ou

ainda segundo Pessini e Barchifontaine em seu livro, Fundamentos da bioética:

... Uma vez que as definições tendem há fixar fronteiras a Bioética não têm

fronteiras... Trata-se de um novo estado, de uma nova reflexão... Não se trata de

uma nova palavra sofisticada... Ela é fruto de uma sociedade que atingiu a

democracia, com pleno exercício da cidadania, com a afirmação do sujeito

instruído, de uma sociedade pluralista e secularizada.— Pg 31 1996).

Nesta busca por definições corrobora conosco Reich W. T. Citado por Pessini e Barchifonteine “Estudo

sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto esta conduta é

examinada á luz de valores e princípios morais”. (2006, Pg 46). 51

Fundamentos epistemológicos da bioética. Pluralismo moral: inter-, multi- e transdisciplinaridade. À rica

família das disciplinas, em grande expansão em nosso século, há vinte anos acrescentou-se uma nova,

nascida do tronco da filosofia moral, pendente entre ciência e ética. Mesmo recente, a bioética, todavia já

“faz parte de uma história muito complexa”.52

Para alguns, mais do que uma disciplina, a bioética é um território, um terreno de confronto de saberes

sobre problemas surgidos do progresso das ciências biomédicas, das ciências da vida e, em geral, das

ciências humanas (contracepção, aborto, DNA recambiante, eutanásia, transplante de órgãos, uso de

psicofármacos, drogas, libertação animal, contaminação ou degrado da biosfera, problemas de justiça

51 Ministério da Saúde. Capacitação para comitês de ética em pesquisa. Vol. 1, 2006. In: Do Principialismo à busca de uma perspectiva Latina Americana.Pg 42-52. www.saude.gov.br/sctie/decit 52 Cf. F. LEONI, Bioética e storia delia medicina, // Rinnovamento, 193-5 (1991) e 196 (1992). Sobre a história da bioética, cf. tam-bém C. VIAFORA (Org.), Venfanni di bioética, Pádua, 1990; A. BOMPIANI, Bioética in Itália Lineamenti e tendenze, Bolonha, 1992; C. VIAFORA ( Org.), Centri di Bioética in Itália. Orientamenti a confronto, Pádua, 1993.

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social na distribuição dos recursos sanitários, responsabilidade para as gerações futuras). Esta

complexidade cultural e científica confere ao estatuto epistemológico da bioética uma conotação

multidisciplinar, que envolve numerosos problemas filosóficos, biológicos, médicos, jurídicos,

sociológicos, genéticos, ecológicos, zoológicos, teológicos, psicológicos.

A multidisciplinaridade, para evitar gerar uma indeterminação no estatuto epistemológico da bioética e

para poder desenvolver proficuamente seu papel na correta compreensão e resolução dos problemas,

obrigando as várias disciplinas a confrontar-se com os problemas, deve agir com a clara distinção

epistemológica entre objeto material e objeto formal. As ciências distinguem-se, pelo objeto material (se é

diferente) ou pelo objeto formal (se este é igual).

O objeto material da bioética (a vida no sentido mais lato: vida humana pessoal e vida não-pessoal

compreendem todos os organismos capazes de sentir prazer e/ou dor - os animais - e também o ambiente

em geral) é comum a todas as ciências que estudam a vida (biologia, genética, ecologia, medicina,

zoologia etc). Essas ciências se distinguem ulteriormente entre si pelo ponto de vista formal através do

qual cada uma estuda seu objeto. A bioética estuda, epistemologicamente, o seu objeto sob ponto de vista

ético. Se o próprio objeto material (a vida) é, por exemplo, estudado do ponto de vista jurídico, temos não

a bioética, mas, para usar a expressão de Luciano Violante, o “bio-ius”.53 A distinção entre objeto material

e formal, longe de separar as pesquisas dos vários setores de investigação, serve para criar os pressupostos

para uma articulação complexa e orgânica das relações entre as várias disciplinas, evitando confusões e

reducionismos.

Tornou-se fundamental em bioética, para não gerar mal-entendidos e sobreposições injustificadas dos

diversos pontos de vista científicos, a distinção de pelo menos três níveis de problemas: a) problemas

metafísicos (ou conceituais), relacionados às questões últimas (Deus, imortalidade da alma etc.) e a

análise conceituai das noções de pessoa, eu, morte, tempo, vida; b) problemas empíricos (ou científicos);

c) problemas valorativos (ou éticos). A bioética não pode prescindir desta tripartição problemática, para

evitar de cair na ingenuidade “dogmática” do cientismo e do tecnicismo, que crêm que os problemas

definidores como, por exemplo, a definição da noção de ”vida”, “morte”, “humano” se resolvem com a

53 L.VIOLANTE, Bio-jus, I problemi di una normativa giuridica nel campo delia biologia umana, in A. Dl MEO - C. MANCINA (Org.), Bioética, Bari 1989, pp. 259-70.

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mera constatação empírica, técnica, dos eventos, enquanto o problema definidor não se pode resolver

empiricamente porque “é precisamente a definição que coloca as coordenadas teóricas necessárias para

interpretar as experiências empíricas”54 A consciência dessa tripartição pode impedir a falácia do

“imperativo tecnológico”, segundo o qual “se uma coisa é possível, então é boa”, não tendo em conta a

distinção aristotélica entre técnica, cuja finalidade é o bonum operis, a perfeição da obra, e a ética, cuja

finalidade é o bonum operantis, o bem do homem.55

A relação entre os três níveis problemáticos deve ser pensada não na ótica da unificação reducionista, mas

na elaboração de distinções para unificar, ou melhor, na lógica da complexidade. A bioética não pode

deixar de ser complexa porque se constitui como discurso e como prática convergente que tem de conectar

esses três níveis problemáticos e manter unidos planos diferentes sem que um absorva o outro e a

pluralidade degenere em indiferença. O princípio dialógico e de recursão são dois princípios

fundamentais, enunciados por Morin, de inteligibilidade da complexidade. O princípio da recursão implica

que cada momento, cada componente, cada instancia do processo é simultaneamente produto e produtor

dos outros momentos, componentes e instâncias. A dialógica significa que duas ou mais “lógicas”

diferentes, dois ou mais princípios diferentes estão conectados de uma maneira complexa (complementar,

concorrencial, antagónica), sem que com isso, a dualidade se dissolva na unidade. “Todas as diversas

complexidades - escreve Morin - se entrelaçam e se tecem juntas para formarem uma unidade da

complexidade; mas com isso a unidade do complexus não é eliminada da variedade e da diversidade da

complexidade que o homem entrelaçou”.56

Possibilidades E Desafios Em Bioética. Os questionamentos e as respostas apresentadas pela bioética são

cada vez mais pertinentes diante dos avanços da biotecnociência. A clonagem, por exemplo, é uma técnica

que deriva da engenharia genética, por meio da qual se tem acesso à hereditariedade e se querem corrigir

defeitos encontrados na longa molécula do DNA. Esta cadeia, que se parece com uma fita magnética, é o

suporte dos genes que recebemos dos antepassados. O ser humano tem acesso à decodificação desse

programa e pode prever doenças antes de elas se manifestarem. Modificando as informações da cadeia do

54 M. MORI, II filosofo e I'ética delia vita, in Dl MEO - MANCINA, op.cit., p. 90. O famoso Relatório Warnoçk afirma: "o início da vida de uma pessoa não é uma questão de fato mas uma decisão tomada à luz de princípios morais", in Rapporto Wamok. Quali frontiere per la vita?, Awenire documenti (1965), p. 118. O conceito de vida humana, de morte, de humano não é defínível no plano da observação fatual científica, mas exige reflexão filosófica porque subentende uma opção axiológica. 55 Sobre a relação entre teoria, técnica e praxis cf. o meu trabalho, La praticità delia ragione ermeneutica, Bari 1984, pp. 132-49. 56 E. MORIN, Le vie delia complessità, in AA.W., La sfída delia complessità, Milão, 1985, p. 56.

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DNA, ele poderá eliminar os “defeitos” hereditários.

Busca-se redesenhar o código genético de plantas, para que cresçam mais rápido, seus grãos sejam mais

resistentes a pragas e produzam em maior quantidade, e de animais, para que cresçam mais rápido e

produzam mais carne e menos gordura.

A bioengenharia rompe as limitações das espécies. Uma cabra recebeu o DNA de aranha com o objetivo

de produzir proteína da teia de aranha no leite e formar a fibra mais resistente que se conhece. No contexto

da engenharia genética, a informação contida no código genético humano é vista como imortal e passível

de ser perpetuada pela clonagem humana. A busca da imortalidade, a exemplo de todos os povos, em

todas as épocas e culturas, é uma força que move o ser humano. O problema não é técnico, porque ainda

não se tem o domínio da tecnologia da clonagem. A questão é, antes de tudo, um problema ético. Não se

podem negar os extraordinários avanços da engenharia genética. É necessário, contudo, alertar para seus

riscos. Essa preocupação coloca-se porque estamos em condições de manipular a vida e não somente de

estudá-la. Essa manipulação tem efeitos extraordinários e está carregada de conseqüências para o futuro

da humanidade. A capacidade de manipulação chega às partes infinitesimais da matéria viva: a engenharia

genética. A bioética também se confronta com a consciência ecológica de que todas as coisas existem e

coexistem em relação.

De fato, as conquistas no campo da genética fizeram com que as pessoas de um modo geral se

interessassem pela bioética. Há, hoje, uma atitude francamente favorável dos bioeticistas em relação à

teologia cristã, porque o paradigma da ciência cartesiana, enquanto forma exclusiva de explicar o mundo,

entrou em colapso. Busca-se não somente a explicação do mundo, mas se quer dar sentido ao mundo e à

vida, que está constantemente ameaçada pela sociedade, que é dirigida pelo modelo tecnicista de ciência,

excluindo o valor de todas as formas de vida. A ciência deve, hoje, buscar, além da verdade, aspectos

como a bondade e a felicidade com vistas a um objetivo social, para que a miséria humana seja aliviada.

O universo da biotecnociência trás desafios e possibilidades, seja para a bioética ou para a prática

teológica e pastoral. A bioética busca a qualidade de vida a partir de uma compreensão do conceito de

vulnerabilidade. Isto é, mediar conflitos morais visando à proteção do sujeito da pesquisa e ou indivíduo.

Nestes termos a teologia tem um histórico no cuidado com a natureza e o ser humano.

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Diante do avanço da Biotecnociência há necessidade da formação de um juízo ético através de um diálogo

interdisciplinar. Este diálogo é mediado, estrutura-se e se efetiva através da Bioética. Esta estruturação

deve produzir o senso de responsabilidade. Quando se fala em responsabilidade dever-se-á compreender

duas regências que estão contidas semanticamente no conceito e/ou princípio de responsabilidade57,

“responsabilidade por... responsabilidade diante”.

É essencial que haja nos atores sociais, bem como, na comunidade científica, quando estes produzem e

democratizam o conhecimento, a responsabilidade com a formação de um juízo ético interdisciplinar. Este

juízo ético leva-nos a uma prática de sujeitos responsáveis na proteção e promoção da vida. As grandes

possibilidades presentes em um mundo pós-moderno leva-nos a desafios de convivência e sobrevivência.

Existe uma gama de conceitos no campo da bioética. Compreender o conceito de vulnerabilidade é

objetivo central para esta reflexão. Neste sentido, considerar-se-á a vulnerabilidade como uma das

principais interfaces da teologia com a bioética.

O que torna indivíduos ou grupos vulneráveis? E porque a vulnerabilidade constitui-se uma preocupação

da Bioética?

Ao analisarmos esta categoria, pretender-se-á estabelecer critérios para reconhecer pessoas ou grupos

vulneráveis. A questão da vulnerabilidade e de proteção tem grande abrangência, principalmente e

constantemente na área das ciências da saúde. Encontramos uma definição de vulnerabilidade na

declaração de Helsink, citada por Ruth Macklin em bioética: poder e injustiça.

Algumas populações envolvidas em pesquisas são vulneráveis e precisam de

atenção especial. As necessidades particulares dos que apresentam desvantagens

econômicas e médicas tem de ser reconhecidas. Também se requer especial

atenção aos que não podem dar ou recusar o consentimento por si mesmos, àqueles

que podem se sujeitar a dar o consentimento em situações de dificuldade, aqueles

que não se beneficiam diretamente da pesquisa e aqueles para quem a pesquisa se

combina com cuidados. — Pg 61, 2002, Ed Loyola

57 Hans Jonas foi o grande pensador do Princípio da Responsabilidade. José Eduardo de Siqueira detalha este princípio em Hans Jonas e o Princípio da Responsabilidade. Ed. UEL 2000. Esta leitura é essencial para as pessoas que trabalham com Ética.

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209

Outra descrição de pessoas ou grupos vulneráveis foi estabelecida pelo CIOMS (Council for Internacional

Organizations of Medical Sciences) Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas.

“Pessoas vulneráveis são pessoas relativa ou absolutamente incapazes de proteger seus próprios

interesses”. (Apud Macklin, pág. 60)

Hoje, indivíduos ou órgãos poderosos aproveitam-se da pobreza, da impotência ou dependência, usando-

os para servir seus próprios interesses. Um ilustrativo caso de estudo vêem à baila para exemplificar: “um

experimento clínico patrocinado por uma gigantesca companhia farmacêutica, a PFZER na Nigéria

durante um forte surto de meningite infantil. A empresa estava testando a Trovofloxacina, droga que não

tinha sido aprovada para uso nos Estados Unidos da América do Norte. Os críticos alegaram ser aético

aproveitar uma circunstância de epidemia para testar uma nova droga.”58

Em se tratando de pesquisa na área da saúde, deve-se tomar cuidado com as muitas formas de

vulnerabilidade, isto é, em decorrência da pobreza, da falta de acesso a educação, das doenças, de

discriminação. As privações restringem a capacidade e a liberdade. A Bioética tem especial atenção para

com os vulneráveis devido aos riscos que estes correm, principalmente nas ações biomédicas.

O bioeticista Miguel Kottow acrescenta no livro Bioética: poder e injustiça ,o seguinte: “as ações que

envolvem exploração são moralmente erradas porque desconsideram os interesses dos fracos, violando o

princípio da diferença de Rawls, que requer que as desigualdades beneficiem os menos afortunados”

(2002, pág. 71).

Deve-se buscar uma conscientização de que sujeitos da pesquisa vulneráveis precisam ser protegidos.

Precisam de assistência para remover a causa de sua fragilidade. De modo que a essência da Bioética é

precisamente evitar a menor presença do dano ao sujeito. A contribuição e luta dos bioeticistas, além da

proteção ao vulnerável, seria a promoção da educação na saúde para que se enfrente a doença na

vulnerabilidade.

58 Citado por Ruth Macklin in Bioética: Poder e Injustiça. Ed. Loyola, pg. 61, 2002

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210

A finalidade do conhecimento em bioética é permitir que todo sujeito histórico compreenda a sua

responsabilidade por e diante de situações de vulnerabilidade. A busca e o sonho seriam o da construção

de uma ética de sujeitos responsáveis a partir das ciências da saúde e da teologia.

O avanço da Biotecnociência leva-nos a uma relação plural e interdisciplinar em termos de busca por

respostas em conflitos morais. Um dos objetivos da Bioética é dirimir conflitos em questões morais.

Neste sentido a religião e sua instância científica, que é a Teologia, têm contribuições nesta parceria

interdisciplinar. Desta forma, poder-se-ia perguntar: Qual o lugar da religião na Bioética? Suas Interfaces?

A religião pode contribuir para Bioética como ciência?

No diálogo interdisciplinar, a Teologia tem contribuições na reflexão Bioética, principalmente no que diz

respeito a uma macro contextualização da vida. De maneira que, não se pode desvincular a Biética de uma

Boa Antropologia Teológica. Pois seu campo de saber está na vida e para além da vida, especificamente

quando se busca experenciar e descrever o nascimento, sofrimento e morte dos seres.

Conceitos que até pouco tempo estavam muito próximos da Teologia tais como, vida, amor, justiça e

esperança. Hoje fazem parte do Universo Bioético. Desta forma, não é exagero incentivarmos uma Biética

Teológica ou vice-versa. Esta relação é deveras importante e imprescindível, Euler Westphal,corrobora

conosco relatando questões pertinentes e importantes:

A bioética trata de questões ligadas à saúde pública, controle de natalidade,

experimentação com animais, problemas ambientais, fome, justiça e eqüidade

sociais, bem como de humanização das ciências, em especial da biomedicina. A

indagação a respeito da dignidade humana vem à tona, de forma especial, neste

início do presente milênio, pois existem questões diretamente ligadas à

sobrevivência da humanidade, e as respostas para essas questões são totalmente

imprevisíveis. Entretanto, diante desse quadro preocupante, a reação da sociedade

moderna é de passividade. Vive-se hoje como se nada de anormal estivesse

acontecendo. Cada um de nós, de certa forma, vive a seu modo, em um certo

ateísmo. De que maneira isso se expressa? Pelo fato de que Deus nada tem a ver

com a realidade do dia-a-dia. E essa ‘aparente’ ausência de Deus determina as

atitudes que são tomadas em relação ao ser humano, que, criado à imagem de

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211

Deus, está ameaçado pelos avanços da biotecnociência.

A proposta da fé cristã para a bioética resgata o respeito profundo pela vida e seu mistério. É fundamental

dizer isso novamente no contexto de fascínio e medo diante da possibilidade da clonagem humana, da

criação de quimeras, da comercialização de embriões, da compra e venda de órgãos. O conhecimento

científico que tem o temor diante da vida como ponto de partida também será uma ciência responsável.

A responsabilidade para com o ser humano e a criação é fundamental para que se tomem decisões

respeitosas diante dos avanços tecnológicos, para que esses não se transformem em ameaças à

sobrevivência da humanidade. Na visão utilitarista, a ciência obedece à lógica da busca frenética por lucro

e consumo. Todas as coisas, inclusive o ser humano, são vistas a partir da utilidade e do lucro. Muitas

vezes, o objetivo da ciência é satisfazer as exigências do mercado. Não são o bem comum e o ser humano

que estão na lista de suas prioridades, mas o lucro.

Apesar do seu potencial ameaçador, a tecnologia faz parte da capacidade inventiva do ser humano. A

capacidade criativa faz com que a sociedade progrida nas conquistas técnicas, científicas, sociais e

políticas. Mas tudo isso pode ser profundamente ameaçador se não for dirigido para o fortalecimento dos

elementos fundamentais da dignidade da vida humana: saúde, educação, respeito à integridade da pessoa e

acesso aos benefícios da ciência e da tecnologia. Assim, nem tudo aquilo que é tecnologicamente possível

também é eticamente legítimo. As possibilidades técnicas da ciência sem o temor diante da vida revelam

um potencial destruidor extraordinário e imprevisível.

A teologia deve propor uma postura ética que considere a responsabilidade para salvaguardar as gerações

no presente e no futuro. Nossa vida é uma teia interligada de conexões com a história. Do mesmo modo, a

geração presente está genética e historicamente ligada a todas as gerações que virão depois da nossa.

Page 212: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

212

A ética cristã é favorável ao desenvolvimento tecnológico, à medida que este for acrescentado à

experiência acumulada pela humanidade. Nesse contexto, responsabilidade significa solidariedade com as

próximas gerações, (O Vulnerável) ao considerar o impacto que as atividades científicas do presente

poderiam ter sobre as gerações futuras. Isso significa concretamente que não podemos utilizar a

biotecnologia com o intuito de alterar negativamente o futuro da espécie. Uma certa arrogância da

biotecnologia traz à luz sua atitude irresponsável, na medida em que se coloca no lugar de Deus, definindo

geneticamente o futuro de outras pessoas, sem prever os danos que isso possa acarretar.Responsabilidade

é solidariedade com a criação e o ser humano, pois, caso isso não ocorra às próximas gerações receberão

um fabuloso legado de destruição e desperdício.

Nesse sentido, uma importante contribuição da Teologia cristã para a bioética é resgatar a dignidade da

vida humana e da criação, pois elas são concessão de Deus para ser res¬peitadas e bem administradas,

para que a sobrevivência do planeta seja possível. Esse é o propósito da bioética desde o seu início.

Portanto,os desafios que nos impõe a medicalização e o processo irracional de destruição da vida seja ela

humana não humana e ecosistemas, conferem a Teologia e a Bioética uma parceria. De modo que em

questões conflitantes temos o mesmo caminho, que é: da responsabilidade de melhorar e proteger as

condições de vida no presente e para o futuro.

Ação Política. A Ordem Política no Antigo Testamento. Toda concepção cristã a respeito da autoridade

política, procede do pensamento monoteísta judaico. Todas as relações que envolvem as pessoas em sua

vida em sociedade, que dizem respeito à ordem econômica, o exercício da autoridade governamental, a

distribuição do direito e da justiça, as relações das nações umas com as outras, estava debaixo da crença

no Deus único, soberano governante das nações e “Senhor ativo da História”. Esta é a perspectiva ds

profetas, particularmente Amós: “Em vez disso, quero que haja tanta justiça como as águas de uma

enchente e que a honestidade seja como um rio que não pára de correr” (5.24). Também disse Miquéias:

“O SENHOR já nos mostrou o que é bom, ele já disse o que exige de nós. O que ele quer é que façamos o

que é direito, que amemos uns aos outros com dedicação e que vivamos em humilde obediência ao nosso

Deus.” (6.8).

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213

Os profetas lembram sempre que os compromissos tanto dos reis como dos súditos era antes de tudo com

Deus que escolhera este povo. É constante a lembrança dos profetas, isto pode ser constatado com Oséias

e Isaías, na chamada aos israelitas para com o cumprimento das obrigações no exercício da justiça, tanto

como nação, como indivíduos. Havia por parte dos profetas a insistência de que tanto a nação como o

israelita comum estava sob o julgamento divino.

A Ordem Política no Novo Testamento. Não encontramos nenhum parâmetro entre a posição, tanto de

Jesus como dos escritores do NT, com a posição conhecida no VT. Não se percebe no Novo Testamento, a

preocupação em se reformar a ordem política, e nem aquele radicalismo dos profetas quanto aos

compromissos com a justiça e o direito. E. C. Gardner, explica que “diversamente da comunidade cristã

primitiva, Israel era um estado político, ou teocracia, e durante quase toda sua história seus líderes

religiosos exerceram autoridade política bem como religiosa”. (Fé Bíblica e Ética Social – pág. 365)

Diferentemente os cristãos viveram sob governantes pagãos, que não estavam debaixo da Aliança, como

os israelitas estavam no AT. Entende-se, por isso mesmo, uma atitude de aceitação e obediência às

autoridades. É clássica a ordem de Paulo:

Obedeçam às autoridades, todos vocês. Pois nenhuma autoridade existe sem a

permissão de Deus, e as que existem foram colocadas nos seus lugares por ele.

Assim quem se revolta contra as autoridades está se revoltando contra o que Deus

ordenou, e os que agem desse modo serão condenados. Somente os que fazem o mal

devem ter medo dos governantes, e não os que fazem o bem. Se você não quiser ter

medo das autoridades, então faça o que é bom, e elas o elogiarão. 4 Porque as

autoridades estão a serviço de Deus para o bem de você. Rm 13. 1-4)

Esta posição aparece repetida em Pedro:

Por causa do Senhor, sejam obedientes a toda autoridade humana: ao Imperador,

que é a mais alta autoridade; e aos governadores, que são escolhidos por ele para

castigar os criminosos e elogiar os que fazem o bem. (1Pe2.13-14)

Page 214: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

214

Esta posição vai dominar o pensamento da igreja em todo o tempo que ela foi uma minoria dentro de um

estado déspota que perseguia e usurpava o direito do exercício inclusive da fé. Não se deve entender esta

atitude como uma de passividade, mas que visa a transformação da sociedade e até dos seus governantes.59

As palavras de Paulo e Pedro em realidade não eram senão a repetição do que Jesus pensava a respeito:

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mc 12.17). É importante lembrar que Jesus

deixou claro que o limite da obediência a César estava na expressão “a Deus o que é de Deus”. Quando

César usurpar o lugar de Deus a Igreja ou o cristão deverá levantar sua voz e denunciar esta invasão da

esfera da fé. Isto a igreja primitiva realizou com muita fidelidade e sempre debaixo do exercício espiritual

de não violência. A igreja fez esta resistência quando lhe foi exigido o culto ao imperador, sendo por isso

perseguida e morta à espada. É a este excesso do Estado que Apocalipse 13, orienta os cristãos a

rejeitarem as imposições do império e de seus governantes. Oscar Cullmann, citado por Gardner, lembra,

contudo que esta resistência se limitou ao plano espiritual sem qualquer conotação de contestação política.

É bom lembrar que além do fato de serem uma minoria incapaz de influir sobre a ordem política, que os

cristãos viviam sob a perspectiva de que aquela era de sofrimento e perseguição estava próxima do fim

com a volta de Cristo. Agrega-se a isto a convicção de que os magistrados civis eram ministros de Deus

para cumprimento da vontade divina.

A Ordem Política no Pensamento Reformado.

Deus, o Rei e Senhor Supremo de todo o mundo, instituiu os magistrados civis para

que, estando sob Ele, estejam sobre o povo para a glória de Deus e o bem público;

e com este objetivo armou com o poder da espada para defesa e alento dos que

fazem bem, e castigo para os malfeitores. Confissão de Fé de Westminster – XXV,

1)

Como podemos observar, a Confissão de Fé parece reafirmar a posição do Novo Testamento dos

governantes como ministros de Deus. Não podemos nos esquecer do contexto em foi escrita a Confissão

59 CARRIKER, Timóteo. “A missão social da igreja: desde Romanos 13.1-7 até Constantino” em Teologia e Sociedade. (dezembro de 2005) no. 2, pp. 38-49.

Page 215: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

215

de Fé de Westminster. Vivemos uma realidade política, social, econômica da vida moderna que mudou

substancialmente os padrões da existência cristã.

Este capítulo se ocupa das relações entre a Igreja e o Estado. Como sabemos ao longo do tempo este tem

sido um tema de grande complexidade para os cristãos. A Confissão de Fé deixa claro “a separação entre a

Igreja e o Estado”. A Confissão afirma que a despeito de o Estado e a Igreja tratarem de questões

diferentes, ambos são instituições ordenadas por Deus. Isto é explicável pois tanto Estado como Igreja

trata com o mesmo grupo de pessoas. A complexidade de estabelecer a separação entre Estado e Igreja é

determinada por esta tênue linha que divide ambos.

Enquanto na Idade Média o papado mantinha cumplicidade com o Estado a Reforma Protestante rechaça

esta sobreposição entre Estado e Igreja, apesar de entender que ambos “são instituições divinas, paralelas

entre si, mas mutuamente independente.” (George E. Hendry – “La Confissión de Fe de Westminster Para

el Dia de Hoy” – pág. 208)

É lícito aos cristãos aceitar e desempenhar cargos de magistrado quando

chamados para ele, e no desempenho do seu cargo devem manter a piedade, a

justiça e a paz, segundo as leis sanas de cada corpo político; assim mesmo com

igual fim lhes é lícito, agora sob o Novo Testamento, fazer a guerra em ocasiões

justas e necessárias. (CF XXV, 2)

Algumas seitas da época da Reforma repudiavam esta posição pois entendiam que eram cidadãos do céu e

por sua lealdade a Cristo julgavam-se excluídos de participação ativa nos reinos e nações terrenos. Idéia

que persiste até hoje em determinados grupos como os menonitas. A maioria dos cristãos entende ser justo

esta participação pois além do Estado como a Igreja serem divinos, cuidam das vidas das pessoas deste

mundo, por isto é lícito e necessário até assumirem cargos políticos pois isto faz parte de sua vocação.

Mais controvertido é o parágrafo que afirma que o “magistrado é armado com o poder da espada”. Muitos

cristãos entendem que tal atividade equivale a trair sua fé. Outra questão é sobre quando uma guerra é

justa e necessária. “É de duvidar-se que a ação dos cristãos possa ser regulada somente por considerações

de justiça e de necessidade” (Hendry, opus cit – pág. 210).

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216

Muitos não concordam que exista a “necessidade” de se fazer a guerra sob qualquer circunstância e ainda

se é possível a existência de uma guerra justa, ainda mais no mundo moderno com todo o poder destruidor

de qualquer guerra.

“Segundo certa opinião, ‘na história do pensamento político do século XVI, não existiu um agente de

maior importância do que Calvino”. (John H Leith, A Tradição Reformada – pág. 337) É interessante, no

entanto, que Calvino não tenha feito um tratado sobre este tema ou mesmo tenha se ocupado em discutir o

assunto. Na realidade, quando tratou do assunto foi com a preocupação de defender a liberdade da igreja,

razão porque com freqüência estava envolvido com os conselhos da cidade. Embora entendesse que o

Estado era ordenado por Deus sua preocupação era com a Igreja.

