Com Ciência - Ficção Científica
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Editorial
Utopias e ficçõesCarlos Vogt
Reportagens
Ficção científicaproblematiza opresente em
todos os tempos
Cyberpunk, aficção científicacontemporânea
Ciência e ficção:o futuro
antecipado
A academia vaipara Hollywood eo cinema para asala de aula
Cientista: entredeus e louco?
Quadrinhostrazem assombroe fascínio com a
ciência
Artigos
A ficção científicae a questão dasubjetividade
homem-máquinaFátima Régis de
Oliveira
A ficção científicacomo narrativa do
mundocontemporâneo
IedaTucherman
Os discursos daciência na ficçãoHaenz Gutiérrez
Quintana
Ficção científicacyberpunk.
André Lemos
Subjetividadevirtual em “nova
carne”João Luiz Vieirae Luiz AntonioL. Coelho
Ciência e históriasem quadrinhos:uma relação sem
limitesWaldomiroVergueiro
Olho-LeviatãLuiz FelipeSoares
Poema
IdeologiaCarlos Vogt
Créditos
Créditos
Ficção científica cyberpunk.
O imaginráio da cibercultura.
André Lemos
O que é Cyberpunk?
O termo cyberpunk aparece para designar um movimento literário nogênero da ficção científica, nos Estados Unidos, unindo altastecnologias e caos urbano, sendo considerado como uma narrativatipicamente pós-moderna. O termo passou a ser usado também paradesignar os “ciber-rebeldes”, o underground da informática, com oshackers, crackers, phreakers, cypherpunks, otakus, zippies. Essesseriam os cyberpunks reais. Assim, o termo cyberpunk é, ao mesmotempo, emblema de uma corrente da ficção-científica e marca dospersonagens do submundo da informática.
Escrito por jovens autores, o gênero de ficção científica que viria a serchamado cyberpunk, foi se formando ao longo da primeira metade dadécada de oitenta em fanzines e outras publicações americanas eeuropéias. O movimento, na época ainda sem um nome, tinha seu pontofocal no fanzine Cheap Truth, de autoria do escritor Bruce Sterling.Lançado em 1982, Cheap truth era um folheto de uma página,distribuído gratuitamente com textos publicados sem copyright. Ostextos eram publicados sob pseudônimos, numa tentativa de minimizar oculto à personalidade.
A ficção cyberpunk ambienta-se em um futuro próximo, distópico, noqual a tecnologia foi tomada pelas ruas, se desvirtuou da "one bestway" e não resolveu nenhum dos problemas sociais que prometia, sendoassim, o contrário da utopia moderna. Para a modernidade, a ciência e atecnologia seriam os principais fatores de melhoria das condições deexistência da humanidade. Não deu certo. O futurismo da tecnoculturamoderna transformou-se no presenteísmo da cibercultura pós-moderna.As histórias cyberpunks falavam de indivíduos marginalizados emambientes culturais de alta tecnologia e caos urbano, daí a origem donome, colocando em sinergia cyber, de máquinas cibernéticas:tecnologia de computadores, meios de comunicação de massa,implantes neurais, etc., e punk, da atitude “faça você mesmo” domovimento punk inglês da década de 70 do século passado.Freqüentemente estes sistemas tecnológicos se estendiam até os“componentes humanos”, através de implantes mentais, próteses,clonagem, ou com a criação de seres gerados a partir de engenhariagenética (replicantes). Esta é a parte cyber da ficção cyberpunk.Todavia, como em qualquer cultura, havia aqueles que viviam comomarginais, “on the edge”: criminosos, párias, ativistas, visionários. Ofoco da narrativa está nesses indivíduos, e em como eles subvertiam ouso as ferramentas tecnológicas criadas pelo “sistema”, para diversosobjetivos. Esta é a parte punk da ficção cyberpunk.
Os protagonistas das histórias cyberpunks são anti-heróis que transitamcom implantes (ciborgues) por espaços físicos e informacionais em umcenário sócio-político em que corporações gigantescas dominam todosos campos da sociedade, substituindo até mesmo os governosnacionais. Os protagonistas cyberpunks se deparam com situaçõesligadas ao cotidiano das grandes metrópoles atuais, assoladas pelo caosurbano, o crime, a poluição, a degradação das relações sociais. Mesmosendo distopias, as histórias vão além da relação de dualidade entre a“tecnofilia” e a “tecnofobia” que marcou a ficção científica até então. O
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“tecnofilia” e a “tecnofobia” que marcou a ficção científica até então. Ocyberpunk é uma ficção, segundo seus autores, reflexo da épocacontemporânea. Como diz William Gibson, um dos autores maisimportantes do “movimento”, o cyberpunk não está preocupado commonstros alienígenas ou conquistas intergalácticas, o que ele faz é umaparódia do presente. Assim, o universo da ficção-científica cyberpunkpõe em conjunção o reino da tecnologia de ponta, da racionalidade dahard science, por um lado, e do subterrâneo, do poder ditatorial demega-coorporações, de inteligências artificiais, de vírus e do caosurbano, por outro. Tudo se parece muito com o que estamos vivendoneste começo de século XXI.
