COLOUR, KNOWLEDGE AND TASTE: MONOLOGUES BEYOND HERTZ

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COR, SABER E SABOR: MONÓLOGOS PARA ALÉM DOS HERTZ 1 Jane Helen Gomes de Lima 2 César Luiz Moreira da Fonseca Marques 3 Emerson Cardoso do Nascimento 4 Resumo: O fenômeno da cor, sua complexidade fisiológica, social, cultural, histórica, estética e física, entre outros aspectos, inspira as discussões e questões levantadas neste trabalho, como: Até que ponto é desejável um ensino da cor apenas nos seus aspectos geométricos? Há espaço na escola para uma vivência que valorize outros aspectos da experiência visual, como sua percepção, significação etc.? Numa abordagem teatral, busca-se por meio de monólogos, mostrar o quanto o ato de ver e perceber as cores não é tão simples, frisando que o trabalho pedagógico que se limita a entender esse fenômeno como vinculado apenas aos “hertz” é parcial e fragmentário. Palavras-chave: Cor. Ensino. Percepção. COLOUR, KNOWLEDGE AND TASTE: MONOLOGUES BEYOND HERTZ Abstract: e physiological, social, cultural, historical, aesthetic and physical complexity of the colour phenomenon, among other things, inspire the discussions and the questions raised in this paper such as: To what extend is it desirable to teach colours using only geometrical aspects? Is there any room in school for an experience that enhances other aspects of visual experience, as its perception, signification, etc.? In a theatrical approach, by doing monologues, we try and describe how the act of seeing and perceiving colours may not be so simple, emphasizing that the pedagogical work that links this phenomenon only to “hertz” is partial and fragmentary. Keywords: Color. Education. Perception. 1 Parte da monografia apresentada para a obtenção do título de licenciada em Física pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IF-SC) em dezembro de 2014. 2 Licenciada em Física pelo IF-SC e mestranda do PPGECT da UFSC. 3 Professor no Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Física (IF-SC). Graduação em Pedagogia. Mestrado em Educação 4 Licenciado em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas. Mestre em Teatro.

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COR, SABER E SABOR: MONÓLOGOS PARA ALÉM DOS HERTZ1

Jane Helen Gomes de Lima2

César Luiz Moreira da Fonseca Marques3

Emerson Cardoso do Nascimento4

Resumo: O fenômeno da cor, sua complexidade fisiológica, social, cultural, histórica, estética e física, entre outros aspectos, inspira as discussões e questões levantadas neste trabalho, como: Até que ponto é desejável um ensino da cor apenas nos seus aspectos geométricos? Há espaço na escola para uma vivência que valorize outros aspectos da experiência visual, como sua percepção, significação etc.? Numa abordagem teatral, busca-se por meio de monólogos, mostrar o quanto o ato de ver e perceber as cores não é tão simples, frisando que o trabalho pedagógico que se limita a entender esse fenômeno como vinculado apenas aos “hertz” é parcial e fragmentário.

Palavras-chave: Cor. Ensino. Percepção.

COLOUR, KNOWLEDGE AND TASTE: MONOLOGUES BEYOND HERTZ

Abstract: The physiological, social, cultural, historical, aesthetic and physical complexity of the colour phenomenon, among other things, inspire the discussions and the questions raised in this paper such as: To what extend is it desirable to teach colours using only geometrical aspects? Is there any room in school for an experience that enhances other aspects of visual experience, as its perception, signification, etc.? In a theatrical approach, by doing monologues, we try and describe how the act of seeing and perceiving colours may not be so simple, emphasizing that the pedagogical work that links this phenomenon only to “hertz” is partial and fragmentary.

Keywords: Color. Education. Perception.

1 PartedamonografiaapresentadaparaaobtençãodotítulodelicenciadaemFísicapeloInstitutoFederaldeSantaCatarina(IF-SC)emdezembrode2014.

2 LicenciadaemFísicapeloIF-SCemestrandadoPPGECTdaUFSC.

3 ProfessornoCursodeLicenciaturaemCiênciasdaNaturezacomHabilitaçãoemFísica(IF-SC).GraduaçãoemPedagogia.MestradoemEducação

4 LicenciadoemEducaçãoArtísticacomHabilitaçãoemArtesCênicas.MestreemTeatro.

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ATO 1: FISIOLÓGICO

Cena 1: O visível e invisível

(Luz acende)(Entra o personagem no cenário. Diz de forma revoltada. Fazer uso de expressões corporais

fortes)Ninguémmeentende!Unsdizemquefaçopartedoespectrovisível,masdaíeuapareçoapartirdeumamisturadecomponentesquímicos.Temunsromânticosquedizemporaíqueexpressosentimentos,enquantooutrosfalamquesouapenasfrequência.

Assimnãodá.Quemeusou,afinal?(Anda de um lado para o outro filosofando) É estranho pensar que, desde a

Antiguidade,soumotivodeestudos.Muitosdesejarammeentender.(Para de frente para a plateia)SabeoLucrécio?(Espera resposta)Nãosabe?Claro

quevocêsabe!OLucrécio!AqueleládaRomaAntiga.Andavacomaquelasroupasesquisitasquemaispareciamumvestido,eaindaerameio louco,coitado.Aindanãosabe?(Reflete)Aquelequeveiocomaquelepapodequealuzéfeitadepequenaspartículas. Lembrou?Até que enfim!Então, oLucrécio foi umdos primeiros atentarme decifrar, (Ri debochando) me senti quase uma das esfinges do Egito –(ironiza de forma caricaturada)Decifra-meoutedevoro.

(Volta a filosofar) FuiestudadoereviradoporEpicuro,Aristóteles,Descartes,Euclides,Newton,Goethe,LeonardodaVinci,Huygens,Fresnel,Young,Arago,Faraday, Maxwell, Hertz entre muitos outros, (Susurra) já mortos! (Volta a falar normal)Mas,mesmoassim,atéhojeninguémmecompreende.

(Voz firme)Souoqueseuolhovê“eoquecausasensaçõesvisuais”5.Podeserque,sevocêforalémdosdoisextremosdovisível,vocênãomevejamais.Mesmoquandovocênãomevê, continuo a lhe causaroutras sensações,mas saibaque“nemtodasassensaçõesluminosassãoprovocadaspelaluz”6.

Algunsfalaramquesouresultadodevibraçõesdeumcampoeletromagnético.Pormuitotempofuisópartícula.Hojesoupartícula,mastambémsouformadaporquantaeenergia.

Eu polarizo, e Grimaldi há de concordar que, quando encontro algumadificuldade ou obstáculo em meu caminho, eu logo difrato. Propago-meinteiramente com a mesma velocidade no vácuo, porém, quando transito porambientes diferentes, às vezes me disperso em minhas várias facetas7. Muitosbrigaram devido àminha dupla personalidade, ora ondulatória ora corpuscular.Masaculpanãoéminha,oquepossofazersesoubipolar?

5 PEDROSA,2013,p.28.

6 PEDROSA,2013,p.28.

7 HEWITT,2011.

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Figura1-Espectroeletromagnético

Fonte:SCENIHR(2008).

Souvermelha,amarela,verde,azul,violetae,setodasjuntas,soubranca,masissosónoquase1%possíveldesever8.(Diz com ressentimento)Apesardeestaraquicomvocêotempotodo,vocêparecenãomeenxergar.Àsvezesparecequesouinvisívelparavocê!

