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    COMPARAO DO DESEMPENHO DE ATIVIDADESFUNCIONAIS EM CRIANAS COM DESENVOLVIMENTONORMAL E CRIANAS COM PARALISIA CEREBRAL

    Marisa C. Mancini1

    , Patrcia M. Fiza2

    , Jerusa M. Rebelo2

    , Lvia C. Magalhes3

    ,Zlia A. C. Coelho4, Maria Lcia Paixo5, Ana Paula B. Gontijo6, Srgio T. Fonseca7

    RESUMO - Objetivo:Comparar o desempenho de atividades funcionais de auto-cuidado em crianas comdesenvolvimento normal e crianas com paralisia cerebral (PC), utilizando o teste PEDI. Mtodo:142 crianascom desenvolvimento normal e 33 crianas com PC foram avaliadas em 22 itens da escala de auto-cuidado doteste funcional PEDI. A metodologia Rasch transformou os escores em incrementos de dificuldade intervalarde 0 a 100 (logit). O ndice de correlao Spearman rank comparou a ordem dos logits nos dois grupos.Resultados:Onze itens apresentaram diferena significativa nos valores logit dos dois grupos. Destes, seteitens apresentaram dificuldade relativa superior no grupo de crianas com PC e quatro itens apresentaramdificuldade relativa maior no grupo de crianas normais. Foi observada ainda relao significativa na ordemdos 22 itens nas duas escalas intervalares.Concluso:Resultados sugerem que o desenvolvimento de atividadesfuncionais de auto-cuidado pode ser influenciado pela presena de PC. Tais resultados podem subsidiar

    estratgias de avaliao e interveno para crianas com distrbios neuromotores.PALAVRAS-CHAVE: funo, paralisia cerebral, desenvolvimento normal, auto-cuidado.

    Comparison of functional activity performance in normally developing children and children withComparison of functional activity performance in normally developing children and children withComparison of functional activity performance in normally developing children and children withComparison of functional activity performance in normally developing children and children withComparison of functional activity performance in normally developing children and children withcerebralcerebralcerebralcerebralcerebral palsypalsypalsypalsypalsy

    ABSTRACT - Objective:To compare the pattern of self-care performance in normal children and children withcerebral palsy (CP). Method:142 normal children and 33 children with CP were evaluated by 22 items fromthe self-care scale of the PEDI functional test. Rasch methodology transformed scores into interval measuresof difficulty from 0 to 100 (logit). Spearman rank correlation coefficient compared the order of logits in thetwo groups. Results:Eleven items showed significant differences in the logit values received. Out of these, 7items showed relative difficulty values greater in the group of children with CP and 4 items showed relativedifficulty values greater among normal children. A significant correlation was observed in the order of the 22

    items displayed in the two interval scales. Conclusion:The results suggest that the development of self-carefunctional activities may be influenced by the presence of CP. These results may support assessment andintervention strategies for children with neuromotor disorders.

    KEY WORDS: function, cerebral palsy, normal development, self-care.

    Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte MG, Brasil: 1Doutora em Cincias (Sc.D.), Professora Adjunta do Departa-mento de Terapia Ocupacional, Escola de Educao Fsica, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO); 2Terapeuta Ocupacional, Bolsistade Iniciao Cientfica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq);3Doutora em Educao (Ph.D.), Profes-sora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional, EEFFTO; 4Especialista, Professora Auxiliar do Departamento de Terapia Ocupacional,EEFFTO; 5Especialista, Professora Assistente do Departamento de Fisioterapia, EEFFTO; 6Especialista, Professora Auxiliar do Departamen-to de Fisioterapia, EEFFTO; 7Doutor em Cincias (Sc.D.), Prof. Adjunto do Departamento de Fisioterapia, EEFFT. Este estudo foi financiadopor: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de MinasGerais (FAPEMIG) e Pr-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

    Recebido 16 Outubro 2001, recebido na forma final 4 Janeiro 2002. Aceito 25 Janeiro 2002.

