Como Pensar Sobre o Secularismo - Wolfhart Pannenberg

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    Wolfhart Pannenberg foi um dos mais importantes telogos do sculo XX. Professor

    de Teologia Sistemtica na Universidade de Munique. Neste artigo ele fala sobre

    como se deve pensar a questo do secularismo. Ferrenho defensor da aliana entre

    f crist e razo e opositor dos telogos que desprezam o valor da histria para a f

    crist. Ele afirma, entre outras coisas, que o cristo no deve temer a investigao

    crtica, mas sim incentiv-la, visto que se a f crist verdadeira nenhuma

    investigao crtica poder derrub-la a no ser por vises de mundo que pressupe

    princpios necessariamente antagnicos f crist que muitos telogos adotam.

    Traduo: Vitor Grando

    [email protected]

    VitorGrando.wordpress.comFonte:How To Think About Secularism- Wolfhart Pannenberg

    O que quer que se queira dizer com secularizao, poucos questionariam que neste

    sculo a cultura pblica se tornou menos religiosa. Isso no apenas, como alguns

    sugerem, simplesmente o resultado da separao entre Igreja e Estado que aconteceu

    primeiramente h aproximadamente dois sculos. Tal separao no acarretou a

    alienao da cultura de suas razes religiosas. Na Amrica, por exemplo, o fim da

    religio estabelecida pelo Estado no significou o fim do carter predominantementecristo e protestante da cultura americana. Em outras sociedades ocidentais, a

    relao entre o Estado e uma outra Igreja crist continuou a ser efetiva at este

    sculo. Ainda assim nessas sociedades, tambm, ns vemos evidncia de

    secularizao, tipicamente bem mais avanada do que nos Estados Unidos.

    Secularizao no causada pela separao entre Igreja e Estado. As razes do

    processo de secularizao, que fez com que a cultura pblica se alienasse da religio,

    e especialmente do Cristianismo, esto enraizadas no sculo dezessete.

    O clima pblico de secularismo enfraquece a confiana dos Cristos na verdade do

    que eles creem. EmA Rumour of Angels(1969), Peter L. Berger descreve os crentes

    como uma minoria cognitiva cujos padres de conhecimento se desviam do que

    publicamente aceito. Berger escreveu sobre estruturas de plausibilidade. As

    pessoas precisam do apoio social para se assegurar que um certo relato da realidade

    plausvel. Quando tal apoio enfraquecido, as pessoas precisam reunir uma forte

    determinao pessoal para que possa manter crenas que esto em desacordo comas crenas dos outros ao seu redor. possvel, claro, ir contra o consenso social

    mailto:[email protected]://vitorgrando.wordpress.com/http://vitorgrando.wordpress.com/http://www.firstthings.com/article/1996/06/002-how-to-think-about-secularismhttp://www.firstthings.com/article/1996/06/002-how-to-think-about-secularismhttp://www.firstthings.com/article/1996/06/002-how-to-think-about-secularismhttp://www.amazon.com/Rumor-Angels-Society-Rediscovery-Supernatural/dp/0385066309http://www.amazon.com/Rumor-Angels-Society-Rediscovery-Supernatural/dp/0385066309http://www.amazon.com/Rumor-Angels-Society-Rediscovery-Supernatural/dp/0385066309http://www.amazon.com/Rumor-Angels-Society-Rediscovery-Supernatural/dp/0385066309http://www.firstthings.com/article/1996/06/002-how-to-think-about-secularismhttp://vitorgrando.wordpress.com/mailto:[email protected]
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    que nos cerca, Berger nota, mas existem poderosas presses sociais (que se

    manifestam como presses psicolgicas dentro de nossas conscincias) que nos

    fazem nos conformar com as vises e crenas de nossos prximos. Essa

    precisamente a experincia de cristos vivendo numa cultura dominantemente

    secular.

    Num ambiente secular, mesmo um conhecimento elementar do cristianismo sua

    histria, ensinamentos, textos sagrados, e figuras formativas se enfraquece. No

    mais uma questo de rejeitar os ensinamentos cristos; um enorme nmero de

    pessoas sequer tem o mais vago conhecimento de quais ensinos so esses. Isso um

    desenvolvimento notrio quando considera-se quo fundamental o cristianismo

    para toda a histria da cultura ocidental. Quanto mais ampla for a ignorncia emrelao ao cristianismo, maior ser o preconceito contra o Cristianismo. Assim,

    pessoas que no sabem nem a diferena em Saulo de Tarso e Joo Calvino acham que

    tem toda certeza de que o cristianismo foi provado como uma religio de opresso.

