COMUNIDADES CAMPONESAS E DESENVOLVIMENTO: … · Resumo O desenvolvimento do Estado brasileiro teve...
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COMUNIDADES CAMPONESAS E DESENVOLVIMENTO: TERRITÓRIOS EM CONFLITO
Gisele Silva Rodrigues
Universidade Federal de Goiás - UFG / Campus Catalão Membro do Núcleo de Pesquisa Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais
Marcelo Rodrigues Mendonça Universidade Federal de Goiás – UFG / Campus Catalão
Coordenador do Núcleo de Pesquisa Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais [email protected]
Resumo O desenvolvimento do Estado brasileiro teve como pressuposto ser o único caminho para o conjunto da sociedade, e a modernização traria melhorias e progresso. Para compreendermos essa questão é necessário retomar a reflexão sobre as políticas desenvolvimentistas, cuja modernização territorializou-se legitimada por um processo ideológico de desqualificar tudo e todos que não fossem modernos. As Comunidades Camponesas, historicamente, foram consideradas espaços que deveriam se modificar visando assegurar as condições de geração e produção do lucro. Para isso foram criadas políticas públicas para que adquirissem novos hábitos, comportamentos e valores, visando torná-las consumidoras e produtoras, ou seja, inserí-las de forma subordinada no mercado. Este artigo faz uma reflexão sobre as ações desenvolvimentistas e as transformações socioespaciais a partir da implementação das políticas públicas modernas nas Comunidades Camponesas. Palavras-chave: Desenvolvimento. Comunidades Camponesas. Transformações Socioespaciais.
Introdução
Este artigo constitui-se parte das reflexões elaboradas no Trabalho de Conclusão do
Curso de Geografia na Universidade Federal de Goiás/Campus Catalão, intitulado
Comunidade e Desenvolvimento: as transformações socioespaciais na Comunidade
Cisterna em Catalão (GO), desenvolvida em 2011. Pretende-se retomar essas reflexões,
abordando sobre Comunidade, com ênfase sobre as políticas públicas
desenvolvimentistas, cuja modernização territorializou-se legitimada por um processo
ideológico de desqualificar tudo e todos que não fossem modernos. A ideia era que o
campo se encontrava em persistente desvantagem, afetado por múltiplas deficiências, e
que por isso seria necessário a adoção do planejamento racional, que só assim,
conseguiria incorporá-lo à trilha de desenvolvimento, a partir dos modelos
implementados pelos países desenvolvidos.
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As Comunidades, historicamente, tiveram que se transformar e esses espaços passaram
a ter novos usos e, consequentemente, configurar territórios com diferentes interesses.
Nas Comunidades Camponesas foram criados mecanismos para que os camponeses e
trabalhadores da terra adquirissem novos hábitos, comportamentos e valores, visando
torná-los produtores e consumidores. É como se os espaços desses sujeitos
contrariassem a ordem da sociedade e, portanto, deveriam ser modificados.
Essas questões orientaram as reflexões desse estudo, cujo objetivo é analisar o sentido
de Comunidade, ressaltando as transformações nas Comunidades Camponesas e a forma
com que o desenvolvimento do Estado impõe tais transformações. Também elaboramos
uma reflexão à forma como a modernidade é produzida na sociedade e,
consequentemente, nas Comunidades Camponesas, por meio de interpretações do
tradicional/moderno, modernidade/arcaico, como se as complexas transformações
socioespaciais pudessem ser enquadradas desta forma.
Metodologia da pesquisa: entre (in)certezas e avanços na leitura da realidade
Para o desenvolvimento de uma pesquisa de natureza geográfica as escolhas teóricas-
metodológicas nos revela o caminho percorrido ao longo de sua construção. A busca
por um referencial teórico que abrangesse a proposta desta pesquisa permeou as
reflexões, com atenção e questionamentos. A grande disponibilidade de bibliografia
referente ao campo brasileiro revela a validade das bases teóricas-metodológicas
utilizadas para fundamentar as análises dessa temática. Por outro lado, as novas
configurações do espaço nos coloca um desafio de interligar ao debate atual novas
perspectivas de modo a reconhecer que o contexto vivenciado tem elementos novos a
serem indagados.
Propõe-se trazer para esta reflexão concepções teóricas que permeiam as abordagens
feitas por autores que tratam dessa temática. Luna (2005, p. 83), destaca que “uma
revisão teórica, em geral, tem o objetivo de circunscrever um dado problema de
pesquisa dentro de um quadro de referência teórico que pretende explicá-lo”. Nesse
sentido, apoia-se em autores que subsidiam a problemática levantada.
