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    A PRISO PROCESSUAL, A FIANA, A LIBERDADE PROVISRIA E ASDEMAIS MEDIDAS CAUTELARES COMENTRIOS LEI N. 12.403/111

    I - INTRODUO

    Foi promulgada a Lei n. 12.403/2011, publicada noDirio Oficial da Unio do dia 05 de maio de 2011, com a previso de um perodo devacatio legis de sessenta dias. Nada obstante esta limitao temporal para a vigncia dalei, e especialmente no que diz respeito aplicao das medidas cautelares previstas nalei, mais benficas do que a priso, entendemos que os novos dispositivos tero aplicaoimediata, especialmente luz d o art. 5., 1., da Constituio Federal, pelo qual asnormas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata.

    Neste sentido, oportuna a lio de Alberto SilvaFranco, segundo a qual a retroatividade da lei penal incriminadora e a retroatividadeda lei penal benfica so princpios constitucionais paralelos e de igual grau,conexionados na proteo do direito de liberdade do ser humano, direito que se erigecomo uma das expresses mais significativas do princpio da intangibilidade dadignidade da pessoa humana... bem por isso no se compreende que um princpioconstitucional em relao ao qual inexiste reserva de lei possa sofrer restries por partedo legislador ordinrio. No h, portanto, como compatibilizar o princpio

    constitucional da retroatividade penal elisiva da figura criminosa, redutora da sanopunitiva, ou de qualquer modo beneficiadora do agente, com a norma da Lei deIntroduo ao Cdigo Civil, que cuida da vacatio legis. Quando o legislador ordinriodefere ao ru, em lei posterior ao fato criminoso, uma posio mais favorvel, evidenteque o dispositivo beneficiador constante da lei penal sancionada, promulgada e

    publicada deve ser, em respeito ao princpio constitucional, de cogente e imediataeficcia, no suportando uma vigncia sustada no tempo.2(grifamos).

    1Rmulo de Andrade Moreira Procurador-Geral de Justia Adjunto para Assuntos Jurdicos na Bahia.Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justia e Coordenador do Centro de Apoio Operacional

    das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal daUniversidade Salvador - UNIFACS, na graduao e na ps-graduao (Especializao em DireitoProcessual Penal e Penal e Direito Pblico). Ps-graduado, lato sensu, pela Universidade deSalamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador -UNIFACS (Curso ento coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da AssociationInternationale de Droit Penal, da Associao Brasileira de Professores de Cincias Penais e do InstitutoBrasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCrim.Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso pblico para ingresso na carreira doMinistrio Pblico do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de ps-graduao dos CursosJusPodivm (BA), Praetorium (MG), IELF (SP) e do Centro de Aperfeioamento e Atualizao Funcionaldo Ministrio Pblico da Bahia. Autor das obras Curso Temtico de Direito Processual Penal eComentrios Lei Maria da Penha (este em coautoria com Issac Sabb Guimares), ambas publicadas

    pela Editora Juru, 2010 (Curitiba), alm de coordenador do livro Leituras Complementares de Direito

    Processual Penal, publicado pela Editora JusPodivm, 2008 (estando no prelo a 2. edio). Participanteem vrias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.2 Temas de Direito Penal, So Paulo, 1986, pp. 16/17.

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    Vejamos, tambm a propsito, o ensinamento dosaudoso Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro:

    Na vacatio legis, a lei carece de vigncia. Emoutras palavras, ainda no compe (materialmente) o ordenamento jurdico. A Lei de

    Introduo ao Cdigo Civil estatui no art. 1. que, salvo disposio contrria, a leicomea a vigorar em todo o Pas quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.O Direito uno. Os setores dogmticos, entretanto, evidenciam caractersticas prprias.O Direito Penal no se confunde com o Direito Civil. Mais pelos princpios do que pelasleis. O raciocnio, logicamente, tambm distinto. A Constituio da Repblica,tradicionalmente, registra a chamada (tecnicamente, imprpria) retroatividade benficada lei penal (art. 5, XL). Aplica-se sempre a lei mais favorvel ao ru. Tambm aquideve ser entendida a teleologia da norma. Cumpre sacrificar o aspecto meramenteliteral. O enunciado do tipo feito pelo Estado atravs de lei em sentido formal. Sassim, gera efeito. Na vacatio legis, a elaborao da lei foi escorreita. Nenhum vcio amacula. Apenas o tempo fixado ainda est em curso. Ideologicamente, contudo, h

    formal e solene declarao de aplicar a lei penal mais favorvel. No faz sentido, porisso, por mero apego letra do texto, aguardar a respectiva fluncia. O argumento de,nesse meio tempo, a lei pode ser revogada (aconteceu com o Cdigo Penal de 1969) noinflui no raciocnio. O comando da Constituio incondicional, no sentido debeneficiar. (...) Recorde-se ainda. A vacatio legis busca, antes da vigncia, favorecer a

    pessoa, a fim de no ser surpreendida com a nova disciplina. Seria contrasenso deixar deaplicar, imediatamente, lei que se destina a favorecer. No caso em comento: porquesperar 60 dias para incio de vigncia, se no segundo ms haver a nova disciplina!Seria manter a lei mais rigorosa durante esse tempo e, escoado o prazo, de ofcio,conferir o novo tratamento. Sem dvida, evidente exemplo de raciocnio de aplicao

    formal da lei, escorada apenas no sentido gramatical do texto legal! Apesar deaproximar-se o sculo XXI! A elaborao da lei pode apresentar vcio de procedimento.

    Evidenciar-se inconstitucional. Em outras palavras, o texto exterioriza a posio oficial(representa a sociedade), todavia, de maneira, legislativamente, defeituosa. Significa,

    porm, a diretriz a ser adotada nesse setor. Evidente, o raciocnio vlido quando anorma posterior for mais favorvel. Materialmente, ocorre abolitio criminis, ou foiamenizado, de qualquer modo, o tratamento at ento em vigor. O tema ganha amploespao na literatura italiana e a Corte Constitucional decidiu que, no caso, se est de

    frente a um conflito entre interesse individual e favorlibertatis e o interesse da tutela dacomunidade.3(tambm sublinhamos).

    Pierpaolo Cruz Bottini, comentandoespecificamente a nova lei, tambm entende que a vacatio legis no impede a aplicaoimediata das medidas cautelares mais benficas do que a priso. Para ele, tratando-sede reformatio in melius, podem ser antecipadas, como assente na doutrina e na

    jurisprudncia.4 Acertada a afirmao!

    Ainda outrora, e nada obstante a repetida lio doscivilistas, o jurista Vicente Ro tambm j admitia, ainda que excepcionalmente, a

    3 Vacatio Legis - Lei Penal Inconstitucional, Boletim do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais: SoPaulo, n. 35, p. 16, nov. 1995.

    4 Medidas Cautelares Projeto de Lei 111/2008, in As Reformas no Processo Penal, So Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2008, p. 500.

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    temporria7, pois so regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo oordenamento.8

    Assim, quaisquer das medidas cautelaresestabelecidas neste Ttulo (repetimos: inclusive as prises provisrias codificadas ou no)

    s se justificaro quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis(ou o periculum in mora, conforme o caso ) e s devero ser mantidas enquanto persistira sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretao quanto para asua mantena, obedecer clusula rebus sic stantibus.

    Dispe a lei que podero ser aplicadas isolada oucumulativamente9 e sero decretadas pelo juiz, de ofcio ou a requerimento das partes ou,quando no curso da investigao criminal, por representao da autoridade policial oumediante requerimento do Ministrio Pblico.

    Observa-se que as medidas cautelares s poderoser decretadas de ofcio pelo Juiz durante a fase processual; antes, no curso de umainvestigao criminal, apenas quando instado a faz-lo, seja pelo Ministrio Pblico, seja

    pela Polcia. Ainda que tenha sido louvvel esta limitao, parece-nos que no sistemaacusatrio sempre inoportuno deferir ao Juiz a iniciativa de medidas persecutrias,mesmo durante a instruo criminal. absolutamente desaconselhvel permitir-se ao Juiza possibilidade de, ex officio, ainda que em Juzo, decidir acerca de uma medida cautelarde natureza criminal (restritiva de direitos, privativa de liberdade, etc.), pois que lembra ovelho e pernicioso sistema inquisitivo10.

    7 A priso temporria, disciplinada na Lei n. 7.960/89, nada mais do que aquela famigerada priso para

    averiguaes, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se at concluir que a antiga prtica foiregularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mcula aos postulados constitucionais.Como bem notou Paulo Rangel, no Estado Democrtico de Direito no se pode permitir que o Estadolance mo da priso para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado,efetivamente, o autor do delito. Trata-se de medida de constrio da liberdade do suspeito que, nohavendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inqurito policial, preso para que esseselementos sejam encontrados. (...)Prender um suspeito para investigar se ele, barbrie. S na ditadurae, portanto, no Estado de exceo. No Estado Democrtico de Direito havendo necessidade se prende,desde que haja elementos de convico quanto ao periculum libertatis. (Direito Processual Penal, Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2003, 7. ed., pp. 643/644). A propsito, veja-se a preocupao dos juristasespanhis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Corts Dominguez, segundo os quais no se pode atribuir ala medida cautelar el papel de instrumento de la investigacin penal. Dizem eles que sin duda alguna, esautilizacin de la prisin provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o

    declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepcin de este tipo excede los lmitesconstitucionales, y colocara a la investigacin penal as practicada en un lugar muy prximo a la torturaindagatoria. (Ob. cit., p. 524). Alis, esta lei padece de vcio de origem, pois ela foi criada pela MedidaProvisria n. 111/89 quando deveria s-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada peloCongresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei originou-se de uma medidaprovisria baixada pelo Presidente da Repblica e, embora tenha sido convertida em lei pelo CongressoNacional, representou uma invaso na rea da competncia reservada ao Poder Legislativo. Poucoimporta a aprovao pelo Congresso Nacional da medida provisria . (Crimes Hediondos, So Paulo:Revista dos Tribunais, 4. ed., 2000, p. 357).

    8 Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.

