Como me tornei um marxista errante

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  • 8/18/2019 Como me tornei um marxista errante

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    Como me tornei um marxista errático

    Tradução: Gustavo Noronha

    Em 2008, o capitalismo teve o seu segundo espasmo global. A crise financeira deu início a umarea!o em cadeia "ue empurrou a Europa numa espiral depressiva "ue continua at# ho$e. A situa!o

    atual da Europa n!o # apenas uma ameaa aos trabalhadores, aos despossuídos, aos ban"ueiros, %sclasses sociais ou, at# mesmo, %s na&es. N!o, a postura atual da Europa constitui uma amea %civili'a!o como n(s conhecemos.

    )e meu progn(stico est* correto, e n!o estamos diante de apenas outra crise cíclica a ser superadaem breve, a "uest!o "ue se levanta para os radicais # a seguinte: devemos receber a crise docapitalismo europeu como uma oportunidade de substituí+lo por um sistema melhor -u devemosestar suficientemente preocupados com ela ao ponto de embarcarmos numa campanha paraestabili'ar o capitalismo europeu

    ara mim, a resposta # clara. A crise da Europa est* menos inclinada a permitir o nascimento deuma alternativa melhor ao capitalismo do "ue liberar perigosas foras reacion*rias "ue t/m a

    capacidade de provocar um banho de sangue humanit*rio, en"uanto se etingue a esperana de"ual"uer movimento progressista pelas pr(imas gera&es.

    or esta vis!o tenho sido acusado, por vo'es radicais bem+intencionadas, de ser um 1derrotista e por tentar salvar um sistema socioecon3mico europeu indefens*vel. As críticas, confesso, magoam.E esta m*goa cont#m mais "ue um fundo de verdade.

    Eu compartilho da vis!o de "ue a 4ni!o Europeia # tipificada por um grande d#ficit democr*tico"ue, combinado com a nega!o da ar"uitetura falha de sua uni!o monet*ria, colocou os povos daEuropa no caminho da recess!o permanente. E tamb#m me curvo diante da crítica de "ue tenhodefendido uma agenda baseada na hip(tese de "ue a es"uerda estava, e permanece,ine"uivocamente derrotada. Eu confesso "ue preferia promover uma agenda radical, cu$a ra'!o de

    ser se$a a substitui!o do capitalismo europeu por um sistema diferente.Entretanto, meu ob$etivo a"ui # oferecer uma $anela em meu ponto de vista de um capitalismoeuropeu repugnante cu$a implos!o, apesar de todas suas doenas, deveria ser evitada a "ual"uer custo. 5 uma confiss!o "ue pretende convencer os radicais "ue temos uma miss!o contradit(ria:deter a "ueda livre do capitalismo europeu para con"uistarmos o tempo "ue precisamos paraformular sua alternativa.

    Por que um marxista?

    6uando escolhi o tema de minha tese de doutorado, l* em 782, fo"uei deliberadamente num t(picoaltamente matemati'ado no "ual o pensamento de 9ar era irrelevante. 6uando, mais tarde,embar"uei numa carreira acad/mica, como professor em departamentos de economia ligados aomainstream, o contrato implícito entre mim e os departamentos "ue me ofereceram as disciplinas #"ue eu ensinaria o tipo de teoria econ3mica em "ue n!o haveria espao para 9ar. No final dosanos 780, fui contratado pela escola de economia da 4niversidade de )idne para evitar acontrata!o de um candidato es"uerdista ;apesar de "ue % #poca eu n!o sabia distoomoo mundo inteiro sabe, o partido de apandreou n!o apenas fracassou na conten!o da enofobia"uanto, ao fim, presidiu as mais virulentas políticas macroecon3micas neoliberais "ue inauguraramos chamados resgastes na 'ona do Euro, desta forma involuntariamente provocou o retorno dos

    na'istas %s ruas de Atenas. Ainda "ue eu tenha renunciado ao cargo de conselheiro de apandreouno início de 200?, e tenha me tornado no seu crítico ferrenho durante sua falha em lidar com aimplos!o grega p(s 200, minhas interven&es no debate sobre a Gr#cia e sobre a Europa n!o

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    continha "ual"uer trao de marismo.