    Dra. Marisa Cotta Mancini - Rua Minerva 556/602 - 30720-580 Belo Horizonte MG - Brasil. FAX: 31 3499 4790. E-mail: [email protected]

    A paralisia cerebral, tambm denominada ence-falopatia crnica no progressiva da infncia, con-sequncia de uma leso esttica, ocorrida no pero-do pr, peri ou ps-natal que afeta o sistema nervo-so central em fase de maturao estrutural e funcio-nal. uma disfuno predominantemente sensorio-

    motora, envolvendo distrbios no tnus muscular,

    postura e movimentao voluntria1.Estes distrbi-os se caracterizam pela falta de controle sobre osmovimentos, por modificaes adaptativas do com-primento muscular e em alguns casos, chegando aresultar em deformidades sseas2. Esta doena ocor-re no perodo em que a criana apresenta ritmo ace-

    lerado de desenvolvimento, podendo comprometer

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    o processo de aquisio de habilidades3. Tal compro-metimento pode interferir na funo, dificultando odesempenho de atividades frequentemente realiza-das por crianas com desenvolvimento normal4.

    Em pases desenvolvidos observou-se um aumen-to nos casos de paralisia cerebral nas duas ltimasdcadas, com ndices de prevalncia dos casos mo-derados e severos variando entre 1,5 e 2,5 por 1.000nascimentos5-8. Estes dados tm sido atribudos melhoria dos cuidados mdicos perinatais, contri-buindo para aumento da sobrevivncia de crianascom idade gestacional e baixo peso ao nascimentocada vez mais extremos. Entre os recm-nascidos pr-termo com muito baixo peso (inferior a 1500g) apresena de disfunes neurolgicas observadacom maior frequncia do que em crianas nascidasa termo com peso adequado, podendo a paralisiacerebral acontecer com frequncia de 25 a 30 vezes

    mais no grupo de crianas consideradas de riscoperinatal7. Em pases subdesenvolvidos a incidnciadesta doena maior do que nos pases desenvolvi-dos, observando-se ndices de 7:10007. No Brasil osdados estimam cerca de 30000 a 40000 casos no-vos por ano9.

    Com base no modelo de classificao propostopela Organizao Mundial de Sade1 esta enfermi-dade pode apresentar consequncias variadas. Noque se refere funo de rgos e sistemas, a para-lisia cerebral geralmente interfere no funcionamen-to do sistema msculo-esqueltico. Neste nvel, as

    caractersticas associadas a esta patologia incluemdistrbios de tnus muscular, postura e movimen-tao voluntria1. O comprometimento neuromotordesta doena pode envolver partes distintas do cor-po, resultando em classificaes topogrficas espe-cficas (e.g., quadriplegia, hemiplegia e diplegia)6,10.Outro tipo de classificao a baseada nas altera-es clnicas do tono muscular e no tipo de desor-dem do movimento podendo produzir o tipo esps-tico, discintico ou atetide, atxico, hipotnico emisto6. A gravidade do comprometimento neuromo-tor de uma criana com paralisia cerebral pode ser

    caracterizada como leve, moderada ou severa, ba-seada no meio de locomoo da criana10,11. Estasclassificaes servem a um propsito de descrio ecaracterizao da leso, no fornecendo informa-o sobre as consequncias desta enfermidade narotina diria da criana.

    Alm das deficincias neuromotoras, a paralisiacerebral pode tambm resultar em incapacidades,ou seja, limitaes no desempenho de atividades etarefas do cotidiano da criana e de sua famlia1.Estas tarefas incluem, por exemplo, atividades de

    auto-cuidado como conseguir alimentar-se sozinho,tomar banho e vestir-se, ou atividades de mobilida-de como ser capaz de levantar da cama pela manhe ir ao banheiro, jogar bola e andar de bicicleta comamigos, alm das atividades de caractersticas soci-ais e cognitivas como brincar com brinquedos e comoutras crianas e freqentar a escola. Informaessobre o desempenho de atividades funcionais comoestas so extremamente relevantes, uma vez que asdificuldades no desempenho das mesmas constitu-em, geralmente, a queixa principal de crianas, paise familiares. Portanto, a promoo do desempenhode atividades e tarefas funcionais pode ser definidacomo objetivo a ser alcanado pelas teraputicasempregadas12,13.

