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Didactica Magna (1621-1657) Iohannis Amos Comenius (1592-1670) Verso para eBook eBooksBrasil.com Fonte Digital Digitalizao de Didctica Magna Introduo, Traduo e Notas deJOAQUIM FERREIRA GOMES

Copyright: 2001 FUNDAO CALOUSTE GULBENKIAN [Nota de Copyright]

NDICENota do Editor Didtica Magna Saudao aos Leitores A todos aqueles de presidem as coisas humanas Utilidade da Arte Didtica Assuntos dos Captulos Notas do Tradutor

Nota do EditorDeixo que o prprio Autor justifique a presente edio em eBook de sua obra: "16. Dai nasceu este meu tratado, onde o tema , assim o espero, desenvolvido mais longamente e mais claramente do que nunca o foi at ao presente. Escrito inicialmente em vernculo, para uso do meu povo, sai

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agora, a conselho de alguns homens eminentes, vertido em latim, para que, se possvel, aproveite a todos. 17. Com efeito, a caridade manda que o que Deus manifestou para salvao do gnero humano (assim fala o eminente Lubin da sua Didtica, se no esconda dos mortais, mas se manifeste a todo o mundo. Efetivamente, da natureza de todos os bens (continua o mesmo Lubin) que sejam comunicados a todos; e quanto mais a riqueza e se pe em comum, tanto melhor e tanto mais cabe a todos. 18. tambm uma lei de humanidade que, se se conhece qualquer meio de ir em auxilio do prximo para o tirar das suas dificuldades, no se deve hesitar; sobretudo quando se trata, no de um homem s, mas de muitos, e no apenas de muitos homens, mas de muitas cidades, provncias e reinos e, digo at, do gnero humano inteiro, como o caso presente." E ainda: 15. Peo tambm e suplico, em nome de Deus, que nenhum douto despreze estas coisas, pelo fato de virem de um homem menos instrudo que ele. Na verdade, s vezes, mesmo um campons diz coisas muito oportunas, e talvez o que tu no sabes o saiba um burrinho, como disse Crsipo. E Cristo disse tambm: O esprito sopra onde quer; e tu ouves a sua voz, mas no sabes de onde ele vem, nem para onde vai. Juro diante de Deus que no fui movido a fazer estas coisas, nem pela confiana na minha inteligncia, nem pela sede da fama, nem pela esperana de da tirar algum proveito pessoal; mas o amor de Deus e o desejo de tornar melhores as coisas dos homens, pblicas e particulares, estimula-me de tal maneira que no posso deixar envolto no silncio aquilo que um oculto instinto me sugere constantemente. Se algum, portanto, podendo fazer andar para a frente os nossos desejos, os nossos votos, as nossas advertncias e os nossos esforos, em vez disso, lhes faz resistncia e os combate, saiba que declarar guerra, no a ns, mas a Deus, sua conscincia e natureza humana que quer que os bens pblicos sejam comuns, de direito e de fato. O mesmo esprito que moveu o Autor a escrever, o tradutor traduo e a Fundao Calouste Gulbenkian a public-la em papel, nos moveu nesta verso para eBook. E, tenho certeza, Comenius, to entusiasmado pela imprensa, teria adorado os eBooks, pelo que potencializam das oportunidades que to bem apontou em sua obra. Na presente verso para eBook, feita antes de tudo visando o leitor brasileiro, apenas a ortografia foi abrasileirada; convervmos, contudo, os acentos diacrticos do pretrito, nem que seja pela clareza, mas sobretudo como sugesto para uma futura reforma ortogrfica. No constam desta verso a magnfica Introduo de Joaquim Ferreira Gomes, nem as ilustraes e, com certeza, por se tratar de texto processado por OCR, apesar de duas revises, no tem a correo da obra impressa. E a verso mais completa, em eBook, a em eBoolPro. Minha busca pelas livrarias virtuais brasileiras resultou em nada, mas recomenda-se aos estudiosos que se dirijam ao website da Fundao Calouste Gulbenkian [http://www.gulbenkian.pt/] para verificar da disponibilidade da obra, que tambm poder, com certeza, ser encontrada nas boas bibliotecas das boas Faculdades. Sobre a Fundao Calouste Gulbenkian:

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A Fundao Calouste Gulbenkian uma instituio portuguesa de direito privado e utilidade pblica, cujos fins estatutrios so a Educao, a Cincia, a Beneficncia (Sade e Proteo Social) e as Artes. Criada por disposio testamentria de Calouste Sarkis Gulbenkian, os seus estatutos foram aprovados em 1956. A Fundao tem a sua sede em Lisboa. Na prossecuo dos seus fins estatutrios a Fundao promove e apoia a realizao de exposies, cursos, encontros e colquios, concertos, ciclos de espetculos dos mais variados gneros; atribui subsdios a projetos, concede bolsas de estudo, apoia programas de natureza cientfica, educacional e artstica tanto em Portugal como no estrangeiro. So importantes os projetos de cooperao com os pases africanos lusfonos e tambm, desde 1999, em Timor-Lorosae (Servio da Cooperao para o Desenvolvimento), os de preservao dos testemunhos da presena portuguesa no mundo e os de divulgao da cultura portuguesa no estrangeiro (ambos no mbito da ao do Servio Internacional), bem como os de apoio dispora armnia (Servio das Comunidades Armnias). A Fundao mantm em todo o Pas um conjunto de bibliotecas. Na rea de interveno do Servio de Sade e Proteo Social relevante a sua ao junto dos hospitais portugueses. No campo das edies, a Fundao desenvolve uma intensa atividade (principalmente atravs do Servio de Educao e Bolsas). O leitor est cordialmente convidado a visitar o website da Fundao, para conhecer um pouco mais dos relevantes servios por ela prestados a Portugal, aos pases de lngua portuguesa e humanidade. Sobre o Tradutor: O Professor Doutor Joaquim Ferreira Gomes, da Faculdade de Letras de Coimbra e de tantas outras instituies, nome que dispensa apresentao para os educadores brasileiros. Para conhec-lo melhor, e surpreender-se com suas contribuies para o conhecimento humano, basta uma rpida pesquisa no Google, no Sapo, ou qualquer outra ferramenta de busca. Recomendamos, ainda, a leitura do Ensaios em Homenagem a Joaquim Ferreira Gomes, publicado em Setembro de 1998, por ocasio do seu jubileu acadmico. Tratase da coletnea de artigos escritos por alguns dos seus antigos alunos, por colegas e amigos de vrias Universidades portuguesas e estrangeiras, em reconhecimento do contributo muito significativo que deu para o desenvolvimento da Psicologia e das Cincias da Educao em Portugal. E no apenas a Portugal! Ns, no Brasil, lhe devemos muito, muito, inclusive a maravilhosa traduo da obra que voc vai ler.

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COMENIUS DIDTICA MAGNATratado da Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos ou Processo seguro e excelente de instituir, em todas as comunidades de qualquer Reino cristo, cidades e aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ningum em siveiarte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser, nos anos da puberdade, instruda em tudo o que diz respeito vida presente e futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez. Onde os fundamentos de todas as coisas que se aconselham so tirados da prpria natureza das coisas; a sua verdade demonstrada com exemplos paralelos das artes mecnicas; o curso dos estudos distribudo por anos, meses, dias e horas; e, enfim, indicado um caminho fcil e seguro de pr estas coisas em prtica com bom resultado. A proa e a popa da nossa Didtica ser investigar e descobrir o mtodo segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho intil, e, ao contrrio, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais slido progresso; na Cristandade, haja menos trevas, menos confuso, menos dissdios, e mais luz, mais ordem, mais paz e mais tranqilidade. Que Deus tenha piedade de ns e nos abenoe! Faa brilhar sobre ns a luz da sua face e tenha piedade de ns! Para que sobre esta terra possamos conhecer o teu caminho, Senhor, e a tua ajuda salutar a todas as gentes (Salmo 66, 1-2).

SAUDAO AOS LEITORES1. Didtica significa arte de ensinar. Acerca desta arte, desde h pouco tempo, alguns homens eminentes, tocados de piedade pelos alunos condenados a rebolar o rochedo de Ssifo, puseram-se a fazer investigaes, com resultados diferentes. 2. Alguns esforaram-se por arranjar compndios apenas para ensinar mais facilmente, esta ou aquela lngua. Outros procuraram encontrar os mtodos mais breves para ensinar, mais rapidamente, esta ou aquela cincia ou arte. Outros fizeram outras tentativas. Quase todos por meio de algumas observaes externas recolhidas com o mtodo mais fcil, ou seja, com o mtodo prtico, isto , a posteriori, como lhe chamam. 3. Ns ousamos prometer uma Didtica Magna, isto , um mtodo universal de

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ensinar tudo a todos. E de ensinar com tal certeza, que seja impossvel no conseguir bons resultados. E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer para uns e para outros. E de ensinar solidamente, no superficialmente e apenas com palavras, mas encaminhando os alunos para uma verdadeira instruo, para os bons costumes e para a piedade sincera. Enfim, demonstraremos todas estas coisas a priori, isto , derivando-as da prpria natureza imutvel das coisas, como de uma fonte viva que produz eternos arroios que vo, de novo, reunir-se num nico rio; assim estabelecemos um mtodo universal de fundar escolas universais. 4. Na verdade, a promessa que fazemos enorme e corresponde a um desejo muito vivo, mas podemos facilmente imaginar que haver pessoas que nela vero mais um sonho que um propsito fundado na realidade. No entanto, quem quer que tu sejas, leitor, suspende o teu juzo, at que tenhas conhecido a substncia das coisas; ento ters a liberdade, no somente de julgar, mas tambm de te pronunciares. Com efeito, eu no desejo, para no dizer que no ambiciono, arrastar ningum, com os artifcios da persuaso, a dar o seu assentimento a uma coisa que no oferece qualquer certeza. Mas, com toda a alma, advirto, exorto e suplico, a quem quer que olhe o nosso trabalho, que nele fixe o seu prprio olhar e que o fixe com toda a sua penetrao, pois o nico meio de se no deixar perturbar pelas opinies fascinantes de outrem. 5. O assunto realmente da mais sria importncia e, assim como todos devem augurar que ele se concretize, assim tambm todos devem examin-lo com bom senso, e todos, unindo as suas prprias foras, o devem impulsionar, pois dele depende a salvao de todo o gnero humano. Que presente mais belo e maior podemos ns oferecer Ptria que o de instruir e educar a juventude, principalmente quando, pelos costumes e pelas condies dos tempos atuais, a juventude, como diz Ccero [1], entrou num tal caminho que, com os esforos de todos, deve ser travada e refreada? Filipe Mclanchton, com efeito, escreveu que a educao perfeita da juventude coisa um pouco mais difcil que a tomada de Tria [2]. E S. Gregrio Nazianzeno pensa da mesma maneira quando diz:

isto , a arte das artes est em formar o homem, o qual o mais verstil e o mais complexo de todos os animais [3]. 6. Ensinar a arte das artes , portanto, um trabalho srio e exige perspiccia de juizo, e no apenas de um s homem, mas de muitos, pois um s homem no pode estar to atento que lhe no passem desapercebidas muitssimas coisas. 7. por isso que, com razo, peo aos meus leitores, mais ainda, em nome da salvao do gnero humano, suplico a todos aqueles que tiverem ocasio de lanar um olhar sobre a minha obra: primeiro, que no imputem presuno o fato de ter havido algum que, no apenas tenha tentado, mas ousado prometer levar a bom termo to grande empresa, pois esta foi empreendida com um objetivo salutar. Segundo, que no desesperem se a experincia no resultar logo ao primeiro ensaio, e no der completamente os resultados desejados. necessrio, com efeito, que primeiro germinem as sementes das coisas; estas viro a seguir, gradualmente, segundo a sua natureza. Por mais imperfeita que seja a minha tentativa e no chegue a atingir o objetivo que eu me havia proposto, o meu exemplo trar, todavia, ao menos, a prova de que foi percorrida uma longa etapa que jamais havia sido percorrida e que o cume a escalar est mais prximo que at aqui. Enfim, peo aos meus leitores que prestem ateno, sejam corajosos e julguem com liberdade e perspiccia, como convm nas