    Quando tais pessoas se interessam por religio ou espiritualidade sendo esse

    interesse uma reao natural superficialidade da cultura secular elas

    frequentemente no se voltaro para o cristianismo, mas sim para religies

    alternativas.

    Nessa circunstncia cultural, no fcil comunicar a mensagem crist. A dificuldade

    exacerbada pela relativizao cultural da prpria ideia de verdade. Isso difere

    significativamente do secularismo Iluminista. Os pensadores secularistas do

    iluminismo desafiaram os cristos a justificar suas afirmaes de verdade por meio

    de argumentos racionais ao invs de simplesmente apelar para a autoridade religiosa.

    Mas ambos, cristos e seus oponentes criam que havia uma verdade sobre as

    questes em disputa. Isso no mais crido hoje. Na viso de muitos, incluindo muitos

    cristos, as doutrinas crists so mera questo de opinio que podem ou no ser

    afirmadas de acordo com as preferncias do indivduo, ou dependendo de se elas

    falam diretamente a desejos pessoais.

    A dissoluo da ideia de verdade de verdade que no precisa da minha aprovao

    para ser verdade debilita severamente o entendimento cristo de evangelizao ou

    misso. Proclamao missionria antigamente era entendida como levar a verdade

    aos outros e era tanto legitima como extremamente importante. Para muitos hoje, a

    empreitada missionria uma questo de impor nossas preferncias pessoas e

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    preconceitos culturalmente condicionados sobre os outros e , portanto, no s

    ilegtima como moralmente ofensiva. Alm das questes de misses, devemos nos

    perguntar por que as pessoas deveriam aceitar a f crist a menos que elas acreditem

    que o ensinamento apostlico verdadeiro. Mais precisamente, hoje a questo se

    tem sentido afirmar que o ensinamento cristo verdadeiro. A ideia de verdade

    absolutamente vital para a f crist. A destruio dessa ideia a chave para

    legitimao da cultura secular, visto que a ideia da verdade toca na maior

    vulnerabilidade do secularismo.

    II

    Secularismo e, mais compreensivelmente, a prpria modernidade tem sidogeralmente visto como uma conseqncia da apostasia da f crist. Essa era a viso,

    por exemplo, do grande telogo protestante suo Karl Barth. De acordo com Barth,

    a cultura moderna tem sido uma revolta contra a f crist cujo intento colocar o ser

    humano no lugar de Deus. H muito a ser dito em relao a essa interpretao, pois

    a realidade humana tem se tornado, de fato, bsica na cultura moderna de uma

    maneira comparvel ao fundamento religioso de culturas antigas. A preocupao

    pelos direitos humanos um dos aspectos, o aspecto politicamente mais importante,

    da preocupao moderna com o homem. Assim passou-se a ver o indivduo humanocomo o maior valor e critrio de bondade.

    dubitvel, entretanto, que esse desenvolvimento deva ser descartado em sua

    inteireza como exemplo de apostasia. Pode-se argumentar, tambm, que a forte

    nfase na pessoa humana tem uma distinta origem crist. Nesse aspecto, o

    cristianismo tem bastante em comum com o esprito moderno. Pode-se at sugerir

    que o esprito moderno contribuiu para liberar a conscincia crist da distoro da

    intolerncia. Em outras palavras, a relao entre f crist e modernidade ambivalente e no permite aos cristos rejeitar a modernidade de uma maneira

    inadequada. Embora a cultura moderna na sua guinada secularista tenha

    contribudo indubitavelmente para alienar muitas pessoas da f crist, necessrio

    para os cristos aprender a lembrar a lio ensinada pelo surgimento da

    modernidade e incorporar essa lio conscincia crist.

