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Lisboa - Inst. Central - 1ª Secção Criminal Av. D. João II, nº1.08.01 Edificio A - 1990-097 Lisboa
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Proc. nº 5481/11.4TDLSB
_________________________
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo da 1ª Secção Criminal da Instância
Central da Comarca de Lisboa
I - RELATÓRIO
Em processo comum para julgamento por tribunal colectivo encontram-se pronunciados os
arguidos
Jorge Manuel Jacob da Silva Carvalho, casado, jurista, consultor e mestre em gestão de
empresas, nascido a 28.05.1966, em Moçambique, filho de Orlando da Silva Carvalho e de
Maria Manuel Jacob da Silva Carvalho, residente na R. Belo Marques, nº1, 7º F, Lisboa
João Manuel da Silva Luís, divorciado, engenheiro aeronáutico, nascido a 6.03.1959, em
Odivelas, filho de António Luís e de Arminda da Silva, residente na R. Engenheiro Sampaio
Batista, nº 3, Ranholas, Sintra
Nuno Rocha dos Santos de Almeida e Vasconcellos, divorciado, licenciado em gestão de
empresas, nascido a 21.11.1964, em Lisboa, filho de Luís Fernando Teuscher de Almeida e
Vasconcellos e de Isabel Maria Rocha dos Santos de Almeida e Vasconcellos, residente na R.
Vítor Cordon, nº19, em Lisboa
Nuno Francisco de Freitas Lopes Dias, solteiro, funcionário público, nascido a 24.06.1073,
no Porto, filho de Alfredo Cláudio Lopes Dias e de Maria de Lurdes Morais de Freitas Lopes
Dias, residente na R. Costa e Almeida, nº 252, 1º dto. Porto
Gisela Fernandes Teixeira, solteira, licenciada em línguas e literaturas modernas,
actualmente desempregada, nascida a 24.09.1976, em Miragaia, Porto, filha de Manuel
António Nogueira Teixeira e de Maria Joaquina Rodrigues Fernandes Teixeira, residente na
R. Abel Salazar, nº 364, 2º dto., frente, Vila Nova de Gaia
pelos seguintes crimes:
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os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, em co-autoria, um crime de acesso ilegítimo agravado,
p. e p. pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n.° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), em concurso aparente
com um crime de acesso indevido a dados pessoais, p. e p. pelo artº 44, ns 1 e 2, al . b) da Lei n.° 67/98, de
26.10 - Lei da Protecção de Dados Pessoais - e, em concurso real, um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artº
382 do Código Penal, todos na forma consumada;
o arguido Jorge Silva Carvalho, um crime de violação de segredo de Estado, p. e p. pelos n.° 1 e 3, do
artº 316 do Código Penal, na forma consumada;
o arguido Jorge Silva Carvalho, um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº. 373,
n.° 1 do Código Penal, na forma consumada;
o arguido Nuno Vasconcellos, um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo artº 374., n.°
1 do Código Penal, na forma consumada;
os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, em co-autoria, um segundo crime de abuso de poder, na
forma consumada, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal, imputável ao primeiro arguido, nos termos do artº 28
do mesmo diploma;
os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, em co-autoria, um terceiro crime de abuso de poder, na
forma consumada, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal, imputável ao primeiro, igualmente nos termos do artº.
28 do mesmo diploma;
o arguido Jorge Silva Carvalho, ainda por um crime de devassa por meio de informática, p. e p. pelo
artº 193, nº 1 do C. Penal (apenso nº 10.181/12.5TDLSB).
o arguido Nuno Lopes Dias, um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo artº 6, nº1 e 4, al.a) da
Lei nº 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime);
A arguida Gisela Teixeira, um crime de acesso indevido a dados pessoais, p. e p. pelos arts. 44, nº 1 e 2,
al. b) da Lei nº 67/98, de 26.10 (Lei de protecção de dados pessoais) e um crime de violação de segredo
profissional, p. e p. pelo artº 195 do C. Penal
Constituíram-se assistentes, Nuno Simas, Optimus/NOS, Bárbara Reis, à data dos factos
directora do Jornal “Público”, António Vilela, Rui Barroso Soares e Joaquim Batista Gomes,
os últimos quatro por força do disposto no artº 68, nº1, als. a) e e) do C.P.P., (por estarem em
causa também crimes de corrupção e de abuso do poder).
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Os assistentes, Nuno Simas e Bárbara dos Reis, requereram a abertura da instrução, pugnando
pela pronúncia de Nuno Dias e Gisela Teixeira, pelos crimes de acesso ilegítimo agravado -
arguido Nuno Dias - e de acesso indevido a dados pessoais e violação de segredo profissional
(arguida Gisela Teixeira).
O arguido Nuno Vasconcellos requereu igualmente a abertura da instrução pugnando pela
sua não pronúncia pelo crime de corrupção activa de que se encontrava acusado.
______________
No apenso 10181/12.5TDLSB encontravam-se acusados, por acusação particular deduzida
pelo assistente Francisco Pinto Balsemão, além do arguido Jorge Silva Carvalho, Paulo Félix,
João Alfaro e Manuel Ricardo Ferreira, por um crime de difamação agravada p. e p. pelos
arts. 180 e 183, nº1, als. a) e b), ambos do C. Penal.
O Ministério Público não acompanhou a acusação particular e deduziu acusação apenas
contra o arguido Jorge Silva Carvalho pelo crime de devassa por meio de informática, p. e p.
pelo artº 193, nº1, do C. Penal.
O arguido Jorge Silva Carvalho e Paulo Félix, João Alfaro e Manuel Ricardo Ferreira
requereram a abertura da instrução com os fundamentos constantes de fls.702 a 704 (do
apenso).
Foi julgada procedente a questão prévia de extinção do procedimento criminal, suscitada
pelos requerentes, e o arguido Jorge Silva Carvalho foi pronunciado pelo crime que lhe era
imputado pelo Ministério Público.
Neste apenso, o assistente Francisco Pinto Balsemão, apresentou pedido de indemnização
civil contra o arguido Jorge Silva Carvalho, no valor de 50.000 €, a título de danos não
patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do pedido
de indemnização até integral pagamento.
Alega que:
Com os factos descritos na acusação, viveu, nas semanas subsequentes, dias de particular ansiedade, desconforto
e abalo emocional, foi contactado por amigos e colegas que, melindrados com as notícias divulgadas na
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comunicação social sobre o “relatório” pretendiam saber o que acontecera; os factos sob análise causaram
igualmente sofrimento, ansiedade e desconforto à sua família, muito particularmente aos seus filhos.
O arguido Jorge Silva Carvalho apresentou contestação nos seguintes termos (fls. 1170):
O dito relatório não corporiza um ficheiro automatizado de dados;
Desde logo a conduta punida pelo nº 1 do artº 193 pressupõe que os dados contidos no ficheiro automatizado
invadam a reserva da vida privada do assistente; para que tal se desse era necessário que se tratasse de factos
verdadeiros o que não acontece e que não fossem do domínio público e livremente acessíveis, nomeadamente
por meio da internet;
______________
No processo principal, o assistente Nuno Simas apresentou pedido de indemnização civil
contra os arguidos Jorge Silva Carvalho, João da Silva Luís, Nuno Dias e Gisela Teixeira no
valor de 60.000€ (fls. 1964).
Alega que:
Exerce a profissão de jornalista desde 1989 e desde 1993 na área da política (entre 1995 e 2004 no Diário de
Notícias e em 2004 e 2005 no jornal Público como repórter parlamentar); conquistou ao longo de mais de 20
anos do exercício da profissão de jornalista a confiança de um grupo muito alargado de pessoas com
responsabilidades, na área política e empresarial; assim que foi divulgada a informação de que os demandados
haviam acedido a informação de quem o contactou as portas fecharam-se; é director adjunto da Lusa porque
ocupou esse lugar antes de ter rebentado o “escândalo”; a divulgação das referidas informações provocou-lhe
um grande mal-estar e um profundo constrangimento, muitas noites sem dormir, profunda tristeza, um grande
stress e nervosismo; viu-se forçado a tomar tranquilizantes e durante muitos meses andou entristecido;
Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís, Nuno Vasconcellos, Nuno Dias e Gisela
Teixeira apresentaram contestação escrita.
Alega, em síntese, o arguido Jorge Silva Carvalho:
Foi levado até à fase do julgamento sem que pudesse dizer uma só palavra acerca do essencial da matéria pela
qual vinha sendo acusado; com a entrada em vigor da Lei Orgânica nº 4/2014, de 13 de Agosto, graças à
introdução na Lei 30/84, de 5 de Setembro - diploma que regula o Sistema de Informações da República - do artº
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33-A ficou solucionada de modo esclarecedor a questão sobre a colisão entre segredo de Estado e direito de
defesa”; sucede que as dúvidas antes colocadas não se encontram dissipadas; envia em anexo e em envelope
selado, nos termos do artº 87, ns 1 e 4 do C.P.P. a sua contestação – uma autêntica contestação – mediante a qual
exerce sem limites o seu direito de defesa; esta contestação apenas se destina a ser lida pelo Tribunal; o segredo
de Estado asfixia o direito de defesa do arguido; o processo nasce de guerra de grupos empresariais (Ongoing e
Impresa) e a par desta guerra, num outro contexto, existia uma disputa pela sucessão no cargo de Secretário-
Geral do SIRP, ligações à maçonaria e aos políticos odiados na altura; não se tem memória de um outro
qualquer assunto ter ocupado tantas primeiras páginas do Semanário Expresso; é inocente da quase totalidade
dos crimes e não deveria estar sozinho quanto aos restantes; o arguido é culpado por cumprir escrupulosamente
o que lhe foi incutido, ensinado e exigido durante anos; nada do que fez foi estranho ao modus operandi dos
serviços secretos portugueses; quanto ao acesso à facturação detalhada agiu de acordo com orientações
superiores, segundo o modus operandi dos serviços secretos portugueses, numa situação que assim o exigia;
quanto à alegada transmissão de informação confidencial em prol dos interesses do grupo Ongoing, o alegado
acto de serviço corrupto, por si levado a cabo mediante suposta violação do segredo de Estado, traduziu-se num
escrupuloso cumprimento de deveres que sobre si impendiam, sem que isso tivesse qualquer ligação com o seu
posterior vínculo com o Grupo; quanto à utilização dos serviços para obtenção e transmissão de informação a
terceiros, as suas condutas foram circunstancialmente exigidas por interesses do próprio SIED e agiu como lhe
competia;
Alega, em síntese, o arguido João Luís
Desde a sua constituição como arguido está vinculado ao dever de sigilo por se tratar de matéria abrangida pelo
segredo de Estado; está impedido de se pronunciar sobre a matéria da acusação; já pediu ao tribunal que
declarasse a inconstitucionalidade das Leis ns 30/84, de 5 de Setembro, 9/2007, de 19 de Fevereiro e 4/2014, de
13 de Agosto; pede o levantamento do segredo de Estado, por forma a poder exercer o seu direito de defesa
quanto aos factos por que vem acusado; impugna de forma genérica tudo quanto lhe é imputado na pronúncia,
nunca agiu de moto próprio, enquanto funcionário do SIRP, quer no SIS quer no SIED: a ter eventualmente sido
praticado qualquer um dos factos pelos quais vem pronunciado, tal decorrerá do cumprimento de determinada
ordem, vinda de determinado superior hierárquico, no âmbito de determinada missão, cumprindo os
procedimentos operacionais instituídos, sempre no exclusivo interesse do SIRP; só através da revelação de qual
a ordem recebida, de quem a deu e de qual a missão o arguido poderá demonstrar que todas as suas actividades e
acções enquanto funcionário do SIS ou, mais tarde, do SIED foram feitas dentro da mais estrita legalidade e
cumprindo os procedimentos operacionais adoptados pelo SIRP; quando lhe for permitido revelar as suas
actividades no SIS e no SIED durante 27 anos , será demonstrado que nunca praticou qualquer acto para além do
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que lhe foi ensinado na formação específica a que foi submetido e para além de quanto lhe foi ordenado pelos
seus superiores hierárquicos; não pode ser o bode expiatório de práticas que aparentam ser normais no Sistema
de Informações da República Portuguesa; não é o arguido nem a sua alegada actuação que estão em causa nestes
autos mas antes a própria existência dos serviços secretos enquanto tal;
Quanto ao pedido civil apresentado por Nuno Simas parece ser evidente que os factos da acusação, a terem sido
cometidos, são factos praticados por agentes ao serviço do Estado que não responsabilizam quem os praticou;
assim é parte ilegítima nesta demanda civil; é contra o Estado Português que deverá ser dirigida a demanda civil
cumprindo invocar a Lei 67/2007, de 31.12 que estabelece o regime legal da responsabilidade civil
extracontratual do Estado e das Pessoas Colectivas de Direito Público ; requer a intervenção acessória do
Ministério Público.
Alega, em síntese, o arguido Nuno Vasconcellos
A acusação contra o arguido assenta num documento forjado – a folha de papel a que se chamou email a fls. 2 e
3 do apenso 15 – que nunca poderia ter sido utilizado pelo acusador público; neste documento consta uma
espécie de currículo dos empresários russos, alegadamente enviado ao arguido por J.S. Carvalho; no entanto,
sendo evidente a falsidade desse documento, o Ministério Público decidiu trazê-lo para os autos, quando o que
deveria ter feito era investigar quem falsificou tal documento; a fase da instrução serviu para excluir essa prova
falsificada e retirar o facto que constava da acusação que se baseava nesse email, a alegada prova do envio de
informação sobre os cidadãos russos para o arguido não pode ser atendida e o facto correspondente que constava
da acusação do Ministério Público, já não consta da pronúncia; no fundo construiu-se um processo sem factos
ilícitos; admite que foi ingénuo ao aprovar a contratação de J.S. Carvalho numa altura em que este se encontrava
numa guerra acionista com o poderoso grupo Impresa, o Expresso actuou como uma espécie de acusador
público numa das maiores perseguições de que há memória na história do jornalismo português, desenvolvida na
sequência de um conflito de accionistas no Grupo Impresa detido, à data da acusação, em cerca de 23% pela
Ongoing; felizmente o passar do tempo tem as suas vantagens e o arguido acredita que hoje é mais fácil
entender-se que a “montanha pariu um rato”; o conflito acionista terminou com a venda da participação da
Ongoing na Impresa em 2014, mas infelizmente para o arguido sobrou esta grave consequência do processo
crime,
Alega, em síntese, o arguido Nuno Dias:
Oferece o merecimento dos autos; a ter praticado qualquer facto de que vem pronunciado, tal decorreu do
cumprimento de uma ordem dada pelo seu superior hierárquico, que entendeu como legítima, no exercício das
suas funções como funcionário do SIED; desde muito novo está habituado a cumprir ordens, sem sequer as
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questionar, atendendo à sua infância com o avô, capitão de cavalaria; a sua formação cívica foi sempre assente
num regime militar.
A provarem-se os factos que fundamentam o pedido de indemnização o mandante de eventuais ordens é o
responsável, pelo que requer a intervenção acessória do Ministério Público, em representação do Estado
Português; impugna os factos alegados pelo demandante.
Alega, por fim, a arguida Gisela Teixeira
Oferece o merecimento dos autos; quanto ao pedido de indemnização civil, a sua conduta não pode ser
considerada ilícita e culposa, porquanto actuou convencida que estava a cumprir um dever actuando sem
consciência da ilicitude; desconhece o estado de saúde do demandante e os demais factos alegados.
O arguido Nuno Vasconcellos na fase de instrução juntou parecer, elaborado pelos
Professores Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, versando sobre o crime de
corrupção imputado aos arguidos (fls. 2888).
O arguido Jorge Silva Carvalho, no final do julgamento, juntou parecer elaborado pelo
Professor José Oliveira Ascensão sobre “Dados Pessoais e Criminalidade Informática”.
Foram elaborados relatórios sociais dos arguidos.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
_________________________
Questão prévia sobre declaração de inconstitucionalidade material do regime previsto nos
arts. 12, do regime do segredo de Estado, e 33ªA da LQSIRP
O arguido Jorge Silva Carvalho a fls. 5847, após notificação do despacho do Primeiro –
Ministro sobre o levantamento do segredo de Estado - fls. 5782 - vem requerer que o Tribunal:
- reconheça a inconstitucionalidade material do regime previsto nos arts. 12, do regime do
segredo de Estado, e 33ª A da LQSIRP ou
- caso assim se não entenda e se continue a aplicar esse regime legal desconsidere o Despacho
do Sr. Primeiro-Ministro e exija uma nova resposta que, adoptando um método diferente,
supra as deficiências de que aquece padece.
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Alega que:
Lido o despacho do Primeiro-Ministro esperava-se bem mais.
Desde logo decepcionou o reduzidíssimo alcance que o despacho consagrou quanto ao
levantamento do segredo de Estado
Por outro espantou o método utilizado para a fundamentação do mesmo, pois deu-se ao SIRP,
e, mais precisamente, ao Gabinete do Secretário-Geral – entidade não imparcial no presente
processo – o papel de conselheiro e de crivo adicional quanto aos elementos e matérias
passíveis de serem reveladas, viciando, desde a sua génese, a configuração do Despacho ora
notificado.
A surpresa e decepção do ora requerente quanto ao despacho veio, porém, trazer-lhe um
conforto: na prática, e sem sombra para dúvidas, foi confirmada a bondade da tese da
inconstitucionalidade e inaplicabilidade do regime de segredo de Estado actualmente vigente,
a qual veio sendo por si defendida, desde cedo, ao longo do presente processo.
Apreciando.
Sobre a invocada inconstitucionalidade, o Tribunal já se pronunciou em despacho de
23.02.2015 e afigurou-se-lhe que o novo regime legal não padecia de inconstitucionalidade
nem coarctava os direitos de defesa dos arguidos em processo penal em caso de colisão entre
esses direitos e o segredo de Estado.
Na verdade, refere-se nesse despacho que “A fórmula encontrada pelo legislador determina
que o segredo de Estado possa ceder em matérias concretas, e não de forma genérica como
pretenderiam os arguidos, para salvaguardar os interesses, constitucionalmente protegidos, de
defesa do arguido.
O quadro constitucional e legal existente parece apontar no sentido de o detentor do segredo,
quando confrontado com a necessidade de levantamento desse segredo ou de desclassificação
de determinadas matérias para defesa cabal dos direitos de defesa do arguido, ter o
poder/dever de procurar harmonizar os vários interesses em conflito sem, contudo, colocar
em causa as garantias de defesa dos arguidos consagradas no artº 32/1 da CRP, ou seja, terá
de haver uma séria ponderação entre, por um lado, o prejuízo que a revelação de
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determinadas matérias classificadas pode eventualmente causar – a determinação do Segredo
depende designadamente da circunstância de a sua divulgação poder implicar um perigo ou lesão para os bens
jurídicos tutelados pelo segredo tais como a segurança interna e externa do Estado - e, por outro lado, o
prejuízo que a sua ocultação pode causar à defesa do arguido.
Afigura-se-nos, pois, salvo melhor opinião, que os direitos de defesa do arguido podem não
ser prejudicados se esta ponderação for feita com base em matérias concretas (e circunscritas)
que o arguido considere relevantes para o exercício do seu direito de defesa”.
Produzida a prova e realizado o julgamento, o Tribunal entende que deve manter a posição
anteriormente adoptada e que não se alteraram os pressupostos que estiveram subjacentes a
essa decisão.
Razão pela qual se indefere o requerido.
As questões suscitadas pelas respostas do Sr. Primeiro –Ministro, serão adiante apreciadas na
como questão prévia à motivação da matéria de facto.
________________________
Mantêm-se os pressupostos processuais apreciados no despacho que designou data para
julgamento.
_________________________
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
1. Compete ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) assegurar, no
respeito da Constituição da República Portuguesa e da lei, a produção de informações
necessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna.
2. O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) é o organismo que,
integrando o SIRP, tem como atribuição a produção de informações que contribuam
para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança
externa do Estado Português.
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3. Compete ao SIED:
Promover, por forma sistemática, a pesquisa, a análise e o processamento de notícias e
a difusão e arquivo das informações produzidas, devendo, nomeadamente:
a) Accionar os meios técnicos e humanos de que tenha sido dotado para a
produção de informações, desenvolvendo a sua actividade de acordo com as
orientações fixadas pelo Primeiro-Ministro e no âmbito das instruções e
directivas dimanadas do Secretário-Geral do SIRP;
b) Elaborar os estudos e preparar os documentos que lhe forem determinados;
c) Difundir as informações produzidas, de forma pontual e sistemática, às
entidades que lhe forem indicadas;
d) Comunicar às entidades competentes para a investigação criminal e para o
exercício da acção penal os factos configuráveis como ilícitos criminais,
salvaguardado o que na lei se dispõe sobre segredo de Estado;
e) Comunicar às entidades competentes, nos termos da lei, as notícias e
informações de que tenha conhecimento e respeitantes à segurança do Estado e
à prevenção e repressão da criminalidade;
4. O arguido Jorge Silva Carvalho desempenhou as funções de Director do SIED entre
1.04.2008 e 1.12.2010.
5. Cabia-lhe, nos termos da lei, garantir o regular funcionamento do Serviço, sendo
responsável pela manutenção da fidelidade da sua actuação às finalidades e aos
objectivos legais, no quadro das instruções e directivas dimanadas do Secretário-Geral
do SIRP.
6. E competia-lhe:
a) Representar o SIED;
b) Participar no conselho administrativo;
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c) Emitir as ordens de serviço e as instruções julgadas convenientes, no âmbito
das atribuições legalmente cometidas ao SIED;
d) Submeter à aprovação tutelar todos os actos que dela carecessem;
e) Executar as determinações do Primeiro-Ministro e do Secretário-Geral e as
deliberações dos órgãos de fiscalização definidos pela Lei Quadro do SIRP;
f) Exercer o poder disciplinar, dentro dos limites determinados por lei;
g) Elaborar o relatório anual de actividades do SIED;
7. O arguido Jorge Silva Carvalho, tendo ingressado no Serviço de Informações de
Segurança (SIS) em Abril de 1991, desempenhara, no interior do SIRP, as seguintes
funções e cargos:
- director de Área, a partir de Outubro de 1996;
- director do Departamento, a partir de Fevereiro de 1999;
- chefe de Gabinete do Secretário-Geral do SIRP, desde Maio de 2005 até à sua
nomeação como Director do SIED.
8. O arguido João da Silva Luís desempenhava as funções de Director do Departamento
Operacional do SIED.
Facturação detalhada do jornalista Nuno Simas
9. No contexto do percurso que vinha realizando no SIRP, o arguido Jorge Silva
Carvalho esteve associado à remodelação do SIED.
10. Em 7.08.2010, a edição do jornal “Público” incluiu um artigo, subscrito por Nuno
Simas, com os seguintes antetítulo e título, respectivamente: “Entrada e nomeação de
membros do SIS para o SIED causa perturbações” e “Mudanças de espiões e
dirigentes causam mal-estar em serviço das “secretas”.
11. Aí escrevia aquele jornalista, em especial, que:
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“ Os serviços de informações portugueses cresceram nos últimos anos.
Aproximadamente 20 por cento, entre 2004 e 2009 em número de funcionários,
resultado do investimento pós 11 de Setembro. Os quadros e a importância das
“secretas” aumentaram. Como aumentou a tensão interna com algumas nomeações,
em especial no Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), o serviço
“externo” onde voltou um clima de mal-estar.
Por causa da contratação de pessoal, como foi o caso de uma ex-assessora do
grupo parlamentar do PS, mas também por algumas escolhas de funcionários do
Serviço de Informações e Segurança (SIS) para postos no SIED, dirigido por Jorge
Silva Carvalho.
Este clima de descontentamento é admitido por fontes dos serviços, que pedem o
anonimato. E que o explicam com as recentes mudanças nas chefias de vários
departamentos do SIED, com trocas de pessoal experiente por outro dos próprios
serviços. Ou, no caso de “estações” no estrangeiro, por funcionários do SIS. O
responsável pelo Departamento Financeiro saiu e foi substituído; o mesmo aconteceu
com um dirigente do Departamento A, “operacional”.
Um dos casos mais recentes, e controverso internamente, foi a escolha de um ex-
responsável do Departamento Africa do SIED para subdirector. Dentro do serviço,
este é um exemplo do que é considerado de “falta de experiência” por um
profissional de intelligence ouvido pelo PÚBLICO.
Dentro e fora da “secreta’ há sinais de preocupação. Quer quanto aos custos
destas mudanças feitas nos últimos anos e meses - em seis anos, de 2004 a 2009, os
serviços terão crescido em mais de 70 novos elementos, correspondente a cerca de 20
por cento relativamente ao quadro de pessoal do SIS, S1ED e gabinete do secretário-
geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e Estruturas
Comuns”.
12. O artigo tinha um pendor crítico relativamente à orientação e organização dos
Serviços, com especial ênfase nas transferências, substituições e nomeações no SIED,
tudo matérias para cuja decisão o arguido Jorge Silva Carvalho, enquanto Director do
SIED, contribuíra relevantemente.
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13. Por outro lado, o seu conteúdo parecia resultar de um conhecimento transmitido ao
jornalista Nuno Simas por fontes dos Serviços, ao dar nota da existência de um “mal
estar” entre os respectivos quadros, em consequência da referida reestruturação.
14. Perante isto, quis o arguido Jorge Silva Carvalho saber quais os funcionários do
Serviço de Informações que poderiam ter sido fonte de informação do dito jornalista.
15. Assim, depois de ter consultado a lista de facturação detalhada dos funcionários do
SIED, a que tinha acesso por força do exercício das suas funções, decidiu, em
momento exacto não apurado, mas posterior a 7.08.2010 e anterior a 17.08.2010,
determinar o arguido João Luís, Director do Departamento de Operações do SIED,
que obtivesse os dados de tráfego do número de telefone 935016063, utilizado pelo
jornalista Nuno Simas, para o período de Julho e Agosto daquele ano.
16. O arguido João Luís, por seu turno, ao tomar conhecimento que a arguida Gisela
Teixeira, companheira do arguido Nuno Dias, agente a exercer funções sob a sua
direcção, trabalhava na OPTIMUS/NOS, tendo acesso à facturação detalhada dos
clientes, determinou a este arguido que obtivesse a referida informação junto daquela
operadora.
17. Em execução do solicitado pelo seu companheiro, a arguida Gisela Teixeira acedeu à
base de facturação da OPTIMUS/NOS e, nesta, à facturação detalhada do número de
telefone supramencionado, à data disponibilizado pelo jornal “Público” a Nuno Simas,
através da aplicação Customer Process Management (CPM) que suporta o sistema de
facturação da OPTIMUS e acessível através de browser em ambiente web.
18. Esta aplicação permite a extracção da informação directamente para Excel e apresenta
informação sobre as comunicações, no formato data-início e data-fim e o IMEI.
19. A arguida Gisela Teixeira, através do utilizador CCPSUPO1 que lhe foi atribuído pela
entidade patronal - por via do pedido “SD 1148045” -, e usando, fora das instalações da
Optimus, a Virtual Private Network (VPN) corporativa, no dia 17.08.2010, às 23h
23m e 38s, efectuou uma pesquisa de chamadas para o período de 18.07.2010 a
25.07.2010, relativamente ao contrato 25325191, associado ao número de telefone
935016063.
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20. No mesmo dia, às 23h 24m 50s, efectuou nova pesquisa, relativa ao mesmo contrato,
agora com referência ao período de 18.07.2010 a 12.08.2010.
21. De seguida, às 23h 25m 39s, procedeu à extracção, para Excel, do detalhe das
chamadas, para o período de 18.07.2010 a 12.08.2010.
22. Na posse do ficheiro de Excel, obtido e transmitido, pelo modo descrito, pela arguida
Gisela Teixeira, o arguido Nuno Dias, em 17.8.2010, trabalhou esse ficheiro no
domínio que lhe estava destinado como UTIL25O, atribuindo-lhe a designação de
“Book7.xls”, completando-o, por determinação do arguido João Luís, com referências
identificadoras dos destinatários das chamadas realizadas por Nuno Simas.
23. E, em 18.08.2010, no seu domínio de trabalho na Rede Externa do SIED, acessível
através do user UTIL25O que lhe fora distribuído, trabalhou os respectivos dados, em
ficheiro no formato Word, atribuindo-lhe a designação de “Lista de compras.doc”.
24. O arguido Nuno Dias entregou o ficheiro em Excel, designado “book7.xls”, ao
arguido João Luís que, por sua vez, no mesmo dia, o transmitiu ao arguido Jorge Silva
Carvalho.
25. O arguido Jorge Silva Carvalho, nesse dia, guardou, na memória do seu telemóvel, o
referido ficheiro Excel - book7.xls - e os ficheiros primeira.lista.doc, 969362270.. ..pdf
e telemóveis.xls, que continham a facturação detalhada dos oficiais do SIED que
julgava responsáveis pelas fugas de informação
26. Ainda em cumprimento da solicitação que lhe fora feita pelo arguido Nuno Dias, a
arguida Gisela Teixeira, através do user “GFTEIXEIRA”, que entretanto lhe tinha
sido atribuído em substituição do user “CCPSUPO, no dia 1.09.2010, às 9h 02m 50s,
nas instalações da OPTIMUS, sitas na Sra. da Hora, em Matosinhos, efectuou nova
pesquisa para o mesmo contrato, com o número 25325191, e com referência ao
período de 12.08.2010 a 15.08.2010.
27. De seguida, pelas 09h 02.m 54s, procedeu à extracção do detalhe das comunicações
em causa para Excel.
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28. Entretanto, no interior do SIED, o arguido Jorge Silva Carvalho confrontou alguns
dos seus funcionários e dirigentes com o facto de os seus números de telemóvel
constarem da facturação detalhada de Nuno Simas.
29. Os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís sabiam que o número de telefone
935016063 era utilizado pelo jornalista Nuno Simas, sendo que o arguido Jorge Silva
Carvalho pretendia conhecer os destinatários das respectivas comunicações
telefónicas.
30. O que conseguiu, determinando o arguido João Luís e este, o arguido Nuno Dias a,
nas circunstâncias acima descritas, aceder, através da arguida Gisela Teixeira, à base
de dados daquela operadora de telecomunicações em que o número estava activado.
31. Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João da Silva Luís e Nuno Dias sabiam que tal
acesso, através da arguida Gisela Teixeira, constituía um desvio não permitido pela
Lei ao fim a que a base de dados se destinava.
32. E que inexiste base legal que atribua aos Serviços de Informações o acesso a dados de
tráfego relativos a comunicações electrónicas ou telefónicas.
33. Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias sabiam que lhes era vedado
o conhecimento dos dados de tráfego de um telefone alheio.
34. E que os dados relativos às comunicações telefónicas constituem dados pessoais,
relativos à vida privada e, no caso, também, às fontes de um jornalista, estando, todos
eles, protegidos por Lei.
35. O arguido Jorge Silva Carvalho determinou o arguido João da Silva Luís e este
determinou o arguido Nuno Dias, seu inferior hierárquico, a, nas circunstâncias
descritas, proceder conforme descrito, como se tal concreto poder lhes fosse conferido
por lei.
36. Pretendendo ambos, com tal conduta, reforçar a esfera pessoal de poder interno do
arguido Jorge Silva Carvalho e quanto a este, identificar e isolar funcionários de que
suspeitava como fontes de informação de jornalistas.
37. Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias agiram em conjugação de
esforços e de intentos.
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38. A arguida Gisela Teixeira bem sabia não poder legalmente aceder a tais dados, da
forma descrita, e que a sua revelação a terceiros, sem o consentimento do titular dos
mesmos, constituía crime.
39. Sabia ainda que não estava obrigada a cumprir quaisquer ordens, instruções ou
pedidos formulados pelo seu companheiro, o arguido Nuno Dias.
Contratação do arguido Jorge Silva Carvalho pelo Grupo Ongoing
40. O arguido Jorge Silva Carvalho era, há vários anos, amigo do arguido Nuno
Vasconcellos.
41. Em 2006, aquando da criação do Grupo Ongoing, o arguido Nuno Vasconcellos tinha
convidado o arguido Jorge Silva Carvalho a integrar o grupo, convite que este, na
altura, declinou.
42. No período posterior ao Verão de 2010, o arguido Jorge Silva Carvalho, quis sair do
SIED, por discordar de decisões tomadas pelo Secretário Geral do SIRP, e avaliou as
hipóteses de ingressar no Grupo Ongoing.
43. Neste contexto, no dia 22.10.2010, o arguido Jorge Silva Carvalho enviou ao arguido
Nuno Vasconcellos um sms questionando-o sobre se o queria contratar para trabalhar
no Grupo pedindo-lhe uma resposta sincera.
44. Perante a resposta afirmativa de Nuno Vasconcellos, que lhe disse que estaria disposto
a contratá-lo de imediato e que mantinha a proposta sine die, o arguido Jorge Silva
Carvalho perguntou ao seu interlocutor quanto poderia valer, por mês, líquido.
45. E, ainda nesse dia, seguiu-se troca de mensagens entre ambos sobre a contratação do
arguido Jorge Silva Carvalho pelo Grupo Ongoing e sobre o valor da remuneração
que o arguido iria auferir, tendo o arguido Nuno Vasconcellos reiterado o interesse em
contratá-lo, dada a confiança que depositava nele e a amizade que os unia,
informando-o que ganharia mais do que se fosse promovido, e que se tivesse uma
outra oferta oferecia o mesmo.
46. O arguido Jorge Silva Carvalho, depois de ter dito quanto recebia nos serviços de
informações - 4.000€ líquidos, com carro, motorista, telefone ilimitado, carro para uso privado e
combustível -, insistiu com o arguido Nuno Vasconcellos para que lhe indicasse um
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valor líquido que considerasse justo e que ele pudesse compensar com o que levava e
com o seu trabalho.
