coletanea de alfabetização

download coletanea de alfabetização

of 310

Transcript of coletanea de alfabetização

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    1/310

    Coletnea de textos

    4442-01 capa coletnea A4 2/10/01 1:06 AM Page 1

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    2/310

    Coletnea de textosmdulo1

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    3/310

    Presidente da RepblicaFERNANDO HENRIQUE CARDOSO

    Ministro da EducaoPAULO RENATO SOUZA

    Secretrio-ExecutivoLUCIANO OLIVA PATRCIO

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    4/310

    MINISTRIO DA EDUCAOSecretaria de Educao Fundamental

    Programa de FormaodeProfessoresAlfabetizadores

    Coletnea de textos

    Janeiro 2001

    mdulo1

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    5/310

    Secretaria de Educao FundamentalIARA GLRIA AREIAS PRADO

    Departamento de Poltica da Educao FundamentalWALTER KIYOSHI TAKEMOTO

    Coordenao-Geral de Estudos e Pesquisas sobre Educao FundamentalROSANGELA MARTA SIQUEIRA BARRETO

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    6/310

    SumrioApresentaoIntroduo

    Programa de Formao de Professores Alfabetizadores - Expectativas de AprendizagemContribuies do registro escritoEscrever preciso! -EquipePedaggicadoProgramadeFormaodeProfessoresAlfabetizadoresMemriasPara escrever memrias pessoais sobre a alfabetizaoTrajetria profissional das professoras do Grupo-Referncia e caracterizao dasturmas de alunos

    Cem anos de perdo - ClariceLispector

    Memria de livros -JooUbaldoRibeiroFinde ato - AnnimoRecomendaes a uma professora inicianteIdias,concepes e teorias que sustentam a prtica de qualquer professor,mesmo quando ele no tem conscincia delas - Telma WeiszElaborando um mapa textualModelos de ensino e aprendizagem

    Pramo e Tisbe - OvdioA histria dos livros

    Assombraes de agosto - Gabriel Garca MrquezAmostras de escrita para anlise - Ricardo e AntonioComo se aprende a ler e escrever ou,prontido,um problema mal colocado -Telma WeiszMinha estao de mar - DomingosPellegrini Jr.Darcy RibeiroEros e Psique - FernandoPessoaAmostras de escrita para anliseContribuiesprtica pedaggica - 1Consideraes sobre as atividades do Programa Escrever para AprenderLeitura orientada do texto:Como se aprende a ler e escrever ou,prontido,umproblema mal colocado

    Morte e vida Severina -JooCabral deMeloNetoUm eterno principiante

    Aeroporto - CarlosDrummond deAndradeExiste vida inteligente no perodo pr-silbico? - Telma WeiszPor que e como saber o que sabem os alunos

    Direitos imprescritveis do leitor - Daniel Pennac

    Da utilidade dos animais - CarlosDrummond deAndradeMaria Angula - Contoda tradiooral equatorianaContribuiesprtica pedaggica - 2

    M1U1T1-M1U1T2-M1U1T3-M1U1T4-M1U1T5-M1U1T6-

    M1U2T1-M1U2T2-

    M1U2T3-M1U2T4-M1U2T5-

    M1U2T6-M1U2T7-

    M1U3T1-M1U3T2-

    M1U3T3-M1U3T4-M1U3T5-

    M1U3T6-

    M1U3T7-M1U3T8-

    M1U3T9-M1U3T10-M1U3T11-

    M1U3T12-

    M1U4T1-

    M1U4T2-

    M1U4T6-

    M1U4T7-M1U4T8-M1U4T9-

    M1U4T4-M1U4T5-

    M1U4T3-

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    7/310

    O primeiro beijo - ClariceLispectorO artista inconfessvel -JooCabral deMeloNeto500 anos de Brasil -JosFranciscoBorgesAspectos que determinam uma boa situao de aprendizagem.Roteiro para planejamento de atividadeEvoluo da escrita da aluna Maiara

    taca - KavfisAs longas colheres - Histria detradioSufiV caiu na piscina - CarlosDrummond deAndradeO que estescrito e o que se pode ler:a interpretao de umtexto associado a uma imagem- Telma WeiszO que estescrito e o que se pode ler:as relaes entreo texto,como totalidade,e suas partes -Telma WeiszEntrevistando um professor

    Orientao de leitura dos textos M1U6T4 e M1U6T5

    A linha mgica - lenda francesaTexto sem ttulo iniciado por Um jornal melhorConsideraes sobre as atividades do programa Ler para aprender.Cabo-de-guerraTexto em alemo 1Texto em alemo 2

    Alfabetizao - ParmetrosCurricularesNacionaisPara ensinar a ler - Rosaura Soligo

    Verdadeiro ou falso?

    Lixo - LusFernandoVerssimoColhendo os frutos da glria -JooUbaldoRibeiroZumbiPlanejamento e desenvolvimento de uma atividade de leituraContribuiesprtica pedaggica - 3Aspectos que determinam uma boa situao de aprendizagem (leitura)

    Concertos de leitura - RubemAlvesIsadora Duncan

    Felicidade clandestina - ClariceLispectorAlfabetizao e ensino da lnguaEntrevistando Caetano Veloso

    Um aplogo - MachadodeAssisPoema em linha reta -lvarodeCamposBaleia - GracilianoRamosTranscrio dos textosA menina do chapu verde eOs gatinhosA menina do chapu verde

    Os gatinhosProposta didtica de alfabetizaoO papel do professor - Frank Smith

    M1U5T1-

    M1U5T2-

    M1U5T3-M1U5T4-M1U5T5-M1U5T6-

    M1U6T1-

    M1U6T2-

    M1U6T3-M1U6T4-

    M1U6T5-

    M1U6T6-

    M1U6T7-

    M1U7T1-M1U7T2-M1U7T3-M1U7T4-M1U7T5-M1U7T6-M1U7T7-M1U7T8-

    M1U7T9-

    M1U8T1-M1U8T2-

    M1U8T4-M1U8T5-M1U8T6-

    M1U9T1-M1U9T2-M1U9T3-M1U9T4-M1U9T5-M1U9T6-M1U9T7-M1U9T8-M1U9T9-M1U9T10-

    M1U9T11-M1U9T12-M1U9T13-

    M1U8T3-

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    8/310

    Aprender nunca o que se espera!A moa tecel - Marina ColasantiLngua - CaetanoVelosoQuando o planejamento faz a diferenaContribuiesprtica pedaggica - 5Planejar preciso - Rosa Maria AntunesdeBarros

    Conto de vero n. 2:bandeira branca - LusFernandoVerssimoPara Maria da Graa - PauloMendesCamposUma noite no paraso - taloCalvinoSobre a avaliaoDescrio da proposta de avaliao

    M1U10T1-M1U10T2-M1U10T3-M1U10T4-M1U10T5-M1U10T6-

    M1U11T1-M1U11T2-M1U11T3-M1U11T4-M1U11T5-

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    9/310

    Caro professor cursista

    Esta Coletnea de Textosum importante subsdio sua formao como cursista do Programade Formao de Professores Alfabetizadores.Embora os materiais tenham um valor muito inferiorao uso que proporcionam,seguramente,se no houver materiais,no haverqualquer possibilidadede uso Por isso,a Equipe Pedaggica desse Programa organizou um acervo de textos,para darsuporte ao trabalho proposto no Mdulo 1 do Curso,que deverser organizado em seu Fichrio,juntamente com o Caderno de Registro.

    Voc receber os textos progressivamente, de acordo com seu significado para as atividadespropostas. A parceria que o Ministrio da Educao estabelece com toda instituio interessadaem implementar o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores pressupe ocompromisso dessa instituio em reproduzir os textos, de forma que cada cursista possacompor o seu material de leitura,estudo e consulta.