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O conceito de Comunidade: uma análise a partir do território
Do ponto de vista de uma análise que difere o conceito de Comunidade e Sociedade, as
reflexões de Buber¹ (1987) aborda a obra do sociólogo alemão Ferdinand Toennies
(Gemeinschaft und Gesellshaft), a qual evidencia que a principal diferença entre
Comunidade (Gemeinschaft) e Sociedade ou Associação (Gesellschaft) está na
existência de dois tipos de vontade: a primeira que é integral, baseada em harmonia e
laços sanguíneos; e a segunda racional, cuja lei do mercado domina. Para Toennies, a
Comunidade foi historicamente substituída pela Sociedade.
No entanto, Buber rejeita esse fatalismo histórico de Toennies, cuja Comunidade não
mais existe. Sua abordagem trata-se, pois, de uma concepção que Comunidades
baseadas em laços sanguíneos e seguidores de tradições são apenas um dos tipos de
Comunidade, que ele denomina de a antiga Comunidade. Nesse sentido, a sociedade,
regulada pelo princípio da racionalidade, origina uma nova Comunidade, que não seja
baseada em ligações consanguíneas.
Para o sociólogo Florentan Fernandes (1973), a Comunidade, historicamente, era uma
expressão baseada na unidade da vida em comum de um povo. Porém, essa vida em
comum sofreu profundas transformações,
[...] em face da crescente mecanização da vida, no provincianismo nacional e cultural, da segmentação mais completa da vida e da divisão mais minuciosa do trabalho [...] Na transição de um tipo de organização social baseada em parentesco, status e imperfeita divisão de trabalho, para um tipo de organização social caracterizada por célere desenvolvimento tecnológico, mobilidade, aparecimento de grupos com interesses especiais e por um controle social formal, a comunidade adquiriu novo sentido e pôs a descoberto novos problemas. (FERNANDES, 1973, p. 86).
A Comunidade tradicional, nesse sentido, sofreu influências da sociedade, que está no
contraste entre o parentesco e o território, entre sentimentos e interesses, entre status e
contratos e entre costumes e leis. Buber (1987) utiliza-se desses argumentos para
ressaltar a diferença entre Comunidade e Sociedade, para isso denuncia sobre a
educação comunitária, a qual ressalta que é concebida em termos de um adestramento
dos sujeitos para cumprir seu papel na sociedade, no Estado, no partido ou em qualquer
forma de organização social.
Florestan Fernandes (1973), ressalta que Comunidade é essencialmente ligada ao solo,
no sentido de que os indivíduos vivem permanentemente numa dada área, têm
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consciência de pertencer tanto ao grupo como ao lugar e funcionam conjuntamente nos
princípios da vida. A relação é considerada sempre em relação ao meio físico. Essa
concepção é corroborada por Buber (1987) que conceitua Comunidade por uma ligação
que se desenvolveu mantida internamente por propriedade comum (sobretudo de terra),
por trabalho, costumes e fé comum. Para o autor, Comunidade e personalidade são
vistos como conceitos polares, e são definidos um em função do outro, como uma
associação orgânica de personalidades definidas a partir do relacionamento.
Percebe-se que o espaço geográfico, nesse sentido, caracterizado pela Comunidade, em
diferentes tempos, reflete as concepções que influenciam o pensar e o agir da sociedade,
deixando-se revelar pelas formas assumidas por seus objetos geográficos, sendo estes
expressões da cultura, da economia e da política. Portanto, o espaço geográfico
transcende a concepção de união entre os fatores naturais e artificiais, para tornar-se
espaço social. (SANTOS, 1985).
É válido lembrar que no começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía
seu espaço de vida com as técnicas que inventava para tirar da natureza os elementos
indispensáveis à sua própria sobrevivência. Para Santos (1994) organizando a produção,
organizava a vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças,
necessidades e desejos. No entanto, pouco a pouco esse esquema se foi desfazendo: “as
necessidades de comércio entre coletividades introduziam nexos novos e também
desejos e necessidades e a organização da sociedade e do espaço tinha de se fazer
segundo parâmetros estranhos às necessidades íntimas ao grupo”. (SANTOS, 1994, p.
18).
