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COLETÂNEA

FLAL

PRIMAVERA

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3º FLAL

Festival de Literatura e Artes Literárias

Edição Especial de Primavera

Realizado no Facebook

De 22 de setembro a 30 de outubro de 2016

CONCURSO

DE TEXTOS ANÔNIMOS CONTOS E POESIAS

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Todos os direitos reservados.

Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas, nem fazer uso

comercial desta obra sem a devida permissão dos gestores do FLAL – Festival de

Literatura e Artes Literárias, bem como de seus autores.

Copyright FLAL

O conteúdo desta obra é de responsabilidade dos Autores, proprietários do Direito Autoral, bem como de seus Organizadores.

Arte de Capa: Luiz Amato

Revisão de Texto: Nell Morato

Diagramação: Nell Morato

Gestores do FLAL:

Ironi Jaeger

Nell Morato

Contato:

Mensagem de texto em:

https://www.facebook.com/flal.festivaldeliteratura/?ref=bookmarks

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PREFÁCIO

Foi com muita honra que aceitei o convite feito pela Nell Morato para escrever o prefácio desta obra. Como jornalista e profissional editorial em formação é uma satisfação poder participar, de alguma forma, desta coletânea. É com muita alegria que participo deste livro e tenho a oportunidade de também propagar a literatura nacional.

Esta coletânea de contos e poesias com a temática “E aconteceu na primavera...” foi construída a partir do Concurso de Textos Anônimos realizado no 3º FLAL (Festival de Literatura e Artes Literárias – Edição Especial de Primavera), um evento online que reúne autores, leitores e profissionais do mercado editorial.

O objetivo deste concurso foi reunir autores que pudessem divulgar seus trabalhos e para também serem avaliados pelos seus textos, sem interferência externa (amigos, família, curtidas, aparência, etc).

Voltando a falar um pouco sobre o FLAL, para quem não conhece, o evento foi criado para promover a literatura e, de forma conjunta, divulgar as obras nacionais para os leitores e também chegar às editoras. A intenção deste evento totalmente online é fazer com que os livros nacionais façam parte da cultura nacional.

Minha experiência como membro da equipe do FLAL me fez perceber ainda mais que este se trata de um evento sério, comandado por pessoas que dedicam parte do seu tempo para divulgar novos autores neste espaço criado para multiplicar a literatura. Por meio de bate-papos, entrevistas, desafios e sorteios, cada vez mais o FLAL está sendo reconhecido pelo Brasil.

Tendo em vista esta importância do FLAL, as obras presentes neste livro foram julgadas por uma equipe convidada: Sonia Gonçalves, Vólia Loureiro do Amaral, João Leles, Joba Tridente e Marizeth Maria Pereira. Ao todo são 61 textos que englobam as escolhas dos jurados e também textos com participação dos próprios jurados e da Equipe do FLAL.

Você, leitor, está mais do que convidado para apreciar esta coletânea e mergulhar no mundo da literatura nacional.

Daniela Garcia Bezerra (Jornalista, profissional editorial

em formação e dona do blog Bio-Livros)

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DEDICATÓRIA

Como gestora e coordenadora do FLAL – Festival de Literatura

e Artes Literárias, dedico essa Coletânea para todas as pessoas

que tornaram esse sonho real.

Ao escritor Luiz Amato, idealizador e criador do projeto;

À Nell Morato por seu incansável trabalho;

À maravilhosa equipe de mediação. Sem ela, nada seria possível;

Às coordenadoras do Infantojuvenil;

Aos escritores participantes do Festival;

Aos escritores mirins que participaram com seus textos e poesias;

E a todas as demais pessoas, que trabalharam muito, dedicando seu precioso

tempo, para que tudo desse certo.

Principalmente agradeço a Deus. Sem a ajuda dele nada seria possível.

Minha imensa alegria por conhecer cada um de vocês e ter trabalhado

nesse maravilhoso projeto.

A todos vocês, meu carinhoso abraço.

Ironi Jaeger Gestora

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HOMENAGEM

AOS

POETAS

MEMBROS

DA COMISSÃO JULGADORA

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PARTICIPANTES DO JÚRI

Os jurados convidados que selecionaram os vencedores do Concurso de Textos Anônimos e suas poesias:

Poetisa Marizeth Maria Pereira

Escritor João Leles Martins

Poetisa Sônia Gonçalves

Poeta e Artista Plástico Joba Tridente

Poetisa e Artista Plástica Vólia Loureiro do Amaral

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PRIMAVERA A Primavera chegou...

E o meu corpo saudoso de ti...

Acordou...

Assisti a beleza das flores...

Admirei as mil cores...

Que coloriam o meu jardim...

Mesmo sem você perto de mim...

Olhei pro céu...

Te desenhei nas nuvens...

Como em papel...

Fechei os olhos......

Suguei teu mel...

O vento que soprou...

O meu corpo acalmou...

Mas não sarou...

A saudade do teu amor...

Vou abrir os braços para a primavera...

Colher flores à tua espera...

E se chegar a hora dela partir...

Vou pedir que os pássaros me levem daqui...

Para qualquer lugar...

Onde eu possa te encontrar...

Pois viver sem você...

Eu sei meu amor... não dá!

Marizeth Maria Pereira

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HOJE Hoje quando abri a cortina... A primavera surgia... E a cena era a mais linda... Flores desabrochavam... Borboletas passeavam... Pássaros cantavam... A paz livre perambulava... O amor saltitava... O sorriso cantava... A vida reinava... Mas olhei além do horizonte... E lágrimas desciam dos montes... Pessoas temiam e gemiam... A morte perambulava... A ira reinava... E o mau se exaltava... Não havia flores naquele chão... Nem borboletas ... nem perdão... O cantar era de bombas... E a morte virou sombra... Pensei... Tolo é o que não sabe valorizar... As oportunidades que a vida dá... Para se viver e amar... Perdendo a oportunidade... De ver o sol raiar... E deixando a primavera passar... Se não consegue agradecer...

Pelo seu novo amanhecer... Olhe pro lado de lá... A guerra... "Faz o povo da Síria chorar"

Marizeth Maria Pereira

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A ÁGUA E A FLOR

A flor tem a formosura, a beleza, o cheiro e o encanto.

A água tem o milagre da vida, da harmonia e da paz.

A flor encanta perfuma e engalana.

A água tem a manutenção da vida.

Tudo tem vida, tudo tem água,

A água tem tudo.

O que seria do mundo sem a água?

O que seria da água sem o mundo?

A flor serve para tudo:

Para agradar a quem a gente ama,

Para fazer feliz quem a gente quer,

Para que o perfume fique depois que a gente se for.

Então a flor, a rosa, o cravo,

Servem pra isso? Pra deixar alegria e lembranças?

Sim, a formosura da rosa, é de pouca duração,

Mas no coração da pessoa amada a recordação não se apaga.

A belezura, o elã mágico por ela produzido,

O perfume trazido, isso não se apaga jamais.

João Leles Martins

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DEUS FEZ

O mar foi feito,

O mar tem o rio,

O rio tem o mar.

Fez as matas... As matas tem o rio.

Fez o homem, ah isso fez,

Deu-lhe trabalho, deu-lhe obrigações,

Por isso até hoje, o sossego, o homem não achou.

Tanta luta, tanta guerra, busca aqui e ali, pra que?

Ah, Deus fez a mulher, isso fez,

A mulher esperta procura o rio e

Na busca encontrou o homem, pra ensiná-la a nadar,

E nadaram... E no nado descobriram os peixes.

E dos peixes o homem gostou,

A mulher esperta corre, querendo ficar,

O homem bobo correu atrás, ah pra que?

O desassossego chegou e ficou.

João Leles Martins

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BORBOLETEANDO PRIMAVERA

Ando borboleta em tom tecida... Num tom furta-cor primaveril Borboleta ando de primavera urdida Com a alma ardida d'amor a mil... Sutil a vida é mantida florida Enfeitada de prosas e ramos de rosas De Sol de primavera permanente Clonada em forma diversas glosas Sofrida li Frida... Esta tinha alma florida Porém ferida Ando entontecida com tantas cores Moldada arrumada comum arranjo Embevecida no meio de tantas flores A boca apetecida com papo de Anjo... Tão doce entorpecimento Florir feito botões de flamboyant Levitar feito flor de hortelã pelo vento Sorrir á flor d'alma ao capim da manhã Destilar o amor incomensurável Abraçar o incomparável A estação mais linda e memorável Permanecer assim florinda Borboleteando o meu centro Primaverando-me por dentro Florindo pelo avesso de mim... Sônia M.Gonçalves

Son dos Poemas

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AS NOTAS D'VOCÊ

Melodioso é o tom que te traduz Desperta a imaginação da gente Teu branco verniz que me seduz

Faz a boca ávida vagar, carente... Quem canta também assovia Diz a poesia e entrega pro sempre...

Teu ser zen rima com harmonia Me sinto segura em tua asa branca Experimento o amargo e o ardido

Meu aroma preferido tem cheiro de esperança Ah!...Como você apetece meu paladar Enlouquece meu dia a dia...

Teu sabor de sereno é tão poético... Diz que obedeço ao pé da letra.. Nota á nota num rito profético

Te rabisco lírico e te cometo num poema Faço-te metade inteira feitiço Fantasia...Inteira metade por isso Partilho do coração a fatia real que lhe cabe...

Sopro a poesia trêmula que te tatua... Á marca do batom que beija teus suspiros Á porcelana que te espelha a boca nua O perfume dos lírios, meus delírios...

Corpos à parmigiana c'calma visceral Pele sobre pele na cabeceira d'alma Na língua o mel orgânico com gosto natural O aroma bom que é do cérebro estimulante

O sabor d'ouro que cultural metaforiza... Induz a melodia dos sentidos ocos A música cujo o tema Só sabem os loucos... Diz um poema literal

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Anota aí, As letras são borboletas de cetim

O vapor verso úmido do som que valsa em mim O vento venda a maré no escuro Pra eu me surpreender em ti... Vê as gotículas vão prumar Só ajustar o prumo Ah!...Então resumo

Amar é... Ter boa fé... Pão com manteiga no desjejum Maçã, mel, cá-fé... Canela, chá na panela Música biscoito Um porto, N'alma debrum...

Son Dos Poemas Sônia M.Gonçalves

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A L E L U I A

Céu de chuva

Aleluia aleluia aleluia aleluia aleluia

Revoada de pardais

..................................

Tarde quente

Cupins a menos

Joba Tridenti 2015

CRISTALINO OLHAR

Feito céu em outro azul

Feito mar em outra cor

Feito cinza em outra luz

Espelho refletindo gestos

No oculto de cada palavra

No grito de cada pausa

No silêncio de cada fala

Topázio varando a fumaça

Feito fungo na rocha

Feito miosótis no tronco

Feito lembrança na tarde

Joba Tridente

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LINDA FLOR

Primavera que se anuncia Em cálidos raios de Sol. Vi a linda flor que surgia, Nas cores do arrebol.

Era única, linda flor... Nenhuma outra havia, Era incomum a linda flor, Era pura poesia.

Confesso que me encantou, Encontrar a linda flor. Eram azuis as suas pétalas? Eram de ouro as sépalas?

Havia um quê de magia, Na linda flor que surgia, Tinha cheiro de rebeldia, Tinha algo que me atingia.

E eu poeta enluarado, Fiquei por um momento encantado, Quando um beija-flor do lado Chamou-me à atenção. A linda flor lhe pertencia, Era dela seu coração.

Então, fiquei a pensar , Na beleza desse amor, Em meio a selva de asfalto, Havia uma linda flor, Que deu seu coração para sempre Ao pequeno beija-flor.

Vólia Loureiro

07/11/2016

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SER POETA Ah, vez em quando a alma se inflama, E arde de forma intensa, A comburir-se na lágrima de emoção. A vida mais parece um mundo em ebulição.

Vez por outra, a alma se enternece, E derrama-se de ternura, A deslizar na emoção mais pura, A vida mais parece um mundo de doçura.

Vez por outra, a alma folga inteira E derrama-se de jovialidade verdadeira, A vibrar na mais pura euforia. A vida mais parece um mundo de alegria.

Vez por outra a alma se entristece E derrama-se no mais profundo desalento, A morrer em atroz abatimento. A vida mais parece um mundo de tormento.

O que fazer com uma alma assim tão nua? Tão declaradamente sensível? Tão profundamente susceptível? Tão abertamente frágil?

A solução é derramar-se em poesia, Para que as emoções não me sucumbam a alma, Para que a alma possa voar e respirar. Esse é o destino de todo poeta, Escrever para não morrer.

Vólia Loureiro - 20/01/2016

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TEXTOS DO CONCURSO

PRÊMIO FLAL 2016

CONTOS E POESIAS

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PRESO NA PRIMAVERA

E era sempre assim mesmo. Tudo estava tranquilo. O vento batia nas árvores e as balançava serenamente, varrendo as poucas folhas que estavam caídas pelo chão. Na fazenda, estava um cheiro de terra molhada. O dia trouxe de surpresa uma leve chuva que caíra a pouco, ainda fina, deixando o chão somente aguado. Mas podia-se sentir aquele cheiro tão característico. Das plantas exalavam um aroma inebriante, pareciam agradecer pelo alimento recebido.

Final de tarde, lentamente a noite vinha. Eram seis horas e o sol baixava, deixando ainda uns raios que iluminavam o pasto. O prenúncio de uma solidão vinha serenando. Os animais se preparavam para o repouso diário e necessário, deixando Sebastião preso aos seus pensamentos. Passava o dia todo envolvido com o serviço que havia no campo, fazendo uma coisa aqui e outra ali, assim não pensava em seus problemas pessoais. Era-lhe providencial o trabalho. Mas quando chegava essa hora, começava ter um misto de ansiedade. Detestava encontrar-se com pensamentos que viviam atormentando-o.

Entrou para a casa da fazenda, o crepúsculo descera rápido. Ele sentou-se à mesa. Estava faminto. Serena trouxera-lhe o jantar e dissera que precisava recolher-se. Ia para a casa do caseiro, onde morava. Tinha um filho pequeno que precisava cuidar e colocar para dormir. Sebastião agradeceu e disse que podia ir tomar conta de suas tarefas particulares. Ele olhou-a por baixo do chapéu e não pôde deixar de notar que se tratava de uma bela mulher, apesar do desgaste que a lida nos afazeres da fazenda lhe causava. Vira-a atravessar o pátio da casa principal, onde tinha luz, e se esgueirar pelo campo afora em direção a sua casa. Não era longe dali, mas tinha um pedaço que era escuro.

Acabou de jantar, meio que mecanicamente, deixou o prato na mesa mesmo e foi-se para a varanda. A noite caíra totalmente em sua pressa de tomar conta daquela parte da Terra. Mais adiante estava tudo assumido por ela, sem o auxílio das lâmpadas, ela se esmerava. Inexplicavelmente, não havia sequer uma estrela no céu, quanto mais lua, para iluminar e disfarçar o poder que ela tomava.

Avistara, ao longe, a casa de Serena e João, seus funcionários, iluminada pela fraca lâmpada interior. Ela cuidava dos afazeres da casa de Sebastião e de algumas outras tarefas que se ligava a isso, ele do gado e dos outros animais. Tinha somente os dois. Preferiu assim, pois queria estar sempre ocupado para se livrar de terríveis lembranças que o atormentavam.

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A fazenda não era grande. Era herança de seus pais. Eles a deixaram a ele há pouco tempo, pois que se foram um logo atrás do outro. Sua mãe se fora vítima de uma gripe forte, velhinha que estava não resistiu aos sintomas. Seu pai, em questão de quinze dias mais ou menos, não suportou a falta que lhe fizera a companheira, fora logo atrás, vitimado por um infarto fulminante. Ele, recém-separado da esposa, assumira a fazenda dos pais, lugar que eles amavam e que viveram por muitos anos seguidos. Sentado ali, inevitavelmente, começara a lembrar-se de novo. Era um homem construído em passado e contaminado por ele no presente.

Quando tinha quase quinze anos, seus pais adquiriram a fazenda. Disseram-lhe para ficar na cidade, terminando os estudos e se mudaram para lá – o sonho deles se fazendo realidade, após estarem aposentados. Ele, filho único, ficara na casa da tia Márcia, que muito se alegrara com sua presença, solteira que era. Ali, com ela, viveu por uns seis anos, até casar-se com Milena. Ainda rapaz, ia todas as férias para a fazenda e lá ajudava o pai em todas as ocupações, aprendendo tudo a respeito do campo. Ficava satisfeito de ver o pai sempre tão feliz e determinado vivendo seu sonho em realidade.

Mas, quando se casou, Milena não gostava de ir pra lá. Ela não era dada ao campo, não gostava de bichos, nem o cheiro do ar puro a agradava. Dizia ela que era cheiro de nada contaminado com estrume. Ela dizia-se urbana e gostava mesmo era do cheiro de um bom tumulto no shopping. Então, passara a vir menos na fazenda. Sua mãe reclamou por um tempo, mas depois deixou de fazê-lo, pois percebia que isso o fazia infeliz. Ele se sentia dividido entre os pais e a esposa. Quando dava uma folga do trabalho ou um feriado mais longo, Sebastião, sozinho, ia ter com os pais, sem a esposa, e por lá ficava alguns dias para matar a saudade deles e da roça. Nesses momentos, sentia-se livre e era um pesar ter que voltar para a cidade. Mas tinha que fazê-lo senão Milena reclamava e passavam uns bons dias só brigando.

Numa dessas suas viagens, era primavera, tinha uns dias de férias e passara um tempo maior, na fazenda, pois se ofereceu a ajudar a mãe na lida de um lindo jardim em frente da casa. A mãe se empolgara, as flores eram de muitas cores e variados estilos. Sebastião se encantava ao ver os pais tão felizes. Sua mãe gostava muito do cheiro que as enfloras traziam para a varanda e para sala. Ela sentava-se próxima à janela para sentir o aroma agradável que delas vinham.

Ao chegar de volta a casa na cidade, notara que a esposa estava diferente em seu retorno. Nem ao menos reclamara sua demora. Estranhara, mas deixou passar. Pensou

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que fosse porque ela caíra em si e vira que visitar os pais era uma coisa normal e necessária. Mas só depois vira que não era esse exatamente o motivo da mudança dela.

Ao entrar em contato com essa lembrança, sentiu o peito se apertar, um visível mal estar tomou conta de seu corpo e a cadeira onde estava sentado começou a prender suas pernas. Ele tentou levantar-se e não conseguiu porque o móvel o segurava. Teria que sair dali, estava suando frio e sua cabeça começava a doer. Mas não obtinha êxito. Seu corpo não lhe obedecia, estava seguro pelas pernas da cadeira. A madeira era forte e resistente, mais forte do que ele. Seu estômago revirava e sentiu que ia verter o conteúdo do jantar. Uma agonia profunda tomava conta dele. Ia gritar, mas a cortina que ornamentava a janela próxima à cadeira, movimentou-se e lhe tampou a boca. Se vomitasse, iria morrer sufocado no próprio vômito. Estava muito mal, mas impedido de pedir ajuda.

O suor gotejava em sua fronte indo fazer morada na gola de sua camisa. Ele remexeu-se alguns bons minutos e finalmente conseguira desvencilhar-se da cortina. Teria que ser rápido. Gritou o mais que pôde. Um grito alto, sem palavras, mas com muito pavor, assemelhava-se a um urro. Um horror que só quem ouvia é que podia saber.

- Calma, Seu Tião! Eu vim ajudar o sinhô. – acorreu prestativa Serena.

- Serena, me solta daqui logo. – disse ele baixinho como se alguém pudesse ouvi-los.

A moça correu a tirá-lo da cadeira. Ouvira os gritos lá de sua casa e correu a ajudá-lo. Levou-o, pálido, molhado em suor para a sala de dentro, sentou-o na poltrona, ele parecia sem braços e sem pés, foi até a mesa ao lado, pegou três comprimidos e os colocou na boca do patrão, em sublingual.

- Espera mais um pouco, sinhô, logo, logo vai passar.

E assim dito e feito. Mais uns minutos, Sebastião estava dormindo pesadamente, um sono intranquilo, mas imprescindível.

- Coitado desse homem! Outra vez com essas crises! – dizia pesarosa a servidora – Jamais vai conseguir se livrar do desgosto da traição da mulher.

E ali mesmo largou o patrão, apenas levantou suas pernas e as colocou em um apoio e desceu o encosto da poltrona. Para ele não faria diferença o lugar que repousava desde que dormisse livre da terrível lembrança.

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Enquanto isso, pela janela, junto ao vento, entrava o cheiro forte e encantador das flores do jardim em frente da casa. Era primavera de novo.

00W11 // Carla Póvoa

O NASCER DA FLOR

O nascer da flor,

Com um sentimento de dor

Agarrado ao passado,

Se sentindo totalmente isolado,

Triste ilusão que está fazendo mal ao meu coração.

Como eu queria ganhar uma rosa

Pra ver se a vida fica maravilhosa.

Eita! Que mundo errado

Que todo mundo se sente maltratado,

Para ser uma beleza poderíamos

Sentir a leveza

Perceber o nascer de uma violeta

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Ou quem sabe uma flor de laranja lima

Para alegrar nossa vida.

Quem sabe aguardar a quimera

No refletir a beleza da estação primavera.

00W12 // Adriano Sanderlei Somosi Palrinhas

E ACONTECEU NA PRIMAVERA

"...Algo me aconteceu

Ao aquela porta abrir

Outrora via folhas

Sem intenção de partir

Agora vejo

Metamorfose de um jardim

Abelhas cantavam

Felizes ao pólen eternizar

Numa flor um beijo

Mesmo partindo ali está

Encantando um jasmim

Teria fim

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Um belo reluzir

Se for

Posso junto sorrir

O que estou plantando

Eles irão se alegrar

Irei modificar

E se me perder

Alguém procurará

Caída no chão

Ninguém veio a ver

Precisei dar lugar

A quem iria merecer

Sinto daqui o perfume

Sim, há o amanhecer

No mais belo céu azul

Sei que há vencer

Sei que há flores

Vestidas de rosa

borboletas disfarçadas

Entre um olhar e outro

A primavera estava acionada

Cores pra todo lado

Numa transformação ao colorado

Um coral de paisagem

Vi pela fresta decorado

Fiques mais um pouco

Entregando-me seu aprendizado

Só fica e me ensina onde o romântico está posicionado

Em entregar uma rosa

De manhã, a tarde ou ao sol encorajado

Me trilhe a amar

Me impulsione a desejar

No outono, verão, inverno

Sejas minha primavera..."

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00W13 // Rosilene Souza

INSPIRAÇÃO PRIMAVERA

Pensamos...

Há quatro estações no ano:

Primavera, verão, outono e inverno.

Hora de presenciar e vivenciar,

O reflexo do início e término de cada estação

Disseminamos...

O romper de fragmentos de pétalas

E o cheiro intenso espalhando-se

Através da brisa do vento.

Interagimos...

Com as flores e sua essência,

No espelho d’ pétalas de cada flor.

E cada uma única e exclusiva,

Na sua rara e estonteante beleza.

Desvanecendo o permitir e o desabrochar

Das flores despertando em explosão de pólen,

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Dando-nos a chance de sentir

E apreciar o expelir de seu aroma

Integramos...

A prospeção de épicos perfumes

Lançados no ar,

Jorrando divinais essências,

Da nossa rica beleza,

Chamada estação primavera.

E inspiramos...

Com todas essas estações,

As flores, o calor, os frutos e o frio.

E apreciamos a venustidade diante dos olhos.

As cores da natureza explorada

Na formosura rara da inspirada primavera.

Boas vindas à primavera!

00W14 // Severiana Paulino Rodrigues

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ENTRANDO A PRIMAVERA

A primavera invade tudo...

