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2269 COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO MUNICÍPIO DE SERRANÓPOLIS DE MINAS: TRAJETÓRIA, LUTAS, RESISTÊNCIAS E AVANÇOS Kathe Ellen Rocha de Souza¹ Núbia Bruno da Silva² ¹ Discente da disciplina Tópicos Especiais em Processos Sociais do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS UMIMONTES. Pós-Graduada em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal de Minas Gerais; Pós-Graduada em Políticas Públicas Sociais e Intervenção junto à Família pela Faculdade Promove de Janaúba; Bacharel em Serviço Social. E-mail: [email protected] ² Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História – PPGH UNI- MONTES. Professora Universitária das Faculdades Verde Norte – FAVENORTE Campus Mato Verde; Advogada; Pós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade Legale; Pós-Graduanda em Gestão Pública Municipal pela Universidade Fede- ral dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); Especialista em Direito e Processo do Tra- balho pela Universidade Estácio de Sá; Bacharel em Direito pela Faculdade Vale do Gorutuba (FAVAG). E-mail: [email protected] “... Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser di- ferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reco- nheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multi- cultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56). RESUMO: Ao analisar a história das comunidades quilombolas no Brasil, percebe-se a neces- sidade de entender o conceito mais abrangente das nomenclaturas “comunidades quilombolas” ou “quilombos” indo além do conhecimento adquirido e delimitado de ‘escravo-preto-fuga’. É importante ressaltar que foi sim um passado de escravidão, de fugas e de lutas, mas após tantas fugas e lutas, surgiu um novo tempo de conquistas e avanços. Em 12 de Março de 2004 o Governo Federal instituiu o Programa Brasil Quilombola, que prevê um conjunto de ações nos diversos órgãos governamentais e políticas públicas para comunidades quilombolas a fim de garantir os direitos à titulação e a permanência na terra, à documentação básica, alimenta- ção, saúde, esporte, lazer, trabalho, moradia, dentre outros (BRASIL, 2004). Nessa perspectiva, o presente trabalho buscou abordar, analisar e contextualizar o processo de reconhecimento, trajetória, lutas e avanços nas comunidades quilombolas de Brutiá e Campos no Município de Serranópolis de Minas – MG, além de trabalhar a abordagem histórico-cultural, resgatando va- lores, cultura e identidade. Para tal, utilizou-se a metodologia de pesquisa qualitativa, o trabalho de campo, oficinas e entrevistas associadas às técnicas de observação e análise.

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COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO MUNICÍPIO DE SERRANÓPOLIS DE MINAS: TRAJETÓRIA, LUTAS,

RESISTÊNCIAS E AVANÇOS

Kathe Ellen Rocha de Souza¹Núbia Bruno da Silva²

¹ Discente da disciplina Tópicos Especiais em Processos Sociais do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS UMIMONTES. Pós-Graduada em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal de Minas Gerais; Pós-Graduada em Políticas Públicas Sociais e Intervenção junto à Família pela Faculdade Promove de Janaúba; Bacharel em Serviço Social. E-mail: [email protected]² Mestranda em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História – PPGH UNI-MONTES. Professora Universitária das Faculdades Verde Norte – FAVENORTE Campus Mato Verde; Advogada; Pós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela Faculdade Legale; Pós-Graduanda em Gestão Pública Municipal pela Universidade Fede-ral dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); Especialista em Direito e Processo do Tra-balho pela Universidade Estácio de Sá; Bacharel em Direito pela Faculdade Vale do Gorutuba (FAVAG). E-mail: [email protected]

“... Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser di-ferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reco-

nheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. (SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multi-cultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56).

RESUMO: Ao analisar a história das comunidades quilombolas no Brasil, percebe-se a neces-sidade de entender o conceito mais abrangente das nomenclaturas “comunidades quilombolas” ou “quilombos” indo além do conhecimento adquirido e delimitado de ‘escravo-preto-fuga’. É importante ressaltar que foi sim um passado de escravidão, de fugas e de lutas, mas após tantas fugas e lutas, surgiu um novo tempo de conquistas e avanços. Em 12 de Março de 2004 o Governo Federal instituiu o Programa Brasil Quilombola, que prevê um conjunto de ações nos diversos órgãos governamentais e políticas públicas para comunidades quilombolas a fi m de garantir os direitos à titulação e a permanência na terra, à documentação básica, alimenta-ção, saúde, esporte, lazer, trabalho, moradia, dentre outros (BRASIL, 2004). Nessa perspectiva, o presente trabalho buscou abordar, analisar e contextualizar o processo de reconhecimento, trajetória, lutas e avanços nas comunidades quilombolas de Brutiá e Campos no Município de Serranópolis de Minas – MG, além de trabalhar a abordagem histórico-cultural, resgatando va-lores, cultura e identidade. Para tal, utilizou-se a metodologia de pesquisa qualitativa, o trabalho de campo, ofi cinas e entrevistas associadas às técnicas de observação e análise.

