Coloides

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9 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA O Mundo dos Colóides N° 9, MAIO 1999 C olóides são misturas hetero- gêneas de pelo menos duas fases diferentes, com a maté- ria de uma das fases na forma fina- mente dividida (sólido, líquido ou gás), denominada fase dispersa, misturada com a fase contínua (sólido, líquido ou gás), denominada meio de dispersão. A ciência dos colóides está relacio- nada com o estudo dos sistemas nos quais pelo menos um dos componen- tes da mistura apresenta uma dimen- são no intervalo de 1 a 1000 nano- metros (1 nm = 10 -9 m). Soluções de macromoléculas são misturas homogêneas e também são conside- radas colóides porque a dimensão das macromoléculas está no intervalo de tamanho coloidal e, como tal, apre- sentam as propriedades característi- cas dos colóides. Os sistemas coloi- dais vêm sendo utilizados pelas civili- zações desde os primórdios da huma- nidade. Os povos utilizaram géis de produtos naturais como alimento, dis- persões de argilas para fabricação de utensílios de cerâmica e dispersões coloidais de pigmentos para decorar as paredes das cavernas com motivos de animais e de caça. Graham, em 1861, introduziu os ter- mos colóide e diálise em um estudo sobre a difusão da matéria nos estados gasoso e líquido. O termo colóide, do grego, significa cola e na época referiu- se às soluções de goma arábica, subs- tância sem estrutura definida e de na- tureza viscosa hoje conhecida como macromolécula. A goma arábica (co- lóide) difundia mais lentamente que soluções de sais (cristalóide). Diálise é o processo de separação através do qual moléculas menores atravessam uma membrana semipermeável en- quanto as moléculas maiores ou partí- culas coloidais são retidas pela mesma membrana. Sistemas coloidais estão presentes no cotidiano desde as primeiras horas do dia, na higiene pessoal — sabone- te, xampu, pasta de dente e espuma ou creme de barbear —, maquiagem, — cosméticos —, e no café da manhã, — leite, café, manteiga, cremes vege- tais e geléias de frutas. No caminho para o trabalho podemos enfrentar neblina, poluição do ar ou ainda apre- ciar a cor azul do céu, parcialmente explicada pelo espalhamento Rayleigh da luz do Sol ao entrar na atmosfera contendo moléculas e partículas de poeira cósmica atraídas pela Terra (Walker, 1989). No almoço, temperos, cremes e maionese para saladas. No entardecer, ao saborear cerveja, refri- gerante ou sorvete estamos ingerindo colóides. Os colóides ainda estão presentes em diversos processos de produção de bens de consumo, in- cluindo o da água potável, os pro- cessos de separação nas indústrias, de biotecnologia e de ambiente. São também muito importantes os colóides biológicos, tais como o sangue, o hu- mor vítreo e o cristalino (Licínio e Delaye, 1987). Propriedades dos colóides Os princípios relacionados com os diferentes sistemas coloidais da Tabela 1 baseiam-se em propriedades co- muns a todos os colóides: tamanho e elevada relação área/volume de partí- culas (Shaw, 1975). As partículas dispersas podem ter tamanhos diferentes e por isso o sistema coloidal é denominado polidisperso. Na prática, a maioria dos colóides obtidos pelo homem é polidispersa. Os sistemas com partículas de um mesmo tamanho são monodispersos. As macromolé- culas de proteínas sintetizadas biolo- gicamente têm todas um mesmo ta- manho e massa molecular, por isso dão origem a colóides monodispersos. Diversos pesquisadores obtiveram colóides monodispersos de polímeros sintéticos, de metais, de óxidos metá- licos e de cloreto de prata. Como a área de superfície da fase dispersa é elevada devido ao pequeno tamanho das partículas, as proprie- dades da interface entre as duas fases — dispersa e de dispersão — deter- minam o comportamento dos diferen- tes sistemas coloidais. Em soluções verdadeiras de macromoléculas ou em dispersões coloidais de partículas finas, o solvente pode ser retido pela configuração da cadeia macromole- cular ou das partículas. Quando todo o solvente é imobilizado nesse proces- so, o colóide enrijece e é chamado de gel. A seção “Química e Sociedade” apresenta artigos que focalizam aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando, sempre que possível, analisar o potencial e as limitações da ciência na tentativa de solução de problemas sociais. Este artigo discute o que são colóides, quais são seus tipos, como deixam de ser estáveis e como aparecem em nosso dia-a-dia e em diferentes aplicações tecnológicas. colóides, dispersões coloidais, misturas QUÍMICA E SOCIEDADE Miguel Jafelicci Junior Laudemir Carlos Varanda O mundo dos colóides

