COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA NA...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ NILBERTO LANGE JUNIOR COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

NILBERTO LANGE JUNIOR

COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA

NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

CURITIBA

2013

COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA

NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

CURITIBA

2013

NILBERTO LANGE JUNIOR

COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA

NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. André Peixoto de Souza

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

NILBERTO LANGE JUNIOR

COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA

NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2013.

_________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: _____________________________________

Prof. André Peixoto de Souza Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

_____________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Hay que reconocerle a los operadores el derecho

de acceso a las infraestructuras,

que es el derecho de acceso al mercado 1

1 Mauricio Ricardo III Tortolero Serrano em Competencia, Regulación y Desarrollo de la Competencia en los Sectores Regulados. Disponível em <http://www.laisumedu.org/DESIN_Ibarra/Usuarios/CompetenciaRegulacion.pdf>. Acesso em 07 set 2013.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.............................................................................. 7

1.2 JUSTIFICATIVA DO TRABALHO ........................................................................ 7

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 8

2.1 SERVIÇO PÚBLICO ........................................................................................... 8

2.2 FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ......................................... 9

2.3 SERVIÇO PÚBLICO X ATIVIDADE ECONÔMICA ........................................... 10

2.4 A ORDEM ECONÔMICA E A LIVRE CONCORRÊNCIA ................................... 11

2.5 A ORDEM ECONÔMICA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE .............. 12

2.6 O ESTADO COMO AGENTE NORMATIVO E REGULADOR DA ATIVIDADE

ECONÔMICA ............................................................................................................ 13

2.7 REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA .................................................................. 13

2.8 COMPARTILHAMENTO DE INSTALAÇÕES E A ESSENCIAL FACILITIES

DOCTRINE ................................................................................................................ 14

2.8.1 Instalação Essencial ou Essential Facility ....................................................... 15

2.8.2 Conceito de Compartilhamento de Instalações e a Dissociação entre

Propriedade e exploração da Rede ........................................................................... 16

2.8.3 A Essential Facilities Doctrine ........................................................................ 17

2.8.4 A Essential Facilities Doctrine no Serviço Público Brasileiro ........................... 19

2.8.5 A Questão do Preço Justo .............................................................................. 20

2.8.6 Local e Forma da Conexão ............................................................................. 25

2.8.7 Vantagens e Desvantagens do Compartilhamento ......................................... 25

2.9 A ESSENCIAL FACILITIES DOCTRINE EM NOSSO DIREITO POSITIVADO . 26

2.10 A RECUSA DE CONTRATAR COMO ILÍCITO ................................................ 27

2.11 DAS INSTÂNCIAS REGULADORAS DOS CONFLITOS ................................ 28

2.12 O INADIMPLEMENTO DO PAGAMENTO DO COMPARTILHAMENTO ......... 29

3 O COMPARTILHAMENTO DO SIN ..................................................................... 29

3.1 HISTÓRICO DO SETOR ELÉTRICO ............................................................... 29

3.2 A REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ............................................. 30

3.3 O LIVRE ACESSO ............................................................................................ 31

4 CASES POLÊMICOS ........................................................................................... 32

4.1 OCUPAÇÃO DE FAIXAS DE DOMÍNIO DE RODOVIAS POR

CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA ...................................................... 32

4.2 O COMPARTILHAMENTO DE INSTALAÇÕES DE TELECOMUNICAÇÕES .. 33

4.3 COMPARTILHAMENTO DE ESTRUTURAS DE POSTES URBANOS ............ 34

4.4 O JULGAMENTO DO CASO TV GLOBO X DIRECTV NO CADE..................... 35

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 36

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 37

GLOSSÁRIO ............................................................................................................. 39

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal contribuir, a partir do conceito de compartilhamento de instalações e dos fundamentos jurídicos que norteiam este instituto, para propor um arcabouço teórico e empírico que possa investigar a possível ocorrência de restrição à concorrência em nosso Serviço Público, devido a domínio, por parte das empresas, de infraestrutura denominada de “instalações essenciais”. Enfatiza-se na parte teórica os conceitos de serviço públicos, os princípios da livre concorrência e da função social da propriedade e sua imposição sobre o princípio da autonomia de vontade de contratar, o papel do estado como regulador da economia, e a Doutrina das Instalações Essenciais. Analisa-se o arcabouço legal que rege o compartilhamento de infraestrutura entre as empresas Concessionárias, Permissionárias ou Autorizadas de Serviço Público e verifica-se sua aderência com a referida Doutrina. Discorre-se sobre o compartilhamento do Sistema Interligado Nacional, e sobre outros cases polêmicos de compartilhamento de infraestrutura de instalações entre prestadores de Serviço Público. Propõem-se melhorias a serem implantadas, em nosso direito positivado, para promoção de concorrência no setor através da entrada de novos players prestadores de Serviços Públicos.

Palavras-Chave: Compartilhamento de Infraestrutura. Instalações Essenciais. Essential Falicities Doctrine. Serviço Público.

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1 INTRODUÇÃO

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A implantação de grandes redes de infraestrutura, necessária no inicio do

desenvolvimento de um país, é uma atividade extremamente onerosa, para a qual o

financiamento, por muitas vezes, somente é viável, se for garantido ao

empreendedor a exclusividade na prestação dos serviços

Hoje, amortizado grande parte dos investimentos feitos para construção das

redes existentes, se não houver uma obrigação legal do proprietário ou do titular da

gestão em compartilhar ou permitir o acesso a terceiros, teríamos muitas empresas

aptas e prestar o serviço, porém faticamente impossibilitadas.

O compartilhamento de infraestrutura pode ser definido como a possibilidade

de utilização de uma instalação por aquele que não é titular deste direito, e é

especialmente relevante quando tem como fim melhorar o seu aproveitamento, a

eficiência na utilização e até mesmo aumentar a concorrência na exploração dos

serviços, que pode ser traduzido em modicidade tarifária.

No âmbito do direito econômico, cada vez mais a teoria das instalações

essenciais tem sido invocada em nossos pretórios, em casos como, por exemplo, de

cessão de estádios de futebol para abrigar partidas de equipes rivais, na

disponibilização de redes de caixas eletrônicos entre bancos concorrentes, etc.

Porém, é inegável que é no Serviço Público com suas grandes redes

existentes de infraestrutura de rodovias, ferrovias, gasodutos, telecomunicações e

energia elétrica, que a teoria encontra campo privilegiado de aplicação.

1.2 JUSTIFICATIVA DO TRABALHO

Duplicar uma rede de infraestrutura é, em grande parte das vezes, inviável

economicamente, tecnicamente ou do ponto de vista urbanístico/ambiental.

Inadmissível imaginar, por exemplo, que cada uma das empresas de telefonia ou TV

a cabo tivessem que empreender sua própria rede de postes nas calçadas.

Porém, ainda mais irracional, seria uma situação hipotética aonde uma

empresa de distribuição de energia elétrica pudesse favorecer uma empresa de

8

telecomunicações de um mesmo grupo econômico, simplesmente impedindo o uso

dos postes por suas concorrentes, ou cobrando taxas abusivas pelo

compartilhamento.

Portanto, o compartilhamento de instalações é fundamental para a amplitude

do exercício da livre concorrência, que foi tratada em nossa Lei Maior como um dos

princípios da ordem econômica.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 SERVIÇO PÚBLICO

A importância de se definir o conceito de Serviço Público, muito mais do que

delimitar a atuação do presente trabalho, está na necessária separação do direito

público do privado.

O conceito de Serviço Público surge com o desenvolvimento dos Estados. A

ideia de que o estado é responsável pelo bem estar social faz com que o mesmo

reserve para si vários serviços tidos como essenciais para a população.

Serviço Público seria então, por definição, aquele correlacionado a direitos

sociais. Mas a verdade é que a determinação do que é serviço público depende da

vontade do Estado, que define ser a atividade Serviço Público, permitindo a sua

execução direta ou indireta.

Alguns destes serviços são privativos do Poder Público e outros podem ser

realizados juntamente com os particulares, porém é sempre uma incumbência do

Estado, conforme o artigo 175 da Constituição Federal.