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PALAVRAS-CHAVE: Comunidades Quilombolas; Identidade; Reconhecimento; Trajetória.

INTRODUÇÃO

Quando abordamos os termos “comunidades quilombolas”, “comunidades remanescen-tes de quilombos” ou “quilombo”, remetem-se à ideia inicial de que são negros escravos fugi-tivos que se escondiam em meio ao mato fugindo da escravidão. Sobre conceito de quilombo, segundo Moura, 1993, quilombo foi conceituado da seguinte forma:

Quilombo era, segundo defi nição do rei de Portugal, em resposta à consulta do Conselho Ultramarino, datada de 2 de dezembro de 1740, ‘toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles’. Dessa forma, no Brasil, como em outras partes da América onde existiu o escravismo moderno, esses ajuntamentos proliferam como sinal de protesto do negro escravo às condições desumanas e alienadas a que estavam sujeitos.(MOURA; 1993, p. 11)

Porém, são diversas as origens das comunidades quilombolas existentes no Brasil, que se formaram de diversas formas, dentre as quais podemos destacar: a compra de terras após a abolição da escravatura, o recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Es-tado, permanência nas terras ocupadas pelos próprios escravos dentro de grandes propriedades e, fugas do sistema escravista com ocupação de terras livres e distantes.

É importante destacar que, a maioria das comunidades quilombolas encontram-se loca-lizadas distantes dos grandes centros urbanos, devido todo o processo de instalação, contudo, são “grupos” que lutam pelo direito ao território, à ocupação legal das terras adquiridas, lutam pelo respeito à cultura, à identidade, lutam pelo direito ao reconhecimento e pelo direito de se tornarem autores da própria história, que é resgatada diariamente.

O objetivo da pesquisa é estudar questões relacionadas ao processo de reconhecimen-to, certifi cação, lutas, trajetória, avanços e resistência vividos e enfrentados pelos moradores dos quilombos de Brutiá e Campos. Para realização do trabalho, a metodologia abordada foi a pesquisa qualitativa, o trabalho de campo, entrevistas com moradores mais velhos da região e presidentes da associação, realização de ofi cinas e pesquisa documental e bibliográfi ca. Como já citado, o universo de estudo encontra-se situado no Norte de Minas Gerais, na cidade Serra-nópolis de Minas.

Dessa forma, o estudo se justifi ca para contribuir com uma melhor compreensão sobre o processo de reconhecimento das comunidades quilombolas acima citadas, buscando conhecer a trajetória e resgatar a cultura e identidade. Assim sendo, o trabalho encontra-se dividido em três partes, sendo: Contextualização sobre o surgimento dos quilombos; As comunidades qui-lombolas na atualidade; O município de Serranópolis de Minas e as Comunidades Quilombolas e as Considerações Finais, além de elaboração do roteiro de trabalho de campo, realização de entrevistas e ofi cinas e por fi m organização e análise dos dados coletados.

CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O SURGIMENTO DOS QUILOMBOS

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Na primeira metade do século XVI iniciou-se o processo de escravidão no Brasil jun-tamente com a produção da cana de açúcar, os portugueses trouxeram para o Brasil homens e mulheres africanos negros para utilizar como mão de obra escrava nos grandes engenhos de açúcar, os negros africanos eram vendidos como se fossem mercadorias e os que aparentavam gozar de boa saúde chegavam a valer o dobro dos escravos velhos e fracos. Para transportar os escravos da África para o Brasil, os mesmos eram trazidos em porões de navios negreiros, eram amontoados em condições desumanas e muitos morriam antes mesmo de chegar ao desti-no fi nal. Quando chegavam ao Brasil e se instalavam nas grandes fazendas eram submetidos a todo tipo de humilhação, tinham que trabalhar de sol a sol, não recebiam pelo trabalho prestado, eram acorrentados para evitar fugas, dormiam em senzala e, constantemente, eram açoitados. Eram proibidos de praticar a sua crença e de realizar qualquer festa ou rituais de matriz africana, os senhores de engenho impunham aos mesmo que seguisse o catolicismo e adotassem a língua portuguesa, apesar de todas as restrições relacionadas à religião, os escravos não deixaram a cultura africana se apagar, escondidos, eles se reuniam para praticar seus rituais, seus cultos, suas festas, suas crenças e representações artísticas onde desenvolveram a capoeira como uma das maiores formas de luta.