    O objetivo deste estudo foi descrever o padrode desenvolvimento das habilidades funcionais deauto-cuidado em crianas com desenvolvimento nor-

    mal e crianas com paralisia cerebral, comparandoa ordem e as dificuldades relativas no desempenhode atividades funcionais de alimentao, banho, ves-tir e higiene pessoal, nestes dois grupos de crianas,utilizando o mtodo de avaliao PEDI14.

    MTODOParticipantes

    Este estudo transversal contou com a participao decrianas de duas amostragens distintas que foram sele-cionadas de forma no aleatria, com base em critriosde incluso previamente determinados para cada grupo.Os critrios utilizados para incluso de crianas no gruponormativo foram: apresentar desenvolvimento normal, ternascido a termo, no fazer uso regular de medicamento eno apresentar problemas fsicos, sensoriais ou emocio-nais. Para participao no grupo de paralisia cerebral oscritrios de incluso foram: ter diagnstico definitivo des-ta doena e apresentar severidade leve ou moderada. Fo-ram excludas deste estudo crianas que apresentassemdistrbios associados (retardo mental, epilepsia, dficitsensorial). O critrio para classificar a severidade das crian-as com paralisia cerebral foi baseado no meio de loco-moo11. Crianas que apresentavam locomoo indepen-dente foram classificadas como leve; aquelas que se

    locomoviam com algum auxlio (bengala, muleta, andador)foram identificadas como severidade moderada e as queno se locomoviam (e.g., faziam uso de cadeira de rodas)foram consideradas graves; crianas com severidade gra-ve foram excludas deste estudo.

    Cada um dos grupos foi estratificado em relao varivel sexo, visando incluir um nmero equivalente decrianas de ambos os sexos.

    Instrumentao

    Crianas de ambos os grupos foram avaliadas pelo testefuncional norte americano Pediatric Evaluation of Disability

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    Inventory(PEDI)14 que foi traduzido para o portugus15 eadaptado para contemplar as especificidades scio-cultu-rais do Brasil, com permisso e colaborao dos autoresda avaliao original. O PEDI14,15 uma avaliao realiza-da atravs de entrevista com pais ou responsveis quepossam informar sobre o desempenho tpico da crianaem casa. Este teste avalia aspectos funcionais do desen-

    volvimento de crianas com idades entre 6 meses e 7 anose meio, em trs reas de desempenho: auto-cuidado,mobilidade e funo social. Este teste pode ser usado paracrianas com idades superiores a 7 anos e meio, caso seudesenvolvimento funcional encontre-se dentro da faixaetria proposta14,15.

    Esta avaliao dividida em trs partes distintas, sen-do que cada parte inclui as trs reas de desempenhocitadas acima. A primeira parte avalia as habilidades oucapacidades funcionais da criana; a segunda parte infor-ma sobre a quantidade de ajuda ou assistncia que a cri-ana recebe para desempenhar as atividades funcionais ea terceira parte documenta as modificaes do ambientenecessrias para o desempenho de tarefas funcionais.

    Este estudo utilizou apenas a escala de auto-cuidadoda parte de habilidades funcionais. Esta escala consisteem 73 itens agrupados em 5 tarefas bsicas de auto-cui-dado: alimentao, banho, vestir, higiene pessoal e usodo banheiro. Neste estudo foram investigadas as tarefasde alimentao, banho, vestir e higiene pessoal, totali-zando 22 itens funcionais. Cada item avaliado com es-core 0 (zero) se a criana no for capaz de desempenhar aatividade ou 1 (um) se ela for capaz de desempenhar aatividade ou a mesma j fizer parte do seu repertrio fun-cional. Cada escala do teste fornece um escore total que

    o resultado da pontuao dos itens da mesma. O manu-al14 fornece critrios especficos para pontuao de cadaitem do teste.