    Nosso compromisso oferecer oportunidades para que voc leia muitos textos literrios,muitostextos de aprofundamento, muitos materiais de subsdio sua prtica educativa. No apenasestes, da Coletnea,mas muitos outros que podem ampliar o seu horizonte cultural e o seurepertrio de conhecimento pedaggico.

    Os Parmetros e os Referenciais Curriculares Nacionais,os Cadernos da TV Escola e os livrosque compem o acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola, so alguns dos materiaisque o Ministrio da Educao tem colocado disposio das escolas pblicas brasileiras e,conseqentemente,dos educadores.Mas hmuitas outras obras importantes,que todo educadortem o direito e a obrigao de conhecer.Por isso,as instituies que implementam o Programa

    de Formao de Professores Alfabetizadores devem organizar um acervo de consulta e emprstimopara todos os formadores e professores cursistas.

    Organize os seus textos,aproveite o melhor que puder essas leituras,registre e compartilhe suasexperincias e mantenha aquecido o desejo de aprender cada vez mais a ensinar aos seus alunos.A qualidade da educao brasileira depende muito de voc!

    Secretaria de Educao Fundamental

    Apresentao

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    10/310

    Um senhor toma o nibus depois de comprar o jornal e o ps embaixo do brao.

    Meia hora mais tarde, desce com o mesmo jornal sob o mesmo brao.

    Mas jno o mesmo jornal, agora um monte de folhas impressas

    que o senhor abandona num banco de uma praa.Apenas fica s no banco,o monte de folhas se torna outra vez um jornal,

    atque um rapaz o v, o l, e o deixa convertido em um monte de folhas impressas.

    Apenas fica s no banco,o monte de folhas se torna outra vez um jornal,

    atque uma velha o encontra, o le o deixa convertido

    em um monte de folhas impressas.

    Depois o leva para sua casa e no caminho o usa para enrolar meio quilo de acelgas,

    que para o que servem os jornais depois destas excitantes metamorfoses.

    Jlio Cortzar

    (In Histrias de cronpios e de famas)

    Todo material tem o valor que lheconferido pelo uso que dele se faz.Um textoapenas uma porode letras impressas,atque o leitor se aproprie do que ele diz e,ento,dalmas letras fazendo-as textode fato.De certa forma,apropriar-se do texto do outro torn-lo seu, faz-lo prprio tambm.

    O objetivo desta Coletnea de Textos subsidiar todo professor cursista em sua trajetria deformao, para que seja um alfabetizador cada vez mais competente e semeie leitura e escritapelas escolas deste pas.Os textos lidos pelo formador nos momentos de Leitura Compartilhada,os textos expositivos que aprofundam os contedos trabalhados no Curso, os textos que cadaprofessor avalia terem qualidade suficiente para serem socializados com os companheiros do grupo,

    os prprios textos...todos tm lugar no Fichrio,que abriga a Coletnea e o Caderno de Registro.

    O desenvolvimento das competncias profissionais dos educadores passa necessariamente pelaampliao do universo de conhecimentos e pela reflexo sobre a prtica.Portanto,o Fichrio podeprogressivamente se tornar um aliado nesse processo:por meio dos textos lidos e do registroescrito,possvel no s aprender mais sobre os contedos da formao e analisar criticamente aprtica profissional,mas tambm ampliar as capacidades de leitura e escrita,de interpretao e expresso.

    Em seu livro 40 escritos, (Editora Iluminuras,2000) Arnaldo Antunes diz algo que traduz a certeza que tambm temos de que cada texto nico: "A frase que eu digo no ser a mesmafrase se sair da sua boca.Ou se eu a disser dentro de um perodo. Ou com outra ordem depalavras.Ou se houver uma trilha sonora ao fundo.Ou se mudarmos a trilhasonora.Ou se elafor escrita numa letra trmula.Ou em tipo composto num jornal.Ou como letreiro de uma loja.Ou se dita s para testar o eco desta sala.Ou se for mentira.Ou se tiver uma platia escutando."

    Tambm cada leituranica,singular...e o desafio compartilh-la,torn-la acessvel ao outro efaz-lo entender nosso ponto de vista.Afinal, a eficcia da comunicao est na aproximaomxima entre o que se pretendia dizer,o que efetivamente se disse e o que compreendido.Esperamos que todos os professores cursistas no s leiam muitos textos e deles se apropriem,mas que produzam os seus prprios,para que muitos outros leiam.Conquistando cada vez maisessa aproximao entre o dito e o compreendido.

    Equipe Pedaggica do Programa de Formao de Professores Alfabetizadores

    Introduo

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    11/310

    Programa de Formao

    de ProfessoresAlfabetizadoresExpectativasde aprendizagemPara que os alunos possam ter assegurado seu direito de aprender a ler e escrever,preciso quetodo professor que alfabetiza crianas,jovens e adultos desenvolva as competncias profissionaisabaixo relacionadas. Portanto, o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores temcomo expectativas de aprendizagem que seus participantes se tornem progressivamente capazes de:

    Encarar os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas aprendizagens para sedesenvolverem pessoalmente e para terem uma imagem positiva de si mesmos, orientando-sepor esse pressuposto.

    Desenvolver um trabalho de alfabetizao adequado s necessidades de aprendizagem dosalunos,acreditando que todos so capazes de aprender.

    Reconhecer-se como modelo de referncia para os alunos:como leitor,como usurio da escritae como parceiro durante as atividades.

    Utilizar o conhecimento disponvel sobre os processos de aprendizagem dos quais depende aalfabetizao para planejar as atividades de leitura e escrita.

    Observar o desempenho dos alunos durante as atividades,bem como as suas interaes nassituaes de parceria,para fazer intervenes pedaggicas adequadas.

    Planejar atividades de alfabetizao desafiadoras, considerando o nvel de conhecimentoreal dos alunos.

    Formar agrupamentos produtivos de alunos, considerando seus conhecimentos e suascaractersticas pessoais.

    Selecionar diferentes tipos de texto apropriados para o trabalho.

    Utilizar instrumentos funcionais de registro do desempenho e da evoluo dos alunos, deplanejamento e de documentao do trabalho pedaggico.

    Responsabilizar-se pelos resultados obtidos em relao s aprendizagens dos alunos.

    M1U1T1

    1M1U1T1

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    12/310

    Expectativas de aprendizagem do Mdulo 1

    As propostas de formao que integram o Mdulo 1 do Programa de Formao de ProfessoresAlfabetizadores foram organizadas para que todos os professores alfabetizadores possamprogressivamente:

    Conhecer as bases conceituais, os objetivos, os materiais e a natureza das propostas quecompem o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores,bem como idias e experinciasdas professoras do Grupo-Referncia.

    Analisar o percurso pessoal de aprendizagem escolar e de formao profissional, relacionando-ocom a prpria prtica pedaggica e atuao de professor.

    Monitorar o processo pessoal de formao considerando as expectativas de aprendizagem domdulo e as prprias expectativas.

    Trabalhar coletivamente de forma produtiva.

    Intensificar as prticas de leitura e escrita,especialmente de textos reflexivos.

    Utilizar o registro escrito para documentar o trabalho pedaggico e para refletir sobre a prticaprofissional e sobre o processo de formao.

    Desenvolver procedimentos produtivos de estudo dos textos expositivos que aprofundam oscontedos abordados no Curso.

    Relacionar os contedos trabalhados no Curso com a prtica pedaggica.

    Entender o contrato didtico como um dos fatores que interferem na compreenso dos papis edas relaes envolvidos nas situaes de ensino e aprendizagem,tanto na sala de aula como nogrupo de formao.

    Conhecer a evoluo das concepes e prticas de alfabetizao que tiveram lugar no Ocidente,no sculo XX.

    Aprofundar o conhecimento sobre a natureza das atividades de alfabetizao pautadas na reflexosobre a lngua e sobre propostas metodolgicas de resoluo de problemas.

    Melhorar a capacidade de planejar produtivamente o trabalho pedaggico de alfabetizao comtextos,compreendendo como os conceitos de alfabetizao e letramento se traduzem nassituaes de ensino e aprendizagem.