    9

    Segundo Pierpaolo Bottini, no caso de aplicao cumulativa, a razoabilidade exige que as medidassejam compatveis, que possam ser aplicadas ao mesmo tempo, pelo que, a despeito do previsto no texto, acautelar de priso ser sempre aplicada isoladamente. (ob. cit. p. 460).

    http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%207.960-1989?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%207.960-1989?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%207.960-1989?OpenDocument
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    evidente que o dispositivo perigoso, pois no sepode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possaavaliar como necessrio um ato de instruo e ao mesmo tempo valore a sua legalidade.So logicamente incompatveis as funes de investigar e ao mesmo tempo garantir orespeito aos direitos do imputado. So atividades que no podem ficar nas mos de uma

    mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficcia das garantias individuais do sujeitopassivo e a prpria credibilidade da administrao de justia. (...)Em definitivo, no suscetvel de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigadoreficiente e, ao mesmo tempo, em um guardio zeloso da segurana individual. inegvelque o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrrio, o bom juiz desterra oinquisidor.11

    Claro que h efetivamente certo distanciamento dospostulados do sistema acusatrio, mitigando-se a imparcialidade12 que deve nortear aatuao de um Juiz criminal, que no se coaduna com a determinao pessoal e direta demedidas cautelares. Este sistema se va imponiendo en la mayora de los sistemas

    procesales. En la prctica, ha demonstrado ser mucho ms eficaz, tanto para profundizarla investigacin como para preservar las garantas procesales, como bem acentuaAlberto Binder.13

    Dentro desta perspectiva, o sistema acusatrio oque melhor encontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as trsfunes precpuas em uma ao penal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Taissujeitos processuais devem estar absolutamente separados (no que diz respeito srespectivas atribuies e competncia), de forma que o julgador no acuse, nem defenda(preservando a sua necessria imparcialidade), o acusador no julgue e o defensor cumpra

    a sua misso constitucional de exercer a chamada defesa tcnica

    14

    .10 Interessante transcrever um depoimento de Leonardo Boff, ao descrever os percalos que passou at sercondenado pelo Vaticano, sem direito de defesa e sob a gide de um tpico sistema inquisitivo. Aps sermoral e psicologicamente arrasado pelo secretrio do Santo Ofcio (hoje Congregao para a Doutrina daF), Cardeal Jerome Hamer, em prantos, disse-lhe o brasileiro: Olha, padre, acho que o senhor piorque um ateu, porque um ateu pelo menos cr no ser humano, o senhor no cr no ser humano. O senhor cnico, o senhor ri das lgrimas de uma pessoa. Ento no quero mais falar com o senhor, porque eu falocom cristos, no com ateus. Por uma ironia do destino, depois de condenado pelo inquisidor, Boff otelefonou quando o Cardeal estava beira da morte, fulminado por um cncer. Ao ouvi-lo, a autoridadeeclesistica desabafou, chorando: Ningum me telefona... foi preciso voc me telefonar! Me sinto isolado(...)Boff, vamos ficar amigos, conheo umas pizzarias aqui perto do Vaticano... (in Revista Caros Amigos

    As Grandes Entrevistas, dezembro/2000).11

    Lopes Jr., Aury, Investigao Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74.12 Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, en correlacin con que laJurisdiccin juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que ste no puedeser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisin. (Sobre la Imparcialidad del Juez yla Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).13 Iniciacin al Proceso Penal Acusatrio, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43.14 Como se sabe, o defensor exerce a chamada defesa tcnica, especfica, profissional ou processual, queexige a capacidade postulatria e o conhecimento tcnico. O acusado, por sua vez, exercita ao longo do

    processo (quando, por exemplo, interrogado) a denominada autodefesa ou defesa material ou genrica.Ambas, juntas, compem a ampla defesa. A propsito, veja-se a definio de Miguel Fenech: Seentiende por defensa genrica aquella que lleva a cabo la propia parte por s mediante actos constitudospor acciones u omisiones, encaminados a hacer prosperar o a impedir que prospere la actuacin de lapretensin.. No se halla regulada por el derecho con normas cogentes, sino con la concesin de

    determinados derechos inspirados en el conocimientode la naturaleza humana, mediante la prohibicin delempleo de medios coactivos, tales como el juramento cuando se trata de la parte acusada y cualquierotro gnero de coacciones destinadas a obtener por fuerza y contra la voluntad del sujeto una declaracin

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    Como ensina Muoz Conde, el proceso penal deun Estado de Derecho no solamente debe lograr el equilibrio entre la bsqueda de laverdad y la dignidad de los acusados, sino que debe entender la verdad misma no comouna verdad absoluta, sino como el deber de apoyar una condena slo sobre aquello queindubitada e intersubjetivamente puede darse como probado. Lo dems es puro fascismo

    y la vuelta a los tiempos de la Inquisicin, de los que se supone hemos ya felizmentesalido.21

    Com efeito, no se pode, por conta de uma busca dealgo muitas vezes inatingvel (a verdade...)22permitir que o Juiz saia de sua posio desupra partes, a fim de auxiliar, por exemplo, o Ministrio Pblico a provar a imputao

    posta na pea acusatria. Sobre a verdade material ou substancial, ensina Ferrajoli, seraquela carente de limites y de confines legales, alcanzable con cualquier medio ms allde rgidas reglas procedimentales. Es evidente que esta pretendida verdad sustancial,al ser perseguida fuera de reglas y controles y, sobre todo, de una exacta

    predeterminacin emprica de las hiptesis de indagacin, degenera en juicio de valor,

    ampliamente arbitrario de hecho, as como que el cognoscitivismo tico sobre el que sebasea el sustancialismo penal resulta inevitablemente solidario con una concepcinautoritaria e irracionalista del proceso penal. Para o mestre italiano, contrariamente, averdade formal ou processual alcanada mediante el respeto a reglas precisas yrelativa a los solos hechos y circunstancias perfilados como penalmente relevantes. Estaverdad no pretende ser la verdad; no es obtenible mediante indagaciones inquisitivasajenas al objeto procesal; est condicionada en s misma por el respeto a los

    procedimientos y las garantas de la defensa. Es, en suma, una verdad ms controlada encuanto al mtodo de adquisicin pero ms reducida en cuanto al contenido informativode cualquier hipottica verdad sustancial23.

    V-se, portanto, que se permitiu umdesaconselhvel agir de ofcio pelo Juiz. No possvel tal disposio em um sistema

    jurdico acusatrio, pois que lembra o sistema inquisitivo caracterizado, como dizFerrajoli, por una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en sucapacidad de alcanzar la verdad, ou seja, este sistema confano slo la verdad sinotambin la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga.24

    Parece-nos claro que h, efetivamente, uma mculasria aos postulados do sistema acusatrio, precipuamente imprescindvel

    21 Bsqueda de la Verdad en el Proceso Penal, Buenos Aires: Depalma: 2000, p. 107.22

    Classicamente, a verdade se define como adequao do intelecto ao real. Pode-se dizer, portanto, que averdade uma propriedade dos juzos, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo dacorrespondncia entre o que afirmam ou negam e a realidade de que falam . (Hilton Japiassu e DaniloMarcondes, Dicionrio Bsico de Filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 241). A portada verdade estava aberta / Mas s deixava passar / Meia pessoa de cada vez / Assim no era possvelatingir toda a verdade. / Porque a meia pessoa que entrava / S trazia o perfil de meia verdade / E asegunda metade / Voltava igualmente como perfil / E os meios perfis no coincidiam. / Arrebentavam aporta, derrubavam a porta, / Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. / Eradividida em metades diferentes uma da outra. / Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. / Nenhumadas duas era totalmente bela e carecia optar. / Cada um optou conforme seu capricho, sua iluso, suamiopia. (Carlos Drummond de Andrade, do livro "O corpo", editora Record). No tenho a menor noodo que a verdade, mulher! Caguei pra verdade, a verdade uma coisa escrota, uma nojeira filosficainventada pelos monges do sculo XIII, que ficavam tocando punheta nos conventos, verdade o cacete,

    interessa a objetividade. (Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 65).23 Derecho y Razn, Madrid: Editorial Trotta, 3. ed., 1998, pp. 44 e 45.24 Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razn, Madrid: Editorial Trotta, 3. ed., 1998, p. 604.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andradehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade
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    imparcialidade que deve nortear a atuao de um Juiz criminal (e no neutralidade, que impossvel)25. Quanto neutralidade, faz-se uma ressalva, pois no acreditamos em umJuiz neutro (como em um Promotor de Justia ou um Procurador da Repblica neutro).H sempre circunstncias que, queiram ou no, influenciam em decises e pareceres,sejam de natureza ideolgica, poltica, social, etc., etc. Como notou Eros Roberto Grau,

    ainda que os princpios os vinculem, a neutralidade poltica do intrprete s existe noslivros. Na prxis do direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se que todas as decises

    jurdicas, porque jurdicas, so polticas.26 So inconfundveis a neutralidade e aimparcialidade. ingenuidade acreditar-se em um Juiz neutro, mas absolutamenteindispensvel um Juiz imparcial.

    Um Magistrado imparcial, como afirmamAlexandre Bizzotto, Augusto Jobim e Marcos Eberhardt, implica em um formalafastamento ftico do fato julgado, no podendo o Magistrado ter vnculos objetivos como fato concreto colocado discusso processual. Coloca-se da na condio de terceiroestranho ao caso penal. (...) J a neutralidade a assuno da alienao judicial,

    negando-se ingenuamente o humano no juiz. Este agente poltico partcipe da vida socialsente (a prpria sentena um ato de sentir), age, pensa e sofre todas as influnciasprovocadas pela sociedade ps-moderna. Afirmar que o juiz neutro ocultar umarealidade.27

    Sobre o sistema acusatrio, afirmava Vitu: Cesystme procdural se retrouve lorigine des diverses civilisations mditerranennes etoccidentales: en Grce, Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, lpoque franque et dans la procdure fodale. Ce systme, qui ne distingue ps la

    procdure criminelle de la procdure, se caractrise par des traits quon retrouve dans

    les diffrents pays qui lont consacr. Dans lorganisation de la justice, la procdureaccusatoire suppose une complte galit entre laccusation et la dfense.28

    A propsito, relembramos o art. 3. da Lei n.9.296/96 (interceptaes telefnicas) que permite ao Juiz, mesmo na primeira fase dapersecutio criminis, determinar de ofcio a quebra do sigilo telefnico, o que tambmrepresenta uma quebra flagrante dos postulados do sistema acusatrio, bem como o art.311 do Cdigo de Processo Penal, possibilitando ao Juiz Criminal a decretao, de ofcio,da priso preventiva (ver adiante), decises que (pasmen!), ainda o tornam prevento (art.75, pargrafo nico e art. 83 do Cdigo de Processo Penal).29

    25 Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, en correlacin con que laJurisdiccin juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que ste no puedeser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisin. (Sobre la Imparcialidad del Juez yla Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).26 Ensaio e Discurso sobre a Interpretao/Aplicao do Direito, So Paulo: Malheiros, 2. ed., 2003, p.51. Tambm neste sentido, veja-se Rodolfo Pamplona Filho, O Mito da Neutralidade do Juiz comoelemento de seu Papel Social in "O Trabalho", encarte de doutrina da Revista "Trabalho em Revista",fascculo 16, junho/1998, Curitiba/PR, Editora Decisrio Trabalhista, pgs. 368/375, e Revista "Trabalho& Doutrina", n 19, dezembro/98, So Paulo, Editora Saraiva, pgs.160/170.27 A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administrao da Justia Criminal, obra organizada

    por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Salo de Carvalho, Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 20.

