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8 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA O Mito da Substância N° 1, MAIO 1995 Renato José de Oliveira Licenciado em química pela UERJ; mestre em filosofia da educação pelo IESAE-FGV; doutorando em educação pela PUC-RJ. Professor assistente da Faculdade de Educação da UFJF D e origem grega, o termo ‘epistemologia’ (episteme = saber, logia = estudo) se refere à reflexão acerca do saber cien- tífico. Naturalmente, qualquer reflexão filosófica depende dos referenciais do estudioso, podendo se dar de formas diversas. Este estudo reúne conside- rações de caráter epistemológico sobre a ciência química e alguns dos problemas relativos a seu ensino, reflexões que tomam por base os referenciais usados pelo epistemólogo francês Gaston Bachelard 1 . Tendo lecionado química e física durante vários anos em escolas secundárias francesas, Bachelard dedicou especial atenção ao exame das crenças, hábitos e heranças culturais que no curso da história entravaram o progresso do saber (obstáculos epistemológicos). Sua epistemologia investe contra uma prática descritivista que pretende arrolar as teorias científicas num contínuo temporal, como se o saber de determinada época fosse neces- sariamente a preparação de um sa- ber posterior. Ao conceber a história da ciência enquanto processo des- contínuo, atravessado por rupturas que a tradição cultural tende a elimi- nar, o trabalho de Bachelard mostra- A seção “Conceitos científicos em destaque” destaca um conceito químico ou de interesse direto da química, ora questionando a abordagem usual do mesmo, ora introduzindo uma discussão sobre erros associados a sua compreensão, seja nas salas de aula ou nos meios científicos e técnicos da química. Neste artigo em especial, o autor trata da noção de substância. Baseado na epistemologia de Gaston Bachelard, questiona diretamente o substancialismo dos químicos de maneira geral, que tende a compreender as propriedades químicas como atributos inalienáveis da substância. substância, Bachelard, epistemologia se extremamente fecundo para o educador. O mito da substância Desde Lavoisier a química tem sido vista como ciência que estuda as substâncias e suas propriedades. As bases da noção de propriedade subs- tancial são mais antigas, no entanto, remontando à alquimia. Bachelard (1947) assinala que para o espírito pré- científico “a substância tem um interior; melhor, a substância é um interior”. Essa crença levou os alquimistas a tentar ‘abrir’ as substâncias, na perspectiva de alcançar e desvelar qualidades ocultas. Tratava-se de buscar a chave que permitiria ao homem esclarecer os mais recônditos segre- dos da matéria, como se esta fosse um cofre ou uma espécie de caixa- de-Pandora 2 às avessas que, uma vez aberta, es- palharia o bem pelo mundo afora. Segundo Bachelard, o século XVIII é pródigo em exemplos que atestam tais convicções. Em 1722, Crosset de la Heaumerie afir- mava: A alquimia buscava a chave que permitiria ao homem esclarecer os mais recônditos segredos da matéria, como se esta fosse um cofre ou uma espécie de caixa-de-Pandora às avessas A prata viva, ainda que branca em seu exterior, é vermelha por dentro (...). A coloração vermelha aparece quando a precipitamos e calcinamos ao fogo. (citado por Bachelard, 1947: 100-1) O substancialismo, ou seja, a idéia de que as propriedades substanciais são atributos inalienáveis, permanece na química pós-lavoiseriana. Ilustran- do tal permanência, Bachelard (1972) sublinha a surpresa que o oxigênio revela: o gerador de ácidos não possui propriedades ácidas. A esse respeito, salienta ainda que: Para um tal substancialismo, a subs- tância mantém em toda propriedade as suas propriedades e se faz referência à definição predicativa da substância. Então as definições de designação são tomadas por definições do ser. A análise material é uma análise gramatical. (1972: 77) As definições predicativas são parte integrante da filosofia do senso comum e, sem nos darmos conta, acabamos por incorporá-las à linguagem científica. Aliás, conforme diz Bachelard (1947:114), para certos autores “o mentol, a mentona e o acetato de mentila sabem a menta”. A princípio tal definição predicativa nada parece ter de estranho, todavia o quí- mico raciocina de modo justamente inverso: as substâncias citadas não possuem as proprieda- des da menta, mas esta sim exibe as qualidades daquelas. A menta só tem cheiro de menta porque o mentol, a men- tona e o acetato de men- tila possuem um grupamento osmóforo comum, responsável por tal proprie- dade organoléptica. Se o químico alterar esse grupamento, o odor CONCEITOS CIENTÍFICOS em DESTAQUE

