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1 COMUNHÃO Revista Espírita Bimestral Propriedade da COMUNHÃO ESPÍRITA CRISTÃ DE LISBOA www.comunhaolisboa.com ANO 35 Nº 210 SETEMBRO - OUTUBRO 2016 Não aderimos ao novo acordo ortográfico Propriedade, Administração, Índice Página Redacção, Composição e Impressão : Editorial 2 Calçada do Tojal, 95, s/c Página de Kardec 5 1500-592 Lisboa Os métodos pedagógicos de Jesus 9 Telefone : 217 647 441 Fé (soneto) 14 * O que vale o Espiritismo 15 Director Responsável : Pai Nosso 18 Manuela Vasconcelos O uso do Tempo 19 * Opção errada 23 Tiragem : 150 exemplares A sós (soneto) 29 Distribuição Gratuita Páginas do Passado 30 * Na edificação da fé 34 Registo nº.211720 * Depósito Legal Nº. 13972

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    COMUNHÃO Revista Espírita Bimestral

    Propriedade da

    COMUNHÃO ESPÍRITA CRISTÃ DE LISBOA www.comunhaolisboa.com

    ANO 35 Nº 210

    SETEMBRO - OUTUBRO 2016

    Não aderimos ao novo acordo ortográfico

    Propriedade, Administração, Índice Página

    Redacção, Composição e

    Impressão :

    Editorial 2 Calçada do Tojal, 95, s/c Página de Kardec 5

    1500-592 Lisboa Os métodos pedagógicos de Jesus 9

    Telefone : 217 647 441 Fé (soneto) 14

    * O que vale o Espiritismo 15 Director Responsável : Pai Nosso 18

    Manuela Vasconcelos O uso do Tempo 19

    * Opção errada 23

    Tiragem : 150 exemplares A sós (soneto) 29

    Distribuição Gratuita Páginas do Passado 30

    * Na edificação da fé 34

    Registo nº.211720 *

    Depósito Legal Nº. 13972

    http://www.comunhaolisboa.com/

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    EDITORIAL

    Realmente, tudo o que é bom acaba depressa e pensamos

    assim em relação ao tempo, maior ou menor, em que podemos

    descontrair e passar uns dias ou semanas ‘naquelas férias’ que, por

    sistema e ansiedade, levamos os onze meses do ano a desejar que

    cheguem… mesmo quando vivemos a situação de ‘reformados’ e,

    portanto, de férias os 365 dias do ano! Mas, quando pensamos

    assim, a respeito dos reformados, muitos de nós esquecemo-nos

    que, por necessidade ou hobby, muitos deles acabaram por ter uma

    reforma em que trabalham tanto ou mais que quando estavam no

    activo!

    Pessoalmente, gostamos das férias, não por representarem

    uma época de far niente, mas pelo tempo climatérico que elas

    significam: é que nós, que dos 6 aos 45 anos vivemos em África,

    acabámos por gostar e apreciar muito mais o calor que o frio e,

    com o regresso a Portugal continental, passámos a ter 9 meses de

    frio e apenas 3 de calor! É muito pouco para quem podia usufruir

    de horas de praia em qualquer dia do ano!...

    Aqui, Setembro significa o retomar de funções – seja para

    os que trabalham ainda, seja para os que se dedicaram a ocupar o

    seu tempo de alguma maneira, para não viverem uma vida

    sedentária enquanto… a morte não chega! É verdade! Queiramos

    ou não, temos de reconhecer existirem pessoas que, depois de

    reformadas, ficaram simplesmente a verem os dias passarem sem

    os ocuparem em fazer qualquer coisa de útil… a não ser o lerem o

    jornal, quando lêem, verem a TV durante horas esquecidas e…

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    aguardarem pelo passar dos dias numa inactividade que não

    procuram quebrar, seja de que maneira for!

    E, no entanto, há tanto de útil em que esses mesmos dias

    podem ser aproveitados!

    Quando cruzamos com alguma pessoa que assim vive,

    lembramo-nos sempre de uma frase de Jesus, quando Ele disse:

    “Meu Pai trabalha até hoje e Eu trabalho também”… Pensamos –

    honestamente – pensamos que passar os dias sem qualquer espécie

    de actividade é ‘desonrarmos’ a dádiva diária que o Senhor nos vai

    fazendo, sem que a mesma seja aproveitada, e perguntamo-nos

    qual será a reacção dessas mesmas pessoas quando, no regresso ao

    mundo espiritual, tiverem de reconhecer tudo o que perderam com

    a inactividade que criaram para si próprias?!

    Já estamos em Agosto… Considerando que “o tempo passa

    a correr”, talvez seja este o momento de projectarmos o que fazer

    a partir de Setembro… Iniciativas novas… Algum estudo, - que o

    estudo pode fazer-se em qualquer idade e o saber não ocupa lugar!

    - Uma pesquisa, sobre um qualquer tema que seja mais aliciante,

    descobrindo aquilo que as páginas do Tempo ocultaram e, depois,

    com um pouco de entusiasmo e boa vontade poderá transmitir para

    todos…

    Quem quiser, realmente, poderá ‘enriquecer’ em muito o

    seu tempo, concretizando no seu dia a dia aqueles sonhos que, há

    vários anos atrás, afirmavam estarem guardados para quando a

    reforma chegasse!

    E há – para quem se preocupe com o próximo – as visitas

    aos doentes, nos hospitais, aos velhinhos, nos lares, o auxílio

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    àqueles outros que vivam sosinhos e precisem de companhia para

    uma ida ao médico, para uma tarde ao ar livre… para… para…

    Qualquer actividade será sempre mais útil que a indolência

    que leve uns e outros a ficarem sentados numa qualquer cadeira,

    aguardando que o dia se faça noite para irem dormir e, no dia

    seguinte, repetirem a mesma espera… enquanto por ‘aqui’

    andarem!

    Que nos perdoem estas palavras aqueles que acham natural

    viver-se assim mas nós, que gostamos de ser activos, pensamos

    que a actividade é ainda uma maneira de agradecermos ao Senhor

    o dia a dia que Ele nos concede, apesar de estarmos civilmente

    reformados… E se Ele nos continua a dar esses dias, não

    deveremos aproveitá-los, criando um qualquer benefício para

    eles… e para nós?!

    Talvez seja o momento de pensarem diferente, aqueles que

    tanto gastam e usam os maples que têm em casa!…

    Para os outros, os trabalhadores de qualquer idade,

    desejamos um bom recomeço de actividades a partir de

    Setembro…

    A DIRECÇÃO

    *

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    PÁGINA DE KARDEC

    Continuamos hoje com a transcrição do texto da ‘Revista

    Espírita de Maio de 1869’, com que a editora Lake inicia o livro

    «Obras Póstumas»:

    “Nascido em Lião, a 3 de Outubro de 1804, de antiga

    família que se distinguiu na magistratura e no foro, Allan Kardec

    (Léon Hippolyte Denizard Rivail) não seguiu a carreira dos

    avoengos sentindo-se, desde os verdes anos, atraído pelos estudos

    da ciência e da filosofia.

    “Matriculado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suiça),

    tornou-se um dos mais aplicados discípulos daquele eminente

    professor e um dos mais zelosos propagadores do seu sistema de

    educação, que tão grande influência exerceu na reforma dos

    estudos da Alemanha e da França.

    “Dotado de notáverl inteligência e atraído para o ensino

    por vocação e especiais aptidões, desde os 14 anos ensinava aos

    condiscípulos menos adiantados o que ia aprendendo.

    “Foi com essas explicações que se lhe desenvolveram as

    ideias, que mais tarde deveriam colocá-lo entre os homensa do

    progresso e do livre pensamento.

    “Nascido na religião católica, mas educado no

    protestantismo, serviram-lhe os actos de intolerância por que

    passou, de incentivo, em boa hora, ao pensamento de uma reforma

    religiosa, na qual tranbalhou em silêncio por dilatados anos,

    procurando alcançar o meio de unificar as crenças sem que

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    pudesse descobrir, entretanto, o elemento indispensável para a

    solução do grande problema.

    “Foi o Espiritismo que, mais tarde, lhe facultou esse meio,

    imprimindo-lhe aos trabalhos particular orientação.

    “Concluídos os estudos tornou a França; possuindo

    profundo conhecimento da língua alemã, traduziu para ela

    diferentes obras de educação e moral, entre as quais, o que é

    característico, as de Fénelon, que mui particularmente o

    seduziram.

    “Era membro de muitas sociedades científicas e, entre elas,

    a da Academia Real de Arras, que, no concurso de 1831, lhe

    coroou uma notável memória acerca da questão: Qual o sistema

    de estudos mais em harmonia com as necessidades da época?

    “De 1835 a 1840 fundou em sua casa, na Rua Sèvres,

    cursos gratuitos de fisica, química, anatomia comparada,

    astronomia, etc. – empresa digna de encómios em qualquer tempo,

    mas principalmente numa época em que bem poucos eram os

    interessados que se aventuravam por aquela senda.

    “Sempre empenhado em tornar atraentes e interessantes os

    sistemas de educação inventou, ao mesmo tempo, um método

    engenhoso para aprfender a contar e um quadro mnemónico da

    História da França, cujo objectivo era fixar na memória as datas

    dos mais notáveis acontecimentos, bem como os descobrimentos

    que ilustram cada reinado.

    “Entre as numerosas obras de educação, podemos citar as

    seguintes: ‘Plano para o Melhoramento da Instrução Pública,

    1828’. – ‘Curso Prático e Teórico de aritmética, segundo o Método

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    de Pestalozzi, para uso de Professores e de Mães de Família,

    1829’. – ‘Gramática Francesa Clássica, 1831’.- ‘Manual para

    Exames de Capacidade. Soluções Racionais de Questões e

    Problemas de Aritmética e de Geometria, 1846’.- ‘Catecismo

    Gramatical da Língua Francesa, 1848’. ‘Programa dos Cursos

    Ordinários de Fisica, Quimica, Astronomia, Fisiologia’ (que ele

    dava no Liceu Polimático).- ‘Pontos para os Exames da Câmara

    Municipal e da Sorbonne’, acompanhados de ‘Instruções Especiais

    sobre as Dificuldades Ortográficas, 1849’, obra muito estimada na

    ocasião da qual ainda recentemente (1869) se faziam novas

    edições.