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coisas da mxima importncia. Dito isto, meu dever, por um lado, indicar em poucas palavras aquilo que me proporcionou a ocasio de empreender este trabalho, e, por outro lado, resumir as principais caractersticas das novidades que ele contm, antes de o entregar, com inteira confiana, boa f e s ulteriores investigaes de todos aqueles que julgam com sensatez. 8. Esta arte de ensinar e de aprender, levada ao ponto de perfeio que parece agora esforar-se por atingir, foi, em boa parte, desconhecida nos sculos passados e, por esse fato, os estudos e as escolas curvavam ao peso de fadigas e de caprichos, de hesitaes e de iluses, de erros e de faltas, de tal maneira que apenas podiam adquirir, fora de lutar, uma instruo slida, aqueles que tinham a felicidade de possuir uma inteligncia divina. 9. Mas, desde h algum tempo, Deus comeou a propiciar-se do sculo nascente, verdadeiramente novo, direi quase uma aurora, e suscitou, na Alemanha, alguns homens de bem que, desgostosos com a confuso dos mtodos utilizados nas escolas, se puseram a investigar um mtodo mais curto e mais fcil para ensinar as lnguas e as artes; depois dos primeiros vieram outros, e precisamente por isso alguns obtiveram sucesso maior que outros, como se revela evidente pelos livros e ensaios didticos por eles publicados. 10. Quero referir-me a Ratke [4], Lubin [5], Helwig [6], Ritter [7], Bodin [8], Glaum [9], Vogel [10], Wolfstirn [11] e quele que deveria ser nomeado entre os primeiros, Joo Valentim Andrea [12] (o qual, assim como ps a claro os males da Igreja e do Estado, assim tambm, aqui e alm, nos seus escritos puros como ouro, mostrou os males das escolas e, em vrios lugares, indicou os remdios), e a outros, se os h, os quais nos so ainda desconhecidos. A prpria Frana comeou a rebolar esse rochedo, quando Jean-Ccile Frey [13] publicou, em Paris, em 1629, uma excelente didtica, sob o ttulo Novo e rapidssimo mtodo que conduz s cincias divinas, s artes, s lnguas e aos discursos improvisados. 11. Tendo-se-me apresentado a ocasio de toda a parte, pus-me a ler os livros desses escritores; e se dissesse quanto prazer experimentei e como foram grandementc aliviadas as dores em mim provocadas pela runa da minha ptria e pelo triste estado de toda a Germnia, ningum me acreditaria. Comecei, na verdade, a esperar que a Providncia divina no fazia coincidir em vo todos esses infortnios, uma vez que, runa das velhas escolas correspondia, ao mesmo tempo, a ecloso de escolas novas no quadro de projetos novos. Com efeito, quem projeta construir um novo edifcio comea habitualmente por aplanar o terreno, indo at demolio do velho edifcio, pouco cmodo e a ameaar runa. 12. Este pensamento despertava em mim uma bela esperana acompanhada de um doce prazer; mas, a seguir, apercebi-me de que, pouco a pouco, a esperana se dilua, uma vez que, querendo desentulhar o terreno completamente, de baixo at cima, julgava no ser capaz de to grande empresa. 13. Por isso, desejando possuir informaes mais completas sobre certos pontos e dar a minha opinio sobre alguns outros, escrevi a um, a um outro e depois a um terceiro dos autores atrs citados, mas em vo, pois, por um lado, quase todos guardaram ciosamente segredo a respeito das suas descobertas e, por outro lado, as minhas cartas foram-me devolvidas sem resposta, porque os destinatrios eram desconhecidos no endereo indicado. 14. S um deles, o eminente J. V. Andrea, me respondeu, dizendo que, de bom grado, me daria quaisquer esclarecimentos, e encorajando a ousadia do meu empreendimento. Foi assim que, picado, por assim dizer, pela espora, me pus de novo a pensar mais

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freqentemente neste trabalho e que, finalmente, um ardente amor do bem pblico me obrigou a tentar a empresa, comeando pelos fundamentos. 15. Postas, portanto, de lado as descobertas, as opinies, as observaes e as advertncias dos outros, decidi-me a refazer tudo por mim mesmo e a examinar o assunto e a procurar as causas, os mtodos, os processos e os fins daquilo que, com Tertuliano [14], chamamos, se isso nos licito, aprendizagem (discentia). 16. Dai nasceu este meu tratado, onde o tema , assim o espero, desenvolvido mais longamente e mais claramente do que nunca o foi at ao presente. Escrito inicialmente em vernculo, para uso do meu povo, sai agora, a conselho de alguns homens eminentes, vertido em latim, para que, se possvel, aproveite a todos. 17. Com efeito, a caridade manda que o que Deus manifestou para salvao do gnero humano (assim fala o eminente Lubin da sua Didtica [15], se no esconda dos mortais, mas se manifeste a todo o mundo. Efetivamente, da natureza de todos os bens (continua o mesmo Lubin) que sejam comunicados a todos; e quanto mais a riqueza e se pe em comum, tanto melhor e tanto mais cabe a todos. 18. tambm uma lei de humanidade que, se se conhece qualquer meio de ir em auxilio do prximo para o tirar das suas dificuldades, no se deve hesitar; sobretudo quando se trata, no de um homem s, mas de muitos, e no apenas de muitos homens, mas de muitas cidades, provncias e reinos e, digo at, do gnero humano inteiro, como o caso presente. 19. Se, todavia, houver algum esprito to impertinente que pense que coisa estranha vocao de um telogo estudar os problemas escolares, saiba que esse escrpulo pesou to fortemente sobre o meu corao a ponto de o fazer sangrar. Apercebi-me, porm, de que no poderia libertar-me dele de outra maneira seno prestando homenagem a Deus e pedindo publicamente conselho a todos acerca de tudo aquilo que uma intuio divina me sugeriu. 20. Deixai-me, almas crists, falar-vos com toda a confiana! Quem me conhece muito de perto sabe muito bem que sou homem de fraca inteligncia e quase de nenhuma instruo; e sabe tambm que choro os infortnios da nossa poca e desejo vivamente suprir, se isso possvel, quer com as minhas invenes, quer com as dos outros (todas as invenes derivam, de resto, do nosso bom Deus), a tudo o que nos falta de mais importante. 21. Se, portanto, encontrei agora alguma boa idia, ela no deve ser minha, mas dAquele que costuma obter louvores da boca das crianas [16], e que, para se mostrar de fato fiel, veraz e benigno, d a quem pede, abre a quem bate e oferece a quem procura (Luc., II, 9), porque at ns cumulamos de dons aqueles por quem deles fomos tambm cumulados. O meu Cristo sabe que tenho um corao to simples que no h para mim diferena alguma entre ensinar e ser ensinado, advertir e ser advertido, entre ser mestre dos mestres (se me lcito falar assim) e discpulo dos discpulos (se acaso posso esperar algum progresso). 22. Por isso, as observaes que o Senhor me concedeu fazer, eis que as ponho em pblico e em comum com todos. 23. Se algum encontrar melhor, faa o mesmo, para no ser acusado pelo Senhor de colocar os seus dinheiros no cofre e de os esconder, pois o Senhor quer que os seus servos negoceiem, para que os dinheiros de cada um deles, postos no banco, rendam outros dinheiros (Luc., 19).

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lcito, foi lcito e sempre ser lcito procurar as coisas grandes. E nunca ser em vo o trabalho comeado em nome do Senhor.

A TODOS AQUELES QUE PRESIDEM S COISAS HUMANAS, AOS MINISTROS DE ESTADO, AOS PASTORES DAS IGREJAS, AOS DIRETORES DAS ESCOLAS, AOS PAIS E AOS TUTORES, SEJA DADA A GRAA E A PAZ DE DEUS, PAI DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, NO ESPRITO SANTO

As duas mais excelentes obras da criao: o paraso e o homem. 1. Deus, no princpio do mundo, criou o homem, plasmando-o com a terra, e colocou-o num paraso de delcias, por Ele plantado no Oriente, no s para que o guardasse e cultivasse (Gnesis, 2, 15), mas tambm para que ele prprio fosse para o seu Deus um jardim de delcias. Comparao entre o homem e o paraso. 2. Na verdade, assim como o paraso era a parte mais amena do mundo, assim o homem era a mais amada das criaturas. O paraso foi plantado a Oriente; o homem, imagem dAquele que teve origem desde o princpio, desde os dias da eternidade. No paraso, cresceram todas as plantas belas para serem vistas, e deliciosas para serem comidas, escolhidas entre todas aquelas que estavam espa1hadas, aqui e alm, por toda a terra; no homem, foram acumulados, por assim dizer, como num s monte, todos os elementos do mundo, todas as formas e todos os graus das formas, para que manifestasse toda a arte da divina sabedoria. O paraso tinha a rvore da cincia do bem e do mal; o homem tem a mente para distinguir e a vontade para escolher o que existe de bem ou de mal. No paraso, existia a rvore de vida; no homem, existe tambm a rvore da imortalidade, ou seja, a sabedoria de Deus, a qual colocou no homem razes eternas (Eclesistico, I, 16). Desse lugar de delcias, saa um rio, que regava o paraso e depois se dividia em quatro ramos principais (Gnesis, 2, 10); no corao do homem, confluem vrios dons do Esprito Santo, que vo irrig-lo, e depois, do seu seio, brotam rios de gua viva (S. Joo, 7, 38), isto , no homem e por obra do homem, difunde-se, de vrios modos, a sabedoria de Deus, como rios que se derramam em todas as direes. Isto atestado tambm pelo Apstolo, quando afirma que, por meio da Igreja, se torna manifesta aos principados e s potestades dos cus a multiforme sabedoria de Deus (Efsios, 3, 10). 3. Verdadeiramente, portanto, cada homem para o seu Deus um paraso de delcias, se se mantm no lugar que lhe foi marcado. De modo semelhante, tambm a Igreja, que a comunidade de todos os homens consagrados a Deus, , muitas vezes, comparada, na Sagrada Escritura, ao paraso, ao jardim e vinha de Deus. Perda de ambos os parasos 4. Mas que desventura foi a nossa! Estvamos no paraso das delcias corporais, e perdemo-lo; e, ao mesmo tempo, perdemos o paraso das delcias espirituais, que ramos