47. No dia seguinte - dia 23.10.2010 - o arguido Jorge Silva Carvalho, em nova mensagem,
informou o arguido Nuno Vasconcellos que, depois de longa noite de reflexão e
conversa com a mulher, tinha decidido pertencer à sua equipa a partir de 1.12.2010.
48. E no dia 24.10.2010 enviou mensagens a Rafael Mora, à data Vice-Presidente
executivo da Ongoing, e ao arguido Nuno Vasconcellos agradecendo e manifestando
entusiasmo, expectativa e apreensão e referindo a Nuno Vasconcellos que tudo faria
para o recompensar.
49. O concreto estatuto remuneratório veio a ser delineado nos dias seguintes, tendo o
arguido Jorge Silva Carvalho assinado em 28.12.2010 uma carta convite, que lhe foi
dirigida por Rafael Mora, na qual este “nos termos da deliberação da Assembleia
Geral da Ongoing Strategy Investments, SGPS, SA” de 23.12.2010, formaliza o
convite a Jorge Silva Carvalho para que assuma o cargo de Vice-Presidente da
Ongoing Shared Services, SA, Presidente da Accelerator, membro do Conselho de
Administração da Investoffice e bem assim, de assessor do Conselho de
Administração da Ongoing Strategy Investments, SGPS, SA”.
50. Nessa carta convite estabeleciam-se as seguintes condições de contratação: o arguido
iniciava funções no dia 2.01.2011; auferia um salário anual bruto de 213.931,89€,
correspondente a um valor mensal líquido de 10.000€, devido por todas as funções
desempenhadas no Grupo Ongoing, pago em catorze prestações mensais; dispunha de
uma viatura, nas condições aprovadas pelo grupo Ongoing para os membros dos
Conselhos de Administração das empresas que o integravam; tinha direito ao seguro
de saúde do grupo, telemóvel e computador portátil e a bónus pagos em função do seu
futuro desempenho profissional.
51. Esta remuneração estava em linha com as remunerações pagas a outros quadros que
exerciam funções semelhantes no Grupo Ongoing.
52. Em 6.01.2011 foi constituída a sociedade “Ongoing Shared Services, S.A.”, empresa
de serviços partilhados do Grupo, que veio a absorver as estruturas de apoio
administrativo, financeiro, de recursos humanos, tecnologias de informação e
logísticas das diferentes unidades de negócio do Grupo.
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53. Na qual o arguido Jorge Silva Carvalho começou por ocupar o lugar de Vice-
Presidente, passando, a partir de Março, a ocupar o lugar de Director Executivo.
54. O crescimento do grupo Ongoing tinha feito com que em 2010 o Grupo repensasse a
estrutura organizativa, criando uma empresa de serviços partilhados do Grupo, que
absorveu todas as estruturas de apoio administrativo, financeiro, de recursos humanos,
tecnologias de informação e logísticas das diferentes unidades de negócio do Grupo.
55. O arguido Jorge Silva Carvalho, durante o período em que exerceu as funções de
chefe de gabinete do Secretário-Geral do SIRP, tinha estado directamente envolvido
na implementação dos serviços partilhados, no âmbito do sistema de informações.
Informação sobre empresários russos e RINOT
56. Na sequência de uma apresentação feita à Ongoing, por um intermediário, esta,
através dos seus representantes Fernando Paulo Santos e Vasco Rato, decidiu avaliar
as possibilidades de desenvolver um negócio associado à construção de infraestruturas
no Porto de Astakos, na Grécia, porto privado com capitais russos e gregos.
57. Para tanto, com o conhecimento e o acordo do arguido Nuno Vasconcellos, Fernando
Paulo Santos e Vasco Rato mantiveram contactos com dois empresários russos,
alegadamente com influência na respectiva esfera de poder nacional, Alexandre
Burmatov e Alexandre Vladislavlev.
58. No âmbito destes contactos com os cidadãos russos, em finais de Outubro de 2010,
Fernando Paulo Santos solicitou ao arguido Jorge Silva Carvalho que obtivesse, junto
do SIED, que este ainda dirigia, informação sobre os referidos empresários de
nacionalidade russa, indicando, no sms que lhe enviou, o “porto de Astakos”.
59. Em 30.10.2010, o arguido Jorge Silva Carvalho determinou a oficial do SIED que
efectuasse uma pesquisa, em fonte aberta, sobre o porto grego de Astakos.
60. O resultado deveria incluir, entre outros, dados sobre a utilização habitual (“militar,
comercial?”), a empresa proprietária e o mapa de satélite respectivo.
61. No mesmo dia, o arguido Jorge Silva Carvalho determinou o arguido João Luís a que
fosse produzida informação, por recurso às “fontes humanas”, com acesso à Rússia,
sobre “antecedentes” dos referidos empresários, cujos nomes lhe forneceu.
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62. Mais lhe indicou que a informação deveria constituir um Relatório Interno de
Informação.
63. O arguido João Luís, no exercício das funções de Director do Departamento
Operacional do SIED, determinou internamente que fosse obtida a referida
informação junto do oficial de informação que, no local e à data, tinha a
responsabilidade pela área geográfica em causa.
64. Para o efeito, foram activados os necessários meios humanos do SIED e
consequentemente produzida informação escrita sobre as origens, actividades
negociais e circunstâncias relativas à capacidade de decisão dos referidos empresários.
65. No dia 1.11.2010, o arguido Jorge Silva Carvalho contactou também o então oficial de
ligação na Rússia, transmitindo-lhe a mesma solicitação.
66. Em 2.11.2010, este oficial transmitiu-lhe a informação por si elaborada, para o
endereço de e-mail imischotmail. com.
67. Esta informação foi obtida, pelo oficial de ligação, por recurso a fontes abertas.
68. No SIED, com informações obtidas, sobre os dois empresários de nacionalidade russa,
foi registado o Relatório Interno de Informação (RINOT) constante do apenso 12.
69. Uma parte substancial da informação vertida neste RINOT foi obtida por recurso a
fontes abertas e uma outra parte por recurso a fontes humanas.
70. Este RINOT, constituído por três folhas e contendo informações sobre os dois
empresários russos, está classificado como confidencial, por conter matéria
classificada, mostrando-se consignado no próprio documento que é proibida a sua
transmissão ou revelação a pessoas não autorizadas e que a distribuição, transferência,
reprodução, o arquivo e a destruição desse documento estão regulamentados na
Resolução de Conselho de Ministros nº 50/88, de 8 de Setembro (SEGNAC 1).
71. Na posse dos documentos produzidos, nas circunstâncias referidas nos pontos 62 a 69,
sobre os identificados empresários russos - RINOT mencionado no ponto 69 e outras
informações -, o arguido Jorge Silva Carvalho enviou-os a Fernando Paulo Santos, a
2.11.2010, para o endereço de email do destinatário [email protected].
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72. Por sua vez, Fernando Paulo Santos, enviou o documento sobre os empresários russos,
em 6.11.2010, a Vasco Rato, com a menção de “TOP TOP SECRET”, para os
endereços [email protected] e [email protected].
73. O conhecimento, por particulares, desvinculados das normas próprias de segurança
dos Serviços de Informações, por outros Estados ou cidadãos de países em que as
fontes actuam, de dados obtidos por recurso a fontes humanas é susceptível de afectar,
de modo relevante, a segurança do Estado.
74. Designadamente, por ser susceptível de gerar conflito diplomático entre o Estado
Português e outro a que a informação se refere e de pôr em causa a segurança de
missões e de recursos humanos, no exterior.
75. A transmissão desses dados a terceiros potencia, de modo não controlável, o risco de
propagação da informação.
76. Sabia o arguido Jorge Silva Carvalho que, exercendo funções de Director de uma das
componentes do Serviço de Informações da República, lhe competia colocar os
recursos e operações, exclusivamente, ao serviço do interesse público e garantir a
protecção dos seus agentes e estrutura e do segredo de Estado.
77. E que lhe incumbia, em razão de ser membro e director do SIED, especial e
legalmente consignado, dever de proteger os documentos classificados, sujeitos a
segredo de Estado.
78. O arguido Jorge Silva Carvalho, na primeira semana de Novembro de 2010, informou
o Secretário-Geral do SIRP da sua decisão de sair dos serviços de informações e no
dia 8.11.2010 apresentou o respectivo pedido de exoneração de Director do SIED.
79. Na carta dirigida ao Secretário-Geral do SIRP, o arguido referia não ter condições
para exercer o cargo de Director do SIED, e que tal se devia nomeadamente a
despachos do Secretário-Geral de finais de Julho e de Outubro que conjugados
constituíam uma desautorização e contribuíam para a descredibilização dos cargos dos
Directores dos serviços e em particular do cargo desempenhado por si, esvaziando-o
quase por completo das capacidades de exercer as poucas competências relevantes
que lhe eram conferidas por lei.
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80. Em 18.11.2010, foi aceite o pedido de exoneração, bem como foi deferido o pedido de
licença sem vencimento, tudo com efeitos a partir de 30 de Novembro.
81. Em 2.01.2011, o arguido Jorge Silva Carvalho iniciou, formalmente, as suas funções
no grupo Ongoing, nas condições supramencionados nos pontos 49 a 52.
82. Por ter expressado interesse, junto de João Bicho, em receber os relatórios elaborados
pelo serviço de prevenção respectivo, o arguido Jorge Silva Carvalho, desde que
deixou de exercer funções no SIED, até, pelo menos à data da realização de busca ao
seu domicílio, recebia, diariamente, relatórios, constituídos por sínteses de notícias ou
“takes” de órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros e das principais
agências noticiosas internacionais, sobre acontecimentos e política internacionais.
83. A compilação e o envio, para lista de destinatários que ocupavam cargos políticos e
públicos definida pelo SIED, eram efectuados pelos funcionários do serviço diário de
prevenção.
84. O arguido Jorge Silva Carvalho, também diariamente, reencaminhava os relatórios
recebidos do SIED para Nuno Vasconcellos, Rafael Mora, Paulo Gomes, James E.
Risso-Gili, Paulo Santos, Paulo Félix, Vasco Rato, Vittorio Calvi, José Eduardo
Moniz, João Alfaro, Rita Marques Guedes, António Costa, Fernando Maia Cerqueira,
Miguel Coutinho e João Alfaro, todos, à data, do Grupo Ongoing, bem como a
dirigentes do universo político-partidário.
85. E fazia-o, após reencaminhamentos das mensagens de texto para as diversas contas de
correio electrónico de que dispunha, nomeadamente: davidmcornwelkqmail.com e
imischotmail com.
Informação obtida na base de dados do SIED, “Dun & Bradstreet”
86. Em 10.12.2010, Fernando Paulo Santos solicitou ao arguido Jorge Silva Carvalho
informação sobre as sociedades Henriques&Henriques -Vinhos, S.A., Madlider -
Gestão e Consultadoria, Lda.,Maxigest - Gestão de empresas, Lda., Imonetos –
Imobiliário e Construções, S.A., Casa dos Vinhos da Madeira, Lda. e Belém’S
Madeira Wine, Lda., todas com participação de Humberto Policarpo Rodrigues
Jardim.
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87. O arguido Jorge Silva Carvalho pediu a João Luís, em data não apurada, mas
compreendida entre 10 e 21 de Dezembro, que recolhesse e lhe transmitisse
informação sobre as sociedades com participação do referido empresário residente na
Região Autónoma da Madeira.
88. O arguido João Luís, à data Director do Departamento Operacional do SIED,
determinou, directamente, sem conhecimento da chefia intermédia, a Hugo
Guimarães, à data em funções no SIED, no Departamento Operacional, que, por
recurso à base de dados, “Dun & Bradstreet”, recolhesse informação sobre as
sociedades participadas pelo referido empresário, fornecendo-lhe as respectivas
denominações.
89. O arguido João Luís em 21.12.2010 transmitiu ao arguido Jorge Silva Carvalho,
através de email, para o endereço imischotmail.com e depois reenviada por este para o
endereço davidmcornwellgmail.com, toda a informação disponível na base de dados
“Dun & Bradstreet” sobre as empresas referidas.
90. E, no mesmo dia, a mesma informação foi enviada a Fernando Paulo Santos, do
endereço davidmcornweIlgmaiI.com para o endereço de [email protected].
91. Esta informação foi recolhida na base de dados da “Dun & Bradstreet”, a que o SIRP
acede em razão de contrato e mediante o pagamento de quantias monetárias, incluindo
um preço por consulta.
92. E destinou-se a fim alheio às atribuições e competências do SIED.
93. Tendo apenas como propósito a satisfação do interesse pessoal do arguido Jorge
Silva Carvalho.
94. Agindo o arguido João Luís, enquanto agente do Estado, em violação dos seus
deveres funcionais, de legalidade e isenção, sendo determinado pelo arguido Jorge
Silva Carvalho, em virtude da sua anterior relação hierárquica, a agir em violação dos
seus deveres funcionais.
95. E, ao decidirem actuar do modo supra descrito, agiram em conjugação de esforços e
de intentos.
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96. Todos os arguidos agiram sempre de forma livre e deliberada, sabendo que as
condutas acima descritas eram contrárias à Lei.
Informações sobre aviões Líbios em manutenção em Alverca
97. Por razões não concretamente apuradas, em 31.05.2011, o arguido João Luís, a
pedido do arguido Jorge Silva Carvalho, informou este arguido sobre a situação de
quatro aviões líbios que haviam estado em manutenção em Alverca, dizendo que
tinham sido entregues antes do inicio das sanções, tendo um deles regressado por
deficiências relacionadas com as operações de manutenção, que era esse o único avião
que permanecia em Alverca (C-130), e que, mesmo em caso de desbloqueio da
situação líbia, não poderia ser entregue porque estava com os painéis desmontados,
aguardando peças e configuração.
98. O arguido João Luís informou ainda que, quanto aos “indivíduos”, não tinham
mesmo nenhuma informação, referindo-se a informação na posse do SIED.
99. No mesmo dia, o arguido Jorge Silva Carvalho, por razões igualmente não apuradas,
informou uma jornalista do exacto teor da informação que lhe havia sido transmitida
pelo arguido João Luís, pedindo desculpa pelo atraso alegando que: “não tínhamos
informação”, referindo-se a informação na posse do SIED.
100. Igualmente a pedido da mesma jornalista, o arguido Jorge Silva Carvalho, em data
não determinada, mas compreendida entre 31 de Maio e 3 de Junho de 2011, solicitou
ao arguido João Luís que lhe desse informação sobre contacto na Embaixada da Líbia,
em Lisboa.
101. Em 3 de Junho de 2011, o arguido João Luís informou-o sobre a morada do
embaixador da Líbia, o posicionamento face ao conflito na Líbia do responsável pelas
Finanças da Embaixada e o nome e número de telefone de quem deveria ser
contactado na referida representação diplomática, sempre referindo-se a informação
na posse do SIED.
102. No mesmo dia, o arguido Jorge Silva Carvalho transmitiu à jornalista o exacto teor
da informação que lhe havia sido transmitida pelo arguido João Luís.
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103. Esta informação foi recolhida no SIED, em virtude das suas competências e
atribuições e destinava-se à execução dos fins nestes compreendidos.
“Relatório” sobre Francisco Pinto Balsemão
104. Em Fevereiro de 2011, o arguido Jorge Silva Carvalho, em resultado da assinatura
da carta convite mencionada no ponto 49, era assessor do Conselho de Administração
e Responsável do Centro Corporativo da OSI; Vice-Presidente da Ongoing África;
Vice-Presidente da Ongoing Shared Services (OSS); Administrador da Ongoing
Brasil; Administrador da Ongoing Tecnologies; CEO da Accelerator; e Administrador
da Investoffice.
105. O arguido Jorge Silva Carvalho usava os seguintes endereços de e-mail
“[email protected] e [email protected], entre outros.
106. Neste contexto, competia ao arguido Jorge Silva Carvalho reunir informações de
diversa natureza que pudessem ser de utilidade para os interesses estratégicos da
Ongoing.
107. Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 9.05.2011, Paulo
Félix, assumiu o cargo de Director de Auditoria de Sistemas e Tecnologias de
Informação do grupo Ongoing, usando, entre outros, os e-mails
“[email protected] e [email protected].
108. No âmbito dessa relação profissional competia a Paulo Félix, sob ordens de Jorge da
Silva Carvalho, apurar, designadamente, informações relativamente a empresas e
pessoas singulares.
109. Desde 2009/2010, que o grupo Ongoing pretendia obter uma maior participação no
capital social do Grupo Impresa, proposta que terá sido rejeitada por Francisco Pinto
Balsemão.
110. De então em diante, foram intentadas diversas acções judiciais contra o Grupo
Impresa pelo Grupo Ongoing, designadamente pondo em causa a gestão do grupo
Impresa, liderado por Francisco Balsemão.
111. Entre Maio e Julho de 2011, surgiu na Internet uma campanha de tweets que punham
em causa essa mesma capacidade de gestão de Francisco Balsemão, usando
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expressões (entre outras) como “Nepotismo de Balsemão ajuda Impresa a tropeçar no
desempenho financeiro”; “Gestão duvidosa de Balsemão leva a adopção de medidas
extremas entre corte de salários e despedimentos mascarados de rescisão (…)”; “O
controlo absoluto que Pinto Balsemão e família passaram a ter sobre todas as decisões
transformou a Impresa numa oligarquia”.
112. No dia 4.09.2011, às 17h. 35m., o arguido Jorge Silva Carvalho, dirigiu e-mail a
Paulo Félix do seguinte teor “Amigos para além do pedido para vocês fazerem um
relatório conjunto sobre a Finertec, pedia-vos que vissem também o que existe em
fontes abertas sobre o balsinhas, em particular sobre os empréstimos que tem, que
bancos, quando vencem, etc. Interessa a estrutura financeira e económica da empresa.
Gostava de, idealmente, ter resultados no final desta semana. Abraço”.
113. Nesse dia, às 21h.17m., Paulo Félix respondeu a Jorge Silva Carvalho da seguinte
forma: “Vou ver o que consigo. Abr.”.
114. No dia 17.10.2011, às 10h. 9m., Jorge Silva Carvalho (usando o endereço
[email protected], em seu nome) enviou para Paulo Mateus Félix, com
nota de “Importância: Alta “Anexos: Attachment”, um documento que detinha,
elaborado em ficheiro no formato Word, atribuindo-lhe a designação de “relatório”.
115. Tal documento/relatório começa com uma folha de introdução contendo, no centro
da página, os únicos dizeres “Até na cama o Balsemão é preguiçoso”.
116. Desenrolando-se, nas páginas que compõem tal relatório, a descrição de factos
relativos à vida pessoal, familiar, social, sexual, partidária/política de Francisco José
Pereira Pinto Balsemão.
117. Contendo: “Factos relevantes – tabela cronológica de 1961 a 2011”; uma tabela
discriminando quem era seu amigo e de onde, quem era seu aliado porquê e de onde;
quem era seu inimigo e porquê; “cronologia Biográfica (Casos e Factos Marcantes) da
vida de Francisco José Pereira Pinto Balsemão, com excertos de jornais, depoimentos,
excertos de escutas da PIDE sobre a sua vida pública, partidária, social e familiar,
com comentários acoplados.
118. Designadamente (excertos do documento):
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“A primeira mulher, Maria Isabel (Belixa) Lacerda Rebelo da Costa Lobo inicia uma relação
com o apresentador Carlos Cruz (não é claro se a mesma tinha começado antes ou depois de
Belixa se separar de Balsemão). De assinalar que, durante o depoimento no processo “Casa
Pia” sobre esse período, Carlos Cruz tem o cuidado de nunca referir nem o nome de Maria
Isabel, nem de Balsemão nem dos filhos de ambos. A relação entre Balsemão e Cruz não era
a melhor, dada a vontade deste em levar Mónica e Henrique para Nova Iorque, (…)
Coincidências…Nota: Reproduzimos esta informação não pelo seu valor objectivo, mas pelo
potencial de exploração da mesma.
- “28 de Outubro de 1970 – Nasce filho ilegítimo só reconhecido por ordem do Tribunal de
um relacionamento com Isabel Supico Pinto, nasceu Francisco Maria Supico Pinto
Balsemão. A criança só foi reconhecida pelo pai após ordem do Tribunal. Isabel Maria
Supico Pinto , filha de Clotério Luís Suoico Ribeiro Pinto (casado com (…)”.
- 6 de Janeiro de 1973 – Criado Expresso, ligação Media-Política (…) Escutas revelam
promiscuidade entre política e media. Noutra conversa, Balsemão e Sá Carneiro falam dos
próximos assuntos a tratar no Expresso (…) Ou seja, este excerto revela que Balsemão usou
o Expresso para defender as suas ideias políticas, usando uma perspectiva puramente
instrumental e utilitária de um órgão de comunicação social. Além da censura também
outras vontades, pelo que se lê, condicionavam a agenda do Expresso (…).
- Abril de 1974 – Francisquinho, o medíocre mensageiro (…); Maio de 1974 – Fundação do
PSD; Junho de 1979 - Balsemão prometeu a Roberto Marinho RTP2 (…); 1980 – Expresso
não mais “atacou” comunistas (…) Fidedignas fontes da época referem um “Mistério na
Estrada do Guincho”, com intervenção de uma “amestrada” patrulha da GNR e de dois
senhores de gabardine e sotaque estrangeiro que fotografaram com flash e ostensivamente a
mercadoria que Balsemão transportaria no seu carro, terminando o episódio com a chegada
de um membro do gabinete do primeiro-ministro Sá Carneiro, cujo governo Balsemão,
integrava como ministro (…).
- 22 de Dezembro de 1980 – Nomeado Primeiro-Ministro (…) Incapaz de liderar, Balsemão
não conseguiu congregar a unanimidade no seio da AD e deixou-se envolver em sucessivos
problemas de guerrilha política. Aníbal Cavaco Silva sintetizava: “A liderança de Balsemão
é cinzenta e frouxa”(…); 1981 – Marcelo Rebelo de Sousa confirma interferência de
Balsemão em questões editoriais no Expresso. Obtivemos junto de Marcelo Rebelo de Sousa
uma resposta por e-mail a uma questão relativa à relação entre ele e Balsemão enquanto o
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primeiro foi director do Expresso, a propósito da entrevista dada por Balsemão na edição
2000 do semanário. Transcrevemos em seguida o e-mail na integra: (…); Outubro de 1982 –
Desavença com Marcelo Rebelo de Sousa (…) “Francisco, não. Faça o favor de me tratar
por senhor primeiro-ministro”, corrige um Balsemão, possesso com mais uma patifaria do
seu protegido, (…) Talvez para afastar Marcelo do “Expresso”, talvez por querer aproveitar
o seu talento nas negociações parlamentares, talvez pelas duas coisas, Balsemão chamou-o
ao Governo. (…); 1986 – Deixa Parlamento Europeu por falta de protagonismo; 1988 –
Balsemão o “porteiro” de Bilderberg; 2001 – Saída de Rangel da SIC (…).
– 2003 - Balsemão e o consumo da cocaína Associado ao caso Casa Pia surgem nesta altura
na internet rumores do consumo por Balsemão de cocaína (…) Fontes seguras revelam-nos
que a dependência de cocaína de Pinto Balsemão é factual. Balsemão teve mesmo, há largos
anos, de fazer uma operação nos Estados Unidos, para colocar implantes de platina nas
fossas nasais, para substituir as membranas destruídas pelo “ácido” corrosivo da droga
ilegal.
- 6 de Setembro de 2007 – “Admiro muito Rupert Murdoch (…) é modelo a seguir”(…).
Abril de 2008 – Pedro Noton, no 2 da Impresa (…).
Fevereiro de 2008 – Balsemão cria empresa para filha fazer eventos (…).
- 2008 – Acusado de censura por Rui Costa Pinto, autor de “voos Secretos da CIA”(…).
- 2008 – Pinto Balsemão fala à Maçonaria (…).
- Março de 2009 – Impresa perde 5.8 milhões de euros com alienação da Iplay por um euro.
Este é um negócio que configura, no mínimo, uma situação de gestão danosa por parte de
Balsemão (…).
- Fevereiro de 2011 – Acto polémico de gestão põe a ferro e fogo redacção da SIC: 24
Fevereiro de 2011 – Balsemão na Inter Oceânico para “assalto”ao BCP (…) Balsemão surge
como um peão útil no xadrez Angolano de controlo do maior banco privado português, o
BCP. Esta utilidade permitiu-lhe fazer as “pazes” com o regime angolano e ganhar uns
cobres com isso. Balsemão ajuda os Angolanos a ganhar o controlo no BCP e passa a ter
acesso ao mercado dos media do país, como mostra a anunciada criação de um grupo de
media angolano (…).
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- Junho de 2011 – Censura ou interesse nacional no novo Estatuto Editorial do Expresso
(…).
- Julho de 2011 – Balsemão negoceia com Globo venda da Impresa (…).
- Junho de 2011 – Créditos de Balsemão no BPP impugnados pelo Estado. O Estado
impugnou os créditos que a família Balsemão tinha no BPP (…) A família Balsemão –
Francisco José Pereira Pinto Balsemão, a mulher e filhos – tinha mais de quatro milhões de
euros a receber do BPP, mas estranhamente ninguém reclamou qualquer crédito. O valor
estava dividido em sete partes iguais de 677.684,08 euros: - Henrique da Costa L Pinto
Balsemão - 677.684,08 euros (…) Fortuna na Suiça a salvo de tentações de Balsemão. A
relação familiar de Balsemão com Artur Torres Pereira degradou-se. Fontes fidedignas
disseram-nos que algumas reuniões na Suiça não tinham corrido de forma agradável para
Balsemão, com o gestor de fortunas a dizer-lhe que não o deixava mexer na fortuna ria
família para tapar buracos na sua empresa. A acrescentar a isto e, resultado fatal de uma
aventura extra-conjugal. Balsemão foi forçado pela actual mulher a alterar o testamento com
tratamento preferencial dos filhos mais novos, em prejuízo dos filhos da anterior mulher e da
relação com Isabel Supico Pinto.
Anexo (breve Perfil), cargos ocupados (…), dados pessoais (…)
119. O arguido Jorge Silva Carvalho manteve no seu computador (na caixa do correio
electrónico) um ficheiro informático, em formato Word, que lhe foi apreendido,
contendo o documento supra mencionado, intitulado “Relatório”, com dados relativos
à vida de Francisco Pinto Balsemão, designadamente à sua vida e convicções
pessoais, familiares, políticas, partidárias e profissionais, com nomes de amigos e
inimigos, filhos e bens.
120. O arguido agiu de modo livre, consciente e deliberado, bem sabendo que este seu
comportamento era proibido e punido por lei.
121. Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís, Nuno Vasconcellos, Nuno Dias e
Gisela Teixeira não têm condenações averbadas nos seus CRC.
122. Sobre as condições pessoais dos arguidos apurou-se que:
123. Do arguido Jorge Silva Carvalho:
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Viveu em Moçambique até aos nove anos de idade, de onde saiu na sequência do
processo de descolonização;
A dinâmica familiar do arguido com os pais e duas irmãs é descrita como coesa e
harmoniosa;
Ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa aos 19 anos de idade;
Ingressou no SIS, ao qual se candidatou em 1991, apresentando como motivação para
o trabalho nesta área a necessidade de “proteger a Justiça e o País”;
Aos vinte e oito anos fez uma pós-graduação em estudos europeus e aos trinta e sete
anos, diplomou-se como auditor de defesa nacional pelo Instituto de Defesa Nacional;
Nos tempos livros para além da prática de várias modalidades desportivas nas quais se
destacam o judo, remo e basquetebol, era membro de uma loja maçónica;
Casou aos trinta e três anos, mantendo com a mulher um relacionamento gratificante e
descrito como sólido e coeso;
Tem três filhos menores;
Em Janeiro de 2012, na sequência do presente processo judicial, pediu a sua demissão
da Ongoing;
De acordo com o contratualizado com a holding e nomeadamente de uma cláusula de
sigilo e de “non compete”, ficou a receber 6.000€ mensais durante três anos;
Em Maio de 2014, na sequência de um processo administrativo que interpôs contra o
Estado, recebeu uma indemnização no valor de 57.000€ por não lhe ter sido criado
lugar para reintegrar funções na Secretaria Geral da Presidência de Conselho de
Ministros, aquando da sua saída do SIED;
Neste processo abdicou da remuneração equivalente ao período de tempo em que
trabalhou na Ongoing (Janeiro de 2011 a Janeiro de 2012);
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Mantém vínculo à Secretaria Geral da Presidência de Conselho de Ministros, como
assessor principal, encontrando-se, desde Janeiro de 2015, em situação de licença sem
vencimento de longa duração;
Em 2014 obteve o mestrado em Gestão de Empresas pelo ISCTE-IUL-Instituto
Universitário de Lisboa- Business School;
Em Setembro de 2014 fundou, com a mulher, a sua própria empresa de consultoria e
formação SC&A- Silva Carvalho e Associados, através da qual passou a prestar
consultoria empresarial e a elaborar estudos estratégicos de mercado, dispondo
alegadamente de um vencimento mensal de 470€;
Neste âmbito passou a colaborar com o Instituto Superior de Contabilidade e
Administração de Coimbra (ISCAC), como professor convidado e Director de MBA
Executivo em Gestão de Conhecimento e Inteligência Competitiva, auferindo 3.000€,
por cada curso ministrado;
Em 2014 foi convidado pelos accionistas do Grupo “2045 S.A.” para integrar o Grupo
para desempenhar o cargo de Director Executivo das empresas, auferindo actualmente
uma remuneração mensal de 3.000€;
O agregado familiar dispõe de um rendimento mensal correspondente a 5.800 a 6500€
e tem despesas no valor de 5700€;
No plano das relações pessoais é descrito como um amigo fiel, preocupado, humano e
sensível aos problemas dos outros, apoiando-os quando necessário;
No plano das relações profissionais é descrito como um profissional competente,
dedicado, organizado, eficaz, estratega e com capacidade de liderança;
Em tempos livres o arguido continua a praticar judo e kickboxing e o ginásio;
Na sequência deste processo deixou de participar na loja maçónica;
124. Do arguido João Luís:
Entrou para os serviços de informações - SIS - em Março de 1987;
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Frequentou um curso de contra espionagem, fora do País;
No SIS deu formação nos serviços e nos Palops e trabalhou na área da contra-
espionagem até 2008, altura em que ingressou no SIED;
No início do seu ingresso no SIED, licenciou-se em ciências aeronáuticas;
Após os factos acima descritos pediu licença sem vencimento no SIS, para onde
regressou;
Tal licença foi-lhe recusada, tendo, na sequência dessa recusa, pedido a exoneração do
SIS e a integração na Presidência de Conselho de Ministros;
Tal pedido foi igualmente recusado e o arguido acabou por se reformar, recebendo
uma pensão mensal no valor de 1400€;
Tem dois filhos, o mais velho com 25 anos de idade, engenheiro aeroespacial e a mais
nova aluna do 3º ano do curso de veterinária;
Na sequência destes factos, sentindo-se isolado e ostracizado nos serviços de
informações, designadamente pelos seus superiores hierárquicos, sofreu perturbações
– insónias e desinteresse designadamente por actividades desportivas-, e teve
problemas familiares que o levaram a divorciar-se da mulher;
Vive com os dois filhos;
É descrito pelos colegas de trabalho e superiores hierárquicos como um operacional
muito competente, oficial de informações pró-activo, bom profissional, dedicado;
125. Do arguido Nuno Dias:
Devido à morte precoce da mãe – o arguido tinha seis anos de idade – passou grande
parte da sua infância e adolescência com os avós paternos que constituíram a sua
principal referência afectiva e que assumiram uma atitude educativa orientada pelos
valores tradicionais, com características de maior rigidez por parte do avô, militar de
carreira.
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O percurso escolar do arguido teve alguns períodos de insucesso e concluiu o 9º ano
de escolaridade aos dezoito anos de idade.
Durante o serviço militar completou o 12º ano.
Aos 18 anos voluntariou-se para o Exército, tendo ingressado nas tropas
paraquedistas, onde permaneceu entre 1993 e 2003;
Durante este período participou em acções de paz, nomeadamente nas Balcãs e
integrou um grupo especial, limitado a oficiais, dadas as suas características pessoais e
a habilidade/disponibilidade para efectuar saltos em queda livre;
Em 2000, na sequência de um acidente que o incapacitou para a actividade de saltos
em queda livre, abandonou o exército;
Na sequência da sua participação no grupo especial foi convidado para o SIS, para
onde entrou em 2004, exercendo funções no Departamento Comum de Segurança;
Após frequência de formação interna, em 2008 mudou para uma carreira técnica com
a categoria de técnico-adjunto para o desempenho de funções de pesquisa no SIED;
Aos 21 anos de idade iniciou relacionamento afectivo com a arguida Gisela Teixeira;
Durante o período em que exerceu funções no SIS residiu em Lisboa (de segunda a
sexta-feira, passando apenas os fins de semana em Vila Nova de Gaia com a
companheira e filho);
Em princípios de 2011 pediu para ser transferido para o Porto, voltando a integrar o
“Departamento Comum de Segurança” da Delegação Regional do Porto do SIS;
Aufere, por mês cerca de 1200€ e o agregado familiar tem despesas fixas mensais de
900€ (empréstimo para habitação, mensalidade do infantário).