    “Antes que o Espiritismo lhe viesse popularizar o

    pseudónimo de ALLAN KARDEC, havia ele, como se vê, sabido

    ilustrar-se com trabalhos de natureza mui diversa, os quais tinham

    por finalidade esclarecer a massa popular, prendendo-a ainda mais

    ao sentimento de família e ao amor da pátria.

    “Em 1855, quando se começou a tratar das manifestações

    de Espíritos, Allan Kardec dedicou-se a perseverantes observações

    do fenómeno e cuidou principalmente de lhe deduzir as

    consequências filosóficas; entreviu de longe o princípio de novas

    leis naturais, aquelas que regem as relações entre o mundo visível

    e invisível. Reconheceu, nas manifestações deste, uma das forças

    da natureza, cujo conhecimento devia projectar luz a uma

    infinidade de problemas considerados insolúveis. Finalmente,

    percebeu a relação de tudo aquilo com pontos de vista religiosos.

    “As suas principais obras acerca da nova matéria são: O

    Livro dos Espíritos, para a parte filosófica, cuja primeira edição

    apareceu a 18 de Abril de 1857. O Livro dos Médiuns, para a

    parte experimental e científica, publicada em Janeiro de 1861. O

    Evangelho Segundo o Espiritismo, para a parte moral, publicada

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    em Abril de 1864. O Céu e o Inferno, ou A Justiça de Deus

    Segundo o Espiritismo, em Agosto de 1865. A Génese, os

    Milagres e as Predições, em Janeiro de 1868. A Revista

    Espírita, orgão de estudos psicológicos, publicação mensal

    começada em 1 de Janeiro de 1858.

    “Fundou, em Paris, a 1 de Abril de 1858, a primeira

    sociedade espírita regularmente constituída, com o nome de

    Societé Parisienne des Études Spirites, cujo fim exclusivo era o

    estudo de tudo quanto pudesse contribuir para o progresso da nova

    ciência.

    “Allan Kardec defendeu-se admiravelmente da pecha de

    haver escrito sob a influência de ideias preconcebidas ou

    sistemáticas. Homem de carácter frio e severo, observara os factos

    e das observações deduziu as leis que os regem; foi o primeiro

    que, a propósito desses factos, estabeleceu teoria e constituiu um

    corpo de doutrina, regular e metódico. Demonstrando que os

    factos, falsamente chamados sobrenaturais, são sujeitos a leis,

    subordinou-os à categoria dos fenómenos da natureza e fez ruir,

    assim, o último reduto do maravilhoso, que é uma das causas da

    superstição.

    “Durante os primeiros anos de preocupação com os

    fenómenos espíritas, foram estes mais objecto de curiosidade que

    de meditações sérias.”

    (Continua)

    (In “Obras Póstumas”, edição Lake: Biografia de Allan Kardec).

    *

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    OS MÉTODOS

    PEDAGÓGICOS DE JESUS

    Jesus não economizou recursos didácticos para ensinar-

    nos a decência, o respeito a Deus e ao próximo.

    Depois d’Ele a Terra nunca mais seria a mesma!... Muitas

    criaturas lograram registar seus nomes na História, mas Ele

    dividiu-a em duas partes: antes e depois d’Ele.

    Dizia que não era sua a Doutrina que ensinava, pois a

    aprendera junto ao Pai Celestial. Ele era o Médium de Deus, o

    canal através do qual a Mensagem Divina chegou à Humanidade

    para libertá-la do império das trevas e da ignorância.

    Aproveitava-se da beleza exuberante da Natureza em festa

    para emoldurar o Verbo Divino portador da Boa Nova.

    Quando o disco solar declinava no horizonte, dardejando

    flechas de ouro que se derramavam pelas encostas plenas de trigais

    maduros, e a brisa suave carreando os delicados perfumes das

    flores multicoloridas acariciavam os rostos sofridos, vincados

    pelas dores e necessidades variadas, Sua voz penetrava como

    punhal de luz na alma enferma do poviléu, lenindo dores e

    acendendo novas esperanças em suas existências obscuras.

    Vezes sem conto utilizou-se da maiêutica socrática para

    alavancar das profundezas abissais das almas a luz divina

    aprisionada nas trevas da ignorância: Que diz a Lei? Que lês lá?

    Se o sal for insípido, com que se há-de salgar? Se amardes só os

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    que vos amam, que galardão havereis? Se saudardes somente os

    vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos

    também o mesmo?

    Escarafunchando as mais íntimas anfractuosidades das

    almas e corações com o Seu bisturi de luz, esvurmava as feridas

    purulentas e acendia as claridades do Reino dos Céus nas trevas

    terrestres.

    Reformulou totalmente o perfil que Moisés desenhara do

    Pai Celestial, demonstrando que Deus é o Pai de todos, aos quais

    ama com o mesmo enternecimento, sem distinções, sem

    segregações, sem privilégios de uns em detrimento de outros.

    Com poesia e encantamento, Amélia Rodrigues aduz1 :

    “(…)Esse Divino Genitor jamais ameaça nem castiga. Ao

    apresentá-lO a Israel e, por extensão, à sociedade de todos os

    tempos, Jesus exalta-lhe a paternidade sublime, facultando uma

    visão nova e justa em torno do seu afecto por tudo e por todos.

    Glorifica-O em a Natureza, que transforma na Sua cátedra de

    ensino, chamando a atenção para a magnitude do Cosmo e a

    grandeza das ignoradas expressões de vida invisíveis e vibrantes.

    Em Seu nome falou aos deserdados do mundo, com o mesmo

    encantamento com que o fez aos poderosos de um momento,

    atendendo ao pecador e miserável moral, quanto ao casto e puro

    discípulo da Sua mensagem; honrou as espigas maduras do trigo,

    comendo-as num sábado, enquanto elogiou as minúsculas

    sementes de mostarda; usou o espelho das águas do mar calmo,

    para refletir o azul turqueza dos céus claros das manhãs

    iluminadas na Galileia singela… Ainda, em Seu nome, abençoou

    os campos verdes e a relva seca transformada em labareda; usou a

    imagem da serpente astuta e das pombas simplórias; das feras que

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    têm os seus covis e das aves com os seus ninhos; dos lírios

    alvinitentes e dos pássaros cantores, como se cada uma dessas

    mensagens vivas fosse uma nota retumbante da incomparável

    sinfonia que cantou aos ouvidos da Humanidade.

    Tendo nascido entre pastores, fez-se Pastor das ovelhas

    humanas, entre as quais se escondiam cabritos e lobos disfarçados,

    amando-os, porém, a todos com a mesma ternura e informando

    que são filhos do mesmo Pai, sem nenhuma distinção nem

    preconceito, nem julgamento antecipado.

    Informou que o Pai jamais deixou os filhos sem notícias da

    Sua progenitura, o que realizou através de anjos, dos profetas, de

    mensageiros de toda a espécie, de acontecimentos grandiosos uns,

    delicados outros, de forma que ninguém jamais viesse a sentir-se

    órfão.

    (…) A arte insuperável de narrar história era um dos

    recursos pedagógicos mais enriquecedores de que podia dispor, e

    todos os grandes pensadores utilizaram-se desse admirável

    mecanismo para expressar o seu pensamento. Ele também assim o

    fez.

    Ante as inseguranças e problemáticas do entendimento da

    ética-moral e dos deveres a todos impostos pela vida, Ele recorria

    às imagens vigorosas do quotidiano, para que pudessem entender e

    vivenciar o mais valioso recurso de dignificação humana… E as

    parábolas espocavam dos Seus lábios como flores do campo,

    naturais e formosas. Uma delas informava que se tratava de um

    homem rico, que possuía um mordomo que foi acusado de estar

    utilizando-se em benefício próprio, dos bens que não lhe

    pertenciam. E porque tudo indicasse a realidade infeliz da sua

    conduta, o amo chamou-o e pediu-lhe que prestasse contas da sua

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    mordomia, porquanto já não tinha condições de merecer fé nem

    respeito. Surpreendido pela atitude severa do amo, o infiel

    começou a conjecturar a respeito do futuro que lhe estava

    reservado, constatando não possuir recursos para o exercício de

    uma outra função, que lhe exigisse esforço e luta. Então, desonesto

    como era, convidou um dos devedores do seu patrão e perguntou-

    lhe:

    - Quanto deves ao meu senhor?

    Informado que eram cem cados de azeite, propôs-lhe que

    anotasse apenas metade, comprometendo-se a pagá-los. E o

    mesmo fez em relação a outro devedor, que informou serem cem

    coros de trigo, indicando-lhe que anotasse apenas oitenta e não

    deixasse de pagá-los.

    Com tal, o sagaz agradou aos devedores, que lhe ficaram

    amigos, mas também poupou o seu senhor de grandes prejuízos,

    garantindo-lhe o recebimento de parte das dividas. Em face dessa

    astúcia, o amo também o estimou, porque essa atitude era

    compatível com aqueles outros desonestos que se comportavam da

    mesma maneira, muito diferente dos filhos da luz.

    E arrematou, enfático: Grangeai amigos por meio das

    riquezas da injustiça, para que, se estas vos faltarem, vos recebam

    eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também é fiel

    no muito, quem é injusto no pouco, também é injusto no muito.Se,

    pois, nas riquezas injustas não fostes fiéis, quem vos confiará as

    verdadeiras? E se no alheio não fostes fiéis, quem vos dará o que

    é vosso? Nenhum servo pode servir dois senhores, porque ou há-

    de odiar um e amar o outro, ou há-de dedicar-se a um e desprezar

    o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.

  • 13

    Os farisues, que eram gananciosos, ouviam todas estas

    coisas e zombavam d’Ele.

    As riquezas da injustiça constituem os recursos que a

    sagacidade consegue, amealhando para outrem enquanto acumula

    também para si. Impossibilitado de ser honrado no cumprimento

    dos deveres que lhe dizem respeito, o indivíduo utiliza-se dos bens

    que pode reunir, compensando a própria astúcia com os valores

    que supõe pertencer-lhe. Esse comportamento reserva-lhe meios

    de sobrevivência para o futuro, mas não lhe grangeia a paz de

    consciência, pelo reconhecer da falibilidade moral e defecção

    espiritual.

    Esse treinamento da honra ao lado dos pequenos valores,

    de alguma forma prepara-o para as grandes conquistas de que se

    verá a braços, a serviço do Senhor da Vinha, Aquele que é a

    Justiça e a Soberania.