O espaço só pode ser entendido a partir da relação entre as necessidades humanas e os
recursos naturais que estabelece e cria e recria usos da terra. Os homens, ao se
apropriarem da natureza, o fazem de acordo com determinadas formas de produção, e
formam distintos territórios. Se o espaço é produzido a partir das relações sociais de
produção, ele não é diminuído ou suplantado, mas sim transformado na medida em que
se renovam os instrumentos e as relações de produção. Por isso o espaço, ao mesmo
tempo em que é produto da relação do homem com o meio, também expressa relações
de poder e essas constituem territórios.
Percebe-se que as Comunidades Camponesas tinham, em outros tempos, meios de uso
da terra conforme os interesses da coletividade. Wood (2001), afirma que entre os
séculos XVI e XVII houve uma pressão contínua para a extinção das terras comunais,
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ou seja, para transformar a terra comunal em particular, em propriedade privada. Assim,
as relações sociais de produção e de trabalho passam a ser submetidas aos padrões da
acumulação, da competição e do lucro, que modificam as relações de propriedade na
Inglaterra.
Acerca da origem do capitalismo, Wood (2001) afirma a tese de que o capitalismo surge
no campo inglês no século XVII, e argumenta que a França permanecia um país de
camponeses proprietários. Na Inglaterra a terra estava concentrada em poucas mãos e a
massa dos sem-propriedade estava crescendo rapidamente. Enquanto a França ainda
seguia as práticas camponesas tradicionais (não utilizava a ética do melhoramento2), os
fazendeiros ingleses estavam respondendo aos imperativos da competição e da
maximização do lucro mediante o estímulo aos arrendamentos.
O melhoramento significou algo mais do que novos métodos e técnicas de cultivo.
Significou novas formas e concepções de propriedade. Isso implicou na expropriação de
camponeses através dos cercamentos que representou a privatização das terras
comunais. Isso desencadeou conflitos na Inglaterra, revoltas por causa dos cercamentos.
Expulsos pelos cercamentos, essas populações foram para as áreas urbanas em
crescimento, servindo como força de trabalho para as atividades nas fábricas. Assim,
esse processo deve ser compreendido enquanto novas relações entre as classes e,
consequentemente, a produção de diferentes territórios marcados pela exploração.
Sobre o desenvolvimento do capitalismo Rosa Luxemburgo (1985) em sua obra A
acumulação do capital afirma que,
[...] o capitalismo vem ao mundo e se desenvolve historicamente em meio social não-capitalista. Nos países da Europa ocidental ele se desenvolve inicialmente no meio feudal, o que lhe comunica sua forma primitiva [...] após a queda do feudalismo, terá por ambiente o meio camponês-artesanal, ou seja, o meio da produção simples, de cunho mercantil, ou seja, o meio da produção simples, de cunho mercantil, seja agrícola, seja artesanal [...] É esse o meio em que prossegue a marcha do processo capitalista de acumulação (LUXEMBURGO, 1985, p. 253).
Luxemburgo (1985) afirma que para desenvolver o capitalismo necessita de um meio
ambiente constituído de formas não-capitalistas de produção. Necessita-se de camadas
sociais não-capitalistas como mercado, para colocar sua mais-valia, delas necessita
como fontes de aquisição de seus meios de produção e como reservatório de força de
trabalho para seu sistema salarial. É necessário no sistema capitalista a presença do
campesinato, caso contrário chegaria ao seu fim. E é a partir daí que se pode justificar a
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presença (do campesinato) nos dias atuais, inclusive integrando-se e/ou sendo útil ao
sistema.
Do ponto de vista da expansão territorial, as transformações que ocorreram/ocorrem nas
Comunidades Camponesas podem ser analisadas a partir da modernidade, que possui
dois sentidos principais: um que envolve a infraestrutura econômica, a base técnica e os
meios de produção; e outro que envolve os aspectos políticos e ideológicos. A
modernidade, nesse sentido, é abrangente, já que está relacionada a um conjunto de
transformações que se processam nos meios de produção, mas também na estrutura
econômica, política e cultural de um território. Nesse sentido, a modernidade3 é a era da
racionalidade, da tecnocracia e, portanto, do controle social. (HAESBAERT, 2006).
Outro conceito que iremos utilizar é o de desenvolvimento, que representa a síntese da
dominação da natureza, e também da natureza humana, pois nos afasta da natureza e nos
coloca diante de constructos humanos. Portanto, a ação do desenvolvimento nas
Comunidades Camponesas tem o intuito de negar os saberes de homens e mulheres
cujos territórios representam vida e construir territórios marcados pelo poder, impondo
novas formas de trabalho, valores e relações sociais.