É tido pelos colegas de trabalho e superiores hierárquicos como um profissional
dedicado, muito competente, disciplinado, com elevadas aptidões técnicas, muito
educado, com conduta irrepreensível, responsável e solidário, sempre disponível para
o trabalho, não raras vezes com prejuízo pessoal;
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126. Da arguida Gisela Teixeira
A arguida dispôs, durante a infância e adolescência, de dinâmica familiar pautada pela
transmissão de valores sociais, morais, normativos e religiosos;
Iniciou a escolarização em idade regular, concluindo o 12º ano num curso profissional
de secretariado sem registo de retenções;
Ingressou na Universidade do Porto na Faculdade de Letras, onde frequentou o curso
de línguas e literaturas modernas, variante de Português/Inglês, que interrompeu,
quando frequentava o 4º ano, para trabalhar e se autonomizar financeiramente;
Em 1999 ingressou na “Optimus, Telecomunicações, S.A.”, contratada por uma
empresa de trabalho temporário, com a categoria de assistente telefónica em linha de
apoio a clientes;
Findo um período de quatro meses passou a exercer as funções de chefe de equipa de
“call center” na área do telemarketing;
Após vários anos de sucessivos contratos de trabalho, por tempo indeterminado, na
Optimus, em Fevereiro de 2004, ascendeu à categoria de supervisora de operação em
centro de apoio ao cliente, funções que manteve até Janeiro de 2010, quando passou a
exercer a actividade de gestora de projectos, mantida até à cessação do contrato de
trabalho em Setembro de 2011;
Descreve o Trabalho na Optimus como profissionalmente gratificante;
Iniciou relação afectiva com o arguido Nuno Dias aos 17 anos de idade e passaram a
viver em união de facto quando tinha 25 anos de idade;
Têm dois filhos com 1 ano e 7 anos de idade;
À data dos factos o agregado familiar vivia num apartamento adquirido com recurso a
empréstimo bancário;
É praticante de “Kung-Fu” desde os 25 anos de idade e está ligada a um grupo de
automobilismo;
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Após os factos supra descritos, solicitou à Optimus/NOS a imediata cessação do
contrato de trabalho, pedido que foi aceite pela entidade patronal sem que lhe tenha
sido instaurado qualquer processo disciplinar;
É tida pela entidade patronal como uma trabalhadora com qualidades no cumprimento
de tarefas e muito dedicada ao cumprimento dos objectivos da empresa, tendo esta
ficado surpreendida com os factos.
Depois destes factos procurou apoio clínico no âmbito da psiquiatria, isolou-se dos
amigos e interrompeu as actividades lúdicas/desportivas em que participava;
Com o apoio da família, do companheiro e do mestre de “Kung-Fu”, conseguiu
encontrar estabilidade emocional e concluiu o curso de línguas, literaturas e culturas
em 2011/2012;
Durante esse período trabalhou num gabinete de estudos de mercado, como
trabalhadora independente, até ao nascimento do segundo filho em 26.04.2014.
Em Fevereiro de 2015 iniciou um estágio profissional, na área do secretariado
administrativo, auferindo uma média mensal de 690€;
É tida pelos amigos, pelo Presidente da Federação Portuguesa de Artes Marciais e
pelo mestre de Kung Fu como pessoa responsável, com muitas competências pessoais
e familiares, empenhada, dedicada e com total disponibilidade para a actividade
profissional;
Com relevância para o pedido de indemnização civil apresentado pelo assistente Nuno
Simas apurou-se ainda que:
127. O assistente Nuno Simas exerce a profissão de jornalista desde 1989 e desde 1993 na
área da política;
128. É director- adjunto da Lusa desde Junho de 2011;
129. Logo após a divulgação dos factos supra descritos, algumas das suas “fontes”
deixaram de atender os seus telefonemas, recusando-se a falar com o assistente;
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130. Os factos acima descritos provocaram-lhe um grande mal-estar e um profundo
constrangimento, muitas noites sem dormir, profunda tristeza, um grande stress,
nervosismo e arritmias cardíacas;
Com relevância para o pedido de indemnização civil apresentado pelo assistente
Francisco Pinto Balsemão apurou-se ainda que:
131. O assistente ficou chocado e perturbado com o teor do “Relatório”, em especial com
a parte relativa aos seus filhos e à sua vida intima;
132. Nas semanas subsequentes à divulgação dos factos viveu dias de particular angústia,
ansiedade, desconforto e abalo emocional;
133. Foi contactado por amigos e colegas, melindrados com as notícias divulgadas na
comunicação social;
__________________________
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se incluíram no elenco dos factos provados os factos conclusivos, e com interesse para a
decisão da causa não se provaram os factos alegados, contrários ou diversos dos que foram
dados como provados, nomeadamente, não se provou que:
Da acusação/pronúncia
A remodelação a que o arguido Jorge Silva Carvalho esteve associado, tivesse
compreendido, designadamente do ponto de vista dos Recursos Humanos, a promoção
de funcionários da sua confiança pessoal, e em especial, a do arguido João Luís, a
Director do Departamento Operacional e de João Bicho, também a Director de
Departamento.
Por determinação ou actividade própria do arguido João Luís, tivesse sido analisada a
facturação detalhada de dirigentes de departamentos do SIED e do SIS que eram
objecto de suspeita de Silva Carvalho.
O arguido João Luís pretendesse saber quais os funcionários dos serviços que
poderiam ter sido “fonte” do jornalista;
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Em cumprimento da solicitação que lhe fora feita pelo arguido Nuno Dias, a arguida
Gisela Teixeira tivesse solicitado a criação do user “GFTEIXEIRA”, em substituição
do user “CCPSUPO1”.
O arguido Jorge Silva Carvalho, no cumprimento de tal propósito - avaliar as
hipóteses de ingressar no Grupo Ongoing – tivesse iniciado o estudo da criação de
uma estrutura de informação e contra-informação (OSS - Ongoing Strategic Studies)
no seio do grupo e a preparação de uma matéria que sabia beneficiar do interesse
negocial da Ongoing - tipos e localização geográfica de metais estratégicos e
caracterização dos respectivos mercados.
Tivesse ficado acordado, entre o arguido Jorge Silva Carvalho e o arguido Nuno
Vasconcellos, que a contratação do arguido Jorge Silva Carvalho, nas condições em
que foi feita, implicaria a utilização de concretos funcionários do SIED para a
obtenção de informação pertencente, ou acessível, a este serviço público que
interessasse aos fins próprios da Ongoing.
Considerando a expansão internacional do Grupo, que esboçava, então, a criação da
Ongoing Africa e tinha já negócios no Brasil, o arguido Jorge Silva Carvalho tivesse
querido mostrar ao arguido Nuno Vasconcellos o valor da sua experiência no SIED,
dos seus contactos nos serviços e dos que obtivera por via das suas anteriores funções,
bem como da capacidade de obter informações por via dos serviços.
Tudo de modo a ser contratado pelo Grupo, para lugares de membro executivo ou de
presidente executivo de Conselhos de Administração de sociedades do Grupo e nas
melhores condições remuneratórias e de capacidade de decisão.
Por determinação do arguido Nuno Vasconcellos, a Ongoing tivesse negociado com
dois empresários russos, alegadamente com influência na respectiva esfera de poder
nacional, Alexandre Burmatov e Alexandre Vladislavlev, a celebração de um MOU
(Memorandum of Understanding), com vista ao estabelecimento de uma parceria
para tomar posição no referido empreendimento do Porto de Astakos.
Em execução do acordado entre os arguidos Jorge Silva Carvalho e Nuno
Vasconcellos, em finais de Outubro de 2010, o arguido Nuno Vasconcellos tivesse
solicitado ao arguido Jorge Silva Carvalho que obtivesse, junto do SIED, que este
ainda dirigia, informação sobre os referidos empresários de nacionalidade russa.
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O arguido Jorge Silva Carvalho tivesse agido como descrito, em execução do
acordado com o arguido Nuno Vasconcellos e de modo a provar, ao presidente do
Grupo Ongoing, que podia obter, através do Serviço de Informações, informação
relevante para os respectivos interesses particulares.
O arguido Jorge Silva Carvalho, não fosse a abusiva utilização da actividade pública
do SIED, não teria alcançado o contrato com a Ongoing nas condições que pretendia -
mormente remuneratórias e de capacidade de decisão e afirmação de supremacia -,
tendo agido com esse propósito.
O arguido Nuno Vasconcellos tivesse solicitado ao arguido Jorge Silva Carvalho que
procedesse do modo descrito, no quadro da negociação da contratação deste para o
Grupo, porque entre ambos foi acordado que um dos recursos que o arguido Jorge
Silva Carvalho poria ao serviço da Ongoing seria a informação de que dispunha pelo
facto de ser ainda Director do SIED e, em fase posterior à sua exoneração, pelo facto
de ter influência em dirigentes de Departamento naquele Serviço público.
O arguido Jorge Silva Carvalho passou a exercer funções no Grupo de acordo com o
esperado e em execução do acordado conforme descrito supra.
A informação referida no ponto 68, pelo seu conteúdo, detalhe e natureza, apenas
pudesse ser obtida por recurso a “fontes humanas”.
Na sequência do pedido feito pelo arguido Jorge Silva Carvalho a um oficial do SIED,
para que efectuasse uma pesquisa sobre o porto de Astakos, tivesse sido elaborada
uma informação por um seu inferior hierárquico e que essa informação lhe tivesse
sido transmitida no dia seguinte.
Humberto Jardim
Este tivesse sido marido da, à data, companheira de Fernando Paulo Santos.
Fernando Paulo Santos tivesse feito o pedido por saber que o arguido continuava a
dispor, dentro do SIED, de funcionários da sua confiança pessoal que desenvolveriam
a actividade de pesquisa indispensável à obtenção da informação que pretendia.
Aviões da Líbia
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A informação transmitida pelo arguido João Luís ao arguido Jorge Silva Carvalho e
por este à jornalista, tivesse sido transmitida e utilizada para fim alheio às atribuições
e competências do SIED, tendo apenas como propósito a satisfação do interesse
pessoal do arguido Jorge Silva Carvalho.
Tivesse o arguido João Luís agido, enquanto agente do Estado, em violação dos seus
deveres funcionais, de legalidade e isenção; e determinando-o, o arguido Silva
Carvalho, em virtude da sua anterior relação hierárquica a agir em violação dos seus
deveres funcionais.
Apenso (“Relatório”)
O arguido Jorge Silva Carvalho, ao guardar o denominado “Relatório”, na sua caixa
de correio electrónico, tivesse tido em vista uma posterior exploração do seu
conteúdo.
Das contestações (factos alegados pelos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís)
O arguido Jorge Silva Carvalho, quanto ao acesso à facturação detalhada, tivesse
agido de acordo com orientações superiores, segundo o modus operandi dos serviços
secretos portugueses, numa situação que assim o exigia;
Quanto à alegada transmissão de informação confidencial em prol dos interesses do
Grupo Ongoing, o alegado acto de serviço corrupto, por si levado a cabo mediante
suposta violação do segredo de Estado, se tivesse traduzido num escrupuloso
cumprimento de deveres que sobre si impendiam, sempre dentro dos poderes que lhe
eram conferidos;
Quanto à utilização dos serviços para obtenção e transmissão de informação a
terceiros, que no primeiro caso - base de dados da Dun & Bradstreet - as condutas dos
arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís tivessem sido circunstancialmente exigidas
por interesses do próprio SIED e tivessem agido como lhes competia;
O arguido João Luís tivesse cumprido procedimentos operacionais instituídos,
sempre no exclusivo interesse do SIRP;
Com relevância para os pedidos de indemnização civil apresentado por Nuno Simas não
se provou que:
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O nome do demandante tivesse ficado queimado e que o seu valor no mercado
tivesse ficado desvalorizado;
Factos irrelevantes
E cujos quadros se integravam, já, João Alfaro, ex-funcionário do SIS e Fernando Paulo Santos que,
com outros administradores e funcionários do Grupo e o arguido, partilhavam sessões, encontros e
jantares da mesma organização da Grande Loja Legal de Portuga (ponto 41 da pronúncia, segunda
parte).
A negociação entre a Ongoing e os supra identificados empresários russos prolongou-se durante o
primeiro trimestre de 2011, período que corresponde ao reconhecimento da inviabilidade do negócio,
por colapso do empreendimento de Astakos, na Grécia.
Desde que internamente, nos Serviços, foi conhecida a sua decisão de sair, Jorge Silva Carvalho
sempre procurou transmitir a ideia de que voltaria, insinuando-se como futuro dirigente do SIRP.
Manteve contactos regulares com os dirigentes intermédios do SIED que promovera ou apoiara
(ponto 90).
Mantinha em seu poder, em finais de Outubro de 2011, na sua residência, três listas, em suporte de
papel, contendo: uma, elementos de identificação de quadros da estrutura interna do SIED; outra,
referências identificativas da respectiva estrutura interna; e, uma terceira a lista telefónica das estações,
no estrangeiro, do mesmo Serviço, tudo contrariando as normas de segurança física impostas para
matérias classificadas (ponto 97)
E, na aproximação das eleições para a Assembleia da República de 2011, seis meses depois da sua
saída do SIED, auscultou dirigentes do SIED e do SIRP de si mais próximos e que promovera ou
apoiara enquanto Director do SIED, sobre o seu eventual regresso aos Serviços de Informações (ponto
98).
E moveu influência junto de dirigentes partidários para ser designado Secretário-Geral do SIRP e para
que fossem nomeados, como directores-gerais do SIS e do SIED e dos departamentos julgados mais
relevantes, personalidades que de si eram mais próximas e ainda para que outros não fossem nomeados
para os mesmos cargos (ponto 99).
Mantendo, mesmo durante a pendência do inquérito interno no SIRP e da acção do Conselho de
Fiscalização do SIRP, em Agosto/Setembro de 2011, canais activos com dirigentes internos daquele
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Serviço, com vista a acompanhar e controlar o desenvolvimento dos procedimentos referidos (ponto
100).
Esta proximidade permanente com os Serviços, num quadro de ausência de linha evidente de
demarcação, gerava, nos dirigentes e técnicos de si próximos que neles trabalhavam, permeabilidade às
pretensões e pedidos do arguido (ponto 101).
A confusão entre os Serviços de Informações e o Grupo assentava, igualmente, na criação pelo
arguido Jorge Silva Carvalho de um grupo proveniente do SIS (João Alfaro) e da PJ (Paulo Félix e
Alvaro Negrão) que, no centro do Grupo Ongoing, se dedicava à informação e contra-informação,
empresarial e privada, designadamente:
pela utilização massiva do twitter, de espaços públicos de opinião e de sites para desacreditar
concorrentes e defender a figura do arguido Jorge Silva Carvalho, em finais de 2010/início de 2011, na
sequência do seu ingresso no Grupo, e das notícias divulgadas pelo Expresso e desenvolvimentos
institucionais e mediáticos que se lhes seguiram, a partir de Julho de 2011;
pela solicitação de informações confidenciais nos serviços de origem, designadamente, sobre o estado
de inquéritos criminais, a identificação de titulares de IP addresses ou de proprietários de veículos
através da matrícula;
pelo menos numa situação, pela invocação do estatuto de inspector da PJ para obter o pagamento de
dívida, em benefício de uma das accionistas do Grupo (arquivado)
__________________________
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade apurada com base no conjunto das
diligências de prova realizadas em audiência de julgamento, analisadas, conjugada e
criticamente, e de acordo com as regras da experiência comum.
Destacam-se os seguintes elementos probatórios:
I - Declarações dos arguidos
Prestaram declarações todos os arguidos.
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II – Prova testemunhal
Testemunhas indicadas pela acusação:
Francisco Ramos Nunes (engenheiro informático, na bolsa de peritos do DIAP); Hugo Miguel
Guimarães (coordenador do gabinete de apoio geral da Faculdade de Ciências e Tecnologia do Monte da
Caparica, ex-funcionário do SIED); Amílcar Freire Gaspar (engenheiro electrotécnico na NOS –
Comunicações, S.A., a exercer funções na gestão do sistema de email/correio electrónico); Heitor Alberto
Romana (professor catedrático de estratégia e Ciência Política no ISCSP, à data dos factos exercia funções no
SIED, desempenhando o cargo de oficial de ligação entre Portugal e a Rússia); António Carlos de Matos
Freitas (funcionário do SIRP, a frequentar o doutoramento em Estudos Estratégicos, tendo, entre 9.09.2001 e
31.12.2011, exercido funções de Director de Análise Transversal); Rui Poças Cohen (engenheiro de
sistemas e computadores na NOS entre 1999/2000 e Agosto de 2012); Manuel António da Silva Vieira
(técnico coordenador do SIED desde 2010 e Director do Departamento de Relações Externas até essa data);
Júlio Alberto Carneiro Pereira (Procurador-Geral Adjunto e Secretário-Geral de Informações desde
6.05.2005); João Manuel Bicho (oficial de informações no SIED desde 2000); Clemente Lucena Vien (
técnico superior da Polícia Judiciária desde Setembro de 2012 e, entre 16.02.2004 e 31.12.2012, técnico adjunto
e técnico superior de informações e entre abril de 2009 e 31.12.2012, director de área técnica do departamento
operacional); José Luciano Correia de Oliveira (jurista, consultor de segurança no Governo de Macau,
tendo exercido funções no SIS no período compreendido entre 15.03.2011 e 31.12.2012); Paulo Mota Pinto (
Presidente do Conselho de Fiscalização dos serviços de informações); Pedro Barbosa (fez parte do Conselho
de Fiscalização entre Dezembro de 2008 e Março de 2013); Fernando Paulo Santos (economista);
Testemunhas indicadas pelo assistente Nuno Simas:
António Rui Costa Pinto (jornalista); Cristina Cardoso (jornalista na agência Lusa); Susana Cristina
Oliveira Simas (casada com o assistente);
Testemunhas do Apenso
Maria Mercedes Pinto de Balsemão (mulher do assistente Francisco Pinto de Balsemão); Francisco
Pedro Pinto de Balsemão (filho do assistente); Pedro Norton de Matos (gestor); Luís da Silva
Marques (jornalista, administrador no grupo Impresa); José Manuel Amorim Durão (advogado, exerceu
funções na SIC); António da Silva Parente (administrador do grupo de empresas “Matter SGPS”); José Alberto
Ferreira Lopes, (professor universitário); José Maria Cavaco Silva (empresário de comunicação); Frederico
Duarte de Carvalho (jornalista);
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Depoimentos escritos (prerrogativa conferida pelo artº 503 do C.P.C ex vi artº 4 do C.P.P.
Assistente Francisco Pinto de Balsemão (fls. 4643); testemunha José Pedro Aguiar-Branco (fls.
5267) Mário Soares (fls. 5276); testemunha António Bagão Félix (fls. 5300);
Testemunhas indicadas pela defesa:
Dos arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias
José Casimiro Morgado (director do SIED desde 1.12.2010);
Dos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís
Filomena Teixeira (Directora de departamento no SIED desde 2001); Mónica Rodrigues (oficial da PSP,
exerceu funções no SIS entre 2001 e 2004); Adélio Neiva da Cruz (director do SIS desde Dezembro de
2014);
Do arguido Jorge Silva Carvalho
Luís Nunes das Neves (coordenador superior de investigação criminal e em comissão de serviço como
Director da Unidade Nacional contra o Terrorismo); Rui Pereira (professor universitário); Mário Mendes
(juíz conselheiro jubilado); Francisco Pereira (Director Nacional da PSP desde 2011); António Baião
(inspector chefe da Polícia Judiciária); Bruno Gomes (inspector da PJ); Helena Furtado de Paiva
(embaixadora de Portugal na Namíbia e ex-directora adjunta no SIED);
Por escrito: da testemunha Alípio Ribeiro (cfr. fls. 5476 com fls.5982)
Do arguido João Luís
Maria Paula Serém de Morais (chefe de gabinete do SIRP);
Por escrito: da testemunha Antero Luís (cfr. fls. 5495 com fls. 5949)
Do arguido Nuno Vasconcellos
Amândio Dias Antunes (professor universitário, tendo exercido funções como administrador numa empresa
do Grupo “Ongoing”, entre 2009 e 2011/12); Filipa Monteiro (administradora da Ongoing Share Service
entre 2011 a 2015); Maria Alexandra Mascarenhas (ex-mulher do arguido Nuno Vasconcellos); James
Risso Gill (Administrador não executivo na Ongoing e padrasto do arguido ); António Ernesto Neto da
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Silva (economista e amigo do arguido); Rafael Mora Funes (economista e vice-Presidente da Ongoing
desde a sua constituição até Janeiro de 2015); Maria Rita Marques Guedes (advogada exerceu funções de
chefe de gabinete do arguido Nuno Vasconcellos e de Rafael Mora); Vasco Rato (professor universitário,
trabalhou para a Ongoing entre Maio de 2009 e Fevereiro /Março de 2013);
Dos arguidos Nuno Dias e Gisela Teixeira
João Simões de Carvalho (sargento nas tropas pára-quedistas); Manuel José Moutinho (tenente-
coronel das tropas pára-quedistas); Manuel António Pinto Nogueira (tio do arguido Nuno Dias);
Cláudia Barbosa (ex-colega da arguida Gisela Teixeira na Optimus); Carina Isabel Osório (gestora de
projectos, ex-colega da arguida);
III – Prova pericial
Autos de exame directo e relatórios periciais (apensos 16 e 17);
No julgamento - Auto de transcrição de mensagens de dia 15.08.2010 entre o arguido João
Luís e Clemente Lucena Vien (fls. 5321);
IV – Prova documental
Facturação detalhada (fls. 113 a 118);
Anexo a informação da Optimus (fls. 155 a 160);
Processo de inquérito do SIRP nº 2-Div/2011 SIRP (fls. 420 a 431);
Relatório do Gabinete do Secretário-Geral do SIRP (apenso 12);
Apenso 1, fls. 150 a 156; 157 a 159; 160 a 172; 173 a 190 (impressão dos ficheiros “Book/.xls) e
facturação detalhada dos oficiais do SIED).
Apensos 1 a 10, 13 e 14
Resposta à solicitação de documentos/elementos sobre se existem ficheiros informáticos
referentes ao “documento lista de compras” (fls. 723 a 727);
Legislação Segurança (apenso 11);
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e-mails impressos entregues no CFSIRP (apenso 15);
Notícia de 7.08.2010, Público (anexo 1);
SMS relativos à negociação entre os arguidos Jorge Silva Carvalho e Nuno Vasconcellos
sobre contratação do primeiro pela Ongoing (por ordem cronológica, temos o sms 35 de Jorge Silva
Carvalho para Nuno Vasconcellos, pelas 19h.05m; sms 42, com resposta de Nuno Vasconcellos, pelas 19h.
31m; sms 34 de J.S.C pelas 19h.35m; sms 40 de Nuno Vasconcellos, pelas 20h.17n; sms 33, de J.S.C., pelas
20h. 21m (pede a Nuno Vasconcellos para propor um valor concreto); sms 39 de Nuno Vasconcellos, pelas
20h. 34m fala na confiança e amizade que não têm preço); sms32, de Jorge Silva Carvalho, pelas 20h.48m (fala
sobre o seu desencantoo com os serviços e com o país e sobre o desejo de experimentar uma coisa nova e ainda
do facto de o seu interlocutor ter à sua volta um grupo de pessoas que admira por terem ambição); sms 31 de
Jorge Silva Carvalho, pelas 21h.07m (insiste com Nuno Vasconcellos para lhe indicar um valor); sms 38 de
Nuno Vasconcellos, pelas 21h.20m (insiste com Jorge Silva Carvalho de que terá ele de indicar o valor,
indicando-o por escrito ou falando pessoalmente no fim de semana seguinte); sms 30 de Jorge Silva Carvalho,
pelas 21h.47m (fala sobre as suas condições remuneratórias nos serviços); por fim, no dia seguinte, 22.10.2010,
pelas 11h.40m arguido Jorge Silva Carvalho informa Nuno Vasconcellos que decidiu ir trabalhar para a
Ongoing a partir de 1 de Dezembro (sms 29) e nos dias 24.10.2010 envia sms Rafael Mora e a Nuno
Vasconcellos agradecendo, mostrando-se confiante e expectante na mudança e dizendo a Nuno Vasconcellos
que tudo fará para o recompensar. (sms 26 e 25).; 19h.05m.; sms 41, do mesmo dia, pelas 19h.31m.; sms 34
pelas 19h.35m; sms 40 pelas 20h.17m; sms 33, pelas 20h.21m).
Do apenso 10181/12 – Apenso B, CD junto e documentos de fls. 35 a 44, 132 a 134, 210,
214, 215, 285 a 297, 360 e 364.
Prova documental, mais relevante, apresentada no julgamento:
Extracto de um denominado “Manual de Procedimentos”, do Serviço de Informações de
Segurança, de 2006, divulgado num órgão de comunicação social (fls. 4095 a 4104).
Livro do jornalista António José Vilela “Os Códigos e as Operações dos Espiões
Portugueses” (fls. 5208).
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Originais dos despachos do Primeiro-Ministro sobre levantamento do segredo de Estado na
fase de inquérito por força da instauração do procedimento criminal (fls. 5110 a 5119 e 5151 a
5152).
Comunicações ao Primeiro – Ministro sobre matérias classificadas (fls. 5610 a 5616; fls. 5814/5;
fls. 5977/8).
Respostas do Primeiro-Ministro, deferindo parcialmente o pedido de levantamento do
segredo de Estado (fls. 5784 a 5805 e 5930, esta contendo resposta a pedido de esclarecimento do Tribunal
sobre a falta de envio de outros elementos e ainda fls. 6028 sobre questão dos aviões da Líbia, em manutenção
em Portugal).
_____________________
Análise crítica da prova
Questão prévia (segredo de Estado e direito de defesa dos arguidos Jorge Silva Carvalho, João da Silva Luís
e Nuno Dias)
Questão que gerou ampla controvérsia.
Três arguidos eram à data dos factos funcionários dos serviços de informações e, nessa
qualidade, estavam, à partida, obrigados a, durante o exercício de funções e para além do seu
termo, guardar sigilo sobre matérias classificadas na disponibilidade dos serviços de
informações, sobre a actividade de pesquisa e análise, classificação e conservação das
informações de que tivessem tido conhecimento no exercício das suas funções e sobre a
estrutura e o funcionamento de todo o sistema (artº 28 da Lei nº 30/84, de 5.09, com as alterações
introduzidas por força do disposto no artº 33-A da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro, Orgânica).
Face aos deveres de sigilo a que os arguidos estavam obrigados colocou-se, logo de início, a
questão de saber como se iam compatibilizar os direitos de defesa dos arguidos, em caso de
colisão com o segredo de Estado.
Esta questão suscitou-se, sem prejuízo de o segredo de Estado já ter cedido nalgumas
matérias, ainda na fase de inquérito, para salvaguardar designadamente interesses relevantes
decorrentes das necessidades de investigação e julgamento criminais e, claro está, dos direitos
de defesa dos arguidos.
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Quando o processo foi distribuído para julgamento, os arguidos Jorge Silva Carvalho e João
Luís, alegando que a quebra do sigilo a que se encontravam vinculados, por força das funções
que tinham exercido nos serviços de informações, era essencial para o exercício dos seus
direitos de defesa no âmbito destes autos, requereram o levantamento do segredo de Estado,
sobre um vasto conjunto de matérias e documentos, afirmando que até esse momento tinham
visto coarctados os seus direitos de defesa por lhes ter sido reiteradamente negada, pelo titular
do segredo de Estado - Primeiro-Ministro -, a possibilidade de revelar os factos essenciais à
mesma, bem como o acesso a documentos que contribuíam incontornavelmente para a
descoberta da verdade material.
Requereram que o tribunal declarasse a inconstitucionalidade da lei.
Sobre as questões suscitadas pelos arguidos remete-se para as suas contestações, o despacho
de fls. 4264 e seg, e os recursos interpostos pelos arguidos.
Não obstante as divergências apontadas sobre o regime legal a seguir – se o anterior ou o
actual que obrigava a uma individualização de matérias - foi, ainda assim, possível
estabelecer, com todos os intervenientes processuais, uma metodologia que não prejudicasse
o prosseguimento do processo e o início do julgamento.
Foi então acordado que o julgamento prosseguiria com inquirição de testemunhas e audição
dos arguidos que pretendessem prestar declarações e, no final, o Tribunal, perante a
invocação do segredo de Estado, comunicaria ao Primeiro-Ministro as matérias e
documentos, sob segredo de Estado, que, em concreto, e face à prova produzida, se
afigurassem poder vir a ser relevantes para o exercício do direito de defesa dos arguidos (artº
12 do anexo à lei orgânica nº 2/2014 de 6 de Agosto).
O que veio efectivamente a acontecer.
Em fase de conclusão do julgamento, perante a invocação pelos arguidos de que determinadas
matérias e documentos classificados como segredo de Estado, afectavam o exercício do seu
direito de defesa e tendo o Tribunal concluído, após produção de prova, que algumas das
questões invocadas podiam, com efeito, revestir-se de relevância fundamental para o
exercício do seu direito de defesa, e que não eram susceptíveis de ser cabalmente esclarecidos
sem o levantamento do segredo de Estado, o tribunal comunicou ao Primeiro-Ministro várias
matérias (fls.5610 a 5616).
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Como se dizia nessa comunicação, para a qual remetemos, tinham sido devidamente
ponderados os interesses em causa e os direitos conflituantes, harmonizando-os, ponderando,
por um lado, o prejuízo que a revelação de determinadas matérias classificadas podia causar
ao Estado e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação podia causar à defesa dos
arguidos.
Concretamente foi comunicada a necessidade do levantamento do segredo de Estado sobre o
“Manual de Procedimentos” ou, na hipótese de esta pretensão poder contender gravemente
com os interesses protegidos pelo segredo de Estado, Índice desse Manual, conteúdos
referentes a “monitorização de comunicações”, glossário e a conteúdos relacionados com o
recrutamento e gestão de fontes humanas nas operadoras de telecomunicações; Módulos de
Formação utilizados nas acções de formação, cartas/pedidos de exoneração do DGSIED,
datadas de Novembro de 2010, dirigidas respectivamente ao então Primeiro-Ministro e ao
Secretário-Geral do SIRP; informações internas e relatórios, existentes, à data, nos serviços
do SIED, sobre o Porto de Astakos; confirmação da existência de uma operação relacionada
com a Líbia e com os factos descritos nos arts. 115 a 118 do despacho de pronúncia e, por,
último, informação sobre a Fonte Panda .
Em resposta a esta comunicação o Primeiro – Ministro desclassificou as seguintes matérias
(fls. 5782):
- excertos do Manual de Procedimentos de 2006 (índice e capítulo sobre “Procedimentos de
Pesquisa Humana – O Recrutamento e a Gestão de Fontes Humanas, e o Capítulo I, referente
a “Deveres Profissionais”;
- carta de exoneração do arguido Jorge Silva Carvalho dirigida ao Secretário-Geral do SIRP;
Quanto às demais comunicações o Primeiro- Ministro informou que:
- o levantamento do segredo de Estado sobre a totalidade do “Manual de Procedimentos”
exporia o modus operandi das diversas unidades do serviço, fragilizando-o em termos de
segurança perante terceiros;
- o acesso aos módulos de formação utilizados nas acções de formação do pessoal do corpo
especial do SIRP, embora não suscite questões de reserva absoluta, seria demasiado intrusivo
e revelador da preparação e formação ministrada aos oficiais de informações;
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- não foram encontradas no SIED quaisquer informações internas ou relatórios sobre o Porto
de Astakos;
- não foram encontradas, em 2011 referências ao embaixador Líbio e a aviões Líbios, quer em
documentos produzidos, quer em relatórios de cariz operacional (ordens de pesquisa, RINOT
ou informação interna);
- face ao disposto no artº 33/1 da Lei nº 30/84, de 5.09, com as alterações introduzidas pela
Lei Orgânica 4/2014, de 13 de Agosto, não deve ser levantado o segredo de Estado relativo à
confirmação ou informação da existência da “Fonte Panda”.
Posteriormente, após pedidos de esclarecimento do Tribunal - fls. 5814 – e comunicação para
levantamento do segredo de Estado sobre uma alegada operação do SIED relacionada com os
aviões e a embaixada da Líbia - fls. 5977 - o Primeiro – Ministro informou que (fls. 5930 e 6028):
- a carta de exoneração apresentada pelo arguido Jorge Silva Carvalho ao então Primeiro –
Ministro (José Sócrates) não foi encontrada nos arquivos do Gabinete bem como na
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, não existindo qualquer registo da
sua entrada e saída;
- tendo em conta que os documentos referenciados em carta fechada pelo arguido João Luís
nada têm a ver directamente com qualquer dos elementos da Embaixada Líbia em Portugal e
não fazem qualquer referência a aviões da Líbia em Portugal, considerando os princípios da
necessidade, proporcionalidade e adequação, e que resulta da lei que qualquer documento,
elemento ou informação qualificado ope legis como segredo de Estado só pode ser
desclassificado se existir motivo que o justifique, o que não acontece se esses elementos não
tiverem relação com a matéria controvertida no processo e que baseou o pedido de
levantamento, não se considera haver, no caso concreto, alteração dos pressupostos legais que
justificam a classificação dos documentos em causa.
Chegados aqui importa saber se os direitos de defesa dos arguidos ficaram prejudicados e se o
dever de sigilo a que se encontravam vinculados coarctou, como afirmaram, os seus direitos
de defesa.
Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que globalmente os direitos de defesa dos arguidos não
foram prejudicados com a metodologia seguida e que, no julgamento, todos puderam
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defender-se sem grandes constrangimentos, tanto mais que, como se veio a constatar, uma
parte considerável das matérias já não estava protegida pelo segredo de Estado, por força de
desclassificações feitas na fase de inquérito, e outra não tinha qualquer relação, directa ou
indirecta, com o objecto do processo.
Por isso foi fácil, no final, individualizar e identificar as matérias que podiam ser relevantes
para a defesa dos arguidos.
Essa individualização teve em conta, não só as declarações prestadas pelos arguidos como
toda a prova produzida em julgamento, resultando já da conjugação de vários elementos
probatórios, a desnecessidade de comunicar matérias que, em face da prova produzida, se
tinham mostrado irrelevantes para a descoberta da verdade e para o objecto do processo.
