Comentário Canção do Exílio às Avessas

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Comentário sobre o poema CANÇÃO DO EXÍLIO ÀS AVESSAS, de Jô Soares O poema ‘Canção do Exílio às Avessas’, de Jô Soares é uma paródia do poema ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias. Para bem compreendê-lo, é preciso conhecer tanto o poema que lhe serviu de inspiração, como o contexto histórico-político a que se refere. Pretendemos tratar de cada um desses pontos nos parágrafos que seguem. O poema ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias, fala da condição do exilado que sente saudade de sua terra natal e a ela pretende retornar. Em todo o poema, o autor compara o lugar que se encontra com o seu lugar de origem; este último, sempre exageradamente exaltado. A paródia de Jô Soares, no entanto, faz exatamente o contrário: através da ironia, figura de linguagem recorrente em paródias, a situação é revertida, ou seja, o eu-lírico aqui enaltece o lugar que se encontra no presente e demonstra não desejar retornar à sua terra natal. Neste aspecto, o título do poema é bastante ilustrativo e adequado – ‘Canção do Exílio às Avessas’ (grifo nosso). Neste poema, o eu-lírico faz uma contraposição entre o luxo e a exuberância do local que se encontra agora e sua terra natal, caracterizada como pobre. A terra natal em questão é Maceió, capital de Alagoas; e a residência atual é a ‘Casa da Dinda’, em Brasília. Já no poema de Gonçalves Dias, apesar de não encontrarmos expressamente os nomes dos lugares sobre os quais o eu-lírico fala, acredita-se que sejam Portugal e Brasil, este último, sua terra natal que lhe traz saudade. O contexto que a ‘Canção do Exílio às Avessas’ se refere é um momento muito particular da história política brasileira. Trata-se do período em que Fernando Collor de Melo foi presidente do Brasil (1990-1992). Seu mandato foi marcado por fraudes e

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Comentário Canção do Exílio às Avessas - Jô Soeares - Paloma Freire UFPB

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Comentário sobre o poema CANÇÃO DO EXÍLIO ÀS AVESSAS, de Jô Soares

O poema ‘Canção do Exílio às Avessas’, de Jô Soares é uma paródia do poema

‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias. Para bem compreendê-lo, é preciso conhecer

tanto o poema que lhe serviu de inspiração, como o contexto histórico-político a que se

refere. Pretendemos tratar de cada um desses pontos nos parágrafos que seguem.

O poema ‘Canção do Exílio’, de Gonçalves Dias, fala da condição do exilado

que sente saudade de sua terra natal e a ela pretende retornar. Em todo o poema, o autor

compara o lugar que se encontra com o seu lugar de origem; este último, sempre

exageradamente exaltado. A paródia de Jô Soares, no entanto, faz exatamente o

contrário: através da ironia, figura de linguagem recorrente em paródias, a situação é

revertida, ou seja, o eu-lírico aqui enaltece o lugar que se encontra no presente e

demonstra não desejar retornar à sua terra natal. Neste aspecto, o título do poema é

bastante ilustrativo e adequado – ‘Canção do Exílio às Avessas’ (grifo nosso).

Neste poema, o eu-lírico faz uma contraposição entre o luxo e a exuberância do

local que se encontra agora e sua terra natal, caracterizada como pobre. A terra natal em

questão é Maceió, capital de Alagoas; e a residência atual é a ‘Casa da Dinda’, em

Brasília. Já no poema de Gonçalves Dias, apesar de não encontrarmos expressamente os

nomes dos lugares sobre os quais o eu-lírico fala, acredita-se que sejam Portugal e

Brasil, este último, sua terra natal que lhe traz saudade.

O contexto que a ‘Canção do Exílio às Avessas’ se refere é um momento muito

particular da história política brasileira. Trata-se do período em que Fernando Collor de

Melo foi presidente do Brasil (1990-1992). Seu mandato foi marcado por fraudes e

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corrupção, e terminou com sua renúncia, motivada por um pedido de impeachment

demandado por toda a sociedade brasileira. O poema faz algumas referências claras a

este período histórico que merecem comentários mais detalhados, como vemos a seguir.

Já no primeiro verso do poema, encontra-se a palavra ‘Dinda’. Caso se trate de

um leitor pouco familiarizado com o momento político, dificilmente perceberá tão cedo

do que se trata, mas esta primeira referência já remete o leitor ao contexto desejado.

‘Casa da Dinda’ é o nome pelo qual ficou conhecida a mansão em que o ex-presidente

Collor morou durante seu mandato. Tendo recusado morar nas residências oficiais,

justificando ser esta uma prática de ‘marajás’, o ex-presidente optou por morar na

mansão propriedade de sua família em Brasília. Curioso o fato que, diante de uma

justificativa tão nobre para rejeitar a Granja do Torto e o Palácio da Alvorada, o ex-

presidente tenha empregado verba pública em sua propriedade privada com artefatos

assaz luxuosos. Na verdade, o poema trata essencialmente disso: em todas as estrofes

encontramos menções à opulência encontrada na famosa Casa da Dinda; como, por

exemplo, as cascatas, o heliporto, os jardins, a piscina, as cachoeiras, os lagos de água

mineral para carpas, as palmeiras, etc. (percebe-se aqui que a lista é extensa).

Outra importante referência ao contexto político encontrada no poema é o nome

de PC Farias, tesoureiro da campanha do ex-presidente, e principal acusado das

corrupções que envolveram o mandato de Collor de Melo. Encontramos a citação nos

versos finais do poema:

“E depois de ser cuidado

Pelo PC com xodó

Não permita Deus que eu tenha

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De voltar pra Maceió.”

Formalmente, o poema apresenta semelhanças e diferenças com relação ao

poema base. Difere, por exemplo, no número de estrofes e no número de versos em cada

estrofe. Na ‘Canção do Exílio’, tem-se três quadras e duas sextilhas; já na ‘Canção do

Exílio às Avessas’, tem-se sete oitavas. Assemelha-se quanto ao número de sílabas

poéticas: em ambos os poemas os versos são heptassílabos.

A canção do exílio de Gonçalves Dias apresenta rimas oxítonas terminadas em

“a”, a exemplo de ‘sabiá’, ‘lá’, ‘cá’; enquanto que a canção do exílio de Jô Soares

apresenta rimas oxítonas terminadas em “o”: ‘curió’, ‘Maceió’, ‘Marajó’, ‘cocoricó’,

‘cipó’, ‘paletó’, ‘só’, ‘dó’, ‘avó’, ‘pão-de-ló’, ‘pó’, ‘xodó’. Outra comparação entre os

poemas é a imagem recorrente de pássaros, sendo no primeiro ‘sabiá’, e no segundo

‘curió’.

Pode-se dizer que o poema ‘Canção do Exílio às Avessas’ é um protesto político

feito, sobretudo, com bom humor. A forma de poema utilizada pelo autor para protestar

desperta a atenção das pessoas e o eterniza.