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revista Vol 7 • N o 13 • julho/dezembro 2006 Comunicação & Inovação

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    ARTIGOS

    ENTREVISTA: FRONTEIRA ENTRE INFORMAO E OPINIO Rodrigo Bastos Cunha .............................................................................................................................. 4

    DISCURSO LITERRIO X DISCURSO PUBLICITRIO: OPOSIO ENTRE A ESTTICA E O UTILITRIO Maria Helena Steffens de Castro .......................................................................................................... 14

    O REVISOR DE TEXTO NO JORNAL IMPRESSO DIRIO E SEU PAPEL NA SOCIEDADE DA INFORMAO Fbia Anglica Dejavite e Paula Cristina Martins ..................................................................................22

    A EXPLORAO DOS CINCO SENTIDOS COMO FORMA DE PERSUASO E ESTMULO AO CONSUMO Marie Suzuki Fujisawa ......................................................................................................................... 30 O RETRATO RODRIGUEANO NA TV: UMA TRAJETRIA ATRAVS DOS FORMATOS DE TELEFICO Paula Carolina Petreca ......................................................................................................................... 39

    A COPA DO MUNDO 2006: MEGAEVENTO ESPORTIVO COMO ATRAO TURSTICA, INSTRUMENTO DE COMUNICAO E INTERAO ENTRE OS POVOS Tereza C. Santovito ............................................................................................................................. 50

    RESENHAS

    O CORPO COMO SUPORTE DA ARTE Rogrio Bianchi de Arajo ..................................................................................................................... 59

    TEORIA DA COMUNICAO NA AMRICA LATINA: DA HERANA CULTURAL CONSTRUODE UMA IDENTIDADE PRPRIA Roberto Elsio dos Santos ...................................................................................................................... 62

    SUGESTO BIBLIOGRFICA

    MEMRIA E NARRATIVAS ORAIS EM ESTUDOS DE COMUNICAO SOCIAL Priscila F. Perazzo ................................................................................................................................. 63

    Comunicao & InovaoUma publicao da Universidade Municipal de So Caetano do Sul - IMES

    Vol 7 NO13 julho/dezembro - 2006

    Fechamento desta edio: julho/2006

    Diretor da MantenedoraMarco Antonio Santos Silva

    Vice-Diretor da MantenedoraMarcos Sidnei Bassi

    ReitorLarcio Baptista da Silva

    Pr-Reitor de GraduaoCarlos Alberto Macedo

    Pr-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Ren Henrique Licht

    Pr-Reitor Comunitrio e de Extenso

    Joaquim Celso Freire Silva

    Coordenadora de Comunicao SocialAna Claudia Marques Govatto

    Coordenador EditorialGino Giacomini Filho

    Jornalista ResponsvelRoberto Elsio dos Santos

    MTb 15.67

    Conselho Editorial Dilma de Melo Silva (ECA/USP-SP)

    Eron Brum (Uniderp-MS)Gilson Monteiro (Univ. Fed. Amazonas-AM)

    Liana Gottlieb (Casper Lbero-SP)Maria Amlia C. Gaiarsa (UCSal-BA)Neusa Demartini Gomes (PUC-RS)

    Sandra Reimo (UMESP-SP)

    Conselho TcnicoProfessores do Curso de Comunicao Social

    e pareceristas externos

    Reviso Suely Levy Bentubo Fonseca

    Editorao e impressoArt Graphic

    Tiragem: 500 exemplares

    Comunicao & InovaoRua Santo Antnio, 50 - Centro

    So Caetano do Sul -SPTel.: (11) 429-200 (ramal 44)

    E-mail: [email protected]

    Pgina na Web: www.imes.edu.br/re-vistasacademicas

    A Universidade IMES, em seus ca-dernos e revistas, respeita a liber-dade intelectual dos autores, publi-ca integralmente os originais que lhe so entregues, sem com isso concordar necessariamente com as opinies expressas.

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    ENTREVISTA: FRONTEIRA ENTRE INFORMAO E OPINIO

    Este trabalho analisa as generalidades e as singularidades no gnero da entrevista em divulgao cientfica. H nesse gnero um trabalho de formulao de um discurso novo, que parte do cientfico e se dirige a um outro pblico, mais amplo que os pares do cientista. Alm de generalidades como o carter dialgico e o carter subjetivo, que h em todo discurso, e o foco no pblico leigo, h especificidades prprias do gnero aqui abordado.

    This work analyses the generalities and the singularities in the interview genre of science popularization. In this genre there is a work of formulating a new discourse, which begins from the scientific discourse and applies to another public, wider than that of the scientists peers. Besides the generalities (their dialogical and subjective character), and the focus on the laic public, there are specific peculiarities in the genre approached here.

    RESUMO

    ABSTRACT

    Introduo

    Sob a perspectiva da li-nha francesa da Anlise do Discurso, e com o apoio de tericos da Comunicao e dos estudos da linguagem, esse autor vem se debru-ando em pesquisas inter-disciplinares no Laborat-rio de Estudos Avanados em Jornalismo da Unicamp na anlise de diferentes g-neros do discurso que tran-sitam pelo campo da divul-gao cientfica. Segundo Eni Orlandi (198, p. 191), uma expoente brasileira da corrente terica cuja pers-pectiva adotada nesse ar-tigo, a anlise do discurso, levando em conta as con-dies de uso da lingua-

    Palavras-chave: gneros do discurso, jornalismo cientfico, divulgao cientfica.

    Keywords: genres of discourse, scientific journalism, science popularization.

    1. Publicao da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia, hospedada em http://www.comciencia.br.

    gem, procura apreender a singularidade desse uso... ao mesmo tempo em que visa a construir uma gene-ralidade isto , a insero desse uso particular, desse discurso, em um domnio comum (grifos da autora).

    Filiada linha france-sa da Anlise do Discurso, Llian Zamboni (1997) es-tudou a heterogeneidade e a subjetividade no discur-so de divulgao cientfica em geral, o qual considera como um gnero espec-fico de discurso, que no pertence ao mesmo cam-po do gnero do discurso cientfico. Destaca-se a no-o de gneros do discurso feita por Bakhtin (1997) e o amplo espectro traado por

    Bueno (1984) no mbito da divulgao cientfica , que envolve desde livros did-ticos, aulas de cincias e museus de cincia at tex-tos jornalsticos, como arti-gos, notcias e reportagens para dizer que mais apropriado falar em vrios gneros que transitam pelo campo da divulgao cien-tfica, cada qual com sua prpria estrutura composi-cional. Apresenta-se aqui uma anlise, sob esse pon-to de vista, de textos do gnero entrevista, publica-dos na revista eletrnica ComCincia,1 voltada para divulgao cientfica diri-gida a um pblico leigo. A escolha das entrevistas que compem o corpus de an-

    Rodrigo Bastos CunhaPesquisador do La-boratrio de Estudos Avanados em Jorna-lismo (Labjor), da Uni-camp; especialista em Jornalismo Cientfico pela Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp); mestre em Comunicao So-cial pela Universida-de Metodista de So Paulo (Umesp).

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    lise deste trabalho seguiu critrios de acompanha-mento de um estudo mais amplo, envolvendo outros gneros do discurso, a sa-ber: reportagem, artigo, re-senha e notcia.

    Todos os textos, ex-ceo do gnero notcia, foram selecionados a partir da coincidncia de critrios hierarquizados, sendo o pri-meiro deles que os textos pertencessem a uma edio da revista dedicada ao que se chama no meio acadmi-co de Cincia Dura (onde se enquadram as exatas e biolgicas) e a uma outra edio dedicada a Cincias Humanas; o segundo crit-rio foi o de que as edies escolhidas estivessem en-tre as mais acessadas pelos leitores e os textos fossem selecionados entre os mais lidos do seu gnero.

    O gnero entrevista

    O texto que conhecido no jargo jornalstico como entrevista pingue-pongue como as que aparecem nas pginas amarelas da revista Veja no muito explorado em estudos aca-dmicos enquanto gnero do discurso, talvez por se situar em uma certa frontei-ra discursiva difcil de ser delimitada. Autores, como Lage (1982) e Erbolato (1985) apenas mencionam a entrevista como tcnica fundamental do jornalismo para obteno de infor-maes. Marques de Melo (198, p. 78) define a entre-vista como um relato que privilegia um ou mais pro-tagonistas do acontecer, e a classifica, enquanto gne-

    ro, na categoria do jornalis-mo informativo, o que, em parte, pode ser considerado um conflito com o que diz o Novo Manual da Redao, do jornal Folha de S. Paulo (1992, pp. 1-2), segundo o qual a finalidade de carac-terizar um texto jornalstico como entrevista permitir que o leitor conhea opini-es, idias, pensamentos e observaes... de pessoa que tem algo relevante a dizer. Esse mesmo manu-al acrescenta que pode-se editar a entrevista na for-ma de pergunta e respos-ta (pingue-pongue), quan-do o entrevistado est em evidncia especial ou diz coisas de importncia parti-cular. Como se trata sem-pre de um personagem em evidncia no seio da socie-dade seja ele um artista, um poltico, um cientista ou um empresrio , o entre-vistado invariavelmente levado pelo entrevistador a emitir suas opinies, idias e pensamentos acerca do seu campo de atuao ou sobre assuntos considera-dos pelo veculo relevantes para o seu pblico leitor.

    O Novo Manual da Re-dao, do jornal Folha de S. Paulo (idem, p. 2) obser-va, ainda, que a entrevista pingue-pongue exige tex-to introdutrio, contendo a informao de mais impac-to, breve perfil do entrevis-tado e outras informaes, como local, data e durao da entrevista e resumo do tema abordado o que tal-vez seja suficiente para se dizer que esse gnero est na fronteira entre o informa-tivo e o opinativo, alm do fato de o entrevistado, em

    suas respostas, no apenas emitir opinio, mas tambm informar sobre algo de que ele tem conhecimento e o pblico leitor supostamen-te no tem.

    A entrevista em divulgao cientfica

    Neste trabalho, anali-sa-se a entrevista como um dos gneros que transitam pelo campo da divulgao cientfica, destacando ca-ractersticas que so gerais a todo gnero do discurso e caractersticas singulares do gnero da entrevista, colocando-o em uma tnue fronteira entre o informativo o opinativo. Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla envolvendo outros gneros do discurso (artigo, reportagem, resenha e not-cia), que teve como corpus textos publicados em duas edies da revista eletrni-ca de jornalismo cientfico ComCincia: uma sobre Ci-ncias Humanas, dedicada ao tema Brasil Negro, e outra sobre Cincias Bio-lgicas, dedicada ao tema Clonagem.