    28 Andr Vitu, Procdure Pnale. Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13-14.29 Sobre preveno veja o que escrevemos em nosso Curso Temtico de Direito Processual Penal,Curitiba: Juru, 2010, p. 348.

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    Com inteira razo Jacinto Nelson de MirandaCoutinho: a questo tentar quase o impossvel: compatibilizar a Constituio da

    Repblica, que impe um Sistema Acusatrio, com o Direito Processual Penal brasileiroatual e sua maior referncia legislativa, o CPP de 41, cpia malfeita do Codice Roccode 30, da Itlia, marcado pelo princpio inquisitivo nas duas fases da persecutio

    criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitrio. (...)L, como doconhecimento geral, ningum duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini,camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara doregime (...) 30

    Continuando...

    Atendendo exigncia constitucional docontraditrio, dispe o 3. do art. 282 que, ressalvados os casos de urgncia ou de perigode ineficcia da medida (quando, ento, ser tomada inaudita altera pars), o juiz, aoreceber o pedido de medida cautelar, determinar a intimao da parte contrria,acompanhada de cpia do requerimento e das peas necessrias; neste caso, os autos

    devem permanecer em juzo. Parece-nos que mesmo no caso da medida ser determinadade ofcio pelo Juiz, deve assim tambm se proceder, ou seja, ouvir-se a parte a quem amedida possa trazer algum prejuzo, ressalvadas, evidentemente, as hipteses de urgnciaou de perigo para a eficcia da deciso. No h devido processo legal sem o contraditrio,que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ao haja uma correspondentereao, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeitodo contraditrio, Willis Santiago Guerra Filho afirma que no h processo sem respeitoefetivo do contraditrio, o que nos faz associar o princpio a um princpio informativo,

    precisamente aquele poltico, que garante a plenitude do acesso ao Judicirio (cf. NeryJr., 1995, p. 25). Importante, tambm, perceber no princpio do contraditrio mais doque um princpio (objetivo) de organizao do processo, judicial ou administrativo e,logo, um princpio de organizao de um instrumento de atuao do Estado, ou seja, um

    princpio de organizao do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direitofundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito aocontraditrio, ouAnspruch auf rechliches Gehr, como fazem os alemes. (grifos nooriginal).31

    Segundo tienne Vergs, a Corte Europia dosDireitos do Homem (CEDH) en donne une dfinition synthtique en considrant que ce

    principe implique la facult, pour les parties un procs penal ou civil, de prendreconnaissance de toutes pices ou observations prsentes au juge, mme par unmagistrat indpendant, en vue dinfluencer sa dcision et de la discuter` (CEDH, 20 fvr.

    1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).32

    O contraditrio ser fundamental (ressalvada aurgncia e a possibilidade de ineficcia da medida), at para que o investigado ou acusadotenha a oportunidade de, por exemplo, requerer a decretao de medida menos gravosado que aquela sugerida pela parte contrria.33

    Alis, ainda que a medida tenha sido tomadainaudita altera pars, a observncia do contraditrio, nesses casos, feita depois,

    30 O Ncleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro deCincias Criminais, n. 175, junho/2007, p. 11.

    31 Introduo ao Direito Processual Constitucional, So Paulo: Sntese, 1999, p. 27.32 Procdure Pnale, Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 35.33 Pierpaolo Botinni, ob. cit., p. 462.

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    dando-se oportunidade ao suspeito ou ru de contestar a providncia cautelar (...).Fala-se em contraditrio diferido ou postergado.34

    Pois bem.

    Caso haja descumprimento de qualquer dasobrigaes impostas, o Juiz, de ofcio ou mediante requerimento do Ministrio Pblico,de seu assistente ou do querelante, poder substituir a medida, impor outra em cumulao,ou, em ltimo caso, decretar a priso preventiva, nos termos do art. 312, pargrafo nicodo Cdigo de Processo Penal. Observa-se que a lei expressa ao considerar a prisocautelar (incluindo-se a temporria) como ultima ratio. imposio legal aexcepcionalidade da priso provisria, que somente dever ser decretada quando no forabsolutamente cabvel a sua substituio por outra medida cautelar. E na respectivadeciso, esta imprescindibilidade deve restar claramente demonstrada, nos termos do art.93, IX da Constituio.

    Como dissemos acima, a medida cautelar decretadapoder ser revogada ou substituda quando verificar a falta de motivo para que subsista,bem como voltar a ser decretada, se sobrevierem razes que a justifiquem ( a velhaclusula rebus sic stantibus).

    Ainda neste Captulo I, o art. 283 estabelece queningum poder ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentadada autoridade judiciria competente, em decorrncia de sentena condenatria transitadaem julgado ou, no curso da investigao ou do processo, em virtude de prisotemporria35 ou priso preventiva. Evidentemente, ressalvam-se os casos de transgressomilitar ou crime propriamente militar, definidos em lei, em cumprimento ao disposto no

    art. 5., LXI da Constituio.

    Portanto, direito do ru aguardar em liberdade oseu recurso interposto, inclusive os recursos constitucionais, nada obstante o disposto noart. 27 da Lei n. 8.038/90, no aplicvel nos processos criminais, no impedindo que,excepcionalmente, aguarde-se preso o julgamento, caso no acrdo condenatriomantenha-se ou se decrete fundamentadamente a priso provisria; neste ltimo caso, tero acusado direito fruio dos benefcios da Lei de Execuo Penal, vista do dispostono seu art. 2., bem como no Enunciado 716 da smula do Supremo Tribunal Federal e naResoluo n. 19/2006 do Conselho Nacional de Justia)36 .

    34 Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1999, p. 60. No mesmo sentido, veja-se Rogrio Lauria Tucci, Direitos e Garantias no Processo PenalBrasileiro, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2., ed., 2004, p. 361.35 Sobre a inconstitucionalidade da priso temporria, veja o que escrevemos em nosso Curso Temtico deDireito Processual Penal, Curitiba: Juru, 2010, p. 347.36 Sobre o direito de apelar em liberdade, inclusive quando se interpe recurso especial e extraordinrio,veja o que escrevemos em nosso Curso Temtico de Direito Processual Penal, Curitiba: Juru, 2010, pgs.809 e segs. Neste sentido, atentemos para a lio de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual esta normavisa a regulamentar os recursos de forma genrica, no sendo aplicvel, quanto aos efeitos prisionais, esfera penal. (apud Roberto Delmanto Junior, in As modalidades de priso provisria e o seu prazo dedurao, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 206). Tambm Paganella Boschi, para quem este pargrafoenderea-se unicamente aos processos cveis, porque nestes a execuo provisria da sentena, mediante

    cauo pelo autor, perfeitamente admissvel. Jamais as sentenas proferidas nos processos criminais, porimplicar ofensa aberta, direta e frontal garantia da presuno de inocncia, antes citada. (Revista deEstudos Criminais n. 05, Porto Alegre: Editora NotaDez, 2002).

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    Observa-se, outrossim, que todas as medidascautelares estabelecidas no Ttulo IX (includas as prises, insista-se) no podem seraplicadas infrao a que no for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena

    privativa de liberdade. Portanto, no ser possvel aplic-las em relao s contravenespenais a que a lei comina, isoladamente, pena de multa, como, por exemplo, aquelas

    previstas nos arts. 292, 303, 304, do Cdigo Eleitoral (dentre vrias outras).

    Dispe o 2. do art. 283 que a priso poder serefetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restries relativas inviolabilidade do domiclio. Neste sentido, observar-se- o disposto no art. 5., XI daConstituio, bem como o art. 150 do Cdigo Penal.37

    Tambm foi alterada a redao do art. 289,prescrevendo que quando o acusado estiver no territrio nacional, fora da jurisdio do37 RHC 90376/RJ - Relator: Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 03/04/2007 - rgo Julgador:

    Segunda Turma - Para os fins da proteo jurdica a que se refere o art. 5, XI, da Constituio daRepblica, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento dehabitao coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, 4, II), compreende, observada essa especficalimitao espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situaesexcepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5, XI), nenhum agente pblico poder,contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, emaposento ocupado de habitao coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligncia de busca eapreenso reputar-se inadmissvel, porque impregnada de ilicitude originria. Doutrina. Precedentes(STF). A ao persecutria do Estado, qualquer que seja a instncia de poder perante a qual se instaure,para revestir-se de legitimidade, no pode apoiar-se em elementos probatrios ilicitamente obtidos, sobpena de ofensa garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidadedas provas ilcitas, uma de suas mais expressivas projees concretizadoras no plano do nosso sistema dedireito positivo. - A Constituio da Repblica, em norma revestida de contedo vedatrio (CF, art. 5,

    LVI), desautoriza, por incompatvel com os postulados que regem uma sociedade fundada em basesdemocrticas (CF, art. 1), qualquer prova cuja obteno, pelo Poder Pblico, derive de transgresso aclusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatrios queresultem de violao do direito material (ou, at mesmo, do direito processual), no prevalecendo, emconseqncia, no ordenamento normativo brasileiro, em matria de atividade probatria, a frmulaautoritria do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. Ningum pode ser investigado,denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilcitas, quer se trate de ilicitude originria,quer se cuide de ilicitude por derivao. Qualquer novo dado probatrio, ainda que produzido, de modovlido, em momento subseqente, no pode apoiar-se, no pode ter fundamento causal nem derivar deprova comprometida pela mcula da ilicitude originria. - A excluso da prova originariamente ilcita - oudaquela afetada pelo vcio da ilicitude por derivao - representa um dos meios mais expressivosdestinados a conferir efetividade garantia do due process of law e a tornar mais intensa, pelo banimentoda prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a

    qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A doutrina da ilicitude porderivao (teoria dos "frutos da rvore envenenada") repudia, por constitucionalmente inadmissveis, osmeios probatrios, que, no obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados,no entanto, pelo vcio (gravssimo) da ilicitude originria, que a eles se transmite, contaminando-os, porefeito de repercusso causal. Hiptese em que os novos dados probatrios somente foram conhecidos, peloPoder Pblico, em razo de anterior transgresso praticada, originariamente, pelos agentes da persecuopenal, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. - Revelam-seinadmissveis, desse modo, em decorrncia da ilicitude por derivao, os elementos probatrios a que osrgos da persecuo penal somente tiveram acesso em razo da prova originariamente ilcita, obtidacomo resultado da transgresso, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais, cujaeficcia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitao deordem jurdica ao poder do Estado em face dos cidados. Se, no entanto, o rgo da persecuo penaldemonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informao a partir de uma fonte autnoma de

    prova - que no guarde qualquer relao de dependncia nem decorra da prova originariamente ilcita,com esta no mantendo vinculao causal, tais dados probatrios revelar-se-o plenamente admissveis,porque no contaminados pela mcula da ilicitude originria.