    Aprofundar o conhecimento sobre os processos de aprendizagem dos quais depende a alfabetizaoe utilizar esse conhecimento para planejar as situaes didticas de leitura e escrita.

    Compreender os procedimentos possveis/necessrios para ler e escrever antes de estaralfabetizado.

    2M1U1T1

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    13/310

    3M1U1T1

    Encarar os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas aprendizagens para sedesenvolver pessoalmente e para ter uma imagem positiva de si mesma

    Compreender que os alunos podem e devem ser incentivados a ler e escrever antes de estaralfabetizados e que por trs dessa proposta existe uma concepo de ensino e aprendizagem.

    Analisar a produo escrita dos alunos,especialmente quando ainda no se alfabetizaram.

    Reconhecer que hatos inteligentes por trs das escritas dos alunos que ainda no sabem lere escrever convencionalmente.

    Formar agrupamentos produtivos de alunos,considerando suas hipteses de escrita e leitura esuas caractersticas pessoais.

    Observar o desempenho dos alunos durante as atividades,bem como suas interaes nas situaesde parceria.

    Planejar intervenes pedaggicas adequadas.

    Utilizar instrumentos funcionais de registro do desempenho e evoluo dos alunos,de plane-jamento e documentao do trabalho pedaggico.

    Reconhecer seu papel de modelo de referncia para os alunos como leitor, como usurio daescrita e como parceiro durante as atividades.

    Reconhecer a importncia de ler diariamente bons textos para os alunos,compreendendo queesse tipo de prtica requer planejamento, critrios de qualidade e diversidade para a seleodos textos e leitura prvia dos mesmos.

    Compreender queprincipalmente por meio da leitura (mesmo que escutada) que se aprendea linguagem escrita e que isso condio para produzir textos de qualidade.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    14/310

    1M1U1T2

    Contribuiesdo registro escrito

    O Caderno de Registro o lugar de:

    fazer anotaes pessoais;

    escrever concluses das atividades;

    documentar as snteses das discusses;

    avaliar o trabalho de formao que estsendo realizado e as atividades propostas;

    registrar dvidas e perguntas que no foram respondidas pela discusso;

    anotar observaes sobre os textos lidos;

    realizar tarefas propostas etc.

    Por meio do registro escrito,possvel ao formador:

    documentar o trabalho realizado;

    anotar observaes sobre o grupo;

    refletir sobre o processo de formao que vivencia enquanto formador;

    controlar o desenvolvimento do trabalho em funo do planejamento;

    anotar dificuldades e solues para problemas identificados;

    avaliar as atividades,as unidades,os mdulos e o Curso;

    ter material de consulta para elaborar relatrios de trabalho etc.

    Por meio do registro escrito,possvel ao Professor:

    documentar os conhecimentos adquiridos,dvidas,snteses, relatos da prtica pedaggicae questes para discusso coletiva;

    refletir sobre o processo pessoal de aprendizagem e sobre a prtica pedaggica;

    recuperar o que foi aprendido e projetar novas aprendizagens;

    M1U1T2

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    15/310

    dialogar com as prprias representaes,modificando-as gradativamente quando for o caso;

    refletir para buscar explicaes e solues para os problemas didticos;

    compreender melhor as questes que se colocam para os alunos, inclusive em relao prpria escrita;

    documentar e socializar as experincias vividas;

    criar meios para melhor organizar os estudos;

    fazer anotaes das leituras realizadas etc.

    2M1U1T2

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    16/310

    1M1U1T3

    Escrever preciso!Escrevo porquemedida que escrevo vou me entendendo

    e entendendo o que quero dizer, entendo o que posso fazer.

    Escrevo porque sinto necessidade de

    aprofundar as coisas,de v-las como realmente so...

    Clarice Lispector

    A escritaum ato difcil.Escritores,compositores,jornalistas,professores e todos os profissionaisque tm na escrita um instrumento de trabalho,em geral dizem que "suam a camisa" para redigir

    seus textos.Mas dizem tambm que a satisfao do texto pronto vale o esforo de produzi-lo.

    Hmuitas falsas idias sobre a escrita.

    Hquem pense que os que gostam de escrever tm o dom das palavras,e que para estes aspalavras "saem mais fcil". No verdade.Escrever no depende de dom, mas de empenho,dedicao,compromisso,seriedade,desejo e crena na possibilidade de ter algo a dizer que valea pena.Escrever um procedimento e,como tal,depende de exercitao: o talento da escritanasce da freqncia com que ela experimentada.

    Hquem pense que s os que gostam devem escrever.No verdade.Todos que tm algo adizer,que tm o que compartilhar,que precisam documentar o que vivem,que querem refletirsobre as coisas da vida e sobre o prprio trabalho, que ensinam a ler e escrever...precisamescrever. Por isso, ns,professores, precisamos escrever:porque temos o que dizer, porquetemos o que compartilhar,porque precisamos documentar o que vivemos e refletir sobre isso,e porque ensinamos a escrever somos profissionais da escrita!

    Se a escola no nos ensinou a intimidade com a escrita e o gosto por escrever,s nos resta dara volta por cima,arregaar as mangas e assumir os riscos:escrever preciso!

    Lus Fernando Verssimo,escritor talentoso,declara-se um gigol das palavras e nos incentiva e

    aconselha*:

    "[] a linguagem,qualquer linguagem, um meio de comunicao e que deve ser julgadaexclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras bsicas da Gramtica,para evitar osvexames mais gritantes,as outras so dispensveis.

    [] Escrever bemescrever claro,no necessariamente certo.Por exemplo:Dizer "escreverclaro" no certo mas claro, certo? O importante comunicar. (E quando possvelsurpreender, iluminar,divertir, comover...)

    M1U1T3

    Extrado deO nariz e outras crnicas,ColeoPara gostar de ler, Editoratica.*

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    17/310

    [] Minha implicncia com a Gramtica na certa se deve a minha pouca intimidade comela.Sempre fui pssimo em Portugus.Mas [] vejam vocs,a intimidade com a Gramtica to dispensvel que eu ganho a vida escrevendo,apesar da minha total inocncia na matria.Sou um gigol das palavras.Vivo s suas custas.E tenho com elas a exemplar conduta deum cften profissional. Abuso delas.S uso as que conheo,as desconhecidas so perigosas epotencialmente traioeiras.Exijo submisso.No raro,peo delas flexes inominveis para

    satisfazer um gosto passageiro.Maltrato-as,sem dvida.E jamais me deixo dominar por elas.No me meto na sua vida particular.No me interessa seu passado,suas origens,sua famlia,nem o que os outros j fizeram com elas.As palavras,afinal, vivem na boca do povo.Sofaladssimas.Algumas so de baixssimo calo.No merecem o mnimo respeito.

    Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical de suas palavras seria to ineficientequanto um gigol que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferncia deum namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com quecuidados, com que temores e obsquio ele consentiria em sair com elas em pblico,alvo daimpiedosa ateno de lexicgrafos,etimologistas e colegas.Acabaria impotente,incapaz de umaconjuno.A Gramtica precisa apanhar todos os dias para saberquem que manda."

    O Caderno de Registropara que todos os participantes do Programa de Formao de ProfessoresAlfabetizadores possam mostrar "quem que manda" na linguagem escrita, e desenvolver otalento de documentar o processo pessoal de formao e o talento de refletir sobre a prticacom a ajuda da escrita,um poderoso recurso nesse sentido.

    Este Caderno serutilizado em todo o Curso e seruma testemunha documental do processode aprendizagem de cada um. Nele, sero impressas as marcas pessoais que revelam olharesdiferentes em diferentes momentos:impresses,perguntas,comentrios,sentimentos,angstias,orientaes, reflexes, teorizaes... Prioritrio lembrar que o tempo e o espao no fazemparte de uma arena imutvel,que somos agentes transformadores e que podemos energizar oCaderno,gota a gota,como memria nascente.