    O texto introdutrio de uma das entrevistas selecio-nadas para anlise neste ar-tigo Justia penal mais severa com os criminosos negros,2 feita pelo antro-plogo e reprter da revista ComCincia Alexandre Za-rias com o socilogo Sr-gio Adorno, da USP, que designado adiante por En-trevista 1 traz um breve comentrio sobre o cenrio de desigualdade no Brasil, que exclui grande parte da populao dos seus direi-tos constitucionais e estig-

    2. Entrevista disponvel na internet em http://www.comciencia.br/entrevistas/negros/adorno.htm.

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    matiza classes e etnias pelo preconceito. Em seguida, esse menciona que, para o entrevistado, os negros so os mais estigmatizados, es-pecialmente em relao justia. A introduo pon-tua que a entrevista foi rea-lizada em outubro de 200, em Caxambu (MG), durante encontro de pesquisadores da rea de Cincias Sociais, e trata da influncia do ra-cismo e dos preconceitos raciais na distribuio da justia penal.

    A introduo da outra entrevista que ser analisa-da aqui Clonagem huma-na: alcances e limites, feita pela engenheira de pesca e reprter da ComCincia Ju-liana Schober com a geneti-cista Mayana Zatz, tambm da USP, que designada adiante por Entrevista 2 trata da abordagem do tema da clonagem pela fico, com destaque para a nove-la O Clone, da TV Globo. O texto introdutrio apresenta Zatz como consultora dessa novela, alm de ser a ga-nhadora latino-americana de um prmio promovido pela Unesco, dedicado a cientistas mulheres que se destacam em seu continen-te. A introduo tambm salienta que Zatz uma cientista que acredita que as pesquisas sobre clona-gem podem nos levar a im-portantes descobertas e a salvar muitas vidas.

    De acordo com Lilian Zamboni (1997, p. 82), nos textos de divulgao cient-fica, as citaes em discur-so direto que aparecem so geralmente falas j vulgari-zadas do discurso cientfico, e no contm sequer vest-

    gios da densidade discursiva dos textos cientficos. Sen-do assim, segundo ela, a entrevista e os depoimentos tomados dos prprios cien-tistas pelo divulgador j vm configurados como discurso de divulgao cientfica. Zamboni justifica sua afir-mativa lembrando que para Bakthin (1997), o discurso no independente daquele para quem ele est endere-ado. Segundo a autora:

    [...] Alterando-se os lugares dos protagonistas da cena enunciativa, restam altera-das todas as demais confi-guraes do cenrio, inclusi-ve o canal da comunicao... a modalidade da linguagem empregada, as fontes de in-formao, o tratamento do assunto... Submetido a ou-tras condies de produo, o discurso cientfico deixa de ser o que . Passa a ser um outro discurso... que se situa num outro lugar, dife-rente do lugar onde se situa o discurso cientfico (Zam-boni, 1997, p. 89).

    No fragmento abaixo da entrevista publicada na edio sobre Clonagem observa-se que a cientista Mayana Zatz utiliza um re-curso tambm empregado em artigos de divulgao cientfica: a locuo ex-plicativa ou seja aparece duas vezes em sua fala, para tratar do assunto clulas-tronco de uma maneira diferente da que trataria se o seu canal fosse um con-gresso cientfico ou uma re-vista especializada e o seu pblico fosse formado por seus pares cientficos e no pelos leitores de uma revis-ta de divulgao cientfica.

    3. Entrevista disponvel na internet em http://www.comciencia.br/entrevistas/clonagem/zatz.htm.

    [Entrevista 2 fragmento 1]ComCincia: Qual a diferena en-tre a clula-tronco de um embrio ... e de um indivduo adulto?Zatz: ... As clulas do embrio antes de serem feto so totipo-tentes, ou seja, elas podem se transformar em qualquer tecido, mas no sabemos se as clulas-tronco do corpo humano [adul-to] ou do cordo umbilical so tambm totipotentes ou se so pluripotentes, ou seja, se trans-formam em qualquer tecido ou s em algum tecido especfico. Se as clulas-tronco retiradas de cordo umbilical, por exem-plo, tiverem a capacidade de se transformar em qualquer tecido, est resolvido o problema. Nin-gum vai querer embries para esta finalidade. Mas eu acho que no podemos fechar portas, por-que hoje ainda no sabemos. Meu medo que os mais afoitos probam as pesquisas e fechem as portas.

    Esse fragmento, alm de trazer a explicao para o leigo do que uma clula totipotente e do que uma clula pluripotente, aponta no final o posicionamento da cientista e seus valores em relao ao uso de em-bries em pesquisa, ques-to que ser tratada adian-te. Por ora, cabe observar que, ao contrrio do que acontece no gnero artigo, a explicao aqui parte de um questionamento pontual da reprter. Isso significa que no gnero entrevista, o especialista tambm con-vidado a discorrer sobre o assunto de sua especialida-de como ocorre no gne-ro artigo , porm, ele o faz a partir de um certo roteiro, que em parte, previamen-te definido pelo reprter, e em parte, modificado de

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    acordo com a seqncia da entrevista.

    No fragmento abaixo, da entrevista publicada na edio sobre Brasil Ne-gro, pode-se observar im-plicitamente na pergunta do reprter que o seu roteiro prvio envolve pelo menos um certo conhecimento do objeto de pesquisa do en-trevistado conhecimento esse que tambm funda-mental na prpria escolha da fonte a ser entrevistada. No caso da entrevista pin-gue-pongue, que coloca um determinado personagem social em evidncia, trata-se de um procedimento edito-rial do veculo a escolha dos entrevistados assim como a escolha dos articulistas , geralmente definida, no caso das edies temticas da revista ComCincia, na mesma reunio de pauta que define os assuntos que sero abordados nas repor-tagens. Ou seja, alm de ser um pesquisador de des-taque na rea em questo no caso, as Cincias So-ciais , o entrevistado tam-bm tem como objeto de estudo algo que o veculo selecionou como relevante para ser colocado em pauta em sua edio sobre Brasil Negro.

    [Entrevista 1 fragmento 2]ComCincia: H quanto tempo o senhor lida com essas questes [envolvendo justia e preconcei-to] em suas pesquisas?Adorno: A questo da distribui-o das sentenas comparativa-mente a brancos e negros, ou seja, a punio legal aplicada a brancos e negros, um tema que me interessou porque, em contatos com o movimento ne-gro e muitas vezes estudando

    diferentes questes sobre justi-a, eu vi que se tratava de uma rea de absoluta evidncia de racismo e sobre a qual no exis-tiam estudos nesse sentido... Foi a partir disso, com o apoio da Fundao Ford, que resol-vi fazer uma pesquisa tomando processos penais do estado de So Paulo, no incio da dcada de 1990. Assim, comparei ri-gorosamente a distribuio de sentenas penais para crimes rigorosamente idnticos, dentre os quais figuravam o roubo, o trfico de drogas, o latrocnio, o trfico qualificado e o estupro...

    Pode-se observar nes-se fragmento que, apesar de a cena enunciativa aqui ser outra, h diversas in-formaes que certamen-te poderiam entrar em um artigo cientfico publicado em peridico especializado dirigido aos pares do pes-quisador, porm no com a mesma simplicidade: apa-recem na fala de Adorno a referncia motivao da pesquisa e a justificativa da sua relevncia (no exis-tiam estudos nesse senti-do); a meno fonte de financiamento da pesquisa; e uma breve apresentao dos seus procedimentos metodolgicos. Essas in-formaes aparecem sem os vestgios da densidade discursiva dos textos cien-tficos (ZAMBONI, 1997, p. 82) e constituiriam uma fala j vulgarizada do discurso do cientista social Srgio Adorno. Isso, por si s, j seria suficiente para a con-figurao do depoimento tomado do pesquisador Adorno pelo divulgador Za-rias como um discurso de divulgao cientfica. Mas alm do tratamento do as-

    sunto ser feito de uma for-ma diferenciada da que se faria em um artigo cientfi-co, a prpria ordem em que aparecem os dados sobre a pesquisa de acordo com o roteiro do reprter/en-trevistador diferente da ordem-padro dos textos cientficos: os resultados da pesquisa, que geralmen-te vem no final dos artigos publicados em peridicos especializados, aparecem aqui no meio da entrevista, graas pergunta do re-prter, porm sem a mes-ma densidade de avaliao pressuposta nos artigos cientficos voltados para os pares, como se pode ver no fragmento abaixo.

    [Entrevista 1 fragmento 3]ComCincia: Quais foram os re-sultados dessa comparao [das sentenas penais de brancos e negros]?Adorno: Ao fazer essa compara-o, descobri, primeiro, que os negros eram proporcionalmen-te mais condenados do que os brancos pelo mesmo crime. No em termos de durao da pena, que no variava muito... Mas, por exemplo, 59,4% dos brancos observados foram condenados e 68,8% dos negros foram con-denados... Outra coisa que eu percebi foi que os negros depen-diam muito mais da justia pbli-ca do que os brancos. Os bran-cos, de um modo geral, tinham mais condies de ter acesso defesa particular contratada... O que chamou a ateno foi o fato de que, se eu fosse olhar do pon-to de vista socioeconmico, os brancos e negros que estavam sendo objeto da justia no eram muito diferentes. De modo geral, os negros tinham uma taxa maior de no ocupados, tinham uma escolaridade um pouco mais bai-

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    xa, mas nada que dissesse que eu estava lidando com classes sociais, com segmentos de clas-ses completamente diferentes.

    Os fragmentos 2 e so informativos e divul-gam dados da pesquisa de Srgio Adorno que compa-ra as sentenas penais para brancos e negros no estado de So Paulo. O posiciona-mento do socilogo sobre a questo s aparece aqui de forma sugestiva, na obser-vao de que os brancos e negros analisados no estu-do no eram muito diferen-tes do ponto de vista socio-econmico, o que chamou sua ateno, j que, portan-to, essa varivel no pode-ria ser usada para justificar que os negros tivessem um ndice de condenao maior que os brancos. Adiante, mostra-se fragmentos onde os posicionamentos de Adorno sobre igualdade e justia e de Zatz sobre clo-nagem so requeridos pe-los respectivos reprteres que os entrevistaram. Por enquanto, vale a pena uma pequena observao quan-to ao grau de vulgariza-o do discurso cientfico, se comparado o fragmento em que Zatz explica o que so clulas totipotentes e pluripotentes e os fragmen-tos em que Adorno apre-senta dados de sua pes-quisa. Quanto maior for a distncia que o enunciador supe existir entre o seu interlocutor no caso, no se trata do entrevistador, mas do leitor virtual da revista onde a entrevista publicada, imaginado pelo entrevistado (cf. Coracini, 1991) e o assunto do qual

    est tratando, maior ser a mudana do discurso cien-tfico para o discurso vulga-rizado. Quando isso acon-tece, as explicaes atuam como um tpico recurso usado em divulgao de cincia para aproximar do leigo algo que a princpio distante do seu universo de conhecimento. No caso da pesquisa de Adorno, os dados envolvem questes familiares para o cidado comum seja ele ligado ao meio acadmico ou no , e a diferena que poderia ser ressaltada em sua fala na entrevista em relao a um suposto artigo cient-fico que ele assinasse so-bre esse mesmo estudo a forma de apresentao dos dados, alm de sua avalia-o, que adiante, aparecer (de forma vulgarizada) em outros fragmentos.

