COMO AVALIAR A GOVERNANÇA CORPORATIVA · Governança Corporativa (IBGC), o Índice de...

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GVEXECUTIVO • V 19 • N 4 • JUL/AGO 2020 43 | A | GESTÃO • COMO AVALIAR A GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO AVALIAR A GOVERNANÇA CORPORATIVA PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA MENSURAR O VALOR DA GOVERNANÇA REDUZ A SUBJETIVIDADE NA ANÁLISE E CONSIDERA OS RESULTADOS DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO. | POR DÉCIO CUNHA JÚNIOR

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A | GESTÃO • COMO AVALIAR A GOVERNANÇA CORPORATIVA

COMO AVALIAR A GOVERNANÇA CORPORATIVA

PROPOSTA DE METODOLOGIA PARA MENSURAR O VALOR DA GOVERNANÇA REDUZ A SUBJETIVIDADE NA ANÁLISE E CONSIDERA OS RESULTADOS DO

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO.

| POR DÉCIO CUNHA JÚNIOR

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A governança corporativa passou a ter maior importância com os eventos de má gestão e fraudes ocorridos nos últimos anos, tanto em empresas locais quanto em internacionais. Diminuir as fragilidades organizacionais que levam a condutas danosas virou prwioridade,

mas há dificuldades para se avaliar a efetividade do siste-ma implantado que passam por duas questões fundamen-tais: como definir o estágio de governança da organização e como desenvolver métricas objetivas da contribuição da governança ao negócio.

Existem instituições e agências de rating que procuram avaliar o grau de maturidade da governança. No Brasil, podem ser citados os estudos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da bolsa de valores (B3), que tem um ca-pítulo dedicado ao tema, além dos índices de governança corporativa que são segmentados de acordo com a listagem das empresas no Novo Mercado, Nível 1 ou Nível 2.

As metodologias utilizadas para avaliação de maturida-de ou estágio atual da governança, no entanto, limitam-se a respostas de questionários e, em alguns casos, a entrevistas superficiais com executivos da empresa, o que as torna sub-jetivas. Ademais, não consideram um dos pilares da gover-nança corporativa, que é a sua vinculação ao planejamento estratégico. Robert Tricker, tido por muitos como o pai da governança corporativa, diz que, além de zelar pelo cum-primento de políticas e códigos de conduta, o Conselho de Administração é responsável por assegurar a conformida-de dos negócios às estratégias. Vale ressaltar que, nos am-bientes voláteis em que vivemos, especialmente no Brasil, os replanejamentos são necessários, porém as ações do conselho e da diretoria devem ser conduzidas com clareza e tempestividade, evitando potenciais problemas de agên-cia. Esses problemas são causados por divergências entre as partes provocadas por, entre outros aspectos, informações assimétricas e conflitos de interesses. É em ambientes de instabilidade que ocorre a verdadeira prova da governança, pois os agentes envolvidos precisam estar totalmente ali-nhados para que mudanças de rota sejam fundamentadas, rápidas e transparentes.

Dessa forma, a segunda questão fundamental, o proces-so de aferição do valor da governança, também fica com-prometido. Diversos estudos tentam mostrar a relação dos retornos das ações emitidas por companhias abertas que estão em estágios diferentes de governança. São recorren-tes comparações entre o Índice de Governança Corporativa (IGC) e indicadores do mercado de ações, como Ibovespa

ou Índice Brasil (IBr-X), e comparações entre o retorno de ações de empresas listadas em segmentos de distintos es-tágios de governança.

O que se observa são conclusões que a princípio podem apresentar alguma relação estatística, mas que se baseiam em premissas simplificadoras de que uma empresa que está listada em determinado segmento especial da B3 – por exem-plo, o Novo Mercado – necessariamente possui melhor go-vernança do que uma empresa listada no Nível 1 ou Nível 2. Os critérios diferenciadores dos níveis de governança estabelecidos pela bolsa brasileira são importantes, porém insuficientes. Mesmo se selecionarmos empresas de um mesmo setor econômico integrantes de diferentes segmen-tos especiais da B3, não seria possível chegar a uma conclu-são, pois a governança é mais ampla e complexa do que os critérios e a forma de mensuração hoje usados levam a crer.