    A sua posição enfrenta, então, duas alternativas: a que diz

    respeito ao mundo imediato e aquela que se refere à

    transcendência. Quem deseje a eterna, certamente terá que

    despojar-se da ambição enganosa dos valores transitórios, porque

    em serviço da auto-iluminação, necessita despojar-se de toda a

    sombra interior, enquanto caminha pela senda humana.”

    1 – FRANCO, Divaldo Pereira. A Mensagem do Amor Imortal.

    Salvador, LEAL, 2008, capítulos 7 e 30.

    ROGÉRIO COELHO (Mauriaé – M.Gerais – Brasil).

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    F É

    Quem pôs ouro na areia e pôs na fonte

    Água que mata a sêde e vem regar

    A terra que dá pão? Quem fez o mar?

    Quem fez a várzea, e o vale, e fez o monte?

    Quem pôs na linha fina do horizonte

    Tantos rubis – na tarde a agonizar?

    Quem deu à noite a prata do luar?

    Quem deu à ideia o berço duma fronte?

    Quem deu brancura aos lírios, cheiro às rosas?

    Quem fez brotar das almas misteriosas

    O amor da fantasia alegre ou triste?

    Quem pôs astros sem fim no firmamento,

    E pôs em cada pedra um pensamento?

    Responde agora, ateu: Deus não existe?

    PEDRO HOMEM DE MELO

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    O QUE VALE O ESPIRITISMO

    A Doutrina Espírita ensina e demonstra:

    1º - que a morte não é o aniquilamento do ser individual;

    mas apenas uma simples passagem de meio;

    2º - que a alma, essência pré-existente da individualidade

    humana, é, por necessidade da natureza, imortal e indefinidamente

    perfectível;

    3º - que essa perfectibilidade se opera por via de

    reencarnações sucessivas em novos corpos, neste e em outros

    mundos do espaço insondável;

    4º - que, desta sorte, não há eleitos nem réprobos, felizes

    enm infelizes eternamente: há, tão só, indivíduos mais ou menos

    avançados na escala da perfectibilidade, a qual só se conquista à

    força de trabalho e de sofrimento.

    Daí resulta que o homem vive assim numa constante

    esperança, que o anima e consola, mesmo no meio da mais cruel

    adversidade; porque tem a certeza de que o seu progresso futuro só

    dele depende, e que os sofrimentos da existência actual são o

    crisol indispensável para o seu depuramento.

    Pelo contrário, aqueles que não crêem na imortalidade e na

    reencarnação, aqueles que vêem no homem apenas uma pouca de

    matéria que a morte desagrega e dissolve nos seus elementos

    químicos, vivem uma vida intranquila, lutando constantemente

    para conquistar a riqueza, fonte única e exclusiva do seu bem

    terreno, único que a tacanha inteligência concebe e aprecia.

  • 16

    E quando um dia a doença o persegue ou as desditas o

    assediam, esse homem vive num estado de desespero constante,

    porque se considera um desgraçado irremediavelmente perdido.

    Então, alucinado pelas ideias falsas em que se tem deixado

    embalar, julgando que a morte é o esquecimento e o aniquilemento

    do ser, suicida-se, praticando assim o maior crime que podia

    cometer, e a maior loucura em face da razão e da verdade.

    Este paralelo frisante entre o espiritualista convicto e o

    materialista descrente, leva-nos à seguinte conclusão: - Se a

    imortalidade da alma e a reencarnação fossem uma mentira,

    seriam ainda assim abençoadas mentiras, porque delas, com a

    esperança, nos adviria a felicidade.

    Por isso, temos nós dito muitas vezes, e não nos cansamos

    de o repetir: o espírita convicto é sempre um ser essencialmente

    feliz, porque se reconhece imortal e sabe que o seu destino futuro

    só dele depende.

    Mas não é só esta a vantagem que nos advém da doutrina e

    crença espírita: há outras mais, que interessam à sociedade em

    geral, embora ao mesmo tempo redundem em nosso benefício

    também.

    Como esta crença exige que não façamos aos outros o que

    não quereríamos que nos fizessem e só façamos a outrem o que

    desejaríamos nos fizessem a nós, daqui resulta que somos assim

    racionalmente forçados a ser bons para com todos.

    Ora, dada assim a reciprocidade entre todos os que

    partilham esta crença, daqui resulta que, se fosse possível que a

    maioria dos homens seguisse essa benéfica orientação moral, as

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    relações sociais tornar-se-iam tão suaves, que deslisariam sem

    atritos nem emperramentos nocivos.

    Por outro lado, como o espiritismo não é uma religião,

    embora seja uma crença filosófica meramente racional e

    experiemntal, não está eivado do espírito de seita, que tantos males

    tem causado em todas as épocas, separando os homens em vez de

    os unir num laço fraterno. As religiões separam-os em crenças

    adversas, que mutuamente se anatemizam, quando não se degolam

    reciprocamente.

    Ao contrário, o espírita respeita todas as religiões no

    mesmo pé de igualdade, porque em todas reconhece um fundo de

    verdade, de mistura com muitas ficções e absurdos e fica

    meramente deista, de um deísmo que nada tem de antropomorfo.

    Respeita e reconhece o Cristo como o Messias mais perfeito que

    tem encarnado na Terra, e adopta a sua moral, por não haver outra

    mais perfeita.

    Quanto aos materialistas, não os condena nem anatematiza;

    lamenta o seu estado de atraso psicológico, que não lhes permite

    que possam ver a verdade sem ficarem deslumbrados.

    É que as verdades e factos do Espiritismo, para poderem

    ser compreendidos e assimilados exigem, no que os estuda, um

    grau de adiantamento psíquico e moral que nem sempre anda a par

    com o desenvolvimento intelectual.

    O materialismo é como o míope que não pode distinguir e

    apreciar os objectos distantes, por mais esforços que empregue.

    A sua visão apoucada não lhe permite ver além do campo

    material em que vive. Lamentemos a sua estreiteza de vistas, mas

  • 18

    não lhe queiramos mal por isso porque, por via de regra, não tem

    culpa.

    Um dia lhe chegará em que poderá ver como nós. Que esse

    dia chegue breve, é o nosso vivo desejo.

    AFONSO ACÁCIO MARTINS VELHO (1º Presidente da Federação Espírita Portuguesa)

    (In: Revista O ESPIRITA, da F. E.P., Abril a Julho de 1924).

    *

    PAI NOSSO

    Oh! Pai do Espírito, que tão alto moras, e que, ubíquo,

    eterno, brilhas em cada raio da Tua Luz, santo é o Teu nome e

    floresça, eternamente, nas almas dos homens de fé!

    Venha a nós a Tua Paz!

    Sejamos nós a repercussão da Tua Vontade, nesta vida de

    erros e na outra de verdade!

    Dá-nos o alimento espiritual do Teu Amor!

    Perdoa e ensina!

    Expulsa a tentação que rasteja sob os nossos passos, livra-

    nos do mal de fechar os olhos para não ver a Verdade Eterna!

    EUGÉNIO TAVARES (Cabo Verde, 18-10-1867/1-6-1930)

  • 19

    O USO DO TEMPO

    Como se sabe, o dia é o período de tempo que corresponde

    a uma volta completa da Terra sobre o seu eixo.Na contagem da

    Humanidade terrestre, é constituído por vinte e quatro horas, que

    são iguais para todos os que nela habitam. A diferença reside no

    que cada um faz do tempo de que dispõe. Muitos o aproveitam da

    melhor forma possível e outros, ao contrário, simplesmente o

    desperdiçam, usando de seu livre arbítrio que, segundo o

    Dicionário Escolar da Língua Portuguesa da Academia Brasileira

    de Letrtas, é a liberdade para tomar decisões de acordo com o seu

    próprio discernimento.

    Interessante notar que os mais ocupados são, em geral, os

    que mais conseguem realizar tarefas adicionais que lhes são

    solicitadas. Nada obstante estejam com a agenda completa, com

    disciplina e boa vontade sempre conseguem encaixar e acrescentar

    algo a mais, e se aceitam, sem nenhuma dúvida, cumprirão o

    compromisso extra, a tempo e a hora.

    Já os que dispõem de bastante tempo, e não estão tão

    ocupados, em geral, apresentam desculpas de variadíssima ordem

    para declinar o convite e não realizar a tarefa extra que lhe foi

    proposta.

    A vontade e a disciplina são factores fundamentais para o

    bom uso do tempo. Com a utilização do bom senso que ajuda as

    nossas escolhas, as vinte e quatro horas do dia podem ser bem

    distribuídas entre trabalho, actividade física, lazer, entretenimento,

    leitura e estudo, descanso, etc..

  • 20

    A propósito, como muito bem esclareceu Léon Denis: A

    vontade é a maior de todas as potências; é, em sua acção,

    comparável ao imã. A vontade de viver, de desenvolver em nós a

    vida, atrai-nos novos recursos vitais; tal é o segredo da lei de

    evolução. (O Problema do Ser, do destino e da dor, capítulo XX,

    32ª ed. FEB 2014, p. 291).

    Não foi por acaso, portanto, que a sabedoria popular,

    depois de longa e aguda observação do dia a dia, construiu a

    expressão querer é poder.

    Por outra parte, é deveras curioso observar que as cédulas

    do dinheiro norte-americano contêm a inscrição Nós confiamos em

    Deus (In God we trust) e, apesar disso, os cidadãos que habitam

    aquele país, de um modo geral, consagram de maneira muito forte

    a ideia de que tempo é dinheiro (Time is Money).

    O dinheiro, seja de que país for, é neutro. Se for bem

    utilizado, óptimo. Se for mal empregado, que lástima (vale registar

    que as cédulas do dinheiro brasileiro, em letras miúdas, contêm a

    expressão Deus seja louvado).

    No entanto, muito mais que dinheiro, tempo é

    oportunidade, como muito bem apontado pelo Espírito Joanes,

    através da psicografia do eminente médium Raul Teixeira:

    Com calma você entenderá cada ocorrência à sua volta e

    cada pessoa em seu caminho.

    Nada você perderá pelo uso da calma em sua trajectória

    humana, pois, longe de alimentar-se da ideia materialista de que

    tempo é dinheiro, você começará a pensar que,

  • 21

    fundamentalmente, tempo é oportunidade, e que você deverá

    aproveitá-la para o melhor.