O movimento cyberpunk foi saudado por fazer a ponte entre dois outrosgêneros de ficção científica: a hard science e a new wave. A hardscience fez muito sucesso no início nas décadas de 40 e 50, centradanas especulações sobre as possibilidades tecnológicas. Entre os nomesmais representativos dessa época, estão: Paul Anderson, Hal Clement eGregory Benford. Já a new wave é filha do ativismo político dos anos 60e 70. Os autores mais conhecidos são Norman Spinrad, Harlan Ellison,Michael Moorcocke e Samuel R. Delany, que aborda a questão daalienação em um futuro high-tech. Os temas caros aos autorescyberpunks mostram bem a mistura desses dois gêneros de ficçãocientífica. Da hard science herda-se a tecnologia de ponta: implantescorporais (circuitos, órgãos artificiais, drogas, cirurgia plástica, mudançagenética, interface cerebral), inteligência artificial, neuroquímica,mundos virtuais, vírus, nanotecnologia. Da new wave, a atitude dacontracultura. Outros autores que influenciaram o movimento cyberpunkforam William Burroughs e Thomas Pynchon. Apesar de não escreveremficção científica, eles capturaram o espírito da época marcada pelatrilogia sexo, drogas e rock'n roll. Através da sátira, do humor negro, edo que americanos chamam de streetwise - uma inteligência que seaprende na rua e não na escola – criticavam, com insolência, oamerican way of live, e influenciaram o nascimento da contraculturados anos 60.
A palavra cyberpunk começou a ser usada para a literatura do"movimento" quando Gardner Dozois, editor da Isaac Asimov's ScienceFiction Magazine, cunhou o termo em 1983, a partir de uma históriahomônima escrita por Bruce Bethke. Gardner Dozois referia-se a umgrupo de escritores americanos como Bruce Sterling, Rudi Rucker, LewisShiner, John Shirley, Pat Cadigan e William Gibson, cuja produçãoliterária tinha uma série de características em comum, como vimosacima. Em 1984, William Gibson publicou Neuromancer e Gardner Dozoisescreveu um ensaio no The Washington Post, no qual ele classificouGibson, Shirley, Sterling, Shiner, entre outros, com o termo cyberpunk.Uma das primeiras narrativas a reunir algumas dessas característicasdesse movimento, porém, foi o livro True names, de Vernor Vinge,publicado em 1981.
Do grupo, aquele que ficou mais conhecido foi William Gibson, em cujaobra Neuromancer, de 1984, aparece pela primeira vez o termociberespaço (cyberspace). O livro ganhou os prêmios mais importantespara a produção literária de ficção científica: o Hugo, o Nebula e o Philip
K. Dick. O estilo de Willian Gibson foi influenciado também pelo romancepolicial noir de Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Na ficçãocyberpunk de Gibson, o mundo asséptico e sob controle da ficçãocientífica convencional entra em um cenário mundano, de caos urbanotípico das grande metrópoles contemporâneas. Em Neuromancer, Case,o protagonista, é alguém coagido pelo sistema de mega-corporações.Ele, ao lado de Molly, é contratado por um misterioso patrão queoferece, em troca do serviço de invasão a sistemas de computadores,soluções para o seu problema de micro-toxinas implantadas no seucorpo e que irão matá-lo em pouco tempo. Case é assim um “cowboy dociberespaço”, como o descreve Gibson.
O fim do movimento literário cyberpunk
Uma das críticas que se faz ao movimento cyberpunk é de que osautores não fizeram mais do que reprocessar uma série de tendênciasque já estavam disseminadas pela cultura da época. Dessa forma, écomum que a literatura cyberpunk utilize recursos estilísticos herdados
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do cinema (o que a literatura pós-moderna de uma maneira geral faz),com uma velocidade narrativa que segue a estética de vídeo clipes daMTV e dos comerciais de TV. O cyberpunk é um fenômeno típico douniverso midiático dos anos 80.
No final dos anos 80, a mídia anunciou o fim do cyberpunk. Arthur eMarilouise Kroker, escreveram em Hacking the future que o cyberpunkterminou com a realização do filme Johnny Mnemonic (1995). TomMaddox, por outro lado, no seu texto Cyberpunk in the 80’s and 90’s,considera que o movimento/estilo assumiu formas novas, diferenciadas,que ele se impregnou na cultura e que, por isso, não poderia ser maisfacilmente identificado. A fragmentação causaria, assim, uma falta deidentidade clara ao gênero, o que pode ser considerado o fim domovimento. O ciberespaço, principal local de tensão das históriascyberpunks, deixou de ser uma entidade abstrata, ficcional, para estarhoje em todas as áreas da vida cotidiana: “that´s right: cyberspacekilled cyberpunk”, afirma Maddox. É nesse sentido que no artigo “Iscyberpunk still breathing?”, uma resenha de dois lançamentos ocorridosem 1998, Andrew Leonard mostra que o cyberpunk não tem maisimpacto: “(...) as a genre, cyberpunk is washed up, as outmoded as a1980s hard drive”. O mundo real se tornou o mundo imaginário em muitopouco tempo.
Morta ou não, a literatura cyberpunk se tornou um fenômeno desociedade. O assunto gerou reportagens em diversas publicações, desdeas não especializadas como The Wall Street Journal, Times, até revistascomo a Mondo 2000 e Wired, passando pela MTV. Morta ou não, aficção cyberpunk viu em perspectiva o século XXI. A trilogiacinematográfica Matrix, baseada na obra de Gibson, mostra a atualidadedo movimento. Em pleno desenvolvimento da cibercultura em nívelmundial, a distopia dos autores cyberpunks parece estar se tornandouma realidade nesse século XXI. Internet, ciberespaço, vírus, hacking,mega-coorporações, vigilância, tribos de ciber-rebeldes e ativistas;todos os elementos da ficção científica cyberpunk estão entre nós.Cabe ao leitor escolher entre a pílula azul ou a vermelha.
André Lemos é professor do programa de pós-graduação daFacom/UFBA, autor dos livros Cibercultura (Sulina, 2002), Olhares sobrea cibercultura (Sulina, 2003), cibercidades (e-papers, 2004), entreoutros. É diretor do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa emCibercultura do Programa de Pós-Graduação da Facom/UFBA. Atualpresidente da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduaçãoem Comunicação, Compós.
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