Neste artigo, proponho uma metodologia que relaciona a governança corporativa com o planejamento estratégico e procura auferir de forma objetiva a contribuição da go-vernança ao negócio.

A METODOLOGIAA metodologia é composta de três etapas:

• Etapa 1: determinação do estágio atual da governança; • Etapa 2: comparação entre a aderência do planejamento

estratégico ex-ante com o resultado ex-post; • Etapa 3: vinculação da maturidade da governança com a

volatilidade do planejamento estratégico.

Etapa 1: determinação do estágio da governança Costumam-se considerar cinco dimensões para definir

o estágio de governança corporativa de uma empresa de

AS METODOLOGIAS UTILIZADAS PARA AVALIAÇÃO DE MATURIDADE OU ESTÁGIO

ATUAL DA GOVERNANÇA LIMITAM-SE A RESPOSTAS DE QUESTIONÁRIOS E, EM ALGUNS CASOS, A ENTREVISTAS SUPERFICIAIS COM EXECUTIVOS DA

EMPRESA, O QUE AS TORNA SUBJETIVAS.

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capital aberto, que são subdivididas em uma série de indi-cadores. Essas cinco dimensões contemplam questões re-lacionadas a sócios, Conselho de Administração, diretoria, órgãos de controle e fi scalização e aspectos que tratam da conduta dentro da organização. As dimensões e os indica-dores são baseados na métrica do IBGC, desenhadas para empresas de capital fechado (veja no quadro Dimensões e indicadores de governança). Como o modelo proposto abrange empresas abertas, há modifi cações, levando em conta os indicadores: transparência, relacionamento entre acionistas minoritários e majoritários e atuação diligente quanto às controladas, coligadas e subsidiárias. No que se refere à diretoria, acrescenta-se a prudência fi nanceira, que consiste em dar atenção especial à relação risco e retorno nos investimentos.

A avaliação do estágio de governança dá-se em duas fases. Na primeira, aplica-se um questionário entre os responsáveis pela área de governança da organização, com perguntas so-bre as dimensões e indicadores de governança. Na segunda, são considerados os participantes do processo e é avaliada a efetividade das práticas. Para se ter clareza do estágio de governança, faz-se necessário verifi car documentações como estatuto social, regimento do Conselho de Administração, acordo de acionistas, políticas relacionadas ao negócio e atas de reunião da administração. Entrevistas com partici-pantes do processo de governança permitem aprofundar e

enriquecer a análise. Devem ser entrevistados, no mínimo, um membro do Conselho de Administração, um executivo da empresa e um membro de órgão de controle.

Para cada indicador, é tirada a média entre as notas obtidas pelas respostas do questionário (fase 1) e as notas atribuí-das pelas avaliações dos especialistas em governança (fase 2). Os indicadores possuem pesos diferentes, que no total somam 100%. Ao multiplicar o peso pela média de notas de cada indicador, chega-se ao escore ou rating de gover-nança (veja no quadro Exemplo de atribuição de pesos e notas para a dimensão “conduta e confl ito de interesses”).

A soma das avaliações dos indicadores resultará no es-core fi nal, que mostrará o estágio de governança da orga-nização. Se o escore situar-se entre 0 e 25%, signifi ca que o estágio de governança é primário; entre 25,01 e 50%, é básico; entre 50,01 e 75%, intermediário; e entre 75,01 e 100%, avançado.

O processo de avaliação da maturidade da governança poderá ser feito anualmente, desde que não haja alterações que justifi quem a reavaliação.

Etapa 2: planejamento estratégico Nesta segunda etapa, primeiramente, são capturados

os principais indicadores definidos pelo Conselho de Administração e atribuídos pesos a eles. Supõe-se que es-ses indicadores sejam margem EBITDA (lucros antes de