Tenho frequências inversamente proporcionais aos meus diversoscomprimentosdeondas.Possoserobservadaporincandescênciaquandoexistemcorposaquecidos,porfosforescênciaquandooscorposbrilhamnaobscuridade,mas sem irradiar calor, e em corpos excitados você pode observar a minhaluminescência9.

Soucontroversa,porémaquitentareimeexplicar.Mostrareiminhasdiversasfaces,poisparameexplicar“fuilevadoaconsiderarofenômenocromáticocomoumprocessoamplo,aexigirumestudodenaturezainterdisciplinar”10.

E,paraisso,aquieumeapresento.MeunomeéLuz.(Voz off diz – Oi Luz...)(Apaga luz)(O personagem no escuro fala) Ops!Quemmeapagou?(Sai de cena)

Cena 2: O olho direito

(Acende a luz. Entra cheio de pompa)Sevocêestálendoagora,égraçasamim.Apresento-meavocê.(apresenta-se solenemente)SouoDireito,(pausa) oolhodireito.

8 HEWITT,2011.

9 PEDROSA,2013.

10 GUIMARÃES,2000,p.3.

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TenhoumirmãogêmeochamadoEsquerdo,masnãoquerofalardelenestemomento.(Dirigindo-se para uma das espectadoras)Agentebrigoueagoraeusintoqueexisteumnarizentrenós. (Percebe que está sendo observado pelo público. Fica sem jeito) Deixaparalá.

Bom,sou–juntocommeuirmão–oresponsávelportudooquevocêvê,masnãosoueuoculpadopeloCOMOvocêovê.Sevocêtemalgumareclamação,váfalarcomocérebro.Afinal,quandoosraiosdeluzatravessamaminhacórnea,se sou totalmente saudável, (fala seduzindo) e como você pode ver nomeu casosou bem saudável...O que eu estava falandomesmo?Ah, sim!Os raios de luzatravessamacórneaerefratamatépassarpelaminhaíris.Sóentãoatingem(escuta-se o som de um bang em off)aminhalentecristalina,queajustaofoco(projeta-se uma imagem em processo de ajuste de foco)antesdeelaatravessaromeuhumorvítreoeatingir(escuta-se um bang em off)aretina.

Saibaque,mesmoapóspercorreressecaminho,osraiosdeluzdoobservávelainda não têm significado nenhum. Tudo o que você, com a minha ajuda,enxergasósignificaráalgodeverdadesevocêusara“percepçãoe interpretaçãoda suamaterialidade”11.Não,não estou falandodaSUAmaterialidade, e simdamaterialidade do objeto observável. Não me culpe por você depender da suapercepção.Oqueeupossodizerparavocê?Você temqueentenderumacoisa,eu só construo as imagens!Eumonto as imagensparavocê,mas éVOCÊ, serculturalmenteinseridoemumasociedade,queaslêeasinterpreta.

Imaginacomofoiverofogo.Seráquealguémentendiaoqueestavavendo?Seráqueoobservarofogopelaprimeiraveztraziatodoosentidoquevocêstêmagora?

(Projeta figuras que representam o caminho que os raios de luz percorrem de objetos iluminados até atingirem o olho)Os raios luminosos saíamdo fogoeentravampeloaparelho óptico daqueles sujeitos, mas será que eles tinham a percepção visualparaentenderaquiloqueelesviam?Seráquefaltavainterpretaramaterialidadedoobjetovisível?Essapercepçãodoobjetovisívelnãodependedemim.Souapenasummeionecessárioparaasuavisão,enãodependetotalmentedemimoatodeREALMENTEver.

Para ver, você precisa perceber o que você está vendo. Você precisareconheceroobservável,eissonãoaconteceapenasdevidoaosraios.Não...Issoaconteceporqueoserhumanoéregidoporcódigosculturaiseoquevocêvêatuadiretamentecomoscódigoshipolinguais.

Calma!Nãoseassustecomonome.Essescódigossãorealmenteprimáriosetodosospossuem.(Fala igual vendedor de programa de televisão)Elescompõem:“oscódigos genéticos (informação entre antepassados e descendentes), os códigosintraorgânicos(informaçãonointeriordeumorganismo)eoscódigosperceptivos

11 GUIMARÃES,2000,p.19.

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(informaçõesentreoorganismoeoseumeio)”12.Eaindatemmais,sevocêligaragora,vocêvaiperceberque, (volta a falar normal)sãoessescódigosqueregemocomovocêreageaomundo,poiselessãooscódigosbiofísicos.

Figura2-Olhoecâmeraobscura

Fonte:DOME(1995,p.91).

Seráqueédevidoaessescódigosquevocêconseguediscerniroqueéfogo?Seráqueaquelesqueodescobriramtinhamessecódigoperceptivo?

Você,historicamente,jáconheceofogoantesmesmodeolhá-lo.Apalavrafogojáoremeteaumaimagem.Ofogojáfazpartedevocê!Jáfazpartedasuahistória,e,umavezreconhecidoisso,nãotemmaiscomo“desconhecer”.

Coisasincríveisacontecemquandovocêvê.Vocêdesconheceocaminhoquealuzpercorreecomoocorreaformaçãodasimagens.

(Projetar várias imagens feitas por câmeras obscuras)Vocênãopercebeaimportânciadocérebronaformaçãodessasimagens.Semeleasuavidaestariadecabeçaparabaixo.SevocêconsideraquesomenteEUsouoresponsávelporcomovocêvêomundo,entãovocêdeveriaexperimentarconstruirumacâmeraobscura.

Mas não sou tão simples quanto às câmeras obscuras.Eu tenhoosmeussegredosparaaformaçãodasimagens.Quandovocêenxergaalgoéporquealuzexcitoualgumasdasminhas130milhõesdecélulas13fotossensíveis.Aluzdeveria

12 GUIMARÃES,2000,p.20.

13 GUIMARÃES,2000.

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ser considerada sexy symbolsóporsercapazdeexcitaressenúmerodecélulas. (Fala com uma voz sexy)NemMarilynMonroefezisso,Mister president! (Volta fala normal) Masnãoéqualquer luzquemeexcitanão,sóaquelasqueestãoentre400nme700nm.

A luz dentro desse comprimento de onda é chamada de luz visível14. Asoutras,comoaUV,oRaioXeatéasondasderádio,nãomechamamaatenção,porissonemasvejo.

Figura3-ConeseBastoneteshumanos

Fonte:OLIVEIRA(2014).

(Projeta imagens de cone e bastonetes) As células excitadas que se encontramnaretinasãoosconeseosbastonetes,“assimchamadosdevidoaoseuformatoquandovistosnomicroscópio”15.Olhaaliaoladoquevocêvaiperceberquequemnomeouascélulasassimtinhaatécertarazão.

Essas130milhõesdecélulasseencontramnaminhacamadanervosa.(Fala com desdém)Nãoprecisasepreocuparcomacamadanervosa,ela jáestáfazendotratamento.Elaestáexperimentandoyogaparaverseficamaiscalma!

Acamadanervosaé a responsávelpelavisão.E,daquelas130milhõesdecélulas,“cercade100milhõessãoosbastonetes-sensíveisàluzeàsuamudança,massemnenhumasensibilidadeàcor–ecercade3milhões,sãocones–sensíveisàscoreseformas”16.Oatodeverexigequetodasessascélulasestejamemótimoestadodesaúde.