    "Enquanto eu tiver perguntas e no houver resposta continuarei a escrever."Clarice Lispector

    Equipe Pedaggica do Programa de Formao de Professores Alfabetizadores

    2M1U1T3

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    18/310

    1M1U1T4

    MemriasFoi aque nasci:nasci na sala do terceiro ano,sendo professora Dona Emerenciana Barbosa,queDeus a tenha.At ento era analfabeto e despretensioso.Lembro-me:nesse dia de julho,o solque descia da serra era bravo e parado. A aula era de geografia,e a professora traava no quadro-negro nomes de pases distantes.As cidades vinham surgindo na ponte dos nomes,e Paris erauma torre ao lado de uma ponte e de um rio,a Inglaterra no se enxergava bem no nevoeiro,um esquim, um condor surgiam misteriosamente, trazendo pases inteiros.Ento,nasci.Derepente nasci, isto ,senti necessidade de escrever

    Carlos Drummond de Andrade

    E no me esquecer,ao comear o trabalho de me preparar para errar.No esquecer que o erro muitas vezes se havia tornado o meu caminho.Todas as vezes em que no dava certo o que eu pensava ou sentia que se fazia enfim umabrecha,e,se antes eu tivesse tido coragem,jteria entrado por ela.Mas eu sempre tivera medodo delrio e erro.Meu erro,no entanto, devia ser o caminho de uma verdade,pois quando erro que saio doque entendo.Se a "verdade" fosse aquilo que posso entender, terminaria sendo apenas uma verdade pequena,do meu caminho.

    Clarice Lispector

    [] para cada pessoa h coisas que lhe despertam hbitos mais duradouros que todos osdemais.Neles so formadas as aptides que se tornam decisivas em sua existncia.E,porque,noque me diz respeito,elas foram a leitura e a escrita,de todas as coisas com que me envolvi emmeus primeiros anos de vida, nada desperta em mim mais saudades que o jogo das letras.Continha em pequenas plaquinhas as letras do alfabeto gtico,no qual pareciam mais joviais efemininas que os caracteres grficos.Acomodavam-se elegantes no atril inclinado, cada qualperfeita,e ficavam ligadas umas s outras segundo a regra de sua ordem,que seja,a palavra daqual faziam parte como irms.[] A saudade que em mim desperta o jogo das letras prova como

    foi parte integrante de minha infncia.O que busco nele na verdade, ela mesma:a infnciaporinteiro, tal qual a sabia manipular a mo que empurrava as letras no filete,onde se ordenavamcomo uma palavra.A mo pode ainda sonhar com essa manipulao, mas nunca mais poderdespertar para realiz-la de fato. Assim,posso sonhar como no passado aprendi a nadar.Mas issonada adianta.Hoje sei nadar;porm,nunca mais poderei tornar a aprend-lo.

    Walter Benjamin

    M1U1T4

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    19/310

    Quando me perguntam,porm,como aprendi a ler,quais os mtodos,quais as regras,no possoresponder porque no guardo a menor lembrana.[]

    Desde pequenina eu era louca por narrativas,e toda quarta-feira chegava em casa oTico-tico,revista infantil publicada no Rio de Janeiro;eu a aguardava ansiosa e folheava para ver as figuras,at que um dos adultos tivesse um momento para ler-me as histrias.Pois um dia,ao olhar,naltima pgina,os quadrinhos em que se pavoneavam o loiro Chiquinho,e o pretinho Benjamim,com o cachorro Jaguno,li o que estava embaixo de cada quadrinho! Muito espantada,corri paramame,que estava costurando mquina,para quem fiz a extraordinria demonstrao.Ela noconseguia acreditar;abriu outra pgina ao acaso e l fui tropeando nas slabas,lendo enrolada-mente as palavras,mas lendo! E quando papai voltou do trabalho,tarde,nova demonstrao empginas ainda desconhecidas.

    Sabia perfeitamente que esta descoberta deliciosa, que me livrara da espera dos adultos paraconhecer o que estava escrito,era proveniente daqueles momentos longos e enfadonhos na salade aula,ouvindo distraidamente ensinamentos que no me eram diretamente endereados, ouento fazendo desajeitados rabiscos que a mestra olhava com desnimo. Por que magia talacontecera? Mistrio! Os dias passados na Caetano de Campos adquiriram ento outro sentido,outro atrativo.Talvez proviesse do saber ler,esse achado mirabolante,a predileo que desenvolvia partir de ento pelo brincar de escola,que eu propunha incansavelmente a irmos e primos os alunos,naturalmente!,que em geral o repeliam com vigor."

    Maria Isaura Pereira de Queiroz*

    No meu primeiro dia na escola, ficou gravado em minha memria,o momento em que chegueicom meus pais e fui levada para a sala.Estava um alvoroo, tanta gente, adultos falando alto,crianas chorando.Eu entrei fui apresentadaprofessora.Era um colgio de freiras e a professoraera Sra.Helena.

    Meus pais foram embora,fiquei quieta,esquecida em um canto da sala,acho at que chorei, mesenti perdida.

    Com o tempo no me lembro do processo, mas lembro que me adaptei e guardei algumaspassagens que considero pertinentes para o momento.Minha professora dividia a turma em trscolunas:duas filas no canto esquerdo da sala ficavam os alunos classe "C" (fracos), no meio osclasse "A" (fortes) e no lado direito os alunos classe "B" (mdios).Eu ficava mais na coluna dadireita,isso ficou to forte que s consegui me libertar na 8srie.

    Uma outra coisa que me ficou gravado,no final do dia ns fazamos uma fila com a mo estendidapara a professora e ela ia escrevendo um nmero na nossa mo, representando a nota do dia,para mostrar aos pais. Quando eu tirava nota baixa, fechava tanto as mos, suava tanto quequando papai vinha me buscar o nmero estava quase apagado.Minha sorte era que meus paisno se ligavam nessa estratgia da irm.

    Tinha um momento do dia em que a Sra.Helena;ia chamando aluno por aluno para ler a cartilha,athoje me lembro perfeitamente como ela era.A professora pedia que dissssemos o alfabetoque estava impresso na contracapa da cartilha,para depois passar para as lies.Porm tem um fato que eu gostava muito,era na hora do recreio. A Irm ia para o ptio,brincavade roda,de esttua,de bola,era uma farra,essa era a melhor hora do colgio,era to boa quequando a gente passava para a 1srie amos brincar junto com a Irmna turma da pr-escola.

    Professora Sfora Maria Farias

    Macei-AL

    2M1U1T4

    A autora ex-aluna do Instituto de Educao Caetano de Campos.Texto estrado de: Maria Candida Delgado Reis.Caetano de Campos -Fragmentos da instruo pblica no Estado de So Paulo.So Paulo,1994.

    *

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    20/310

    3M1U1T4

    Estava perto o Grande Dia....meu irmo mais velho jestava na escola.Olhava para seus cadernos,seus livros,tinha s 6 anos e ainda no podia.Meu Deus,ainda no podia! Os 7 anos completei,mas sofri um bocado.A escola me aguardava,no andava,voava.

    Minha professora no era uma pessoa,era uma fada bem rgida que iria me ensinar a ver o mundoletrado.

    Aprendi a ler com bastante rapidez.Gostava de tudo:Portugus,Matemtica,Cincias e EstudosSociais e a professora no precisava comigo usar de rigidez.

    Tinha um problema:o Desenho no tinha jeito,no conseguia fazer e isso me fez fechar paraesse mundo,mas,mesmo assim,no matou o meu sonho.

    Sou professora,sei quevocao,tenho algo de minha primeira mestra:o amor,a rigidez,o gostopela leitura.Com isso,eu sei que vou vencer os desafios da Educao.

    Professora Edilene M.Nascimento dos Anjos

    Carnaba-PE

    Receita de uma boa leitora e escritora

    1 menina interessada nos livros dos irmos.