As respostas do Primeiro-Ministro ainda que insuficientes - essa insuficiência terá
obviamente consequências como se verá na motivação da matéria de facto que se segue - por
não terem abrangido todas as matérias comunicadas, permitiram ainda assim, revelar, para
além da carta de exoneração apresentada pelo arguido Jorge Silva Carvalho ao Secretário-
Geral do SIRP, um extracto do Manual de Procedimentos que tinha suscitado grande
controvérsia ao longo do julgamento e ao qual nos referiremos mais à frente.
Por clareza de exposição, faremos uma apreciação crítica e conjugada dos vários meios de
prova, seguindo a metodologia da acusação/pronúncia.
________________________
I - Questões introdutórias (pontos 1 a 6)
O tribunal baseou-se na Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa,
aprovada pela Lei nº 30/84, de 5.09; e na Lei Orgânica do SIRP, aprovada pela Lei nº 9/2007,
de 19.02 (artº 26) com as alterações introduzidas pela Lei nº 4/2014 de 13.08.
Jornal Público – ponto11 (anexo 1);
________________________
II - Facturação detalhada (pontos 9 a 39)
O que resulta com toda a evidência da prova documental
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Ficou suficientemente demonstrado o acesso à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas
conforme descrito no despacho de pronúncia.
De facto, a prova documental mostrou, com total evidência, que dois users - CCSUP01 e
GFTEIXEI - da OPTIMUS/NOS, atribuídos à arguida Gisela Teixeira que, à data, exercia as
funções de gestora de projectos, naquela operadora de telecomunicações, realizaram
pesquisas e exportaram para Excel, dados de tráfego do telemóvel associado ao jornalista
Nuno Simas, nas condições descritas na matéria de facto.
A prova documental mostrou também que o ficheiro Excel foi tratado no computador de
Nuno Dias, na chamada rede externa do SIED, ao contrário do que era habitual nos serviços
(depoimento da testemunha José Luciano de Oliveira).
Por fim, também resultou claro, da prova documental, que esse ficheiro, ao qual o arguido
Nuno Dias atribuiu a designação de “lista de compras”, foi enviado pelo arguido João Luís
para o arguido Jorge Silva Carvalho, com a designação de “book7.xls”, e que essa lista
continha anotações com a identificação de alguns dos destinatários das comunicações
efectuadas pelo jornalista Nuno Simas (apenso 15, fls. 4 a 8).
O perito informático do DIAP e o engenheiro da OPTIMUS/NOS, testemunha Rui Cohen,
que foi responsável pela auditoria interna levada a cabo por esta empresa, corroboraram os
factos que já resultavam da documentação.
O que disseram os arguidos
Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís, Nuno Dias e Gisela Teixeira, admitiram o seu
envolvimento nos factos, nos termos descritos nos pontos 15 a 27 da matéria de facto,
apresentando, porém, explicações e justificações diversas para a sua actuação, que serão
adiante analisadas.
A arguida Gisela Teixeira de forma sincera, e não escondendo o seu desapontamento pelo que
fez e pelas consequências dos seus actos para a sua vida e carreira profissional, confirmou
que fez os acessos referidos, à revelia da empresa, e esclareceu apenas que a alteração do user
- ponto 26 - foi feita no âmbito de uma alteração que estava em curso na empresa sem outros
propósitos.
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Esta afirmação da arguida Gisela Teixeira coincidiu com o que tinha sido dito pela
testemunha Rui Cohen.
Acrescentou que sabia que, no âmbito das suas funções, não podia fazer esses acessos porque
o pedido não era feito pelos canais oficiais mas confiava no companheiro (arguido Nuno
Dias) e que nunca lhe tinha sido feito um pedido desta natureza.
Disse, por fim, que dada a urgência com que o pedido lhe foi feito não ponderou muito,
“ponderou que seria uma necessidade maior”.
O arguido Nuno Dias disse que o pedido lhe foi feito pelo arguido João Luís, não sabia que se
tratava da facturação de um jornalista, que nunca lhe tinham feito um pedido destes, sempre
confiou nas ordens que lhe eram dadas, foi instruído para cumprir ordens, tinha grande
admiração pelos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís.
Já os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís assumiram, com pequenas divergências, a
responsabilidade pelo pedido feito ao arguido Nuno Dias tendo resultado das suas declarações
que o arguido Jorge Silva Carvalho, depois de ter consultado a lista da facturação detalhada
dos funcionários a que tinha acesso, no âmbito do exercício das suas funções, e de, logo aí,
ter identificado um suspeito, deu ordens ao arguido João Luís para que obtivesse os dados de
tráfego do telefone usado pelo jornalista Nuno Simas e o arguido João Luís actuou em
conformidade com o que se dizia na pronúncia.
Destas declarações resultou uma actuação em cadeia, por via hierárquica, impulsionada pelo
arguido Jorge Silva Carvalho e não tanto, como se dizia no despacho de pronúncia, uma
actuação impulsionada pelos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís.
Quanto às razões da sua actuação, os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís defenderam-
se acusando os serviços de informações de usarem habitualmente, ou “quase diariamente”,
essas práticas “ensinadas nos manuais e nos módulos de formação dos serviços”.
O arguido Jorge Silva Carvalho disse que tomou esta decisão com o acordo do secretário-
geral e fez várias afirmações gravemente comprometedoras para os serviços de informações –
pareceu, a certa altura que se estava a demarcar de alegadas práticas levadas a cabo por uma organização na qual
ocupou um lugar de topo - dizendo que “era normal todas as semanas recorrerem às operadoras”;
“a facturação detalhada era uma praxis comum”; “existiam outras práticas mais graves do que
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isso; “ tudo o que sai da normalidade cria dúvidas sobre a legalidade, não era o caso da
facturação detalhada que era habitual”; “até à decisão do tribunal constitucional havia dúvidas
sobre a utilização da facturação detalhada”; “a facturação detalhada era um meio de recurso
habitual na actividade dos serviços”; “o arguido João Luís cumpriu, no caso, a ordem dada
pelo arguido e este deu várias ordens sobre facturação detalhada”.
O arguido João Luís, admitindo que tinha consciência de que estas práticas eram ilegais
corroborou muitas das afirmações do arguido Jorge Silva Carvalho e disse nomeadamente
que os serviços têm fontes em todas as operadoras e que este procedimento era habitual.
Sobre o facto de o acesso à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas e às suas fontes,
ter sido despoletado por um artigo desse jornalista sobre assuntos internos dos serviços,
(remodelações, tensões internas, escolhas de funcionários) – acesso que, como veremos, em
qualquer circunstância lhe estaria vedado mas que, neste caso, além do mais, parecia não só desproporcionado,
desnecessário e arbitrário como totalmente estranho ao funcionamento e objectivos do SIED – o arguido
Jorge Silva Carvalho enfatizou a gravidade de haver “toupeiras” nos serviços, que passavam
informações para a comunicação social, não se sabendo até onde podiam ir, para concluir que
o acesso à facturação detalhada do jornalista naquelas circunstâncias era adequado e
necessário.
As afirmações dos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, que se foram repetindo ao
longo do julgamento, causaram alguma preocupação e perplexidade.
As razões destas reacções são óbvias e compreensíveis. Afinal os arguidos, há largos anos
funcionários dos serviços de informações e à data dos factos quadros superiores dos mesmos
serviços - arguido Jorge Silva Carvalho era director do SIED e o arguido João Luís era director de
departamento operacional do SIED -, estavam a afirmar que, nos serviços a que pertenciam
ocupando lugares de topo, desenvolviam-se reiteradamente práticas que lhes estavam
expressamente vedadas pela Constituição e pela lei. Vejamos.
O que diz a lei e a Constituição, recente acórdão do Tribunal Constitucional
Resulta da Lei Quadro do SIRP – Lei nº 30/84, de 5 de Set. – e da Lei Orgânica do Secretário-Geral do
SIRP, do SIED e do SIS que os serviços de informações estão vinculados à Constituição e à Lei e
que o Secretário-Geral, os membros do seu gabinete e os funcionários e agentes do SIED e do
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SIS não podem exercer poderes, praticar actos ou desenvolver actividades do âmbito ou
competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais (respectivamente
arts. 2º e 4º e artº 6/2/3 da Lei Orgânica).
Daqui decorre que a actividade dos serviços de informações está sujeita ao escrupuloso
respeito pela Constituição e pela lei, designadamente em matéria de direitos, liberdades e
garantias (ainda artº 3º/1 da Lei Quadro e artº 6º/1 da Lei Orgânica).
Nestes autos está em causa o acesso, por funcionários dos serviços de informações, à
facturação detalhada de um jornalista.
A facturação detalhada integra os chamados dados de tráfego relativamente a comunicações
efectuadas e dá a conhecer as “condições factuais da comunicação” (Código de Processo Penal,
comentado, António Henriques Gaspar e outros, 2004, pág. 843).
“Efectivamente, na definição de factura detalhada incluem-se, pelo menos, informações
relativas a todas as chamadas efectuadas num determinado período, aos números de telefone
chamados, à data da chamada, à hora de início e à duração de cada chamada” (ob. citada).
Estes elementos identificam, ou permitem identificar, a comunicação, constituem elementos
inerentes à própria comunicação - como resulta com total evidência da análise da facturação do jornalista
Nuno Simas, constante do apenso 15 - podendo pôr em causa a privacidade dos utilizadores do
serviço e os direitos fundamentais das pessoas envolvidas no acto comunicacional. Por esta
via pode ser totalmente devassada a privacidade dessas pessoas.
Como refere Manuel Costa Andrade “ (…) no seu conjunto, os dados segregados pela
comunicação e pelo sistema de telecomunicações revelam-se, muitas vezes, mais
significativos que o próprio conteúdo da comunicação em si. O que, de resto, bem espelha o
interesse com que, reconhecidamente, a investigação criminal procura maximizar a recolha de
dados ou circunstâncias da comunicação, também referenciados como dados de tráfego
“(Bruscamente no verão passado- A Reforma do Código de Processo Penal” RLJ, ano 137, Julho/Agosto 2008,
pág. 338).
Os dados de tráfego têm, por isso, merecido protecção semelhante aos conteúdos da
comunicação, entendendo-se que a área de protecção do sigilo das comunicações, consagrada
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no n.º 4 do artigo 34.º da CRP, compreende tanto o conteúdo da comunicação como os dados
de tráfego atinentes ao processo de comunicação.
Na verdade, dispõe-se no artº 34/4 da CRP que “é proibida toda a ingerência das autoridades
públicas na correspondência nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo
os casos previstos na lei, em matéria de processo criminal”.
Como se refere em recente acórdão do Tribunal Constitucional, a que adiante nos referiremos
com maior detalhe, (…) há um largo consenso, na doutrina e na jurisprudência, de resto não
se conhece posição contrária, no sentido de se incluir os dados de tráfego no conceito de
comunicações constitucionalmente relevantes para a proibição de ingerência.
Quer dizer: o âmbito de protecção do artigo 34.º, n.º 4 da CRP abrange não apenas o
conteúdo das telecomunicações, mas também os dados de tráfego.
Nesse sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, em nota ao artigo 34.º da CRP, salientam
que «a garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo da correspondência, mas o “tráfego”
como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização)» (ob. cit., pág. 544).
Consequentemente a obtenção de dados de tráfego ou facturações detalhadas só pode ser
autorizada por despacho do juiz e quanto aos crimes p. no artº 187/1 e em relação às pessoas
referidas no nº 4 do mesmo artigo (artº 189 do C.P.P.) (ex. suspeitos de crimes puníveis com penas
superiores a três anos, de crimes de tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida e tráfico de armas…).
Muito sucintamente é este o quadro constitucional, legal e doutrinário relativo às condições
de acesso à facturação detalhada ou aos dados de tráfego, de todos conhecido.
Como se tanto não bastasse, pouco antes deste julgamento se ter iniciado, o Tribunal
Constitucional - acórdão nº 403/2015 – no âmbito de um pedido de fiscalização preventiva da
constitucionalidade de um segmento do Decreto da Assembleia da República nº 426/XII - que
aprovou o “Regime Jurídico do Sistema de Informações da República Portuguesa” - tinha declarado a
inconstitucionalidade de uma norma - artº 78, nº 2 - que autorizava os oficiais de informações
do SIS e do SIED, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 4, e no seu exclusivo
âmbito – actividades de recolha, processamento, exploração e difusão de informações necessárias à
salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança interna e externa do
Estado Português –, a acederem, mediante autorização de uma “comissão prévia de controlo”,
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a informação bancária, fiscal, dados de tráfego, de localização ou outros dados conexos das
comunicações, necessários para identificar o assinante ou utilizador ou para encontrar e
identificar a fonte, o destino, a data, a hora, a duração e o tipo de comunicação.
O Tribunal Constitucional entendeu que:
- é consensual que a proibição de ingerência nas comunicações, constante do artigo 34.º da
CRP, abrange os dados de tráfego e que estes, estão na área da tutela do sigilo das
comunicações;
- a “Comissão Prévia de Controlo” é um órgão administrativo, que não tem poderes
equivalentes a uma intervenção em processo criminal, tem a natureza de órgão administrativo
não inserido jurídico normativamente na organização judicial, pese embora a qualidade dos
seus membros. A intervenção da “Comissão de Controlo Prévio” não tem a virtualidade de
judicializar o acesso aos dados de tráfego e a titularidade do processo penal é atribuída às
autoridades judiciárias competentes (ministério público, juiz de instrução criminal e juiz de
julgamento) (acórdão. do TC, pág. 43 e 50, que temos vindo a acompanhar de perto).
Refere-se ainda neste acórdão que uma actividade de acesso aos dados de tráfego, levada a
cabo sem conhecimento dos visados, exige regras claras e determinadas que permitam saber
até onde pode ir a ingerência, para que haja a necessária segurança jurídica no que toca às
restrições possíveis aos seus direitos.
Dito isto, convém sublinhar que, aquela norma, declarada inconstitucional, não ia tão longe
quanto foram os arguidos neste processo, por duas razões essenciais:
- só admitia o acesso a tais dados - dados conservados pelas operadoras de telecomunicações - quando,
e apenas quando, estivessem em causa actividades de recolha, processamento, exploração e
difusão de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional, dos
interesses nacionais e da segurança interna e externa do Estado Português (no exclusivo
âmbito do disposto no nº 2, do artº 78 do Decreto nº 426/XII);
- fazia depender o acesso a esses dados de uma autorização prévia e obrigatória, de uma
“Comissão de Controlo Prévio”, constituída por três magistrados judiciais, designados pelo
Conselho Superior de Magistratura, de entre Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de
Justiça, com, pelo menos, três anos de serviço nessa qualidade;
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Invocavam-se, aliás, na exposição de motivos, que acompanhava a proposta de lei que deu
origem ao Decreto supramencionado, estratégias nacionais de combate ao terrorismo e novos
desafios colocados pelas novas ameaças à segurança nacional que impunham o acesso a
meios operacionais consagrados pela primeira vez, de modo transparente e expresso, na lei
positiva.
Neste contexto os deputados aprovaram uma lei que, não fosse a declaração de
inconstitucionalidade, permitiria aos serviços de informações que, no futuro, nas condições
referidas, pudessem aceder à facturação detalhada.
Ora, não se vê qualquer semelhança, ou aproximação, entre o que foi aprovado na
Assembleia da República e, como vimos, rejeitado pelo Tribunal Constitucional, e o que
fizeram os arguidos, por ordem do arguido Jorge Silva Carvalho.
Desde logo porque, diga-se o que se disser, não estavam manifestamente em causa assuntos
de independência nacional, necessidades de salvaguarda dos interesses nacionais e da
segurança interna e externa do Estado Português.
Várias testemunhas pronunciaram-se sobre a gravidade das fugas de informações nos
serviços, da preocupação, mal-estar, ou grande mal-estar que causavam internamente estas
notícias, como sublinhou o Secretário-Geral do SIRP e a testemunha João Bicho, da
fragilização dos serviços e do efeito “do pica-pau na arca de Noé”, como referiu a testemunha
António Freitas, mas, na verdade, com maior ou menor ênfase, ninguém foi capaz de dizer
que estavam em causa assuntos daquela natureza e gravidade.
O próprio arguido Jorge Silva Carvalho admitiu que as fugas de informação dos serviços não
são materialmente relevantes para a segurança nacional, embora tenha considerado que
abriam uma brecha, que “quem viola por uma coisa viola por todas”, afirmação que, nos
poderia conduzir a perigosas e indesejadas “derivas securitárias”.
Acresce que a decisão não passou, nem podia passar, pelo crivo de uma comissão de controlo.
Foi tomada pelo Director e resultou de uma ponderação individual, arbitrária, desnecessária –
o arguido por via das suas funções teve acesso à facturação detalhada dos serviços que lhe indicou um suspeito -
e totalmente desproporcionada, face aos interesses em causa, escusando-nos de maiores
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considerações face a tudo o que foi dito sobre os interesses protegidos pelo sigilo das
comunicações.
Dito isto e estando suficientemente claro que, face aos dispositivos constitucionais e legais
aplicáveis, jamais os arguidos (todos) – também a arguida Gisela Teixeira estava obrigada a garantir a
confidencialidade dos dados do utilizador da operadora para a qual trabalhava - podiam aceder à
facturação detalhada do jornalista Nuno Simas, devassando designadamente as suas fontes,
importa agora que nos pronunciemos sobre as restantes questões suscitadas pelos arguidos
Jorge Silva Carvalho e João Luís.
Como é óbvio não cabe ao tribunal fiscalizar a actividade dos serviços de informações – há
órgãos próprios, dependentes da Assembleia da República, para o fazer e cujos representantes foram ouvidos
pelo tribunal – nem os serviços secretos portugueses “estiveram em juízo” como referiu a
defesa do arguido Jorge Silva Carvalho, mas cabe-lhe, perante tudo o que foi dito pelos
arguidos, apreciar a sua responsabilidade e o seu grau de culpa - o facto de, porventura, terem sido
exercidas práticas semelhantes, nestes ou noutros contextos, não exclui a responsabilidade dos arguidos pelos
actos que praticaram nem os torna lícitos, como também reconheceu a defesa do arguido Jorge Silva Carvalho
- não esquecendo, contudo, que os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís – os arguidos que
invocaram, em sua defesa, o uso reiterado destas práticas, já que o arguido Nuno Dias disse que nunca lhe
tinham feito um pedido destes e que não tinha conhecimento destas práticas - ocupavam lugares de chefia
e um deles tinha atingido o topo da estrutura, era o seu Director com competência para, nos
termos da lei, garantir o regular funcionamento do serviço, representá-lo, emitir ordens e
instruções.
E um parêntesis para referir que nesta apreciação conta, não só o curriculum dos arguidos, as
suas habilitações literárias e formação académica e as funções que exerceram, mas também o
seu perfil, sendo, neste particular, indiscutível que o arguido Jorge Silva Carvalho era um
líder.
Todas as testemunhas que o conheceram, nos serviços de informações, ou na Ongoing,
destacaram esta característica da personalidade do arguido.
A sua capacidade de liderança esteve aliás bem evidenciada na decisão que tomou de
abandonar os serviços por estar em desacordo com as medidas tomadas pelo Secretário-Geral
do SIRP.
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Vejamos então o que foi possível apurar nesta matéria.
Começando pela decisão de aceder à facturação detalhada e saber se o Secretário-Geral do
SIRP concordou com a proposta que lhe foi feita pelo arguido Jorge Silva Carvalho, a prova
produzida foi contraditória e totalmente inconclusiva, deixando-nos uma enorme dúvida
sobre a veracidade das afirmações do arguido, que nesta, como noutras situações foram, em
muitos casos, incongruentes, contraditórias e pouco credíveis.
O exemplo flagrante e chocante deste tipo de afirmações, surgiu quando disse que não chegou
a ver a listagem (facturação detalhada) que o arguido João Luís lhe enviou porque tinha
muitas operações ao mesmo tempo, esquecendo que, pouco antes, tinha considerado muito
grave a fuga de informação - tão grave que poderia ser causa de justificação da sua conduta
ilícita - e que, para descobrir as fontes do jornalista, tinha envolvido vários funcionários dos
serviços em actos ilícitos, para confirmar suspeitas que já tinha e que, no final, nem sequer
tinha interesse em saber o resultado. Totalmente inverosímil.
O arguido Jorge Silva Carvalho afirmou que a decisão de aceder à facturação detalhada foi
tomada numa reunião com o Secretário-Geral do SIRP, na sequência de sugestão que lhe fez
e em que o mesmo lhe terá dito para “avançar na medida do necessário”.
Acrescentou que tinha uma relação de confiança com o Dr. Júlio Pereira, embora, três meses
depois, em princípios de Novembro, tivesse apresentado o pedido de exoneração por “se
sentir sem condições para exercer o cargo de Director do SIED devido a despachos do
secretário – geral de finais de Julho e Setembro de 2010 que o desautorizavam e
descredibilizavam os Directores dos serviços” (carta de exoneração).
O Secretário-Geral do SIRP, testemunha Júlio Pereira, negou, disse que em Agosto estava de
férias e que só soube da notícia do “Público” quando regressou. Acrescentou que a notícia,
em si, não continha nada de grave. Admitiu que alguém de dentro passou informações, que,
quem passa essas passa outras, mas que, se havia suspeitas de que essa informação tinha
partido de alguém do serviço, então bastava procurar a facturação detalhada dos serviços. “O
universo de pessoas que poderiam ter passado a informação não era muito alargado”.
Referiu, por último, que jamais o desagrado dos serviços poderia justificar o acesso à
facturação detalhada do jornalista.
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Também a testemunha Manuel António Vieira se referiu à possibilidade de os Directores
terem acesso à facturação detalhada dos serviços e considerou esse acesso, nas circunstâncias
em causa, normal e natural, embora não fosse bem aceite internamente porque as pessoas
tinham a sensação de que estavam a ser devassadas. (sublinhado nosso).
O arguido João Luís, cujas declarações também se revelaram, nalguns aspectos, pouco
credíveis - disse, por exemplo, que não sabia de quem era a facturação detalhada, afirmação contraditória com
o que disse sobre o impacto da noticia nos serviços - disse que o arguido Jorge Silva Carvalho não lhe
falou no secretário-geral mas que este, no aniversário do SIED, terá falado no assunto e dito
que era motivo de preocupação e que se iria fazer tudo para resolver o problema.
Considerando que o aniversário do SIED em 2010 foi comemorado em finais de Setembro
ficam-nos sérias dúvidas sobre estas afirmações do secretário-geral, que teriam ocorrido
muito depois de o arguido Jorge Silva Carvalho ter recebido a facturação detalhada do
jornalista e muito perto do período em que o arguido decidiu sair do SIED. Mas mesmo que
o secretário-geral porventura tivesse feito essas afirmações as nossas dúvidas mantinham-se
pelas razões já expostas.
Sobre as alegadas práticas sistemáticas e o Manual de Procedimentos
Recorde-se que os arguidos afirmaram que a decisão de aceder à facturação detalhada do
jornalista se inseriu numa prática sistemática e reiterada dos serviços de aceder às facturações
detalhadas, tendo o arguido João Luís, para corroborar as suas afirmações, pedido o
levantamento do segredo de Estado de uma operação, em concreto, ocorrida anos antes.
O Tribunal não atendeu a pretensão do arguido por considerar que uma “operação dos
serviços”, só por si, a ter efectivamente existido, teria pouca relevância para os direitos de
defesa dos arguidos e, em contrapartida, a sua revelação podia implicar um perigo ou lesão
desnecessários para os bens jurídicos tutelados pelo segredo de Estado, na hipótese, que
também não era segura, de haver levantamento do segredo de Estado.
No entanto, perante as graves afirmações feitas pelos dois arguidos, preocupou-se o Tribunal
sobretudo em obter informações, de carácter genérico, sobre o funcionamento dos serviços e
eventuais desvios ou alegadas disfunções do sistema.
Neste contexto considerou-se pertinente ouvir os membros do Conselho de Fiscalização do
SIRP, o actual presidente e um anterior representante do Conselho, quando este era presidido
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pelo coronel Marques Júnior, que acompanhou a investigação que deu origem a estes autos, e
comunicar ao Primeiro-Ministro a importância de se ter acesso ao Manual de Procedimentos,
ou a partes desse manual, e aos módulos de formação.
O que disseram os membros do Conselho de Fiscalização
Os membros do Conselho de Fiscalização, reportando-se embora a períodos diferentes – a
testemunha Paulo Mota Pinto é membro e presidente do Conselho de Fiscalização desde 2013 e a testemunha
Pedro Barbosa foi membro do Conselho entre Dezembro de 2008 e Março de 2013 –, disseram que, para
além da situação que deu origem a este processo, e que desencadeou inquirições a todos os
elementos do SIED, não tiveram conhecimento de outros casos e não encontraram qualquer
fonte que se baseasse em actividade ilegal, nem nos relatórios encontraram quaisquer
menções a informações obtidas durante intercepções telefónicas, revelando que nas
inspecções que realizaram deram uma especial atenção a esta problemática das facturações
detalhadas e intercepções telefónicas.
A testemunha Pedro Barbosa, que pertencia ao Conselho de Fiscalização, quando este era
presidido pelo coronel Marques Júnior, considerado por várias testemunhas como um
presidente pró-activo – ex. testemunha Clemente Vian – disse que não viu nenhum relatório sobre
a facturação detalhada e que, a ter havido, teria de ser feito fora do sistema, como aconteceu
neste caso.
Esta testemunha disse ainda que, na altura em que inquiriram individualmente os elementos
do SIED, alguns deles disseram que havia precedentes mas não lhe apresentarem provas,
soando-lhe, por isso, a falso.
Estas afirmações da testemunha encontram-se amplamente explanadas no parecer do
Conselho de Fiscalização do SIRP, relativo ao ano de 2011 (publicado no DAR, II Série-E, de
2.07.2012).
Nesse parecer diz-se nomeadamente que “ no que se refere à chamada “Lista de Compras”
que envolveu o Jornalista Nuno Simas, não obstante ter sido ordenado pelo Senhor Primeiro-
Ministro um novo inquérito, o CFSIRP, atento à gravidade da matéria, assumiu desde logo no
quadro das suas competências e referências legais, as iniciativas urgentes e ajustadas ao caso.
(Comunicado n.º 2, em Anexo, de 29/8/2011). Assim, o CFSIRP desenvolveu intensa
actividade investigatória em momento imediato ao conhecimento da hipótese da existência da
referida “Lista de Compras”, e apresentou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
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Liberdades e Garantias uma análise detalhada das suas diligências e das conclusões a que
chegou”.
As testemunhas de acusação e defesa, funcionários e responsáveis do SIED, também negaram
a existência destas práticas nos serviços.
Apesar de os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís terem desvalorizado o papel do
Conselho de Fiscalização, dizendo que raras vezes viram os seus representantes nos serviços,
afirmações que, como vimos, não são consensuais, e de terem subestimado os depoimentos
que prestaram em julgamento, o certo é que do que foi dito pelos membros do Conselho de
Fiscalização e pelos funcionários dos serviços, podemos concluir que o acesso à facturação
detalhada teria de ser feito fora do sistema, como aconteceu no caso destes autos e que não
era, nem é, uma prática rotineira e habitual dos serviços que, a existir, seria facilmente
detectável.
Conclusão que é corroborada pela mensagem enviada pelo arguido João Luís para a
testemunha Clemente Vian no dia 15.08.2010.
Esta mensagem – João Luís pergunta a Clemente Vian “temos o 93” – podendo indiciar ou,
pelo menos, não excluir, práticas anteriores semelhantes - e a testemunha Clemente Vian admitiu
que houve tentativas de organizações congéneres nesse sentido - leva-nos, por outro lado, a concluir que
esse procedimento não era tão generalizado, rotineiro, instituído, frequente, como os arguidos
afirmaram, pois se assim fosse a pergunta “temos 93” não faria sentido e o recurso à mulher
de um funcionário dos serviços a uma “fonte inopinada” também não seria necessário se os
serviços tivessem fontes em todas as operadoras.
Por fim, contrariamente ao que foi dito pela defesa dos arguidos Jorge Silva Carvalho e João
Luís, não encontrámos na parte do Manual de Procedimentos, que foi revelada e que
corresponde integralmente à parte divulgada pela comunicação social - fls. 4095 a 4104 -, uma
indicação segura de que essas práticas ilegais eram ensinadas no Manual de Procedimentos.
De facto, o que se diz na pág. 64, sobre os elementos que podem ser obtidos nas operadoras
de telecomunicações móveis pode reportar-se aos chamados dados de base, para efeitos de
identificação, sem tratamento, não sujeitos ao princípio da confidencialidade e que não
atentam contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos visados nessas pesquisas (ou
informações).
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O site do SIRP, no capítulo dos princípios e meios de actuação, prevê, aliás, a existência de
protocolos com entidades públicas para efeitos de acessos a informações e dados constantes
das suas bases, quando relevantes para o exercício das suas competências.
E, assim, após conjugação de todos os elementos probatórios acabados de analisar, ficámos
convencidos que os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís apesar de terem consciência de
que praticaram actos ilegais e de que levaram outros - arguidos Nuno Dias e Gisela Teixeira -
a agir da mesma forma, procuraram banalizar estas práticas dentro dos serviços, e, por essa
via, desresponsabilizar-se dos seus actos, como se fossem produto ou vítimas de um sistema
quando, na verdade, estes arguidos, e em especial o arguido Jorge Silva Carvalho podiam e
deviam não se conformar com elas, na hipótese de efectivamente existirem.
Ora, não só não se provou a reiteração dessas práticas como, conforme já foi dito, os
arguidos, face às responsabilidades que tinham no SIED, não podiam deixar de responder por
actos ilegais que praticaram e fomentaram, não se encontrando, por todo o exposto, qualquer
circunstância justificativa dessa actuação.
Quanto aos arguidos Nuno Dias e Gisela Teixeira.
A arguida Gisela Teixeira confessou, com grande humildade, que tinha consciência de que
não podia praticar aqueles actos e que cedeu ao pedido do companheiro. Não revelou, nem
sequer alegou, falta de consciência da ilicitude da sua conduta.
O arguido Nuno Dias também admitiu os factos mas escudou-se nas ordens recebidas dos
superiores, que respeitava e admirava, e na sua educação “militar”, pautada pela disciplina e o
respeito pelas ordens dos superiores hierárquicos.
O arguido Nuno Dias ingressou nos serviços de informações em 2004, isto é, à data dos
factos era funcionário dos serviços há seis anos, é descrito como um profissional muito
competente e dedicado e, nessa qualidade, não devia ignorar o modo de actuação dos serviços
e os seus limites – estão referidos nos sites próprios, no manual, parte dos deveres
profissionais - sendo certo que estas problemáticas, do acesso a dados de tráfego e escutas,
dada a sua sensibilidade, sempre dominaram as atenções da comunicação social ainda antes
da ocorrência destes factos.
Por outro lado, o modo informal como o procedimento foi levado a cabo, fora dos canais dos
serviços de informações e com recurso à sua companheira que não tinha qualquer ligação aos
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serviços – não é por acaso que as normas de recrutamento de fontes humanas para os serviços de informações
são muito exigentes e obedecem a critérios de selecção rigorosos, havendo que acautelar a segurança do serviço
e a confidencialidade dos seus actos e procedimentos – e fora do sistema do SIED, reforçam a
convicção de que o arguido tinha consciência que estava a actuar fora dos limites e que estava
a praticar uma conduta ilícita .
Por tais razões ficámos igualmente convencidas que o arguido Nuno Dias tinha consciência
da ilicitude da sua conduta.
Claro que, nesta actuação em cadeia, as responsabilidades e a culpa deste arguido são muito
inferiores às responsabilidades do arguido João Luís e mais ainda do arguido Jorge Silva
Carvalho, questão que será devidamente ponderada na determinação da pena concreta.
_________________________
III. Ongoing (pontos 40 a 55)
O que diz o despacho de pronúncia e o Ministério Público
Basicamente, de acordo com o despacho de pronúncia os arguidos Jorge Silva Carvalho e
Nuno Vasconcellos teriam acordado que o arguido Jorge Silva Carvalho seria contratado pelo
grupo Ongoing em troca de informações obtidas nos serviços de informações sobre
empresários russos, no âmbito de um negócio da Ongoing relativo ao porto grego de Astakos,
na Grécia, que estava então em curso.
Isto porque, no mesmo período de tempo em que o arguido Jorge Silva Carvalho discutia com
o arguido Nuno Vasconcellos a sua contratação para o grupo Ongoing, o grupo estava a
negociar com dois cidadãos russos a exploração de um porto grego - porto de Astakos - e o
arguido, cerca de uma semana depois de ter dito ao arguido Nuno Vasconcellos que decidira
integrar o grupo - msg. de 23.10.2010 -, enviou para a Ongoing informação obtida nos serviços
por sua determinação - através do arguido João Luís e da testemunha Heitor Romana -, sobre o passado
político, a capacidade negocial e as influências – na Rússia e junto do seu presidente Vladimir Putin -
dos dois empresários russos, com quem a Ongoing estava a negociar e determinou ainda no
SIED que fosse feita uma pesquisa, em fonte aberta, sobre o porto de Astakos.
Para além da simultaneidade temporal entre a contratação do arguido Jorge Silva Carvalho
para a Ongoing e o ilícito praticado por este arguido, através da utilização dos recursos do
SIED para propósitos alheios aos seus fins legais e, em concreto, para satisfazer os interesses
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da Ongoing, dizia-se que a informação prestada pelo arguido era relevante para o grupo
Ongoing que tinha dois dos seus quadros nesta negociação.
E que inexistia outra razão para a prática deste acto ilícito por parte de J. Silva Carvalho –
informação sobre cidadãos russos – que só podia ser determinada pela concreta informação,
solicitada pelos responsáveis da Ongoing, e determinada no exclusivo interesse de uma
negociação em curso que importava à Ongoing.
