Composição Material (Breno Hax)

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Versão PDF do artigo COMPOSIÇÃO MATERIAL da EDIÇÃO DE 2014 do COMPÊNDIO EM LINHA DE PROBLEMAS DE FILOSOFIA ANALÍTICA 2012-2015 FCT Project PTDC/FIL-FIL/121209/2010 Editado por João Branquinho e Ricardo Santos ISBN: 978-989-8553-22-5 Compêndio em Linha de Problemas de Filosofia Analítica Copyright © 2014 do editor Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Alameda da Universidade, Campo Grande, 1600-214 Lisboa Composição Material Copyright © 2014 do autor Breno Hax Junior Todos os direitos reservados

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Reflete sobre a Composição do mundo material concreto e objetivo com perspectivas ao mundo metafisico.

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    COMPOSIO MATERIAL

    da EDIO DE 2014 do

    COMPNDIO EM LINHADE PROBLEMAS DE FILOSOFIA ANALTICA

    2012-2015 FCT Project PTDC/FIL-FIL/121209/2010

    Editado porJoo Branquinho e Ricardo Santos

    ISBN: 978-989-8553-22-5

    Compndio em Linha de Problemas de Filosofia AnalticaCopyright 2014 do editor

    Centro de Filosofia da Universidade de LisboaAlameda da Universidade, Campo Grande, 1600-214 Lisboa

    Composio Material Copyright 2014 do autor

    Breno Hax Junior

    Todos os direitos reservados

  • ResumoSob quais condies um objeto parte de algo? H objetos compos-tos? Este artigo discute as principais posies acerca destas perguntas. As relaes de composio e constituio so distinguidas. O papel do senso comum para resolver questes sobre composio avaliado. O artigo examina um argumento em favor da existncia de objetos com-postos que relaciona composio, causalidade e conscincia. Finalmen-te, o artigo sugere que argumentos em favor da existncia de objetos compostos podem operar para selecionar casos que uma teoria da com-posio deve tomar como pontos de partida ao especificar as condies para haver composio.

    Palavras-chaveComposio, causalidade, parte, conscincia, mereologia

    AbstractWhat are the conditions for an object to be a part of something? Are there composed objects? This article discusses the main positions on these questions. The relations between composition and constitution are distinguished. The role of the common sense to solve questions about composition is assessed. The article examines an argument in favour of the existence of composed objects which connects composi-tion, causality, and consciousness. Finally, the article suggests that the debate on composition can benefit from arguments in favour of the ex-istence of composed objects because, if successful, they provide fodder to specify the conditions for there to be composition.

    KeywordsComposition, causality, part, consciousness, mereology

  • Publicado pela primeira vez em 2014

    Composio MaterialA composio um tpico metafsico central para a compreenso da natureza das entidades materiais. Como veremos, seu tratamento tem conseqncias importantes para outros tpicos fundamentais de metafsica como quais entidades materiais existem e a relao entre pessoas e corpos.

    Para simplificar, chamarei entidades materiais de objetos. Tam-bm empregarei o termo partcula para designar objetos simples.

    H entidades materiais compostas? Sob quais condies um obje-to compe algo? Preliminarmente, podemos dizer que composio uma relao entre objetos. Composio uma relao entre um objeto e aqueles objetos que so suas partes. Essa apresentao pre-liminar no uma definio e servir apenas para guiar o incio de nossa investigao.

    aconselhvel esclarecermos a distino entre composio e constituio. Constituio a relao entre um objeto e a matria de que este feito. O seguinte cenrio servir para contrastar as duas relaes. Se houvesse somente um objeto simples (isto , um objeto sem partes prprias) no universo, esse seria um caso em que haveria constituio mas no composio. Aquele objeto seria constitudo por alguma matria mas no seria composto.1

    Os filsofos disputam sobre a existncia de objetos compostos. Caso no existam, como explicar os supostos compostos reconheci-dos pelo senso comum? Seriam eles apenas arranjos de objetos sim-ples? Ao invs de agregado, utilizarei configurao e arranjo.2 Falar de configuraes ou arranjos de objetos no nos compromete com a existncia de algo alm dos objetos que formam a configurao ou arranjo e de seus modos de arranjar-se.

    A seo 1 examina alguns problemas metafsicos nos quais a no-o de composio tem um papel essencial e mostra que o apelo ao senso comum no os resolve. As sees 2-5 discutem diversas respos-

    1 A palavra constituio tambm usada para discutir-se uma outra relao metafsica: a relao entre um objeto x e o objeto formado pela matria de x. Note-se que esta ltima uma relao entre objetos. Cf. o verbete constituio material.

    2 Merricks (2001) faz uso de arranjo.

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    tas pergunta sobre as condies para um objeto ser parte de algo. A seo 6 explora um argumento em favor da existncia de objetos compostos. Finalmente, a seo 7 apresenta observaes acerca de uma estratgia para examinar composio.

    1 Problemas que envolvem a identidade de objetos compostos e senso comum

    A reflexo acerca de objetos compostos depara-se com problemas filosficos resistentes como o Problema do Navio de Teseu e o Pro-blema da Co-locao da esttua de bronze e da barra de bronze que supostamente compo-la-ia.

