Comunicacão do Presidente

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Comunicação ao País do Presidente da República Palácio de Belém, 10 de julho de 2013 Boa noite, Na semana passada, todos fomos confrontados, de forma inesperada, com uma grave crise política. Os efeitos fizeram-se sentir de imediato no aumento das taxas de juro e na deterioração da imagem externa de Portugal. Desse modo, os Portugueses puderam ter uma noção do que significa associar uma crise política à crise económica e social que o País atravessa. Num quadro desta gravidade, impõe-se que todos atuem de forma serena e ponderada, avaliando com bom senso e sentido de responsabilidade quais as soluções que, pela sua credibilidade e pela sua consistência, melhor servem o interesse nacional. Esta crise política é diferente de todas as outras que Portugal conheceu no passado. Ocorre num momento em que estamos vinculados a um exigente Programa de Assistência Financeira estabelecido com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, instituições que nos têm vindo a emprestar os recursos necessários ao financiamento do Estado. Assumimos o compromisso de pôr em prática, até junho de 2014, um conjunto de medidas visando a redução do desequilíbrio das contas públicas e a adoção das reformas que garantam a melhoria da competitividade da produção nacional. O Programa de Assistência Financeira permanece em vigor, sendo a sua execução rigorosa uma condição indispensável para a nossa credibilidade no plano externo e para a obtenção dos financiamentos de que o País precisa. Em face da perda de credibilidade e de confiança gerada pelos acontecimentos da semana passada, diversas vozes, de vários quadrantes, têm considerado que a atual crise política só poderá ser ultrapassada através da dissolução da Assembleia da República e da convocação de eleições antecipadas para finais de setembro. Ouvi os partidos políticos com representação parlamentar e os parceiros sociais, que manifestaram opiniões muito divergentes sobre esta matéria. No momento em que Portugal atravessa uma das fases mais críticas da história do seu regime democrático, é meu dever, em primeiro lugar, esclarecer os Portugueses sobre as consequências da realização de eleições antecipadas na conjuntura que vivemos. Falta menos de um ano para o fim do Programa de Ajustamento a que nos comprometemos com as instituições internacionais e que temos vindo a executar desde junho de 2011, com pesados sacrifícios para os Portugueses.

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Discurso do Presidente da república

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Comunicação ao País do Presidente da República

Palácio de Belém, 10 de julho de 2013

Boa noite,

Na semana passada, todos fomos confrontados, de forma inesperada, com uma grave crise

política. Os efeitos fizeram-se sentir de imediato no aumento das taxas de juro e na

deterioração da imagem externa de Portugal.

Desse modo, os Portugueses puderam ter uma noção do que significa associar uma crise

política à crise económica e social que o País atravessa.

Num quadro desta gravidade, impõe-se que todos atuem de forma serena e ponderada,

avaliando com bom senso e sentido de responsabilidade quais as soluções que, pela sua

credibilidade e pela sua consistência, melhor servem o interesse nacional.

Esta crise política é diferente de todas as outras que Portugal conheceu no passado. Ocorre

num momento em que estamos vinculados a um exigente Programa de Assistência Financeira

estabelecido com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, instituições que

nos têm vindo a emprestar os recursos necessários ao financiamento do Estado.

Assumimos o compromisso de pôr em prática, até junho de 2014, um conjunto de medidas

visando a redução do desequilíbrio das contas públicas e a adoção das reformas que garantam

a melhoria da competitividade da produção nacional.

O Programa de Assistência Financeira permanece em vigor, sendo a sua execução rigorosa

uma condição indispensável para a nossa credibilidade no plano externo e para a obtenção dos

financiamentos de que o País precisa.

Em face da perda de credibilidade e de confiança gerada pelos acontecimentos da semana

passada, diversas vozes, de vários quadrantes, têm considerado que a atual crise política só

poderá ser ultrapassada através da dissolução da Assembleia da República e da convocação de

eleições antecipadas para finais de setembro.

Ouvi os partidos políticos com representação parlamentar e os parceiros sociais, que

manifestaram opiniões muito divergentes sobre esta matéria.

No momento em que Portugal atravessa uma das fases mais críticas da história do seu regime

democrático, é meu dever, em primeiro lugar, esclarecer os Portugueses sobre as

consequências da realização de eleições antecipadas na conjuntura que vivemos.

Falta menos de um ano para o fim do Programa de Ajustamento a que nos comprometemos

com as instituições internacionais e que temos vindo a executar desde junho de 2011, com

pesados sacrifícios para os Portugueses.

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Iniciar agora um processo eleitoral pode significar um retrocesso naquilo que já foi conseguido

e tornar necessário um novo programa de assistência financeira. Os sacrifícios dos

Portugueses, em parte, teriam sido em vão.