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    juiz processante, ser deprecada a sua priso, devendo constar da precatria o inteiro teordo mandado. Neste caso, havendo urgncia, o juiz poder requisitar a priso por qualquermeio de comunicao, do qual dever constar o motivo da priso, bem como o valor dafiana se arbitrada, devendo a autoridade a quem se fizer a requisio tomar as precauesnecessrias para averiguar a autenticidade da comunicao. Ainda aqui, o juiz processante

    dever providenciar a remoo do preso no prazo mximo de trinta dias, contados daefetivao da medida. Com as cautelas devidas, cremos ser possvel aplicar-se no

    processo penal a Lei n. 11.419/2006 que trata de estabelecer a realizao de atosprocessuais por meios eletrnicos.

    A nova lei acrescentou o art. 289-A, dispondo que ojuiz competente providenciar o imediato registro do mandado de priso em banco dedados mantido pelo Conselho Nacional de Justia, devendo o Conselho regulamentar esteregistro. Esta nova disposio legal permite que qualquer agente policial possa efetuar a

    priso determinada no mandado de priso registrado no Conselho Nacional de Justia,ainda que fora da competncia territorial do Juiz que o expediu. Outrossim, qualqueragente policial poder efetuar a priso decretada, ainda que sem registro no Conselho

    Nacional de Justia, adotando as precaues necessrias para averiguar a autenticidade domandado e comunicando ao Juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, oregistro do mandado. Nestes casos, a priso ser imediatamente comunicada ao Juiz dolocal de cumprimento da medida o qual providenciar a certido extrada do registro doConselho Nacional de Justia e informar ao juzo que a decretou, devendo o preso serinformado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o. da Constituio Federal;caso o autuado no informe o nome de seu advogado, deve ser comunicada a priso Defensoria Pblica; se existirem dvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da

    pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, podero por em custdia o preso, atque fique esclarecida a dvida.

    Sobre tais disposies, mais uma vez entendemospertinentes as observaes de Pierpaolo Bottini, ao ressaltar que tais informaes nodevem restar guardadas apenas no mbito do Poder Judicirio, pois consistem eminstrumento importantssimo para a elaborao de estratgias de polticas de segurana

    pblica. (...) Como tais informaes, em regra, no so sigilosas, poderiam e deveriamser compartilhadas em sua inteireza com rgos da Polcia Federal, com o ConselhoNacional de Poltica Criminal e Penitenciria, dentre outros, estruturando um sistema deinteligncia e de desenvolvimento estratgico de aes nesta seara. E o autor vai maisalm, com toda razo: seria importante que constassem do Cadastro Nacional no

    apenas as ordens de privao de liberdade, mas tambm as determinaes a respeito deoutras cautelares, (...)para que as autoridades policiais ou judiciais de outras comarcasou de outras unidades da Federao tivessem cincia das restries impostas, auxiliandoem sua fiscalizao e cumprimento.38

    A captura poder ser requisitada, vista demandado judicial, por qualquer meio de comunicao, tomadas pela autoridade, a quemse fizer a requisio, as precaues necessrias para averiguar a autenticidade desta.

    As pessoas presas provisoriamente ficaroseparadas das que j estiverem definitivamente condenadas, nos termos da Lei de

    38 Medidas Cautelares Projeto de Lei 111/2008, in As Reformas no Processo Penal, So Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2008, pgs. 499 e 500.

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    Execuo Penal.39 O novo art. 300 repete a regra estabelecida na Lei de Execuo Penal(art. 84) e na que dispe sobre a priso temporria (art. 3.), disposies que, na prtica,nem sempre so obedecidas, apesar de constarem nas Regras Mnimas da Organizaodas Naes Unidas (n. 8.b): As pessoas presas provisoriamente ficaro separadas dasque j estiverem definitivamente condenadas. Com o nosso atual sistema carcerrio

    muito dificilmente tal artigo ser observado, como no o so os artigos das Leis ns.7.210/84 e 7.960/89.

    Em relao ao militar preso em flagrante delito,aps a lavratura dos procedimentos legais, ser recolhido a quartel da instituio a que

    pertencer, onde ficar preso disposio das autoridades competentes. Por fim, nesteprimeiro captulo, foi expressamente revogado o art. 298.

    III DA PRISO EM FLAGRANTE

    Passemos agora a analisar as alteraes feitas noCaptulo II Da Priso em Flagrante; aqui apenas foram modificados os arts. 306 e 310.

    No art. 306 determina-se que a priso de qualquer pessoa e o local onde se encontre sejamcomunicados imediatamente ao Juiz competente, ao Ministrio Pblico e famlia do

    preso ou pessoa por ele indicada, em conformidade com o disposto no art. 5., LXII eLXIII da Constituio.

    Determina-se, outrossim, que em at vinte e quatrohoras aps a realizao da priso, ser encaminhado ao Juiz competente o auto de prisoem flagrante e, caso o autuado no informe o nome de seu advogado, cpia integral para aDefensoria Pblica. Neste mesmo prazo, ser entregue ao preso, mediante recibo, a notade culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da priso, o nome do condutor e os dastestemunhas. Entendo que a no observncia de qualquer das exigncias acima referidasenseja o relaxamento da priso, por evidente ilegalidade ou abuso de poder; caso o Juizno o faa, ser o caso de cabimento de impetrao de habeas corpus, sem prejuzo dodisposto no art. 4., d, da Lei n. 4.898/65 (Crimes de Abuso de Autoridade).

    No art. 310 estabelece-se que o Juiz de Direito

    dever, fundamentadamente, ao receber o auto de priso em flagrante, tomar uma das trsseguintes decises: a) relaxar a priso ilegal (aquela cujo auto de priso em flagrante noobservou os requisitos legais acima indicados); b) converter a priso em flagrante(legalmente lavrado) em priso preventiva, quando presentes os requisitos constantes doart. 312 deste Cdigo, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelaresdiversas da priso40; c) conceder liberdade provisria, com ou sem fiana (ver adiante).

    39 Dispe o art. 84 da Lei de Execuo Penal que o preso provisrio ficar separado do condenado porsentena transitada em julgado. 1. O preso primrio cumprir pena em seo distinta daquelareservada para os reincidentes. 2. O preso que, ao tempo do fato, era funcionrio da Administrao daJustia Criminal ficar em dependncia separada.

    40 Com esta disposio, claramente o legislador adotou a tese de que a priso cautelar no se trata de umamedida cautelar, mas precautelar. Neste sentido, sempre assim se posicionou Aury Lopes Jr., para quem

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    Neste momento, se o Juiz verificar, pelo auto depriso em flagrante, que o agente praticou o fato nas condies constantes dos incisos I aIII do caput do art. 23 do Cdigo Penal (causas excludentes de ilicitude), poder,fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisria (sem fiana), mediantetermo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogao. Trata-se,

    aqui, de liberdade provisria, sem fiana, vinculada, porm ao comparecimento aos atosprocessuais. Nada impede, igualmente, que a liberdade provisria aqui prevista sejacumulada com outra medida cautelar.

    IV DA PRISO PREVENTIVA

    No Captulo III Da Priso Preventiva, forammodificados os arts. 311 a 315, restando inclume apenas o art. 316 que continua aestabelecer a clusula rebus sic stantibus em relao priso preventiva.

    O primeiro dos artigos deste Captulo estabelece queem qualquer fase da investigao policial ou do processo penal caber a priso preventivadecretada pelo juiz, de ofcio, se no curso da ao penal, ou a requerimento do MinistrioPblico, do querelante ou do assistente, ou por representao da autoridade policial.Observa-se que a priso preventiva s poder ser decretada de ofcio pelo Juiz durante afase processual; antes, ou seja, no curso de uma investigao criminal, apenas quandoinstado a faz-lo, seja pelo Ministrio Pblico, seja pela Polcia (como se sabe, na fase

    inquisitorial no h querelante nem assistente). Como j afirmamos acima a respeito dasdemais medidas cautelares, ainda que haja esta limitao, parece-nos que no sistemaacusatrio absolutamente desaconselhvel permitir-se ao Juiz a possibilidade de, exofficio, ainda que em Juzo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal(veja-se o que foi acima escrito sobre o assunto).

    Entendemos que caso a priso preventiva tenha sidodeterminada ainda na fase investigatria, urge que a pea acusatria seja oferecida em atcinco dias (art. 46 do Cdigo de Processo Penal), pois se h justa causa para a decretaoda priso preventiva (fumus commissi delicti), obviamente que tambm h para oexerccio da ao penal (indcios suficientes da autoria e prova da existncia do crime).

    Caso no haja tempestivamente o oferecimento da pea acusatria, a priso dever serrevogada, pois patente o constrangimento ilegal. Se no o for, cabvel ser a ordem dehabeas corpus.