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ns mesmos. Fomos expulsos para as solides da terra, e tornamo-nos ns prprios uma solido e um autntico deserto escuro e esqulido. Com efeito, fomos ingratos para com aqueles bens, dos quais, no paraso, Deus nos havia cumulado com abundncia relativamente alma e ao corpo; merecidamente, portanto, fomos despojados de uns e de outros, e a nossa alma e o nosso corpo tornaram-se o alvo das desgraas. Deus lamenta-se disso. 5. Acerca destes fatos, ouamos um profeta, que fala alegoricamente a um rei de Tiro, soberbo e condenado a ser punido pela sua soberba: Tu vivias no meio das delcias do paraso de Deus; e o teu vestido estava ornado de toda a casta de pedras preciosas: o srdio, o topzio, o jaspe, o crislito, a cornelina, o berilo, a safira, o carbnculo, a esmeralda, juntamente com objetos de ouro. Tmpanos e gaitas de foles foram preparados, no dia em que foste feito rei, para tocarem em tua honra. Tu eras um querubim e por isso te ungi como protetor (senhor das outras criaturas); por isso te fiz chefe; vivias no monte santo de Deus e caminhavas no meio de pedras preciosas incessantemente flamejantes. Andando pelos teus caminhos, eras perfeito desde o dia da tua assuno ao reino, at que foi encontrada em ti a iniquidade! Na multido das tuas traficncias, as tuas vsceras encheram-se de iniquidade e cometeste pecados. Por isso te expulsei do monte de Deus, te entreguei runa, etc. Quando o teu corao se encheu de soberba com a tua magnificncia, tu perdeste a sabedoria, e eu lancei-te por terra, etc. (Ezequiel, 28, 12 e ss.). Num momento da sua justa indignao, lanou-nos por terra e expulsounos, e assim, embora fssemos como um jardim do den, doravante tornamo-nos como uma solido do deserto. Reconquista do nosso paraso por meio da graa de Deus. 6. Seja glorificado e louvado e honrado e bendito para sempre o nosso misericordioso Deus que, embora nos tenha abandonado por um certo tempo, todavia, no nos deixou na solido eternamente; pelo contrrio, manifestando a sua sabedoria, mediante a qual delineou o cu e a terra e todas as outras coisas, com a sua misericrdia fortificou, de novo, o seu abandonado paraso, ou seja, o gnero humano; e assim, com o machado e a serra e a foice da sua lei, cortadas pelo p e podadas as rvores meio mortas e secas do nosso corao, a plantou novos rebentos escolhidos no paraso celeste; e para que estes pudessem pegar e crescer, irrigou-os com o seu prprio sangue, e nunca mais deixou de os regar com vrios dons do seu Esprito Santo, que so como que arroios de gua viva; e mandou tambm os seus operrios, jardineiros espirituais, a tratar com cuidado fiel a nova plantao de Deus. Efetivamente, assim fala Deus a Isaas e, na pessoa dele, a outros: Pus as minhas palavras na tua boca e protegi-te com a sombra da minha mo, para que plantes os cus e fundes a terra e digas a Sio: o meu povo s tu (Isaas, 51, 16). A Igreja reverdece o paraso. 7. Verdeja, portanto, outra vez, o jardim da Igreja, delcia do corao divino, como de novo diz Isaas (51, 3): O Senhor consolar, pois, Sio, e consolar todas as suas runas; e transformar o seu deserto num lugar de delcias e a sua solido num jardim do Senhor. Ai haver gozo e alegria, ao de graas e vozes de louvor. E em Salomo: Jardim completamente fechado, irm minha, minha esposa; jardim completamente fechado, fonte selada. As tuas plantas formam um jardim de delcias cheio de toda a qualidade de roms, de frutos de cipre e de nardo, etc. (Cntico dos Cnticos, 4, 1213). Responde-lhe a esposa, a Igreja: Tu, a fonte dos jardins, o poo das guas vivas, que com mpeto correm do Lbano! Levanta-te, aquilo, e vem tu, vento do meio-dia, assopra de todos os lados no meu jardim, e espalhem-se os seus aromas. Que o meu amado venha para o jardim e coma as suas frutas preciosas (Ibid., 15, 16 e 17).

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Com o andar do tempo, porm, as plantas murcham. 8. Mas, verdadeiramente, esta nova plantao teve um sucesso correspondente s esperanas nela depositadas? Todos os rebentos crescem bem? Todas as rvores as plantas da nova plantao produzem nardo e aafro, ou mirra, ou aromas, ou frutos preciosos? [1]. Ouamos a voz de Deus, que fala sua Igreja: Eu plantei-te, vinha, com sarmentos todos de boa qualidade. Como, pois, degeneraste para mim, convertendo-te em vinha bastarda? (Jeremias, 2, 21). Eis Deus que se lamenta, dizendo que tambm esta nova plantao se abastardou! Queixas de Deus e dos homens sbios acerca deste assunto. 9. A Sagrada Escritura est cheia de queixas semelhantes: esto cheios de todo o gnero de confuso os olhos de todos aqueles que alguma vez se dispuseram a examinar as condies humanas e tambm as da Igreja. O mais sbio dos homens, Salomo, refletindo profundamente em tudo o que acontece sob o sol, mesmo nas coisas por ele mesmo pensadas, ditas e feitas, comeou a deplorar que nunca se lhe apresentasse mente outra coisa seno vaidade e desordem; que as perversidades se no pudessem corrigir e os defeitos enumerar (Eclesiastes, I, 15). De tal maneira que at a verdadeira sabedoria uma aflio do esprito e multiplica a indignao e a desgraa (Ibid., 8). Porque que o povo no se cura destas coisas. 10. Com efeito, assim como quem ignora que tem uma doena, no a cura; quem no sente dores, no se lamenta; quem no se apercebe do perigo, no se arrepia, mesmo que esteja sobre um abismo ou sobre um precipcio; assim tambm no de admirar que as desordens, que corroem o gnero humano e a Igreja, no faam impresso a quem as no considera. Mas quem se v a si mesmo, e os outros, cobertos de infinitas manchas, e sente j que as suas lceras e as dos outros supuram cada vez mais, e tem o nariz cheio do terrvel odor que delas sai; quem se v a si e aos outros estar no meio de pericolusssimas voragens e despenhadeiros, e girar entre laos tensos; mais ainda, quem se v conduzido por precipcios ininterruptos, e que este e aquele se precipitaram j, difcil que no se arrepie, que no se sinta aterrado, que no morra de dor. Demostra-se por induo que tudo o que nos pertence est pervertido e depravado. 11. Na verdade, do que existe em ns ou do que a ns pertence, haver algo que esteja no seu devido lugar ou no seu estado? Nada, em parte alguma. Invertido e estragado, tudo est destrudo ou arruinado. No lugar da inteligncia, pela qual deveremos igualar os anjos, est, na maior parte de ns, uma estupidez to grande que, precisamente como os animais brutos, ignoramos at as coisas que mais necessidade temos de saber. No lugar da prudncia, pela qual, sendo ns destinados eternidade, deveremos prepararnos para a eternidade, est um to grande esquecimento, no s da eternidade, mas at da morte, que a maior parte dos homens so presa de coisas terrenas e passageiras e at de iminentssima morte. No lugar da sabedoria celeste, pela qual nos fora concedido reconhecer e venerar os aspectos timos das coisas timas e saborear, por isso, os seus frutos dulcssimos, est uma repugnantssima averso quele Deus que nos d a vida, o movimento e o ser [2], e uma estultssima irritao contra a sua divina potncia. No lugar do amor mtuo e da mansido, esto dios recprocos, inimizades, guerras e carnificinas. No lugar da justia, est a iniquidade, a injustia, as opresses, os furtos e as rapinas. No lugar da castidade, est a impureza e a obscenidade dos pensamentos, das palavras e das aes. No lugar da simplicidade e da veracidade, esto as mentiras, as fraudes e os enganos. No lugar da humildade, est o fausto e a soberba de uns para com os outros.

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E ns estamos completamente perdidos. 12. Ai de ti, infeliz gerao, que degeneraste tanto! O Senhor olha do cu para os filhos dos homens, para ver se h quem tenha prudncia e busque a Deus. Todos uma se extraviaram e se perverteram; no h quem faa o bem, no h sequer um (Salmo 13, 2-3). Mesmo aqueles que se apresentam como guias de outros seguem por caminhos maus e tortuosos; aqueles que deveriam ser portadores de luz, a maioria das vezes, difundem trevas. Efetivamente, se, aqui ou alm, h um pouquinho de bem e de verdade, mutilado, dbil e disperso, no passando de uma sombra, de uma opinio, se se confronta com aquilo que verdadeiramente deveria ser. Se h algum que se no aperceba disto, saiba que sofre de vertigens: os sbios, contemplando as coisas que lhes dizem respeito e as alheias, no com os culos das opinies comuns, mas com a luz clara da verdade, vem aquilo que vem. Duplo conforto: 1 - O Paraso eterno. 13. Resta, todavia, para ns um duplo conforto. Primeiro: Deus prepara para os seus eleitos o paraso eterno, onde readquiriro a perfeio e at uma perfeio mais plena e mais slida que aquela primeira perfeio, agora perdida. Nesse paraso habita Cristo (Lucas, 23, 43), a ele foi arrebatado Paulo (Corntios, II, 12, 4), e Joo pde ver a sua glria (Apocalipse, 2, 7 e 21, 10). Tambm aqui, de tempos a tempos, se pode renovar o paraso da Igreja. 14. O segundo conforto vem do fato de que Deus, costuma renovar, de tempos a tempos, mesmo aqui na terra, a sua Igreja, e transformar os desertos num jardim de delcias, como o mostram precisamente as promessas divinas acima referidas. Sabemos que, destas transformaes, algumas foram feitas de modo solene: depois da Queda; depois do Dilvio; depois da entrada do povo hebreu na terra de Canaan; no tempo de David e no tempo de Salomo; depois do regresso da Babilnia e da reedificao de Jerusalm; depois da ascenso de Cristo ao cu e da pregao do Evangelho aos gentios; no tempo de Constantino e em outras ocasies. Se, porventura, tambm agora, aps os furores de guerras to atrozes e aps to grandes devastaes de naes, o Pai das misericrdias se prepara para nos olhar com uma face mais benigna, somos obrigados a caminhar ao encontro de Deus e a concorrer tambm ns para o aperfeioamento da nossa vida, segundo os modos e os caminhos que nos mostrar o mesmo sapientssimo Deus, o qual ordena tudo conforme os seus caminhos. O modo mais eficaz desta renovao fornece-a uma reta formao da juventude. 15. Um dos primeiros ensinamentos, que a Sagrada Escritura nos d, este: sob o sol no h nenhum outro caminho mais eficaz para corrigir as corrupes humanas que a reta educao da juventude. Com efeito, Salomo, depois de ter percorrido todos os labirintos dos erros humanos e de se ter lamentado porque se no podiam corrigir as perversidades e enumerar os defeitos dos homens, volta-se finalmente para os jovens, suplicando-lhes que se lembrem do seu Criador nos dias da juventude e O temam e observem os mandamentos, porque isto o essencial para o homem (Eclesiastes, 12, 13). E noutro lugar diz: Instrui o jovem no caminho que deve seguir, e ele no se afastar dele, mesmo quando for velho (Provrbios, 22, 6). E por isso David diz: Vinde filhos, ouvi-me, eu vos ensinarei o temor de Deus (Salmo 33, 11). Mas tambm o prprio David celeste e o autntico Salomo, o Filho eterno de Deus, enviado do cu para regenerar a humanidade, nos ensinou, como que levantando o dedo, o mesmo caminho, quando disse: Deixai vir a mim as criancinhas, e no as afasteis de mim, porque delas o reino dos cus (Marcos, 10,14). E a ns disse: Se no vos