O que dizem os arguidos
O arguido Jorge Silva Carvalho disse que:
- não disponibilizou informação relevante e a que porventura deu nunca chegou ao
conhecimento do arguido Nuno Vasconcellos;
- a sua saída do SIED fundou-se em razões muito específicas que se acham expressas na sua
carta de demissão, sendo autónoma e cronologicamente distinta do seu ingresso na Ongoing;
- a contratação foi transparente, legal, não desproporcional, justificada e real;
- não ficou provado que o arguido Nuno Vasconcellos tivesse condicionado uma futura
contratação do arguido à comprovação por este último da sua valia através da prestação de
informações (o suborno);
Disse o arguido Nuno Vasconcellos que:
- ao contrário da acusação, a pronúncia expurgou o facto e a alegada prova (falsificada, diga-
se) que consistia numa alegada transmissão de informação sobre os cidadãos russos de Jorge
Silva Carvalho para o ora arguido;
- se a acusação já não tinha prova de qualquer ilícito criminal, pois mesmo que aquele e-mail
existisse, não poderia provar a prática do crime em causa, a pronúncia não contém qualquer
facto ou prova que consubstancie uma solicitação do ora arguido para que Jorge Silva
Carvalho violasse os seus deveres, tal como não contém qualquer facto ou documento que
verta a alegada transmissão da informação sobre os russos para o arguido Nuno Vasconcellos;
- a contratação do arguido Jorge Silva Carvalho foi discutida e ponderadas por todos os
administradores da empresa, tendo estes entendido que, face a algumas estruturas de
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organização e funcionamento interno, o perfil e as características pessoais e profissionais de
Jorge Silva Carvalho poderiam enquadrar-se nesses projectos;
- foi neste contexto que se desenrolaram os sms;
__________________________
No final da produção de prova, afigura-se ao Tribunal Colectivo que a prova produzida foi
inconclusiva e não confirmou a tese da pronúncia e do Ministério Público. Vejamos.
Começando pelas condições e circunstâncias em que o arguido Jorge Silva Carvalho foi
contratado para a Ongoing.
Apurou-se que:
Os arguidos Jorge Silva Carvalho e Nuno Vasconcellos eram amigos e partilhavam a mesma
loja da Maçonaria.
- resulta designadamente das declarações dos arguidos – arguido Nuno Vasconcellos disse que sendo um
amigo e sabendo das suas capacidades, ficou logo interessado em contratá-lo e que anos antes lhe tinha
perguntado se não gostaria de trabalhar no grupo pois sempre viu o arguido Jorge Silva Carvalho como um
gestor, um operacional - de vários depoimentos de testemunhas que pertenceram ao grupo Ongoing, -
Alexandra Vasconcellos, James Rissi - dos próprios sms, mencionados no despacho de pronúncia, num
dos quais o arguido Nuno Vasconcellos alude à “amizade que os une”.
O arguido Jorge Silva Carvalho, logo após as férias de Verão de 2010, decidiu sair dos
serviços de informações por estar em desacordo com os cortes orçamentais nos serviços e
com as medidas adoptadas pelo Secretário-Geral do SIRP.
- este descontentamento do arguido não só se tornou público e foi, na altura, divulgado em vários
órgãos de comunicação social - vários emails que constam no apenso 1, pág. 15 e que reproduzem
noticias publicadas designadamente no “Diário de Noticias” e no “Diário Económico” - como resulta
das declarações do arguido, do depoimento do secretário-geral do SIRP, da carta de exoneração
enviada pelo arguido para o secretário - geral, do depoimento da testemunha Luís Neves que disse que
se encontrou com o arguido Jorge Silva Carvalho na cimeira da NATO e que este lhe referiu que
estava magoado e aborrecido com o secretário-geral, explicando que tinha assumido uma série de
compromissos externos e internos e que, perante os cortes orçamentais, “os projectos iriam por água
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abaixo” e que lhe disse que ia procurar emprego na privada, tendo-lhe dito mais tarde que ia para a
Ongoing.
Nessas circunstâncias o arguido Jorge Silva Carvalho, contactou com o arguido Nuno
Vasconcellos, tendo ambos trocado sms, entre os dias 22 e 23 de Outubro, sobre as
possibilidades de o primeiro arguido vir a integrar o grupo, e sobre as condições
remuneratórias que lhe eram oferecidas.
- da análise dos sms de dia 22.10.2010, entre as 19h.05m e as 21h. 47m, retira-se, em primeiro lugar,
que o arguido Nuno Vasconcellos, logo no primeiro contacto feito pelo arguido Jorge Silva Carvalho
mostra-se entusiasmado com a hipótese que lhe é colocada pelo arguido Jorge Silva Carvalho
dizendo-lhe “É já amanhã” e ao mesmo tempo diz-lhe que a sua proposta se mantém sine die, ou seja,
admite a possibilidade de a contratação não se concretizar naquele momento, por vontade do seu
interlocutor, e adianta que a disponibilidade para o contratar se mantém para o futuro (sem data certa).
- retira-se dos mesmos sms que o arguido Nuno Vasconcellos, já ciente de que o arguido Jorge Silva
Carvalho está na disposição de abandonar os serviços diz-lhe que se tiver uma oferta dá o mesmo,
explicando que “Mais do que tudo há um valor que não tem preço é a confiança … já para não falar da
amizade que nos une”.
- por fim, o arguido Jorge Silva Carvalho, depois de “desabafar” sobre os serviços de informações,
manifestou a sua admiração e interesse pelo grupo e, no dia seguinte, informou o arguido Nuno
Vasconcellos que decidiu integrar a sua equipa referindo, num outro sms, que tudo faria para o
recompensar.
E, assim, na primeira semana de Novembro (entre os dias 6 e 8) o arguido Jorge Silva
Carvalho comunicou ao secretário-geral que ia sair e, no dia 8, apresentou a carta de
exoneração junta a fls. 5803, parcialmente reproduzida no ponto 79 da matéria de facto.
- o secretário-geral, testemunha Júlio Pereira, confirmou que o arguido lhe comunicou que ia sair e
que lhe disse que tinha recebido um convite da Ongoing.
- na carta de exoneração, o arguido refere não ter mais condições para exercer o cargo de Director do
SIED e que tal se deveu a despachos do secretário-geral, um de Julho e três de Outubro de 2010, que,
conjugados, levam a que seja feita uma interpretação do funcionamento dos serviços com a qual não
concorda; considera que os dois primeiros despachos, constituem uma desautorização e contribuem
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para a descredibilização dos cargos dos Directores dos serviços e em particular do cargo
desempenhado por si esvaziando-o quase por completo das capacidades de exercer as poucas
competências relevantes que lhe eram conferidas por lei. Conclui que atingiu o impasse.
A Ongoing em 2010 identificou a necessidade de fortalecer a sua estrutura de suporte às
actividades empresariais optando por um modelo de serviços partilhados e, em 6 de Janeiro
de 2011, criou a Ongoing Shared Services, SA. (OSS) uma empresa de serviços partilhados,
tendo em vista a centralização de vários serviços, designadamente contabilidade, tesouraria,
recursos humanos, marketing, compras, auditoria, comunicação e segurança
- este objectivo da Ongoing, está espelhado no documento de fls. 2240 a 2251, fls. 2159 a 2160, na
carta-convite apresentada ao arguido Jorge Silva Carvalho na qual consta que o arguido irá exercer a
função de vice-presidente da OSS (formalmente criada no dia 6.11.2011), e resulta das declarações do
arguido Nuno Vasconcellos, das testemunhas Maria Alexandra Mascarenhas, Rafael Mora, Rita
Marques Guedes. Esta testemunha disse que a Ongoing Share Services colmatou uma necessidade da
empresa que estava a crescer muito, havia um estudo da Delloite apontando para a necessidade de
criação de uma estrutura de serviços partilhados para optimizar recursos.
O arguido Jorge Silva Carvalho, quando exerceu as funções de chefe de gabinete do
secretário-geral do SIRP, entre 2005 e 2008, esteve envolvido na implementação de serviços
partilhados dentro dos serviços de informações.
- foi dito pelas testemunhas Júlio Pereira e António Freitas que o arguido, enquanto chefe de gabinete
do Secretário-Geral do SIRP, esteve envolvido na implementação de serviços partilhados dentro dos
serviços de informações, tendo , por isso, experiência e conhecimentos nessa área. O arguido também
referiu que restruturou organicamente os serviços e que foram os primeiros serviços partilhados na
área da administração pública.
Resulta da carta-convite, assinada pelo arguido Jorge Silva Carvalho em 28.12.2010, que o
arguido, no Grupo Ongoing, ia exercer funções de vice-presidente da OSS, que foi
formalmente criada no dia 6.01.2011.
- a testemunha James Gill disse que o arguido Nuno Vasconcellos e o Rafael Mora decidiram criar
uma empresa de serviços partilhados e andavam à procura de alguém para dirigir essa empresa. Um
dia o arguido Nuno Vasconcellos, disse-lhe que tinham encontrado a pessoa indicada para esse lugar.
Quando soube que o candidato ao lugar tinha pertencido aos serviços de informações discordou pois
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a Ongoing já tinha frequentemente notícias, nem sempre agradáveis, nos jornais. Exigiu que, pelo
menos, o arguido se comprometesse a não voltar aos serviços. Também a testemunha Rafael Mora
disse que pediu ao arguido Silva Carvalho garantias de que aquela ida para a empresa privada não era
um trampolim para subir na vida pública, e que o arguido lhe disse que se tratava de uma mudança da
sua vida, não tendo qualquer intenção de voltar à vida pública.
O arguido Jorge Silva Carvalho auferia, anualmente, o montante 213.931, 89 €, pago em
catorze prestações (remuneração mensal líquida de 10.000€, devida por todas as funções desempenhadas no
grupo, com carro e telemóvel).
- estas condições remuneratórias foram consideradas pelas várias testemunhas como normais para o
cargo que o arguido exercia. A testemunha Rafael Mora, responsável pela apresentação da carta-
convite, disse que o arguido recebia, “nem mais nem menos, do que as outras pessoas em posições
equivalentes”.
Por fim, o arguido Nuno Vasconcellos e as testemunhas Amândio Antunes, Filipa Monteiro,
James Gill, Rita Marques Guedes, destacaram o trabalho que o arguido realizou durante o
período em que integrou o grupo Ongoing, nomeadamente na área dos serviços partilhados. O
arguido Nuno Vasconcellos, corroborado pelas testemunhas supra identificadas, disse que o
arguido Jorge Silva Carvalho fez a fusão dos serviços com enorme sucesso.
Dos factos apurados, e abstraindo-nos, por enquanto, das outras questões mencionadas no
despacho de pronúncia e em particular da informação sobre os empresários russos e sobre a
relevância desta informação para a Ongoing, parece resultar, de forma evidente, do que foi
apurado, que a contratação do arguido Jorge Silva Carvalho para a Ongoing, se inseriu num
processo normal de contratação de um quadro da administração pública, que queria sair dos
serviços onde exercia funções e entrar para uma empresa privada, para ocupar um lugar
destacado numa área que estava a ser implementada, auferindo uma remuneração compatível
com o cargo que ia ocupar no grupo, com a particularidade de os contraentes serem amigos e
do segundo pertencer aos serviços de informações.
Resta saber se, como diz a pronúncia, por detrás desta contratação e como condição para a
sua efectivação, houve, entre os dois arguidos, algum acordo ou compromisso que obrigasse o
arguido Jorge Silva Carvalho a, enquanto permanecesse nos serviços, utilizar meios dos
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serviços para beneficiar a Ongoing e se esse acordo passava, em concreto, pela
disponibilização de informações sobre os empresários russos.
É inequívoco que o arguido Jorge Silva Carvalho, uma semana depois de ter acordado com o
arguido Nuno Vasconcelos que iria trabalhar para a Ongoing, na sequência de um pedido que
lhe foi feito por Fernando Paulo Santos, um dos representantes da Ongoing no “negócio de
Astakos”, determinou funcionários do SIED a pesquisarem informações sobre dois
empresários russos e a elaborarem um rinot (relatório interno de informação), e a um dos
funcionários determinou ainda que a informação fosse obtida, com recurso a fontes humanas,
na Rússia, e que, na posse das informações que lhe foram dadas, as remeteu para Fernando
Paulo Santos e este para Vasco Rato, que também representava a Ongoing no negócio que
estava em curso sobre o porto de Astakos (apenso 4, vol.1, fls. 9 a 11).
Essas informações, como veremos mais à frente, eram reservadas e confidenciais e o arguido
jamais as podia ter usado para fins alheios aos serviços e obviamente não as podia ter enviado
para fora dos serviços de informações.
O arguido justificou-se, sustentando que Fernando Paulo Santos, para quem enviou a
informação, era fonte dos serviços de informações e que lhe deu essa informação para receber
outras em troca, desconhecendo que se destinava à Ongoing e que Fernando Paulo Santos,
sua “fonte” “devidamente registada nos serviços” – seria a fonte “Panda” -, trabalhava para a
Ongoing e representava o Grupo em qualquer negociação relacionada com os empresários
russos.
Esta afirmação do arguido, não nos mereceu crédito, por várias razões:
- não só porque Fernando Paulo Santos e o arguido se conheciam há muito tempo, pertenciam
à mesma loja da maçonaria, eram ambos amigos do arguido Nuno Vasconcellos, que também
pertencia à maçonaria e que disse que o Fernando Paulo Santos era funcionário da Ongoing
há cerca de dois anos, reportando-se à data do negócio de Astakos;
- sendo Fernando Paulo Santos “sua fonte” não era credível, que o arguido Jorge Silva
Carvalho, que foi descrito por todos como organizado, bem informado, muito competente,
bom estratega, atributos que são, aliás, inerentes às funções que exercia e aos quais podemos
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acrescentar a curiosidade e o interesse que estão igualmente associados àquelas funções, não
soubesse que Fernando Paulo Santos trabalhava na Ongoing.
- aliás, de acordo com o “Manual de Procedimentos” – extracto desclassificado na sequência do
pedido de levantamento do segredo de Estado apresentado pelo Tribunal – o recrutamento do alvo
(potencial fonte humana) passa pelo conhecimento de um vasto conjunto de informações
sobre esse alvo, de cariz pessoal, psicológico e profissional, mencionando-se expressamente,
aquilo que nos parecia já uma evidência, os “dados profissionais”, o “local de trabalho”,
“horários e suas actividades (fls. 64 do Manual de Procedimentos).
Esta afirmação foi ainda desmentida pela testemunha Fernando Paulo Santos que, não só
negou que fosse fonte dos serviços como disse que o arguido sabia que ele trabalhava na
Ongoing e nas lojas em que se encontrava, conhecia-o a ele e ao Nuno Vasconcellos e “sabia
que ele trabalhava para o Nuno”.
Fique, porém, claro que a falta de credibilidade das afirmações do arguido Jorge Silva
Carvalho resulta essencialmente do facto de tais afirmações chocarem flagrantemente com as
regras da experiência, pelas razões já expostas, e não tanto do desmentido da testemunha
Fernando Paulo Santos cujo depoimento, em matéria de credibilidade, nos mereceu algumas
reservas e dúvidas.
Certo é que, quanto ao facto de Fernando Paulo Santos ser alegadamente “fonte” dos serviços
de informações, não se fez qualquer prova – o arguido João Luís disse que não conhecia o Fernando
Paulo Santos e que tinha informação de que a fonte Panda era o arguido Jorge Silva Carvalho, que a terá criado,
e para a qual enviava documentos - e, a fazer-se, seria irrelevante, face ao contexto em que o
arguido recebeu o pedido de informações e as enviou, sabendo, é inquestionável, que se
destinavam à Ongoing.
Parece-nos, em suma, que o arguido Jorge Silva Carvalho usou este subterfúgio para não ter
que admitir que enviou para a Ongoing informações dos serviços no mesmo período temporal
em que acabava de ser contratado para ir trabalhar para o Grupo.
Mas, pergunta-se, tê-lo-á feito por pudor, não falando de outras questões mais graves adiante
analisadas que se prendem com a violação do segredo de Estado, por ter consciência de que o
que fez é eticamente censurável e reprovável, ou porque, efectivamente, existia o acordo a
que se refere a pronúncia.
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Como referiu a testemunha Júlio Pereira, aludindo a esta questão concreta, o facto, em si, de
uma pessoa estar a procurar emprego enquanto mantém a relação laboral antiga não levanta
qualquer problema. É normal.
Um parêntesis para referir que essa mudança de emprego de um membro dos serviços de
informações, com as responsabilidades do arguido Jorge Silva Carvalho, para o sector
privado, não só não foi considerada normal, desde logo pelas testemunhas James Risso Gill e
Rafael Mora, como, quando essa contratação foi despoletada na comunicação social, o
Conselho de Fiscalização do SIRP e outras entidades consideraram, de imediato, premente a
criação de um “período de nojo”, o que levou a que em Agosto de 2014 tivessem sido
aprovadas alterações legislativas.
Concretizando
Diz-se, no já mencionado parecer do Conselho de Fiscalização do SIRP de 2011, que “o caso
que continuou a merecer maior destaque foi a saída do ex-Director Geral do SIED e a sua ida
para a Ongoing. Já no Parecer relativo ao ano de 2010 o CFSIRP manifestou a sua
preocupação e “se interrogou se não seria de ponderar, numa futura alteração da Lei Quadro
do Sistema de Informações da República Portuguesa, a introdução de medidas que impeçam
certos quadros, com especial responsabilidade nos Serviços de Informações, de saírem
directamente para o sector empresarial, designadamente, através da criação de um
impedimento temporário”.
A Assembleia da República introduziu na Lei Quadro do SIRP uma norma - artº 33D introduzido
pela lei nº 4/2014 de 13 de Agosto - que determina que os funcionários e dirigentes dos serviços
fiquem impedidos de desempenhar funções em organismo ou entidade do sector privado, pelo
período até três anos após cessação de funções, por despacho fundamentado do Secretário-
Geral, em caso de manifesta incompatibilidade com as finalidades ou o funcionamento do
SIRP ou com a segurança e interesses nacionais.
Dito isto e voltando ao depoimento do Secretário-Geral do SIRP, por este foi ainda referido,
continuando a reportar-se à entrada do arguido Jorge Silva Carvalho para a Ongoing, que
não lhe parecia eticamente correcto estar a negociar com uma empresa a sua entrada ou
contratação e, ao mesmo tempo, utilizar os serviços, onde ainda trabalhava, para dar
informações a essa empresa.
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E adiantou ainda que se uma qualquer empresa que pretendia investir trezentos milhões de
euros - seria o valor do negócio do negócio de Astakos - num determinado projecto no estrangeiro,
não conhecesse os parceiros caberia dentro das funções dos serviços dar-lhes as informações
que pretendiam.
Mas se soubesse que o arguido Jorge Silva Carvalho estava nessa altura a negociar a sua ida
para a Ongoing nesse caso opor-se-ia. Nem pensar! Havia essa incompatibilidade.
E acrescentou que, além disso, o processo foi inverso ao normal, não seguiu os
procedimentos normais. Os serviços trabalham no âmbito das suas prioridades. Não foram as
prioridades que marcaram este processo, foi um pedido particular dirigido ao arguido Silva
Carvalho. Não foi definida prioridade pela entidade competente que é o Conselho Superior de
Informações.
Parece-nos claro e evidente que este processo desde logo, causa, a todos, enorme
perplexidade e não se estranhe que, neste contexto, face à proximidade temporal entre a
contratação do arguido Jorge Silva Carvalho e as informações sobre os empresários russos –
informação interna, classificada, como se verá obtida através de elementos dos serviços por
recurso a fontes abertas e fontes humanas que, sublinhe-se, nunca devia ter saído dos serviços
- se possam ter levantado dúvidas sobre as condições em que decorreu a negociação entre os
arguidos Nuno Vasconcellos e Jorge Silva Carvalho.
Não obstante toda a censura que se possa fazer à actuação do arguido Jorge Silva Carvalho, a
prova produzida não foi contudo suficiente para que se desse o passo maior e considerar que
tudo isto se devia a um compromisso, uma condição negociada com o arguido Nuno
Vasconcellos, para integrar os quadros do Grupo Ongoing.
Perfilam-se várias razões de ordem quase arbitrária:
- Em nenhum dos emails - pedidos e envios de informação está envolvido o arguido Nuno
Vasconcellos, não há qualquer evidência de que esse assunto tenha estado na “mesa das
negociações” e as expressões escritas nos sms“ (…) Dá-me um número líquido que para ti
seja justo e que eu possa compensar com o que levo comigo e com o meu trabalho” e “ (…)
tudo farei para te recompensar” devidamente contextualizadas, podem ter vários sentidos e
são totalmente inconclusivas.
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Na verdade, numa negociação desta natureza, estando em causa um quadro qualificado, com
curriculum, que, como vimos, vai ser contratado para exercer funções de topo na empresa e
para as quais estava particularmente habilitado - área dos serviços partilhados - invoque os seus
conhecimentos e a sua experiência nessa negociação. E, note-se que a primeira expressão
reporta-se exactamente à remuneração que ia receber e, apesar de o arguido dizer no sms que
essa questão não era determinante para a sua decisão, não deixa de lhe dar importância, como
é natural e compreensível.
A segunda mensagem surge na sequência das anteriores, das quais se depreende que o
arguido Jorge Silva Carvalho está desiludido e decepcionado com os serviços de informações
e quer sair, e fica grato pelo facto de o amigo lhe ter proporcionado a entrada no Grupo
Ongoing e ao agradecer essa oportunidade diz ao arguido Nuno Vasconcellos que tudo fará
para o recompensar, muito provavelmente com o seu trabalho e, mais uma vez, com os seus
conhecimentos.
Esta troca de mensagens, suscita ainda uma outra questão, que tem aliás sido sublinhada pela
defesa e que diz respeito ao facto de, logo na primeira abordagem, a seguir ao primeiro sms o
arguido Nuno Vasconcellos ter dito ao arguido Jorge Silva Carvalho que estava na disposição
de o contratar de imediato, ou sine die, expressão que, face à incerteza temporal em que tal
contratação teria lugar, retira alguma força à tese da pronúncia.
- Quanto ao interesse e importância das informações sobre os empresários russos para o
Grupo Ongoing e para o arguido Nuno Vasconcellos, com quem o arguido Jorge Silva
Carvalho negociou a sua entrada no Grupo, a prova foi contraditória e também inconclusiva.
O arguido Nuno Vasconcellos disse que o Vasco Rato e o Fernando Paulo Santos,
funcionários da Ongoing, lhe falaram no negócio do porto como uma oportunidade para levar
matérias-primas da Rússia para o Brasil e do Brasil para a Rússia. Não travou os contactos
mas não se entusiasmou com o projecto porque era demasiado grandioso e não tinha trezentos
milhões de euros para investir. No entanto, recebeu um dos empresários porque podiam surgir
outros negócios.
Disse ainda que, não só desconhecia que Fernando Paulo Santos tinha pedido a informação
sobre os empresários russos ao arguido Jorge Silva Carvalho como nunca lhe foi enviada essa
informação, não obstante terem tentado, através de documento forjado, associá-lo a um email
onde constava essa informação.
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O arguido referia-se a um e-mail, entregue, através de fonte anónima, a um deputado na AR,
endereçada ao então Presidente do Conselho de Fiscalização, coronel Marques Júnior
supostamente enviado pelo arguido Jorge Silva Carvalho para o arguido Nuno Vasconcellos
no dia 2.11.2010 com as informações sobre os empresários russos, email este que foi excluído
como meio de prova do envio e recepção do dito email, por, segundo se refere no despacho
de pronúncia, se tratar de uma cópia que consequentemente, não permite obter a confirmação
que o texto da mensagem foi efectivamente enviado do remetente e para o endereço referidos
(cfr. anexo 15 e fls. 3047). Acresce o facto, alegado pela defesa, de este email, não ter sido
encontrado no sistema informático da Ongoing que foi alvo de buscas e apreensões.
As declarações do arguido Nuno Vasconcellos foram, no essencial, corroboradas pelos
representantes da Ongoing neste negócio e por James Gill e Rafael Mora.
A testemunha Vasco Rato disse que o negócio não era estruturante para a Ongoing,
desvalorizou a correspondência constante do apenso IV, fls. 9 a 11, e disse desconhecer o
pedido do Fernando Paulo Santos a Silva Carvalho.
Fernando Paulo Santos, de forma pouco credível, negou que tivesse pedido essa informação
ao arguido Jorge Silva Carvalho e afirmou, de forma vaga e pouco consistente, que o arguido
Nuno Vasconcellos, numa conversa sobre Astakos e os russos, lhe teria dito para “falar com o
Jorge” mas que não o chegou a fazer. O depoimento desta testemunha a que já nos referimos
atrás, foi pouco isento e não escondeu a sua animosidade para com o arguido Jorge Silva
Carvalho, tendo reconhecido, em julgamento, que estava aborrecido com o arguido desde que
saíram “certas notícias nos jornais”. Percebeu-se ainda que Fernando Paulo Santos terá sido
afastado das responsabilidades que tinha na Ongoing África e que atribuía a Jorge Silva
Carvalho a responsabilidade por esse afastamento.
Ainda sobre a falta de credibilidade desta testemunha, remete-se para a explicação que deu
sobre as razões do “TOP, TOP Secret”, escrito no email que enviou para Vasco Rato com a
informação sobre os empresários russos. A testemunha Fernando Paulo Santos desvalorizou
esta referência e disse que a usava com frequência em emails privados e que, neste, em
particular, tinha um tom jocoso, afirmação que nos mereceu pouca credibilidade por resultar
das regras da experiência que esta expressão é normalmente utilizada para enfatizar o carácter
sigiloso, ou secreto, de determinada informação como aliás foi referido por Vasco Rato
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Rafael Mora disse que o arguido Nuno Vasconcellos falava com toda a gente e que nunca lhe
foi mostrado qualquer projecto relativo ao porto apesar de o ter pedido a Vasco Rato numa
conversa informal e que lhe cabia a ele levar propostas de negócio ao Conselho de
Administração do grupo Ongoing. Explicou que o próprio Vasco Rato lhe disse que o
investimento não tinha interesse.
Não obstante se reconheça que o arguido Nuno Vasconcellos e as testemunhas ligadas ao
Grupo Ongoing desvalorizaram de forma excessiva, o “negócio” de Astakos e o interesse do
Grupo por esse porto, fazendo afirmações que contrastam com vários emails que revelam
algum empenho de vários responsáveis do Grupo nesse negócio, tendo havido até um MOU
(memorando de entendimento) que expressa uma convergência de vontades entre as partes
(alternativa mais formal ao acordo de cavalheiros) embora não implique compromisso
jurídico, que, na verdade, não chegou a ser assinado, o certo é que a prova produzida, no seu
conjunto, não foi suficiente para que, nesta parte, se dessem como provados os factos
constantes da pronúncia (cfr. apenso 4, vol, 2, emails de fls 2; fls. 157 a 165, 247 e seg, fls. 268, 276 e
282).
Não podemos, por fim, deixar de ser sensíveis à argumentação da defesa dos arguidos Jorge
Silva Carvalho e Nuno Vasconcellos, que não choca em nada com as regras da experiência
comum, de que se o arguido Nuno Vasconcellos estivesse efectivamente interessado em obter
informações através dos serviços de informações, se os arguidos eram amigos e se se davam
na clandestinidade da Maçonaria, beneficiaria muito mais com a permanência do arguido
Jorge Silva Carvalho nos serviços do que com a sua saída.
_____________________________
IV. Informação sobre empresários russos e porto de Astakos (pontos 56 a 77)
Porto de Astakos
Quanto à informação sobre o porto grego de Astakos apenas se provou, por via dos dois sms
– ns. 68 e 69 do apenso 1 – enviados pelo arguido Jorge Silva Carvalho para a testemunha
António Freitas, à data director do departamento de análise transversal no SIED, que foi
pedido a António Freitas que fosse efectuada uma pesquisa, em fonte aberta, sobre o porto
grego.
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No mais, não foi possível confirmar se no SIED foi elaborada alguma informação sobre o
porto de Astakos e se essa informação foi enviada para o arguido Jorge Silva Carvalho no dia
seguinte (ponto 78 do despacho de pronúncia).
A testemunha António Freitas depois de ter sido confrontada com os referidos sms,
confirmou que os recebeu, embora não se recordasse das mensagens e do seu teor, e disse que
o arguido Jorge Silva Carvalho, na qualidade de Director, tinha toda a legitimidade para dar
essas instruções, que o pedido se circunscrevia à sua actividade – explicou que o departamento que
chefiava era um chamado “departamento de banda larga” que abrangia várias áreas - mas concluiu, de
forma categórica, que não viu qualquer relatório sobre essa temática.
O Primeiro-Ministro, em resposta à solicitação do Tribunal sobre informações internas ou
relatórios existentes nos serviços do SIED, sobre o porto de Astakos, como vimos, informou
que, sobre essa matéria, não foram encontradas, nos serviços, quaisquer informações internas
ou relatórios, no período de tempo referido.
E como tal, perante prova tão inconclusiva, demos como não provado o já mencionado ponto
78 do despacho de pronúncia.
Cidadãos russos – RINOT
Quanto ao relatório sobre os dois cidadãos russos provou-se, igualmente, por via dos sms
enviados pelo arguido Jorge Silva Carvalho para o arguido João Luís e para Heitor Romana, à
data oficial de ligação na Rússia - sms 70 e 323 do apenso 1 -, conjugados com as declarações dos
arguidos e da testemunha Heitor Romana, que o arguido Jorge Silva Carvalho pediu a ambos
que fosse produzida informação sobre os referidos cidadãos.
No sms, dirigido ao arguido João Luís, o arguido Jorge Silva Carvalho dizia que precisava
que o arguido mandasse perguntar às “fontes humanas (“fh”), com acesso à Rússia, sobre
antecedentes de dois supostos amigos de Putin”.
Nos dois sms dava a indicação de que era “para fazer rinot”.
Resulta igualmente de prova documental, corroborada pelo arguido Jorge Silva Carvalho e
pela testemunha Fernando Paulo Santos, que o arguido, no dia 2.11.2010, enviou para
Fernando Paulo Santos e este enviou, no dia 6.11.2010, para Vasco Rato, nas circunstâncias
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descritas no despacho de pronúncia – pontos 71 e 72 da matéria de facto – um documento sobre os
empresários russos (fls. 9 a 11 do Apenso 4, vol.1).
Quanto à elaboração de RINOT, relevam ainda as declarações do arguido João Luís
conjugadas com o depoimento da testemunha Heitor Romana.
O primeiro disse que, na sequência do pedido feito pelo arguido Jorge Silva Carvalho, fez um
email interno, solicitando a uma directora, sua operacional, que fossem accionadas as fontes
humanas na Rússia, o que foi feito, e explicou que esse RINOT que não lhe foi dado a
conhecer foi elaborado através de fontes humanas e disse, por fim, que a testemunha Heitor
Romano não era fonte humana e não tinha qualquer ligação ao seu departamento.
Esclareceu, ainda, que não viu o RINOT, nem a “área” o notificou do seu teor, como foi
constatado pelo instrutor do processo (testemunha Luciano Correia de Oliveira) e como foi
confirmado pela testemunha Júlio Pereira.
A testemunha Heitor Romana, por sua vez, disse que, na data em causa, estava em Portugal
por razões pessoais, recebeu a mensagem do arguido Jorge Silva Carvalho – os contactos
eram em regra feitos por este arguido – e fez a informação com recurso a fontes abertas,
sendo, aliás, no seu caso, impensável o recurso a fontes humanas.
Em concordância com o que foi dito pelo arguido João Luís a testemunha Heitor Romana
esclareceu que, ao contrário do que sucedia consigo, aquele arguido podia, e devia, ter fontes
humanas pois era director do serviço operacional e que o arguido Jorge Silva Carvalho estava
certamente a procurar informações por várias vias, queria “fazer double- check”.
Por fim, confrontado com o RINOT de fls. 51 do Apenso 12 disse que, nem todo ele
correspondia à informação que tinha enviado para o arguido Jorge Silva Carvalho, tinha
partes fundidas, alguns dos elementos que constavam do relatório resultavam de pesquisas
que efectuou, outros tinham diferente origem, a narrativa não correspondia à sua informação,
tinha má qualidade e suscitavam-se-lhe dúvidas sobre a sua utilidade.
Sobre este RINOT, diz-se no relatório produzido no âmbito do inquérito, com vista à
averiguação de eventuais quebras de segurança nos serviços, que foi registada a entrada de
um RINOT de 2.11.2010, intitulado “perfil de Alexandre Burmatov e Alexandre
Vladislavev”, classificado de confidencial (consigna-se no documento “Este documento contém matéria
classificada. É proibida a sua transmissão ou revelação a pessoas não autorizadas. A distribuição, a
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transferência, a reprodução, o Arquivo e a Destruição base deste documento estão regulamentados na Resolução
de Conselho de Ministros nº 50/88, de 8 de Setembro (SEGNAC1).
E que, relativamente à matéria vertida no RINOT e visando avaliar do grau de reserva, foi
realizada uma pesquisa em fonte aberta e, nesse contexto, foi possível identificar, em diversos
sítios, em português e em russo, uma parte substancial da informação vertida no referido
RINOT do SIED.
Mais se refere que a abordagem e revelação de interesse, bem como a pesquisa realizada pelo
Serviço de Informações, com recurso a fonte, assume especial sensibilidade, devendo por tal
ser considerada classificada.
