COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

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1 INTRODUÇÃO Entre os diversos problemas enfrentados atualmente pelo setor industrial, um dos principais é a necessidade de minimizar, quando não é possível eliminar, os efeitos da agressão ambiental que é causada pelos resíduos gerados pelo processo produtivo de bens manufaturados. A minimização destes resíduos faz parte de um novo conceito de gerenciamento que possui uma estrutura de ação fundamentada na sua prevenção e reciclagem. Essa nova postura tem se mostrado mais efetiva para combater o aumento da degradação do meio ambiente, bem como para atender a normas ambientais, além de melhorar a imagem pública de um governo ou de uma empresa e reduzir desperdícios financeiros. O setor da indústria de fundição tem tido participação dentro desse novo conceito de gestão de resíduos, pois um dos principais problemas gerados pelo setor tem sido a destinação da areia de fundição descartada dentro dos seus processos produtivos, que gera um ônus devido à sua gestão e disposição final. Neste contexto, a indústria da construção civil tem apresentado grande potencial no que diz respeito à utilização destes resíduos na produção dos mais variados produto dentro do setor, tendo em vista a grande quantidade de matéria-prima utilizada pelo setor construtivo. Este fato pode ser comprovado pelos vários trabalhos realizados para estudar a viabilidade técnica e ambiental da areia de fundição como matéria-prima na fabricação de argamassa/concreto. Como conseqüência desta adição, alguns desses trabalhos mostram que a incorporação do resíduo pode modificar a microestrutura da pasta de cimento, mas nenhum deles faz um estudo mais aprofundado da influência do resíduo na hidratação do cimento. Portanto, o objetivo desse trabalho foi de investigar a influência da bentonita e do pó de carvão, presentes na composição da areia de fundição, no processo de hidratação do cimento Portland, tendo em vista que o processo de hidratação do cimento é uma das etapas mais significativas para as propriedades e características das argamassas e concretos. Além disso, os estudos já realizados não apresentaram conclusões precisas em relação à adição do resíduo na hidratação do cimento.

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INTRODUÇÃO

Entre os diversos problemas enfrentados atualmente pelo setor industrial, um dos

principais é a necessidade de minimizar, quando não é possível eliminar, os efeitos da

agressão ambiental que é causada pelos resíduos gerados pelo processo produtivo de bens

manufaturados.

A minimização destes resíduos faz parte de um novo conceito de gerenciamento

que possui uma estrutura de ação fundamentada na sua prevenção e reciclagem. Essa nova

postura tem se mostrado mais efetiva para combater o aumento da degradação do meio

ambiente, bem como para atender a normas ambientais, além de melhorar a imagem

pública de um governo ou de uma empresa e reduzir desperdícios financeiros.

O setor da indústria de fundição tem tido participação dentro desse novo conceito

de gestão de resíduos, pois um dos principais problemas gerados pelo setor tem sido a

destinação da areia de fundição descartada dentro dos seus processos produtivos, que gera

um ônus devido à sua gestão e disposição final.

Neste contexto, a indústria da construção civil tem apresentado grande potencial no

que diz respeito à utilização destes resíduos na produção dos mais variados produto dentro

do setor, tendo em vista a grande quantidade de matéria-prima utilizada pelo setor

construtivo. Este fato pode ser comprovado pelos vários trabalhos realizados para estudar a

viabilidade técnica e ambiental da areia de fundição como matéria-prima na fabricação de

argamassa/concreto. Como conseqüência desta adição, alguns desses trabalhos mostram

que a incorporação do resíduo pode modificar a microestrutura da pasta de cimento, mas

nenhum deles faz um estudo mais aprofundado da influência do resíduo na hidratação do

cimento.

Portanto, o objetivo desse trabalho foi de investigar a influência da bentonita e do

pó de carvão, presentes na composição da areia de fundição, no processo de hidratação do

cimento Portland, tendo em vista que o processo de hidratação do cimento é uma das

etapas mais significativas para as propriedades e características das argamassas e

concretos. Além disso, os estudos já realizados não apresentaram conclusões precisas em

relação à adição do resíduo na hidratação do cimento.

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2 Desta forma, os primeiros capítulos deste trabalho, apresentam uma revisão

bibliográfica sobre assuntos de fundamental importância para o entendimento dos capítulos

finais, que compreendem os materiais, métodos e resultados experimentais.