    Mesmo que deixe de lucrar algumas poucas moedas no

    jogo enlouquecido das competições, você conquistará harmonia e

    saúde, a fim de prosseguir na rota da felicidade que tanto deseja

    (Para uso diário, cap. 7, 6ª ed. Frater, 2014, p.54).

    Tempo é oportunidade! E que grande oportunidade!

    Oportunidade de aprendizado; de correcção de erros, males

    e equívocos de passado recente ou remoto, ainda que de modo

    parcial; de aperfeiçoamento pessoal, intelectual e moral; de

    crescimento através do trabalho; de conhecimento que pode ser

    obtido nos campos das ciências, da filosofia, das artes, das letras;

    de ampliação do conhecimento de si mesmo, que é a chave do

    progresso individual (questão 919 de O Livro dos Espíritos); da

    reforma íntima, para melhor; da mudança de postura e de

    compostura, para citar apenas algumas poucas hipóteses que o

    bom uso do tempo pode proporcionar-nos.

    Sobre a oportunidade do trabalho, por exemplo, o mesmo

    Espírito Joanes, antes referido, igualmente através da psicografia

    do inclíto médium Raul Teixeira, recomenda: Faça do melhor

    modo o seu trabalho. Esteja certo de que, se trabalha mal, se

    empresta má vontade àquilo que faz, embora possa causar

    transtornos aos outros, a si mesmo é que estará prejudicando.

    Ainda quando você não receba as considerações e

    reconhecimento como gostaria, na Terra, pense na oportunidade

    que lhe está oferecendo o Pai da Criação. Ao seu tempo tudo

    melhorará.

    Não se perca, evitando perturbar-se em sua actividade

    profissional. Antes, aprimore-se. Faça tudo com carinho e rigor

  • 22

    para que a sua estada no mundo seja de muito proveito para o seu

    grande futuro.

    A sua vida pode tornar-se um estuário de felicidade, num

    campo de alegria, evadindo-se das cadeias do remorso, do

    pessimismo, do egoísmo, do mal, enfim, para que a sua travessia

    humana seja um hino de ventura para o seu encontro com Deus

    por meio do seu semelhante. (Para uso diário, cap. 11, 6ª ed.

    Frater, 2014, p. 74).

    De outro lado, o emprego do tempo de modo adequado,

    equilibrado e positivo, com análise e observação atentas e, ainda,

    com leitura e estudo crescentes e permanentes, pode resultar em

    significativo avanço moral.

    Pode ajudar-nos a conseguir sermos pessoas de Bem,

    voltadas para o Bem e para a sua prática, úteis onde quer que nos

    encontremos, bem dispostas a cumprir a parte que nos compete,

    com zelo, com empenho, com competência, com qualidade e com

    amor.

    Se já sabemos que uma das finalidades do Espiritismo é a

    de tornar melhores as pessoas que o compreendem (Revista

    Espírita, Julho de 1858) podemos empenhar-nos em conhecê-lo e

    compreendê-lo melhor (e, por este modo, estaremos usando

    muitíssimo bem o tempo de que dispomos), lendo e estudando,

    ainda que a pouco e pouco, as cinco obras fundamentais (O Livro

    dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o

    Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Génese), os doze primeiros

    volumes da Revista Espírita e também o livro O que é o

    Espiritismo, do próprio Professor Hippolyte Léon Denizard Rivail,

    o nosso Allan Kardec.

  • 23

    Tornando-nos melhores, será mais fácil enxergar no

    próximo um irmão e fazer a ele somente o que gostaríamos que ele

    nos fizesse, com o que estaremos colocando em prática o

    ensinamento máximo de Jesus, o Cristo, Modelo e Guia da

    Humanidade, nosso Irmão, nosso Mestre, nosso Amigo de todas as

    horas.

    E sendo melhores, sem um átimo de dúvida, seremos mais

    felizes desde logo e aqui mesmo na Terra.

    ANTÓNIO MORIS CURY

    (Transcrito, com a devida vénia, do jornal brasileiro MUNDO

    ESPÍRITA, da Federação Espírita do Paraná, em Curitiba, Junho

    de 2016).

    *

    OPÇÃO ERRADA

    A resposta 621 de ‘O Livro dos Espíritos’ à pergunta de Allan Kardec sobre “Onde está inscrita a lei de Deus”?, é taxativa

    na sua simplicidade: “Na nossa consciência”. E, de cada vez que

    nos propomos fazer algo de errado, nós, os seres inteligentes da

    Criação Divina, somos sempre advertidos – melhor ou pior,

    mediante o nosso conceito de moral – do que devemos e não

    devemos fazer, mediante aquilo que, em determinado instante da

    vida de cada um, pensamos realizar. E não vale a pena

    desculparmo-nos com as palavras de sempre de que “não

    sabemos”, “nunca ninguém nos disse”, porque os Espíritos

  • 24

    Superiores, que sabem bem mais do que nós, afirmam-nos que

    sim, que sabemos – a menos que a nossa consciência esteja

    totalmente adormecida e “lhe dê” muito trabalho acordar-nos com

    a advertência do certo e do errado…

    Lamentavelmente, o homem habituou-se a procurar, para a

    fuga ao sofrimento e aos obstáculos que surgem no seu caminho

    da Vida, o que de mais errado existe – ainda que pense que é o

    mais certo a fazer! E se os ateus, os que vivem sem um mínimo de

    fé na ‘vida que continua’ pensam que essa fuga representa um acto

    máximo de coragem, os outros, os que a têm, afirmam, não poucas

    vezes que vão fazer o que Deus quer, porque – se Ele não

    quisesse, já tinha dado uma solução aos problemas que enfrentam!

    E da primícia errada para uma conclusão mais errada ainda,

    colocam em Deus a culpa dos seus erros e, ainda, da solução dos

    problemas por eles mesmos criados, esquecidos da advertência de

    Jesus, quando há pouco mais de 2000 anos afirmou que “tudo terá

    que ser pago até ao último ceitil”! E Jesus referia-se à Lei de

    Causa e Efeito, ou, se quisermos ser mais simplistas na sua

    significação, refiramo-la com “A sementeira é livre mas a colheita

    obrigatória”, ou ainda com aquele ditado tão velhinho que vem já

    do tempo dos nossos avós: “Quem semeia ventos, colhe

    tempestades!...” Palavras diferentes, estas e aquelas, mas

    significando todas o mesmo!

    Só quem participe de uma reunião mediúnica tomará

    conhecimento com todo o horror que são as consequências do

    suicídio e, ainda aqui, este ‘todo’ será sempre relativo porquanto,

    ao manifestar-se no seu sofrimento, a entidade que precisa de

    auxílio e esclarecimento não sabe dizer quanto tempo já passou,

    quantos anos já decorreram desde o cometimento do tresloucado

    acto!

  • 25

    Tresloucado, sim! Porque, se quem não sabe nadar

    soubesse os anos que vai lutar contra o afogamento acontecido; se

    quem pegou numa arma e a fez disparar, está continuamente a

    repetir o mesmo movimento e a sentir a dureza da bala a penetrar-

    lhe nas carnes e quebrar-lhe os ossos; se quem emborcou um copo

    com um qualquer veneno letal continua a sentir a sua destruição na

    queimadura do que bebeu e o vai minando conforme lhe entra no

    organismo; se quem se atira para a frente de um carro ou de um

    comboio, sente continuamente as dores da pancada e busca juntar

    as múltiplas partes de si próprio que se espalharam no caminho –

    se tudo isto e muito mais do que cada um concretizou, continua

    pelo tempo que lhe faltaria viver de vida terrena naquela

    existência, quanto menor não será o sofrimento de se estar

    desempregado; de se ver um ente querido partir como

    consequência de uma doença incurável; de não se conseguir dar

    uma solução a qualquer um dos muitos problemas que surjam e

    não se tem coragem de enfrentar e tentar resolver!

    Troque-se o orgulho de um nome e de funções bem

    reconhecidas na sociedade pela humildade de se fazer qualquer

    coisa, desde que seja sempre digna; troque-se a recordação do que

    já se possuiu em bens materiais pelo reconhecimento do nada que

    eles valem frente à necessidade do que é realmente importante;

    viva-se o dia a dia, na certeza de que ninguém está só e, com o

    apoio e união dos familiares, cada um conseguirá vencer – desde

    que não acalente a ambição de continuar a ser o que foi

    anteriormente… Será que não foi o orgulho de uma ‘posição

    superior’ que o seu titulo académico ajudou a conquistar, que

    levou muitos e muitos a caírem na perdição de tudo o que haviam

    adquirido, por não terem sabido manter-se … dignos, honestos,

    sem ambicionarem mais do que o que lhes era necessário para uma

    vida correcta? E, nesta conquista que os levou à perdição, o que

    fizeram da união familiar? Que aconteceu ao lar criado

  • 26

    anteriormente, aos filhos pelos quais são – deviam ser e sentir-se –

    responsáveis, e a quem apenas souberam dar dinheiro e dinheiro,

    para que não os incomodasse a falta de assistência que lhes

    davam… – como se o dinheiro substituísse presença, conselhos,

    conversas… carinho… orientação… apoio?!

    Ainda aqui, o dinheiro conseguiu calar a voz da

    consciência que os alerta para a responsabilidade que se tem com

    todos aqueles que passaram a fazer parte da corrente a que

    chamaram ‘família’! E quando, aparentemente, tudo falha, de

    repente sentem-se perdidos porque criaram uma existência onde o

    amor- que devia ser a base de tudo – falhou há muito tempo!

    Então… procura-se a solução no imediato!

    A busca do caminho da morte não é solução, nem sequer

    para aqueles outros, diferentes dos primeiros, que tomando

    conhecimento de que têm uma doença incurável, procuram

    terminar mais depressa com o sofrimento, pelo medo do que vão

    sofrer! A morte chegará, pelas vias normais, apenas quando Deus

    o entenda… e quem poderá afirmar que o tempo que o médico

    determinou que a doença demorará a ‘acabar com ele’ não será

    protelado mais e mais… enquanto um novo medicamento que

    surja poderá, talvez, fazer o “milagre” de o curar?!

    O suicídio nunca é, nunca será solução para nenhum caso –

    por mais grave que ele possa parecer aos olhos e mente de quem

    começa a nele pensar – creiam! E o tempo de sofrimento – bem

    maior que o vivido até então – que terão ainda, depois dele

    concretizado, gritará na consciência de cada um pelas dores que se

    criaram e poderiam, de todo, terem sido evitadas apenas com um

    pouco mais de coragem… de fé!