A luz do dia modifica o ânimo;

Existe uma brisa morna e ela passeia pelo meu pensamento.

Escutando Rod Stewart vou imaginando tua presença chegando nesses dias.

Tua voz tem um quê da rouquidão sensual e sexy dele.

Me arrepia de prazer te sentir falando no meu ouvido

Palavras doces, palavras fortes, palavras não “publicáveis”!

E essa espera vai afetando meu ser, como a primavera faz na cidade...

O calor morno se concentra em pontos do meu corpo

E vão começar a me derreter por dentro

Como um prenúncio do verão.

Olho o céu azul “de brigadeiro” e queria estar sob o sol,

N´água, nua, dourando a pele,

Deixando o desejo de ti tomar as rédeas da emoção.

Cada movimento molhado lembrando o líquido amor,

A derretida paixão, o incendiado tesão dos nossos corpos...

Quando chegares.

00W15 // Adélia Duarte

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PRIMAVERA

Primavera é uma menina assustada

Bate à porta do futuro violentamente

Têm no rosto as incertezas do infinito

E nas mãos a espada da esperança

Que como um raio fugidio transpassa o medo.

Esperneia, cospe fogo.

Quer entrar pelo teto do tempo,

Correr casa adentra revirando tudo,

Beliscar flores e comer cotidiano...

00W18 // Marcello Silva

DIA DE FLOR

Foi contigo, meu amor, que descobri a beleza de amar. Nos passos nesta vida sentidos,

muitas vezes não dei ouvidos, para o todo maior. Com certeza, hoje escuto, sem brigas,

sem choros, sem luto. Sendo sua, na brandura dos dias. Foi na primavera, que peguei

tuas mãos nas minhas, sentindo que eras realmente meu. Abraços demorados, sussurros

ao ouvido. Fui aos poucos descobrindo o que seria com estar com alguém de verdade.

Não trouxe comigo, as curas em dias de falta de abrigo. Sei somente que nesta estação,

meu coração floriu. Contigo partiu a semente, desta flor que hoje sou, de estação

primaveril!

00W19 // Lia Britto

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E ACONTECEU NA PRIMAVERA...

De repente, em uma vida

Inútil, ordinária e ridícula

Uma luz. Era um sorriso.

Até com os olhos sorria.

Como não corresponder?

Logo, sorriu de volta...

Sabia. A vida mudou ali.

Não pensava mais nada.

A voragem das emoções...

Sonho vivido dia após dia

Na esperança de reencontrar

Novamente o olhar e sorriso.

As vidas se entrecruzaram

Naquela luz. O resto é nada!

00W20 // Zilda de Oliveira Freitas

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QUIMERA

Se eu fosse a primavera,

Estaria solta no mundo a passear,

A florescer nos mais ásperos campos, quem dera!

E na natureza dos corações eu iria morar.

Fugiria da frieza áspera e severa.

Deste mundo de gente a frasear,

Mentiras veladas de verdades não sinceras,

Que acabam a inocência roubar,

-Ah! Se fosse eu a primavera!

Ensinaria a todos a amar,

Distribuiria paixão aos homens, se eu pudera!

Permaneceria para sempre sem fraquejar,

Enganaria as outras estações megeras,

Que impedem aa flores de seu lindo galantear.

Viveríamos assim uma verdadeira quimera,

Florida estação, nos meus sonhos uma eterna primavera!

00W21 // Geana Krause Autora

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ELEMENTOS

Da terra brota a vida

Singela e delicada

Sementes levantam-se da escuridão do subsolo

Esticam-se e confortam-se ao sentirem a luz do sol

Do céu derrama a vida

Rica e Agradável

Gotas despencam-se como dádivas e encantos

Fecundando o solo e dando alívio aos esperançosos Do estrondo faz a vida Fascinante e delicada Chamas consomem a energia existente Na divindade do fogo eterno que reluz Do todo faz a vida Ofegante e essencial Ventos que sopram sem limites e sem rumo Tendo o ar como essência principal Num mundo chamado terra Ao homem a glória da vida Que do fogo, da água, da terra e do ar Fez-se uno Comandante de sua dimensão Tendo acima Somente a eternidade.

00W22 // Flávio Cuervo

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ROSA ÚNICA, AROMA ÚNICO Foi na primavera que a conheci. Aquela rosa vermelha ou será que era amarela? Já não me lembro, deve ser uma rosa belíssima, seu aroma ainda permanece em meu olfato, não consigo esquecer aquele doce aroma. É como o mar, aquele mar que vai e vem que você não consegue parar de olhar... Sim, é assim esse aroma em meu coração. Era uma bela tarde de primavera, eu estava andando pelo parque e decidi deitar perto do riacho. A grama verde estava brilhando devido a chuva da noite passada, estava macia e morna, acabei adormecendo. E quando acordei eu a vi. Lá estava ela. com seus longos cabelos negros, seus olhos penetrantes e seu vestido branco, que batia nas águas do rio. Eu não sabia quem era ou porque estaria ali, mas eu precisava lhe falar que seu aroma soube me conquistar. - Senhorita? - Sim, nobre rapaz. Por que me olha dessa maneira, algo lhe assustou? - Não, pelo contrario, me encantou. Que aroma é esse que sinto ao te olhar? - Aroma? Deve ser das rosas que ficam próximas ao rio, ou o cheiro do próprio rio. Veja como a água está cristalina. - Está mais azul que o céu e mais brilhante que o sol, mas, o aroma não vem do rio, vem de você senhorita. - De mim? - Sim, eu estava dormindo na grama, quando um vento calmo passou pelo meu corpo e o cheiro chegou as minhas narinas. Quando acordei vi seus cabelos negros voando e senti que o cheiro vinha de você. Se me permite. – Eu cheguei mais próximo dela. – Nunca senti um aroma tão abstinente como esse. Perdoe-me a pergunta, mas de onde vem senhorita? - De lá. – Ela apontou para o rio. – Está vendo aquelas rosas brancas na margem do rio? - Sim, estou. - Esse aroma é delas.

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Eu fui até as rosas, me abaixei molhei meus sapatos e as cheirei, não era o mesmo aroma. Quando olhei para trás a jovem senhorita havia sumido. E quando me levantei, uma rosa branca estava flutuando no meio do rio, molhei mais um pouco meus sapatos e peguei a rosa, seu aroma era o mesmo da senhorita de cabelos negros. Hoje faz um ano que conheci aquela jovem senhorita e todas as primaveras venho até o rio para tentar encontrá-la. Vejo as flores nascendo, vejo a água cristalina do rio, a grama verde brilhante e as arvores com frutos radiantes. Mas não vejo a jovem senhorita. Todos os dias quando passo nesse parque a caminho da faculdade eu me pergunto: Será que foi um sonho?

00W23 // Luana Karoliny

ACONTECEU NA PRIMAVERA...

O nosso amor aconteceu na primavera

Deveras, foi a melhor flor que brotou

Uma flor vermelha em chamas de amor

Exalando inebriante perfume azul...

De mãos dadas colhemos no campo, flores

Acolhemos no colo todas as cores

Enviamos a todos os amores pra reviver

Os sentimentos que tinham prazo pra morrer...

No campo deitamos cobertos pela lua

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Nos abraçamos com a pele crua

Que logo ardeu a ponto de queimar a relva

Eu Adão, você Eva, nus... sem vergonha!

Despertei teu urro de mulher na primavera

Teu brado extasiado afugentou a fera

O medo que ameaçava a entrega total da rosa

A rosa que me enfeitiçou, a rosa mais cheirosa

Cujo perfume impregnou-me a alma...

Quando nossos lábios se tocaram tomaram a atmosfera

Os eflúvios dos nossos corpos que calaram os das flores

Nossos corpos vibraram e ecoou-se a musica dos amores

Bendita és, minha Rosa que brotaste na Primavera...

00W24 // Jairo Gomes // Poeta Mário Corredor

E ACONTECEU NA PRIMAVERA...

Foi em uma favela

Que contemplei ela

Verdadeiramente bela

Tal qual aquela

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Rosa amarela.

Lembro-me que era

Uma manhã de Primavera...

A emoção foi tão sincera

Que na hora sentei depressa

Numa cadeira bem singela

Que faltava uma peça.

A beleza surreal dela

Cortou meu peito ao vê-la

Feito estilete quando rela

Na pele ou uma estrela

Que do nada se revela

E rasga o céu como fera.

À noite sonho na janela

E vislumbro a celeste tela

Como se fosse uma aquarela,

Porém tudo remete à ela...

Eu só foco nela;

No sufoco que congela

A vida na passarela,

Quando ela passa e atropela

O meu olhar de sentinela.

Desde então, o vazio da espera

Me habita e desespera

Minha alma tão sincera

E tão sentida como vela

Que chora cera pela vida,

Implorando pela mesma

Mesmo que sofrida...

00W25 // Igor Soares Veiga

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E ACONTECEU NA PRIMAVERA...

E aconteceu na primavera.

O que?

Aquele mesmo amor voltou.

Para os braços de quem?

Daqueles velhos abraços.

Que ainda ecoam por aí.

Nas entradas de um coração...

00W26 // Mariane Dutra

REFLETIDO NA EXISTÊNCIA DA VIDA Deprecei meu talento, com A insolência dos meus olhos! Esperei receber metade do Coração dela, para eu estar

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Inteiro! Ensinei a meu modo, Para ter minha semelhança! A vida ordenou me a procurar, Alguém para eu mesmo amar! Sempre esperei que as maravilhas Vêm cheias de glórias a minha alma! Refletido na existência da vida! Seguia caminho no mar de areia, Meu companheiro da poeira! Com a face transpirada dissera: Deserto d'alegria, cheio de malícia! Podes ser forte, ai a vida não dura! Mesmo assim, continuei na corrida! Numa condição em que muitos Morreram! Um homem meio cego, Me achava perdido e sem plano! Seu medo era conquistar a morte! Refletido na existência da vida! Refletido na existência da vida, Sucumbia aquele demónio suícida, Fez-me ouvir uma música feitiçada, Refletindo na ausência da vida, Cismando em coisa vivida, Menos possivel, vi uma face sofrida! Assim que se viu arrependimento, Com olhos fechados, falando na Voz calada, misturando as com Agradecimento e pedido de perdão! Refletido na existência da vida!

00W28 // Yuri Manuel Cuvula

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CAPTURADOS

Ele, um jovem e requisitado fotógrafo,

ela sua assistente.

Trabalham juntos a pouco menos de um ano.

Uma tarde destas, recebem uma ligação de um tal Sr. Omar,

interessado em fazer um ensaio fotográfico dali há uma semana.

Negociação feita, dinheiro depositado, recebem as instruções.

Aquela era uma boa oportunidade para o stúdio, sinal de que os negócios iam bem.

No dia marcado, chegam ao local por volta das 10:00,

Que aliás, era bem afastado da cidade, mas muito bonito.

A casa era simples, mas estava inserida em uma paisagem de tirar o fôlego.

Era impressionante como tudo ali era bonito.

E a primavera florida, tornava o lugar ainda mais aconchegante e convidativo.

Chamaram na porta, bateram palmas e não obtiveram resposta.

Caio decidiu esperar.

Nina, mais ousada, ao notar que o pequeno portão na entrada estava aberto,

decidiu entrar para chamar mais de perto,

vai que as pessoas estavam lá nos fundos e não haviam escutado.

Ao chegar na porta principal da casa,

após passar por uma pequena e aconchegante varanda,

Nina viu que a porta também estava destrancada e entrou.

Ficou impressionada com a sintonia entre uma casa tão simplória

e os objetos que estavam nela,

distribuídos harmoniosamente, tornando o ambiente irresistível.

Ela seguiu explorando, nem se deu conta quando Caio tocou em seu ombro chamando-a para irem embora.

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Poderia dar problemas invadir a propriedade alheia daquela maneira.

Ela nem ligou e foi logo mostrando tudo que estava admirando.

Foram em todos os cômodos.

Conversavam sobre como aquele lugar bucólico, como era encantador.

Sentaram-se em um longo banco de madeira, que estava nos fundos da casa,

conversando por horas, sem se dar conta do tempo

O engraçado, é que, até aquele momento,

eles não haviam trocado uma palavra que não se referisse ao trabalho que faziam juntos.

No entanto agora, estavam tão a vontade, rindo, trocando confidencias, que

se espantaram ao perceber que a noite chegara silenciosa pegando-os de surpresa.

Nina entra novamente na casa e Caio a segue.

Um grande e redondo espelho antigo faz a moça parar repentinamente,

obrigando o seu colega a também parar de forma brusca,

quase trombando na companheira de trabalho.

Nina encara a imagem dos dois refletida no espelho,

ficam parados em silencio, apenas observando seus próprios rostos.

Na cabeça mil perguntas;

quem era o tal do Sr Omar?

O que teria acontecido que o impedira de chegar para a sessão de fotos?

Que magia tinha naquela casa que os havia prendido por tanto tempo?

E as respostas? Estas não apareceram, tal qual o dono da casa.

Desviaram seus olhos do espelho, e perceberam que o mesmo encontrava-se em um quarto,

as paredes pintadas de azul, uma cama de casal coberta com um lençol florido,

uma penteadeira e um pequeno guarda-roupas ocupavam aquele ambiente.

Voltaram a encarar a imagem refletida.

A impressão que tiveram é de que haviam sido capturados e não mais poderiam sair dali.

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Num ímpeto, Caio abraça Nina e a leva de encontro

à parede e ficam ali, corpos colados,

respiração visivelmente ofegante.

Ele sente o cheiro e a maciez dos cabelos dela.

E ela, completamente imobilizada, sem forças e nem vontade de sair e entrega-se ao momento inusitado.

Ouvem o portão de fora se abrir, alguém acabara de chegar na casa...

00W30 // Rita Coruripe

E ACONTECEU NA PRIMAVERA

Abro os olhos cheios de sonhos... O dia vem despertando claro e iluminado... Músicas,

poesias, transbordam em minha mente.

Passarinhos ensaiando seu espetáculo para a vida.

Sento-me na cama e observo perplexa tão grande perfeição.

As aves se agitam nas folhas das árvores, os galhos brincam entre si com abraços

calorosos.

Olho ao redor e o ninho do sabiá espera o momento da vida desabrochar.

É vida... Cantos... Criação!

Mais distante, flores colorindo o ambiente, o dia vai passando até a noite chegar e

certamente as estrelas aguardam ansiosas o momento do seu espetáculo, iluminando e

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admirando o nosso belo mundo.

Este tempo especial chega a nós com a aproximação de setembro!

Tantas belezas, e incontáveis lembranças que não voltam mais.

Aconteceu nas primaveras passadas e assim guardo comigo tão saudosa riqueza.

Desperto mais um dia... Alegria... É primavera!

00W32 // Simone Valério

SONHO DE UM SERTANEJO O dia está amanhecendo... Lá fora chove bastante Eu ouço os pingos no telhado Minha mãezinha já está de pé Eu sinto cheiro do seu maravilhoso café. Aqui está tão bom... Enrolado no meu cobertor Que preguiça maravilhosa! Mas vou levantar Tenho que ir estudar. Que maravilha! Olhar pela janela dar um alento As folhas balançam com o vento As plantas que estavam secas Estão verdes nesse momento. Os pingos de chuva desfilam na minha janela Estava por muito tempo esperando por ela

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E o bom café da minha mãe vou saboreando Até parece que eu estou sonhando. Que linda imagem... Que bela chuva! O dia amanhece A natureza agradece A seca foi embora Está tudo verde lá fora.

00W33 // Josenilson Leite

ESTAÇÃO DAS FLORES

Os olhos se abriram para a primavera

As cores se abriram para a aquerela

É a poesia que chove

Chega e comove

Na estação das flores.

00W36 // Bruno Vianna

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NA CERTEZA DA PRIMAVERA

Já não era jovem, era uma mulher com uma carga de vida onde o sofrimento lhe era cotidiano, as mudanças, as perdas, os conflitos, os desenganos e a solidão lhe pertenciam como o respirar cansado de cada segundo na sua existência, mas a aptidão para sobreviver lhe regava a terra árida da esperança de renascer na semente do inusitado.

Corria assim o tempo que trazia as rugas e os calos metafóricos em suas mãos ávidas na colheita dos sonhos nas monções de sua jornada. Mas qual criança em parque de diversão, se entregava ao doce sabor das surpresas na roda gigante da existência, com o frio na barriga que desperta a alma de quem vive além do existir.

Numa noite onde o clima era ameno e as lufadas de vento vinham na hora certa, amenizando o suor do corpo que se entregava ao compasso da música alta nos acordes precisos da guitarra em dedos longos plugados no tom perfeito, na melodia que tanto a deixava eufórica como poesia nas tintas de Rimbaud.

Ele lhe foi apresentado pela situação de se sentir só no meio da multidão ensandecida, e no falar o dialeto da sincronia eles se entrelaçaram no sentimento mútuo da amizade que vem antes da paixão. Foram vistos muitas e muitas vezes pelas ruas, pelos bares, pelos sons, pelos lares... E assim os anos se passaram.

Houve espaços em branco entre os encontros desgovernados, houve momentos eufóricos de chegadas inesperadas, mas já não era sozinha aquela mulher que viu a sua história ser tomada de assalto no andar da carruagem sem freios do amor concreto e simples que a levou ao despertar.

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E já não são vistos juntos, talvez nem se reconheçam mais, talvez os caminhos não se cruzem mais, talvez não se tenha um mais, mas o aroma e as cores e os risos e os gritos e os saltos e as flores jamais serão esquecidos, porque na sua jornada é sempre a mesma estação, pois ele chegou e ficou num dia de primavera.

00W37 // Telma Oliveira

ACONTECEU NA PRIMAVERA

Poderia ter dado outro título a este conto, visto que ele aconteceu em setembro, mas um pouco antes de a primavera bater às nossas portas. Os dias já estavam lindos, o frio, pouco frio que esfriara poucos dias do inverno daquele ano já estava em seus estertores.

Quando setembro vier, dizia um filme já antigo. E ele veio e propiciou o início de um amor que já dura 43 anos. Foi em setembro de 1972 que Bel e eu começamos a namorar, numa viagem a Ouro Preto, aquela mágica cidade, cheia de mistérios, causos nunca revelados, conspirações, traições e poesia, muita poesia. Cenário que Cecília Meireles tão bem descreveu em seu “Romanceiro da Inconfidência”:

“Eis a estrada, eis a ponte, eis a montanha sobre a qual se recorta a igreja branca”. E foi ali, passando um dia cheio de sol, que nosso amor nasceu. Três meses depois, o noivado, na festa de Natal. E a mãe dela, preocupada:

- “Filha, que pressa é essa? O que você andou fazendo?”

- “Não fiz nada, mãe. Não estou grávida, se é isso que você está pensando. Sou virgem e vou casar virgem!”

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Realmente, ela quis e casou virgem. De nada adiantaram as minhas tentativas para fazê-la mudar de ideia... na hora H ela escapulia e me deixava – literalmente – na mão.

Resolvemos comemorar o início de tudo, entrando com os papeis no Cartório no mesmo dia e mês em que, um ano antes, havíamos começado o namoro: dia 3 de setembro de 1973, uma segunda-feira.

De posse dos documentos exigidos, fomos ao Cartório. Um detalhe foi esquecido: duas testemunhas eram necessárias para assinarem o pedido. Não leváramos ninguém. O jeito foi pedir a um casal que estava na mesma situação que a nossa e, assim, eles testemunharam para nós e nós para eles. O famoso jeitinho brasileiro...

Saímos do Cartório, que era no centro da cidade, por volta das 17 horas. Eu tinha que ir em casa e voltar ao centro para dar aulas, então acompanhei-a ao ponto de ônibus dela, nos beijamos e corri para pegar o meu ônibus, cujo ponto era alguns quarteirões acima.

Chegando perto, vi, num cruzamento de uma avenida com uma rua, um pequeno tumulto. Dezenas de pessoas aglomeravam-se, olhando algo no chão. De onde eu estava não dava para saber do que se tratava. Nem tinha tempo para averiguar. Peguei meu ônibus e vinte minutos depois, descia em frente ao edifício onde morava. Quando ia atravessar a rua, vejo minha irmã e minha mãe saindo da portaria, semblante carregado.

- “Ainda bem que você chegou. Telefonaram agora do Pronto Socorro, papai foi atropelado e está lá. Pegue o carro e vamos”.

Rapidamente, entrei em casa, peguei os documentos do carro e fomos para o Pronto Socorro. Sequer me lembrei de telefonar para o cursinho onde daria aulas aquela noite para avisar que não poderia ir.

No carro, fiz perguntas e as respostas me deixaram gelado. O atropelamento se dera no local onde eu vira o tumulto, antes de pegar o ônibus. Era meu pai que estava lá, caído, e eu não vi. Custei a dirigir, mas, finalmente, parei em frente ao Pronto Socorro e corremos para lá para ter notícias. Meus outros irmãos já tinham chegado e um tio, médico, já entrara para ver pessoalmente o que se passava. Logo ele retornou e falou que estava tudo sob controle, papai teria de ficar em observação. Foi um alívio, logo desfeito, pois ele chamou a mim e a dois irmãos e disse que a situação era gravíssima.

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Podíamos esperar o pior. Ele dera a falsa notícia apenas para não apavorar mais ainda minha mãe e irmãs.

Fomos embora, pois de nada adiantava ficar ali, não era permitida a entrada.

Voltamos logo de manhã. E aí tivemos a notícia. Nosso pai havia falecido.

Por isso pensei em outro titulo para este conto, que é real: A primavera chegou rosa e terminou cinza.

00W38 // Ricardo Faria

AMOR DE PRIMAVERA

Chegou como um meteoro,

Atingiu me com seus olhos,

Seduziu-me ,e me vi apaixonada por você .

Teus olhos cor de mel me enfeitiçavam,

Tua boca chamava-me sempre,

Teu coração pulsava junto ao meu,

Perto de ti meu corpo não tinha reação,

Difíceis eram as palavras saírem.

Teu cheiro exalavam perfume de rosas,

Ah rosas, que floresciam na primavera.

Por você me apaixonei,

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Assim como a lua se apaixonou pelo mar,

Assim como as flores a desabrochar na primavera.

Por você rendo -me a paixão,

Com você quero viver cada momento,

Seria cedo talvez dizer,

Mas o coração sente vontade de lhe falar, Amo -te..

E já não se é mais inverno, de repente se é primavera.

Deixe me florir seus dias e

Deixá-lo mais feliz.

00W39 // Melissa Star Gorete

RENOVAÇÃO

Ostara em lua cheia.

A ancestralidade que

se encontra na veia.

Celebração.

Renovação.

Novos plantios.

Novas águas

Em rios.

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O sol.

A chuva.

O calor.

O cantar.

Novo farol.

Nenhuma dúvida.

Novo Sabor.

Apenas sorriso e caminhar.

00W40 // Karin Elizabeth Földes

FOTOSSÍNTESE

Um processo físico-químico exuberante

A nível celular luz solar logo filtrada

Na biosfera energia nos é fomentada

Oxigênio ali brota cíclico e alucinante

Tenho o caule fincado à fertilidade

Absorvo nutrientes assim metabolizo

Nascem folhas desta aquarela polinizo

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Pra que outras me deem continuidade

Serei eu um jardim faço indagação

Filosofo afirmação tão pertinente

Constituído de que homem ou planta

Destituo e refaço-me pura inconvenção

Divagando contentado virar semente

Ser regado a incógnita que se implanta

00W41 // Jonnata Henrique Poeta

UM CONTO DA PRIMAVERA Na manhã do dia 24 de setembro, Denise estava toda feliz porque era primavera. Ela não se aguentava, e andando pelas ruas as flores iam se abrindo, e toda flor que abria era um clique. Denise era fotógrafa e a estação que ela mais amava era a primavera. Chegou até a fazer uma exposição de suas fotos sobre a primavera. Ela também tinha um jardim com todas as flores que você poderia imaginar, e os amigos sabiam o que lhe dar de presente, uma muda de flor para plantar em seu jardim. Apesar de não ter mais espaço no seu jardim, Denise queria expandir seus horizontes. Não se passou nem um mês, ela e seu amigo Luan abriram uma floricultura, eles vendem para todo o país. Certo dia, Luan fala para Denise que acabaram de lhe telefonar. E Ela pergunta: quem era e o que falaram para você? Querem abrir uma filial de nossa floricultura em Brasília. Não acredito! É bom nem acreditar mesmo, porque o telefone não para de tocar. Como assim pergunta Denise, querem mais filiais? Sim, estamos feitos. Quem vai trabalhar em Brasília? A Giovanna. Acha que ela aceitará? Claro que ela vai, será promovida. o que você está falando de mim ai? Você, Giovanna na nossa nova filial em Brasília, você topa? Claro que topo em ser a dona da filial de Brasília.