DIMENSÕES E INDICADORES DE GOVERNANÇA

Dimensão I Estrutura acionária

Indicador 1 Relacionamentos entre acionistas

Indicador 2 Transparência

Indicador 3 Cumprimento legal

Indicador 4 Governança de controladas,coligadas e/ou subsidiárias

Dimensão II Conselho de Administração

Indicador 5 Estrutura do Conselho de Administração

Indicador 6 Dinâmica do Conselho de Administração

Indicador 7 Avaliação e remuneração

Indicador 8 Comitês

Dimensão III Diretoria

Indicador 9 Dinâmica e atribuições

Indicador 10 Avaliação e remuneração

Indicador 11 Disclosure e transparência

Indicador 12 Prudência fi nanceira

Dimensão IV Órgãos de fi scalização e controle

Indicador 13 Auditoria interna

Indicador 14 Conselho fi scal

Indicador 15 Riscos, controle e compliance

Dimensão V Conduta e confl ito de interesses

Indicador 16 Código de conduta

Indicador 17 Formalização da política

Indicador 18 Transações entre partes relacionadas

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PARA SABER MAIS:− Global Sustainability Standards Board (GSSB). GRI 102: general disclosures 2016.

Disponível em: globalreporting.org/standards/gri-standards-download-center − Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Métrica de governança corporativa

empresas de capital fechado 2018. Disponível em: ibgc.org.br/metrica-de-governanca− Joaquim Fontes Filho e Ricardo Leal. Governança corporativa e criação de valor, 2014.− Wei Jiang, Picheng Lee e Asokan Anandarajan. The Association between corporate

governance and earnings quality: further evidence using the GOV-Score. Advances in Accounting, v.24, n.2, 2008. Disponível em: doi.org/10.1016/j.adiac.2008.08.011

DÉCIO CUNHA JÚNIOR > Doutorando em Administração de Empresas na FGV EAESP > [email protected]

juros, impostos, depreciação e amortização), participação de mercado (market share), aumento de efi ciência operacio-nal e aumento de automação, respectivamente com pesos de 30, 30, 25 e 15%. Assim, é criado o Índice Estratégico (IE), que será acompanhado por determinado horizonte de tempo, variável de acordo com o segmento de atuação da empresa.

Espera-se que empresas que possuam governança mais madura apresentem menor variabilidade (volatilidade) en-tre o IE proposto, ex-ante, e o IE realizado, ex-post, sinal de que há fl uidez e baixo atrito entre os agentes envolvidos (sócios, Conselho de Administração, diretoria e órgãos de controle). Para comparabilidade entre empresas, devem ser consideradas companhias do mesmo segmento, tamanho, similaridade operacional, estrutura de capital etc.

Uma ressalva para a volatilidade é que, caso ocorra algum evento extremo causando ruptura no setor ou até mesmo na economia, será difícil para a empresa realizar o planeja-mento estratégico proposto, e análises adicionais deverão ser feitas com o objetivo de se evitar conclusões errôneas.

Etapa 3: vinculação entre o estágio de governança e o planejamento estratégico Para ser realizada a vinculação entre a maturidade da go-

vernança e o planejamento estratégico, são necessários os seguintes indicadores:• Estágio da maturidade;• Volatilidade do IE (Vol): diferença entre o IE proposto e

o IE realizado;

• Fator do setor: multiplicador da volatilidade do IE. O fa-tor do setor refere-se às características próprias do setor que infl uenciam o resultado. Esse ajuste evita que uma empresa com governança corporativa avançada em um setor mais volátil seja penalizada.

O QUE SE ESPERA OBTEREssa metodologia tem dois diferenciais. Em primeiro lu-

gar, há o aprofundamento na avaliação do estágio de gover-nança corporativa da organização, com a análise de uma série de documentos e entrevistas com participantes do processo. Em segundo lugar, o resultado esperado é que o estágio da governança corporativa esteja refl etido na variabilidade do planejamento estratégico. Níveis superiores de governança devem apresentar menor volatilidade no planejamento e vi-ce-versa. Assim, é possível ter clareza do valor da gover-nança.

EXEMPLO DE ATRIBUIÇÃO DE PESOS E NOTASPARA A DIMENSÃO CONDUTA E CONFLITO DE INTERESSES

Nota indicador

Dimensão VConduta e confl ito

de interessesPeso indicador Questão Análises* Média Escore

Indicador 16 Código de conduta 3,00% 7,00 7,00 7,00 2,10%

Indicador 17Formalização da

política2,00% 8,00 6,50 7,25 1,45%

Indicador 18Transações entre par-

tes relacionadas5,00% 7,00 6,50 6,75 3,38%

Peso dimensão 10,00% Escore dimensão 6,93%

*ANÁLISE DE DOCUMENTAÇÃO/ENTREVISTAS

Escore dimensão: intermediário