Reis e Gomes ao estudarem o processo de escravidão brasileiro, a� rmam que:

Onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos, mesmo sob a ameaça do chicote, o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores ou fazia corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantação, agredia senhores e feitores, rebelava-se individual ou coletivamente. Houve, no entanto, um tipo de resistência que poderíamos caracterizar como a mais típica da escravidão- e de outras formas de trabalho forçado. Trata-se da fuga e formação de grupos de escravos fugidos. A fuga nem sempre levava a formação desses grupos. Ela podia ser individual ou até grupal, mas os escravos terminavam procurando se diluir no anonimato da massa escrava e de negros livres (REIS; GOMES, 1996, p. 9).

Nos séculos XVII e XVIII os escravos que conseguiam fugir se refugiavam com outros escravos que passaram pelo mesmo processo de escravidão e fuga, e encontravam-se escon-didos em locais distantes e isolados em meio ao mato. Assim, os quilombos eram tidos como uma espécie de comunidades compostas por escravos ou ex-escravos que fugiam das grandes fazendas no período do Brasil Colonial. No século XVIII, conhecido como Século do Ouro, os escravos tiveram a chance de conseguir a liberdade através da Carta de Alforria, que era um documento que o proprietário dava ou vendia ao seu escravo, no documento o proprietário abria mão de todos os direitos sobre o escravo, tornando-o livre, ressalta-se que, se o escravo fosse propriedade do casal a Carta de Alforria era assinada conjuntamente. É importante destacar que, na maioria dos casos, o escravo conseguia a liberdade depois de juntar uma quantia em dinhei-ro ou ouro roubado nas minas que trabalhava, porém, devido toda a trajetória e preconceito as portas permaneciam fechadas para os escravos alforriados.

Segundo Silva (2007), essas comunidades surgiram no período da escravidão, como resultado da fuga de diversos escravos que se uniam e se organizavam para garantir sua subsis-tência desenvolvendo atividades próprias e resgatando a identidade tendo como resultado uma

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identidade cultural histórica muito bem defi nida. Assim, o acesso à terra não representa somen-te a sobrevivência, mas sim a garantia da existência e resgate das suas origens culturais.

Na história dos quilombos no Brasil, os mesmos também foram reconhecidos pela forma de resistência ao sistema escravista, eles se organizavam das mais diversas maneiras rejeitan-do ao processo em que se encontravam inseridos. Destaca-se que o processo de formação dos quilombos não se deu somente por conta das fugas ou resistência, alguns quilombos surgiram a partir da compra de terras ou doações dos seus donos.

Quilombo dos Palmares foi um dos maiores quilombo da história brasileira, surgiu e se desenvolveu na antiga capitania de Pernambuco, na região da Serra da Barriga, que, atualmente faz parte do município de União dos Palmares, em Alagoas. O quilombo dos Palmares surgiu no fi nal do século XVI, embora tenha se expandido somente na segunda metade do século XVII que, segundo historiadores, alcançou de 15 a 30 mil quilombolas, era formado por escravos que haviam fugido das grandes fazendas das capitanias de Bahia e Pernambuco.

Zumbi foi um dos grandes líderes do quilombo dos Palmares, nasceu no ano de 1655 e, ainda recém-nascido teve o seu povoado atacado, sendo entregue à família que fi nanciou a investida aos ataques e recebeu os escravos como presentes. Foi entregue ao padre da região, que o recebeu como presente, batizou-o com o nome de Francisco e o educou como coroinha, apenas com 10 ele falava português e latim. Ao completar 15 anos de idade fugiu para o Qui-lombo dos Palmares, assumindo a identidade de Zumbi. Nessa época o quilombo dos Palmares era liderado por Ganga-Zumba, seu tio. Em 1680, com apenas 25 anos de idade, Zumbi assumiu a liderança do quilombo dos Palmares, época em que a comunidade cresceu e se fortaleceu de maneira signifi cante. Zumbi lutou veemente contra o sistema escravocrata, tornando-se um dos líderes mais famosos da história de Palmares, foi símbolo de resistência e incentivo para que muitos es-cravos buscassem a liberdade através da fuga. Na luta incessante para combater a escravidão, Zumbi foi o último chefe do quilombo dos Palmares. Após fugas e lutas incessantes, em 20 de novembro de 1695, com apenas 40 anos de idade, Zumbi foi degolado. Porém, como símbolo de resistência, o dia da sua morte fi cou marcado na história do Brasil, sendo implantado o Dia da Consciência Negra, que é comemorado no dia 20 de novembro, referenciando à Zumbi dos Palmares, que lutou bravamente para combater a escravidão.

AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NA ATUALIDADE

Conforme o artigo 2º do Decreto 4.887/2003, “consideram-se remanescentes das comu-nidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto distribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específi cas, com presunção da an-cestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”. Assim, as co-munidades quilombolas são grupos étnico raciais formados majoritariamente por negros da área urbana ou rural que se autodefi nem como remanescentes de quilombos com base nas suas relações com a terra, o território, as tradições culturais, a ancestralidade e o território.

Os quilombos, em sua maioria, encontravam-se localizados em locais afastados, porém, permanecem ativos até a atualidade, as atuais comunidades quilombolas ou comunidades re-

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manescentes de quilombos surgiram através dos quilombos que abrigavam os negros fugitivos. As comunidades quilombolas ainda carregam os traços do quilombo e da matriz africana, eles possuem laços culturais afi ncados, mantêm os cultos e práticas religiosas, as tradições e pos-suem forte relação com o trabalho na terra e artesanal. É importante contextualizar e destacar sobre o processo de reconhecimento dos qui-lombolas que, desde os anos 70 que o conceito de quilombos e quilombolas é discutido pelo Movimento Negro (MN), período que ocorreram reivindicações por melhores condições de vida dos negros. No Brasil, o número de estudos envolvendo as Comunidades Quilombolas intensifi cou-se no fi nal do século XX quando começou a ocorrer um crescimento signifi cativo de comunidades reconhecidas. Em 12 de março de 2004, o Governo Federal criou o Programa Brasil Quilombola com o objetivo de consolidar os marcos da política de estado para as áreas quilombolas. O programa prevê a coordenação das ações governamentais para as comunidades quilombolas por meio de articulações transversais, setoriais e interinstitucionais, gerenciadas pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Como desdobramento do Programa Brasil Quilombola foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto 6.261/2007), que agrupa as ações voltadas às comunidades em várias áreas, conforme segue:

Eixo 1: ACESSO A TERRA – execução e acompanhamento dos trâmites ne-cessários para a regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas. O processo se inicia com a certifi cação das comunidades e se encerra na titulação, que é a base para a implementação de alternativas de desenvolvimento para as comu-nidades, além de garantir a sua reprodução física, social e cultural; Eixo 2: INFRAESTRUTURA E QUALIDADE DE VIDA – consolidação de mecanismos efetivos para destinação de obras de infraestrutura (habitação, sa-neamento, eletrifi cação, comunicação e vias de acesso) e construção de equi-pamentos sociais destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e assistência social; Eixo 3: INCLUSÃO PRODUTIVA E DESENVOLVIMENTO LOCAL - apoio ao desenvolvimento produtivo local e autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comu-nidades; Eixo 4: DIREITOS E CIDADANIA - fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, estimulando a participação ativa dos representantes quilombolas nos espaços coletivos de controle e participação social, como os conselhos e fóruns locais e nacionais de políticas públicas, de modo a promover o acesso das comunidades ao conjunto das ações defi nidas pelo governo e seu envolvimento no monitoramento daquelas que são implementadas em cada município onde houver comunidades remanescentes de quilombos.(BRASIL, 2012, p.10).

Em 20 de novembro de 2003, através do Decreto de nº 4.887, regulamentou-se em todo o território nacional os procedimentos para identifi cação, delimitação, reconhecimento e titu-lação das terras ocupadas por comunidades quilombolas. Esse mesmo decreto transferiu para o

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Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (INCRA) a função de delimitar as terras das comunidades quilombolas remanescentes já certifi cadas.

Com o passar dos tempos, os quilombolas passaram a ter visibilidade com o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, conforme Eliane O’Dwyer:

A partir da Constituição Brasileira de 1988, o quilombo adquire uma signifi cação atualizada, ao ser inscrito no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para conferir direitos territoriais aos remanescentes de quilombos que estejam ocupando suas terras, sendo-lhes garantida a titulação defi nitiva pelo Estado Brasileiro. (O’DWYER, 2002, p.1, grifo do autor)

Marim (2004) destaca que as comunidades quilombolas possuem uma bagagem histórica de grande signifi cado, “o quilombo enquanto categoria histórica detém um signifi cado relevante, [...] para legitimar reivindicações pelo território dos ancestrais por parte dos denominados remanescentes de quilombos.” (MARIM, 2004, p. 05). Sobre a tradição e os costumes dos quilombolas na atualidade, Anjos destaca:

A riqueza desse povo é o conhecimento dos meios básicos de subsistência e o convívio autêntico com seus pares e com a natureza. Este conhecimento nobre e sagrado se manifesta por meio das cantigas, da religião, da comida feita no fogão à lenha. Revela-se no feitio das roupas simples e coloridas, na produ-ção artesanal, na pesca e na caça, no trabalho na roça, nos remédios e chás caseiros. Essas comunidades mantêm ainda tradições e tecnologias que seus antepassados trou xeram da África, como a agricultura a medicina, religião, mineração, as técnicas de arquitetura e construção, o artesanato, a fabricação de utensílios de cerâmica e palha, a linguagem que sobre viveu pelo uso dos dialetos no cotidiano das famílias, a relação sagrada com a terra, a culinária, a importância da vida comunitária (ANJOS, 2006, p. 96, 97).