    A distino entre mbito secular e o chamado mbito religioso ou espiritual no

    nada novo na histria crist. Nos sculos anteriores, entretanto, a distino no dizia

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    respeito separao entre o secular poltica, economia, lei, educao, artes da

    influncia espiritual da Igreja. Ao contrrio, a prpria distino entre secular e

    religioso teve uma base crist. Essa base crist foi uma conscincia de que a ordem

    social existente era imperfeita e provisria; ainda no era o reino de Deus. Em relao

    a qualquer ordem social existente, o cristianismo proveu uma modstia escatolgica.

    Isso coloca as sociedades crists parte de outras culturas saturadas pela religio

    como o Isl. Isso distingue o Imprio Bizantino do Imprio Romano pr-cristo. No

    perodo ps-constantiniano havia um equilbrio entre a autoridade dos bispos e a do

    Imperador, enquanto na Roma antiga o prprio Imperador era o sumo

    sacerdote,pontifex maximus.

    A distino entre o religioso e o secular mudou novamente como um resultado daReforma do sculo dezesseis ou, mais precisamente, como resultado das guerras

    religiosas que se seguiram ruptura da Igreja Medieval. Quando em um nmero de

    pases nenhum partido religioso podia impor sua f sobre toda sociedade, a unidade

    da ordem social tinha que ser baseada em outro fundamento que no a religio. Alm

    do que, o conflito religioso provou ser destrutivo ordem social. Na segunda metade

    do sculo dezessete pessoas prudentes decidiram que se a paz social tinha que ser

    restaurada, a religio e as controvrsias associadas com a religio teriam que ser

    quebradas. Nessa deciso surgiu a cultura secular moderna. Isso acabaria por levarao secularismo e a cultura que propriamente descrita como secularista.

    Em sculos anteriores, a ruptura da religio teria sido inimaginvel. Mesmo no

    sculo dezesseis, reformadores e catlicos criam que a unidade religiosa era

    indispensvel para a unidade da sociedade. Embora eles enfatizassem a importncia

    decisiva da conscincia individual em questes de f, nem Lutero nem Calvino

    cogitaram a possibilidade de tolerncia religiosa. O passo em direo a liberdade e

    tolerncia religiosa foi dado primeiramente na Holanda, prximo do final do sculo

    dezesseis, para restaurar a paz entre setores catlicos e protestantes da populao.

    Quando William de Orange proclamou o principio de tolerncia religiosa, ele pensou

    que estivesse agindo de acordo com os ensinamentos de Lutero sobre o apelo

    conscincia e a liberdade do cristo. De fato, William tomou um passo decisivo em

    direo a uma reconstruo da ordem social e da prpria cultura.

    A velha suposio de que a unidade da sociedade requeria a unidade da religio no

    foi descartada por boas razes. Se os cidados tm que obedecer a lei e respeitar a

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    autoridade do governo civil, eles devem crer que moralmente correto fazer isso, que

    eles no esto simplesmente se submetendo ao capricho daqueles que esto no

    poder. Se o poder para ser considerado legitimado, deve ser exercido em nome de

    alguma autoridade que est alm da arbitrariedade e manipulao humana. A

    religio obrigava e coagia aqueles no poder como tambm queles sobre os quais o

    poder exercido. De tal forma, o sujeito e o governante sentiam que estavam unidos

    em sua responsabilidade para com uma autoridade que estava acima de ambos.

    Hoje tal viso de legitimidade moral e da ordem social parece antiquada. Essa viso

    antiga, entretanto, no foi rejeitada por ter sido refutada por argumentos. Mas sim,

    foi abandonada por razes pragmticas: a necessidade urgente de restaurar a paz

    social frente aos sangrentos conflitos religiosos superou quaisquer outrasconsideraes. Na ausncia de formas religiosas de legitimar o governo, teorias

    alternativas foram desenvolvidas. Mas importante entre esses a idia de governo

    representativo. Ainda hoje, entretanto, a plausibilidade dessas teorias de legitimao

    repousa mais sobre razes pragmticas do que sobre argumentos convincentes.

    III

    Aps as guerras da religio, o fundamento religioso da sociedade, da lei e da culturafoi substitudo por outro, e esse novo fundamento foi chamado de natureza humana.