    O Problema do Navio de Teseu, mencionado por Plutarco (2008: 23), pode ser apresentado da forma seguinte. O Navio de Teseu, composto por trinta placas de madeira, tem a cada dia uma delas substituda por outra placa de madeira que -lhe qualitativamente idntica. Batizemos com o nome Alfa o navio que resulta da substi-tuio completa de partes ao final de trinta dias. As placas removidas so usadas para montar um navio estruturalmente idntico ao Navio de Teseu, em disposies correlatas s originais. Chamemos Beta ao navio montado com as placas removidas. O Navio de Teseu Alfa? Ou Beta? Ou nenhum dos dois? A alternativa de que Alfa e Beta sejam ambos o Navio de Teseu est descartada porque problemtica nas duas leituras a que suscetvel. Na primeira leitura, uma entida-de, o Navio de Teseu, as duas entidades Alfa e Beta. Isso afronta a tese lgica de que uma entidade no pode ser duas entidades.3 Na segunda leitura, o Navio de Teseu uma nica entidade que est bi-locada como Alfa e Beta. Aceit-la levar-nos-ia a admitir que um objeto pode estar situado em duas regies distintas e no-contgas do espao ao mesmo tempo.4

    O apelo ao senso comum pode ajudar-nos a resolver essas ques-tes? Investigar as prticas usadas quotidianamente pelas pessoas para julgar a preservao da identidade de objetos e reconhecer naque-

    3 Hobbes (2000: captulo II) critica essa possibilidade. Cf. tambm Merricks (2001: 20-1).

    4 Agradeo ao parecerista pela indicao desta segunda possibilidade.

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    las prticas a aplicao de princpios metafsicos certamente um procedimento valioso. Contudo, o uso desse procedimento para re-solver questes filosficas exige que se trate o senso comum como uma teoria ou como o material bruto do qual se pode extrair uma teoria. Essa uma idealizao. As noes usadas no senso comum no possuem condies necessrias e suficientes como as noes de uma teoria. No que tange especificamente ao problema de julgar se um artefato o mesmo aps a troca de partes, talvez as prticas do senso comum incorporem princpios metafsicos que conflitam em situaes-limite.

    Considere-se a prtica do senso comum de aceitar que um arte-fato pode sofrer a substituio de uma nica parte e permanecer o mesmo. O princpio metafsico poderia ser formulado da seguinte forma: um artefato permanece o mesmo aps a alterao de uma nica parte sua. A aplicao reiterada deste princpio prescreve que aps cada alterao de uma nica parte, devemos tratar o objeto re-sultante como numericamente idntico ao objeto original. Aps uma seqncia finita de passos, as partes sero todas substitudas, o que resultar em um objeto que difere em todas as partes do original. Passaremos do Navio de Teseu por sucessivas substituies de uma nica placa at obtermos Alfa. Porm, plausvel que se considerar-mos que esta ltima prtica do senso comum incorpora um princpio metafsico que poderia ser expresso como artefatos que difiram em todas as suas partes so distintos, teremos uma coliso de princpios. A aplicao do primeiro princpio trata Alfa como o Navio de Teseu. A aplicao do segundo princpio trata-o como um objeto distinto.

    Assim, prima facie a aplicao reiterada de um princpio acerca da identidade de objetos originado do senso comum conflita com outro princpio destilado de outra prtica do senso comum. Se esse conflito no for apenas aparente, apelar para princpios destilados de nossas prticas no serve para resolver a questo.

    Contribui para a suspeio acerca da capacidade do senso comum de responder conclusivamente questes de composio a constatao de que o senso comum no usa noes afiadas no tratamento de obje-tos. Por exemplo, parece plausvel a suposio de que o senso comum aceita a existncia de objetos compostos. Mas o que o senso comum diz sobre objetos simples? Realmente h uma posio do senso co-

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    mum sobre esse ponto?5

    Deixemos o senso comum por ora de lado e tentemos resolver o problema de outro modo. Podemos, de forma hipottica, adotar a tese de que um objeto composto tem todas as suas partes necessaria-mente. Esta tese chama-se essencialismo mereolgico (Chisholm 1976: Apndice B). Se o essencialismo mereolgico correto, um objeto composto x substitudo por um objeto composto y quando uma das partes de x substituda.

    Chisholm (1976) usa a expresso todo para designar um objeto a que se aplica o essencialismo mereolgico. Acompanhemos o uso da noo de um todo chisholmiano na soluo que Chisholm (1976) oferece a um caso semelhante ao Problema do Navio de Teseu. Con-sideremos o que o senso comum trataria como uma mesa composta pelas tbuas A e B que se preserva enquanto tem partes substitudas pelas tbuas C e D em dias consecutivos.