Durante mais de dois meses teríamos um governo de gestão limitado na sua capacidade de

tomar medidas e de defender o interesse nacional. Nas últimas eleições para a Assembleia da

República, entre o anúncio da dissolução do Parlamento e a posse do Governo mediaram 82

dias.

Por outro lado, os Portugueses devem ter presente que a realização de eleições antecipadas,

mesmo se estas ocorressem no mês de setembro, implicaria que o Orçamento do Estado para

2014 só entrasse em vigor, na melhor das hipóteses, em finais de março do próximo ano.

O Orçamento do Estado de 2014 e o momento da sua entrada em vigor são determinantes

para que Portugal possa regressar aos mercados e obter os meios financeiros indispensáveis

ao financiamento da economia e do Estado e para encerrar com êxito o atual Programa de

Ajustamento.

A falta de Orçamento do Estado agravaria, de forma muito significativa, o risco de Portugal ter

de recorrer a um novo programa de assistência financeira. Este novo programa seria

provavelmente mais exigente e teria condições mais gravosas do que aquele que atualmente

está em vigor, com reflexos diretos – e dramáticos – no dia-a-dia das famílias. Além disso, não

há sequer a garantia de que os parlamentos nacionais dos diversos Estados europeus

aprovassem esse segundo resgate financeiro.

Existe uma outra razão, que a generalidade dos Portugueses desconhece, e que desaconselha

a realização de eleições a breve trecho. Em 2014 irão vencer-se empréstimos a médio e a

longo prazo, que contraímos no passado, no valor de 14 mil milhões de euros. Ora, um dos

nossos credores, o Fundo Monetário Internacional, impõe, nestas situações, uma regra: com

um ano de antecedência relativamente à data de vencimento dos empréstimos, o Estado

devedor tem de possuir os meios financeiros necessários para efetuar o reembolso. Em

palavras simples: Portugal tem de assegurar, nos próximos meses, a totalidade dos meios

financeiros para proceder ao pagamento dos empréstimos que se irão vencer em 2014.

Por outro lado, a realização imediata de eleições legislativas antecipadas poderia

comprometer a conclusão positiva da 8ª e da 9ª avaliações da execução do Programa,

previstas para este mês de julho e para final de setembro, o que pode conduzir à suspensão da

transferência para Portugal das parcelas dos empréstimos que nos foram concedidos.

Um cenário de eleições legislativas, no atual contexto, seria extremamente negativo para o

interesse nacional. A terem lugar proximamente, as eleições iriam processar-se num clima de

grande instabilidade financeira e seria muito elevado o grau de incerteza e a falta de confiança

dos agentes económicos e dos mercados no nosso País.

Os sinais de recuperação económica surgidos recentemente iriam regredir e o investimento,

que tão decisivo é para a retoma do crescimento e para a criação de emprego, continuaria

adiado.

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Com o acentuar da incerteza própria de um ato eleitoral nesta conjuntura, seria difícil

reconquistar a confiança dos mercados a tempo de concluir com êxito o Programa de

Ajustamento, em junho de 2014.

O risco de termos de pedir um novo resgate financeiro é considerável. No caso de um segundo

resgate, a posição de Portugal ficaria muito desvalorizada tanto na União Europeia como junto

de outros países com os quais mantemos um intenso relacionamento económico.

Além destas razões de ordem económica e financeira, existem também motivos de natureza

política que desaconselham a realização imediata de eleições antecipadas.

As eleições, se tivessem lugar já no próximo mês de setembro, processar-se-iam num clima de

grande tensão e de crispação entre as diversas forças partidárias, como os Portugueses têm

vindo a observar. Isso tornaria muito difícil a formação, após o ato eleitoral, de um governo

com consistência e solidez.

No momento atual, as eleições legislativas antecipadas comportam o sério risco de não

clarificarem a situação política e, pelo contrário, podem contribuir para a tornar ainda mais

confusa, mais precária e mais instável.

Era da maior importância que os partidos políticos adotassem, desde já, uma atitude de maior

abertura ao compromisso e ao trabalho em conjunto para a resolução dos complexos

problemas que Portugal terá de enfrentar no futuro.

Portugueses,

Tendo exposto ao País o que penso da atual situação e as razões pelas quais considero ser

indesejável a realização imediata de eleições legislativas, quero apresentar agora o meu

entendimento sobre a solução que melhor serve o interesse nacional.

No contexto das restrições de financiamento que enfrentamos, a recente crise política

mostrou, à vista de todos, que o País necessita urgentemente de um acordo de médio prazo

entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento com a União Europeia e

com o Fundo Monetário Internacional, PSD, PS e CDS.