    Em relao possibilidade do assistente daacusao requerer a decretao da priso preventiva, entendemos como uma possibilidadelimitada, apenas quando for por convenincia da instruo criminal ou quando for cabvelcomo substituio de medida cautelar anteriormente decretada, especialmente aquelas

    a priso em flagrante uma medida pr-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcadapela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente est justificadapela brevidade de sua durao e o imperioso dever de anlise judicial em at 24h, onde cumprir ao juiz

    analisar sua legalidade e decidir sobre a manuteno da priso (agora como preventiva) ou no . (DireitoProcessual Penal e sua Conformidade Constitucional, Vol. II, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009,

    p. 64).

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    indicadas no art. 319, IV e VIII. Este entendimento baseia-se no fato de que a razo dese permitir a ingerncia do ofendido em todos os termos da ao penal pblica, ao ladodo Ministrio Pblico, repousa na influncia decisiva que a sentena da sede penalexerce na sede civil, como explica Tourinho Filho embasado nas lies de Florncio deAbreu e Canuto Mendes de Almeida41 . Para ns, acertada esta posio, pois s

    entendemos legtima a atuao do ofendido como assistente quando configurado estiver oseu interesse em uma posterior indenizao pelo dano sofrido. Logo, sempre que dainfrao penal advier prejuzo de qualquer ordem para o ofendido, este estaria legitimadoa se habilitar como assistente para pleitear depois a ao civil ex delicto, executando asentena penal condenatria42 . Logo, no h interesse por parte do assistente em requerera priso preventiva invocando outros requisitos que no tenham relao com a suainterveno no processo penal (para a aplicao da lei penal, por exemplo, ou garantia daordem pblica...).

    Observa-se que de h muito a interveno doofendido no processo penal vem sendo questionada, muitos a contestando sob o

    argumento de que caberia ao Estado exclusivamente exercer as funes persecutrias emmatria penal, pois se admitir a interveno do particular seria aceitar que su papel en el

    proceso parece estar teido de una especie de sentimiento de venganza.43

    Analisando o Direito portugus, por exemplo, omestre lusitano Germano Marques da Silva esclarece que a interveno dos particularesno processo penal por muitos contestada por poder constituir um factor de

    perturbao, pois no de esperar deles a objectividade e a imparcialidade que devemdominar o processo penal, mas tambm por muitos outros considerada como umaexcelente e democrtica instituio e assim o entendemos tambm.44

    Feitas estas observaes, voltemos anlise dotexto legal...

    Continuam sendo requisitos para a prisopreventiva: a) garantia da ordem pblica (desgraadamente); b) garantia da ordemeconmica (idem, mas menos mal); c) por convenincia da instruo criminal; d) paraassegurar a aplicao da lei penal.

    Alm destes, podem ser tambm indicados comorequisitos legais para a decretao da priso preventiva, nos termos da nova lei, osseguintes: a) o descumprimento de qualquer das obrigaes impostas por fora de outras

    medidas cautelares (tal como j previsto no art. 282, 4o.); b) a garantia para a execuode medidas protetivas de urgncia estabelecidas em relao a determinadas vtimas(mulher, criana, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficincia).

    Aqui est consubstanciada a necessidadeindispensvel para a decretao da priso preventiva, o chamado periculum libertatis.

    41 Processo Penal, Vol. II, So Paulo: Saraiva, 33. ed., 2011, p. 610.42 Conferir sobre a ao civil ex delicto o nosso Curso Temtico de Direito Processual Penal, Curitiba:

    Juru, 2010. Tambm nesta obra, tratamos sobre o assistente.43 Victor Moreno Catena, Derecho Procesal Penal, Madrid: Editorial Colex, 1999, p. 250.44 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3. ed., Lisboa: Verbo, vol. 1, 1996, p. 308.

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    Lamentavelmente continuamos a ter como um dosrequisitos para a decretao da priso preventiva a garantia da ordem pblica, conceito

    por demais genrico e, exatamente por isso, imprprio para autorizar uma custdiaprovisria que, como se sabe, somente se justifica no processo penal como umprovimento de natureza cautelar (presentes o fumus commissi delicti e o periculum

    libertatis). H mais de dois sculos Beccaria j preconizava que o ru no deve ficarencarcerado seno na medida em que se considere necessrio para o impedir deescapar-se ou de esconder as provas do crime45, o que coincide com dois outrosrequisitos da priso preventiva em nosso Pas (convenincia da instruo criminal eassegurao da aplicao da lei penal).

    Decreta-se a priso preventiva no Brasil, muitasvezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordem pblica, quando, por exemplo,quer-se evitar a prtica de novos delitos pelo imputado ou aplacar o clamor pblico. Noraras vezes v-se priso preventiva decretada utilizando-se expresses como alarmasocial causado pelo crime ou para aplacar a indignao da populao, e tantas outrasfrases (s) de efeito.

    A respeito, veja-se a preocupao dos juristasespanhis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Corts Dominguez:

    Tampoco puede atribuirse a la prisinprovisional un fin de prevencin especial: evitar la comisin de delitos por la persona ala que se priva de libertad. La propia terminologa ms frecuentemente empleada paraexpresar tal idea probable comisin de otros o ulteriores delitos deja entrever queesta concepcin se asienta en una presuncin de culpabilidad. () Por las mismasrazones no es defendible que la prisin provisional deba cumplir la funcin de calmar la

    alarma social que haya podido producir el hecho delictivo, cuando an no se hadeterminado quin sea el responsable. Slo razonando dentro del esquema lgico de la

    presuncin de culpabilidad podra concebirse la privacin en un establecimientopenitenciario, el encarcelamiento del imputado, como instrumento apaciguador de lasansias y temores suscitados por el delito. () La va legtima para calmar la alarma

    social esa especie de sed de venganza colectiva que algunos parecen alentar y pordesgracia en ciertos casos aflora no puede ser la prisin provisional, encarcelando sinms y al mayor nmero posible de los que prima facie aparezcan como autores dehechos delictivos, sino una rpida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo,

    porque slo la resolucin judicial dictada en un proceso puede determinar laculpabilidad y la sancin penal.46

    Ressaltamos que o Presidente do Supremo TribunalFederal, Ministro Nelson Jobim, deferiu em parte a liminar pedida no Habeas Corpus n.84548, pois considerou que o decreto de priso preventiva do acusado teria se desviadodos requisitos do art. 312 do Cdigo de Processo Penal, por lhe faltar as indicaes doque consiste a periculosidade do paciente e a quais riscos a ordem pblica estaria expostase ele respondesse ao penal em liberdade, salientando, outrossim, que o entendimentodo STF no permite que clamor pblico sirva como fundamento para a priso preventiva.Ele observou que o acusado sempre colaborou com a instruo criminal e as

    45 Dos Delitos e das Penas, So Paulo: Hemus, 1983, p. 55 (traduo de Torrieri Guimares).46 Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 3. ed., 1999, pp. 522/523.

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    investigaes. Assim, o Ministro deferiu a liminar para revogar a priso preventiva, se poroutro motivo o acusado no estiver preso.

    Na Itlia, o Juiz de Instruo Criminal do Tribunalde Pdua, Palombarini, assim decidiu acerca da priso preventiva:

    Pena e priso preventiva tm diversa naturezajurdica, diferentes objectivos, diversa funo... Para decidir se uma certa garantiaindividual deve aplicar-se a um determinado instituto, necessrio atender, em primeirolugar, incidncia do mesmo instituto sobre a esfera do indivduo. Ora a priso

    preventiva embora diversa, como se disse, da pena traduz-se para o indivduo numarestrio total de sua liberdade. Diferentes os institutos, idnticos os valores em jogo e o

    perigo de leso do fundamental direito da liberdade.47

    Em outra oportunidade, a 1. Turma do SupremoTribunal Federal concedeu habeas corpus (Processo n. 84778) a um servidor pblicoque responde a processo pela prtica de trs crimes de concusso (art. 316 do CdigoPenal). O Ministro Seplveda Pertence, relator do processo, concedeu a ordem pararevogar o decreto de priso preventiva e permitir que o ru aguarde o julgamento daapelao em liberdade. Consoante Pertence, no h como falar em convenincia dainstruo criminal se esta j terminou, nem invocar a garantia da ordem pblica para nocomprometer a imagem do Poder Judicirio. "J repisei minha convico acerca dailegitimidade constitucional da priso preventiva fundada na necessidade de satisfazer ansias populares de represso imediata em nome da credibilidade das instituies

    pblicas, dentre elas o Poder Judicirio", afirmou. Para o Ministro, tais consideraes"desvelam o abuso da priso processual para fins no cautelares, seja o de antecipao

    da pena, que aborrece a presuno da no-culpabilidade, seja a instrumentalizao doencarceramento do acusado para a popularizao do Judicirio, que repugna oprincpio fundamental da dignidade humana". Por fim, sustentou o relator no ser motivoidneo para a priso preventiva a invocao da gravidade do crime ou o prestgio e acredibilidade do Judicirio. O voto do ministro-relator foi acompanhado pelos demaisintegrantes da Primeira Turma.

    Em um outro caso, um advogado acusado departicipar da organizao que operava fraudes fiscais no ramo do comrcio decombustveis respondeu s acusaes em liberdade. A deciso foi tomada pela 1. Turmado Supremo Tribunal Federal. Nesta oportunidade, todos os Ministros da Turma seguiramo voto do relator, Ministro Seplveda Pertence, salientando que o Supremo tem negado

    a manuteno de priso preventiva quando o motivo a invocao da gravidade docrime imputado. O Ministro Marco Aurlio sustentou que h de se aguardar acomprovao do fato criminoso a cargo do Ministrio Pblico para posteriormente ter-

    se as conseqncias. (HC n. 85068).

    Em outra deciso recente, o Ministro do SupremoTribunal Federal, Marco Aurlio, concedeu duas liminares, em habeas corpus, a doiscondenados por seqestro, emasculao e assassinato de menores em Altamira, no Par,entre 1989 e 1992. Nas decises monocrticas, o Ministro Marco Aurlio destacou que oscondenados so rus primrios, tm bons antecedentes e esto presos h mais de um ano.Afirmou que a circunstncia de os condenados viverem em unidades da Federao

    diversas daquela em que foram julgados no motivo para ensejar, por si s, a custdia,47Apud Amrico Taipa de Carvalho, Sucesso de Leis Penais, Coimbra Editora, 1990, p. 251.