    Segunda-feira AB

    Tera-feira BC

    Quarta-feira CD

    Quantos objetos h aqui? H uma nica mesa que permanece de se-gunda a quarta-feira? H trs todos que se substituem no perodo? Chisholm prope que se adotarmos o ponto de vista do senso co-mum, h um nico objeto, a mesa. Por outro lado, se adotarmos o

    5 Como sabemos que o modo como tratamos um artefato no apenas o resultado de prticas instauradas por convenes do departamento de trnsito local para decidir quais alteraes de partes um carro pode sofrer e ainda ser classificado como o mesmo carro? Moravcsik (1990) segmenta o senso comum entre uma camada de senso comum bsico e uma camada de sabedoria convencional. Em sua concepo, a primeira camada possui uma certa estabilidade e impenetrabilidade (embora no preciso); a segunda camada varivel e permevel a teorias originadas fora do senso comum bsico. A distino de Moravcsik mostra-nos uma rota para a defesa do papel do senso comum em questes filosficas. Precisaramos reconhecer a distino, encontrar uma prova que conecte senso comum e verdade e, finalmente, determinar que as intuies sobre a questo originam-se do senso comum bsico. Na falta de uma adequada justificao que conecte senso comum e verdade, o papel do senso comum como conselheiro em questes metafsicas permanece sob suspeio.

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    sentido estrito e filosfico, h trs diferentes objetos. Mas dizer que h quatro mesas simplesmente o resultado de confuso (Chisholm 1976: 103). Na viso de Chisholm, esse erro seria o resultado de usar duas teorias distintas como se fossem a mesma teoria. Ele pensa que isso inadvertidamente combinaria critrios imprecisos de identidade do senso comum com critrios precisos do sentido filosfico (1976: 154). O modo filosfico emprega, segundo Chisholm, uma noo ri-gorosa de identidade. A teoria do senso comum e a teoria filosfica diferem em seus critrios para atribuir identidade e para classificar algo como um objeto.

    O uso da noo de todo certamente oferece uma orientao para resolver o Problema do Navio de Teseu. Porm, essa noo um elemento-chave para gerar o Problema de Discbolo. Aceitar todos como AB, BC e CD pode resolver o problema para determinar quais so os objetos envolvidos na situao e as condies sob as quais pre-servam sua identidade. Porm, esse passo pode gerar o Problema da Co-locao como a seguir veremos.

    Uma teoria que aceite esttuas e todos chisholmianos ter que afirmar que em um mesmo instante dois objetos a esttua de bron-ze Discbolo e o todo composto das partes de Discbolo no instante ocupam a mesma posio espacial.6

    Discbolo idntico quele todo? Se no identidade, qual a relao entre Discbolo e o todo? Discbolo poderia trocar de partes porque as partes de bronze que compem Discbolo poderiam ser substitudas por outras partes de bronze. O todo no poderia trocar suas partes. O todo poderia sofrer alteraes de forma. Discbolo, no. As coisas que so possveis para Discbolo divergem das que so possveis para o todo que o compe. Dessa forma, difcil aceitar a tese de que so a mesma entidade. Mas se assim, seremos forados a adotar a desconfortvel tese de que h dois objetos co-locados.

    Uma tese compartilhada por todos os lados envolvidos nas dispu-

    6 A teoria de Chisholm no est sujeita a esse problema. Uma vez que Chisholm trataria a esttua como um objeto do senso comum, no haveria co-locao. Na sua teoria, dizer que h uma esttua e um todo co-locados resulta de uma confuso gerada por tomar-se duas noes de objeto que pertencem a teorias distintas o senso comum e uma teoria filosfica para reger o uso do termo objeto. Cf. Steen 2008 acerca da mudana das concepes de objeto de Chisholm.

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    tas acerca do Problema de Teseu e do Problema da Co-Locao a tese de que h objetos compostos. Mas h objetos compostos? E se os h, sob quais condies um objeto parte de outro?

    2 Sob quais condies objetos compem algo?

    Podemos aceitar a distino de van Inwagen (1990) entre uma ques-to geral da composio e uma questo especial da composio. Res-ponder a questo geral responder o que composio. Respond-la oferecer uma explicao ou anlise da composio. Van Inwagen acrescenta uma clusula a ser satisfeita por uma correta explicao. Para ser informativa, a explicao deve definir composio sem ape-lar a termos mereolgicos. Podemos, com van Inwagen, chamar de mereolgico todo termo que pode ser definido em termos do ter-mo parte (31). Ele considera que no h como responder a questo geral da forma exigida porque termos como composio e soma so termos mereolgicos. Esto em um crculo mereolgico no qual cada um s pode ser explicado por apelo ao outro (van Inwagen 1990: 51).

    No tratamento mereolgico das noes de sobreposio, parte prpria e simplicidade, a noo de parte tomada como bsica para definir as demais noes:7

    1) x uma parte prpria de y = df x uma parte de y e y no uma parte de x.

    2) x simples = df x no tem partes prprias.

    3) x sobrepe-se a y = df h um z tal que z parte de x e z uma parte de y.

    Van Inwagen introduz a abreviao abaixo:

    Os x compem y = df (1) Os x so todos partes de y, (2) no h sobreposio entre dois x e (3) qualquer parte de y sobrepe-se a pelo menos um dos x.8

    7 A anlise mereolgica origina-se da obra de Lesniewski 1983.8 Van Inwagen usa os x como uma expresso referencial plural (plural refer-

    ring expression) que designa, no um conjunto que contm os x, mas os prprios x.