    >onsiderando tudo isso, voc/ deve estar confuso em me ouvir me autodenominar um marista.>ontudo, na realidade, @arl 9ar foi respons*vel por moldar minha perspectiva do mundo em "uevivemos, da minha infncia at# este dia. Bsto n!o # algo "ue eu me oferea recorrentemente a epor % 1alta sociedade por"ue a simples men!o % palavra "ue comea com 9, fa' o pCblico se esvair.Entretanto nunca neguei isto. =epois de anos me dirigindo a uma plateia com a "ual eu n!ocompartilho uma ideologia, tenho sentido uma necessidade de falar sobre a influ/ncia de 9ar nomeu pensamento. ara eplicar por "ue, en"uanto um marista sem arrependimentos, eu acho "ue #importante resistir a ele em diversas formas. ara ser, em outras palavras, err*tico em no pr(priomarismo.

    )e em toda a minha carreira acad/mica ignorei largamente o 9ar, e minhas recomenda&es políticas s!o impossíveis de serem descritas como maristas, por "ue tra'er o meu marismo % tonaagora A resposta # simples: mesmo minha economia n!o marista foi guiada por uma mentalidadeinfluenciada por 9ar.

    4m te(rico social radical pode desafiar o mainstream econ3mico de duas maneiras diferentes, eusempre pensei. 4ma maneira # por meio da crítica imanente. Aceitar aiomas do mainstream e, emseguida, epor suas contradi&es internas. =i'er: 1N!o vou contestar os seus pressupostos, mas a"uiest* o por"u/ suas pr(prias conclus&es n!o emanam logicamente a partir deles. Este foi, de fato, om#todo de 9ar para minar a economia política britnica. Ele aceitou cada aioma proposto por Adam )mith e =avid Dicardo, a fim de demonstrar "ue, no conteto de seus pressupostos, ocapitalismo era um sistema contradit(rio. A segunda avenida "ue um te(rico radical pode perseguir #, naturalmente, a constru!o de teorias alternativas %"uelas estabelecidas, na esperana de "uese$am levadas a s#rio.

    A minha opini!o sobre esse dilema sempre foi a de "ue os poderes eistentes nunca s!o perturbados por teorias construídas a partir de pressupostos diferentes dos seus. A Cnica coisa "ue podedesestabili'ar e realmente desafiar o mainstream, os economistas neocl*ssicos, # a demonstra!o da

    inconsist/ncia interna de seus pr(prios modelos. oi por esta ra'!o "ue, desde o início, eu escolhime aprofundar nas entranhas da teoria neocl*ssica e desprender "uase nenhuma energia tentandodesenvolver uma alternativa, modelos maristas do capitalismo. 9inhas ra'&es, eu afirmo, foram

     bastante maristas.

    Ao ser chamado para comentar sobre o mundo em "ue vivemos, eu n!o tinha alternativa a n!o ser recorrer % tradi!o marista "ue tinha formado meu pensamento desde "ue o meu pai metalCrgicoimprimiu sobre mim, "uando eu ainda era uma criana, o efeito da inova!o tecnol(gica sobre o

     processo hist(rico. >omo, por eemplo, a passagem da Bdade do Fron'e at# a Bdade do erroacelerou hist(ria como a descoberta do ao acelerou muito o tempo hist(rico e como astecnologias de HB baseadas no silício est!o catalisando descontinuidades socioecon3micas e

    hist(ricas.9eu primeiro encontro com os escritos de 9ar veio muito cedo na vida, como resultado do tempoestranho em "ue cresci, com a Gr#cia saindo do pesadelo da ditadura neofascista de 7?I+7IJ. -"ue me chamou a aten!o foi o hipnoti'ante dom de 9ar ao escrever um roteiro dram*tico para ahist(ria humana, na verdade, para condena!o humana, "ue tamb#m estava ligado a possibilidadede salva!o e espiritualidade aut/ntica.