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    afigurando-se o recolhimento como execuo precoce, aodada, tempor do ttulojudicial, sujeito ainda a modificao, em face da recorribilidade ordinria, observando,ainda, que o barulho da turba, a repercusso dos acontecimentos na sociedade, namdia, no podem servir execuo precoce da pena. (HC-85223).

    Tambm a 1. Turma do Supremo Tribunal Federalconfirmou liminar do Ministro Eros Grau que concedeu liberdade provisria para umpolicial acusado de assassinar um Delegado da Polcia Civil em Minas Gerais. O MinistroEros Grau, ao deferir o pedido de habeas corpus e libertar o acusado, afirmou que osfundamentos no clamor pblico e na repercusso do caso no so "idneos" para amanuteno da priso preventiva. Na deciso, ele relacionou julgamentos do Supremonesse sentido. (HC-85046).

    Ainda sobre este requisito da ordem pblica,anota Bruno Csar Gonalves da Silva (no artigo intitulado: Uma vez mais: daGarantia da ordem pblica` como fundamento de decretao da priso preventiva):

    Entre os juristas brasileiros que se insurgiramcontra a priso preventiva com fundamento na "garantia da ordem pblica", destaca-seGomes Filho (1991), que demonstrou-nos no possuir a idia de "ordem pblica" carterinstrumental relacionado com os meios e fins do processo, veja-se: ordem pblicarelacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisrio que no seenquadram nas exigncias de carter cautelar propriamente ditas, mas constituem

    formas de privao da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, ento,em "exemplaridade", no sentido de imediata reao ao delito, que teria como efeito

    satisfazer o sentimento de justia da sociedade; ou, ainda, em preveno especial, assimentendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infrao pode revelar

    que o acusado acentuadamente propenso a prticas delituosas ou, ainda, indicar apossvel ocorrncia de outras, relacionadas supresso de provas ou dirigidas contra aprpria pessoa do acusado. (GOMES FILHO, 1991, p. 67-68). Delmanto Jnior (1998),comentando a decretao da priso preventiva com base na garantia da ordem pblica,considera ser indisfarvel que nesses termos a priso preventiva se distancia de seucarter instrumental - de tutela do bom andamento do processo e da eficcia de seuresultado - nsito a toda e qualquer medida cautelar, servindo de instrumento de justia

    sumria, vingana social etc. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.156). sim, dvida noresta que falta priso preventiva decretada com base na "garantia da ordem pblica"carter instrumental inerente a toda medida cautelar, pois, esta visa assegurar os meiose os fins do processo, ao passo que na "ordem pblica" no se vislumbra este carter,

    no possuindo tal expresso limites rgidos para a sua definio, dando azo ao arbtrio ea casusmos na restrio da liberdade. O apelo forma genrica e retrica da "garantiada ordem pblica" representa a possibilidade de superao dos limites impostos pelo

    princpio da legalidade estrita, propiciando um amplo poder discricionrio ao juiz com"uma destinao bastante clara: a de fazer prevalecer o interesse da represso emdetrimento dos direitos e garantias individuais". (GOMES FILHO, 1991, p. 66).

    E conclui este autor:

    A garantia da ordem pblica no possui cartercautelar propriamente dito, tendo na verdade finalidades que ora so meta-processuais,

    ora so exclusivas das penas. As interpretaes dadas expresso "garantia da ordempblica" so violadoras do princpio da presuno de inocncia, pois, ou desconsideram

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    a avaliao da necessidade da medida, ou se fundam em presunes e antecipaes dojuzo de culpabilidade. Devemos na interpretao e aplicao das medidas cautelares,nos libertarmos dos resqucios do autoritarismo e assimilarmos a nova orientaoconstitucional, lembrando-nos sempre que, dentro deste novo paradigma, os fins nunca

    podem justificar os meios.

    No esqueamos, igualmente, que o art. 30 da Lein. 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, estabeleceestupidamente mais uma possibilidade de se decretar a priso preventiva: a magnitudeda leso causada, termo que, assim como ordem pblica, por demais genrico e, porconseguinte, desaconselhvel em se tratando de norma privativa da liberdade.

    Nada obstante esta observao, o certo que ajurisprudncia vem reiteradamente decretando a priso preventiva com fulcro nesterequisito; assim, por exemplo, o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, doTribunal Regional Federal da 4. Regio, negou pedido de liberdade provisria solicitado

    por um acusado de participar de uma organizao criminosa envolvida com crimesfinanceiros e lavagem de dinheiro em vrios estados brasileiros. Em sua deciso, o relatorlembrou que as investigaes do conta de que os presos participariam de uma

    sofisticada organizao criminosa, de aprimorado modo de atuao. Essa quadrilhacontaria inclusive, ressaltou o Desembargador, com o auxlio de servidores pblicos, oque dificultaria a fiscalizao por parte dos rgos competentes. Assim, afirmou, a prisoapresenta-se como imprescindvel para a garantia da ordem pblica. Em liberdade, tudoleva a concluir que o agente continuar na prtica delituosa, salientou o Magistrado. Anecessidade de imposio da priso tambm se justifica para garantir a coleta de provassem a interferncia dos integrantes da organizao e a eventual aplicao da lei penal,uma vez que os membros da quadrilha possuem enorme facilidade para fugir. O

    Desembargador ainda lembrou que, de acordo com a deciso da 1. Vara FederalCriminal, parte dos valores arrecadados atravs dos delitos teriam sido enviados para oexterior, destacando, outrossim, o resguardo da ordem econmica e a magnitude dosdanos econmicos decorrentes da atuao delituosa como justificativa para a manutenoda priso. (Processos ns. 2005.04.01.013110-1; 2005.04.01.015015-6 e2005.04.01.015066-1).

    Em outra deciso, a 7. Turma do TribunalRegional Federal da 4 Regio negou habeas corpus a dois acusados de crime contra osistema financeiro nacional. No julgamento do mrito do habeas corpus, a Turma, pormaioria, negou o pedido de liberdade. Os Desembargadores Federais Tadaaqui Hirose e

    Maria de Ftima Freitas Labarrre argumentaram que a magnitude da leso (os rusteriam movimentado cerca de 530 milhes de dlares nas contas no exterior) e o risco ordem pblica justificam a decretao da priso. (HC 2005.04.01.015120-3/PR).

    Em sentido contrrio, veja-se:

    TRF 4 REGIO - HABEAS CORPUS N.2004.04.01.017015-1/PR (DJU 09.06.2004, SEO 2, P. 634, J. 18.05.2004) -

    RELATOR: Des. Federal JOS LUIZ B. GERMANO DA SILVA - No obstante o art. 30da Lei n 7492/86 determine que a priso preventiva do acusado da prtica de crimecontra o sistema financeiro nacional poder ser decretada em razo da magnitude daleso causada, sua legitimao depende da satisfao dos pressupostos insculpidos noart. 312 do CP..

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    A elevada monta da sonegao fiscal no justificaa decretao da priso preventiva do agente, tratando-se, sim, de elemento a serconsiderado por ocasio da dosimetria da pena, em eventual condenao . (TRF 3 R. 2T. - RSE 2008.61.05.008828-2 rel. Nelton dos Santos j. 21.07.2009 DJU06.08.2009).

    Evidentemente que este requisito no pode serlevado em conta para se decretar uma priso preventiva, mesmo porque, nota-se que amagnitude da leso conseqncia do crime, fator que deve ser levado em considerao

    para a aplicao da pena (art. 59, CP). Logo, este dispositivo flagrantementeinconstitucional, sua aplicao vir a macular todos os atos que se lhe seguirem: eis alio de Roberto Podval.48 Manoel Pedro Pimentel j perguntava: Como se h de aferiresse elemento normativo magnitude da leso causada se no for atravs de critrio

    subjetivo, que pode variar amplamente, j que a lei no define quantitativa ouqualitativamente tal magnitude?49

    Neste sentido, por unanimidade, a Segunda Turmado Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 99210). A deciso confirmouliminar concedida pelo relator do processo, Ministro Eros Grau. O juiz levou em conta o

    poderio econmico do acusado e a magnitude da leso gerada aos cofres pblicos, quealcanaria a cifra de R$ 241 milhes. O decreto prisional funda-se na magnitude daleso e na presuno de que os pacientes [os acusados] reiterariam nos crimes a elesimputados, o que, na linha de entendimento consolidado nesta Corte, no se presta decretao da priso preventiva, disse o Ministro Eros Grau. O Ministro citou ainda

    precedentes do STF no sentido de que a magnitude da leso causada por um supostocrime no justifica de maneira autnoma a priso cautelar. Todos os ministros presentes sesso seguiram o voto do relator.

    A propsito, vejamos a lio de Robert Dworkin:

    O direito penal poderia ser mais eficiente sedesconsiderasse essa distino problemtica e encarcerasse homens ou os forasse aaceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no

    futuro. Mas isso, como sugere o princpio de Hart, significaria cruzar a linha que separatratar algum como ser humano e como nosso prximo e trat-lo como um recurso parao benefcio dos outros. Para as convenes e prticas de nossa comunidade, no podehaver insulto mais profundo que esse. O insulto da mesma grandeza quando o processorecebe o nome de punio ou tratamento. verdade que algumas vezes impomos

    restries e submetemos a tratamento um homem apenas porque acreditamos que ele notem controle sobre sua conduta. Fazemos isso com base em leis que regem a custdia decivis e, de modo geral, aps um homem ter sido absolvido de um crime srio com basenuma alegao de insanidade. Mas devemos reconhecer o compromisso de princpio queessa poltica implica. Deveramos tratar um homem contra a sua vontade apenas quandoo perigo que ele representa real e no sempre que calculamos que o tratamento poderreduzir a ocorrncia de crimes, se for adotado.50

    48 Leis Penais e Sua Interpretao Jurisprudencial, Vol. I, So Paulo: Revista dos Tribunais, 7. ed., 2001,p. 896.

    49 Apud Joo Gualberto Garcez Ramos, A Tutela de Urgncia no Processo Penal Brasileiro, BeloHorizonte: Del Rey, 1998, p. 145.50 Levando os direitos a srio, So Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 18/19.

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    Pois bem. Vistos os requisitos, analisemos opressuposto da priso preventiva.

    C omo pressuposto da medida extrema temos ofumus commissi delicti, ou seja, a demonstrao cabal e induvidosa de prova da

    existncia de determinados crimes e indcio suficiente de autoria (o que coincide com ajusta causa para a ao penal, nos termos do art. 395, III do Cdigo de Processo Penal).