  • 27

    “A vida continua” não são apenas palavras a embelezarem

    uma história mais ou menos bela: são uma verdade e uma

    advertência, como que a gritarem para cada um que se sofre,

    sofrerá muito mais depois; se chora, o choro que viverá será

    incessante; as dores tornar-se-ão tão lancinantes que perderá as

    forças a gritar de desespero! E… afirma Camilo – o nosso Camilo

    – no livro mediúnico “Memórias de um suicida”: a juntar a todo o

    sofrimento que se criou com o tresloucado acto perpretado, tem-se

    ainda, por tempos infindos, o cheiro das próprias carnes em

    decomposição e o sentir dos vermes que lhas vão corroendo!

    Delphine de Girardin, no capítulo V de ‘O Evangelho

    segundo o Espiritismo, diz: “Para julgar uma coisa é imperioso vê-

    la nas suas consequências. Assim é que, para apreciar o que é

    realmente ditoso ou representa infortúnio para o homem, é mister

    transportar-se além desta vida, porque é lá que as consequências se

    manifestam. Ora, tudo aquilo que ele chama infortúnio, de

    conformidade com o seu prisma acanhado, cessa com a vida e tem

    sua compensação na vida futura.”

    Nos tempos que vamos vivendo, parece que se tornou

    ‘corriqueiro’ o buscar-se o suicídio para terminus dos problemas

    que cada um enfrenta e, quem o faz, julga cometer um acto de

    coragem com a sua desistência de continuar a viver… mas a vida

    continua porque nós somos imortais, assim criados pela Vontade

    Divina de quem nos criou para sermos felizes – numa felicidade

    que nos aguarda, no fim do caminho de cada um, e significa a

    perfeição para que Ele, o Senhor, nos criou! Ele, o Pai, pelo Seu

    Emissário, Jesus, apontou-nos o caminho a percorrer: nós, seres

    imperfeitos mas inteligentes da Criação – ou deveríamos, antes,

    dizer: seres inteligentes e imperfeitos da Criação? – vamos

    enchendo esse mesmo caminho com obstáculos que criamos a

  • 28

    cada passo, como se o ‘masoquismo’ tivesse de fazer parte do

    nosso dia a dia!

    Troque-se o masoquismo por um pouco mais de fé e esteja-

    se mais atentos à voz da consciência, de cada vez que ela lembre o

    mandamento da lei do Senhor ao advertir, determinando: NÃO

    MATARÁS! Buscando uma solução para cada problema, com

    humildade e esperança no dia de Amanhã, lembrando-nos todos

    que somos Criação Divina, conseguiremos trocar as ideias

    negativas pelas positivas e, de cabeça erguida para enfentar-se a

    luta, veremos finalmente o Sol, que nasce a cada dia por vontade

    de Deus, e nos aquece e fortalece com a sua luz… uma luz que nos

    ilumina o caminho a percorrer!

    A coragem afinal, está em seguir em frente!

    MANUELA VASCONCELOS

    *

    Fé inabalável é somente aquela capaz de

    enfrentar a razão, face a face, em todas as épocas da

    Humanidade.

    ALLAN KARDEC

  • 29

    A SÓS…

    Para que julgas, Homem!, saber tanto,

    Se tudo quanto sabes é bem pouco!...

    Ergue a cabeça tua, pobre louco!...

    E pesquisa no fundo desse manto.

    Vê tu se à vastidão encontras termo.

    É tudo infindo como o pensamento!...

    Vão as ideias como ténue vento,

    Encontrar-se vogando em puro ermo…

    E, todavia, ao longe há muito ainda!

    Que procurar saber os homens devem,

    Pois é ciência bem formosa e linda!

    Vá! Não pares! Investiga! Luta!...

    Posto que os anos sobre a fronte nevem,

    Há sempre mundos que a razão prescruta.

    DÁ MESQUITA, médico

    Porto, Janeiro/Fevereiro de 1939.

  • 30

    PÁGINAS DO PASSADO

    UMA TESE E UMA ATITUDE

    O facto que vamos narrar seria natural em qualquer parte

    do mundo em que o preconceito científico não tivesse mergulhado

    raízes fundas, pois a liberdade de pensamento deve estender-se a

    todas as actividades humanas. Emitir opiniões, exteriorizar

    sentimentos é a mais bela prerrogativa do espírito. Se um

    universitário preparou tese relativa à parte mais nobre do ser,

    demonstrando a existência de forças que muitos diplomados

    impugnam à priori, porque se lhe havia de impedir essa

    manifestação volitiva num areópago de sábios? O misoneismo

    científico impera em vários sectores da vida mental. Uma classe

    reivindica o que pertence a outra por direito de conquista. Mas há

    assuntos ‘diabólicos’, cujo enunciado causa horror aos espíritos

    fortes educados no velho tradicionalismo.

    Fala-se a cada instante no reinado do espírito, na

    necessidade de ascender a planos mais altos e combate-se, por

    sistema, a base desse esforço meritório. Como abstracção, o

    espírito discute-se em todos os sentidos; tem adeptos nos credos

    religiosos e até nos sectores chamados positivistas; mas quando se

    lhe dá foros de realidade e se encara como célula de um mundo

    normal a que um dia pertenceremos, mil vozes se levantam em

    coro uníssono e a realidade passa a abstracção.

    Pois um novo apareceu agora na Faculdade de Letras de

    Lisboa a fechar o curso com uma tese intitulada “Faculdades

    Latentes na Psique”, ante um júri de consagrados, um dos quais

  • 31

    pertencente à Sociedade Teosófica de Portugal. Eram oito os

    próceres que o Dr. Luiz Avelar de Aguiar enfrentou através de um

    trabalho digno de louvor, quer pelo arrojo da atitude, quer pela

    clareza da argumentação: Dr. Vieira de Almeida, catedrático de

    Filosofia e arguente; Dr. Délio Nobre dos Santos, catedrático de

    Psicologia e membro da Sociedade Teosófica; Dra. Virgínia

    Ramos; Dr. Mário de Albuquerque; Dr. Artur Moreira de Sá; Dr.

    Bandeira Ferreira e o Dr. Ferreira de Almeida.

    Pela primeira vez em Portugal os fenómenos psíquicos

    subiram ao estrado da universidade, sujeitos à análise de mestres

    indiscutíveis e pela primeira vez um jovem talentoso arriscou a

    posição mental, levando à crítica científica um estranho mundo

    fenoménico a que poucos estavam habituados.

    A tese contesta a atitude negativista da “ciência oficial” no

    tocante aos fenómenos psíquicos e denuncia a precaridade actual

    dessas posições em contradição com o verdadeiro critério no

    estudo dos factos metapsíquicos. Para reforçar o trabalho,

    apresentou o método conveniente oferecido ao investigador,

    acrescido das principais hipóteses explicativas do hipnotismo.

    Como se vê, o Dr. Luiz de Aguiar não se ergueu como espírita,

    porque isso teria menos valor no conceito do arguente. Ergueu-se

    como estudioso que entreviu hipóteses de trabalho e procurou

    analisar racionalmente, sem ideia preconcebida, pouco lhe

    importando o sector mental ou espiritual em que o pudessem

    enquadrar. Era inabitual o tema? Que importava, se tudo quanto

    existia implicava estudo sério? A Filosofia abriu-lhe um campo

    inteiramente novo e o pensador analisava friamente, desbravando

    terreno, apeando interrogações, rumo à verdade perquirida.

    Num crescendo de objectivismo, criticou e classificou

    certos fenómenos ligados à hipnose profunda e assim foi abrindo

  • 32

    caminho ao estudo expositivo da fenomenologia mediúnica, em

    escala de complexidade até à exposição de um facto de aparente

    actividade póstuma.

    Não deixou também de criticar e impugnar determinadas

    teses, segundo as quais os ‘médiuns’ são verdadeiros casos

    patológicos, e analisou seguidamente várias hipóteses tendentes à

    explicação das manifestações mediúnicas, bem como as atitudes

    psíquicas subconscientes. E assim demonstrou a sua tese,

    afirmando que existem no Homem faculdades supranormais, ou,

    antes, inabituais, como as classificou o grande fisiologista Richet,

    que dão origem a meios extraordinários de percepção e acção

    sobre o chamado meio exterior.

    O Prof. Vieira de Almeida, depois de valorizar,

    positivamente, a documentação carreada pelo autor da tese e de

    salientar a extrema dificuldade de entrar num campo onde as

    interpretações abundam, afirmou que o cientista hodierno deve ter

    grande interesse pelo inabitual e dissertou largamente acerca do

    defeito generalizado de misturar o ‘maravilhoso’ com os

    fenómenos inabituais, louvando o candidato por ter estabelecido

    claras distinções no desejo permanente de atingir a objectividade.

    E num tom de sinceridade que muito o enobreceu, disse estar

    convencido de que aumentaria cada vez mais o número de pessoas

    idóneas no interesse por tão interessante sector da investigação.

    Tendo o Prof. Vieira de Almeida preferido, de maneira

    geral, orientar a sua crítica no domínio da “Teoria do

    Conhecimento”, em vez de se cingir ao conteúdo da tese, foi nesse

    terreno que replicou o candidato, concordando, aliás, com as

    considerações do catedrático sobre a tese em questão. Em breve

    comentário, o Porf. Délio Santos, respondeu a uma crítica do

    candidato afirmando que o facto de tal fenomenologia não ser

  • 33

    especialmente estudada nas cadeiras de Psicologia é devido à

    preocupação de preencher os cursos com o estudo de matérias de

    mais imediata aplicação.

    Para nós, espíritas, este acontecimento tem especial relevo,

    não pela tese do candidato – conhecemos alguns estudantes que

    desejariam imitá-lo – mas pela atitude da Faculdade de Letras, que

    deu um alto exemplo de isenção didáctica, fugindo ao

    tradicionalismo e à rotina e permitindo que um aluno se ocupasse

    de assuntos que muitos pseudo-sábios consideram devaneio de

    nefelibatas.

    Felicitamos o Dr. Luiz Avelar de Aguiar pelo desassombro

    da sua atitude e pelo valor do seu trabalho que, em 30 de Julho

    último, foi plenamente aprovado.