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Denise, Luan e Giovanna conseguiram abrir mais 10 filiais pelo Brasil e uma no exterior. Eles fazem seus clientes muito felizes e satisfeitos...

00W42 // Joana Corrêa

E ACONTECEU NA PRIMAVERA Estava longe de ser um lar

Não havia paredes, teto e jardim

Só tínhamos o luar (...)

Testemunha do seu amor por mim.

Nossa batalha era dura

No seu sorriso ondas de esperança

Traziam aos meus olhos

A ternura de uma criança.

Juntamos o máximo de pedras

Uma a uma encaixamos

As paredes estavam eretas

Ao cansaço nós nos entregamos.

Pela manhã colhi bananas, melão e maçã

Em seu cabelo coloquei uma flor de maracujá.

A relva fofa era o nosso divã.

Envolto por pássaros me sentia um marajá

Ter te amado tanto foi uma forma de agradecer

Tudo o que representa para mim

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Mais que menina, mais que musa, minha mulher

Sonho cultivado no jardim

Graças aquela rosa vermelha

Que trouxe uma nova era

Sua beleza a dela se assemelha

Rosa que lhe dei na primavera.

Em resposta ganhei seu doce beijo

E aconteceu na primavera

Essa forte paixão oriunda de um desejo.

Te amo... te amo...

00W44 // André Luis Oliveira

SERVIÇOS GERAIS

Roberto era assim mesmo. Sempre arranjava uma razão para ir em frente. A vida não estava ali para ele a ignorar. Com dezesseis anos, era o mais articulado do grupo. Todos o respeitavam. O mais alto da garotada, costas largas e físico desenvolvido nas aulas de educação física, conseguia tudo que queria dos amigos. Sempre de braços cruzados, encostado na mureta que circundava a quadra polivalente da praça, era figurinha conhecida nas redondezas. Com uma perna dobrada e a sola do tênis encostada na parede, olhava para umas crianças menores brincando e observava não se sabia bem o quê. A pose ajudava a aumentar a sujeira dos muros pichados, impressão digital da praça.

Roberto entrara na escola, pelas mãos da madrinha, patroa de sua mãe. Joana conseguira o emprego porque dona Conceição permitira que ela levasse o filho, ainda bebê, para o trabalho. O menino, sempre muito quieto, nunca atrapalhou os afazeres da cozinheira. À

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medida que ia crescendo, o olhar esperto de Roberto encantava a senhora. Ao completar cinco anos, dona Conceição providenciou uma creche de tempo integral e, no ano seguinte, um semi-internato para o menino. Ele fazia jus a tudo que lhe era oferecido.

Quando fez quinze anos, disse à mãe já estar na hora de ficar direto na casa deles, mesmo sendo em Madureira. De qualquer jeito, teria que mudar de colégio e tinha idade suficiente para ir sozinho pra escola. Iria cursar o ensino médio e não queria saber de mamãezinha atrás dele. Quanto às refeições, não seria problema porque ela podia congelar umas comidinhas nos fins de semana. Mesmo contrariada, Joana aceitou e até convenceu a patroa a concordar. Conceição, idosa, se preocupava muito com a violência do mundo e com os maus exemplos demonstrados pelos jovens daquela idade. Sair de Botafogo, onde crescera, e preferir morar no subúrbio, ninguém na casa concordava. Joana entendia porque, desde garoto, era nos sábados e domingos, jogando bola e soltando pipa na rua do bairro onde moravam, que via os olhos de Roberto brilhar.

Popular entre os colegas, instruído e ainda menor, chamou logo a atenção do chefe do tráfico do morro da Serrinha. Foi convencido de que filho de empregada doméstica, morando em comunidade, mesmo com estudo não iria conseguir muito da vida. O trabalho era sem risco. Ficaria encarregado de ‘bolar’ uma planilha para facilitar a contabilidade do movimento. Tinha acesso à lan house, sabia usar o computador. Como era respeitado pela rapaziada do bairro, deveria ficar também de olho nos moleques e descobrir quem poderia fazer entregas ou vigiar a entrada do morro. Só servia gente ‘de responsa’ e ‘de menor’. Roberto, ainda na dúvida se aceitava o trabalho, foi seduzido pelo valor do pagamento oferecido. No final do mês, receberia mais do que a mãe depois de tantos anos de casa. Não era pra ‘deixar furo’. Não podia faltar a escola. Afinal, ele era um cara ‘do bem’. Roberto ouviu com atenção e disse que precisava pensar. Ficou de dar uma resposta no dia seguinte.

Naquela noite, custou a dormir. Avaliando os prós e os contras, não deixou de pensar nos atos praticados na casa de dona Conceição. Lembrou-se do dia em que abriu a gaiola da calopsita e a soltou pela janela do segundo andar. O pássaro, de asas cortadas, mergulhou de cabeça no vazio. Encontrar o animal no jardim foi um baque pra Conceição. Ela adoeceu. Isso para não falar de quando abriu o portão da casa para o beagle fugir. Sentiu um prazer desconhecido ao vê-lo ser atropelado. Conceição custou a se recuperar da perda e jurou jamais ter bichos de estimação. Novamente, viu a madrinha acamada. Aquilo sim era serviço que não prestava e nem ganhara dinheiro em troca. Sem falar das vezes em que arrancou as plantas pela raiz e todos julgaram ser o cachorro. Ajudar o ‘trafica’ na parte cerebral da operação era coisa nobre. Sentiu-se prestigiado e resolveu encarar o serviço.

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Empregado, passou a andar ‘na beca’. Joana sentia orgulho do filho. “Está trabalhando de auxiliar de contabilidade. Nem precisa ir à empresa. É um tal de home office. Usa um computador na lojinha da comunidade e ainda estuda no turno da noite”, contou à dona Conceição.

Nas tardes de setembro, as acácias colorindo o espaço de lazer do bairro, era o cenário propício para algumas mães levarem os filhos pequenos à praça. Não demoraram a perceber aquele adolescente, sempre fumando, encostado na mureta, observando os meninos desacompanhados. Vez por outra, abordava um deles e saiam conversando da quadra. Geralmente, não voltavam. Mas como, no dia seguinte, lá estava o garoto brincando com os colegas, a preocupação e as opiniões entre elas mudavam de tom.

Num domingo de manhã, o comentário era geral. Tavinho tinha saído para brincar na tarde de sábado e não aparecera mais em casa. A mãe, desde sábado à noite, percorreu as casas dos amigos do filho para saber do seu paradeiro. Os vizinhos do morro e alguns coleguinhas das imediações que costumavam jogar bola juntos ajudaram pouco. Seguiam a risca o código da comunidade: não vi, não ouvi e não devo falar. Só um, ‘do asfalto’, deixou escapar o nome Roberto. A mãe de Tavinho procurou saber onde o menino morava. Com surpresa se deparou com um rapazote. Achou que havia batido em casa errada. Seu filho tinha só dez anos. Depois de ouvi-la, Roberto afirmou, cheio de preocupação e espanto, que realmente tinha saído da praça com Tavinho. “Quando vejo um moleque andando sozinho, fico preocupado. Me aproximo, caminho com ele até perto de onde mora. Pra ele não se meter em encrenca, entende? Aproveito pra falar sobre o valor dos estudos, a senhora sabe, essas coisas. Mas o que aconteceu?” Ao ouvir os detalhes sobre o desaparecimento de Tavinho, Roberto se prontificou a ir até a delegacia com a mulher.

Para o delegado, Roberto confirmou terem saído juntos da praça. Emocionado, detalhou a conversa que tiveram sobre a importância da escola. Garantiu: “Tavinho, ao se despedir de mim, prometeu seguir meus conselhos”.

Orgulhoso com o desempenho diante do delegado, acrescentou. “Acompanhei a senhora em solidariedade a esse momento de preocupação. Ela está muito nervosa. É viúva, não tem ninguém. E nessas horas, o senhor sabe, o pessoal da comunidade, mesmo unido, tem medo de se envolver em problemas.” “Tia, não se preocupe, tenho certeza de que o delegado vai encontrar Tavinho. Qualquer coisa, pode me procurar.” Roberto se despediu do delegado e ouviu. “Você não é da comunidade? Não tem medo de

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represálias?” “Doutor, moro na entrada da Serrinha e não me meto em problemas. Sou estudante, vivo para os livros. Alguém precisa ter coragem”.

Na noite de sábado, Roberto chegou tarde e dormiu tranquilo. Joana não pregou o olho de tanta felicidade ao saber o que o filho fizera. O domingo se arrastou. Estava louca para, na segunda-feira, contar o ocorrido à dona Conceição.

O jornal, também na segunda-feira, teve o que contar. Foi notícia do dia:

Na noite de domingo, o menino de dez anos, morador de Madureira e desaparecido desde sábado à tarde, foi encontrado morto em um matagal atrás do campinho de futebol no platô do morro da Serrinha. O menor com a boca cheia de barro – prática usada por bandidos como exemplo a quem pretender falar demais – morreu por asfixia. Não havia outros sinais de violência corporal. Os detalhes das averiguações correm em sigilo para proteção da mãe da vítima e para não atrapalhar a investigação.

00W45 // Dag Bandeira

ALMA DE PRIMAVERA

Dentro de um tempo, que nos parece eterno, crescemos. Enroscados ficamos nos fios de nosso casulo emocional. Cegos do nosso potencial, emparelhamos com outras raízes, com outras vidas, tentando ficar de igual para igual. Mas, como em toda natureza, a beleza é individual.

Nascidos para adaptação, vamos procurando os conceitos impostos a seguir. Acomodação de sobrevivência, não de coerência. Esquecemos nossas cores, nossas asas, nossas raízes internas. Somos todos seres vindos da mesma natureza. Ricos com nossas cores, nos dias universais.

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Então, salve a eterna primavera, onde me recordo que me descobri. Há o cheiro doce, que o vento me trouxe, ao planar pelos jardins. Tinha consciência então de mim. Consegui abrir as asas, acreditar na vida, saber que tenho cores, nos dias de amores, de uma estação florida.

Sou hoje borboleta divina, a voar entre as flores, de almas, que enfeitam meu jardim nesta vida.

Não existe mais a comparação, sai de um casulo. A beleza que me rodeava nunca poderia ter sido, por mim comparada! Cada qual em seu lugar. Cada qual com seu tempo. Cada qual dentro de sua estação.

Floresci! Aprendi a voar. A lagarta aprisionada libertou-se. A mulher de agora, não tem mais, a raiz de outrora. Antes... Pequenina semente de gente, frágil, precisando de sol, ventos e ar. De muito ar!

Não sou semente, não tenho raiz. E quem foi, que estabeleceu qual essência vital é esta? Ser flor ou borboleta, não importa mais. Percebi que sou borboleta dentro deste vasto campo de Deus. Esqueci os conceitos, os pleitos, as pessoas diferentes de mim. Tenho meu colorido, minha importância, meu grito, nesta natureza variada, nesta natureza primaveril!

E na primavera, busquei meus sonhos de quimera! Trouxe-te amor, para mim. Meu girassol. Teu colorido é pauso e abrigo, para a mulher que hoje sou. Em teu coração, na linda estação de primavera, irei sempre pousar! Ser flor ou ser borboleta... Não importa. O importante é minha alma, desta vida colorida, poder participar!

00W46 // Lia Britto

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INTENSAS SENSAÇÕES

Depois de uma temporada triste e solitária, acreditando-se se a última dentre as flores, a doce *Campainha de Inverno estava amofinada. Seus olhos esquadrinhavam toda a sua volta e a paisagem ainda cândida adornava o ambiente. Era um belo espetáculo visual, não podia negar, entretanto faltava algo. Não sabia explicar os sentimentos que pairavam em seu âmago. Ela fora feita para viver naquela era onde tudo se escondia, nenhuma outra flor conseguia sobreviver, tinha a chance de brilhar e ser a única. Toda a glória fora destinada à ela naquele momento. Contudo, a pequenina sentia-se diferente, não almejava ser a melhor. Estava só naquele mar nevado. Havia uma lacuna em seu coração. Era notório que todos a enxergavam ali, as poucas pessoas que se aventuravam a percorrer aquele campo gélido, sempre a notavam e a enalteciam. Sim, ela era singular e onipresente. Pensava que deveria estar jubilosa por isso, todavia não era este sentimento que predominava em seu cerne. Observava os dias passarem com melancolia, porém nada poderia fazer para que a angústia fosse aplacada de sua alma. Apenas esperava pois tinha esperanças, lá no fundo de seu coração que um dia aquilo iria passar. Os dias pareciam passar lentamente, a florzinha sentia-os cada vez mais longos, talvez fosse apenas a ansiedada que trazia aquela sensação para si. Contudo, finalmente o milagre parecia começar a surgir. Ela estava tão feliz que já não sabia se era sonho ou realidade. A neve começava a desassomar-se pouco a pouco. Em alguns pontos era possível de se notar algo viridante, era a alegria ressurgindo. Logo, outras características iam aflorando e aquecendo aquele frágil coração. Alguns pássaros já volitavam ao seu redor e outras flores também davam o ar de sua linda presença. Era possível ouvir-se até mesmo o zunido de alguns insetos. O cheiro do regalo era haurido por ela e por todos os outros. Era o prelúdio da primavera. Em seu íntimo, a linda flor sorria com agigantada alegria. Ela não era mais a única ali, passou a ter sua atenção dividida com outras tantas flores. Em alguns momentos era até mesmo esquecida mas isso não a incomodava.

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A primavera coloria seus olhos e era aquilo que estava faltando para sua plenitude. Acreditava que para ser feliz não precisava ser o grande centro das atenções se a solidão a abraçava. Ela sabia que não viveria durante toda a primavera, viveu uma parte de sua curta existência durante a fase mais vazia, porém o pouco tempo que pôde apreciar da beleza primaveril fora-lhe intenso e gratificante. Talvez tivesse vivido toda sua existência apenas esperando por este momento grandioso e acreditava que havia valido a pena. Apesar de sua existência iniciar-se no inverno, a primavera reinava naquele singelo coração. A primavera não é somente feita de flores e cores que observa-se de forma pueril, não é somente apenas uma estação do ano. É preciso senti-la e poder absorver todo o colorido que ela traz para a alma. * Campainha de Inverno: Originária da Ásia, surge no final do inverno. Tem a capacidade de furar a neve em algumas regiões e aguarda a primavera.

00W47 // Tatiana da Cunha Domingues

PRIMAVERA SUA BELA

Eis que vem...

A primavera muito bela ,

Todos amam a sua chegada.

Ilumina o dia,

Seu florescer é encantado,

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Todo casal tende a ficar apaixonado.

O luar se esplandece,

Suave as folhas que crescem,

Pôr do sol de alegria,

Ao nascer do dia ,

Ir na praça ver as flores

Passear com seu amor,

Ao lado das rosas,

Coisas que dificilmente fazemos,

Temos que aproveitar

Esses dias maravilhosos

Em nossas vidas.

Deixar de ficar em casa

E aproveitar a primavera

Que és muito bela.

Com um coração partido

Sentimento abalado,

Perdendo e sendo enganado.

Oh! terrível vida!

Que nos fere a cada dia.

Deixe fluir livremente...

Aproveite a primavera

E tente ser feliz.

00W49 // Adriano Sanderlei Somosi Palrinhas

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ESTAÇÃO PRIMAVERA

É hoje, início da primavera!

Surge a metamorfose dos encantos...

Da beleza singela ao colorido,

Ornamentando o globo terrestre.

Quando chega a primavera,

Vivemos o renascer da natureza,

Com nova folhagem das árvores

E a tonalidade viva das flores.

Jardins floridos...

Campos verdosos...

Abelhas sugando de flor em flor,

Atrás de colher o néctar,

Borboletas bailando no ar

E pássaros entoando canções.

A sensação de um novo começo.

Mais bonito e mais florido é contagiante,

Diante do reflexo da estação primavera.

A primavera é divinal!

No equinócio do seu florescer,

Ressurge a beleza da magia despida

De flores de todos os tipos e qualidades

Begônias e hortênsias...

Rosas e tulipas...

Orquídeas e jasmins...

Há um encontro existencial.

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De ventos petalados,

Do exalar das essências perfumadas,

Transbordando através do nascer

E crescer das flores.

Na estação da primavera

Os sonhos amadurecerem

E brotam em um novo momento.

A vida é torna-se um existir de primavera constante,

Assim como o reflorescimento da flora terrestre,

Rodeada de paisagens verdejantes,

De onde fluem suaves aromas primaveris.

A primavera nas suas virtudes

É a estação anfitriã das flores.

Então, das estações, és primavera!

É o ressurgir da beleza in natura.

00W50 // Severiana Paulino Rodrigues

ACONTECEU NA PRIMAVERA

Naquela tarde primaveril!

Havia flores, exalando perfume

E, o gorgeio dos pássaros que ...

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Ouvimos!

Momentos ímpar que admiramos

E muito felizes, nos sentimos

Planejamos então, nosso futuro

E, a vida nos sorriu por longos anos.

E o tempo passou!

Hoje, não há mais flores

E a praça está deserta

Solitária como eu a pensar...

Na alegria que sinto ao recordar!

Aquela tarde, o que ...

“Aconteceu na primavera”

00W53 // Aurea de Lucca Pancaro

AS ESTAÇÕES Faltavam poucos dias para chegada da primavera, quando a menina nasceu. O pai, seu Jerônimo não se conteve, ao pegar aquela criança tão pequena nos braços, chorou de

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emoção. Afinal ali estava o fruto do mais puro e verdadeiro amor por sua querida Joana. Como se aproximava a primavera, os pais resolveram colocar o nome da filha de Rosa. A família não tinha muito poder aquisitivo, trabalhavam muito, porém o que não faltava naquele lar era amor. Rosa cresceu cercada do amor e carinho dos pais. E o tempo ia passando, a cada primavera, ela tornava-se mais bela. Jerônimo sempre a alertava para tomar cuidado, pois ele não iria criar a filha dele para depois entregar na mão de qualquer um, isso não, Rosa possuía além de sua beleza, uma maturidade como poucas para seus dezessete anos, era muito responsável e atenciosa com seus pais. E foi numa destas idas e vindas para escola, que um dia por acaso ela conheceu, Daniel. Foi amor à primeira vista, quando seus olhos se encontraram, foi como se um mundo novo se descortinasse em sua frente. Ele era bem mais velho que Rosa, e trabalhava próximo da escola que ela estudava. Ele também se encantou com o jeito meigo dela, então as conversas e os encontros passaram a ser frequentes, e não demorou muito e os dois já estavam namorando. Quem não gostou muito foi Jerônimo, porém Joana o convenceu, disse que não havia mal nenhum em a filha querer namorar, achava até natural. Então o pai aceitou, com muito custo, mas aceitou, pois havia algo em Daniel, que o pai de Rosa não gostava. Apesar do rapaz dizer que a amava, seus atos não demonstravam a mesma coisa, ele chegava a ser cruel com a namorada, devido seu ciúme exagerado. Algumas vezes o pai presenciou os dois discutindo e Daniel a empurrando, para ele era muito triste ver sua doce Rosa apaixonada por homem como aquele. Porém ela estava tão envolvida que não aceitava palpites em seu relacionamento, pois já estava decidida, Daniel era o homem da sua vida, “quem sabe com o casamento ele se tornaria uma pessoa melhor?” – pensava ela. Triste engano, com o casamento as coisas só pioraram, ele passou agredi-la por qualquer motivo, tudo que havia de belo e doce na vida de Rosa, tornou-se feio e triste, já não encontrava mais motivos para sorrir. Ela sempre se lembrava das palavras do pai, porém tinha esperanças de que seu amor fizesse com que Daniel mudasse e passasse a olhá-la com outros olhos. Mas como isso nunca aconteceu, e depois de tantas decepções, ela decidiu partir, pois não iria deixar de ser feliz por alguém que não conhecia o significado da palavra amor e respeito. Foi uma decisão difícil, porém ela sabia que a mudança teria que partir dela, somente dela. Ele ainda tentou fazer com que ela mudasse de ideia, mas Rosa foi firme em sua decisão, não se deixaria mais enganar por falsas promessas. Pois foi durante aquele período de afastamento que se redescobriu, e viu brotar em seu ser uma nova Rosa, talvez aquela que havia se perdido em alguma primavera. Em seu coração as flores voltaram á florir, sabia que haveria os espinhos, e que em alguns momentos teria que enfrentar as mudanças das estações,

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porém em seu ser habitava um novo ser, capaz de superar as intempéries da vida de cabeça erguida e com a certeza de que havia feito a maior de todas as descobertas, pois descobrira que ela mesma deveria cuidar do seu jardim, não esperando que a felicidade dependesse do amor de alguém.

00W54 // Mora Alves

A PRIMAVERA E AS OUTRAS TRÊS ESTAÇÕES

Verão, estação que traz calor e energia em sua cor.

Porém seu clima não supera, o clima gostoso da primavera!

Outono, estação em que as árvores ficam sem vida.

Prefiro a primavera com suas flores coloridas.

Inverno, chega arrasando com o frio de seu vento.

Mas logo depois vem a primavera, com todo seu encantamento.

Primavera... Ah primavera!

Se todas as estações tivessem seu brilho...

Ah quem me dera!

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00W55 // Barbara S. Marcos de Oliveira

ACONTECEU EM SETEMBRO...

Dia claro ou chuvoso

Não recordo o tempo

Um casal talvez nervoso

Acredito feliz

Em momentos nebulosos

Um choro, irrompendo o silêncio

Aguardavam ansiosos

Momento deveras amargo

E doce como mel

Suas mentes percorriam as estrelas

Em quase todo o céu

Acredito que esperavam do ditoso

Um menino inspirador

Não foi qualquer primavera

Ou, mais uma ao léu

Surgia para abrilhantar a vida

No bairro do Méier

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Aqui

Na cidade mais bonita...

Esse garoto

Obra e graça

De libidinosa relação

Abençoada, creio.

Foi crescendo, gostoso

Apetitoso, encantador

Das mulheres de cinco anos

Fazia-se sedutor...

Inteligente

Não muito ágil

De saúde, às vezes, frágil

Fintando os desafios com louvor

Querem conhecer o, hoje, homem?

Ah, ele é uma riqueza

Carioca, flamenguista

Com o samba fazendo amizade,

Uma beleza

Poetando irreverente

Quando o tema são mulheres?

Com intimidade, versa alegre

Contente...

Seus olhos são avermelhados

Será doença de paixão?

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Escrevendo sempre livre

Sem preocupação

Ouvindo sempre dizerem os entendidos...

Que poesia rica

É de curta construção

“Mário Quintana” que o diga(salve o mestre!)

Mas, poesia para ser linda

Merece uma fala

Para a mulher que a ouve calada, muda

Com o coração, a escuta...

E a conquista, faz-se clara

Entregando-se ao poeta

Quando a primavera finda

O orgasmo é sol de verão

Cansa, queima

Mas pede sempre

Repetição...