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    A questo especial da composio pode ser apresentada da seguin-te maneira: sob quais condies necessrias e suficientes um objeto compe algo? Van Inwagen considera esta uma outra apresentao da questo: sob quais condies uma unidade surge a partir de uma pluralidade (31)?

    Tambm para a questo especial van Inwagen exige uma resposta que escape do vocabulrio da mereologia. Reapresentar, por exem-plo, a definio da circunstncia dos xs comporem y com a abreviao em termos de parte e sobreposio no nos retira do crculo mere-olgico. A resposta apropriada a essa pergunta deve ser no apenas correta como tambm informativa.

    Trs posies oferecem respostas ao problema da composio es-pecial:

    1. Niilismo Composicional: necessariamente nenhum objeto parte de algo;

    2. Universalismo Composicional: necessariamente todo objeto parte de algo;

    3. Moderao Composicional: apenas alguns objetos so partes de algo.

    As posies (1) e (2) so extremas por contraste com a moderao da posio (3).9 Uma posio moderada se nega as posies (1) e (2). Como veremos, h diferentes verses de posio moderada. Elas se diferenciam pelas condies que afirmam atuar na realizao da composio.

    Markosian (1998) defende como soluo para o problema da com-posio especial a proposta de que no h condies necessrias e suficientes para um objeto ser parte de algo. Esta posio, tambm chamada de composio bruta prope que no h resposta para a questo especial da composio. No se trata de uma proposta de que a noo de composio uma noo sem extenso. Markosian afirma

    Cf van Inwagen (1990: seo 2). Cf. o tratamento da referncia plural em Black 1971.

    9 A classificao entre respostas extremas e moderadas deve-se a van Inwagen (1990).

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    que h entidades compostas. Ele cr que o fato de serem compostas bsico ou bruto. Por isso, podemos listar esses fatos mas no analis-los para destilar condies necessrias e suficientes.

    Markosian pensa que sua posio est de acordo com o senso co-mum. De fato, sua posio combina-se a uma aceitao de todas as entidades que o senso comum aceita como compostas. Mesmo assim, a posio de Markosian compatvel com a negao dos objetos do senso comum.

    3 Niilismo composicional

    O niilismo afirma que necessariamente nenhum objeto compe algo. No se trata de uma afirmao somente acerca do estado atual das coisas. Niilistas pensam que no h nem pode haver compostos ge-nunos. Assim, eles no aceitam a existncia de supostos compostos como estrelas, rvores e mesas.

    O niilismo considera que h apenas objetos simples ou partculas. Uma objeo imediata ao niilismo consiste em propor que h objetos compostos alm das partculas porque cada objeto composto um aglomerado de partculas. O niilista contra-argumenta que se trata de um erro considerar um aglomerado de objetos como um objeto. Assim, um aglomerado de partculas, em sua viso, no um objeto. Uma intuio similar parece ser exposta por William James:

    tomos de matria no podem compor coisas fsicas (compose physical ). Para um evolucionista atomista lcido (clear-headed), as coi-

    sas no so ( ). Nada h a no ser os tomos eternos ( ). Quando agrupados de certa maneira, nomeamo-los esta coisa ou aquela (James 1950: 161).

    Como o niilista trata o discurso acerca de objetos compostos?10 A tcnica usada pelo niilista para tratar situaes que o senso comum descreveria como situaes de haver uma cadeira situada em certa regio do espao deve-se a van Inwagen. Ele diz que uma semelhante

    10 Com isso, o niilista dissolveria problemas acerca da identidade de artefatos que tiveram suas partes substitudas por outras. De acordo com sua teoria, no existem artefatos e assim no existe um navio de Teseu. Assim, problemas a respeito da preservao da identidade do navio de Teseu ou a disputa acerca de qual dos dois navios o navio de Teseu so dissolvidos porque no haveria nem poderia haver navios.

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    situao poderia ser considerada como aquela na qual genuinamente partculas arranjadas em forma cadeiride (chairwise) ocupam a re-gio espacial (van Inwagen 1990: seo 13).11

    Uma vantagem dessa posio parece ser sua economia ontolgica. Ela econmica porque restringe sua ontologia a objetos simples.

    Outra vantagem da posio niilista reside em sua capacidade de dissolver paradoxos que envolvam objetos compostos como o Problema do Navio de Teseu. A questo sobre se um dado arranjo de placas em forma de navio o Navio de Teseu pressupe a tese de que h navios, uma tese que o niilista no pode aceitar. Uma vez que no h navios, no h o Navio de Teseu. Assim, no h mais o problema de saber-se se o Navio de Teseu Alfa ou Beta.

    Problemas de co-locao de objetos compostos so tambm dis-solvidos pelo niilismo. Como no h esttuas nem barras de bron-ze, no h tambm a co-locao de Discbolo e uma certa barra de bronze.

    Um outro importante argumento em favor do niilismo metaf-sico. Os niilistas consideram que se partculas (separadamente ou em concerto) causam tudo o que causado no universo, no h nenhuma razo para supor a existncia dos supostos compostos dessas part-culas. Se somente as partculas em concerto desempenham o papel causal, o composto que supostamente comporiam causalmente ir-relevante. Dessa forma, compostos seriam eliminados da ontologia niilista porque seriam causalmente irrelevantes.