    Assim surgiram sistemas de lei natural, moralidade natural e at religio natural. E,

    claro, havia uma teoria natural de governo, apresentada na forma de teorias de

    contrato social. Tais teorias demonstraram a necessidade do governo civil para que

    se assegurasse a sobrevivncia individual pelo preo da liberdade natural dos

    indivduos (e.g., Hobbes), ou para assegurar a liberdade individual dentro dos limites

    da razo e da lei (e.g., Locke). Teorias que usavam a natureza humana como

    fundamento da ordem poltica, legal e cultural tornaram possvel para as naeseuropeias colocar um fim ao perodo de guerras religiosas. Isso tambm tornou

    possvel, talvez inevitvel, a autonomia da sociedade e da cultura secular

    independente da influncia da Igreja e da tradio religiosa.

    O relato precedente do surgimento da ordem social secular est associado com

    Wilhelm Dilthey. Existem outras teorias, claro. Talvez a mais conhecida seja o

    relato de Max Weber sobre a origem do capitalismo moderno. De acordo com Weber,

    o capitalismo moderno no foi produzido apenas por fatores econmicos, mas surgiu

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    da doutrina calvinista da predestinao e sua influncia na conduta humana. Calvino

    ensinou que, apesar do decreto eterno de Deus ordenando a eleio ou rejeio de

    um indivduo permanecer misterioso, se uma pessoa eleita isso pode ser inferido

    atravs de sua conduta. Se ela faz as obras da regenerao, provvel que tal pessoa

    pertena aos escolhidos. Para o calvinista, ento, havia uma poderosa motivao para

    viver de uma maneira digna de um regenerado. Na vocao mundana de algum, na

    observao consciente dos seus deveres para os quais chamado, deve-se

    testemunhar a regenerao. E foi isso que aconteceu, Weber argumenta, o ascetismo

    racional dos antigos capitalistas teve sua fonte na esperana da espiritualidade

    calvinista cuja origem est em outro mundo. A espiritualidade foi secularizada

    quando a dedicao que ela exigia foi posta a servio da multiplicao do capital.

    Eventualmente, de acordo com Weber, isso produziu um sistema capitalista quefunciona de uma forma bastante independente da motivao religiosa que o originou.

    Outras teorias de secularizao alegaram que a moderna crena no progresso uma

    secularizao da esperana escatolgica crist. A esperana por um mundo melhor

    no mais dirigida a outro mundo, mas se torna o projeto humano de aprimorar este

    mundo. Karl Lowith argumentou que a moderna filosofia da histria de fato uma

    secularizao da teologia crist da histria; uma verso secularizada da histria da

    salvao.

    A providncia de Deus guiando o processo histrico em direo ao cumprimento

    escatolgico substituda por uma filosofia do progresso guiada pelo poder proftico

    da cincia e da tecnologia e prometendo um futuro de felicidade mundial. A cincia

    secularizou a ideia teolgica de lei tornando-a uma ideia de leis eternas da natureza

    e a ideia de um universo infinito foi a verso secularizada da antiga crena na

    infinidade de Deus.

    Nessas e outras teorias, um contedo religioso transformado em algo imanente a

    esse mundo. Hans Blumenberg est entre aqueles que objetaram contra tais teorias

    porque elas colocavam a cultura moderna sob obrigao ao seu passado cristo; elas

    sugerem que a verdadeira substncia da cultura moderna pertence originalmente ao

    cristianismo. Contra essa viso Blumemberg argumentou que a modernidade se

    emancipou das alegaes opressivas da religio crist. No so vestgios cristos, mas

    sim a autonomia humana forma o centro da mente moderna. De fato, entretanto,

    essa posio no to removida das teorias de secularizao discutidas acima. Elas

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    tambm creem que o legado religioso foi transformado em algo radicalmente novo

    to radicalmente novo como se pode esperar quando a humanidade toma o lugar de

    Deus como o centro de tudo.

    H, entretanto, uma decisiva falha em ambas as posies. Um lado alega que o

    processo de secularizao responsvel pela transio da cultura medieval para a

    moderna. O outro explica essa transio em termos de uma emancipao de uma

    cultura dominada pela religio. Ambas veem o surgimento da cultura moderna como

    primariamente um processo ideolgico. A realidade, eu argumento, que a transio

    em questo no foi, ou pelo menos no primariamente, guiada por uma ideologia.