Bandeira de Mello definiu serviço público como sendo:

toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais-, instituído pelo Estado em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.(2002, p. 600).

9

Já Di Pietro definiu como:

toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público. (2011, p. 101).

Portanto, pode-se dizer que o Serviço Público é prestado pela Administração

ou por seus delegados, sempre sob normas e controles estatais, para satisfazer

necessidades da coletividade ou conveniências do Estado. (MEIRELLES, 1997, p.

297).

2.2 FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 175: “Incumbe ao

Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

De acordo com Rocha, a forma da entidade pública competente

desempenhar indiretamente o Serviço Público é designando pessoas por ela

criadas, ou terceiros, que se incumbem da prestação do serviço público indicado.

Não se transfere a titularidade atribuída a pessoa pública, mas apenas a prestação

do serviço, mediante normas previamente postas e devidamente acatadas. (1996, p.

28).

Essa delegação, de acordo com a Constituição, pode ocorrer mediante

regime de concessão ou permissão.

Di Pietro definiu concessão de serviço público como:

Contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço. (2011, p. 297).

Em sua forma tradicional, a concessão de serviço público foi disciplinada

pela lei 8987/95 conjugada a 9074/95.

A outra forma de delegação, a permissão, é definida por Di Pietro como:

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Ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário. (2011, p. 305).

Considerada como um ato administrativo unilateral, discricionário e de

caráter precário, a permissão resulte de uma vontade única do permitente de delegar

o serviço. (ROCHA, 1996, p. 148).

Consoante Mello (2002, p. 747) a diferença entre concessão e permissão,

está na precariedade deste segundo, que é utilizado, portanto, quando:

• o delegatário não necessita alocar grandes capitais para o

desenvolvimento do serviço,

• o poderia mobilizar, para diversa destinação, o equipamento

utilizado,

• o serviço não envolve implantação física de instalação que adere ao

solo ou

• o risco da precariedade sejam compensáveis pela rentabilidade dos

serviços.

2.3 SERVIÇO PÚBLICO X ATIVIDADE ECONÔMICA

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 173, enunciou as hipóteses

que são permitidas a exploração de atividade econômica pelo estado. No artigo 174,

dispôs a atuação do estado como agente normativo e regulador da atividade

econômica. Por fim, em seu artigo 175, incumbiu ao Poder Público a prestação de

Serviços Públicos.

Entretanto, ensinou-nos Eros Grau, que o Serviço Público é um tipo de

atividade econômica, cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor

público, porém não exclusivamente, visto que o setor privado pode prestá-lo

mediante regime de concessão ou permissão. (1991, p. 138-139).

Ainda de acordo com o ilustre doutrinador, a Constituição Federal vezes se

refere à atividade econômica em sentido estrito, a exemplo em seu art. 173, onde se

define as hipóteses de exploração direta pelo Estado. Por outras vezes, se refere a

atividade econômica em sentido amplo, como a exemplo em seu art. 174, que

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respeita a globalidade da atuação estatal como agente normativo e regulador.

(1991, p. 141-143).

Justen Filho, em entendimento semelhante, afirma que Serviço Público é um

conceito que não pode ser diferenciado de modo absoluto de atividade econômica,

pois apresenta uma faceta econômica já que envolve utilização de escassos

recursos materiais para satisfação de necessidade humanas. (2003, p. 19)

Portanto, nossa Lei Maior, ao definir os princípios e regras aplicáveis a

exploração de atividades econômicas, se refere também à prestação de Serviço

Público.

2.4 A ORDEM ECONÔMICA E A LIVRE CONCORRÊNCIA

Nosso constituinte, demonstrando grande preocupação com o

desenvolvimento da economia do país, encontrou por bem consagrar, na

Constituição de 1988, um título inteiro denominado “Da Ordem Econômica”, trazendo

no inc. IV, do art. 170, o princípio da livre concorrência.

A livre concorrência é alicerce da estrutura liberal da economia, e mantém

estreito relacionamento com a livre iniciativa. Só existe livre concorrência onde há

livre iniciativa, e a primeira consiste numa situação aonde vários agentes produtores

estão dispostos a concorrerem com seus rivais. (BASTOS, 2002, p. 459).

Já Eros Grau explicou-nos que a livre concorrência é um princípio

constitucional impositivo, e assim, somente pode ter lugar em condições de mercado

aonde o poder econômico não possa se sobrepor arbitrariamente. (1991, p. 229).

Portanto, nossa carta magna dispôs, em seu art. 143, parágrafo 4º, que “a lei

reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à

eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. (BRASIL, 1988).

Isso porque o mercado econômico sempre buscará as melhores

oportunidades e opções existentes, não estando simplesmente preso a chamada

“mão invisível” definida por Adam Smith. Em busca da riqueza, empresários utilizar-

se-ão de todas as estratégias possíveis, e qualquer indício de eliminação de

concorrência deve ser coibido pela lei.

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2.5 A ORDEM ECONÔMICA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A função Social da Propriedade também foi consagrada como princípio da

Ordem Econômica pela Constituição da Republica.

Eros Grau (1991, p. 250), explica que este princípio impõe ao proprietário,

ou a quem detém o controle da propriedade, o dever de exercer a propriedade em

benefício dos outros, e não apenas de forma a não prejudicá-los.

Assim, a propriedade não pode ser considerada de forma individualista, de

modo puramente egoístico, mas deve levar em conta o interesse do toda a

sociedade, a assim assegurar a justiça social.

Destacamos neste momento os ensinamentos de Di Pietro:

Não há dúvida, no entanto, que a inspiração mais próxima do princípio é a doutrina social da Igreja , tal como exposta nas Encíclicas Mater et Magistra, do Papa João XXII, de 1961, e Centesimus Cennus, de 1991, de João Paulo II, nas quais se associa a propriedade a uma função social, ou seja, à função de servir de instrumento para a criação de bens necessários à subsistência de toda a humanidade. (2011, p. 130).

Se o compartilhamento de infraestrutura é capaz de promover maior

competição e redução de tarifas em determinado serviço público, é correto dizer que

compartilhar uma infraestrutura é atender o principio da função social daquela

propriedade. Neste sentido, Kovikoski nos ensina:

Isto porque tal instituto permite a economia na instalação e manutenção da infra-estrutura dos serviços compartilhados, o que gera barateamento dos custos por parte das empresas prestadoras, agilização no atendimento das metas de universalização, racionalização estratégica de recursos, otimização da manutenção contínua da rede, etc. (2005, p. 01).

Importante a consideração de Araujo (2009, p. 469), que entende que não

são todas as propriedades privadas vertidas sob este princípio, mas somente

aquelas inseridas em processos produtivos, envolvendo basicamente a propriedade

dos bens de consumo e dos bens de produção. Nas palavras do doutrinador:

Quer parecer, ao menos em uma perspectiva genérica, que a noção de cumprimento da função social da propriedade privada, na seara econômica, implica na observância dos fins de ordem econômica (propiciar dignidade a todos, segundo os ditames da justiça social) em relação aos interesses que se articulam em torno de cada atividade econômica específica. (2009, p. 470).

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2.6 O ESTADO COMO AGENTE NORMATIVO E REGULADOR DA ATIVIDADE

ECONÔMICA

O art. 174 da Constituição Federal dispôs sobre o exercício, pelo Estado, da

atividade de agente normativo e regulador da atividade econômica, ao versar, ipsis

litteres:

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (BRASIL, 1988).

A atividade de regulação da economia consiste em uma intervenção indireta.

De acordo com Silva (2002, p. 01) é o art 174 da Constituição Federal que

fundamenta a legalidade das AGÊNCIAS REGULADORAS criarem normas jurídicas.

A intervenção do Estado tem dois propósitos: preservar o mercado dos

vícios do modelo e assegurar os fins principais da ordem econômica (vida digna e

justiça social). (ARAUJO, 2009, p. 477).

Além do Brasil, o mundo também tem mudado muito nos últimos anos, com

uma forte tendência desenhando uma nova estrutura de Estado. Este deixa, aos

poucos o antigo modelo interventor e passa a assumir um modelo de regulação

(COIMBRA, 2001).