Nas Institutas afirma que “é fácil cair da monarquia para a tirania, mas não é muito mais difícil cair de um

governo dos melhores homens para a facção de uns poucos; e é mais fácil ainda um governo popular estar

sujeito a sedição.” Neste ponto chega a defender uma espécie de governo dos melhores, ou aristocrático,

ou ainda que seria mais seguro um governo exercido por um colegiado, pois várias pessoas trabalhando

juntas podem ajudar, ensinar, admoestar umas às outras.

Os que estudam o pensamento de Calvino afirmam “que sua maior contribuição à teoria política não deve

ser buscada em qualquer proposta política específica, mas em sua teologia. A insistência na soberania de

Deus, diante de quem todos os seres humanos são iguais, e na pecaminosidade de todos, traduzida em atos

políticos, constituíram poderosos incentivos para uma ordem política que pudesse prevenir contra a

possibilidade de corrupção.” (John H. Leith , A Tradição Reformada, pág. 341)

É impossível tratar do pensamento de Calvino sobre as relações da Igreja com a sociedade e não trazer à

tona o estudos de Max Weber sobre a estreita correlação entre o calvinismo e o desenvolvimento do

capitalismo. Isto se deve ao fato de que justamente nos países protestantes e particularmente de tradição

calvinista ocorreu um desenvolvimento com maior vigor do capitalismo. Não iremos aqui nos alongar

sobre o tema, pois não é o propósito deste trabalho, mas não podemos, mesmo que rapidamente mencionar

o assunto.

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217

O que temos a constatar é que o calvinismo não foi a causa do capitalismo, mas é verdadeiro que Calvino

ou seus seguidores não se opuseram à livre iniciativa, ou à acumulação de capital.

Missões no Século XIX e Idéias da Democracia Americana. É muito comum haver uma precipitação de

nossa parte de achar que a democracia seja a única forma de governo que possa ser cristã. Por mais de XV

séculos de cristianismo jamais os cristãos cogitaram que esta pudesse ser pensada como algo natural e

profundamente coerente com os princípios cristãos contidos nas Escrituras.

Se Calvino não desenvolveu qualquer doutrina política e é claro a própria democracia como vimos atrás,

seus seguidores crendo externar seu pensamento desenvolveram a partir do século XVII com os puritanos

na Inglaterra as bases da democracia moderna. Apesar de ser o governo do povo e pelo povo, é só seus

representantes quem governa. Não podemos esquecer que a autoridade final na democracia está no povo,

pois é pelo veredicto e consentimento deste que os representantes exercem poder.

Reinhold Niebuhr, “sustenta que a força real da democracia se encontra no ponto de vista cristão a

respeito da natureza do homem.”(Citado por Gardner opus cit – pág. 380) Niebuhr completa dizendo: “A

capacidade do homem para a justiça torna a democracia possível; mas a inclinação do homem para a

injustiça torna a democracia necessária.” (pág.380) Se é tão importante o Estado segundo a compreensão

cristã, que o chama inclusive de divino, porque os protestantes em geral têm negligenciado a sua

participação na esfera política, não aceitando inclusive a concorrer a cargos públicos? Vamos tentar

enumerar algumas das razões que levam nós protestantes a fugir de nossas responsabilidades políticas.

1. Há uma crença generalizada de que a política é coisa suja. Não devemos participar por o reino das

trevas tomou posse do mundo político. Eu sou o filho da luz que não deve se misturar com o reino obscuro

da política. Às vezes veneramos alguns vultos do passado, mas criticamos os da atualidade, cuja reputação

reprovamos e repudiamos mesmo sem um conhecimento real do nosso representante.

2. Falta de compreensão do que seja poder politico. Há um certo descaso sobre nossas responsabilidade

políticas e da importância do nosso voto. Deixamos para a última hora a escolha do nosso representante ou

temos pouca informação sobre ele. E quando escolhemos poucas vezes é com base nas plataformas

defendidas pelo candidato. Jamais consultamos seus planos de ação.

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3. Raramente exercemos influência nas políticas de governo. Os protestantes em geral se recusam a

participar da montagem dos programas de governo dos candidatos. A visita a um comitê político beira a

um sacrilégio.

4. Jamais abordamos o nosso candidato depois de eleito. De quatro em quatro anos é que nos lembramos

de que novamente teremos de votar. Não só não cobramos o candidato durante os quatro anos que

passaram, como também nem lembramos mais em quem votamos na eleição anterior.

5. Temor da controvérsia. O debate livre e vigoroso das idéias nos assusta. Temos até uma frase feita: “em

questão de religião e política não discuto”. Esquecemos de algo fundamental para a vitalidade do

protestantismo que é a capacidade de discutir temas sobre os quais há o contraditório e que a verdade

finalmente surgirá depois de um maduro debate de idéias e conceitos.

6. Temor do comprometimento. “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Ah! Terrível provérbio.

Não quero comprometer-me com este ou com aquele. Jamais irei me expor dizendo a quem dei meu voto.

Jamais irei trabalhar para este ou para aquele candidato pois não sei o que ele poderá aprontar.

7. Confusão entre a pessoa e a que ele se propõe uma vez eleito. A biografia do candidato pesa muito

mais que seu projeto político. Questões como votarei nesta pessoa se ela é divorciada, ou pertence a uma

religião à qual faço restrição, ou seus hábitos quanto a beber ou fumar. Seu passado o condena. Nosso

calor emocional poderá acarretar sério prejuízo à nossa capacidade de fazer um juízo correto.

8. Interpretação incorreta da doutrina de separação igreja e estado. Não me envolverei com a escolha de

governantes porque sou cidadão do Reino e não poderei misturar as celestiais com as terrenas. César com

as coisas de César, eu ficarei com as questões do Espírito. Precisamos ser lembrados que devemos fazer o

Estado sentir o nível de responsabilidade que temos para com questões éticas, que temos um julgamento

correto sobre assuntos de Estado tanto quanto de assuntos da comunidade de Fé. O Estado deverá sentir

que sou um cidadão que tem compromisso com o bem estar das pessoas e com a justiça e que estou

disposto uma participação construtiva da sociedade.

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219

A IPI e Sua Presença no Universo Político Brasileiro. Sempre quando penso no papel da igreja no

processo político e do que pode ocorrer quando a igreja negligencia sua participação nas decisões que

poderão comprometer o futuro da nação e da própria igreja, vem a minha memória o Prólogo de Jotão.

Jotão era um os setenta filhos de Gideão. Com a morte do pai um dos filhos, Abimeleque, se levanta e

ardilosamente mata todos os irmãos. Apenas Jotão escapa. Volta então e convoca o povo narra a eles a

parábola que se segue:

Quando Jotão soube disso, subiu até o alto do monte Gerizim e gritou para eles: Homens de Siquém, me

escutem, e Deus escutará vocês! Aí Jotão disse: —Uma vez as árvores resolveram procurar um rei para

elas. Então disseram à oliveira: “Seja o nosso rei.” E a oliveira respondeu: “Para governar vocês, eu

teria de parar de dar o meu azeite, usado para honrar os deuses e os seres humanos.” Aí as árvores

pediram à figueira: “Venha ser o nosso rei.” Mas a figueira respondeu: “Para governar vocês, eu teria

de parar de dar os meus figos tão doces.” Então as árvores disseram à parreira: “Venha ser o nosso

rei.” Mas a parreira respondeu: “Para governar vocês, eu teria de parar de dar o meu vinho, que alegra

os deuses e os seres humanos.” Aí todas as árvores pediram ao espinheiro: “Venha ser o nosso rei.” E o

espinheiro respondeu: “Se vocês querem mesmo me fazer o seu rei, venham e fiquem debaixo da minha

sombra. Se vocês não fizerem isso, sairá fogo do espinheiro e queimará os cedros do Líbano. (Jz 9. 7-15)

Assir Perreir

Presidente da Assembléia Geral

Ecologia. Para se estabelecer uma Perspectiva Cristã da Ecologia, podemos usar a terminologia que, em

geral, é utilizada quando se trata do assunto: Mandato Cultural. Entende-se como mandato cultural, a

primeira ordem dada por Deus, à raça humana, logo após o ato da criação. Ainda no Éden e bem antes da

queda, o ser humano, homem e mulher, criados por Deus, foram envolvidos pelo Criador em algumas

tarefas e funções, especialmente, a de estabelecer regras para sua sobrevivência no relacionamento

pessoal, interpessoal, com as demais criaturas e com toda a natureza.

Para John Stott, teólogo britânico, o Mandato Cultural se estabelece em três afirmações legítimas :

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1. Deus deu ao homem domínio sobre a terra. Assim, pois, desde o princípio, os seres humanos foram

dotados de uma dupla unicidade: têm a imagem de Deus (que compreende qualidades racionais,

morais, sociais e espirituais que tornam possível nosso conhecimento d’Ele), e exercemos domínio

sobre a terra e suas criaturas. De fato, o caráter único do domínio sobre a terra se deve ao caráter

único da nossa relação com Deus.

2. Este domínio é corporativo. Ao exercer o domínio recebido de Deus, não se cria os processos da

natureza, senão que se coopera com eles. Neste sentido é um senhor, de acordo com o propósito de

Deus e seu mandato. Porém, também, é um filho em sua dependência última da providência

paterna de Deus, que é quem lhe dá a luz do sol, a chuva e estações frutíferas do ano.

3. Este domínio é delegado e portanto, responsável. O domínio que exercemos sobre a terra, não nos

pertence por direito, senão, somente por favor. A terra nos “pertence” não porque a criamos nem

porque somos seus proprietários, senão, porque seu Criador no-la tem confiado para dela cuidar.

As primeiras responsabilidades que Deus deu a Adão e Eva, tornam explicitas certas atividades que

integram a verdadeira essência, como seres humanos. Essas atividades, primariamente, envolviam sua

existência como seres sociais: vida a dois (procriação e fazer surgir a humanidade), trabalho (domínio,

cultivo, guarda) e governo. Deus usou palavras chaves como: dominem, cultivem, preservem e coloquem

nomes em todas as criaturas. Essas ordens, marcam o início de uma série de outras obrigações, ainda por

vir: constituir família e comunidade, estabelecer a lei e a ordem, fazer surgir as culturas e civilizações e as

preocupações ecológicas que se ampliam e se aprofundam, através das Escrituras. Através destas

responsabilidades ou Mandatos, Deus chama todos os que trazem sua imagem e semelhança, para serem

mordomos da criação, participando assim, com responsabilidade, nesta tarefa. Não é surpresa o fato de

que, ao criar a raça humana, de acordo com sua imagem e semelhança, Deus transfere para os seres

humanos seu próprio instinto criativo. Esse instinto criativo, é admitido como secundário e derivado, pois,

é limitado pelo potencial de cada um e pela disponibilidade de material com o qual se possa expressar essa

função criativa. Além disso, este instinto precisa ser descoberto, treinado e então usado como serviço em

favor de outros e não para o próprio poder, benefício e deleite. Isso significa que, as possibilidades

criativas devem ser mostradas claramente e colocadas, firmemente, para capacitar todo aquele que estiver

no seu exercício, em benefício de outros. Somente fazendo isso, podemos ter certeza da preocupação de

Deus pelo bem de todos. Isso nos confronta com a principal prioridade do Reino de Deus: O Mandato

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Cultural. Literalmente, implica que, enquanto a raça humana exerce controle sobre a terra, sob a direção

de Deus e para Sua glória, encontrará, também, resistências.

O Mandato Cultural nos Relatos da Criação. Este mandato, desde o seu início, implica nas principais

áreas da vida humana, nas quais, seria necessário estabelecer uma cultura ou até, culturas, que projetassem

um modo de vida. O homem e a mulher deveriam, juntos, administrar a experiência familiar e social que

tinham diante de si (multiplicar, encher, dar nome); a responsabilidade econômica e ecológica (sujeitar,

cultivar, guardar) e de governo (dominar).

A origem, a essência e o propósito do homem, se tornam claros e especiais, nos relatos da criação, pois,

em relação a todas as outras criaturas, as narrativas são menores e sem muitos detalhes. Entretanto, há

uma especial atenção, um registro mais demorado e alongado.

Stott, ao se deparar com os relatos da criação, encontra neles o que ele chama de Dignidade Humana, que

se estabelece por três relações:

A primeira é a nossa relação com Deus. Os seres humanos são seres de

semelhança divina, criados a imagem de Deus, segundo Seu propósito. A imagem

divina compreende aquelas qualidades racionais, morais e espirituais que nos

separam dos animais e nos vinculam a Deus.

A segunda é a nossa relação uns com os outros. O Deus que criou a humanidade é

um ser social, um Deus que compreende em si mesmo três pessoas, eternamente

distintas. Portanto, Deus fez o homem varão e a mulher e lhes mandou procriar. A

sexualidade foi criada por Deus, o casamento foi instituído por Ele e o

companheirismo humano estava em Seu propósito, quando disse: “Não é bom que

o homem esteja só. De maneira que, todas as liberdades humanas que chamamos

de santidade do sexo, o casamento e a família, o direito de se reunir e o direito de

ser respeitado, sem distinção de idade, sexo, raça ou condição, correspondem a

Segunda categoria de nossa relação de uns para com os outros.

A terceira é nossa relação com a terra e suas criaturas. Deus nos tem dado o

domínio, com o mandato de sujeitar e cultivar a terra fértil e governar sobre suas

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criaturas. De modo que, os direitos humanos que chamamos de direito ao trabalho

e ao descanso, o direito de participar dos recursos da terra, o direito à

alimentação, o vestir e o morar, o direito a vida e a saúde e a sua proteção, assim

como a libertação da pobreza, da fome, da enfermidade, correspondem à terceira

classificação da relação com a terra — STOTT, 1991, p.167

Em Gênesis 2, é a ordem probatória dada ao homem!

Esta ordem probatória, tinha duas tarefas: primeiro - cultivar e preservar o jardim; segundo - comer

livremente de todas as árvores, exceto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A primeira tarefa

define seu relacionamento com a terra, enquanto a segunda, define seu relacionamento com o céu. O

homem só poderia cumprir sua missão com relação à terra, se ele não tivesse quebrado a conexão que o

unia ao céu, ou seja, somente se ele continuasse a obedecer a Deus. Ele deveria servir a Deus e servir-se a

si mesmo, enquanto servia à terra.

Deus reparte da Sua autoridade com a humanidade e o faz com um desejo de estabelece-la como parceira,

na administração do universo. A noção de bênção, em toda a Bíblia, não é aquela mais aceita pelo povo de

Deus, em geral, quando se pensa só nos privilégios, mas, também, precisamos lembrar que, quando Deus

abençoa, Ele o faz com propósitos. Assim, nesta primeira bênção que as Escrituras mencionam, vemos o

conceito pleno de bênção que devemos ter em nossas mentes e corações: somos abençoados para

abençoar!

Deus não apenas, conferiu uma dádiva, mas, uma função. É o ponto mais alto de toda a criação, pois, além

de vê-la como muito boa, Deus, também, abençoa aqueles que dela vão cuidar.

Para o bem de todos - Já observamos que, em Gênesis, o mandato é dado ao casal, onde já se reflete um

relacionamento de amor, amizade e solidariedade. A vida social reflete a imagem do Deus Triúno. Agindo

em cooperação com Deus, o homem produz tudo o que tem necessidade, tanto em relação aos bens

materiais, quanto aos valores espirituais e morais. A participação no trabalho, em todos os níveis, deve ser

exigida levando em conta a capacidade de cada um; a distribuição deve levar em conta a necessidade de

cada um (SOUZA, 1991, p.4-5).

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223

A relação mais íntima entre o ser humano e a natureza, se manifesta no momento da criação, pois, até

então, todas as coisas criadas o foram, pelo poder da palavra de Deus, mas, na criação do ser humano, usa-

se o pó da terra, estabelecendo-se daí para frente, uma relação de interdependência. A raça humana,

precisa da terra para viver e a terra, precisa da raça humana, para produzir!

Este pequeno, mas, importante detalhe deve chamar a nossa atenção na compreensão da nossa tarefa de

parceiros e mordomos de Deus. A parceria só se tornou possível, porque, à massa de barro, Deus sopra o

fôlego de vida (Gn 2.7). Temos aí, os conceitos de imanência, pó da terra e de transcendência, fôlego de

vida. O ser humano faz parte da natureza, mas, transcende a ela, por ter sido criado à imagem e

semelhança de Deus (Gn 1.26).

Somos, portanto, feitos do mesmo material e frutos da mesma dinâmica cosmogênica que atravessa todo o

universo. O ser humano, pela consciência, encaixa-se, plenamente, no sistema geral das coisas. Ele não

está fora do universo em processo de ascensão. Encontra-se dentro, como um momento singular, capaz de

captar a totalidade, de saber de si, dos outros, de senti-los e de amá-los no interior dessa totalidade

desbordante (BOFF, 1999, p.116-117).

Esta relação de interdependência, nem sempre compreendida e assimilada pelo ser humano, que, ao

explorar a natureza não o faz, levando em conta este conceito tão importante, pois, não se deve fazer com

uma mãe, irmã e amiga, aquilo que se tem feito com a terra, o mar, as águas, os rios, enfim, todo o

cosmos.

A releitura fundamental e necessária, que tem sido feita nos dias de hoje, nos relatos da criação, em

Gênesis, tem levado o povo de Deus a entender, não apenas o projeto da criação em si mesmo, mas,

também, suas conseqüências para a missão da Igreja, conforme afirma Juan Stam:

A teologia da criação deve desempenhar um papel decisivo na nossa visão do

evangelho, da missão, da Igreja e do nosso discipulado fiel como primícias, aqui e

agora, da nova criação — STAM, 1995, p.10

Curiosamente, acaba sendo sempre esquecido o sétimo dia, o sábado, no relato da criação. Devemos nos

lembrar que, nessa idéia de descanso, passa, dentre tantos outros, o conceito de apreciação, de

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contemplação e de comemoração. Se a avaliação final ocorre no sexto dia, logo após a criação do homem,

é no sábado que se realiza a festa da criação!

É, pois, o sábado que abençoa, santifica e revela o mundo como criação de Deus.

Curiosamente, na tradição teológica das igrejas do Ocidente, a criação, via de

regra, é apresentada como “obra de seis dias”. O sétimo dia, o sábado, muitas

vezes foi ignorado. Por isso, quase que continuadamente Deus era apresentado

somente como o Deus criador. Deus não se entrega ao ócio. O Deus que descansa,

o Deus que festeja, o Deus que se alegra com a sua criação passou para o segundo

plano. Mas, mesmo assim, somente o sábado é a plenitude e a coroa da criação —

MOLTMANN, 1992, p.23

Características:

Cultivar o Jardim - a idéia principal, extraída do verbo aqui usado, é a de torná-lo produtivo. Se Deus

havia criado frutos que produziam suas sementes, cabia ao ser humano, desenvolver métodos e maneiras

de multiplicar aqueles primeiros frutos, ao longo de toda a extensão do jardim;

Guardar o Jardim - neste caso, a idéia do verbo é: proteger o equilíbrio, derivando-se daí, toda

responsabilidade ecológica, tão necessária em nossos dias. Alguns aspectos mais abrangentes sobre este

assunto, serão tratados em outro momento. Entretanto, citamos aqui, as palavras de Stott:

O trabalho não só tem como propósito a realização pessoal do trabalhador, senão

também, o benefício da comunidade. Se pode supor que Adão não cultivava o

Jardim do Éden, meramente para seu deleite, senão, para alimentar e vestir sua

família. Ao longo da Bíblia, a produtividade do solo se vincula com as

necessidades da sociedade. A consciência de que nosso trabalho é útil e valorizado,

contribuí para aumentar a satisfação laboral — STOTT, 1991, p.185

Obedecer no Jardim - nota-se aqui, a consciência moral e ética da humanidade para com Deus. O aviso

solene fora dado: Se pecares, morrerás (Gn 2.17)! O ser racional, capacitado por Deus deste a criação,

tinha todas as condições de não pecar. As milhares de árvores à sua disposição, davam-lhe todas as

possibilidades de vencer a tentação e de obedecer ao Criador.

Page 225: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

225

A formação do universo, brota de uma intenção de Deus, de eliminar o caos, transformando-o em cosmos.

Não foi um processo aleatório, mas, exigiu uma definição de Deus. Por sete vezes, aparece a expressão: E

disse Deus! É o pensar de Deus que traz à existência as sucessivas etapas da criação. A natureza é uma

obra intencional, é a expressão da vontade de Deus, ela é revestida de racionalidade, já que é o resultado

do pensar de Deus e é um sistema destinado a fornecer o suporte imediato da vida.

A compreensão de que toda a criação foi originada em Deus, produziu belos hinos:

Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das Suas

mãos (Sl 19.1).

Ergo os olhos para os montes, de onde me virá o socorro? O meu socorro vem de

Iahweh, que fez o céu e a terra (Sl 121.1).

Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a

sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo,

sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas (Rm 1.20).

A importância de olharmos para este Sistema Aberto, em relação à ecologia, permite-nos encarar as

demandas do nosso tempo, com a responsabilidade de mordomos de Deus, conforme estabelecida no

Mandato Cultural. A falta desta compreensão, tem nos levado à omissão e despreocupação com a própria

vida.

Encontramos sistemas abertos, cuja organização interna permite galgar patamares

mais altos de complexidade. Isto significa: cada sistema se encontra num jogo de

interação, numa dança de troca de matéria e de energia, num diálogo permanente

com o seu meio, do qual recebe, acumula e troca informações. As características

dessa dinâmica são: auto-organização, adaptabilidade, reprodução e

autotranscendência, como um sistema aberto a novas sínteses, a novos patamares

de evolução e a novas formas de expressão — BOFF, 1999, p.113-114

Page 226: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

226

Esta mesma economia se manifesta em relação à toda a natureza e a todo universo, criado pelas mesmas

mãos que criaram a raça humana. Tudo o que o Pai criou, o fez em Cristo e tudo está sendo mantido pela

ação do Espírito Santo.

Ao levarmos em conta o equilíbrio que a própria natureza produz para sua sobrevivência, descobriremos

esse relacionamento entre toda a criação e, quando qualquer ponto entra em desequilíbrio, há

conseqüências trágicas para todos os habitantes.

O axioma: Na natureza nada se perde, tudo se transforma, reforça a idéia desse relacionamento perfeito,

numa verdadeira rede de reciprocidades, o que Moltmann chamou de vida simbiótica.

É necessário definir essa vida de forma diferente em vários níveis:

No nível jurídico e político, ela precisa ser encarada como uma aliança com a natureza, na defesa e

equilíbrio dos direitos das pessoas e dos direitos da terra. A natureza não pode continuar sendo entendida

como um bem sem dono.

No nível medicinal, a vida simbiótica deve ser definida como uma totalidade psicossomática da pessoa

que se defronta consigo mesma. O corpo não pode continuar sendo visto como um corpo, que uma pessoa

tem.

No nível religioso, ela tem de ser entendida como comunhão de criação. Criação não é de modo algum o

mundo, que a pessoa humana deve subordinar a si. Um pensamento integrativo e integral está orientado

pelo intuito de introduzir essa comunhão para dentro dessa aliança, dessa totalidade e de, após Ter sido

menosprezada, trazê-la novamente à consciência e aprofundá-la mais, de recuperá-la depois de ter

experimentado destruições (MOLTMANN, 1993, p.20).

Não há como, também, não assimilarmos questões ecológicas à missão, visto que, na perspectiva

apocalíptica, toda a criação está envolvida e caracterizada como novo céu e nova terra!

Só em Cristo e no Seu tempo messiânico é que podemos desenvolver uma doutrina cristã da criação. E

esta teologia:

Page 227: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

227

Está orientada para a libertação das pessoas, para a satisfação da natureza e para

a salvação da comunhão entre a pessoa e natureza das forças do negativo e da

morte — MOLTMANN, 1993, p.22

A falta desta compreensão, tem produzido um novo caos, dentro da desordem que o próprio pecado já

provocou, deste o início, gerando desequilíbrios no ecosistema e trazendo conseqüências nefastas à raça

humana.

Uma das definições mais simples para ecologia é: estudo do equilíbrio dos seres vivos, porém, poder-se-ia

incluir, que, também, é o estudo dos desequilíbrios entre os seres vivos.

A razão principal dessa falência no relacionamento entre o ser humano e a criação, vem do fato de que, a

maioria dos estudos éticos é crer que só lhes cabe tratar da relação do homem com o homem. A noção de

que a relação do homem com a natureza é moral, encontra pouquíssimos defensores.

Donald K. McKim, em seu artigo, “Uma Perspectiva Reformada a Respeito da Missão da Igreja na

Sociedade”, fazendo um resumo e um ajuntamento das idéias de missão, como aparecem nos textos de

Calvino, o grande reformador, do puritano inglês Willians Perkins e do teólogo holandês Abraão Kuyper,

estabelece que há, pelo menos, cinco conceitos básicos para desenvolvermos tanto o mandato cultural

como o missional, ambos, partes de uma grande Missão:

1. A Criação: A Soberania de Deus e a Gravidade do Pecado - A concepção fundamental da religião

é a confissão da soberania absoluta do Deus Triúno. A obrigação da humanidade é se esforçar em

obedecer a Palavra de Deus, pois, Deus criou o homem não para que fizesse sua própria vontade,

mas, a vontade de Deus. Ao reconhecer o pecado como uma realidade que não pode ser ignorada, a

tradição reformada reconhece a mais crucial necessidade deste mundo para seu ministério e

testemunho de Deus, em Jesus Cristo.

2. Eleição: Os Propósitos de Deus e o Povo de Deus - Pela providência, Deus governa todos os

eventos e elegeu ou predestinou um povo para a realização dos propósitos divinos neste mundo.

Tal povo é chamado Igreja e a relação de Deus com ele é selada pelo novo pacto em Jesus Cristo.

Para Kuyper, “a igreja é um organismo espiritual, incluindo o céu e a terra, mas, que tem o

presente em seu centro e o ponto de partida para sua ação, não na terra, mas no céu.

Page 228: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

228

Consequentemente, sua participação na vida e missão da Igreja no mundo só é possível porque

Deus continua a sustentar e capacitar as pessoas, pela sua graça.

3. O Reino: Cristo é o Senhor da História - Para Calvino, os contornos da história são moldados tanto

por forças “seculares” como “espirituais”. Elas, porém, não são independentes umas das outras,

ambas estão submetidas a uma interpretação providencial da história, que a vê caminhando em

direção à sua consumação definitiva no Reino de Deus ou no Reino de Cristo. Esta visão de Cristo

como senhor da história significa que os cristãos reformados não vêem quaisquer áreas do

comportamento ou do pensamento humano como livre do reino de Cristo. Todas são campos

válidos para a missão e o ministério. O calvinismo exige que a vida toda seja consagrada ao

serviço de Deus.

4. A Vocação: Um Chamado ao Serviço - No pensamento reformado, convocação para a participação

na vontade e obra de Deus em Cristo, em meio à história humana, vem diretamente ao povo de

Deus. Barth disse: “A ordem de Deus exige genuinamente vida ativa, isto é, que o homem tome

uma decisão e realize o que decidiu. Para Calvino, o chamado era real e a vocação do cristão

centraliza-se, essencialmente, no chamado a servir a Deus, aqui e agora, neste mundo. Perkins

dizia: “Vocação é um tipo de vida, ordenado e imposto ao homem por Deus, para o bem comum.”

5. Mordomia: Administrando Responsavelmente os Recursos de Deus - os destaques deste ponto, já

foram mencionados no Capítulo II, quando tratamos da perspectiva histórico-teológica do Mandato

Cultural.

Se podemos afirmar, que, num primeiro momento, o Mandato Cultural, não tem nenhuma relação com o

Mandato Missional, sem dúvida que, num segundo momento, com a presença de Cristo e a proclamação

efetiva da mensagem do Reino de Deus, os dois mandatos se fundem.

Desde o princípio da Escritura, nós vemos o Mandato Cultural, claramente, distinto do propósito redentor,

o qual, Deus começou a revelar depois da queda. O primeiro chama todos os homens e mulheres à

participarem no trabalho da civilização. O segundo representará seu trabalho gracioso de reconciliar o ser

humano caído, a si mesmo. Em termos de obrigação, isto chama o povo de Deus à participar, com Ele, de

fazer Cristo conhecido através do mundo inteiro, como um testemunho às nações (Mt 24.14). Quando

Jesus inaugura o Reino de Deus, esses dois mandatos, fundem-se em apenas um propósito. O Novo

Testamento não separa evangelismo da responsabilidade social. A rotina participação diária do ser

humano na civilização é a arena da verdadeira obediência a Deus (GLASSER, ainda não editado, pg. 49).