Com o decreto de nº 4.887 de 2003, o processo de reconhecimento e a titulação das terras fi ca garantida por uma identidade étnica que requer uma autodefi nição dos moradores da comunidade. O decreto enfatiza que “São terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultu-ral”. O órgão responsável pera certifi cação é a Fundação Cultural Palmares (FCP), que após os moradores da comunidade se reconhecer e autodefi nir como remanescentes de quilombos ocorre a certifi cação que é o primeiro passo para a demarcação e titulação de terras pelo Ins-tituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), como reconhecimento de que a comunidade existe, baseada em sua história, costumes e cultura. Segundo dados da FCP, mais de 3.000 mil comunidades quilombolas já foram certifi cadas em todo território nacional.

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O MUNICÍPIO DE SERRANÓPOLIS DE MINAS E AS COMUNIDADES QUILOM-BOLAS

O município de Serranópolis de Minas encontra-se localizado na mesorregião do Norte de Minas Gerais e microrregião de Janaúba, na beira da Serra do Espinhaço (Serra Geral), fi ca a 614 km de Belo Horizonte, possui uma área de unidade territorial de 553,10 Km² e tem como municípios limítrofes Porteirinha, Riacho dos Machados e Rio Pardo de Minas; segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), em 2010 a população do município era de 4.425 habitantes. A economia do município gira em torno de uma pequena parte da agri-cultura, pecuária e pequenas fábricas de queijo e requeijão (que já foram mais fortalecidas), além do comércio local que oferta trabalho informal e dos serviços ofertados pela Prefeitura Municipal, é importante ressaltar que, devido todas as difi culdades para conseguir emprego formal, o número de migrantes sazonais da zona urbana e rural é expressamente signifi cativo, levando em conta o número de habitantes. As migrações ocorrem para as regiões do Sul de Mi-nas Gerais, Goiás e Mato Grosso, nas colheitas de café e algodão, respectivamente. Geralmente, para o Sul de Minas Gerais o processo de migração envolve o deslocamento de toda a família, processo esse que abarca diversas famílias quilombolas.

Segundo consta em um livro que relata a história de Serranópolis de Minas, Osvaney B. Cunha (autor) registra que “os serranopolitanos são oriundos de negros, índios nativos do Ge-rais, brancos imigrantes e da miscigenação, antes da emancipação pertenceu a Sabará (1711), Serro (1714), Montes Claros (1831), Grão Mogol (1840) e Porteirinha (1938).” Foi emancipado em 21/12/1995 através da Lei nº 12.030 (BRASIL, 1995) e instalado em 01/01/1996, com ter-ritório desmembrado do município de Porteirinha, pertencendo ainda à comarca de Porteirinha. (IBGE, 2018).

O processo de reconhecimento das comunidades de Brutiá e Campos partiu da Secreta-ria Municipal de Inclusão Social e Cidadania que fez toda a articulação inicial. Primeiramente realizaram reuniões com os moradores das comunidades para explica-los sobre o processo de reconhecimento e certifi cação, como houve uma boa aceitação, a Secretaria Municipal de In-clusão Social e Cidadania contratou o antropólogo Aderval Costa Filho, de Brasília – DF, para desenvolver o trabalho com as comunidades, o mesmo fi cou no município por uma semana, rea-lizou reuniões com a equipe técnica da Secretaria, realizou trabalho de campo e entrevistas para realizar a caracterização das comunidades. Conforme relatado por Aderval na caracterização preliminar, as comunidades guardam proximidade estrutural com os Gurutubanos, remanescen-tes de quilombos do Vale do Gorutuba, tributário de Verde Grande e São Francisco.