É esse o caminho que deveremos percorrer em conjunto. Darei o meu firme apoio a esse

acordo, que, na atual conjuntura de emergência, representa verdadeiramente um

compromisso de salvação nacional. Repito: trata-se de um compromisso de salvação nacional.

O Presidente da República não pode impô-lo aos partidos, até porque um acordo desta

natureza e deste alcance só terá consistência e solidez se contar com a adesão voluntária,

firme e responsável das forças políticas envolvidas.

Terão de ser os partidos a chegar a um entendimento e a concluir que esta é a solução que

melhor serve o interesse dos Portugueses, agora e no futuro.

Com a máxima clareza e com toda a transparência, afirmo que esse compromisso deve

assentar em três pilares fundamentais.

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Primeiro, o acordo terá de estabelecer o calendário mais adequado para a realização de

eleições antecipadas. A abertura do processo conducente à realização de eleições deve

coincidir com o final do Programa de Assistência Financeira, em junho do próximo ano.

Em segundo lugar, o compromisso de salvação nacional deve envolver os três partidos que

subscreveram o Memorando de Entendimento, garantindo o apoio à tomada das medidas

necessárias para que Portugal possa regressar aos mercados logo no início de 2014 e para que

se complete com sucesso o Programa de Ajustamento a que nos comprometemos perante os

nossos credores.

A posição negocial de Portugal sairia reforçada, evitando novos e mais duros sacrifícios aos

Portugueses.

Em terceiro lugar, deverá tratar-se de um acordo de médio prazo, que assegure, desde já, que

o Governo que resulte das próximas eleições poderá contar com um compromisso entre os

três partidos que assegure a governabilidade do País, a sustentabilidade da dívida pública, o

controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de

emprego.

É essencial afastarmos do horizonte o risco de regresso a uma situação como aquela que

atualmente vivemos.

Estou consciente das dificuldades políticas de alcançar este acordo, reconheço a dimensão do

esforço que os dirigentes partidários terão de fazer, mas não tenho dúvidas de que ele

constitui a solução que melhor serve o interesse nacional e que garante, a qualquer governo,

as condições necessárias para enfrentar os problemas do País.

Desde que exista, à partida, vontade e espírito de cooperação entre os partidos que

subscreveram o Memorando de Entendimento, e desde que estes coloquem o interesse

nacional acima dos seus próprios interesses, creio que não será difícil definir o conteúdo em

concreto desse entendimento. Mais ainda, um acordo desta natureza não se reveste de grande

complexidade técnica e poderá ser alcançado com alguma celeridade, podendo recorrer-se a

uma personalidade de reconhecido prestígio que promova e facilite o diálogo.

Darei todo o apoio a esse compromisso patriótico, na convicção de que ele irá contribuir, de

modo decisivo, para a confiança externa e interna e será um fator de esperança para todos os

Portugueses.

Irei contactar de imediato os responsáveis dos partidos que subscreveram o Memorando de

Entendimento para analisarmos a solução que proponho.

Portugueses,

Chegou a hora da responsabilidade dos agentes políticos. As decisões que forem tomadas nos

próximos dias irão condicionar o futuro dos Portugueses durante vários anos.

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O que está em causa é demasiado grave e demasiado importante. A existência de um

compromisso de médio prazo é a solução que melhor serve quer o interesse nacional quer o

interesse de todos os partidos, que poderão preparar-se para o próximo ciclo político tendo

dado mostras aos Portugueses do seu sentido de responsabilidade.

Sem a existência desse acordo, encontrar-se-ão naturalmente outras soluções no quadro do

nosso sistema jurídico-constitucional.

No entanto, se esse compromisso não for alcançado, os Portugueses irão tirar as suas ilações

quanto aos agentes políticos que os governam ou que aspiram a ser governo.

Recordo que o atual Governo se encontra na plenitude das suas funções e que, nos termos da

Constituição, como disse, existirão sempre soluções para a atual crise política. Contudo, os

Portugueses devem estar conscientes de que nenhuma dessas soluções dará as mesmas

garantias de estabilidade que permitam olhar o futuro com confiança igual à da proposta que

acabo de apresentar.

Depois de tantos sacrifícios que foram obrigados a fazer, depois de terem mostrado um

admirável sentido de responsabilidade, os Portugueses têm o direito de exigir que os agentes

políticos saibam estar à altura desta hora de emergência nacional.

Acredito que as forças políticas colocarão o interesse nacional acima dos seus interesses

partidários, até porque todos estão conscientes da gravidade extrema da situação em que nos

encontramos.

Quero, por isso, terminar manifestando a minha confiança no espírito patriótico das forças

políticas e, acima de tudo, a minha esperança num futuro melhor para todos os Portugueses.

Boa noite.