2.7 REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA

Há argumentos muito favoráveis à regulação na economia. Além dos

fenômenos da falha de mercado, há outros vícios próprios do mercado que merecem

atenção. (SUSTEIN, 2003, p. 33)

No presente trabalho nos preocuparemos especialmente com uma falha de

mercado conhecida como “monopólio”, sobre a qual é necessária a aplicação de

normas.

Cabe-se destacar que, a exploração de Serviço Público, muitas vezes é

caracterizada como uma situação de mercado em que os investimentos necessários

para implantação de concorrência são muitos elevados, e os custos marginais são

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muito baixos. Trata-se, portanto, de monopólios naturais, sendo a regulação a

solução apontada para lidar com estas estruturas de mercado.

Sustein entende que simplesmente utilizar-se de controles legais sobre

comportamentos anticompetiitivos não é o suficiente, sendo necessário a imposição

de preços máximos e controle de qualidade. (2003, p. 33).

Somente em 1995 foi positivada a primeira norma brasileira que consagrava

um novo entendimento, aonde o Serviço Público realmente passava a ser visto como

uma atividade econômica sujeita a concorrência, o artigo 16 da Lei 8987/95, que

dispõe:

A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei. (BRASIL, 1995).

Logo após várias outras normas, a exemplo a Lei Geral de

Telecomunicações, vieram a trazer medidas para facilitar e entrada ao mercado,

garantir acesso a infraestrutura existente, reduzir mercados exclusivos, garantindo a

promoção da concorrência no serviço público.

Nas palavras de Aragão:

A inserção de mecanismos concorrenciais alterou significativamente o seu substrato e o espírito que a anima, com incontornáveis reflexos na interpretação das suas regras e na forma de aplicação dos paradigmas tradicionais das delegações de serviços públicos. (2004, p. 53).

2.8 COMPARTILHAMENTO DE INSTALAÇÕES E A ESSENCIAL FACILITIES

DOCTRINE

Demonstrado a importância de se instigar a concorrência na prestação de

serviços públicos, conclui-se que a restrição pode ocorrer somente quando

indispensável ao interesse da sociedade.

E sobre o mecanismo de inserção de concorrência através do

compartilhamento de infraestrutura, Aragão afirma:

é o que mais tem suscitado discussões teóricas e empíricas, implicando no deslinde de questões comuns ao Direito Administrativo e ao Direito Econômico, inclusive de alguns aspectos privatísticos deste, relevando a aplicação conjunta destas disciplinas. (2004, p. 86).

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Alinhado a este pensamento, Motta (2003, p. 190) explica ser o

compartilhamento uma das mais importantes questões no exercício a função

jurisdicional das AGÊNCIAS REGULADORAS, pois evita custos com construção de

redes aonde elas já existem.

2.8.1 Instalação Essencial ou Essential Facility

O termo originário do inglês essential facilities, ou simplesmente

facility, pode ser traduzido para o português como “instalação essencial” ou

“recurso essencial”. Designa uma infraestrutura, de propriedade de um titular,

cuja restrição de utilização, ou de acesso, por terceiro, torna inviável ou

antieconômica a implementação de negócio por este terceiro. Trata-se de um

problema especialmente relevante em caso de competição entre o titular do

recurso e o terceiro interessado.

São três as características que conceituam uma instalação essencial:

a. Que seja objeto de controle por uma empresa (normalmente

monopolista),

b. Que sua replicação seja inviável, seja pelos elevados custos ou pela

impraticidade do ponto de vista socioambiental ou urbanístico.

c. Que seja uma estrutura essencial para o funcionamento de outras

atividades, ainda que em concorrência com o titular.

Salomão Filho afirma que:

Uma essential facility existe, portanto, diante de situações de dependência de um agente econômico com relação a outro, no qual a oferta de certos produtos ou serviços não se viabilizaria sem o acesso ou o fornecimento do essencial. A existência de bens cuja utilização é condição essencial para a produção de outros justifica a necessidade de impor o acesso ou o fornecimento dos primeiros. (2002, p. 40).

Diferente de alguns doutrinadores, entendemos que o recurso essencial não

necessita ser indispensável, mas basta que tenha o poder de eliminar a

concorrência. (ex: No decorrer deste trabalho, apresentaremos um polêmico caso

aonde uma operadora de TV a Cabo pretendia que o sinal da TV aberta Rede Globo

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fosse considerado como uma essential facility e, portanto, obrigatória sua

disponibilização.

Rojas entende que o conceito de instalação essencial é muito mais amplo, e

que, além de instalações, abarca serviços, meios, recursos, prestações e outros. E

que a primeira consequência para com uma “instalação essencial” é a criação de

uma obrigação, para seu titular, em favor de seus concorrentes. (2004, p. 12).

2.8.2 Conceito de Compartilhamento de Instalações e a Dissociação entre

Propriedade e exploração da Rede

O compartilhamento de infraestrutura refere-se ao uso conjunto de

estruturas físicas de propriedade de uma empresa por outra, de forma gratuita ou

onerosa, com a finalidade de eficiência na utilização da propriedade, e o aumento do

numero de prestadores de serviços que dependam da facilidade, evitando a

duplicação da infraestrutura.

O fim do compartilhamento é, portanto, o de se utilizar uma infraestrutura

construída para um determinado serviço, para suporte de outro, (ainda que da

mesma característica prestado por um concorrente), buscando diluir custos e

contribuir para a modicidade de tarifas, ou seja, potencializar a utilidade de uma

instalação.

Apesar de que em nosso entendimento a teoria das instalações essenciais

não ter sua aplicação restrita à prestação de serviços públicos, Kozikoski preferiu

esta definição restritiva de compartilhamento:

compartilhamento de infraestrutura refere-se ao uso conjunto de instalações construídas para servir de base à prestação de serviços públicos de energia elétrica, água, saneamento, gás, telefonia, rodovias e ferrovias, gerando o emprego compartilhado de postes, torres, dutos, subsolo urbano, condutos e servidões administrativas. (2005, p. 01).

A definição legal para o compartilhamento de infraestrutura encontrada na

Resolução Conjunta 001 ANEEL, ANATEL e ANP:

Infra-estrutura: são as servidões administrativas, dutos, condutos, postes e torres, de propriedade, utilizados ou controlados, direta ou findiretamente, pelos agentes que exploram os serviços públicos de energia elétrica, os serviços de telecomunicações de interesse coletivo e os serviços de transporte dutoviário de petróleo, seus derivados e gás natural, bem como cabos metálicos, coaxiais e fibras ópticas não ativados, (...) e

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Compartilhamento: é o uso conjunto de uma infra-estrutura por agentes dos setores de energia elétrica, de telecomunicações ou de petróleo;

Para o correto entendimento do conceito, importante saber diferenciar que a

prestação do serviço público não se confunde com a gestão da infraestrutura com a

qual se encontra vinculado. Hoje, com a evolução de tecnologia é permitido, por

exemplo, que mais de uma empresa de telecomunicações se utilize de um único

cabo de fibra ótica para prestar serviços de telefonia fixa (serviço telefonia X gestão

da rede de telecomunicações).

Justen Filho (2003, p. 42) prefere o exemplo de uma rede ferroviária. O

ilustre doutrinar explica não ter cabimento a duplicação dos trilhos rodoviários,

porém, ao se distinguir a propriedade dos trilhos do serviço de transporte ferroviário,

podemos ter diversas empresas autônomas entre si prestando serviços e

competindo pela preferência do usuário (ainda que em horários diferentes). A

competição significa redução de preços e outras vantagens para o usuário do

serviço.

Já Martins explica o tema da seguinte forma:

Mas mesmo naqueles setores em que se registra a subsistência do clássico conceito de serviço público, a separação entre a gestão e a exploração da rede e a prestação do serviço, dá a Administração a possibilidade de atribuir a concessão de gestão e exploração das redes a entidades distintas das concessionárias do serviço público por elas proporcionado, eliminando, assim, os monopólios tradicionais em que a mesma entidade acumulava a gestão e exploração da rede e o serviço público. (2004, p. 246).

Portanto, a dissociação de propriedade e gestão de uma rede essencial do

serviço público prestado é a forma de não restrição à competição.