14 TORTORA,2012,p.598.

15 OLIVEIRA,H.M.2014,p.9.

16 GUIMARÃES,2000,p.22.

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Sabiaquequandoeuolhoumobjeto,posso“capturar”esseobjetodeduasformasdiferentes?Apostoquenão, né!Omeumecanismo (Apaga todas as luzes e projeta boca, fala rápida) “realiza dois tipos de apreensão de imagens: a diurna(fotópica),caracterizadapelavisãocolorida,queseprocessaquandohásuficienteiluminaçãoparasensibilizarosconesagrupadosnafóvearetiniana,eacrepuscularou noturna (escotópica), resultante da sensibilização dos bastonetes situados aoredor da fóvea”17, (volta a luz, foco no ator) mesmo “capturando” as imagens dejeitosdiferenteseunãodiscriminoospontos luminososqueenxergo.Paramimpoucoimportaseospontosluminososvêmdefontesluminosasdiretasousesãorefletidosporumasuperfíciequalquer.Vocêdeveriasaberqueeuenxergotantoacor-luzcomoacor-pigmento.

Figura4-OlhoHumano

Fonte:GUIMARÃES(2000,p.21).

Você sabia que as frequências de ondas eletromagnéticas dentro da faixavisívelsãocores-luz?Sabiatambémqueascoresdaaquarela,lápisdecoretodasas outras feitas a partir demisturas químicas são chamadas de cores pigmento?Évivendoeaprendendo,né?Pensandooque,oOlhoDireitotambémécultura!(Pisca de forma sedutora)

Eujá lhedissequeascoresquevocêenxergasãoderesponsabilidadedoscones?Dissetambémquepercepçãodeluzesuasmudançassãoderesponsabilidadedosbastonetes?Então,elesestãosituadosnaminhacamadanervosa,masnãoestãotodosnomesmolugar.Elesestãodistribuídosdemodoaaperfeiçoaracapturadaluz, pois, “enquanto os bastonetes predominamna periferia da retina, os cones

17 PEDROSA,2013,p.77.

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predominam no centro, denominado fóvea retiniana”18. Acredito que os conestenham um status melhor,poiselesseencontramemsuamaiorianocentro.Emcompensação,osbastonetessãodispensadosparaasperiferias.Atéaquipodemosencontrardesigualdade.Credo!

Apesar de seu maior número, os bastonetes absorvem a luz usando umfotopigmento que é (Recorte, foco na boca, fala rapidamente) “umaproteína coloridaquesofrealteraçõesestruturaisquandoabsorveluz,nosegmentoexternodeumfotorreceptor” 19 chamadode rodopsina. (Volta ao normal) Jáosconesusamtrêstiposdiferentesdepigmentos,umparacadaconediferente.Emmimexistemtrêstiposdeconescomtrêstiposdepigmentação.Apesardeseremminoria,osconessãomuitomaisseletivos.

(Projetar os alimentos citados)Aminhasaúdetambémdependedasuaalimentação,sabia?Ésim,“aboavisãodependedaingestão,nadieta,dequantidadesadequadasde vegetais ricos em carotenos, como cenoura, espinafre, brócolis e abóboraamarela, oude alimentos que contenhamvitaminaA, comoo fígado”20. (Projeta uma imagem qualquer fora do tema)Ops!Façamvista grossa para essa última! (Fica envergonhado) Bem,entãocomadireitinho,tá!(Pisca)

(Pergunta ao público)Ainda queremvermais? (Se sentindo importante)A luz éabsorvidaporfotopigmentosquesãoassociadosàvisãoequepossuemduaspartes:umaglicoproteína,chamadadeopsina,eoretinal,queéumderivadodavitaminaA.EssesderivadosdavitaminaA se formamapartirde carotenos.Ocarotenoé umpigmento vegetal.Ele é o responsável pela cor alaranjada da cenoura e overmelhodotomate!Porissoétãoimportanteingerirvegetaisricosemcarotenoseteminteresseemenxergarbem!21

Existem também diferentes variações na sequência dos aminoácidos dasopsinas.“Naretinahumanaexistemquatroopsinasdiferentes,trêsnosconeseumanosbastonetes(rodopsina).Pequenasvariaçõesnassequenciasdeaminoácidosdasdiferentes opsinas permitem que bastonetes e cones absorvam cores diferentes(comprimentodeonda)da luz incidente”22. (Fala de forma eufórica)Vocêpercebeuoquãoimportanteéisso?Essasvariaçõesnassequênciasdosaminoácidosfazemcomqueosconeseosbastonetesabsorvamcoresdiferentesdaluzqueentrapormim,ouseja,épor issoqueconsigoperceberadiferençanoscomprimentosdeonda 23,asdiferentescores!

18 GUIMARÃES,2000,p.22.

19 TORTORA,2012,p.608.

20 TORTORA,2012,p.608.

21 TORTORA,2012.

22 TORTORA,2012,p.609.

23 TORTORA,2012.

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Esperam que eu me comporte igualmente em todas as pessoas, mas, naverdade,cadapessoaéúnica!Vocêspossuemindividualidadesemsuasfisiologias,possuem experiências, vivências, cultura e histórias próprias. A “visão diferesensivelmentedeum indivíduoparaoutro”24. Por que esperamque eu, fazendopartedessaspessoasúnicas,mecomporteigualaosoutros?

Soudiferente!Saibavocêquenós,EUeoesquerdo,enxergamosdemaneirasdiferentes, afinal“cadaolhovêuma imagemdeumpontodevistadiferentedooutro”25.Senósquepertencemosàmesmapessoa,estamostãopertoumdooutroe estivemos expostos às mesmas experiências somos diferentes, imagine comomudamosdepessoaparapessoa!Percebaque“todososfenômenosvisuaisestãoligadosadeterminadosníveisdeadaptaçãodoolhoaoambiente”26.Somostodosdiferentese,mesmoemummesmoambiente,nuncaexperimentamosexperiênciasiguais.

Tenhoemmim trêscamadas: a esclerótica, a coroidee a retina.Seiquearetinaéamaisfamosademinhasparteseéamaisfotossensíveltambém.Mas,naverdade,souformadoporváriasoutraspartes.

Naparte frontal da esclerótica vocêpode tentar ver a córnea, digo tentarporquenaverdadeacórneaé transparenteeconvexa.Acórnearevesteonervoópticoquelevaosimpulsosvisuaisatéocérebro.Jáacoroideéumamembranaintermediária.Elaéfinaepigmentada.Aluzquepassapelacórneachegaàcoroideatravessandoapupila.

Você sabe que é a íris que controla a entrada da luz como se fosse umdiafragma?Alémdecontrolaraluz,elatambémenvolveapupila.

Vocênãoacreditaquãocomplexoeupossoser.(Projetar diversas fotos de mulheres seguidas de várias sátiras dos números complexos)Sevocêachaasmulherescomplexaseosnúmeroscomplexos,éporquevocêaindanãotentouMEentender.

24 PEDROSA,2013,p.87.

25 GUIMARÃES,2000,p.28.

26 PEDROSA,2013,p.79.

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Figura5-Númeroscomplexos

Fonte:Números(2012).

Existemtantaspartesemmimquevocênemimaginacomocadaumadelasédeextremaimportância.Semcadaumadessaspartes,hojevocêteriaumavisãodiferente.

(Fala de modo acusatório)Acreditaqueocristalinoestáatrásdapupila!Euseiqueelestêmesserelacionamentoestranho,masalém,deestaratrásdelaocristalinoaindaconvergetodososraiosluminososparaaretina.Ocristalinoémuitopopular,pois ele é rodeado pelosmúsculos ciliares que alteram a sua convexidade paraaumentararefração.Assimsoucapazdefocarmelhorosobjetosobserváveis.