Page 229: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

229

Paulo de Mello Cintra Damião

Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de Presidente Prudente

Diretor do Ministério de Missão

SECRETARIA DE FAMÍLIA

O Ministério da Missão da IPI do Brasil tem a atribuição de desenvolver o tema sobre a Missão Integral.

À Secretaria da Família ficou a incumbência de analisar o modelo usado pela nossa igreja no trabalho com

famílias.

Em primeiro lugar, em rápidas palavras, procuraremos justificar a necessidade de um trabalho melhor

desenvolvido na área familiar mostrando que este está intimamente ligado à missão da igreja. Num

segundo momento, verificaremos o que igrejas irmãs têm feito nesta área. A análise histórica dentro da IPI

do Brasil será a explanação seguinte. Concluiremos com sugestões para uma possível reestruturação de

como trabalhar com a família a partir da direção nacional da igreja.

Justificativas.. Um enfoque nas questões familiares dentro da missão integral da igreja é verificado pelas

ciências sociais na análise do mundo contemporâneo. Estudos mostram, por exemplo, que muitos dos

problemas sociais, violência, delinqüência, depressão, etc., estão relacionados com o aumento de famílias

com pais divorciados ou pais solteiros. “A estrutura familiar, vista nas décadas de 1960 e 1970 como um

fator neutro para o bem-estar da família, foi considerada no início da década de 1990 como altamente

relevante para o bom desenvolvimento dos filhos”. O trabalho específico com famílias nasce, assim, na

própria sociedade:

Evidentemente, pela importância do tema e como se trata de assunto apaixonante,

efervescente e em permanente mutação a Família deve merecer toda a presteza e

celeridade aos seus problemas seja dos Magistrados, Promotores de Justiça,

Advogados e Corpo de Técnicos ligados intrinsecamente na solução das demandas

familiares. — Mariléia Campos Santos Costa, Promotora de Justiça no Maranhão

Page 230: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

230

Vejamos agora algumas estatísticas de nossa sociedade:

• Aumento do número de casamentos: Em 2006 – 889.828 casamentos realizados, Crescimento de

6,5% em relação à 2005, tendência vem crescendo desde 2002;

• Declínio no percentual de casamentos de solteiros: 85,2 % em 2006; 90,9% em 1996

• Aumento do número do 2º casamento: Homens divorciados - 4,2% dos casamentos 1996 x 6,5%

dos casamentos 2006; Cônjuges divorciados - 0,9% 1996 x 2,2% 2006

• Divórcios crescem mais do que casamentos: Casamentos 6,5% x Divórcios - 7,7%

• O número de mães adolescentes ainda é alto: 20,5% dos partos em 2006 x 19,9% dos partos em

2002; Diferença entre Estados: Maranhão 27,6% x Distrito Federal 15,3%.

• Família e drogas: 85% são brancos - 62% classe A - 60% 8 a 11 anos estudo (média no Brasil 5

anos) - 35,8% 10 a 19 anos - 50,7% 20 a 29 anos - 80% são filhos.

60% dos casamentos acabam em divórcio nos Estados Unidos; na Inglaterra os divórcios atingem 40%, no

Brasil, até 1985, um casal se separava para cada nove casamentos, dez anos depois, essa proporção era de

um para quatro. Novas estatísticas mostram que sete em cada dez casamentos terminam em dez anos. Em

São Paulo, o número de casamentos caiu em 28% em vinte anos (1980-2000). A Arquidiocese Paulistana

informa que a queda de cerimônias religiosas é bem mais acentuada, chegando a 68% e 31% dos jovens

vivem em uniões informais. O número mães solteiras triplicou, nos últimos anos. A igreja não deveria

também voltar-se de forma mais específica para a família?

Histórico. Falaremos do trabalho com famílias na IPI do Brasil a partir da organização movimento leigo

organizado na década de 30 iniciado pela juventude da igreja. Na mesma década surgi o trabalho pela

senhoras. A CERAL (Comissão de Educação Religiosa e Atividades Leigas) (1938) foi criado pelo

Sínodo da IPI do Brasil visando a criação de outros seguimentos dentro da Igreja.

Na década seguinte a CERAL então promove a Livraria Independente, a Secretaria de Federação de

Escolas Dominicais, a Imprensa Independente, forma-se a Federação de Varonis e Senhoras, um

importante trabalho missionário/evangelístico/diaconal com a Caravana do Norte, lança-se a Revista

Reforma (forças leigas), cria-se a Escola Missionária de Assis e, finalmente, organiza-se a Confederação

de Mocidade Presbiteriana Independente no seu V congresso nacional.

Page 231: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

231

Já nas décadas e 60 e 70, mesmo a IPI passando por graves cisões como do movimento pentecostal,

intensifica-se o trabalho da juventude. Mocidade Sempre Avante era o hino cantado em toda a igreja. As

mulheres são extremamente fortalecidas com lema “Senhoras na Seara”. Lideram significativas

campanhas como: “Falemos de Cristo aos Pequeninos”, ofertas para o Lar Betel, visitas e ajudas aos

seminaristas, criam o DIA (Departamento de Integração do Adolescente) e lançam a Revista Alvorada

(1968) e a Revista da Mulher Independente. Quanto aos homens (varonis) são levados pelo slogan “Cada

Varonil um evangelista no Brasil” intencionando a abertura de novas congregações.

No final da década de 80 há uma mudança estrutural quando da passagem das Federações para a

Coordenadorias que atingem mais diretamente os adultos, pois, estes deixariam de funcionar

separadamente (homens/Varonis – mulheres/SAS), (resumo do histórico apresentado pela Secretaria da

Família no I Congresso da Família em 2006). Entendia-se com essa mudança que a que a família

(cônjuges) estaria desenvolvendo o trabalho de forma mais coesa.

No novo século, com a aprovação da nova estrutura organizacional da IPI do Brasil que passa atuar

através de três grandes ministérios (Missão, Educação, Comunicação) a Secretaria de Forças Leigas é

transformada em Secretaria da Família esta inserida no Ministério da Missão.

Em 2006 organiza-se o 1º Congresso da Família que visou contemplar todos os seguimentos crianças,

adolescentes, jovens e adultos, porém o tema desenvolvido no congresso não estivesse relacionado à

questões familiares.

Diante do histórico apresentado, podemos falar sobre de trabalho específico da família com a organização

do movimento leigo em nossa igreja? Creio que não. As federações/coordenadorias não diretamente

priorizavam as questões familiares, mas buscaram atuar em outras áreas como: evangelização, diaconia,

educação.

Modelo. Em termos de modelos de outras denominações não encontramos muita novidade: A IPB e a

Metodista, por exemplo, seguem, basicamente, a mesma organização: dividem-se em seguimentos de

Homens, Senhoras, Jovens, adolescentes (juvenis), crianças, não possuindo um trabalho, a nível nacional

votado para a família. Algo interessante encontramos na Convenção Batista, que embora seja um trabalho

Page 232: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

232

independente, esta possui o Ministério OIKOS, que visa a capacitação e aprimoramento da igreja para

desenvolver um trabalho com família. Já no meio neo-pentecostal a família tem sido a grande ênfase, a

prioridade na maioria das denominações.

Questões para refletir. Podemos observar que na nova estrutura organizacional da IPI do Brasil mudou-

se a nomenclatura de Secretaria de Forças Leigas para Secretaria da Família. Entendo que esta mudança

não é só de nome mais de perspectiva em relação ao movimento não-ordenado na igreja. Mas, é claro,

ainda temos apenas a mudança do “recipiente” sem ainda no “conteúdo”. Isto porque os braços

operacionais da Secretaria da Família são as duas Coordenadorias Nacionais organizados: Adultos e

Jovens. Estas, como vimos no histórico, não estão diretamente direcionadas para as causas familiares.

Assim podemos repensar a nossa caminhada nesta área:

• As Coordenadorias existentes necessariamente precisam ter como foco as questões familiares, ou

deveria ser criado dentro Secretaria da Família seguimentos específicos para tal?

• Se as coordenadorias devem priorizar a família deveriam ter em suas composições (assessoria)

pessoas especializadas para desenvolver as áreas específicas como psicólogos, pediatras, geriatras,

etc.?

• Se as Coordenadorias devem focar-se na família seria necessário que os demais seguimentos

diaconia, pastoral (presbíterato?) e evangelização intensificassem a aproximação na igreja local e

do movimento leigo promovendo a desejada integração entre as secretarias do Ministério da

Missão.

• As mudanças que ocorreram na estruturação da sociedade não nos obriga a trabalhar através das

coordenadorias com seguimento mais específicos tais como: homens (antigo varonis?), senhoras

(antiga SAS?), adultos solteiros, divorciados, viúvas, noivos (preparação para o casamento),

casais, pais (educação dos filhos: gravidez, recém-nascido, adolescência, juventude), conselheiros

para casais?

Page 233: Conceito de missao_integral_da_ipi_do_brasil

233

Desafios.60 Diante do exposto (estatística sobre a família – texto anterior sobre “modelos”) temos a

responsabilidade como povo de Deus fazer com que nossas igrejas voltem-se seu trabalho mais para as

famílias. Proponho assim o tema acima “Uma igreja voltada para a família, famílias voltadas para a

igreja”, pois entendo que quando realmente tratarmos os problemas que envolvem as o “mundo” familiar

teremos os seus membros também mais compromissados com a igreja. Assim propomos os seguintes

passos:

Não cultivar uma visão romantizada da família. Grande parte das histórias bíblicas ocorreram em um

ambiente familiar e na maioria das vezes revelando conflitos entre os seus componentes. Não que a Bíblia

tenha um pensamento pessimista em relação à família, pelo contrário ela busca mostrar que há solução

para os mais variados dilemas, por exemplo, o final da história Jacó e Esaú, ou mesmo de José e sua

família. Como igreja também não podemos deixar de atentar para os nossos problemas atuais. Adultério,

violência, aborto, rancor, frieza, etc., estão também bem perto de nós. Assim, é preciso enxergar esse

interesse da Palavra pela família, que há inúmeras famílias em crises fora e dentro de nossas igrejas; que

esses problemas por mais difíceis que sejam não são insolúveis; e por fim, que a igreja pode ter um

importante, senão o principal papel, na ajudar às famílias.

Fazer uma auto-avaliação. Avaliar se como igreja local, regional ou nacional temos realmente um

trabalho com famílias. Que tipo de trabalhos temos desenvolvido nesta área? Nosso trabalho esta limitado

há somente alguns jantares de casais, por exemplo? Aquilo que tem sido feito tem gerado tem surtido

efeito nas famílias que participam? Estas coisas podem ser verificáveis através de um mapeamento de

todas as famílias da igreja, qual igreja tem tido esse cuidado?

Identificar pessoas para este trabalho. Cada igreja deveria ter, além do pastor, pelo menos uma pessoa

que buscasse desenvolver esse trabalho. Este não necessariamente precisaria ser um especialista, mais

60 Para mais recursos, veja a seguinte bibliografia: BIFANO, Gilson & Elizabete. Casamento, lugar de crescimento. Rio de Janeiro, Ministério OIKOS, 2006; CARDOSO, Layla Maria P. S.; CARDOSO, Amauri Munguba. Parceria conjugal; reflexões cristãs sobre o casamento. Viçosa, Ultimato, 2001; CARVALHO, Esly Regina. Quando o vínculo se rompe, separação, divórcio e novo casamento. Viçosa, Ultimato, 2000; GRZYBOWSKI, Carlos Catito. Como se livrar de um mau casamento; construindo um relacionamento significativo. Viçosa, Ultimato, 2004; MALDONADO, Jorge E. (editor) Casamento e família. uma abordagem bíblica e teológica. Viçosa, Ultimato, 2003 e Crises e perdas na família; consolando os que sofrem. Viçosa, Ultimato, 2005 e Até nas melhores famílias; a família de Jesus e outras famílias da Bíblia parecidas com as nossas. Petrópolis, Vozes, 1998; POUJOL, Jacques & Claire. Os conflitos, como se originam, se desenvolvem e como solucioná-los. São Paulo, Vida, 2005; RAINEY, Denis. Ministério com famílias no século 21 – oito grandes idéias para pastores e lideres. São Paulo, Vida, 2003 (esgotado).

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234

alguém que tivesse a vocação, disponibilidade e compromisso para a formação e coordenação na área para

toda a igreja. Dentro de uma Coordenadoria ele seria o assessor familiar.

Ampliar a visão dos tipos de família. Geralmente temos uma visão míope dos tipos de família.

Entendemos família como aquele que possui pai, mãe e pelo menos um filho, a que chama-se família

nuclear. Mas temos que nos ater para outros tipos de família61 cada vez mais presente em nossas

comunidades:

• Família conjugal – Composta de uma casal sem filhos

• Família monoparental – Pai ou mãe com filho(s)

• Família mosaico – Pais vindos de um segundo casamento.

• Família unipessoal – solteiros, divorciados ou viúvos sem filhos. Na década passada as famílias

unipessoais foi a que mais cresceu de 2,4 milhões para 4,1 milhões. 28% das crianças americanas

vivem em lar de pais solteiros. Na década de 60 era 9%. 84% dessas famílias são dirigidas por

mulheres. 40% dessas mulheres nunca foram casadas, era 4% em 1960. O número de homens

subiu 9% para 16% de 1960 a 1998.

• Família ampliada – Pais, filhos, avós, tios, primos.

Trabalhar de forma preventiva.62 É necessário pensar não só nos tipos de família como também nos ciclos

que cada família passa:

• Pré-nupcial - Antes do noivado/noivos. Assuntos: O significado do casamento (fundamentação

bíblica); Expectativas do casamento; Intimidade e comunicação – ouvir, expressar-se, resolver

conflitos; Papeis e responsabilidades no casamento; Dinheiro; Intimidade e sexo.

• Recém-casados - 1 a 5 anos de casamento. Assuntos: Caminhada com Deus no lar;

relacionamentos com outras famílias mais experientes; Resolvendo “pequenos” conflitos –

comunicação; Interferência de familiares – mãe, pai, irmão.

• Lar Cheio 1 - Filho recém-nascido até os 5 anos de idade (pré-escola). Assuntos: Criação de filhos

(relacionamento, formação de caráter, vida espiritual); Disciplina; Filho e igreja; Administração de

finanças e recursos; Intimidade entre o casal (primeiras crises).

61 Os nomes dados aos tipos de família foram dados pelo pastor Gilson Bifano do Ministério OIKOS. 62 extraído de RAINEY, Denis. Ministério com famílias no século 21 – oito grandes idéias para pastores e lideres. São Paulo, Vida, 2003.

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235

• Lar Cheio 2 - Filho pré-adolescente 6 a 12 anos (ensino fundamental). Assuntos: Recarregar a

bateria do relacionamento (jantar, passeios, férias); Relacionamentos profundos com outros casais;

Amadurecimento da fé nos filhos (profissão de fé); Teste, pelos filhos, do caráter dos pais

(interagem com adultos); Questões sobre sexualidade entram no diálogo; Os pais devem se

preparar para a adolescência dos filhos .

• Lar Cheio 3 - Filho adolescência 13 anos até a saída de casa (ensino médio). Assuntos: Redobrar o

zelo pelo relacionamento conjugal (adolescência requer muita dedicação); Se preparar para

assuntos: Pressão de colegas, depressão, sexo, aparência, mediocridade, namoro, pornografia,

drogas, religiões e crenças, mídia, ocupação do tempo, etc.

• Lar vazio 1 - Filho saiu de casa, pais ainda trabalhando. Assuntos: Cortando o cordão umbilical;

Cuidando de pais idosos; Etapa mais frutífera para o relacionamento conjugal; Dedicação a obra

do Senhor; Conselheiros de outros casais inclusive os próprios filhos; Acompanhamento de casais

mais idosos; Neste fase encontraremos experiência e disponibilidade, se os netos não se tornarem

filhos.

• Lar vazio 2 - Em torno dos 60 anos, aposentadoria. Assuntos: Ainda existem questões a serem

resolvidas; Perdas, saúde; Atuar com exemplo para os mais novos; Áreas de atuação: oração,

escrever cartas, testemunho de vida; Devem ser homenageados.

• Família adotiva. Assuntos: Incentivo à adoção; Apoio a pais adotivos; Apoiar crianças adotadas.

Lembrando da campanha nacional do governo brasileiro para a adoção.

Capacitar. Devem ser desenvolvidos cursos nas seguintes áreas

• Treinamento de assessores familiares;

• Preparar curso para conselheiros de casais e famílias (valorizando o leigo);

• Seminários de pastores e lideres para o envolvimento da igreja com o trabalho com famílias

Interagir. Deve a ver uma interação com seguimentos fora da IPI que já possuem experiência na área

familiar:

• Ministério OIKOS – WWW.clickfamília.org.br

• Ministério Lar Cristão – WWW.larcristão.com.br

• Ministério Apoio aos Solteiros – WWW.ministérioapoio.com.br

• Eirene do Brasil – WWW.eirene.com.br

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236

• Universidade de Família – HTTP://www.udf.org.br//

Antonio Fernandes da Rocha Neto

Secretario da Família

MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO

Paradigmas de Educação. Parte dum projeto educativo envolve uma avaliação de projetos anteriores.

Não sua falta, procura-se identificar tendências históricas que contribuíram para as teorias, mesmo

implícitas, e práticas pedagógicas atuais. Para esta finalidade, esta reflexão se divide em três partes: 1)

uma identificação de tendências na educação brasileira ao longo da sua história; 2) o contexto da educação

religiosa evangélica em geral e; 3) especificamente o contexto da educação na Igreja Presbiteriana

Independente do Brasil. A reflexão é mais sintética que analítica.

Uma breve história da educação brasileira. Dentro da transformação e não evolução, do ensino público e

ao longo da ocupação européia, é possível identificar três paradigmas no ensino público: o dogmático, o

científico/técnico, e o democrático social.

O paradigma dogmático. O primeiro período, desde o século XVI até aproximadamente a década de

1940, se caracteriza por um paradigma dogmático. O ensino dogmático é autoritário, absolutista e

sentencioso.63 Neste período, a educação sofreu dois eixos de influência: primeiro, dos jesuítas, que a

partir do Renascimento dominavam o ensino, mas mantinham a proposta pré-Renascimento de prioridade

dogmática; e segundo, da própria cultura brasileira nascente, que devido à herança católica, por um lado,

fugia das contribuições do Renascimento, e por outro, valorizava a erudição e a formação de bacharéis e

pessoas de letras. Mas tarde, entre o período do império (1822) e da república (1889), os salesianos,

vindos como parte duma estratégia de romanização do catolicismo ibérico do padroado real, também

63 Na análise por evangélicos, às vezes e tragicamente o dogmaticismo é confundido com o iluminismo, este último sendo um “movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas de dogmatismo, especialmente o das doutrinas políticas e religiosas tradicionais.” (Houaiss) O dogmatismo grandemente precede o iluminismo.

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237

ganhavam cada vez mais respaldo na área do ensino, focalizando também a formação das elites, e assim

mantendo o mesmo paradigma dogmático no ensino.

O paradigma científico-tecnológico. É importante notar que o segundo período se inicia apenas trezentos

anos depois, isto porque, não se deve se surpreender se o dogmaticismo ainda mantém influência nas

diversas instituições de ensino no Brasil. Mesmo assim, introduz-se aos poucos um novo paradigma, o

científico-tecnológico, (1840-1985), fruto muito atrasado do Renascimento e movimentos que este gerou

na Europa. Com a construção das ferrovias e o encanto com a cultura francesa em meados do século XIX,

vem tanto a influência do liberalismo anglo-saxônico quanto do positivismo francês. Por exemplo, os

fortes setores do catolicismo que advogavam autonomia de Roma, achavam respaldo nas idéias

jansenianas que em alguns aspectos se assemelhavam às idéias protestantes aliadas ao progresso, à

modernização e à democracia.64 Grandes líderes letrados como Rui Barbosa, Diogo Antônio Feijó65, José

Abreu e Lima, e Joaquim Nabuco, promoviam estas idéias que tiveram influência especialmente em São

Paulo. Começavam a procurar uma reforma educativa que trocava o caráter erudito da educação brasileira

por um caráter científico. Com forte influência do positivismo, esta reforma priorizava também a literatura

desde os primeiros anos da escolarização. A ênfase científica prevaleceu apenas nos institutos científicos.

Uma grande transição no ensino público vem no bojo do Estado Novo (da ditadura entre 1937 e 1945)

com a introdução de uma dualidade no ensino: a criação de escolas profissionalizantes para a classe

trabalhadora e as escolas preparatórias ao ensino superior. Estas introduções “contribuíram para a

expansão da oferta educacional, a mudança de um ensino baseado na memorização de conhecimentos em

um ensino baseado na inter-relação pessoal, na valorização do aluno enquanto indivíduo e no

enfraquecimento do conteúdo curricular.”66 Um outro período ditatorial, liderado por militares de 1964 até

1985, introduziu o tecnicismo que valorizou as técnicas educacionais acima dos conteúdos curriculares,

fazendo a profissionalização compulsória no ensino médio. Também se preocupou pela censura ideológica

no ensino, voltando ao paradigma dogmático.

64 Estes estabeleceram a precedência para a atual ala progressista do catolicismo que articula a sua postura principalmente por meio do dscurso da teologia de libertação. 65 Regente do Império entre 1835 e 1837, durante a minoria de Dom Pedro II. 66 SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Temas Multidisciplinares. Segunda edição. Florianópolis: COGEN, 1998, pp.9-11.

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238

O paradigma democrático-social. O terceiro período (1985 até o presente) parte das conquistas de

movimentos sociais progressistas da década de 1970 e 1980 que hoje ocupam cargos importantes na

política da educação. Surge, então, um novo paradigma democrático-social, fruto das discussões latino-

americanas em torno duma sociedade mais justa, igualitária e participativa, todos estes valores inclusive

reacionários às ditaduras que a região passou em meados do século. Este paradigma “democrático-social”

é uma outra maneira de falar sobre a socialização da educação (ensino e aprendizagem) em contraposição

ao conceito anterior elitista do ensino dogmático (ou “bancário”, conforme a crítica de Paulo Freire). A

democratização da educação não significa simplesmente entregar o poder de decisão nos beneficiários da

educação, e sim, a sua participação na educação junto com os educadores. O princípio da democratização

e da socialização zela pela inclusão. Aplica-se ao desenvolvimento e à execução dos programas e projetos

de ensino, ao amplo acesso à educação, à formação e aos programas de formação de professores, e à

postura didática dos professores no exercício do ensino.

A transição do paradigma pedagógica dogmático e também científico/técnico anterior para o paradigma

democrático-social atual, se resume na seguinte tabela:

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dogmático / científico-tecnológico democrático-social

Pergunta como se ensina Pergunta como o aluno aprende

O conhecimento se transfere O conhecimento se constrói

O aluno é passivo O aluno é agente ativo do aprendizado

O conhecimento está pronta, verdade

absoluta O conhecimento é dinâmico e provisório

O conhecimento é desvinculado da

realidade

O conhecimento é contextualizado e

relativo

A aprendizagem é mecânica e efêmera A aprendizagem tem vida e significância

Cogita disciplinas Cogita inter-disciplinariadade,

transversalidade

O objetivo da educação está nos conteúdos O objetivo é habilidades, competências,

valores

O professor é a fonte da informação As fontes são livros, CD’s, DVD’s, internet,

...

O professor é o transmissor do

conhecimento

Professor mediador entre aluno e

conhecimento

O professor deve dominar o conteúdo da

área

Professor especialista no processo de

aprendizagem

Este paradigma atual também se alimenta do pensamento histórico-cultural, divulgado pelos escritos de

Antonio Gramsci, que até o final da década dos 80s, encontrou respaldo nacional. O pensamento histórico-

cultural divulgado por Gramsci, compreende a ligação da educação com a política e a importância da

educação das camadas populares como parte essencial da democratização da sociedade e do surgimento de

uma nova hegemonia. Reconhece que a aprendizagem não é processo inato, e sim, conseqüência do

ambiente social e histórico que se vive. Isto é, é fruto de experiência, e não mera composição biológica.

Logo, é ato ideológico.

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240

A concepção histórico-cultural..., à medida que considera todos capazes de

aprender e compreende que as relações e interações sociais estabelecidas pelas

crianças e pelos jovens são fatores de apropriação de conhecimento, traz consigo a

consciência da responsabilidade ética da escola com a aprendizagem de todos,

uma vez que ela é interlocutora privilegiada nas interações sociais dos alunos. De

todos os alunos.67

Outros fatores. Outras tendências atuais da cultura que devem ser levadas em consideração relevantes à

educação incluem:

• Há um crescimento e uma facilitação de cursos de graduação e pós-graduação, inclusive através da

proliferação de cursos noturnos e faculdades particulares.

• A partir dos anos 1960s, houve uma transformação na organização de cursos superiores na área das

ciências sociais dum interesse em culturas “exóticas” e não ocidentais que era herança do interesse

antropológico europeu, para um interesse na cultura e na sociedade brasileira, fruto da ascensão de

teorias de conflito (socialismo) dentro das universidades latino-americanas. Este interesse prioriza

os valores do socialismo e de processos políticos e educativos democráticos populares.

• A sociedade brasileira se transformou em majoritariamente urbana (de 20% no início do século

XX para 85% hoje). Este processo foi bem mais acelerado que o mesmo processo europeu, norte-

americano, ou até africano e asiático, e exige mudanças no conteúdo, na organização e na

metodologia da educação, que se traduz no interesse profissionalizante e científico (em meados do

século) e no interesse na democratização (no final do século).

• A maior escolaridade da população, inclusive maior número de formados em nível superior nas

igrejas fechou e às vezes até inverteu a distância antiga entre a formação dos leigos a dos pastores.

O contexto da educação religiosa evangélica geral. A educação protestante segue o mesmo padrão que o

secular com algumas décadas de atraso. Um exemplo ocorre em algumas instituições de ensino superior

que inclusive tiveram papel notável na promoção do paradigma da profissionalização e do tecnicismo que

caracterizou a segunda fase da história da educação no Brasil. Basta citar os casos da Universidade

Mackenzie, o Colégio Internacional/Instituto Gammon, a Universidade Metodista e inúmeros colégios

67 HENTZ, Paulo. “Eixos norteadores da Proposta Curricular”. In Proposta Curricular. p.15.

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241

adventistas, batistas e alguns presbiterianos. Entretanto, na educação evangélica para a formação de

líderes religiosos (por exemplo: seminários, institutos bíblicos) e nas “escolas dominicais” predominou o

paradigma dogmático da primeira fase, onde a discussão e avaliações críticas são vistas como ameaças, ao

invés de oportunidade para a descoberta.

O contexto da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. O mesmo se aplica de modo geral à Igreja

Presbiteriana Independente do Brasil68. Entre os princípios básicos dos fundadores: a rejeição da

maçonaria entendida como incompatível com a fé cristã e a exigência da autonomia política. A formação

teológica dos ministros também logo recebeu destaque. Júlio Zabatiero descreve bem a situação:69

A formação dos pastores nos Seminários segue um padrão curricular e conceptual

de corte “iluminista”, privilegiando o domínio, pelo estudante, do saber teológico e

técnico necessário para desempenhar as funções pastorais. Saber esse que não é

construído a partir da práxis ministerial/missionária da Igreja e dos estudantes,

mas coletado a partir dos conteúdos previamente definidos nas respectivas

disciplinas científicas que compõem o curricular escolar. Uma das conseqüências

desta situação é o empobrecimento teológico dos membros das comunidades e sua

relativa incapacidade de participar ativamente na construção do saber teológico e

do agir ministerial da Igreja. Guardadas as devidas proporções, esta situação

corresponde ao diagnóstico equivalente, aplicada à sociedade como um todo: Em

grande parte, isto explica a chamada “crise da Escola Dominical” – uma vez que

ela não “diploma ninguém para nada”, ou seja, alunos e alunas da Escola

Dominical nada esperam da mesma a não ser o fato de serem alunos/alunas por

toda a vida. — Zabatiero s.d., p.9

68 Para a década de 1990, veja ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. “Teoria crítica e educação cristã. Fundamentos para um projeto educacional cristão.” Trabalho não publicado apresentado para o curso de doutorado no Seminário Teológico da Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil. Sem data (depois de 1995). Para as décadas de 1970 até meados da década de 1980, veja CAMPOS, Leonildo Silveira. “A identidade da educação religiosa cristã do protestantismo brasileiro”, in CELADEC, Um diálogo entre a teologia e a pedagogia numa perspective latino-americana, Cadernos de Estudos, n. 26, Curitiba, 1991; e “Em busca de novo paradigma” in STRECK, D. R. (org.) Educação e igrejas no Brasil. Um ensaio ecumênico, CELADEC, IEPG, IEPGCR, São Leopoldo/Rudge Ramos, 1995. 69 Salvo o uso errôneo da palavra “iluminista” para se referir ao padrão curricular e conceptual. O padrão mesmo é dogmático.