2.8.3 A Essential Facilities Doctrine

Trata-se de tema recorrente nas literaturas de Direito Econômico,

especificamente quando se discute um “Direito Público Econômico”. Segundo a

“teoria das instalações essenciais” (ou “Essential facilities doctrine”) o titular de uma

instalação essencial deve conceder acesso ou compartilhar sua instalação a

terceiros sempre que houver:

• Inviabilidade econômica na prestação do serviço pelo terceiro, em caso de

necessidade de construção de infraestrutura própria ou

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• Impossibilidade de implantação de nova rede de infraestrutura, por restrições

de ordem físicas ou socioambientais.

No ano de 1912, foi julgado o caso “Estados Unidos versus Terminal

Railroad Association of St. Louis”, pela Suprema Corte Americana. O julgamento

teve como base a Lei Sherman (Sherman Act), norma antitruste norte americana. A

Suprema Corte Americana, ao entender como ilegal a prática de uma Associação

que detinha terminais ferroviários, que impunha custos e condições que

inviabilizavam a utilização por seus concorrentes que, por sua vez, também não

tinham como implantar suas próprias instalações, declarou:

Embora as empresas sejam proprietárias de uma combinação de terminais de unificação, não podem usar todo o seu poder para impedir a livre concorrência por empresas externas , pois o controle pode então resultar em métodos incompatíveis com a liberdade de concorrência, para torná-lo uma restrição ilegal a tutela da Lei Sherman. (EUA, disponível em <http://supreme.justia.com/cases/federal/us/224/383>).

Segundo Aragão, este caso teria sido o surgimento da essencial facilities

doctrine, porém o julgamento do caso MCI versus AT&T, em que essa segunda

empresa foi obrigada a ceder acesso a sua rede de telefonia fixa a primeira, para

que pudesse prestar serviços de telefonia como concorrente, teria fixado as bases

que regem a Doutrina. (2004, p. 94).

Nos termos do julgamento, quatro seriam as condições para aplicação da

Essential Facilities Doctrine:

a) o controle do recurso essencial, por um monopolista ou duopolista ou

detentor de posição dominante,

b) a incapacidade de o competidor implantar sua própria instalação; (obs: essa

incapacidade não deve ser interpretada de forma absoluta, mas avaliada sobre

o prisma da razoabilidade técnica e econômica),

c) a negativa ou abuso de dificuldades para uso do insumo essencial ao

competidor, (ex: preços abusivos, imposição de regras abusivas a utilização,

restrições técnicas despropositais, etc),

d) a factibilidade de se prover o recurso ou o compartilhamento do mesmo

(viabilidade de acesso).

Sobre este ultimo ponto, as palavras de Justen Filho:

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Não se cogita o compartilhamento de instalações quando o proprietário delas necessita integralmente para sua exploração comercial. A oportunidade para o compartilhamento apenas surge quando a utilização por terceiros não impedir o desenvolvimento comum e normal da atuação do proprietário. (2003, p. 43).

2.8.4 A Essential Facilities Doctrine no Serviço Público Brasileiro

O Serviço Público no Brasil é dotado de uma tradição monopolista, sendo

que a propriedade das infraestruturas das redes são de poucos agentes. Esse

monopólio pode representar a ausência de concorrência em setores como

telecomunicações, energia elétrica, operações portuárias, etc. A ausência de

concorrência causa prejuízo a sociedade, visto que o agente monopolista pode ter o

controle dos preços.

Ocorre que, em regra geral, nosso ordenamento jurídico dos últimos 30

anos, manteve as grandes redes de infraestrutura com um único gestor, garantindo,

no entanto, a vários prestadores de serviço o uso da rede existente de forma

compartilhada. Por isso, as regras setoriais tiveram que contemplar várias normas

regulando o assunto, fixando tarifas, regulando formas de solução de conflitos,

parâmetros de qualidade, etc.

Salomão Filho, ao discorrer sobre o dever de garantir o acesso, definiu a

situação da seguinte forma:

A existência deste dever não é uma conclusão decorrente apenas de normas gerais do direito concorrencial. Observa-se mesmo uma crescente positivação das normas setoriais específicas, que procuram disciplinar expressamente o problema trazido pela essential facility. Tratam-se, normalmente, de leis recentes, aplicáveis aos setores de infra-estrutura básica, antes organizados em torno de monopólios públicos.(2002, p. 50).

Segundo Aragão, na maioria das vezes os dispositivos normativos estão

consentâneos com os requisitos da Teoria das Instalações Essenciais, entretanto,

por vezes, os dispositivos e a teoria podem conflitar, o que causa perplexidade,

ainda que a mesma não se justifique, já que nossos Legisladores ou órgãos

reguladores não são obrigados a observar os conceitos da referida Teoria (2004, p.

104).

20

2.8.5 A Questão do Preço Justo

Motta coloca que a grande questão que se coloca sobre o tema é o da

fixação dos preços (aluguel, taxa de ocupação, pedágio, tarifa), a serem pagos pelas

estruturas compartilhadas (2003, p. 102).

Digna de citação são as palavras de Salomão Filho, ao discorrer sobre o

assunto:

O preço do bem essencial tem, assim, um caráter central e é indissociável do próprio dever de se lhe garantir o acesso. Não se trata apenas de impedir que o titular do bem aufiro lucros exorbitantes em decorrência de sua posição dominante. Resultado igualmente danoso decorrerá da cobrança de preço excessivo em função da falta de concorrência. (2002, p. 45).

Quanto aos serviços de telecomunicações, a Lei Geral de Telecomunicações

trouxe expressamente em seu texto a obrigação de que o compartilhamento seja

feito de forma não discriminatória, e limitando eventual cobrança pelo uso a preços

justos e razoáveis, conforme seu artigo 73:

As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadoras de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis . § único: Caberá ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do disposto no caput. [sem grifo no original] (BRASIL, 1997).

Em harmonia ao referido diploma legal, a Resolução Conjunta Aneel, Anatel,

ANP 001/1999, estabeleceu diversas limitações sobre a negociação do

compartilhamento, conforme abaixo:

Art. 15 Nas negociações entre os agentes não são admitidos comportamentos prejudiciais à ampla, livre e justa competição, em especial: I - prática de subsídios para a redução artificial de preços; II - uso, objetivando vantagens na competição, de informações obtidas de concorrentes; III - omissão de informações técnicas e comerciais relevantes à prestação de serviços por outrem; IV- exigência de condições abusivas para a celebração de contratos; V - obstrução ou retardamento intencional das negociações; VI - coação visando à celebração do contrato; VII - estabelecimento de condições que impliquem utilização ineficiente da infra-estrutura; e VIII - subordinação do compartilhamento da infra-estrutura à aquisição de um bem ou a utilização de um serviço.

21

Deve-se observar que as condições expostas na Resolução apresentam

diretrizes as negociações do compartilhamento, entretanto já existe em nosso

ordenamento jurídico uma restrição legal – os preços devem ser justos e

razoáveis ! - Qualquer excesso na definição dos preços é ilegal, ou seja, há uma

proibição ao excesso, cabendo inclusive a anulação de quaisquer cláusulas

contratuais que não respeite a este disposto.

Sobre o tema, destacamos as palavras de Kosikoski:

não se pode olvidar que à razoabilidade do preço o legislador agregou a exigência de sua justiça. E aqui, por óbvio, a justiça e razoabilidade do preço, mais que qualquer dado aferível pelo Direito, é elemento que deve ser cotejado através das condições de mercado. (2004).

No serviço público, a incidência da razoabilidade do preço tem especial

importância, pois não estão somente em jogo interesses particulares das empresas,

mas sim direitos dos usuários dos serviços públicos, a quem, ao final, são

repassados os custos dos prestadores de serviço, em forma de tarifa. E o que

poderia ser preço justo e razoável, que a lei não definiu?

Motta critica a indefinição dos preços a serem cobrados, mas tão somente a

indicação subjetiva de “preço justo”. Neste sentido, afirma que:

Aqui temos, certamente, uma questão a ser debatida: o vazio normativo no sentido de delimitar o preço. Isto porque, aproveitando-se exatamente deste, algumas empresas vêm exigindo, nas negociações, que seja adotado o critério do custo evitado, ou seja, que na composição do preço sejam computados os valores que a empresa solicitante da compartimentalização evitou, por não construir a sua rede. O critério é absurdo e prejudicial à ampla, livre e justa competição (...) (2003, p. 193).