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA O Mito da Substância N° 1, MAIO 1995

Renato José de OliveiraLicenciado em química pelaUERJ; mestre em filosofia daeducação pelo IESAE-FGV;doutorando em educação pelaPUC-RJ. Professor assistenteda Faculdade de Educação daUFJF

D e origem grega, o termo‘epistemologia’ (episteme =saber, logia = estudo) se

refere à reflexão acerca do saber cien-tífico. Naturalmente, qualquer reflexãofilosófica depende dos referenciais doestudioso, podendo se dar de formasdiversas. Este estudo reúne conside-rações de caráter epistemológicosobre a ciência química e alguns dosproblemas relativos a seu ensino,reflexões que tomam por base osreferenciais usados pelo epistemólogofrancês Gaston Bachelard1.

Tendo lecionado química e físicadurante vários anos em escolassecundárias francesas, Bachelarddedicou especial atenção ao examedas crenças, hábitos e herançasculturais que no curso da históriaentravaram o progresso do saber(obstáculos epistemológicos). Suaepistemologia investe contra umaprática descritivista que pretendearrolar as teorias científicas numcontínuo temporal, como se o saberde determinada época fosse neces-sariamente a preparação de um sa-ber posterior. Ao conceber a históriada ciência enquanto processo des-contínuo, atravessado por rupturasque a tradição cultural tende a elimi-nar, o trabalho de Bachelard mostra-

A seção “Conceitos científicos em destaque” destaca um conceitoquímico ou de interesse direto da química, ora questionando aabordagem usual do mesmo, ora introduzindo uma discussão sobreerros associados a sua compreensão, seja nas salas de aula ou nosmeios científicos e técnicos da química.Neste artigo em especial, o autor trata da noção de substância.Baseado na epistemologia de Gaston Bachelard, questionadiretamente o substancialismo dos químicos de maneira geral, quetende a compreender as propriedades químicas como atributosinalienáveis da substância.

substância, Bachelard, epistemologia

se extremamente fecundo para oeducador.

O mito da substânciaDesde Lavoisier a química tem sido

vista como ciência que estuda assubstâncias e suas propriedades. Asbases da noção de propriedade subs-tancial são mais antigas, no entanto,remontando à alquimia. Bachelard(1947) assinala que para o espírito pré-científico “a substância tem um interior;melhor, a substância é um interior”. Essacrença levou os alquimistas a tentar‘abrir’ as substâncias, na perspectiva dealcançar e desvelar qualidades ocultas.Tratava-se de buscar achave que permitiria aohomem esclarecer osmais recônditos segre-dos da matéria, como seesta fosse um cofre ouuma espécie de caixa-de-Pandora2 às avessasque, uma vez aberta, es-palharia o bem pelomundo afora. SegundoBachelard, o século XVIII é pródigo emexemplos que atestam tais convicções.Em 1722, Crosset de la Heaumerie afir-mava:

A alquimia buscava achave que permitiria aohomem esclarecer os

mais recônditossegredos da matéria,

como se esta fosse umcofre ou uma espécie de

caixa-de-Pandora àsavessas

A prata viva, ainda que branca em seuexterior, é vermelha por dentro (...). Acoloração vermelha aparece quando aprecipitamos e calcinamos ao fogo. (citadopor Bachelard, 1947: 100-1)