O desenvolvimento adotado no Brasil
Diante das reflexões acerca do conceito de Comunidade, considerando as
transformações espaciais nas Comunidades Camponesas, é necessário ressaltar o
modelo de desenvolvimento adotado no Brasil. Isto porque, a ação dos órgãos públicos
responsáveis pelo desenvolvimento das áreas rurais evidencia o contexto em que o
território é usado como instrumento de controle social para subordinar Comunidades
Camponesas aos modelos de desenvolvimento apresentados pelo Estado.
O desenvolvimento territorial, institucionalizado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) após a II Guerra Mundial, foi postulado num momento histórico em que as
grandes potências lideradas pelos Estados Unidos da América (EUA) e União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) deflagram a chamada Guerra Fria pela
conquista do primado político, econômico e ideológico de um mundo teoricamente
bipolarizado. Assim, originou-se a corrida armamentista.
A expansão do socialismo e o fortalecimento da URSS, juntamente com a Revolução
Cubana (1959) liderada por Fidel Castro, demonstrava que os EUA perdia o controle
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sobre os países latino-americanos. Nesse momento histórico, a ONU tinha o intuito de
preservar a paz e a segurança no mundo, promovendo a cooperação internacional e
resolvendo problemas econômicos, sociais e culturais que impediam o crescimento das
nações. Assim, a ONU, influenciada pelo modelo norte americano, começou a buscar
estratégias, na tentativa de garantir a ordem social dos regimes e impedir a propagação
comunista.
O argumento utilizado para estabelecer as políticas territoriais no campo foi de que a
pobreza era um entrave e uma ameaça para as populações pobres, e na luta ideológica,
os povos famintos possuíam mais receptividade para a propaganda comunista. Assim,
em 1940 no Brasil, as políticas de desenvolvimento territorial partiram de um convênio
entre o Ministério da Agricultura e o governo norte-americano, em que os EUA
colocariam seus técnicos para assessorar a comissão dos programas nas áreas rurais e,
também, a preparação de técnicos brasileiros nos EUA.
O amplo apoio que o governo brasileiro ofereceu ao desenvolvimento territorial foi
justificado pelos pontos críticos da urbanização acelerada que o país passava, com a
formação de grandes periferias, cuja intervenção do Estado partiu dos problemas
urbanos já agravados. Assim, havia uma exigência de novas políticas de gestão do
território como um todo, tanto a nível nacional quanto regional, que permitisse um novo
modelo de acumulação e de participação na economia internacional.
Nesse contexto, as áreas rurais foram um dos principais alvos da intervenção estatal,
visto que, era nessas regiões onde se encontravam populações que eram consideradas
atrasadas e responsáveis pelo atraso econômico do país. Em 1945, o acordo firmado
entre os governos brasileiro e norte-americano era uma forma de cooperação sobre a
educação rural, que devia preparar mais diretamente a entrada do desenvolvimento no
país.
O acordo propôs estabelecer uma maior aproximação interamericana, mediante
intercâmbio intensivo de educação, ideias e métodos pedagógicos entre os dois países e
resultou na criação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações
Rurais (CBAR), composta por técnicos americanos e brasileiros responsáveis pela
execução dos programas nas áreas rurais. (AMMANN, 1985). Para garantir a inserção
dos programas de desenvolvimento e, consequentemente, o domínio de territórios, foi
utilizado estratégias como a criação de Missões Rurais, tendo como recurso o rádio, o
cinema, bibliotecas e outros meios de comunicação. Essas Missões ficavam cerca de 2 a
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5 dias em cada cidade, reunindo pessoas para implantar os construtos econômicos,
políticos e culturais do urbano.
Com o intuito de abranger mais áreas rurais brasileiras as políticas desenvolvimentistas
foram intensificadas, visando adequar esses espaços a Revolução Verde. Em 1950,
inicia-se a experiência de desenvolvimento através da Missão Rural de Itaperuna (RJ),
com o intuito de assentar as bases para um programa nacional de melhoria das
condições de vida econômica e social das áreas agrícolas. (AMMANN, 1985).
Posteriormente, surge em 1952 a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) do
Ministério de Educação, a qual inaugurou em nível nacional, um Programa de Educação
de Jovens e Adultos para capacitar profissionais para a atuação junto às Comunidades.
Para reforçar os argumentos utilizados para o desenvolvimento rural, criou-se uma
predicação negativa para as populações do campo. Segundo Martins (1975), o homem
rural é visto como ignorante, magro, sujo e rotineiro. Esse estereótipo negativo coloca
no cerne a ideologia da urbanização, pela negação do rural. O Jeca Tatu ou o caipira
preguiçoso, por exemplo, foram termos criados para mostrar a importância do
fazendeiro rico sobrepondo o urbano no rural. Desse modo, “[...] os agentes da inovação
só a concebem como projeção das virtudes urbanas (simbolizadas pela máquina e pela
técnica “moderna”) sobre a sociedade agrária.” (MARTINS, 1975, p. 27).