Descrevi o nascimento e vida

Desse libriano

Que tem na poesia

Uma luz

Em meio a tanta escuridão...

00W57 // Carlos Alberto Cardoso Souza

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E ACONTECEU NA PRIMAVERA...

SAUDADE

Saudade...

Daquele tempo em que era feliz

Daqueles momentos profundos, daqueles sentimentos secretos

Que ficaram na íntima raiz.

Então volta e pensa

Se entrega, compensa

Todo o abismo que tomou conta e escureceu o brilho do seu olhar.

O sol e as estrelas

O espaldar do cometa

A visão que tinha era perfeita através de sua lente

Éramos um só.

A vida e a magia

A grande agonia que me aperta e dilacera

Só em pensar.

Eu corro em direção ao roçar do orvalho, tocando o cascalho

Mas eu não consigo me mexer

Estou perdida em você.

Então volta e pensa

Não deixa morrer.

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Revive para nós aquela vida, aqueles momentos.

Eu subo a montanha ao alvorecer e estreito meu olhar

Buscando a luz que vem e que me ilumina

Abro os braços para o amor

O motor que me fascina.

Já não vivo, mas revivo

A imensidão ao meu redor

A paz, a luz, a vida e o seu amor

Os quatro elementos que tanto sinto

Saudade...

00W58 // Mayara Taísa Lins

MIOPIA

Denise era uma criança faceira, amava desfilar com as roupas e os sapatos de sua tia Ana. Rodopiava por todos os cantos da velha casa situada na rua das flores. Passava pelos cômodos em busca de elogios. Na sala, geralmente ficava sua avó Hermínia, uma senhorinha com cabeça de algodão cuja cor totalmente branca se enxergava do começo da rua, já que a poltrona de listras verdes ficava à frente da janela. Na cozinha, sua mãe encontrava-se repetidas vezes tomando chá de macela para curar dores frequentes no estômago. Quando se dava conta das vestimentas que Denise usava, ralhava com a menina mostrando uma voz de taquara rachada e, por vezes, seus lábios inferiores pendiam para a esquerda, num sinal de que sua alma reclamava do mundo, porém as palavras se escondiam no meio de alegações de que a filha era insistente e irritante demais. Nessas horas Denise saía ligeiro em direção ao quartinho dos fundos, uma despensa onde seu pai se aquietava após longas horas de trabalho.

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Em um dia qualquer, ao praticar seu ritual de desfile, o pai estava a mexer em uns papéis já amarelados pelo tempo. Ela, toda vestida com roupas e sapatos de tia Ana, perguntou a ele que horas eram. Ele mostrou-lhe o relógio e percebeu que a criança não esboçava conhecimento no olhar. Então ele a ensinou a compreender o funcionamento dos ponteiros, mas não antes que ela tirasse as fantasias por cima de suas roupas. Denise se olhou no espelho, novamente de pijamas verdes claros, olhos inchados e pantufas peludas. Sentiu-se livre, porém sem atrativos. De repente, Otávio lhe chamou a atenção para que mantivesse sua visão no papel esfumaçado. Ela nunca imaginou que seria tão fácil ver as horas, nunca havia sentido tal independência. Aquela sensação ficou dentro dela sem que percebesse.

Na outra semana, ela ficou sabendo que, no exato dia que faltou à aula, a professora tinha ensinado a ler as horas em relógio de ponteiro. Foi o dia em que Denise teimou com os pais que não queria ir para a escola vestindo bermuda e usando sandália. Ela não gostava de seus dedos e de suas pernas finas. Nesse dia seus pais brigaram por sua causa, ela viu e ouviu os gritos da mãe. Mais tarde, estava a mulher na cozinha tomando chá, o homem no quartinho lendo e a avó aconchegada na poltrona barulhenta assistindo a novela. Em dias de silêncio se escutava claramente o ritmo lento do ranger da poltrona. Aquela sensação ficou dentro dela sem que percebesse.

Os dias se passavam em sentido horário. Um ano depois, a mocinha completava 11 anos, paralelamente à data da separação dos pais. E a cada 12 meses sua visão estava um pouco pior. Chegava a comparar o problema de estômago de sua mãe à progressão da miopia. Às vezes, tinha a impressão de que só aumentaria. Talvez porque achasse que os ponteiros andassem em uma só direção.

Enfim chegou o dia de sentir novas emoções, ao completar 15 anos, Denise foi convidada para desfilar na festa de sua escola. E o grande dia aconteceu na primavera... Ela não pôde se arrumar na casa das amigas, sua mãe não deixou. Apesar da falta de compreensão da jovem, foi uma sábia decisão, pois quem a auxiliou foi tia Ana. A menina-moça experimentou variadas roupas para compor seu look e alguns sapatos. Inconformada por nada ficar de seu agrado, avistou uma bela sandália, mas seus dedos dos pés haviam ficado mais encurtados com o tempo.

– Gosto desta, mas meus dedos ficam tortos nela. Que droga!

Ana alisou seu rosto e disse:

– Minha linda, você tem um pé perfeito, ele é feito para caminhar, para correr, e nada mais. Sinta ele, apenas, não o olhe se assim preferir, mas fique feliz por ele permitir que você desfile.

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Nesse instante ela calçou as sandálias com um sorriso na face, iluminou os olhos com uma pintura leve e corou as bochechas. Colocou um vestido de algodão cor de rosa que acompanhava suas curvas e seguiu rumo à festa.

Seus pés tremiam, pois não estava mais acostumada a andar de salto alto, há muitos anos que não brincava de ser mulher. Seu coração batia nas costas e nas costelas, os músculos se endureciam à medida que imaginava a hora em que teria de subir na pista que centralizaria os olhares nela. O DJ soltava um gás de vez em quando que parecia mágico. Ela prazeroso sentir a fumaça branca no rosto, o gosto doce que ficava na boca e o perfume de morango que tal efeito tinha. Eram envolventes as músicas e as risadas das amigas, era desafiador notar a aproximação dos rapazes. Alguns passavam os dedos pelos seus longos fios negros e diziam que ela estava linda. Por um instante sentiu que tudo estava girando em sentido anti-horário. Aquela era a sua casa, a sua plateia – algumas vezes ruidosa; outras, silenciosa –, era a sensação de subir no salto e fazer o que tinha vontade de fazer. Os rostos, Denise não enxergava com perfeição, mas sentir os cheiros, os sabores, o toque e o som... Foi o que a fez relaxar e simplesmente fantasiar.

Para o tempo voltar, foi preciso irritar sua mãe pedindo para ir à festa, insistir em provar o desconhecido, caminhar sem ter certeza do que iria enxergar, buscar o que faltava no coração – afinal, a sensação de completude estava lá.

00W59 // Carolina Utinguassú Flores

FLORES DA PRIMAVERA

Vi um novo rebento, por dentro das flores da abundância

Fiquei pasmado, e encantado com as rosas da ignorância

Chamei-te Margarida, cheia de cores tão colorida, tão querida

E tão Macia

Que só por olhar dava o sentimento de supremacia

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Mas ela, há vezes que bem-me-quer mal-me-quer

E nem sempre é a mulher do dia

No mesmo dia, que passo o anzol

Fico surpreso ao ver um girassol

Num sol que aquece, enquanto chupo mentol

Tornando sádica minha teoria

Flores que fazem a terra crescer

Nascem do solo, com o sol a nascer

Não fiques pasmado, com seu jeito de ser

Porque as flores da primavera são todas mulheres

00W60 // Marcelo Gomes.

BEIJO DESEJADO Na noite perfumada pelo cheiro das flores

Veio-me à mente o beijo terno e o prazer

De tê-lo dado em sua boca tenra.

Recordava-me do labor entre nossas línguas,

A sôfrega respiração e o olhar de constante

Ansiedade em segundos de beijos.

Estávamos abaixo do brilho das estrelas,

Imersos um no outro, ébrios da beleza

Da noite primaveril e cúmplices dos sonhos

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De amor.

Éramos só olhos que buscavam ao outro,

Repletos de paixão, fazendo nossos corpos

Aproximarem-se, e já não bastavam mais

Os olhares. O beijo era o recurso final.

O beijo lírico, voluptuoso, caliente, ousado

E nu, aconteceu definitivamente.

E, aconteceu na primavera, esse beijo permitido,

Como um orgasmo em cópula ,pois o beijo

Nos permite orgasmos, também.

E, assim, ao findarmos o beijo desejado,

A noite ocultou-nos no seu manto negro.

E aconteceu na primavera!...

00W61 // Cezar Ubaldo Oliveira de Araujo

AS FLORES

As flores não falam

Exalam o perfume mais tenro

As flores não choram

Bebem orvalho

Sussurram segredos

Psicografam poesia

As flores dançam ao vento

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Bailam na chuva

Valsa... Ventania.

Espinhos...

Pra que servem os espinhos?

Proteção?

00W62 // Marcello Silva

O DESCOBRIR DA PRIMAVERA

Primavera!

Minha mente me fez pensar

Que na primavera não irei florescer

Não darei frutos.

Mas ao amanhecer

De um novo dia,

O brilho do sol,

O cheiro suave e doce das flores,

Me fez ansiar por mais um dia,

Que venha a primavera...

Flores colorindo nossos jardins,

Borboletas a voar com suas asas de cetim,

O beija flor do néctar a se saciar,

Que o perfume da primavera vá com o vento,

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E que tenhamos o olhar atento para enxergar,

O que a estação pode nos mudar.

00W63 // Cristiano da Silva Henriques

O POETA E A MERETRIZ

Não posso manter você do meu lado,

As minha economias chegaram no fim

Eu tão ingênuo

Achando que te mostrando

Meu simples modo de viver

Tu quisesse ficar.

Tu sonhas com o vermelho dos rubis

Mostrei o vermelho das minhas rosas

Reza todos os dias pelo amarelo do ouro

Te aqueci com o amarelo das paredes do meu quarto

Expira pelo verde do dólar

Te dei o verde do meu pequeno jardim

Sempre querendo as mais caras vestes

De ofertei o calor de poder vestir meu corpo

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Dada chamou tua atenção

Isto foi o pior.

Assim que meu bolso esvaziou

Partiu-se pela manhã e só deixaste uma carta

Que não tive coragem de abrir

E um sonho que sonho todas as noites

De um simples poeta que mudou a vida

De uma luxuosa meretriz.

00W65 // Dayvton Almeida

AMOR MORFEU

Tudo que aconteceu

Na alegre Primavera

Fica em algum lugar

Do tempo onde impera

O aroma único de cada flor,

De cada novo recomeço,

De algum amor ou do que for

Iniciado em um beijo...

00W68 // Igor Soares Veiga

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IMPRESSÕES DE UM SONHO QUE EXISTIU

Tento dizer algo sobre você à mim mesmo mas tudo que encontro são palavras mescladas com imagens lembranças, flashes de sensações, lapsos de uma noite levada pelas ondas, escondida sob a areia .Talvez a tentativa fosse de se conformar com tudo que aconteceu tentando, repito, tentando virar a pagina daquela noite, cuja Lua conspirou para que meus lábios se atracassem nos teus, para que meus olhos com seus cílios raspassem nos teus e continuassem como um pincel no teu pescoço, pintando seu colo com matizes e vernizes que viraram segredos na palheta de nossas memórias cúmplices, na tela daquela noite eterna cuja única testemunha é uma tartaruga insólita que veio alcançar a praia, tirando um leve sorriso dos nossos rostos grudados....Eu quero mas preciso convencer-me da realidade de algumas muitas, poucas, horas nas quais brincamos de atores de Cortazar em um Jogo de Amarelinha... Disse em teu ouvido poesias tiradas de experiências de outros tempos e você riu das minhas palavras que não se usam mais, olhou meu rosto sério ao pensar nas possibilidades dos acontecimentos dos tempos, do jogo caótico de amarelinha a ser desencadeada por um beijo em tua boca, pelo sequestro de sua língua, da garrafa de Porto que foi esvaziada nesta mesma boca, dando aos nossos beijos ébrios um ar de coisa profana, deitados pelo chão, eu sobre ti, você sobre mim, deitados não... rolando...de um lado a outro...não lembro bem quando o beijo começou, nem quando terminou, assim como um sonho sem antes nem porquês, um jogo onírico no qual voava pra longe da terra e de minha vida real tão repleta de pequenos problemas, plena de grãos de areias que emperram grandes engrenagens de projetos que não se executarão, impressões ruins levadas longe pelo toque do teu corpo... Como num sonho acordei sozinho em minha cama, abalado pelo vazio das sensações dos sonhos que acabam, dos livros que se fecham após a segunda página, das historias que terminam sem final, das bocas que se separam levando aos olhos um sentimento de melancolia... Acordei sozinho. Como piada de fauno, olhei no espelho sem me reconhecer, fitei longamente meus olhos que há poucas horas só fitavam o teu olhar castanho... Tentando sem sucesso com as mãos baixar os poucos fios de cabelo ainda com a sensação mágica dos teus dedos por dentre eles, a camisa entreaberta exatamente no

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espaço onde recostava sua cabeça e suspirava segredos de menina que jamais vou entender...Esta manhã sou uma imagem fossilizada da noite passada, apenas com as impressões marcadas da sua existência...sei que fiquei horas imóveis sentado na cama, olhando para os espelho e ao fechar os olhos movido pelo sono da noite não dormida, os mesmos olhos fechados voltavam a ver os contornos dos teus ombros, os segredos displicentes do teu decote, pernas, braços, nucas e todos aqueles espaços infinitos do tempo duma noite, que como imagens dum caleidoscópio mágico, tentam reconfigurar sem muita clareza a existência das horas passadas... Penso em você e confundo a nossa noite com poesias de Neruda, confundo os nossos tempos com os tempos que nunca tive, confundo meu olhar no espelho, nos olhos que se confundiram com os teus, confundo tudo e me confundo nos restos dos dois espalhados pela manhã, no teu cheiro em minha roupa, no fio de cabelo que ficou preso em minha camisa como uma corda de cabo de guerra do jogo sem vencedores que ambos perdemos ao nascer do dia, agora você dorme, a boca que era minha agora pende entreaberta num suspiro, os olhos infinitos fechados movem-se denunciando os sonhos que eu aqui como voyeur imaginário queria descobrir, entrar nos teu sonhos e conhecer os teus desejos, para que, na próxima madrugada infinita, será que existirá, se é que existiu, poder assim os realizar. Caio na cama e vencido pelo cansaço tento ainda escavar na memória recente os traços da noite passada, mas meus tempos me vencem, fico imóvel e adormeço na esperança do sonho recomeçar.

00W70 // Glauco Callia

A LUZ DO SOL NASCENTE

O sol está nascendo!

As cores são júbilo oportuno que chega.

Matizes do dia que se inicia.

Dissipando a treva fria.

Podemos respirar

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O ar fresco e rico em vida.

Existência que vem da atmosfera

Na luz divina que a estrela derrama.

Sinta a luz em seus olhos!

Em seu coração.

Em seus pulmões.

Rosto.

E alma primaveril.

Grande farol do sistema solar.

Divindade suprema das civilizações.

Plena fonte de vida.

Suave fulgor do amanhecer.

Transcenda-nos.

Transforme-nos.

Cativa-nos com seu brilho.

Doe-nos o poder da plenitude.

A eternidade reluzente

Do dia nascente.

Presente,

A janela aberta

No sentido que desperta.

Assim então seremos

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Sol.

Cores,

Calor,

Vida,

Luz.

00W71 // Flavio Cuervo

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VENCEDORES

DO

PRÊMIO FLAL

2016

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4º LUGAR

PRIMAVERA

(conto inspirado em antigos desenhos animados).

“- To li to li to li......... to li to li to la

- To li to li to li......... to li to li to la

- Oi. Bom dia pala você.

- Sim, pala você que está lendo.

- Talvez não se lemble de mim. Mas ‘mim’ lembla de quando você assistia minhas

estólias nos desenhos animados na tv.

- ‘Mim’ honolável besoulo japonês. Lemblou?

- Hoje quelo contar uma estólinha pala todos. ‘Mim’ muito inspilado....... hihihihihihihi.

- Há muitos e muitos anos atlás, nos plimórdios do mundo.................................”

Uma reunião, em algum lugar no Olimpo. Presentes: Zeus, Apolo, Hélio, Aquiles,

Atena, Dionísio e Hermes.

Zeus ocupava o majestoso trono central. Colunas de mármore sustentavam a abóbada,

onde ricos desenhos se misturavam com sutis filigranas.

Ele estava irritado. Sem lisonjas, iniciou a conversa.

- Estou cansado desses humanos, até arrependido por os escolher.

- Sim, concordo - Apolo estava à direita. - São irresponsáveis ao extremo.

- Dei-lhes tudo o que precisavam. Boa terra, água em abundância, clima perfeito. Mas o

que fizeram? Parecem gafanhotos.

Aquiles levantou-se. Tinha cabelos longos, negros como a pena do melro.

- Deixe-me exterminá-los senhor. Assim eles terão o que merecem.

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- Como se isso fosse simples.

- Eu farei com que seja.

- A beligerância acompanha a juventude. Tenho o braço cansado de tanto arremessar

raios - riu de sua piada. Virou-se para o lado - Alguma sugestão Atena?

Ela era bela. Emanava sabedoria. Como em um ato premeditado, aguardou alguns

segundos.

- Nós atacaremos os principais fatores da subsistência da espécie humana. Eles

necessitam da caça, como também de plantar para comer. Não vejo uma forma melhor

do que privá-los dessas possibilidades.

- E como fará isso? - Interrompeu Hermes.

Com graça, sorriu, olhando para todos.

- Mexendo no clima. Podemos começar com um calor escaldante, queimando boa parte

da flora. Isso extinguirá a maioria dos animais.

- Gostei disso - Hélio ajeitou-se melhor no trono.

- Depois um ambiente mais ameno. Onde aguardaremos a queda das folhas, plantas e

outros que teimarem em sobreviver.

- O plano está ficando muito bom - Dionísio não tirava os olhos dela.

- E, para terminar, frio e muita neve, congelando tudo o que sobrou.

|Zeus levantou-se, imponente. Sua voz soando forte.

- Aprovado. Vamos colocar em prática........

Foi interrompido por passos miúdos vindo em sua direção.

- Papai, papai, veja o desenho que eu fiz.

Ela era minúscula, diante do apogeu físico do seu progenitor. Tinha cabelos cacheados,

fartos, cor de ouro.

Com imenso amor, ele a olhou, pegando-a no colo.

- Que lindo, minha querida. Foi você que o fez? - Seu tom era impregnado de doçura.

- Sim, e não precisei de nenhuma ajuda. Gostou?

- Muito. Um regato, uma casa, o morro por trás. É bonito.

Todos os presentes haviam se aproximado, olhando o desenho.

- Você gostou dos pássaros, das flores e das borboletas? E das frutinhas papai?

- Claro. Gostei de tudo, mas só não entendi o porquê de tantos deles juntos.

Verônica fez um bico, franzindo os olhos:

- Oras. Porque é muito mais bonito. Imagine se lá embaixo fosse assim? Um local belo,

repleto de felicidade. Os humanos e os animaizinhos iriam adorar.

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- Quer que eu faça isso, minha querida? - Fez cócegas na barriga da filha.

- Quero papai, quero.

- Então pode deixar que farei.

Ela deu-lhe um beijo no rosto e um lindo sorriso.

- Obrigado papai.

Com passos miúdos correu para o seu quarto.

Todos retornaram aos assentos. Ele pigarreou, alteando a voz:

- Bem fica decidido. Faremos com o clima o que conversamos, mas com intensidade

muito mais reduzida. Como um aviso.

- As três mudanças? – Atena encarou-o.

- Claro que não. O número será quatro, pois a mais importante é a sugestão da minha

filha. Façam com que esse período seja lindo e aprazível.

Todos o olharam, quietos.

- Alguém contra?

- Não senhor – responderam em uníssono.

- Então está definido.

Em sua cama, ela ouviu as ordens proferidas pelo seu pai.

Dormiu com um sorriso no rosto.

“- Hihihihihihihihihi............. E assim meus amigos, Velônica e a plimavela salvaram o

nosso mundo.

- Até outlo dia e outla estólia.

- To li to li to li......... to li to li to la

- To li to li to li......... to li to li to la”

Fim.

00W16 // LUIZ AMATO

4º LUGAR

85

PRIMAVERA Encontrava-me triste

Pois não havia flores

Lá fora, no meu jardim.

Só colhia folhas secas,

Não apreciava borboletas

Entristecia num escuro sem fim.

Eis que um dia me encontrei

Se o jardim lá fora, não floria,

Sem demora, eu devia

Plantar a semente em mim.

Hoje sou flores,

Com alegria e desamores,

Com amor e dissabores,

Das sementes plantadas em mim.

Joguei sementes no tempo

E o jardim, cresceu aqui dentro

Aqui, bem dentro de mim.

. 00W17 // PALMIRA HEINE

4º LUGAR

86

ACONTECEU NA PRIMAVERA

O Brasil é um dos países que abriga a maior floresta do mundo, portanto, possui inúmeras árvores típicas que se espalham por todo o território brasileiro e cada região possui suas árvores nativas, que se caracterizam de acordo com o clima, o solo, a quantidade de chuvas, entre outros fatores que contribuem na formação das espécies e na criação de outras novas. Dentro da imensidão verdejante, habitam seres estranhos que a própria natureza desconhece e que o homem não foi capaz de catalogar.

- Olá! Tem alguém aí? – Disse Janete, tapando os olhos com o braço, protegendo-se dos raios de sol que iluminavam seu rosto, impedindo-a de enxergar o caminho, então procurou andar mais devagar. Logo atrás vinha Silvinho, trazendo em uma das mãos um pedaço de estaca de madeira que apanhou no meio do caminho, para se proteger de animais peçonhentos e afastar os galhos que atrapalhavam a passagem.

- Espere! Silvinho. Escutou isso? – Disse Janete, quase sussurrando, para tentar identificar de onde vinha o som.

- Não ouvi nada, Janete! – Disse Silvinho levantanto a¹ estaca² com as duas mãos, todo desconfiado.

De repente ouviram passadas e barulhos entre os galhos das árvores de castanheiro. Janete começou a dar pequenos passos para trás e com o dedo indicador fazia um sinal para ele.

– Psiu! Vai – vai empurrou o irmão. Ele estava com a estaca para cima, de pernas bambas, olhos arregalados de pavor, acabou tropeçando em um tronco velho e caiu de costas, recebendo um corpo³ pesado em cima das suas costelas pálidas* e magras.

- Saia de cima de mim! Santo Deus**! – Disse Silvinho, em voz alta.

Ouviram gargalhadas bem próximas a eles, os irmãos se entreolharam. Por instantes Silvinho esqueceu-se da dor nas costelas e levantando-se depressa abraçou Janete.

– Me larga, Silvinho – irritada, tirou os braços dele de cima dos seus. Assustado e com medo, Silvinho foi se afastando devagar, não queria dar o braço a torcer. Apanhou a estaca do chão e se pôs de pé.

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- Sente-se e fique quieto! Disse Janete irritada.

Uma ave de rapina resolveu passar naquele momento, fazendo um barulho agourento.

Silvinho não perdeu tempo, agarrou a irmã novamente.

- Será possível! – Disse Janete elevando o tom da voz e empurrando*** Silvinho. Ele caiu em cima de uma moita e debaixo dela havia um formigueiro. Seu irmão recebeu a primeira, a segunda e, na terceira mordida das formigas, saiu pulando e gritando. Agora não adiantava mais pedir a ele que ficasse quieto. Estava impossível de controlar as dores que Silvinho sentia na bunda. O menino chorava e gritava ao mesmo tempo.

- Cala a boca, Silvinho, por favor! Gritou Janete, dessa vez tapando a boca do irmão.