    Alm desse aspecto das entrevistas com cien-tistas representarem falas j vulgarizadas, por serem voltadas para um pblico mais amplo do que os pares cientficos do entrevistado, h tambm, por outro lado, o fato de se atribuir a essas falas um certo poder e uma certa autoridade. Como foi apontado em trabalhos anteriores (Cunha, 200 e Cunha, 2005a), a figura do cientista goza de um consi-dervel prestgio na nossa sociedade, e de certa forma, ocupa um lugar de autori-dade discursiva de quem detm certo conhecimento. Para Eni Orlandi (2000, pp. 9-40), o que um sujeito diz constitudo tambm pelo lugar a partir do qual ele fala. Ela cita como exemplo a diferena de significao

    das palavras que so ditas a partir do lugar do professor e do lugar do aluno, assim como diferente a significa-o do que dito do lugar do padre, que tem determi-nada autoridade junto aos seus fiis. Segundo a auto-ra, como nossa sociedade constituda por relaes hierarquizadas, so rela-es de fora, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem va-ler na comunicao. Nes-se sentido, de acordo com Wilson Bueno (1984, p. 6), as entrevistas costumam merecer a ateno dos edi-tores e, sobretudo, dos res-ponsveis pelas pginas de cincia e tecnologia, pois h uma tendncia a se pri-vilegiar os grandes nomes da cincia, tornando-os quase sempre os porta-vo-zes de toda a comunida-de. No fragmento abaixo, Mayana Zatz, considerada uma expoente em sua rea a gentica convidada pela reprter a emitir sua opinio sobre o tema Clo-nagem.

    [Entrevista 2 fragmento 4]ComCincia: Qual seu posicio-namento com relao clona-gem humana?Zatz: Sou contra a clonagem humana reprodutiva, mas total-mente a favor do uso de embri-es para uso teraputico... O que as pessoas no esto entenden-do direito o que chamamos de clonagem teraputica. As pes-soas acham que na clonagem teraputica ser formado um embrio, do qual vamos tirar o fgado, o corao... Vrias pes-soas j me disseram que isso o que elas entendem por clona-gem teraputica. Tanto que um

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    dia desses eu vi num jornal um esquema para explicar a clona-gem teraputica com o desenho de um feto de 3 ou 4 meses. Eu disse: pelo amor de Deus! Tira essa imagem da e pe meia d-zia de clulas, pois disto que estamos falando!. Quando as pessoas vem um monte de c-lulas, ningum se impressiona...

    Em fragmentos como esse, fica clara (porm sem limites definidos) a frontei-ra sobre a qual se assenta o gnero entrevista, que ora expe dados ou os ex-plica, caracterizando-se como gnero informativo, e ora expe a opinio pes-soal do entrevistado acer-ca do tema que est sendo tratado, configurando-se como gnero opinativo. No fragmento 4, a geneticista Mayana Zatz apresenta sua posio pessoal no apenas acerca da clonagem huma-na solicitada pela questo que certamente fazia parte do roteiro prvio da repr-ter , mas tambm sobre a qualidade da divulgao cientfica que feita sobre o assunto. E esse fragmen-to tambm contm uma ex-plicao implcita do que clonagem teraputica, a partir de esclarecimentos explcitos do que no deve ser apresentado como clo-nagem teraputica. Ou seja, se a entrevistada diz que o jornal que divulga o assunto deveria tirar da ilustrao explicativa a ima-gem do feto e substitu-la por meia dzia de clulas, isso significa que a clona-gem de rgos para fins te-raputicos feita a partir de clulas, antes da formao do feto (no caso de serem

    clulas embrionrias). A fala final de Zatz nesse mesmo fragmento apresenta um ju-zo de valor da geneticista, que usado como estrat-gia para defender o uso de clulas embrionrias em pesquisas. Ao afirmar que quando as pessoas vem um monte de clulas, nin-gum se impressiona, Zatz est indiretamente dizendo que o temor em relao clonagem talvez se deva em grande parte idia de que as pesquisas envolveriam fetos (ou bebs biologica-mente j formados), o que, na viso da geneticista, impressiona mais do que meia dzia de clulas.

    Juzos de valor como esse tambm podem ser encontrados na entrevista com Adorno, sobre Brasil Negro. O posicionamento pessoal do socilogo, que aparece apenas de forma sugestiva no fragmento , aqui se torna mais incisivo.[Entrevista 1 fragmento 5]ComCincia: O que significa essa distribuio desigual de di-reitos na justia?Adorno: Isso significa que a tal universalidade dos direitos, in-clusive da aplicao da justia, est comprometida na base. Ora, se a cor um poderoso instru-mento de distribuio de sen-tenas, algo est errado... O pro-blema esse: como possvel restabelecer esta igualdade na sano, igualdade na distribui-o de lei e ordem? Eu acho que preciso termos mais operado-res negros no direito, para que os operadores brancos sintam-se mais constrangidos ao aplica-rem suas sentenas e para que o olhar tnico tambm seja con-siderado na justia. Considerado no para beneficiar algum, mas

    para garantir a igualdade e para garantir que a cor no influencie a leitura de algum caso, ou que, de alguma forma, interfira numa deciso judicial.

    O primeiro juzo de valor que aparece no fragmento acima o de que algo est errado na aplicao da jus-tia, uma vez que a cor da pele acaba atuando como um poderoso instrumento de distribuio de senten-as. Ao responder a ques-to que ele prprio prope (como possvel estabe-lecer igualdade na distri-buio de lei e ordem?), Adorno tambm apresenta seu posicionamento pesso-al, sugerindo que os negros passem a ocupar postos en-tre aqueles que ele chama de operadores no direito (que vo desde advoga-dos a defensores pblicos e juzes). E a exemplo do apontado no fragmento 4, tambm observa-se no final da fala do socilogo uma afirmao implcita: se essa sua sugesto visa a garan-tir que a cor no influencie a leitura de algum caso ou interfira numa deciso ju-dicial, indiretamente ele est dizendo que essa influ-ncia ou interferncia pode estar acontecendo na pr-tica e os prprios dados de sua pesquisa sugerem isso, apesar de Adorno fri-sar nessa entrevista apenas a diferena entre brancos e negros no que diz respei-to ao tipo de defesa a que tm acesso (os primeiros, de um modo geral, defesa particular contratada; e os ltimos, majoritariamente, defensoria pblica gra-tuita), como possvel expli-

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    cao para a diferena das sentenas aplicadas a eles. Em determinado trecho da entrevista, o socilogo afir-ma no poder avaliar se a qualidade da defesa de um e de outro que determina a diferena nas sentenas, mas considera significati-vo o fato de que era dife-rente a ligao de brancos e negros com o mundo do direito.

    Antes de abordar es-pecificamente a pesquisa de Adorno, essa entrevista trata em sua parte inicial da excluso de uma gran-de parcela da populao brasileira a direitos consti-tucionalmente garantidos. O fragmento abaixo apre-senta uma explicao de fundamento histrico, do socilogo, para o fato de os negros se destacarem entre esses excludos.

    [Entrevista 1 fragmento 6]ComCincia: A cor um ele-mento fundamental para a com-preenso desse processo de excluso [a direitos garantidos constitucionalmente]?Adorno: As razes da questo da cor esto, sem dvida alguma, ligadas escravido e ao fato de que, aps o fim da escravi-do, no houve uma luta social, uma luta poltica para a reverso desse quadro. No existiram lu-tas sociais no sentido de que os negros ex-escravos e filhos de ex-escravos, de alguma maneira, fossem incorporados ao merca-do de trabalho, que fosse criada uma base para a sua escolariza-o etc. Isso ocorreu no final do sculo XIX e, ao longo de todo o sculo XX, isso permaneceu como um grande desafio para toda a sociedade brasileira.

    Nesse fragmento, a

    pergunta do antroplogo e reprter Alexandre Zarias uma assertiva na forma de questionamento, como se ele j esperasse que a res-posta do socilogo Ador-no fosse uma confirmao dessa assertiva. Trata-se aqui do que Orlandi (2000, p. 9) chama de mecanis-mo de antecipao no fun-cionamento do discurso. De acordo com essa auto-ra, atravs desse mecanis-mo, o sujeito antecipa-se a seu interlocutor quanto ao sentido que suas pala-vras produzem, e ele dir de um modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte. Zarias poderia ter pergun-tado simplesmente como compreender esse proces-so de excluso? ou h al-gum elemento fundamen-tal para compreender esse processo de excluso?, o que talvez pudesse direcio-nar a resposta para a expli-cao da excluso causada pelas desigualdades socio-econmicas da populao em geral. Mas ao se ante-cipar ao entrevistado, em-butindo em sua pergunta uma sugesto de possvel resposta, o reprter j di-reciona a fala do socilogo (e a seqncia da entrevis-ta) para a questo do negro no Brasil.

    A explicao histri-ca de Adorno para que se possa compreender o pro-cesso de excluso dos ne-gros, em particular pode-ria parecer bvia, caso se restringisse ao legado da escravido, mas ainda as-sim no seria to bvia em um pas onde a memria muitas vezes pouco pre-

    servada, conforme aponta-do em trabalho dedicado anlise do gnero da notcia (Cunha, 2005b), onde men-ciona-se uma conspirao do silncio em relao ao preconceito, que pode es-tar associada aqui a uma espcie de conspirao do esquecimento, no que diz respeito ao tema precisar ser lembrado por um espe-cialista, ou seja, pela voz autorizada do discurso, j que no senso comum, supostamente caiu no es-quecimento. Mas Adorno traz um elemento a mais ao que normalmente abor-dado nos livros escolares de histria, que geralmente tratam das lutas dos negros para ganhar a liberdade: aps a abolio da escrava-tura, segundo o socilogo, no houve luta social para que os libertos e seus des-cendentes tivessem aces-so ao trabalho assalariado e aos estudos, dos quais sempre estiveram privados na condio de escravos.

    Aps a pesquisa de Adorno associando cor da pele e sentenas judiciais, outros trabalhos surgiram envolvendo o campo da criminologia e a questo da cor da pele. Em artigo recente, publicado na revis-ta de divulgao cientfica Cincia Hoje, os pesqui-sadores Glucio Soares e Doriam Borges, do Centro de Estudos de Segurana e Cidadania da Universidade Cndido Mendes, no Rio de Janeiro, fazem afirmaes que se associam ao tipo de posicionamento e ju-zos de valor assumidos por Adorno. Segundo Soares e Borges (2004, pp. 27-1),

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    o Brasil acolheu, de longa data, o mito de que somos uma democracia racial e de que a cor da pele no faz di-ferena. Faz. O escravagis-mo brasileiro foi descrito como benevolente: no o foi. A prpria pesquisa que divulgam nesse artigo dia-loga, de certa forma, com o trabalho de Adorno, no que diz respeito ao objeto de estudo, metodologia e aos resultados: eles anali-saram registros de vtimas de homicdio de todo o Bra-sil, organizados pelo Minis-trio da Sade, e compara-ram os percentuais de ne-gros e brancos entre essas vtimas, concluindo que a varivel cor da pele sig-nificativa na composio do perfil de assassinados. As-sociando-a s variveis es-tado civil e idade, esse estudo revela que o maior nmero de pessoas assas-sinadas no pas formado por homens, negros, sol-teiros, com idade entre 20 e 24 anos. Salienta-se que no h discurso que no se relacione com outros, pois todo discurso vis-to como um estado de um processo discursivo mais amplo, contnuo, e um dizer tem [sempre] relao com outros dizeres realiza-dos, imaginados ou poss-veis (Orlandi, 2000, p. 9).