    9ar criou uma narrativa povoada por trabalhadores, capitalistas, oficiais e cientistas "ue eram adramatis personae da hist(ria. Eles lutaram para subordinar a ra'!o e a ci/ncia no conteto deempoderar a humanidade en"uanto, ao contr*rio de suas inten&es, libertaram foras demoníacas"ue usurparam e subverteram sua pr(pria liberdade e humanidade.

    Esta perspectiva dial#tica, onde tudo est* impregnado de seu oposto, e os olhos aguados com "ue9ar discerniu o potencial de mudana no "ue parecia ser a mais imut*vel das estruturas sociais,me a$udaram a compreender as grandes contradi&es da era capitalista. Ele dissolveu o paradoo de

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    uma era "ue gerou a ri"ue'a mais not*vel e, no mesmo sopro, a pobre'a mais evidente. Ko$e,voltando+se para a crise europeia, a crise nos Estados 4nidos e a estagna!o de longo pra'o docapitalismo $apon/s, a maioria dos comentaristas deia de perceber o processo dial#tico sob seusnari'es. Eles reconhecem a montanha de dívidas e perdas banc*rias, mas negligenciam o ladooposto da mesma moeda: a montanha de poupana inativas "ue est!o 1congeladas pelo medo e,assim, n!o se convertem em investimentos produtivos. 4m alerta marista para oposi&es bin*rias

     poderia ter aberto seus olhos.A principal ra'!o pela "ual a opini!o estabelecida n!o entra em acordo com a realidadecontempornea # "ue ela nunca entendeu a dialeticamente tensa 1produ!o con$unta de dívidas eecedentes, de crescimento e desemprego, de ri"ue'a e pobre'a, na verdade, do bem e o mal. -roteiro de 9ar nos alertou "ue essas oposi&es bin*rias eram as fontes das artimanhas da hist(ria.

    =esde meus primeiros passos para pensar como um economista, at# o dia de ho$e, ocorreu+me "ue9ar tinha feito uma descoberta "ue deveria permanecer no cora!o de "ual"uer an*lise Ctil docapitalismo. oi a descoberta de uma outra oposi!o bin*ria profundamente intrínseca ao trabalhohumano. Entre duas nature'as muito distintas do trabalho: i< o trabalho como uma atividadecriadora de valor "ue nunca pode ser "uantificada com anteced/ncia ;e, portanto, impossível de se

    mercantili'arertamente seria um 1produto, mas por "ueum 1bem )em seres humanos reais para vivenciar as fun&es do rel(gio, n!o poderia eistir algocom 1bem ou 1mal.

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    )e o capital em algum momento conseguir "uantificar, e subse"uentemente mercantili'ar, otrabalho, como constantemente vem tentando, esmagar* tamb#m esta indeterminada e recalcitranteliberdade humana intrínseca ao trabalho "ue permite a gera!o de valor. - lampe$o brilhante de9ar na ess/ncia do capitalismo foi eatamente este: "uanto mais sucesso obt#m o capitalismo emmercantili'ar o trabalho, menos valor cada unidade de produto ele gera, menor a taa de lucro e, por fim, mais perto fica a recess!o seguinte da economia en"uanto sistema. - retrato da liberdade

    humana como uma categoria econ3mica # Cnico em 9ar, tornando possível uma interpreta!odistintamente dram*tica e analiticamente astuta da propens!o do capitalismo a agarrar a recess!o,ou mesmo depress!o, das garras do crescimento.