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Colóides são misturas hetero-gêneas de pelo menos duasfases diferentes, com a maté-

ria de uma das fases na forma fina-mente dividida (sólido, líquido ou gás),denominada fase dispersa, misturadacom a fase contínua (sólido, líquido ougás), denominada meio de dispersão.A ciência dos colóides está relacio-nada com o estudo dos sistemas nosquais pelo menos um dos componen-tes da mistura apresenta uma dimen-são no intervalo de 1 a 1000 nano-metros (1 nm = 10-9 m). Soluções demacromoléculas são misturashomogêneas e também são conside-radas colóides porque a dimensão dasmacromoléculas está no intervalo detamanho coloidal e, como tal, apre-sentam as propriedades característi-cas dos colóides. Os sistemas coloi-dais vêm sendo utilizados pelas civili-zações desde os primórdios da huma-nidade. Os povos utilizaram géis deprodutos naturais como alimento, dis-persões de argilas para fabricação deutensílios de cerâmica e dispersõescoloidais de pigmentos para decoraras paredes das cavernas com motivosde animais e de caça.

Graham, em 1861, introduziu os ter-mos colóide e diálise em um estudosobre a difusão da matéria nos estadosgasoso e líquido. O termo colóide, do

grego, significa cola e na época referiu-se às soluções de goma arábica, subs-tância sem estrutura definida e de na-tureza viscosa hoje conhecida comomacromolécula. A goma arábica (co-lóide) difundia mais lentamente quesoluções de sais (cristalóide). Diáliseé o processo de separação através doqual moléculas menores atravessamuma membrana semipermeável en-quanto as moléculas maiores ou partí-culas coloidais são retidas pela mesmamembrana.

Sistemas coloidais estão presentesno cotidiano desde as primeiras horasdo dia, na higiene pessoal — sabone-te, xampu, pasta de dente e espumaou creme de barbear —, maquiagem,— cosméticos —, e no café da manhã,— leite, café, manteiga, cremes vege-tais e geléias de frutas. No caminhopara o trabalho podemos enfrentarneblina, poluição do ar ou ainda apre-ciar a cor azul do céu, parcialmenteexplicada pelo espalhamento Rayleighda luz do Sol ao entrar na atmosferacontendo moléculas e partículas depoeira cósmica atraídas pela Terra(Walker, 1989). No almoço, temperos,cremes e maionese para saladas. Noentardecer, ao saborear cerveja, refri-gerante ou sorvete estamos ingerindocolóides. Os colóides ainda estãopresentes em diversos processos de

produção de bens de consumo, in-cluindo o da água potável, os pro-cessos de separação nas indústrias,de biotecnologia e de ambiente. Sãotambém muito importantes os colóidesbiológicos, tais como o sangue, o hu-mor vítreo e o cristalino (Licínio eDelaye, 1987).

Propriedades dos colóidesOs princípios relacionados com os

diferentes sistemas coloidais da Tabela1 baseiam-se em propriedades co-muns a todos os colóides: tamanho eelevada relação área/volume de partí-culas (Shaw, 1975). As partículasdispersas podem ter tamanhosdiferentes e por isso o sistema coloidalé denominado polidisperso. Na prática,a maioria dos colóides obtidos pelohomem é polidispersa. Os sistemascom partículas de um mesmo tamanhosão monodispersos. As macromolé-culas de proteínas sintetizadas biolo-gicamente têm todas um mesmo ta-manho e massa molecular, por issodão origem a colóides monodispersos.Diversos pesquisadores obtiveramcolóides monodispersos de polímerossintéticos, de metais, de óxidos metá-licos e de cloreto de prata.

Como a área de superfície da fasedispersa é elevada devido ao pequenotamanho das partículas, as proprie-dades da interface entre as duas fases— dispersa e de dispersão — deter-minam o comportamento dos diferen-tes sistemas coloidais. Em soluçõesverdadeiras de macromoléculas ou emdispersões coloidais de partículasfinas, o solvente pode ser retido pelaconfiguração da cadeia macromole-cular ou das partículas. Quando todoo solvente é imobilizado nesse proces-so, o colóide enrijece e é chamado degel.