Nas Comunidades Camponesas, foram criados os centros comunitários, sob a orientação
da igreja católica, ficando a sua institucionalização e respaldo a cargo da CNER. Nos
centros comunitários, ocorriam as reuniões com as missões rurais e a Comunidade
Camponesa. (AMMANN, 1985). Eram compostas por agrônomos, médicos e assistentes
sociais. Percorriam cidades, reunindo agricultores, donas de casa e jovens, ministrando
aulas de higiene, alimentação, técnicas agrícolas, enfermagem, trabalhos manuais e
outros.
O plano de desenvolvimento do governo de Juscelino Kubitschek (JK) com o objetivo
de eliminar a pobreza, viu a necessidade de uma ampla reforma no sistema educacional
estímulando a emergência de novos setores da economia. Assim, de 5 a 8 de julho de
1960 foi realizado no Rio de Janeiro, o Seminário Nacional sobre Ciências Sociais e o
Desenvolvimento de Comunidades no Brasil. Esse Seminário foi resultado de um
convênio firmado entre o Serviço Social Rural (SSR) e a Missão Norte-Americana de
Cooperação Técnica no Brasil, a qual teve a participação de técnicos desses dois
segmentos.
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Para Ammann (1985) o Seminário mostrou que os discursos dos técnicos tinha o
objetivo de fazer uma reforma estrutural no campo que contasse com a participação das
camadas populares. Essas medidas receberam total apoio do regime populista. Os
principais objetivos do Seminário era aumentar o número de cientistas para os
programas de desenvolvimento rural no Brasil; dar aos técnicos preparo mais adequado
em Ciências Sociais e demais disciplinas relacionadas com o trabalho em programas
dessa natureza; promover maior entrosamento entre institutos de pesquisa social e
entidades que realizavam programas de desenvolvimento rural, a fim de que as
atividades de ensino e investigação tivessem articulação com as necessidades desse
programa.
No governo João Goulart, o Brasil passou por uma crise política, principalmente devido
à renúncia do presidente Jânio Quadros (recém empossado), o que agravou, ainda mais,
os problemas econômicos deixados pelo Governo JK (dívida externa e elevada
inflação). Neste momento, houve a promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural4. O
Estatudo do Trabalhador Rural trouxe resultados inesperados para os trabalhadores do
campo porque durante o processo em que se efetivou não houve uma discussão para que
este pudesse ser melhorado, de modo a atender as expectativas e necessidades daqueles
que sentiriam diretamente seus efeitos. Os desdobramentos do Estatuto do Trabalhador
Rural acabaram por colocar a intensificação do contrato por empreitada e/ou o contrato
diário, utilizando em massa o trabalho temporário, justificando a expulsão dos
camponeses e dos trabalhadores da terra e piorando as condições de existência para a
maioria desses trabalhadores. (MENDONÇA, 2004).
Por outro lado, o Estatuto da Terra aprovado em 30/11/1964 passou a ser instrumento
dos latifundiários para assegurar a expansão controlada do capitalismo no campo
brasileiro, pois facilitou e estimulou a apropriação da terra pelas empresas rurais. Isso
ocorreu devido à própria constituição do que seriam os propósitos da Ditadura Militar,
pensada e articulada sob forte intervenção das oligarquias agrárias. Os conteúdos
políticos e econômicos adotados reforçaram, entre outras fatores, o latifúndio e as
empresas privadas nacionais e internacionais por meio da monopolização da
propriedade ou exploração da terra, além de favorecer a entrada no país de capital
estrangeiro.
O Estatudo da Terra trouxe as condições necessárias à expansão do latifúndio. Ao
retratar o histórico de violência no campo brasileiro, Oliveira (1989, p. 31) destaca que
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“[...] uma das bandeiras do movimento militar de 64, foi a extirpação do movimento das
Ligas Camponesas e a liquidação do processo de reforma agrária deflagrada no início de
1964 pelo então presidente João Goulart.” Nessa perspectiva, as Ligas Camponesas
abordavam um território da luta pela terra e do combate ao latifúndio e, por conseguinte,
às oligarquias agrárias, movimento esse combatido com violência e sangue pelos
governos militares.