    Foi a guerra civil religiosa e a destruio da paz social que tornou necessrio o

    abandono da antiga idia de que a cultura pblica deve se basear sobre a unidadereligiosa. Todo esforo para liquidar os conflitos entre partidos religiosos foram em

    vo. Aqueles que tentaram lidar com essa circunstncia no pensavam que estavam

    abandonando a f crist no seu esforo de encontrar uma base mais estvel para a

    ordem social. Com relativamente poucas excees, eles entendiam a si mesmos como

    cristos devotos e se escandalizariam de pensar que estivessem privando as alegaes

    de verdade crist e a moral crist da influncia pblica.

    Colocado de outra forma, a emancipao moderna da religio no era a inteno, massim o resultado a longo-prazo de reconstituir a sociedade sobre um fundamento que

    no fosse a f religiosa. Nenhuma ruptura com o cristianismo era o intento daqueles

    que basearam a cultura pblica em conceitos da natureza humana e no na religio.

    De fato, as idias crists continuaram a ser socialmente efetivas, apesar de estarem

    sendo gradualmente transformadas em crenas secularizadas e no surpresa o fato

    de que, com o tempo, muitas pessoas esqueceram de onde essas idias vieram.

    Pensando na relao entre o Cristianismo e a cultura moderna, importante manteresses fatores em mente: primeiro, a modernidade no era para ser oposta a f crist;

    segundo, a falta de tolerncia entre os cristos no perodo ps-Reforma foi

    responsvel direto pelo surgimento da cultura secular. O que os cristos deveriam

    aprender disso a urgncia em tratar suas controvrsias herdadas e restaurar

    algumas das unidades entre si. Ainda mais, a ideia e a prtica da tolerncia devem

    ser incorporadas no entendimento cristo no s da liberdade, mas da prpria

    verdade. Sem essas mudanas mudanas que s os cristos podem fazer intil

    esperar que a cultura moderna reconsidere a excluso da religio da esfera pblica.

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    A memria do papel da religio na origem da modernidade refora poderosamente o

    preconceito contemporneo de que a religio na esfera pblica divisiva, intolerante,

    e destrutiva da sociedade civil.

    IV

    Bem no corao da cultura moderna encontramos ambiguidades que resultam de

    uma curiosa mescla de idias crists e no-crists. O exemplo mais importante a

    idia moderna de liberdade. H uma clara raiz crist na crena de que todos os seres

    humanos nascem para ser livres e que tal liberdade deve ser respeitada. H um

    ensinamento bblico que diz que os humanos foram criados imagem de Deus e

    criados para aproveitar da comunho com Deus. De fato, s a comunho com Deusque nos torna livres, de acordo Jesus (Joo 8:36) e Paulo (2 Corntios 3:17).

    Enquanto cada ser humano criado para aproveitar da liberdade que vem da

    comunho com Deus, s em Cristo que essa liberdade realizada completamente

    atravs da redeno do pecado e da morte. Essa a ideia crist de liberdade.

    A ideia moderna de liberdade, mais efetivamente proposta por John Locke, difere da

    viso crist por focar apenas a condio natural do homem. Difere tambm em se

    apoiar sobre antigas idias estoicas de lei natural. Os estoicos ensinavam que aliberdade e igualdade original dos seres humanos no estado natural se perdera por

    causa das necessidades de viver em sociedade. Locke pensava que a doutrina

    reformada da liberdade do cristo tornou possvel alegar a liberdade original como

    fato nessa vida. Em contraste com vises libertrias posteriores da liberdade

    individual, Locke cria que a liberdade pura est necessariamente unida com a razo

    e, portanto, positivamente relacionada com a lei. Na posio de Locke h um eco do

    entendimento cristo de que a liberdade depende de estar unido com o bem e,

    portanto, com Deus.

    A ideia predominante de liberdade nas nossas sociedades hoje, claro, a ideia de

    que cada pessoa tem o direito de fazer o que quiser. Liberdade no est ligada a

    nenhuma noo do bem como constituinte da prpria liberdade. Por causa da

    incompletude da existncia humana na histria, qualquer idia de liberdade envolve

    o risco de abuso. Mas isso no faz muita diferena na questo de se a distino entre

    uso e abuso da liberdade cumprida. Quando no cumprida, possvel desafiar a

    igualdade entre liberdade e permisso. A ambiguidade construda na moderna ideia

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    de liberdade nos ajuda a entender a ambivalncia da cultura secular no que diz

    respeito aos valores em geral, o nervosismo em afirmar os contedos e padres pelos

    quais a prpria cultura definida. No que diz respeito aos valores e tradies

    culturais, assim como alegaes de verdade, prevalece uma atitude consumista. Cada

    um escolhe de acordo com suas preferncia e suas necessidades. A separao da idia

    de liberdade de uma idia de verdade e do bem a grande fraqueza das sociedades

    secularizadas.