O coitado ficou estático e de seus olhos as lágrimas corriam de tanta dor.

- Desculpa Silvinho! Mas tem que ficar quieto, você está ouvindo os passos? Janete tirou a mão dos lábios do rapaz e o abraçou.

A ave de rapina passou novamente e um vento forte soprou as folhas das árvores, que caíram feito chuvas e o boné do rapaz foi parar longe, como se tivessem puxado de sua cabeça.

Novamente ouviram a forte gargalhada e tornaram a se abraçar, dessa vez Janete abaixou a cabeça e começou a choramingar.

– Por que nos afastamos do acampamento? Papai recomendou tanto que não andássemos por essas matas sozinhos – disse Janete ao pé do ouvido de Silvinho. – Ele deve estar desesperado atrás de nós.

– Você que inventou isso, Janete! Eu bem que te avisei, mas nunca escuta ninguém.

- Cala a boca! Você está me deixando mais nervosa! – Janete se afastou do irmão.

– Me dê essa outra estaca, que está perto do seu pé – Janete ergueu as mãos.

- O que pretende fazer? – Disse Silvinho, que estava se protegendo atrás da irmã.irritada, ela murmurou:

- Vou bater na sua cabeça, seu burro!

- Calma! Estou com muito medo. Dizem que na floresta tem de tudo, inclusive alma penada – gaguejou Silvinho.

Ouviram passos e, exaustos, resolveram subir na árvore e esperar a coisa ruim passar.

Lá de cima escutaram um assobio e logo depois uma voz.

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- Desçam daí meninos! Disse uma caboclinha de cabelos pretos com uma baita flor no cabelo.

- Não iremos descer. Quem é você? – Perguntou Janete toda desconfiada.

- Não precisam ter medo, vou levar vocês para conhecer minha casa, desçam depressa!

Do alto não dava para ver direito o rosto daquela voz de criança.

- O que faz sozinha nessas matas? – Perguntou Silvinho à moça, olhando para sua irmã.

- Eu já disse, minha casa é aqui perto. Venham, por favor! Não tem perigo algum. Ela sorria sarcasticamente.

Os irmãos resolveram dar um crédito de confiança, atendendo ao pedido daquela voz que insistia para que eles a acompanhassem. Primeiro desceu Janete, depois Silvinho.

A dona daquela voz estava de costas para eles e com uma cesta cheia de flores da primavera, como orquídeas, violetas, amarílis, angélica, astromélia e outras que ela havia recolhido para enfeitar o lugar inóspito que ela habitava.

De vez em quando, do cabelo da moça saía fumaça, como se estivesse pegando fogo. Os irmãos já estavam dispostos a correr, quando ela resolveu virar-se e os dois ficaram endurecidos, como se tivessem virado uma estátua de pedra. Ela não era criança, porém, tinha corpo de criança e o rosto de uma velha.

Diziam que o nome dela era comadre Fulozinha, uma criança que se perdeu entre as matas e nunca fora encontrada. Agora sua alma anda pelas matas assustando a quem se atreve se aventurar por lá.

Os irmãos saíram correndo pela mata adentro; nunca mais seus pais conseguiram 88ncontra-los.

Fim!

00W31 // PAULA LESSA

4º LUGAR

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PRIMAVERA

Ela vem aí E vai nos fazer sorrir Porque quando ela chega A natureza fica ainda mais bela

Afinal, ela é a primavera Que faz tudo florir, colorir E se transformar E está até no ar o seu sentir

E quem é que não consegue ouvir Os passarinhos Cantando para reverenciar?

Está bela estação Que acalma e alegra o coração De quem sabe apreciar

Inspirando amor, poesia e canção Fazendo a vida brotar Como folhas e flores Que enfeitam paisagens

O verdadeiro colírio De nossos olhos Chamado primavera

Que na simplicidade de ser Tão bela e tão rica É agradável de viver Mas tão difícil de descrever Como a vida

Quem me dera Realizar o sonho De um ano inteiro Só de primavera

00W35 // JULIO CESAR CANTUÁRIA CARDOSO

4º LUGAR

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É A PRIMAVERA É a primavera,

Meu coração sorri.

É tempo de flores,

Crisálidas de

Lagartas tornam-se

Borboletas e,

Em festa, voam.

É tempo de luz,

Os raios de sol

São mais vivos e

Brilhantes e o

Céu limpo, anil.

É tempo de graça,

Revigorar o

Espírito e

Trazer, mais uma vez,

Esperança, sim.

É a primavera,

Meu coração sorri.

00W43 // MAURÍCIO ANTONIO VELOSO DUARTE 4º LUGAR

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SIMULANDO A PRIMAVERA

Ah, meu pobre coração que quase congelou nesse inverno

Recebeu hoje uma dádiva da natureza,

ao sentir na manhã ainda fresca

Um calorzinho de primavera no ar!

Pensei que era sonho,

Ou fosse excesso de desejo de verão

E resolvi levantar e abrir um pouco mais a janela

Levantar a persiana e, eis que, era real!

Um sol amarelo, tendendo a ouro novo,

passava entre poucas nuvens

mas, sem dúvida, não era invernal.

Pelo contrário, tendia a primaveril!

Quando cheguei à calçada, deixei que meu corpo se extasiasse

E até, confesso, senti vindo de algumas árvores um perfume leve de flor

Mas definitivamente o toque real foi a gritaria ensurdecedora

das caturritas anunciando a primavera antecipada!

00W48 // ADÉLIA DUARTE

4º LUGAR .

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O LIMITE DA PRIMAVERA

Na linha do limite

A estação avança

No tempo,

É a poesia,

Sol e flores

No limite

Da poesia ,

A estação resiste.

Na linha do limite,

A primavera alcança

As fronteiras.

Passa o vento

E as nuvens

Vencem todas

As barreiras.

Pássaros soberbos,

Nos campos.

Flutuam, flutuam.

A primavera chega

Dilacerando os tempos.

00W51 // ANDRÉ ROSSI CANALS

4º LUGAR

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ROSE

A Praça Osório que consta no mapa da cidade só existe no documento da prefeitura. Para todos os efeitos, porém, aquela é a Praça da Amendoeira e é assim que é conhecida por todos. Além de proteger o escorrega e a gangorra dos raios de sol intenso e das furiosas tempestades no verão, a magnífica árvore Chapéu-de-sol ainda empresta sua imponência majestosa para nomear a praça, ao final da rua. E é claro, sombrear os conjuntos de mesas e bancos de cimento, graças à sua copa frondosa.

Durante os dias da semana pela manhã, alguns idosos instalam-se nos bancos para disputar animadas partidas de Damas e gamão, se valendo dos tabuleiros pintados nas superfícies das mesas e de pedrinhas ou tampinhas de garrafa de refrigerantes que servem de peças improvisadas para os jogos. Aos domingos, porém, os idosos cedem o espaço de mesas e os banquinhos e quem assume o lugar são as famílias, que se sentam neles para observar as crianças soltando pipa ou andando no entorno da praça com suas bicicletas, enquanto conversam animadas.

Enquanto o professor falava durante a aula no laboratório de informática, naquele mesmo dia, no meio da manhã, Rose distraíra-se pesquisando informações sobre a amendoeira. Qualquer coisa era melhor que ter aula, fosse ela qual fosse. Mas gostava de pesquisar coisas, e saber sobre sua velha amiga parecia divertido.

“A Terminalia catappa pode atingir de 12 a 35 metros”.

“-Bem mais alta que eu... murmurou-” Mas... Também é mais alta que Paloma, e que a chata da Berta, também! É claro!”.

E o pensamento deixou-lhe novamente animada.

Voltou a ler:

“-Casca pardacenta, áspera e fissurada”.

“Ainda que fosse um pequeno arbusto, ainda seria mais alta que meus míseros 1,52 cm de altura”. Pensou com azedume. Mas “casca parda e áspera” poderiam assemelhar-se perfeitamente às espinhas que teimavam em salpicar-lhe o rosto sardento .

“As folhas são coriáceas, caducas, alternas, grandes com forma ovalada e cor verde, que gradativamente muda para o amarelo e vermelho no outono, antes de cair”.

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Não entendera metade das palavras do trecho, e também não queria abrir outra janela no PC para pesquisar os significados dos termos.

“Que site mais complicado! Não poderia usar palavras mais simples?”

Mas a curiosidade falava mais forte e ela espichou o olhar para o professor, antes de olhar novamente para a tela do computador, à sua frente.

O professor olhava para ela insistentemente e logo viria saber que tanto ela digitava no teclado. Apertava as teclas bem lentamente para não despertar a atenção do mestre e assim revelar a pequena transgressão.

“Folhas caducas? Caducas... como assim? Caducas com a vó Ana Lúcia?”

Continuou a ler.

“Então, as folhas mudam para amarelo, depois vermelho no outono, antes de cair no inverno”.

Rose continua a ler, embora a expressão “cair no outono” não tenha passado despercebido. Uma tristeza ligeira apoderou-se de seu rosto delicado.

“As inflorescências se formam na primavera e são espigas axilares alongadas, com flores pequenas de cor creme e sem importância ornamental.”

Como flores não teriam importância? A tristeza cedeu ao espanto e em seguida, solidarizou-se à flor desvalorizada.

Adorava seu nome: Rose! Gostava de rosas, especialmente.

“Mas flores cor- de- creme não são nada comuns- refletiu -E só por isso já não seriam inexpressivas, ora!”

Olhou em frente e percebeu que ninguém dava conta dela, e poderia continuar lendo, despreocupada... Pela primeira vez descobriu uma utilidade em não ser percebida como importante. Continuou a ler, curiosa:

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Os frutos são drupas elipsoides, de cor verde quando imaturos e amarelos a vermelhos quando maduros. Cada fruto contém uma semente dura, com amêndoa comestível e muito apreciada na culinária da Índia”

“O que seriam drupas elipsoides?” Desconhecia o termo, e anotou no canto da folha de seu caderno para pesquisar depois.

“Fruto apreciado na culinária da índia...”.

Índia- um país tão distante! Quem sabe um dia não poderia conhecer a culinária daquele país? Não que gostasse de cozinhar... Isso não era verdade, muito ao contrário! Gostava de comer. Diziam que ela era magra de ruim. Era magra demais... Isso lá era verdade, mas ruim não era não, alto lá!

Olhava durante as aulas de educação física os corpos já mal definidos das suas companheiras de turma, perdendo a expressão infantil para ganhar contornos inesperados, avolumando-se nos lugares certos. Odiava educação física, assim como odiava ter que lavar pratos após o almoço e o jantar.

Como cozinhar sem que fosse preciso lavar pratos?

Um dia, no folheto de loja de departamentos, viu o anúncio de uma lava-louça. Mas isso seria um sonho tolo, havia outras coisas a se preocupar... O emprego de sua mãe mal e mal permitia que as duas subsistissem com alguma dignidade depois do acidente, em que passaram a contar apenas uma com a outra, para fazerem companhia.

O sinal da escola tocou. Rose juntou os cadernos, desligou o computador e saiu da sala. Hora de voltar para casa. Uma rotina agradável algumas vezes, outras nem tanto. Rotina é rotina, o que significa que não há escolha. Mas há suas compensações: a volta da escola para casa, quando se permitia ficar por alguns momentos na pracinha como outrora, ainda que por breves instantes.

Passou a observar, com uma reconfortante curiosidade, a mudança da cor nas folhagens da árvore conforme se aproxima a primavera, tal qual lera em sua pesquisa. Do verde original, surgiram tons de amarelo com pontos de marrom- ferruginosos e por fim, assumiram uma coloração de um vermelho intenso, um pouco antes de cair no inverno, formando o imenso tapete de folhas que se despedaçam -num farfalhar gostoso de ouvir- sob seus tênis de escola.

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“Quando a amendoeira estiver coberta por flores cor de creme é sinal que as folhas no chão serão substituídas por frutos marrons que guardam amêndoas amarelas e de sabor ligeiramente ácido em seu interior” dizia o texto.

E acrescentou em pensamento, que as amêndoas estariam perfeitas para o paladar dos morcegos que invadiam o céu com seus voos rasantes e gritos agudos característicos ao cair da tarde e por toda a madrugada.

Dizem que as crianças são pequenas demais para já ter lembranças. Não é verdade! Rose sentia saudade de quando percorria o entorno da Praça da Amendoeira em corajosas tentativas, num eterno cai e levanta com sua bicicleta infantil, amparada por rodinhas laterais, sobre olhar vigilante de seu pai. Depois desse dia, ele tirou a rodinha de sua bicicleta, pois Rose já era capaz de equilibrar-se sem auxílio e ela ganhou dele, finalmente, a desejada bicicleta aro 16.

Fora sua mãe quem comprou sua bicicleta aro 20, dois anos após aquele dia. Seu pai já não estaria mais lá, ao seu lado, para observá-la comemorar o feito importante! Algum tempo depois, ela conseguiria andar na bicicleta em pé, equilibrando-a através de pedaladas vigorosas.

Ao voltar da escola, interrompia o trajeto de volta para casa e largava sua mochila embaixo da árvore para divertir-se andando sobre o tapete de folhas avermelhadas que caíam pouco a pouco, se acumulando pelo chão, sobre as mesas e a calçada. Correr sobre aquele tapete de folhas era bastante divertido. Ela corria em torno da arvore. Depois se abaixava, tomava algumas folhas em suas mãos e as jogava para o alto. Ao cair, as folhas a vestiam de vermelho, por um momento.

Finalmente, a primavera chegara e com ela, seu aniversário. As pernas longilíneas tornaram-se, em rompantes atrevidos, mais compridas que o tronco, resultando numa estrutura controversa e mal aprumada. Desde o início do ano parece que essa estrutura agora desconhecida para ela, já não cabia confortavelmente no balanço, tão pouco na gangorra.

Rose não cabia mais em si. Fará quatorze anos e ,dizem, já não tem mais permissão de correr em torno da árvore.

-Já é uma mocinha, Rose! Precisa se comportar direito, menina!

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“-Porém, ninguém falou sobre bolinhas de sabão!” Considerou, com um sorriso matreiro no rosto.

Ela deixa a mochila por um instante usando de apoio as raízes da árvore que teimavam em deixar a escuridão da terra e subir à superfície - ainda que para isso, fosse preciso arrebentar o pavimento da calçada. Em seguida, Rose pega o tubo com o sabão em seu interior que comprara- às escondidas dos outros alunos - do vendedor ambulante próximo à escola, na hora da saída. Distrai-se por um minuto com o quebra-cabeça afixado na tampa do tubo de plástico onde há uma diversão extra: Uma bolinha de metal bem pequena precisava percorrer um labirinto de entradas e saídas para lugar nenhum até que, finalmente, chega ao centro do labirinto e Rose, orgulhosa, vence o jogo.

Entretém-se em nova tentativa por algum momento, antes de abandonar o desafio e concentrar-se no líquido azul espesso no interior do tubo cilíndrico cujo rótulo, em convidativas letras coloridas, prometia bolhas de sabão enormes e com as cores do arco-íris.

Tenta fazer as bolhas algumas vezes, sem sucesso. Não se recorda mais da última vez em que fizera bolinhas de sabão de forma tão despreocupada. Agora, ela era esperada em casa para ajudar com tarefas domésticas, estudo para provas, cursos e mais tarefas até tarde da noite, quando adormecia ,exausta. Não podia perder tempo com aquilo... Porém, não foi preciso insistir muito: logo, as bolinhas coloridas surgiram como por encanto.

O assento do escorrega está sem folhas secas sobre ele porque a amendoeira já está verde novamente, nesse início de primavera. Sobe os degraus da escada e senta-se no platô do escorrega.

Faz a primeira bolha e através dela é possível enxergar a copa verde da árvore, matizada com a cor creme das flores e rosa, vermelho e violeta, revelando a decomposição em cores da luz num arco-íris grandioso de água e sabão. Faz outra bola e dessa vez, uma brisa sopra e a bolha voa para longe. A cada vez, sem nenhuma razão aparente, as bolinhas assumem trajetórias diferentes. Algumas estouram tão logo são feitas. Outras, porém, crescem tanto que se tornam transparentes e não estouram, mas desaparecem no ar.

Rose começa a imaginar que cada uma delas representa um pedido seu.

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- Essa bola será para eu ter férias escolares maiores no próximo verão!

A bolinha cresce e cresce - tamanho seu desejo de esquecer caderno, mochila e a implicância dos professores.

A bolhinha cresce tanto que estoura.

-Essa será para eu ganhar patins no natal...

Riu, antes de fazer outra bolha:

-Uma lavadora de pratos!

Um a um, Rose enumera seus desejos. Algumas bolas estouram, outras crescem demais e estouram também, mas algumas percorrem alguns metros flutuando, sumindo nos ramos da amendoeira. Onde teriam ido?

“Um último desejo” - diz para si mesma.

Ela concentra-se por um momento, séria e em seguida lança no ar a bolha, enorme, colorida, antes de sair correndo para apanhar a mochila descansando sob a grossa raiz da amendoeira;

-Quero que papai volte para casa.

Rose sabia que esse sonho não poderia acontecer, mas, ainda assim, solta seu desejo no ar antes de, finalmente, descer o escorrega pela rampa jogando os braços para o alto, com um sorriso no rosto. Um pequeno grito de satisfação escapa-lhe dos lábios quando consegue saltar ao final da rampa e cair em pé.

Faz um breve afago em seu tronco amigo, antes de retornar para casa, onde sua mãe aguarda por ela, para almoçarem juntas. Já está grande agora e consegue grandes feitos.

Em sua certeza ela não olha para trás, pois acredita que a bolha havia estourado tão logo a fizera; não se preocupa com ela realmente.

Se não tivesse desistisse de olhar, porém, teria percebido que, impulsionada por uma brisa quente e suave, a bolha de sabão refletira todas as cores do arco-íris antes de

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flutuar em direção ao céu – um lugar mágico capaz de realizar nossos mais profundos desejos.

00W56 // MICHELLE PARANHOS

4º LUGAR

NOSSA OUTRA ESTAÇÃO

Na primavera fomos nos ligando

No início, nossas flores se espreitavam

Ainda em botões estranhos: nos mirando

Perfumávamos tudo o que manchavam

Pelas conspirações (feito más chuvas)

Chegadas na estação equivocada

Mas, com a nossa dor ensolarada

Driblamos as constantes urdiduras

Contra a brisa florida que traçamos

Pela simples razão de termos vida

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Bem aceitamos, dados, nossa sina

Abrimo-nos há tempos – um ao outro

Mas ainda aprendemos algo novo

Da verde amarelada: primavera.

00W67 // ELICIO SANTOS DO NASCIMENTO

4º LUGAR

ACONTECEU NA PRIMAVERA Foi no Outono que seu amor começou a

Desmoronar...

Foi junto com as folhas caídas

Que ele deu sinal de que não ia voltar...

No Inverno ele simplesmente... congelou

E ela acreditou que ele ficaria assim

Para sempre...

Mas foi numa tarde linda de Primavera,

Onde ela olhava da varanda, as flores no jardim...

Seus pensamentos iam longe,

Enquanto ouvia o som do disco de vinil

Que tocava na vitrola lá dentro...

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...Sol de primavera

Abre as janelas do meu peito

A lição sabemos de cor

Só nos resta aprender ...

O perfume das flores enfeitiçava quem passava lá fora...

Eram rosas, margaridas, violetas e bem-me-quer...

Mas, quem enfeitiçou ela, não foram as flores

Foi ele quando passou depois da aurora...

Seus olhares se cruzaram

Ele sorriu

Ela disfarçou

Depois daquela tarde de Primavera

Tudo mudou

As flores ficaram mais vivas

O coração dela floresceu

E depois de uma temporada de Outono/ Inverno

Onde ela achava que o amor havia morrido

Venho a Primavera, com suas flores e seu perfume

Numa tarde ensolarada

E o ressuscitou...

00W69 // ELISANGELA DOMINGUES DA SILVA 4º LUGAR

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3º LUGAR

ACONTECEU NA PRIMAVERA

Um anjo chorou no jardim de inverno

Assim sua lágrima foi parar na terra

Virando semente de um jeito terno

Que fez brotar a rosa na primavera

Mas quando chegou a noite escura

Esta rosa transformou-se numa princesa

Vestida com emoção e ternura

Iluminando toda a natureza

De dia esta mulher virava rosa

A noite ela transformava-se em menina

Numa magia formosa e maravilhosa

Sob a luz da estrela de purpurina

Aconteceu na primavera

Bem no meio do jardim

A divina flor da nova era

Virava uma moça vestida de cetim.

00W10 // LUCIANA DO ROCCIO MALLON

3º LUGAR

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SAKURÁ

Primavera de 1980, eu estava de passagem pelo Brasil, em uma viagem com escala na

cidade de São Paulo. Como o meu próximo voo a Nova Iorque pela Varig só iria

acontecer na manhã do dia seguinte, decidi então, hospedar-me em uma pousada perto

do aeroporto de Guarulhos. Assim que cheguei, fui fazer o check-in, a recepcionista -

uma bela moça com leves traços orientais - foi muito gentil comigo, e me passou todas

as informações possíveis para que a minha estadia ali fosse a mais confortável. Ouvi

com atenção todas as instruções, porém, um pequeno anúncio em cima do balcão me

chamou atenção. Pequei o papel e li: “Venha conhecer o bairro da Liberdade”, como

ainda era por volta das quatorze horas, subi até o quarto, acomodei as malas no chão,

sentei-me na cama e fiquei a observar a vizinhança pela janela.

Novamente o pequeno papel me chamou atenção, e pensei, porque não conhecer este

lugar, que parecia-me ser exótico, alegre. Tomada a decisão, fui até a minha mala, dali

tirei uma toalha, uma muda de roupa e a nécessaire com sabonete etc. Rumei até

banheiro e tomei banho, minutos depois já estava vestido, pronto para conhecer o bairro

da Liberdade. Desci as escadas e quando cheguei à recepção já havia outra pessoa atrás

do balcão, um rapaz.

- Pois não senhor?

- Eu gostaria de um táxi.

- Sim, posso providenciar para o senhor.

- Obrigado.

Fiquei a esperar na saleta lendo uma revista que havia ali.

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- Senhor, o táxi já está aguardando-o. – informou minutos depois.

Coloquei a revista de volta ao local de onde a retirei, fui para o lado de fora verificar, e

realmente havia um táxi a aguardar-me.

- Boa noite. – disse o motorista

- Boa noite, bairro da Liberdade. – solicitei

- Certo. – respondeu o motorista acionando o motor do veículo.

Como era sábado, já no início de noite, o trânsito estava bom, então, quarenta minutos

depois, se não me engano, já estávamos onde eu desejava, bairro da Liberdade.

- Senhor, chegamos. O senhor tem algum lugar específico para que eu o deixe? – disse o

motorista confirmando a minha dúvida

- Não, não tenho. Você poderia me indicar algum? – perguntei assim que ele estacionou

o veículo.

- Veja bem, subindo a rua você terá bastante restaurantes para escolher, porém,

recomendo o Tempura que é um restaurante com dança típica japonesa aos sábados, a

partir das vinte e duas horas. – comentou

- Certo, muito obrigado. Vou andar um pouco e ver se consigo achar o restaurante

Tempura. – agradeci, paguei pela corrida, e subi a Galvão Bueno* assim como dizia a

placa em seu início.

Ao subir a ladeira, já me sentia ambientado em uma comunidade asiática, oriental, com

aromas peculiares. Logo no inicio tinha um belo arco em cor vermelha, e em sua longa

extensão haviam postes temáticos com abajures. Já na parte plana, comecei a procurar

pelo restaurante que me foi indicado, Tempura. Andei mais um pouco e encontrei o que

procurava. A sua frente era bem típica com letras em mandarim, o local estava revestido

de uma madeira de cor escura e a sua porta de entrada também em madeira preenchidos

com papel translúcido.