Nesse sentido, o desenvolvimento adotado pelo Estado tirou das Comunidades
Camponesas as condições próprias que lhes asseguram o envolvimento construído
historicamente. Desenvolver significa impor ações e atitudes, que, quase sempre, não
são dos interesses daqueles que sofrem essas ações, não permitindo o desenvolvimento
autônomo e voltado às necessidades dessas Comunidades Camponesas. Dessa forma, o
que ocorre é um desenvolvimento decorrente da conjuntura econômica que objetiva
transformar os territórios e inseri-los na lógica da modernidade.
Modernização da agricultura: as metamorfoses para continuar camponês
As inovações tecnológicas na agricultura, que depois se convencionou chamar de
Revolução Verde, ocorreram através de resultados de pesquisas e experimentos
realizados por cientistas, contratados pela Fundação Rockfeller, no México. A
American Internacional Association (AIA) criou, após visita de seu criador Nelson
Rockefeller ao Brasil, a Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) em Minas
Gerais. Segundo Brum (1988), por influência da Fundação Rockefeller, na década de
1950 foi criada, em Minas Gerais, a Associação de Crédito e Assistência Rural –
ACAR, com o objetivo de orientar e estimular a implantação de novas técnicas de
cultivo entre os camponeses e os produtores rurais. Logo após, organismos idênticos
foram criados em outros Estados, entre eles a Associação Sulina de Crédito e
Assistência Rural – ASCAR, no Rio Grande do Sul.
Teve-se a iniciativa de um grupo econômico privado, que obteve logo em seguida o
apoio e a participação de órgãos do governo dos EUA. Na medida em que ocorria
avanços, o governo brasileiro foi assumindo progressiva responsabilidade na sua
implantação. Assim, “[...] os interesses das corporações transnacionais vão sendo
assumidos como objetivos nacionais pelos países dependentes.” (BRUM, 1988, p. 46).
Neste período também ocorreu uma rearticulação da estratégia da produção de
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alimentos no mundo, sob a influência das corporações transnacionais. Para Brum (1988,
p. 47), três fatores principais se combinaram nessa nova fase: “a difusão da ‘Revolução
Verde’ a nível mundial, a mudança da política de exportação de cereais do governo
norte-americano e a internacionalização da pesquisa agrícola.”
Desde o início do século XX, os EUA já haviam testado esse modelo de produção
agrícola na Índia5. Já no Brasil, esse processo ficou conhecido como Revolução Verde.
Enquanto um conjunto de métodos e técnicas modernas, baseava-se nos avanços da
indústria química (agrotóxicos, insumos, fertilizantes) e metal-mecânica (tratores,
colheitadeiras, plantadeiras, implementos etc). Para Graziano Neto (1985), a Revolução
Verde causou fome, problemas ambientais e mais miséria, pois somente os grandes
produtores tiveram condições de aplicar todo o pacote tecnológico que acompanhava as
sementes milagrosas desenvolvidas nos centros de pesquisa.
O grande impulso dado à Revolução Verde foi baseado na política de exportação de
cereais, introduzida pelo governo norte-americano chefiado pelo então presidente
Lindon Johnson, através de novas variedades de trigo, arroz e milho, mais produtivas.
Segundo Brum (1988), a internacionalização da pesquisa agrícola processou-se através
da criação de centros internacionais de pesquisa, com atuação acima das fronteiras
nacionais dos países. Dessa maneira, “[...] tais centros foram criados em áreas e países
estratégicos, de modo a cobrir as diferentes regiões do planeta, e voltados a pesquisas
relacionadas com determinados produtos agrícolas, de acordo com os interesses e
orientação das grandes corporações.” (BRUM, 1988, p. 47).
Como forma de inserir o Brasil na vanguarda da modernização e articular o país,
atrasado em relação à pesquisa agrícola, foi criada, no início de 1970, a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecupária (EMBRAPA), e o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), cujo objetivo era modernizar a agricultura,
especialmente na região de Cerrado, tornando-a uma nova área de fronteira agrícola,
através da inserção de novas culturas adaptadas às condições climáticas e ao solo da
região.
Segundo Brum (1988), a atuação da EMBRAPA acabou sendo influenciada pelos
centros internacionais, pois estes ocuparam posição de vanguarda nas pesquisas. A
articulação com as organizações nacionais levaram-nas, de forma hábil e sutil, através
do fornecimento de subsídios e recomendações de técnicos, dentro de um trabalho
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integrado em que os centros internacionais se constituíram o cérebro de comando,
sempre inspirados nos interesses das corporações transnacionais.