    A tese da irrelevncia causal dos compostos apresentada na for-ma do Argumento da Sobredeterminao. O argumento deve-se a Merricks (2001) que o usa a servio de uma teoria composicional moderada para eliminar entidades que no possuam conscincia. Schaffer (2007) usa uma verso desse argumento em favor do niilis-mo. Consideremos um exemplo de sua aplicao.

    Em uma situao que do ponto de vista do senso comum seria descrita como uma bola quebrar uma vidraa, supostamente haveria uma bola que em seu movimento (como etapa de uma cadeia cau-sal) foi a causa do estilhaamento da vidraa. Porm, de acordo com Merricks, no haveria qualquer bola como entidade genuna envol-

    11 Van Inwagen no um niilista embora associe-se a este parcialmente no tratamento de artefatos e objetos que no so organismos. Cf. a seo 5.

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    vida na situao sob discusso. O que de fato teria acontecido seria que partculas arranjadas em forma de bola teriam interagido com partculas arranjadas em forma de vidraa. O resultado da interao causal seria outro arranjo de partculas em forma de vidraa estilha-ada. Em nenhuma etapa da cadeia causal haveria uma bola como um fator causal genuno envolvido na interao.12

    O niilista deve negar a existncia do universo se este for entendi-do como algo que possui partes. Talvez o niilista possa aceitar falar do universo apenas de um modo figurado.

    O niilismo enfrenta duas dificuldades. A primeira dificuldade surge de sua coliso contra a intuio do senso comum de que h objetos compostos no universo.

    A segunda dificuldade que o niilismo no pode aceitar a exis-tncia de pessoas se tom-las como objetos compostos. Van Inwagen (1990: 115) prope o seguinte argumento contra o niilismo:

    (1) Eu existo.

    (2) Se eu existo, eu tenho partes.

    (3) H pelo menos um objeto com partes.

    Se o caso que existimos e que temos partes, nossa existncia a existncia de objetos com partes. Assim, o niilismo seria falso.

    Van Inwagen pensa que o argumento em favor de nossa existncia deve ser um argumento de tipo cartesiano (116). A premissa (2) no cartesiana. Ela possui como sua justificativa a teoria de van Inwagen de que pessoas so organismos.

    Mas e se as entidades que pensam e experienciam forem part-culas que atuam em concerto? Essa a objeo de Rosen and Dorr (2003) ao argumento de van Inwagen. Eles pensam que o niilista pode afirmar que o argumento apenas provaria que existem part-culas que pensam em concerto. Van Inwagen pode redargir que o pensamento unificado. Como meu pensamento seria o pensamento de duas ou mais entidades? H duas ou mais entidades pensando neste momento aqui onde estou?

    O niilista somente poder aceitar a existncia de pessoas se consi-der-las como entidades simples ou imateriais.

    12 O exemplo de Merricks 2001.

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    Essa reflexo deve servir para lembrar-nos de que tomar uma po-sio acerca da adequao do niilismo para lidar com a existncia de pessoas exige que tambm se responda a questo posta por Chisholm: Eu sou idntico a meu corpo, sou idntico a uma parte de meu corpo ou no sou idntico a nenhum corpo? (Chisholm 1991: 168).

    4 Universalismo composicional

    O universalismo composicional (abreviadamente, universalismo) afirma que necessariamente para cada dois ou mais objetos h um objeto que eles compem. A composio daqueles objetos d-se mes-mo na ausncia de relaes espao-temporais e causais entre si. De acordo com essa concepo, se Scrates e Plato so objetos, h um objeto concreto que Scrates e Plato compem. Assim, de acordo com o universalismo, se aceitamos a existncia do nariz de Villa-Lobos e da Torre de Belm tambm devemos aceitar a existncia de um objeto composto por ambos.

    Deve ser mencionada, mesmo sem estar na mira desta discusso, uma verso do universalismo que sustenta que necessariamente h uma composio para cada duas entidades quaisquer que sejam suas categorias ontolgicas.13 Trata-se do super-universalismo. O super-universalismo afirma que Scrates, a propriedade da azulidade e a nota musical Sol compem um objeto.

    O universalista aceita somas mereolgicas e as trata como com-posies. Ele aceita as teses: (a) h necessariamente para cada dois ou mais objetos concretos, uma soma mereolgica sua e (b) uma soma mereolgia a composio de um objeto concreto. Assim, como dois objetos concretos necessariamente tm uma soma mereolgica, eles necessariamente compem um objeto concreto.

    Desse modo, a concepo universalista trata a composio como ontologicamente inocente. A inocncia ontolgica da composio consistiria no fato de que se aceitssemos a existncia de Scrates e aceitssemos a existncia de Plato ento no haveria qualquer nus adicional em aceitarmos a existncia da composio Scrates-Plato. Uma vez que tenhamos nos comprometido com a existncia dos x, o novo compromisso com sua composio (ou fuso) seria redun-

    13 O termo super-universalismo de van Inwagen 1990.

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    dante (Lewis 1991: 81). A aceitao dos primeiros envolveria de algum modo a aceitao do ltimo.