    3 irmos leitores de contos infantis e gibis.

    1 professora de 1srie sria e competente.

    Pais preocupados com a alfabetizao dos filhos.

    6 livros infantis.

    4 gibis.

    Modo de fazer

    1) Coloque 1 menina junto aos irmos em 1 quarto ou sala silenciosa e junte os 6 livros e 4

    gibis (variados) todos os dias,em um horrio determinado,de preferncia antes do jantar.

    2) Verifique se os pais esto atendendo s expectativas e necessidades da menina com compre-enso,ateno e carinho.

    3) Matricular a menina na 1srie.Na 1srie a menina deve encontrar 1 professora sria,quepossibilite que ela continue lendo os livros e os gibis.

    4) Depois de alfabetizada e com muito interesse,a menina torna-se uma boa leitora e escritora.Professora Liria Maria

    Hortolndia-SP

    Ingredientes

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    21/310

    Alfabetizao socioconstrutivistaLer cuidadosamente antes de usar.

    Uso peditrico e adulto.

    Planejamento................................................100 mg

    Dedicao......................................................100 mgInterveno-mediao................................100 mgCredibilidade.................................................100 mgMobilizao....................................................100 mgDiversidade de textos................................100 mgAmor ..............................................................100 mg

    Informao ao professor

    O processo de alfabetizao precisa ser reconstrudo.Para isso,devemosestudar muito e contar com teorias que embasem, que orientem o

    nosso trabalho. Aprendemos construindo e,para construir, temos que

    pensar.O professor deve ser mediador e saber como a criana aprende. importante o trabalho em grupo.Caso surjam dvidas desagradveisdurante a alfabetizao, aconselha-se estudar mais e planejar melhor,selecionando novas atividades que favoream uma alfabetizao eficiente.

    Indicaes

    indicada a todas as crianas,sem distino de idade,cor,raa,religioou classe social, e a jovens e adultos que ainda no tenham feito usodo medicamento.

    Contra-indicaes

    No tem.

    Precaues

    O trabalho deve estar centrado nos textos. fundamental trabalharcom textos diversificados.Mas esse trabalho,para ser eficaz,depende da

    interveno que o professor vai fazer.

    Reaes Adversas

    Professores que no acreditam na capacidade da criana de aprender eno acreditam que ela aprende construindo seu conhecimento devem seradvertidos da possibilidade de a criana no se alfabetizar com sua ajuda.

    Posologia

    Textos diversificados,atividades de acordo com o nvel de aprendi-zagem que a criana se encontra,num total de pelo menos quatro ho-ras dirias.Advertimos que quando as atividadesno so administradasem conformidade com as doses preconizadas e no so mediadas

    corretamente pelo professor,no se promove alfabetizao significativa.

    Uso sob prescrio pedaggica.

    Responsvel tcnica:Professora Ligia F.Jacomini MachadoMandaguari Paran Brasil

    4M1U1T4

    Composio

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    22/310

    5M1U1T4

    Tempo de escolaEu vou lhe contar agora

    Um pouquinho do passado

    Do meu tempo de escola

    De aluno educado

    Logo cedo eu chegava

    Com farda original

    Alegre e sempre em fila

    Cantava o Hino Nacional

    A minha escola era grande

    Com um enorme jardim em frente

    Na hora do recreio

    Juntava era muita gente

    Tinha uma cartilha azul

    Colorida e engraadaCom as letras muito grandes

    Que eu lia salteadas

    Pro Maria era calma

    Meiga como uma flor

    Quando a gente errava

    Ela dizia "faz de novo,meu amor"

    Mas...l tinha uma diretoraCom uma grande palmatriaQuando a gente aprontava

    Ento...era outra histria

    Ao lembrar da minha escola

    Revivo muitas lembranasDos colegas,dos professores

    Do meu tempo lindo de criana.

    Professora Grace Motta

    Salvador-BA

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    23/310

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    24/310

    1M1U1T5

    Para escrever memrias

    pessoaissobre a alfabetizaoM emriasEscrito em que algum conta sua vida

    ou narra fatos a que assistiu ou de que participou.

    (Dicionrio Aurlio)

    As folhas seguintes so para a escrita de suas memrias.Procure lembrar do tempo em que vocaprendeu a ler e escrever,recuperando os momentos marcantes,os professores,as dificuldades,as conquistas,os desafios,os sentimentos envolvidos... A partir dos fragmentos de suas lembranas,escreva as memrias desse perodo.Os textos transcritos no texto "Memrias" (Coletnea deTextos M1U1T4) foram escritos nos mais variados gneros:poesia,bula,receita,biografia,cordel,conto...Alguns so de escritores profissionais e outros so de escritores professores,participantesdo Programa Parmetros em Ao em diferentes lugares do pas.Transcrevemos esses textospara compartilhar com vocalgumas possibilidades de utilizar a linguagem literria para tratar daexperincia pessoal e para que voc tenha algumas referncias e,a partir delas,encontre a suaprpria forma de redigir suas memrias.

    Agora com voc. No se preocupe em inventar nada muito diferente (no preciso!), trateapenas com cuidado a escrita da sua experincia de alfabetizao: pense que o que voc tem adizer vale a pena... Se quiser,voc pode escrever de maneira simples,sobre coisas simples,masde forma literria:a literatura prima pelo uso esttico da linguagem, independente do assunto.Aquea o brao,escolha um gnero,imprima desejo e busque o prazer de escrever,o maisntimoe solitrio que se possa imaginar... Faa primeiro um rascunho para poder acrescentar tudo quefor lembrando e,quando julgar o resultado adequado,passe ento a limpo o seu texto,para queseja compartilhado com os colegas do seu grupo de formao.

    [] O que peculiar ao gnero literrio das memrias que a reconquista do vivido no somente um trabalho de restaurao,mas sobretudo um esforo de renovao. Ao narrar tofielmente como puder o que fez,viu e sentiu na vida,o homem observa os acontecimentos eas pessoas com a inteligncia e a sensibilidade que so dele,no momento em que escreve,eno aquelas que eram suas,nos tempos que procura arrancar do olvido.Em tais condies,aapresentao dos fatos passados incute-lhes, sem dvida, um sentido renovado, ou, pelomenos,extrai deles um contedo vital,que podia no ser identificvel,quando ocorriam.

    Afonso Arinos de Melo Franco

    In A alma do tempo

    [] A maior parte da nossa memria estfora de ns,numa virao de chuva,num cheiro dequarto fechado ou no cheiro duma primeira labareda,em toda parte onde encontramos dens mesmos o que a nossa inteligncia desdenhara, por no lhe achar utilidade, a ltimareserva do passado,a melhor,aquela que,quando todas as nossas lgrimas parecem estancadas,ainda sabe fazer-nos chorar. Fora de ns? Em ns,para melhor dizer, mas oculta a nossosprprios olhares,num esquecimento mais ou menos prolongado.

    Marcel Proust

    In A sombra das raparigas em flor

    M1U1T5

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    25/310

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    26/310

    3M1U1T5

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    27/310

    5M1U1T5

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    28/310

    1M1U1T6

    Trajetria profissional das

    professorasdo Grupo-Referncia ecaracterizao dasturmasde alunos

    Depoimentos

    Maria Cludia Perna da SilvaProfessora da Creche Central da Universidade de So Paulo

    Educao InfantilTurma de 6 anos

    Desde pequena quis ser professora. Sempre em minhas brincadeiras algum devia ir para aescola.Ah,eu adorava! Na minha famlia tambm tem muitas professoras e eu sempre ouviadelas:"muito bom ser professora";"trabalhar com crianas faz a gente esquecer os problemas";"o nico problema o salrio".

    Enfim,cresci ouvindo maravilhas sobre a profisso e, apesar do medo de "passar fome" com osalrio pouco generoso,fui me apaixonando pela idia.Meu primeiro emprego foi em uma escolaparticular do meu bairro.Eu tinha 14 anos e apesar de no ter formao tudo dava certo porqueas atividades estavam prontas e quando as crianasno entendiam ou no terminavam alguma dasatividades era eu quem fazia por elas.Eu achava muito fcil e como gostava de crianas resolviestudar para ser professora.