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242

Hoje em dia a igreja é teológica e ideologicamente pluralista e o engajamento missionário reflete este

pluralismo.

A partir de 1981 o projeto educacional, na produção de revistas de Escola Dominical, procurou corrigir: 1)

uma leitura das Escrituras que não leva em consideração os meios históricos e culturais pelos quais os

textos foram transmitidos e que é exageradamente individual na sua interpretação; 2) uma espiritualidade

alheia às preocupações históricas e culturais da sociedade; 3) uma moralidade focalizada no indivíduo e

pouco preocupada pelas transformações estruturais na sociedade; 4) uma tendência centralizadora e

autoritária na condução política (poder) e educadora (saber) da igreja tanto nos níveis locais quanto

nacionais, ao invés duma condução mais democrática e representativa que deveria partir da estrutura duma

igreja de tradição reformada.

A partir de 1992, o projeto educativo sofreu algumas modificações que se constitui na produção de

revistas de Escola Dominical, sendo originalmente publicadas quadrimestralmente três revistas para as

faixas etárias infantis, uma revista para adolescentes, uma para jovens e outra para adultos, sem currículo

predeterminado a não ser a tentativa de seguir o desenvolvimento psicológico no material para crianças e

adolescentes e o desenvolvimento teológico para jovens e adultos.70 O material procura ser “permanente”,

seguindo um currículo pré-determinado durante 6 anos (para jovens e adultos) com a possibilidade de

produção de novos materiais para tender necessidades específicas e regionais.

A abordagem pedagógica da produção de material para Escola Dominical é “técnica” desde 1981 até hoje.

Zabatiero pede uma abordagem sócio-construtivista de cunho popular, ampliando o sujeito da educação

para incluir novas vozes, e construindo o projeto a partir de um amplo diálogo com a membresia eclesial.

Sua abordagem convive bem com as novas tendências na educação brasileira que procura ser mais

democrática. Por isso, o predomínio das vozes “pastorais” e “teológicas” deve ser superado pela inclusão

do das vozes do laicato. Uma maneira de fazer isso é através de maior ênfase no “discipulado” e a atuação

ministerial de todos os membros na liturgia, na evangelização e na expressão da identidade religiosa. Tudo

isso isto implica numa reformulação política do atual papel do ministro ordenado, de tal forma que

predominam os papeis de educador e missionário.

70 ZABATIERO, p.16, n.19.

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243

Quanto ao primeiro papel, o de “educador”, é preciso assumir a incumbência constitucional de presbítero

docente. Embora o ministro não possa e nem deva separar a exortação da instrução, ao longo da nossa

história houve uma mudança grande de ênfase de instrução exortativa (característica da centralidade da

Palavra de Deus do culto reformado) para uma exortação pouco instrutiva (característica da centralidade

da Palavra de Deus do culto popular). Muito diferente de apenas 40-50 anos atrás, hoje há cada vez mais

conhecimento e experiência popular de bons princípios educativos que pouco são repassados durante a

formação pastoral. Por isso, urge um forte componente pedagógico na formação continuada dos ministros

ordenados.

Quanto ao segundo papel, o de “missionário” (apóstolo), é bom lembrar que tanto nos Evangelhos, quanto

no Livro de Atos e nas Epístolas, uma das características de maior destaque na formação de comunidades

dos discípulos e do povo de Deus é a sua capacitação para a sua missão como sal e luz. Durante os últimos

20-40 anos, aos poucos e mundialmente está havendo uma recuperação do conceito de missio Deus e da

vocação missionária da igreja. Entretanto, isto ainda não se traduziu de modo explícito numa reformulação

do papel do ministro ordenado. É preciso espelhar no ministério ordenado a função de capacitação para

missão que se destaca no Novo Testamento e durante todos os períodos de expansão missionária na

história da igreja.

Se o papel de educador e a dimensão missionária necessitam de maior destaque na formação dos

ministros, outros papeis de outros membros do corpo de Cristo não devem predominam71 na vida do

ministro, tais como: a administração material (papel de diáconos); a exortação (papel de profetas e todo o

povo de Deus); a evangelização (papel de evangelistas e todo o povo de Deus); o governo (papel do

colegiado de presbíteros); a visitação (biblicamente o ministério de diáconos, mas constitucionalmente

também dos presbíteros); os ministérios de oração, cura, culto (papel de todo o corpo de Cristo); o

aconselhamento (dons de sabedoria, conhecimento e discernimento). Certamente não compete ao

ministério os papeis populares de “Show Man”, “Mestre de Cerimônia” ou qualquer papel de carisma que

não espelhe a humildade dum servo de Deus.

71 Como também membro do corpo de Cristo, o ministro ordenado pode ter e exercer quaisquer destes dons e ministérios, entretanto não são estes que definem o seu papel como ministro ordenado, e sim, primordialmente o ministério de ensino, que muito carece de recuperação o conceito do ministério ordenado.

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Finalmente cabe uma reflexão sobre sugestões para a escola dominical. Primeiro, diante das mudanças

atuais na área de educação, ressalta-se a importância da formação continuada dos professores. Segundo, a

adequação do espaço físico e a aquisição de recursos materiais não podem ser mais ignoradas. Terceiro,

para uma educação por descoberto há necessidade de mais tempo para conduzir aulas mais participativas

(1 hora e meia). Quarto, a produção de material não deve visar “fechar” o processo educativo, mas “abrir”

a discussão para a descoberta, dando orientação para professores e alunos deste processo. Quinto, é

necessário aproveitar mais dos recursos de multimídia e de internet para incentivar a descoberta. Sexto, a

participação do laicato é imprescindível, especialmente os educadores no planejamento e elaboração de

material. Sétimo, é preciso abranger outros contextos educativos da igreja fora do período de domingo de

manhã, por exemplo, o preparo de líderes de pequenos grupos, o espaço das crianças no culto e na vida

das células, e a assistência pedagógica e técnica para as equipes de liturgia. Oitavo, é preciso incentivar do

uso do corpo, dos sentidos e de imagens e dar as condições técnicas para os mesmos. E nono, é preciso

promover momentos periódicos para crianças, idosos e outros grupos normalmente não focalizados no

culto e na vida da igreja.

Quanto aos seminários, ainda falta uma avaliação pedagógica dos paradigmas de ensino adotados. A

impressão é que predomina o paradigma dogmático na maioria das disciplinas e em outras, como nas

disciplinas de exegese e nas disciplinas pastorais instala-se cada vez mais o paradigma técno-científico. Se

for, não é de se surpreender que segue a sociedade geral por um atraso de cerca de 50 anos, que parece ser

o praxis comum. A questão é, uma vez conscientes da situação, e mesmo com uma excelente intenção de

aumentar a “dose” missiológica ao currículo, de que maneira a proposta educacional muda nos seus

fundamentos?

Timóteo Carriker

Missiólogo e Educador Teológico

Educar para a Missão – Redescobrindo um Ideal Reformado. O desafio de refletir sobre o papel da

educação cristã para a missão integral parece tarefa fácil. No entanto, se partimos da afirmação tão

verdadeira de que a educação cristã é educação para levar todos os cristãos a um agir transformador na

sociedade, devemos perguntar a razão pela qual isto não ocorre com todos e em todo tempo na vida da

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245

Igreja cristã. A resposta seria de que há uma educação em crise, pois, não tem sido capaz de impulsionar a

igreja para missionar de maneira relevante em nosso mundo. Na verdade, é preciso reafirmar que o educar

no contexto da igreja é educar para Reino de Deus em toda sua radicalidade.

O texto propõe analisar a educação cristã, tendo em vista, especialmente, a questão educar para os

compromissos com a Missão Integral. Para tal, torna-se importante pensar sobre a finalidade da educação

cristã, não somente em suas motivações. A proposta é retomar a base bíblica e as perspectivas históricas

para uma educação cristã que impulsione e igreja para sua participação na missão de Deus.

Reino de Deus – Fim último da Educação Cristã. A chave utilizada para interpretar a Bíblia e articular a

teologia é o Reino de Deus. Trabalhando autores como Thomas H. Groome, que escreveu Educação

Religiosa Cristã e Daniel S. Schipani, em El Reino de Dios y el Ministério Educativo de la Iglesia,

podemos perceber como usam esta chave e este tema. A tese de Schepani é que uma Educação Cristã

“criadora e transformadora deve orientar-se segunda a imagem bíblica do Reino de Deus”. As implicações

do Reino de Deus são abrangentes.

Em Marcos 4 percebe-se que um símbolo e a finalidade da obra de Deus na história são o Reino de Deus.

Semelhante à parábola da semente, a próxima, do grão de mostarda, começa assim: “A que

assemelharemos o reino de Deus?” Jesus proclamou o Reino de Deus como tema central de sua

mensagem. Não somente proclamou, mas ele viveu a mensagem do Reino. Em Jesus o Reino de Deus se

fez presente. Ele trouxe a concretização e inauguração do Reino na sua própria pessoa, e prometeu a

consumação do Reino no futuro. O Reino “já” chegou, mas “ainda não” em sua plenitude. Embora a

vitória final e completa já esteja assegurada pela morte e ressurreição de Jesus, a luta ainda não terminou.

Pode-se dizer que o próprio Jesus, respaldado nos profetas, visualizou o Reino de Deus como a finalidade

última da criação, da história, da salvação e da Igreja. O desfecho das Sagradas Escrituras em Apocalipse

21 e 22 traz uma visão deslumbrante e gloriosa do “novo céu e nova terra”, ou seja, do Reino consumado.

O Reino de Deus, tanto nas Escrituras Hebraicas, como no próprio Novo Testamento, apresenta-se como

uma promessa maravilhosa de Deus.

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246

Portanto, além de compartilhar a promessa, a visão e o anseio pelo Reino com os seus discípulos, Jesus

também exigiu dos membros do Reino certos compromissos. Ao fazer discípulos Jesus transferiu-lhes

seus valores, resumidos por Ele mesmo em “Amarás o Senhor teu Deus... Amarás o teu próximo como a ti

mesmo” (Mt 22.37-39). Groome (1995) faz notar: “Os membros do Reino não são objetos sobre os quais

age a atividade de Deus, mas sim sujeitos chamados a responder ao Reino de Deus, vivendo em mútua

participação uns com os outros. Jesus, pois, pregava o Reino como um símbolo de esperança e comando”.

Groome (1985) termina seu capítulo sobre o Reino de Deus como "metapropósito" da Educação Cristã. O

Reino de Deus e o Domínio do Cristo que subiu ao Pai devem permanecer o cerne de nossa pregação e

educação. Sem dúvida, pregar Cristo como Senhor e Salvador é implicitamente pregar o Reino de Deus.

Mas o Reino não pode ser tratado apenas como uma mensagem implícita em nossa proclamação. Ambos

os temas, Cristo como Senhor e Salvador e o Reino como o pregava Jesus, devem estar constante e inten-

cionalmente presentes em nossa proclamação e educação. Sem os dois nossa mensagem está incompleta.

Zabatiero (1995) escreve que Jesus não pregou, principalmente, a respeito de si mesmo. O seu anúncio

tinha como tema central o Reino de Deus (Mc 1.14-15). Este autor defende que o papel da Igreja é educar

para a reumanização, uma vez que uma das conseqüências básicas do pecado foi a desumanização da

humanidade. Desumanizados, não cuidamos mais da natureza - que Deus nos confiou para dela vivermos

e dela cuidarmos. Não cuidamos mais de nosso próximo - somos como Caim contra Abel. Não cuidamos

mais de nossa relação com Deus e fomos escravizados ao pecado e a Satanás. A salvação tem por objetivo

reverter essa situação de desumanização.

Através do ensino as pessoas passam a compreender a Palavra de Deus e se comprometem a praticá-la.

Quando se ensinam os valores do Reino, é preciso viver de acordo com esses valores. Entramos no Reino

e assumimos as responsabilidades do mesmo e suas implicações para o indivíduo, para a família e para a

sociedade. Vejamos agora estas três esferas onde o Reino se manifesta.

Finalidade do Ensino na Igreja. George (1993), apresenta três finalidades do ensino na igreja. A primeira

é o aperfeiçoamento dos Cristãos. Quando se fala das responsabilidades do Reino, existem implicações em

várias esferas. Talvez pensemos primeiramente sobre as implicações para o indivíduo. Ensinamos para

que as pessoas cresçam na fé e vivam a vida cristã como súditos do Reino em obediência ao Rei. O

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apóstolo Paulo descreveu a finalidade de seu ministério assim: “...ensinando toda pessoa em toda a

sabedoria, a fim de que apresentemos toda pessoa perfeita em Cristo; para isso é que eu também me

afadigo, esforçando-me o mais possível”. (Cl 1.28-29). Paulo ensinava porque desejava ver o

desenvolvimento integral de cada cristão.

No Sermão do Monte deparamos com uma descrição clara da prática do Reino na vida cotidiana. Nesta

prática, ou obediência radical, o Reino se materializa entre nós aqui na terra. Na atuação vivencial do

cristão, seu modelo e meta é Cristo, que viveu o que pregou no Sermão do Monte. Richards (1980)

escreve que o propósito é ser como Cristo. Por esta razão a educação cristã se concentra em ajudar o

crente a crescer até ser como Cristo. Ela visa ao processo de transformação de personalidade e caráter. O

objetivo do ensino cristão é formar cidadãos do Reino. As qualidades que Cristo exibiu devem ser as

mesmas exibidas por seus seguidores.

A segunda finalidade do ensino na igreja é a edificação de Lares Cristãos. Há implicações na resposta ao

Reino de Deus no lar cristão. Há implicações para a família. Para a Igreja ser edificada e a sociedade

fortalecida, para que “venha o teu Reino, assim na terra como está nos céus”, é necessário que a edificação

e o ensino comecem no lar. Deus instituiu o casamento e nos colocou em famílias. O Senhor mandou que

os pais ensinassem a seus filhos. A educação deve ser responsabilidade dos pais, e não pode ser transfe-

rida para a Igreja. Para se edificar a Igreja, visando à consumação do Reino, tem que haver nutrição

espiritual no lar. Alguém disse: “Uma sociedade é o que são suas famílias”. Desejando-se promover os

valores do Reino de Deus, há que se reconhecer que os valores comecem no lar.

A terceira finalidade da educação cristã é a transformação da Sociedade. Jesus trouxe consigo o Reino de

Deus (Mc 1.15). Jesus não apenas pregou por meio do Reino; demonstrou sua realidade temporal e

histórica pelos “sinais do Reino”. O objetivo da Educação Cristã não pode ficar aquém da abrangência do

ministério docente de Jesus.

Depois de enumerar os valores do Reino nas bem-aventuranças em Mateus 5.1-12, Jesus, de maneira

contundente e enfática, diz aos discípulos: “Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo” (5.13,14). É

na sua vida material e social na terra, na sua inserção no mundo, que o cristão age manifestando os valores

do Reino.

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Os valores eternos do Reino devem ser confrontados pelos valores passageiros do século. Stott (1989) diz

que o chamado cristão é para “viver no mundo sob a Palavra”. Como sal e luz, a Igreja deve exercer

influência necessária sobre a sociedade. “Uma preocupação social genuína tanto deve abranger serviço

social quanto ação social e também ação política”.

Percebe-se, portanto, que as três finalidades imediatas, o aperfeiçoamento dos cristãos, a edificação de

lares cristãos e a transformação da sociedade, têm como finalidade última o Reino de Deus em Jesus

Cristo. Caminhamos para uma escatologia em que o Reino de Deus se estabelecerá integralmente no

aperfeiçoamento dos cristãos, na edificação de lares cristãos e na transformação da sociedade. Faz-se

mister trabalhar tanto na teoria quanto na prática, a fim de que se desenvolva uma Educação Cristã que

responda às demandas de nossa realidade sociocultural e atente positivamente à sua vocação fundamental,

que é compartilhar, anunciar, viver o Reino de Deus.

O Reino de Deus é muito mais amplo do que imaginamos e daquilo que freqüentemente aprendemos em

nossas igrejas. A Igreja hoje deverá, com urgência, dar ênfase total ao ensino e significado real do que é o

evangelho do Reino de Deus. Só assim teremos igrejas fortes, edificadas, servindo e atuando no mundo

com autenticidade nas áreas político-social e econômica.

Quando se faz a Educação Cristã com uma visão do Reino, ela se torna importante e urgente, e evita-se

uma série de problemas. Schipani diz que não se pode “espiritualizar” ou “regionalizar” o Reino,

“identificando-o com a Igreja ou com um determinado sistema social”.

Propõe-se uma Educação Cristã para o Reino de Deus, com fundamentos e finalidades bíblicas. Tal visão

leva-nos a objetivar o aperfeiçoamento dos cristãos, a edificação de lares cristãos e a transformação da

sociedade de acordo com os valores do Reino. Neste processo Deus serve-se da Igreja e da Bíblia, mas o

fim último é seu próprio Reino.

Ideal Protestante: Educar para a Missão. Calvino tinha visão e paixão educacionais muito grandes e uma

aguda sensibilidade sociocultural. Percebeu os reclamos da sociedade e da Igreja no seu momento

histórico, inclusive a grande necessidade de instituições e estruturas educacionais para a população em

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geral (ele propôs escola pública e grátis para as crianças pobres) e para a Igreja. Por isso, nos últimos anos

do seu ministério, ele fundou a Academia de Genebra. O currículo continha o melhor da educação

humanística, juntamente com os princípios calvinistas. Os doutores-mestres da escola eram considerados

representantes da Igreja.

O discípulo de Calvino na Escócia, João Knox, reformou o ensino secular de seu país com o lema: “Uma

escola em cada paróquia” e “Um mestre ao lado de cada pastor”.

Na chamada era moderna, temos o surgimento de um movimento iniciado em 1780 na cidade de

Gloucester, Inglaterra, por Robert Raikes, um decidido jornalista e homem de negócios, o qual iniciou um

movimento que mudaria o sistema de Educação Cristã dentro da Igreja, o que resultou na Escola

Dominical.

Raikes tinha uma grande preocupação com os problemas sociais, especialmente os grandes barcos-prisões

ancorados no porto de Gloucester, e os grupos de delinqüentes juvenis. Certo dia, ao chegar em casa após

o culto, ele reclamava dos problemas, e uma senhora o interrompeu e disse que os problemas existiam

porque, “quando crianças, foram ignorantes, pobres e sem instrução”.

Raikes então perguntou por que não iam às escolas existentes, e ela lhe respondeu: “Porque eles trabalham

em fábricas num regime de 12 horas por dia, durante os seis dias da semana”. Nasceu-lhe a visão de abrir

uma Escola Dominical, usando a Bíblia como texto central para alfabetizar os delinqüentes, e lares como

salas de aula. Em pouco tempo, eles tinham 77 rapazes e 88 moças. Raikes exigiu limpeza e higiene

pessoal e freqüência assídua aos cultos. Chegou a fundar doze escolas.

A Escola Dominical, que começou para educar e alfabetizar meninos de rua, cumpriu seu papel histórico

quando o Parlamento da Inglaterra libertou as crianças das fábricas e tornou a educação gratuita para

todos.

Hemphill (1997) escreve que o modelo britânico de Escola Dominical implantado na América era, prin-

cipalmente, uma escola missionária com o propósito de oferecer educação básica aos que não podiam fre-

qüentar as escolas públicas. As primeiras escolas dominicais americanas eram cópias virtuais dos modelos

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britânicos, provendo educação e muitas vezes itens básicos, tais como alimentos e roupas para as crianças

necessitadas. Com o tempo, o modelo britânico desapareceu da América, surgindo em seu lugar um outro

tipo de Escola Dominical, ensinada por voluntários e oferecendo um currículo evangélico especificamente

protestante.

Desde sua fundação, o movimento da Escola Dominical tem exercido uma enorme influência sobre o

ministério educacional de igrejas protestantes. Expandiu-se para a América e dominou o desenvolvimento

da Educação Cristã nos Estados Unidos e, trazida para o Brasil pelos primeiros missionários, também

floresceu e manteve as mesmas características de sua origem.

Sinais do Ideal Protestante no Brasil. Escrevendo sobre a herança e contribuição da reforma, Mendonça

(2000), afirma que é na educação que se verifica uma das mais significativas contribuições dos

reformados no Brasil. Partindo dos missionários educadores como Samuel Gammon, Márcia Brown e

Carlota Kemper, que imprimiriam rumos novos à pedagogia brasileira, registre-se Erasmo Braga, com

seus célebres livros de leitura elementar como a Série Braga, Eduardo Carlos Pereira (Gramática

Histórica e Gramática ExPositiva da Língua Portuguesa) e Otoniel Mota (O Meu Idioma) no ensino da

língua, e Antonio B. Trajano (autor do primeiro livro de Aritmética no Brasil, 1878/88). Em estudos sobre

a educação, mais recentemente, destacam-se Jether P. Ramalho (Prática Educativa e Sociedade) e

Osvaldo Hack, sobre a educação presbiteriana, o aspecto novo da obra de Rubem Alves, direcionada para

o ensino universitário e a literatura infantil. Ainda, os reformados têm fornecido o maior contingente de

professores protestantes para a universidade brasileira. Na Universidade de São Paulo, por exemplo,

salientaram-se Lívio Teixeira, Theodoro Henrique Maurer, Isac Nicolau Salum e Jorge César Mota.

Samuel Gammon criou a Escola Agrícola do Instituto Evangélico - antigo nome do Gammon - precursora

da antiga ESAL, hoje Universidade Federal de Lavras. Márcia Brown, juntamente com a professora Maria

Guilhermina Loureiro de Andrade, foi convidada pelo governo paulista a aplicar os métodos de ensino

renovado e eficiente nas escolas, destinadas a campo de abstração e experimentação de novas técnicas de

práticas de ensino para os estudantes normalistas e para professores que desejassem, constituindo essas

escolas um centro de irradiação de ensino renovado, pois muito dos alunos dessas duas insignes

educadoras tiveram grande influência na renovação do Ensino Público Paulista e, posteriormente, noutros

estados. Já Carlota Kemper era conhecida por sua versatilidade e grande cultura. Conhecia a fundo o

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latim, bem como o grego e o hebraico. Como passatempo, gostava de ler os clássicos latinos, resolver

problemas de trigonometria e fazer cálculos. A história antiga e moderna era outra de suas especialidades.

Foi considerada por muitos que a conheceu a mulher mais culta do Brasil. Quando a falta da vista

começou a impedir-lhe de ensinar, passou a gastar grande parte do tempo em visitas.

O historiador presbiteriano Alderi de Souza Matos, descreve Erasmo Braga desta forma: Além do seu

testemunho nas muitas entidades de que participou e de suas importantes contribuições como educador,

escritor e pensador protestante, Erasmo se envolveu em iniciativas valiosas como o Seminário Unido (Rio

de Janeiro), a Federação Universitária Evangélica e a Missão Evangélica Caiuá. Seu trabalho principal

resultou na Confederação Evangélica do Brasil, que preservou por muitos anos o ideal da cooperação

evangélica. Seus livros e outros escritos continuam relevantes, em especial Pan-americanismo: aspecto

religioso e A República do Brasil: uma análise da situação religiosa. (in: Revista Ultimato, nº 303 –

Novembro-Dezembro, 2006).

Por ser bastante conhecido, deixaremos de oferecer maiores informações do líder Eduardo Carlos Pereira.

Enfatizando, apenas, seu reconhecimento por parte da Academia brasileira até os nossos dias, pela

influência de suas gramáticas. Os outros citados são mais contemporâneos e ficamos apenas com os

detalhes já mencionados acima.

Jonas Furtado de Nascimento

Secretaria de Evangelização

SECRETARIAS DE EDUCAÇÃO CRISTÃ,

EDUCAÇÃO TEOLÓGICA E CONTINUADA, E

EDUCAÇÃO SECULAR

O que se pode dizer a respeito do ministério educacional na Igreja hoje? Para onde vai o ensino? Onde se

encontram diretrizes? Quem é responsável pelo ministério docente da Igreja contemporânea? Qual é sua

importância e sua função? Estas são questões extremamente relevantes, pois, estamos lidando com a

essência mesmo do protestantismo, mais particularmente, do presbiterianismo. A educação cristã trata do

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conhecimento de Deus, portanto, ela é prioridade. Tillich (2000), estudando o pensamento de Calvino,

afirma que, para o reformador: “a função principal da igreja é educativa”.

Conforme Greggersen (2002), a implicação óbvia, mas, infelizmente, menos praticada entre educadores

cristãos é que, se para Calvino o conhecimento de Deus é a razão de ser do homem, então todas as pessoas

que se dizem cristãs reformadas deveriam espontaneamente priorizar a educação. Isto deveria ocorrer em

todas as instâncias, a começar pela educação no lar. Não se trata de uma educação qualquer, e, sim, de

uma educação holística, ou seja, transformadora, vivencial, humana, coerente com as Escrituras, aberta

para a revelação do Espírito de Deus e voltada para a sua glorificação. Trata-se, portanto, de uma

educação viva, que se mostra por meio de frutos concretos.

Trabalhando os escritos de Calvino e seguindo a própria formulação do líder reformado, esta mesma

estudiosa, afirma que “o conhecimento de Deus, que somos convidados a cultivar, não é aquele que,

descansando satisfeito com meras especulações vazias, fica agitando-se na mente, mas um conhecimento

que pretende provar-se substancial e frutífero, onde quer que seja apreendido e radicado no coração”. O

Senhor se manifesta por sua perfeição. Quando nós sentimos o seu poder dentro de nós, e nos

conscientizamos dos seus benefícios, o conhecimento acaba imprimindo-se em nós de forma muito mais

viva, do que, se nós meramente imaginamos um Deus, de cuja presença jamais nos demos conta. Portanto,

para se buscar a Deus, o caminho mais direto e o método mais adequado não é de procurá-lo com uma

curiosidade presunçosa, pretendendo sondar a sua essência, que deve ser antes adorada, do que

minuciosamente debatida, mas de contemplá-lo em suas obras, pelas quais ele se aproxima de nós,

tornando-se familiar e comunicando-se a si mesmo a nós.

Portanto, devemos afirmar e reafirmar a importância do ensino, como prioridade que objetiva levar e

manter a Igreja nos trilhos do missio Dei. Seguindo George (1993) mesmo que a Escola Dominical venha

a falir, não se pode abandonar o ensino. O ministério educativo da Igreja faz parte da sua essência. Sem

ensino a Igreja não seria a Igreja. Por meio deste ministério essencial, os membros das igrejas adquirem

conhecimentos bíblicos e doutrinários, crescem na vida cristã, comprometem-se com uma ética cristã

pessoal e social, e descobrem e desenvolvem seus dons e ministérios. O ministério docente fica a serviço

de todos os outros ministérios da Igreja: missões, evangelização, diaconia, adoração e comunhão. Por

meio do ensino, a Igreja caminha segura, com uma perspectiva de fé esclarecida que a capacita a viver

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num mundo plural, onde inúmeras ideologias se multiplicam dia a dia, sem se sentir ameaçada. Podendo

afirmar com o apóstolo Paulo “guardei a fé”, ou a “sã doutrina”.

Naturalmente, este ensaio não esgota, e nem tínhamos tal pretensão, tudo o que envolve a questão da

educação cristã no contexto da missão integral. Entretanto, de posse, mais uma vez, desta herança

maravilhosa da tradição reformada, nos resta sonhar e, mais, levar para a prática de nossas vidas, famílias

e igreja uma educação cristã que nos impulsione enquanto indivíduos e comunidade, para amar a Deus,

amando o próximo. Das entranhas da tradição reformada, vem surgindo um ideal: educar para a missão.

Que sejamos dignos de portar esta semente, semeando-a na família, na igreja e na sociedade, a fim de

fazer brotar nos corações os valores do Reino de Deus.

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SECRETARIA DE MÚSICA E LITURGIA

A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil surgiu da primeira dissidência ocorrida no presbiterianismo

brasileiro, no ano de 1903. Na época da divisão, o presbiterianismo ainda dava seus primeiros passos no

Brasil. O primeiro missionário presbiteriano, enviado pela Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, aqui

chegara em 12 de agosto de 1859. A organização do Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil ocorrera em

1888.