    Procedimento

    As crianas dos dois grupos foram avaliadas por trsexaminadores previamente treinados na aplicao do tes-te PEDI. Aps treinamento, a confiabilidade entre exami-nadores foi investigada pela consistncia dos trs exami-nadores na avaliao de dez crianas com desenvolvimentotpico ou normal, obtendo-se ndice elevado de coeficien-te de correlao intra-classe (I.C.C. = 0,998).

    A avaliao das crianas consistiu de uma entrevistaestruturada com pais ou responsveis e foi realizada noperodo entre agosto de 1999 e junho de 2000. Antes deserem entrevistados, os pais assinaram termo de consen-timento para participao da criana no estudo. Este es-tudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa daUFMG em 16 de junho de 1999.

    Todas as crianas que participaram deste estudo resi-diam na regio metropolitana de Belo Horizonte. As en-trevistas foram realizadas em creches, escolas pblicas,escolas particulares, residncias ou outro local de maiorconvenincia para os pais ou responsveis pelas crianas.

    Anlise estatstica

    A metodologia Rasch foi usada para transformar osescores obtidos na avaliao das crianas. Rasch o nomedado a um modelo de transformao logstica que se ba-seia no pressuposto que mensuraes devem ser basea-das em contnuos intervalares16. Esta metodologia realizatransformaes matemticas para converter dados de es-

    cala ordinal em medidas intervalares, dispondo-os em con-tnuo cuja unidade padro chamada de logit. As unida-des logitdeste contnuo transformado representam in-crementos de dificuldade relativa16,17.

    Neste estudo, a metodologia Rasch foi utilizada paradesenvolvimento de dois contnuos lineares simples, divi-didos em intervalos iguais que caracterizam incrementosde dificuldade relativa numa escala de 0 a 100. Quantomaior o valor do logit de determinado item, maior o nvelde dificuldade daquele item em relao aos outros itens17.O primeiro contnuo ilustra a disposio das atividadesfuncionais desempenhadas por crianas do grupo nor-mativo e o segundo contnuo informa sobre o desempe-

    nho de crianas portadoras de paralisia cerebral, nos mes-mos itens funcionais. Diferenas nos valores logits dos itensfuncionais em ambos os grupos foram analisadas por ummtodo grfico recomendado por Wright e Stone18. Emum grfico simples, representou-se a calibrao de itensda amostragem normativa versus da amostragem de cri-anas com paralisia cerebral; traou-se linha de controlede qualidade usando os erros associados estimativa decada calibrao ( 2 E = 95% do intervalo de confiana).A calibrao mdia das duas amostragens centrada nozero e a relao entre os itens deve ser estatisticamentelinear, com a maioria dos itens localizados entre as linhasde controle de qualidade. Desta forma, atividades funcio-nais que apresentarem valores logit semelhantes nos doisgrupos teriam um tempo de aquisio relativamente se-melhante pelos dois tipos de crianas. Por outro lado, ati-vidades funcionais que se localizarem fora das linhas decontrole de qualidade teriam valores logit diferentes nosdois grupos. Segundo critrio utilizado na literatura16 quan-do mais de 5% dos itens apresentarem dificuldade relati-va diferente num grupo em relao ao outro, ou seja, lo-calizarem fora das linhas de controle de qualidade, pode-se argumentar diferena na distribuio dos itens nos doisgrupos. Esta informao foi utilizada para avaliar diferen-as nos logits das atividades funcionais nos contnuos

    normativo e de crianas com paralisia cerebral.O ndice de correlao Spearman rank (rs) foi utilizadopara comparar a ordem de disposio dos 22 itens ouatividades funcionais nos dois contnuos. Para todas asanlises realizadas foi considerado nvel de significncia= 0,05.

    RESULTADOS

    O primeiro grupo (normativo) foi constitudo de142 crianas que apresentavam desenvolvimentonormal. A idade das crianas deste grupo variou de

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    3 a 7,6 anos (mdia= 4,9 anos; desvio padro= 1,3anos). Neste grupo, metade dos participantes erado sexo feminino (n=71) e a outra metade do sexomasculino (n=71).