A primeira parte deste trabalho, capítulo 1, apresenta as principais características

do cimento Portland hidratado, imprescindíveis para a compreensão de todo o trabalho. No

capítulo 2 apresenta-se a composição da areia de fundição e estudos de sua utilização como

matéria-prima na formulação de novos materiais dentro do setor da construção civil. Na

seqüência, no capítulo 3, apresentam-se os materiais, procedimentos e as técnicas

utilizadas nos ensaios necessárias ao desenvolvimento deste trabalho. No capítulo 4 são

apresentados os resultados e discussões. Por último, apresentam-se as conclusões do

presente estudo.

Page 3: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

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CAPÍTULO 1 – COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

PORTLAND HIDRATADO

Cimento, de modo geral, pode ser considerado todo material com propriedades

adesivas e coesivas, capaz de ligar fragmentos de minerais entre si de modo a formar um

todo compacto [NEVILLE, 1997]. Essa definição, de forma geral, abrange uma grande

variedade de materiais. Mas no campo em estudo, mais especificamente na área da

construção civil, o significado do termo cimento restringe-se aos materiais ligantes que

quando hidratados tem a capacidade de unir pedras, areia, tijolos, blocos etc. Assim, os

constituintes principais desse tipo de cimento são os calcários, de modo que na engenharia

de construções se lida com cimento calcário. Os cimentos que apresentam vantagens para o

preparo do concreto têm a propriedade de dar pega e endurecer em contato com a água

devido a uma reação química, a hidratação, sendo por isso denominado cimentos

hidráulicos.

1.1 - Tipos de cimentos

Existem no Brasil vários tipos de cimento Portland, diferentes entre si,

principalmente em função de sua composição. Sendo que os cimentos mais empregados

nas diversas obras da indústria da construção civil são:

cimento Portland comum;

cimento Portland composto;

cimento Portland de alto-forno;

cimento Portland pozolânico.

Sendo que em menores escalas são consumidos, seja pela menor oferta ou sejam

pelas características especiais de aplicação, os seguintes tipos de cimento:

cimento Portland de alta resistência inicial;

cimento Portland resistente aos sulfatos;

cimento Portland branco;

cimento Portland de baixo calor de hidratação;

cimento Portland para poços petrolíferos.

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4A tabela 1.1 a seguir apresenta a nomenclatura do cimento Portland conforme

normas da ABNT.

Tabela 1.1 – Nomenclatura do cimento Portland (ABREU, 2001).

Cimento Portland (CP) Sigla Classe Identificação 25 CP I - 25

32 CP I – 32

Cimento Portland comum

CP I

40 CP I - 40

25 CP I – S – 25

32 CP I – S – 32

Cimento Portland

comum

(NBR 5732)

Cimento Portland comum com adição

CPI - S

40 CP I – S – 40

25 CP II – E – 25

32 CP II – E – 32

Cimento Portland composto com escória

CP II - E

40 CP II – E – 40

25 CP II – Z – 25

32 CP II – Z – 32

Cimento Portland composto com

pozolana

CP II - Z

40 CP II – Z – 40

25 CP II – F – 25

32 CP II – F – 32

Cimento Portland

composto

(NBR 11578)

Cimento Portland composto com filler

CP II - F

40 CP II – F – 40

25 CP III – 25

32 CP III – 32

Cimento Portland de alto forno (NBR 5735)

CP III

40 CP III – 40

25 CP IV – 25 Cimento Portland pozolânico (NBR 5736) CP IV

32 CP IV – 32

Cimento Portland de alta resistência inicial (NBR 5733) CP V - ARI -- CP V – ARI

25 CPB – 25

32 CPB – 32

Cimento Portland branco estrutural (NBR 12989)

CPB

40 CPB – 40

Cimento para poços petrolíferos ( NBR 9831) CPP G CPP-classe G

1.2 - Fabricação do cimento Portland

Segundo a definição de cimento Portland, tem-se que o mesmo é constituído,

principalmente, de material calcário, como a pedra calcária comum ou a greda (giz), e de

óxido de alumínio (Al2O3), conhecido como alumina, e de dióxido de silício (SiO2)

conhecido como sílica, sendo que estes materiais calcários são encontrados sob a forma de

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5argila. O processo de fabricação do cimento Portland consiste, essencialmente, na mistura

de matérias-primas que contenha, em proporções convenientes, seus constituintes

finamente pulverizados e homogeneizados, que depois são submetidos à ação do calor em

forno rotativo, até a temperatura de fusão (± 1400° C), que resulta na formação de esferas

denominadas clínquer. O clínquer é então resfriado e moído; adiciona-se um pouco de

gesso, com o intuito de retardar o processo de pega, e o produto final é o cimento Portland

comercial, conhecido em todo o mundo [BAUER, 1999 e NEVILLE, 1997].