Aragão compreende que o preço justo do compartilhamento não pode ser

algo que restrinja a concorrência, porem nem tão baixo que não remunere

satisfatoriamente seu titular. Portanto, o preço justo envolve ressarcimento de custos

acrescido de uma parcela de lucro, para não desincentivar investimentos na rede.

(2004, p. 100).

De modo diferente, se manifesta Kosikoski:

De início, há que se observar que qualquer critério de fixação de preços não pode ter como base o custo de construção da rede, mas, pelo contrário, apenas e exclusivamente, a parcela do quantum necessário à sua

22

manutenção. Fora disso, não há realização de preço justo e razoável. (2004).

Discordamos, neste ponto, de ambos ilustres doutrinadores. Entendemos

que não necessariamente o preço justo deva contemplar um quantum necessário

para incentivar novos investimentos em expansão. Porém discordamos também que

o preço justo seja tão somente parcela do quantum necessário à sua manutenção.

Entendemos que a definição do preço justo é um desafio aos órgãos

reguladores, e certamente não pode desconsiderar a forma de remuneração dos

serviços públicos envolvidos estando dividido, portanto, entre os seguintes casos:

2.8.5.1 Compartilhamento entre concessionárias ou permissionárias de serviço

público, em serviços cuja tarifa é regulada ou onde é fixada a partir de preço de

proposta vencedora de licitação, e não há limites ao compartilhamento

Trata-se de casos, por exemplo, do compartilhamento de faixas de servidão

de concessionárias de rodovias e de energia elétrica. Para que possamos expressar

nosso entendimento sobre o preço justo nestes casos, discorreremos primeiro sobre

a questão das receitas alternativas das concessionárias, que a lei 8987/95

estabeleceu sejam utilizadas para favorecer a modicidade das tarifas.

O que se pretendeu é que não apenas os usuários do serviço público

assumam os débitos pela prestação do serviço, mas toda sociedade. Essas fontes

de receita, denominadas de “fontes de receita alternativas”, captam riquezas que

atendem o interesse de todos participantes da relação administrativa. (ROCHA,

1996, p. 111).

Assim, as receitas com compartilhamento de instalações são entendidas

pelas AGÊNCIAS REGULADORAS como “fonte de receita alternativa”, que

usualmente se apropriam destas para fins de modicidade tarifária. E, portanto, a

cobrança de compartilhamento, por uma prestadora de serviço público, interessa

muito mais o usuário do serviço público correspondente, do que a própria empresa

concessionária.

Partindo-se do entendimento acima, concluí-se que o compartilhamento de

infraestrutura entre duas concessionárias, tem-se tão somente uma transferência de

23

recursos que beneficiará o usuário de um serviço público em prejuízo ao usuário de

outro, situação que não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico.

Diante de todo exposto, entendemos que quando o compartilhamento ocorre

entre duas concessionárias de serviço público, o preço justo e razoável para o

compartilhamento de redes seja tão somente a parcel a adicional de custos que

o proprietário terá com a rede, devido ao compartil hamento, acrescido dos

encargos tributários incidentes Trata-se de parcela que pode ser definida por

critérios técnicos e econômicos que estabeleçam: a) incrementos mensais aos

custos de operação e manutenção, b) custos de análise de projeto da solicitante, c)

custos de fiscalização, d) custos de gestão do compartilhamento, e) parcela de

custos devido a redução de vida útil devido ao esforço adicionais e f) custos dos

riscos de aumento da indisponibilidade do serviço prestado pelo titular da rede.

Como se tratam de custos adicionais que deverão ser suportados pelo

gestor da rede, entendemos que esta remuneração deve pertencer ao mesmo, não

devendo ser resgatado para modicidade tarifária, evitando um desequilíbrio

econômico-financeiro do contrato de concessão.

2.8.5.2 Compartilhamento entre concessionárias ou permissionárias de serviço

público, aonde a tarifa da acessante é determinada pela livre concorrência, e não há

limites ao compartilhamento

Os discutidos casos de compartilhamento de postes urbanos por empresas

de telecomunicações são o melhor exemplo a ser dado. Ainda que atualmente a Lei

Geral de Telecomunicações e regulação determinem que o preço seja pactuado com

base na livre negociação, entendemos que cabem aos nossos legisladores

estabelecer um parâmetro para determinação do preço justo a estes casos.

Sugere-se que o preço justo seja aferido com base n a proporção

capacidade da facility / demanda do compartilhamento , em referência a: a)

custos de instalação da infraestrutura, b) custo de remoção da infraestrutura ao final

da vida útil e c) custo de operação e manutenção regular. Os custos adicionais que

serão suportados pelo proprietário da rede com o compartilhamento, conforme

descrito no item anterior, e os tributos incidentes ao compartilhamento, também

devem ser considerados.

24

2.8.5.3 Compartilhamento entre concessionárias ou permissionárias de serviço

público, aonde a tarifa da acessada e da acessante é determinada pela livre

concorrência, e não há limites ao compartilhamento

Não se trata de caso comum, porém não é difícil imaginar, por exemplo, uma

prestadora de serviços de telefonia ou de sinal de internet pretender compartilhar

uma infraestrutura de cabeamento empreendida por uma prestadora de serviços de

TV a cabo

Neste caso, entendemos que o compartilhamento deva ser tratado como

uma relação comercial de direito privado, sendo o p reço definido pela

barganha , com o cuidado apenas de que não sejam estabelecidos valores abusivos

que visem restringir a concorrência.

2.8.5.4 Compartilhamento entre concessionárias ou permissionárias de serviço

público, aonde há limites ao compartilhamento

Pertencente a rede essencial a uma concessionária ou permissionária de

serviço público, e a utilização compartilhada for de interesse de outras, porém por

limitações ao compartilhamento, seja por esgotamento da capacidade física, sejam

por implicar risco a segurança ou qualidade, trata-se de situação diferenciada.

São casos, por exemplo, de compartilhamento de estruturas de

telecomunicações de empresas de energia elétrica por empresas de

telecomunicações, uso das redes de distribuição de energia para transporte de

sinais de dados, etc.

Nestes casos, entendemos que a forma mais adequada seria a realização,

pelo gestor da rede essencial, de uma chamada públi ca buscando a melhor

proposta comercial para o compartilhamento . As receitas advindas do

compartilhamento, descontados os custos adicionais que a gestora da rede tem com

o compartilhamento, devem ser convertidas para modicidade das tarifas do serviço

prestado pelo gestor da rede.

25

2.8.6 Local e Forma da Conexão

Outra questão a ser considerada no instituto do compartilhamento é o

cuidado para que o proprietário da rede não imponha condições ou formas que

prejudiquem seu aproveitamento pela empresa acessante, nem que a acessante se

beneficie a tal forma de prejudicar a acessada (proprietária da rede).

Aragão apresenta sua solução para o conflito, da seguinte forma:

O compartilhamento é feito no interesse da concorrência, a forma e o local da conexão devem ser determinados da maneira que melhor favoreça a competição, não da que for mais conveniente para quaisquer das partes envolvidas. (2005).

Sobre a forma, Justen Filho (2003, p. 44) explica à vedação implícita a

utilização de padrões técnicos excludentes da competição, não sendo possível que

determinado player imponha um padrão técnico que exclua a possibilidade de outros

adentrarem a competição. Nas palavras do doutrinador: “Isso significa a vedação à

utilização de soluções técnicas como meio exclusivo de assegurar o monopólio do

mercado ou excluir a participação de potenciais competidores”.

2.8.7 Vantagens e Desvantagens do Compartilhamento

No presente trabalho elencamos quais as eventuais principais oportunidades

e dificuldades do compartilhamento, do ponto de vista da Acessada (proprietária da

rede essencial) e da Acessante (interessada no uso da rede).

� Detentor da infraestrutura:

• Vantagens: Receitas adicionais, reciprocidade, redução dos custos de

operação e manutenção em caso de compartilhamento destes

serviços, otimização, troca de experiências.