    O segundo grupo foi composto por 33 crianascom diagnstico de paralisia cerebral, sendo 18 dosexo feminino e 15 do sexo masculino. A idade dascrianas variou de 3 a 8 anos de idade (mdia= 5,6anos; desvio padro= 2,0 anos). A maioria das cri-anas apresentou severidade leve (n=25) e um me-nor nmero teve severidade classificada como mo-derada (n=8), incluindo crianas com diagnsticosde hemiplegia (n=15), diplegia (n=13) e quadriple-gia (n=5).

    Figura 1 mostra a disposio hierrquica dos 22itens funcionais nos contnuos lineares, com baseno desempenho de crianas normais e crianas comparalisia cerebral. O nmero entre parnteses locali-

    zado aps cada item funcional indica o valor logitdo item no grupo. Itens localizados na parte superior

    de cada contnuo apresentam uma dificuldade rela-tiva maior e aqueles localizados na parte inferior tmdificuldade relativa menor para as crianas de ummesmo grupo. O ndice de correlao Spearman rankque comparou a ordem de disposio das 22 ativi-dades funcionais nos grupos normativo e de crian-as com paralisia cerebral indicou uma associaoforte e significante (r

    s=0,83; p 5%). Des-tes onze itens que apresentaram diferena no valorlogit dos dois grupos, sete atividades funcionais apre-

    sentaram ndice de dificuldade relativa (valor logit)superior no grupo de crianas com paralisia cere-

    Fig 1. Disposio hierrquica dos itens funcionais em dois contnuos lineares, conforme nvel de dificuldade (logit)*.

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    bral em relao dificuldade das outras atividades(abrir e fechar a torneira, lavar as mos, tirar e colo-

    car blusa, abotoar e desabotoar, calar e retirar mei-as, retirar sapatos e abrir e fechar zper). Estes itensesto localizados fora das linhas de controle de qua-lidade e prximos coordenada do grupo de crian-as com paralisia cerebral (vertical). Os outros qua-tro itens que apresentaram diferena significativativeram valor logit maior no grupo normativo, com-parado com o grupo de crianas com paralisia cere-bral. Este nmero representa 18% dos itens avalia-dos neste estudo (n=22) e descrevem habilidadescomo comer texturas variadas, desembaraar cabe-lo, limpar e assoar nariz e lavar e secar a face. Estes

    itens tambm esto localizados fora das linhas decontrole de qualidade e prximos coordenada dogrupo de crianas normais (horizontal).

    DISCUSSO

    Os resultados deste estudo fornecem informaesimportantes sobre o desempenho de atividades fun-cionais nos dois grupos de crianas. A ordem de dis-posio das habilidades funcionais de auto-cuidadonos dois grupos foi relativamente equivalente. Este

    resultado mostra que, mesmo na presena de dis-trbios e limitaes motoras, as crianas com para-

    lisia cerebral tendem a desempenhar atividades fun-cionais de sua rotina diria em uma seqncia seme-lhante das crianas com desenvolvimento normal.

    Esta similaridade na ordem de aquisies funcio-nais pode ser justificada por dois fatores. Como pri-meiro fator, a semelhana na ordem das habilida-des pode refletir o efeito do processo maturacionalno desempenho funcional, onde o desenvolvimen-to de componentes especficos de desempenho taiscomo massa corporal, fora e coordenao poderiaminfluenciar progressivamente a realizao de ativida-

    des funcionais, mesmo na presena de paralisia ce-rebral. Um segundo fator pode ser atribudo ex-pectativa de desempenho dos pais, que pode ter sidosemelhante nos dois grupos, ilustrando assim umainfluncia do ambiente sobre o desempenho.

    Apesar da relativa consistncia na ordem de dis-posio das habilidades funcionais nos dois cont-nuos, algumas diferenas foram observadas. O graude dificuldade das atividades funcionais nos doisgrupos foi significativamente diferente em 50% dositens avaliados. Este resultado indica que o mesmo

    Fig 2. Grfico comparativo da calibrao dos itens funcionais nos grupos de crianas normais e crianas com paralisia cerebral com linhas

    de controle de qualidade (Intervalo de Confiaa de 95%)**

    CalibraodeItensFuncionaisnoGrupode

    CrianascomP

    aralisiaCerebral

    Calibrao de Itens Funcionais no Grupo de Crianas Normais

    * Dois itens tiveram o mesmo valor de

    calibrao logit em ambos os grupos e

    esto graficamente representados por um

    nico ponto.