Cotejando este relatório com a informação enviada pelo arguido Jorge Silva Carvalho para
Fernando Paulo Santos e deste para Vasco Rato, com a já mencionada referência “TOP, TOP,
SECRET”, verifica-se que o RINOT está integralmente reproduzido nessa informação,
enviada por email, intercalado com duas informações adicionais sobre cada um dos
empresários russos, obtidas por “outra fonte” ou com “outra origem” conforme mencionado
na informação (fls. 9 do apenso 4, vol.1, parágrafos 2 a 5, correspondente às alíneas 1 a 5 e fls. 10, parágrafo
9 e seg.).
Na informação adicional, reportada a “outra fonte” e referindo-se a Alexandre Burmatov, diz-
se que “os nossos contactos caracterizam-no como um jovem inteligente, muito ambicioso,
populista e com um discurso fortemente nacionalista”.
Quanto a Alexandre Vladislavlev diz-se na informação reportada a “outra origem”, que este
cidadão é tido como um indivíduo “errático”, não muito fiável e, mais à frente acrescenta-se
que “ mantém fortes laços pessoais com Luzhkov e com a mulher deste. No presente, parte da
sua actividade empresarial estará ligada aos negócios que a mulher de Lushkov desenvolve.
Nosso contacto referiu-nos o caso de uma cimenteira, propriedade de Vladislavlev, que
trabalha para as empresas de construção civil da mulher de Luzhkov. Apesar de conhecer
bem Putin, não faz parte do seu innercircle”, nem tem ligações estreitas com os homens-de-
mão de Putin. A sua ligação de amizade a Luzhkov poderá afectar o seu relacionamento com
Putin e com o Kremlin. Contudo, segundo nossas fontes, dado o seu património político, não
deverá ser subestimado”.
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E sucedem-se, ao longo do texto, expressões que não nos deixam dúvidas de que grande parte
dessa informação foi obtida através de contactos, conversas - ex. “segundo nos foi referido”-, por
fontes humanas, na sequência do pedido feito por Jorge Silva Carvalho ao arguido João Luís,
a quem, recorde-se, o primeiro arguido havia pedido que perguntasse às “nossas fh com
acesso russia sobre antecedentes de dois supostos amigos de Putin (…)”. E, na verdade, o
texto analisa as relações dos cidadãos russos com Vladimir Putin tal como pretendia o
arguido.
E, assim, conjugando todos estes elementos probatórios, podemos considerar que a
informação acima analisada é uma junção de informações obtidas por várias vias, umas
deram origem ao RINOT de fls. 51, classificado como confidencial, fruto de pesquisas feitas
por Heitor Romana e de pesquisas feitas por fontes humanas, outras, como ressalta do próprio
texto e resulta com total clareza do seu conteúdo, baseadas essencialmente em informações
obtidas por fontes humanas do SIED que foram integradas num outro relatório que não
chegou a ser notificado ao chefe do departamento (declarações do arguido João Luís e
relatório do SIRP).
Sobre os efeitos e repercussões da divulgação, para fora dos serviços, de documentos e
informações desta natureza a prova produzida foi praticamente consensual permitindo-nos
concluir que este tipo de informação, contendo apreciações sobre o carácter, a personalidade,
as qualidades e defeitos das pessoas visadas – ex. populista, errático, não muito fiável, ligações de
amizade a (…) pode afectar o seu relacionamento com Putin e com o Kremlin –, pessoas influentes e com
relações próximas de dirigentes russos, designadamente do Presidente da Rússia (Vladimir
Putin) é demasiado delicado e melindroso, podendo advir, da sua divulgação, graves riscos
para a diplomacia, as relações internacionais e a segurança nacional, divulgação que tem de
ser imputada, em primeira linha, a quem quebra as regras de segurança que estes documentos
reclamam e que foi, inquestionavelmente, o arguido Jorge Silva Carvalho quando, não
obstante a sua classificação e confidencialidade, os enviou para terceiros fora dos serviços
(neste mesmo sentido vejam-se as conclusões do inquérito que constam do apenso 12).
Como referiu o secretário-geral do SIRP, a parte mais sensível é saber-se, e ter sido tornado
público, que se andava a pesquisar sobre cidadãos russos. Poderia colocar problemas ao nosso
oficial de ligação. Seria desagradável para o oficial de ligação que o tivessem confrontado
com o facto de andar a fazer pesquisas e não lhes ter perguntado directamente.
A testemunha Heitor Romana disse que a publicitação do processo criou riscos.
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O arguido João Luís corroborou estas afirmações.
_______________________
Sobre as justificações apresentadas pelo arguido Jorge Silva Carvalho para o envio da
informação sobre os empresários russos para Fernando Paulo Santos, valem aqui as
considerações já feitas sobre a total falta de credibilidade da versão do arguido, escusando-
nos, por isso de as repetir.
_______________________
V. Base de dados “Dun & Bradstreet” (pontos 86 a 96)
Os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís confirmaram os factos descritos no despacho de
pronúncia, ou seja que o arguido Jorge Silva Carvalho já depois de ter saído do SIED, pediu
ao arguido João Luís para, através da base de dados “Dun & Bradstreet”, obter as
informações sobre as empresas com participação do empresário madeirense.
O arguido Jorge Silva Carvalho, insistindo na tese de que Fernando Paulo Santos era sua
“fonte”, disse que a informação lhe foi solicitada pelo Fernando Paulo Santos nessa qualidade
– este facto resulta do email que consta de fls. 280, do apenso 4, vol.II - que se destinava a um general
moçambicano e que pediu essa informação no interesse do SIED, não adiantando mais
pormenores por estar vinculado ao segredo de Estado
Fernando Paulo Santos negou. Contudo, como tem vindo a ser dito, o depoimento desta
testemunha não nos mereceu total credibilidade.
Porém, sobre Fernando Paulo Santos - ser fonte dos serviços de informações - valem aqui as
considerações já feitas sobre a total falta de credibilidade da versão do arguido Jorge Silva
Carvalho, escusando-nos, novamente de as repetir.
Acresce que, à data, o arguido Jorge Silva Carvalho já não era funcionário dos serviços de
informações, por via do pedido de exoneração, tendo afirmado, por várias vezes, durante o
julgamento, que quando saiu desligou-se dos serviços – recorde-se que tinha assumido esse
compromisso com os responsáveis do Grupo Ongoing que o contrataram – e o arguido João
Luís disse que não conhecia o Fernando Paulo Santos e que a Fonte Panda tinha sido criada
pelo arguido Jorge Silva Carvalho.
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O Secretário-Geral do SIRP e o actual Director do SIED, testemunha Casimiro Morgado, que
sucedeu ao arguido Jorge Silva Carvalho no cargo que este exerceu até 1.12.2010, disseram
que o arguido Jorge Silva Carvalho ficou totalmente desligado dos serviços, nem se
concebendo o contrário face às circunstâncias em que saiu do SIED e à sua entrada na
Ongoing.
Conjugando estas afirmações e analisando-as à luz das regras da experiência comum, parece-
nos completamente afastada a tese do arguido Jorge Silva Carvalho.
O arguido João Luís, por seu turno, invocou em sua defesa o facto de a informação que estava
a ser pedida não prejudicar os serviços por se tratar de matéria aberta, não confidencial.
A testemunha Clemente Vian confirmou que a base de dados “Dun & Bradstreet” continha
matéria aberta e que era uma base de dados comercial, paga pelos serviços, através de avença
anual que abrangia um número determinado de pesquisas.
Sobre as pesquisas feitas na base de dados disse que quando saiu a notícia do “Expresso”
estava no estrangeiro e, de imediato, confrontou o técnico Hugo Guimarães que lhe disse que
tinha recebido ordens do arguido João Luís.
Disse que era um procedimento estranho porque o pedido devia ser feito por escrito e devia
passar por ele, à data, chefe dessa área.
Disse que os departamentos de análise faziam uma ordem de pesquisa por escrito. Este
procedimento ficava registado, com data e hora, no “Smart doc.”. era remetida para a área
respectiva e faziam a pesquisa sob forma de relatório escrito.
Restam, por fim, as conclusões do relatório do SIRP, constantes do apenso 12, que
corroboram inteiramente aquilo que resulta da prova produzida em julgamento.
Diz-se neste relatório, elaborado na sequência do processo de averiguações interno, que:
Tendo por base os factos mencionados no jornal “Expresso” de 23.07.2011, foram
internamente desenvolvidas, de forma exaustiva, diligências no sentido de apurar acerca da
possível fuga de informações, com destino ao ex-Director Dr. Jorge Silva Carvalho e à
empresa Ongoing, num período após a sua demissão.
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(…) Consultados os registos obtidos, que juntam em anexo ao relatório – correspondem aos
pedidos de pesquisa feitos pelo arguido Jorge Silva Carvalho a João Luís e enviados por este para aquele
arguido – a partir de consulta às bases de dados da empresa D&B, foi possível confirmar que
um dos elementos dessas empresas é um empresário de nome Humberto Policarpo Jardim
(…) cumpre referir a coincidência de referência a este nome, indiciando o alegado acesso, por
terceiros a comunicação reservada, na medida em que a informação constou apenas de uma
comunicação de e-mail efectuada entre o Dr. João Luís e o Dr. Jorge Silva Carvalho.
Conclusão
(..) muito embora a matéria decorrente da consulta da empresa D&B não se configure como
sendo classificada e, por tal, de per se abrangida pelo normativo relativo ao segredo de
Estado, a sua pesquisa para fins diversos da estrita utilização pelo SIED, constitui desvio
funcional e utilização indevida de meio do serviço, passível eventualmente de procedimento
interno (Luciano Correia de Oliveira e Filomena Teixeira) (fls. 59 do apenso).
Tanto basta para que o Tribunal tenha dado como provados os factos constantes do despacho
de pronúncia, convicto de que o arguido Jorge Silva Carvalho, aproveitando-se das relações
de grande proximidade com o arguido João Luís – o Secretário-Geral do SIRP referiu que havia uma
relação de grande proximidade entre os dois arguidos e que nestas situações surgem por vezes “aquelas
facilidades” – e da antiga relação hierárquica que existia entre os dois, pediu ao arguido João
Luís uma informação que, para ser obtida, tinha obrigatoriamente de obedecer a
procedimentos internos, que o arguido João Luís conhecia e que ignorou, ultrapassando ainda
chefias intermédias para satisfazer interesses pessoais do arguido Jorge Silva Carvalho.
Convém ainda sublinhar que estes procedimentos internos, que são comuns a outros serviços
públicos, têm plena justificação nos serviços de informações, serviços com uma natureza
específica, que lidam com matérias sensíveis sendo que, como se refere na parte final do
relatório do SIRP, a mera abordagem de informação não classificada pode configurar, em
abstracto, situações de reserva de informação.
Claro está que na apreciação da culpa do arguido João Luís o tribunal terá necessariamente
em conta, a relação hierárquica que existia entre os dois um mês antes deste pedido - quando
o arguido Jorge Silva Carvalho ainda estava no SIED - e a relação de proximidade que
tinham, circunstâncias que certamente influenciaram a decisão do arguido de facultar as
informações que lhe foram pedidas nos moldes descritos na matéria de facto.
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_______________________________
VI. Aviões da Líbia em Alverca (pontos 97 a 103)
Valem para este caso as considerações já feitas - na “questão prévia” - sobre as consequências do
não levantamento do segredo de Estado sobre algumas das matérias consideradas relevantes
para o exercício do direito de defesa dos arguidos.
Face ao teor das declarações dos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, e em particular
dos esclarecimentos prestados por este último arguido, com detalhe e de forma
circunstanciada, sobre uma operação levada a cabo no SIED, que terá estado na origem dos
contactos entre os dois arguidos e das informações dadas pelo arguido João Luís ao arguido
Jorge Silva Carvalho, e ainda ao teor das conversas mantidas entre os dois arguidos -
mencionadas nos pontos 115 e 116 - o tribunal, não só questionou várias testemunhas sobre esta
operação – ex. testemunha Casimiro Morgado, actual director do SIED, e Júlio Pereira -, como, mediante
indicações dadas, em carta fechada, pelo arguido João Luís, comunicou ao Primeiro-Ministro
a relevância, para a defesa dos arguidos, da confirmação da existência desta operação e do
levantamento do segredo de Estado sobre documentos produzidos nos serviços que
estivessem relacionados com a matéria descrita no despacho de pronúncia.
Quer as respostas das testemunhas inquiridas, evasivas e invocando o segredo de Estado, quer
a resposta, inconclusiva, do Primeiro-Ministro à comunicação que lhe foi feita - fls. 5977/8 e
6028 - quer o contexto internacional em que os factos ocorreram e o teor do parecer do
Conselho de Fiscalização do SIRP, relativo ao ano de 2011, no qual são indicadas algumas
das principais linhas estratégicas nesse ano, deixaram-nos uma dúvida razoável sobre a
existência dessa operação e, consequentemente, sobre o circunstancialismo que esteve
subjacente aos contactos entre os arguidos.
Perante a dúvida instalada, face à prova produzida e enunciada, restou apenas, à luz do
princípio in dubio pro reo fundado constitucionalmente no princípio da presunção da
inocência – artº 32/2 da CRP – dar como não provados os factos incriminadores dos arguidos.
________________________
VII - “Relatório” sobre Francisco Pinto Balsemão (pontos104 a 120)
Os factos da pronúncia, no essencial, não mereceram controvérsia.
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A prova documental - apenso B - revelou que o arguido Jorge Silva Carvalho guardava, ou
mantinha, na sua caixa de correio electrónico o denominado “Relatório” e que no dia
17.10.2011, usando o endereço, em seu nome, enviou este “Relatório” para Paulo Félix,
factos que o arguido admitiu, mas desvalorizou.
Com efeito, demarcando-se do texto, que classificou como “lixo”, e referindo que não havia
qualquer relação entre este texto e o pedido que tinha feito a Paulo Félix no dia 4.09.2011 -
ponto 114 - disse que o recebeu na caixa do correio e aí o deixou e não quis que fosse usado,
que o viu na diagonal, estava mal escrito, muitos dos factos que constavam desse texto
circulavam na internet, desconhecendo ainda hoje se são verdadeiros ou falsos.
Quanto à circunstância de o ter reencaminhado para Paulo Félix, com nota de importância
alta, explicou que a importância conferida ao email tinha a ver com a pré definição do autlook
e que queria apenas que o Paulo Félix o informasse da fidedignidade de alguns factos
relatados que o surpreenderam.
Referiu ainda que não tem por hábito apagar os emails da empresa e que, de resto, nunca viu
o Francisco Pinto Balsemão e que não tem nada contra o assistente, excepto terem feito dele,
arguido Jorge Silva Carvalho, o alvo na guerra empresarial entre os dois grupos.
De resto, suscitou questões jurídicas sobre a natureza deste documento, que serão adiante
analisadas.
Como vemos as declarações do arguido, não puseram em causa os factos da pronúncia
baseados na prova documental.
Ficámos ainda convencidos que o arguido Jorge Silva Carvalho, apesar de ter desvalorizado o
texto, de o ter considerado “lixo”, mostrando algum incómodo pelo facto de o relatório ter
sido encontrado no seu correio electrónico – admite-se que sentisse esse incómodo agora, no momento
em que prestou declarações e já distanciado do contexto que deu origem a este e outro tipo de informações que
circularam na internet como resulta do ponto 111, não infirmado pelo arguido e como foi referido pela
testemunha João Durão, amigo do assistente-, à data dos factos quis efectivamente guardar o
relatório, estando perfeitamente ciente do seu conteúdo.
A nossa convicção advém das próprias declarações do arguido que, embora dizendo que era
um mau texto e que se limitou a deixá-lo na caixa do correio, apenas porque não tinha por
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hábito apagar os emails da empresa, confirmou que o enviou a Paulo Félix para certificar a
fidedignidade de alguns factos, mostrando que, afinal, o texto lhe suscitou interesse e
curiosidade.
Por outro lado também referiu que não tinha nada contra o assistente, nem o conhecia mas,
por várias vezes, lamentou o facto de ter sido o alvo principal da guerra entre os dois grupos,
o que significa que Francisco Pinto Balsemão não lhe era indiferente.
A esta “guerra empresarial” e às circunstâncias e contexto em que surgiu o relatório
referiram-se nomeadamente o assistente Francisco Pinto Balsemão, no depoimento prestado
por escrito e o seu amigo José Manuel Durão, conhecedor profundo das razões dos
desentendimentos entre o arguido Nuno Vasconcellos e o assistente Francisco Pinto
Balsemão e entre Ongoing e a Impresa.
Resultou destes depoimentos que a “guerra empresarial” entre os Grupos Impresa e Ongoing
deu origem a várias acções em tribunal – sete – postas pela Ongoing ou por sociedades
integrantes desse Grupo contra o Grupo Impresa e que o ponto alto dessa guerra terá ocorrido
em Abril de 2010 ou 2011, no seguimento de uma assembleia geral do grupo Impresa, na
qual o arguido Nuno Vasconcellos tentou afastar Francisco Pinto Balsemão da liderança do
grupo.
__________________________
VIII – Condições pessoais dos arguidos e características da sua personalidade (pontos 123
a 126)
Os factos sobre as condições pessoais dos arguidos, basearam-se nos relatórios sociais - só o
arguido João Luís não quis que fosse elaborado relatório social - e nas declarações dos arguidos.
Sobre as características da personalidade dos arguidos, qualidades profissionais e pessoais,
inserção social, tiveram particular relevância os depoimentos das testemunhas abonatórias
que foram corroborados pelos relatórios sociais.
_____________________________
IX – Pedidos cíveis apresentados pelos assistentes Nuno Simas e Pinto Balsemão (pontos
127 a 135)
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Quanto aos danos causados ao assistente Nuno Simas o tribunal baseou-se nos depoimentos
das testemunhas indicadas pelo assistente/demandante, conjugadas com as regras da
experiência comum.
Destacam-se os depoimentos das testemunhas Cristina Cardoso, colega do assistente na
agência Lusa e de Susana Simas, mulher do assistente. A primeira, presenciou alguns dos
factos alegados pelo assistente, nomeadamente as recusas de algumas “fontes” em
comunicarem com o assistente depois de terem sido divulgados os factos aqui em causa e de
terem tido conhecimento que as fontes, ou algumas fontes do jornalista eram conhecidas.
A segunda assistiu ao estado de perturbação em que o assistente ficou depois de ter tomado
conhecimento dos factos, corroborando o que era alegado no pedido de indemnização civil e
explicando que depois destes factos o marido voltou a ter arritmias cardíacas, face ao estado
de ansiedade e nervosismo em que se encontrava, e necessitou de acompanhamento médico.
Quanto aos danos causados pelo arguido ao assistente Francisco Balsemão o tribunal baseou-
se nas testemunhas acima indicadas. Realçam-se os depoimentos de José Manuel Durão que
explicou que o assistente ficou muito desagradado com o “relatório” e especialmente chocado
com as partes sobre os aspectos pessoais (relativa à cocaína, à sua vida intima e aos filhos).
Referiu ainda que houve falatório na imprensa e que o efeito negativo deste relatório
perdurou.
Também as testemunhas Maria Mercedes Balsemão, Francisco Pinto Balsemão e António
Parente, referiram que o assistente ficou muito perturbado com o relatório, tendo-se
desinteressado, durante alguns meses, pela actividade profissional.
Por último, em depoimentos escritos as testemunhas Jorge Aguiar Branco, Mário Soares,
Bagão Félix destacaram a figura do assistente, os altos cargos que ocupou, o seu importante
papel na comunicação social em geral, no grupo “Impresa” e no Semanário “Expresso”. A
primeira testemunha destacou igualmente o empenho do assistente pela instauração da
democracia em Portugal quando exerceu as funções de deputado independente à Assembleia
Nacional, representando a ala liberal, as condecorações que recebeu. A segunda testemunha
manifestou a sua amizade e admiração pelo assistente, nos planos pessoal, profissional e
cívico e a terceira testemunha o seu carácter recto e justo a sua frontalidade, generosidade e
lealdade.
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Além de realçarem as qualidades e a figura do assistente referiram que tiveram conhecimento
do “Relatório” através da imprensa e que consideraram esse documento uma grave devassa
da vida do assistente e um sério ataque à sua reputação que teve um impacto negativo na vida
pública e privada do assistente (Aguiar Branco). A testemunha Bagão Félix refere ainda que
em contacto com o assistente percebeu que estava amargurado e revoltado com o que se dizia
a seu respeito no “Relatório”.
_____________________________
X – Factos não provados e irrelevantes
Quanto aos factos não provados, como já foi referido ou não foi feita qualquer prova que os
confirmasse ou, perante o conjunto da prova produzida e respectiva apreciação crítica, não
conseguiu o Tribunal formar, com a segurança que se impõe e com o grau de certeza que, em
julgamento, a prova exige, a convicção da respectiva veracidade.
Embora correndo o risco de parecer uma redundância, uma vez que logo no início se diz que
não se incluíram, no elenco dos factos provados os factos conclusivos e irrelevantes, ainda
assim, para tornar mais clara a selecção feita pelo tribunal elencam-se, no final, os factos
considerados irrelevantes.
______________________________
III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O arguido Jorge Silva Carvalho encontra-se acusado por um crime de acesso ilegítimo
agravado, p. e p. pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n.° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime),
em concurso aparente com um crime de acesso indevido a dados pessoais, p. e p. pelo artº 44,
n.°s 1 e 2, al. b) da Lei n.° 67/98, de 26.10 (Lei da Protecção de Dados Pessoais); três crimes de
abuso de poder, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal, dois dos quais imputáveis, nos termos
do artº 28 do mesmo diploma; um crime de violação de segredo de Estado, na forma
consumada, p. e p. pelos n.° 1 e 3, do artº 316 do Código Penal; um crime de corrupção
passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº 373, n° 1 do Código Penal e um crime de devassa,
por meio de informática, p. e p. pelo artº 193, nº1 do C. Penal.
O arguido João Luís encontra-se acusado por um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p.
pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), em concurso
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aparente com um crime de acesso indevido a dados pessoais, p. e p. pelo artº 44, n.°s 1 e 2, al.
b) da Lei n.° 67/98, de 26.10 (Lei da Protecção de Dados Pessoais) e três crimes de abuso de poder,
p. e p. pelo artº 382 do Código Penal.
O arguido Nuno Vasconcellos, por um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo
artº 374, n.° 1 do Código Penal, na forma consumada;
O arguido Nuno Lopes Dias, um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelo artº 6, nº1 e
4, al a) da Lei nº 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime);
A arguida Gisela Teixeira, por um crime de acesso indevido a dados pessoais, p. e p. pelos
artº 44, nº1 e 2, al. b) da Lei nº 67/98, de 26.10 (Lei de protecção de dados pessoais) e um crime de
violação de segredo profissional, p. e p. pelo artº 195 do C. Penal.
_________________
Do crime de acesso ilegítimo agravado (artº 6, ns 1 e 4, al. a) da Lei nº 109/2009, de 15.09, Lei do
Cibercrime)
Comete este crime quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo
proprietário, por outro titular do direito do sistema ou parte dele, de qualquer modo aceder a
um sistema informático (este crime está numa relação de concurso aparente com o crime p. no artº 44, nº1 e
2, al.) b da Lei nº 67/98, de 26.10)
A pena é agravada, nos termos do nº 4, al. a) daquele diploma legal, quando, através do
acesso, o agente tiver tomado conhecimento de segredo comercial ou industrial ou de dados
confidenciais, protegidos pela CRP e pela lei.
O tipo subjectivo deste ilícito não exige qualquer intenção específica (como seja o prejuízo ou
a obtenção de benefício ilegítimo) ficando preenchido com o dolo genérico de intenção de
aceder a sistema.
O bem jurídico protegido pelo crime de acesso ilegítimo é a segurança dos sistemas
informáticos (neste sentido, entre outros, acórdãos do TRP de 8.01.2014, acórdão do TRC de 17.02.2016).
Sobre a natureza dos dados e a sua confidencialidade, para efeitos da agravação prevista no
nº4, al. a) remete-se, no essencial, para tudo o que foi dito na motivação da matéria de facto
(parte II).
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Sublinha-se, contudo que a facturação detalhada integra os chamados dados de tráfego e dá a
conhecer as “condições factuais da comunicação” (Código de Processo Penal, comentado , António
Henriques Gaspar e outros, pág. 843).
Estes elementos permitem identificar a comunicação e podem revelar-se mais intrusivos do
que o próprio conteúdo da comunicação.
Por isso, é consensual que estes dados são confidenciais e merecem protecção semelhante aos
conteúdos da comunicação e que a área de protecção do sigilo das comunicações, consagrada
no nº 4 do artº 34 da CRP, compreende tanto o conteúdo da comunicação como os dados de
tráfego atinentes ao processo de comunicação.
Dito isto, face ao que se deu como provado nos pontos 15 a 27 da matéria de facto teremos de
concluir que os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias não só acederam, sem
permissão legal ou sem qualquer autorização, através da arguida Gisela Teixeira, à base de
dados da OPTIMUS/NOS, operadora de telecomunicações onde o número utilizado pelo
jornalista Nuno Simas estava activado, como, por essa via, tomaram conhecimento de dados
pessoais confidenciais constitucionalmente protegidos.
O acesso é ilegítimo por extravasar as competências funcionais, quando ocorre num quadro
não justificado, quando através dele o agente procura obter informações confidenciais por
motivos exclusivamente pessoais ou particulares, como ficou provado.
Provou-se igualmente, nos pontos 31 a 33, que os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e
Nuno Dias sabiam que o referido acesso constituía um desvio, não permitido pela Lei, ao fim
a que a base de dados se destinava, que inexiste base legal que atribua aos Serviços de
Informações o acesso a dados de tráfego relativos a comunicações electrónicas ou telefónicas.
que lhes era vedado o conhecimento dos dados de tráfego de um telefone alheio e que os
dados relativos às comunicações telefónicas constituem dados pessoais, relativos à vida
privada e, no caso, também, às fontes de um jornalista, estando, todos eles, protegidos por
Lei.
Os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias agiram em conjugação de esforços
e de intentos.
Mostram-se plenamente preenchidos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime
de acesso ilegítimo pelos quais os três arguidos se encontram pronunciados.
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E inexistem causas de exclusão da ilicitude ou erro sobre as circunstâncias de facto (arts. 16,
31/2 e34, al. b) do C. Penal).
O arguido Jorge Silva Carvalho sustentou que não podia ser criminalmente responsável pelos
actos que efectivamente praticou pois o ordenamento jurídico português não reconhece o
desvalor para o qual a acusação pretende apontar “dada a função e o dever impostos aos
serviços de informações de valia inquestionavelmente superior que justificam estas acções”
Tal afirmação não podia ser menos exacta. A prova do reconhecimento do desvalor da
conduta dos arguidos está bem patente em tudo o que já foi dito na motivação da matéria de
facto, no recente acórdão do Tribunal Constitucional, a que se alude na mesma motivação, e
no próprio decreto, aprovado na Assembleia da República. Também sobre a relevância (muito
relativa face aos valores em causa) das fugas de informação nos serviços de informações
remete-se para a parte II da motivação.
Na verdade, face ao que se provou e pelas razões sobejamente expostas inexistem as
invocadas causas de exclusão da ilicitude - artº 31/2 do C. Penal - e estado (direito) de
necessidade como causa de justificação p. no artº 34 do C. Penal.
Sustentou ainda o arguido Jorge Silva Carvalho que o Tribunal deveria subsumir a sua
conduta a erro sobre os pressupostos destas causas de justificação. Subjectivamente o arguido
supôs erradamente a verificação desses pressupostos.
Pelos mesmos motivos já expostos na motivação da matéria de facto e ainda pelas
responsabilidades que o arguido tinha nos serviços de informações – era um quadro de topo,
ocupando desde 2008 a posição de Director do SIED – pelos anos de serviço - dezanove - pelas
habilitações académicas – licenciado em Direito – pelas características da sua personalidade, a
que já nos referimos, jamais o arguido Jorge Silva Carvalho podia incorrer em erro sobre o
âmbito da proibição e dos limites a que estava sujeito, nas circunstâncias descritas (artº 17/1/2
do C. Penal).
_____________________________
Do crime de acesso indevido de dados pessoais agravado (artº 44, ns. 1 e 2, al. b) da Lei nº 67/98
de 26.10)
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Comete este crime quem, sem a devida autorização, por qualquer modo, aceder a dados
pessoais cujo acesso lhe está vedado.
Este crime é agravado – a pena é agravada para o dobro dos seus limites – designadamente
quando o acesso (…) ; b) tiver possibilitado ao agente ou a terceiros o conhecimento de dados
pessoais.
Entende-se por dados pessoais qualquer informação, de qualquer natureza e
independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa
singular identificada ou identificável; é considerada identificável a pessoa que possa ser
identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de
identificação ou a um outros elementos específicos da sua identidade física, fisiológica,
psíquica, económica, cultural ou social (artº 3).
Neste crime está em causa o acesso a dados pessoais, sem qualquer relação com as funções,
independentemente de ter havido violação de sigilo ou de esses dados terem sido transmitidos
a terceiros.
Basta que o agente aceda indevidamente aos dados pessoais para os conhecer.
A pena é agravada se o agente tiver possibilitado a terceiros o conhecimento desses dados.
Ora, no caso vertente a arguida Gisela Teixeira, em virtude das suas funções na operadora de
telecomunicações podia aceder ao sistema e à facturação detalhada desde que o fizesse no
âmbito de qualquer necessidade funcional, resultante da sua actividade, o que não aconteceu.
A facturação detalhada do jornalista contém dados que se integram na definição de dados
pessoais p. no artº 3 da Lei 67/98, de 26 de Outubro e que neste caso, além do mais, são
confidenciais constitucionalmente protegidos.
Provou-se que a arguida Gisela Teixeira sabia não poder legalmente aceder a tais dados, da
forma descrita nos pontos 17 a 21 e 26 e 27 da matéria de facto.
Mais sabia que não podia revelar a terceiros os dados que tinha obtido.
E que sabia que não estava obrigada a cumprir quaisquer ordens ou instruções e que agiu livre
e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida.
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Mostram-se igualmente preenchidos os elementos típicos do crime de acesso indevido
agravado pelo qual, de resto, a arguida se encontrava pronunciada.
_________________
Do crime de abuso de poder (artº 382 do C.P.)
Comete este crime o funcionário que abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas
funções, com intenção de obter para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo
a outra pessoa.
Como refere Henriques Gaspar “No crime de abuso de poder, o funcionário que detém
determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para
que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo
mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por
desrespeito de formalidades essenciais.
Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau
conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção
específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal.
(…) A estrutura do crime, no primeiro momento de configuração da acção típica, fica
integrada pela actuação contrária aos deveres da função.
Mas, para além do tipo objectivo, exige-se uma intenção específica, uma intenção que é
tipicamente requerida, mas que tem por objecto uma factualidade que ainda não pertence ao
dolo e já não pertence ao tipo objectivo – a intenção de obter benefício ilegítimo ou de causar
prejuízo a outra pessoa (acórdão do STJ de 23/1/2008, relator, conselheiro Henriques Gaspar, processo –
07P4279, www.dgsi.pt)
Está em causa, neste tipo de crime, a autoridade e credibilidade da administração do Estado
ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços.
O preenchimento do tipo legal poderá ter lugar através do abuso de poderes ou da violação de
deveres inerentes às funções do funcionário (Comentários Conimbricenses do C. Penal, vol. III,
anotação de Paula Ribeiro de Faria, pág. 774 e seg.).
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O abuso de poderes consiste numa instrumentalização de poderes para finalidades estranhas
ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo.
O funcionário, e tem necessariamente que ser funcionário no sentido utilizado no art. 386 do
C. Penal, tem que actuar com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo
ou causar prejuízo a outra pessoa.
O benefício é toda a vantagem que o sujeito pretende retirar da sua actuação. Pode não ser
patrimonial. Basta a sua ilegitimidade.
Quanto ao dolo - e trata-se de crime doloso - exige-se, como vimos, uma especial intenção de
prejudicar ou beneficiar alguém. Tem de haver uma especial intenção de obter um benefício
ilegítimo para si ou para terceiro ou de causar um prejuízo a terceiro independentemente
desse beneficio vir a ser alcançado. A conduta é orientada em ordem a atingir esse mesmo
resultado.
No caso em apreço estão em causa três situações distintas, descritas nos pontos 15 a 27
(facturação detalhada do jornalista Nuno Simas); 86 a 96 (Informação obtida na base de
dados do SIED, Dun & Bradstreet) e 97 a 103 (Informações sobre aviões Líbios em
manutenção em Alverca).
______
Desde já quanto a esta última situação – informações sobre os aviões líbios - pelos motivos já
expostos na motivação da matéria de facto) não se deu como provado que:
A informação transmitida pelo arguido João Luís ao arguido Jorge Silva Carvalho sobre os
aviões líbios, e por este à jornalista, tivesse sido transmitida e utilizada para fim alheio às
atribuições e competências do SIED, tendo apenas como propósito a satisfação do interesse
pessoal do arguido Jorge Silva Carvalho.
Também não se provou que o arguido João Luís tivesse agido, enquanto agente do Estado,
em violação dos seus deveres funcionais, de legalidade e isenção; e determinando-o, o
arguido Silva Carvalho, em virtude da sua anterior relação hierárquica a agir em violação dos
seus deveres funcionais.
Razão pela qual, quanto a esses factos, em concreto, os arguidos Jorge Silva Carvalho e João
Luís serão absolvidos do crime que lhes era imputado.
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______
No tocante à primeira situação, deu-se como provado, em primeiro lugar, que à data dos
factos, os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, eram funcionários dos serviços de
informações da República Portuguesa, ou seja, eram funcionários no sentido utilizado pelo
artº 386 do C. Penal.
Nos termos deste preceito legal considera-se funcionário todo aquele que é chamado a
desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função
pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhe funções
em organismos de utilidade pública ou nelas participe, mesmo que tenha sido chamado
provisória ou temporariamente, e ainda que não seja remunerado (cfr. Comentário Conimbricenses
do C. Penal, tomo III, pág. 779).