O substancialismo, ou seja, a idéiade que as propriedades substanciaissão atributos inalienáveis, permanecena química pós-lavoiseriana. Ilustran-do tal permanência, Bachelard (1972)sublinha a surpresa que o oxigêniorevela: o gerador de ácidos não possuipropriedades ácidas. A esse respeito,salienta ainda que:

Para um tal substancialismo, a subs-tância mantém em toda propriedade assuas propriedades e se faz referência àdefinição predicativa da substância. Entãoas definições de designação são tomadaspor definições do ser. A análise material éuma análise gramatical. (1972: 77)

As definições predicativas são parteintegrante da filosofia do senso comume, sem nos darmos conta, acabamospor incorporá-las à linguagem científica.Aliás, conforme diz Bachelard(1947:114), para certos autores “omentol, a mentona e o acetato dementila sabem a menta”. A princípio taldefinição predicativa nada parece ter de

estranho, todavia o quí-mico raciocina de modojustamente inverso: assubstâncias citadas nãopossuem as proprieda-des da menta, mas estasim exibe as qualidadesdaquelas. A menta sótem cheiro de mentaporque o mentol, a men-tona e o acetato de men-

tila possuem um grupamento osmóforocomum, responsável por tal proprie-dade organoléptica. Se o químicoalterar esse grupamento, o odor

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se processa? Seriam as moléculas decloro e hidrogênio temperamentais?

Os fenômenos fotoquímicos leva-ram cientistas como Perrin a abando-nar, no início do século, a idéia de co-lisão molecular, condicionando astransformações materiais a açõesrítmicas geradas pela energia radiante.Segundo Bachelard (1970: 72), ahipótese de Perrin considera

(...) que todas as reações químicas sãoreações fotoquímicas, ou seja, não se podeter modificação estrutural a não ser porintermédio de uma energia radiante,energia necessariamente quantizada, postasob a forma rítmica, como se as simetriasnão pudessem ser modificadas senão pormeio dos ritmos.

A partir daí, outra questão secoloca para o químico: não seria ahipótese de Perrin a simples substi-tuição de um dogmatismo por outro?Ao primado do choque não se estariaopondo o primado do ritmo? É interes-sante notar que o próprio Perrin, em1926, restabeleceu o choque comocausa possível de reação, pois ahipótese fotoquímica, a exemplo dochoquismo, não conseguia, por si só,explicar satisfatoriamente um conjuntomais amplo de fenômenos químicos.

Isso não significa retornar à sedu-tora imagem do bilharmolecular, mas repen-sar o modelo choquistaem bases mais alarga-das. Assim, a cinéticaquímica se desenvolvesubstituindo a noçãoprimária de colisão me-cânica pelo conceito de

interação molecular. Portanto, quandointerpretamos uma reação como asíntese do gás clorídrico, devemoscombinar os aspectos rítmicos e cinéti-cos a partir da noção bem maisracional de mecanismo:

Cl-Cl hν Cl• + Cl•Cl• + H-H Cl-H + H•H•+ Cl-Cl H-Cl + Cl•H•+ H-Cl H-H + Cl•Cl•+ Cl• Cl-Cl

Observamos, então, que sem oconcurso da energia radiante hν nãohá quebra das ligações Cl-Cl, sendoessa etapa inicial determinante detodo o processo. O conceito de meca-

toda a química lavoiseriana, consoli-da-se no empirismo da balança. Amassa, atributo diretamente mensurá-vel da matéria, apresenta-se comoespelho fiel da realidade química:transformam-se as substâncias, masa massa se conserva. Se é possívelpesar, então é possível pensar asubstância. Nesse ponto não seestabelecem diferenças entre a experi-ência comum que revela o caráter ex-tenso, contínuo e inerte da matéria e aexperiência científica: no fundo, abalança do laboratório e a balança damercearia falam a mesma linguagem.

No ensino de química, um proble-ma diretamente derivado do realismoda massa aparece no trato com a este-quiometria. Quando se pede ao alunopara relacionar quantidades de rea-gentes e produtos em termos demassa, as regras-de-três são monta-das até com relativa facilidade. Toda-via, quando se deseja que ele inter-prete e relacione, operando em termosdas quantidades de mols envolvidas...as dificuldades logo se apresentam.