Após fi ndado o trabalho do antropólogo, os moradores das comunidades se autodefi ni-ram como remanescentes de quilombos e enviaram o documento à Fundação Cultural Palmares solicitando a certifi cação. As duas comunidades foram certifi cas, porém, ainda não foi realizado o Relatório Antropológico e o território ainda não foi delimitado e demarcado. O trabalho de-senvolvido pelo antropólogo foi no período de 14 a 16 de abril de 2007 e as comunidades foram certifi cadas pela Fundação Cultural Palmares – FCP em 27 de novembro de 2007. Os quilombos de Brutiá e Campos

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A comunidade quilombola de Brutiá encontra-se localizada a 17 km da sede do municí-pio e conta com um total de 34 famílias diretamente instaladas na comunidade, quando ocorreu o processo de reconhecimento para certifi cação a comunidade era composta de aproximada-mente 100 famílias o que totalizava 500 pessoas, mas devido às difi culdades fi nanceiras e de acesso aos serviços públicos, algumas dessas famílias se deslocaram para a zona urbana do município ou se mudaram defi nitivamente para cidades do Estado de São Paulo, com destaque para a cidade de Ribeirão Preto. A comunidade de Campos fi ca distante 11 km da sede do município e conta com 30 famílias diretamente instaladas na comunidade. É uma comunidade ainda mais resguardada do que o Brutiá, todos os moradores são negros, cresceram e foram criados lá, as mulheres usavam a o algodão para fi ar e tecer, teciam roupas, cobertas, redes, hoje elas não tecem mais, mas guar-dam como lembrança uma roda e o tear.

A religião predominante no quilombo de Brutiá é o catolicismo (praticantes e não pra-ticantes), somente 01 moradora da comunidade é evangélica. Devido as difi culdade de acesso, os moradores que residem na comunidade fi cam mais afastados da religião, pois, somente uma vez por mês o Padre se desloca à comunidade para realizar a missa, a comunidade desfruta de um pequeno grupo de Folia de Reis e dança de roda que é realizada por mulheres. Até meados de 2003 a comunidade realizava festejos à Nossa Senhora Aparecida e Santa Luzia, mas como a responsável mudou-se para a zona urbana os demais moradores não prosseguiram com as comemorações. Nos Campos, a religião predominante é o catolicismo, todos são católicos praticantes, inclusive, ganharam um terreno para construir a igreja, mas, por falta de recursos, não pude-ram dar início à obra, realizando os encontros na associação, todas as terças-feiras acontece o “Terço das Mulheres”, as quintas-feiras acontece o “Terço dos Homens”, aos domingos ocorre a “Celebração” realizada pelos ministros da própria comunidade e, assim como no Brutiá, uma vez ao mês o Padre vai à comunidade realizar a missa. Conforme relatado, além do trabalho de campo e da ofi cina, foram realizadas entrevis-tas com o pessoal mais velho da comunidade e com presidente e ex-presidentes da associação. São poucos os moradores que conhecem/sabem relatar a história da comunidade desde o início. Durante a ofi cina os moradores relataram o que sabem sobre a comunidade, quais os processos foram impostos após o reconhecimento e certifi cação até os dias atuais, posteriormente, foi trabalhado as questões que envolvem cultura, identidade e território. As duas comunidades foram contempladas com um recurso do Governo Federal para a construção de Escolas Quilombolas de Educação Básica, da educação infantil ao 5º ano, geridas pela rede municipal. Foram inauguradas em 2015, porém, por falta de alunos a escola quilombola do Brutiá funcionou somente 03 anos, de 2015 a 2017, os alunos foram transferidos para a escola dos Campos que atende 15 alunos. Nas duas escolas, nos anos de 2015 e 2016 foi desenvolvido um projeto que visava resgatar a identidade e trabalhar a cultura, acontecia aulas de roda, de capoeira, folia de Reis e artesanato, mas por falta de instrutores, o projeto foi encer-rado, foi proposto aos próprios moradores da comunidade que desenvolvessem as atividades, eles recusaram, disseram não ter condições de desenvolver tais atividades. Um novo projeto

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está sendo traçado pela Secretaria Municipal de Educação para trabalhar a identidade e cultura quilombola. Quando questionados sobre a história da comunidade, foi relatado:

“A gente não sabe direito, minha fi a, os antigo contava que a gente é tudo parente, tudo primo, tudo descendente de escravo. Aqui tem cerca de pedra e vala que foi tudo feito por escravo, então a gente acredita ser descendente de escravo mesmo.” (Entrevistado 1, 74 anos - Morador do Brutiá)“Dona, eu não sei te contar, mais a minha sogra contava que a gente é des-cendente de escravo, uns fala que é de escravo que trabalhava em Montes Claros e fugiu pra cá, outros fala que é de escravo do Gurutuba, que não num aguentava mais a escravidão e fugiu pressas bandas, não dá pra saber, sinceramente, não sei falar pra senhora.” (Entrevistado 2, 60 anos – Morador do Brutiá)