105

Assim que corri com a porta para entrar, fui recebido por uma gueixa com cumprimento

típico – junta-se as mãos em frete ao peito, e leva-se o corpo para frente levemente.

- Namastê. _ disse ela

- Namastê. _ respondi

Fui conduzido até uma pequena mesa, de altura considerável para que coubesse somente

minhas pernas em baixo, a mesa estava em cima de um tapete macio. Tirei os sapatos e

me sentei no tapete. Mostraram-me o cardápio e para não cometer erros, escolhi algo

bem simples, um tempura de camarão, yakissoba, e para beber pedi saquê. Fiquei

observando o local, as pessoas que ali estavam conversavam em tom baixo. As luzes em

meio tom, com aromas doces e cítricos ao mesmo tempo. Fui interrompido da minha

observação quando o saquê me foi servido. O garçom disse que logo viriam o yakissoba

e o tempura de camarão.

Ainda degustando o saquê, me foi servido o jantar em um recipiente que parecia uma

cuia, e juntamente com ele os temidos palitinhos, os hashi. Com cuidado, eu me divertia

com os palitos tentando comer algo decentemente, eu sabia que com certeza tinha

alguém a me observar.

Gentilmente se aproximou de mim uma jovem, vestida lindamente de gueixa com uma

delicada flor presa em seu cabelo. Ela com aquele sorriso contido, olhou para mim

timidamente e tentou explicar-me como se usava o hashi. Os pegou de minhas mãos e

gentilmente me mostrou como fazer, prestei bastante atenção, mesmo que a sua doçura,

e o seu sorriso me distraísse. Assim, que percebeu que eu poderia continuar sozinho

com o hashi, ela se distanciou e a perdi de vista. Logo depois, ainda rindo sozinho pelo

fracasso com os palitos, ao fundo ouvi uma música oriental e detrás da cortina de

madeira, saíram cinco lindas orientais - gueixas, e ela estava junto, graciosa. Elas

começaram a dançar em movimento lentos e sutis que seguiam ritmados ao som da

106

música. A sua face era de uma paz sem igual. As cores do seu quimono eram de uma

única e esplêndida delicadeza. Eu não sabia se àquela altura eu estava apaixonado ou se

era o efeito do saquê.

Ao terminar a dança, elas se recolheram e eu havia também terminado o meu jantar,

mas não poderia ir embora, sem ao menos saber o seu nome. Então, solicitei mais um

saquê e fiquei a enrolar até que ela pudesse aparecer. As horas foram se passando e nada

da jovem moça. Eu já estava me sentindo vencido com o coração abalado, e aos meus

trinta anos, sentir essa alegria, não seria justo, ou seria?

- Senhor, nós já iremos fechar o restaurante. – gentilmente informou o garçom

- Sim, claro. Pode trazer a conta? – respondi desapontado

O garçom saiu, e eu fiquei a aguardar. Assim que ele retornou paguei pelo que consumi

e me dirigi a saída, até porque logo pela manhã eu teria que estar no avião a caminho de

Nova Iorque. Em frente ao restaurante, com a temperatura externa já reduzida, minhas

mãos começaram a ficar geladas e as levo para dentro do apertado bolso da calça jeans.

E enquanto eu pensava em como voltar para a pousada, ouço risos vindo da lateral do

restaurante. Curioso, vou até lá ver o que estava acontecendo. Quando me aproximei, vi

um grupo de pessoas a conversar alegremente. Então, vi uma moça ao longe com uma

flor delicada ao alto de sua cabeça, um pouco inclinada para a direita. Aproximei-me

para solicitar informações de como voltar ao meu destino. Assim que cheguei mais

perto, alguns pararam de falar e começaram a me encarar, a moça estava de costas para

mim e, ao perceber que os outros pararam de falar, ela virou-se para ver. Então era ela, a

minha gueixa.

Perdi o chão, tremi dos pés à cabeça, talvez o saquê já havia perdido o efeito e o frio

estava tomando conta do meu corpo, mas não foi nada disso. Eu estava tremendo de

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surpresa ao encontra-la novamente. Agora sem a pintura em face, percebi que a minha

gueixa, era a recepcionista da pousada.

- Senhor Pedro? – pausa - O quê o senhor ainda está fazendo aqui? – perguntou gentil

- Mas, você é a ... – pausa- ... estou querendo ir embora. - outra pausa- Mas... então era

você lá dentro?!

- Sim... – respondeu encabulada – Muitos dizem que eu fico diferente quando me visto

assim. – falou

- Sim, muito. Nossa! – surpreso – Muito linda a dança. – tentei arrumar assunto mesmo

quase entrando em choque hipotérmico

- O senhor quer que eu chame um táxi? – comentou ao me ver encolhido em mim

mesmo de tanto frio.

- Táxi? – saí da inércia – Não, táxi não. É que ... qual é mesmo o seu nome? – realmente

eu não saiba o seu nome, e as pessoas que estavam em volta, perceberam que a conversa

se reduziu a nós dois e saíram de perto.

- Sakurá. – respondeu ela

- Diferente... – respondi não mais escondendo o sorriso que se estampara em minha face

- Sim, Sakurá. Minha mãe é brasileira e o meu pai é nissei, então eu sou uma sansei.

- Sim... – estava muito interessado em ouvi-la falar por toda a noite

- O senhor não precisa ir embora? Está com frio.

- Na verdade, eu queria sim ir embora, mas de repente a vontade passou, menos o frio...

- Eu vou com alguns amigos aqui perto, a uma festa – pausa- o senhor não gostaria de

ir? – titubeou

- Eu? – olhei para o relógio e já se passava das zero horas, então fiquei preocupado com

o voo que aconteceria pela manhã. Mas eu queria mais um tempo junto dela. – Tudo

bem... – respondi meio incerto do que estava fazendo.

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- Que legal, então vou providenciar um casaco pra você com algum do meninos, e tirar

essa roupa. – disse tranquila, mas sorridente

- Não! Não tire essa roupa – pausa – está tão bonita nela. - Sakurá sorriu e entrou.

Por acaso, ou por desejo, agora eu estava junto de Sakurá, fazia a poucos minutos parte

do seu mundo. Quando a vi lá na pousada, eu não havia lhe dado tal importância. Agora

eu estava ali, indo com Sakurá a uma festa. Quando por fim ficamos a sós, em um dos

cômodos do local, eu a olhei e ela me serviu uma bebida.

- O que é Sakurá? – perguntei

- Sakurá é uma arvore no Japão que floresce na primavera, e suas flores duram pouco. –

comentou

- Mas por que seus pais lhe colocaram esse nome?

- Sakurá é considerada símbolo do amor – pausa, pensou por um instante – não sei por

quê os meus pais escolheram esse nome.

- Muito bom. Então, você é o amor em pessoa? – pausa- Não, desculpe, não foi bem

isso que eu queria dizer. – tentei me explicar

- Tudo bem, senhor Pedro. – sorriu sem graça

- Me chame de Pedro. – dei mais um gole na tal bebida

- Você quer dar uma volta? – perguntou ela

- Por que não?

Saímos daquele lugar barulhento e fomos andar, acabamos voltando a rua Galvão

Bueno. Seguimos ladeira abaixo. Sakurá, sorria com frequência. A sua presença me

fazia bem. Queria dizer-lhe que estava apaixonado, mas em algumas horas eu iria

embora e não poderia lhe prometer nada.

- Para onde você está indo? – perguntou ela quebrando o silêncio

109

- Estou indo a Nova Iorque daqui a algumas horas. – Sakurá se calou logo após ouvir a

resposta

Continuamos a andar até pararmos em frente de um amontoado de plantas e árvores, ela

olha para mim e sorri.

- Esse é o Jardim Oriental, lá abaixo são os toriis (o portal).

- Ah, o nome é torii, legal. – continuei em silêncio para escutá-la

- Essas bolas, abjures que você está vendo pendurado nesses arcos, na verdade são as

lanternas típicas, o suzuranto. Quer entrar? – disse apontando para o jardim

- Mas está fechado, não? – titubiei

- Venha! – sussurrou, de alguma forma ela sabia o que estava fazendo.

Era exatamente uma da manhã, e eu e Sakurá estávamos andando sem compromisso

dentro do Jardim Oriental.

- Você é de onde? – perguntou ela

- Eu? – pausa- Eu sou do Rio de Janeiro.

- Que legal, ainda não conheci o Rio. – comentou observando o lago que havia a nossa

frente.

- Sakurá?

- Sim.

- Eu posso te dar um abraço? – perguntei, e ela se virou e sorriu

Aproximei-me com receio, e a abracei com cuidado. Meu coração disparou ao ponto de

escutá-lo em meio ao silêncio. Ficamos ali por mais algumas horas. Quando vimos que

o céu já estava clareando, ficamos assustados, pois eu tinha que voltar a pousada.

Saímos dali e Sakurá segurou em minha mão, e começou a correr, eu não tive outra

opção senão segui-la. Logo depois já estávamos em um metrô, descemos as escadas e

ela comprou um bilhete para mim, passamos pela roleta e assim que paramos na área de

110

embarque, ela disse que eu teria que seguir até a estação Portuguesa – Tieté e lá buscar

informações sobre a pousada.

- Mas, você não vem? – perguntei

- Não posso, te deixo aqui.

- Sakurá? – falei já ouvindo o barulho do vagão se aproximar.

- Vá, e boa viagem. – disse ela

Na indecisão, roubei-lhe um beijo, o beijo mais apaixonado que eu poderia dar a

alguém. Sakurá, surpresa, nada disse após a minha ação. Então as portas se abriram e eu

não tive outra alternativa, ali deixei a minha gueixa, o amor, Sakurá. Despi-me do

casaco e a entreguei, e quando eu ia rumando para dentro do vagão, Sakurá me chamou.

- Pedro? – disse ela, e a olhei esperançoso

Sakurá sorriu e entregou-me a sua flor, Sakurá. Peguei e logo depois as portas se

fecharam, então o destino cortou naquele momento qualquer ligação que eu poderia ter

com ela. Levei comigo só algumas lembranças, o gosto do seu beijo, o seu sorriso, o seu

perfume e a sua flor Sakurá. Depois daquela noite/madrugada, nunca mais a vi. Mesmo

depois de retornar ao Brasil e indo por algumas vezes nos mesmos lugares. Sakurá foi a

minha paixão de primavera, guardo até hoje a flor que me deu. Onde será que está

Sakurá?

Muitas vezes nos deparamos com a oportunidade de sermos felizes, porém devido as

responsabilidades da vida e também pelo livre arbítrio, escolhemos caminhos que não

deveriam ser caminhados. Nunca damos atenção a nossa primeira intuição, a razão

sempre fala mais alto.

00W29 // UIARA MELO

3º LUGAR

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E ACONTECEU NA PRIMAVERA

Tenho em mim apenas palavras e silêncios

Refletidas no espelho da mudez

Da esquizofrenia, bailam intermitentes

Pelo ar cortante das noites em claro.

Sua voz vibra os fios da teia tocados

Pelo orvalho das horas abandonadas.

As flores do mal pernoitam no jardim.

Que venham os ventos, as ventanias,

Os furacões, as respostas prontas,

Os desenganos cegos, as fúrias e tormentas,

Percam-se nas águas profundas

Da minha existência, percam-se

Entre as grutas escuras da minha essência.

Brilham noites transparentes

Sobre inquietas insônias, nômade

Roto e perdido em algum pedaço

De chão percorrendo ruas cegas.

Colho rosas de cores densas

Nos jardins acordados das esquinas

De alguma primavera, com as mãos

Geladas e o medo de amar.

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O abandono me despe, disperso

Me entrego ao vento e ao tempo

Que me guiam neste deserto

Tão longe de tudo, tão perto de tudo.

00W52 // SERGIO ALMEIDA

3º LUGAR

LÁ VEM O SOL

Zezé corria atrás da bola junto com seus novos amigos. Nunca sentira-se tão feliz. Mas nem sempre fora assim.

Abandonado pela mãe alcoólatra, logo após o nascimento, viveu os primeiros anos de vida em um orfanato, na periferia da cidade de São Paulo.

Aos sete anos, por meio de uma tramoia, foi levado por um casal, responsável por várias crianças na mesma condição.

Com rapidez foi treinado para mendigar em faróis. Pedia esmolas em um dos pontos explorados pelos pais.

Não era uma vida fácil. Viviam nas imediações de um lixão. Pouca comida, falta de higiene e tabefes diários eram a paga pelos “serviços” prestados.

Ele era um dos que mais arrecadava, pois tinha um belo rosto e um lindo sorriso, apesar da sujeira. A pele negra, em contraste com o cabelo avermelhado, herança da mãe. Largas e grandes bochechas harmonizavam com os olhos grandes, arredondados.

Para ele e os irmãos não existiam escola, mas conhecia o dinheiro, números e era bom em identificar as letras.

113

Aprendera com os mais velhos a “garfar” algumas moedas, conseguindo esconder alguns míseros reais. Ele tinha medo, pois um dos meninos fora pego roubando e espancado na frente de todos, como exemplo.

Foi em um domingo que aconteceu o inesperado. Já era hora da recolha quando um policial abordou seu “pai”, algemando-o. Zezé não pensou duas vezes. Esgueirou-se pelos curiosos que assistiam a cena, escondendo-se atrás de parte de um muro.

Quando o carro de polícia deixou a área, ele correu na direção oposta, como nunca havia feito na vida. Sabia, pelas conversas com os mais velhos, que daquele lado ficavam as casas altas.

Durante dois dias caminhou, confiante de que dias melhores viriam. A fome era sua companheira. Conseguira um pedaço de pão duro, nada mais. O dinheiro escondido ficara no barraco.

Por mais estranho que parecesse, não sentia medo. No terceiro dia de caminhada avistou as casas altas. Sorriu. Ele conseguira.

A noite ia alta quando se aproximou de um prédio, com escadaria frontal. Uma única luminária iluminava o antigo letreiro. Com esforço ele leu, Maróco. Achou muito estranho o nome.

Várias pessoas ocupavam as escadas, como se fossem camas dispostas cabeça a cabeça. Sem fazer barulho, passou pelas dos degraus mais baixos, indo até a coluna da esquerda. Elas eram duas, largas o suficiente para sustentar a enorme marquise.

Cansado, aconchegou-se a ela. Em menos de um minuto, dormiu.

Foi acordado pelos gritos:

- Aí neguinho do cacete. Quem disse que você “podi dormi” no meu lugar. Sai logo daí seu “fio” de uma égua - a fala era pastosa.

Zezé olhou para a figura maltrapilha à frente. Tinha numa das mãos uma garrafa de pinga, pela metade, e na outra um grosso pedaço de sarrafo.

- Sai daí seu bosta, antes que eu “estore” sua cabeça com uma paulada.

Ele não se mexia. O medo o paralisara.

- Não “tá” me ouvindo moleque?

Uma voz se fez presente, vindo de um ponto mais alto.

- O que você está aprontando Marcão. Por que está aos berros. Já não lhe disse que não quero bagunça aqui no pedaço?

- “Va” se “dana” você também “Diretô”. Para mim não importa o que você “falo” ou não. ‘”To” me cagando para o que você fala.

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O Diretor, como era conhecido por todos dali, desceu devagar, com muita dificuldade, parando ao lado de Marcão, que balançava o corpo, como se estivesse em um barco no mar.

- Repete o que você falou.

- “To” me – ele não completou a frase.

O velho porrete do Diretor acertou-lhe a cabeça, deixando-o desacordado.

- Você dois, levem esse traste até o viaduto e o joguem lá para baixo - ele virou-se para o garoto.

- Não precisa ter medo. Esse animal não volta mais aqui. Posso saber o seu nome?

- Zezé - sua voz quase não saiu. Tinha os olhos arregalados.

Com esforço, sentou-se ao lado do menino. - Posso saber Zezé do que?

- Zezé Bochecha. É assim que os meus irmãos me chamam.

- Certo. Então é assim que iremos lhe chamar aqui – ele esticou a mão para o garoto, que o cumprimentou, abrindo um sorriso.

- Posso fazer uma pergunta?

- Claro que pode, Bochecha. Pergunte.

- O que “é” esses ferros na sua perna?

- O que são? Isto foi um acidente. Eles ajudam a minha perna a sarar. Colar os ossos. Parece uma gaiola né?

- Sim, parece mesmo. Deve doer bastante.

- Um pouco, mas só vai melhorar desse jeito.

- Vou torcer para que melhore.

- Obrigado meu novo amigo. Agora vamos tentar dormir, pois atrapalhamos os outros com a nossa conversa. Boa noite Zezé Bochecha.

- Boa noite - Ele encostou a cabeça no braço do seu defensor, dormindo a seguir.

O Diretor demorou muito para dormir. A lembrança de sua família e de seus filhos, a muito tempo perdidos, fez com que lágrimas aflorassem. Ele sussurrou:

- Com os outros, eu não pude. Mas você irá. Na primavera vou leva-lo para conhecer o parque.

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Decorridos seis meses todos na comunidade, das escadarias do Maróco, tratavam Bochecha como filho do Diretor. Ele crescera uns bons centímetros.

Seu novo tutor fazia questão de ensinar-lhe tudo o necessário para sobreviver nas ruas, mas não descuidava do básico. De seu modo, alfabetizou-o. Com um atlas surrado, mostrou-lhe os continentes, os países, os povos e as estações climáticas.

Ele demonstrava ser um ótimo aluno. Aprendia tudo muito rápido.

Era uma noite quente. O calor dificultava o sono. Os dois estavam encostados na coluna, olhando as estrelas.

- Sabe Bochecha, falta pouco tempo para a chegada da primavera. Lembra dela?

- Sim, a estação das flores.

- Isso, meu garoto. E eu quero realizar um sonho que há muito tempo atrás não pude realizar.

- Qual era?

- Levar meus filhos para brincar e correr no parque - enxugou os olhos. - Mas vou levar você até lá.

Bochecha abriu um sorriso enorme.

- É sério? Mas, e sua perna?

- Está melhorando.

Porém a realidade era bem diferente do que ele queria. O cheiro da gangrena em sua perna começava a sobrepujar o odor do corpo. As marcas arroxeadas subiam em direção à virilha.

Faltava uma semana para a mudança da estação. Naquele dia o Diretor não conseguiu levantar. Fortes dores e uma febre alta o prostraram na escada.

Pediu aos amigos que o carregassem até a coluna, onde bochecha havia se escondido, com expressão de choro.

Após fita-lo por alguns segundos, apagou o sulco feito em seu rosto pelas lágrimas, abraçando-o.

- Preste atenção. Se por alguma razão eu não puder ir - uma forte pontada não deixou que concluísse a frase.

- Você não vai. Eu sei. Sua perna está ruim.

Tentando parecer firme, fez carinho em seus cabelos. - Não se preocupe Bochecha, isto é passageiro. Logo estarei bom.

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- Eu não acredito. Tenho medo que você morra.

- Alguma vez eu menti para você? Pode ter certeza. Não vou morrer. Nunca.

- Você jura? - Sua voz estava embargada.

Com esforço para não chorar também, confirmou:

- Juro - apertou-lhe contra o peito. - Lembra da música que eu lhe ensinei?

- Sim, dos Beatles.

- Isso, “Lá vem o Sol”. E não esqueça. Quando estiver no parque, deve cantá-la para saudar a primavera.

- Eu farei, pode deixar - abraçou-o, chorando muito.

Chegará o dia. Era primavera.

Muito debilitado, o diretor pediu que buscassem Clotilde. Ela tinha um salão de cabeleireiros, próximo a agência do correio.

- Aquele travesti?

- Sim. E vá o mais rápido possível.

Ela chegou fazendo barulho nos saltos, mas ao vê-lo naquela condição, inquietou-se:

- Meu querido irmão – apertou-lhe as mãos.

- Por favor, fale baixo. Não quero que o garoto escute - ela olhou para o outro lado das escadarias.

- Pela nossa mãe, você vai prometer que fará tudo o que vou lhe pedir.

- Sim, prometo - as lágrimas borravam a sua forte maquiagem.

- Quero que leve o Zezé Bochecha, é o nome do menino, para o salão. Dê-lhe um bom banho, corte os cabelos e compre roupa para ele. Você ainda é amiga do taxista?

- Eu moro com ele.

- Perfeito. Após deixar Bochecha nos trinques - tentou rir, mas não conseguiu. A dor era angustiante. - Peça para o seu amigo o levar até o parque Ibirapuera.

- Sim, pode deixar que farei tudo como está me pedindo.

Ele retirou do bolso um bolo de dinheiro.

- Isso deve dar para os gastos.

Era muito mais que o necessário.

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- Não precisa meu irmão.

- Pegue. Eu não usarei mais.

Ele fitou-a, apertando-lhe a mão. - Obrigado.

- Tragam o Zezé.

O menino aproximou-se, olhar fixo na mulher desconhecida.

- Bochecha, esta é a Clotilde. Uma grande amiga minha.

Ele cumprimentou-a.

- Como não vou poder ir desta vez com você no parque, ela irá providenciar tudo para que você vá.

Ele tinha a expressão meio confusa - você vai comigo?

Ela agachou-se. - Não querido, você irá de carro com um amigo meu.

Virando-se para o Diretor, perguntou:

- Você não consegue mesmo ir comigo?

Com um esforço quase acima de suas possibilidades, sorriu para Zezé.

- Desta vez não. Mas pode ter certeza que estaremos juntos nas próximas. Abraçaram-se.

Segurando na mão de Clotilde, foi para o salão.

Era um outro menino. Rosto lavado, cabelos curtinhos. Camisa e bermudas de surfista, tênis com luzinhas que acendiam quando pisava mais forte e um relógio de led.

Falta muito para chegar? – Sentara no banco traseiro do taxi.

- Não Zezé. Só um pouco. Não esqueça. Quando for seis horas da tarde eu venho lhe buscar.

Ele não sabia mais para onde olhar. Fazia cinco minutos que chegara ao parque e ainda estava abismado com a beleza.

Sem saber o porquê, decidiu caminhar em direção ao lago. Num gramado próximo, viu várias crianças de seu tamanho brincando. Sentou-se, observando-as.

Uma das orientadoras do grupo, percebendo o interesse do menino, foi até ele, puxando conversa:

- Oi. Meu nome é Sônia. E você?

- Eu sou Zezé, conhecido como Zezé Bochecha.

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Ela sorriu.

- Muito prazer. Você está sozinho? Cadê os seus pais?

Hesitante com a pergunta, olhou para o lago.

- Eu vim ver a primavera no parque. Quando for seis horas eu tenho que ir embora. Foi assim que eu combinei com o amigo da amiga do Diretor.

- Entendi. É uma escola também?

Ele não respondeu. Apenas olhou-a.

A outra orientadora, Sarah, reunia o grupo.

- Você trouxe lanche Zezé?

Ele balançou a cabeça em negativa.

- Isso não é bom. Um garoto forte e em fase de crescimento não pode ficar sem comer. Quer lanchar conosco?

- Quero - sorriu para ela, encantando-a.

Foi apresentado ao grupo, que de pronto aceitou-o como um novo amigo.

A comida era farta e a sua fome também. Quando todos já estavam saciados ele pediu mais um lanche e um pedaço de bolo com refrigerante.

Nunca sentira-se tão contente. Todos começaram a cantar. Não conhecia as músicas, mas acompanhava com palmas.

De repente agitou-se, levantando:

- Eu tenho que cantar uma música - lembrou-se. - Vocês sabem cantar “Lá vem o Sol”?

Um sonoro sim, foi a resposta.

Com vergonha ele começou, seguido das crianças. Enquanto cantavam, ele via em seus pensamentos o rosto do Diretor.

A cantoria continuou. Era pura diversão.

Bochecha foi até onde Sônia e Sarah, sentadas na grama, conversavam.