Mas a química substancialista temdiante de si outros problemas. Com odesenvolvimento da atomística, no fi-nal do século XIX, e com o adventodas teorias quânticas no século XX, opensamento químico é forçado adeslocar-se do realismoda massa para o racio-nalismo da energia. Sa-bemos que as reaçõesquímicas sempre foramtratadas pelo pensa-mento realista em ter-mos de trocas materiais.Assim, descendo aonível atômico-molecular, uma reaçãodo tipo:

A2 + B2 2AB

podia ser facilmente explicada admi-tindo-se o choque direto entre asmoléculas de A2 e B2. A idéia dechoque é tomada de empréstimo àmecânica newtoniana, sendo asmoléculas vistas como bolas de bilharsubmicroscópicas. Todavia, o cho-quismo não pôde explicar uma sériede fenômenos químicos, como porexemplo a síntese do gás clorídrico apartir de hidrogênio e cloro em fasegasosa. Se o choque é causa deter-minante das transformações químicas,por que no escuro essa reação não

desaparecerá e a menta, tal como osenso comum a identifica, deixará deser menta...

Sendo o substancialismo uma cren-ça bastante enraizada, a literatura didá-tica de química tem se utilizado delefartamente. Quando definem molécula,os livros geralmente apresentam con-ceitos como: “a menor parte da subs-tância capaz de guardar suas proprie-dades”. A partir de definições dessetipo, a idéia transmitida ao estudante éa de que o constituinte isolado (mo-lécula) contém em si os atributos dotodo. Entretanto, como dizer que amolécula de água possui densidade,pressão de vapor, tensão superficial,pontos de fusão e ebulição etc? Taispropriedades pertencem ao conjunto,isto é, manifestam-se nas relações queas moléculas mantêm entre si.

De modo geral, podemos dizer quea substância não é nada em si mesmae que as características que lhe atri-buímos se constituem, na verdade, emproduto de um jogo relacional. Tanto éassim que a acidez de um ácido só temsentido químico quando mencionamoso solvente. Não existem ácidos por si,mas algo é ácido em relação a algumaoutra coisa. Em água, HNO3 temcomportamento ácido; já em um meiode H2SO4, atua como base.

Aprofundando a discussão acercado substancialismo, veremos que elese apóia numa ciência realista, forte-mente apegada ao concreto e receosado abstrato. Nas palavras de Ba-chelard (1984: 49):

A química tornou-se assim o domí-nio de eleição dos realistas, dos mate-rialistas, dos antimetafísicos. Químicose filósofos trabalhando sob o mesmosigno acumularam nesse domínio umatal quant idade de referências queexiste uma certa temeridade em falar,como nós falaremos, de uma inter-pretação racional da química moderna.

O realismo, filosofia que permeia

A acidez de um ácido sótem sentido químico se

mencionamos osolvente. Não existem

ácidos por si, mas algoé ácido em relação aalguma outra coisa

A hipótese fotoquímica, aexemplo do choquismo,não é capaz de explicarsatisfatoriamente, por si

só, um conjunto maisamplo de fenômenos

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nismo pressupõe, portanto, a pro-funda cooperação entre os fatoresenergéticos e materiais. O ponto deruptura entre a química racionalista ea química realista pode ser então assi-nalado, como faz Bachelard (1984:62), a partir da consideração dasubstância como devir3:

Ora, este devir não é nem unitárionem contínuo. Apresenta-se como umaespécie de diálogo entre a matéria e aenergia. As trocas energéticas deter-minam modificações materiais e asmodificações materiais condicionamtrocas energéticas(...). A energia é parteintegral da substância; substância eenergia são igualmente ser.