    6uando 9ar escreveu "ue 1o trabalho # o fogo vivo, conformador a transitoriedade das coisas,sua temporalidade, ele estava fa'endo a maior contribui!o "ue "ual"uer economista $amais fe'

     para compreender a contradi!o aguda enterrada no =NA do capitalismo. 6uando ele retratou ocapital como uma 1;O< fora a "ue devemos nos submeter ;O< ele desenvolve uma energiacosmopolita e universal "ue rompe todo o limite e "ual"uer fronteira e se coloca como a Cnica

     política, a Cnica universalidade, o Cnico limite e a Cnica fronteira, ele estava ressaltando "ue otrabalho na sua forma de mercadoria pode ser comprado por um capital lí"uido ;por eemplo,

    dinheiro

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    mais importante, de onde vem a motiva!o para tais 1solu&es, uma pessoa pode fa'er algo muito pior "ue ficar familiari'ado com a l(gica de acumula!o de capital desenhada por 9ar e "ue oeconomista polon/s 9ichal @alecSi adaptou para um mundo governado por oligop(lios em rede.

     No s#culo 20, os dois movimentos "ue assentaram suas raí'es no pensamento de 9ar foram os partidos comunistas e social+democratas. Ambos, somado aos seus demais erros ;e, at# mesmo,crimes< fracassaram, para suas desgraas, em seguir o legado de 9ar num ponto crucial: em ve' deabraar a liberdade e a racionalidade como seus gritos de guerra e conceitos organi'adores, elesoptaram pela igualdade e pela $ustia, deiando o conceito de liberdade para os neoliberais. 9arfoi categ(rico: o problema com o capitalismo n!o # "ue ele se$a in$usto, mas "ue ele # irracional,uma ve' "ue habitualmente condena gera&es inteiras % priva!o e ao desemprego e at# mesmotransforma capitalistas em aut3matos angustiados, vivendo no medo permanente de "ue deiem deser capitalistas a menos "ue mercantili'em plenamente outros companheiros de humanidade, demodo a servir a acumula!o de capital de forma mais eficiente. Ent!o, se o capitalismo parecein$usto isso # por"ue ele escravi'a todos desperdia recursos naturais e humanos a mesma linha de

     produ!o "ue fornece engenhocas not*veis e ri"ue'a incalcul*vel, tamb#m produ' profundainfelicidade e crises.

    Ao fracassarem em construir uma crítica do capitalismo nos termos da liberdade e da racionalidade,como 9ar pensava ser essencial, a social+democracia e a es"uerda em geral permitiu aosneoliberais usurparem o manto da liberdade e con"uistarem um triunfo espetacular na batalha dasideologias.

    Halve' a dimens!o mais significativa do triunfo neoliberal # o "ue ficou conhecido como 1d#ficitdemocr*tico. Dios de l*grimas de crocodilo escorreram sobre o declínio de nossas grandesdemocracias ao longo das Cltimas tr/s d#cadas de financeiri'a!o e globali'a!o. 9ar riria demodo duro e longo da"ueles "ue parecessem surpresos, ou bravos, com o 1d#ficit democr*tico.6ual foi o grande ob$etivo por tr*s do liberalismo do s#culo 7 oi, como 9ar nunca se cansoude apontar, separar a esfera econ3mica da esfera política e confinar a política para o fim en"uanto

    deiava a esfera econ3mica para o capital. 5 o sucesso espl/ndido do liberalismo em atingir esteob$etivo de longa data "ue agora observamos. Te$a a Ufrica do )ul ho$e, mais de duas d#cadasdepois "ue Nelson 9andela foi libertado, a esfera política finalmente abraou toda a popula!o. Asitua!o embaraosa do >ongresso Nacional Africano foi "ue, para conseguir dominar a esfera

     política, teve "ue abdicar do poder sobre a econ3mica. E se voc/ pensa diferente, eu sugiro "uevoc/ converse com as de'enas de mineiros mortos a tiros por guardas armados pagos por seusempregadores ap(s eles ousarem eigir um aumento salarial.