A dissidência não significou uma ruptura com a doutrina reformada ou com a forma de organização

eclesiástica presbiteriana. A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil conserva o mesmo sistema

doutrinário da Igreja Presbiteriana do Brasil, bem como a mesma estrutura de organização. Atualmente, as

duas igrejas mantêm um bom relacionamento entre si. Talvez, a maior diferença entre elas esteja no

campo ideológico. A IPI do Brasil é um pouco mais aberta às mudanças do que a IPB. Como um símbolo

dessa abertura, pode-se destacar a situação da mulher nas duas igrejas. A IPI do Brasil, desde 1934,

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ordena mulheres para exercerem o ofício de diaconisas e, desde 1999, também as ordena para serem

presbíteras e pastoras, o que ainda não ocorre na mais tradicional IPB.72

Até a década dos 1960s, os cultos ainda seguiam exatamente o modelo trazido pelos missionários norte-

americanos do século XIX. Nos anos 70, havia crescente insatisfação com esse modelo de culto e algumas

importantes tentativas de renovação que aconteceram. Atualmente, os cultos enfrentam os desafios do

impacto do pentecostalismo e do neopentecostalismo.

Características originais do presbiterianismo brasileiro. O presbiterianismo implantado no Brasil foi o

procedente dos Estados Unidos no século XIX. Isso quer dizer que suas raízes podem ser encontradas na

evolução do calvinismo na Inglaterra e na Escócia, principalmente no puritanismo. Do puritanismo inglês,

o presbiterianismo brasileiro ainda hoje conserva “a sua visão do mundo e a sua maneira de viver nele, seu

ascetismo austero e sua piedade bíblica”.73 A famosa obra de João Bunyan, O Peregrino, escrita em 1678,

encontra-se entre as primeiras que traduzidas para o português e divulgadas pelos missionários

protestantes que atuaram no Brasil. O quadro intitulado “Os Dois Caminhos” foi intensamente divulgado,

estando sempre presentes nos lares e nas mentes dos protestantes brasileiros.

A essa raiz puritana, juntaram-se as características do protestantismo norte-americano, principalmente dos

movimentos de despertamento. Como se sabe, as igrejas de fronteira dos Estados Unidos sofreram grande

influência dos movimentos de despertamento dos séculos XVIII e XIX. No século XIX, com a chamada

Era Metodista, praticamente todas as denominações evangélicas norte-americanas adquiriram as mesmas

idiossincrasias: ênfase no voluntarismo, segundo o qual o ser humano tem o livre-arbítrio e pode

aperfeiçoar-se continuamente; estabelecimento de radical distinção entre a realidade espiritual e a

realidade temporal, destacando que o campo de atuação da igreja se refere quase que exclusivamente à

esfera espiritual; puritanismo nos usos e costumes; etc.

No que se refere ao culto, houve um verdadeiro rompimento em relação à tradição litúrgica da Reforma. O

culto passou a centralizar-se na pregação, acompanhada do cântico de alguns hinos de forte apelo

72 Outras mudanças poderiam ser apontadas. A IPI do Brasil mantém, atualmente, amplo relacionamento com organismos ecumênicos, tendo se filiado ao Conselho Mundial de Igrejas, ao passo que a IPB deixou até de fazer parte da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas. 73 MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O Celeste Porvir, p. 38.

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emocional. Foi esse o protestantismo trazido ao Brasil pelos missionários norte-americanos. E foi esse o

culto implantado em nossa terra pelos primeiros ministros presbiterianos.

Esse culto não era litúrgico, isto é, não costumava usar formas litúrgicas previamente elaboradas. Ao

contrário, valorizava as orações espontâneas, desprezava vestes e qualquer outro aparato litúrgico, e

destacava a pregação com objetivo conversionista. Até os hinos cantados serviam como suporte para o

sermão com apelo para a aceitação de Cristo ou reconsagração ao seu serviço.

Nesse contexto, os sacramentos passaram a ter um caráter acessório. A Ceia do Senhor era considerada

como um mero apêndice de certos cultos. Ilustra bem essa realidade o trabalho desenvolvido por Ashbel

Green Simonton, o primeiro missionário presbiteriano, vindo ao Brasil em 1859. Ele utilizava o Livro de

Oração Comum da Igreja Anglicana para a realização de algumas cerimônias especiais. No dia-a-dia,

desenvolvia uma ordem de culto, na qual o centro era a pregação para a conversão.

Foi esse o culto que predominou nos presbiterianismo brasileiro até os anos 70. É lógico que havia alguma

insatisfação com esse tipo de culto. Em alguns momentos, algumas vozes se levantaram contra a pobreza

do culto que, valorizando o sermão, valorizava o pregador e desprezava a participação do povo. Foram,

porém, vozes que acabaram sendo sufocadas e esquecidas. Para que isso acontecesse, contribuíram muito

organizações para-eclesiásticas norte-americanas, que passaram a atuar no Brasil fortalecendo a forma

revivalista de culto dos primeiros missionários.

Tentativas de renovação. O elemento catalisador do culto implantado no Brasil pelos missionários norte-

americanos foi o anti-catolicismo. Antes do envio dos primeiros missionários para o Brasil, a Igreja

Presbiteriana dos Estados Unidos já havia tomado duas decisões importantes a respeito da Igreja Católica:

1. em 1835, a Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana da América “deliberou e decidiu que a Igreja

Católica Romana apostatou essencialmente a religião de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e,

por isso, não é reconhecida como igreja cristã”;74

74 HAHN, Carl Joseph. História do Culto Protestante no Brasil, p. 161.

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2. em 1845, a mesma Assembléia, “após ampla discussão, que se estendeu por diversos dias”,

“decidiu, pela quase unanimidade dos votos (173 a favor e 8 contra), que o batismo administrado

pela Igreja de Roma não é válido”.75

Como a Igreja Católica Romana, majoritária no Brasil, é uma igreja litúrgica, as igrejas protestantes

brasileiras desenvolveram a concepção de que qualquer elaboração litúrgica tem de ser repudiada, pois

não está de acordo com a tradição reformada. Tal concepção baseia-se numa interpretação equivocada da

tradição reformada, mas ganhou força de verdade no protestantismo brasileiro.

Para ilustrar esse ponto, temos dois casos muito significativos:

1. Nos primeiros cultos protestantes no Brasil, houve resistência na adoção do costume de se fazer do

Pai Nosso em conjunto, com a participação de todos, pois isso parecia ser uma “reza” da Igreja

Católica;

2. Ainda hoje, em muitas comunidades protestantes, a repetição do Credo Apostólico (ou qualquer

outro) causa estranheza e provoca oposição por ser considerada uma prática católica.

Esse anti-catolicismo foi (e continua sendo) o grande obstáculo para uma renovação litúrgica no

protestantismo brasileiro. Não obstante, houve, ao longo da história do protestantismo no Brasil,

manifestações de insatisfação com a pobreza do culto centralizado no sermão.

Em 1932, o Rev. Erasmo Braga, escrevia a respeito dos “sinais de descontentamento com o tipo que culto

que prevalece com o intelectualismo pobre do púlpito”.76 Em 1938, na Igreja Presbiteriana Independente

do Brasil, Eduardo Pereira de Magalhães, líder da mocidade, assim se manifestava: “No culto é sempre a

mesma coisa, feita do mesmo modo, com as mesmíssimas palavras, as mesmas idéias repetidas sempre e

sempre, no mesmo lugar. Todas as reuniões, seja qual for o objetivo, sem exceção, começam com um

hino, depois oração, leitura bíblica, outra oração, etc...a única coisa que é valorizada no culto é o

75 Ibidem, p. 162 76 apud MENDONÇA, A. G. Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 197.

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sermão...ele é, pois, a parte importante, enquanto que a adoração, o culto a Deus, permanecem de lado,

desprezados”.77

Graças a essas manifestações de insatisfação, houve algumas tentativas de renovação. Na década de 1940,

elas foram promovidas, principalmente, pela Confederação Evangélica do Brasil, organismo forte e

atuante desde sua organização em 1934 até 1964, que congregava as principais igrejas protestantes

históricas brasileiras. Em 1942, a Confederação chegou a produzir e publicar um texto intitulado Liturgia

– Manual para o Culto Público. Em 1945, publicou o Hinário Evangélico.

Em 1961, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil aprovou e publicou um pequeno texto intitulado

Manual de Ofícios Religiosos, dividido em duas partes. Na primeira, havia uma orientação sobre o culto

público e duas fórmulas de culto (uma sumária, só apresentando a ordem a ser seguida, e outra elaborada,

explicitando o que deveria ser dito pelo oficiante em cada parte do culto). Nas duas fórmulas, a celebração

da Ceia do Senhor não estava incluída. Na segunda parte do Manual, estavam as fórmulas para as

chamadas cerimônias especiais (batismo, profissão de fé, organização de igreja, etc.), todas elas

elaboradas, explicitando o que deveria dizer ou fazer o oficiante de cada cerimônia.

Também na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, duas outras tentativas de renovação do culto

devem ser mencionadas, ambas profundamente ligadas ao trabalho desenvolvido pelo Seminário

Teológico de São Paulo.

A primeira ocorreu na década de 80, que resultou na publicação de um texto intitulado Vida na Terra.78

Tratou-se, na realidade, de uma tentativa de renovação mais profunda do que as anteriores. Por um lado,

buscou-se o resgate da tradição litúrgica reformada. Por outro, procurou-se a valorização de elementos da

cultura brasileira. A partir do Seminário, o sonho foi o de atingir, aos poucos, toda a Igreja Presbiteriana

Independente do Brasil, bem como outras denominações, com uma verdadeira revolução litúrgica.

77 HAHN, C. J. História do Culto Protestante no Brasil, pp.319, 320. 78 MATEUS, O. P. (editor). Vida na Terra.

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A segunda tentativa de renovação ainda está em andamento, com a elaboração e publicação de um novo

Manual do Culto.79 O texto foi produzido por uma Comissão Especial designada pela Assembléia Geral

da IPI do Brasil. Apresenta ordens de culto elaboradas para o dia-a-dia da igreja, para ocasiões especiais e

para o ano litúrgico. Contém também textos litúrgicos para o culto, bem como informações e orientação

sobre o calendário e o lecionário. Termina apresentando responsos cantados.

O texto foi aprovado pela Assembléia Geral da Igreja e está em vigor. Representa um esforço de

renovação litúrgica que procura “conciliar o zelo por uma herança da qual ainda não nos apropriamos

completamente, com o esforço indispensável e concreto para incorporar tais elementos à cultura latino-

americana e brasileira”.80

Temos de perguntar: qual o impacto de todas essas tentativas de renovação do culto protestante em nossa

terra? Concordamos plenamente com uma avaliação feita por Antônio Gouvêa Mendonça, quando

escreveu as seguintes palavras: “As sumárias ordens de culto são letra morta e, na maioria dos casos, as

cerimônias especiais só são feitas segundo os manuais no caso das menos comuns; os ritos sacramentais,

pela sua periodicidade maior, acabam sendo feitos de memória ou improvisados, ocorrendo simplificações

e liberdades que freqüentemente os desfiguram e os banalizam. Muitos pastores pretendem, ao abandonar

o manual, demonstrar competência e independência”.81

Tudo isso quer dizer que todas as tentativas de renovação do culto não chegaram a ser bem sucedidas. O

Manual para o Culto Público, da Confederação Evangélica do Brasil, foi muito pouco aceito e usado

pelas igrejas protestantes. O Hinário Evangélico foi adotado somente pela Igreja Metodista. Vida na Terra

parece ter caído no esquecimento. O Manual do Culto é considerado um excelente trabalho, mas não é

utilizado. De um modo geral, os cultos continuaram sendo improvisados e centralizados na pregação para

a conversão ou reconsagração.

Qual é a grande dificuldade para a renovação? Por que, se havia insatisfação com a pobreza do culto, não

ocorre uma aceitação dos esforços feitos pelo seu enriquecimento? Por um lado, o grande problema era e

continua sendo o anti-catolicismo. A mentalidade protestante brasileira desenvolveu e conserva a

79 FARIA, E. G. (editor). Manual do Culto. 80 FARIA, E. G. (editor). Manual do Culto, p. 6 81 MENDONÇA, A. G. Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 165

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concepção de que o uso de qualquer liturgia elaborada, que propicie maior participação do povo de Deus,

faz com que o culto fique parecido com a missa católica. Essa concepção impediu e continua impedindo o

sucesso na renovação do culto protestante no Brasil.

Por outro lado, um novo elemento surgiu e veio a contribuir para dificultar uma renovação litúrgica

inspirada pela conjugação de elementos da herança reformada e da cultura brasileira. Referimo-nos ao

grande impacto provocado pelo advento do pentecostalismo e do neopentecostalismo, que passamos a

focalizar agora.

O impacto do pentecostalismo. O pentecostalismo moderno teve sua origem nos Estados Unidos no

começo do século XX. Podemos situar seu nascimento no dia 1o de janeiro de 1901, quando Agnes N.

Ozman, uma aluna da Escola Bíblica Betel, em Topeka, Kansas, “falou em outras línguas”, fenômeno

considerado como batismo no Espírito Santo e como restauração do poder pentecostal.

No Brasil, o pentecostalismo começou a se implantar a partir de 1910, com o estabelecimento de duas

igrejas: a Assembléia de Deus, em Belém do Pará, e a Congregação Cristã no Brasil, em São Paulo e no

Paraná. Sua ênfase distintiva e característica era o chamado “dom de línguas”.

A partir década de 1950, o pentecostalismo brasileiro passou por um período de grande efervescência e

transformação. Irrompeu um movimento de tendas de cura divina. Implantaram-se novas denominações:

Igreja do Evangelho Quadrangular (1951); O Brasil para Cristo (1956); Deus é Amor (1961); etc.

Desenvolveram-se novas características que se juntaram à ênfase no dom de línguas: a valorização

extremada da cura divina, do exorcismo, com ampla utilização das emissoras de rádio para divulgação e

propaganda.

A partir da década 70, o pentecostalismo brasileiro conheceu outra transformação e grande

desenvolvimento. Novas denominações se organizaram, com o aparecimento de igrejas como Universal

do Reino de Deus, Internacional da Graça e Renascer em Cristo. São igrejas que utilizam modernas

técnicas de marketing para crescer e pregam, abertamente, a chamada teologia da prosperidade.

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O impacto do pentecostalismo se fez sentir sobre as denominações protestantes tradicionais. Muitas delas

passaram por processos de divisões internas. Na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, alguns

grupos se retiraram e organizaram a Igreja Presbiteriana Independente Renovada. Isso não quer dizer que

a influência pentecostal ficou restrita à nova denominação organizada. Mesmo na ala que não aderiu ao

movimento pentecostal os reflexos do pentecostalismo se fazem sentir, principalmente no que se refere ao

culto.

Dentre tais reflexos destacamos alguns que julgamos serem os mais importantes. Em primeiro lugar,

acirrou-se a oposição à utilização de quaisquer elementos litúrgicos pré-elaborados. Em nome da

espontaneidade sob a orientação do Espírito Santo, são repudiadas leituras de orações ou de textos

impressos em boletins. Parece que tudo tem de ser feito no culto de forma improvisada. Somente assim se

acredita que o Espírito Santo esteja presente e atuante.

Em segundo lugar, abandonou-se qualquer esforço de resgate da tradição litúrgica reformada. Essa

tradição é encarada como excessivamente formalista e fria. Ela é considerada como um elemento que

impede o envolvimento emocional das pessoas no ato de culto. Embora não tenhamos experimentado

plenamente em nossas igrejas as riquezas da tradição litúrgica reformada, qualquer referência a ela

desperta oposição.

Em terceiro lugar, deve-se destacar o aparecimento do fenômeno que é conhecido como “louvorzão”. Ele

passou a ocupar o lugar central no culto, sendo mais importante até do que a proclamação da palavra ou a

celebração do sacramento. Desenvolve-se, em todas as comunidades, mais ou menos da mesma maneira:

1. um grupo lidera o cântico de canções curtas, que se tornam longas porque suas letras são repetidas

até a exaustão;

2. o estilo da condução dos cânticos adotado pelos grupos que os lideram é, de uma forma geral, o

mesmo empregado pelos animadores de auditórios em programas de televisão. São feitos apelos

para que as pessoas cantem mais alto, com mais entusiasmo, etc.

3. há a utilização de uma parafernália eletrônica sofisticada, com microfones, caixas de som e

instrumentos (guitarras elétricas e baterias são indispensáveis). O som, mesmo em pequenos salões

de cultos de igrejas menores, sempre é muito alto.

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4. de um modo geral, não se utilizam letras impressas em boletins ou hinários. A preferência é pelo

uso de um retro-projetor, sendo as letras das canções projetadas nas paredes dos templos para que

todos possam cantá-las. Dessa forma, fica mais fácil a improvisação. Como todas as canções

conhecidas são colocadas em transparências, o dirigente pode, na hora do louvor, escolher

qualquer canção. Sempre será possível a projeção na parede do templo;

5. entre os cânticos, os responsáveis pela liderança repetem alguns versículos bíblicos e fazem

pequenos comentários, com apelos emocionais, ou proferem orações entusiasmadas;

6. as canções entoadas em geral são de louvor a Deus pela sua criação, pela salvação e por tudo

aquilo que realiza na vida individual de cada crente. Em outras palavras, são muito raras canções

cujas letras sirvam para a confissão de pecados ou apontem para a responsabilidade social do

cristão.

Em quarto lugar, foram deixadas de lado as tentativas de contextualização. Nesse terreno, principalmente

os elementos musicais foram afetados. Ocorre que, especialmente na tentativa de renovação do culto

promovida pelo Seminário de São Paulo, consubstanciada no texto Vida na Terra, houve um esforço pela

utilização de ritmos brasileiros e latino-americanos, com emprego, nos cânticos, de letras ligadas à

realidade e aos problemas nacionais. Tudo isso está desaparecendo ou já desapareceu completamente.

Canta-se, quase que com exclusividade, a música “gospel”. Como um símbolo do abandono das tentativas

de indigenização, vemos jovens usando camisetas com inscrições em inglês, bem como automóveis com

adesivos escritos em inglês.

Em quinto lugar, há uma fuga aos problemas e à situação predominante em nosso mundo. Há uma canção,

muito entoada pelas nossas igrejas, que chega até mesmo a explicitar essa característica. Sua letra diz

assim:

Ao orarmos, Senhor, vem encher-nos com o teu amor, para o mundo agitado

esquecer, cada dia tua vida viver. Nossa vida vem, pois, transformar, refrigério pra

alma nos dar. E, agora, com outros irmãos nos unimos a ti em oração.

É com essa realidade que nos defrontamos nos dias de hoje, como denominação presbiteriana brasileira.

Sua presença parece ser avassaladora. Está presente, ao que tudo indica, em todas as nossas igrejas, tanto

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nos grandes centros como nas pequenas comunidades do interior. Com essa realidade convivemos e com

ela trabalhamos.

Conclusão. Analisando o culto protestante no Brasil, A. G. Mendonça chegou à seguinte conclusão:

O protestantismo no Brasil construiu sua essência não segundo os padrões da

Reforma, mas de acordo com circunstâncias históricas que não conseguiu superar.

É por isso que a introdução de formas que remontam às origens do protestantismo,

que estão historicamente além da Era Missionária, não encontram ecos: são vistas

como algo que nada tem a ver com o protestantismo e, por isso, como negadoras

da Reforma. Há uma diferença quase essencial entre o protestantismo de missão no

Brasil e o da Reforma.82

Parece ser uma conclusão sombria. Trata-se, porém, a nossa ver, de uma conclusão correta. O culto nas

igrejas protestantes brasileiras tem passado por mudanças. Passou a ser mais informal. Tornou-se mais

alegre e leve. Utiliza mais a música. Possibilita maior participação de todos.

Em meio a tantas mudanças, porém, alguns elementos, que nos foram legados pelos primeiros

missionários e que pertencem à chamada Era Missionária, permanecem imutáveis. Continuamos a

promover cultos para a conversão e reconsagração. Preservamos o anti-catolicismo.

Desafios. O grande desafio continua a ser sempre o mesmo. Precisamos, no protestantismo brasileiro,

descobrir e resgatar a riqueza do culto cristão, especialmente do culto da Reforma Protestante do Século

XVI. Carecemos de uma renovação do estudo sério das Escrituras Sagradas. E necessitamos de uma

conscientização do que ocorre no mundo de hoje, para que o culto seja o ponto de partida e o ponto de

chegada de nosso ministério. Somente assim poderíamos falar de culto numa perspectiva de missão

integral. Isso, porque a idéia de “missão integral”, ou de missio Dei, destaca a valorização de elementos

culturais na fé e no culto, com base na encarnação, Deus conosco vindo e manifesto dentro do nosso

mundo, da nossa história e da nossa cultura. Deus utilizou a língua hebraica e a língua grega, além de

todos os outros elementos dessas culturas. Por exemplo, os salmos são poesias e cânticos dentro dos

82 MENDONÇA, A. G. Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 202

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263

limites da cultura dos judeus nos tempos do Antigo Testamento. Deus escolheu se manifestar nas mais

diferentes culturas no desempenho de sua missão. A nossa hinologia deveria espelhar a mesma postura.

Mas o aproveitamento de elementos culturais na fé e no culto também é um processo consciente e

seletivo. Nem tudo na nossa cultura expressa bem os valores desta fé e deste culto. Quanto ao culto, por

exemplo, é bom reparar que vivemos uma época profundamente influenciada pela televisão e seus

espetáculos. Estamos numa cultura de valorização de entretenimento e de show. Sem perceber, a igreja

está sendo muito influenciada por isso. Os cultos improvisados copiam os espetáculos da televisão. Os

grupos de louvor ou de coreografia não passam de reprodução paupérrima daquilo que os membros de

nossas igrejas vêem todos nos dias na televisão. Corre o perigo que os nossos cantores e tocadores,

quando estão à frente da igreja, sentem-se artistas e, por isso, cultivam certos trejeitos típicos dos artistas

que estão imitando. Com isso, as pessoas vão aos cultos para assistir um espetáculo musical,

principalmente. Para se resguardar do “espetáculo”, logo se faz necessária a elaboração bem pensada dos

nosso cultos.

A liturgia elaborada, frequentemente percebido como fora de moda e desprezada, tem algumas vantagens.

Ela é um instrumento de ensino a respeito do mistério e do consagração do culto a Deus, a partir de uma

perspectiva bíblica. Ela pode valorizar os elementos de nossa rica tradição reformada. Ela propicia a

participação do povo no culto. Ela impede que pastores e/ou líderes de grupos de louvor assumam o papel

de artistas do espetáculo. Só o fato de propiciar a participação do povo, fazendo com que o culto seja

realizado por todos, já é algo que faz com que o conceito de missão integral seja mais valorizado já que

adoradores de Deus são um povo de sacerdotes que ministra no santos dos santos, e não uma platéia dum

espectáculo liderada por um mestre de ceremônias.

Gerson Mendonça Correa de Lacerda

Secretário Executivo

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264

Bibliografia

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Anexo I

Os grupos pequenos e a missão integral da igreja

Introdução

A visão da igreja em células, compartilhada hoje por cristãos no mundo inteiro, tem sido entendida como

resposta à oração por uma forma de ser igreja que torne viável tanto o cuidado pastoral de cada ovelha do

rebanho, como o envolvimento de cada uma delas na tarefa de tornar Cristo conhecido no mundo e de

promover o reino de Deus.

Tem-se chegado a essa conclusão pelo estudo das Escrituras Sagradas e pela experiência histórica da

igreja. As celebrações coletivas de todos os membros de uma igreja local e os encontros nas casas em

grupos pequenos para comunhão e fortalecimento para o exercício da missão fazem parte de um modelo

aplicável tanto às condições históricas da igreja primitiva, como comportam princípios eclesiológicos

universais que refletem os propósitos de Deus quanto à natureza e à função da igreja no mundo, sem

comprometer em nada, na tradição presbiteriana, as doutrinas e forma de governo, que são herança de uma

genuína ortodoxia cristã e reformada.

A compreensão bíblica e teológica da igreja como povo de Deus, comunidade do reino, em sua

peregrinação histórica, aponta para o princípio do sacerdócio universal dos crentes, redescoberto pela

Reforma do século XVI, mas que tem encontrado dificuldades para ser amplamente praticado. A resposta

ao desafio da missão integral da igreja passa pela prática da genuína comunhão com o Deus Trino e pela

restauração dos dons do Espírito Santo como princípio estruturante dos ministérios do povo de Deus, para

que todos os crentes, fortalecidos na fé e devidamente capacitados, contribuam para a glorificação de

Deus e a promoção de todo o ser humano e do ser humano todo à dignidade de filhos de Deus.

Os grupos pequenos, integrados numa igreja local como células de um organismo vivo, abrem

possibilidades imensas para mobilizar cada crente tanto na comunhão como na missão da igreja. Esse

alvo, que pode tornar-se realidade, tem sido apresentado nesta frase: “Cada casa uma igreja, cada crente

um ministro”. Com este trabalho, esperamos contribuir para a restauração de princípios e valores que

contribuam para o fortalecimento interno da igreja e para a sua presença no mundo como agente do reino

de Deus para a transformação de pessoas, famílias e sociedade.

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O que é igreja em células

Uma comunidade em comunidades de base

Igreja em células é a igreja local vivendo como uma comunidade cristã em comunidades cristãs de base

(células) nas quais a vida e a missão da igreja fluem e encontram expressão coletiva nas celebrações e

atividades da igreja como corpo. Os diversos ministérios da igreja não dividem os seus membros em

atividades segmentadas (departamentos), mas apóiam as células para que vivam ricamente as experiências

de comunhão, de auxílio mútuo, de evangelização e de discipulado.

A “célula” é uma figura tomada de empréstimo da biologia por ser a unidade básica do corpo humano e de

todo o organismo vivo. Na igreja, como corpo de Cristo, a unidade básica não seria o indivíduo, mas a

célula, comunidade constituída de no mínimo três pessoas unidas a Jesus pela fé (Mt 18.20). Cristo é

entendido como o DNA da célula e é dele que procede a vida que se expande na edificação de todo o

corpo. Os elementos básicos do grupo pequeno como célula viva do corpo de Cristo são a comunhão, a

evangelização, o discipulado, a prestação de contas e o treinamento de líderes na teoria (conceito) e na

prática. A interação dinâmica desses elementos promove o crescimento natural, sem dependência de

programas e propaganda.

A águia que voa com duas asas: atacado e varejo

A estrutura da igreja em células é simples e pode ser representada pela águia que voa com as duas asas: a

asa comunitária, que representa os grupos pequenos, e a asa coletiva, que representa os crentes em suas

celebrações e atividades corporativas. Dessa forma, ela pode alçar vôos, atingindo as alturas da comunhão

com Deus, e retornar à terra, para servir as pessoas com amor e sacrifício. Quando uma dessas asas fica

atrofiada, a águia (igreja) começa a voar em círculos. Entendemos que a igreja em células restaura a asa

comunitária, dos pequenos grupos, atrofiada por desvios históricos, ao mesmo tempo em que fortalece a

asa corporativa.

A estrutura de liderança da igreja em células facilita a cada membro, devidamente treinado, o exercício de

ministérios de acordo com os dons do Espírito Santo. Os líderes emergem sempre das bases da igreja e

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todos os membros têm a oportunidade de liderar um grupo pequeno, já que cada grupo multiplica-se,

periodicamente (9 a 12 meses), e cria oportunidade de acesso aos membros a todos os níveis de liderança.

Esse processo de multiplicação torna possível o crescimento exponencial da igreja.

Igreja em células e igreja com células

O conceito de igreja em células se opõe ao conceito de igreja com células. Neste caso, as células ou

grupos pequenos seriam mais um programa ou ministério dentre outros e não seriam comunidades de

base. Os ministérios não seriam apoio para essas comunidades, mas poderiam concorrer com elas e

provocar a atrofia da asa comunitária, dos grupos pequenos. O comunitário e o corporativo, na igreja em

células, podem ser articulados num sistema que Stockstill denominou de igreja com janelas. Ele escreveu:

A criação das “janelas” (windows) foi a idéia de Bill Gates que revolucionou o mundo dos micro-

computadores. Antes disso, os usuários ficavam restritos a um “menu”, uma lista de programas, da

qual poderiam escolher um. Cada programa operava de forma independente e só se trabalhava um

de cada vez. Para acessar um novo programa, era necessário “fechar” o primeiro e, em seguida,

“abrir” o outro. Essa rotina maçante era obrigatória porque os diversos softwares não “falavam a

mesma língua”. Achavam-se todos instalados num mesmo computador, porém eram totalmente

incompatíveis.83

Este é o retrato da igreja convencional, baseada em programas e estruturada em departamentos. Stockstill

prossegue:

A revolução aconteceu quando Gates descobriu um meio pelo qual os programas poderiam se

“comunicar”. Podiam ficar todos abertos ao mesmo tempo, ocupando pequenas porções na tela,

numa configuração que faz lembrar as divisões da vidraça de uma janela. Cada programa é

representado por um emblema ou “ícone” na tela do computador. Acessamos um programa com o

auxílio do mouse, movendo uma seta e clicando em um dos ícones. Podemos abrir desde um até

todos os programas que ficam operantes e à nossa disposição. Assim podemos passar de um para

outro rapidamente. Cada programa tem sua função específica; contudo, eles podem “conversar”

uns com os outros porque se acham inseridos no mesmo ambiente... Será que as células poderiam

83 L. STOCKSTILL. A Igreja em Células. p.29

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se tornar um “sistema operacional” semelhante, para simplificar a estrutura eclesiástica e torná-la

mais prazerosa?84

Esse sistema operacional, que simplifica a estrutura eclesiástica, está presente nos mais variados modelos

de igreja em células.