    ** Itens localizados sobre e fora das li-

    nhas de controle de qualidade traadas

    no grfico (n=11) apresentaram diferen-

    a significativa no valor logit recebido nos

    dois grupos. O sentido da diferena ilus-

    trado pela localizao dos itens fora das

    linhas de controle de qualidade. Sete itens

    apresentaram dificuldade relativa signi-

    ficativamente superior no grupo de cri-

    anas com paralisia cerebral (prximos ao

    eixo Y) e quatro itens tiveram valores logit

    significativamente superiores no grupo de

    crianas normais (prximos ao eixo X). Os

    itens localizados dentro das linhas de con-trole de qualidade (n=11) tiveram difi-

    culdade relativa (logit) semelhante nos

    dois grupos de crianas.

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    item funcional apresenta um nvel de complexidadediferenciado nos dois grupos, em relao dificul-dade dos demais itens no mesmo contnuo, repre-sentando um desafio maior para crianas com para-lisia cerebral. Sete dos 22 itens avaliados apresenta-ram dificuldade relativamente maior no grupo decrianas com paralisia cerebral do que no gruponormativo. Estes itens descrevem capacidades fun-cionais da rotina da criana como abrir e fechar atorneira, lavar as mos, tirar e colocar blusa, abotoar

    e desabotoar, calar e retirar meias, retirar sapatos e

    abrir e fechar zper. Uma caracterstica comum ob-servada entre os itens destacados que eles ilus-tram atividades funcionais que requerem no shabilidades bimanuais como tambm controlepostural e maior preciso da funo manual. Difi-culdades no desempenho destas atividades funcio-nais ilustram o impacto da paralisia cerebral na roti-

    na diria destas crianas.Os itens de habilidades de auto-cuidado tais,

    como comer texturas variadas, desembaraar cabe-lo, limpar e assoar nariz e lavar e secar a face, apre-sentaram maior dificuldade relativa no grupo nor-mativo comparado com o grupo de crianas comparalisia cerebral. possvel que tais resultados pos-sam ser explicados pela influncia de valores cultu-rais no desenvolvimento infantil. A cultura brasileiratende a ser protecionista com relao s crianas narealizao de tarefas da rotina diria19. Desta forma,embora a criana normal possa apresentar tais ca-pacidades, elas muitas vezes no chegam a utiliz-las em sua rotina diria. Por outro lado, pais de crian-as com paralisia cerebral so frequentemente orien-tados pelos profissionais que as atendem a estimu-larem o uso de diferentes habilidades e a promove-rem a sua independncia e autonomia funcional.

    Outro ponto que indicou diferena entre os doisgrupos foi a disposio geral dos itens funcionaisem cada contnuo. No grupo de crianas com para-lisia cerebral essa disposio foi mais heterognea,apresentando espaos e agrupamento de itens ao

    longo da escala intervalar enquanto no grupo decrianas com desenvolvimento normal os itens apre-sentaram-se dispostos hierarquicamente em peque-nos incrementos de dificuldade ao longo do cont-nuo. Esta informao sugere que no grupo de crian-as normais o desenvolvimento de habilidades fun-cionais tende a seguir uma certa linearidade grada-tiva e no grupo de crianas com paralisia cerebralessa sequncia de aquisies tende a ser menos uni-forme. possvel que as dificuldades de controle domovimento apresentadas pelas crianas com parali-

    sia cerebral influenciem no desempenho funcionaldas mesmas, diferenciando o padro apresentadopor elas daquele apresentado pelas crianas normais.

    A literatura apresenta vrias evidncias sobre odesempenho funcional de crianas com desenvolvi-mento normal20-26. Estas informaes vm sendo tra-

    dicionalmente utilizadas para orientar o processo deavaliao e tratamento de crianas com distrbiosdo desenvolvimento, incluindo paralisia cerebral25.Tal conduta se fundamenta no pressuposto clnicode que a sequncia e o tempo das aquisies dodesenvolvimento infantil possam ser semelhantesnestes dois grupos de crianas27. Pressupostos clni-cos como este precisam ser testados cientificamen-te para que a prtica destes profissionais possa serpautada em evidncias.