Figura6-Testeparadetectardaltonismo

Fonte:HospitalDeOlhosDeSãoPaulo(2012).

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Jáaretinaémuitofotossensível!Elaéquemrevesteoglobooculareéláquese encontra a camadanervosa27.Tentenão incomodar a camadanervosamuito,pois,hojeemdia,comasensibilidadequeelatem,tudosetornabullying.

Acontecemcoisasincríveisparaquevocêpossaenxergar.Seeufossevocê,batiaumpapocomoTortora28parasabermaissobreomeupoderdever.Todasasminhasparteseaspartesqueasconstituemsãoigualmenteimportantesparaavisão.Paravocêenxergardemodosaudávelcadaumadessaspartes,temqueestarfazendoseupapel.

Tenhoquecontaralgomuitotriste.Àsvezes,poralgunsmotivospossonãoenxergar direito.De vez emquando é difícil para euperceber as cores. (Projetar imagens que testam daltonismo)Essemeudefeitonapercepçãodascoreséchamadodediscromatopsia.Adiscromatopsiapodesercongênitaouatémesmoadquirida.Quandoéumdefeitoécongênito:“eleocorreporfaltaoualteraçãoemumdostrêsfotopigmentosdoscones”.

(Para o público) Onde a senhora vai? Calma aí que ainda não viram tudo!A discromatopsia congênita atinge geralmente homens porque é uma doençahereditária que está quase sempre ligada ao cromossomo X. Como falei, podeser que esse defeito seja adquirido também. Se eu possuir uma discromatopsiaadquirida,possoestaremhomensemulheresigualmente.Podesertambémqueeunãosejaumdiscromataesimumtricromataanormal.

Figura7-Monocromatismo

Fonte:Acromatopsia(2013).

Os olhos que possuem o tricromatismo anormal apresentam ausênciaparcialnasensibilidadedeumdeterminadopigmento.Normalmenteamaiorparte

27 GUIMARÃES,2000.

28 TORTORA,2012.

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dos olhos com deficiências para cores se enquadram nesse grupo. Esse grupo“caracteriza-sepelodesviona curva espectral, principalmentenaparte referenteàscoresquentesvermelhoe laranja–ocasionandoatrocadestascoresporsuascomplementares”29.Homensemulherespodemterolhostricromáticos!

Existetambémaacromatopsia,tambémconhecidacomomonocromatismo.Serumportadordaacromatopsiasignificanãopoderenxergarcornenhuma.Sesoumonocromata,meumundoépercebidoempretoebranco.Nãoenxergoascoresdosobjetos,dascoisas,domundo,pois,semprequeexpostoàscores,euasinterpretocomobranco.

Àsvezesficoimaginandocomodeveserverosolbranco,oarco-írisbranco,a TV também branca. E esse mundo branco só contrasta com o preto. Issorealmentesignificaviveremummundoempretoebranco!Ummundobicolorsóporquemeusconesnãofazemsuasfunçõesnafóvearetiniana.

(Fala sem paciência)Aigente,nãoseimaisoquedizer!Massaibamvocêsquenãoexisteapenasumtipodedaltonismo.Osdaltônicospodemserencaixadosemtrêsgrupos,cadaumpercebendoomundoasuamaneira.(Fala sonolento) Cansei!

(Sai do palco. Apaga a luz)

Cena 3: O cérebro

(Acende a luz)(Entra o Cérebro) Vocêdeveestarseperguntandooqueestoufazendoaqui.

Estou aqui para defender a minha participação, muitas vezes desconhecida, nasuavisão.Ah,semmimvocênãoénadaedependemuitodemimocomovocêprocessaevêascoisas.Comtodaessasituaçãoeumesintodivididoemmuitaspartes!(Projetar imagem das partes do cérebro) Cada“partezinha”demimtemfunçõesimportantíssimas que são diariamente usadas, mas mesmo assim cada uma dasminhaspartes sãodiariamente ignoradasou,pior, totalmentedesconhecidasporvocês!

Sou formado por dois hemisférios. (Baixa a luz. Projeta boca, fala rápida e cartunesca) Meushemisfériossãoligadosporfibrasnervosasdasquaisa comissura e o corpo calosofazemparte,sendoelesosprincipaisconjuntosdefibrasnervosasquefazemacomunicaçãoemosmeusdoishemisférios.(Volta ator)

Sou tão cheio de mistérios que meus hemisférios podem funcionarindividualmente.Essaindependênciapodegerarmuitosproblemas,enãoestoumereferindoaapenasproblemasneurológicos.Não,podeatésercasodepolícia!É,podeacreditar!HouveumcasocitadoporIvanovquepoderiairpararnapolícia,fichadonaleiMariadaPenha.

AcreditaqueumpacientedeIvanov(Apaga a luz. Foco no lado esquerdo do palco por onde entram os dois atores representando o caso) que,poralgummotivodesconhecido,

29 PEDROSA,2013,p.87

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tinha os “dois hemisférios separados, [...] batia na esposa com amão esquerdaenquantoadireitatentavaimpediraagressão”?30.(Apaga foco. Personagens saem. Volta à luz normal)Essecasoacabacomprovandoquemeusdoishemisfériospodemsecomportar demaneira independente, individual e, nesse caso, demaneiramuitoviolenta.

Figura8-Hemisfériosdocérebro

Fonte:PINTO(2012).

Figura9-Asviasdoolhoaocérebro

Fonte:GUIMARÃES(2000,p.43).

30 IVANOVapudGUIMARÃES,2000,p.41.

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Colocandoasminhaspeculiaridadesdeserformadopordoishemisfériosquetrabalhamdeformaindependentedelado,gostariadefalarocomosouinfluentenoprocessodasuavisão.

(Tocar música calma que exprima uma sensação de relaxamento, indicado Canon in D major de Johann Pachelbel. Ator fala de forma apaixonada)Ohemisfériodireitoéoresponsávelpelashabilidadesespaciais,pelalinguagemsimples,pelacompreensão,pelaidealizaçãonãoverbaleomaiorresponsávelpelasinformaçõesrelacionadasàscores.Nadamaissensato,afinalascoressãoinformaçõesnãoverbais31.Jáomeuhemisférioesquerdoéoprincipalresponsávelpelapartede linguagemecálculo.Podemos atémesmodizerque, enquantoohemisfériodireito sepreocupa comos aspectos dos significados de todos os signos que nos rodeiam, o hemisférioesquerdosepreocupacomosaspectossignificantesdessessignos.32

Quandoosraios luminososdoobjetoobservadoentrampelosseusolhos,elesatingemaretina.Essas informaçõesseguempelosmeusnervosópticosquesecruzam.Opontodecruzamentodessesnervoséchamadoquiasma33.Énessepontoqueosraiosqueestavamvindoapartirdecadaolhosejuntam.

Lembramqueoolhodissequeasimagenssãoprojetadasinvertidasnaretina?Eramprojetadascomosefossemimagensdecâmarasobscuras?Então,devidoaessa inversão,os feixesópticosquepercorreramoquiasma serãoprojetadosnocentrovisualoposto,“ohemicampovisualdireitonocentrovisualesquerdoeohemicampo visual esquerdo no centro visual direito”34. Essa minha capacidadebinoculareosmeushemisfériospodemmeajudaraorganizarinformaçõesmaiscomplexas,comoascores.Possotambémorganizaroutrascoisasquepodemestarassociadasainformaçõesnãoverbaiseverbaisdessemesmomodo.