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converterdes e vos no tornardes como meninos, no entrareis no reino dos cus (Mateus, 18,3). As crianas no so apenas o objeto, mas tambm o exemplar da verdadeira regenerao 16. Mas que palavras so estas?! Ouvi-as bem e examinai-as atentamente todos, para ver que coisa queria dizer o Mestre e Senhor de todos. Como proclama que s as crianeinhas so merecedoras do reino de Deus, admitindo a participar na herana apenas os homens que se tenham tornado semelhantes s criancinhas! Oxal vs, diletas criancinhas, possais entender este vosso celeste privilgio! Eis no que ele consiste: vosso o resto de dignidade que ficou ainda no gnero humano, ou seja, o direito que ele tem ainda ptria celeste! (Cristo vosso, vossa a santificao do Esprito, vossa a graa de Deus, vossa a herana da vida futura; sim, tudo isto vosso, pertence-vos a vs particularmente e infalivelmente, pertence mesmo s a vs, a no ser que qualquer outro, convertendo-se, se torne como vs. Eis que ns, adultos, que julgamos que s ns somos homens e vs sois macaquinhos, s ns sbios e vs doidinhos, s ns faladores inteligentes e vs ainda no aptos para falar, eis que, enfim, somos obrigados a vir vossa escola! Vs fostes-nos dados como mestres, e as vossas obras so dadas s nossas como espelho e exemplo! Porque que Deus tem em tanta considerao as criancinhas. 17. Se algum quiser saber porque que Deus tem em to grande considerao as criancinhas e as aprecia tanto, por mais que reflita, no encontrar uma razo mais forte que esta: as criancinhas tm todas as faculdades mais simples e mais aptas para receber os remdios que a misericrdia divina oferece para a cura das coisas humanas, em estado to deplorvel. Com efeito, embora a corrupo, produzida pela queda de Ado, tenha invadido toda a substncia do nosso ser, todavia, uma vez que Cristo, segundo Ado, enxertou de novo em si mesmo, rvore da vida, a natureza humana, e no excludo seno quem se exclui a si mesmo pela sua prpria incredulidade (Marcos, 16, 16) (a qual no pode ainda verificar-se nas criancinhas), resulta que as criancinhas, no estando ainda novamente manchadas, nem pelos pecados nem pela incredulidade, so proclamadas herdeiras da herana patrimonial do reino de Deus, desde que saibam conservar a graa de Deus j recebida e manter-se limpas do mundo. Alm disso, estas coisas podem ensinar-se mais facilmente s crianas que aos outros, pois no esto ainda dominadas pelos maus hbitos. Porque nos obriga a ns, adultos, a ir junto das crianas. 18. Cristo ordena que ns, adultos, nos convertamos para que nos faamos como criancinhas, isto , para que desaprendamos os males que havamos contrado com uma m educao e aprendido com os maus exemplos do mundo, e regressemos ao primitivo estado de simplicidade, de mansido, de humildade, de castidade, de obedincia, etc. E, na verdade, uma vez que no h coisa mais difcil que desabituar-se daquilo a que se estava habituado (com efeito, o hbito uma segunda natureza, e a natureza, ainda que se expulse com a forca, volta sempre a aparecer [3]), da resulta que no h coisa mais difcil que voltar a educar bem um homem que foi mal educado. Na verdade, uma rvore, tal como cresce, alta ou baixa, com os ramos bem direitos ou tortos, assim permanece depois de adulta e no se deixa transformar. Os pedaos de madeira, curvados para fazer as rodas, endurecidos ali no seu posto, quebram de preferncia a tornarem-se direitos, como a experincia o mostra de modo evidente. Acerca dos homens habituados a fazer o mal, Deus afirma o mesmo: Acaso um Etope pode mudar a cor da sua pele e um leopardo as suas malhas? Acaso podeis fazer o bem, vs que no aprendestes seno a fazer o mal? (Jeremias, 13, 23).

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necessrio que a reforma da Igreja comece pelas criancinhas. 19. Daqui se infere esta concluso necessria: se se devem aplicar remdios s corruptelas do gnero humano, importa faz-lo de modo especial por meio de uma educao sensata e prudente da juventude. Importa fazer precisamente como quem quer renovar um pomar, o qual tem necessariamente de plantar novas arvorezinhas e de as tratar com muito cuidado, para que cresam belas e grandes; com efeito, para transplantar rvores velhas e nelas infundir fecundidade, no basta a fora da arte. Portanto, as mentes simples e no ainda ocupadas e estragadas por vos preconceitos e costumes mundanos, so as mais aptas para amar a Deus. Testemunho de Deus. 20. Deus mostra isto pela boca do profeta, quando, ao lamentar-se da corrupo universal, afirma que j no h a quem Ele possa ensinar a sabedoria, a quem possa fazer entender a sua doutrina, a no ser aos meninos acabados de desquitar, aos que acabam de ser desmamados (Isaas, 28, 9). Ao sintomtica realizada por Cristo. 21. E parece que o Senhor tenha querido mostrar esta mesma verdade alegoricamente quando, no momento de partir para Jerusalm, ordenou que lhe fossem buscar uma jumenta e o jumentinho, filho da jumenta; todavia, no montou a jumenta, mas o jumentinho. E o evangelista acrescenta que o Senhor enviou dois dos seus discpulos, dizendo: Ide a essa aldeia, que est fronteira; entrando nela, encontrareis um jumentinho atado, em que nunca montou pessoa alguma (Lucas, 19, 30). Ser que tudo isto foi feito e consagrado no Evangelho para nada? Nem pensar nisso. Todas as coisas, as de mnima e as de mxima importncia, ditas e feitas por Cristo, assim como tambm todas as vrgulas da Sagrada Escritura, contm um mistrio para nossa instruo. Por isso, tenha-se por certo que, embora Cristo chame a si os velhos e os jovens e acabe por receber uns e outros, para os conduzir Jerusalm celeste, todavia, os mais jovens, no ainda subjugados pelo mundo, esto mais aptos para se habituarem ao jugo de Cristo que aqueles a quem o mundo j estragou e viciou, mantendo-os sob os seus graves tributos. A equidade exige, portanto, que a nossa infncia seja conduzida a Cristo; e Cristo tem prazer em colocar a infncia sob o seu doce jugo e sob si mesmo (Mateus, II, 30). Que significa educar a juventude providamente. 22. Educar, pois, providamente a juventude providenciar para que os espritos dos jovens sejam preservados das corruptelas do mundo e para que as sementes de honestidade neles lanadas sejam, por meio de admoestaes e exemplos castos e contnuos, estimuladas para que germinem felizmente, e, por fim, providenciar para que as suas mentes sejam imbudas de um verdadeiro conhecimento de Deus, de si mesmas e da multiplicidade das coisas; para que se habituem a ver a luz luz de Deus [4], e a amar e a venerar, acima de tudo, o Pai das luzes. E que fruto se tira da. 23. Se se fizesse assim, revelar-se-ia claro que realmente verdadeiro aquilo que canta o Salmista: Da boca das crianas e meninos de peito, Deus fez sair um louvor perfeito contra os seus adversrios, para reprimir o inimigo e o agressor (Salmo 8, 2), isto , para confundir Satans, que, para se vingar da sua condenao, quer destruir as arvorezinhas de Deus, ou seja, a juventude, ferindo-as de vrios modos com as suas fraudulentssimas maquinaes, e com o veneno infernal (dos exemplos de vria

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impiedade e dos maus instintos) quer infect-las at s razes, para que sequem de todo e caiam, ou, ao menos, murchem, definhem e se tornem inteis. De que modo prov Deus juventude. 24. Precisamente por esta razo, Deus deu s criancinhas os anjos custdios (Mateus, 18, 10) e constituiu os pais em educadores, ordenando-lhes que educassem os filhos com ensinamentos e correes conformes doutrina do Senhor (Efsios, 6, 4), e admoestou seriamente todos os outros a que no escandalizassem nem corrompessem a juventude com maus exemplos, anunciando, para quem procedesse de modo diverso, castigos eternos (Mateus, 18, 6 e 7). Qual a nossa obrigao; o exemplo dos patriarcas. 25. Mas de que modo poderemos fazer isso, neste imenso dilvio de confuso mundial? No tempo dos Patriarcas, como esses santos homens habitavam separadamente, segregados do resto do mundo, e, nas suas famlias, eram, no s chefes de famlia, mas tambm sacerdotes, mestres e professores, as coisas corriam muito mais facilmente. Com efeito, afastados os seus filhos da companhia dos maus, e iluminando-os com o bom exemplo de pessoas virtuosas, com doces advertncias, exortaes e, se necessrio, com repreenses, conduziam-nos consigo. Que Abrao fazia assim, o prprio Deus que o testemunha, quando diz: Eu sei que h-de ordenar a seus filhos, e sua casa depois dele, que guardem os caminhos do Senhor, e que pratiquem a equidade e a justia. (Gnesis, 18, 19). Agora as ms companhias lanam a juventude na perdio. 26. Mas agora habitamos promiscuamente, os bons misturados com os maus, e o nmero dos maus infinitamente maior que o dos bons. E a juventude de tal maneira arrastada pelos seus exemplos, que os preceitos dados como antdoto do mal, acerca do modo de cultivar a virtude, so de pouca ou nenhuma eficcia. E os pais no se preocupam ou no sabem opor-se aos males. 27. Mas qual a razo por que os preceitos acerca da virtude se ministram to raramente? Dos pais, poucos so aqueles que podem ensinar aos filhos qualquer coisa de bom, quer porque eles prprios nunca aprenderam nada de bom, quer porque, devendo ocupar-se de outras coisas, descuram este seu dever. E nem todos os mestres. 28. E, dos mestres, poucos so aqueles que sabem instilar bem no nimo da juventude coisas boas; e, se por vezes aparece um, logo qualquer strapa o chama para prestar os seus servios em privado, em proveito dos seus; mas o povo no pode dar-se a este luxo. Por isso tudo se torna selvagem e vai de mal em pior. 29. Daqui resulta que o resto da juventude cresce sem a devida cultura, como uma selva que ningum planta, ningum rega, ningum poda e ningum se esfora por fazer crescer direita. Por este motivo, costumes e hbitos grosseiros e depravados enchem o mundo, todas as cidades e praas fortes, todas as casas e todas as pessoas, cujos corpos e almas esto totalmente cheios de confuso. Se hoje voltassem a viver entre ns Digenes, Scrates, Sneca e Salomo, no encontrariam seno o que era nos tempos passados. Se Deus nos falasse do cu, no diria coisa diferente daquilo que disse:

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Todos esto corrompidos e tornaram-se abominveis em todas as suas paixes (Salmo 13, 2). Todos uma portanto, devemos pensar na salvao comum; ou ento s nos resta esperar os castigos de Deus. 30. Por isso, se, em qualquer parte do mundo, h algum que possa dar ou descobrir algum bom conselho, ou que possa, fora de gemidos, de suspiros, de prantos e de lamentaes, obter de Deus a graa de ver qual a melhor maneira possvel de conduzir a juventude, no deve estar calado, mas aconselhar, pensar e pedir. Maldito aquele que faz um cego errar no caminho, disse Deus (Deuteronmio, 27, 18). Maldito, portanto, tambm aquele que, podendo reconduzir o cego ao bom caminho, o no reconduz. Ai daquele que escandalizar um s destes pequeninos, disse Cristo (Mateus, 18, 6 e 7). Portanto, ai tambm daquele que, podendo afastar os escndalos, os no afasta. Deus no quer que se abandone o jumento ou o boi que anda errante pelas selvas e pelos campos, ou que caiu debaixo da carga, mas quer que se socorra, ainda que se no saiba de quem , ainda que se saiba que de um inimigo nosso (xodo, 2, 3, 4; Deuteronmio, 22, 1). E ser-lhe- agradvel que ns, vendo desviar-se, no um animal bruto, mas uma criatura racional, passemos frente irrefletidamente, sem lhe estender a mo? Longe de ns semelhante pensamento! necessrio empunhar a espada contra a Babilnia das confuses. 31. Maldito aquele que faz a obra do Senhor com m f; e maldito aquele que mantm afastada do sangue da Babilnia a sua espada (Jeremias, 48, 10). E poderemos esperar estar sem culpa ns que, sem nos preocuparmos, toleramos a abominvel confuso das nossas Babilnias? Ah! quem quer que tu sejas, desembainha a espada que tens cinta, ou que sabes estar escondida em qualquer bainha, e para seres bendito por Jeov, contribui para o extermnio de Babilnia! Que se espera dos magistrados polticos. 32. Fazei ir para a frente esta obra do Senhor, governantes, ministros do Deus altssimo, e com a espada que o Senhor vos colocou cinta, com a espada da justia, exterminai as desordens, com as quais o mundo encheu a medida e despertou a ira de Deus. E dos ministros da Igreja. 33. Fazei tambm ir para a frente esta obra, campees da Igreja, ministros fiis de Jesus Cristo, e com a espada de dois gumes que vos foi entregue, a espada da palavra, cortai todos os males! [5]. Com efeito, fostes colocados nesse lugar para desenraizar, destruir, dissipar e exterminar o mal, e para exaltar e plantar o bem (Jeremias, I, l0; Salmo 101, 5; Romanos, 13, 14, etc.). E compreendestes j que, no gnero humano, no pode resistir-se aos males com maior eficcia, que resistindo-lhe na primeira idade da vida; que no pode plantar-se com maior eficcia arvorezinhas que duram at eternidade, que plantando e fazendo desenvolver arvorezinhas novas; que se no pode, com maior eficcia, edificar Sion no lugar de Babilnia, que trabalhando desde cedo as pedras vivas de Deus, ou seja, a juventude, e desbastando-as e polindo-as e adaptando-as construo celeste. Se, portanto, queremos Igrejas e Estados bem ordenados e florescentes e boas administraes, primeiro que tudo ordenemos as escolas e faamolas florescer, a fim de que sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens e viveiros eclesisticos, polticos e econmicos. Assim facilmente antigiremos o nosso objetivo; doutro modo, nunca o atingiremos.

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Agora importa expor e examinar o modo de obter tal efeito. 34. De que modo, pois, se deva abordar o assunto e conseguir o efeito desejado, eis que o patenteamos agora, porque o Senhor despertou o nosso esprito! Vs que recebestes de Deus olhos para ver, ouvidos para ouvir e mente para julgar, vede, ouvi e julgai. Quer algum veja algo de uma nova luz, quer no, que deve fazer-se? 35. Se a algum surgir uma flgida luz, no advertida anteriormente, honre a Deus e no recuse nova idade esse novo fulgor. Se, depois, nessa luz, notares qualquer falta de luz, ainda que mnima, completa-a tu, ou esclarece-a, ou adverte para que possa ser esclarecida: muitos olhos vem mais que um. As pessoas ativas devem esperar os prmios merecidos. 36. Assim nos ajudaremos mutuamente a seguir, de bom acordo, as obras de Deus; assim fugiremos maldio anunciada para aqueles que realizam as obras do Senhor de modo fraudulento, assim nos ocuparemos da melhor maneira das mais preciosas riquezas do mundo, isto , da juventude; assim participaremos no fulgor prometido queles que educam os outros para a justia (Daniel, 12, 3). Deus tenha piedade de ns, para que, na sua luz, vejamos a luz [6]. Amen.

UTILIDADE DA ARTE DIDTICAQue a Didtica se baseie em retos princpios interessa: 1. Aos pais que, at agora, na maioria dos casos, ignoravam o que deveriam esperar de seus filhos. Contratavam preceptores, pediam-lhes, acarinhavam-nos com presentes e at os mudavam, quase sempre em vo e s vezes com algum fruto. Conduzido, porm, o mtodo didtico a uma certeza infalvel, ser impossvel, com a ajuda de Deus, no obter sempre o efeito esperado. 2. Aos professores, a maior parte dos quais ignorava completamente a arte de ensinar; e por isso, querendo cumprir o seu dever, gastavam-se e, fora de trabalhar diligentemente, esgotavam as foras; ou ento mudavam de mtodo, tentando, ora com este ora com aquele, obter um bom sucesso, no sem um enfadonho dispndio de tempo e de fadiga. 3. Aos estudantes, porque podero, sem dificuldade, sem tdio, sem gritos e sem pancadas, como que divertindo-se e jogando, ser conduzidos para os altos cumes do saber. 4. s escolas, porque, corrigido o mtodo, podero, no s conservar-se sempre prsperas, mas ser aumentadas at ao infinito. Com efeito, sero verdadeiramente um divertimento, casas de delcias e de atraes. E quando (pela infalibilidade do mtodo), de qualquer aluno se fizer um professor (do ensino superior ou do primrio), nunca ser possvel que faltem pessoas aptas para dirigir as escolas e que os estudos no estejam prsperos. 5. Aos Estados, segundo o testemunho de Cicero [1], atrs citado. Com o qual concorda

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o seguinte passo (referido por Stobeo) de Digenes, discpulo de Pitgoras: Qual o fundamento de todo o Estado? A educao dos jovens. Com efeito, as videiras que no so bem cultivadas nunca produzem bom fruto [2]. 6. Igreja, pois somente a reta organizao das escolas pode ter como resultado que s igrejas no faltem professores instrudos, e aos professores instrudos no faltem alunos apropriados. 7. Finalmente, interessa ao Cu que as escolas sejam reformadas de modo a ministrarem aos espritos uma cultura exata e universal, no sendo assim de admirar que, com o fulgor da luz divina, mais facilmente sejam libertados das trevas aqueles a quem o som da trombeta divina no consegue acordar. Efetivamente, embora se pregue o Evangelho aqui e alm, e oxal seja pregado at ao fim do mundo, todavia, como em qualquer reunio pblica, nas feiras, nas penses ou em qualquer outro tumultuoso ajuntamento da gente, costuma acontecer que no se faz ouvir somente ou principalmente quem pronuncia timos discursos, mas, conforme algum se encontra com outro ou lhe est vizinho, de p ou sentado, assim o ocupa ou detm com as suas ninharias; de igual modo acontece no mundo. Cumpram os ministros da palavra o seu dever com todo o zelo possvel: falem, exortem, supliquem; todavia, no sero ouvidos pela parte mais importante da populao. Muitos, na verdade, no freqentam as reunies sacras, a no ser num ou noutro caso; outros vo, mas com os olhos e os ouvidos fechados, porque, a maioria das vezes, interiormente ocupados em outras coisas, esto pouco atentos ao que ali se faz. Mas admitamos tambm que estejam atentos e que consigam ver o objetivo das sagradas admoestaes; certo, todavia, que no recebem nem uma impresso nem uma comoo to forte como seria conveniente, porque o costumado torpor da alma e o j contrado hbito do vcio engrossam, fascinam e endurecem de tal modo as suas mentes, que no podem libertar-se daquela espcie de letargo. Permanecem, portanto, na costumada cegueira e nos seus pecados, como que amarrados a grilhes, de tal maneira que, ningum, exceto apenas Deus, os pode libertar dos males inveterados e ruinosos; como disse um dos Santos Padres, quase um milagre que um pecador inveterado se resolva a fazer penitncia. Mas porque, por outro lado, onde Deus fornece abundantes meios, pretender milagres tentar Deus [3], impe-se aceitar que, tambm no nosso caso, o problema no se pe de modo diverso. Cremos, portanto, que nosso dever pensar nos meios pelos quais toda a juventude crist seja mais fervidamente impelida para o vigor da mente e para o amor das coisas Celestes. E se conseguirmos obter este efeito, veremos que o reino dos cus nos infundir a sua fora, como nos tempos passados. Ningum, portanto, distraia os seus pensamentos, os seus desejos, as suas energias e as suas foras deste santssimo propsito. Quem nos concedeu a boa vontade, concedernos- tambm a realizao do fim; mas convm suplicar misericrdia divina, pedir-lho todos sem exceo, e confiar que a nossa esperana se realize. Trata-se aqui, com efeito, da salvao dos homens e da glria do Altssimo. Joo Valentim Andrea.

Desesperar do bom xito inglrio; Desdenhar dos conselhos alheios injurioso [4].

ASSUNTOS DOS CAPTULOS

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I. O homem a mais alta, a mais absoluta e a mais excelente das criaturas. II. O fim ltimo do homem est fora desta vida. III. Esta vida no seno uma preparao para a vida eterna. IV. Os graus da preparao para a eternidade so trs: conhecermo-nos a ns mesmos (e conosco todas as coisas), governarmo-nos e dirigirmo-nos para Deus. V. As sementes destas trs coisas (da instruo, da moral e da religio) so postas dentro de ns pela natureza. VI. O homem tem necessidade de ser formado para que se torne homem. VII. A formao do homem faz-se com muita facilidade na primeira idade, e chego a dizer que no pode fazer-se seno nessa idade. VIII. necessrio, ao mesmo tempo, formar a juventude e abrir escolas. IX. Toda a juventude de ambos os sexos deve ser enviada s escolas. X. Nas escolas, a formao deve ser universal. XI. At agora, no tem havido escolas que correspondam perfeitamente ao seu fim. XII. As escolas podem ser reformadas. XIII. O fundamento das reformas escolares a ordem em tudo. XIV. A ordem perfeita da escola deve ir buscar-se natureza. XV. Fundamentos para prolongar a vida. XVI. Requisitos para ensinar e para aprender, isto , como se deve ensinar e aprender para que seja impossvel no obter bons resultados. XVII. Fundamentos para ensinar e aprender com facilidade. XVIII. Fundamentos para ensinar e aprender solidamente. XIX. Fundamentos para ensinar com vantajosa rapidez. XX. Mtodo para ensinar as Cincias em geral. XXI. Mtodo para ensinar as Artes. XXII. Mtodo para ensinar as Lnguas. XXIII. Mtodo para ensinar a Moral. XXIV. Mtodo para incutir a Devoo ou Piedade. XXV. Se realmente queremos escolas reformadas segundo as verdadeiras normas do

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autntico Cristianismo, os livros dos pagos, ou devem ser afastados das escolas, ou ao menos devem ser utilizados com mais cautela que at aqui. XXVI. Da disciplina escolar. XXVII. As instituies escolares devem ser de quatro graus, em conformidade com a idade e com o aproveitamento. XXVIII. Plano da escola materna. XXIX. Plano da escola de lngua nacional. XXX. Plano da escola latina. XXXI. Da Academia, das viagens e da associao didtica. XXXII. Da organizao universal e perfeita das escolas. XXXIII. Dos requisitos necessrios para comear a pr em prtica este mtodo universal.