    Os dados deste estudo sugerem que existem tan-to similaridades quanto diferenas no desempenho

    de atividades funcionais em crianas com desenvol-vimento normal e com paralisia cerebral. A literatu-ra nesta rea ainda encontra-se bastante escassa ealguns autores abordam este tema de forma singu-lar. Brown e Gordon28 investigaram o impacto daparalisia cerebral no repertrio de atividades diriasdestas crianas e verificaram que elas tendem a sermais dependentes dos pais, desempenham menorvariedade de atividades dirias com menor partici-pao em atividades sociais e de recreao. Mackieet al.29 desenvolveram um instrumento para avaliaro impacto da deficincia e da incapacidade na vidade crianas com paralisia cerebral e de suas famliase constataram que quanto maior a limitao funcio-nal apresentada pela criana, maior esse impacto.Lepage et al.4 investigaram a associao entre ascaractersticas da locomoo e a realizao de ativi-dades da rotina diria em crianas com paralisia ce-rebral, mostrando que as habilidades de locomooesto associadas com a realizao de atividades di-rias e sociais. Estes estudos apresentam evidnciasimportantes sobre as consequncias funcionais dedoenas neurolgicas na infncia como a paralisia

    cerebral. Em geral, eles investigaram relao entrenveis diferentes do modelo de classificao propos-to pela Organizao Mundial da Sade1 em um ni-co grupo clnico (paralisia cerebral). O presente es-tudo comparou o desempenho de dois grupos dis-tintos num mesmo nvel funcional (atividade)1. Os da-dos apresentados pelo presente estudo adicionam in-formaes a este crescente corpo de conhecimento.

    O presente estudo possui duas limitaes que de-vem ser identificadas. Em primeiro lugar, a amostrade crianas com paralisia cerebral foi bem menor do

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    que a de crianas normais. Na verdade, esta dife-rena no nmero de crianas dos dois grupos refle-te variaes de tamanho observadas tambm nasduas populaes infantis (crianas normais e crian-as com paralisia cerebral). Em segundo lugar, o mo-delo de pesquisa utilizado neste estudo foi o trans-versal que restringe inferncias sobre mudanas lon-gitudinais no desenvolvimento infantil.

    No sentido de fornecer um entendimento maisamplo sobre o impacto funcional da paralisia cere-bral, necessrio que o desenvolvimento de habili-dades funcionais em crianas com distrbios neu-romotores seja abordado de forma mais especfica,buscando-se identificar os moderadores e mediado-res deste processo. Este entendimento possibilitariamelhorar a atuao teraputica dos diversos profis-sionais da equipe, a orientao aos familiares queconvivem diariamente com as limitaes destas cri-

    anas e o ensino de novos profissionais que chegamno mercado. Tais esforos devem ser estimulados nos em grupos clnicos como de crianas com parali-sia cerebral, como tambm nas diferentes categoriasque compem este grupo clnico.

    Concluindo, na limitao funcional, ou seja, du-rante o desempenho de atividades e tarefas da roti-na diria que a incapacidade da criana manifes-tada12,13,28. Todas as argumentaes feitas sobre assemelhanas e diferenas observadas nos dois con-tnuos apresentam-se como hipteses a serem tes-

    tadas por outras investigaes cientficas. Os resul-tados apresentados neste estudo contribuem parauma melhor compreenso do desenvolvimento hu-mano em condies diferenciadas e fornecem sub-sdios para fundamentar estratgias de avaliao einterveno.

    AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos - Agradecemos, s seguintes insti-tuies situadas em Belo Horizonte, MG,que colaboraramcom este estudo: Ambulatrio Bias Fortes do ComplexoHospital das Clnicas da UFMG, Hospital Municipal OdilonBehrens, Associao Mineira de Reabilitao (AMR) e Cen-tro Geral de Reabilitao (CGR).

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