A seção “Química e Sociedade” apresenta artigos que focalizamaspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando,sempre que possível, analisar o potencial e as limitações da ciênciana tentativa de solução de problemas sociais. Este artigo discute oque são colóides, quais são seus tipos, como deixam de ser estáveise como aparecem em nosso dia-a-dia e em diferentes aplicaçõestecnológicas.

colóides, dispersões coloidais, misturas

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Miguel Jafelicci JuniorLaudemir Carlos Varanda

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As diferentes interações entre as fa-ses dispersa (partículas) e a de disper-são (contínua) constituem um dospontos críticos do comportamento e daestabilidade dos colóides. As proprie-dades físicas e químicas de ambas asfases controlam essas interações. Taisinterações da superfície incluem ascoulombianas de repulsão eletrostáti-ca, as de atração de van der Waals, asde repulsão estérica e as de solva-tação. Forças hidrodinâmicas (difusão)também atuam no sistema de multipar-

tículas dispersas simultaneamente àsinterações de superfície. Portanto, es-ses sistemas de partículas coloidaisprecisam de um modelo sistematizadopara explicar a influência das intera-ções na estabilidade cinética e termo-dinâmica do colóide. Por exemplo, aprodução de pó cerâmico ou de látexde polímero com partículas uniformesde igual tamanho requer o conheci-mento idealizado para prever a repro-dução das propriedades dos respec-tivos sistemas coloidais.

Esse modelo do sistema coloidalpressupõe muitos equilíbrios químicosnas fases, ocorrendo processos depen-dentes do tempo e que resultam naagregação de partículas de uma disper-são sólido-líquido ou na coalescência degotas de uma emulsão. Essas unidadescinéticas (partículas/gotas) podempermanecer estáveis e constantes como tempo devido à afinidade entre a su-perfície da partícula e o solvente. Naciência dos colóides, o sistema é clas-sicamente denominado colóide liofílico(do grego lyein = solvente + philein =gostar de). No entanto, se as unidadescinéticas não permanecerem estáveiscom o tempo devido às interações en-tre elas e vierem a agregar-se, formarãounidades maiores que se sedimentamsob a ação do campo gravitacional,separando assim a fase dispersa dacontínua. Esse sistema é também classi-camente conhecido como colóide liofó-bico (repulsão ao solvente — phobos= repelir). Assim, existem colóides está-veis por muitos anos, enquanto em ou-tros as fases constituintes separam-seem pouco tempo. Por exemplo, os sóisde ouro obtidos por Michael Faraday em1864 permanecem estáveis até hoje eestão expostos na Royal Society of Che-mistry em Londres. Já a poeira levan-tada pelo trânsito assenta rapidamente.

As dispersões coloidais aquosas sãotambém sensíveis à presença de eletró-litos e de polieletrólitos (polímeroscarregados de alta massa molecular).As partículas coloidais podem agregar-se irreversivelmente na presença deeletrólitos e resultar em agregadosgrandes e compactos (coágulos) porum processo denominado coagulação,enquanto na presença de polieletrólitospode haver a formação de agregadosmenos densos (flóculos), os quaispodem ser facilmente rompidos eredispersos por agitação vigorosa(cisalhamento). A coagulação do leite,por exemplo, resulta da adição devinagre (eletrólito) e a eliminação deresíduos da água de piscina por sulfatode alumínio (forma polieletrólito na água)é feita após a floculação.

Interação entre partículascoloidais

As interações entre partículas co-loidais governam as propriedades dos

Tabela 1: Classificação dos colóides de acordo com as fases dispersa e de dispersão.

Colóide Fase dispersa Fase de dispersão Exemplo

Aerossol líquido Líquido Gás Neblina, desodoranteAerossol sólido Sólido Gás Fumaça, poeiraEspuma Gás Líquido Espuma de sabão e

de combate a incêndioEspuma sólida Gás Sólido Isopor®, poliuretanaEmulsão Líquido Líquido Leite, maionese, manteigaEmulsão sólida Líquido Sólido Margarina, opala, pérolaSol Sólido Líquido Tinta, pasta de denteSol sólido Sólido Sólido Vidro e plástico pigmentado