    Essa relao de um dis-curso com outros discursos, apontada na anlise de ou-tros gneros seja na forma de outras vozes que so incorporadas dentro de uma determinada construo de sentidos (como no gnero da reportagem), ou pela men-o a vozes de tendncia oposta (como nos gneros

    do artigo ou da resenha) tambm aparece na en-trevista com Mayana Zatz, a partir de uma pergunta acer-ca da novela da TV Globo que trata da clonagem, feita pela reprter que, como j dissemos acima, apresenta a geneticista, na introduo da entrevista, como consul-tora dessa novela.

    [Entrevista 2 fragmento 7]ComCincia: A novela [O Clone, da TV Globo] expe a imagem de um cientista (Albieri) que est muito interessado em realizar sua experincia de clonagem, mas no se importa muito com as conseqncias. A senhora acredita que esta imagem afeta negativamente a imagem dos cientistas?Zatz: Se afetar negativamente eu acho timo! Alis, acho que existe um pouco desta imagem de cientista trancado em um la-boratrio, pouco se importando com o que acontece sua volta. Mas no isso que eu acho que est acontecendo, porque j me contaram que tem gente que en-contra o ator que interpreta o Dr. Albieri na novela e pede para ele clonar um filho que morreu. E eu acho que esta a pior situao, porque emocionalmente eu pos-so entender uma pessoa que so-fre por um filho que morreu!

    Aqui tambm h um juzo de valor na prpria fala da reprter (ou seja, na afirmao seguida da per-gunta). A exemplo do que fez o reprter Zarias, ante-cipando-se ao entrevista-do com uma sugesto de possvel resposta, como apontado no fragmento 6, a engenheira de pesca Ju-liana Schober faz o mesmo nesse fragmento 7, suge-rindo um determinado juzo

    sobre a imagem do cientis-ta que a novela apresenta para o grande pblico. S que nesse caso, a entre-vistada surpreende com uma resposta inusitada: ao invs de sair em defesa da classe cientfica qual pertence, e cuja imagem estaria supostamente sen-do denegrida pela novela, Zatz diz que seria timo se a imagem do cientista da fico que no se impor-ta com as conseqncias de seus experimentos com clonagem afetasse a ima-gem dos cientistas da vida real, alguns dos quais, se-gundo ela, realmente no se importam com o que acontece sua volta. Aqui, portanto, solicitada a emi-tir um juzo de valor sobre uma questo previamen-te definida pela reprter, a entrevistada apresenta sua posio quanto hiptese levantada na pergunta, mas logo em seguida, descar-ta essa hiptese, dizendo que o pblico, ao invs de condenar a atitude do cien-tista, confunde fico com realidade e deseja ver clo-nado algum ente prximo falecido. Curiosamente, aps reconhecer que h na cincia personagens como Albieri, que realizam suas experincias sem se im-portar com as conseqn-cias e concordar que isso uma imagem negativa , Zatz tambm reconhece (ainda que implicitamente) que o conhecimento cien-tfico acerca da clonagem ir continuar avanando, nem que seja na ilegalida-de, conforme se pode ver no fragmento abaixo.

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    [Entrevista 2 fragmento 8]ComCincia: A senhora conside-ra o anncio da ACT [Advanced Cell Technologies, sobre o pri-meiro embrio humano clonado] irresponsvel?Zatz: Acho que ele gerou uma reao contrria enorme. Mas uma iluso achar que vamos parar esse processo [da clona-gem]. Ele no vai parar. melhor aprov-lo e fazer as pesquisas de forma controlada, do que proi-bir e as pesquisas continuarem por baixo do pano. Outra coisa que existem muitos exemplos de avanos cientficos que so usados para o bem e para o mal. A energia atmica uma delas. E da a questo: ser que vale a pena correr o risco de termos uma tecnologia que pode ser de-senvolvida para a clonagem tera-putica, mas pode ser usada tam-bm para a clonagem humana? Eu acho que vale a pena a gente correr este risco porque diferen-temente da energia atmica, que pode causar um desastre geral, a clonagem reprodutiva nunca vai acontecer em larga escala.

    Nessa fala da geneticis-ta guardadas as propor-es em relao imagem de Albieri, na fico tam-bm h de certa forma o privilgio da pesquisa em si e a minimizao das pos-sveis conseqncias nega-tivas que ela poderia trazer no futuro.

    Trata-se de uma estra-tgia argumentativa onde o prognstico feito por Maya-na Zatz nada mais do que um juzo de valor pesso-al, no podendo ser com-provado e nem negado.O argumento que ela usa para justificar que a clona-gem reprodutiva nunca vai

    acontecer em larga escala o de que o procedimento caro. Mas alguns dos que combatem o uso de embri-es em pesquisas, que ao contrrio de Zatz, no mini-mizam os possveis riscos, temem que a tcnica possa ser usada um dia em bene-fcio de um governo tota-litrio, que segundo eles, no pouparia recursos para investir na criao de um exrcito de clones.

    Antes mesmo da cin-cia anunciar a clonagem de animais de grande porte o marco mais conhecido o nascimento da ovelha Dolly, em 1997 , a fico j apontava receios ante os avanos tecnolgicos: no romance Admirvel mundo novo, de 191, o escritor ingls Aldous Huxley apre-senta uma sociedade tota-litria do futuro em que as crianas seriam concebidas e gestadas em laboratrio, na forma de clones dividi-dos em castas.

    Consideraes finais

    A anlise feita neste ar-tigo talvez possa ter contri-budo para que tanto pes-quisadores da rea de co-municao quanto analis-tas do discurso vejam que o gnero entrevista pode propiciar estudos muito profcuos em seus campos de investigao.

    A classificao entre os gneros jornalsticos infor-mativos, feita por Marques de Melo (198), pode ser, de certa forma, comple-mentada, j que apesar de

    a entrevista ser sem dvida a tcnica bsica do jorna-lismo para obteno de in-formaes (cf. Lage, 1982 e Erbolato, 1985), tambm o recurso utilizado pelos veculos para que uma fon-te ligada a um determinado assunto opine sobre ele ou sobre as informaes a ele relacionadas.

    Observou-se tambm na anlise que o gnero entrevista, a exemplo do gnero artigo, coloca um personagem da sociedade em evidncia para discorrer sobre um assunto de sua especialidade, mas o faz a partir das perguntas feitas pelo reprter/entrevistador, a maioria das quais pre-viamente definida em um roteiro preparado antes da entrevista.

    Nesse sentido, o re-prter, conhecedor prvio da atuao do entrevista-do e de determinadas po-sies suas, pode anteci-par-se a ele embutindo em sua pergunta uma suges-to de resposta o que no mnimo direciona a fala do entrevistado para um de-terminado ponto desejado pelo entrevistador.

    Por fim, a exemplo do que foi apontado em tra-balho anterior (Cunha, 2005a), pode-se perceber juzos de valor tanto na fala dos entrevistados de quem se espera a emisso de opinio, assim como se espera de um articulista quanto na fala dos en-trevistadores, o que mais uma vez refora o carter subjetivo do discurso.

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    Referncias Bibliogrficas

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    CUNHA, R. B. O artigo de divulgao cientfica: com a palavra a autoridade. Em Anais do 2o Encontro Luso-Brasileiro de Estudos do Jornalismo. Porto, Portugal: Universidade Fernando Pessoa, 2005a.

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    ZAMBONI, L. M. S. Heterogeneidade e subjetividade no discurso da divulgao cientfica. Campinas, IEL/Unicamp, 1997 (tese de doutorado).

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    DISCURSO LITERRIO X DISCURSO PUBLICITRIO: OPOSIO ENTRE A ESTTICA E O UTILITRIO

    This paper it does not intend to demand for the advertising the free and savege space of the art, but to impute a creative perspective to it, without the dissolution of the polarization and the antagonism with the literary speech. The understanding of the inter-relations be-tween the two modalities of expression allows an analysis of its proper characteristics and the persistence in assuring an emancipation cultural when transmitting your direction of the world. The analysis was made with the objective to verify if, in the speech advertising, the conservatives aspects and fixtures are predominant or if they imaginary and poetical present constructions capable to breach the established one for the aesthetic one of the time. The selection of the corpus was made, also, through qualitative criteria, therefore the analysis did not aim at only to the frequency, but also, to the evaluation of each speech for its eastilistic aspects.

    RESUMO

    ABSTRACT

    A distino entre o dis-curso literrio e o discurso pu-blicitrio pode ser analisada a partir do carter lingstico do referente, empregado em dois sentidos distintos: no primeiro faz referncia situao em que pronunciado, tanto em uma experincia real quanto

    em uma contextual, quando o discurso confrontado com a realidade nele representada. No outro, o sentido parte do objeto concreto designado por uma palavra ou expresso. O referente, ento, no pode ser o prprio objeto, porque este nunca mais que uma idia.

    Entretanto, uma palavra pode designar um objeto real, um conceito abstrato ou um ser imaginrio.

    O objeto criado pela lin-guagem formado tanto pela experincia que o sujeito teve com ele, como tambm pelas informaes que leu ou ouviu

    Maria Helena Steffens de CastroProfessora doutora em Letras, vinculada ao Pro-grama de Ps-Gradua-o em Comunicao/FAMECOS/PUCRS.

    Este estudo no pretende reivindicar para a publicidade o espao livre e indomvel da arte, mas imputar-lhe uma perspectiva cria-tiva, sem a dissoluo da polarizao e do antagonismo com o discurso literrio. A compreenso das inter-relaes entre as duas modalidades de expresso permite uma anlise de caractersticas prprias e o seu empenho em assegurar uma emancipatria cul-tural ao transmitir seu sentido do mundo. A anlise foi feita com o objetivo de verificar se, no discurso publicitrio, os aspectos con-servadores e fixos so predominantes ou se apresentam cons-trues imaginrias e poticas capazes de romper o estabelecido pela esttica da poca. A seleo do corpus foi feita, tambm, atravs de critrios qualitativos, pois a anlise no visou apenas freqncia, mas tambm, avaliao de cada discurso pelos seus aspectos estilsticos.

    Palavras-chave: literatura, publicidade, esttica, discurso.

    Keywords: literatura, adversiting, esthetic, speech.

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    a seu respeito. Tal experincia, portanto, exclusivamente lin-gstica e cultural, uma vez que o objeto apreendido atravs do conjunto de experincias assimiladas em relao a ele, numa seqncia de idias, re-lembradas, recriadas e reativa-das pelo sujeito.