    A tese do universalismo pode vir acompanhada da tese de que composio identidade, ou seja, a tese de que um objeto suas partes.14 Alguns autores, como McDaniel (2010), afirmam que a tese de que composio identidade logicamente independente do universalismo. A tese de que composio identidade no deve ser confundida com a tese de que constituio identidade, ou seja, a tese de que um objeto a sua matria.

    O universalismo gera resultados contra-intuitivos quando apli-cado a organismos. Organismos fazem trocas de partculas com o ambiente. Organismos so objetos que substituem as partculas que os compem por outras partculas. Quando Jos come uma folha de alface, ele incorpora partculas daquela folha. Quando Jos corta seu cabelo, libera partculas no ambiente.

    Consideremos as partculas que compem o organismo de Jos em 2000. Em 2010, as mesmas partculas ainda existem mas no compem Jos. As partculas que o compem em 2000 esto es-palhadas no ambiente em 2010 e Jos agora composto por outras partculas.

    De acordo com van Inwagen, se o universalismo verdadeiro, e assim Jos idntico ao objeto que a soma das partculas que o compem em 2000, Jos idntico em 2010 mesma soma de partculas embora tais partculas no mais o componham e estejam espalhadas em um raio de milhares de quilmetros.

    Uma vez que o universalismo prope que no pode haver duas somas mereolgicas distintas das mesmas partculas simultnea ou sucessivamente, forado a aceitar que h apenas um objeto compos-to pelas partculas em 2000 e 2010 idntico a Jos.15

    Eliminar organismos no uma soluo para o universalismo por-que o argumento aplica-se tambm a artefatos. Se uma mesa fosse a

    14 Van Inwagen (1990) e Merricks (2001) consideram falsa a tese de que um objeto idntico a suas partes porque postula a relao de identidade entre uma coisa e muitas coisas. Eles negam que a relao de identidade possa relacionar uma nica entidade com muitas.

    15 Esse princpio chamado de Unicidade da Composio. Ele afirma que necessariamente no h somas mereolgicas distintas com os mesmos x.

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    soma mereolgica das partculas que neste momento a compe, uma vez que aquela soma existia h milhares de anos, tambm a mesa existiria h milhares de anos.

    Para escapar objeo de van Inwagen, alguns universalistas combinam o universalismo com o perdurantismo ou seja, a tese de que um objeto persiste devido a possuir mais de uma parte temporal (Lewis 1986: 202).

    Para evitar adotar a tese de que o objeto idntico a somas mere-olgicas distintas em instantes distintos, o universalista pode adotar a tese de que Jos a composio de suas partes temporais ou fatias. Assim, Jos a soma de todas suas partes temporais. Entre estas, incluem-se as fatias de 2000 e 2010.

    5 O composicionalismo moderado de van Inwagen

    Uma posio composicional moderada ou restrita defende a tese de que possvel que um objeto componha outro sob certas condies. As posies moderadas diferenciam-se pelas condies que elegem como necessrias e suficientes para um objeto compor algo.

    Posies moderadas evitam problemas como o Problema do Navio de Teseu que envolvem alguns objetos macroscpicos porque, como o niilismo, consideram que nesses casos h apenas partculas arranjadas.

    Elas combinam esse benefcio a outro a aceitao de alguns compostos. Por exemplo, organismos vivos ou seres dotados de cons-cincia.

    Discutirei a posio moderada de Peter van Inwagen. Ele afirma que os x compem um objeto y se e somente se a atividade coletiva dos x constitui ( ) a vida de y (van Inwagen 1990: 82). Um objeto torna-se parte de y porque y um organismo vivo e x apa-nhado ( ) na vida de y (94).

    Van Inwagen afirma que organismos vivos so o nico caso de objetos compostos. Organismos so compostos que realizam trocas com o ambiente preservando sua vida.

    O que unifica as partculas em um organismo vivo um evento, a vida deste organismo. A noo de evento usada de um particular. Uma vida um evento constitudo pela atividade combinada de obje-tos. tarefa do bilogo defini-la.

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    Assim, van Inwagen prope que no h pedras, nuvens, sol ou ca-deiras mas apenas partculas arranjadas em forma de pedras, nuvens, sol e cadeiras.

    Van Inwagen prope a seguinte tese:

    (A) Todo objeto um objeto simples ou um organismo vivo (98).

    Plausivelmente, van Inwagen trata a tese (A) como necessria. Sider (1993) objeta que van Inwagen precisaria demonstrar que no so possveis objetos para os quais cada uma de suas partes tem partes. Sider apresenta a conceptibilidade de um mundo em que cada objeto composto por partes dotadas de partes como uma evidncia em fa-vor de sua possibilidade. Porm, essa evidncia dificilmente contaria como uma prova de que tal cenrio metafisicamente possvel.

    Deveramos reconstruir a objeo de Sider, creio, como uma queixa de que van Van Inwagen no ofereceu uma prova da necessi-dade da tese A. Van Inwagen pode replicar que no tentou apresentar uma prova, mas apenas uma defesa de A.16

    Van Inwagen pensa que um organismo vivo composto por um conjunto difuso ( fuzzy) de partculas. Organismos vivos a cada ins-tante perdem e ganham partculas. Por isso, segundo van Inwagen, em alguns casos indeterminado se uma partcula compe ou no um organismo vivo. Assim, a teoria de van Inwagen tem o incon-veniente de tratar a relao de como uma relao vaga e tratar identidade e existncia como vagas. Van Inwagen no cr que a vagueza nesses casos deva-se linguagem mas prpria realidade.