Thomas Graham (1805-1869),escocês de Glasgow, químico contraa vontade do pai e por isso deserdado,sustentou seus estudos escrevendo eensinando química no AndersonianCollege (atual Royal College of Scienceand Technology) em Glasgow (1830-1837). Lecionou depois na Universi-dade de Londres (1837-1869) e tornou-se posteriormente chefe da casa damoeda britânica (1854-1869). Apósseu trabalho sobre a lei de velocidadede difusão dos gases (1829),examinou também a difusão entrelíquidos e denominou cristalóides aspartículas com alta difusão, como asde sais, e colóides aquelas com baixadifusão, como as da goma arábica.Divide o reconhecimento como ‘paidos colóides’ com Francesco Selmi,químico toxicologista italiano, profes-sor em Turim e Modena, antes deassumir o posto de professor dequímica farmacológica e toxicologia nafamosa Universidade de Bolonha, em1867. Entre 1845 e 1850, Selmiescreveu sobre o estudo sistemáticodos colóides inorgânicos, principal-

mente cloreto de prata, azul da Prús-sia e enxofre, sistemas importantespara fotografia, tingimento de tecidose farmacologia, respectivamente. Es-creveu a primeira enciclopédia de quí-mica em italiano, de 1868 a 1881(Encyclopaedia Britannica, 1996). Ou-tro pesquisador que contribuiu para aquímica dos colóides foi Carl WilhelmWolfgang Ostwald (1883-1943),químico alemão, professor e pesqui-sador na Universidade de Leipzig em1935 e filho de Friedrich WilhelmOstwald (Laidler, 1993). Grande divul-gador da química dos colóides, comtrabalhos sobre propriedades elétricase ópticas dos mesmos, Ostwald foieditor da revista KolloidchemischeBeihefte em 1909 e fundador daSociedade de Colóides (KolloidGesellschaft) no mesmo ano. Escreveuo livro O mundo das dimensões des-prezadas, sobre a natureza dos siste-mas complexos contendo partículasgrandes, se comparadas com a di-mensão da molécula, porém pe-quenas se comparadas com umasuspensão de partículas visíveis a olhonu.

Fundadores da química dos colóides

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colóides e dependem da distância deseparação e da quantidade de partí-culas coloidais dispersas. As forçasexternas devidas ao campo da gravi-dade ou ao cisalhamento tambéminfluenciam a interação e as colisõesentre partículas. Essas forças de inte-ração entre as superfícies das partí-culas coloidais advêm da naturezaeletromagnética das interações entrea matéria. Nas dispersões coloidaisaquosas pode haver: 1) interação re-pulsiva de duplas camadas de cargas,2) interação atrativa de van der Waals,3) interação estérica repulsiva de ca-deias de polímeros adsorvidos nas par-tículas, 4) interação atrativa de polí-meros, 5) interação de moléculas desolvente (solvatação) e 6) interaçãohidrofóbica. As partículas coloidaisadquirem cargas elétricas na superfí-cie, quando expostas ao contato comsolvente polar, por diferentes mecanis-mos, tais como: dissociação de gruposda superfície e adsorção ou dissoluçãode íons da superfície. Por isso o equilí-brio químico entre os prótons e a su-perfície de óxidos é relevante para

compreender o comportamento dedispersões aquosas. A carga da super-fície da partícula influencia a distri-buição dos íons da solução na vizi-nhança, atraindo e repelindo contra-íons e co-íons, respectivamente. Essadistribuição de íons desde a superfícieda partícula até o interior da solução(meio de dispersão) gera diferentespotenciais e está representada esque-maticamente na Figura 1. O potencialda interfase entre a superfície da partí-cula e o interior da solução do meio dedispersão diminui mais rapidamente àmedida que aumenta a força iônica,porque a dupla camada de cargas quese forma ao redor da partícula é com-primida em direção à superfície pelaconcentração de íons da solução. Por-tanto, as propriedades elétricas doscolóides são governadas pelas intera-ções repulsivas coulombianas.

No entanto, essa energia de repul-são entre as partículas não garante aestabilidade das partículas dispersas.Por isso, na prática, dispersões coloi-dais podem agregar-se e os agrega-dos sedimentam-se rapidamente, co-

mo por exemplono caso da disper-são de argila emágua. As intera-ções atrativas decurto alcance devan der Waalsinduzem à agrega-ção do sistema à

medida que as superfícies das partí-culas se aproximam umas das outras.Essas forças de curto alcance são asmesmas provenientes da polarizaçãode átomos e moléculas (dipolos)constituintes dos sólidos dispersos nomeio polar que separa as partículas.Portanto, a energia total de interação(VT) é a soma resultante das energiasde repulsão (VR ) e de atração (VA)indicada na Figura 2.