1.3 - Composição química do cimento Portland

Os constituintes fundamentais do cimento Portland, representados na forma de

óxidos, são a Cal (CaO), a Sílica (SiO2), a Alumina (Al2O3), o Óxido de Ferro (Fe2O3)

[TAYLOR, 1990]. Além de certa proporção de Magnésia (MgO) e uma pequena

porcentagem de anidrido sulfúrico (SO3), que é adicionado após a calcinação para retardar

o tempo de pega do produto [BAUER, 1999]. Existem ainda, como constituintes menores,

as impurezas, que são: os Óxidos de Potássio (K2O) e Sódio (Na2O), conhecidos como os

álcalis do cimento; o Óxido de Titânio (TiO2) e outras substâncias de menor importância,

como o Óxido de Manganês (Mn3O4) e o Anidrido Fosfórico (P2O5) [PETRUCCI, 1981].

1.4 - Principais fases do cimento Portland Anidro

No processo de fabricação do cimento Portland e obtenção do clínquer ocorrem

combinações químicas, principalmente no estado sólido, que conduzem à formação das

fases do cimento não hidratado [BAUER, 1999 e NEVILLE, 1997], e estas fases sólidas

bem como suas principais características serão comentadas nos itens a seguir.

1.4.1 - Silicato Tricálcico (3CaO.SiO2)

Normalmente constitui de 35% e 65% do cimento Portland; produz médio calor de

hidratação a qual inicia-se em poucas horas contribuindo para a resistência nas primeiras

idades [OLIVEIRA, 2002]. Resulta da combinação da cal restante das demais combinações

com o silicato dicálcico; ocorre em cristais bem definidos, relativamente grandes, com

contornos hexagonais [PETRUCCI, 1981]. O silicato tricálcico é conhecido como alita e

Page 6: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

6por conveniência usa-se a sigla C3S para identificá-lo. Pode se apresentar em três tipos de

estruturas: monoclínica, triclínica e romboédrica. Ele reage relativamente rápido com a

água, e é o principal componente para o desenvolvimento da resistência aos 28 dias

[TAYLOR, 1990].

1.4.2 - Silicato Dicálcico (2CaO.SiO2)

Normalmente presente entre 10% e 40% na composição do cimento Portland

[OLIVEIRA, 2002]. Sabe-se que o silicato dicálcico tem três ou mesmo, possivelmente,

quatro formas, sendo, α, α', β e γ. O 2CaO.SiO2-α, que existe em temperaturas elevadas,

transforma-se na forma β a, aproximadamente, 145° C; o 2CaO.SiO2-β sofre outra

transformação para 2CaO.SiO2-γ, em torno de 670° C, mas devido à velocidade de

resfriamento dos cimentos comerciais, o 2CaO.SiO2-β continua existindo no clínquer

[NEVILLE, 1997]. O silicato dicálcico resulta da combinação da sílica com a cal presente

na composição do cimento; ocorre na forma de cristais relativamente grandes, exibindo

forma arredondada ou apresentando bordas irregulares, sem nenhuma evidência de forma

regular [PETRUCCI, 1981]. O silicato dicálcico é conhecido como belita e por

conveniência usa-se a sigla C2S para identificá-lo. Pode se apresentar nas formas

monoclínica e romboédrica. Reage lentamente com a água porque tem uma estrutura mais

regular, ou seja, mais estável que o C3S. Contribui para a resistência nas idades avançadas

[TAYLOR, 1990].

1.4.3 - Aluminato Tricálcico (3CaO.Al2O3)

Presente entre 0% e 15% na composição do cimento Portland [OLIVEIRA, 2002].

Apresenta-se sob a forma intersticial e, segundo Petrucci [1981], resulta da combinação da

alumina restante das demais combinações com a cal. Por conveniência usa-se a sigla C3A

para identificar o aluminato tricálcico. Geralmente é encontrado na forma cúbica ou

ortorrômbica, mas também pode ser encontrado na forma monoclínica. Reage rapidamente

e libera uma grande quantidade de calor [TAYLOR, 1990].