    Por que errático?

    Hendo eplicado por "ue eu devo "ual"uer entendimento do nosso mundo social "ue eu possua a@arl 9ar, agora "uero eplicar por "ue eu continuo terrivelmente bravo com ele. Em outras

     palavras, eu devo esclarecer por "ue eu sou por escolha um marista err*tico, inconsistente. 9arcometeu dois erros espetaculares, um deles um erro por omiss!o, o outro por comiss!o. Ainda ho$e,estes erros continuam a impedir a efetividade da es"uerda, especialmente na Europa.

    - primeiro erro de 9ar V o erro de omiss!o V foi "ue ele falhou ao n!o refletir suficientementesobre os impactos de sua teori'a!o no mundo sobre o "ual teori'ava. )ua teoria #, em termosdiscursivos, ecepcionalmente poderosa, e 9ar tinha uma no!o de seu poder. Ent!o, como # "ueele n!o mostrou nenhuma preocupa!o de "ue seus discípulos, pessoas com uma melhor compreens!o dessas ideias poderosas do "ue o trabalhador m#dio, pudessem usar o poder concedidoa eles, pelas pr(prias ideias de 9ar, no intuito de enganar outros camaradas, para construir sua

     pr(pria base de poder, para ganhar posi&es de influ/ncia

    - segundo erro de 9ar, a"uele "ue descrevi como de comiss!o foi pior. oi seu pressuposto de"ue a verdade sobre o capitalismo poderia ser descoberta na matem*tica dos seus modelos. Este foio maior desservio "ue ele poderia ter prestado para seu pr(prio sistema te(rico. - homem "ue nos

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    e"uipou com a liberdade humana como um conceito econ3mico de primeira ordem o acad/mico"ue elevou a indetermina!o radical a seu lugar correto na economia política foi ele a mesma

     pessoa "ue acabou por brincar com modelos alg#bricos simplistas, nos "uais as unidades detrabalho eram naturalmente e completamente "uantificadas, esperando contra toda a epectativaevidenciar a partir destas e"ua&es alguns lampe$os adicionais sobre o capitalismo. Ap(s sua morte,economistas maristas desperdiaram longas carreiras em prol de um tipo similar de mecanismo

    escol*stico. >ompletamente imersos em debates irrelevantes sobre 1o problema da transforma!o eo "ue fa'er sobre isto, eles "uase se tornaram uma esp#cie etinta a medida "ue o rolo compressor neoliberal esmagava toda dissid/ncia em seu caminho.

    >omo pode 9ar se iludir tanto or "ue ele n!o reconheceu "ue nenhuma verdade sobre ocapitalismo poderia saltar de "ual"uer modelo matem*tico, por mais brilhante "ue fosse omodelador N!o teria tido ele as ferramentas intelectuais para perceber "ue a dinmica capitalistasalta da parte n!o "uantific*vel do trabalho humano ou se$a, a partir de uma vari*vel "ue n!o podenunca ser bem definida matematicamente 5 claro "ue ele tinha, uma ve' "ue ele for$ou essasferramentasP N!o, a ra'!o para o seu erro # um pouco mais sinistra: assim como os economistasvulgares "ue ele t!o brilhantemente admoestou ;e "ue continuam a dominar os departamentos de

    economia ho$e

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    A realidade, contudo, foi dolorosamente diferente. A cada volta do parafuso da recess!o, a es"uerdaficava mais introvertida, menos capa' de produ'ir uma agenda progressista convincente e, en"uantoisso, a classe oper*ria estava sendo dividida entre a"ueles "ue desistiram da sociedade e a"uelescooptados para a mentalidade neoliberal.9inha esperana de "ue Hhatcher iria inadvertidamentetra'er uma nova revolu!o política era bem e verdadeiramente falsa.Hudo o "ue resultou dothatcherismo foram a etrema financeiri'a!o, o triunfo do shopping sobre a lo$a da es"uina, a