Os funcionários e agentes dos serviços de informações, enquanto funcionários públicos, estão
sujeitos aos deveres e incompatibilidades comuns à generalidade dos funcionários do Estado,
consagrados na Constituição e na lei.
Assim recaíam sobre os arguidos designadamente os deveres de lealdade, de prossecução do
interesse público, de isenção, de sigilo e reserva.
Impendiam ainda sobre os arguidos vários deveres funcionais, comuns à generalidade dos
funcionários públicos, consagrados na Constituição e na lei.
Mais se provou que os arguidos, de forma concertada e conjugada, determinaram um seu
inferior hierárquico, o arguido Nuno Dias, também funcionário, a, através da sua
companheira, funcionária numa operadora de telecomunicações, aceder à facturação
detalhada de um jornalista (dados confidenciais protegidos pela CRP).
Provou-se igualmente que actuaram ambos nas condições acima apreciadas – crime de acesso
ilegítimo agravado – sabendo que não tinham esse poder (de aceder à facturação detalhada do
jornalista).
Provou-se, por último, que os dois arguidos, com tal conduta, queriam reforçar a esfera
pessoal de poder interno do arguido Jorge Silva Carvalho e este, por sua vez, queria
identificar e isolar funcionários de que suspeitava como fontes de informação de jornalistas.
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Nesta situação face a tudo o que acima foi dito, estão totalmente preenchidos os elementos
objectivos e subjectivos do crime de abuso de poder.
Na segunda situação provou-se que, em 10.12.2010, depois de ter cessado as suas funções no
SIED, na sequência de pedido de exoneração que foi aceite com efeitos a partir de 1.12.2010,
o arguido Jorge Silva Carvalho, na sequência de pedido que lhe foi feito por Fernando Paulo
Santos, pediu ao arguido João Luís, em data não apurada, mas compreendida entre 10 e 21 de
Dezembro, que recolhesse e lhe transmitisse informação sobre as sociedades
Henriques&Henriques -Vinhos, S.A., Madlider - Gestão e Consultadoria, Lda.,Maxigest -
Gestão de empresas, Lda., Imonetos – Imobiliário e Construções, S.A., Casa dos Vinhos da
Madeira, Lda. e Belém’s Madeira wine, Lda., todas com participação de Humberto Policarpo
Rodrigues Jardim, residente na Região Autónoma da Madeira.
Provou-se ainda que o arguido João Luís determinou, directamente, sem conhecimento da
chefia intermédia, a Hugo Guimarães, à data em funções no SIED, no Departamento
Operacional, que, por recurso à base de dados “Dun & Bradstreet”, recolhesse informação
sobre as sociedades participadas pelo referido empresário, fornecendo-lhe as respectivas
denominações e, na posse dessa informação, no dia 21.12.2010, transmitiu-a a Jorge Silva
Carvalho e este, por sua vez, transmitiu-a no mesmo dia a Fernando Paulo Santos.
Esta informação foi recolhida na base de dados da Dun & Bradstreet, a que o SIRP acede em
razão de contrato e mediante o pagamento de quantias monetárias, incluindo um preço por
consulta.
E destinou-se a fim alheio às atribuições e competências do SIED e para satisfazer o interesse
pessoal do arguido Jorge Silva Carvalho.
Resulta claro que, nas circunstâncias descritas, o arguido João Luís, enquanto agente do
Estado, agiu em violação dos seus deveres funcionais, de legalidade e isenção.
Mostram-se mais uma vez totalmente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do
crime de abuso de poder devendo o arguido Jorge Silva Carvalho ser punido por força do
disposto no artº 28/1 do C. Penal.
Dispõe-se neste preceito legal que se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de
certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os
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comparticipantes a pena respectiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em
qualquer deles, excepto se outra for a intenção da norma incriminadora.
Sendo incontestável, à luz da alínea c) do artº 386 do C. Penal, a qualidade de funcionário em
que o arguido João Luís interveio e decorrendo da prova produzida que o arguido João Luís
actuou em co-autoria com o arguido Jorge Silva Carvalho, pessoa a quem a informação da
base de dados se destinava, beneficiário, portanto, da acção, por força do disposto no artº 28,
nº1 do C. Penal, impõe-se a extensão ao co-arguido Jorge Silva Carvalho, não funcionário, da
qualidade detida pelo arguido João Luís (neste sentido, entre outros, acórdão do TRC, de 28.05.2014,
publicado em www.dgsi.pt).
_________________
Do crime de violação do segredo de Estado
Dispunha-se no artº 316/1/3 do C. Penal (antes das alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 4/2014,
de 13 de Agosto) :
1. Quem, pondo em perigo interesses do Estado Português relativos à independência
nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna e
externa, transmitir, tornar acessível a pessoa não autorizada, ou tornar público facto
ou documento, plano ou objecto que devem, em nome daqueles interesses, manter-se
secretos é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. (…)
3. Se o agente praticar os factos descritos nos números anteriores violando dever
especificamente imposto pelo estatuto da sua função ou serviço, ou da missão que lhe
foi conferida por autoridade competente, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Dispõe-se actualmente no artº 316/1/3 do C.Penal
1. Quem, pondo em perigo interesses fundamentais do Estado Português, transmitir,
tornar acessível a pessoa não autorizada ou tornar público, no todo ou em parte, e
independentemente da forma de acesso, informação, facto ou documento, plano ou
objecto classificados como segredo de Estado que devem, em nome daqueles
interesses, manter-se secretos.
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2. (…)
3. Este crime é agravado se o agente violar dever especificamente imposto pelo estatuto
da sua função ou serviço, ou da missão que lhe foi conferida por autoridade
competente (artº 316/3)
Dispunha-se no artº 32 da Lei Quadro do SIRP, aprovada pela Lei nº 30/84, de 5 de Setembro
1. São abrangidos pelo segredo de Estado os dados e as informações cuja difusão seja
susceptível de causar dano à unidade e integridade do Estado, à defesa das instituições
democráticas estabelecidas na Constituição ao livre exercício das respectivas funções
pelos órgãos de soberania, à segurança interna, à independência nacional e à
preparação da defesa militar
2. Consideram-se abrangidos pelo segredo de Estado os registos, documentos, dossiers e
arquivos dos serviços de informações relativos às matérias mencionadas no número
anterior, não podendo ser requisitados ou examinados por qualquer entidade estranha
aos serviços, sem prejuízo do disposto nos arts. 26 e 27.
3. (…)
4. (…)
Dispõe-se actualmente que:
1.São abrangidos pelo segredo de Estado os dados e as informações cuja difusão seja
susceptível de causar dano aos interesses fundamentais do Estado tal como definidos
na lei que estabelece o regime do segredo de Estado.
2. (…)
3. (…)
4. (…)
Em qualquer uma das redacções do artº 316 do C. Penal não se oferecem dúvidas que o crime
de violação do segredo de Estado visa proteger os bens jurídicos do Estado Português, e que
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esses bens serão a segurança externa (na sua vertente de independência e integridade
nacionais) e a segurança interna.
É um crime de perigo concreto, ou seja, não se exige um dano efectivo nos bens tutelados,
consumando-se com a mera colocação em perigo dos interesses protegidos pela norma.
Com efeito, “A indiscutível relevância dos bens jurídicos referidos justifica que o espectro da
tutela penal não se cinja às condutas que efectivamente lesem o seu núcleo essencial (…)
antes se situem num momento anterior à lesão, quer pela criação de delitos de atentado quer,
como é o caso vertente, pela construção de crimes de perigo” (Comentário Conimbricense do C.
Penal, tomo III, pág. 118).
O tipo objectivo consistia, e consiste na actual redacção, na transmissão, colocação na
disponibilidade de pessoa não autorizada, ou na revelação pública, de documento, plano ou
objecto que deva manter-se secreto ou seja sujeito a segredo de Estado, ou classificado como
segredo de Estado.
Com relevância para a questão a decidir importa ter presentes os vários critérios de
apreciação de matérias e documentos, para efeitos de classificação ou vinculação a segredo de
Estado.
Neste particular, refere Medina de Seiça que “ (…) De acordo com um conceito formal de
segredo de Estado, o conceito de matéria secreta depende de um acto de vontade subjectivo
emanado da autoridade competente pelo qual determinados factos, documentos são colocados
sob reserva (a chamada classificação). Em último termo, o segredo de Estado, surgindo com o
acto de classificação formal, poderia nem sequer estar dependente da relevância objectiva da
matéria sujeita a reserva, pelo que existiria violação de segredo sempre que fosse revelado
algo classificado, ainda que dessa divulgação não decorresse qualquer dano ou perigo de
lesão para os interesses do Estado.
(…) Diversamente, para o conceito material de segredo não é relevante a existência de uma
classificação como reservada em relação a determinada matéria. Essa classificação, quando
exista, traduz um mero indício de que se trata de conteúdo com dignidade pra estar coberto
pelo segredo.
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E, assim, apesar de a divulgação incidir sobre matéria formalmente reservada, isto é, à qual
foi aposta a classificação, pode não haver, em termos materiais, verdadeira revelação de
segredo de Estado.
A determinação do segredo depende, pois, de acordo com esta autor, que temos vindo a
acompanhar de perto, da natureza da matéria em causa, designadamente da circunstância de a
sua divulgação para além do círculo dos legitimados a conhecê-la poder implicar um perigo
ou lesão para os bens jurídicos tutelados com o instituto da reserva e consequentemente com
a incriminação penal.
(…) Na linha das considerações acabadas de fazer, parece-nos claro que a lei penal
portuguesa segue uma definição material de segredo, assente, pois no conteúdo intrínseco da
matéria em causa, da sua perigosidade, caso divulgada fora do círculo de autorizados, para os
interesses nacionais.
(…) A existência de classificação, constituindo, sem dúvida, fundamental indício de
necessidade de reserva, não exime o julgador de aferir, no caso, quer a relevância objectiva da
matéria em causa, a perigosidade concreta da sua divulgação (Comentário Conimbricense do C.
Penal, tomo II, pág. 119 e 120).
O tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo
Transpondo o que se disse para os presentes autos, afigura-se nos inquestionável que, no caso
vertente, as informações remetidas pelo arguido Jorge Silva Carvalho para representantes da
Ongoing no negócio que estava em curso, nas condições descritas, consubstanciam formal e
materialmente matérias e conteúdos sujeitos a segredo de Estado e cujo divulgação, fora dos
círculo de autorizados, era susceptível de criar um perigo concreto para o Estado Português,
para a sua diplomacia e relações internacionais com outros países, neste caso com a Rússia.
Vejamos o que se deu como provado.
Provou-se que o arguido Jorge Silva Carvalho determinou o arguido João Luís a que fosse
produzida informação, por recurso às “fontes humanas”, com acesso à Rússia, sobre
“antecedentes” dos referidos empresários, cujos nomes lhe forneceu. Mais lhe indicou que a
informação deveria constituir um Relatório Interno de Informação.
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O arguido João Luís, por sua vez, determinou internamente que fosse obtida a referida
informação junto do oficial de informação que, no local e à data, tinha a responsabilidade
pela área geográfica em causa. Para o efeito, foram activados os necessários meios humanos
do SIED e consequentemente produzida informação escrita sobre as origens, actividades
negociais e circunstâncias relativas à capacidade de decisão dos referidos empresários.
O arguido Jorge Silva Carvalho contactou também o então oficial de ligação na Rússia,
transmitindo-lhe a mesma solicitação. Este transmitiu ao arguido a informação por si
elaborada, por recurso a fontes abertas.
No SIED, com informações obtidas, sobre os dois empresários de nacionalidade russa - uma
parte substancial por recurso a fontes abertas e uma outra parte por recurso a fontes humanas
foi registado o Relatório Interno de Informação (RINOT).
Este RINOT, constituído por três folhas e contendo informações sobre os dois empresários
russos, está classificado como confidencial, por conter matéria classificada, mostrando-se
consignado, no próprio documento, que é proibida a sua transmissão ou revelação a pessoas
não autorizadas e que a distribuição, transferência, reprodução, o arquivo e a destruição desse
documento estão regulamentados na Resolução de Conselho de Ministros nº 50/88, de 8 de
Setembro (SEGNAC 1).
Temos aqui, é certo, uma classificação formal do documento, que, como referiu Medina
Seiça, pode, em termos materiais, não corresponder a uma verdadeira revelação de segredo de
Estado.
Diz-se, aliás, no relatório produzido no âmbito do processo de averiguações de eventuais
quebras de segurança nos serviços, que, relativamente à matéria vertida no RINOT e visando
avaliar do grau de reserva, foi realizada uma pesquisa em fonte aberta e, nesse contexto, foi
possível identificar, em diversos sítios, em português e em russo, uma parte substancial da
informação vertida no referido RINOT do SIED.
Conclui-se, todavia, que a abordagem e revelação de interesse, bem como a pesquisa
realizada pelo Serviço de Informações, com recurso a fonte, assume especial sensibilidade,
devendo por tal ser considerada classificada.
Acresce que, cotejando este relatório com a informação remetida pelo arguido Jorge Silva
Carvalho para Fernando Paulo Santos e deste para Vasco Rato, com a já mencionada
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referência “TOP, TOP, SECRET”, verifica-se que o RINOT está integralmente reproduzido
nessa informação, intercalado com duas informações adicionais sobre cada um dos
empresários russos, obtidas por “outra fonte” ou com “outra origem” conforme mencionado
na informação.
As informações adicionais, pelo seu teor, tal como se refere na motivação da matéria de facto,
foram obtidas essencialmente por recurso a fontes humanas.
Sucedem-se, ao longo do texto, expressões que não nos deixam dúvidas de que grande parte
dessa informação foi obtida através de contactos, conversas - ex. “segundo nos foi referido”-, ou
seja, através de fontes humanas.
Sobre os efeitos e repercussões da divulgação, para fora dos serviços, de documentos e
informações desta natureza a prova produzida foi praticamente consensual permitindo-nos
concluir que este tipo de informação, que, note-se continha informação materialmente
confidencial, contendo apreciações sobre o carácter, a personalidade, as qualidades e defeitos
das pessoas visadas – ex. populista, errático, não muito fiável, ligações de amizade a (…) pode afectar o seu
relacionamento com Putin e com o Kremlin –, pessoas influentes e com relações próximas de
dirigentes russos, designadamente do Presidente da Rússia (Vladimir Putin) é demasiado
delicado e melindroso, podendo advir, da sua divulgação, graves riscos para a diplomacia, as
relações internacionais e a segurança nacional.
Divulgação que tem de ser imputada, em primeira linha, a quem quebra as regras de
segurança que estes documentos reclamam e que foi, inquestionavelmente, o arguido Jorge
Silva Carvalho quando, não obstante a sua classificação e confidencialidade, os enviou para
terceiros fora dos serviços (neste mesmo sentido vejam-se as conclusões do inquérito que
constam do apenso 12).
Como já foi dito, o conhecimento, por particulares, desvinculados das normas próprias de
segurança dos Serviços de Informações, por outros Estados ou cidadãos de países em que as
fontes actuam, de dados obtidos por recurso a fontes humanas é susceptível de afectar, de
modo relevante, a segurança do Estado.
Designadamente, por ser susceptível de gerar conflito diplomático entre o Estado Português e
outro a que a informação se refere e de pôr em causa a segurança de missões e de recursos
humanos, no exterior.
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A transmissão desses dados a terceiros potencia,de modo não controlável, o risco de
propagação da informação.
O arguido Jorge Silva Carvalho à data era funcionário dos serviços de informações. E
Director do SIED.
Recaía sobre o arguido, em razão das suas funções, o dever de proteger os documentos
classificados e sujeitos a segredo de Estado.
Sabia o arguido Jorge Silva Carvalho que, exercendo funções de Director de uma das
componentes do Serviço de Informações da República, lhe competia colocar os recursos e
operações, exclusivamente, ao serviço do interesse público e garantir a protecção dos seus
agentes e estrutura e do segredo de Estado.
E que lhe incumbia, em razão de ser membro e director do SIED, especial e legalmente
consignado, dever de proteger os documentos classificados, sujeitos a segredo de Estado.
Mostram-se, por todo o exposto, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime
de violação de segredo de Estado que temos vindo a analisar.
_________________
Do crime de corrupção
A corrupção traduz-se numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário - na acepção
do artº 386 do C.P. - que, assim, viola ou infringe as exigências de legalidade, objectividade e
independência que, num Estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho de funções
públicas (Almeida Costa, Comentários Conimbricenses do C. Penal, tomo 3, p. 661).
Como toda a actividade pública a administração está subordinada à CRP.
Os funcionários da administração pública devem actuar com respeito pelo princípio da
igualdade na medida em que estão vinculados nas relações com as pessoas a adoptar igual
tratamento.
Proíbem-se tratamentos preferenciais e obriga-se a administração a tratar de modo igual
situações iguais.
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O crime de corrupção consuma-se com a adopção de uma conduta (a solicitação/aceitação da
vantagem ou a promessa/oferta da mesma) a que acresce a produção de um evento (a chegada
ao destinatário desta manifestação de vontade) que importa um dano para a autonomia
intencional do Estado.
A corrupção pode ser activa ou passiva consoante se trate de agente corruptor ou de
funcionário corrupto.
Cada uma delas consubstancia um crime independente e cada um dos crimes visa proteger o
mesmo bem jurídico, o interesse administrativo do Estado em que aqueles que desempenham
funções públicas sejam imparciais e honestos, punindo os que se deixam corromper
(Comentários Conimbricenses, tomo III, pág. 655).
Pune-se tanto o corrompido como o agente corruptor.
A) Do crime de corrupção passiva para acto ilícito (e actualmente artº 373/1 do mesmo
Código com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 32/2010, de 2.09)
Comete este crime o funcionário que, por si, ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem
patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou
omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação.
O sujeito activo deste ilícito tem de ser necessariamente um funcionário tal como se encontra
definido no artº 386 do C. Penal.
A corrupção passiva é um crime material ou de resultado cuja consumação terá de coincidir
com o momento em que a solicitação ou a aceitação do suborno (ou da sua promessa) por
parte do funcionário, cheguem ao conhecimento do destinatário.
Consistindo o bem jurídico na autonomia intencional do Estado, a correspondente violação
ocorre logo que se depare com uma declaração de vontade do empregado público que
evidencia a inequívoca intenção de vender o exercício de uma actividade compreendida nas
suas atribuições ou, pelo menos, nos seus “poderes de facto”.
Para que a corrupção passiva se consuma, torna-se necessário que a assinalada manifestação
de vontade do funcionário - que pode ser expressa ou tácita - chegue ao conhecimento do
destinatário.
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Para a consumação do delito, não se requer o recebimento efectivo do suborno.
Resta referir que a corrupção passiva própria integra um crime doloso (artº 372 e 13 do C. Penal).
B) Do crime de corrupção activa para acto ilícito
Comete este crime quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele,
vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no nº1 do artº 373 do C. Penal
(artº 374/1 do C. Penal na redacção que lhe foi dada pela Lei 30/2015, de 22 de Abril).
O bem jurídico tutelado continua a ser a autonomia intencional do Estado.
Verifica-se corrupção activa quando alguém oferece ou promete (ou satisfaz a solicitação de)
uma vantagem patrimonial indevida como contrapartida de um acto (lícito ou ilícito, passado
ou futuro) de um “funcionário” no exercício do seu cargo ou dos poderes de facto dele
decorrentes.
Para se estar perante um tal crime, é necessário que a conduta do funcionário visado pelo
suborno preencha os mesmos requisitos exigidos na órbita da corrupção passiva e, portanto,
corresponda a uma das situações enunciadas.
A lesão do bem jurídico coincide com o momento em que a solicitação ou a aceitação do
suborno por parte do funcionário chegam ao conhecimento do destinatário.
A corrupção activa consuma-se com o simples oferecimento ou promessa de suborno por
parte do agente, independentemente de a reacção do funcionário se traduzir numa atitude de
aceitação ou de repúdio.
O simples pedido de suborno mesmo que não satisfeito implica, como vimos, a consumação
do crime de corrupção passiva pelo que, não obstante as dificuldades de, nalguns casos,
estabelecer a ligação directa entre determinado acto ilícito e a concreta contrapartida que terá
sido recebida, não deixa de estar preenchido o tipo legal do crime em causa, desde que se
indicie o pedido de comissão ou a sua promessa.
Assim, para efeito da consumação do crime de corrupção activa é indiferente a posição
adoptada pelo funcionário perante a proposta de suborno (aceitação, repúdio ou simples
silêncio).
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É também um crime doloso.
No caso concreto, não obstante a proximidade temporal entre a contratação do arguido Jorge
Silva Carvalho para o Grupo Ongoing Ongoing e as informações que o arguido remeteu sobre
os empresários russos - informação interna, classificada, que nunca devia ter saído dos serviços –, nas
condições descritas nos pontos 40 a 55 da matéria de facto, ainda assim não se provou que
existisse qualquer relação entre o envio dessa informação e a negociação para a sua entrada
no Grupo, ou que
O arguido Nuno Vasconcellos tivesse solicitado ao arguido Jorge Silva Carvalho e acordado
com este que, no quadro da negociação da sua contratação para o Grupo Ongoing, o arguido
Jorge Silva Carvalho daria ao arguido Nuno Vasconcellos e à Ongoing informações de que
dispunha ou que obtivesse, junto do SIED, que ainda dirigia, sobre os empresários de
nacionalidade russa.
Também não se provou que entre ambos tivesse ficado acordado que um dos recursos que o
arguido Jorge Silva Carvalho poria ao serviço da Ongoing seria a informação de que dispunha
pelo facto de ser ainda Director do SIED e, em fase posterior à sua exoneração, por ter
influência em dirigentes de Departamento naquele serviço público.
Por fim não, se provou que arguido Jorge Silva Carvalho, não fosse a abusiva utilização da
actividade pública do SIED, não teria alcançado o contrato com a Ongoing nas condições que
pretendia - mormente remuneratórias e de capacidade de decisão e afirmação de supremacia -,
tendo agido com esse propósito.
Não estão, pois, em circunstância alguma, verificados os elementos objectivos e subjectivos
dos crimes de corrupção activa e passiva acima analisados.
Impõe-se, pois, sem mais, a absolvição dos dois arguidos dos crimes de corrupção por que se
encontravam pronunciados afigurando-se-nos neste contexto, ultrapassadas as questões
suscitadas no parecer elaborado pelos Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade.
________________
Do crime de devassa por meio de informática (artº 193 do C. Penal)
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Comete este crime quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados
individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, à
filiação partidária ou sindical, à vida privada, ou a origem étnica (sublinhado nosso).
Os conceitos de “dados pessoais” e de “ficheiro de dados” estão definidos no artº 3 da Lei nº
67/98, de 26 de Outubro (Lei de protecção de dados pessoais).
Assim, de acordo com esta lei entende-se por “dados pessoais”, qualquer informação, de
qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem,
relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (al. a).
Nos termos da mesma lei considera-se “ficheiro de dados pessoais” (“ficheiro”), qualquer
conjunto estruturado de dados pessoais acessível segundo critérios determinados, quer seja
centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico (al. c).
Como refere Damião da Cunha, embora tais conceitos definitórios sejam previstos como
aplicáveis à lei de protecção de dados pessoais, nada obsta a que se apliquem também ao C.
Penal, até porque, foi intenção do legislador garantir uma coerência no tratamento das
matérias.
Trata-se de garantir a interdição absoluta, constitucionalmente imposta, do tratamento
informático de um conjunto de dados pessoais que a CRP afirma como insindicáveis e da
total e plena disponibilidade da pessoa a que se reportam (Comentários Conimbricenses, Tomo I,
pág. 744).
Na verdade, dispõe-se no artº 35/2 da CRP
“A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu
tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção,
designadamente através da entidade administrativa independente”.
E no nº 3 diz-se que:
“A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções
filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem
étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com
garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não
individualmente identificáveis”.
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O artº 35 da CRP protege uma amplitude de direitos fundamentais para lá do direito à
privacidade.
A imposição de interdição absoluta de registo informático daqueles conteúdos é justificada
pelo perigo que está inerente para as pessoas cujos dados pessoais tenham sido processados.
Sobretudo o que está em causa é o facto de o registo informatizado de dados pessoais permitir
o processamento e submissão a controlo “cruzado” e, consequentemente, permitir, no fundo,
um controlo sobre a própria pessoa humana, quer quanto aos seus valores, quer quanto ao seu
comportamento. Isto é, seria pelo menos pensável que este registo pudesse permitir o controlo
sobre a coerência do comportamento da pessoa face às suas convicções ou a outro
informático tipo de relações (o mesmo autor, que temos vindo a acompanhar de perto, ob. citada, pág.
745).
E, por isso, basta o simples registo informático, independentemente de quem criou o ficheiro,
e a manutenção desse registo para o preenchimento do tipo legal de crime.
(…) tanto comete o crime aquele que, por si, cria um daqueles ficheiros automatizados como
aquele que mantém um ficheiro automatizado daquele tipo, mesmo que não seja por ele
criado, ou ainda o que utiliza um qualquer ficheiro informático, tendo acedido a ele por
qualquer forma.
Além de que, pouco importa que os factos constantes do ficheiro sejam verdadeiros ou falsos
contanto que sejam susceptíveis de, ponderadas as circunstâncias do caso, diminuir a
confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do
crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida
(prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.).
No caso vertente provou-se que o arguido Jorge Silva Carvalho mantinha, guardado na sua
caixa do correio electrónico o chamado “Relatório”.
Este documento integra-se plenamente na descrição de ficheiro automatizado para os efeitos
do disposto no já citado artº 3, al. a) da Lei nº 67/98, porquanto contém um vasto conjunto de
dados, devidamente estruturados, identificados e identificáveis, alguns verdadeiros e outros
falsos, obtidos através da internet (fontes abertas) e outros por outras fontes, designadamente
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por fontes humanas como resulta do teor do próprio texto, sobre a vida do assistente em
vários domínios: pessoal, sexual, familiar, social, político/partidário, profissional.
Sem dúvida que este documento, da forma como está organizado e elaborado, permite o
processamento e submissão a controlo “cruzado” e, consequentemente, permite um controlo
sobre a pessoa visada, neste caso, sobre o assistente, quanto aos seus valores e ao seu
comportamento.
Provou.se ainda que o arguido quis guardar esse texto no seu correio electrónico.
Tanto basta para que se conclua que se mostram preenchidos os elementos objectivos e
subjectivos do crime de devassa informática pelo qual o arguido Jorge Silva Carvalho ser
mostra pronunciado.
Resta referir que as questões suscitadas pelo arguido – já tinham sido suscitadas na fase da instrução
e apreciadas no despacho instrutório - e corroboradas no parecer que apresentou da autoria do
Professor José de Oliveira Ascensão afiguram-se-nos prejudicadas pela análise, que acabou
de ser feita, sobre os elementos constitutivos do tipo e os fundamentos (constitucionais) da
proibição, de criação ou manutenção, de ficheiros com estes conteúdos.
_______________
Do crime de violação do segredo (em razão da profissão)
Comete este crime quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado
conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte.
O bem jurídico típico deste preceito legal é a privacidade em sentido material (…) a
privacidade no seu círculo mais extenso. Também aqui é ainda a divulgação indevida de
factos pertinentes à área individual a ser elevada ao universo das condutas merecedoras e
carecidas de pena.
A violação do segredo é punida, independentemente de qualquer perigo ou dano patrimonial,
figurando como um crime de dano cuja danosidade social se concretiza e esgota na acção de
devassa (Comentários Conimbricenses, Tomo 1, pág. 771 e seg).
Três momentos que definem a acção típica: revelar, segredo, alheio.
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Segredo é um facto relativamente desconhecido e que, segundo a vontade expressa ou
presumida da pessoa a quem respeita – e, com mais ou menos propriedade, denominada o
portador do segredo – deve, em nome de um interesse legítimo ou razoável, permanecer sob
reserva.
Para haver segredo, o facto terá de ser conhecido de um número reduzido de pessoas, terá de
se tratar de informações exclusivas. O segredo mantém-se enquanto for apenas conhecido das
pessoas para tal legitimadas.
O conhecimento terá de ser necessariamente obtido – e exclusivamente obtido – no exercício
da actividade profissional. Trata-se, fundamentalmente, de limitar o sigilo penalmente
protegido aos factos de que o agente tem conhecimento no exercício – por causa dele ou por
ocasião dele, mas em estreita conexão com ele – da sua profissão ou ofício.
A lista de profissões e agentes sujeitos a sigilo, para além de extensa, está sujeita a
permanentes modificações e actualizações legislativas.
Provou-se que a arguida Gisela Teixeira, à data dos factos, trabalhava na OPTIMUS/NOS
exercendo funções de gestora de projectos. Nessa qualidade tinha acesso à facturação
detalhada dos clientes.
Provou-se pois que o conhecimento obtido pela arguida Gisela Teixeira decorria do exercício
das suas funções na OPTIMUS/NOS.
Mais se provou que a arguida estava obrigada a guardar sigilo sobre as informações a que
tinha acesso e de que tinha conhecimento por causa da sua actividade profissional.
Ao revelar a terceiros a facturação detalhada do jornalista Nuno Simas, nas condições
descritas nos pontos 17 a 27, à revelia da empresa e do utilizador do telemóvel, a arguida
violou um segredo profissional, sabendo que tal conduta era proibida.
____________________________
Dos factos provados resulta ainda que os arguidos cometeram alguns dos crimes supra
mencionados em co-autoria.
Com efeito, de acordo com o disposto no artº 26 do C. Penal é punido como autor quem
executa o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem ou toma parte directa na sua
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execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem dolosamente
determina uma pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Exige-se a presença de um elemento objectivo que consiste na prática, por cada um dos
agentes, pelo menos de uma parte dos actos típicos; e um elemento subjectivo, que exige que,
à soma dos actos dos vários agentes, esteja a presidir um desígnio comum.
Como dizem Leal-Henriques e Simas Santos há co-autoria ou comparticipação quando o
agente toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou
outros, (…) sendo dois os seus requisitos:
- acordo com outro ou outros, que tanto pode ser expresso como tácito, mas que exige
sempre, pelo menos, uma consciência da colaboração, de carácter bilateral;
- participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros, isto é, um
exercício conjunto do domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que
tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da «execução» ( in “Código Penal
Anotado”, 3ª edição, 1º vol., pág. 339).
E dizem ainda os mesmos autores, na obra e local citados, que (…) há ainda co-autoria
quando, embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os
arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente na existência da consciência e vontade
de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras da experiência comum(…)”.
Face ao que antecede - e quanto à co-autoria dos ilícitos em causa nestes autos - temos que,
na execução de um crime em co-autoria, não é indispensável que cada um dos agentes tenha
intervenção em todos os actos de execução. A lei exige apenas que a actuação de cada um,
mesmo que parcelar e/ou repartida em tarefas distintas, seja elemento componente do todo e
indispensável à produção do resultado.
E se é certo que a actuação deverá ser o resultado de um acordo, em princípio, previamente
estabelecido entre os executantes, na falta deste acordo prévio a Jurisprudência tem entendido
ser suficiente “a consciência recíproca de colaboração”, concordando e aderindo cada um dos
executantes aos actos que sucessiva e parcelarmente forem sendo praticados pelos demais,
mas querendo cada um o resultado final como seu.
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No caso em apreço assim sucedeu em várias situações, conforme se deu como provada, tendo
havido, num caso co-autoria entre os arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís e Nuno Dias –
acesso ilegítimo à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas - noutros co-autoria entre os arguidos
Jorge Silva Carvalho e João Luís (nos dois crimes de abuso de poder).
Provou-se que os arguidos, com intervenções diferentes contribuíram, com a sua actuação,
para o resultado final.
Nessas situações, todos tinham consciência de que estavam a colaborar, de formas diferentes,
para o mesmo fim, o acesso à facturação detalhada e o acesso pelo arguido Jorge Silva
Carvalho a informações obtidas na base de dados do SIED.
________________________
Inexistindo causas de exclusão da ilicitude e da culpa dos arguidos resta determinar a pena
concreta em que cada um deve ser condenado pelos seguintes crimes:
________________________
Pena abstracta
ao crime de acesso ilegítimo na forma agravada corresponde, em abstracto, pena de 1 a 5 anos
de prisão (artº 6/1/4/a da Lei 109/2009, de 15.09 – lei do cibercrime).
ao crime de abuso de poder corresponde, em abstracto, pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou
multa de 10 a 360 dias.
ao crime de violação de segredo de Estado corresponde, em abstracto, pena de prisão de 3 a
10 anos.
ao crime de acesso indevido a dados pessoais, corresponde, em abstracto, pena de 2 meses a
2 anos de prisão ou 20 a 240 dias de multa;
ao crime de violação de segredo corresponde, em abstracto, pena de prisão de 1 mês a 1 ano
ou multa de 10 a 240 dias.
ao crime de devassa por meio de informática, corresponde, em abstracto, pena de prisão de 1
mês a 2 anos ou multa de 10 a 240 dias
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112
_______________________
Da medida concreta da pena
A determinação concreta da pena far-se-á tendo presente o critério previsto no artº 71 do C.
Penal “… em função da culpa do agente (limite máximo) e das exigências de prevenção geral
e especial” atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
todavia deponham a favor do agente ou contra ele”.
As ideias base que devemos ter presentes são as de que as finalidades da aplicação de uma
pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na reinserção do arguido na
comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
Como explica Figueiredo Dias “a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside
efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena,
mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável” (Direito Penal. Parte
Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 79),.
Ou seja, rejeitando o paradigma retributivo do fim das penas, em que estas simplesmente se
assumem como um “castigo” aplicável ao prevaricador da norma, o ordenamento jurídico-
penal português elege a culpa como pressuposto do seu funcionamento (“Não há pena sem
culpa”) e, simultaneamente, como limite ao seu próprio funcionamento (“A medida da pena
não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa”).