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71.4.4 - Ferroaluminato Tetracálcico (4CaO.Al2O3.Fe2O3)

Está presente entre 5% e 15% na composição do cimento Portland [OLIVEIRA,

2002]. São cristais normalmente tubulares, sendo opaco a brilhante em superfície polida,

podendo se apresentar como preenchimentos intersticiais. Segundo Petrucci [1981], resulta

da combinação da cal com o óxido de ferro e a alumina, até esgotar-se o óxido de ferro. O

ferroaluminato tetracálcico é conhecido como ferrita e por conveniência usa-se a sigla

C4AF para identificá-lo. Encontra-se na forma monoclínica, tetraédrica ou octaédrica

[TAYLOR, 1990].

1.4.5 - Cal Livre (CaO)

Os principais fatores que possibilitam a formação da cal livre no clínquer anidro

são: formulação inadequada das matérias-primas, moagem e homogeneização inadequadas,

e a temperatura ou tempo de permanência insuficiente na zona de calcinação do forno [SHI

et al., 2002]. A presença acima de 2% é indesejável, pois segundo Min et al. [1995], possui

estrutura cristalina cúbica, que podem provocar expansões no cimento Portland durante a

hidratação convertendo-se em portlandita [Ca(OH)2].

1.4.6 - Magnésia (MgO)

A origem do óxido de magnésio no clínquer é devida à sua presença na maioria dos

calcários que constituem a matéria-prima do cimento. Segundo Liu et al. [2002], uma parte

do total do óxido de magnésio, isto é, até 2% pode entrar em solução sólida com várias

fases: alita, belita e aluminatos. O restante ocorre como MgO cristalino, denominado de

periclásio; possui estrutura cristalina e são influenciados pelas condições de resfriamento.

A reatividade do periclásio com a água é lenta e expansiva, causando muitas vezes danos

no concreto [COUTINHO, 1973].

1.4.7 - Compostos Alcalinos e Sulfatos

Os constituintes alcalinos, Óxido de Potássio (K2O) e Óxido de Sódio (Na2O),

presentes no cimento Portland, são principalmente provenientes dos componentes da argila

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8e estão presentes na estrutura dos principais constituintes do clínquer, os silicatos e

aluminatos. O efeito dos álcalis na água reflete-se principalmente na elevação do pH da

solução, na diminuição da solubilidade do cálcio e aumento na solubilidade do silicato

[GOBBO, 2003]. Segundo Petrucci [1981], os álcalis reagem com alguns agregados e os

produtos destas reações causam a desintegração do concreto, notando-se também efeito

negativo no aumento da resistência do cimento. A origem da maioria dos sulfatos (SO3) é a

gipsita que é adicionada ao clínquer, com o propósito de inibir a reação imediata entre o

aluminato tricálcico e a água [NEVILLE, 1997].

1.5 – Reações durante o processo de clinquerização

Buscando relacionar as fases formadas durante o processo de clinquerização da

matéria-prima que origina o cimento, a tabela 1.2 apresenta as principais reações que

ocorrem a cada intervalo de temperatura no interior do forno onde é aquecida a matéria-

prima, destacando-se os compostos do clínquer formados durante o processo de

sinterização [CENTURIONE, 1993].

Tabela 1.2 - Principais reações do processo de sinterização do clínquer,

[CENTURIONE,1993].

Temperatura(ºC) Reação

100-200 Liberação de água livre 500-700 Desidroxilação dos argilominerais; transformação do quartzo-α em

quartzo-β. 700-900 Decomposição dos carbonatos, com liberação de CO2; primeiras

reações de estado sólido, levando à formação de aluminatos e ferro-aluminatos cálcicos [C12A7 e C2(AF)] e início de formação da belita (2CaO+SiO2→Ca2SiO4); conversão de quartzo-β em cristobalita.

900-1200 Conversão de ferroaluminatos e aluminatos em C4AF e C3A; formação da belita a partir da sílica remanescente e dos cristais de cal livre.

1200-1300 Cristalização das primeiras alitas (em torno de 1200ºC), a partir de cristais pré-existentes de belita e cal livre (Ca2SiO4+CaO→Ca3SiO5); a partir de aproximadamente 1280ºC inicia-se a formação de fase líquida a partir dos aluminatos e ferroaluminatos cálcicos, com conseqüente nodulização do clínquer.