“Ô minha fi a, a minha cabeça tá fraca, num vou saber te contar, mais lembro de alguma coisinha que mamãe contava, mamãe contava que uma escrava que chamava Joana Batista, vei da África e parou por essas bandas do Guru-tuba, diz mamãe que era uma escrava fujona, fugiu pra essas bandas de cá, sei que ela tinha muitos fi lho, muitos mesmo, só moça ela tinha 10. Eu conheci ela, eu era pequena, ela vei pra cá cum tal de Anacleto, mais num lembro do Anacleto não. A Joana Batista é minha bisavó, acho que ela fundou Campos e Anacleto Brutiá, eu acho.” (Entrevistado 3, 101 anos - reside na zona urbana, mas nasceu e foi criada no Brutiá)

“Eu não sei ao certo, minha avó contava que a fundadora da comunidade foi uma tal de Joana Batista, que veio de Janaúba, do Gurutuba, na verdade dizem que ela veio mesmo foi da África, aí não sei como ela veio para nos Campos, imagino que fugida. La nos Campos tem um pé de bananeira que dizem os mais velhos que foi ela que plantou. Acho que a comunidade deve ter uns 200 anos. (Entrevistado 1, 36 anos – morador de Campos)

“Meu pai também contava essa história aí, dizia que essa tal de Joana Batista vei da África para o Gurutuba e fugiu praqui, contava que ela tinha bastante fi lho e marido, mais ele morreu logo. Ela era forte, fazia trabalho de homem, meu pai falava que com 60 anos, era pouca gente que fazia o que ela fazia. Acho que nós tudo daqui é geração de Joana Batista”. (Risos) (Entrevistado 2, 69 anos – morador de Campos)

Em sua obra, Osvaney relata a história do Brutiá:

“A origem do nome Brutiá: Os mais idosos contam que o lugar denominado de Brutiá há muitos anos atrás foi reduto de escravos fujões. Eles fugiam das grandes fazendas e se aglomeravam neste local (que deveria ser bem deserto). E como viviam com medo dos “Capitães do Mato” (caçadores de escravos fujões), bastavam notar movimentos de pessoas diferentes, eles se escondiam para atacar na tocaia. Até pouco tempo, após a abolição da escravatura, os

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negros ainda tratavam com indiferença os brancos que se aproximavam. Os negros de lá foram vivendo sempre com medo dos brancos. Devido a isso, os negros dessa região, eram vistos como brutos. Eles desenvolviam uma enor-me técnica no tear, teciam panos, roupas, redes, etc. Por isso os moradores do povoado de Jatobá, referendavam-os de “BRUTOS DO TEAR”, que com o passar dos anos fi zeram a junção: Bruto + Tear = BRUTIÁ. Atualmente, os habitantes de Brutiá ainda predominam-se da raça negra.” (Contado por Alvimar Cardoso) (CUNHA, 2006, 88-89)

Quando questionados sobre a principal fonte de renda, relataram que “não tem como produzir devido a terra ser muito ruim pra lavoura, é uma coisinha ou outra”, relataram também que “algumas pessoas aqui da comunidade conseguem criar um gado, mais é bem complicado”, “mas a maioria do pessoal aqui é aposentado, quem não é aposentado tem o Bolsa Família, e assim a gente vai vivendo, sem precisar ir embora”. As famílias que não possuem renda fi xa, contam com a renda do programa de transferência de renda Programa Bolsa Família - PBF, algumas famílias possuem somente com a renda do PBF, como única fonte de renda. Questionados sobre as lutas e resistências os moradores de ambas as comunidades dis-seram não ter passado por esses processos, relataram que a luta deles é pela regularização do território. Ressalta-se que, foi amplamente explicado o conceito de lutas e resistências.

“A nossa luta é pela terra, pelo território, foi um processo muito fácil a parte do reconhecimento, mesmo sem entender o que era ser quilombola o processo de aceitação foi muito tranquilo. A Assistente Social veio na comunidade, nas duas, reuniu os moradores e explicou sobre o reconhecimento dos quilombo-las. Na época eu era presidente de associação, ajudei na articulação. Depois Aderval veio, ele é de Brasília, é antropólogo, fez as reuniões com o pessoal, fez umas perguntas, muitas perguntas bem na verdade, aí ele orientou a gente o que fazer. Disse que tinha muitos anos que trabalhava com comunidades quilombolas e nem sabia da existência de Campos e Brutiá. Daí fi zemos o documento e enviamos para Palmares, nos autodefi nindo como quilombolas, logo veio a certifi cação. A nossa luta agora é pela demarcação do território. Fora isso, é tudo tranquilo.” (Entrevistado 1, 36 anos – morador de Cam-pos)“Luta, luta mesmo, num tem não. Na verdade num sei como funciona, mais a gente tá esperando o reconhecimento do território. A senhora sabe como funciona?” (Entrevistado 2, 60 anos – Morador do Brutiá) “Já que entrou nesse assunto de luta, eu também concordo que é bem tranqui-lo, na verdade a gente nem sabe direito como funciona as coisas, geralmente somos nós por nós, não temos muito apoio. Aliás, isso é uma luta, luta por apoio, acho que a gente precisa de apoio. A questão do território eu lembro que Aderval falou de um tal de relatório, mas nem sei o que relatório é esse.” (Entrevistado 3, 63 anos – morador de Campos) “Esse trabalho que a senhora tá fazendo é muito bom. Ajuda a senhora e ajuda todos nós da comunidade. Tem coisas aí que a senhora falou e eu nem sabia direito como é. Acho que nós vai aprender direitinho com o trabalho da senhora, a gente vai começar lutar e resistir de agora em diante. Avante!”