- Eu posso fazer uma pergunta?

- Claro Zezé. Fique à vontade.

- Os meus novos amigos e amigas, eles são orientais?

- Não. Por que você pensou que fossem?

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- É que o Diretor me ensinou sobre os povos. E disse que os nascidos no oriente têm os olhos puxados.

Ambas sorriram.

- Agora entendi a razão da sua pergunta. Não Zezé, não são orientais. Eles são Down. Já ouviu falar da Síndrome de Down?

Um dos garotos pegou uma bola, chamando a todos: - Vamos jogar?

- Nunca ouvi. Agora vou jogar futebol - saiu correndo, tropeçando e rindo ao mesmo tempo.

Sônia comentou com a amiga.

- Ele é um doce de criança.

- Sim. Muito fofo. Mas você não acha estranho ele aqui sozinho. Sem bolsa, sem lanche?

- Acho. Deixa ele voltar aqui perto que vou “investigar” um pouco.

A cada gol que faziam, todos se abraçavam. Zezé já fizera dois.

O fôlego deles era incansável. Futebol, esconde-esconde, pega-pega, polícia e bandido. Não paravam um minuto.

- Tia Sônia, tia Sarah - elas correram para as crianças que gritavam.

No meio delas, Zezé estava caído. Respirava com extrema dificuldade. Tinha os olhos arregalados.

- Meu Deus Sarah. Procure ajuda. Chame uma ambulância.

Sonia tentou sentir o pulso. Estava muito fraco.

Um jovem, que se exercitava pelo parque, chegou correndo.

- Meu nome é Ricardo, sou médico. Deem espaço por favor.

As crianças estavam assustadas.

- Ele não está respirando – iniciou o procedimento de massagem cardíaca.

- Alguém chamou pelo socorro?

- Sim. Já está vindo.

- Vamos garoto, reage – suor escorria de sua testa.

A ambulância chegou. O médico e Sônia seguiram juntos. Sarah ficara para levar as crianças para casa.

120

Depois de um rápido trajeto, adentraram o pronto socorro como um tornado. Uma equipe médica já os aguardava.

- Você fica aqui. Vou com eles - Ricardo entrou na ala reservada para os médicos.

A demora foi grande. Nenhuma notícia chegava sobre a situação de Zezé. Já se passara mais de uma hora. Ela sentia um peso enorme no peito.

Pensou em ligar para Sarah quando uma enfermeira saiu pela porta, seguida de um médico. Ricardo saiu logo atrás, mas não foi até ela. Sentou-se na primeira cadeira, abaixando a cabeça e cobrindo o rosto com as mãos.

O médico, paramentado, dirigiu-se a Sônia:

- Você é a responsável pelo garoto que veio do parque Ibirapuera?

- De certa forma sim. Eu o encontrei lá, sozinho, eu estava com meus alunos, e ele ficou junto com o grupo. Como o Zezé está doutor?

- Nós fizemos tudo o que era possível para reanima-lo, mas ele já chegou aqui em óbito. Meus pêsames.

Sônia sentou-se na cadeira próxima, aos prantos.

Passado o impacto inicial, Ricardo explicou-lhe que Zezé era portador de um problema cardíaco congênito, de extrema gravidade. Crianças com essa doença não viviam quatro anos, no máximo cinco.

Eram quinze horas e trinta minutos quando o rabecão encostou nas escadarias para levar o corpo do Diretor

Não sei se é verdade, ou lenda urbana, mas dizem que todo começo de primavera, próximo ao lago no parque do Ibirapuera, ouvem-se duas vozes cantarolando: “Lá vem o Sol”.

00W64 // LUIZ AMATO

3º LUGAR

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2º LUGAR FOLHAS VIVAS

Olhando pra natureza

Até dá inspiração

Em lembrar que tudo nasce

De uma sementinha no chão.

Mas quando vem a lembrança

De tanta poluição

Peço a Deus que o homem deixe

De causar devastação

E se lembre no momento

Que o tal desmatamento

Só trará destruição.

Aproveitem essa imagem

De grande demonstração

Do amor a natureza

E muita satisfação

Em poder tocar nas folhas

Com vida na minha mão

Ao invés de árvores cortadas

E folhas secas no chão.

00W66 // JOSENILSON LEITE

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1º LUGAR

PRIMAVERAR

Ela caminhou, calmamente até o quintal da sua casa. Não tinha pressa. Eram anos de experiência. Abriu a porta da cozinha que dava para os fundos do casarão. Teve que fazer esforço para poder ouvir o canto dos pássaros. Os automóveis abusavam, cada vez mais, da liberdade individual de aumentar o som que vinha de dentro deles. Eram os novos tempos, dizia o pequeno Augusto Neto. Ah, se o seu amado Augusto estivesse vivo... Ah, isto não ficaria assim. Certamente ele iria procurar as autoridades competentes. Não era justo – o marido gostava muito desta palavra – saírem dali quase escorraçados somente porque a cidade precisava expandir!

Que fosse crescer pelo outro lado! – Parece que ela estava ouvindo o esbravejar de Augusto. Às vezes ele exagerava. Outras vezes ela queria ser como ele: corajosa. Mas não era. Ele partiu e ela nem teve coragem de partir com ele. Continuou vivendo. Viveu aqueles últimos 20 anos num inverno sombrio.

Sua pela foi secando, murchando. Seus olhos foram perdendo o brilho. Seus filhos crescendo e partindo e ela ali no casarão da esquina Quintério Casa Nova.

Quintério Casa Nova foi uma das avenidas mais badaladas dos anos 50. Hoje não passava de uma rua envelhecida. Casas abandonadas, quintais imensos que atrapalhavam a modernidade. Foi naquela rua, 50 anos atrás que eles se conheceram. Um casamento das antigas. Juras de amor eterno. Mas não foi eterno o convívio carnal.

Ele partira há tanto tempo. Porque ela insistia em ficar ali? Já mal conseguia ouvir o canto dos pássaros que outrora acordava o casal. O passear pelo quintal com suas árvores gigantescas, o sentar sob a sombra da amoreira, o chimarrão aquecido pelos olhares apaixonados... Tudo virou outono e, em seguida, num implacável inverno.

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Ela sentou-se na cadeira de balanço e ficou a observar. Tigrão, um vira lata malhado acordou com preguiça. Ela entendia. Ele também estava velho - 15 anos não era fácil para um cachorrão daqueles.

Ambos suspiraram. Um passarinho pousou perto deles. Outrora, Tigrão sairia em disparada atrás do pássaro, mas hoje não. Hoje ele queria a companhia do solzinho que teimava embrincar de esconde-esconde por entre as nuvens e ficar ali ao lado dela.

O inverno, que insistia em dar o ar da graça trazia um vento gelado. Ela cobriu Tigrão com o seu xale. Ele tremia de frio. Aquele estava sendo o inverno mais rigoroso dos últimos 20 anos, desde que Augusto partira.

Ambos, ela e o cão, ansiavam pela primavera. Pelo cheiro das flores, o calor do sol, o florido da vida. Há tempo que a vida não florescia. Precisavam da “primaverar” novamente.

Um soninho foi batendo, vagarosamente. “Feche os olhos, Tigrão. Vamos tirar um cochilo”. De repente, o som dos automóveis foi diminuindo. Tigrão ainda, como todo cão fiel, tentava manter os olhos abertos a fim de cuidar da segurança de sua amiga. Mas a idade e o sol que, de repente, surgira tão quente, foram mais fortes e ele adormeceu.

Outro suspiro. Este mais longo e profundo.

“Au, Au, Au” - “Tigrão, deixe os pássaros cantarem”.

Ainda era inverno no calendário. Mas os pássaros estavam voltando a cantar. Um cheiro característico de flores pairava pelo ar. Ah, que saudade da primavera.

Au, Au, Au” – “Tigrão, fique aqui, não corra atrás do passarinho!”.

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Mas ele correu. Correu como nos velhos tempos. Correu como se a vida lhe desse outra chance. Estava, novamente, “primaverando”.

Ela abriu os olhos para ter certeza de que o velho cão, realmente, tinha saído atrás do passarinho e deu de cara com Augusto sentado embaixo da amoreira. Tigrão já estava ao seu lado. Ele já tinha feito a passagem das estações.

Pela primeira vez em anos, ela tomou coragem. Ansiava pela Primavera. Então, levantou-se da cadeira e foi em busca das flores e do doce gosto da amora. Não teve medo, porque já era Primavera em seu coração. E assim, ela foi “Primaverar” novamente, junto ao seu amor.

00W34 // CLÁUDIA DE VILLAR

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HOMENAGEM

À EQUIPE

FLAL PRIMAVERA

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BEL-PRAZER

- Eu juro que não é meu. Você pode perguntar para o Júlio que eu não coloquei isso aí. Deve ser dele.

Não adiantava falar, Liliana estava furiosa. João estava mentindo de novo. Estava andando com outras mulheres novamente e a prova era o preservativo que ele carregava em seu bolso traseiro da calça jeans.

- Você fica o dia todo lendo esse Luís Fernando Veríssimo e sua cabeça fica inventando coisas. Esse negócio aí é do Júlio mesmo. O pessoal lá do serviço fica fazendo gracinha e deve ter aprontado uma pegadinha colocando isso aí no meu bolso. Eles são uns palhaços! Você acha que eu seria idiota de deixar camisinha no meu bolso se eu tivesse fazendo alguma coisa de errado? Ah, tenha a santa paciência, né?! – reclamava João enquanto tentava se explicar.

- Quem devia escrever ficção aqui devia ser você. Seu livro venderia que nem água de tanto que você sabe inventar uma boa história. Dessa vez, não vou te perdoar. Não quero mais essa situação pra mim.

Dito isso, Liliana correu para dentro do quarto, bateu e trancou a porta. Jogou-se na cama e chorou sentidamente mais uma desilusão que o marido lhe proporcionara. Estava cansada de tanto lutar e não conseguir confiar nele e manter a fidelidade em seu casamento. Não era a primeira vez e não será a última. Ela tinha que ter orgulho próprio, precisava dar um ponto final para isso.

Ele batia na porta em vão.

- Abre aí, Li. Vamos conversar. Larga de bobeira. Isso tudo é brincadeira do pessoal lá da repartição. Sacanagem. Você tem que acreditar em mim. Estou falando a verdade.

Liliana casara com João há sete anos. A vida de casados começou com muitas dificuldades. Fora uma cerimônia simples, com um almoço mais simples ainda. A mãe dela fez uma galinhada, um tutu de feijão e um vinagrete de puro tomate. Não houve cerimônia na igreja, somente no cartório. O vestido de Liliana era simples, mas branco. Havia uma renda no decote do pescoço e uma manga japonesa simples, indo justo até abaixo do joelho uns dois centímetros. Ele usava um terno claro, um tom de bege e uma camisa listrada de azul claro, com uma gravata também em azul. Ele parecia bem feliz.

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Ela temerosa, sempre tensa, mas sonhava com uma vida melhor e pensava que isso poderia ocorrer depois de casada.

Terminada as assinaturas, foram para casa da mãe dela e lá almoçaram com poucos amigos. D. Janice arrumara a mesa com todo cuidado na pequena área e colocara nela copos, pratos e garfos descartáveis. Em travessas transparentes, serviu a comida e colocou refrigerante também na mesma mesa. Algumas mesas de bar estavam espalhadas no quintal e as nelas estavam forros brancos. No centro delas havia vasinhos de violetas arrematando com certo charme a decoração.

Ganharam poucos presentes que estavam espalhados em cima de uma cama. As pessoas, curiosas, iam até o quarto para ver o que os noivos tinham ganhado. O presente mais caro foi um liquidificador. Os outros foram no nível de copos, alguns pratos, panos de prato, tapetes, alguns talheres, lençol e uns enfeites de casa em flores que fugiam ao gosto da noiva.

Ao final do almoço, o casal fora para casa que alugaram para morarem. Era uma casa simples e com pouco conforto. A mãe dele e dela se juntaram e uma deu o fogão e a outra a geladeira. A cama foram os noivos que compraram entre si. Não havia televisão e nem sofá. Liliana trouxera da sua mãe algumas cadeiras pra que pudessem sentar-se. Suas irmãs se juntaram e deram as panelas para o casal. Não tinham mais que isso.

O início da vida fora difícil, mas eles conseguiram vencer as dificuldades iniciais. Tudo era visto como começo de casamento, quase uma lua de mel. O casal estava sempre positivo e viviam bem. Até que, após um ano de casamento, João decidiu fazer alguns plantões para que pudessem ter mais recursos para viverem melhor. No entanto, aí foi a camuflagem necessária para a sua primeira traição. No entanto, demorara quase outro ano para que Liliana descobrisse.

Perdoara. Isso se deu não por falta de amor próprio, mas por acreditar que todos mereciam outra chance. Entretanto, dessa vieram outras cinco, somando seis, das quais ela só teve conhecimento de algumas. Em cada uma delas, uma desculpa diferente e mais outras oportunidades novas. Na segunda que ela teve conhecimento, ela estava grávida e deu a chance pelo filho que viera. Na terceira, a doença do filho. Na quarta, a morte deste. Então, das quatro infidelidades que conhecera, perdoara. As outras duas nem soubera que o marido mantinha relacionamento com menores e a elas prometera

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casamento. Quando de tudo arrumado para tal, o João sumia e deixava a menina em desilusão.

Em um desses relacionamentos em que ele marcara casamento, sentava-se no sofá na casa da namorada, que morava em um bairro muito distante, como se fosse o solteiro mais fiel da cidade, dava o nome de Alexandre. Nessa oportunidade, um amigo da família da moça descobrira e pressionou João exigindo que ele sumisse para que uma tragédia maior não se instalasse entre eles. Ele assim fizera e desaparecera do mapa.

Quando da última descoberta de Liliana da infidelidade do marido, esta que fora a ultima das seis que ele fizera, ela quis romper com o relacionamento, mas ele implorou e prometeu que jamais aconteceria. Liliana resolveu perdoar, pois estava muito magoada e sensibilizada com a morte do seu filho e voltara com uma condição, que o marido fizesse tratamento para que mudasse a personalidade múltipla e falsa que ele mantinha.

Na procura de um psiquiatra, foi detectada a bipolaridade em João e com ela o sintoma da Mitomania e ainda acompanhado de mania de grandeza, com supervalorização de ações e o vício em sexo. Foi indicada a ele terapia psicológica juntamente com o tratamento médico. Liliana teria que ter paciência e resignação. De novo, novamente.

Mas, agora, depois de um ano de luta e chances, ela achava que ele havia se libertado disso. No quarto, que hoje já não era tão simples, devido à evolução financeira que ela tivera em seu trabalho, ela chorava amargamente, decidida a deixar o marido de uma vez por todas.

- Abre a porta, Li.

Ele resolveu deixar que ela se acalmasse e pudessem se explicar. Ele estava temeroso. Foi até a cozinha e tomou todos os remédios da noite. Sentiu fome, mas sabia que nada passaria por sua garganta nesse momento de agonia. Poderia fazer uma comidinha para os dois como vinha pensando no caminho de volta do trabalho. Até passou no supermercado e comprou uma carne de sol para assarem e comemorarem um ano que ele não sentia necessidade de outro relacionamento. Julgava que o tratamento estava indo de vento em polpa e estava feliz por isso.

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Sentou-se na sala, no belo sofá que a esposa comprara. A decoração não era mais simplória como antigamente. Tinham conseguido evoluir bastante, depois que se equilibraram financeiramente. Ligou a televisão para se distrair. Imagine! Depois de tanto aprontar, quando ela deveria acreditar nele, ela simplesmente acredita em alguém que fizera uma brincadeira de mau gosto. Esperou por algum tempo e nada da esposa sair do quarto. Percebeu o corpo amolecendo. Os remédios eram fortes e já começavam a fazer efeito. Ele adormeceu pesadamente no sofá. E nem vira que, pela sala, Liliana passava com sua mala, decidida a não mais voltar.

CARLA PÓVOA

Mediação

DESCANSO

O lugar era pouco saudável. Havia um cheiro diferente no ar. Não se podia decifrar se era de coisas velhas, suor ou sujeiras acumuladas. Talvez fosse uma mistura de tudo isso. A casa era razoavelmente grande. Havia quatro quartos, duas salas espaçosas, cozinha ampla e dois banheiros. Duas áreas complementavam o espaço, uma na frente e outra nos fundos da casa. Mas o que era de impressionar qualquer um que visse aquele lugar era a bagunça que ali persistia.

Ao entrar pela porta da frente, passando pela primeira sala e um pequeno hall, chegava-se a outra sala. Nessa havia uma televisão de tamanho médio em uma estante de formato popular. Nessa estante havia muitos enfeites de festas variadas e outros bibelôs muito antigos de cores e formatos diferentes. Também havia alguns porta-retratos com fotos antigas. Em frente a ela, dois sofás completamente desgastados, manchados e envelhecidos. Deles exalava um cheiro forte indecifrável e duas baratas passeavam em sua superfície. Havia uma poltrona encostada em um canto cheia de roupas. Não era possível decifrar se estavam limpas ou sujas, ou ainda misturadas. Era um ambiente desagradável.

No chão, em frente aos sofás, um fino colchão jazia. Nele, deitado, um rapaz de aproximadamente 20 anos. Parecia adormecido em frente à televisão ligada. Ele estava suado, gotas transbordavam de seu rosto, escorrendo pelo pescoço. De seus braços

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também escorriam o mesmo líquido. Sua roupa preta estava molhada em função disso, seu cabelo, um tanto comprido, também estava molhado pelo suor. Dele exalava um forte cheiro de álcool. Estava emagrecido, o rosto sulcado, o corpo franzino, tinha sinais visíveis de descuido e desnutrição. Em várias partes dos braços, havia manchas roxas e pequenos cortes.

O sol ia alto, quase uma hora da tarde. Estava só em casa. Mas não por muito tempo.

- Thiago! – entrou gritando uma voz de mulher. – levante-se agora.

Era uma mulher idosa, mas sua voz inspirava autoridade. Franzina, cabelos desgrenhados e grisalhos, roupas envelhecidas e encardidas, ela caminhava ágil pelo espaço que o a dividia entre a porta de entrada e o jovem deitado no colchão. Esse não a ouvia gritar seu nome. Quando ela chegou perto dele, gritou mais alto. Isso o fez levantar de um só pulo.

- Ficou maluca, vó? Por que está gritando tanto? – disse o rapaz assustado

- Você só chega de manhã todo dia e ainda quer dormir o dia todo. Sequer me ajuda, olha só que bagunça está essa casa. – falava Rosa quase em prantos e muito alto – Olha que cheiro horrível de cachaça, só vive bêbado!

- Ah, para de gritar! Não aguento mais ouvir essa sua voz irritante! – gritava também o jovem. É melhor ir pra rua.

- Espere, Thiago! Não vai sair de novo. – quase implorando – Toma pelo menos um banho, olha só seu estado!

O rapaz não deu a mínima atenção e saiu. Ela voltou às costas a ele e encaminhou-se à cozinha, não adiantaria discutir, seria pior no estado em que ele estava. Rosa parou em frente a pia de vasilhas que estavam para lavar e começou a tarefa. Estava cansada daquela vida, trabalhava na casa de um famoso médico da cidade e, quando chegava a sua casa, tinha que enfrentar aquela bagunça toda. Era sábado e ela só trabalhara até o meio dia, mas sabia que a jornada continuaria. Durante muitos dias chegara mais tarde em função das festas que o patrão deu toda a semana. Agora, o serviço doméstico estava todo acumulado. Tentaria fazer uma faxina aos poucos, pois teria uns dias de folga.

Era noite quando conseguiu colocar em o que ela chamava de ordem. Por mais que tentasse não conseguia muito porque seus móveis estavam muito velhos e já adquiriram cheiros das sujeiras que se acumulavam durante o tempo em que ficavam sujos. Além do mais, sua vizinhança não era muito higiênica e deixavam que roedores e baratas

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fizessem morada em suas casas e eles acabavam visitando também a sua. Contentava-se com aquela limpeza superficial que fizera. Não se importava mais com muito capricho. Quando chegavam os netos, Thiago e Larissa, sempre acabavam com toda organização que procedera.

Thiago era um jovem viciado em álcool, mas não se envolvia com drogas, apesar de ter em sua turma vários amigos viciados em cocaína. Nunca se interessou pelo estudo, abandonando-o cedo. Sempre se envolvia em brigas, estava sempre machucado, com marcas por todo o corpo. As brigas eram tanto por questões pessoais como por motivos dos outros, mas nunca deixavam de existir. Pouco se alimentava ou tomava banho, não se importava em se cuidar. Estava muito afetado em seu vício e o que importava era conseguir sempre dinheiro para mantê-lo. No entanto, não possuía trabalho fixo, vivia atrás de qualquer bico que lhe trouxesse uns trocados. Era um bom rapaz até pouco tempo, mas ultimamente estava sempre mal-humorado e impaciente.

Larissa não tivera uma educação esmerada, estudara em escolas fracas e públicas e tivera que parar várias vezes por muitas questões. Mas conseguiu, com muito custo, terminar o ensino médio aos 21 anos. Ela tentava estudar para o vestibular, mas vivia atrás dos cursinhos públicos. No entanto, quando não conseguia vaga em muitos deles, ela assistia às aulas como ouvinte. Já fora expulsa de algumas salas, mas procurava outras e fazia a mesma coisa. Quando descoberta, ela fora proibida de fazer isso e a orientaram esperar por uma vaga. Como ela era muito impaciente, não suportou esperar, contratou um cursinho particular. Para pagá-lo, marcava encontros com homens casados e cobrava pelos seus serviços prestados. Já prestava serviços sexuais há algum tempo, mas estava cansada disso tudo. E o cansaço a impedia de estudar muito, então não conseguia passar no vestibular de medicina, que era seu sonho. Então, chegava quase sempre irritada, malcriada e não ajudava a avó em nenhuma tarefa.

Os netos forma criados por Rosa desde pequenos. Sua filha sumira no mundo e os deixara com ela há muito tempo. Ela fizera o que pôde para criá-los da melhor forma possível, mas se via fracassada em sua missão. Via os netos indo para um buraco e não podia nada fazer, mesmo porque eles ao menos admitiam que ela os aconselhasse, quanto mais se metesse em suas vidas. Sentia-se usada e inútil.

A casa estava até organizada, na pia não havia vasilhas sujas, no fogão cozinhava uma carne na panela de pressão e um arroz borbulhava em outra. Era o jantar daquela noite que estava até cheiroso, apesar de simples. Rosa assistia a novela estendida no velho sofá, um desenho de sorriso parecia querer fixar-se me seu rosto sofrido, seu semblante estava um tanto desanuviado e sonhador vendo as imagens na televisão. Nesse

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momento, a porta se abre e bate agressivamente. Logo, a presença de Larissa rompeu na sala de tv. Ela não cumprimentou a avó, jogou a bolsa no outro sofá e foi até o banheiro. Voltou em seguida resmungando alguma coisa.

- O que foi, Larissa? Parece brava! – arriscou Rosa

- É melhor não encher o saco, viu vó? – respondeu a moça – Hoje, não estou com paciência para suas curiosidades. Me deixa em paz!

- Estou só preocupada com você, menina! – já magoada

A moça pegou a bolsa, virou as costas e foi para seu quarto já limpo e arrumado por Rosa.

Logo depois chegou o neto, mais afetado ainda do que estava mais cedo. Havia conseguido bebida fiado no bar da esquina. Lá já deixara o salário dela muitas vezes. Se assim não fizesse, o teria que gastar com o enterro do neto, que já fora jurado de morte algumas vezes.

- Meu filho, por que está desse jeito? – assustou-se Rosa

- Ah, não! – esquivou-se Thiago – Se for começar sua ladainha, vou dar meia volta e ficar no bar. Lá meus amigos são mais amigáveis. – e com risadinhas complementou antes de cair no sofá – E muito mais bonitos que você, né, vó?