    Os fenómenos psíquicos (metapsíquicos ou espíritas)

    transcenderam os limites estreitos dos laboratórios e fazem a ronda

    do público sob diversos nomes e em cenáculos numerosos. O Prof.

    Vieira de Almeida, com a característica ironia bem de acordo com

    um espírito brilhantíssimo que faz dele um grande português, disse

    que tais fenómenos ainda são considerados por alguns como “artes

    demoníacas”, mas que o verdadeiro amante do saber deve alegrar-

    se, vendo as suas teorias abaladas… Na verdade, assim é.

    Semelhante facto representaria um índice de progresso mental, em

    harmonia com a insatisfação humana.

    (Artigo não assinado e publicado na Revista Portuguesa

    ESTUDOS PSÍQUICOS de Setembro de 1952).

    *

  • 34

    NA EDIFICAÇÃO DA FÉ

    Ninguém edificará o santuário da fé no coração, sem

    associar-se, com toda a alma, naquilo que é de belo e de superior

    dentro da vida.

    Para alcançar, porém, a divina construção, não nos bastam

    os primores intelectuais, a eloquência preciosa, o êxtase

    contemplativo ou a desenvoltura dos cálculos no campo da

    inteligência.

    Grandes génios do raciocínio são, por vezes, demónios da

    miséria e da morte.

    Admiráveis doutrinadores, em muitas ocasiões, são vitrines

    de palavras brilhantes e vazias.

    Muitos adoradores da Divindade, frequentemente,

    mergulham-se na preguiça a pretexto de cultuar a Glória Celeste.

    Famosos matemáticos, não raro, são símbolos de

    sagacidade e exploração inferior.

    Amemos o trabalho que a Eterna Sabedoria nos conferiu,

    onde nos situamos, afeiçoando-nos à sua execução sempre mais

    nobre, cada dia, e seremos premiados pela grande compreensão,

    matriz abençoada de toda a confiança, de toda a serenidade e de

    todo o engrandecimento do espírito.

  • 35

    Para penetrar os segredos da estatuária, o escultor repete os

    golpes do buril milhares de vezes.

    Para produzir o vaso de que se orgulhará em missão bem

    cumprida, o oleiro demora-se infinitamente ao contacto da argila.

    Para expor as peças com que enriquecerá o conforto

    humano, o carpinteiro, de mil modos, recapitulará o

    aprimoramento do tronco bruto.

    Não te queixes se a fé te não coroa a razão.

    Consagra-te aos pequeninos sacrifícios, na esfera de tuas

    diárias obrigações; à frente dos outros, cede de ti mesmo, exercita

    a bondade, inflama o otimismo por onde passes, planta a gentileza

    de teus sonhos, movimenta-te no ideal de sublimação que elegeste

    para alvo de teu destino.

    Aprende a repetir para que te aperfeiçoes…

    Não vale fixar indefinidamente as estrelas, amaldiçoando

    as trevas que ainda nos cercam.

    Acendamos a vela humilde de nossa boa vontade, no chão

    de nossa pobreza individual, para que as sombras terrestres

    diminuam, e o esplendor solar sintonizar-te-à com a nossa flama

    singela.

    A tomada insignificante é o reflector da usina, quando

    ligada aos seus poderosos padrões de força.

    Confessemos Jesus em nossos actos de cada hora,

    renovando-nos com Ele e sofrendo felizes em seu roteiro de

  • 36

    renunciação, auxiliando a todos e servindo, cada vez mais, em Seu

    nome, e, de inesperado, reconheceremos nossa alma inundada por

    alegria indizível e por silenciosa luz…

    É que o trabalho de comunhão com o Mestre terá realizado

    em nós a sua obra gloriosa, e a fé perfeita e divina, por tesouro

    inalienável, brilhará connosco, definitivamente, incorporada à

    nossa vida e ao nosso coração.

    EMMANUEL

    (In: MEDITAÇÕES DIÁRIAS, edição Ide, 2010, pgs. 60 a 63).

    *

    Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da

    semana, e cerradas as portas da casa onde os discípulos,

    com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus

    e pôs-se no meio deles e disse-lhes: - Paz seja convosco.

    - JOÃO, 20 : 19.

    *

  • 37

  • 38

    *

    O QUINHÃO DO DISCÍPULO

    Quinhão : parte que cabe a cada um, quando se divide o todo.

    29º conto do livro “Pontos e Contos”

    Chico Xavier / Irmão X (Humberto de

    Campos) – Pedro Leopoldo / MG – 3 de

    Outubro de 1950.

    Cercado de potências angélicas, o Mestre dos mestres recebia a

    longa fileira de almas necessitadas, a chegarem da Terra, trazidas

    pelas asas veludosas do sono.

    Rogativas particulares sucediam-se ininterruptas. E o Divino

    Dispensador as acolhia afavelmente. Para as solicitações mais

    disparatadas, oferecia a ternura do benfeitor e o sorriso do sábio.

    Jovens e velhos, adultos e crianças eram admitidos à Augusta

    Presença, um a um, expondo cada qual sua necessidade e sua

    esperança.

    - Senhor – implorava carinhosa mãe, de olhos súplices – meus

    filhos aguardam-te a complacência vigilante!

  • 39

    E prosseguia, aflita, enumerando intrincados problemas

    domésticos, destacando projetos para o futuro, na experiência

    carnal.

    O Mestre ouviu e recomendou aos ooperadores atendessem a

    súplica, na primeira oportunidade.

    Seguiu-se-lhe linda jovem que rogou ansiosa:

    - Oh! Jesus, atende-me! Socorre meu noivo que sucumbe...

    Livra-o da morte, por piedade! Sem ele, não viverei!...

    O Benfeitor Divino ouviu atento, e ordenou que os emissários

    restituissem o dom da saude fisica ao doente grave.

    Logo após, entrou velho e simpático lavrador, de gestos

    confiantes, que se prosternou, suplicando: - Doador da ida,

    abençoa o meu campo! Peço-te! Amo profundamente a terra que

    me confiaste. O celeiro do meu pão, recreio de meus olhos,

    esperança de minha velhice!...

    O Pastor Divino sorriu para ele, abençoou-o afetuosamente e

    determinou aos auxiliares santificassem o ritmo das estações sobre

    o campo daquele trabalhador devotado, para que ali houvesse

    flores e frutos abundantes.

    Em seguida, cavalheiro respeitável penetrou o recinto de luz,

    evidenciando nobre posição intelectual, e solicitou reverente:

    - Protetor dos Necessitados, o ideal de realizar algo de útil na

    Terra inflama-me o espírito... Dá-me possibilidades materiais,

    concede-me a temporária mordomia de teus infinitos bens! Quero

    combater o pauperismo, a fome, a nudez, entre os homens

    encarnados... Auxilia-me por compaixão!

    O Embaixador do Sumo Bem contemplou-o, satisfeito,

    aquiesceu com palavras de estímulo e designou adjuntos para a

    articulação de providências, quanto à satisfação do pedido.

    Minutos depois, entrou um filósofo que implorou:

    - Sábio dos sábios, dá-me inspiração para renovar a cultura

    terrestre!...

  • 40

    O Cristo aprovou a petição, concedendo-lhe vasto séquito de

    instrutores.

    E a legião dos suplicantes prosseguia sempre, movimentada e

    feliz, valendo-se da visita providencial do Celeste Benfeitor às

    sombrias fronteiras da carne. Jesus atendia sempre, ministrando

    incentivos e alegrias, graças e consolações, determinando medidas

    aos assessores diretos.

    Em dado instante, porém, o circulo foi penetrado por um

    homem diferente. Seu olhar lúcido falava de profunda sede

    interior, seus gestos respeitosos traduziam confiança e veneração

    imensas.

    Ajoelhou-se, humilde, estendeu os braços para o Emissário do

    Eterno Pai e, ao contrário de quantos lhe haviam precedido na

    súplica, explicou-se com simplicidade:

    - Senhor, eu sei que sempre dás, conforme nossos rogos.

    Ante a estupefação geral, continuou:

    - Há quase vinte séculos, ensinaste-nos que o homem achará o

    que procura e receberá o que pede...

    O Divino Orientador ouvia, comovido, enquanto os demais

    seguiam a cena com admiração.

    O visitante reverente deixou cair lágrimas sinceras e

    prosseguiu:

    - Vezes inúmeras, eu tenho lidado com o desejo e a posse, com

    a esperança e a realização nos circulos transitórios da existência

    carnal. Estou pronto para cumprir-te os desígnios superiores, seja

    onde for, quando e como quiseres, mas, se permites, rogo-te luz

    divina do teu coração para o meu coração, paz, alegria e vigor

    imortais de tua alma para minha alma!... Quero seguir-te, enfim!...

    Com doçura admirável, o Mestre tocou-lhe a fronte e indagou:

    - Queres ser meu discípulo?

    - Sim! – respondeu o aspirante da luz.

  • 41

    Calou-se o Cristo. Verificando-se intervalo mais longo, e

    considerando que todos os pedintes haviam recebido gratificações

    e júbilos imediatos, o aprendiz perguntou:

    - Que me reservas, Senhor?

    - O Doador das Bençãos contemplou-o com ternura e

    informou:

    - Volta ao campo de teus deveres. Entender-me-ei contigo

    diretamente.

    E depois de um silêncio, que ninguém ousou interromper, o

    Mestre concluiu:

    - Reservar-te-ei a lição!

    Paralelando, Entendendo e Interpretando

    Lendo e relendo a narrativa, a nós presenteada pelo nosso

    querido Irmão X, consegui, com a ajuda e presença constante dos

    amigos do Plano Espiritual, traçar um paralelo entre a situação de

    evolução de cada uma das personagens e a passagem evangélica,

    contida em Mateus, 7:7-8: “Pedi, e dar-se.-vos-à; buscai e

    achareis; batei e abrir-se-vos-à; porque todos os que pedem,

    recebem; os que buscam, acham; e a quem bate, se abre.”~

    Encontramos o mesmo sentido, através da forçada

    prece/oração, no capítulo XXVII do E. S. E. (Pedi e obtereis).

    Tudo o que for referente à evolução do espírito, estará sempre

    relacionado com o nosso posicionamento, reposicionamento e

    reforma íntima, no tocante ao nosso aperfeiçoamento.