31 GUIMARÃES,2000.

32 GUIMARÃES,2000.

33 TORTORA,2012.

34 GUIMARÃES,2000,p.43.

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Figura10-Inversãodocampovisual

Fonte:HEEGER(2006).

É no córtex visual que as informações de cada olho, que já foramtransformadas em feixes ópticos e transmitidas a cada centro visual, serãocomparadas e interpretadas. Desse modo, “cada área do campo visual direitocorresponderáaumaáreadocórtexvisualesquerdoevice-versa”35.Alémdisso,devidoàinversãodaimagemnaretina,“aáreasuperiordocampovisualéenviadaparaaáreainferiordocórtexvisualprimárioevice-versa”36.(Diminui a música )

(Nesse momento pode colocar uma música mais forte, sendo indicada a Symphony 9 – 2nd movement de Beethoven. Fala meio eufórico)Todas as informações que chegam à áreavisualprimáriasãoenviadasparaasáreasvisuaissecundárias.Essas informaçõespercorremumcaminhoatéchegaràfronteiracoma“áreasecundáriadassensaçõessomestésicas,deondesurgemasinterpretaçõesdasformas,posições,profundidadee movimento”37. Já o detalhamento das imagens dos objetos observáveis e aconsciênciadoquerealmenteestásendoobservado,como:suatextura,superfície,cor e identificação das letras observadas, são realizados pelas regiões inferioresdolobooccipital.SegundoEccles,essaéapartequetemgrandeparticipaçãodeconteúdoemocional.38

35 GUIMARÃES,2000,p.44.

36 GUIMARÃES,2000,p.44.

37 GUIMARÃES,2000,p.44.

38 GUIMARÃES,2000.

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Figura11-Córtexcerebral

Fonte:NICOLAU(2014).

Antigamenteacreditamqueapercepçãovisualea recepçãodas sensaçõeseram coisas passivas.Era algoque acontecia naturalmente.Antigamente que, sevocêolhavaaimagemcomtodasaquelascores,vocêsóasenxergavaporquehaviaumacorrespondênciadecadapontodoobjetoobservadoatéaminhaáreavisualprimária.Mas,sevocêperguntar,muitosneurologistasvãoconcordarque,quandoalguémolhaparauma cena complexa emulticolorida,não épossível fazerumarelaçãosimplesentreocomprimentodeondaeacorpercebida.39Issoéestranhojáqueascores-luzvisíveistêmseuscomprimentosdeondasbemdefinidos.

(Fala com ar insano ao ritmo da música. Usa muito as mãos para se expressar)Ascoresquevocêenxergaemumacenacomplexaemulticoloridasãoobservadasdemodoglobalemvezdepontos individuais.Muitasvezesvocêpodeterachadoqueviuumazul,masnaverdadeeleeraumverdequeestavapertodeumacorvermelhaelhedeuaimpressãoerrada.Talvezessemesmoverdequevocêviupertodeumvioletapoderialhepareceramarelado.40Guytonjádissequeacoréprimeiramentedetectadapeloscontrastesdecores.Essescontrastessãoprocessadosdemaneiraprogressivadamaissimplesparaamaiscomplexa,eéacombinaçãodessasanálisesqueproporcionaainterpretaçãodeumacenavisualdemodocompleto.41

Então,quandooolhodireito,esquerdoouatémesmoosdoisolhamumacor, a construção neurológica dessa cor é algo que vaimuito além dos simples

39 GUIMARÃES,2000,p.45.

40 GUIMARÃES,2000.

41 GUYTONapudGUIMARÃES,2000,p.46.

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comprimentosdeondasqueessacoremana.SabeoVarela?(Pausa)Oqueescreveu“De cuerpo presente: Las ciências cognitivas y la experiência humana?” (Pausa. Faz cara de preocupado) Sim?Quebom! (Parece aliviado)Então, eledisse“podemosnotara independênciadacorpercebidaemrelaçãoàluzrefletidalocalmenteemdois fenômenos: a constância aproximada da cor, quando as cores percebidaspermanecem relativamente constantes apesar de grandes modificações nailuminação;eocontrastedecoressimultâneasouinduçãocromática,quandoáreascomcoloraçõesdiversas interferem simultaneamentenapercepção cromática”42.Há os que dizem por ai que cada cor tem um número, que cada cor pode serindicadapeloseucomprimentodeondaeépor issoquevocêasenxerga.Essaspessoasnãolevamemcontaqueosolhosobservamascoresdemaneiraglobalequemuitosfatorespodeminfluenciarnasuavisão.Masessaspessoastambémnãomentiram...

Figura12-Áreasdocórtex

Fonte:HEEGER(2006).

(Projetar a imagem das áreas do cortex) Uma parte de mim chamada de V1respondesimaoscomprimentosdeonda.ElaéresponsávelporenviarimpulsosparaasáreasV4.Noentanto,asáreasV4respondemaestímulosdeinformaçãocromática,enãoaocomprimentodesuasondas.Oquemelevaapensar...Okay, nofinalninguémestátotalmentecerto,mastambémnãoestátotalmenteerrado,certo?

Um neurologista conhecido meu tem uma posição bem estabelecida emrelaçãoaessaconfusãoqueeufaço.Elemeexplicouumpoucosobreaconfusãoentreasminhaspartesquerespondemaocomprimentodeondaeasoutrasque

42 VARELAapudGUIMARÃES,2000,p.45.

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respondem as informações cromáticas. Ele disse que: (Fala solenemente) “a visãocolorida,navidareal,éparteintegrantedenossaexperiênciatotal,estáligadaasnossascategorizaçõesevalores,torna-separacadaumdenósumapartedenossavidaenossomundo,umapartedenós.AV4podeserumgeradordefinitivodecor,masqueenviasinaisesecomunicacomumacentenadeoutrossistemasdamente/cérebro;etalveztambémpossaserreguladoporeles.Éemníveismaiselevadosqueaintegraçãoacontece,queacorsefundecomamemória,comexpectativas,associaçõesedesejosdecriarummundocomrepercussãoesentidoparacadaumdenós[...].MasaV4nãoéumpontoterminal,apenasumaestaçãointermediária,projetandoaseutempoparaníveiscadavezmaiselevados–atingindofinalmenteo hipocampo, tão essencial para o armazenamento das memórias, os centrosemocionaisdaamígdalaedosistemalímbicoemuitasoutraspartesdocórtex”43.(Volta a falar normal)Éessecaminhoqueosimpulsosfazem.Osimpulsosvãodasáreasvisuaissecundáriasparaosistemalímbicovoltandoparaocórtex.Devoltanocórtexsãoadicionadosàscoresseusestadosemocionais.PoppereEcclespodemconfirmaroquedigo-todapercepçãodecoresquetemoséfacilmentemodificadapelasemoçõesesentimento44.Nofundosomostodosromânticos!

Épor essemotivoque cadapessoa interpretaos estímulos cromáticosdeforma diferente.Masmesmo possuindo hemisférios que trabalham demaneiraisolada e áreas individualizadas para cada processo neuronal, você tem queparabenizaraconexãoqueháentre todoessesistema,pois“aconexãoentreosdois hemisférios permite a construção do conceito integral da cor, reunindoosdadosdaexperiênciaexteriordohemisfériodireitoaoespaçodacorqueédadopelo hemisfério esquerdo”45 É por causa dessa conexão que somos capazes deficarmosvermelhosderaiva!