A igreja em células e a missão integral

Os grupos pequenos, ou células, viabilizam a missão integral da igreja pelos seguintes motivos: cada

célula é uma comunidade terapêutica, pois o intenso convívio em grupo pequeno cria um clima propício

para a prática da transparência, onde se confessam os pecados uns aos outros e são feitas orações uns

pelos outros para a cura do espírito, da alma e do corpo (Tg 5.16); através da comunhão mais íntima, as

reais necessidades materiais são percebidas e a diaconia é praticada de maneira eficiente e justa; facilita a

experiência comunitária nas relações sociais. Demo mostra a importância de superar-se as tensões entre os

aspectos impessoal da organização (instituição) e o pessoal, íntimo (comunidade) para “harmonizar a

pessoa humana e a fazê-la cada vez mais próxima da outra e dos valores evangélicos. O predomínio do

comunitário sobre o societário apresenta-se mais fácil em pequenos grupos.85 Essa célula comunitária,

quando inserida na sociedade, tem um explosivo poder transformador, pois, na observação de Boff, “o

cristianismo, com seus valores assentados sobre o amor, o perdão, a fraternidade, a renúncia ao poder

opressor e a acolhida do outro, essencialmente se orienta na criação, dentro das estruturas societárias, do

espírito comunitário”86. Experiências práticas de vida em comunidades de base têm mostrado a

importância dos grupos pequenos na transformação espiritual, familiar e social87.

Bases bíblicas e teológicas da igreja em células

A Trindade é a verdadeira comunidade

Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. A bipolaridade sexual (macho e fêmea) e a ordem

para a procriação (multiplicai, enchei a terra) refletem a “imagem de Deus” e indicam a essência da vida

humana como relações comunitárias (Gn 1.26-28). Na ordem da criação, a família é a célula-mãe da 84 Ibid., p.30 85 DEMO. Apud. L. BOFF. Eclesiogênese. p.14-5 86 L. BOFF, op. cit., p.16 87 Pude verificar isto em visita feita à Igreja Elim, San Salvador. Essa igreja tem cerca de 7.000 células, formadas em sua maioria por pessoas de baixa renda, com uma experiência comunitária notável. Digno de menção também é a experiência da Kampala Pentecostal Church, de Uganda, que resgata milhares de crianças órfãs de pais que morreram na guerra e as transforma em líderes de célula e em líderes comunitários.

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sociedade. O propósito de Deus é que a comunidade humana (sociedade) viva em comunidades de base

(famílias). A família na sua expressão mais simples (pai, mãe e filho – três ) é a base da vida comunitária.

Na Bíblia, a origem da comunidade é o Deus Trino. Há só um Deus que subsiste em três pessoas: Pai,

Filho e Espírito Santo. “Se Deus fosse uma pessoa, haveria poder; se fosse duas, haveria amor; mas Deus

subsiste em 3 pessoas e, com a Trindade, há comunidade. A mais alta forma de vida no universo escolheu

viver em comunidade”.88

A família como unidade de salvação e de missão

A família centrada em Deus, cuja essência é amor, vive em harmonia e reflete a comunidade trinitária.

Uma das mais terríveis conseqüências do pecado foi a destruição dessa harmonia familiar, atraindo o juízo

de Deus (Gn 4.8-13). Os descendentes de Caim, o assassino, desenvolveram uma civilização avançada na

vida urbana (Gn 4.17), na pecuária (Gn 4.20), na música (Gn 4.21) e na produção de artefatos (Gn 4.22),

mas já estavam sob o juízo de Deus e pereceram no dilúvio, juntamente com os descendentes de Sete, que

haviam se associado a eles (Gn 6.1-7). Deus recomeça com Sete, gerado à semelhança de Adão, gerado à

semelhança de Deus (Gn 5.1-3). Os descendentes de Sete não se notabilizaram por grandes realizações,

mas pela vida piedosa, exemplificada por Noé, que achou graça diante do Senhor. Ele era homem justo e

íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus (Gn 6.8-9).

Aliança com Noé

Através de Noé e da sua família, Deus salvou todas as famílias da terra, salvou a humanidade. Na aliança

feita com Noé, há promessas para todos os seres viventes (Gn 9.8-11) e uma ordem explícita: “Sede

fecundos, multiplicai-vos, e enchei a terra” (Gn 9.1). A atitude dos descendentes de Noé foi de

desobediência a essa ordem: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até

aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra” (Gn 11.4).

A ação de Deus, frustrando essa pretensão imperialista, mostra que o seu propósito era que as famílias,

como unidades básicas da sociedade, se multiplicassem e se espalhassem para abençoar a terra (Gn 11.5-

7). Como os propósitos de Deus não podem ser frustrados, a dispersão, que deveria ser um ato espontâneo

de obediência, tornou-se um ato compulsório (Gn 11.8-9).

88 Ano da Transição, C-1

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277

Aliança abraâmica

A aliança abraâmica reafirmou o mesmo princípio estabelecido nas alianças anteriores: “Em ti serão

benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Aqui há pré-anúncio do evangelho já que o Messias é

descendente de Abraão (Gl 3.8,16-17). A família é a unidade básica da sociedade e agente por excelência

dos propósitos redentores de Deus de geração em geração. Cabia aos pais inserir os filhos nessa tradição

viva, que tinha por fundamento a aliança (Gn 17.9), através da circuncisão (Gn 17.10,14) e da educação

religiosa (Gn 18.18-19; Dt 6.1-9). A estabilidade de Israel como povo de Deus estava baseada em famílias

saudáveis e funcionais. A instituição da Páscoa por Deus, através de Moisés no deserto, revela o princípio

da família como núcleo de adoração e de testemunho (Êx 12.3-4,14,21-27). Esse princípio não foi alterado

mesmo quando Moisés organizou a estrutura de liderança com chefes de mil, de cem, de cinqüenta e de

dez (Êx 18.13-26; Dt 1.9-18) e instituiu o sacerdócio levítico para servir no tabernáculo (Êx 28.1-2; Lv

8.30-36).

Casa feita de pedras ou casa espiritual feita de gente

Conquanto o sacerdócio levítico não tenha usurpado a liderança espiritual dos pais nos lares, percebe-se

uma tendência à centralização a partir das ministrações no tabernáculo; isto atinge o ponto culminante no

templo. O tabernáculo foi construído por Moisés, no deserto, por ordem expressa de Deus e de acordo

com o modelo que lhe foi mostrado (Êx 25.9; 40.16-17; At 7.44; Hb 8.4-5); o templo foi construído por

Salomão por permissão de Deus a Davi (At 7.46; 2 Sm 7.1-16). Deus reagiu ao desejo de Davi de lhe

construir uma casa: “Tenho andado de tenda em tenda e de tabernáculo em tabernáculo. Em todo lugar

em que andei com todo o Israel, falei, acaso, alguma palavra com algum dos seus juízes, a quem mandei

apascentar o meu povo, dizendo: por que não me edificais uma casa de cedro?” (1Cr 17.5-6). Na mesma

linha, Estêvão afirmou que o Altíssimo não habita em casas feitas por mãos humanas e citou o profeta

Isaías: “O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou

qual é o lugar do meu repouso? Não foi, porventura, a minha mão que fez todas estas coisas?” (At 7.48-

50). O conceito da morada fixa de Deus numa casa a ele consagrada e de um ritualismo bem elaborado e

rigidamente observado transformou-se num formalismo religioso denunciado pelos profetas (Is 1.11-15;

Am 5.21-23). A característica principal desse período que se estendeu até aos dias de Jesus foi o

institucionalismo centralizador envolvendo o templo, o sacerdócio, o sacrifício e os dias sagrados. Esse

clima foi suavizado pelas sinagogas que surgiram durante a dispersão de Israel e tornaram-se centros de

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278

adoração e de cultura. A organização das comunidades cristãs seguiu o modelo da sinagoga, não do

templo.

Jesus purificou o templo, mas deixou claro, desde o início, que aquele edifício seria destruído (Jo 2.18-22;

Mc 13.1-2); o templo que seria reconstruído por ele seria feito de gente, não de pedra. Pedro deixou isto

claro:“Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita

e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes

sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus

Cristo” (1Pe 2.4-5). A casa de Deus é a comunhão dos crentes onde habita o Espírito. Esse templo, sim, é

sagrado e quem tentar destruí-lo, será destruído (1Co 3.16-17). No início, os cristãos reuniam-se no pátio

do templo e no pórtico de Salomão, e também de casa em casa (At 2.46; 5.12). Após o discurso de

Estevão, registrado em Atos 7, que desmistificou o templo, os cristãos perderam o acesso a esse espaço e

as reuniões concentraram-se nas casas. No ano 70 d.C. cumpriu-se a profecia de Jesus: do majestoso

templo reconstruído por Herodes não ficou pedra sobre pedra que não fosse derribada (Mt 24.2). Até

Constantino não foram construídos templos cristãos. O investimento na construção de edifícios não fazia

parte da estratégia missionária nem de Paulo nem dos outros apóstolos. A construção de templos na igreja

cristã não tem fundamento bíblico e teológico; apenas razões práticas e funcionais.

Os lares como centros de adoração, ensino e missão

Jones, Branick e Beckham comentam a importância dos lares no contexto da igreja, como comunidade do

reino de Deus, tanto nos evangelhos como nos demais escritos do Novo Testamento. Jones afirma:

A religião deve, portanto, centralizar-se não nos templos, mas nos lares. A vida toda deve subir ao

nível do sagrado. E a bênção do Espírito não está também associada com sermões e horas de culto,

mas com o poder de viver cada dia e cada momento à altura do que há de mais sagrado, levantando

o sórdido nível do pecado para a santidade, fazendo do corpo o templo do Espírito e dos nossos

lares o lar de Deus. Isto condiz perfeitamente com os ensinos de Jesus, pois o lar, não o templo, foi

a instituição que ele defendeu, quando disse que o templo seria destruído, mas o lar, “aqueles que

Deus ajuntou, ninguém os separe”. O lar é a esperança da raça. A menos que a religião esteja nos

lares como parte integrante deles, a religião dos templos não nos salvará.89

89 S. JONES. O Cristo de Todos os Caminhos. p.97-8

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279

O que podemos perceber pela leitura de Atos (At 2.6; 5.42; 10.24, 33, 44-48; 12.12; 16.15, 29-34, 40;

20.20) e das epístolas (Rm 16.5; Fm 2 e outros) é que as igrejas nos lares, por terem uma estrutura

simples, cresceram em importância e, a partir de Jerusalém, multiplicaram-se para todo o império romano.

Jones considera o Pentecostes o nascimento de uma nova raça e pondera:

O relato diz que o Espírito veio sobre aquele grupo enquanto estava no cenáculo que era

dependência de um lar. O lar, segundo a tradição, era o de Maria, mãe de João Marcos. É

interessante notar que o Espírito veio sobre eles não quando estavam no templo ou qualquer outro

lugar sagrado, mas num lar, o mais comum, o mais simples e universal lugar do mundo, em relação

à vida humana. A religião desprendeu-se dos lugares especialmente destinados ao culto e

centralizou-se num lugar universal da vida, no lar.90

Os lares tinham importância significativa não apenas na igreja primitiva, como retratada no livro de Atos,

mas no ministério de Jesus, de acordo com relatos dos evangelhos sinóticos.

Branick, teólogo católico, na mesma linha de Jones, vê no cenáculo, parte superior de uma residência

particular, “um ambiente que correspondia, notavelmente, à mais primitiva auto-compreensão dos

cristãos, refletindo a própria escolha de Cristo de um ‘cenáculo’ para sua última ceia; sua própria escolha

de um ‘lugar não sagrado’ como o ambiente de sua obra, e sua insistência nos laços familiares entre os

fiéis”.91 De fato, o lar ocupou lugar de destaque na missão de Jesus. Ele freqüentemente ministrava

ensinos especiais nas casas (Mc 2.1, Mt 13.36). Lucas, com freqüência, retrata Jesus como convidado em

lares (Lc 5.29; 7.36-50; 10.38). Branick afirma que:

Estes retratos sinóticos, intimamente ligados às missões, tanto de Jesus como dos discípulos, em

lares, podem, de fato, refletir memórias históricas sobre Jesus e os primeiros discípulos. A atenção

que esse elo, entre a missão e os lares, recebe nos evangelhos, contudo, aponta para outro elo

semelhante nas comunidades, produzindo esses evangelhos. Dos números de vezes, especialmente

no Evangelho de Marcos, em que vemos Jesus dando instrução especial em casa, podemos concluir

que as práticas catequéticas da Igreja de Marcos, em particular, desenvolveram-se ao redor e

dentro da vida doméstica92.

90 JONES, Stanley, op. cit., p.95 91 BRANICK, V. A Igreja Doméstica nos Escritos de Paulo, p. 13 92 Ibid., P. 19

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280

Beckham, depois de demonstrar que o uso da palavra evangelho ou boas novas, na pregação dos cristãos

do primeiro século, não significava apenas salvação pessoal ou verdade bíblica, mas vida numa

comunidade com Cristo, acrescenta:

A evidência, no Novo Testamento, nos faz perceber uma ligação que une o grupo pequeno de Jesus

e a igreja tanto nos evangelhos como nos demais escritos do Novo Testamento. Apesar de todas as

evidências, o grupo pequeno, como parte da igreja, não tem encontrado um lugar permanente na

teologia e na estrutura das igrejas tradicionais no século XX. Muitos teólogos bíblicos vêem os

grupos pequenos no Novo Testamento, mas falham em dar uma atenção adequada à eclesiologia

desses grupos em seus escritos.93

Igreja em células viabiliza a unidade, diversidade e mutualidade no corpo de Cristo

Além da unidade e da diversidade da igreja como corpo de Cristo, a mutualidade tem destaque especial no

Novo Testamento. As ministrações feitas uns aos outros, expressão recorrente, exigem relacionamentos

íntimos que só podem acontecer em grupos pequenos, jamais num ambiente frio de uma catedral (Tg 5.16

e 1Co 14.26). Esses grupos pequenos são como células do organismo vivo e refletem o propósito de Deus

não só para a igreja, mas para toda a humanidade. A Trindade é a verdadeira comunidade. Teólogos

contemporâneos ocidentais têm redescoberto o conceito trinitário de pericorese, que teve origem no

teólogo grego João de Damasco do oitavo século94. Nesse conceito, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são

como três dançarinos, de mãos dadas, dançando juntos em alegre liberdade. Guithrie nos ajuda a

compreender que esse conceito nos leva a pensar na unicidade de Deus como a unidade de uma

comunidade de pessoas, que são aquilo que são somente no relacionamento de um com o outro, numa

comunhão e comunidade de iguais, onde partilham tudo o que são e têm, cada um vivendo com e para os

outros em amor que se dá a si mesmo, cada um livre não do outro, mas para o outro. Essa compreensão de

Deus molda a auto-compreensão e a vida comunitária dos seres humanos criados à imagem de Deus. Ele

resume essa verdade nas seguintes palavras:

Se a deidade de Deus se realiza na comunidade do Pai, Filho e Espírito Santo, então a verdadeira

humanidade dos seres humanos, criados à imagem de Deus, se realiza somente na comunidade

humana, e não na solitária afirmação de indivíduos que procuram ser eles mesmos à parte ou em

competição com outros seres humanos. Se na divina comunidade não existe acima e abaixo,

93 BECKHAM, W. Redefining Revival, p.73-5. Tradução livre. 94 J. MOLTMANN, Trindade e Reino de Deus; L. BOFF, Trindade e Sociedade; in S.C.GUTHRIE, Sempre se reformando. Peri significa “ao redor de” e corese quer dizer dança.

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281

superior e inferior, mas somente sociedade de iguais, que são diferentes uns dos outros, mas que

vivem juntos em mútuo respeito e amor que se doa, da mesma forma é também numa sociedade

verdadeiramente humana de pessoas que são diferentes umas das outras sexual, racial, social,

política e religiosamente que vivemos a plenitude da vida humana95.

Podemos viver a essência dessa comunidade num ambiente simples, singelo, viável para todos em

qualquer lugar e circunstância, pois Jesus está presente onde dois ou três se reúnem em nome dele (Mt

18.20). Onde Jesus está, está o Deus Trino (Jo 14.23, 16-18). O DNA dessa célula é a presença do Deus

vivo. De acordo com Calvino, “onde quer que seja pregada sinceramente a Palavra de Deus e

administrados os sacramentos conforme a instituição de Jesus Cristo, não duvidamos que ali está a igreja;

pois a sua promessa não pode falhar, como o Senhor mesmo disse: “Porque, onde estiverem dois ou três

reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20)”96.

A compreensão da Trindade como base da igreja como comunidade tem implicações na forma como é

governada e como são exercidos nela os dons do Espírito e os ministérios. Na observação de Moltmann,

A comunidade [...] é, com seu culto e suas convicções religiosas, a forma terrestre da soberania de

Cristo que vence o mundo e um instrumento através do qual ele liberta o mundo. Isto pode ser

designado com o termo “teocracia”, sempre que este tipo de soberania se identifique totalmente

com o modo em que Cristo liberta através do sacrifício. Esta cristocracia não pode ser representada

certamente por uma hierarquia separada do povo, senão unicamente pela ordem fraternal de uma

comunidade carismática97.

Os dons do ministério de Cristo, apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres têm por finalidade

treinar todos os crentes para que estes exerçam a obra do ministério e edifiquem o corpo de Cristo (Ef

4.11-12). Nessa comunidade carismática não há diferença de posição, mas de funções.

Moltmann constata que:

Todos os membros da comunidade messiânica receberam o Espírito e, conseqüentemente, são

“ministros”. Não existe separação alguma entre os que detêm os ministérios e o povo. Não existe

95 S.GUTHRIE, Sempre se reformando, p.87 96 J. CALVINO, Instituiçiona de la Religion Cristiana p.812 97 J. MOLTMANN, La fuerza del Espiritu p.346;347. Tradução livre.

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também a menor separação entre o Espírito “ministerial” e o Espírito livre. Tampouco existe uma

diferença essencial entre os diferentes carismáticos e suas funções. A viúva, que faz o trabalho de

misericórdia, atua tão carismaticamente como o bispo. Porém existem diferenças funcionais, pois

unidade não quer dizer de modo algum uniformidade. As energias do Espírito da nova criação são

tão pluriformes como a criação mesma. De outro modo não seria possível sua vivificação

carismática. Por isso na comunidade reina a liberdade, a diversidade e a fraternidade98.

A compreensão dessa realidade bíblica e teológica deve nos inspirar na volta à leveza da vida eclesial, sem

as cargas que foram sendo acrescentadas pela tradição eclesiástica. A reforma é sempre uma volta às

fontes. Para isto, ajuda-nos saber como era o cristianismo em suas origens, na descrição de Trueblood:

É muito difícil visualizarmos o cristianismo primitivo. Com toda a certeza, era muito diferente do

cristianismo de hoje. Não havia prédios imponentes, nem hierarquia, nem seminários teológicos,

nem faculdades cristãs, nem escola dominical, nem corais. Existiam apenas pequenos grupos de

crentes [...], pequenas comunidades. No início, não havia nem mesmo o Novo Testamento. O

Novo Testamento não era a causa dessas comunidades, mas o resultado delas. Dessa forma, os

primeiros livros do Novo Testamento foram cartas escritas para essas pequenas comunidades, por

causa de suas dificuldades, perigos e tentações. Tudo o que tinham era a comunhão, nada mais.

Não tinham posição, nem prestígio, nem honra. Os cristãos primitivos eram pessoas que não

tinham posição, mas havia um poder secreto entre eles, e este poder secreto era o resultado do

modo pelo qual eram membros uns dos outros.99

O cristianismo do século XXI, distante das suas origens, tem as suas próprias características e os seus

próprios desafios. Mas o que é essencial em termos de conteúdo, de comunhão e de missão no mundo, não

muda. Quando as mediações históricas levam à transformação de caráter, já não se trata da mesma coisa.

É preciso que haja reforma, restauração, tanto da teologia quanto das estruturas. O vinho novo sempre

requer odres novos para que ambos se conservem. A questão é colocada com propriedade por Brunner nos

seguintes termos:

A Ecclesia do Novo Testamento, a comunidade de Jesus Cristo, é uma comunhão pura de pessoas

e nada tem do caráter de uma instituição: é, portanto, enganoso identificar qualquer uma das

98 J. MOLTMANN, op. cit., p.350-1. Tradução livre. 99 D. TRUEBLOOD, The Yoke of Christ. p.25-6. Tradução livre.

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igrejas desenvolvidas historicamente – todas marcadas por um caráter institucional – com a

verdadeira comunhão cristã. Enquanto este conceito não for explorado em todos os ângulos,

ninguém pode prosseguir para a segunda questão: em que relação estas várias instituições

históricas chamadas “igrejas” permanecem com a Ecclesia, a comunidade de Cristo, e à luz desta

norma, qual é o seu valor e a sua missão.100

O povo de Deus, como comunidade do reino, está no mundo, mas não é do mundo (Jo 17.16). Enviada por

Cristo como ele é enviado pelo Pai (Jo 17.18; 20.21), ela é guardada do mal (Jo 17.15) para refletir no

mundo a glória de Deus (Mt 5.16). Ela não está isenta de cair em tentação, mas como corpo vivo sempre

reage quando necessário para expulsar eventuais “corpos estranhos”. Conhecer os avanços e os recuos do

povo de Deus como comunidade do reino em sua caminhada histórica, à luz da revelação bíblica sobre a

sua natureza e a sua missão, é necessário para que possamos ter consciência da nossa identidade no

presente e dos desafios que o futuro coloca diante de nós.

Base histórica da igreja em células

Do ministério apostólico carismático ao sacerdócio hierárquico

Como já vimos, a igreja primitiva reunia-se no templo e de casa em casa (At 2.46). O ensino e a

evangelização eram feitos também de casa em casa (At 5.42; 20.20). O enfraquecimento da dimensão

comunitária, através dos pequenos grupos, começou quando o ministério carismático apostólico foi-se

transformando em ministério sacerdotal hierárquico. A ênfase episcopal nas cartas pastorais não

predominou na igreja primitiva, mas conviveu numa interação criativa com a orientação carismática de

Paulo, com a organização fundada no amor de João e a estrutura sinagogal de Jerusalém. Brunner

pergunta: “Como ocorreu que, exatamente esta concepção episcopal sobre a ecclesia, suplantaria em vigor

todas as outras, e conduziria finalmente à completa estrutura da igreja católica, embora certamente a

princípio, e por um longo tempo, somente para a estrutura da igreja católica primitiva?101” Brunner refuta

100 E. BRUNNER, O Equívoco sobre a igreja, p.22 101 BRUNNER, E, op cit., p.94

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todas as justificativas históricas para essa mudança102 e afirma que a verdadeira razão foi o declínio

espiritual da igreja e a busca da origem de um governo sagrado no sacramentalismo103.

No capítulo 8 do seu livro “Equívoco sobre a Igreja”, Brunner argumenta que a eucaristia, tão perto do

centro, se tornou ela mesma o centro. A refeição festiva tornou-se a própria essência da salvação, o

“sacramento” e o ponto focal da fé. Neste fato, dentre outras mudanças, as igrejas domésticas precisariam

desaparecer para a formulação do princípio de que, em cada lugar, deveria haver uma só congregação104.

Dessa forma, começou desenvolver-se a tendência de restaurar o sacerdócio e o sistema sacrificial do

Antigo Testamento105. Desde que a eucaristia tornou-se o alimento da salvação, a distinção entre os que

dão e os que recebem passaria a ter ênfase religiosa, começando, dessa forma, a distinção entre o clero e o

laicato, conceito estranho ao Novo Testamento.

Da refeição pascal ao sacrifício eucarístico

Com a construção das basílicas, igrejas consagradas, sob Constantino, a celebração da ceia nos lares foi

proibida na reunião de um sínodo em Laodicéia, entre 360 e 370 d.C., de acordo com o Cânon 58:

“Sacrifícios não devem ser oferecidos pelos bispos ou anciãos nos lares106. A ceia, de refeição pascal,

passou a ser missa, sacrifício que exige a participação do sacerdote. Branick escreveu: “Esse

desenvolvimento da refeição estilizada parece um ritual cúltico que envolvia mudança especial do papel

do dirigente. Ele passou a ser o líder cúltico que intermediava Deus à assembléia. Assim que a eucaristia

fora reconhecida como sacrifício, o líder passou a ser visto como sacerdote”107. Comentando os resultados

dessa mudança, Barclay afirmou: “O esplendor litúrgico do século XX não era apenas algo impensável no

século I: era totalmente impossível. [...] Mudou da figura dramática e concreta para um exercício mental

abstrato e metafísico108.

As mudanças que começaram já no final do século I, mencionadas na Epístola de Clemente, atingiram o

seu ponto culminante quando a igreja e o império se uniram e impuseram a “ortodoxia” oficial a todos os

fiéis. Branick afirma: “A proibição de Laodicéia completa o ciclo crítico. A ceia do Senhor mudou de uma

102 Expectativa escatológica frustrada, combate ao gnosticismo, definição do cânon, necessidade de normas fixas com o crescimento do número de fiéis 103 BRUNNER, E., op. cit., p.94-9 104 Ibid., p.103 105 H. BETTENSON. Documentos da Igreja Cristã. p.99-100 106 MANSI II, 574, apud BRANICK, V., op. Cit., p. 134 107 BRANICK, V., op. cit., p. 134 108 BARCLAY, W., The Lord’s Supper, PP. 101-104. Tradução livre.

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refeição para um ritual estilizado. A assembléia mudara-se da sala de jantar para um salão sagrado. A

liderança dos membros da família para um clero especial. Agora, a forma original da igreja fora declarada

ilegal” 109.

Do cristianismo como movimento ao monumento institucional repressor

As reações contrárias a esse rígido controle do clero e do império foram diversas. Algumas consentidas,

toleradas, mas outras foram esmagadas com mão de ferro. Prisciliano, um nobre espanhol, fervoroso

seguidor de Cristo, reagiu à religião sacerdotal ordenada pelo Estado. Liderou um forte movimento de

leigos na Espanha e França, ao qual aderiram muitos sacerdotes e bispos. Fundaram pequenas

comunidades que se encontravam para reuniões singelas nas casas. A igreja oficial não tolerou esse

procedimento e, por isso, Prisciliano e cinco amigos foram assassinados em Treves. Ele e seus amigos

tornaram-se precursores de muitos movimentos similares de reforma nos moldes de igrejas nos lares como

os valdenses, os lolardos e muitos outros110. Quanto a Prisciliano, o historiador católico Henri-Irineu

Marrou afirma que a heresia dele era original e difícil de ser definida, e foi condenado à morte pelo

imperador Máximo, em Treves, tendo sido o “primeiro herege a perecer sob os golpes do braço secular”. 111 Ele foi condenado por um concílio e entregue ao império para ser morto.