    Logo no início, o querido autor nos afirma a condição de

    encarnados das personagens, quando cita: “...o Mestre dos

    Mestres recebia a longa fileira de almas necessitadas, a

    chegarem da Terra, trazidas pelas asas veludosas do sono.” –

    ou seja, chegaram até Jesus pelo desdobramento do espírito do

    encarnado, quando este está dormindo e somente o corpo fisico se

    encontra em descanso.

  • 42

    As personagens que circulam pelo texto, nada mais são do que

    uma projeção de todos nós, simbolizados pelos diversos estágios

    evolutivos por que passamos, durante a vida progressiva do

    espírito, através das muitas e diversificadas encarnações que já

    tivemos.

    Como se nos afirma, em uma frase atribuida ao Codificador

    Allan Kardec e que se encontra esculpida no dolman de seu

    túmulo: “Naître, mourir, renaître encore et progresser sans cesse,

    telle est la loi.” – “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir

    sempre, esta é a lei.” Ao refletirmos sobre seus significados, com isenção da

    emoção e do desculpismo natural, momento em que justificamos

    todas as nossas ações, poderemos determinar em qual estágio do

    progresso espiritual nos encontramos, quais posturas temos

    adotado e o que necessitamos modificar para avançar diante da

    espiritualidade.

    Nenhum de nós reencarna para ter poder, riquezas ou beleza;

    reencarnamos para cumprirmos com o necessário progresso do

    espírito, pelas expiações e provas, conscientes de que tudo que

    aqui temos, ou não temos, que alcançamos ou não, chega pelas

    consequências dos nossos atos.

    Nesta história, Jesus, como não poderia deixar de ser, é a

    personificação da pureza máxima, da bondade infinita, da justiça

    plena, que fazem parte da divindade, que está sempre ao nosso

    lado, acompanhando-nos em nosso processo evolutivo,

    concedendo-nos, de acordo com nossos méritos, em atitude de

    concordância, tudo aquilo que pedimos, mas mostrando que tudo

    tem seu tempo, muitas vezes até transigindo em tolerância, pelo

    Seu imenso amor.

    Humberto de Campos mostra ainda a bondade e a

    condescendência do Divino Mestre em sua disposição de ceder aos

    sentimentos, aos desejos dos diversos personagens que chegam até

    Ele, na imensa maioria implorando por benefícios materiais.

  • 43

    Sem dúvida, todos serão ouvidos e amorosamente atendidos,

    na medida das suas necessidades, dos seus méritos e das suas

    fraquezas, que o Mestre sabe que serão eliminados pelas diversas

    vivências do espírito inserido na carne, sempre com o horizonte a

    mostrar o crescimento espiritual que surgirá no futuro.

    A cada passo uma lição, a cada tipo de pedido a demonstração

    e confirmação do nosso estágio evolutivo.

    Irmão X, pela narrativa, nos traz a possibilidade de podermos

    simbolicamente dividir nossa evolução em três etapas distintas e

    sequênciais:

    Pedi, e dar-se-vos-à Buscai e achareis Batei e abrir-se-vos-à.

    1. Pedi e dar-se-vos-à – a infância do espírito

    Pela leitura constatamos que os espíritos mesmo estando no

    início de sua evolução, possuem a consciência da existência de um

    poder maior a lhes dirigir as experiências.

    Porém, esses espíritos, ainda sem grande consciência do seu

    próprio papel neste processo, vivenciando sua infância, colocam-

    se perante a Espiritualidade, qual a criança que tudo espera do

    adulto, por estar totalmente na dependência dele.

    Lembremos que a idade fisica nada significa: o encarnado

    pode estar vivendo seus 100 anos no corpo fisico e em espírito ser

    ainda, comparativamente, um recém-nascido.

    Somente vivem o “pedi e dar-se-vos-à”, sem se preocupar com

    o buscar, o bater, o lutar, o estudar, o progredir, o entender, o

    aceitar, ou o se reformar.

    Nesta fase, o espírito começa a perceber o mundo à sua volta e

    as suas preocupações maiores se resumem à vida fisica, na luta

    pela sobrevivência e na conquista pelos aspectos materiais.

  • 44

    Os ensinamentos chegam para todos, mas o aprendizado, no

    entanto, será de cada um. Ele é individualizado, o livre-arbítrio

    está presente e assim, pouco a pouco, é que se dá o

    desenvolvimento do seu raciocínio rumo aos estágios superiores

    da evolução.

    Na história de hoje, poderiamos colocar como

    representante desses estágio evolutivo:

    . A mãe que pede pelos filhos;

    . A linda moça que pede pela saude do noivo;

    . O lavrador, que pede pela boa colheita;

    . O cavalheiro respeitável, que pede possibilidades materiais.

    A carinhosa mãe solicita a Jesus a sua complacência vigilante

    para os filhos. Poderiamos no primeiro momento entender como

    plenamente louvável este apelo a Jesus. Mas, muitas vezes,

    aguardamos da Espiritualidade amiga, a proteção incondicional

    para nós ou para os que amamos; querendo tudo para nós

    esquecemos a necessidade de outros irmãos que minguam no

    abandono, na opressão, ou nos sofrimentos da ausência da saude

    fisica e mental. Olvidando também das responsabilidades pelos

    nossos atos, o que a própria lei divina nos impõe, sem atentarmos

    para as possibilidades do enorme leque de ações caridosas que

    temos no momento – retratado aqui o egoismo.

    A linda moça que pede pelo seu noivo, quer nos fazer crer que

    tem um lado de desprendimento e renúncia; na verdade, ela pede

    por ela mesma, pois quando diz que sem ele não viverá, demonstra

    dependência e sentimento de posse. Ela simboliza as pessoas que

    se deixam levar por um excessivo apego aos companheiros de

    jornada terrestre, esquecidos de atentar para as necessidades

    evolutivas deles, buscando dominar sua vontade, impondo suas

    necessidades e colocando a sua presença fisica ao seu lado, como a

  • 45

    única medida da capacidade de sobreviver – retratados aqui a

    dependência, desejo de posse e medo.

    O velho e simpático lavrador é o simbolo da pessoa sem fé

    na promessa futura da ação da Lei Divina. São aqueles que vivem

    somente o agora e tudo aguardam da vida na Terra, preocupando-

    se por demais com seu sustento, plantando somente na Terra, sem

    a preocupação de preparar, arar e plantar no divino terreno das

    vidas futuras. Todos os seus desejos, todas as suas aspirações

    encontram-se focados nessa única experiência, não levando em

    conta que ela é apenas uma experiência. A Terra torna-se, então, o

    celeiro, o recreio e a esperança, como se ela fosse o nosso

    definitivo lar, onde não cabem ideais espirituais maiores –

    retratados aqui a falta de entendimento, ausência do estudo e

    negação da verdadeira fé.

    O cavalheiro respeitável, simbolizando o rico, que pede

    muitas riquezas e mordomias, para combater o pauperismo, a

    fome, a nudez, objetivando boas ações, e, em princípio, ajudar a

    muitos, na aparência de que não seria só para ele, sem querer lutar

    por esta causa, pede o imediato, para aí sim, agir em benefícios

    gerais. Esperando receber antes, para depois doar, só prometendo e

    correndo o risco de, ao obter, esquecer-se de ajudar e muitas vezes

    não cumprindo com seus objectivos – retratados aqui o

    comodismo, a inércia e também a ociosidade. Para estes pedidos, feitos pelas personagens acima, todos

    relacionados com o “pedi, e dar-se-vos-à”, o Mestre, no que nos

    conta o texto, delega os atendimentos aos seus celestiais:

    Cooperadores, Emissários, Auxiliares Adjuntos.

  • 46

    Todos serão atendidos nas devidas oportunidades, promovendo

    assim resultados positivos para suas rogativas. Jesus, ao observar o

    surgimento de alguns sinais de evolução, já não havendo o

    primitivismo, realiza os desejos das personagens, mesmo que

    ainda se encontrassem em fase inicial de progresso.

    Temos certeza que todos nós passamos, ou ainda estamos

    passando por esta fase, ou estágio, mas felizmente, o nascer, o

    morrer e o renascer se alternam para o Espírito em progresso, em

    busca de alcançarmos o objectivo maior das sucessivas

    encarnações, que é o encontro da perfeição.

    2. Buscai e achareis – Juventude do espírito

    Aos poucos, vamos consolidando em nós os ensinamentos que

    o Plano Superior nos descortina e, as diversas experiências

    vividas ao longo das nossas existências, fazem com que nosso

    Espírito, em dado momento, mais consciente, anseie por vivenciar

    outras situações, buscar mais conhecimento, desenvolver laços

    mais estreitos e mais harmoniosos com os diversos companheiros

    que a espiritualidade pode nos proporcionar.

    Quando chegamos a este ponto, as referências materiais, os

    desejos imediatistas, o egoismo, a personalidade egocêntrica, a

    vaidade, o orgulho, que eram muito importantes num primeiro

    momento, passam a não trazer satisfação, saciedade ou prazer:

    sentimos que algo não mais nos realiza.

    É neste ponto da nossa evolução que deixamos de agir somente

    pelo “pedi e dar-se-vos-à” de coisas para o conforto e segurança

    das coisas da matéria e passamos a viver também o “buscai e

    achareis.” Este estágio, que ainda denuncia estarmos na juventude do

    espírito, quando então buscamos conhecimentos, não nos liberta

    ou isenta da maravilhosa e necessária ajuda do Mundo Espiritual,

  • 47

    porém, já não ficamos aguardando que tudo nos seja dado e doado

    pelos Irmãos Superiores, sob a orientação e governança de Jesus.

    Entendemos que nosso espírito é parte ativa de seu próprio

    crescimento e evolução espiritual; a reforma intima toma as

    devidas proporções de necessidade; agora, nesta fase, já

    conseguimos olhar para o próximo e sentimos que podemos

    ajudar, temos a vontade de suprir suas necessidades, começamos a

    nos desfazer do egoismo, da vaidade, do orgulho, do ciume, da

    inveja e da arrogância.

    A personagem que simboliza o estágio seguinte, do “pedi e

    dar-se-vos-à” + “buscai e achareis”, é

    . O filósofo, um sábio que não pede bens materiais, não pede só

    para si, ou para os seus; desta forma, amplia seu alcance, deixando

    de lado a visão egoística de um provável e limitado universo. Ele

    aspira auxiliar a muitos encarnados, renovando a cultura na Terra,

    pois sabe que este é um dos desafios do espírito, crescer em

    igualdade, tanto em progresso moral, quanto intelectual. Quando o

    filósofo pede inspiração ao Divino Mestre, não pede que a obra se

    realize por concessão de favores, mas que lhe seja dada a condição

    de realizá-la.