    V

    Sob a influncia de pensadores como Max Weber, a pressuposio dominante na

    modernidade que a secularizao vai continuar a impregnar todos os aspectos docomportamento social e individual, e a religio cada vez mais sendo empurrada para

    a margem da sociedade. Nas ltimas duas ou trs dcadas, entretanto, tem se tornado

    evidente que a secularizao (ou, como alguns preferem, modernizao progressiva)

    encara problemas severos. A ordem social completamente secularizada faz surgir um

    sentimento de que no h sentido algum: h um vcuo na esfera pblica da vida

    cultural e poltica, e isso cria violentas erupes de insatisfao. Como conseqncia,

    difcil predizer o futuro da sociedade secular. Depende, em parte, de quanto tempo

    as pessoas estaro dispostas a pagar o preo de viver sem sentido em troca da licenapara fazer o que quiserem. At quando as pessoas se contentarem com os confortos

    da abundncia, eles podem querer tolerar essas tenses indefinidamente. Por outro

    lado, as reaes irracionais so imprevisveis, especialmente quando h um

    sentimento de que as instituies da sociedade no so legtimas. A circunstncia da

    sociedade secular moderna mais precria do que queremos reconhecer. Aqueles

    que reconhecem o perigo insistem numa reafirmao das tradies pelas quais a

    cultura se definiu e mais especificamente por uma reafirmao das razes religiosas

    dessas tradies.

    Tal insistncia , sem dvida, para o prprio interesse da sociedade secularizada. A

    religio como tal, entretanto, tem pouco interesse nisso. Ao contrrio das ansiedades

    amplamente expressas poucas dcadas atrs por pessoas de f religiosa, agora bvio

    que o futuro da religio menos precrio do que o futuro da sociedade secularizada.

    A secularizao est longe de ser um juggernaut implacvel. Quanto mais a

    secularizao e o que chamam de modernizao progressiva avana, mais eles

    produzem uma necessidade de algo mais que possa dar sentido vida humana. Tal

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    sentido se para ser efetivo, tem de ser percebido como tendo sido concedido; no

    concedido para nossas vidas por ns mesmos, mas por alguma autoridade que esteja

    alm de nossas invenes. O ressurgimento da religio e de movimento

    semirreligiosos que comearam h poucas dcadas atrs pegou os intelectuais

    secularistas de surpresa, mas poderia ter sido prevista (e foi prevista por alguns)

    como um resultado inevitvel do secularismo.

    Esse interesse renovado na religio, entretanto, nem sempre se volta para o

    cristianismo. Em algumas sociedades, e em setores de todas as sociedades modernas,

    a volta para o cristianismo parece ser a exceo. Uma razo para isso o preconceito

    contra o cristianismo como a "religio convencional" na conscincia pblica da

    cultura secular. Isso ajuda a explicar o amplo entusiasmo pelas "religiesalternativas". Outra razo do por que muitas pessoas estaro interessadas por

    religio, mas no pelo cristianismo se encontra na forma em que as igrejas tm

    respondido aos desafios do secularismo. E isso me traz ao meu ltimo ponto: Como

    as igrejas devem responder cultura secular?

    VI

    A pior forma de responder ao desafio do secularismo se adaptar aos padresseculares de linguagem, pensamento e forma de viver. Se os membros de uma

    sociedade secular se voltam para uma religio, eles o fazem por estarem procurando

    algo alm do que a cultura deles j prov. contraprodutivo oferecer-lhes uma

    religio secularizada que est cuidadosamente arrumada de forma a no ofender suas

    sensibilidades seculares. Nesse contexto, parece que as principais igrejas na Amrica

    ainda tem que internalizar a mensagem de Dean Kelley em seu livro escrito h quase

    vinte e cinco anos atrs,Why Conservative Churches Are Growing(Porque Igrejas

    Conservadoras Esto Crescendo). O que as pessoas buscam na religio umaalternativa plausvel ou no mnimo um complemento vida numa sociedade secular.