(Fala como um pastor caricato de programa de televisão. Aponta para o público)Vocês,indivíduos comexperiências diferentes, culturas diferentes e histórias diferentes,variamsuas interpretaçõesdascores.Vocêsmodificamoscódigosprimáriosdascores porque “as projeções dos estímulos cromáticos para a área pré-frontal,hipotálamoeosistemalímbicocompletamapercepçãoconscienteeemocionaldacor”.Vocês,sendotodosdiferentesporinúmerosmotivos,interpretamtodosessesestímulosdeformamuitopessoal.Semcontarqueeu,sendoSEUcérebro,seiquevocênãopercebeacorisoladamentedascoisas,massemprenumcontextomaisglobal.

(Fala mais racional)Seiqueascoressempreserelacionamcomoutrascoisas,comoutros atributospertencentes ao seumundo, como“na relação cor e som,assim como na percepção da cor e a percepção de horizontal/vertical”46. Suas

43 SACKSapudGUIMARÃES,2000,p.46.

44 POPPEReECCLESapudGUIMARÃES,2000,p.47.

45 GUIMARÃES,2000,p.49.

46 VARELAapudGUIMARÃES,2000,p.48.

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relaçõessubjetivascomomundoqueocercaforamalgoquesedesenvolverameirãosedesenvolvermaisaindaaolongodesuavida.Essedesenvolvimentoúnicofazcomqueeusejaúnicotambém.

Minhasconexõesneuronaissãoempartefrutodascircunstânciasimpostasavocêao longodesuavida.Evolui, formeiconexõesmais fortalecidasoumaisenfraquecidas, me adaptei, construí mapas mentais próprios. Sou evidência dodarwinismoneuronal.

(Grita) Souúnico!(Fala pensativo)Possoatéterumfuncionamentoparecidocomosoutros,porémnãoduvide,eusempremeindividualizonosdetalhes.(Fala sussurrando enquanto a luz baixa)Souúnico...

(Apaga a luz)

Ato 2: E tudo se perde...

Cena 1: Como tudo começou

(Luz apagada)(Voz off)Dia2dejaneirode1886,estavadirigindoederamumabatidinhano

meucarro.(Ouve-se uma freada de trânsito) Meucarrosechocoucomumcaminhãonoladodopassageiro.Nãofoitãoruimassim.Nemmepreocupeinahora.(Luz acende e apaga rapidamente sincronizado com o barulho da colisão)

(Acende a luz. Jonathan passando por exames. Pausa. O texto continua em off) Fui a umambulatóriolocaleelesdisseramqueeutinhasofridoumaconcussão.(Apaga luz. Quando acende Jonathan está fazendo exames oftalmológicos) Durante os examesdescobriramqueeunãoconseguiadistinguircoreseletras.Asletraspareciam-mecaracteresgregoseminhavisãotornou-sepretoebranco.

(Apaga luz)

Cena 2: O caso do pintor Daltônico47

(Acende a luz. Jonathan está sentado)Chamo-meJonathanI.48,souartistaetenho65anos.(A mesma voz off da cena anterior usa a saudação e entonação caricata das reuniões de apoio em grupo – Oi, Jonathan!)Possomeconsiderarbem-sucedidoeagora,algumtempoapósoacidente,jáconsigoatédistinguirasletras.(Mais afastado de Jonathan tem um quadro com a letra E. Jonathan aponta para a plateia e diz)AquiloaliéumEouumB?AchoqueéumB!(Anda até o quadro para confirmar. A voz off conclui – Que peninha Jonathan, você errou! Ele reflete. Fica meio assustado com a voz, mas prossegue)Bom,quaseacertei!Apesardeagorajáconseguirlercomalgumasdificuldades(Aponta para o quadro)aindaestoutotalmentedaltônico.Essefoiomotivopeloqualfuiprocurar

47 SACKS,2006,p.18-50.

48 SACKS,2006.

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umneurologistaefoiassimqueconhecioOliverSacks.Aprincípio,gostariadesaberseelejáhaviatidoumcasoparecidocomomeu.Seelepoderiameexplicaroqueestáacontecendoe,principalmente,sepoderiameajudar.

Sabe, descobri que sou daltônico. Na verdade, me tornei daltônico.Normalmente o daltonismo é algo congênito. Não conhecia muito bem essadoença,mas, agoraque sofrodela,me informeiumpouco.Eudescobriqueosdaltônicos não diferenciam algumas cores, como, por exemplo, o vermelho e overde,ouatémesmooutrascores.Issotudodevidoadefeitosnoscones.Alguémjálhefalouqueosconessãoascélulasfotossensíveisqueexistemnaretina?

(Volta a se sentar na cadeira. Fala chateado) Eunãonascidaltônico.Eunãoeradaltônicocongênito.(Projetar diversas fotos multicoloridas. Pode acompanhar música durante a projeção) Euenxergueiascorespor65anoseagora,semmaisnemmenos,eunãoas enxergomais.Você acreditanisso?Nãoenxergonenhumacor!N-E-N-H-U-M-A!Tudopramimépretoebranco.Minhavidaépretoebranco.Meumundoéempretoebranco.Atémeucachorro,queeuseiqueémarrom,agoratemumacornojenta,umcinzaescurosinistro...Vocêpodeimaginarcomoéperceberquetudooquevocêconhecesetornoudesconhecido?Desagradável?Osucodetomateépreto.ATVemcores,ascoressóaparecemnonome.Tenhoasensaçãodequeretrocedemosanosdeevolução.Queaflição!

(Levanta)Souumartista.Oupelomenoseraatéissotudoacontecer...Acorparamimtemgrandeimportância.Acornãoéumassuntotrivial.Meumundoeracolorido,meusquadroseramcoloridos,atémeussonhoseramcoloridos...Talvezvocêestejapensando...(Fala de modo caracturado)Maseleaindaenxerga.Doqueeleestáreclamando.Sãosóascores.(Volta a falar normal, porém inicialmente irritado)Sóascores?Quandofalamosdascores,nuncasãoapenascores.Pormuitosanosascoresdespertaramamores,curiosidadesenãodigosódepintores,masentremuitosartistas,cientistas,filósofos.Acorapaixonaaspessoaseaspessoasseapaixonamporela!

EufaleiqueenvieiumacartaparaoSacks?Então,assimqueSacksrecebeuminhacarta,emmeadosdemarço,elelogofezcontato.Dissequeutilizandomeucasopoderia“traçarnãoapenasosmecanismoscerebraissubjacentesouafisiologiadacor,massuafenomenologiaeaprofundidadedesuarepercussãoesentidoparaoindivíduo”49.Assim,medissequelogoquerecebeuminhacartafezcontatocomseuamigooftalmologistaRobertWasserman.EledissequeexplicouaRobertomeucasoequejuntosdecidiramque,sepudessemmeajudar,uniriamforçasparapesquisarsobreaminhacomplexasituação.

(Apaga luz)

49 SACKS,1997,p.19.

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Cena 3: Tentando aprender

FuiàminhaprimeiraconsultacomoneurologistaSackseooftalmologistaRobert em abril. Contei sobre aminha vida artística e sobre o quão produtivoforamasdécadasde40e50paraaminhacarreira.Maslogoelesquiseramsabersobreoacidente.