Captulo 1O HOMEM A MAIS ALTA, A MAIS ABSOLUTA E A MAIS EXCELENTE DAS CRIATURAS

Supunha-se que o conhece-te a ti mesmo tivesse vindo do cu. 1. Quando Ptaco [1] pronunciou o seu conhece-te a ti mesmo os sbios acolheram esta mxima com to grandes aplausos que, para a recomendarem ao povo, afirmaram que ela viera do cu, e tiveram o cuidado de a fazer inscrever, em letras de ouro, no templo de Apolo, em Delfos, onde o povo afluia em grande nmero. Este foi um ato de sabedoria e de piedade; aquela foi, de fato, uma fico, mas absolutamente conforme verdade, como para ns evidente mais que para eles. Veio verdadeiramente do cu. 2. Efetivamente, a voz que, vindo do cu, ressoa nas Sagradas Escrituras, que outra coisa quer dizer seno: homem, que tu me conheas, que tu te conheas? Eu, fonte de eternidade, de sabedoria e de beatitude; tu, criatura, imagem e delcia minha. Sublimidade da natureza humana. 3. Com efeito, destinei-te a compartilhar comigo da eternidade; para teu uso, preparei o cu, a terra e tudo o que neles est contido; s em ti juntei, ao mesmo tempo, todas as prerrogativas, das quais as outras criaturas apenas tm uma: o ser, a vida, os sentidos e a razo. Fiz-te soberano das obras das minhas mos, e coloquei tudo a teus ps, as

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ovelhas, os bois e os outros animais da terra, as aves do cu e os peixes do mar, e desta maneira coroei-te de glria e de honra (Salmo 8, 6-9). A ti, finalmente, para que nada te faltasse, dei-me eu prprio, mediante a unio hiposttica, ligando para sempre a minha natureza com a tua, sorte que no coube a nenhuma das outras criaturas visveis e invisveis. Com efeito, qual das outras criaturas, no cu ou na terra, se pode gloriar de que Deus se revelasse na sua prpria carne e apresentado pelos anjos? (Timteo, I, 3, i6), ou seja, no apenas para que vejam e se admirem a ver quem desejavam ver (Pedro, I, 1, 12), mas ainda para que adorem a Deus que se revelou vestido de carne, ou seja, Filho de Deus e do homem (Hebreus, I, 6; Joo, I, 51; Mateus, 4, 11). Deves, portanto, compreender que s o prottipo, o admirvel compndio das minhas obras, o representante de Deus no meio delas, a coroa da minha glria. necessrio colocar esta verdade debaixo dos olhos de todos os homens. 4. Oxal todas estas verdades sejam esculpidas, no nas portas dos templos, no nos frontispcios dos livros, no, enfim, nas lnguas, nos ouvidos e nos olhos de todos os homens, mas nos seus coraes. Deve procurar-se, na verdade, que todos aqueles a quem cabe a misso de formar homens faam com que todos vivam conscientes desta dignidade e excelncia, e empreguem todos os meios para atingir o objetivo desta sublimidade.

Captulo IIO FIM LTIMO DO HOMEM EST FORA DESTA VIDA

A mais excelente das criaturas deve necessariamente ter a finalidade mais excelente. 1. A prpria razo nos diz que uma criatura to excelente destinada a um fim mais excelente que o de todas as outras criaturas, isto , sem dvida, a gozar, juntamente com Deus, que o cume da perfeio, da glria e da beatitude, para sempre, a mais absoluta glria e beatitude. O que evidente. 2. Mas embora isto se infira claramente da Sagrada Escritura e ns acreditemos firmemente que de fato assim, todavia, no ser tempo perdido ver de quantos modos, nesta vida, Deus nos tenha figurado o Alm (Plus ultra) ou de quantos modos a ele possamos chegar. 1. Da histria da criao. 3. Em primeiro lugar, no prprio momento da criao. Com efeito, no ordenou ao homem simplesmente, como aos outros seres, que viesse ao mundo; mas, aps uma solene deliberao, formou-lhe o corpo como que com os seus prprios dedos e insuflou-lhe por alma uma parte de si mesmo. 2. Da constituio do nosso ser.

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4. A constituio do nosso ser mostra que no nos bastam as coisas que possuimos nesta vida. Com efeito, temos aqui trs espcies de vida: vegetativa, animal, e intelectual ou espiritual a primeira das quais nunca se manifesta fora do corpo; a segunda, mediante as operaes dos sentidos e do movimento, pe-nos em relao com os objetos exteriores; a terceira pode existir tambm separadamente, como se verifica nos anjos. Ora, uma vez que evidente que este grau supremo da vida fortemente obscurecido e perturbado em ns pelos outros dois, segue-se necessariamente que o ser tambm no lugar onde ela for conduzida ao mais elevado grau de perfeio . 3. De tudo o que fazemos e sofremos nesta vida. 5. Tudo o que fazemos e sofremos nesta vida mostra que no atingimos aqui o nosso fim ltimo, mas que tudo o que nosso, e bem assim ns prprios, tende para outro lugar. Com efeito, tudo o que somos, fazemos, pensamos, falamos, imaginamos, adquirimos e possumos no seno uma espcie de escada, na qual, subindo cada vez mais acima, certo que subimos sempre degraus mais altos, mas nunca chegamos ao ltimo. A princpio, com efeito, o homem nada , como nada era ab aeterno; comea a desenvolver-se somente no tero materno, a partir de uma gota de sangue paterno. Que , portanto, o homem no princpio? Matria informe e bruta. A seguir, assume os traos de um pequeno corpo, mas ainda sem sentidos nem movimentos. Depois, comea a mover-se e, por fora da natureza, vem luz; e, pouco a pouco, comeam a abrir-se os olhos, os ouvidos e os restantes sentidos. Aps um certo lapso de tempo, revela-se o sentido interno, quando sente que v, que ouve e que sente. Depois, notando as diferenas entre as coisas, manifesta-se o intelecto; finalmente, a vontade, aplicando-se a certos objetos e fugindo de outros, assume o papel de diretora. Em todas estas coisas h uma gradao, mas sem termo. 6. Mas em cada uma daquelas coisas h uma mera gradao. De fato, pouco a pouco, aparece a inteligncia, como a luz radiante da aurora, e comea a emergir da profunda escurido da noite; e, durante todo o tempo que dura a vida, cresce sempre mais a luz intelectual (a no ser que se trate de um dbil), at ao momento da morte. De igual modo, as nossas aes so, a princpio, tnues, dbeis, rudes e muito confusas; depois, a pouco e pouco, juntamente com as foras do corpo, tambm as potencialidades da alma se desenvolvem, de tal maneira que, durante todo o tempo da vida (exceto quem tomado de um extremo torpor, sendo como que um morto vivo), h sempre qualquer coisa a fazer, a propor e a tentar; todas aquelas faculdades, numa alma generosa, tendem sempre mais para cima, sem um termo. Com efeito, nesta vida, nunca se consegue encontrar o fim, nem dos nossos desejos nem das nossas tentativas. Tudo isto demonstrado pela experincia. 7. Para qualquer parte que algum se volte, conhecer esta verdade por experincia. Se algum ama o poder e as riquezas, no encontrar onde saciar a sua fome, ainda que chegue a possuir todo o mundo, o que evidente pelo exemplo de Alexandre. Se algum arde com sede de honras, no poder ter paz ainda que seja adorado por todo o mundo. Se algum se entrega aos prazeres, embora todos os seus sentidos nadem num mar de delcias, todas as coisas lhe parecem gastas e o seu apetite corre de um objeto para outro. Se algum aplica a mente ao estudo da sabedoria, nunca encontra o fim, pois, quanto mais coisas uma pessoa sabe, tanto melhor compreende que lhe restam mais para saber. Efetivamente, com toda a razo, Salomo disse: Os olhos no se saciam de ver e os ouvidos tm sempre desejo de escutar (Eclesiastes, 1, 8). Nem mesmo a morte pe fim s nossas aspiraes.

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8. Os exemplos dos moribundos provam que nem a morte marca o ltimo termo das nossas aspiraes. Com efeito, hora da morte aqueles que passaram honestamente a vida exultam ao pensar que para entrar numa vida melhor; ao contrrio, aqueles que mergulharam no amor da vida presente, apercebendo-se de que a vo abandonar e de que devero emigrar para outro stio, comeam a tremer, e se, de um modo ou de outro, ainda o podem fazer, reconciliam-se com Deus e com os homens. E embora o corpo, enfraquecido pelas dores, se debilite, os sentidos se ofusquem e a prpria vida expire, todavia, a mente, com mais vivacidade que nunca, realiza as suas funes, tomando com devoo, gravidade e circunspeco as necessrias disposies acerca de si mesmo, da famlia, da herana, do Estado, etc.; de tal maneira que, quem v morrer um homem piedoso e sbio parece ver um pedao de terra que se esboroa, e quem o ouve falar, parece ouvir um anjo; e tem necessariamente que confessar que no se trata seno de um hspede que se prepara para abandonar um pequeno tugrio prestes a cair em runas. Os prprios pagos compreenderam esta verdade; e por isso os romanos, como se l em Festo [1], chamaram morte partida, (ecabitio), e os gregos usam, muitas vezes, a palavra que significa ir-se embora, em vez de perecer ou de morrer. Porqu, seno porque se compreende que, pela morte, se passa para um outro lugar? O exemplo do Cristo-Homem ensina que os homens so destinados eternidade. 9. Mas, a ns cristos, esta verdade parece mais clara depois que Cristo, Filho de Deus vivo, enviado do cu a reproduzir a imagem de Deus desaparecida de ns, mostrou a mesma coisa com o seu exemplo. Efetivamente, concebido e dado luz mediante o nascimento, andou entre os homens; depois de morto, ressuscitou e subiu aos cus, e a morte j O no tem sob o seu domnio. Ora Ele chamado, e de fato, o nosso precursor (Hebreus, 6, 20), o primognito dos irmos (Romanos, 8,29), a cabea dos seus membros (Efsios, 1, 22 e 23), o arqutipo de todos aqueles que devem ser reformados imagem de Deus (Romanos, 8, 29). Portanto, assim como Ele no veio para continuar a viver neste mundo, mas para passar, terminado o curso da vida, s habitaes eternas, assim tambm ns, uma vez que nos cabe a mesma sorte que a Ele, no devemos permanecer aqui, mas emigrar para outro lugar. O Homem tem trs espcies de morada. 10. Para cada um de ns, portanto, esto estabelecidas trs espcies de vida e trs espcies de morada: o tero materno, a terra e o cu. Da primeira, entra-se para a segunda, mediante o nascimento; da segunda, para a terceira, mediante a morte e a ressurreio; da terceira, nunca mais se sai, eternamente. Na primeira, recebemos apenas a vida, juntamente com um movimento e sentidos incipientes; na segunda, a vida, o movimento e os sentidos com os primrdios da inteligncia; na terceira, a plenitude perfeita de todas as coisas. E trs espcies de vida. 11. A primeira vida de que falei uma preparao para a segunda; a segunda para a terceira; a terceira, de sua prpria natureza, nunca termina. A passagem da primeira para a segunda e da segunda para a terceira estreita e acompanhada de dores, e num e noutro caso se devem depor os despojos ou invlucros (ou seja, no primeiro caso, a placenta, e, no segundo, o prprio organismo do corpo), como faz o pintainho, quando, quebrada a casca, sai para fora. A primeira e a segunda morada, portanto, so como duas oficinas: naquela forma-se o corpo para uso da vida seguinte; nesta, forma-se a alma racional para uso da vida eterna; a terceira morada produz a verdadeira perfeio e prazer de ambos. Os israelitas so smbolo disto.