    6 Uma disputa sobre composio

    As trs escolas de composio disputam sobre a abrangncia da re-lao de composio se todos objetos, nenhum deles ou apenas alguns compem algo.

    Uma disputa independente da primeira versa sobre qual exata-mente a relao designada pelo termo composio. H pelo menos duas relaes candidatas. Um teste bastante artificial e simplificado pode ilustrar a diferena dessas relaes. O teste contrasta a depen-dncia composicional do objeto composto em relao s suas partes.

    16 Van Inwagen distingue provas de defesas (1990: 75).

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    Aquele universalista que trata composio como identidade evitaria o uso da noo de dependncia para enunciar o teste. Ele no concebe a relao de composio como uma relao de dependncia. Como vimos na seo 4, concebe-a como uma relao de identidade.

    Consideremos o cenrio em que os objetos , B e C so as nicas partes do objeto D e deixa de existir. Esse acontecimento faz com que tambm o objeto D deixe de existir? Consideremos duas respos-tas:

    R1: A remoo de remove tambm D porque D uma soma mereolgica.

    R2: A remoo de no remove D porque D um organismo.

    Van Inwagen no emprega composio para designar a relao R1. Em sua concepo, composio designa R2. O universalista prope que composio designa R1. Um filsofo que aceite tanto R1 quan-to R2 como relaes de composio tratar composio como um termo ambgo.

    Se a relao R1 que conecta , B e C ao objeto D composio, D depende de cada uma de suas partes. Se a relao R2 composio, D depende de forma vaga de suas partes.

    7 Um argumento em favor da existncia de objetos compostos

    Merricks possui um argumento em favor da existncia de alguns ob-jetos compostos. Ele no oferece uma lista de condies necessrias e suficientes para um objeto ser parte de outro. Ele tambm no seleciona certos objetos e investiga o que os torna partes de um ob-jeto composto. Ao invs, parte de presumidos objetos compostos e defende que so compostos genunos porque se distinguem de suas partes em poderes causais. Devemos, conforme Merricks, reconhe-cer a existncia daqueles objetos compostos que causam coisas que suas partes no causam.

    Se Merricks tiver xito em provar que h compostos, sua teoria oferecer-nos- um ponto de partida para investigar o que faz com que suas partes componham-nos. Alm disso, sua teoria servir como uma refutao do niilismo.

    Nesta seo, utilizo tomo para designar um objeto que parte

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    de outro objeto mas que pode tambm ser dotado de partes. uma terminologia consistente tanto com a existncia como com a inexis-tncia de objetos sem partes.

    Merricks usa o Argumento da Sobredeterminao para eliminar objetos macroscpicos que sejam causalmente redundantes. Um ob-jeto causalmente redundante se e somente se tudo o que ele su-postamente causaria causado por suas partes. Conforme Merricks, seres conscientes so objetos compostos que no so causalmente redundantes.

    Eis o esquema do Argumento da Sobredeterminao:

    (1) O objeto O causalmente irrelevante para o efeito E.

    (2) As partes de O causam E.

    (3) O efeito E no sobredeterminado.

    (4) Portanto, O no causa E.

    O passo (1) faz uso da noo de irrelevncia causal. O objeto O cau-salmente irrelevante para a circunstncia das partes de O causarem o efeito E se e somente se: (i) O no uma de suas partes; (ii) O no causa parcial de E; (iii) nenhuma das partes de O a causa de O causar E e (iv) O no a causa de suas partes causarem E (Merricks 2001: 58).

    O passo (2) diz que as partes de O causam E. Finalmente, (3) apresenta a tese de Merricks de que no h sobredeterminao. Esse passo veda a possibilidade de que O coopere com suas partes para causar E. Dado que as partes de O em sua atuao concertada causam E, propor que O tambm causa-o seria, conforme Merricks, uma duplicao que no temos qualquer boa razo para aceitar. Uma vez que no h sobredeterminao, O no causa E.

    Merricks afirma que, para objetos macroscpicos, existir pos-suir poderes causais (2001: 81). Assim, se O nada causa, O no existe.

    O resultado lquido do Argumento da Sobredeterminao a re-apresentao de uma situao em que uma suposta bola exerceria o poder causal de estilhaar uma vidraa como uma situao em que no h bolas. A bola causalmente irrelevante para a circunstncia das partes da bola causarem o estilhaar-se da vidraa porque: (ia)

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    a bola no uma de suas partes; (iia) a bola no causa parcial do estilhaar-se; (iiia) nenhuma das partes da bola causa um efeito que a bola estilhaar a vidraa e (iva) a bola no causa suas partes esti-lhaarem a vidraa. As partes causam o estilhaar-se. Como no h sobredeterminao, a bola no coopera com suas partes para causar o estilhaar-se. Portanto, a bola no causa o estilhaar-se. Por conse-guinte, de acordo com Merricks, h objetos arranjados em forma de bola na situao mas no h uma bola que eles formem.