    A partir de cada tipo de ex-perincia, Lefebve (1975) anali-sa o discurso cotidiano, o dis-curso da poesia e o discurso da narrativa. No discurso cotidia-no, tanto o enunciador como o destinatrio, voltam-se para a realidade, detendo-se nas caractersticas prticas de um objeto. No discurso publicit-rio, por exemplo, o anunciante e o consumidor olham um ob-jeto como mercadoria a ser ad-quirida, pois j assimilaram as noes prticas passadas pela publicidade atravs de outras experincias. No discurso lite-rrio da poesia, ao contrrio, o referente uma idia, presa ao significado do objeto, como uma imagem reconstituda, que evoca sua presena fsica. A obra literria, para o autor, abre-se sobre a totalidade da experincia que transmitiu ao sujeito, colocando em desta-que sua essncia.

    Dessa forma, pode-se afir-mar que o leitor procura na poesia o mundo real e encon-tra nela outra realidade, a da poesia. Esta, portanto, inspira-se no mundo, mas o dissimula revelando-o, apenas, na super-fcie das palavras. Mas nas profundezas do discurso po-tico que o leitor vai viver a ex-perincia vicria, vivendo uma existncia plena, uma vez que o discurso cotidiano apresenta apenas fragmentos da totalida-de do mundo.

    Para Moiss (1977), o dis-curso potico usa uma lingua-

    gem ambgua, porque encobre e desvela o mundo, fazendo da poesia uma descoberta e um distanciamento. A descober-ta exibe a transparncia, por meio da qual a realidade se d a conhecer. J o distanciamen-to revela a opacidade, o no dito, o mundo que existe den-tro de cada leitor, transfigurado no poema.

    O desvio que o discurso potico apresenta em relao ao cotidiano se justifica pelo questionamento sobre o mun-do. Uma de suas leis e con-dies de valor consiste em se deixar definir pela norma; , ao mesmo tempo, buscar uma constante superao des-sa norma, despertando o ima-ginrio do leitor. No momento em que se instala o imaginrio, revela-se a poesia e se estabe-lece, entre o leitor e o poema, um contrato de cumplicidade, pois ambos partilham da idea-lidade de um destino.

    J o referente na mensa-gem publicitria, relaciona-se com tudo o que narrado, denominado de fico, por-que sua matria estruturada de modo a revelar uma reali-dade esttica. No mundo fic-cional o literrio e o potico se manifestam, criando um mundo concebido como real, mas situado em um espao e em um tempo acessveis ao leitor apenas atravs do dis-curso, como imagem capaz de presentificao.

    A cena em que se passa a ao reenvia os fatos para o mundo real, sem levantar ques-tionamentos sobre sua reali-dade. Dessa forma, o mundo da narrativa semelhante ao mundo real, mas permanece fora do alcance do leitor, uma vez que o fluxo dos aconteci-mentos uma representao

    da vida e o leitor no pode in-tervir neles, apenas fru-los.

    Ao definir o discurso coti-diano, Cohen (1974) conside-ra-o reduplicador do cdigo, pois remete a valores institu-cionalizados pela lngua e a idias redundantes que no rompem com o j estabele-cido pela sociedade. Adota uma linguagem comum, com base na tradio, mas que se v continuamente enriquecida por elementos trazidos de v-rios grupos sociais da comu-nidade, desde as grias, que so passadas pelos meios de comunicao, aos mais recen-tes neologismos, arcasmos e at os termos estrangeiros que, por necessidade expre-ssiva em relao moda, inteno esttica, tecnolo-gia, por exemplo, acabam se incorporando ao idioma.

    Este estudo no pretende reivindicar para a publicidade o espao livre e indomvel da arte, mas imputar-lhe uma perspectiva criativa, sem a dis-soluo da polarizao e do antagonismo com o discurso literrio.

    Discurso da arte e dapublicidade

    Incompatvel com a pro-duo em srie, o discurso literrio caracteriza-se pelos traos particulares que identi-ficam seu autor. J o discurso publicitrio depende de uma produo coletiva em que as impresses digitais de um ni-co autor so abolidas pelo es-foro de profissionais criativos em realizar uma produo em srie.

    Assim, se a literatura se ca-racteriza pelo individual, a pu-blicidade apela para o coletivo, onde a emoo e os prazeres

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    bilitando a recuperao de ex-perincias na rea de outras estticas, presentes em qual-quer tempo e em qualquer espao da histria, j que se pode esvazi-las de seu car-ter original para coloc-las a servio da publicidade.

    Uma das funes do dis-curso literrio expressar sen-timentos e juzos que revelam desejos e intenes do autor, explorando a lngua de forma criativa. Tambm o discurso publicitrio tem essa funo, apesar de sua produo limi-tar-se s exigncias do tema, do gnero, da lngua e, princi-palmente, da finalidade a que se prope, restringindo sua possibilidade de interpretao para aproximar do leitor o con-tedo. O texto passa a ser con-duzido a um nico sentido e assume um carter simtrico, j que se refere palavra ditada pelas instituies da sociedade, e o leitor pouco acrescenta ao que dito, devido linearida-de da significao. O discurso publicitrio se apresenta com alto grau de redundncia lin-gstica, para facilitar a leitura e interpretao da mensagem, integrando-se ao cotidiano do leitor, que realimenta o sistema com a linguagem do seu dia-a-dia. A imaginao desliza pela superfcie e fica apenas aquilo que mais se assemelhe a um signo: a forma simples, repeti-tiva, ligeiramente atraente, mas fugaz e instantnea.

    Morin (1967) afirma que a funo do artista ou do escritor situa-se no seio de uma ope-rao conflituosa e competiti-va porque convive com uma indstria cultural que busca o lucro, pois tenta persuadir e convencer o sujeito a realizar um ato consumista. Esse sis-tema, cujo ideal a repetio

    so vivenciados cada vez mais em conjunto numa comunho com o mundo. Como afirma Maffesoli (1995), o que prevale-ce no discurso publicitrio no mais a produo com suas conseqncias para a socieda-de, mas um desejo de bem vi-ver, sem questionamentos, em que so enfatizados os jogos da aparncia e os aspectos mate-riais da existncia pelo manejo das imagens e pelo consumo desenfreado de objetos. Tudo isso determina que a represen-tao do cotidiano pela publici-dade pode, em certas pocas, configurar o conjunto da socie-dade, como condio possvel de um estar-junto equilibrado. Nessa perspectiva, a criao de peas publicitrias reflete a vida imediata e banal que re-tratam, na qual importa menos o contedo, o fazer, o fundo, do que o savoir-faire, a aparncia, a forma, cuja importncia se conhece nas interaes da vida de todos os dias (MAFFESO-LI, 1995, p. 72). Tais situaes so determinadas pelas esti-lizaes das formas de vida que aparecem nos diferentes discursos, os quais retratam os rituais de sociabilidade e os cdigos de comportamento, expondo teorias, idias aca-dmicas, anlises jornalsticas ou, simplesmente, relaes institucionais, nas quais o mais importante saber bem apresentar o que dito.

    A base de sustentao desse processo localiza-se na repetio de um modelo, que se renova pela variao e no pela ruptura e na forte presena de gneros como comdias, novelas, depoi-mentos e outros, enquanto dimenses ficcionais priorit-rias. Estabelecem com o leitor uma relao prazerosa, possi-

    com o fim da estandardizao absoluta, necessita, no entanto, de novos e originais elementos que garantam o funcionamen-to da indstria da cultura, que no pode dispensar a criao. Em alguns casos, os fatores de produo so preponderantes, como nos anncios de publici-dade que apresentam aspec-tos inovadores apesar de visa-rem ao consumo, distinguindo elementos criadores, que na viso desse autor, revelam ta-lentos, mas no gnios.

    Entre as razes do uso da linguagem coloquial na publicidade, Leiss, Kleine e Jhally (1987) apontam o fato que uma boa imagem verbal requer um grau razovel de habilidade do idioma e um nvel alto de ateno do lei-tor ou do ouvinte, s sutilezas da comunicao publicitria.1 Diz o autor, tambm, entre as razes para isso, que uma bem-sucedida imagem verbal necessita de um nvel razovel de habilidade de linguagem no leitor ou no ouvinte e um alto nvel de ateno s suti-lezas da mensagem. Mas, o objetivo informativo aparece pela necessidade de descre-ver um produto novo, bem como seus benefcios, carac-tersticas, desempenho ou construo, o que lhe confere credibilidade junto ao pblico.

    Como a cultura inspira a produo e identificao das organizaes textuais liter-rias e no literrias o leitor capaz de estabelecer critrios para nortear a compreenso de obras ficcionais, que no se encontrem explicitados no tex-to, pois so pressupostos no crculo hermenutico, mesmo quando inseridos a partir das evidncias que aparecem nas estruturas textuais. Para Eco

    1 - Among the reasons for this is that sucessful verbal imagery requires a reasonable degree of language skill in the reador or listener and a high level of attentiveness to subtleties in the message.

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    da crtica. Portanto, ao oferecer de modo sedutor um produto que supostamente ir satisfa-zer um desejo, a publicidade instala a correspondncia en-tre a realidade e o desejo, ins-taurando uma nova realidade em que o importante o efeito de verdade que foi criado.

    Nos primeiros anos de atividade, a publicidade, no entanto, mostrou-se predomi-nantemente informativa, para orientar sobre seus cdigos e processos, sedimentando, no leitor, um tipo de conhecimen-to que lhe foi dando condies de distinguir um anncio de outro tipo de texto veiculado numa revista ou jornal. O dis-curso publicitrio que empre-ga preferentemente as moda-lidades coloquiais do discurso pode assumir compromis-so com a novidade e com a atualidade, evidenciando seu fim utilitrio, pois se alimenta do universo cultural de seus consumidores, fala vrias lin-guagens, usa vrios lxicos, adequando-os sua funo persuasiva e utilitria. A cria-tividade, na propaganda, no visa transcendncia, como na arte, mas a solues que revelem a realidade, tornan-do-a mais desejada e valoriza-da pelo conhecimento do que pela surpresa da descoberta.

    O grande milagre da pu-blicidade saber jogar com o prosaico e com o potico, apresentando com arte um ob-jeto, de modo que seja nico, original, por meio de palavras e de imagens que buscam a harmonia, o ritmo, a clareza e a preciso. Jakobson (1971) j dizia que o estudo da potica no deve se restringir lite-ratura, mas abranger outros discursos em que os traos poticos possam ser encon-

    trados, como na publicidade, pois o homem antes de ser um consumidor de produtos um consumidor de palavras. Por isso, o discurso publicitrio, no obstante seja considera-do pelos literatos um discurso no literrio, usa as palavras e as frases como quem faz um poema, pois a poesia tem em comum com a propaganda o fato de ser uma glorificao da sntese e um voltar-se sobre si, como afirma Valry (1987).