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(Risos) (Entrevistado 4, 59 anos – morador da comunidade de Brutiá)“A senhora bem que podia trabaiá aqui com nós. Ia ensinar tanta coisa.” (Entrevistado 1, 74 anos - Morador do Brutiá)

Indagados sobre os avanços que as comunidades adquiriram a partir do reconhecimento, as respostas foram as seguintes:

“Bastante, bastante mesmo. Teve as escolas quilombola, a construção das ca-sinha, essas casinha que a senhora vê aqui, do governo, sabe?! Caixa d’água também foi por causa da comunidade. De vez em quando aparece essas coisi-nha do governo.” (Entrevistado 2, 69 anos – morador de Campos)“Avanços... Sim, teve avanço, a construção das escolas quilombolas, apesar da escola daqui do Brutiá ter fechado, tem também as casa do governo, cons-trução de banheiro, caixa d’água, poço artesiano. Vixx, tem bastante coisa adquirida através da comunidade quilombola. Eu mesmo, quando era presi-dente de associação e tava mexendo com esse processo de reconhecimento eu participei de bastante reunião, até ne Brasília eu fui junto com o pessoal da Prefeitura, eu não lembro, mais acho que era algum evento de quilombola, lembro que teve Folia de Reis, isso também é avanço, né, eu chegava e passa-va tudinho pro pessoal.” (Entrevistado 2, 60 anos – Morador do Brutiá)“Teve muito avanço, sim. Quase tudo que conseguimos foi por causa da co-munidade levar o nome de quilombola. Além da escola, das casas, banheiros e outras coisas que foi falado, uma coisa que eu considero um avanço é que desde 2014 a gente deixou de ser Associação dos Pequenos Produtores Ru-rais, passou a ser Associação dos Quilombolas e Agricultores, isso é muito bom. As vezes também tem capacitação, eu já participei de muitas, já fui em Brasília, em reunião do CAA em Montes Claros, reunião da Pastoral da Ter-ra, do Sindicato de Porteirinha, de vez em quando sai uma capacitação boa e antes a gente não tinha nada disso, nem conhecido a gente era.” (Entrevista-do 1, 36 anos – morador de Campos)

Assim, mediante tudo o que foi proposto, foi possível perceber que as comunidades precisam de incentivo e apoio para continuar se desenvolvendo, é preciso trabalhar a identi-dade, a cultura e o processo de territorialização. É preciso traçar estratégias intersetoriais para fortalecer as comunidades, para que as mesmas não deixem as marcas se apagar com o passar do tempo, pois, os moradores de ambas as comunidades precisam de apoio do município para se fortalecer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa experiência no presente trabalho buscou conhecer e compreender os processos de reconhecimento, trajetória e avanços das comunidades quilombolas de Brutiá e Campos, pauta-mos a nossa observação no individual e no coletivo, analisando através do trabalho de campo e dos relatos as diversas etapas das comunidades, entendendo-as como um processo complexo e demorado. Compreendemos que apesar de todas as difi culdades, sejam elas fi nanceiras ou de aces-so aso serviços públicos, as famílias que ainda residem nas comunidades não tem a intenção de deixarem o local. Algumas famílias que moravam nas comunidades, mas por vários moti-vos passaram a residir na zona urbana, possuem uma estreita ligação com a comunidade, se identifi cam como remanescentes de quilombos, são membros das associações e alguns desses,

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diariamente vão à comunidade. Nesse sentido, foi possível perceber que o indivíduo que se reconhece como remanescente de quilombo, reconhece não somente o espaço e o território em que encontra-se inserido, mas ele carrega consigo toda a sua trajetória, identidade, cultura e an-cestralidade, defi nindo- o como remanescente de quilombo, inclusive, um número signifi cante de quilombolas que hoje residem na zona urbana, participaram da ofi cina e afi rmaram que são quilombolas independente do local onde residem.

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