À medida que a atomística foi sedesenvolvendo, o substancialismo e orealismo químico perderam terreno,refugiando-se, entretanto, em algumasnoções difíceis de serem repensadas,como por exemplo a noção de pro-priedade. A partir da segunda metadedo século passado, discute-se muitoa questão das combinações entre osátomos, sendo a valência vista comocapacidade dos elementos efetuaremcombinações entre si. Kekulé esta-beleceu o postulado da tetravalênciado carbono após ter estudado com-postos como o metano e seus deri-vados, associando então esse estadode combinação a umapropriedade do elemen-to. A partir daí, a valên-cia passou a represen-tar um atributo inalie-nável, ou, como preferea literatura didática,uma impressão digitaldo elemento.

Entretanto, comobem salientou, já em1928, B. Cabrera:

A valência é alguma coisa de maiscomplexo cuja origem está em relação coma estabilidade das novas configuraçõesdinâmicas dos elétrons superficiais pro-duzidas por causa das perturbaçõesmútuas dos átomos em contato. É evidenteque os detalhes dessa configuração e ograu de sua estabilidade dependerão daestrutura dos átomos que intervêm, de sorteque estritamente falando a valência não éuma propriedade de cada elementoisolado, mas do conjunto de átomos liga-dos. (citado por Bachelard, 1985: 139)

Considerando a valência enquantoproduto da relação entre átomos, épossível compreender por que o car-

bono se mostra tetravalente no meta-no e trivalente no CO. No primeirocaso, a teoria da hibridação orbitaloferece uma interpretação satisfatória.É importante notar, porém, que os hí-bridos sp3 não existem no átomo decarbono isolado, formando-se apenasno momento da ligação. Já no casodo CO, é preciso recorrer à teoria dosorbitais moleculares, segundo a qualnão apenas os elétrons periféricos,mas todo o conjunto de elétrons dosdois átomos interage de modo apermitir a ligação. Segundo a interpre-tação sugerida pelaTOM, no CO há trêsorbitais antiligantes va-zios e três orbitais li-gantes preenchidos, oque permite explicar aordem de ligação três ea trivalência.

Isso nos mostra queà antiga afirmação deque o carbono é tetra-valente é preciso opor a de que o car-bono pode estar tetravalente, a qualnão indica a existência de nenhum atri-buto, mas de um estado constituídona relação entre os átomos.

Se a valência não é um atributoelementar, também a eletronega-tividade não possui esse status,

amplamente utilizadono ensino de química.Para explicar a polari-dade de uma moléculacomo a do HCl diz-seque o cloro, sendo maiseletronegativo que o hi-drogênio, atrai para si opar de elétrons da li-gação covalente. En-tretanto não é o atributo

(eletronegatividade) que produz odeslocamento do par eletrônico daligação, e sim este último que faz comque um elemento se torne mais eletro-negativo que outro. Assim, a eletrone-gatividade não existe por si mesmaenquanto propriedade elementar, masé produzida na relação entre osátomos dos elementos quando estesse ligam. O fato do átomo de hidro-gênio ver4 menos o par eletrônico sedeve a seu menor poder polarizante,o qual é função do raio atômico e dacarga nuclear efetiva.

Contra um realismo que bloqueiao pensamento, é preciso ter sempreem mente a sensata observação feita

por Heisenberg (1987: 140) acerca domundo submicroscópico:

Nas experiências com fenômenosatômicos, temos que lidar com coisas efatos, com fenômenos que são tão reaisquanto aqueles da vida cotidiana. Mas ospróprios átomos e partículas elementaresnão exibem o mesmo tipo de realidade:eles dão lugar a um universo de potencia-lidades ou possibilidades, em vez de ummundo de coisas e fatos.

ConclusõesSe examinarmos a literatura didá-

tica, veremos que ela,em sua grande maioria,enfatiza o caráter experi-mental da química.Mesmo as obras maisrecentes, como a sérieQuímica na abordagemdo cotidiano, de autoriade Tito e Canto5, não sedesfazem desse pres-suposto: “A química é

uma ciência eminentemente experi-mental, cujos reflexos se fazem sentir,das mais diversas maneiras, em nossavida cotidiana”.