    Aqui, Jesus já não solicita cooperadores, emissários, auxiliares

    ou adjuntos; concede um vasto séquito de instrutores,

    demostrando que o pedido era mais elevado em sua essência e que

    não era somente um caso de se dar alguma coisa, mas antes, o de

    preparar alguém para uma missão maior.

    A narrativa prossegue nos informando que uma legião de

    suplicantes, movimentada e feliz, continuava a pedir ao Mestre por

    suas necessidades da carne, a maioria na condição do “pedi e dar-

    se-vos-à”.

    3. Batei e abrir-se-vos-à – entrada na fase adulta

  • 48

    Continua o espirito a sua jornada evolutiva, caminhando agora

    em sua fase adulta, buscando adquirir maturidade.

    Ela será o resultado das experiências acumuladas pelas

    encarnações sucessivas, pelos ensinamentos absorvidos, com seu

    consequente aprendizado e finalmente pela prática exaustiva da lei

    divina e imutável de amor que rege o Universo e da entrega total

    do amor ao próximo.

    Quando o espírito chega neste culminante ponto de

    entendimento, de abnegação, de humildade, de simplicidade, de

    devotamento, de obediência e de resignação, já não só pede para

    obter e nem só busca para encontrar, ele entende que precisa

    agora também bater para entrar.

    É o “batei e abrir-se-vos-à”, não quer somente pedir, não

    quer mais somente buscar, ele quer compartilhar com Jesus de sua

    companhia, de sua presença, pois tudo é o resultado da reforma

    íntima que vinha sendo construída com afinco, dedicação e luta.

    A transformação é profunda nesta fase, o Espírito já conseguiu

    um razoável progresso intelectual e está plenamente consciente de

    seu progresso moral, dedica todo seu esforço na direção do bem,

    querendo somente ser o discípulo e receber o seu quinhão.

    O símbolo desse estágio está nesta personagem:

    . O “homem diferente”, que ao penetrar o ambiente, antes mesmo

    de pronunciar qualquer palavra, já provocava reações positivas,

    das mais diversas, nos presentes. Olhar lúcido transmitindo

    vontade interior, gestos respeitosos que arregimentavam

    confiança, provocando sentimentos de veneração espontânea.

    Respeitoso com a autoridade do Divino Orientador, em

    demonstração de humildade, ajoelha-se e, em vez de inicialmente

    pedir, justifica-se. Reconhece a autoridade, bondade, justiça e

    sabedoria do Divino Pastor; ao mesmo tempo que mostra seu

    momento de mea-culpa e de entrega total, somente após estas

  • 49

    demonstrações, faz um pedido diferente, ratificando sua condição

    de “homem diferente”, como nestas passagens:

    - Senhor, eu sei que sempre dás, conforme nossos rogos.

    - Há quase vinte séculos, ensinaste-nos que o homem achará o

    que procura e receberá o que pede...

    - Vezes inúmeras, eu tenho lidado com o desejo e a posse, com

    a esperança e a realização nos circulos transitórios da existência

    carnal. Estou pronto para cumprir-te os desígnios superiores, seja

    onde for, quando e como quiseres, mas, se permites, rogo-te luz

    divina do teu coração para o meu coração, paz, alegria e vigor

    imortais de tua alma para minha alma!... Quero seguir-te,

    enfim!...

    Jesus lhe pergunta se quer ser Seu discípulo.

    - Sim! – respondeu o aspirante da luz.

    - Que me reservas Senhor?

    Neste ponto, o “homem diferente” representa a evolução

    pretendida por todos nós, já a caminho da perfeição; por suas

    atitudes sua visão e necessidades são mais elevadas, por isso,

    bateu e a porta se abriu para ele.

    Em seu discurso para Jesus, ele fala de toda a caminhada

    evolutiva que já fez, quando diz que inúmeras vezes ele esteve na

    Terra, lidando com o desejo e a posse, com a esperança e a

    realização, deixando claro que aquele amadurecimento era fruto de

    conquista árdua e demorada. E, ao invés de pedir, ele bate à porta

    estreita de que nos fala Jesus, se dispondo ao serviço junto a Ele e

    a suportar tudo por Ele.

    Seguindo o exemplo do Apóstolo Paulo, que travou com Jesus

    este diálogo: “Senhor, eu creio. Quie queres que eu faça?”, o

    “homem diferente” pergunta: “Que me reservas, Senhor?”. Não

  • 50

    demonstrando dúvidas, ele só queria saber qual seria a sua tarefa,

    junto ao Provedor do Bem.

    Jesus, que tudo sabe, reconhecia naquele homem o verdadeiro

    servidor, o fiel seguidor que jamais iria recuar ou temer o fardo

    maior e mais pesado. Sua resposta, inversamente às que foram

    distribuidas, dizia para que o “homem diferente” retornasse ao

    campo de seus deveres, ou seja, após acordar de seu

    desdobramento do Espírito, retornando à Terra, retomasse as lides

    diárias, não para receber uma condição fisica e material melhor do

    que os outros, mas, separado dos demais, o próprio Jesus iria ter

    com ele.

    Ele não receberia parcialidades, bens, saude, campos férteis,

    sabedoria: ele receberia a Lição.

    Jesus lhe reservou a Lição, pois ele já tinha passado por todo o

    resto e agora, quando atingia seu ponto culminante na Terra,

    receberia os ensinamentos diretamente do Mestre e não dos

    divinos cooperadores, emissários, auxiliares ou adjuntos. Não

    haveria mais intermediários.

    Podemos pedir e buscar, mas tenhamos sempre como meta o

    bater à porta.

    Logo no início desta interpretação falei que os ensinamentos

    são para todos, mas o aprendizado é de cada um; é necessário que

    nós, já estando no caminho, ao longo de muitas encarnações

    vividas, recebamos os ensinamentos, sejamos bons aprendizes, nos

    preparando para receber a Lição.

    O estudo da Doutrina Espírita nos facilita o caminho, mas sua

    prática é que nos mostrará como ver, alcançar e ultrapassar a porta

    estreita.

    Estreita, no sentido de deixarmos para trás as coisas da

    matéria, mas imensamente larga para possibilitar a evolução moral

    e intelectual do espírito.

    É a porta do capril, que Jesus refere em João, 10:1 – “Em

    verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no

  • 51

    aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e

    salteador.”

    A Lição vinda diretamente do Mestre Divino, nos fará fazer o

    que Ele faz e coisas maiores, como nos atesta em João, 14:12 –

    “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim

    fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque

    eu vou para junto do Pai.”

    Para chegarmos a este grau elevado de evolução e fazer o que

    Ele faz, precisamos eliminar, através das infinitas oportunidades

    de reencarnações, todas as impurezas do espírito, adquiridas desde

    a nossa primeira encarnação. Alguns chegam mais rápido que os

    outros, basta para isso vivenciar a prática de todos os

    ensinamentos e não somente conhece-los.

    Salvé, Jesus! Saude e paz para todos.

    MARCELO VITAL BRASIL

    (S. Paulo – Brasil)

    (Artigo cedido, gentilmente, pelo Autor).

    *

  • 52

    A CASA DE DEUS

    Quando a descobri, o desarrumo era total,

    Numa confusão de sentimentos baralhados

    No geral,

    Misturando-se o orgulho e a vaidade,

    E o egoismo, que vence qualquer idade!

    Encontrei a desesperança,

    O ressentimento dos que não têm confiança,

    E a auto-compaixão

    Dos que vivem sem qualquer ilusão!

    (A moradia de tão escura,

    Não revelava fé na vida futura)...

    ... Mas sem saber como, um dia

    Entrou o sol naquela moradia,

    E o que era escuro se perdeu

    Na claridade de um novo dia que nasceu!

    E o sol, ao entrar, ensinou a olhar

    E amar a Natureza,

    Desde o pipilar das avezitas no ar,

    Ao rumorejo

    Da água da praia, num bocejo

    De quem não sabe se dormir... se orar!

    ... E o olhar perdeu-se em rios e montanhas,

    Em florestas e árvores tão tamanhas

    Que parecia o céu quererem tocar...

    E o riso da criança que passava

    Era a cascata de água cristalina

    A fugir ao rio, buscando o mar!

    ... E as lágrimas que os olhos alagavam,

    Que de salgadas tanto amaravam,

    Secavam céleres, aos beijos que lhe dava

  • 53

    A brisa acariciante que as roçava!

    ... E a dor que anteriormente afligia

    Já não era dor... eu diria

    Que era apenas um sentir

    - Talvez um estado d’alma

    De quem encontrou, enfim!, a calma!

    E na casa que descobrir eu um dia pudera

    Não havia mais desarrumo total:

    Os maus sentimentos dominados

    (ainda não vencidos no geral)

    Davam aos “quartos” ares de arrumados:

    Entrava neles a luz que vinha dos céus,

    E aquela moradia

    (O meu coração, eu lhes diria)

    Era também uma Casa de Deus!

    MANUELA VASCONCELOS

    Lx., Novembro de 1986

    *

  • 54

    A PEDRA ANGULAR

    DAS TRÊS REVELAÇÕES Deus não quer ser temido, mas amado

    “(...) Não existe outra lei senão esta: Amai a Deus sobre todas as coisas e ao vosso próximo como a vós mesmos”.

    Como não poderia deixar de ser, Deus é o foco central das

    Três Revelações. Evidentemente, em cada uma delas, a

    compreensão possível sobre “o que é Deus” foi-se ampliando de

    acordo com a dosagem de luz oferecida pelo Mais Alto

    porporcionalmente à nossa capacidade de “metabolizar

    intelectualmente” tais informações.

    Assim, Moisés (1)

    nos apresenta um Deus terrível, injusto, que

    pune um povo inteiro pela falta de seu chefe, que Se vinga do

    culpado na pessoa do inocente, que fere os filhos pelas faltas dos

    pais, caracterizando as chamadas “cobranças vicárias” que não

    existem nem mesmo nas precárias, limitadas e imperfeitas leis

    humanas... Moisés desenha-nos o perfil de um Deus ciumento,

    vingativo, cruel, i