Acima de 1350 Desenvolvimento dos cristais de alita.

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91.6 - Principais produtos resultantes da hidratação do cimento Portland

Quando se estuda a hidratação do cimento Portland, o termo hidratação consiste na

totalidade de mudanças que ocorrem quando o cimento anidro, ou uma de suas fases

constituintes, é misturada com água [TAYLOR, 1990]. Então, a hidratação do cimento

pode ser caracterizada pela seqüência de reações químicas entre os compostos sólidos e a

água, levando a reação de pega e o enrijecimento das misturas cimento-água

[CHRISTENSEN et al, 2003]. O enrijecimento da pasta de cimento é caracterizado pela

hidratação dos aluminatos, enquanto a evolução da resistência mecânica é determinada

pelos silicatos hidratados [MEHTA e MONTEIRO, 1994]. Em outras palavras, em

presença de água, os silicatos e os aluminatos formam produtos de hidratação, que com o

decorrer do tempo, dão origem a uma massa firme e dura, que constitui a pasta de cimento

endurecida. Sabe-se que os silicatos de cálcio hidratados são as principais fases da pasta

endurecida do cimento Portland comum, mas existem outras fazes hidratadas presentes em

quantidades significativas e que exercem influência nas propriedades da pasta, sendo elas:

o hidróxido de cálcio e o sulfoaluminato de cálcio hidratado.

1.6.1 - Silicato de Cálcio Hidratado

É conhecido como tobermorita e representa 50 % a 60% do volume total de sólidos

presentes em uma pasta de cimento Portland hidratada [MEHTA e MONTEIRO, 1994],

cuja microestruta pode ser verificada na figura 1.1. O C3S ao entrar em contato com a água

inicia sua hidratação em poucas horas, sendo assim, considerado o principal responsável

pela resistência mecânica nas primeiras idades da hidratação. Em contrapartida, a

hidratação do C2S ocorre lentamente contribuindo pouco para a resistência mecânica nas

primeiras idades [TAYLOR, 1990]. Entretanto, segundo Mehta e Monteiro [1994], o C2S é

o responsável pela resistência mecânica nas idades mais avançadas (> 28 dias). Em relação

à morfologia, os silicatos de cálcio em contato com a água dão origem às fases C-S-H,

nome genérico dado para uma série de fases amorfas ou semi-cristalinas formadas após a

hidratação dos silicatos C3S e C2S devido à relação Ca/Si e ao teor de água quimicamente

combinada [BLACK et al, 2003].

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Figura 1.1 - Micrografia obtida por MEV de uma pasta de cimento Portland com 3 dias de

idade mostrando cristais de C-S-H [MEHTA e MONTEIRO, 1994].

1.6.2 - Hidróxido de Cálcio [Ca(OH)2]

É conhecido como portlandita, e ocupa de 20% a 25% do volume de sólidos da

pasta hidratada e possui formas prismáticas (figura 1.2) [MEHTA e MONTEIRO, 1994]. O

hidróxido é formado pela presença de cal livre e pelas reações de hidratação dos silicatos

(C3S e C2S). Contribui pouco para a resistência da pasta de cimento endurecida, e por ser

solúvel em água, o Ca(OH)2 pode aumentar a permeabilidade da pasta, comprometendo a

durabilidade em meios sujeitos ao contato constante com a água. Além disso, possui

estrutura cristalina hexagonal [TAYLOR, 1990].

3 μm

Ca(OH)2

Figura 1.2 - Cristais de Ca(OH)2 presentes no cimento Portland hidratado [MEHTA e

MONTEIRO, 1994].

Page 11: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

111.6.3 - Sulfoaluminatos de Cálcio Hidratados

Também denominado de etringita (C6AS3H32), segundo Mehta e Monteiro [1994],

ocupam de 15% a 20% do volume de sólidos na pasta endurecida e, conseqüentemente,

desempenha um papel menor nas relações estrutura-propriedades, mas é responsável pelo

fenômeno de pega e desenvolvimento da resistência inicial. Sua formação resulta da

hidratação do C3S na presença da gipsita [CHRISTENSEN et al, 2004]. Formado nas

idades iniciais de hidratação do cimento Portland, a quantidade de etringita aumenta com o

tempo produzindo cristais em forma de agulhas de variados tamanhos. Segundo Taylor

[1990], possui estrutura cristalina trigonal e sua formação pode causar danos pela

expansão. Nas idades iniciais, a expansão pode acontecer sem qualquer dano ao compósito,

porém, se a hidratação continuar na pasta já endurecida gera tensões internas provocando

fissuras e cavidades, e como conseqüência, a deteriorização do concreto.