    Merricks toma o cuidado de considerar que o papel causal pode ser assumido pelas partes de um objeto macroscpico em algum nvel de decomposio (80). Isto , as partes que fazem o trabalho causal no precisam ser objetos simples. Elas podem tambm ser do-tadas de partes (114-5). Nesse caso, tambm haveria objetos com partes que so relevantes causalmente e no conscientes.

    Humanos causam efeitos em suas partes por serem dotados de propriedades mentais conscientes. Dessa forma, humanos no so causalmente redundantes. Eles causam coisas que suas partes no causam.

    A tese de que a propriedade de ser consciente intrnseca uma premissa da teoria de Merricks. Uma segunda premissa a tese de que a propriedade de ser consciente tem um papel causal no de-rivvel das propriedades intrnsecas das partes que compem o ser consciente e das suas inter-relaes espao-temporais e causais. Pes-soas causam efeitos por terem propriedades conscientes (104). Um exemplo de propriedade mental consciente a propriedade de deci-dir (110).

    Merricks prope que se a propriedade de ser consciente de um objeto (um humano) no fixada por necessidade metafsica pelos seus tomos, ento no temos razes para pensar que o efeito E que aquele objeto causa por ser consciente causado pelos seus tomos (89, 91).

    O que Merricks apresenta em favor da tese de que a propriedade de ser consciente no determinada metafisicamente pelas proprie-dades intrnsecas (e inter-relaes espao-temporais e causais) dos tomos de um humano? Ele pensa que esta a lio a ser extrada do reconhecimento da falsidade do princpio:

    (C) Necessariamente, se alguns tomos A1 ... An compem um ob-jeto consciente, ento quaisquer tomos intrinsicamente como A1 ...

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    An e inter-relacionados por todas as mesmas inter-relaes espao-temporais e causais que A1 ... An compem um objeto consciente (94).

    Merricks avana o seguinte contra-exemplo contra (C). Com a reti-rada do dedo indicador de um humano, os tomos restantes compo-ro um ser consciente. Porm, antes da retirada do dedo os mesmos tomos envolvidos nas mesmas inter-relaes causais e espao-temporais e com as mesmas propriedades intrnsecas no compem um ser consciente (94-5). Contudo, o princpio (C) prescreve que uma vez que os tomos aps a retirada compem um ser consciente, eles tambm compem um ser consciente na fase anterior retirada. Mas, se assim fosse, haveria dois seres conscientes antes da retirada. Mas no h. Portanto, conclui Merricks, (C) falso.

    Gostaria de destacar uma dificuldade no tratamento que Merricks oferece da causao mental. Haveria, afirma Merricks, causao des-cendente (downward). Falar em causao descendente, porm, pres-supe a aceitao de nveis distintos em que a entidade (a pessoa) no nvel acima age sobre objetos do nvel abaixo (as partes da pessoa).

    Como Merricks pensa que pessoas so objetos materiais, ele no prope que o que age sobre os objetos materiais do nvel abaixo uma entidade imaterial, como um dualista afirmaria. Em sua teoria, o agente do nvel acima um objeto composto de objetos do nvel abaixo.

    Merricks parece trafegar bastante livremente de nveis de com-posio para nveis causais. Embora alguns autores usem a expresso nveis de composio apenas de modo figurado, Merricks parece empreg-la literalmente para designar camadas ontolgicas distintas. Em discordncia com Merricks, muitos metafsicos pensam que lep-tons e organismos no ocupam nveis distintos.17

    A estratgia de Merricks de usar causao descendente faz-nos perguntar sobre como realmente acontece a ao exercida por um objeto consciente que composto, por exemplo, pelos mesmos to-mos sobre os quais ele age. Os mesmos tomos operam causalmente como parte do objeto que tem a propriedade mental digamos, de-

    17 Van Inwagen alerta para a confuso entre atribuir partes a um objeto x e atribuir nveis ontolgicos distintos s partes de x (2014: 29-30). Precisamos de um argumento adicional para aceitar que nveis de decomposio so nveis ontolgicos.

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    cidir e como parte do objeto afetado pelo decidir.18

    8 Observaes finais

    A centralidade da noo de composio explica o nmero significa-tivo de intuies envolvidas na tentativa de formular princpios que apanhem corretamente as condies para um objeto ser parte de ou-tro ou negar que haja algo composto. Como nosso percurso deixou claro, os princpios formulados combinam-se de formas variveis com teses acerca de quais objetos existem.

    O tratamento correto da composio deve reconhecer objetos compostos que realmente existem. Uma teoria capaz de reconhecer o que existe sem apelar para a noo de composio para gerar seus resultados pode servir para selecionar casos que serviro de ponto de partida para a identificao de condies para haver composio. Gostaria de notar, como observao final, que estratgias desse tipo permanecem abertas.

    Breno Hax Junior Universidade Federal do Paran

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    18 Merricks precisaria aqui oferecer-nos um argumento para provar que essa uma relao entre nveis distintos. Ele teria de mostrar-nos que a pessoa como um todo que age e no uma certa configurao de tomos que ocupa apenas parte da regio ocupada pelo inteiro suposto objeto consciente.

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