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12. Assim, os israelitas (seja-nos lcito adaptar este smbolo ao nosso caso) foram gerados no Egito e de l, pelos estreitos caminhos dos montes e do Mar Vermelho, transferidos para o deserto, a acamparam em tendas, aprenderam a lei, lutaram com vrios inimigos; finalmente, atravessado pela fora o Jordo, foram constitudos herdeiros da terra de Canaan, onde corriam rios de leite e de mel.

Captulo IIIESTA VIDA NO SENO UMA PREPARAO PARA A VIDA ETERNA

Testemunhos desta verdade 1. Que esta vida, uma vez que tende para outra, no vida (falando com rigor), mas um promio da vida verdadeira e que durar para sempre, tornar-se- evidente, primeiro, pelo testemunho de ns mesmos; segundo, pelo testemunho do mundo; e, finalmente, pelo testemunho da Sagrada Escritura. 1. Pelo testemunho de ns mesmos. 2. Se lanarmos um olhar introspectivo sobre ns mesmos, veremos que todas as coisas da nossa vida procedem de tal modo gradualmente, que a antecedente prepara o caminho para a seguinte. Por exemplo: a nossa primeira vida desenvolve-se nas vsceras maternas. Mas em proveito de quem? Acaso em proveito de si mesma? De modo algum. Trata-se apenas de formar convenientemente um pequenino corpo para servir de habitao e de instrumento alma, para comodidade e uso da vida seguinte, a qual vivemos luz do sol. E apenas aquele pequenino corpo est perfeito, somos dados luz, pois j no h nenhuma razo para que continui naquelas trevas. Do mesmo modo, portanto, esta vida que vivemos luz do sol no seno uma preparao para a vida eterna, de tal maneira que no de admirar que a alma se sirva do corpo para conseguir aquelas coisas que lhe sero teis para a vida futura. Apenas feitos estes preparativos, emigramos daqui, porque nada mais temos aqui a fazer. verdade que alguns, antes que tenham feito esses preparativos, so arrebatados, ou antes, lanados no seio da morte, do mesmo modo que, nos casos de aborto, o feto lanado fora do tero, no para o seio da vida, mas para o seio da morte; em ambos os casos, porm, isso acontece, certo que com a permisso de Deus, mas contudo, por culpa dos homens. 2. O mundo visvel foi criado somente para servir de sementeira, de alimentador e de escola aos homens. 3. Tambm o mundo visvel, de qualquer parte que se olhe, atesta que no foi criado para outro fim seno para servir para a multiplicao, para a alimentao e para a educao do gnero humano. Com efeito, uma vez que a Deus no aprouve criar os homens todos juntos, no mesmo momento, como fez com os anjos, mas produziu apenas um macho e uma fmea, dando-lhes, a fim de que, por via de gerao, se multiplicassem, as foras necessrias e a sua beno, foi preciso conceder um espao de tempo necessrio para esta sucessiva multiplicao, pelo que foram concedidos alguns milhares de anos. E para que esse

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tempo no fosse um tempo de confuso, de surdez e de cegueira, fez a extenso dos cus, guarnecidos com o sol, a lua e as estrelas, e ordenou que estes astros, com as suas revolues, servissem para medir as horas, os dias, os meses e os anos. A seguir, uma vez que o homem seria uma criatura corprea, com necessidade de um lugar para habitar, de um espao para respirar e para se mover, de alimento para crescer e de vestidos para se adornar, fez (na parte mais baixa do mundo) um pavimento slido, a terra: e circundou-a de ar e banhou-a com as guas, e ordenou-lhe que produzisse plantas e animais multiformes, no apenas para satisfazer as necessidades do homem, mas tambm para seu deleite. E, uma vez que formara o homem sua imagem, dotado de inteligncia, para que tambm no faltasse inteligncia o seu alimento, derivou de cada uma das criaturas muitas e vrias espcies, para que este mundo visvel aparecesse como um lucidssimo espelho da infinita potncia, sabedoria e bondade de Deus, na contemplao do qual o homem fosse arrebatado por um sentimento de admirao pelo Criador e impelido a conhec-lo e movido a am-lo. Efetivamente, a solidez, a beleza e a doura do Criador permanece invisvel e escondida no abismo da eternidade, mas por toda a parte brilha por meio das coisas visveis e presta-se a ser apalpada, observada e saboreada. Portanto, este mundo nada mais que a nossa sementeira, o nosso alimentador e a nossa escola. Deve, por isso, existir um mais alm (Plus ultra), onde, uma vez sados das aulas desta escola, nos matricularemos na Academia Eterna. Pela razo, portanto, consta que as coisas se passam assim; mas ainda mais evidente pelas Sagradas Escrituras. 3. O prprio Deus o atesta com as suas palavras. 4. O prprio Deus afirma, pela boca de Osias, que os cus existem por causa da terra, a terra por causa do trigo, do vinho e do azeite, e tudo isto por causa dos homens (Oseias, 2,22). Tudo, portanto, existe por causa do homem, at o prprio tempo. Com efeito, no ser concedida ao mundo uma durao mais longa que a necessria para completar o nmero dos eleitos (Apocalipse, 6, 11). Apenas este nmero esteja completo, os cus e a terra desaparecero e no se encontrar mais lugar para eles (Apocalipse, 20,7), pois surgir um novo cu e uma nova terra, onde habitar a justia (Apocalipse, 21,1 e 2; Pedro, II, 3, 18). Finalmente, at os nomes que as Sagradas Escrituras do a esta vida do a entender que esta no seno uma preparao para outra. Com efeito, do-lhe o nome de via, viagem, porta, espera; e a ns, o nome de peregrinos, forasteiros, inquilinos, aspirantes a uma outra cidadania, a qual ser verdadeiramente permanente (Gnesis, 47,9; Salmo 29, 13; Job, 7, 12; Lucas, 12, 36). A experincia. 5. Todas estas coisas so demonstradas pelos prprios fatos e pela condio de todos os homens, o que colocado sob os olhos de todos ns. Com efeito, quem de todos os que nasceram, depois que apareceu no mundo, no desapareceu de novo? Precisamente porque somos destinados eternidade. Porque, portanto, pertencemos eternidade, necessrio que esta vida seja apenas uma passagem. Por isso Cristo disse: Estai preparados, porque no sabeis em que hora vir o Filho do homem (Mateus, 24, 44). E esta a razo (sabemo-lo tambm pela Escritura) por que Deus chama deste mundo alguns ainda na primeira idade da vida: chama-os certamente quando os v preparados como Enoc (Gnesis, 4, 24; Sabedoria, 4, 14). Porque que, ao contrrio, usa de longanimidade para com os maus? Sem dvida, porque no quer surpreender ningum no preparado, mas que todos se convertam (Pedro II, 3, 9). Se, todavia, algum continua a abusar da pacincia de Deus, este ordena que seja arrebatado pela morte. Concluso. 6. Portanto, assim como certo que a estadia no tero materno uma preparao para

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viver no corpo, assim tambm certo que a estadia no corpo uma preparao para aquela vida que ser uma continuao da vida presente e durar eternamente. Feliz aquele que sai do tero materno com os membros bem formados! Mil vezes mais feliz aquele que sair desta vida com a alma bem limpa!

Captulo IVOS GRAUS DA PREPARAO PARA A ETERNIDADE SO TRS: CONHECER-SE A SI MESMO (E CONSIGO TODAS AS COISAS), GOVERNAR-SE E DIRIGIR-SE PARA DEUS

De onde se adquire o conhecimento dos fins secundrios do homem, subordinados ao fim supremo (a eternidade)? 1. evidente, portanto, que o fim ltimo do homem a beatitude eterna com Deus. Quais sejam os fim subordinados quele e conformes a esta vida transitria, torna-se evidente pelas palavras com que Deus manifestou a resoluo de criar o homem: Faamos o homem nossa imagem e semelhana, e presida aos peixes do mar, e s aves do cu, e aos animais selvticos, e a toda a terra, e a todos os rpteis que se movem sobre a terra (Gnesis, 1, 26). So trs: 1. que conhea todas as coisas; 2. que seja rei de si mesmo; 3. que seja delcia de Deus. 2. Ora, desta passagem, torna-se evidente que foi colocado entre as criaturas visveis para que seja: I. Criatura racional. II. Criatura senhora das outras criaturas III. Criatura imagem e delcia do seu Criador Estas trs coisas esto de tal modo ligadas que no pode admitir-se nenhum divrcio entre elas, porque sobre elas se funda a base da vida presente e da futura. Que significa que criatura racional? 3. Que criatura racional quer dizer que observa, d o nome e se apercebe de todas as coisas, isto , que pode conhecer e dar um nome a todas as coisas deste mundo e entend-las, como evidente (Gnesis, 2, 19). Ou ento, segundo a enumerao de Salomo (Sabedoria, 7, 17 e ss.): conhecer a constituio do mundo e a fora dos elementos, o princpio e o fim e o meio das estaes, as mudanas dos solstcios e a variabilidade do tempo, a durao do ano e a posio das estrelas, a natureza dos animais e a alma dos brutos, as foras dos espritos e os pensamentos dos homens, as diferenas das plantas e a potncia das suas razes: numa palavra, todas as coisas ocultas

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ou manifestas, etc. Nisto est compreendido tambm a cincia dos artfices e a arte da palavra; de tal maneira que (como diz o Eclesistico) em nenhuma coisa, pequena ou grande, haja algo de desconhecido (Eclesistico, 5, 18). Somente assim, com efeito, poder de fato conservar o ttulo de animal racional, isto , se conhecer os fundamentos de todas as coisas. Que significa que senhor das outras criaturas? 4. Que o senhor das outras criaturas quer dizer que, ordenando tudo para fins legtimos, faz reverter tudo utilmente em seu proveito; quer dizer que, portando-se por toda a parte, no meio das criaturas, como um rei, isto , grave e santamente (ou seja, adorando apenas o Criador acima de si mesmo; os anjos de Deus, seus companheiros, como a si mesmo, e todas as outras coisas menos que a si mesmo) defende a dignidade que lhe concedida; que no est sujeito a nenhuma criatura, nem mesmo prpria carne e que aproveita de tudo e de tudo se serve livremente; que no ignora onde, quando, como e at que ponto deve obedecer ao corpo, e onde, quando, como e at que ponto deve servir o prximo. Numa palavra, que pode regular prudentemente os movimentos e as aes, externas e internas, de si mesmo e dos outros. Que significa que imagem de Deus? 5. Finalmente, que imagem de Deus, quer dizer que representa ao vivo a perfeio do seu arqutipo, como diz o prprio Arqutipo: Sede santos, porque Eu, o vosso Deus, sou santo (Levtico, 19, 2). Os referidos trs atributos reduzem-se: 1. instruo; 2. virtude; 3. piedade. 6. Daqui se segue que os autnticos requisitos do homem so: 1. que tenha conhecimento de todas as coisas; 2. que seja capaz de dominar as coisas e a si mesmo; 3. que se dirija a si e todas as coisas para Deus, fonte de tudo. Estas trs coisas, se as quisermos exprimir por trs palavras vulgarmente conhecidas, sero: I. Instruo, II. Virtude, ou seja, honestidade de costumes, III. Religio, ou seja, piedade; entendendo-se por instruo, o conhecimento pleno das coisas, das artes e das lnguas; por costumes, no apenas a urbanidade exterior, mas a plena formao interior e exterior dos movimentos da alma; e por religio, a venerao interior, pela qual a alma humana se liga e se prende ao Ser supremo. Estas trs coisas so o essencial do homem nesta vida; todas as outras so acessrias . 7. Nestas trs coisas reside toda a excelncia do homem, porque s estas so o fundamento da vida presente e da futura; as outras (a sade, a fora, a beleza, o poder, a dignidade, a amizade, o sucesso, a longevidade) no so seno acrscimos e ornamentos externos da vida, se acaso Deus os junta a ela, ou vaidades suprfluas, pesos inteis e estorvos nocivos, se algum, desejando-os apaixonadamente, os vai procurar, e, descuradas as coisas mais importantes, deles se ocupa e neles se mergulha. Ilustra-se isto com o exemplo:

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1. do relgio. 8. Ilustro a minha afirmao com exemplos. O relgio (solar ou mecnico) um instrumento elegante e muito necessrio para medir o tempo, cuja substncia ou essncia constituda por uma correspondncia perfeita de todas as suas partes. Os estojos em que se coloca, as esculturas, as pinturas e os dourados so coisas acessrias que acrescentam qualquer coisa sua beleza, mas nada sua bondade. Se algum quiser um instrumento destes de preferncia belo a bom, ser escarnecida a sua puerilidade, pois no repara onde est sobretudo a utilidade. 2. do cavalo. Do mesmo modo, o valor de um cavalo est na sua fora junta com a magnanimidade ou agilidade e a prontido do voltear; a cauda solta ou atada, a crina penteada e ereta, os freios dourados, a gualdrapa com bordados de ouro, e os colares, sejam de que espcie forem, verdade que acrescentam ornamento, mas, se vssemos algum medir por estas coisas a excelncia do cavalo, chamar-lhe-amos estpido. 3. da sade Finalmente, o bom estado da nossa sade depende de uma digesto regular e de uma boa disposio interior. Deitar-se em leitos moles, trazer vestidos luxuosos e comer alimentos saborosos, no s no favorece a sade, mas at a prejudica; por isso, quem procura coisas deleitveis de preferncia a coisas ss, um insensato. E um insensato infinitamente mais prejudicial aquele que, desejando ser homem, se preocupa mais com os ornamentos que com a essncia do homem. Por isso, o Sbio chama mpio e estulto a quem julga que a nossa vida coisa de burla e um mercado lucrativo e diz e repete que a aprovao e a beno de Deus est muito longe de semelhante homem (Sabedoria, 15, 12 e 19). Concluso. 9. Fique, portanto, assente isto: quanto maior a atividade que, nesta vida se despende por amor da instruo, da virtude e da piedade, tanto mais nos aproximamos do fim ltimo. Por isso, sejam estas trs coisas a obra essencial da nossa vida ; tudo o resto acessrio, empecilho, aparncia enganosa.

Captulo VAS SEMENTES DAQUELAS TRS COISAS (DA INSTRUO, DA MORAL E DA RELIGIO) SO POSTAS DENTRO DE NS PELA NATUREZA

A primitiva natureza do homem era boa: a ela (libertando-nos da corrupo) devemos regressar. 1. Neste lugar, por natureza, entendemos, no a corrupo que, depois da queda, a todos

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atingiu (e por causa da qual somos chamados, por natureza, filhos da ira [1], incapazes, por ns prprios, de pensar seja o que for de bom), mas o nosso estado primitivo e fundamental, ao qual devemos regressar como nosso princpio. Neste sentido, Lus de Vives disse: Que outra coisa o cristo seno o homem regressado sua natureza e restitudo, por assim dizer, sua origem, de onde o demnio o havia afastado? (Da Concrdia e da Discrdia, livro I) [2]. Neste sentido tambm pode tomar-se aquilo que Sneca escreveu: A sabedoria est em regressar natureza e em voltar quele lugar de onde o erro pblico (ou seja, o erro cometido pelo gnero humano atravs dos primeiros pais) [3] nos expulsou. E diz ainda: O homem no bom, mas, lembrandose da sua origem, transforma-se em bom, para que tenda a igualar Deus. Desonestamente, ningum consegue subir ao lugar de onde descera (Carta 93) [4]. A fora proveniente da providncia eterna impele para o estado primitivo. 2. Entendemos tambm pela palavra natureza a providncia universal de Deus, ou seja, o influxo incessante da bondade divina para operar tudo em todos, ou seja, em cada criatura aquilo para que a destinou. Na verdade, o objetivo da sabedoria divina foi nada fazer em vo, isto , nem sem qualquer finalidade, nem sem os meios adequados para conseguir esse fim. Por conseqncia, tudo o que existe, existe para qualquer fim, e para que o possa atingir foi dotado dos necessrios orgos e auxlios; mais ainda, foi dotado tambm de uma verdadeira tendncia, a fim de que nunca seja impelido para o seu fim contra a sua vontade e com relutncia, mas antes com prontido e com prazer pelo instinto da prpria natureza, de modo que, se disso mantido afastado, advenha o sofrimento e a morte. certo, por isso, que tambm o homem foi feito, por natureza, apto para a inteligncia das coisas, para a harmonia dos costumes e para o amor a Deus sobre todas as coisas (vimos j, com efeito, que foi destinado para estas coisas), e to certo que as razes daquelas trs coisas se encontram nele, quanto certo que a cada planta foram dadas as razes sob a terra. A sabedoria colocou no homem razes eternas. 3. Para que se torne mais evidente o que pretende dizer o Eclesistico quando proclama que a sabedoria colocou fundamentos eternos nos homens (Eclesistico, 1, 14), vejamos que fundamentos de Sabedoria, de Virtude e de Religio foram postos em ns, para que nos apercebamos quo maravilhoso organismo de sabedoria o homem. I. Tornando-o apto para adquirir conhecimento das coisas. O que evidente, porque o fez: 1. sua imagem 4. evidente que todo o homem nasce apto para adquirir conhecimento das coisas: primeiro, porque imagem de Deus. Com efeito, a imagem, se perfeita, apresenta necessariamente os traos do seu arqutipo, ou ento no ser uma imagem. Ora, uma vez que, entre os atributos de Deus, se destaca a omniscincia, necessariamente brilhar no homem algo de semelhante a ela. E porque no? Sem dvida que o homem est no meio das obras de Deus, tendo uma mente lcida, como um espelho esfrico, suspenso na parede de uma sala, o qual recebe a imagem de todas as coisas, digo, de todas as coisas que o rodeiam. Efetivamente, a nossa mente no apreende somente as coisas vizinhas, mas tambm aproxima de si as que esto afastadas (quer quanto ao lugar, quer quanto ao tempo), ergue-se s que esto elevadas, investiga as ocultas, desvela as veladas e esfora-se por perscrutar at as imperscrutveis, de tal maneira algo de infinito e de indeterminvel. Se fossem concedidos ao homem mil anos de vida, durante os quais aprendesse constantemente qualquer coisa, deduzindo uma coisa de outra, todavia, teria sempre onde receber outras coisas que se lhe apresentassem, a tal ponto a mente do homem de capacidade inesgotvel que, no conhecimento, se apresenta como

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um abismo. O nosso pequeno corpo est encerrado num crculo estreito; a nossa voz vai um pouco mais alm; a vista apenas chega cpula celeste; mas nossa mente no pode fixar-se um limite, nem no cu nem fora do cu: tanto se eleva acima dos cus dos cus, como desce abaixo do abismo do abismo; e mesmo que estes espaos fossem milhes de vezes mais vastos do que so, ela a penetraria, todavia, com incrvel rapidez. E havemos ento de negar que todas as coisas lhe so acessveis, que ela capaz de tudo? 2. Resumo do universo. 5. O homem chamado pelos filsofos , resumo do universo, compreendendo, de modo obscuro, todas as coisas que se vem por toda a parte amplamente espalhadas pelo universo (macro-cosmos). Que assim , demonstrar-se- noutro lugar [5]. Em conseqncia disso, a mente do homem que entra no mundo compara-se com muita razo a uma semente ou a um caroo, no qual, embora no exista ainda em ato a figura da erva ou da rvore, todavia, nele existe j de fato a erva ou a planta, como se torna evidente quando a semente, metida debaixo da terra, lana para baixo as razes e para cima os rebentos, os quais, pouco depois, por uma fora ingnita, se alongam em ramos e em ramagens, se cobrem de folhas e se adornam de flores e de frutos. N.B. No necessrio, portanto, introduzir nada no homem a partir do exterior, mas apenas fazer germinar e desenvolver as coisas das quais ele contm o grmen em si mesmo e fazer-lhe ver qual a sua natureza. Por isso, aceitamos que Pitgoras costumava dizer que era to natural ao homem saber tudo que, se um menino de sete anos fosse prudentemente interrogado acerca de todas as questes de toda a filosofia, com certeza que poderia responder a todas, precisamente porque a luz da razo a forma e a norma suficiente de todas as coisas. Simplesmente agora, aps a queda, que o obscurece e confunde, incapaz de se libertar pelos seus prprios meios; e aqueles que deveriam ajud-lo no contribuem seno para aumentar o embarao em que se encontra. 3. Dotado de sentidos 6. Alm disso, alma racional que habita em ns, foram acrescentados rgos e como que emissrios e observadores, com a ajuda dos quais, ou seja, da vista, do ouvido, do olfato, do gosto e do tato, ela procura chegar a tudo aquilo que se encontra fora dela, de tal maneira que, de todas as coisas criadas, nada pode permanecer-lhe escondido. Uma vez que, portanto, no mundo visvel, nada h que se no possa ver, ou ouvir, ou apalpar, e, por isso, que se no possa saber o que e de que natureza , da se segue que nada existe no mundo que o homem, dotado de sentidos e de razo, no consiga apreender. 4. Estimulado pelo desejo de saber. 7. Est implantado tambm no homem o desejo de saber; e no apenas a aceitao resignada, mas at o apetite do trabalho [6]. Surge logo na primeira idade infantil e acompanha-nos durante toda a vida. Com efeito, quem no experimenta a impacincia de ouvir, de ver ou de apalpar sempre algo de novo? Quem no sente prazer em comparecer todos os dias em qualquer lugar, ou em conversar com algum, em perguntar qualquer coisa? Em resumo, eis o que se passa: os olhos, os ouvidos, o tato e tambm a mente, procurando sempre o seu alimento, lanam-se sempre para fora de si mesmos, nada havendo, para uma natureza viva, to intolervel como o cio e o torpor. E uma vez que at os idiotas admiram os homens doutos, que significa isto seno que

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tambm os idiotas experimentam pelo saber os atrativos de um desejo natural, nos quais eles prprios gostariam de participar, se achassem que isso era possvel?; mas porque vem que isso no possvel, suspiram e olham com reverncia aqueles que vem de inteligncia mais elevada. De onde resulta que muitos, tomando-se a si mesmos por guia, conseguem penetrar no conhecimento das coisas. 8. Os exemplos dos autodidatas mostram, de maneira evidente, que o homem, conduzido pela natureza, pode aprender todas as coisas. Com efeito, alguns foram mais adiante que os seus prprios mestres, ou (como diz S. Bernardo) [7], ensinados pelos carvalhos e pelas faias (ou seja, passeando e meditando nas florestas) fizeram mais progressos que outros, instrudos na escola de diligentes professores. Acaso no nos mostra isto que, dentro do homem, esto, de fato, todas as coisas, isto , o fach