    Ento, aos 16 anos,parei de trabalhar para estudar.Cursei durante quatro anos,em perodointegral,o CEFAM (Centro Especfico de Formao e Aperfeioamento do Magistrio),promovido

    pelo Governo do Estado de So Paulo.

    Neste curso aprendi muito, principalmente, que o professor no e nem pode ser o dono dosaber,que ele tem que ir em busca de mais conhecimento para ajudar seus alunos e assim pordiante.

    Neste curso tive uma professora de Metodologia da Lngua Portuguesa,Sueli Maximiniano,queme ensinou muito. Quando eu contava as minhas experincias na sala de aula, ela nunca davarespostas imediatas ou criticava.Em suas aulas,tinha boas estratgias para que cada um repensassesuas prticas,considerando a intencionalidade educativa:o por que,o que,o como e o para que

    M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    29/310

    de tudo o que apresentvamos para os alunos.Com o tempo avaliei que meu primeiro trabalhofoi uma experincia profissional muito ruim.Percebi que as propostas apresentadas para os alunosno tinham fundamento nenhum.Eu apenas "aplicava" as atividades,sem pensar nos objetivos,nasestratgias,contedos e agrupamentos,ou seja,apenas cumpria com as exigncias da escola,sementender por que fazia daquela forma.

    Depois de formada comecei a trabalhar na Creche Central da USP (Universidade de So Paulo).Estou l h sete anos e trabalho com uma equipe de funcionrios srios que acreditam naeducao. Sei que ainda estou em formao e vou estar sempre. Reconheo a importncia dotrabalho coletivo e da construo da autonomia intelectual,para o professor tomar decises eescolher caminhos coerentes com sua concepo.

    Hoje,sinto falta de um curso superior porque os cursos que fao so bons,me ajudam,pormacho que pouco.Eu quero mais!

    Gosto muito de ser professora, sei que ainda tenho muitas falhas, mas tambm sei que nomomento fao o melhor que posso.

    Regina Galvani CavalheiroProfessora da Creche Cent ral da Universidade de So Paulo

    Educao InfantilTurma de 6 anos

    Meu nomeRegina,sou professora formada em Magistrio e Pedagogia hcerca de treze anos,atualmente trabalho na Creche Central da USP (Universidade de So Paulo) com um grupo de

    crianas entre 5 e 6 anos.

    E foi assim que tudo comeou...

    A primeira vez que entrei em contato com educao escolar eu tinha 16 anos,foi meu primeiroemprego.Era uma creche mantida pela igreja do meu bairro, leram atendidas crianas entre 2e 6 anos, filhos de pessoas da comunidade de baixa renda.A maioria dos pais trabalhava fora,outros deixavam seus filhos na creche por no poder aliment-los.Procurei esse emprego pelaantiga vontade de ser professora,isso era algo que dizia desde pequena:seria professora quandocrescesse.Foi uma boa experincia,fiquei nesse lugar cerca de um ano com um grupo de crianas

    de 3 e 4 anos.

    O trabalho nessa creche era o que podemos chamar de assistencialista,ou seja,estvamos ali paracuidar da alimentao,higiene e sade,sendo que,nenhuma dessasreas eram entendidas pela direocomo partes de um trabalho pedaggico.Nos momentos de sala com as crianas eu era orientadapara cantar msicas,propor desenhos mimeografados para pintar,brincar ou ir ao parquinho.

    Eu gostava de trabalhar l,mas queria fazer servio de professora como o que era feito com ascrianas de 6 anos,nesse grupo foi contratada uma professora formada e ela sim "dava aula":fazia propostas de escrita,matemtica etc...

    2M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    30/310

    3M1U1T6

    Durante todo o ano fiquei questionando a diretora sobre essa diferena com as crianas:por queos menores no tinham aula,qual era o problema.Se fosse por causa da minha formao,eu mepropunha a aprender,ter aulas com a outra professora,qualquer coisa seria melhor que aquelaindiferena sobre meu trabalho e meu grupo de alunos.No entanto, sempre desconversavamdizendo que no era necessrio,que seria maante para os pequenos terem aulas como o pr,alm disso,eles nem estavam em idade escolar;s estavam ali para os pais trabalharem ou serem

    olhados por ns.

    Pela minha pouca idade,falta de experincia e,principalmente,falta de estudos especficos eu noconseguia sair do desconforto, enfrentar uma conversa mais adulta que resultasse em aesprodutivas e srias.

    Essa experincia foi muito boa,pois nessa escola comecei a perceber que ser professora ia almdo sonho de criana,e tambm foi onde comecei a construir meu ideal de professora.O resultadofoi a certeza de que ser uma boa professora exigiria estudar muito para no ser vencida porfalta de argumentos conscientes e profissionais.Percebi tambm que,como professora,poderia

    acreditar mais na capacidade e vontade das crianas em aprender.Essa experincia foi marcantepara minha deciso em cursar Magistrio e Pedagogia.

    Na poca dessa deciso eu havia mudado de So Paulo para o interior, onde fiz esses doiscursos,e a partir de experincias como aluna adulta fui refletindo e tirando algumas conclusespara minha trilha profissional.

    " Saber por que se pede determinada at ividade para um aluno

    fundamental para um trabalho srio que t raga boas aprendizagens."

    Aprendi isso com uma professora do Magistrio,que nos pediu para elaborarmos duzentos,semexageros, duzentos planejamentos de Lngua Portuguesa para alunos fictcios de 2 srie do 1grau, contemplando contedo, estratgia, recursos, nome da atividade, avaliao. No comeoachei que seria interessante para o futuro, jpensou que bom ter um monto de planejamentosprontos?

    Mas,uma coisa estranha comeou a me incomodar com aquela atividade, algo perturbava...Enfim,descobri:nada daquilo seria olhado pela professora,ela no teria tempo de corrigir tudopara que pudssemos discutir cada planejamento.

    A minha professora descobriu sua desorientao no exato momento em que eu a questioneisobre as devolutivas e,muito sem graa,suspendeu o trabalho para todos.Ela deve ter percebidoque props uma atividade sem o menor planejamento por parte dela,sem o menor compromissoeducacional, sem a menor idia de como aquele trabalho ajudaria seus alunos a aprender.

    " O pro fessor deve ser um parceiro na

    aprendizagem de seus alunos, ser um bom mediado r,

    se permit ir aprender com os conhecimentos

    de seus alunos e poder refleti r sobre sua p rtica."

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    31/310

    Essa certeza adquiri de uma maneira bem amarga! Cursava o Magistrio,em uma aula de lnguaportuguesa e a professora nos pediu para elaborarmos uma aula sobre qualquer disciplina paraexposio em sala.Essa professora era a que eu mais gostava,pois sempre permitia que discuts-semos, refletssemos sobre as atividades e outras questes. Estava mais prxima do que euacreditavaque um professor deveria ser.

    Bem, para o tal trabalho nos pediu para que durante as exposies prestssemos ateno naspossveis variaes,pontos a repensar,pontos negativos ou positivos etc. Estava indo tudo bem,meus amigos s elogiavam as exposies o que no proporcionava discusses,nem reflexes.Aaula foi me incomodando tanto que em determinada hora no agentei e comecei a colocartambmpontos que considerava bons para repensarmos, como o trabalho valia nota os meusamigos s faltaram me linchar na sala. A professora deixou que discutssemos sozinhos,ela apenasesperou o sinal tocar para sair da sala,como se nada fosse de sua responsabilidade.

    Nesse dia,ela passou a fazer parte do quadro dos professores que para mim no serviam comobons exemplos.