    Ainda em relao ao fumus commissi delicti, apriso preventiva, em regra, s poder ser decretada em relao aos supostos autores decrimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade mxima superior a quatro anos, ano ser se o indiciado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, emsentena transitada em julgado (ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 doCdigo Penal), ou se o delito envolver violncia domstica e familiar contra a mulher,criana, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficincia, para garantir a execuodas medidas protetivas de urgncia (aqui est um requisito especfico para esta ltima

    hiptese). Tambm ser admitida a priso preventiva quando houver dvida sobre aidentidade civil da pessoa ou quando esta no fornecer elementos suficientes paraesclarec-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade aps aidentificao, salvo se outra hiptese recomendar a manuteno da medida.

    Observa-se, portanto, que, excepcionalmente(mesmo porque a priso preventiva s ser decretada quando no for cabvel a suasubstituio por outra medida cautelar, nos termos do art. 282), permite-se a priso

    preventiva mesmo em crime culposo e qualquer que seja a pena privativa de liberdadecominada . No seria mais necessria a demonstrao daqueles outros requisitos (garantiada ordem pblica ou econmica, convenincia da instruo criminal e aplicao da lei

    penal ) .

    Obviamente, mais uma vez no se observou oprincpio da proporcionalidade51, perfeitamente exigvel quando se trata de estabelecerrequisitos e pressupostos para a priso provisria; aqui, pode-se prender preventivamentequando, muito provavelmente, no haver aplicao de uma pena privativa de liberdadequando da sentena condenatria.

    Como ensina Alberto Bovino, no possvel quea situao do indivduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa j condenada, dizer, de proibir que a coero meramente processual resulte mais gravosa que a prpria

    pena. Em conseqncia, no se autoriza o encarceramento processual, quando, no casoconcreto, no se espera a imposio de uma pena privativa de liberdade de cumprimentoefetivo. Ademais, nos casos que admitem a privao antecipada da liberdade, esta no

    pode resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicvel. Se no fosse assim, oinocente se acharia, claramente, em pior situao do que o condenado. 52

    51 Como afirma Denilson Feitoza Pacheco, a importncia da afetao negativa causada pela medidacautelar pessoal deve estar justificada pela importncia da realizao do fim perseguido por essainterveno no direito fundamental. (O Princpio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal

    Brasileiro, Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2007, p. 261).52Apud Rogerio Schietti Machado Cruz, Priso Cautelar Dramas, Princpios e Alternativas, Rio deJaneiro: Lumen Juris, 2006, p. 100.

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    Entendemos, pois, incabvel a decretao dapriso preventiva naqueles casos, pois, no obstante o fato de ocorrer exclusivamenteem sede parlamentar a atuao do princpio da proporcionalidade, isso no significa queas disposies normativas penais no possam ser submetidas a um eventual controleconstitucional acerca da proporo nelas contidas. No apenas isto permitido, mas,

    acima de tudo, recomendvel quando alguma dvida houver neste sentido.53

    Com o mesmo entendimento, Gimeno Sendra,Moreno Catena e Corts Domnguez, advertem que las medidas cautelares sonhomogneas, aunque no idnticas, con las medidas ejecutivas a las que tienden a

    preordenar.54

    Segundo Humberto vila, um meio proporcional quando o valor da promoo do fim no for proporcional ao desvalor darestrio dos direitos fundamentais. Para analis-lo preciso comparar o grau deintensidade da promoo do fim com o grau de intensidade da restrio dos direitos

    fundamentais. O meio ser desproporcional se a importncia do fim no justificar aintensidade da restrio dos direitos fundamentais.55

    Antonio Scarance Fernandes:

    (...) Se o ru apenas pode ser consideradoculpado aps sentena condenatria transitada em julgado, a priso, antes disso, no

    pode configurar simples antecipao de pena, somente se justificando quando tivernatureza cautelar. Em suma, qualquer priso durante o processo, para no haver ofensaao princpio da presuno de inocncia, deve ter natureza cautelar e no pode significarantecipao de pena, pois esta, necessariamente, deve ocorrer de sentena condenatriatransitada em julgado.56

    O entendimento esposado decorre da incidncia doprincpio da homogeneidade, tratado com bastante propriedade por Paulo Rangel57:

    A homogeneidade da medida exatamente aproporcionalidade que deve existir entre o que est sendo dado e o que ser concedido.Exemplo: admite-se priso preventiva em um crime de furto simples? A resposta negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspenso condicional do processo. Segundo, sehouver condenao, no haver pena privativa de liberdade face possibilidade de

    substituio da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso,no haveria homogeneidade entre a priso preventiva a ser decretada e eventual

    condenao a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo bem maior doque aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando do seu trmino.

    Entendemos, em uma viso sistemtica do sistema penal como um todo, que, nos crimesde mdio potencial ofensivo, ou seja, aqueles que admitem a suspenso condicional do

    processo (cf. art. 89 da Lei 9.099/95,) no mais se admite priso cautelar.

    53 Maringela Gama de Magalhes Gomes, O Princpio da Proporcionalidade no Direito Penal, SoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 213.54 Derecho Procesal Penal, Madri: Editorial Colex, 3. ed., 1999, p. 475.55 Teoria dos Princpios, So Paulo: Malheiros, 4. ed., 2004, p. 131.56

    Processo Penal Constitucional. 4 edio, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 315.57 Direito Processual Penal.8a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 584 grifou-se

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    Em sentido convergente, o esclio de RobertoDelmanto Jnior58: Alis, a garantia constitucional de que o acusado no pode serconsiderado culpado antes de passada em julgado a condenao jamais poderia admitirinterpretao que acabasse por impor-lhe encarceramento com intensidade mais gravedaquele que lhe seria infligido caso ele fosse realmente considerado culpado.

    Vejamos a doutrina estrangeira, a comear porJulian Lopez Masle e Maria Ins Horvitz: (...) el principio de inocncia no excluye, de

    plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carcter personal durante elprocedimiento. En este sentido, instituiciones como la detencin o la prisin preventivaresultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar losefectos de la sentencia condenatria sino asegurar fines del procedimiento59

    Tambm Alberto M. Binder: J vimos que todasas medidas de coero penal so, em princpio, excepcionais. Dentro dessaexcepcionalidade, a utilizao da priso preventiva deve ser muito mais restringida e,

    para assegurar essa restrio devem ser considerados dois tipos de suposio. Emprimeiro lugar, no se pode aplicar a priso preventiva se no existe um mnimo deinformao que fundamente uma suspeita sobre limite essencial e absoluto: se no existe

    sequer uma suspeita racional e com fundamento de que uma pessoa possa ser autora deum fato punvel, de maneira nenhuma admissvel uma priso preventiva. Porm, esterequisito no suficiente. Por mais que se tenha uma suspeita com fundamentos,tampouco seria admitida constitucionalmente a priso preventiva se no houveremoutros requisitos, os chamados requisitos processuais. Estes se fundamentam em que a

    priso preventiva seja direta e claramente necessria para assegurar a realizao dojulgamento ou assegurar a imposio da pena.60

    No Brasil, Eugnio Pacelli de Oliveira afirma quese o efeito de preveno positiva diz respeito ao estmulo e renovao da confiana noDireito (Roxin), bem como na preservao da identidade normativa da comunidadejuridicamente organizada (Jakobs) abstrado o respectivo contedo do Direito, maspressuposta a sua legitimao -, a idia da evitao urgente e acautelatria dapermanncia de atividades criminosas pode ser um referencial para a compreenso desemelhante modalidade de priso.Obviamente, para impedir a prtica de delitos, em tese,j existe a proibio da Lei penal. Mas, isso, como bvio, apenas no plano abstrato.No evitada, porm, concretamente, h um lapso temporal absolutamente indispensvelpara a aplicao da sano correspondente, at por exigncia do citado devido processopenal, por meio do qual se buscar a comprovao da existncia material do crime e de

    sua autoria. Nesse passo, empiricamente demonstrada e, por isso, considerada apossibilidade de reincidncia delituosa, presente em todo o mundo ocidental e pelas maisvariadas razes alis, a questionar todo o universo punitivo (eficcia preventiva da

    pena, a privao da liberdade e tudo o mais) -, a previso de uma priso anterior condenao poder se instituir como vlida, para fins de garantia da ordem pblica,desde que delimitada rigorosamente a sua extenso.61

    58As Modalidades de Priso Provisria e Seu Prazo de Durao. 2a ed., So Paulo: Renovar, 2001, p. 218.59 Derecho Processual Penal Chileno, Tomo I, Santiago do Chile : Editorial Jurdica de Chile, 2003, p.83.

    60 Introduo ao Direito Processual Penal, Traduo de Fernando Zani, Rio de Janeiro : Editora Lumen

    Juris, 2003, p. 150.61 Regimes Constitucionais da Liberdade Provisria, Rio de Janeiro : Lumen Juris Editora, 2006, p. 65.

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    Vejamos a jurisprudncia:

    Imperioso observar a possveldesproporcionalidade de se atingir a liberdade pessoal do acusado, como custdiacautelar ante a bastante provvel aplicao de condenao final apenas restritiva de

    direitos. Ordem de habeas corpus concedida (TRF 3 R. - 5 T. HC 2008.03.00.050617-2 rel. Erik Gramstrup j. 02.02.2009 DJU 20.02.2009).

    Mesmo em caso de condenao, ao paciente, seraplicado regime menos severo do que aquele em que se encontra, sendo, portanto, amanuteno de sua segregao cautelar afronta ao princpio da homogeneidade. Diantedo deferimento de medidas protetivas em favor da vtima e da inexistncia de qualquerdos requisitos do art. 312 do Cdigo de Processo Penal, no h como manter a priso

    preventiva do paciente que, todavia, poder ser novamente decretada, nos termos do art.316 do mesmo diploma legal, se sobrevierem motivos ensejadores da espcie.Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida (TJMT 2 C. HC 115068/08

    rel. Paulo da Cunha j. 26.11.2008 DOE 10.11.2008).TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3

    REGIO - PRIMEIRA TURMA - 2006.03.00.073226-6 25097 HC-SP - RELATOR: DES.FED. LUIZ STEFANINI Uma vez fixado o regime aberto o caso de se aplicar oprincpio da proporcionalidade quanto priso cautelar no caso dos autos. As pacientesforam condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridasem regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juza a quo as substitudo por penasrestritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP. 2- A sentena transitou em julgado

    para o Ministrio Pblico conforme informao contida nos autos. Considerando-se aproibio da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trnsito em julgado

    da citada sentena para o Ministrio Pblico, a pena mxima prevista para o crime daspacientes no poder ser maior do que o j estipulado, nem o regime inicial decumprimento outro que no o aberto, no sendo nem mesmo possvel a revogao da

    substituio da penas por outras restritivas de direitos. 3- de se aplicar na hiptese oprincpio da proporcionalidade, no havendo que se falar em decretao da prisopreventiva.