• Desvantagens: Perda de autonomia sobre o ativo compartilhado, riscos

decorrentes do compartilhamento (segurança do trabalho,

acompanhamento do pessoal em campo), eventual indisponibilidade da

rede devido à programação de serviços pelo terceiro.

26

� Empresa Acessante:

� Vantagens: Evita investimentos e mitiga impactos sócio-

ambientais com a construção de nova rede, troca de

experiência.

� Desvantagens: Necessidade de programação prévia de acesso

(manutenção), risco de não renovação do contrato.

2.9 A ESSENCIAL FACILITIES DOCTRINE EM NOSSO DIREITO POSITIVADO

A teoria das instalações essenciais ainda é uma construção doutrinária e

jurisprudencial, sem aplicação de forma absoluta.

Entretanto, como já foi explanado no presente trabalho, foi na prestação de

serviços públicos, com suas grandes redes de infraestruturas, que inicialmente as

leis setoriais tiveram que regular o acesso às instalações essenciais.

A ideia de introdução de concorrência também nos serviços públicos

concedidos foi positivada no artigo 16 da Lei 8987/95: “A outorga de concessão ou

permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica

ou econômica justificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei”. (BRASIL, 1995).

Ainda no mesmo ano, a Lei 9074 discorreu sobre o compartilhamento do

SIN, o que permitiu a criação do novo modelo do setor elétrico, e a instauração de

concorrência no setor. Este tema, pela sua importância, será tratado em capítulo

especial no presente trabalho.

Dois anos mais tarde, a promulgação da Lei Geral de Telecomunicações (Lei

9.472 / 1997) regulou de forma mais expressa o tema compartilhamento de

infraestrutura, em seu art. 73:

As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. (BRASIL, 1997).

No mesmo ano, houve a promulgação da lei de Petróleo e Gás (Lei

9.478/97), que em seu artigo 58 estabeleceu que qualquer interessado pode usar a

infraestrutura existente mediante remuneração a ser estabelecida por negociação,

27

cabendo a ANP verificar a compatibilização do valor com o mercado e intermediar

controvérsias.

Várias outras normas foram positivadas nos mais variados setores de

serviço público, destacadamente no setor elétrico e de telecomunicações. As normas

buscam promover a maior facilidade para entrada ou mercado, acesso à

infraestrutura, redução de mercados exclusivos, liberdade a criação de novos

produtos e realização de investimentos, etc. (ARAGÃO, 2005)

Sobre o assunto, Salomão Filho dedicou as seguintes palavras:

Dada a inviabilidade de um bem ser duplicado, o legislador intervem diretamente na forma de como a atividade será prestada, exigindo que o acesso aos bens essenciais seja garantido com preços e condições que tornem viável e competitiva a atividade das empresas que dela dependem (2002, p. 50)

2.10 A RECUSA DE CONTRATAR COMO ILÍCITO

Foi a lei 8.884/94 que introduziu em nosso ordenamento jurídico a tutela da

concorrência em nosso país, regulamentando assim o artigo 173, §4º da

Constituição Federal.

O direito da concorrência surgiu como garantia do cidadão contra os grandes

trustes, sendo indiscutível que o direito a concorrência esta intimamente ligado a

questão do equilíbrio de forças no mercado. (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 37).

Ao discorrer sobre as infrações de ordem econômica, nossos legisladores

elencaram algumas condutas, em um rol não taxativo, garantindo proteção contra

atos não previstos legalmente. Os tipos são abertos, buscando melhor subsunção de

atos abusivos a norma antitruste.

Os artigos 20 e 21 da referida lei dispões acerca de infrações da ordem

econômicas puníveis no caso de recusa do compartilhamento de instalações

essenciais.

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (...)

28

Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; (...) IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado; V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição; (...) (BRASIL, 1994).

Entretanto, com exceção do disposto acima, é inegável que nosso direito

antitruste diz pouco sobre como deve se dar o compartilhamento (preço, ponto de

acesso, aspectos técnicos, etc.)

2.11 DAS INSTÂNCIAS REGULADORAS DOS CONFLITOS

Compete as AGÊNCIAS REGULADORAS instaurar procedimentos

administrativos para dirimir controvérsias a respeito da conformação dos preços de

uso de instalações compartilhadas aos ditames da justiça, bem como coibir abusos

referentes ao tema. (KOSIKOSKI, 2004).

O assunto encontra-se, inclusive, positivado no parágrafo único do art. 73 de

Lei Geral de Telecomunicações: “Caberá ao órgão regulador do cessionário (sic) dos

meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento do

disposto no caput.” (BRASIL, 1997).

No âmbito dos casos de compartilhamento regidos pela Resolução ANEEL/

ANATEL/ ANP 002/2001, foi instituída a Comissão de Resolução de Conflitos das

Agências Reguladores dos Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e

Petróleo, com caráter permanente, que se reunirá sempre que provocada para

solução de conflitos e reprimir atos prejudiciais a livre competição.

Nosso ordenamento jurídico permite também aplicação concomitante da Lei

de Defesa da Concorrência – Lei 8.8884/94, ficando as prestadoras de serviço

público sujeitas ao CADE.

Por fim, por expressa determinação constitucional, as controvérsias podem

ser submetidas à apreciação do poder judiciário.

29

2.12 O INADIMPLEMENTO DO PAGAMENTO DO COMPARTILHAMENTO

Assunto contraverso é a possibilidade de suspensão do compartilhamento

em caso de inadimplemento contratual.

Wohlers (2007) dispõem que após ajustadas as condições financeiras

envolvendo o compartilhamento, cabe ao acessante cumprir a obrigação, sob pena

de que o proprietário da rede permitir-se tomar as providências para extinção da

relação, não sendo permitido invocar o “princípio da continuidade do serviço público”

para sustentar a impossibilidade de se romper a relação.

Já Aragão (2005, p. 112), com quem concordamos, entende que não como

se ilidir ao referido princípio quando se trata de Serviços Públicos, devendo-se

considerar o interesse da coletividade, sendo, portanto impossível a extinção do

compartilhamento por inadimplência.

3 O COMPARTILHAMENTO DO SIN

O compartilhamento do SIN é entendido por nós como o grande exemplo de

compartilhamento de infraestrutura no setor de Serviço Público, motivo pelo qual

mereceu um capítulo exclusivo no presente trabalho. O livre acesso ao SIN

certamente foi o grande responsável pelo novo modelo do setor elétrico e

possibilitou a concorrência entre as empresas do setor;

3.1 HISTÓRICO DO SETOR ELÉTRICO

O Setor Elétrico tem como objetivo principal suprir a demanda de energia

elétrica nas diferentes regiões do país, criando um dos requisitos básicos de

infraestrutura para o desenvolvimento. É composto por três funções básicas:

GERAÇÃO, TRANSMISSÃO E DISTRIBUIÇÃO de energia elétrica.

Até a década de 50, o Setor Elétrico Brasileiro estava nas mãos da iniciativa

privada, com a participação de grandes empresas estrangeiras. Preocupado com a

necessidade de grandes investimentos no setor, o governo federal procurou

construir novas usinas e estimular investimentos dos estados e da iniciativa privada.

Já na década de 70, o controle do Sistema Elétrico Brasileiro estava nas

mãos do Estado. A operação do Sistema Elétrico Brasileiro passou a ser executada

30

pelo Grupo Coordenador para Operação do Sistema Interligado (GCOI), coordenado

pela ELETROBRÁS.

As decisões do planejamento setorial centralizado eram implementadas

pelas concessionárias de acordo com sua área de concessão. O controle do Sistema

Elétrico Brasileiro estava nas mãos do Estado. A DISTRIBUIÇÃO era

frequentemente explorada como uma empresa independente, e havia grandes

empresas Federais (especialmente o Grupo Eletrobrás) que supriam as empresas,

com seus grandes sistemas de GERAÇÃO e TRANSMISSÃO de energia.

Entretanto, algumas empresas estaduais tradicionais, tais como Copel

(Paraná), Cemig (Minas Gerais), Cesp (São Paulo) e CEEE (Rio Grande do Sul),

executavam todas estas funções, e por isso eram denominadas de “verticalizadas”.