(Diz mexendo as mãos enumerando tudo o que fez)Conteicomotudoaconteceu.Conteiatésobreminhaamnésiapassageiraapósoacidente.Conteitambémquefuiàpolícialogoapósoacidente.FaleiquelánapolíciaconseguifazerumadescriçãoacuradadoocorridoedepoisfizumB.O.Faleiquedepoisdissoeu lembroquefuiparacasa.Quelembrodeestarcomumadordecabeçamuitoforteequesóaumentava. (Direciona-se para a plateia) Sabe,minha esposamedisse que, quandocheguei, não falei nada sobre o acidente e que dormi por um longo período.Eu lembroque sóquando acordei, jánamanhã seguinte, foi queminha esposaperguntouoquehaviaacontecidocomocarro.Elamedissequefoiexatamentenessemomento que ela percebeu que algo sério havia acontecido, poisminhasrespostasnãoeramclaras.

(Vai para perto das telas que estão penduradas) Fuiaomeuateliê.LáencontreiemcimadamesaacópiadoB.O.,queeunemmerecordavaquetinhafeito.Lembroque peguei o B.O. e não consegui lê-lo... Estava tudo fora de foco. Pensei atéquetalvezpudesse“tertidoumderrameoualgumaespéciedelesãocerebralemdecorrência do acidente”50.Comessepensamento emmente, liguei paraomeumédicoqueprovidencioutestesnohospitallocal.

Depoisdos examesnohospital, euvolteiparao ateliê.Fuidirigindopelomesmocaminhodesempre,maseutinhaasensaçãode“estardirigindodentrodeumnevoeiro,emborasoubessequeamanhãestavaclaraeensolarada.Tudoparecianebuloso, desbotado, cinzento, indistinto”.No caminho, já pertodomeu ateliê,fuiparadopelapolícia.Elesmepararamporqueeutinhapassado(fala enfatizando cada palavras)pordoissinaisvermelhos.(Mostra os dedos)DOIS!Atéhojeachoqueeles foram muito bacanas comigo. Não me prenderam, (pausa) mas me deram umamulta.Alémdamulta,elestambémmemandaramprocurarummédico.Nãoseimuitobemomotivodisso,masachotemgrandeschancesdetersidominhaaparênciaconfusaeindisposta.

Nãofuiparacasanemfuiprocurarummédicocomoindicadopeloscarospoliciais.Emvezdisso,continueiacaminhodoateliê.Quandochegueiameuateliê,esperavaadentrarmeulocalconhecido,meusantuárioondetodaaestranhezadodia desapareceria.Mas o que consegui foime deparar com a terrível realidade:encontrei “todoo ateliê, cujasparedes estavamcobertas depinturas coloridas eluminosas,totalmentecinzaeesvaziadodecor”51.Meusantuárioondeminhaalmaexistia,ondeeumeexpunhaaomundo,nãoexistiamais.(Gesticula como se pudesse ver

50 SACKS,1997,p.21.

51 SACKS,1997,p.21.

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as telas, alisá-las, senti-las) Minhaspinturasmulticoloridas,abstratas,cheiasdeenergia,telasradiantes,estimulantesagoraestavamsemcor,semvidaesemsentido!

(Fala com seriedade) Naquelemomento,comosmeus65anosdevida,tendodedicadoquase todaaminhavidaàpintura, (Pausa. Olha para a plateia)viminhapintura, (Pausa) minha arte, perdendo o sentido junto com aminha vida. (Volta cabisbaixo para a cadeira) “Você pode achar que perder a visão das cores não énenhumacoisadooutromundo.Foioquemedisseramalgunsamigos;àsvezesminhamulher também pensava assim,mas paramim, pelomenos, era terrível,repugnante”52.(Olha para a plateia)Eu,queconheciaascorescomoninguém;nãoconseguiaaceitarissotudo.Eunãoasenxergavaetambémfuiprivadodeimaginá-las.Tiraram-meascoressubitamente.Semaviso.Semdó.

(Levanta da cadeira. Caminha até o limite do palco. Encara a plateia de forma desafiadora)Nãopensevocêqueviversemascoressejaumatarefafácil.Nãosãosóosmeusquadroseasminhascoresquenãoreconheçomais.Sefosseapenasessaparcelatãoimportantedaminhavidaquehouvesseacabadodedesaparecer,talvezeupudesseaceitarmaisfacilmenteessenovoestado.Tudoaomeuredormerecordaoacidente,aminhafaltadecor,essemundoestranhodoqualeufaçoparteagora.Tudoagorameparecesujo,deumbrancodescoradosemgraça,emtonsdepretodeumaaparênciacavernosa.Aspessoaspossuemumaaparênciacinzentadeestátuas,minhaprópriaimagemnoespelhomedesagradavaemedavanojo.Pareideencontrarmeusamigos,minhavidasexualcomminhaesposa“foiprobeleléu”.Também,comopoderia terumavida sexual se tenhonojo tantodomeucorpocomododela?

Passadocerto tempocomecei a emagrecer.Perguntoavocê, comoeu iriacomer,quandoacomidaqueanteseucomiaatécomosolhosagoraeranojenta“devido a seu aspecto cinzento, morto”53. Comecei a construir um cardápiosomentecomalimentosqueeramnaturalmenteempretoebranco.Comerarrozbranco, azeitonapreta e cafépreto continuavamaceitáveis, poisnão tinhamumaspectoanormal.

Todo o colorido do mundo me repulsa. Tudo, absolutamente tudo merepulsa.Tornei-meum“malamado”.Nãoreconheçoascoisasqueanteseramtãonormais.Nãoreconheçomaisnemmesmomeucachorrocomessacorestranha.Achoquevoucomprarumdálmata.

(Anda até o baú de roupas) Encontrei dificuldades nas tarefasmais simples.Nãoeramaiscapazdeescolherroupas.(Fala com tristeza)Minhasprópriasroupas!(Aponta para a foto de casamento deles)Minha esposa as escolhia paramim.Morriademedo de sair de casa feito um idiota. Para solucionar esse problema,minhaesposaclassificoueorganizoutudoparamim(Finge mostrar as organizações)–“gavetasearmários:meiascinzaaqui,amarelaali,gravatascometiquetas,paletóseternos

52 SACKS,1997,p.21.

53 SACKS,1997,p.22.

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separados por categorias”54. Tudo passou a seguir ritos queminimizariammeutormento.

(Anda em direção ao pincel e à parede cinza escuro. Pega um pincel)Naminhavidaartística,meuateliêcheiodecoresdesapareceu!Meumundosetornoupreto–e– branco.Decidi aproveitar isso tudo, essa experiência avassaladora, para tentarexpressaretransmitirasensaçãodeviveremummundoassim.(Finge pintar) No meu ateliê escolhi e pintei uma sala completamente cinza para que os outrospudessemvivenciaromeutormento,essa“realidadesólidaetridimensional,360graus[...]24horaspordia”55.Paraisso,nessasalaatéo“próprioobservadorteriaqueestarpintadodecinzaparatornar-separtedessemundoenãoapenasobservá-lo”56,comoacontececomigo.Omundoécinza,eusoucinza.Umcinzanojentoesemvida!

(Fala para a plateia) Todoomeumundomudou!Deprimo-meaoverumarco-íris no céu.Antes ele era tão lindo, cheio de cores...Hoje ele nãopassa de umsemicírculosemcor!

Nãopensevocêqueafaltadecorestáapenasnomeumundoreal.Não...Meus“sonhoscomfrequênciaeramemcoresvivas,sobretudoquandosonhavacompaisagensepinturas;agoraeramdesbotadosepálidos,ouviolentosecontrastados,desprovidostantodecorcomodegradaçõessutisdetonalidade”57.Nãoconsigonem imaginar as cores. Dei-me conta de que, além de perder a percepção dascores,perdialgoalémdisso,“[...]nãoeraapenasa imaginaçãoeapercepçãodacorquetinhamseperdido,masalgomaisprofundoemaisdifícildedefinir.Sabiatudosobreacor,exterioreintelectualmente,mashaviaperdidosualembrança,oconhecimentointerior,quehaviasidoparte”58demim,domeuser.