Apesar de ofendia, a velha senhora estava aliviada por estarem os dois netos em casa.

- Lalinha está ai? – perguntou com a voz enrolada.

Antes que pudesse responder, ela viu o jovem roncar alto e sentiu todo o odor do álcool que havia ingerido. Ela o olhou demoradamente. Como tinha os traços belos, dóceis e singelos. Poderia ser um homem de bem se se esforçasse para isso. Era mais bonito que os filhos do Doutor Rezende, onde trabalhava. Sua filha era muito bonita e repassou isso para os filhos dela, mas repassou também toda a personalidade ruim, pronta para os vícios da carne. Arrepiou-se ao se lembrar da filha que nada dela herdara. Em compensação, herdara do pai todas as características, da beleza às qualidades imorais. Fizeram os dois, pai e filha, as mesmas façanhas, traíram-na e abandonaram-na deixando com ela o peso de todas as obrigações.

Foi até a cozinha, olhou as panelas, finalizou o jantar, pegou um prato e serviu-se. Não adiantaria chamar os netos. Sentou-se em frente à televisão e começou a comer. Estava

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quase no fim de sua refeição quando levou um susto, algo caíra da calça de Thiago. Era uma arma. Ele também se assustou. Levantou-se parcialmente do sofá, pegou no chão a arma e a colocou sobre o peito. Ela olhou estarrecida a arma. Ficou muito tempo sem conseguir tirar os olhos dela, assistiu a alguns programas até altas horas. Resolveu desligar a televisão em função do violento filme que estava passando. Contemplando a arma, tentou acordar o neto para ir para o quarto, mas foi impossível. Resolveu tomar seu remédio para dormir, mas como estava muito tensa, triplicou a dose.

Dormiu preocupada em como mudar sua situação de vida. Não viu quando, horas depois, sonambúlica e sob o efeito do elevado volume de medicamentos, levantou-se, foi até a sala onde dormia o neto, pegou-lhe a arma do peito, atirou em seu peito de forma certeira e fatal, Foi ao quarto da neta, que dormia profundamente, deferiu-lhe acertadamente na testa um tiro. Depois, saiu, sentou-se frente à televisão, seu local preferido na casa, postou a arma na boca e atirou em si mesma.

No dia seguinte e nos outros, as pessoas não acharam estranho o cheiro ao passar em frente àquela casa. Afinal, era mesmo característico um cheiro ruim vir daquele lugar. Agora estava tudo certo.

CARLA PÓVOA

Mediação

134

NASCER

Eu não nasci pra ser infeliz

Não quero flashes ou olhares

Tem muita liberdade em minha raiz

Pare com isso, por favor

Vou apenas me render às vontades e ao amor

Não se sofre pelo inexistente

Porque outros julgam prudente

Meu sonho é suave como a sinfonia dos pássaros

Arrisco a sorte como o som de ondas severas

Minha resina constrói palavras

Que se encarregam de reparos

Porque nasci para ser feliz

Somente eu cuido do meu nariz

CAROLINA UTINGUASSÚ FLORES

Coordenação

COMPULSÃO

Portuga dedicou as últimas horas para corrigir as barbaridades portuguesísticas das

redações de um concurso público. No meio da tarde, balbuciou algo incompreensível, o

que fez Margarete perguntar:

– Que foi, Portuga? Tá precisando de alguma coisa?

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– Na verdade, cara Margarete, meus olhos estão cansados, mas, por outro lado, até me

divirto com essas redações. Melhor rir para não chorar dessas criaturas que falam

português, mas escrevem como índio. Embora os índios se esforcem bem mais

atualmente para aprender português, que nem é a língua materna deles. Veja só...

– Ah, mas eu também já tô meia cansada! Ô, vida difícil!

– Tem certeza? Bom, se você está meia cansada, imagine que você foi fatiada ao meio.

Sobraram duas metades. Uma delas está cansada e a outra não. Agora... se você quis

dizer que está um pouco cansada, essa circunstância de intensidade se chama advérbio.

Como o advérbio é invariável, o certo é dizer “meio”, e não “meia”.

– Que horror! Não entendi nada desse tal de adverbo, só deu pra entender a coisa da

metade.

– Ah, sim, na verdade essa palavra vem o latim “ad”, que significa “junto”. Então, é

muito fácil – Portuga levanta-se da cadeira e gesticula aproximando as mãos ao explicar

–, a circunstância está junto ao verbo, entende? Ó, pense na sua frase “eu também já

estou meio cansada”, temos um verbo ali, sabe qual é?

– Não faço a mínima ideia... – Responde a faxineira, voltando a mergulhar o pano no

balde com detergente perfumado.

– É o verbo estar! Eu estou! E o que vem depois? O advérbio, que indica a intensidade,

o quão cansada você está! Você poderia “estar” muito cansada, mais ou menos cansada,

um pouco cansada... Olha que legal! Nós desmembramos a sua frase! É muito simples,

é racional – sem retorno da mulher, ele senta-se novamente para fazer aquilo que só ele

parecia entender.

Em algumas redações, o preenchimento do número mínimo de linhas nem sempre

estava correto, em outras, a ideia estava boa, de acordo com a proposta da redação,

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porém, geralmente, com mais de 20 erros. Erros variados de concordância, de

pontuação, de acentuação, de ortografia... Portuga, definitivamente, não compreendia

como um candidato a professor podia ter uma escrita pior que a de candidatos para, por

exemplo, Veterinária. Em certo momento, sentiu pena, pois apareceu um bom texto,

com soluções importantes, mas com erros bizarros, falando em “menas” violência,

citando “os direitos dos cidadões”. Portuga virou-se para comentar com Raissa, a

supervisora:

– Imagine um professor escrevendo no quadro, para o Ensino Fundamental, “cidadões”

em vez de cidadãos, “menas bagunça, pessoal!” em vez de menos bagunça... Olhe isto

aqui: “crimes odiondos” em vez de hediondos... E “estrupo” em vez de estupro! Uau,

essa pessoa se puxou!

Seus colegas de setor costumavam rir dos seus comentários, mas também cometiam tais

erros e nem entendiam onde estava o erro. Mas Portuga precisava desabafar. Sim, para

esses possíveis professores de Ensino Fundamental, o seu diagnóstico era fundamental

também – dependeria de Portuga o futuro de muitos que estavam por trás daqueles

escritos; alguns ilegíveis, outros incompletos, como quem traz pensamentos carregados

dentro da caneta. A tinta acaba e a frase é interrompida...

“E aí, você não percebeu que já terminou o horário de expediente Portuga?”, piscou a

mensagem do chat interno da empresa. O letrado não se segura e aproveita a chance de

alfinetar Airton: “Não sabia que haviam apelidado ‘expediente’ com o meu nome,

querido colega. Da próxima vez, lembre-se da vírgula do vocativo! O certo seria: “Você

não percebeu que já terminou o horário de expediente, Portuga?”.

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Pronto, rebateu dessa forma a mensagem, sentindo que estava fazendo um bem para o

colega. “Engraçadinho. Você não perde uma.”, digitou Airton, com medo de errar

algum ponto, afinal, todos sabiam da sabedoria linguística de Portuga. Quando tinham

alguma dúvida de como escrever algo, recorriam ao letrado.

Desligou o computador. Estava escuro lá fora, o dia se foi e precisava chegar em casa

para escrever no seu blog. Decidira não ser professor, pelo baixo salário e pelo desgaste

que é lidar com os alunos. Ao chegar em casa, o telefone tocou. Ele atendeu sua mãe

com a impaciência de costume:

– Alô.

– Alô? Filho?

– Sim, mãe, eu moro com mais alguém?

– Ai, meu filho, credo, fazem horas que tô tentando falar contigo...

– Mãe, o verbo fazer, no sentido de tempo decorrido, é impessoal. Invariável. A gente

diz “faz horas”.

– Ah, sim, isso mesmo, Zequinha, foi sem querer. Por que chegou tão tarde?

– Trabalho, trânsito, mercado etc, etc, etc.

– Hmm, bem resumido. Mas parece que você tá chateado, aconteceu alguma coisa?

– Não, mãe, eu só tô esperando pra ver o que você tanto queria falar. Cheguei agora,

mal deu pra largar as chaves.

– Ai, que mau humor! Não era nada, só queria que você lembrasse de que eu tô viva, só

isso.

– Isso eu lembro. Você é que esquece tudo o que eu lhe ensino. O verbo lembrar,

quando tem preposição “de”, significa lembrar-se de algo, o certo seria você dizer ou

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“só queria que você ‘se’ lembrasse ‘de’ que eu tô viva” ou “só queria que você

lembrasse que eu tô viva”, sem a preposição.

José Portuga de repente ouviu um grunhido do outro lado da linha e, em seguida, apenas

o sinal de ligação perdida. Ela nunca havia feito isso. Sua mãe sempre gostou de escutar

as regras, mesmo não entendendo e não sabendo diferenciar uma da outra. Seu filho

continuava tentando tirar todas as vírgulas entre sujeito e verbo, entre verbo e seu

complemento, entre sujeito e predicado, bem como arrumando intercalações que

deveriam ter vírgulas. Ele sabia que as pessoas não gostavam de estudar as regras de

português, sabia que não gostavam de ouvi-las de sua boca também; sabia que o que

interessava a todos era apenas roubar cinco minutinhos da sua sabedoria a fim de não

perder tempo pesquisando. E só. Mas sua irritante mãe havia se irritado com todo esse

letramento compulsório.

Uma mensagem chegou em seu celular. Ele visualizou um “oi”. A frase seguinte dizia:

“tem cinco minutos”. Dessa forma, Portuga suspirou e disse para si: “Malditas redes

sociais. Enquanto essa frase não tiver um ponto de interrogação, não preciso

responder.”.

CAROLINA UTINGUASSÚ FLORES

Coordenação

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A VELHINHA

Ana seguiu pela floresta, mesmo depois de sua mãe dizer para seguir pela trilha. Ela gostava de olhar as flores e ver as margaridas. Tão distraída estava que nem percebeu o tempo começar a fechar. Só viu quando sentiu as primeiras gotas da tempestade que se formavam no ar. Correu à procura de abrigo, quando viu uma luz difusa ao longe. Mais animada seguiu caminho, esperando ajuda encontrar. Chegando lá qual foi seu espanto quando viu uma casa diferente e bela. Parecia aconchegante e... Toda feita dos mais deliciosos doces. Era tão bela a visão que se esqueceu da chuva e do trovão. Encharcada ficou de tanto que olhou. De mansinho chegou e estendeu a mão. Tinha que conferir se aquilo era doce ou não. Quando estava pronta para uma lasca provar, uma senhora se apresentou.

- O que fazes aqui, minha menina? Numa tormenta como essa, sozinha? Sua mãe, onde está?

Eu muda como uma múmia, fiquei a olhar.. A velha parecia boazinha, mas algo me dizia para desconfiar. E a velha muito astuta, continuava a falar.

- Coitadinha, está encharcada. Deve com frio e fome estar. Vem comigo minha linda, comigo entrar.

Finalmente encontrando as palavras lhe digo:

- Sinto muito, mas não posso entrar. A senhora parece boazinha, mas mamãe não vai gostar. Prefiro aguardar aqui quietinha até a chuva passar. Isso se não incomodar.

Ela me responde rápido:

- Claro que não minha querida. Aqui você pode ficar. Se quiser tem muita comida e dela posso te dar.

- Olho para a pobre velhinha e me vejo a pensar. Ela parece ser sozinha e só quer me agradar.

Então respondo:

- Aceito, mas só um pouquinho, pois ainda vou jantar. Se chegar em casa e não comer, mamãe vai brigar.

- Tudo bem minha linda. Só um pedaço de bolo vou ofertar. E aproveito busco uma manta pra aquecida você ficar. Não saia daqui que com uma delícia vou te presentear.

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Para uma velha foi até rápida e muito faceira pensando que doce ofertar. Aproveitou e aqueceu o forno a lenha já pensando no jantar. Ao ficar de fronte a mesa dois bolos estavam lá. Um irresistível bolo de menta e um de morangos silvestres que colheu bem perto de lá.

A velha muito sabida cortou do mais saboroso bolo. Deu para a pobre menina, que nem desconfiou do gosto. Um imenso sorriso da velhinha apareceu. Já imaginando o retorno. Dez minutos depois, o destino da criança estava selado. A velha ofertou o bolo e vai comer da criança um pedaço.

ELIZABETH MACHADO SALLES

Mediação

SEJAMOS MAIS NÓS E MENOS EU. ISSO FOI HÁ MUITOS ANOS...

Eu estava brincando com meus amigos e um deles sugeriu que realizássemos uma

corrida, eu era a menor do grupo e fui a última a terminar. Fiquei muito triste.

Alguns dias depois daquela brincadeira eu estava no parquinho do bairro, havia vários

balanços e escorregas, flores e a grama estava verde cintilante.

Ao olhar para a grama percebi pequenas formigas de cor preta andando em fila, todas

muito bem organizadas e levando pequenos pedaços de alimentos nas costas. Uma

delas estava fora da fila, perto dos brinquedos do parque. Havia um pequeno pedaço de

bolacha, para mim era pequeno, mas aquela formiguinha estava com dificuldade para

levar o pequeno pedaço para o formigueiro.

De repente, uma formiga saiu da fila e foi até a bolacha e ficou ao lado da outra

formiga, depois veio outra, mais uma, mais três e assim várias formigas se juntaram

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para carregar o pequeno pedaço da bolacha levando-o até o formigueiro. Fiquei

fascinada. Pensei: "A união faz a força!".

Meus amigos chegaram. Novamente sugeriram outra corrida. Mas dessa vez eu pedi

para que a corrida fosse diferente, sugeri que todos descem as mãos e

tentássemos correr juntos. Meus amigos gostaram da ideia, então nos colocamos no

ponto de largada perto do lago. Ao dar a largada, todos correram. Na metade do

caminho, eu cai soltando a mão da minha companheira, ela não notou minha queda,

continuou correndo, então eu pensei: "Onde está nossa amizade?".

Alguns centímetros antes da linha de chegada, a garota que segurou minha mão parou, e

todos começaram a parar. Ela apontou para mim e todos confirmaram com a cabeça.

No começo eu não entendi o que aquilo significava, mas quando eles correram em

minha direção eu compreendi que eles não queriam terminar a corrida sem mim. Ela me

estendeu a mão, eu a segurei e levantei, sorri e todos ficaram um do lado do outro,

juntos terminamos a corrida, todos foram "o primeiro".

Minha pequena olhou-me com tristeza.

- Mas vovó, hoje em dia as coisas não são assim, as pessoas só se importam com elas

mesmas.

Eu sorri e pedi para que ela se levantasse e sentasse em meu colo, ela sentou e eu a

olhei gentilmente.

- As pessoas devem mudar e para isso o ponto de partida tem que ser.

- Eu apontei para seu coração.

- Você.

LUANA KAROLINY

Mediação

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ARCO-ÍRIS Há dias com sol!

Neles, Crianças brincam,

As flore refletem mais cores,

Há borboletas, alegrias...

Amores.

Há dias nublados!

Nesses,

Até o céu chora

Por uma dor,

De saudade,

Por um amor.

O coração fica triste,

Amuado.

A alegria contagiante de outrora...

Cede lugar à tristeza.

Melancolia disfarçada de saudade.

Mas, Há dias com chuva e sol!

Ah! Nesses...

Há o mais belo fenômeno da natureza.

Surge na junção de dois afetos,

Como se fosse um filho que nasce e sela pra sempre uma união!

Quando o sol em um ato de amor aquece as lágrimas que caem do céu...

Há uma bela explosão de cores!

Que espaventa tristezas, melancolias,

Dores...

E traz novamente...

As borboletas,

As flores,

Amores...

PATTY FREITAS Coordenação

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ETERNA PRIMAVERA Nem todos os dias são flores.

Nem todo o dia há amores.

A natureza rege que passamos pelas quatro estações...

Mas cabe a mim,

Me primaverar dia a dia

Mesmo que chova torrencialmente lá fora,

Mesmo que as folhas caiam pelo chão,

Mesmo que o frio seja rigoroso...

O meu coração será flor,

A minha alma será amor!

Cabe a mim,

Me primaverar sempre

De dia em dia,

De tempo em tempo

De chuva em chuva,

De folha em folha,

Frio após frio...

Cabe a mim,

Me primaverar...

Sempre!

PATTY FREITAS Mediação

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PRATELEIRA DE SENTIMENTOS

Não tinha mais para onde fugir. Não tinha mais desculpas ou falta de tempo. A bagunça estava ali. Algumas emboladas, outras por falta de espaço penduradas. Despi-me das desculpas e fui arrumar a bagunça. Quantos sentimentos velhos partidos incompletos esquecidos. Alguns os esqueci de propósito. Outros no meio do furacão os escondi. Ao rever um aqui e outro lá, nostalgia senti. Agora a prateleira já está quase organizada. Estou com alguns em mãos que não sei o que fazer. Tenho a paixão a saudade

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e o amor nas mãos. O que fazer? Só tem um espaço vago na prateleira de sentimentos. UIARA MELO

Coordenação

A GATA E O BEIJA-FLOR Pantera é uma linda gatinha de apenas três meses. Seu pelo é de um preto reluzente.

Está começando sua vida de caçadora, já consegue caçar besourinhos, joaninhas e

outros bichinhos desavisados.

É especialista em caçar formigas já que elas não voam e correm quase sempre pelo

chão.

Nesta linda manhã de primavera, Pantera resolveu partir para um projeto maior, caçar

passarinhos, um beija-flor em questão. Ele aparece com sua graça e elegância beijando

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uma a uma as flores de um pé de sininho. Cada uma delas, recebe dele um beijo e um

segredo.

- Está vendo aquela gatinha? Ela quer me pegar!

E a planta inteira se agita como se caísse numa gostosa gargalhada.

Pantera se esconde entre as plantas e vai avançando devagar, bem abaixadinha,

pensando estar imperceptível. Avança devagar, passo a passo tentando enganar a ave

que distraída beija as flores em seu voo elegante e suave.

Ela se aproxima da planta e pula… Mas o beija-flor já está a uma distância segura das

garras da gatinha.

Ele revoa sobre a cabeça do bichano em uma atitude que demonstra indignação por ter

seu trabalho interrompido, ou desafio por ter certeza que a gatinha não o pegará.

Mais uma linda manhã de primavera se inicia. O beija-flor chega para seu trabalho,

beijar as flores, e escondida entre as plantas a gatinha tentando pegá-lo.

IRONI JAEGER Gestora

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A FLOR E O VENTO

Era um lindo jardim. Canteiros bem cuidados, com muitas flores coloridas espalhando seu perfume ao redor da pequena casinha branca.

Na janela aberta, bem junto à porta de cor rosa, pendia uma floreira com plantas ainda brotando... Que flores iriam desabrochar ali, para acrescentar mais beleza e encantamento ao cenário romântico? Margaridas, belas e recatadas margaridas.

A primavera passava seus dias entre as chuvas torrenciais, o calor abafado e os ventos fortes... Às vezes, uma suave brisa vinha refrescar as flores, que ficavam sedentas e esbaforidas pelo calor do sol.

Um dia, que já era o tempo dos botões de margaridas desabrocharem, uma delas, nem tão alto e nem tão baixo o seu caule, seria, com certeza, uma bela flor, como qualquer outra das margaridas da floreira, sentiu um arrepio, quando a suave brisa balançou a cortina cor de rosa pálido da janela. Com muito esforço conseguiu chamar a atenção da suave brisa... que curiosa veio soprar na floreira...

Passeando de um lado para o outro, refrescando as flores do belo jardim, a suave brisa encantou-se com os botões esverdeados de pontas brancas... e ali ficou soprando e como num bailado girava suavemente, enamorando-se da futura flor, que se abriria para o doce e delicado amor que nascia no anoitecer de um dia qualquer...

Ao amanhecer, tão logo os primeiros raios do sol clarearam o dia, a suave brisa deslocou-se para a floreira da janela, disposta a soprar e refrescar a futura flor... e para sua surpresa, encontrou a florzinha desabrochando... todas as outras flores afastaram-se, dando espaço para as pétalas brancas se abrirem brilhando à luz do sol...

A suave brisa apaixonada soprou suavemente por entre as belas pétalas brancas, admirando o dourado de seu centro. A jovem margarida não cabia em si de tanta felicidade. Havia desabrochado para a vida adulta e para o amor da suave brisa... E suas pétalas brancas acariciadas pela brisa, bailavam como se fosse a floreira, o salão onde acontecia o grande baile do nascimento. E entre tantas flores, a escolhida foi ela, a modesta margarida...

A primavera continuou seus dias dividindo-se entre as chuvas repentinas, os ventos gelados que sopravam a noite e a suave brisa que acariciava sua bela margarida... O perfume das flores continuava a se espalhar ao redor da casinha branca e às vezes, o vento o empurrava pela janela, indo perfumar os pequenos cômodos daquela morada.

Um dia, sempre existe um dia para quebrar o encantamento de uma vida feliz. A suave brisa percebeu que sua amada estava triste e suas pétalas levemente desbotadas, sem o brilho e a luminosidade de antes... E então, soube da verdade, que existe a vida e também a morte. Vida breve e sonho impossível.

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Revoltou-se a suave brisa, sequer ouviu os lamentos da sua margarida, o mundo iria conhecer um vento apaixonado. Queria mostrar ao mundo inteiro a sua dor. E assim, a suave brisa foi se transformando num vento, num forte vento, numa ventania que desfolhou a sua margarida... levando-a em pétalas junto consigo para o mundo inteiro ver a sua dor...

NELL MORATO

Gestora

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FLAL Festival de Literatura e Artes Literárias

EQUIPE Conselho Administrativo

Luiz Amato

Gestão Ironi Jaeger

Nell Morato

Coordenação Carolina Utinguassú Flores

Patty Freitas

Uiara Melo

Imprensa/Reportagem Daniela Garcia

Mediação Carla Póvoa

Elizabeth Machado Salles

Luana Karoliny

Roberta de Souza

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AGRADECIMENTOS

A ideia de criar um concurso com textos anônimos surgiu no 2º FLAL. E o Luiz Amato

fez um ensaio, que teve boa aceitação. Precisávamos ajustar a proposta para um

Concurso sério e que avaliasse com total isenção os textos apresentados.

No Facebook, as publicações nos grupos ou perfis recebem curtidas e/ou comentários

de amigos e admiradores. Às vezes, o texto nem é tão bom, e mesmo assim é curtido

pela amizade que cultivamos.

Quando convidei os escritores para avaliar os textos, solicitei a cada um deles que

deveriam escolher os cinco melhores, aqueles que na opinião deles mais

emocionassem quando da leitura. E assim aconteceu.

Agradecer é sempre muito bom. Agradecer aos escritores que enviaram seus textos,

submetendo-os à avaliação anônima, de jurados também anônimos.

Agradeço aos jurados, que atenciosamente atenderam minha solicitação. Que

desviaram os olhos de suas ocupações para avaliar textos anônimos de seus colegas

escritores.

Agradeço à equipe que sempre atenta às publicações, prestigiou todos os textos

publicados na página do Festival.

Agradecimento especial para Luiz Amato, sempre disposto a auxiliar e aconselhar; Ironi

Jaeger, minha parceira na gestão, a tranquilidade e a calma que todos nós precisamos

eu buscava com ela, em suas palavras sensatas e sua grande generosidade; Daniela

Garcia, que escreveu o Prefácio, apresentando a nossa coletânea de maneira

profissional, engrandecendo o nosso Festival e o Concurso, elevando-os ao nível que o

FLAL merece e tem organização para estar. Obrigado!

Nell Morato

Gestora