    fetichi'a!o da habita!o e Hon Flair.Em ve' de radicali'ar a sociedade britnica, a recess!o "ue o governo Hhatcher t!o cuidadosamenteengendrou, como parte de sua guerra de classe contra o trabalho organi'ado e contra as institui&es

     pCblicas de seguridade social e de redistribui!o "ue tinham sido estabelecidas ap(s a guerra,destruiu permanentemente a pr(pria possibilidade de uma política progressista e radical na Gr!+Fretanha.Na verdade, tornou impossível a pr(pria no!o de valores "ue transcendessem o "ue omercado determinava como o preo 1certo.

    A li!o "ue Hhatcher me ensinou sobre a capacidade de uma recess!o duradoura minar a política progressista # uma "ue carrego comigo na crise europeia de ho$e.5, de fato, a "uest!o maisimportante na minha postura em rela!o % crise.5 a ra'!o pela "ual estou feli' em confessar o

     pecado de "ue sou acusado por alguns de meus críticos % es"uerda: o pecado de optar por n!o propor programas políticos radicais "ue procurem eplorar a crise como uma oportunidade paraderrubar o capitalismo europeu, desmantelar a terrível 'ona do euro, e para minar a 4ni!o Europeiados cart#is e os ban"ueiros falidos.

    )im, eu adoraria apresentar uma agenda t!o radical. 9as, n!o, eu n!o estou preparado para cometer o mesmo erro duas ve'es. - "ue con"uistamos na Gr!+Fretanha no início dos anos 780 com a

     promo!o de uma agenda de mudana socialista "ue a sociedade britnica despre'ara ao cair decabea na armadilha neoliberal de Hhatcher recisamente nada. - "ue con"uistaremos ho$e aoconvocar o desmantelamento da 'ona euro, da pr(pria 4ni!o Europeia, "uando de fato # ocapitalismo europeu "ue est* fa'endo o possível para minar a 'ona do euro, a 4ni!o Europeia

    4ma saída grega, portuguesa ou italiana da 'ona do euro em breve levaria a uma fragmenta!o docapitalismo europeu, gerando um s#rio super*vit recessivo na regi!o ao leste do Deno e ao norte dosAlpes, en"uanto o resto da Europa estaria sob o domínio de uma estagfla!o viciosa. 6uem voc/acha "ue se beneficiaria deste desenrolar dos acontecimentos A es"uerda progressista, como a avef/ni, ressurgida das cin'as das institui&es pCblicas da Europa -u os na'istas da Aurora =ourada,os neofascistas variados, os en(fobos e os charlat&esN!o tenho absolutamente nenhuma dCvida"uanto a "uem se sairia melhor de uma desintegra!o da 'ona euro.

    Eu, por eemplo, n!o estou preparado para soprar vento fresco para as velas desta vers!o p(s+moderna da d#cada de 7M0. )e isso significa "ue somos n(s, os maristas ade"uadamenteerr*ticos, "ue devemos tentar salvar o capitalismo europeu de si mesmo, "ue assim se$a.N!o por 

    amor ao capitalismo europeu, % 'ona euro, a Fruelas, ou ao Fanco >entral Europeu, mas apenas por"ue "ueremos minimi'ar o custo humano desnecess*rio desta crise.

    O que os marxistas de#eriam fazer?

    As elites da Europa est!o se comportando ho$e como se n!o entendessem nem a nature'a da crise"ue est!o condu'indo, nem suas implica&es para o futuro da civili'a!o europeia. Atavicamente,eles est!o escolhendo sa"uear as reservas decrescentes dos fracos e despossuídos a fim de tapar os

     buracos do setor financeiro, recusando+se a aceitar a insustentabilidade da tarefa.