Entretanto, a consideração daquímica como ciência predominan-temente experimental se acha emdesacordo com as novas constru-ções científicas do século XX. Naqualidade de ciência que hoje sededica basicamente ao estudo dastransformações operadas pela técni-ca sobre a matéria, a química de-pende de um diálogo constante en-tre razão e empiria, teoria e prática,a razão se aplicando à experimen-tação e sendo dialeticamente retifi-cada por esta.

A química é, pois, como todaciência, um caminho pedregoso,árdua trilha de construções inaca-badas. Afinal, o homem progrideporque sua inteligência é capaz devencer desafios, não porque se de-vota a desvelar segredos ocultos nanoite das verdades universais.

Se a química contemporânea éuma ciência que se constrói atravésdo diálogo entre razão e empiria, seuensino não pode ficar centrado namonologia, seja na enfadonha mo-nologia das classificações, dasmemorizações, das conceituaçõesdogmáticas ou na monologia dosexperimentos que ‘falam’ através deefeitos fascinantes mas na verdade

A eletronegatividadenão existe por simesma enquanto

propriedade elementar,mas é produzida na

relação entre osátomos dos elementosquando estes se ligam

“... os próprios átomose partículas

elementares (...) dãolugar a um universo de

potencialidades oupossibilidades, em vezde um mundo de coisas

e fatos”

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3. Em termos filosóficos, o devir repre-senta a condição de vir a ser algo, ou, emoutras palavras, a capacidade que o sertem de sofrer transformações, conver-tendo-se em outro.

4. Usamos propositalmente o termo‘ver’ para comentar como, na literaturadidática, um mero recurso de expressãopode se constituir em meio absoluto de

A ciência através dos temposA ciência através dos temposA ciência através dos temposA ciência através dos temposA ciência através dos temposAttico Chassot (IQ - UFRGS). Editora

Moderna, Coleção Polêmica, 12 capítulos,191 páginas, 1994, R$7,67.

Nos seis primeiros capítulos, o livro nosleva em uma viagem através da ciência edo tempo, procurando relacionar a evolu-ção do pensamento e da observaçãocientífica com a evolução da própriahumanidade. Assim, ela se inicia com osegípcios, mesopotâmicos, fenícios, he-breus, hindus e chineses, passa pelosgregos, romanos e árabes e desemboca naIdade Média, época de preparação para arevolução científica que viria a seguir. Noscapítulos sete, oito e nove, o leitor éconduzido através do século XVII, querepresenta o nascimento da ciência moder-na, e do século XVIII, o chamado século dasluzes, culminando com o século XIX,quando a ciência se consolida. Os capítulosdez e onze fazem a virada para o séculoXX, época das descobertas experimentaisque ampliaram o conhecimento sobre amatéria, do ponto de vista microscópico. Oúltimo capítulo apresenta algumas dasmaravilhas que a ciência produziu e produze os aspectos polêmicos de suas verdades.O livro é recomendado para professores deciências de um modo geral (ensino funda-mental, médio e superior) e alunos do ensinomédio e superior como um meio auxiliar nacompreensão ampla e rápida da evoluçãodo conhecimento científico. (Roberto Ribeiroda Silva - UnB)

Alquimistas e químicos - o passado, oAlquimistas e químicos - o passado, oAlquimistas e químicos - o passado, oAlquimistas e químicos - o passado, oAlquimistas e químicos - o passado, opresente e o futuropresente e o futuropresente e o futuropresente e o futuropresente e o futuro

José Atílio Vanin (professor do Institutode Química da USP), Editora Moderna,Coleção Polêmica, oito capítulos, 95páginas, 1994, R$6,22.

Nos capítulos iniciais, o autor procuradescrever de maneira resumida comosurgiram as artes ligadas à química, otrabalho inicial dos alquimistas e o surgi-mento da química como ciência. A seguir, otrabalho de dois grandes cientistas édescrito: o de Lavoisier, que marcou a his-tória do desenvolvimento da ciência, e o dePasteur, que abriu novas fronteiras na quí-mica, Finalmente, a química do cotidiano,seu impacto na sociedade e possíveis no-vos rumos ao futuro são abordados de mo-do a atingir os objetivos da coleção: a polê-mica. O livro é recomendado para professo-res de química, alunos de ensino médio,estudantes de graduação e para todosaqueles que se interessam por ciência, tec-nologia e sociedade — ou, como diz o pró-prio autor, por ciência, economia e comu-nicação. (Roberto Ribeiro da Silva - UnB).