Os mosteiros e o discipulado radical

O movimento monástico ofereceu alternativa à religião secularizada que resultou da união da igreja com o

Estado. Muitos procuraram os mosteiros levados por um genuíno desejo de viver um discipulado cristão

mais radical. Por outro lado, pessoas espiritualmente sedentas procuravam os monges no deserto e

retornavam fortalecidas para as suas atividades diárias. Os séculos IV e V foram a idade de ouro dos pais

da igreja. Quase todos foram bispos e se destacaram de tal maneira que Justo L. Gonzáles se refere a esses

dois séculos como “a era dos gigantes”.112 Todos eles, no entanto, com exceção de Ambrósio e Gregório

de Nissa, desde Atanásio a Agostinho de Hipona, foram monges por um tempo mais ou menos longo e se

exercitaram na prática de uma ascese espiritual muitas vezes rigorosa com os mestres da vida espiritual e

109 BRANICK, V., op. cit., 135,137 110 SIMSON, W., Casas que transformam o mundo, p. 78 111 DANIELOU;MARROU, Nova História da Igreja, p.300 112 GONZALES, 1995

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na escola deles. Desses pais da igreja apenas Jerônimo não foi bispo. Continuou simples monge a vida

toda.113

A influência do movimento monástico, em suas intenções originais, foi benéfica para a igreja. Supriu a

dimensão comunitária sufocada pela religião cristã, que se tornou oficial a partir de Teodósio. Muitos

monges que se tornaram bispos, como Agostinho de Hipona e Martinho de Tours, renunciaram ao sonho

de uma vida calma na solidão para assumirem alta posição na vida eclesiástica, mas não renunciaram à sua

vida ascética; pelo contrário, criaram mosteiros episcopais, impondo a todo o clero a renúncia monástica e

o voto de pobreza. Esses mosteiros se constituíram em centros de formação eclesiástica que se irradiaram

por toda a região. Essa interpenetração entre a vida do clero secular e as exigências do estado monástico

contribuiu para o vigor espiritual de grande parte da igreja.114 Apesar das mudanças posteriores que

causaram desvios das intenções iniciais, foi num mosteiro da Ordem dos Agostinianos que Lutero tomou

consciência das exigências de um discipulado radical.

A Reforma do século XVI e o sacerdócio universal dos crentes

No entanto, Lutero não permaneceu no convento, pois percebeu que a vocação cristã deve ser vivida em

sua plenitude não só pelos religiosos, mas por todos os cristãos no contexto da vida diária. Isto o levou à

redescoberta do princípio bíblico do sacerdócio universal dos crentes. Ele expôs-nos esse conceito no

“Apelo à nobreza germânica”,115 em que pede ajuda para salvar a cristandade da miséria a que foi

reduzida pelos romanistas em todos o lugares e, especialmente, na Alemanha. O clero, considerando-se

estado espiritual, era inatingível, pois o poder espiritual estava acima do poder temporal e ninguém, exceto

o papa, pode interpretar as Escrituras e ninguém, senão o papa, pode convocar um concílio.

Lutero chama de ficção a doutrina de que o papa, os bispos, os sacerdotes e os monges são chamados o

estado espiritual, pois todos os cristãos pertencem verdadeiramente ao estado espiritual e não existe

diferença entre eles a não ser de ofício. Ele citou 1 Pedro 2.9 e Apocalipse 5.10 e afirmou que todos fomos

consagrados sacerdotes pelo batismo e que cada cristão pode gloriar-se de ter sido consagrado sacerdote,

bispo e papa, embora não convenha a cada um exercer esse ofício.

113 DANIELOU-MARROU, op. cit., p.310-1 114 Ibid., p.287-311 passim 115 H. BETTENSON, op. cit., p.240

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O princípio do sacerdócio universal dos crentes se fundamenta em verdades bíblicas fundamentais para

restaurar a vida eclesial sem distinção entre o clero e o laicato. Todos os cristãos são ministros, como

afirmou Lutero.

O sacerdócio universal dos crentes e as comunidades vivas: Lutero e Calvino Strohl116 observa que, no pensamento de Lutero, a aplicação do princípio do sacerdócio universal dos

crentes deveria levar à criação de comunidades vivas e atuantes. Criadas as estruturas locais, poderiam ser

formadas, nas paróquias, agrupamentos de pessoas alcançadas pela Palavra e desejosas de comunicá-las a

outras, sempre auxiliadas por um pregador credenciado. Tais agrupamentos seriam o embrião da

comunidade. Para isto, ele deu instruções práticas: “Mas aqueles que seriamente querem ser cristãos e

confessar o evangelho em atos e palavras, deveriam registrar os seus nomes e reunir-se em algum lugar,

em uma casa à parte, para orar, ler a Palavra, ser batizado, e receber o sacramento e fazer outros trabalhos

cristãos”.117 Por razões práticas, políticas e pessoais, Lutero não implementou a estratégia de grupos

pequenos por ele sugerida, mas, segundo Strohl , continuou expondo a elevada noção de paróquia ideal

onde a reciprocidade de serviços fosse realidade.118 Calvino foi mais efetivo na organização da igreja.

Strohl afirma:

Uma das forças do calvinismo foi exatamente o não se contentar em apenas despertar, pela

pregação, a fé em indivíduos isolados, mas trabalhar para reunir os cristãos, organizando-os

solidamente em comunidades onde assumissem responsabilidades e tivessem o privilégio e a

obrigação de praticar a ajuda mútua de acordo com os diversos ministérios e dons de cada um.

Esse fato proporcionou às igrejas calvinistas o poder de penetração, a coesão e a força da

resistência que faltavam às outras comunidades onde os fiéis só tinham em comum o privilégio de

ouvir juntos a Palavra.119

Essa capacidade de organização de Calvino é demonstrada por Ronaldo Wallace, no seu livro “Calvino,

Genebra e a Reforma”, um estudo sobre Calvino como reformador social, clérigo, pastor e teólogo. Ele

procurava conhecer todo o grupo isolado que procurava reunir-se por si próprio, com o objetivo de

116 STROHL, 1963, 181 117 LUTHER, Apud. W. BECKHAN. Redefining Revival. p.11. Tradução livre. 118 H. STROHL, op. cit., p.181-2 119 Ibid., p.218-9

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288

prestar-lhe toda a assistência prática necessária e integrá-lo num grupo maior, para que estivesse em

contato com a igreja universal. Ele considerava esses grupos como núcleos de congregações que

precisavam crescer e definir-se para que recebessem os cuidados pastorais adequados.

Além disso, ele procurava estruturar cada igreja local dando espaço ao corporativo (congregação) e

comunitário (grupo pequeno). Wallace afirma:

Dentro de cada congregação ele procurava desenvolver uma estrutura celular na qual, sob a

liderança sábia e treinada, cada pessoa daria apoio, iluminação e encorajamento à outra, e na qual,

aqueles que tendessem a vacilar, seriam mantidos na fé e no padrão esperados por meio de

exemplos e, se necessário, pela disciplina exercida por eles. Além disso, as congregações também

tinham que ser organizadas em grupos que compartilhassem uma preocupação comum uma pela

outra e uma disciplina comum. Os estudiosos do período da Reforma e de seus resultados

concordam que o que conferiu ao calvinismo, da maneira como expandiu-se, sua habilidade para

sobreviver e mesmo para crescer sob a mais determinada e violenta oposição que ele sofreu, foi

algo que Genebra havia dado a ele – uma organização essencialmente celular sob a qual um grande

número de homens podia reter uma unidade de fé substancial, enquanto eram treinados para adorar

e batalhar no grupo pequeno.120

Essa orientação de Calvino encontrou eco, pelo menos em parte, no trabalho de Simonton, primeiro

missionário presbiteriano no Brasil. Ele relatou reuniões feitas em casas que se abriam para adoração e

evangelização. Ele “desejava que outros membros da igreja, cujas casas tivessem condições precisas,

imitassem esse exemplo, pois toda casa em que faz culto de famílias, torna-se um novo centro de

influência benéfica – torna-se mais um afluente do rio da graça, que está destinado a levar uma salvação

gratuita a todos os habitantes desta corte e deste Império”.121

Observe-se que culto de famílias não se referia ao culto doméstico, prática saudável ensinada pelos nossos

pais na fé, mas a cultos em casas com a participação de diversas famílias. Se Simonton tivesse observado

a organização essencialmente celular de Calvino, de acordo com a percepção de Wallace, essas reuniões

120 WALLACE, R, Calvino, Genebra e a Reforma, p. 121 Relatório Pastoral do Rev. Ashbel Green Simonton, edição diplomática, in Teologia para a Vida, Vol. 1, n0 1, janeiro-junho 2005, p.

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289

nas casas, ao invés de encontros esporádicos, poderiam ter-se transformado em células integradas na igreja

local como corpo vivo de Cristo.

A reação à escolástica protestante: anabatistas, pietistas, moravianos e metodistas

O contexto histórico, na época da Reforma, não favoreceu a efetivação de grupos pequenos como células

das igrejas locais como organismos vivos, como almejaram Lutero e Calvino. Para isto concorreram

diversos fatores. A conquista de espaço no campo eclesiástico não foi sem luta nem violência. Pelo

contrário, as guerras religiosas desencadeadas a partir da Reforma ensangüentaram a Europa. Por parte

dos católicos, a luta foi para manter a cristandade medieval e a situação estabelecida; por parte dos

protestantes, para garantir a conquista de espaços e vencer a resistência dos radicais que insistiam na

rejeição “in totum” do cristianismo medieval que mantivesse qualquer vínculo com o poder temporal.

Com o compromisso cujo regio, ejus religio (1555), isto é, cada súdito devia adotar a mesma religião do

seu rei, começou um processo de tentativa de estabelecimento de micros-cristandades nos territórios

ocupados pelos protestantes. Essa nova ordem foi tomando forma com os grandes documentos que

definiram a fé (doutrina) e a ordem (governo) nos três principais ramos do protestantismo: no

anglicanismo, os Trinta e Nove artigos se tornaram declaração de fé em 1563;122 no luteranismo, a

Fórmula da Concórdia em 1577; 123 no calvinismo, a Confissão de Fé de Westminster foi adotada em

27/8/1647 pela Assembléia Geral da Escócia e continua sendo o padrão do presbiterianismo escocês e

americano até hoje.124

Estabelecida a ortodoxia protestante, não só os católicos, mas também os protestantes usaram métodos

repressivos para a manutenção da ordem nos territórios ocupados a partir do acordo de 1555. As primeiras

reações surgiram com cristãos inconformados que se organizaram em igrejas livres (batistas,

congregacionais, menonitas etc) e foram perseguidos tanto por católicos quanto por protestantes. O

puritanismo, caracterizado como um movimento piedoso e com forte ênfase na moral evangélica, foi

duramente reprimido pela igreja oficial na Inglaterra, mas encontrou espaço para o livre exercício da fé

nas colônias do novo mundo e exerceu forte influência na formação do protestantismo da América do

Norte na fase da colonização.

122 WALKER, W, História da Igreja Cristã, II, p. 93 e 94 123 Ibid., p. 123 124 Ibid., p.152

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290

No século XVII, já não se percebia vestígios da organização celular do tempo de Calvino. A Assembléia

de 1647, que aprovou a Confissão de Fé, produziu também um documento sobre o culto doméstico, com

instruções precisas sobre a ministração mútua, mas restrito ao ambiente familiar.

“Visto que a Palavra de Deus requer que nos consideremos uns aos outros, para nos estimularmos

ao amor e às boas obras, em todas as épocas, e especialmente nesta, quando a impiedade abunda, e

os escarnecedores, andando em suas próprias concupiscências, estranham que outros não

concorram com eles ao mesmo excesso de devassidão; cada membro desta igreja deve estimular-se

a si mesmo e uns aos outros aos deveres de edificação mútua, admoestação, repreensão, exortando

uns aos outros a manifestar a graça de Deus, renegando a impiedade e as paixões mundanas,

vivendo sensata, justa e piedosamente neste presente século, confortando os fracos, orando uns

pelos outros”.125

Essas práticas poderiam efetivamente ser viabilizadas em grupos pequenos, com participação de famílias e

pessoas, muito melhor do que no culto doméstico com apenas uma família.

No final do século XVII e começo do século XVIII, a ortodoxia havia se transformado numa espécie de

escolasticismo protestante em que “o pensamento correto é freqüentemente colocado no lugar da

experiência que está por trás de todo pensamento”126. O resultado disso foi o desenvolvimento de um

formalismo religioso e de um ritualismo no culto que causaram insatisfação e desejo de mudança.

A primeira reação foi o movimento pietista liderado principalmente por Spener, na Alemanha. Ele

procurou restaurar a prática dos grupos pequenos com o “collegia pietatis”. Apesar de combatido pelos

ortodoxos luteranos, o movimento tornou-se forte e exerceu decisiva influência nos irmãos moravianos.

Acolhendo refugiados por motivos políticos e religiosos, os moravianos conseguiram viver em

comunidades dentro da igreja luterana (eclesiola in Eclesia), apesar da diversidade religiosa dos que foram

acolhidos no Abrigo do Senhor.

125 Os Puritanos, Ano III, no 3, 1995. Os grifos são meus 126 DILLENBERGER E WELCH, El Cristianismo Protestante, pp.81-89,102, 120-121, 159, 171, 176, 185, 188, 210, 215, 286, 292, 298.

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291

Em contato com os moravianos, Wesley, clérigo anglicano, teve uma experiência real de novo nascimento

e liderou um grande movimento, dentro da igreja anglicana, mas com ampla repercussão no mundo

protestante. Ele criou uma estrutura que harmonizava o corporativo (sociedades) com o comunitário

(classes). As sociedades eram comunidades que viviam em comunidades de base (classes). Wesley

delegava autoridade para a liderança dos grupos pequenos, mas integrava esses grupos através do trabalho

dos superintendentes, mais tarde chamados bispos, nos Estados Unidos da América do Norte.

Nas mãos de Wesley, a classe passou a ser um grupo de mais ou menos 12 pessoas sob a direção de um

guia. Reunia-se semanalmente para oração, confissão, aconselhamento e apoio mútuo.

Todos que se arrolavam numa sociedade metodista eram arrolados também em uma classe. Nas

reuniões semanais do grupo, as orações, leituras bíblicas, cânticos e outras atividades visavam

proporcionar ambiente para a experiência pessoal de fé e edificação dos que se convertiam.127

Wesley, relutantemente, seguiu seu amigo Jorge Whitefield nas pregações que visavam grandes

multidões, mas, “sem abandonar as massas, concentrou seus esforços na consolidação dos resultados da

proclamação através de pequenos grupos. O próprio Whitefield haveria de reconhecer a sabedoria dessa

decisão, pois contrastou o vigor dos grupos wesleyanos com a instabilidade e inconstância do seu próprio

povo, que denominou uma “corda de areia”128. Na avaliação de Comiskey, “Wesley desenvolveu mais de

10.000 células, denominadas classes”129.

Evangelicalismo, avivamento e missões

Essa reação dos pietistas, moravianos e metodistas deu origem ao “movimento evangélico” que permeou

todas as igrejas reformadas estabelecidas e impulsionou os grandes avivamentos e o movimento

missionário, que alcançou o seu ponto culminante no século XIX. Esse movimento missionário e de

avivamentos, infelizmente, enfatizou muito as experiências individuais e, por sermos frutos dele,

herdamos também esse acentuado individualismo, principalmente através dos missionários norte-

amercianos. Creio que este seja o motivo porque a dimensão comunitária da fé, testemunhada no Novo

Testamento, tenha sido redescoberta e praticada através de grupos pequenos nos países orientais,

principalmente na Coréia.

127 E. LUCCOK, Halfard, Linha de Esplendor sem fim, pp 44-45 128 A.REILY, Duncan, Momentos decisivos do metodismo, p 41 129 COMISKEY, Joel, O Crescimento Explosivo de Igreja em Células, p. 23

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292

Movimento celular moderno: origem e desenvolvimento

O pioneiro desse movimento no século XX foi Paul Yonggi Cho, fundador da Igreja Yoido do Evangelho

Pleno, em Seul, Coréia do Sul, ligada às Assembléias de Deus. Ele conta no seu livro “Grupos Familiares

e o Crescimento da Igreja”, publicado no Brasil na década de 80, que a visão do grupo pequeno, como

estrutura básica da igreja, surgiu quando foi acometido por uma doença que os médicos diagnosticaram

como “fadiga”. Isto aconteceu em 1964, quando ele perseguia o alvo de 3.000 membros. Durante muito

tempo, não pôde exercer efetivamente o pastorado. Mesmo enfermo, ao analisar o livro de Atos, percebeu

que a igreja primitiva cuidou de quase 10.000 pessoas, no seu início, com apenas 12 apóstolos e 7

diáconos. Ao descobrir que os discípulos se reuniam de casa em casa, percebeu logo que essas reuniões

eram lideradas por cristãos comuns que trabalhavam sob a autoridade dos apóstolos. Impossibilitado de

pastorear por causa da doença, propôs delegar aos seus presbíteros a sua autoridade para que exercessem o

pastorado em seu lugar. Diante da recusa dos seus principais líderes, percebeu o grande potencial das

mulheres da sua igreja. Através da reflexão bíblica, superou as suas próprias dificuldades quanto ao

ministério feminino, bem como as dificuldades da tradição da sua igreja, e delegou autoridade às mulheres

que se dispuseram a serem treinadas para a liderança dos grupos pequenos. Neighbour resume a história

dessa igreja: “A maior igreja de toda a história cristã se encontra na Coréia. Ela cresceu de um grupo de

cinco membros, os quais se reuniam em uma tenda na favela chamada Sodaemon, em 1958, para uma

congregação de 700.000 pessoas em 1995. A transição da vida de uma igreja tradicional para a vida em

células aconteceu em 1964. O crescimento explosivo continuou ininterruptamente desde então”.130

A visão da igreja em células espalhou-se não apenas a partir da Coréia, mas em igrejas localizadas em

outros continentes e países. Principalmente na Costa do Marfim, África, tiveram visão semelhante e, hoje,

as maiores igrejas em células localizam-se em países da Ásia (Coréia e Cingapura), da África (Costa do

Marfim e África do Sul) e da América Latina (El Salvador e Colômbia). Mesmo na Europa, onde a

secularização tem causado o acelerado declínio das igrejas evangélicas, a visão e os valores da igreja em

células têm encontrado guarida e dão sinais de que terão desenvolvimento nas igrejas do velho continente.

130 NEIGHBOUR, Ralph, Manual de Auxiliar de Células, p. 20. Em visita a essa igreja, em 1995, pude constatar “in loco” a realidade do que é testemunhado nos livros. Visitei, também, igrejas presbiterianas que têm essa visão e contam com dezenas de milhares de membros em seus livros de rol.

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293

O desenvolvimento da igreja em células nos Estados Unidos da América do Norte tem sido lento em

virtude do acentuado individualismo e espírito de auto-suficiência que caracterizam a sua cultura e

desestimulam a vida comunitária e, também, em virtude do forte controle das estruturas rígidas das

denominações sobre a vida das igrejas locais. Apesar dessas dificuldades, cerca de 3.000 igrejas estão no

processo de transição para a igreja em células.

O trabalho do Touch Outreach Ministries

Um dos pioneiros nos Estados Unidos da América do Norte é o Dr. Ralph W. Neighbour Jr., que desde a

década de 60 tem vivido experiências como pastor e, ultimamente, como um dos mais importantes

consultores sobre igreja em células. Com outros companheiros, fundou, no início dos anos 70, em

Houston, Texas, o Touch Outreach Ministries com o objetivo de auxiliar igrejas em células nos Estados

Unidos. O Touch não se considera uma organização para-eclesiástica, mas um ministério junto às igrejas

em células. Edita livros e materiais para discipulado e treinamento e publica a Revista Cell Church. A

palavra Touch é formada pelas palavras Transforming Others Under Christ’s Hands. O Dr. Ralph tem

observado igrejas em células no mundo inteiro e tem contribuído para o desenvolvimento desse modelo.

Tem os graus de doutor em Ministério e doutor em Teologia. Já escreveu mais de três dezenas de livros

Ministério Igreja em Células no Brasil

Apesar da publicação dos livros de Paul Y. Cho no Brasil, na década de 80, o maior divulgador da visão

da igreja em células em nosso país tem sido o pastor menonita Roberto Lay, de Curitiba. Formado em

teologia no seminário da sua denominação, fez pós- graduação nos Estados Unidos, depois de anos de

experiência pastoral no Brasil, e lá entrou em contacto com o Touch Ministries, em Houston. A partir de

1997, tem promovido o seminário “Ano da Transição”, em quatro módulos, aberto a pessoas interessadas

de todas as denominações. Esse seminário foi ministrado, no início, por obreiros enviados pelo Touch,

mas atualmente já está a cargo de uma equipe de instrutores brasileiros. Milhares de pastores e líderes têm

feito esse seminário.

A Igreja Evangélica Menonita de Curitiba é uma das precursoras desse trabalho no Brasil. Começou há 15

anos com a tradução do primeiro manual de evangelização por amizade e uma reunião com 10 casais.

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294

Roberto Lay e seus companheiros fundaram o Ministério Igreja em Células no Brasil que, no início,

funcionou em instalações cedidas pela Igreja Menonita de Curitiba. Trabalha em parceria com o Touch

Ministries, de Houston, Texas, EUA. Além da promoção do seminário já referido, edita materiais de

discipulado e treinamento de liderança, realiza cursos regionais, promove um congresso anual sobre igreja

em células e presta consultoria a igrejas interessadas. Publica o Boletim “Segunda Reforma” e planeja

publicar um livro para expor a visão e os valores da igreja em células, contar a história do movimento e

compartilhar experiências de igrejas no Brasil que estão no processo de transição.131

Modelos de igrejas em células

Mais importante que os modelos são os princípios e os valores que representam o vinho sempre novo do

evangelho; os modelos estão relacionados com as estruturas e devem levar sempre em conta a necessidade

de odres novos. “Odres não são eternos nem sagrados. À medida que o tempo passa, eles precisam ser

substituídos – não porque o evangelho muda, mas porque o próprio evangelho exige e produz mudanças.

Vinho novo deve ser posto em odres novos – não de uma vez por todas, mas repetidamente,

periodicamente”. 132 Na mesma linha de raciocínio, Stott sugere “que a cada cinco ou dez anos, cada igreja

realizasse uma pesquisa a fim de se avaliar, especialmente para descobrir até onde as suas estruturas

refletem a sua identidade [...] e até que ponto a igreja está se envolvendo com a comunidade (externa) a

fim de levá-la a Cristo”.133

O estudo feito até aqui tem procurado demonstrar com argumentos bíblicos, teológicos, históricos e

práticos, a pertinência dos grupos pequenos como estruturas de base da igreja local. No entanto,

reconhecemos que o modelo não é único e que a prática dos princípios aqui expostos tem assumido

inúmeras variáveis no tempo e no espaço.

Nas propostas eclesiológicas atuais, três sistemas apresentam os grupos pequenos como estrutura básica: a

igreja nos lares, o G12 e a igreja em células.

Igrejas nos lares

131 Materiais disponíveis no “Ministério de Igreja em Células”, Fone 0xx41 276 8655, e-mail : cé[email protected] 132 SNYDER, Howard, Vinho Novo em Odres Novos, p.17 133 STOTT, John, Ouça o Espírito, ouça o mundo, p. 274

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295

Snyder nos informa que o movimento de igreja nos lares na China é o maior e mais dinâmico exemplo,

mas redes informais de igrejas nas casas, de diferentes espécies, podem ser encontradas em muitas regiões

do mundo.134 Simson descreve as dimensões do cristianismo do Novo Testamento que esse movimento

procura restaurar:

Nos primeiros dias da igreja, os cristãos tinham uma dupla identidade: eram seguidores de Jesus Cristo,

convertidos verticalmente a Deus. Em segundo lugar, congregavam com base na geografia, quando

também se convertiam localmente uns aos outros, formando movimentos eclesiais. Não somente se

ligavam em igrejas de vizinhança ou nos lares, nas quais compartilhavam sua vida cotidiana, mas também

expressavam a sua nova identidade em Cristo – na medida em que as respectivas circunstâncias políticas o

permitissem. Encontravam-se para cultos festivos de abrangência local ou regional. Neles celebravam sua

unidade como movimento eclesial da região ou cidade e demonstravam um testemunho conjunto perante o

mundo.135

A proposta das igrejas nos lares é mais radical e sua aplicação nas igrejas locais denominacionais é mais

difícil. Aliás, Simson denuncia as denominações como empresas religiosas que comercializam suas

respectivas marcas do cristianismo, fazendo concorrência uma à outra, e afirma: “Por causa dessa

subdivisão em nomes e marcas, a maior parte do protestantismo perdeu a sua voz no mundo e tornou-se

politicamente irrelevante. Muitas igrejas estão mais preocupadas com especialidades tradicionais e

discórdias religiosas dentro dos seus muros do que com dar um testemunho perante o mundo em conjunto

com outros cristãos”.136 Mesmo reconhecendo a dificuldade para implantação desse modelo radical,

devemos reconhecer que duro é esse discurso, mas que precisa ser ouvido.

G12 – modelo polêmico no Brasil

Quanto ao G12, as dificuldades surgidas no Brasil e em outros lugares estão mais relacionadas a certas

ênfases doutrinárias e a algumas práticas do que com o modelo em si. O pastor de uma igreja local tem

uma equipe de 12; cada um que pertence a essa equipe tem também 12 discípulos que formam redes de

células, quase sempre homogêneas: redes de crianças, de adolescentes, de jovens, de homens, de mulheres

etc. Questionam-se duas coisas: a submissão à autoridade e visão do fundador do movimento na

134 SNYDER, H, op, cit., p. 18 135 SIMSON, W. Casas que transformam o mundo, p. 15 136 Ibid.

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296

Colômbia, principalmente em sua fase inicial; orientação doutrinária e técnicas usadas nos encontros para

alcançar resultados imediatos em relação à transformação das pessoas recém-convertidas e/ou a crentes

maduros que aderiam ao movimento. Passada essa fase, muitas igrejas têm adotado o modelo com

adaptações às suas doutrinas e realidade locais, com bons resultados.

A igreja em células e as denominações

A proposta da igreja em células requer mudanças de paradigmas, mas sua aplicação nas igrejas locais,

filiadas a denominações, é mais tranqüila e viável. Nesse modelo, dentre as vantagens do grupo pequeno

como estrutura básica, Snyder afirma que:

O grupo pequeno é adaptável à igreja institucional. O grupo pequeno não requer a derrubada da

igreja organizada. É possível introduzir grupos pequenos sem se descartar ou abalar a igreja.

Porém, se a incorporação dos grupos nos lares e dos grupos-células ao ministério global da igreja

for realizada com seriedade, alguns ajustes serão necessários e, mais cedo ou mais tarde, haverá

discussões sobre prioridades. O grupo pequeno deve ser visto como um componente essencial da

estrutura e do ministério da igreja e não como seu substituto.137

A igreja em células e a estrutura de liderança As igrejas que adotam o grupo pequeno como estrutura básica, com variações entre elas, implantam a

visão da estrutura de liderança estabelecida por Moisés na organização do povo no deserto, por sugestão

de Jetro (Êx 18.13-27), combinada com a estratégia de Jesus na criação dos odres novos para o vinho novo

e com o ministério quíntuplo de Efésios 4.11-12. O princípio é a delegação de autoridade a chefes de

grupos de mil, de cem, de cinqüenta e de dez.

Esses números representam princípios de liderança essenciais para o sucesso operacional de qualquer

organização: coordenação, apoio, supervisão e implementação. Dentre os exemplos de aplicação desses

princípios, podemos mencionar o exército, porque, com pequenas variações no tempo e no espaço, nele os

líderes operam em batalhões (mil), companhias (cem), pelotões (cinqüenta) e esquadra (dez). A esquadra é

137 SNYDER, H.op. cit., p.173-4

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de suma importância para a organização militar, pois se a implementação das estratégias falharem nesse

nível, todas as demais unidades serão derrotadas. No entanto, nesse modelo de delegação de autoridade,

adotado por Moisés, os líderes, em todos os níveis, funcionam como equipe, pois cada um depende do

desempenho do outro para que toda a equipe seja bem sucedida.

Jesus segue os princípios de liderança de Jetro, mas ele inicia pela unidade básica e, através da

multiplicação dessa unidade, ele expande a sua visão até os confins da terra, pela formação de uma

comunidade universal em sua natureza e missão (Ef 1.22-23). Jesus modelou a unidade básica (célula)

com os doze discípulos, que correspondem aos líderes de dez (implementação); ele testou o seu modelo

com os setenta colaboradores, que correspondem aos líderes de cinqüenta (supervisão); ele estabeleceu

seu modelo com os cento e vinte discípulos, que correspondem aos líderes de cem (apoio); por fim, Jesus

alcançou milhares no Dia de Pentecostes (coordenação) e providenciou líderes para esses milhares (Ef

4.11-12). Mas a chave do sistema do Novo Testamento é o líder da unidade básica, cuja célula-mãe foi a

comunidade dos doze apóstolos, porque ele facilita a implantação dos grupos pequenos nas casas, que,

como já vimos, funcionam como comunidades holísticas de maneira real e concreta. Esses princípios

podem ser graficamente apresentados.