    A religio que nada mais do que "mais do mesmo" provavelmente no ser nada

    interessante.

    Eu me apresso em dizer que isso no um argumento a favor de um tradicionalismo

    morto. A velha maneira de fazer as coisas na igreja pode incluir elementos que so

    extremamente entediantes e sem sentido. O cristianismo proposto como uma

    alternativa ou complemento vida numa sociedade secularizada deve ser tanto

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    vibrante quanto plausvel. Acima de tudo, deve ser substancialmente diferente e

    propor uma diferena na maneira em que as pessoas vivem. Quando a mensagem e

    o ritual so acomodados, quando as extremidades ofensivas so removidas, as

    pessoas suspeitam que o clero no acredite realmente em nada muito distinto. A

    apresentao plausvel e persuasiva das particularidades crists no so uma questo

    de marketing. uma questo de o que as igrejas devem s pessoas nas nossas

    sociedades secularizadas: a proclamao do Cristo ressurreto, a alegre evidncia da

    vida nova em Cristo, da vida que supera a morte.

    Por no ser um argumento a favor do tradicionalismo (tendo em mente a perspicaz

    observao de Jaroslav Pelikan de que a tradio a f viva dos mortos enquanto o

    tradicionalismo a f morta dos vivos), ento isso tambm no um argumento afavor do fundamentalismo. Reconhecidamente, o termo fundamentalista hoje

    usado para condenar qualquer religio que ofenda seriamente as sensibilidades

    seculares. Por fundamentalismo eu quero dizer uma religio que de forma ignorante

    afirma uma certeza, recusando-se a usar a racionalidade humana. A oposio da

    proclamao crist ao esprito do secularismo deve estar sempre alianada com a

    razo. Isso est de acordo com a clssica tradio crist que, desde os tempos da

    Igreja Primitiva, formou uma aliana com a razo e a verdadeira filosofia para

    sustentar a validade universal do ensinamento cristo.

    Os secularistas esto certos ao expor a irracionalidade, o fanatismo, e a intolerncia

    quando estas aparecem em nome da religio, mesmo quando eles o fazem para

    desacreditar a religio como tal. O autntico ensinamento cristo se apropria de tudo

    que vlido na cultura secular enquanto alega e foca sua ateno na verdade de que

    o esprito secular no mais digno de ateno. Os cristos podem confiantemente

    fazer isso porque eles sabem que, assim como as doutrinas crists outrora foram

    desafiadas em nome da razo e de uma abordagem racional verdade, assim tambm

    o prprio secularismo se tornou irracional. Nas nossas circunstncias

    contemporneas, h uma grande esperana na renovao da clssica aliana entre a

    f crist e a razo.

    Os cristos que afirmam racionalidade, entretanto, devem estar preparados para

    aceitar crticas e para cultivar uma atitude de autocrtica dentro de suas prprias

    comunidades. As doutrinas e formas de espiritualidade tradicionais, junto com a

    prpria Bblia, no esto isentas de investigao crtica. Tal investigao necessria

  • 7/23/2019 Como Pensar Sobre o Secularismo - Wolfhart Pannenberg

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    devido a aliana entre f e razo. A confiana crist na verdade de Deus e de Sua

    revelao deve ser vigorosa o bastante para confiar que a verdade no vai sucumbir

    a nenhuma descoberta da investigao crtica. Claro que h formas de crticas

    preconceituosas e distorcidas que pressupe uma viso de mundo secularista que so

    necessariamente hostis f crist. Para que a investigao crtica possa florescer, tais

    falsos criticismos tem que ser firmemente expostos e rejeitados. Como diferir entre

    investigao crtica e criticismo possudo pelas pressuposies do secularismo um

    assunto para outro ensaio. Basta dizer que pode ser feito e deve ser feito. Meu

    argumento que, se pensarmos que devemos proteger a verdade revelada de Deus

    da investigao crtica, na verdade estamos demonstrando nossa descrena. Tal

    investigao, enquanto pode as vezes apresentar suas dificuldades, ir no final

    realar o esplendor da verdade de Deus. A confiana numa verdade - uma verdadeexibida na proclamao e na vida - a nica resposta ao desafio do secularismo.