Universo: teorias sobre sua origem eUniverso: teorias sobre sua origem eUniverso: teorias sobre sua origem eUniverso: teorias sobre sua origem eUniverso: teorias sobre sua origem eevoluçãoevoluçãoevoluçãoevoluçãoevolução

Roberto de Andrade Martins (IF -UNICAMP), Editora Moderna, ColeçãoPolêmica, 12 capítulos, 183 páginas, 1994,R$7,70.

A origem do Universo é um assuntoque desperta uma enorme curiosidade

entre os jovens. Essa curiosidade resultade um anseio da humanidade: compreen-der nosso papel e nos situarmos no mundoatual. Essa busca procura responder aquestões do tipo: de onde viemos? Paraonde vamos? O Universo sempre existiuou teve um início? Se teve um início, o quehavia antes? Ele vai ter um fim? Na tentativade responder a essas questões, o autorleva-nos através da história do pensamen-to humano (religioso, filosófico e científico)ao longo de 12 capítulos extremamenteinteressantes, a saber: “A origem do Uni-verso na mitologia e na religião”; “O mitofilosófico na Grécia e na Índia”; “O pensa-mento filosófico e a origem do Universo”;“A reinterpretação dos mitos”; “O pensa-mento medieval e o renascentista”; “Opensamento científico moderno e a origemdo mundo”; “Kant e Laplace: a formaçãodo Sistema Solar”; “As concepções sobreo infinito: o tempo e o espaço”; “As fontesde energia do Universo”; “A teoria da relati-vidade e a cosmologia moderna”; “A cria-ção da matéria e o Big Bang”; “Estudos edúvidas mais recentes”.

A título de ilustração, no capítulo dez oautor consegue, numa linguagem extrema-mente acessível, prender a atenção do leitorao explicar a teoria da relatividade. O livro éfortemente recomendado para professorese alunos do ensino médio e superiorpreocupados com uma visão mais amplado ensino de ciências. (Roberto Ribeiro daSilva - UnB)

RESENHAS

explicação: Sardella e Mateus (1983:100) representam o átomo de hidrogêniopor meio de um boneco que, munido deuma luneta, pergunta: “onde andarámeu elétron?”

5. Tito M. Peruzzo & Eduardo L. do Canto,Química na Abordagem do Cotidiano.Passagem extraída da apresentaçãocomum aos três volumes da coleção.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Resenha N° 1, MAIO 1995

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PARENTE, Letícia T. de S. Bachelard ea química no ensino e na pesquisa.Fortaleza, EUFC, 1990.

nada dizem... O professor precisa,portanto, superar através do diálogoseu principal obstáculo pedagógico,ou seja, deve passar a compreenderas razões pelas quais o aluno nãocompreende. Só assim ele poderárealizar, segundo ressalta Bachelard(1975), um verdadeiro ‘voto secreto’,indispensável ao sucesso de qualquerprocesso pedagógico: nunca secolocar como dono do saber, massempre na condição de estudante.

Notas1. Gaston Bachelard nasceu na França

(1884-1962) e atuou por 16 anos como pro-fessor de ciências e filosofia antes depublicar seu primeiro livro na área daepistemologia. Sua vasta obra se divide emdois grandes campos: um dedicado àepistemologia, à história das ciências,especialmente física e química, e outrodedicado à imaginação e ao devaneio.

2. Segundo a mitologia grega, Zeus derauma caixa aos irmãos Prometeu e Epimeteu,pedindo-lhes porém que não a abrissem.Não resistindo à curiosidade, Pandora,mulher de Epimeteu, abriu a caixa, deixandoescapar o que nela estava contido: todosos males do mundo.