Jetro Exército Princípio Jesus Igreja em células

1000 Batalhão Coordenação 3000 Ministros da Palavra

100 Companhia Apoio 120 Ministros de Áreas

50 Pelotão Supervisão 70 Supervisores de Líderes

10 Esquadra Implementação 12 Líderes de Células

Igreja em células na Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

Esse modelo tem sido adotado por algumas igrejas locais na IPI do Brasil. Em julho de 1997, no

Congresso de Pastores realizado em Jundiaí, SP, foi apresentado um seminário, optativo, com o título:

“Uma resposta eclesiológica aos desafios da pós-modernidade”. A partir daí, alguns pastores e líderes

passaram a estudar o assunto e resolveram experimentar esse modelo em suas igrejas, fazendo as devidas

adaptações ao nosso sistema de doutrina e de governo. A Assembléia Geral da IPI do Brasil, reunida em

Avaré, resolveu “recomendar às igrejas que estão interessadas em implantar o modelo de pequenos grupos

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298

que procurem conhecer a experiência de pastores e igrejas da IPI do Brasil que conseguiram adequar o

modelo à estrutura e funcionamento de nossa denominação”.138

Atenção especial deve ser dada à descentralização do poder, através da delegação de autoridade. Basta

seguir o que as normas da igreja determinam. Na “forma presbiteriana de governo, a autoridade com que

Cristo investiu a sua igreja pertence ao todo: aos que governam e aos que são governados. A autoridade

eclesiástica é inteiramente espiritual, sendo de ordem e de jurisdição. Autoridade de ordem é a exercida

pelos oficiais, individual e administrativamente, no ensino, na celebração de ofícios religiosos, na

restauração do ser humano e na beneficência. Autoridade de jurisdição é a exercida coletivamente por

oficiais, em concílios, nas esferas administrativa, legislativa, disciplinar e litúrgica”.139 A autoridade de

jurisdição, exercida pelo Conselho, é indelegável. Portanto, a autoridade delegada à liderança de células é

a autoridade de ordem, com exceção daquelas funções que são privativas dos oficiais, como, por exemplo,

a ministração do batismo e da santa ceia.140

Conclusão

Por tudo o que foi visto até aqui, cremos que este assunto deve ser estudado com carinho por todos os

presbiterianos independentes, pois a adoção do modelo igreja em células tem inúmeros pontos positivos:

-Facilita a mobilização de todos os membros da igreja para uma vida cristã comprometida com os valores

e a expansão do Reino de Deus;

-Ao mesmo tempo que descentraliza, também integra a liderança, de modo a promover o crescimento com

unidade;

-O grupo pequeno possibilita alto grau de comunhão, de auxílio mútuo e prestação de conta;

-Cada membro é treinado com o objetivo de torná-lo maduro e produtivo através de discipulado

personalizado e envolvimento em ministérios na célula;

-O recrutamento e treinamento de líderes tanto na teoria como na prática é contínuo;

-A evangelização é feita não através de programas, mas das redes naturais de relacionamentos de cada

membro de acordo com o modelo e a ordem de Jesus;

-Prioriza a construção da igreja como casa espiritual à construção de edifícios materiais;

138 Documento da Assembléia, p. 9, item 4. 139 Constituição da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, artigos 7º e 8º. 140 Ibid., artigo 34, parágrafos 2º e 3º; artigo 61, incisos VII, VIII, IX e X.

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299

-A educação cristã leva em conta tanto o nível cognitivo (informações) quanto os níveis psico-motor

(experiência) e emocional (mudança de valores) numa interação dinâmica;

-Todos os membros têm reais oportunidades de praticar os dons ministrando “uns aos outros” no grupo

pequeno e alcançando o seu círculo de relacionamentos com o evangelho;

-Focaliza o ministério no mundo e não dentro de edifícios;

-Desenvolve a consciência crítica pela discussão e aplicação, em pequenos grupos, das mensagens

pregadas nos cultos dominicais;

-Gera compromisso com o reino de Deus e compromisso de cuidado mútuo nas células;

0A comunhão e a evangelização são indissoluvelmente unidas;

-O modelo é flexível e não exige mudanças de doutrina nem da ordem de governo adotados pela igreja.

Em virtude da nossa experiência de 11 anos nesse modelo, recomendamos alguns cuidados para todos os

que querem implantar essa visão em suas igrejas:

-Assimilar, antes, com clareza, a visão e ter consciência de todas as implicações para que não haja

frustrações;

-O modelo não deve ser simplesmente transplantado, mas adaptado à realidade da igreja local e da

denominação;

-Mesmo tendo assimilado a visão, iniciar com célula protótipo, formada por líderes, para testar o modelo

na sua igreja; multiplicação do protótipo até alcançar “massa crítica”.141

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SNYDER, Howard. Vinho Novo em Odres Novos. São Paulo: ABU, 1997.

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STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. São Paulo: ASTE, 1963.

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WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã.

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301

Anexo II

A missão e os recursos financeiros

“Tudo vem de ti, Senhor! E do que é teu, te damos!”

Os bens materiais sempre tiveram estreita ligação com o culto a Deus e, portanto, com a missão do próprio

Deus e da sua igreja. A missão só tem como ser realizada quando há:

-recursos espirituais: a oração e a manifestação do poder de Deus;

-recursos humanos: pessoas chamadas por Deus e que se consagram a Ele na disposição de servi-lo onde

Ele desejar;

-recursos financeiros: tanto para a sobrevivência dos que realizam o trabalho, como para o pagamento das

despesas normais para a manutenção da igreja enquanto entidade civil organizada e que presta contas ao

Estado.

Todos os recursos precisam de boa administração, principalmente o financeiro. Esta administração dentro

da comunidade cristã, em geral, também é chamada de “mordomia cristã”, levando em conta que todos os

bens que temos não são nossos de fato, mas do Senhor, e somos meramente mordomos ou

administradores.

Assim, quando se pensa em Missão Integral, não há como esta importante área da vida ficar de fora. Jacob

Silva, pastor presbiteriano, traz a seguinte definição:

Mordomia cristã refere-se à administração correta de todos os bens que Deus colocou à nossa

disposição, bem como de todos os dons com que enriqueceu a nossa vida, para serem

administrados por nós, como mordomos seus.

Os recursos financeiros são oriundos do trabalho desenvolvido por cada cristão, que, além de prover o

sustento para a vida, contribui para a manutenção e a expansão do Reino de Deus. O trabalho é bênção de

Deus. Ele é desenvolvido com a capacitação e com a ordem que o próprio Deus nos deu, desde a criação

(Gn 1.16-17). Assim, o dinheiro que ganhamos como fruto do nosso trabalho deve ser usado, em primeiro

lugar, para a glória de Deus e, depois, para o nosso sustento. Dinheiro não é problema, mas solução.

Quando ele é colocado como deus, como valor maior do ser humano, sem se importar se está sendo ganho

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de maneira lícita ou não, surgem os problemas. “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1Tm

6.10).

A Bíblia nos orienta para que administremos bem diante de Deus e dos seres humanos os bens que Deus

nos dá. Jesus, por exemplo, se preocupou em deixar orientações claras sobre planejamento financeiro (Mt

12.1). Em geral, há duas interpretações comuns do ensino da Bíblia acerca da contribuição que devemos

fazer para o sustento da obra de Deus. Uma interpretação compreende dois tipos de contribuição: dízimos

regulares e ofertas em situações especiais, com diferentes objetivos. Outra interpretação compreende os

dízimos como exigência do velho regime da lei, não se constituindo em mandamento a ser cumprido sob o

novo regime da graça.

Base bíblica e teológica

O primeiro exemplo está registrado em Gênesis 4.1-16, quando os dois irmãos, Caim e Abel, prestaram

culto a Deus, no qual se destaca a questão de uma oferta aceita e outra rejeitada, levando Caim a matar

Abel. As explicações para este fato podem ser tiradas de Hebreus 11.4, quando o elemento fé é

apresentado na atitude de Abel. Por outro lado, em 1 Pedro 3.14, quando o apóstolo desafia os irmãos a se

amarem, apresenta a falta de amor de Caim como um exemplo negativo a ser seguido e o coloca como

“filho do maligno”, afirmando que “suas obras eram más”.

Até a formação do povo de Israel e a instituição do sacerdócio, com a tribo de Levi, percebe-se os

patriarcas levantando altares, prestando culto a Deus, sempre com a presença de bens materiais. Quando

do estabelecimento das festas e cerimônias especiais e normais do povo de Israel, com a chegada a Canaã,

nos mínimos detalhes, essa relação culto e bens materiais é estabelecida, conforme o texto de Levítico.

Outro exemplo pode ser visto no momento em que Davi consagra a Deus os recursos que haviam sido

ofertados para a construção do templo de Jerusalém:

Mas quem sou eu, e quem é o meu povo para que te pudéssemos contribuir tão generosamente

como fizemos. Tudo vem de ti, e nós apenas te demos do que vem das tuas mãos. Toda essa riqueza

que ofertamos para construir um templo em honra ao teu santo nome vem das tuas mãos e toda ela

pertence a ti. Sei ó meu Deus, que sondas o coração e que te agradas com a integridade. Tudo o

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que te dei foi espontaneamente e com integridade de coração. E agora vi com alegria com quanta

disposição o teu povo, que está aqui, tem contribuído (1Cr 29.14-19).

As menções em relação aos dízimos e ofertas, no Antigo Testamento, podem ser resumidas assim:

1. O dízimo como manifestação de gratidão (Gn 14.18-24)

Em alguns textos anteriores a Gênesis 14.18-24, encontramos menção ao relacionamento entre os bens

materiais e o culto a Deus, nos casos de Caim, Abel e Noé. Entretanto, na passagem mencionada, temos a

primeira referência literal ao dízimo. O contexto histórico nos mostra o seguinte: Abraão se preocupa com

o seu sobrinho Ló, que fora levado cativo pelos inimigos, juntamente com outros habitantes de Sodoma e

Gomorra. Com um exército de 318 homens, venceu os inimigos, recuperou Ló e tudo que havia sido

levado. Ao retornar, é abençoado por Melquisedeque. Grato pelas duas bênçãos, a vitória na batalha e a

bênção proferida pelo sacerdote, ele dá o dízimo de tudo o que havia ganho, numa atitude voluntária

(ninguém o obrigou a fazê-lo) e numa atitude de adoração (entregue a Melquisedeque, um tipo de Cristo,

Hb 7.1-4), ofertando-se o melhor que havia ganho: “Tirado dos melhores despojos”.

2. O dízimo como manifestação de compromisso (Gn 28.18-22)

Esta é a segunda referência ao dízimo na Bíblia. O contexto histórico nos mostra que Jacó, ao fugir da ira

do seu irmão Esaú, de quem havia roubado a bênção da primogenitura, ao dormir com a cabeça sobre uma

pedra, teve uma visão. Entendeu que podia fugir de todos, menos de Deus. “Deus está neste lugar e eu

não sabia” (Gn 28.16-17). A presença de Deus o leva a algumas atitudes:

-Levantou um altar ao Senhor: símbolo de consagração (Gn 28.18);

-Mudou o nome do lugar: é mais do que luz, é a “casa de Deus”;

-Fez um voto: pedindo proteção na viagem; pedindo providência para as necessidades básicas; dispondo-

se a voltar (arrependimento) em paz para casa; fazendo uma declaração de fé; dispondo-se a tornar seu

compromisso visível, através do dízimo de tudo quanto ganhasse.

3. O dízimo como manifestação de obediência

Com o estabelecimento do povo de Israel e a divisão das terras de Canaã entre as tribos, destaca-se o fato

de Deus ter separado a tribo de Levi para o sacerdócio, razão pela qual ela não teve direito à terra. Seu

trabalho era cuidar, como tribo sacerdotal, de trazer Deus ao povo e levar o povo até Deus. As demais

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tribos traziam seus dízimos e ofertas ao Senhor. Parte deles era retirada para o sustento dos levitas (Lv

7.28-38), o que fica bem claro em Números 18.24: Porque os dízimos dos filhos de Israel, que apresentam

ao Senhor em oferta, dei-os por herança aos levitas, porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel

nenhuma herança terão.

A falta de obediência de Israel a Deus foi motivo de exortação e de disciplina, sendo um dos exemplos

mais claros o havido na época do profeta Malaquias. O contexto histórico nos revela que, após o grande

avivamento do período de Neemias, manifesto em várias áreas da vida, especialmente em relação ao culto

a Deus, não demorou muito e o povo esfriou na fé, voltado às práticas antigas, condenadas pelo Senhor.

Profetas foram levantados para exortar o povo e restaurar a espiritualidade do povo de Deus, dentre eles:

Ageu e Malaquias (Ag 1.1-15).

No caso do profeta Malaquias, destaca-se o estilo literário interessante do monólogo. Deus faz sete

acusações e Ele mesmo dá as respostas. Uma das acusações é em relação aos dízimos e ofertas.

Acusação de Deus – “vós me roubais”;

Hipocrisia do povo – “em que?”;

Resposta de Deus: “nos dízimos e nas ofertas alçadas”

Desafio de Deus: “Eu, o Senhor Todo-Poderoso, ordeno que tragam todos os seus dízimos aos depósito

do templo, para que haja bastante comida na minha casa. Ponham-me à prova”;

Promessas de Deus: janelas do céu abertas; prosperidade; repreensão ao devorador; proteção das e nas

calamidades; elogio dos de fora; felicidade.

4. Oferta para o tabernáculo (Êx 35.20-29)

Os detalhes de como deveria ser o tabernáculo, o local de culto e de adoração a Deus, na peregrinação de

40 anos pelo deserto, são dados pelo próprio Deus nos capítulos iniciais do Êxodo, sendo registrada a

disposição do povo em ofertar, com os bens com que havia saído do Egito:

E veio todo homem, cujo coração se moveu e cujo espírito o impeliu, e trouxe a oferta ao Senhor

para a obra da tenda da congregação, e para todos os serviços e para as vestes sagradas. Os

filhos de Israel trouxeram oferta voluntária ao Senhor; a saber, todo homem e mulher, cujo

coração os dispôs para trazerem uma oferta para toda a obra que o Senhor tinha ordenado se

fizesse por intermédio de Moisés.E disseram a Moisés: o povo traz muito mais do que é necessário

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para o serviço da obra, que o Senhor ordenou se fizesse. Então ordenou Moisés Nenhum homem,

nem mulher faça mais obra alguma para a oferta do santuário. Assim o povo foi proibido de trazer

mais. Porque o material que tinham era suficiente para toda a obra que se devia fazer, e ainda

sobejava (Êx 36.5-7).

5. Oferta para o templo (1Cr 29)

Tendo Davi trazido a Arca da Aliança para Jerusalém e a deixado numa tenda, veio-lhe ao coração o

desejo de construir um lugar para abrigá-la (1Cr 17), porém, Deus não permitiu que ele construísse o

templo, ficando a tarefa a cargo de Salomão. Porém, coube a Davi, preparar todo o material para a

construção, bem como ofertar dos seus próprios bens e desafiar todo a povo a fazê-lo.

E, pois, com todas as minhas forças já preparei para a casa do meu Deus ouro para as obras de

ouro, prata para as de prata, bronze para as de bronze, ferro para as de ferro e madeira para as

de madeira...e ainda, porque amo a casa do meu Deus, o ouro e a prata particular que tenho, dou

para a casa de meu Deus. Quem, pois, está disposto, hoje, a trazer ofertas liberalmente ao

Senhor? Então os chefes das famílias, os príncipes das tribos de Israel, os capitães de mil e os de

cem, e até os intendentes sobre as empresas do rei, voluntariamente contribuíram. O povo se

alegrou com tudo o que se fez voluntariamente, porque de coração íntegro deram eles

liberalmente ao Senhor (1Cr 29. 2-6 e 9).

A oração de Davi:

Bendito és tu, Senhor, Deus de nosso pai Israel, de eternidade a eternidade. Tua, Senhor, é a

grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na

terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti, tu

dominas sobre tudo, na tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar força.

Agora, pois, ó nosso Deus, graças te damos e louvamos o teu glorioso nome. Porque quem sou eu,

e quem é o meu povo para que pudéssemos dar voluntariamente estas cousas? Porque tudo vem de

ti, e das tuas mãos to damos. Bem sei que provas os corações, e que da sinceridade te agradas; eu

também, na sinceridade de meu coração dei voluntariamente todas estas cousas, e acabo de ver

com alegria que o teu povo que se acha aqui, te faz ofertas voluntariamente (1Cr 29.10-14 e 17).

Assim, vemos a íntima relação entre os bens materiais e a missão de Deus e do seu povo.

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No Novo Testamento, temos as seguintes menções sobre dízimos e ofertas:

1. Nos evangelhos:

Mateus 2.11: Os magos que vieram do oriente, ofertaram a Jesus ouro, incenso e mirra;

Mateus 5.21-26: Um dos textos que deixa claro que a relação entre os bens materiais e o serviço a Deus

estão intimamente ligados é o de Mateus 5.21-26, quando Jesus, no Sermão da Montanha, deixa claro qual

deve ser a atitude de alguém que deseja cultuar a Deus, através dos bens materiais e o relacionamento com

o próximo:

Portanto, se você estiver apresentando sua oferta diante do altar e ali se lembrar de que seu irmão

tem algo contra você, deixe sua oferta no altar, e vá primeiro reconciliar-te com seu irmão; depois

volte e apresente sua oferta.

Mateus 23.19-23: Neste texto, Jesus está exortando os fariseus pelo fato de não demonstrarem uma

espiritualidade sadia e integral; eles faziam distinção entre jurar pelo altar e pela oferta colocada sobre o

altar. Jesus combate esta dicotomia, dizendo:

Quem jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está. Quem jurar pelo santuário,

jura por ele e por aquele que nele habita e quem jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por

aquele que no trono está sentado.

Os fariseus faziam questão de dar o dízimo de coisas pequenas como a hortelã, o endro e o cominho, mas

negligenciavam a justiça, a misericórdia e a fé. Desafiando a uma postura integral de culto, Ele diz:

“Devíeis fazer estas cousas (dízimos da hortelã, do endro e do cominho), sem omitir aquelas (justiça,

misericórdia e fé)”.142

Lucas 21.1-4: Jesus estava perto do gazofilácio e viu os ricos lançarem suas ofertas. Viu uma viúva pobre

lançar duas pequenas moedas. E disse:

142 A interpretação mencionada acima que compreende o dízimo como exigência do velho regime da lei, e não do novo regime da graça estabelecida pela crucificação e ressurreição de Jesus, geralmente entende que esta recomendação de Jesus em Mateus 23 se aplica àqueles que preferem o regime da lei (no caso, os fariseus), e não aos seguidores de Jesus, de quem exigem sempre “tudo”.

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Verdadeiramente vos digo que esta viúva pobre deu mais do que todos. Porque todos estes deram

como oferta daquilo que lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía o seu

sustento...

Dessa maneira, Jesus ensinou que nossa dedicação ao Reino de Deus não deve ser feita com o que sobra,

mas com tudo o que temos.

2. Em Atos dos Apóstolos

Atos 2.42-47: Este é um texto clássico para demonstrar a profunda vinculação entre os bens materiais e a

missão da igreja, pois a maneira como os novos convertidos passaram a viver em Jerusalém demonstrava

um grande amor a Deus e aos irmãos, que passavam necessidades. Lucas assim registrou:

Todos os que crerem estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens,

distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.Da multidão dos que

creram era só um coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das

cousas que possuía; tudo, porém, lhes era comum. Nenhum necessitado havia entre eles,

porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes, e

depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha

necessidade (At 4.32-35).

A igreja, o novo Israel de Deus, demonstra uma atitude integral em relação à missão, fazendo com que,

todas as necessidades fossem supridas. Dois exemplos são dados. Um positivo e outro negativo. O

positivo está relacionado com Barnabé, que tinha um campo, vendeu-o e colocou o produto aos pés dos

apóstolos (At 4.36-37). O negativo está ligado ao casal Ananias e Safira, que, motivado pelo orgulho,

deixou Satanás entrar em seu coração e mentiu diante dos apóstolos e de Deus. Ambos se dispuseram a

vender uma propriedade e colocar o produto da venda aos pés dos apóstolos, mas combinaram entregar

um valor menor. Quando Ananias foi depositar a oferta, Pedro, tendo recebido uma revelação, o

questionou, demonstrando que ninguém era obrigado a vender seus bens. Deveria ser um ato de entrega e

de solidariedade, conforme diz:

Por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do

valor do campo? Conservando-o, porventura, não seria teu? E vendido, não estaria em teu poder?

Como, pois, assentaste no coração este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus.

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O mesmo questionamento é feito quando Safira, três horas depois, aparece no templo. Pedro dá a ela a

oportunidade de se arrepender e dizer o preço verdadeiro, mas ela também mente. Com isso, para espanto

de todos, o casal é fulminado e morre por causa de uma oferta mentirosa. Este é um exemplo muito sério,

pois Lucas registra que: E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícias

destes acontecimentos (At 5.11).

Atos 21.17-26: Paulo segue as orientações dos irmãos em Jerusalém, para evitar críticas dos judeus que

haviam se convertido, dispondo-se a pagar os votos e fazer ofertas de purificação, tanto dele como de

quatro pessoas que haviam, voluntariamente, aceitado fazê-lo, seguindo a decisão do Concílio de

Jerusalém.

3. Nas Cartas

Romanos 12.1-2: Paulo desafia os irmãos de Roma a entregarem seus corpos por sacrifício vivo, santo e

agradável a Deus. Afirma que, fazendo isso, estariam cultuando a Deus racionalmente, ao mesmo tempo

em que não deveriam se conformar com os valores do século, mas transformarem-se, pela renovação da

mente, para que experimentassem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Vemos aqui, a clara visão

de uma oferta integral, para que se experimente, também, a vontade integral de Deus.

Romanos 15.14-16: Paulo explica à Igreja de Roma que, seu ministério de pregar o evangelho entre os

gentios, faria com que, ao se converterem, suas ofertas fossem, de fato, aceitas por Deus, uma vez que

fossem santificadas pelo Espírito. Percebemos neste texto que a missão da igreja, ao ser desempenhada,

gerará novos cristãos e suas ofertas, antes destinadas aos ídolos, seriam agora destinadas a Deus e, por

isso, seriam aceitas.

1 Coríntios 9.1-18: Paulo demonstra que o conceito básico do sustento dos levitas é aplicado o sustento

dos apóstolos.

2 Coríntios 8 e 9: O contexto nos informa a respeito de uma grande fome em Jerusalém e da decisão dos

apóstolos de levantar uma coleta entre as igrejas, para que as necessidades dos irmãos fossem supridas.

Um dos aspectos da missão integral é a demonstração clara do amor ao próximo e a atitude da Igreja da

Macedônia é elogiada. Serve como motivação e argumento para Paulo desafiar a Igreja de Corinto a fazer

o mesmo. Nota-se, no capítulo 9o, uma série de orientações a respeito de como a oferta deveria ser

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levantada e enviada à Jerusalém. Os irmãos da Macedônia se deram primeiramente ao Senhor e, depois,

aos apóstolos, demonstrando que a disposição de servir deve ser, em primeiro lugar, dirigida a Deus e,

depois, aos irmãos. É neste contexto que o apóstolo fala da lei espiritual da semeadura, no sentido de que

um cristão, quando se dispõe a suprir necessidades de outros, pode esperar de Deus uma retribuição justa.

Além disso, esta atitude é vista como liturgia ou culto diante dele, conforme 2 Coríntios 9.12: Porque o

serviço (liturgia) desta assistência, não só supre a necessidade dos santos, mas, também, redunda em

muitas graças a Deus.

A oferta de solidariedade apresenta as seguintes características:

Deve estimular outros (2 Co9.2);

Deve ser feita com seriedade (2Co 9.3-4);

Deve ser acompanhada de um espírito generoso (2Co 9.5);

Estabelece uma perspectiva de semeadura: o dia em que eu precisar terei onde colher (2Co 9.6);

Deve ser voluntária, sem constrangimento e com alegria (2Co 9.7-10);

Deve ser feita, baseada numa promessa (2Co 9.10-11);

Deve ser exemplo de liturgia integral (2Co 9.12-15).

Efésios 5.2: Paulo compara a atitude sacrificial de Cristo, ao se entregar na cruz, a uma oferta e sacrifício

a Deus, em aroma suave.

Filipenses 4.10-23: Ao receber a visita de Epafrodito, que trouxera uma oferta da Igreja de Filipos para

suprir as necessidades do apóstolo, Paulo encerra a carta, agradecendo tal atitude, reconhecendo a visão

daquela igreja e afirmando que o próprio Deus haveria de recompensá-los, ao expressar: Não que eu

procure o donativo, mas o que realmente me interessa é fruto que aumente o vosso crédito (4.17). E: O

meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Cristo Jesus, cada uma das vossas

necessidades (4.19).

A oferta destinada para o sustento do missionário e pastor Paulo pode ser aplicada ao que se pratica, hoje,

nas chamadas “Ofertas Missionárias de Fé”, que são recolhidas junto ao povo de Deus e empregadas no

estabelecimento de novas igrejas. Este tipo de investimento no Reino produzirá benefícios pessoais e

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coletivos, bem como, para aqueles que dele participam, a confiança numa das mais lindas promessas da

Bíblia. Esta oferta apresenta as seguintes características:

Significa cuidado com os obreiros (Fp 4.10);

Estabelece-se uma sociedade (“sócios”) (Fp 4.14-15);

Há promessa como recompensa (Fp 4.17-19);

Exemplo de liturgia (Fp 4.18);

Há manifestação de frutos do investimento feito (Fp 4.20-21).

Hebreus 10.14: O autor desta carta, que faz um paralelo entre Levítico e Cristo, declara que a oferta de

Cristo foi única, suficiente e eterna, para quantos estão sendo santificados.

Apocalipse 4.10: Na visão que Jesus deu a João, o vidente de Patmos, vê-se que os anciãos se prostram

diante do que estava assentado no trono e:

Adorarão ao que vive pelos séculos dos séculos e depositarão suas coroas diante do trono,

proclamando: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque

todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas (Ap

4.10-11).

Uma adequada compreensão dos textos bíblicos produz a perspectiva teológica do profundo

relacionamento que existe entre nosso culto a Deus e a participação dos nossos bens materiais. A nossa

salvação só é possível porque Deus ofertou ou deu seu único Filho, Jesus Cristo, para ser a oferta

sacrificada, para o perdão dos nossos pecados, tornando-se no “Cordeiro de Deus que tira o pecado do

mundo”. Da mesma sorte, não há como nos apresentarmos a Deus com mãos vazias. Davi se negou a

sacrificar animais que não lhe haviam custado nada. A compreensão de um culto integral e inteligente é

estabelecida por Paulo, em Romanos 12.1-3, quando diz:

Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis vossos corpos como

sacrifício vivo, santo e aceitável a Deus, no vosso culto racional. E não vos conformeis com este

século, mas, transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual é a boa,

agradável e perfeita vontade de Deus.

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Não se pode negar que a Bíblia fala de prosperidades daqueles que crêem no Senhor. Não apenas da

prosperidade financeira, mas também da intelectual, emocional e relacional, dentre outras. Os erros

cometidos por alguns sobre o assunto tem produzido outro erro, que parece ter atingido a IPI do Brasil:

não estudar e não preparar seus pastores para ensinarem, com clareza e verdade, a respeito desse assunto.

Desafios

O texto acima, nos aponta para vários desafios:

a) Preparar de maneira adequada os pastores e missionários, que já estão nos campos de trabalho, através

de um dos módulos da Educação Continuada;

b) Criar, dentro do novo modelo de Educação Teológica, um espaço para a adequada preparação dos

novos pastores;

c) Incentivar os próprios pastores locais a ensinarem suas igrejas e não trazer outros para fazê-lo;

d) Analisar dados da estatística em relação ao crescimento qualitativo para se avaliar a qualidade da igreja.

Conclusão

Pelos textos bíblicos expostos, podemos entender a clara e profunda relação entre a missão da igreja e os

bens materiais. Estes devem ser consagrados a Deus na sua totalidade. Esta consagração é definida tanto

no Antigo Testamento como no Novo. Ainda que a consagração fosse e seja do todo, ela deve ser

praticada de alguma forma mínima e visível e acompanhada da compreensão de que, somos mordomos,

que administram o que não é seu, mas de Deus. Deve ser acompanhada ainda de: gratidão, compromisso,

obediência, espiritualidade sadia e integral, transparência nos relacionamentos humanos, seriedade,

liberalidade, visão missionária, baseada no próprio sacrifício de Cristo, dentre outros valores. Com isso,

devemos enxergar os dízimos como uma manifestação mínima, e não máxima, da nossa dedicação e as

ofertas, quando necessárias, devem ser dadas com alegria, crendo que Deus trará todo suprimento. A

missão da igreja conta com os recursos financeiros dados pelo próprio Deus ao seu povo e com o

desprendimento dos bens materiais por parte deste, crendo que o melhor investimento é aquele que se faz

em prol da expansão do Reino de Deus.

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