Deve-se observar, no entanto, que não é técnica ou economicamente viável

que haja competição nos sistemas de transporte de energia, motivo pelo qual os

setores de distribuição e transmissão são caracterizados por um monopólio natural.

Somando-se isso ao fato que o planejamento da transmissão e da geração são

feitos em conjunto, imaginou-se por muitos anos ser inviável a “desverticalização”

das empresas.

3.2 A REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO

A onda neoliberalista que assolou o Brasil na década de 90, fez com que

estrutura do Setor Elétrico tivesse que ser repensada. A Constituição Federal havia,

a poucos anos, estabelecido, através de seu artigo 175, a possibilidade do Estado

realizar a prestação de serviço publico de forma indireta.

Assim, a falta de competência do Poder Público em executar a prestação

dos serviços públicos a contento, foi suprida na própria Constituição Federal pela

possibilidade de delegação dos serviços, sempre mediante licitação.

A reforma teve inicio com a criação do Programa Nacional de

Desestatização, originado da lei 8031 de 1990, onde se pretendia transferir a

iniciativa privada algumas atividades exploradas pelo setor público, reduzindo assim

a dívida pública. (MOTTA, 2003, p. 06).

A instalação de um modelo competitivo exigia que fossem quebrados os

monopólio das empresas integradas, submetendo-as a um processo de

“desvertizalização”, ou seja, separação das empresas em GERAÇÃO,

31

TRANSMISSÃO e DISTRIBUIÇÃO, através de legislação específica, o que ocorreu

basicamente com a lei 8987/95 conjugada a 9074/95.

Com a fragmentação das atividades, nas fases de GERAÇÃO e

comercialização de energia, foi possível instaurar a competição. (Aragão, p. 49)

De acordo com Justen Filho, seria inútil instaurar a competição na

GERAÇÃO, se um dos competidores pudesse atuar também nos setores de

TRANSMISSÃO e de DISTRIBUIÇÃO, pois neste caso poderia ocorrer o fenômeno

do subsidio cruzado, aonde o agente repassa custos da etapa competitiva para a

monopolizada, eliminando os efeitos positivos da competição. (2003, p. 41).

E o Brasil passou então a se adequar a uma nova forma de modelo de

Estado, baseada em um modelo mediador e regulador, desprendendo-se das

amarras do monopólio estatal. Foram privatizadas várias concessionárias de

GERAÇÃO, TRANSMISSÃO e DISTRIBUIÇÃO de energia elétrica, que somado a

introdução do processo de licitações para construção de novos empreendimentos no

setor, fez com que fosse reduzida em muito a presença do Estado na prestação de

serviços de energia elétrica.

3.3 O LIVRE ACESSO

O interesse do Poder Público em extinguir o modelo monopolista do Setor

Elétrico e criar um modelo competitivo, que gerasse interesse na entrada de capital

privado capaz de prover as ampliações necessárias para o desenvolvimento do

setor, passava necessariamente pela garantia do livre acesso às redes de

TRANSMISSÃO e DISTRIBUIÇÃO.

Desta forma, a redação da lei 9.074/95 garantiu:

É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livres acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário ou permissionário de serviço público, mediante ressarcimento de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente. (BRASIL, 1995).

Trata-se do primeiro e maior passo a introdução de competição na

DISTRIBUIÇÃO e, consequentemente, para viabilização de novos projetos de

GERAÇÃO.

32

Sem a garantia, dada por esta lei, qualquer empresa apta a prestar serviços

de GERAÇÃO, por exemplo, não teria garantia de poder acessar as redes existentes

de DISTRIBUIÇÃO e de TRANSMISSÃO existentes, eventualmente tendo que

construir suas próprias redes de transporte de energia elétrica o que é, na maioria

das vezes, técnica e economicamente inviável.

Especialmente relevante se torna a questão se imaginarmos que, ainda que

muitas empresas tenham sido desverticalizadas, portanto separadas em prestadoras

de serviço de GERAÇÃO, TRANSMISSÃO e DISTRIBUIÇÃO, continuam sob

controle de um mesmo Grupo Econômico, que poderia beneficiar outras empresas

ao impedir um concorrente de uma a acessar as redes existentes da outra.

4 CASES POLÊMICOS

4.1 OCUPAÇÃO DE FAIXAS DE DOMÍNIO DE RODOVIAS POR

CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA

O decreto 84.398 de 1980 regulamentou a ocupação de faixas de domínio

de rodovias, ferrovias, oleodutos, terrenos de domínio público e travessias de

hidrovias, por linhas de transmissão, subtransmissão e distribuição de energia

elétrica. O artigo 2º do referido decretou estabeleceu que a autorização deve ocorrer

sem ônus para a concessionária de energia, conforme transcrito:

Art. 2º - Atendidas as exigências legais e regulamentares referentes aos respectivos projetos, as autorizações serão por prazo indeterminado e sem ônus para os concessionários de serviços públicos de energia elétrica. (BRASIL, 1980).

Entretanto, o art 11 da lei 8.997 de 1995, ao dispor sobre o regime de

concessão e permissão de serviço publico, introduziu em nosso ordenamento

jurídico o princípio da modicidade tarifária, onde estabeleceu que:

Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. (BRASIL, 1995).

33

Desde então, apoiada por um parecer de sua assessoria jurídica

(Parecer/ANTT/TKG/No 0286-3.9.6/2004) que entendeu ter a Lei 8997/95 revogado

o decreto 80.398/80, a Agencia Nacional de Transportes Terrestres normatizou as

cobranças de receitas pela ocupação de faixas de domínio, inclusive de

Concessionárias de Energia Elétrica, através da Resolução 2552/08.

Posicionamento diferente é do DNIT, ANEEL, Ministério de Minas e Energia

e da AGU (explanada através do parecer 017/2011/JCBM/CGU/AGU), que

entendem que a Lei 8997 não revogou o dispositivo encontrado no decreto

80.398/80.

De acordo com o parecer da AGU, é defesa uma interpretação da lei de

Concessões e Permissões que resulte em benefício de usuários de um serviço

público em detrimento de outros, não devendo ser a modicidade tarifária interpretada

de forma isolada em relação a determinado serviço, mas sim de forma conglobante.

Ou seja, não seria legítima a obtenção de receitas pelas concessionárias de

rodovias, ainda que fosse utilizada para reduzir a tarifa dos usuários do serviço

(pedágio), com a consequente oneração das tarifas de energia elétrica.

4.2 O COMPARTILHAMENTO DE INSTALAÇÕES DE TELECOMUNICAÇÕES

Ao longo dos últimos anos, as concessionárias de energia elétrica

construíram uma longa malha de telecomunicações, cobrindo as mais diferentes

regiões do país. Isso ocorreu de forma específica em regiões aonde as operadoras

de telecomunicações não cobriram, e as empresas de energia tiveram que

desenvolver a estrutura para sua própria utilização.

Ocorre que hoje a utilização da capacidade excedente das concessionárias

de energia é um item de grande interesse por parte das operadoras de

telecomunicações. As empresas de telecomunicações se interessam pela

capacidade excedente dos canais de comunicação, espaço nas salas de comando,

torres, antenas, etc.

Trata-se de assunto não regulamentado em nosso ordenamento jurídico.

Algumas concessionárias de energia elétrica prestam o serviço, mediante

remuneração. Outras preferem ceder as instalações existentes a empresas de

34

telecomunicações, que exploram a capacidade excedente, em troca da manutenção

do sistema mínimo exigido pelas concessionárias de energia.

4.3 COMPARTILHAMENTO DE ESTRUTURAS DE POSTES URBANOS

Até o final da década de 80 o tema era normalmente restrito ao âmbito de

uma concessionária de telefonia fixa, a estatal Eletrobrás, que controlava os serviços

de telefonia fixa e de longa distancia no Brasil, e da concessionária de energia

elétrica, normalmente também estatal, e, portanto, o assunto não tinha grande

repercussão.

Foi na década seguinte que, com a Plano Feral de Outorgas, o território

Brasileiro foi seccionado em diferentes área, com a privatização destas empresas.