Esta é base da teoria DLVO, desen-volvida independentemente por Derja-guin e Landau e Verwey e Overbeek,no final da década de 40, para explicara estabilidade cinética coloidal. A partirdos modelos e da formulação dessateoria, o estudo dos colóides passoua ser considerado com maior rigorcientífico.

Sistemas ColoidaisOs tipos de colóides da Tabela 1

são descritos a seguir com as respec-tivas aplicações tecnológicas.

SolSolSolSolSol é um colóide constituído de par-tículas sólidas finamente divididas dis-persas em um meio de dispersão lí-quido. Outras denominações – hidros-sol, organossol ou aerossol – são atri-buídas segundo o meio de dispersãoutilizado: água, solvente orgânico ouar, respectivamente. Quanto à intera-ção entre as moléculas da fase contí-nua e da fase dispersa, os sóis sãoclassificados em liofílicos, que apre-sentam partículas dispersas com maior

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Partículacom redenegativa

Plano de Gouy

Camada difusa

Plano decisalhamento

Plano Stern

Superfícieda partícula

Interior dasolução

Legenda:: Potencial desuperfície

: Potencial de Stern: Potencial zeta

1/ : Espessura dadupla-camada

Y

Yz

k

0

d

zPote

ncia

l

Y 0

Y d

1/k Distância da superfícieda partícula

Figura 1. Esquema da distribuição de cargas na vizinhança de umapartícula carregada e os respectivos potenciais associados à duplacamada elétrica na interface sólido-líquido.

Força de repulsão da duplacamada elétrica (V )R

Energia potencial total (V )T

VMAX

d

Força atrativa de vander Waals (V )a

Ener

gia

pote

ncia

l

Atra

ção

(-)

Rep

ulsã

o (+

)V A

VR

0

Figura 2. Energia potencial (V) de interação partícula-partículaem função da distância (d) de separação entre duas partículascoloidais.

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afinidade com o solvente, são maisestáveis e semelhantes à soluçãoverdadeira, e liofóbicos, cujas partícu-las não atraem fortemente as molécu-las de solvente e coagulam ou preci-pitam facilmente. Essas dispersõescoloidais mais concentradas formamsistemas mais viscosos denominadospastas, utilizadas, por exemplo, nafabricação de creme dental.

GelGelGelGelGel é um colóide no qual a intera-ção do líquido com partículas muitofinas induz o aumento da viscosidade,tornando-se uma massa com partí-culas organizadas no meio de disper-são formando uma rede de partículasenfileiradas como um colar. Esses co-lóides formam uma rede com naturezaelástica e gelatinosa, tal como gelatinaou geléia de frutas, ou como um sólidorígido como sílica gel, muito usada emembalagens como agente secante.Géis podem contrair e eliminar o sol-vente, processo este denominado desinérise.

EspumaEspumaEspumaEspumaEspuma é um sistema coloidalconstituído de bolhas de gás muitopequenas dispersas em um meio lí-quido, como no caso da espuma desabão, ou em um meio sólido, como aespuma de poli(estireno) conhecida

como isopor®. As bolhas podemcoalescer, isto é, colidirem umas comas outras, e do encontro de duas for-mar uma bolha maior. Esse processode coalescência causa a quebra daespuma, o que determina a instabili-dade do sistema coloidal. É por issoque as espumas de combate a incên-dio são feitas com bolhas de gás car-bônico provenientes de carbonato desódio e sulfato de alumínio e estabili-zadas com proteínas (sangue seco,gomas) ou mais recentemente subs-tâncias tensoativas, conhecidas comodetergentes, que previnem a coales-cência (Figueiredo et al., 1999; Ferreira,1999). As proteínas são bonsestabilizantes de espumas em alimen-tos, tais como clara de ovo batida emneve, marshmallow e creme chantili.Por outro lado, espumas podem serindesejáveis; por exemplo, os efluentesde matadouros não-tratados adequa-damente contêm grande quantidadede proteínas (sangue, tecidos animais)que, se despejados nos rios, podemmisturar-se com água contendo deter-gentes e formar espuma devido àcorrenteza, causando transtornos am-bientais. Há alguns anos, em Bom Je-sus de Pirapora (SP), a espuma muito

estável formada cobria a ponte sobreo rio Tietê. No entanto, espumas po-dem ser quebradas pela adição deálcoois ou de formulações à base deóleo de silicone.