A relação sulfato/aluminato no início da hidratação favorece a formação de

etringita, em forma de cristais prismáticos aciculares (figura 1.3). Quando a concentração

de sulfatos na mistura diminui devido à cristalização dos sulfoaluminatos de cálcio

hidratado, a etringita torna-se instável e é gradativamente convertido em monosulfato, que

possui estrutura planar (figura 1.3).

Figura 1.3 - Sulfoaluminatos de Cálcio Hidratado – etringita (C6AS3H32) e monossulfato

hidratado [MEHTA e MONTEIRO, 1994].

Page 12: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

121.6.4 - Grãos de clínquer não hidratado

Dependendo da distribuição do tamanho das partículas de cimento anidro e do grau

de hidratação, alguns grãos de clínquer não hidratado podem ser encontrados na

microestrutura de pastas de cimento hidratado, mesmo após longo período de hidratação

[MEHTA e MONTEIRO, 1994]. Desta forma, dento da mistura, atua como material não

ligante, não contribuindo com as propriedades coesivas do cimento quando o mesmo é

hidratado.

1.6.5 - Vazios no Concreto

A resistência de um material está baseada na sua parte sólida, como conseqüência,

os vazios existentes prejudicam sua resistência. A reação de hidratação do cimento

Portland produz regiões densas formadas por fases sólidas e áreas porosas, podendo ser a

existência desses poros o resultado da compactação inadequada.

Segundo Mehta e Monteiro [1994], não se trata da porosidade total, mas da

distribuição do tamanho dos poros que controla efetivamente a resistência do concreto.

Essa distribuição do tamanho dos poros é afetada pela relação água/cimento e pela idade de

hidratação, onde os poros grandes influenciam principalmente a resistência à compressão e

a permeabilidade e os poros pequenos influenciam mais a retração por secagem.

Assim a porosidade da pasta de cimento se distribui da seguinte forma:

Poros entre as camadas de C-S-H: vazios muito pequenos, que não influenciam

na resistência da pasta.

Vazios capilares: representam os espaços não preenchidos pelos componentes

sólidos da hidratação do cimento. O volume total, e principalmente, a distribuição

do tamanho dos poros afetam a resistência da pasta. Poros de pequeno diâmetro

(menos que 50 nm) são descritos como pouco prejudiciais ao comportamento

mecânico.

Poros devido ao ar incorporado: possuem forma esférica, com dimensões

superiores aos vazios capilares. Podem ser decorrentes principalmente devido a um

mau adensamento do concreto. Os vazios de ar incorporado variam comumente de

50 a 200 μm. Devido a suas grandes dimensões reduzem bastante a resistência do

concreto e aumentam sua permeabilidade.

Page 13: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

131.7 – Processo de hidratação do cimento Portland

Jawed et al [1983] em estudo realizado, apresentaram a curva de hidratação do

cimento Portland (figura 1.4), mostrando a evolução da taxa de liberação de calor pelo

tempo de hidratação. Assim, por meio desta curva, observa-se inicialmente a ocorrência de

um pico de calor decorrente da dissolução dos compostos anidros e formação da etringita;

depois vem o período de indução, em que há a diminui da velocidade de reação com pouco

calor liberado. Em seguida, inicia-se um novo pico devido a rápida formação de C-S-H e

CH, marcando o início da pega. Após algumas horas, ocorre o final da pega. A taxa de

liberação de calor continua aumentando até que ocorra uma diminuição da taxa de calor,

aproximadamente 30 ou 40 horas depois do início da hidratação. Nessa fase da hidratação

há a formação de monossulfoaluminato devido o aumento na concentração de aluminatos,

o que torna a etringita instável, apresentando um pequeno pico de liberação de calor. Essa

reação ocorre somente se houver aluminato disponível na mistura para reagir com a

etringita. Por fim, a taxa de liberação de calor diminui e a velocidade das reações torna-se

lenta, e ocorre a densificação do material cimentício.