Tivemos também a entrada no mercado de tantas outras, em concorrência com a

existente e novas que surgiram com a tecnologia (ex: operadoras de TV a cabo,

sinal de internet, etc.).

Com a multiplicação das empresas de telecomunicações interessada no uso

dos postes urbanos, o tema ganhou expressiva relevância.

Em 1999, a Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL/ANP 001/1999,

estabeleceu, em seu art 21, que os preços, a serem cobrados pelo

compartilhamento dos postes urbanos, possam ser livremente negociados pelas

partes, desde que observados os princípios da isonomia e da livre competição, e

que assegurem a remuneração dos custos associados à infraestrutura compartilhada

e demais obrigações previstas no contrato. Nos artigos seguintes se estabelecem

condições para arbitragem nos casos de conflitos entre as partes.

Ainda assim, a falta de um critério para definição do preço fazia com que as

AGÊNCIAS REGULADORAS tivessem que arbitrar inúmeros casos de

desentendimentos.

Muitos juristas como Wolhlers (2001, p. 37) em uma posição da qual

discordamos, entenderam que o compartilhamento de postes urbanos não se

configura em geral como um caso antitruste sujeito ao conceito de essential facility,

ainda que sua negação seja vedada em lei. Para os citados autores, existem plenas

condições para vigência de um processo de barganha entre as partes, que poderiam

definir o preço justo.

35

Atualmente, encontra-se em Audiência Pública pela ANEEL e ANATEL

norma regulatória estabelecendo uma metodologia para cálculo do preço de

referência para os contratos de compartilhamento de infraestrutura entre os setores

de energia elétrica e de telecomunicações.

Espera-se que, com a inédita regulamentação, nossos legisladores e

órgãos reguladores se inspirem a tratar de forma semelhante outros casos de

compartilhamento de instalações.

4.4 O JULGAMENTO DO CASO TV GLOBO X DIRECTV NO CADE

Trata-se de um polêmico embate levado a deliberação do CADE, a partir de

uma denuncia feita pela DirecTV, que acusa uma empresa detentora de concessão

de radiodifusão TV Globo, de abuso do poder dominante e recusa de contratar.

A DirecTV alegou no CADE que o sinal da TV Globo é essencial a

concorrência no mercado de tv por assinatura. Já a TV Globo se defendeu

apresentando um contrato de exclusividade celebrado com SKY, razão da recusa do

fornecimento do sinal da TV Globo à Directv.

O relator João Bosco da Fonseca, em seu voto favorável a DirecTV,

informou entender que o sinal da TV Globo é uma facility, e que por isso a

concessionária não pode discriminar os interessados em transmitir seu sinal. Sendo

assim, a exclusividade celebrada com a Sky viola a Lei antitruste.

Entretanto, o voto discordante do Conselheiro Celso Camilongo,

acompanhado por outros 05 Conselheiros do CADE, resultaram no entendimento

diferente ao do Relator. Importante ressaltar a motivação que levou ao entendimento

do CADE, apresentados no voto de Camilongo (disponível em

<http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/7/75/VotoTVA-Directv-

CelsoCampilongo.pdf>)

• É notório o poder dominante que a TV Globo que sobre o mercado que

disputa, porém, como se trata de um sinal aberto, pode ser acessado por

todos, inclusive pelos assinantes da DirecTV. Sendo assim, a discussão se

limitaria a forma na qual os assinantes de Sky e DirecTV teriam para acessar

o conteúdo da TV Globo.

• Se a tese levantada pela DirecTV, de que o sinal aberto da TV Globo é uma

Essential Facility, toda a nossa legislação de copyright estaria comprometida.

36

• A Directv teria conseguido aumentar sua participação de mercado ainda que

com a ausência de autorização para transmitir o sinal da TV Globo,

• Não é objetivo da legislação antitruste igualar capacidades competitivas no

mercado. Ainda que a programação da Rede Globo seja dominante no

mercado, não é possível defini-la como insubstituível.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Serviços Públicos no Brasil sempre foram tradicionalmente monopolistas,

e o neoliberalismo exigiu a entrada de concorrência neste setor. Assim, a Teoria das

Instalações Essenciais encontrou no Serviço Público um campo farto e privilegiado

de aplicação.

Entendemos que a aplicação da teoria é plenamente possível no Brasil,

garantindo o compartilhamento das redes essenciais existentes e permitindo um

maior numero de players na prestação dos serviços públicos, o que permitiria

aumento da concorrência e consequente queda nos preços e aumento na qualidade.

Há necessidade de que nossos legisladores estipulem regras mais claras

quanto ao preço dos compartilhamentos de estrutura e, até que isso ocorra, que

casa AGÊNCIA REGULADORA tenha comitês capazes de arbitrar conflitos entre as

empresas.

37

REFERÊNCIAS

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38

KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. O compartilhamento de infra-estrutura relacionado à prestação do serviço de telefonia e a questão da remuneração pelo uso dos bens compartilhados. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 594, 22fev.2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6327>. Acesso em: 4 mai 2013. MARTINS, Pedro Gonçalvez Licínio Lopes. Estudos de Regulação Pública – Coimbra, 2004 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.- 31ª ed. - São Paulo: Ed. Malheiros, 1997. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Agências Reguladoras – 1ª ed – Barueri, SP: Manole, 2003 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Estudo sobre Concessão e Permissão de Serviço Público no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1996 ROJAS, Francisco José Villar. Las Instalaciones Esenciales para La Copetencia. Granada, 2004 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência (Estudos e Pareceres). São Paulo, Malheiros: 2002 SILVA, Bruno Mattos e. Limites constitucionais à ação estatal na economia. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2431, 26 fev. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14419>. Acesso em: 24 ago 2013. SUNSTEIN, Cass R. As Funções das Normas Reguladoras. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 1, n 03, 2003 WOHLERS, Marcio, et al. Analise Jurídica e Econômica do Compartilhamento de Infra-Estrutura de Postes. Disponível em <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/audiencia/arquivo/2007/007/contribuicao/aptel_dymitr_wajsman_e_flavio_coelho_estudo.pdf>. Acesso em 07 set 2009

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GLOSSÁRIO

AGÊNCIAS REGULADORAS – Entes administrativos autárquicos, integrantes da

Administração Pública Indireta, criadas por lei, personalidade jurídica de direito

publico interno, com patrimônio próprio e dotadas de autonomia.

ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, autarquia sob regime especial,

vinculada ao Ministério de Minas e Energia. criada pela Lei 9.427 de 26 de

Dezembro de 1996, que tem como finalidade regular e fiscalizar a produção,

transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, agencia administrativamente

independente e autônoma financeiramente, criada pela Lei 9.472, de 16 de julho de

1997, com objetivo de regulamentar, outorgar e fiscalizar os serviços de

telecomunicações.

DISTRIBUIÇÃO – Entrega de energia a consumidores finais, através de redes de

baixa ou média tensão.

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia a quem compete

prevenir e reprimir infrações contra ordem econômica.

ELETROBRÁS – Empresa criada em 1962 pelo governo federal para promover

estudos e projetos de construção e operação de usinas geradoras, linhas de

transmissão e subestações, destinadas ao suprimento de energia elétrica do País.

Fazem parte do Grupo Eletrobrás a Eletrosul, Chesf, Furnas, Eletronorte,

Eletronuclear e CGTEE. A Eletrobrás detém ainda 50% da Itaipu Binacional, a

Lightpar e o Cepel.

GERAÇÃO – Transformação em energia elétrica de uma fonte primária de energia,

como por exemplo potencial térmico de fontes como carvão ou gás ou ainda

potência hidráulico de represas e rios.

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SIN – Sistema Interligado Nacional, que abrange as empresas de energia elétrica

das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da Região Norte

abrangendo 96,6% da capacidade de produção de eletricidade do Brasil.

TRANSMISSÃO – Envio de energia elétrica gerada junto a GERAÇÃO até os locais

de consumo aonde se situa a DISTRIBUIÇÃO

TELEBRAS - Telecomunicações Brasileiras S. A., Sociedade Anônima aberta, de

economia mista, constituída em 09 de novembro de 1972, nos termos da autorização

inscrita na Lei n° 5.792, de 11 de julho de 1972, vinculada ao Ministério das

Comunicações.