DetergentesDetergentesDetergentesDetergentesDetergentes são substâncias sin-téticas com propriedades tensoativas,isto é alteram a tensão interfacial quandodissolvidas em um solvente. A tensãointerfacial está relacionada com o tra-balho necessário para manter as molé-culas de uma fase na superfície ou inter-face, permitindo, por exemplo, que alibélula pouse sobre a superfície da águasem romper a película de água da super-fície. Também denominados surfactan-tes (do inglês surface active agents =surfactants), detergentes não são obti-dos da saponificação de óleo e gordura,tal como é o sabão. As moléculasassociam-se em solução, acima de umadeterminada concentração crítica paracada detergente; por isso são tambémconhecidos como colóides de associa-ção. Da associação das moléculas dedetergente resultam as micelas, agre-gados moleculares na faixa de tamanhodos colóides. Usados principalmentepara limpeza na cozinha e para lavarroupas, os detergentes são aplicadostambém em meio orgânico em óleos

Águas naturais e soloÁguas naturais e soloÁguas naturais e soloÁguas naturais e soloÁguas naturais e solo contêm muitos materiais disper-sos de dimensões coloidais, desde argilominerais solubili-zados das rochas até macromoléculas tais como ácidoshúmicos provenientes da matéria orgânica de células vege-tais e animais (Ottewill, 1998). Esses colóides naturais origi-nam-se dos processos químicos e biológicos da natureza.Diversos equilíbrios químicos ocorrem nas águas que lavamas rochas e nos solos. O primeiro equilíbrio ocorre entre ogás carbônico do ar que se dissolve nas águas naturais:

CO2(g) + H2O H2CO3(aq) (1)

O ácido carbônico formado, em contato com sulfato decálcio (usualmente conhecido como gesso - equação 2) ecarbonato de cálcio (conhecido como calcita - equação3), presentes no solo, pode originar íons que interferem naestabilidade coloidal, atuando na camada de cargas dasuperfície da partícula coloidal:

CaCO3(s) + H2O Ca2+(aq) + HCO3–(aq) + OH–(aq) (2)

CaCO3(s) + H2CO3(aq) Ca2+(aq) + 2HCO3– (aq) (3)

Equilíbrios semelhantes ocorrem entre água e feldspato(NaAlSi3O8) presente no granito, feldspato alcalino

(CaAl2Si2O8) e montmorilonita [Ca0,33Al4,67Si7,33O12,33(OH)19,33]:

CaAl2Si2O8(s)+ 3H2O Ca2+(aq) + 2OH–(aq) +

Al2O3.2SiO2.2H2O(s, caolinita) (4)

CaAl2Si2O8 (s)+ 2H2CO3(aq) + H2O

Ca2+(aq) + 2HCO3–(aq) + Al2O3.2SiO2.2H2O (s) (5)

3Ca0,33Al4,67Si7,33O12,33(OH)19,33(s) + 2H2CO3(aq)

Ca2+(aq) + 2HCO3–(aq) +

8H4SiO4(s) + 7Al2Si2O5(OH)4(s) (6)

Esses equilíbrios são controlados nos rios pelo sistematampão CO3

2–/HCO3–, que por sua vez ajusta o pH (con-

centração de íon hidroxônio) das águas naturais. À me-dida que o rio (água doce) chega ao estuário, encontraágua do oceano de concentração salina muito elevada (ele-trólito) e as partículas coloidais de argilominerais e ácidoshúmicos dispersas coagulam, formando maior quantidadede depósito sedimentado e contribuindo para a formaçãodos deltas.

Colóides naturais

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lubrificantes de motores e em gasolina,prevenindo, respectivamente, o acú-mulo de resíduos de carvão nos pistõese o crescimento de gomas (polímeros)no carburador.