    Aldous Huxley,2 j em 1941, definia a publicidade como linguagem de literatura aplicada e comparava a publi-cidade com uma forma literria aplicada e rebelde, pois o poe-ta escreve sonetos para si mes-mo, mas a publicidade deve pensar num pblico amplo e variado. O estilo da mensagem e as idias veiculadas devem ser, portanto, suficientemente claros, simples e sem vulgari-dade. J, para Ferrer (1994, p. 45), a publicidade adota uma linguagem que tiene no solo analojias, sino herancias del lin-guaje potico, sea en el uso de metfora como enriquecimien-to de la palabra seductora, sea porque los publicistas, al estilo de los poetas, buscan com los distinctos efectos semejantes bajo almarco del asombro y de la surpresa.

    Por outro lado, a densida-de publicitria implementa a orientao do consumidor, na proposio de interesses que podem ser satisfeitos, ou de necessidades que podem ser criadas, definindo-se como funo da mais alta relevncia e responsabilidade no meca-nismo social, na opinio de Lefebve (1975), porque so-mente a publicidade informa acerca do que emergiu do centro da vida cotidiana.

    (1994, p. 12), levar a srio os personagens de fico pode produzir um tipo incomum de intertextualidade, pois uma personagem de determinada obra pode aparecer em outra e assim, atuar como um sinal de veracidade, recurso muito empregado em campanhas publicitrias. Segundo o autor, quando os personagens mi-gram de um texto para outro, j adquiriram cidadania no mundo real e se libertaram da histria que as criou. Isso acon-tece tambm, na publicidade, pois quando um personagem identificado com o produto, mesmo em histrias diferentes, adquire vida, atuando como um sinal de veracidade sobre o que afirmado no ann-cio. Assim, para ler uma obra ficcional preciso ter noes sobre os critrios econmicos pressupostos que a norteiam, uma vez que apostamos que seremos fiis s sugestes de uma voz que no diz explicita-mente o que est sugerindo. (ECO, 1994, p. 118) Finalizando, a compreenso de um texto, para Adam (1990), constitui uma estratgia de resoluo de problemas, isto , no curso da leitura; o interpretante conjectu-ra sobre sua organizao, com base em lembranas de estra-tgias que se revelaram teis em experincias anteriores.

    O discurso publicitrio hoje transcende a questo do real e da verdade e a busca da seduo do consumidor acon-tece de forma mais pronuncia-da do que a tentativa de per-suaso. Isto se explica pelo fato de que a seduo, ligada a pla-nos mais afetivos e sensoriais, ou seja, a modos mais primiti-vos de funcionamento psqui-co, tem como conseqncia um relaxamento da realidade e 2 - A difcil arte de redigir anncios. Revista do Globo . Porto Alegre. No 301, 9/8/1941, p. 6.

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    criao, para Dufrenne (1969), acontece porque o artista quer expressar um ser que se rea-liza na percepo esttica do leitor e s tem existncia quan-do apreendida e consagrada por essa percepo. Ambos dividem o discurso literrio em cotidiano e culto. Tais caracte-rsticas apresentaram-se igual-mente no discurso publicitrio, mas com forte dominncia do cotidiano.

    Os anncios foram ainda analisados a partir de Dufren-ne que trabalha o sentido dos signos atravs das noes de informao, significao e ex-presso por aproximar-se da teoria de Charaudeau; de Co-hen (1974), que trabalha a lin-guagem potica como um fato de estilo, considerando-a um desvio individual, um modo particular de se expressar que vai caracterizar a obra de um autor; e de Umberto Eco (1994), para quem tal aspecto determina as estratgias que definem e diferenciam a obra de um autor, possibilitando que seja elevada categoria de objeto artstico.

    No campo literrio, as contraposies dos autores se localizam, principalmente, no limite entre a produo de uma discursividade erudita e a elaborao de enunciados construdos com finalidades comerciais, inerentes a uma linguagem utilitria. As bases de sustentao das formas no-literrias esto na redun-dncia de palavras, expres-ses, apelos e em modelos que se renovam pela variao e no pela ruptura, como bem definem Lefebve e Dufrenne. A anlise foi feita com o objeti-vo de verificar se, no discurso publicitrio, os aspectos con-servadores e fixos so predo-

    minantes ou se apresentam construes imaginrias e poticas capazes de romper com o estabelecido pela est-tica da poca, j que o imagi-nrio da obra de arte, de certa forma, no anula o real, mas o transforma (PAVIANI, 1996).

    Dufrenne tambm distin-gue os sentidos dos signos atravs de trs tipos de anli-se, que ele denomina de infor-mao, significao e expres-so. A informao se refere forma e convida a considerar a linguagem como natureza, como sistema fsico e como objeto percebido, que para Barthes (1984) so as pala-vras e frases que compem o anncio. A significao tem a ver com o conceito, com o significado que essas palavras tm na totalidade do discurso publicitrio, numa anlise sub-jetiva da obra. J a expresso dever mostrar como o senti-do imanente ao signo e ex-trapola a associao objetiva e subjetiva do discurso, pois despertam no leitor registros sensoriais, imagens que repre-sentam a fisionomia sensvel do designado.

    Perfume Epreuve3

    O anncio do perfume Epreuve, da Coty, estabelece analogia entre uma situao que remete ao mundo real e outra, que evoca a obra de Shakespeare: Romeu e Ju-lieta. Inicia com informaes histricas sobre a tragdia, revelando o universo ficcional da literatura, atravs do nome do autor, cidade onde se loca-lizou o acontecimento, nome das principais personagens e ilustrao. O sentido histrico dado obra literria evoca, na fico, elementos da realidade,

    Para o autor, o discurso li-terrio difere do discurso quo-tidiano, mas difcil delimitar tais diferenas, j que este emprega, por vezes, cons-trues e tcnicas semelhan-tes literatura, admitindo o emprego de figuras de estilo na linguagem publicitria, po-ltica, desportiva e outras.

    O publicitrio percebe que a leitura de um anncio, tal como no romance, serve para reproduzir relaes sociais da vida cotidiana. Ao pretender comunicar-se com seu pblico termina por falar a linguagem da comunidade, baseada no sentido comum e formada pela necessidade prtica da vida. As expresses lingsticas usa-das, ento, pela publicidade retratam significados variveis do potencial social e cultural do pas. Desta forma, no seu assentamento nos domnios da comunicao, a linguagem publicitria recorre, diariamen-te, a estratgias que vo da generalizao singularizao. No estranho, pois, que, margem das particularidades em seu uso social, quando re-flete em seu texto uma comu-nidade especfica, a linguagem publicitria adquira um dom-nio universal. No realismo das palavras se encontra o reflexo de um tempo, da expresso de uma poca e do viver de uma comunidade.

    Anlise estilstica

    A discusso sobre o discur-so literrio e no literrio ser feita com base na teoria de Le-febvre (1975), que estabelece duas concepes de literatura: literatura como expresso pes-soal de um dado experiencia-do ou literatura como criao impessoal de um objeto. Essa 3 - Revista do Globo. Porto Alegre. No 353, 18/12/1943, p. 29.

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    podendo ser transposta para outros momentos histricos pela universalidade do tema.

    Os poetas e os pintores inspi-ram-se na sua obra. E como disse Bem Jonson, Romeu e Julieta era uma pea no do seu, mas de todos os tem-pos... (l.3).

    Como afirma Lefebve (1975), a finalidade da criao pode estar na necessidade de expressar-se ou de comuni-car, mas pode estar, tambm, na simples vontade de revelar verdades e crenas sobre o mundo, como verdades que permanecem atravs dos tempos. O amor de Romeu e Julieta rompeu valores fa-miliares tradicionais e criou um modelo de mundo co-piado por muitos artistas. O imaginrio da obra permite a transformao da histria de Shakespeare em outras trag-dias, onde romeus e julietas tambm se amam, sofrem e morrem de amor, em contex-tos culturais diversos, mas ins-pirando as mesmas emoes, os mesmos sentimentos.

    O sentido da universalida-de da obra literria compa-rado, no anncio, com a du-rabilidade da essncia do per-fume da Coty, estabelecendo um desvio da norma no tex-to. O processo estilstico que elabora esse contraste sobre-pe dois universos distintos o ficcional e o publicitrio aproximando Romeu e Julieta do poder de encantamento da essncia sutil do perfume da Coty. Neste, o aroma do per-fume torna-se objeto mgico evocando os momentos vivi-dos com a mulher amada.

    Perfumes Coty. E eles ficam realmente, confundidos com os melhores momentos... sm-

    bolos das horas de amor que no se esquecem (l.9).

    Apesar das referncias tragdia famosa, o processo estilstico organizado de tal modo que o leitor capaz de reconhecer a inteno da pea publicitria, atravs de efeitos do real, como a ilustrao, a marca Coty em destaque, em-balagem do perfume, nome do produto, ttulo, informaes sobre outros perfumes da Coty e o prprio espao delimitado do anncio.

    O enunciado evidencia um desvio da norma textual literria em relao obra de Shakespeare. A mensagem faz referncia a um texto, pa-trimnio cultural da humani-dade, reconhecido pelo leitor que valoriza as grandes obras da literatura e est disposto a imaginar. Apesar da referncia tragdia famosa, o processo estilstico organizado de tal modo que o leitor capaz de reconhecer a inteno da pea publicitria, atravs de efeitos do real, como a ilustrao, a marca Coty em destaque, em-balagem do perfume, nome do produto, ttulo, informaes sobre outros perfumes da Coty e o prprio espao delimitado do anncio.

    E eles ficam, realmente con-fundidos com os melhores momentos... smbolos das horas de amor que no se es-quecem (l.10).

    Como a publicidade se nutre do universo cultural de seus leitores, ao citar a obra do autor ingls, estabelece uma dimenso parodsti-ca, com base na atualidade e em aspectos afetivos, um romance de amor, implcitos na expresso me-lhores mo-

    mentos. Tambm no que se refere atualidade, o ann-cio apropria-se do tema lite-rrio para transform-lo em um fato particular, bem do nosso tempo (l.14), atingin-do o maior nmero possvel de consumidores. O poeta anunciante cria o texto, no para despertar a imaginao do leitor, mas para motivar a identificao/projeo com as personagens da tragdia e, ao adquirir o perfume, poder viver as mesmas emoes e os mesmos sentimentos, dentro de uma atmosfera de sonho... (l.20).

    Outra comparao feita no anncio entre o sonho de poeta, relacionada obra Ro-meu e Julieta e a expresso memria dos homens, re-ferente ao perfume Epreuve, estabelecendo uma analogia entre a obra literria, fruto da imaginao, de um voltar-se para si mesmo do poeta e o objeto de consumo, para des-pertar a sensao de falta e o desejo de satisfao material, com a sua posse.

    A imaginao que a pu-blicidade estimula no texto orientada para uma mudana de comportamento exterior, bastante limitada pelas con-dies sociais, culturais e mes-mo financeiras do leitor:

    Epreuve o seu perfume, a essncia forte e amiga, des-tinada a emoldurar sua per-sonalidade dentro de uma at-mosfera de sonho... (l.17).