Em situações de co-autoria, conforme sucede nalguns dos crimes apreciados no presente
processo, impõe-se obter a individualização da culpa de cada um dos comparticipantes,
conforme preceitua o art. 29º do Código Penal.
Simultaneamente, e também como limite do sistema, surge a necessidade do Estado subtrair à
disponibilidade e autonomia de cada individuo o mínimo dos seus direitos, liberdades e
garantias, na estrita medida em que tais limitações se revelem indispensáveis ao
funcionamento da sociedade e à preservação dos seus bens jurídicos essenciais,
assumindo assim a pena uma primeira função finalista: enquanto ameaça, na sua aplicação
concreta e na sua execução, visa a prevenção da prática de futuros crimes.
Assim, a pena, sempre balizada pelo limite máximo da medida da culpa individual de cada
um dos agentes, há-de encontrar-se numa moldura de prevenção geral, que terá como limite
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máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, e como limite mínimo as exigências
irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico visando manter a crença da comunidade na
validade e vigência da norma incriminadora.
Por fim, e prosseguindo uma segunda função finalista, a pena terá de encontrar a medida que
melhor sirva as exigências de socialização e advertência individual do agente, isto é, segundo
as exigências de prevenção especial.
Conforme bem se compreende, os factos que o Tribunal der como provados sobre a
personalidade do agente do crime, os seus antecedentes criminais, o seu percurso de vida e
inserção social, assumem-se como relevantíssimos para a operação de determinação das
penas concretas, pois será a partir deles que se formulam os juízos de necessidade de
prevenção especial, bem como, convém referir, a determinação da própria medida da culpa
(entendida como o grau de exigibilidade da conduta conforme ao Direito).
Resta referir que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa ou não
privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda, sempre que esta realizar
de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artº 70 do C. Penal).
No caso vertente, a alternativa prisão ou multa coloca-se para os crimes de abuso de poder,
acesso indevido a dados pessoais e violação de segredo, estes dois imputáveis apenas à
arguida Gisela Teixeira, e de devassa por meio de informática, apenas imputável ao arguido
Jorge Silva Carvalho.
No que concerne ao arguido Jorge Silva Carvalho a opção pela pena de prisão é óbvia, atento
o enorme protagonismo que este arguido assumiu nos factos, a considerável gravidade de
alguns deles – crimes de acesso ilegítimo e de violação do segredo de Estado que são puníveis apenas com
pena de prisão – o alarme que causaram e o enorme impacto que tiveram na comunidade.
Quanto ao arguido João Luís a opção deve ser idêntica relativamente aos crimes de abuso de
poder, únicos em que se verifica a alternativa, prisão ou multa, atentas as circunstâncias em
que estes crimes foram praticados, em especial o primeiro - as ordens que deu ao arguido Nuno Dias
para aceder à facturação detalhada -, e as fortes exigências de prevenção geral que estes crimes
reclamam.
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Com efeito, o crime de abuso de poder está associado a um tipo de criminalidade que põe
seriamente em causa as relações entre o cidadão e os agentes da administração pública e a
confiança dos cidadãos nos órgãos da administração pública.
Acresce que, numa sociedade democrática o acesso à facturação detalhada de um jornalista e
a devassa das suas fontes causa grande alarme nos profissionais da comunicação social e na
comunidade em geral.
Considera-se, além do mais, que era altamente exigível aos arguidos, pessoas intelectual e
profissionalmente esclarecidas, um comportamento completamente distinto daquele que
protagonizaram justificando-se, por isso, que sejam advertidos, por via das penas que lhes vão
ser aplicadas, que um tal comportamento não é admissível, nem compreensível
Diferente é a situação da arguida Gisela Teixeira. Como veremos, no caso desta arguida e do
arguido Nuno Dias, este último por via da substituição das penas detentivas da liberdade uma
vez que o crime em que vai condenado não prevê a alternativa de multa, as exigências da
punição satisfazem-se com a condenação dos dois arguidos em penas de multa.
Ponderaremos agora, em concreto:
I – Apreciação Geral
Em termos de ilícitos, valorou-se:
Quanto aos crimes, em geral:
- o dolo, directo de grau mediano na generalidade das situações;
- o grau de ilicitude elevado no crime de acesso ilegítimo e de segredo de Estado e no
primeiro crime de abuso de poder;
- as circunstâncias em que foram praticados os crimes, destacando-se, neste particular, o
crime de acesso ilegítimo e o crime de violação de segredo de Estado, cometido pelo arguido
Jorge Silva Carvalho quando tinha acabado de negociar a sua entrada para a Ongoing;
- o alarme que causaram, com destaque para os crimes de acesso ilegítimo, de violação do
segredo de Estado e de devassa por meio de informática;
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- o grande impacto que tiveram na comunidade e, em particular, no tocante ao crime de
acesso ilegítimo, o impacto junto dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social, para os
quais não era expectável que, funcionários dos serviços de informações, acedessem às suas
fontes, devassando-as e, ao mesmo tempo, violando a sua privacidade.
Quanto aos arguidos, em comum, valorou-se:
- a boa inserção social, familiar e profissional de todos os arguidos;
- a ausência de antecedentes criminais, comum a todos os arguidos;
- o tempo decorrido sobre a prática dos factos, não imputável a nenhum dos arguidos;
II - Individualizando situações:
Começamos pelo arguido Jorge Silva Carvalho, sem dúvida o arguido que merece maior
destaque pelo protagonismo que assumiu nos factos aqui em causa, pelo cargo que
desempenhava nos serviços de informações, pelo facto de ter estado sempre no “centro das
operações”.
Este arguido revelou uma personalidade forte.
Teve um papel fulcral em todas as situações acima descritas, envolvendo outros funcionários
dos serviços de informações, em particular o arguido João Luís e, no caso da facturação
detalhada, o arguido Nuno Dias.
Mostrou uma excessiva despreocupação com os serviços e com a sua imagem, parecendo
pouco consciente das responsabilidades das funções que exerceu, que exigiriam maior reserva
discrição e objectividade, sem necessidade de pôr em causa os seus direitos de defesa.
Surpreendeu-nos ainda a forma distanciada como se referiu a uns serviços onde, até
Novembro de 2010, exerceu funções de enorme relevância.
No caso da facturação detalhada foi movido claramente por intuitos persecutórios dirigidos
contra elementos dos serviços de informações que punham em causa a sua capacidade de
organização e liderança. A sua actuação, além de ilegítima, era desnecessária e
desproporcionada. Teve, nesta situação, uma conduta altamente censurável.
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Fez uma abusiva utilização do SIED, mantendo, durante algum tempo, alguma promiscuidade
entre os serviços e a Ongoing para onde ia trabalhar, situação a que já nos referimos na
motivação da matéria de facto – parte II – e que também merece uma forte censura.
A culpa do arguido, por tudo o que se disse, situa-se a um nível muito superior à dos demais
arguidos.
Mostrou fraca interiorização das consequências da sua conduta, lamentando apenas a situação
em que colocou os co-arguidos João Luís e Nuno Dias e a arguida Gisela e esquecendo-se
que a sua actuação causou danos consideráveis aos assistentes, provocou alarme na
comunidade e afectou a imagem e credibilidade dos serviços de informações.
A favor do arguido há a realçar, para além das circunstâncias já referidas, comuns a todos os
arguidos, e do que está descrito no ponto 123 da matéria de facto, as suas qualidades
profissionais, destacadas por todas as testemunhas que trabalharam com o arguido nos
serviços de informações e na Ongoing, a sua dedicação, competência, dinamismo, capacidade
de organização e de liderança.
Ponderando todos estes factores devem aplicar-se a este arguido penas mais elevadas que as
que vierem a ser encontradas para os restantes, mas não muito afastadas dos seus limites
mínimos (afasta-se um pouco mais desses limites, a pena pelo crime de acesso ilegítimo).
________________________
Arguido João Luís
Para além das considerações expostas na primeira parte, destaca-se uma culpa mediana.
É claramente o segundo na cadeia hierárquica estabelecida, mas muito distante do primeiro.
Sobre as características da personalidade do arguido e as suas motivações não foi possível ir
tão longe, quanto se foi com o arguido Jorge Silva Carvalho.
O arguido João Luís assumiu uma postura muito mais reservada embora, ao mesmo tempo, se
tenha mostrado muito agastado com os serviços de informações, sentindo-se injustiçado,
ostracizado pelos serviços e pelas chefias, e maltratado na sequência dos factos aqui em
causa.
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Não escondeu a sua revolta por terem inviabilizado a sua integração noutros serviços e ter
sido obrigado a reformar-se prematuramente (por volta dos cinquenta e três anos de idade).
Disse que “sempre defendeu os serviços, mas os serviços deixaram de o defender”.
A revolta e o sentimento de abandono levaram-no a pôr tudo em causa, por vezes de forma
um pouco desajustada e desadequada, e a mostrar fraca interiorização da gravidade da sua
conduta.
Prestou ao arguido Jorge Silva Carvalho uma colaboração muito relevante, que se deveu, em
grande medida, à admiração que tinha por aquele arguido, à relação de confiança entre
ambos, ao facto de o arguido Jorge Silva Carvalho ser seu superior hierárquico e de ter estado
na origem da sua transferência para o SIED para chefiar um departamento operacional.
As consequências da sua conduta foram graves para o assistente Nuno Simas, para a imagem
e credibilidade dos serviços de informações e também para a carreira do arguido que ficou
irremediavelmente comprometida.
Também aqui, a favor do arguido, para além dos aspectos comuns a todos os arguidos e do
que consta do ponto 124 da matéria de facto, realçam-se as qualidades profissionais
destacadas pelos seus antigos colegas de trabalho.
_____________________________
O arguido Nuno Dias
O arguido Nuno Dias é o último da cadeia hierárquica, com menor responsabilidade nos
factos relativos ao acesso à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas, únicos por que
será condenado.
Mostrou grande reserva e discrição.
Tinha grande admiração pelos arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís. Esta circunstância
associada a alguma rigidez, fruto da convivência, desde muito cedo, com o avó militar,
levaram-no a aceitar praticar os factos aqui em causa.
Todos destacaram a sua grande dedicação ao trabalho.
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É tido pelos antigos e actuais colegas de trabalho como um profissional dedicado, responsável
e solidário, sempre disponível para o trabalho, não raras vezes com prejuízo para a sua vida
pessoal.
As exigências de prevenção especial apresentam, neste caso, uma intensidade muito reduzida.
____________________________
A arguida Gisela Teixeira
Actuou com culpa muito reduzida. A sua intervenção nos factos deveu-se à relação que tinha
com Nuno Dias e à confiança e admiração pelo seu trabalho nos serviços de informações, e
pelos próprios serviços.
Em julgamento assumiu, sem rodeios e disfarces, a sua culpa e adoptou uma postura de
grande humildade e de sincero arrependimento.
Este comportamento da arguida Gisela Teixeira mostra-se totalmente coerente com tudo o
que fez logo que os factos foram tornados públicos.
Sem hesitações, rescindiu o seu contrato com a empresa, deixando de ter direito ao subsídio
de desemprego.
No julgamento foi notório o seu desalento e frustração por ter interrompido uma carreira
profissional ascendente e gratificante.
Os factos aqui em causa causaram grandes prejuízos para a sua vida pessoal e profissional,
tendo ficado durante vários anos sem trabalho.
Refere-se no relatório social que a arguida, não obstante ter atravessado um período de
desestabilização emocional, reagiu aumentando as suas qualificações académicas com a
licenciatura e reingressando no mercado de trabalho, tendo contado com o apoio
incondicional da família (pais, companheiro) e dos amigos.
Justifica-se, neste caso, grande benevolência.
As exigências de prevenção especial apresentam uma intensidade muito reduzida.
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E, assim, não menosprezando a gravidade dos factos praticados pela arguida Gisela Teixeira,
afigura-se-nos que as exigências de punição se satisfazem plenamente com a aplicação de
uma pena de multa.
A taxa diária da pena de multa terá em conta a situação financeira algo debilitada da arguida e
do seu agregado familiar que vive quase exclusivamente da remuneração auferida pelo
arguido Nuno Dias, tendo ambos dois filhos menores a seu cargo.
_____________________________
Ponderando tudo o que foi dito e os valores jurídicos ofendidos, considera-se adequada e
proporcionada a condenação dos arguidos nas seguintes penas, graduadas de acordo com o
grau de culpa de cada um e com o protagonismo que assumiram nos factos:
Arguido Jorge Silva Carvalho:
- pelo crime de acesso indevido - 2 anos e 3 meses de prisão;
- pelo crime de abuso de poder - 10 meses de prisão;
- pelo segundo crime de abuso de poder - 6 meses de prisão;
- pelo crime de violação do segredo de Estado - 3 anos e 6 meses de prisão;
- pelo crime de devassa por meio de informática - 8 meses de prisão;
Arguido João da Silva Luís:
- pelo crime de acesso indevido - 1 ano e 9 meses de prisão;
- pelo crime de abuso de poder - 10 meses de prisão;
- pelo segundo crime de abuso de poder - 6 meses de prisão;
Arguido Nuno Dias:
- pelo crime de acesso indevido - 1 ano de prisão;
Arguida Gisela Teixeira:
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- pelo crime de acesso indevido a dados pessoais - 120 dias de multa;
- pelo crime de violação de segredo - 80 dias de multa;
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Cúmulo jurídico das penas aplicadas aos arguidos Jorge Silva Carvalho, João da Silva
Luís e Gisela Teixeira
Uma vez determinadas as penas concretamente aplicáveis a cada um dos crimes praticados
pelos arguidos, importará, nos casos em que estes tenham cometido uma pluralidade de
ilícitos, proceder à formulação de cúmulo jurídico de penas (artº 77 do C. Penal).
Numa tal situação, entende-se que, face às penas parcelares, não deverá o Tribunal lançar
mão de medidas alternativas ou substitutivas das penas fixadas, só devendo fazê-lo, se for
caso disso, face à pena única que venha a ser encontrada (Figueiredo Dias, em Direito Penal
Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 285).
Assim sendo, nos casos em que se imponha o cúmulo jurídico, passa o Tribunal a dispor de
uma moldura penal única, sendo o seu limite mínimo determinado pela mais alta das penas
parcelares fixadas, e o limite máximo composto pela soma de todas as penas que integrem o
cúmulo (art. 77º, nº 2 do Código Penal).
Na determinação da pena única, irá então o Tribunal, dentro da moldura assim determinada,
ponderar, em conjunto, os factos, o grau de ilicitude dos mesmos, o grau de culpa, as
exigências de prevenção especial, e as necessidades de prevenção geral já apontadas.
“(…) tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito
global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que
entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, entretanto, a questão de saber
se o conjunto dos factos é, reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma
carreira ) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só
no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade dos crimes um efeito
agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do
efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente…” (“Consequências jurídicas
do crime” F. Dias, pág. 291 e 292).
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Para determinar a pena única, o Supremo Tribunal de Justiça, como se refere em acórdão do
STJ de 8/1/2009, “vem seguindo o método de encontrar, entre aqueles dois limites, um ponto
que se obtém pela adição, ao limite mínimo, duma fracção da soma das restantes penas, ponto
a partir do qual, para cima ou para baixo, há-de ser calculada a pena, sem esquecer que, para
garantir a proporcionalidade das penas, tem de se fazer intervir um factor de compressão, que
deverá ser tanto maior quanto a pena mais se aproxime do limite máximo de 25 anos” (proc. nº
3925/08, www.dgsi.pt).
Refere-se ainda em acórdão do STJ de 1/6/2006 que “Na generalidade dos casos (conciliando
a tendência da jurisprudência mais “permissiva” em somar, à “maior”, ¼ - ou menos - das
demais, com a jurisprudência mais “repressiva” que àquela usa adicionar metade - ou mais -
das outras), esse ponto de convergência poderá achar-se, genericamente, adicionando à pena
“maior” 1/3 das restantes” (proc. nº 1037/06, www. dgsi. pt).
No caso vertente, é inquestionável aquela relação de concurso, já que qualquer um dos crimes
foi cometido antes de algum deles ter sido objecto de decisão judicial transitada em julgado.
No que diz respeito ao arguido Jorge Silva Carvalho a pena única será balizada entre um
mínimo de 3 anos e 6 meses de prisão (pena parcelar mais alta) e um máximo de 7 anos e 9
meses de prisão (soma de todas as penas parcelares).
Quanto ao arguido João Luís a pena única será balizada entre um mínimo de 1 ano e 9 meses
de prisão e um máximo de 3 anos de prisão de prisão.
Quanto à arguida Gisela Teixeira a pena única será balizada entre um mínimo de 120 dias de
multa e um máximo de 200 dias de multa.
Ponderando a globalidade dos factos apurados, a natureza dos crimes aqui em causa, a
personalidade dos arguidos, as suas motivações para a prática dos crimes, a sua idade, a sua
conduta, antes e após os factos, e tudo o mais que se referiu sobre as suas condições pessoais,
e os critérios acima enunciados, parecem-nos ajustadas as seguintes penas únicas:
Arguido Jorge Silva Carvalho - 4 anos e 6 meses de prisão;
Arguido João Luís - 2 anos de prisão;
Arguida Gisela Teixeira - 140 dias de multa;
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Substituição da pena de prisão, aplicada ao arguido Nuno Dias, por multa (artº 43 do C.
Penal)
Dispõe-se no artº 43 do C. Penal que a pena de prisão, aplicada em medida não superior a um
ano, é substituída por pena de multa, ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável,
excepto se a execução da prisão for sugerida pela necessidade de prevenir o cometimento de
futuros crimes.
É consequentemente aplicável o disposto no artº 47 do C. Penal, segundo o qual a pena de
multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do artº 71, sendo, em
regra, o limite mínimo de dez dias e o máximo de 360 dias.
Dispõe-se no nº 2 que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 € e 500€, que o
tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos
pessoais.
De acordo com acórdão do STJ de fixação de jurisprudência – acordão 8/2013, publicado no DR, I
Série de 19.04.2013 – a pena de multa que resulte, nos termos dos actuais arts. 43/1 e 47 do C.
Penal, da substituição da pena de prisão, aplicada em medida não superior a um ano, deve ser
fixada de acordo com os critérios estabelecidos no nº1 do artº 71 e, não , necessariamente, por
tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída.
Face a tudo o que foi dito sobre as circunstâncias em que o arguido Nuno Dias pediu à
arguida Gisela para aceder à facturação detalhada do jornalista Nuno Simas, às características
da sua personalidade, ao tempo decorrido sobre a prática dos factos, à ausência de
antecedentes criminais e às reduzidas exigências de prevenção especial afigura-se-nos que,
não menosprezando embora a gravidade da conduta do arguido, as exigências de punição se
bastam, neste caso, com a substituição da pena de prisão por 250 dias de multa à taxa diária
de 6€.
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Razões da suspensão das penas de prisão aplicadas aos arguidos Jorge Silva Carvalho e
João Luís
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Nos termos do artº 50 do C. Penal, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/2007 de 4
de Setembro, o tribunal suspende a execução da pena de prisão, não superior a 5 anos, se,
atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e
posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a
ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para além do pressuposto formal (pena não superior a cinco anos de prisão) a lei exige, para a
suspensão, pressupostos subjectivos ditados por finalidades politico-criminais ou seja, a
verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um
prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido no futuro.
Estão basicamente em causa prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
É jurisprudência pacífica que a suspensão da execução da pena só pode e deve ser aplicada
quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e
suficiente as finalidades da punição circunscrevendo-se estas, de acordo com o artº 40 do C.
Penal, à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade.
É, pois, em função de considerações de natureza exclusivamente preventiva - prevenção geral
e especial - que o julgador tem de se orientar na opção em causa.
Como refere Figueiredo Dias, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal,
atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico
favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a
ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta -
bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (Consequências Jurídicas do crime,
1993, § 518).
Esta opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do
condenado para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser
admitida e aplicada sempre que se configure esse juízo favorável.
No caso vertente, as penas aplicadas aos arguidos podem ser suspensas na sua execução, pois
são inferiores a cinco anos de prisão.
De resto, a ausência de antecedentes criminais e boa integração social, profissional e familiar
dos arguidos, os anos decorridos sobre a prática dos factos, levam-nos a considerar que
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existem sérias e fortes razões para acreditar que a simples ameaça da pena satisfaz
plenamente as exigências da punição.
A suspensão da execução das penas não ficará subordinada a regime de prova por
inexistirem factores de risco que recomendem uma intervenção ou um acompanhamento
por parte dos serviços de reinserção social.
Assim, o Tribunal irá suspender a execução das penas de prisão, aplicadas aos arguidos
Jorge Silva Carvalho e João Luís por igual período à pena de prisão, que é o período
consentido por lei (art.º 50/5 do C. Penal).
Condições de suspensão - pagamento ao lesado
Resulta do disposto no artº 51 do C. Penal que a suspensão da execução da pena de prisão
pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a
reparar o mal do crime, nomeadamente pagar, dentro de certo prazo, no todo ou em parte que
o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento
por meio de caução idónea.
No caso vertente parece-nos inteiramente justo e adequado que a suspensão das penas
aplicadas aos arguidos fique sujeita à obrigação de pagamento ao demandante Nuno Simas –
demandante que pode eventualmente carecer de um ressarcimento de danos e prejuízos, mais rápido – de uma
parte da indemnização que será arbitrada, fixando-se um valor que seja razoável atentas as
condições económicas de cada um dos arguidos.
De acordo com este critério, o valor arbitrado ao arguido Jorge Silva Carvalho será superior
ao que for arbitrado ao arguido João Luís.
Assim, o arguido Jorge Silva Carvalho deverá pagar ao demandante Nuno Simas, no prazo de
seis meses, a quantia correspondente a 3.500€, a imputar, nos termos do artº 785 do Cód.
Civil, no valor global da indemnização em que vai solidariamente condenado, aquando do seu
integral pagamento.
O arguido João Luís deverá pagar, no mesmo prazo, a quantia correspondente a 1.000€,
igualmente a imputar, nos termos do artº 785 do Cód. Civil, no valor global da indemnização
em que vai solidariamente condenado, aquando do seu integral pagamento.
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Pedido de indemnização civil
Questão prévia
Os arguidos João Luís e Nuno Dias vêm arguir a sua ilegitimidade passiva e requerer a
intervenção acessória do Ministério Público em representação do Estado Português.
Alegam que parece ser evidente que os factos da acusação, que alegadamente lesaram o
demandante e fundamentam o seu pedido de indemnização, a terem sido cometidos, são
factos praticados por agentes ao serviço do Estado que não responsabilizam quem os
praticou; assim é parte ilegítima nesta demanda civil; é contra o Estado Português que deverá
ser dirigida a demanda civil cumprindo invocar a Lei 67/2007, de 31.12 que estabelece o
regime legal da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das Pessoas Colectivas de
Direito Público ; requer a intervenção acessória do Ministério Público.
Desde já e sem necessidade de maiores considerações afigura-se-nos que não se aplica ao
caso presente o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades
públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro.
Isto porque a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado
pressupõe que os danos causados resultem do exercício da função político-legislativa,
jurisdicional e administrativa, ou seja, que estejam apenas em causa as acções ou omissões
praticadas no exercício das funções e por causa delas.
Não foi o que aconteceu neste caso. Provou-se que inexistia base legal que atribuísse aos
serviços de informações o acesso a dados de tráfego relativos a comunicações electrónicas ou
telefónicas, que os arguidos sabiam que lhes estava vedado esse acesso e praticaram actos que
nada têm a ver com o exercício das suas funções e que visaram apenas satisfazer interesses
pessoais de um dos arguidos.
Razão pela qual se indefere a arguida ilegitimidade passiva dos demandados.
_______________
O assistente/demandante Nuno Simas, apresentou pedido de indemnização civil contra os
arguidos Jorge Silva Carvalho, João Luís, Nuno Dias e Gisela Teixeira, a título de danos não
patrimoniais, no valor de 60.000€.
Comarca de Lisboa
Lisboa - Inst. Central - 1ª Secção Criminal Av. D. João II, nº1.08.01 Edificio A - 1990-097 Lisboa
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O assistente/demandante Francisco Pinto Balsemão apresentou pedido de indemnização civil
contra o arguido Jorge Silva Carvalho, a título de danos não patrimoniais, no valor de
50.000€, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a notificação do pedido civil
até integral pagamento.
Dispõe o artº 129 do Código Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de um
crime é regulada pela lei civil.
Dispõe-se, por seu turno, no artº 483/1 do C. Civil - define os pressupostos da responsabilidade civil
por factos ilícitos – que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de
outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos:
a) o facto voluntário do agente (facto humano controlável ou dominável pela vontade);
b) a ilicitude do facto (nas modalidades de violação de direitos subjectivos ou de disposições legais
destinadas a tutelar interesses alheios);
c) o nexo de imputação do facto ao lesante (que abarca a imputabilidade e a culpa);
d) o dano;
e) o nexo causal entre o facto e o dano;
O primeiro pressuposto está inquestionavelmente verificado, face à matéria de facto fixada
nos pontos 17 a 39 e 104 a 120, estes últimos com relevância para o pedido de indemnização
apresentado por Francisco Pinto Balsemão.
Podemos concluir que os actos praticados pelos arguidos constituem factos voluntários dos
quais resultaram para os demandantes vários danos de carácter pessoal e profissional.
É inequívoca a existência de nexo de causalidade entre os factos praticados pelos arguidos e
os danos causados aos demandantes.
Ambos os demandantes reclamam danos de natureza não patrimonial que serão de atender,
desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artº 496, nº1 do Cód. Civil).
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A indemnização por danos não patrimoniais é (..) tão só uma satisfação ou compensação do
dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro (Vaz Serra, in BMJ, nº 83, pág. 83).
Esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: Por um lado, visa reparar, de
algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela parte lesada; por outro, não lhe é
estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito
privado a conduta do agente” (A. Varela. “Das Obrigações em Geral”).
Não sendo os danos não patrimoniais materialmente mensuráveis e visando a quantia a
atribuir a esse título ao lesado, não propriamente indemnizá-lo mas, antes, compensá-lo com
uma quantia em dinheiro, cuja aplicação em bens materiais ou morais possa de algum modo
contribuir para minorar o seu sofrimento, a quantificação de dano dessa natureza tem de ser
feita pelo recurso aos critérios de equidade, em que terão em devida conta o grau de culpa do
lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis como,
por exemplo, a gravidade da lesão, a desvalorização da moeda, os padrões normalmente
utilizados nos casos análogos, etc. (in acórdão do STJ de 19/2/2002, in CJ Acs do Supremo, ano XXVIII,
Tomo 1, pág. 269).
No caso vertente provou-se que, em resultado da actuação dos demandados, o assistente
Nuno Simas, jornalista há 27 anos viu as suas fontes devassadas – é sabido que as “fontes” e os
contactos de um jornalista demoram muitos anos a construir - e que após a divulgação dos factos supra
descritos, algumas das suas “fontes” deixaram de atender os seus telefonemas.
Também se provou que o demandante Nuno Simas, em resultado da actuação dos arguidos,
sofreu um grande mal-estar e um profundo constrangimento, passou muitas noites sem
dormir, teve profunda tristeza, um grande stress e nervosismo e arritmias cardíacas.
Com relevância para o pedido de indemnização civil apresentado pelo assistente Francisco
Pinto Balsemão apurou-se ainda que:
O assistente ficou chocado e perturbado com o teor do “Relatório”, em especial com a parte
relativa aos seus filhos e à sua vida intima;
Nas semanas subsequentes à divulgação dos factos viveu dias de particular angústia,
ansiedade, desconforto e abalo emocional;
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Foi contactado por amigos e colegas, melindrados com as notícias divulgadas na
comunicação social;
Os danos acima enunciados, causados pelos arguidos aos assistentes merecem, sem dúvida, a
tutela do direito.
De acordo com os critérios estabelecidos nos arts. 564 e 566 do C.C. e tendo em conta,
nomeadamente:
-a equidade, critério a que o Tribunal deve recorrer para a fixação deste tipo de indemnização;
- o sofrimento, os medos;
- a situação económica dos demandados e demandantes;
Tudo ponderado, afigura-se-nos justa, adequada e equitativa, a atribuição de uma
indemnização, a título de danos não patrimoniais, de quinze mil euros para o assistente Nuno
Simas que, para além dos danos pessoais, sofreu danos profissionais relevantes e
consideráveis, e dez mil euros para o assistente Francisco Pinto Balsemão, cujos danos se
repercutiram essencialmente na sua vida pessoal e no seu equilíbrio emocional.
A este valor acrescem juros de mora, contados desde a data da notificação dos pedidos de
indemnização civil até integral pagamento.
__________________________
IV - DECISÃO
Pelo exposto decidem as Juízes que constituem o Tribunal Colectivo:
1. Absolver o arguido Jorge Manuel Jacob da Silva Carvalho do crime de corrupção
passiva para acto ilícito, p. e p. pelo artº. 373, n.° 1 do Código Penal e de um crime de
abuso de poder, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal, este imputável ao arguido nos
termos do artº. 28/1 do C. Penal.
2. Absolver o arguido Nuno Rocha dos Santos de Almeida e Vasconcellos do crime de
corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo artº 374, n.°1 do Código Penal.
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3. Absolver o arguido João da Silva Luís de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artº
382 do Código Penal.
4. Condenar o arguido Jorge Manuel Jacob da Silva Carvalho pela prática dos
seguintes crimes:
em co-autoria com os arguidos João Luís e Nuno Dias, um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p.
pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n.° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime) na pena de 2 anos e 3
meses de prisão e, em co-autoria com o arguido João Luís, por um crime de abuso de poder, p. e p. pelo
artº 382 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
em autoria material, um crime de violação de segredo de Estado, na forma consumada, p. e p. pelo artº
316 n.° 1 e 3, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e um crime de devassa por meio
de informática, p. e p. pelo artº 193, nº 1 do C. Penal na pena de 8 meses de prisão.
nos termos do disposto no artº 28/1 do C. Penal, um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artº 382 do
Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;
5. Em cúmulo jurídico condenar o arguido Jorge Silva Carvalho na pena de 4 anos
e 6 meses de prisão;
6. Nos termos do disposto no artº 50 do C. Penal suspender a execução desta pena por
igual período com a condição de, no prazo de seis meses, pagar ao demandante Nuno
Simas a quantia de 3.500€, a imputar, nos termos do artº 785 do Cód. Civil, no valor
global da indemnização em que vai solidariamente condenado, aquando do seu
integral pagamento.
7. Condenar o arguido João Manuel da Silva Luís pela prática dos seguintes crimes:
em co-autoria com os arguidos Jorge Silva Carvalho e Nuno Dias, um crime de acesso ilegítimo
agravado, p. e p. pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n.° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime) na
pena de 1 ano e 9 meses de prisão e um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal,
na pena de 10 meses de prisão;
em autoria material, um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artº 382 do Código Penal, na pena de seis
meses de prisão;
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8. Em cúmulo jurídico condenar o arguido João da Silva Luís na pena de 2 anos de
prisão;
9. Nos termos do disposto no artº 50 do C. Penal suspender a execução desta pena por
igual período, com a condição de, no prazo de seis meses, pagar ao demandante Nuno
Simas a quantia de 1.000€, a imputar, nos termos do artº 785 do Cód. Civil, no valor
global da indemnização em que vai solidariamente condenado, aquando do seu
integral pagamento;
10. Condenar o arguido Nuno Francisco de Freitas Lopes Dias pela prática, em co-
autoria com os arguidos Jorge Silva Carvalho e João Luís, de um crime de acesso
ilegítimo agravado, p. e p. pelo artº 6, n.°s 1 e 4, al. a) da Lei n.° 109/2009, de 15.09
(Lei do Cibercrime) na pena de 1 ano de prisão.
11. Nos termos do disposto no artº 43 do C. Penal substituir a pena de prisão por 250
dias de multa à taxa diária de 6 €, o que perfaz a multa de 1.500€.
12. Condenar a arguida Gisela Fernandes Teixeira, pela prática de um crime de acesso
indevido a dados pessoais, p. e p. pelos arts. 44, nº 1 e 2, al. b) da Lei nº 67/98, de
26.10 na pena de 120 dias de multa e de um crime de violação de segredo profissional,
p. e p. pelo artº 195 do C. Penal, na pena de 80 dias de multa;
13. Em cúmulo jurídico condenar a arguida Gisela Teixeira na pena única de 140
dias de multa, à taxa diária de 6 €, perfazendo um total de 840 €.
14. Julgar parcialmente provado o pedido de indemnização civil apresentado pelo
assistente Nuno Simas e em consequência condenar solidariamente os arguidos Jorge
Silva Carvalho, João da Silva Luís, Nuno Dias e Gisela Teixeira, ao pagamento de
uma indemnização no valor de 15.000€.
15. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização apresentado pelo assistente
Francisco Pinto Balsemão e em consequência condenar o arguido Jorge Silva
Carvalho no pagamento de uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no
valor de 10.000€, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a
notificação do pedido de indemnização até integral pagamento.
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16. Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo sendo a taxa de justiça no
valor de 4 UC.
Custas do pedido civil apresentado pelo assistente Nuno Simas a cargo do demandante
e demandados na proporção do respectivo decaimento.
Custas do pedido civil apresentado pelo assistente Francisco Pinto Balsemão a cargo
do demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento.
Notifique e deposite.
Após trânsito:
Remeta boletins.
Remeta cópia da presente decisão ao SIRP
____________________________
Lisboa, 18 de Novembro de 2016
As Juízas do Tribunal Colectivo
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Rosa Brandão
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Maria Emília Costa
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Mariana Machado