A Revolução Verde incentivou o cultivo de monoculturas que se destinam ao mercado
externo, não sendo a produção direcionada ao sustento alimentar da população
produtora, criando a dissociação entre plantar e comer. Esse problema é consequência
do desvio da produção, ou seja, os alimentos produzidos em países considerados
subdesenvolvidos não atendem, em muitos casos, ao mercado interno e sim ao mercado
externo, especialmente, as demandas dos países desenvolvidos.
No Brasil, as reflexões de Josué de Castro são consideradas marcos na análise sobre a
fome, salientando, nos diversos debates suscitados por ele, as perspectivas políticas da
fome e da produção de alimentos. É pouco conveniente, entre os povos bem
alimentados, discutir a fome dos menos abastados e acrescenta que a fome tem sido,
através dos tempos, a mais perigosa força política. (CASTRO, 1984). Nesse sentido, a
população camponesa luta, secularmente, contra as grandes propriedades, que,
conivente com o Estado, concentra renda e terras gerando fome e pobreza.
A denominação de moderno, segundo Martins (1975), passa a ser compreendida como
modificação do rural pelo abandono de práticas rotineiras por produtos químicos
oriundos do complexo industrial-militar, visando despovoar áreas inteiras que, não
tendo mais mercados suficientes, são melhorados para intensificar a Revolução Verde,
sendo disponibilizados para a indústria civil. Percebe-se que a agricultura deixa de ser
considerada como um elemento constitutivo da cultura dos camponeses, e de seus
modos de vida, transformando-se em uma profissão, ao passo que ao serem induzidos a
assimilarem os pacotes tecnológicos da modernização da agricultura, os camponeses
tornam-se cada vez mais atrelados ao capital agroindustrial e financeiro, ou seja, ao
sistema capitalista.
Vale ressaltar que autores como Shanin (2008) propõe que o campesinato, por ser
resultado do próprio capitalismo, se cria e recria constantemente. Segue essa corrente,
no Brasil, autores como Oliveira (1990, 1991), Fernandes (2008), Mesquita (1993,
2001) e Mendonça (1998, 2004) que defendem a (re)criação do campesinato no interior
do capitalismo, como forma de contestação à lógica hegemônica estabelecida no campo.
Apesar de que os camponeses representam um obstáculo para a modernização, pois não
estão inseridos no contexto da Revolução Verde, todavia estão inseridos sob diferentes
formas às suas determinações. Assim, o camponês é, ao mesmo tempo, produto e
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negação do capitalismo no campo. Isso quer dizer que o próprio capital cria e recria
relações não-capitalistas de produção. (OLIVEIRA, 1990).
A década de 1970 é caracterizada por forte concentração urbana, consequência da
migração campo-cidade, que se acentuou devido ao desenvolvimento industrial. Os
Planos Nacionais de Desenvolvimento6 (PND) foi ponto forte do processo político.
Estes estiveram presentes na economia nacional entre 1970 e 1980 e foram projetados
em três etapas, sendo que somente as duas primeiras tiveram pleno desenvolvimento.
Este período é marcado por uma crise global que modifica o padrão de acumulação
conforme uma nova matriz espacial. As inovações tecnológicas nos processos
produtivos, o desenvolvimento das telecomunicações, o acirramento da concorrência
internacional e o crescente papel do capital fictício (financeirização) na acumulação
capitalista combinaram-se também com uma distinta atuação dos grandes grupos
transnacionais em escala global. Na formação dos territórios, a estruturação em redes
estabeleceu outra hierarquia entre os países capitalistas, sobretudo, aumentando o poder
dos que dominam as novas tecnologias de reprodução do capital.
Em 1977 foi reestruturado e dinamizado o sistema nacional de assistência técnica e
extensão rural através da criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMBRATER) vinculada ao Ministério da Agricultura. (BRUM, 1988).
O sistema se completa, estendendo-se aos diversos Estados, através da criação, em cada
um deles, da sua respectiva Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
(EMATER) que ficou encarregada do desenvolvimento territorial, de forma localizada.
Sua criação fez parte de uma estratégia do Estado no sentido de criar mecanismos para
acelerar a chamada modernização da agricultura.
Percebe-se que a ação do Estado sobre a agricultura, através de políticas
desenvolvimentistas, tornaram-se mais frequentes a partir do momento em que o
governo, representante legal do povo, viu a necessidade de encontrar saídas para que o
capital pudesse circular de forma plena pelo território nacional. Nesse contexto, o
campo assume papel de destaque, posto como lugar a ser desenvolvido, razão do atraso
econômico do país e, portanto, deveria se modernizar visando inserção no mercado
econômico mundial.