    As expresses emoldu-rar e atmosfera de sonho, como unidades analisadas separadamente em relao personalidade, apresentam uma contradio, uma vez que moldura limita o espao vi-sual de uma obra de arte, en-

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    quanto sonho amplia a ima-ginao do indivduo. Entretan-to, como constituintes de uma estrutura nica, do unidade personalidade, que formada por aspectos subjetivos e ob-jetivos, trabalhados com pre-ciso pela publicidade.

    O contexto publicitrio re-conhecido at o final do ann-cio, remete para o universo dos anos 1940, quando Franois Coty estendera mdia e pe-quena burguesia o acesso aos seus perfumes famosos. Para tanto, foi preciso diversificar os produtos, imaginar novas tcnicas de fabricao, apre-sentao, divulgao e distri-buio. O perfumista francs foi o primeiro a apresentar uma relao entre o frasco e a seduo, pois dizia que um perfume deve atrair o olhar e o olfato, pois ele tanto olha-do como sentido. Pensando assim, convenceu o joalheiro Lalique a criar os frascos dos perfumes, feitos no incio em cristais Baccarat e mais tarde, em vidro trabalhado. Pela pri-meira vez foram fabricadas, quase industrialmente, peas em srie, cujo acabamento ar-tesanal assegurava ao frasco a personalidade e a preciosidade de uma obra de arte (FAUX, 2000, p.0).

    O macrocontexto forma-do de elementos implcitos, re-lacionados aos valores agrega-dos ao produto, com referncia tragdia de Romeu e Julieta, e de elementos explcitos, con-figurados pela ilustrao, que reproduz a cena do encontro entre os amantes, no balco da casa de Julieta e a palavra per-fume escrita metaforicamente, sugerindo a criatividade e a perfeio do trabalho artesanal dos perfumes da Coty.

    O anncio apresenta, tam-

    bm, desvio quanto norma discursiva, na substituio do texto expositivo pelo argumen-tativo, a partir do enunciado:

    H algo, tambm destinado a durar: a essncia sutil dos Per-fumes Coty (l.7).

    O microcontexto estilsti-co formado pela aluso ao universo ficcional da literatura, representando uma cena da conhecida tragdia de Shakes-peare - Romeu e Julieta - quali-ficada no anncio como:

    E como disse Bem Jonson, Romeu e Julieta era uma pea no do seu, mas de to-dos os tempos... (l.5).

    A referncia legitimao da obra como objeto culto e reconhecida como tal em di-ferentes culturas, pelo seu ca-rter universal, substituda pela durabilidade, atribuda essncia do perfume Coty, estabelecendo o contraste en-tre o objeto artstico e a mer-cadoria, uma vez que nesse, o valor de uso prevalece sobre o valor esttico. A obra liter-ria no usada no sentido de apreciao esttica, mas com o propsito de seduzir o leitor, ao desviar sua ateno para as implicaes prticas e utilit-rias da pea publicitria.

    A eternidade do amor, en-tre Romeu e Julieta, citada no anncio para que a even-tual consumidora do perfume Epreuve identifique-se com as personagens, ao sentir sua es-sncia sutil e viva um grande romance de amor:

    E eles ficam, realmente con-fundidos com os melhores momentos... smbolos das horas de amor que no se es-quecem (l.10).

    O contexto publicitrio apresenta uma ruptura da nor-ma textual estabelecida no ma-crocontexto, pela emisso de argumentos que estimulam a mudana de comportamento em relao ao produto.

    Epreuve o seu perfume, a essncia forte e amiga, desti-nada a emoldurar a sua per-sonalidade dentro de uma at-mosfera de sonho... (l.17).

    A analogia entre arte e produto de massa feita, tam-bm, atravs das qualificaes usadas em relao essncia Coty forte amiga. Esta uma caracterstica perceptvel pelo olfato; j aquela, refere-se a traos agregados ao produto que exigem o exerccio da sen-sibilidade e da emoo, prprio de uma experincia esttica.

    A tragdia de Shakespea-re apresentada no anncio, com traos alegres e seduto-res, simboliza a idealizao do amor, adaptada aos hbitos culturais dos anos 1940.

    A comparao feita entre a durabilidade da obra do autor ingls e a essncia do perfume Epreuve, deixa perceber clara-mente a presena da operao significante de supresso da obra literria, usada com fins utilitrios, relacionada a aspec-tos concretos e objetivos de um produto de massa.

    A comparao, portanto, entre um texto simblico e um texto pragmtico evidencia di-recionamento para uma nica recepo o conhecimento e a aprovao do novo perfume da Coty.

    A durabilidade do perfu-me no apresentada com as-pectos informativos, mas atra-vs da insinuao do aspecto universal de obra literria. Nem o drama de Shakespeare, nem

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    Referncias Bibliogrficas

    ADAM, Jean Michel. Elments de linguistique textuelle. Lige: Mardaga, 1990.

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    ECO, Umberto. Apocalpticos e integrados. So Paulo: Perspectiva, 1994.

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    JAKOBSON, Roman. Lingstica e comunicao. So Paulo: Cultrix, 1977.

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    MORIN, Edgar. Cultura e comunicao de massa no sculo XX. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

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    VELRY, Paul. Escritos sobre Leonardo da Vinci. Madrid: Visor: 1987.

    ZILBERMAN, Regina. Esttica da recepo e histria da literatura. So Paulo: tica, 1989.

    o perfume da Coty so usados no anncio com suas especi-ficidades prprias, mas como imagens de seduo propos-tas pela publicidade.

    Aspectos conclusivos

    Na anlise estilstica evi-denciou-se a intercorrncia, na sobreposio dos universos fic-cional e real e a criao de um pacto contraditrio entre o dis-curso literrio e o publicitrio.

    Este emprega estratgias de substituio da modalidade literria pelo coloquial, atravs do desvio (contraste) de for-mas escritas com intenes literrias, para outras que apre-sentam marcas caractersticas de peas publicitrias, como as

    injunes iniciativas que orien-tam o uso do produto.

    A ruptura chama a ateno do leitor sobre o texto e desa-fia sua capacidade interpretati-va, cirando um espao para o impensvel pelo desvio em re-lao ao cdigo de lngua.

    O discurso publicitrio cuja finalidade a persuaso, vale-se, assim, da esttica em plano diferente do artstico, j que em-prega elementos literrios para divulgar o produto, enquanto o discurso literrio tende a divul-gar a si mesmo.

    O interesse esttico con-centrado na obra literria no apresenta nenhum desejo de usar, possuir ou manipular seus elementos com fins utilitrios. pela existncia de suas formas

    e pela possibilidade de objetivi-dade que o cotidiano se trans-forma no universal. Mostra-se independente das contingn-cias circunstanciais e de sua autoria, pois delas se divorcia para viver por si mesmo.

    Como o seu significado separado do referente prtico, o discurso literrio abre-se para a totalidade da experincia hu-mana, destacando sua essn-cia e compartilhando com o leitor a identidade de um des-tino. J o referente no discurso publicitrio relaciona-se com o conjunto da mensagem, e sua estrutura revela uma realida-de prtica em que o fluxo dos acontecimentos represen-tao da vida.

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    1- Este artigo parte resultante da pesquisa As mudanas editoriais e grficas promovidas pelo jornal dirio impresso de referncia na sociedade da informao no Brasil (1995 a 2005): anlise dos jornais O Estado de S.Paulo e A Tribuna, financiada pela Diretoria de Pesquisa e Extenso da Universidade AnhembiMorumbi e vinculada ao Grupo de Pesquisa Jornalismo e Indstria do Entretenimento, do CNPq.

    O REVISOR DE TEXTO NO JORNAL IMPRESSO DIRIO E SEU PAPEL NA SOCIEDADE DA INFORMAO

    This article intends to characterize, under information society paradigm, the absence of copy-holders and copydesks in the daily press and consequences of this process nowadays. It was delimited the functions of these journalists and the influence of information society in journal-ism at all. For this, it was made a bibliographic study and interviews with researchers and pro-fessionals in the journalism area to show different points of view about the theme. Although intervieweds believe that copyholders dont have conditions to work, this research points that these professionals nowadays could be important for newspapers organizations.

    RESUMO

    ABSTRACT

    Introduo

    O Decreto no 8.284/79, que regulamenta a profisso de jornalista, define o revisor como aquele que tem o encargo de rever as provas tipogrficas de matria jornalstica (artigo 11, inciso II). O mesmo decreto es-tabelece que o jornalismo com-preende, entre outras ativida-des, a reviso de originais de

    matria jornalstica, com vistas correo redacional e ade-quao da linguagem (artigo 2o, inciso VIII).

    Embora previsto em lei, o que se v a extino desse cargo, conseqncia da mo-dernizao das redaes e da funo comercial que vm to-mando as empresas jornalsti-cas. Atualmente, o gasto com profissionais tem sido consi-

    derado mais importante que a qualidade da publicao, e a correo automtica oferecida pelos computadores, suficien-temente capacitada para suprir a necessidade da reviso.

    Com o fim da funo do re-visor, passou-se a analisar o jor-nal aps sua publicao. Essa reviso tardia acabou por prejudicar os leitores, que no s encontram erros que pode-

    Fbia Anglica Dejavite1Jornalista; doutora em Cincias da Comunica-o pela ECA/USP; pro-fessora dos cursos de jornalismo da Universi-dade Anhembi-Morum-bi e Universidade Pres-biteriana Mackenzie.

    Paula CristinaMartins Jornalista; graduada em jornalismo pela Universidade Anhem-bi-Morumbi.

    Este trabalho busca caracterizar, sob a luz do paradigma da so-ciedade da informao, o processo de desaparecimento dos revi-sores tipogrficos e copidesques (aqui chamados, genericamente de revisores) das redaes de jornais impressos dirios, as con-seqncias de sua extino e seu papel na atualidade. So de-limitadas as funes em questo e abordada a informatizao da sociedade e sua influncia sobre as redaes. Para tanto foram consultados, alm da bibliografia, profissionais e acadmicos da rea jornalstica, com a inteno de se registrarem pontos de vista diversos sobre o tema. Apesar de os entrevistados crerem que no h mais espao para a atuao dos revisores, a pesquisa in-dica que esses profissionais, ainda hoje, seriam proveitosos aos jornais.

    Palavras-chave: jornal impresso dirio, revisores, sociedade da informao.

    Keywords: daily press, copywriters, information society.

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    2 - Os outros tipos de desemprego referem-se, respectivamente, variao do mercado mundial, a causas estritamente regionais, ao perodo de mudana de um emprego para outro, s dificuldades de adaptao a atividades cada vez mais segmentadas e a aes governamentais equivocadas.3 - O conceito de Segunda Onda refere-se era industrial, e o de Terceira Onda, ps-industrial.

    riam ter sido evitados, mas que podem, muitas vezes, tom-los como certos.

    Diante de tal contexto, este artigo tem o objetivo de abordar a reviso de textos jornalsticos no contexto atual da socieda-de da informao, por meio da anlise do papel do revisor e de seu desaparecimento dos jor-nais impressos dirios.