     No entanto, mesmo com as elites da Europa em profunda nega!o e desordem, a es"uerda deveadmitir "ue n!o est* preparada para preencher o v*cuo "ue um colapso do capitalismo europeuabriria com um sistema socialista funcional.Nossa tarefa deve, ent!o, ser dupla.Em primeiro lugar,

    apresentar uma an*lise da situa!o atual "ue os europeus n!o+maristas e bem+intencionadosatraídos pelas sereias do neoliberalismo consigam captar.Em segundo lugar, dar se"u/ncia a estaan*lise firme com propostas para estabili'ar a Europa V para acabar com a espiral descendente "ue,

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    no fim, s( refora os irracionais.

    =eie+me concluir com duas confiss&es. Em primeiro lugar, ao passo "ue estou feli' em defender como genuinamente radical a busca de uma agenda modesta para estabili'ar um sistema "ue eucritico, n!o vou fingir estar entusiasmado. Bsto pode ser o "ue devemos fa'er, nas atuaiscircunstncias, mas estou triste por"ue provavelmente n!o devo estar perto para ver uma agendamais radical ser adotada.

    9inha confiss!o final # de nature'a altamente pessoal: Eu sei "ue eu corro o risco de, sub+repticiamente, diminuir a triste'a de drenar "ual"uer esperana de substituir o capitalismo ao longoda minha vida ao ser indulgente em um sentimento de ter chegado a termos aceit*veis para oscírculos da alta sociedade. - senso de autossatisfa!o ao ser homenageado pelos altos e poderososcomeou a se aproimar de mim numa ocasi!o.E "ue sentimento n!o+radical, feio, corruptor ecorrosivo "ue foi.

    9eu nadir pessoal veio em um aeroporto. 4m grupo de endinheirados tinha me convidado para dar uma palestra sobre a crise europeia e tinham disponibili'ado a ridícula "uantia necess*ria para mecomprar um bilhete de primeira classe. No meu caminho de volta para casa, cansado e com v*riosvoos sob a minha cintura, eu ia pelo meu caminho ao largo da longa fila de passageiros da classeecon3mica para chegar ao meu port!o. =e repente, percebi, com horror, como era f*cil para a minhamente ser infectada com o sentimento de "ue eu tinha o direito de ignorar a plebe. Eu percebi o"u!o facilmente eu poderia es"uecer o "ue minha mente de es"uerda sempre soube: "ue nadaconsegue se reprodu'ir melhor do "ue um falso senso de direito. or$ar alianas com forasreacion*rias, como eu acho "ue n(s deveríamos fa'er para estabili'ar a Europa de ho$e, tra' contran(s o risco de ser cooptado, de abandonar nosso radicalismo atrav#s do brilho "uente de ter 1chegado aos corredores do poder.

    >onfiss&es radicais, como a "ue eu tentei fa'er a"ui, s!o, talve', o Cnico antídoto program*tico paraa derrapagem ideol(gica "ue ameaa nos transformar em engrenagens da m*"uina. )e devemosfor$ar alianas com os nossos advers*rios políticos, temos de evitar nos tornar como os socialistas

    "ue n!o conseguiram mudar o mundo, mas conseguiram melhorar as suas condi&es particulares. -tru"ue # evitar o maimalismo revolucion*rio "ue, no final, a$uda os neoliberais a ignorarem toda aoposi!o %s suas políticas autodestrutivas e a manter na nossa mira as falhas inerentes docapitalismo en"uanto tentamos salv*+lo, para fins estrat#gicos, de si mesmo.

     Este artigo foi adaptado de uma palestra originalmente entregue no sexto Festival Suversiva em

     !agre em "#$%& 'eia  AQUI  o original 

     

    http://www.theguardian.com/news/2015/feb/18/yanis-varoufakis-how-i-became-an-erratic-marxisthttp://www.theguardian.com/news/2015/feb/18/yanis-varoufakis-how-i-became-an-erratic-marxist