Dentroeforadaminhacabeçameumundoéemtonsdecinza...oudevofalarempretoebranco?

Penseiquetodoessepesadeloseriaalgopassageiro.Logotudovoltariaaonormal.Atétenteivoltarapintar.Acreditavaque,mesmosemenxergarascores,aindasabiacomousá-lasdiretodapaleta,afinalforamtantosanosdeintimidadequeacreditavaconhecê-losmesmosemasverouimaginar.Sófuipercebermeuenganoquando um amigo meu me disse: (Voz off)“ninguémvaicomprarseusquadrosanão ser pessoas tão daltônicas quanto você”59.Distanciei-me daminha pintura,(Pausa)dosmeusquadros,(Pausa)masmesmoassimacreditavaquequalquermanhãeuiriaacordareperceberquetudovoltouaonormal.(Fala de forma esperançosa)Nesta

54 SACKS,2006,p.23.

55 SACKS,2006,p.24.

56 SACKS,2006,p.25.

57 SACKS,2006,p.25.

58 SACKS,2006,p.27.

59 SACKS,2006,p.26.

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manhãqualquer,vouperceberqueascoresvoltaramequeocéuénovamenteazul,(Fala com desdém)emvezdestecinzanojento.

(Volta a se sentar na cadeira)Passeiaconvivercomomedodealgomaismeacontecer.Eujátinhaperdidoascoresnumacidentenãomuitograve.Passeiatermedodetalvez,semmaisnemmenos,eusofrerumderrameeperdertotalmenteavisão.

Emfevereirocomeceiaaceitaromeufardo.Meumundoagoraébicolor.Resolvi voltar a pintar e, em vez de tentar fazê-lo em cores, resolvi fazer empretoebranco.Muitosmedisseramque,“comparadoscomo trabalhoanterior,essesquadros tinhamumacomplexidade labirínticaeumaqualidadeobsessivaeassombrada–pareciamexibir,numaformasimbólica”60,exporoestadoemqueeumeencontrava,omundodoqualagoraeufaziaparte.

Fui ver o Sacks um dia desses.Eleme disse que “omais interessante detudoéqueosentimentodeumaperdaprofundaededesprazereanormalidade,tãoseveronosprimeirosmesessubsequentesà lesão[...]pareciadesaparecer,oumesmoretroceder”61 eque, após três anos semascores, eupareciaumapessoa“comamnésiadacor–ou,narealidade,alguémquenuncaativesseconhecido”62.(Levanta. O palco vai ficando em preto e branco)Nãotenhomaisraiva.Nãomesintomaisenojadocomisso.Sinto-metãonormalquantoeuachoqueeueraantigamente.Esseémeumundoagora.Enãosintofaltademaisnada.Tudoénormalemeiovintage emtonsdebranco,cinzaepreto.

(Luz apaga)

ATO FINAL: OLHEMOS O ENSINO

Cena 1: Enquanto isso na escola...

(Luz acende. Sinal da escola toca. Existem carteiras alinhadas uma atrás da outra. Bonecos com o tom de pele e roupas cinza. Sol desenhado na janela também cinza. Tudo dentro dos limites da escola é cinza. Ator entra e se dirige à sala com um tom autoritário. A aula é ministrada como se fosse uma palestra)

Todossentadoseemsilêncio,porfavor!

60 SACKS,2006,p.28.

61 SACKS,2006,p.47.

62 SACKS,2006,p.49.

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Figura14-Dispersãodaluzbranca

Fonte:HEWITT(2011,p.502).

Classe,hojeiremosestudaracor.Comovimosanteriormente,osraiosdeluzsepropagamemlinhasretaspelosmeioshomogêneosetransparentes.

Enxergamososobjetosporqueouestessãofontesprimáriasdeluz,corposluminososcomoosol,asestrelaseaslâmpadas,ousãofontessecundáriasdeluz,corposiluminadoscomoalua,ascadeiras,oslivroseaspessoas.

Paraenxergarmoscorposiluminadosénecessárioquealuzqueincidasobreeles, sofra reflexão e os raios refletidos pelos objetos iluminados cheguem aténossosolhos,nosquaisserãoconvergidosparaumpontonaretina.Éporissoqueenxergamos!(Escuta-se ao fundo um som parecido com o som do antigo ICQ)

Figura15-Classificaçãodascores

Fonte:SILVA(2007).

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Aluzemitidapelosol,queéumafontedeluzprimária,écompostaportodasassetecoresqueestãonapartedasfrequênciasvisíveisdoespectroeletromagnético.Estassetecoressão:overmelho,olaranja,oamarelo,overde,oazul,oíndigoeovioleta.Aluzquevemdosolécompostaportodasessassetecores–luzque,quandojuntas,formamaluzbranca.Agoraolhemláparafora.Observemagrama.Agramasónospareceverdedevidoaoseupoderdeabsorvertodasasfrequênciasde luz visíveismenos o verde. Assim a frequência do vermelho, do laranja, doamarelo,doazul,docianoedovioletasãoabsorvidasenquantoafrequênciadoverdeérefletidapelagramaechegaaosnossosolhos.Todasascoresobservadasnomundosãooquesãodevidoaofenômenodareflexãoseletiva63. (Escuta-se ao fundo um tiro seguido de um grito. Como se alguém tivesse sido atingido. Voz off fala - Jaz aqui todo o processo fisiológico da visão. Nesse momento uma voz off feminina grita - NÃO!!!! Por fim toca o sinal da escola)

(Apaga a luz)

Cena 2: O aluno após a aula...

(Luz acende. Toca o sinal da escola. Aluno sai da aula dialogando com o seu eu interior) Poxa,oprofessorfalouquesóenxergoporquetudorefrataa luzquecheganosmeusolhos...Masporqueminhamãenãovêasmesmascoresqueeu?Porquetempessoascegasdenascença?Porquemeuavônãoconsegueenxergardireitoagora?Setudoaquiéiluminadopelaluzdosol,porquenãoenxergamosigual?(Toca o sinal da escola. O aluno se cala. Fica com medo. Pausa)

(Reflete)Lánaescolaaprendiqueeratudoumnúmero.QuealuzdosolpodesermedidaemHertz.Ok,masésóisso?

Naverdadeachoque,naescola,nãomedisseramtudo...Oprofessornemfaloudecomoascorespodemalegrarumambiente.Seascoresnãofizessemisso,aminhamãeeomeupainãobrigariamtantoparadecidirascoresparaasala.Eaindatemaquelaspessoasqueexpressamseuestadodeespíritopelascoresdesuasroupas.

Se as cores fossem SÓ isso que o professor falou, os pintores não sepreocupariamemexpressarseussentimentospormeiodapinturaeaminhamãetambémnãopagariaparafazercromoterapia.

Achoquetemmaiscoisassobreacorqueoprofessornãocontou.Talvezelenãosaiba,porissoelenãofalou,outalvez...talvez...euestudeemumaescoladaltônica!(Toca o sinal da escola. O aluno se cala. Observa o público, atônito por descobrir que a escola é daltônica. Silêncio)

(Luz apaga)

63 HEWITT,2011.

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REFERÊNCIAS

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Artigorecebidoem06/04/15.Aceitoem02/06/15.