    Vejamos este trecho do voto:

    (...)A Constituio Federal vigente, ao consagraro princpio da presuno de inocncia no inciso LVII de seu artigo 5, determinou

    grande restrio interpretativa chamada priso cautelar, na medida em que tornouexceo a segregao de um acusado antes do trnsito em julgado de sentenacondenatria. Este princpio deve tambm ser aplicado ao instituto da priso preventiva,que s ser admitida para fins processuais, jamais como forma de antecipao de pena,

    pelo que, para sua ocorrncia, devem estar preenchidos os requisitos do artigo 312 doCPP. Na consagrao do princpio da presuno de inocncia, vemos a preocupao dolegislador constituinte no resguardo de um direito dos mais importantes, fundamental acada cidado: a liberdade. Com efeito, deve o aplicador do direito ter em mente sempreo supremo valor dado pelo constituinte ao direito de liberdade do indivduo aointerpretar as normas legais, s consentindo em restringi-la quando profundamentenecessrio. Ora. Em decorrncia deste raciocnio, surge o princpio da

    proporcionalidade na aplicao da segregao cautelar. De acordo com este princpio, apriso cautelar (como so a priso preventiva, a priso em flagrante, etc.), que

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    expediente lesivo esfera jurdica do acusado ou investigado, na medida em que lherestringe a liberdade, no deve ser aplicada quando impossvel a privao da liberdadeno caso de eventual condenao, ainda que presentes os requisitos autorizadores. oque leciona, entre outros, Maurcio Zanoide de Moraes (in Cdigo de Processo Penal e

    sua Interpretao Jurisprudencial, v. 3, ed. Revista dos Tribunais, So Pulo, 2004, pg.

    208), a respeito da priso em flagrante:"Em outras situaes, caber ao julgador fazeressa anlise de necessidade e oportunidade em cada caso concreto: por exemplo, quandoverificar que infrao imputada quele agente haver, mesmo em caso de condenao,a substituio da pena privativa de liberdade eventualmente aplicvel por outra penarestritiva de direito e/ou multa.(...) No poder o juiz manter a priso em flagrante (nestecaso), sob pena de tornar o processo mais punitivo que a sano penal abstratamente

    prevista para o crime. Em termos ilustrativos: tornar os efeitos colaterais do remdio (apriso em flagrante) pior do que os efeitos da prpria doena (pena a ser imposta emeventual condenao futura)." Este entendimento, no h dvida, deve ser aplicado

    priso preventiva, no obstante a ausncia de disposio expressa neste sentido quanto aesta modalidade de priso cautelar, como a que existe quanto ao flagrante em delitos de

    menor potencial ofensivo (pargrafo nico do artigo 69 da Lei 9.099/95). o caso de seaplicar o princpio da proporcionalidade quanto priso cautelar nestes autos. As

    pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a seremcumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juza a quo as substitudo por

    penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP (sentena s fls. 16/40). Almdisso, transitou a sentena em julgado para o Ministrio Pblico em 31 de julho de 2006,conforme informao de fl. 69. Pois bem. Considerando-se a proibio da reformatio in

    pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trnsito em julgado da citada sentena para oMinistrio Pblico, a pena mxima prevista para o crime das pacientes no poder sermaior do que o j estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que no oaberto, no sendo nem mesmo possvel a revogao da substituio da penas por outrasrestritivas de direitos. Assim, pelo princpio da proporcionalidade, impossvel de faz adecretao de priso preventiva no caso em questo. Ante o exposto, meu voto pelaCONCESSO DA ORDEM.

    A 7 Turma do Tribunal Regional Federal da 4Regio concedeu habeas corpus aos presos na Operao Big Brother da Polcia Federal. Adefesa argumentou ainda que a pena para esses crimes seria provavelmente inferior aquatro anos, ou seja, os rus, ainda que condenados, teriam o benefcio de prestarem penaalternativa, em regime aberto, sendo desproporcional a manuteno da priso preventiva.Aps analisar o recurso, o Desembargador Nfi Cordeiro decidiu submeter o pedido 7.turma, que entendeu no haver mais necessidade da medida cautelar, decidindo, porunanimidade, conceder a ordem. (HC 2005.04.01.0011606-9/PR).

    Destarte, ser preciso muito cuidado dos Juzes aodecretarem a priso preventiva em crimes punidos com priso (recluso ou deteno) com

    pena mxima inferior ou igual a quatro anos, pois preciso que se faa uma interpretaosistemtica com o art. 282 do Cdigo, sendo prefervel optar-se por outra medida cautelarmenos gravosa.

    Por fim, tomou a lei o cuidado de lembrar aos Juzesque a deciso que decretar, substituir ou denegar a priso preventiva ser sempremotivada, advertncia, alis, absolutamente desnecessria, luz da exigncia j constanteno art. 93, IX da Constituio.

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    Igualmente, a priso preventiva em nenhum casoser decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticadoo fato nas condies previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Cdigo Penal(excludentes de ilicitude).

    V DA PRISO DOMICILIAR

    O novo Captulo IV passa a ter uma nova epgrafe Da Priso Domiciliar, espcie de medida cautelar consistente no recolhimento doindiciado ou acusado em sua residncia, s podendo dela ausentar-se com autorizao

    judicial. No se trata de novidade em nosso ordenamento jurdico, tendo em vista o art.117 da Lei de Execuo Penal62.

    Esta medida cautelar tambm (e no somente)poder servir como substitutiva da priso preventiva quando o agente for maior de oitentaanos (por que no se estabeleceu idade igual ou superior a sessenta anos, coerentementecom o sistema? Veja-se o disposto no art. 1., da Lei n. 10.741/2003 Estatuto doIdoso); quando estiver extremamente debilitado por motivo de doena grave; quando sua

    presena (fsica, moral ou psicolgica) for imprescindvel aos cuidados especiais depessoa menor de seis anos de idade (por que no se estabeleceu a idade at doze anosincompletos, tambm coerentemente com o sistema? Veja-se o disposto no art. 2., da Lein. 8.069/1990 Estatuto da Criana e do Adolescente) ou com deficincia, e, por fim, se

    for gestante a partir do stimo ms de gravidez ou sendo esta de alto risco. Estasubstituio da priso preventiva pela priso domiciliar somente ser deferida se houverprova idnea dos requisitos acima referidos, sendo um direito subjetivo pblico doindiciado ou acusado se preenchidas as exigncias legais, passvel de ser garantido pormeio de habeas corpus.

    Importante ressaltar, interpretando-se de maneiraconjugada os arts. 317 e 318 que a priso domiciliar no meramente uma medidacautelar substitutiva da priso preventiva, podendo ser determinada de maneira autnoma,consoante os requisitos gerais previstos no art. 282.63

    VI DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES

    Tambm com nova epgrafe est o Captulo V DasOutras Medidas Cautelares, englobando os arts. 319 e 320 e acabando definitivamente

    62 Art. 117 - Somente se admitir o recolhimento do beneficirio de regime aberto em residnciaparticular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de

    doena grave; III - condenada com filho menor ou deficiente fsico ou mental; IV - condenada gestante.63 Neste mesmo sentido, Pierpaolo Cruz Bottini, Medidas Cautelares Projeto de Lei 111/2008, in AsReformas no Processo Penal, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 482.

  • 7/31/2019 Comentarios Lei 12.403

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    com a previso legal (e inconstitucional) da priso administrativa. Neste Captulo estoprevistas outras medidas cautelares diversas da priso preventiva e da priso domiciliar.

    A primeira delas consiste no comparecimentoperidico em juzo, no prazo e nas condies fixadas pelo Juiz, para informar e justificar

    atividades. A segunda a proibio de acesso ou frequncia a determinados lugaresquando, por circunstncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecerdistante desses locais para evitar o risco de novas infraes. A terceira a proibio demanter contato com pessoa determinada quando, por circunstncias relacionadas ao fato,deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (esta medida ser cabvel,especialmente, quando se tratar de crime praticado contra a mulher em situao deviolncia domstica e familiar, contra descendentes, ascendentes, irmos etc.).

    A quarta trata da proibio de se ausentar daComarca quando a permanncia seja conveniente ou necessria para a investigao ouinstruo (aqui, preciso atentar para aqueles casos em que o indiciado ou ru trabalheem local muito prximo de seu domiclio, como nas regies metropolitanas das grandescidades; neste caso, impor esta medida, convenhamos, no nada razovel). Caso a

    proibio seja de se ausentar do Pas, a medida cautelar dever ser comunicada pelo juizs autoridades encarregadas de fiscalizar as sadas do territrio nacional, intimando-se oindiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de vinte e quatro horas.

    A quinta o recolhimento domiciliar no perodonoturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residncia e trabalhofixos (aqui no se trata exatamente de uma medida cautelar privativa da liberdade, como a

    priso cautelar, mas sim restritiva da liberdade).

    A sexta consiste na suspenso do exerccio defuno pblica ou de atividade de natureza econmica ou financeira quando houver justoreceio de sua utilizao para a prtica de infraes penais. Evidentemente que esta medidaacautelatria deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administrao

    pblica, contra a ordem econmico-financeira, fiscais, previdencirios ou contra aeconomia popular.

    Igualmente a internao provisria do acusado podeser decretada nas hipteses de crimes praticados com violncia ou grave ameaa, quandoos peritos conclurem ser inimputvel ou semi-imputvel (art. 26 do Cdigo Penal) e

    houver risco de reiterao (risco concretamente demonstrado e no meramentepresumido, mesmo porque a nica presuno admitida pela Constituio a deinocncia). Portanto, preciso que fique claro na deciso o periculum liberta