    O estudo qualitativo e ba-seia-se nas pesquisas bibliogr-fica e de campo. O instrumento principal de coleta de dados a entrevista semi-estruturada com revisores, antigos reviso-res, acadmicos e jornalistas.

    1. A sociedade da informao

    O conceito de sociedade da informao, primeiramente chamada de sociedade ps-industrial, surgiu na dcada de 1970, quando cientistas futur-logos previram que os avanos tecnolgicos modificariam pro-fundamente a vida humana em um curto espao de tempo.

    Porm, foi a partir da d-cada de 1980 que se dissemi-naram pelo mundo projetos de implantao dessa sociedade, na qual o bem mais precioso deixaria de ser material para se tornar impalpvel, invisvel. A informao passaria a ser vista como valor de mercado, produ-to de troca social. Dessa forma, a inovao tecnolgica (...) no est preocupada com a produ-tividade de bens materiais, mas com a produtividade informa-cional (MASUDA, 1982, p. 10).

    Ainda segundo Masuda (1982, p. 5), para que o acesso a informaes fosse gil e esti-vesse ao alcance de todos, seria preciso lanar mo da informti-ca e de sistemas de telecomuni-caes. Desde o advento dessas tecnologias, terminais deixaram

    de ser exclusivamente usados por cientistas para pertencerem a empresas e residncias.

    Na sociedade da infor-mao o poder e a riqueza dependem da capacidade de gerao de conhecimento e processamento de informao. Para tanto, a interao entre recursos humanos, infra-es-trutura tecnolgica e inovao organizacional e estrutural so fundamentais.

    Outro ponto marcante do processo desse novo contexto o estabelecimento de uma economia de servios.

    A [caracterstica] mais simples de uma sociedade ps-indus-trial j no estar a maior parte da fora de trabalho aplicada agricultura ou manufatura, e sim aos servios, os quais se definem, residualmente, como comrcio, finanas, transporte, sade, recreao, pesquisa, educao e gover-no (BELL, 1977, p. 28).

    Castells (1999, p. 227), po-rm, considera o conceito de servios bastante ambguo, quando no errneo. Para o autor, diversos processos cru-ciais caractersticos das econo-mias avanadas juntam irreme-diavelmente seu contedo de informao ao suporte material do produto, impossibilitando a distino dos limites entre bens e servios.

    s indstrias primria, secundria e terciria (de ex-trao, produo e prestao de servios, respectivamen-te), foi acrescida a que Masu-da (1982, p. 112) denominou quaternria, referente s in-dstrias relacionadas infor-mao, onde se encaixam, entre outras, as empresas jor-nalsticas. Se para operar as mquinas da era industrial era

    utilizada mo-de-obra semi-especializada, a introduo de novas tecnologias passa a exi-gir nveis de instruo superio-res e modifica os conceitos tra-dicionais de trabalho e tempo.

    Na sociedade da infor-mao torna-se essencial ter bons conhecimentos tericos, j que as exigncias de qualifi-caes so cada vez maiores. De acordo com Castells (1999, p. 250-251), a eliminao gradual do emprego rural; declnio estvel do emprego industrial tradicional; rpida elevao do emprego para administradores, profissionais especializados e tcnicos, en-tre outras, so caractersticas dessa nova sociedade.

    Alm disso, o computador, smbolo da era informacional, exige uma nova postura dos trabalhadores. No bastasse impor aos homens sua nova viso do trabalho, o computa-dor passou a ocupar lugares antes pertencentes aos seres humanos, cortando pessoas e funes no condizentes com os preceitos da nova era. No entanto, no h como escapar da tecnologia e, conseqen-temente, de suas implicaes. A informtica obriga todos a entrarem no mesmo barco, pois muda a lgica do conjunto como um todo (MARCONDES FILHO, 2000, p. 5).

    Em Previses e premissas, Toffler (1999b, p. 52-53) lista sete tipos de desemprego: o estrutural, o tecnolgico, o re-lacionado com o comrcio, o normal, o por atrito, o por falta de informaes e o iatrogni-co. Deles, podemos destacar o estrutural e o tecnolgico.2 O primeiro, resultaria da transio das indstrias da Segunda para a Terceira Onda.3 medida em que as indstrias velhas e

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    tradicionais entram em colapso (...), elas deixam buracos escan-carados nas economias indus-trializadas. O segundo, pro-vm da implantao de novas tecnologias, o que significa que cada vez menos trabalhadores so necessrios para atingir um nvel de produo.

    J a velocidade, outra ca-racterstica da sociedade da informao, fez com que o tempo se tornasse no apenas importante, mas valioso. A in-formatizao deu a ele novo sentido: agora, o tempo deixa de ser apenas um parmetro de durao dos acontecimen-tos, para se estabelecer como valor, de importncia social e monetria.

    Se o tempo, hoje, um dos mais importantes recur-sos econmicos, a velocida-de com que so transmitidos dados passa a ser vista como algo essencial. Resultante dis-so, temos a rapidez em que se notam os reflexos das infor-maes proferidas.

    Mais que importante para tomadas de decises, a velo-cidade tornou-se um estilo de vida. Hoje, queremos trabalhar, viver na velocidade do compu-tador, e isso acaba interferindo em nossas relaes pessoais e profissionais. O advento dessas mquinas e outras tecnologias como as redes permite-nos trabalhar a distncia, no sendo necessrio, em muitos casos, o convvio com outros trabalha-dores da mesma empresa.

    Apesar de estarmos viven-do uma nova era, ainda agimos sob o esprito capitalista. Nesse contexto, a informao trans-forma-se no principal objeto de desejo das pessoas e os meios que antes funcionavam indepen-dentemente, hoje, fundem-se e criam grandes conglomerados,

    monoplios da informao, com o objetivo de aumentar seus lu-cros e se fortalecer no merca-do global integrado (KUMAR, 1997, p. 44).

    Com a globalizao e a implantao da sociedade da informao no Brasil, a infor-matizao atingiu tambm nossas redaes, interferin-do tanto no processo de pro-duo da notcia quanto nas atribuies dos jornalistas.

    2. A informatizao dos jornais

    A partir dos anos 1980, a imprensa adotou a rentabilida-de como objetivo central. A in-formatizao das redaes foi, ao mesmo tempo, resultado da nova demanda social e a forma mais eficiente encontrada pelas empresas jornalsticas para di-minuir seus gastos.

    Diversos autores conver-gem em suas opinies sobre o assunto. Abreu (2002, p. 28), por exemplo, afirma que o objetivo das empresas de comunicao, ao adotar novas tecnologias, era em ltima instncia bara-tear seus custos operacionais. J Marcondes Filho (2000, p. 5) diz que a nova tecnologia volta-se a curto prazo ao bara-teamento da produo.

    Os jornalistas que resta-ram tiveram de adotar uma nova postura e desempenhar papis que antes eram encar-gos de outros profissionais. Deles passaram a ser exigidas aptides caractersticas dessa nova sociedade.

    Segundo Corra (1998, p. 102 - 104),

    O jornalista parece ser um dos profissionais que mais tem alterado o seu papel na sociedade da informao. (...) A era digital nos traz jorna-listas no s com nfase na-

    quelas competncias bsicas do fazer jornalstico (...) Ela inclui competncias tpicas: (...) lidar com as novas tecno-logias de informao e comu-nicao (...) e a competncia cultural, fundamental nessa sociedade sem fronteiras e de horizontes infinitos.

    No entanto, ao mesmo tempo em que a informatizao conferiu maior velocidade ao processo de produo de not-cias, o rigor no horrio de fe-chamento do jornal aumentou (ABREU, 2002, p. 4). Passou-se a exigir do jornalista que pas-sasse a trabalhar na velocidade do sistema (MARCONDES FI-LHO, 2000, p. 6).

    Pode-se considerar a im-plantao de tecnologia um dos principais pilares da trans-formao da imprensa. Alm de exigir maior versatilidade dos profissionais, o processo de informatizao das redaes levou ao chamado desempre-go tecnolgico. O revisor foi descartado pelos grandes jor-nais e substitudo por terminais de vdeo.

    o caso da Folha de S. Pau-lo, que, em 1984, extinguiu o setor de reviso, demitindo 102 funcionrios (VIANNA, 1992, p. 141), substitudos por apenas um encarregado de apontar os erros de portugus e de di-gitao na edio de cada dia (SOARES, 1996, p. 2). De acor-do com Jos Hamilton Ribeiro (1998, p.159), no houve ne-nhuma preocupao da em-presa com esquema de apro-veitamento em outros setores ou reciclagem profissional.

    Embora no final da dcada de 1980 O Estado de S. Paulo ainda no fosse informatizado, em 1991, sua redao j se en-contrava completamente inse-rida nessa nova sistemtica, e setores como os de reviso e

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    digitao j haviam sido elimi-nados (VIANNA, 1992, p. 12).

    Todavia, o corte profuso de pessoal em busca de lucro questionvel. Estamos vivendo em uma era em que o jornalista torna-se fundamental para a se-leo em meio ao vasto caudal de informaes e para a expli-cao [dos fatos], imposta pela natureza tcnica da informao (BELL, 1977, p. 517).

    Levando-se em conta que os leitores de jornais esperam encontrar matrias bem redigi-das, que a carncia de tempo resulta em perda de qualidade e que a disseminao de com-putadores nas redaes no supre a deficincia dos profis-sionais de mdia no domnio da lngua, a melhor maneira de se ganhar dinheiro, a longo prazo, seria o investimento na capaci-tao do profissional, e no seu desestmulo.

    Portanto, na atual socieda-de, em que as pessoas se tor-nam vidas por informaes, o produto que as oferecer de maneira mais clara, detalhada, correta, ser mais respeitado e consumido. Da a importncia de haver, nas empresas jorna-lsticas, pessoas responsveis pelo bom acabamento das ma-trias: os revisores.

    3. A importncia da reviso

    A reviso pode, mesmo hoje, ser considerada elemento importante para a produo de jornais. Como j foi citado, a fal-ta de tempo reflete diretamente na qualidade dos textos, e o re-prter se v espremido entre a busca da notcia, a vontade de fazer bem-feito e a presso do fechamento (LAGES in RIBEI-RO, A., 1999, p. 67).

    Hoje, com o advento e in-troduo dos computadores,

    os jornais aboliram a reviso, deixando esta funo e respon-sabilidade sob a incumbncia do prprio reprter que, ape-sar de redigir a matria jorna-lstica, no possui, na maioria das vezes, nem conhecimento nem treinamento especfico ou vocao para a detectao de erros (MABOUB in RIBEIRO, A., 1999, p. 5).

    Para Noblat (2002, p. 77), o problema ainda mais grave, pois h gente na redao que tambm no sabe escrever. Segundo Castro (1999, p. 99), os jornais erram muito hoje em dia em relao h 20 anos, se consi-derarmos que h, teoricamente, um maior nmero de profissio-nais de nvel universitrio.

    Uma das queixas mais co-muns dos leitores de jornais refere-se a erros de ortografia Mais que um servio a favor dos leitores, o escrever corre-tamente