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Considerações finais
Todo o período emblemático do ponto de vista das transformações que ocorreram nas
Comunidades Camponesas, historicamente, teve consequências socioespaciais. Mas o
preço a pagar por essas consequências é ocultado por meio da justificativa que os
espaços camponeses contrariam a ordem lucrativa da sociedade e, por isso, deviam ser
modificados (novas formas de produção, trabalho, hábitos, valores), modernizados.
Como um processo contínuo de afirmação do novo, mas também de sua
negação/superação, os camponeses necessitam se modernizar.
A reflexão desenvolvida também ressaltou que o conceito de Comunidade apesar da
própria palavra trazer o sentido de algo em comum entre os sujeitos, o processo
histórico de transformação ocorrido na sociedade capitalista evidencia que esses espaços
sofreram intensas modificações, cujo espaço passou a ter novos usos, com diferentes
interesses dentro de uma mesma Comunidade. O território passa a configurar sob a
hegemonia do Estado, se espacializando para além dos limites políticos, mas
principalmente nas relações sociais estabelecidas. Portanto, o conceito de Comunidade
requer uma reflexão que perpassa pelo conflito, considerando a luta de classes e a
compreensão de que os camponeses e trabalhadores da terra compõem o universo da
classe tabalhadora ampliada.
Nas Comunidades Camponesas isso é determinado por relações de poder que
influenciam na construção de territórios modernos, nos territórios considerados como
atrasados ou de extrema pobreza. Para isso, outro conceito abordado neste artigo foi o
de desenvolvimento, que nas últimas décadas representa a necessidade dos territórios se
desenvolverem, modernizarem. Isso se tornou presente desde a época da Revolução
Verde quando a colonização do rural pelo discurso do desenvolvimento se faz mais
intensa. Nesse momento, o rural é o lugar do atraso. Posteriormente, a representação do
rural muda, pois é quando se intensifica as políticas de desenvolvimento, cujo público
alvo é o camponês e tentam incorporá-lo ao mercado, como produtor e como
consumidor.
O desenvolvimento do Estado, tira das Comunidades Camponesas as condições próprias
que lhes asseguram o envolvimento construído historicamente. Desenvolver significa
impor ações e atitudes, que, quase sempre, não são dos interesses daqueles que sofrem
essas ações, não permitindo o desenvolvimento autônomo e voltado às necessidades
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dessas Comunidades. O que ocorre é um desenvolvimento que visa transformar os
territórios e inseri-los na lógica da modernidade.
Na verdade, os territórios ditos como atrasados representam as contradições do tipo de
modernização que vem sendo reproduzidas nas sociedades, que segrega e produz a
miséria. Por isso se torna importante analisar as Comunidades Camponesas a partir dos
processos e das ações dos diferentes sujeitos nesses espaços, assim como superar e
verificar como o modelo de desenvolvimento (econômico) se expande e o sentido e a
forma com que é produzido.
Notas
________________ ¹Filósofo judeu, Martin Buber ressalta no decorrer do livro Sobre comunidade (1987) a possibilidade dos
homens conviverem em sociedade sem se aniquilarem; para isso defende a Comunidade. 2Não significava somente novas formas e concepções de propriedade. Para o proprietário de terras empreendedor e seu próspero capitalista arrendatário, implicava em propriedades aumentadas e concentradas. “O resultado foi um setor agrário mais produtivo do que qualquer outro na história. Latifúndios e arrendatários ficaram preocupados com o que chamaram de melhoramento – o aumento da produtividade da terra com vista ao lucro”. (WOOD, 2001, p. 88). 3 “O termo modernidade compreende uma tentativa de apreender a complexidade das mudanças sociais desencadeadas com o chamado Iluminismo racionalista europeu do século XVIII e com a Revolução Francesa”. (HAESBAERT, 2006, p. 35). Ressalta ainda que a Revolução Industrial britânica forneceu o modelo para as fábricas, rodovias, cidades, infraestrutura, emprego das técnicas dentre outros, e a Revolução Francesa forneceu o modelo político e ideológico do processo de modernização. 4 Lei n° 4.914/02/03/1963. Ver: Prado Júnior (2000). 5 Na Índia foi criado o Projeto Etawdh. 6 Segundo Inocêncio (2010), o Plano Nacional de Desenvolvimento foi um dos programas
governamentais de integração regional brasileira, do período militar brasileiro, que continha
metas direcionadas para o Cerrado.
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