    Essa professora perdeu uma boa oportunidade de aprender com o meu jeito de ver as coisas,com o jeito em que estvamos levando a discusso,perdeu a oportunidade de intervir como umparceiro mais experiente e com maior possibilidade de argumentar e fazer o grupo crescer,perdeu a chance de aprender com a situao,com o conhecimento na ao.

    " Copiar textos idnt icos ao livro no serve

    para sabermos o que um aluno entendeu do assunt o."

    Ainda como aluna passei pela experincia de ter que responder a questes de prova exatamentecomo estavam no livro, caso contrrio, seria reprovada.Tive uma professora de Psicologia da

    Educao que desistiu de tentar corrigir minhas provas,pois ela insistia em procurar as frasesfeitase eu insistia em transform-las para mostrar professora que existiam outras maneiras deescrevermos o que compreendamos.Aps algumas provas,ela percebeu que no conseguiriatrabalhar de outro jeito,ento me dava logo dez e fazia questo de no usar minha prova paracomentrios ou exemplos.

    " Uma atividade pode ser repet ida inmeras vezes desde que a cada

    vez o professor t enha avaliado seu planejamento desde o incio para

    constatar sua validade atual , sua adequao ao grupo real de trabalho."

    Certa vez,agora jatuando como professora,observei uma colega procurando atividades e provasanteriores,de muitos anos atrs,para trabalhar contedos novos com os alunos.Fiquei intrigadae quis saber como ela aproveitaria o material, simplesmente ela xerocou e aplicou aos alunoscomo fazia todos os anos desde que elaborou o material.

    Fiquei sabendo pelas prprias crianas que tudo era fcil com essa professora,pois eles jsabiamcomo seria tudo do comeo ao fim pelos irmos e alunos antigos.Fiquei preocupada,porqueessas crianas cedo ou tarde descobririam que na verdade elas foram enganadas,pois a professorano ensinou como se estuda,no deu a oportunidade de ampliarem seu acervo de conhecimentos.

    4M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    32/310

    5M1U1T6

    Por essas e outras constataes fui selecionando cada vez mais os lugares que poderia trabalhare os lugares tambm me selecionavam,pois em muitos eu era um problema porque no aceitavafazer as coisas sem explicaes.At o dia em que fui convidada para assumir uma classe deEducao Infantil em uma escola particular que, segundo as informaes, era uma escolanova e construtivista.

    A alfabetizao nessa escola comeava jno primeiro grupo com crianas de trs anos.Trabalhava-secom escrita de todas as formas possveis,aprendi muitas atividades diferentes das tradicionais,jeitos novos de encaminhar os contedos.Fiquei um ano nessa escola,fiquei muito feliz quandovi todos meus alunos lendo e escrevendo.No entanto,o que eu tinha feito naquele ano era umamistura ou reforma do ensino tradicional e isso me incomodava,porque nem sabia o que tinhadado certo, por que e como as crianas aprenderam, isso seria muito importante para que euconseguisse ter sucesso nos prximos anos. Mesmo assim,estava melhorando porque nessaescola me senti mais feliz.Nela eu pude criar,modificar,discutir com outras professoras e issoajuda muito um profissional a crescer e avanar.

    Nessa poca,voltei a morar em So Paulo e passei por aulas eventuais em vrias escolas,at

    chegar na creche da USP.Foi quando,finalmente,consegui respostas e entender minhas crticas,idias,experincias...

    Durante todo o tempo eu questionava as aulas que eram dadas,sem realmente tocar na questo:concepo de educao!

    As professoras que me angustiavam,na verdade estavam sendo coerentes com as idias,crenas econhecimentos que tinham sobre educao.Eu que j tinha outra idia,mas como no tinhaconhecimento suficiente ficava apoiada apenas nas experincias,constataes e muita,muita intuio.

    Trabalhando na creche da USP aprendi que um trabalho sem discusso,sem reflexo,avaliao eestudo no nem um pouco construtivista. Aprendi que a educao tradicional aquela que,resu-midamente,acredita que o professor ensina e o aluno aprende.Era isso mesmo que me aborrecia!

    Com as reflexes sistemticas, fui conseguindo justificar cada experincia e assim, fui metornando mais "dona" da minha prtica,mais autora de minhas aes,analisando meu trabalhocom mais consistncia.

    Agora sei que as atividades que propomos para as crianas esto intimamente ligadasconcepo,ou seja,ao que acreditamos que seja educao.

    Uma boa bssola para orientar nosso trabalho e sempre estarmos alertas encontramos naquelasfamosas perguntinhas ao prprio planejamento:o que,para que,como,para quem farei essa atividade?

    Alguns dizem que trabalhar dentro da concepo construtivistadifcil,trabalhoso,mas para mim trabalhar com conscincia,conhecimento, crescer sem parar, acreditar na capacidade dascrianas em aprender, ser um professor atuante,participativo no processo de aprendizagem,levar propostas que provoquem os alunos a pensar e utilizar seus recursos para achar solues, ser informante por ser mais experiente, sempre buscar mais conhecimento para trabalharem sala, lembrar-se sempre que todos tm conhecimentos cultural, social e outros paracontribuir.Enfim, estar vivo profissionalmente!

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    33/310

    Neste momento,estou participando desse programa de formao para professores alfabetizadores,estou aprendendo mais sobre como as crianas aprendem a ler e escrever.um momento muitoimportante, porque discutir com outros profissionais a nossa prtica refletir sobre ela eprincipalmente ressignific-la.Tenho passado por alegrias,euforia,cansao,frustrao,conquistas,descobertas, dificuldades... no desisto de aprender, porque esse foi o caminho que escolhi...aprender sempre!

    Nossa turma

    A creche onde trabalhamos atende aos filhos de funcionrios,professores e alunos da Universidadede So Paulo,o que resulta em uma diversidade cultural,econmica e social muito rica.De fato,a diversidade muito interessante,pois tanto os adultos como as crianas aprendem com asdiferenas,ampliam sua viso,opinio e saberes a respeito do mundo.

    Ns,adultos,aprendemos a desmistificar muitas das idias preconceituosas que,ao longo de nossasvidas nos foram passadas como verdades,como por exemplo:criana pobre no aprende,noconsegue ler,ou criana rica sabe mais,mais fcil aprender para elas,entre outras.Com nossasobservaes e reflexes nesses anos de experincia em sala,destitumos a validade dessas idiaspreconceituosas e sabemos que os avanos nas aprendizagens dos alunos dependem,principalmente,de nossos planejamentos, orientaes, observaes individuais, tudo isso balizado por nossaconcepo de ensino e aprendizagem.

    Ns,em 2000,dividimos o mesmo grupo de pr,com crianas de 6 a 7 anos que permanecemdiariamente de 9 a 12 horas na creche.um grupo com 21 crianas e bem agitado,interessado,falante,crtico. A maioria do grupo freqenta a creche desde beb.Pelo trabalho que realizadona creche,as crianas entram em contato com a escrita,desde os berrios,atravs das fichas comseus nomes,dos cartazes com imagens e dos livros de histrias.

    Durante o percurso na creche,as crianas participam de diferentes projetos nas diversas reasde conhecimento e chegam ao prcom um bom acervo de conhecimentos e com procedimentosde estudante mais consolidados.

    No incio do ano,precisamos identificar o que cada um jsabe para que possamos planejar maisobjetivamente nossas atividades.Para realizar um levantamento dos conhecimentos das crianassobre o sistema de escrita,propomos atividades de listas e,em seguida,pedimos que leiam o queescreveram.Por exemplo,se pedimos uma lista de doces para um aniversrio,ditamos cada docesem a preocupao de ditar como se escreve, depois pedimos que leiam o que escreveram

    mostrando onde estescrito o que esto lendo.

    Diante das hipteses de escrita de cada umque pensamos nos agrupamentos mais significativospara as aprendizagens dos alunos.Para explicar melhor,vamos apresentar alguns dados:

    Total:21 crianas

    3 jestavam alfabetizadas;

    16 jreconheciam letras,nomes,algumas palavras, porm no escreviam convencionalmente;

    2 se recusavam a realizar as atividades,o que dificultava nossa observao.