Emulsão e microemulsãoEmulsão e microemulsãoEmulsão e microemulsãoEmulsão e microemulsãoEmulsão e microemulsão são dis-persões coloidais de um líquido emoutro, geralmente estabilizadas por umterceiro componente tensoativo (emul-sificante) que se localiza na interfaceentre as fases líquidas. Entre os emulsi-ficantes mais usados pode-se citar pro-teínas (ovoalbumina, caseína), gomas(gelatina), sabões e detergentes, argilase óxidos hidratados. Há dois tipos deemulsão, conforme a proporção das fa-ses: água em óleo, com gotículas deágua dispersas na fase contínua óleo, eóleo em água, gotículas de óleo dis-persas em água. O termo óleo refere-se à fase orgânica e água à fase aquosa.Esse sistema coloidal é vastamenteutilizado na apresentação de produtosfarmacêuticos (cremes), alimentícios(maionese, margarina, leite), indústriais(petróleo, lubrificantes, asfalto). Além daproporção das fases aquosa e orgânica,a natureza hidrofóbica/hidrofílica doemulsificante determina a formação deemulsão água/óleo ou óleo/água. Dife-rentes fenômenos ocorrem em emulsão,tais como: i) cremeação (creaming), queresulta da flutuação das gotas dispersaspara a superfície da emulsão; ii)coagulação das gotas, que causa aformação de agregados constituídos degotas individuais, processo este quetambém aumenta o creme, iii) coales-cência das gotas individuais, que for-mam gotas maiores até estender a fasefinamente dispersa a ponto de quebrara emulsão. Exemplo de coalescência éa coagulação das gotas de gordura pelaação de ácido acético (vinagre) segui-da da precipitação de caseína (proteí-na do leite).

TTTTTratamento de água.ratamento de água.ratamento de água.ratamento de água.ratamento de água. O processo defloculação de partículas coloidais deargilominerais dispersas na água brutados mananciais que chega às estaçõesde tratamento de água das cidades foidescrito no item “Interação entre par-tículas coloidais”. Numa primeira etapa,o pH da água é ajustado com hidróxidode cálcio (cal) e adicionada a soluçãode sulfato de alumínio. Em solução alca-lina, o sulfato de alumínio reage comíons hidroxila, resultando em polieletró-

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5. PETROLEUM RECOVERY INSTI-TUTE, http://www.pri.ab.ca, maio 1999.

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Para saber mais1. ENCYCLOPAEDIA BRITAN-

NICA, v. 4, p. 853, Chicago, 1977.2. ENCICLOPÉDIA BARSA, Enci-

clopédia Britânica do Brasil Publica-ções, 1996.

3. ENCICLOPÉDIA DE QUÍMICATECNOLÓGICA, Kirk Othmer, 3. ed,CD-ROM.

4. PERUZZO, T.M. e CANTO, E.L.do. Química na abordagem do coti-diano. 2. ed. São Paulo: Editora Mo-derna, 1998.

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA O Mundo dos Colóides N° 9, MAIO 1999

litos de alumínio e hidroxila (policátions)com até 13 átomos de alumínio. Essespolieletrólitos de alumínio atuam pelainteração eletrostática com partículas deargila carregadas negativamente e pelasligações de hidrogênio devido ao núme-ro de grupos OH, formando uma redecom microestrutura porosa (flóculos)que, após a decantação do precipitado,facilita a passagem da água no pro-cesso de filtração com filtro de casca-lho/areia/antracito (carvão mineral).

Considerações finaisA química dos colóides está bastante

relacionada com o dia-a-dia do cidadãoe os sistemas coloidais tanto sãoencontrados na natureza, nos reinosmineral, vegetal e animal, como podemser sintetizados para o bem-estar dohomem na forma de bens de consumoe para processos industriais que propi-

ciam melhores condições de vida. Oestudo dos colóides também pode aju-dar a evitar a formação desses sistemasna natureza, quando poluem o ar(fumaça), a água (esgoto doméstico eindustrial) e os solos (resíduos sólidos).Apesar de a química dos colóides terrespostas para muitas dessas questõesambientais, é a participação dos cida-dãos bem informados nos diversos as-pectos da vida social que poderá asse-gurar uma melhor qualidade de vidapara todos.

Miguel Jafelicci Junior, bacharel em químicapela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestreem química de colóides e de superfícies pela Uni-versidade de Bristol, Inglaterra, e doutor em ciências(físico-química) pela USP, é docente do Instituto deQuímica da Unesp no Campus de Araraquara.Laudemir Carlos Varanda é bacharel e mestreem química pela Unesp - Araraquara, onde é alunodo curso de doutorado (área de físico-química) doprograma de pós-graduação em química.