Figura 1.4 – curva de calor de hidratação versus tempo de hidratação dos compostos do

cimento Portland [JAWED et al, 1983].

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141.8 – Desenvolvimento da Microestrutura do Cimento Portland Hidratado

Para o estudo do desenvolvimento da microestrutura em uma pasta de cimento é

conveniente considerar o processo em termos de períodos inicial, intermediário e final de

hidratação. A figura 1.5 mostra graficamente a seqüência das mudanças ocorridas por um

típico grão de cimento durante o processo de hidratação do cimento Portland observado

por Scrivener [1984].

No período inicial, que ocorre durante as três primeiras horas de hidratação, após

a mistura do cimento com água, uma camada gelatinosa ou membrana se forma sobre a

superfície dos grãos anidros (figura 1.5a). Esta membrana ou camada gelatinosa é

provavelmente amorfa, coloidal e rica em óxido de alumio (alumina) e óxido de silício

(sílica), podendo conter também porções significativas de cálcio e sulfato. Em torno de 10

min pequenos bastões de etringita em forma de agulha também são observados, e estes

ocorrem tanto na superfície do grão como distante dele (Fig. 1.5b) [SCRIVENER, 1984].

Possuem aproximadamente 250 nm de comprimento com 100 nm de espessura. Eles são

provavelmente mais abundantes próximos à superfície dos aluminatos, mas aparecem na

solução como também na superfície externa da camada de gel [TAYLOR, 1990].

No período intermediário, que ocorre após 3 h até 24 h de hidratação, cerca de

30% do cimento encontra-se hidratado. Este período também é caracterizado pela rápida

formação de C-S-H e Ca(OH)2. O Ca(OH)2 forma grandes cristais dentro dos espaços

anteriormente preenchidos pela água. O C-S-H forma uma fina camada sobre a superfície

do grão e que envolve os pequenos bastões de etringita mencionados no parágrafo anterior

(Fig. 1.5c). Uma porção considerável de C-S-H se forma até as 3 h de hidratação, sendo

que após 4 h os grãos encontram-se completamente envolvidos por este C-S-H formado. A

camada de gel cresce em direção a região externa do grão, e em torno de 12 h apresenta

uma espessura de 0,5 a 1,0 µm e assim começa a se incorporar com os grãos adjacentes.

Durante o final do período intermediário de hidratação um novo crescimento de

cristais de etringita acontece. Estes cristais são notavelmente mais aciculares do que os

cristais formados anteriormente; seus comprimentos estão entre 1 a 2 µm, mas as vezes

podem apresentar comprimentos próximos de 10 µm (Fig. 1.5d) [SCRIVENER, 1984].

Após as 24 h iniciais de hidratação tem-se o período final de hidratação. Assim

com a diminuição da permeabilidade da membrana ocorrendo, o C-S-H começa também a

se depositar no seu interior como conseqüência da hidratação do C3S (alita). Grãos

Page 15: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

15menores de 5 µm reagem completamente após o fim do período intermediário, e depois

que o C-S-H se deposita dentro da membrana. O produto proveniente da hidratação se

expande da parte interna para fora da membrana e é absorvido pelas membranas adjacentes

dos grãos maiores em contato. Com estes grãos maiores, o espaço entre a membrana e o

núcleo é preenchido e em torno de 7 dias este espaço desaparece; neste estágio, as

membranas possuem espessura de 8 µm e consistem principalmente de material que foi

depositado na sua superfície interior (C-S-H) (Fig. 1.5e e Fig. 1.5f).

Concentrações de SO4 se encontram dentro da membrana como conseqüência da

hidratação dos aluminatos e assim os monosulfatos se formam dentro da membrana; a

etringita formada inicialmente nesta região vai sendo substituída pelo monosulfato como

resultado da contínua reação de hidratação dos aluminatos. Uma amostra pode mostrar a

existência tanto de monosulfato dentro da membrana como de etringita fora dela. Neste

estágio, quantidades significantes de etringita podem persistir; provavelmente este fato se

deve pela existência de material que precipitou na região externa da membrana [TAYLOR,

1990]. Assim, após o preenchimento dos espaços entre a membrana e o núcleo do grão, o

processo de hidratação se torna lento, em contraste com as primeiras idades de hidratação.

Page 16: COMPOSIÇÃO E MICROESTRUTURA DO CIMENTO

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