    6M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    34/310

    7M1U1T6

    Para que todos se alfabetizem at o final do ano, precisamos pensar em atividades e parceriasprodutivas.

    Como temos muitas crianas,dividimos o grupo para conseguirmos observar todos. Anotamos ascrianas que observamos a cada dia para acompanhar todo o grupo. Essas observaes sofundamentais para planejarmos as atividades,pensarmos nos desafios e organizarmos os agrupamentos.

    Fazemos esse levantamento medida que notamos mudanas nas hipteses ou notamos que osagrupamentos atuais no esto sendo mais eficientes para promover avanos nos saberes das crianas.

    O nosso trabalho interessante, porque contamos com as diferenas como aliadas.Alis, adiversidade de saberes no grupo uma garantia de um aprendizado mais rpido.

    Nosso grupo est indo de vento em popa! Nosso objetivo que at o final do ano todosestejam lendo e escrevendo.Para ns,a Educao Infantil tem um grande valor e responsabilidadesobre a alfabetizao,porque quanto mais conseguirmos alcanar com as crianas,melhor para

    elas,j

    que no dispomos de garantias institucionais.Ou seja,depois da creche n

    o sabemosque escola iro freqentar, a concepo de ensino e aprendizagem dos professores,por isso

    quanto mais souberem sobre a lngua que se escreve,sobre o sistema de escrita,quanto maispreparados estiverem para ingressar na 1srie,melhor para elas.

    Ana Lcia BritoProfessora da Creche Central da Universidade de So Paulo

    Educao Infant il - Turma de 6 anos

    Sou formada no curso de Pedagogia hvinte anos.

    Minha formao,desde o primrio (hoje,Ensino Fundamental) at o curso superior,foi baseadano mtodo tradicional,em que o professor tem o domnio do conhecimento e o aluno cumpreo papel de mero espectador,ou seja,receptor das informaes do mestre.

    Levei algum tempo para trabalhar com educao,pois quando cursava a Faculdade eu exercia afuno de programadora de produo numa fbrica de peas do vesturio.Mesmo aps o trminodo curso,continuei trabalhando na empresa por mais cinco anos.

    A razo de ter permanecido na empresa por mais tanto tempo se deve ao fato de no ter ocurso de Magistrio: pela legislao vigente napoca,s o diploma do curso de Pedagogia nome dava direito de lecionar para 1 a 4 srie, ou mesmo para Educao Infantil, nas escolasestaduais e municipais.

    Em 1986,fui educadora em uma escola particular de pequeno porte,onde lecionei at1990,masnunca perdi o interesse em trabalhar numa escola estadual ou municipal.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    35/310

    Assim que ficava sabendo de concursos, logo me inscrevia,na esperana de conseguir uma vagacomo professora. As decepes aconteciam:era aprovada,mas no conseguia ingressar pelo fatode no ter o diploma do curso de Magistrio.

    Fui orientada pelas pessoas da delegacia de ensino a recorrer,atravs de documentaes.Seguindoa orientao,mandava a documentao para anlise e a resposta era a mesma:indeferido.

    Bom, apesar dos pesadelos, no desisti de correr atrs do sonho.Um dia, fiz inscrio numaescola estadual do municpio do Embu e consegui uma vaga como professora para salas de5srie,em carter temporrio,ficando lpor dois anos.

    H oito anos, trabalho numa creche ligada ao servio social da Universidade de So Paulo,dentro do campus universitrio.

    Quando cheguei creche, percebi que a concepo de ensino e aprendizagem era diferentedaquela que eu conhecia.

    Era tudo muito novo nessa instituio.Havia abordagens e propostas pedaggicas diferentes,emque desde o ambiente atas atividades faziam parte da construo do conhecimento e autonomiada criana.Alm da concepo, havia tambm um trabalho coletivo entre as educadoras dogrupo.Tudo tinha que acontecer simultaneamente.

    Anteriormente, estava acostumada a trabalhar apenas executando os planejamentos existentesnas escolas.

    O fato de trabalhar com constante avaliao da prtica em sala de aula nos faz buscar novos

    conhecimentos.

    Atravs de cursos especializados,leituras e trocas com outros profissionais para adequao dosplanejamentos pude avanar em meu processo de formao.

    Hoje,participo de um grupo de formao e percebo que,apesar de ter avanado em meusconhecimentos ainda preciso entender de forma mais detalhada o processo pelo qual as crianaspassam em suas construes de conhecimentos e assim aproveitar de forma mais produtiva aheterogeneidade do grupo.

    Em cada reunio com o grupo de estudos os temas abordados reportam-ses questes colocadaspelo dia-a-dia da sala de aula e isso resulta numa melhor maneira de propor as atividades aos alunos.

    Um fato marcante que destaco nas discusses desse grupo foi descobrir a possibilidade deatender diversidade de saberes dos alunos utilizando os agrupamentos,nos quais uma crianaajuda outra e a dupla sai favorecida.

    A cada encontro percebo o quanto estou avaliando meu dia-a-dia e transformando minhaprtica.Esse o caminho!

    8M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    36/310

    9M1U1T6

    Cllia Cortez MoriamaProfessora da Creche Central da Universidade de So Paulo

    Educao Infant il - Turma de 6 anos

    A minha escolha em ser professora foi uma das melhores que j fiz at hoje.Quando digo isto

    s pessoas sinto os meus olhos brilharem,irradiarem uma energia que talvez cause at espanto.

    At entendo o porque disso. um privilgio ser feliz naquilo que se faz,diante de um mercadode trabalho to seletivo e injusto,que impe tantas e tantas dificuldades.

    No quero dizer com isto que a educao me oferece as melhores condies de trabalho, medeixa plenamente feliz.No dia-a-dia do meu exerccio sinto os problemas como qualquer outroprofissional que vo desde salrios superbaixos, at os problemas relacionados ao trabalhopropriamente dito.No entanto,procuro lutar juntamente com os outros colegas para encontrar

    sadas,solues viveis para tais problemas.

    Voltando a falar em escolha...

    Minha experincia em educao iniciou-se em 1989,quando ingressei no CEFAM CentroEspecfico de Formao e Aperfeioamento do Magistrio um projeto da rede pblica de SoPaulo destinado formao de professores.Naquele momento de minha vida pude participarde muitas discusses sobre o papel da escola,realizar,analisar e avaliar muitas situaes didticas.Pude tambm criar situaes de aprendizagem e,o mais importante, conhecer uma concepode ensino e aprendizagem que norteia meu trabalho at hoje:o construtivismo.Foi nessapocaque comecei a aprender tambm que no existem respostas prontas ou receitas para educar,e

    sim reflexes e aes que possibilitam pensar em melhores caminhos para nossos alunos.

    Alm de tudo isso,nessapoca foram muito significativos para mim alguns professores e amigos,pessoas que at hoje contribuem com o meu trabalho e tambm esto presentes em muitosmomentos importantes de minha vida pessoal, construindo comigo muitas e muitas histrias.

    Quando me formei no Magistrio comecei a trabalhar em uma escola ligadarede particular de SoPaulo como professora de 1 srie, e resolvi aprofundar mais ainda meus estudos em educaoingressando na faculdade de Pedagogia da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

    Adquiri uma boa experincia de 1a 4srie ao longo desses anos,mas sempre na rede particularde ensino. Pelas circunstncias, fui trabalhando com crianas de 7 a 10 anos, mas meu grandeideal era trabalhar com as de Educao Infantil, principalmente em creche.Foi aque fiz outraescolha que resultou em muitas transformaes em minha vida:a Creche Central da Universidadede So Paulo (USP).Optei pelo trabalho em pr-escola,deixei o Ensino Fundamental,e mais umavez tenho a satisfao de dizer que escolhi o melhor para mim.Aos poucos fui me identificandocom o trabalho em creche,entendendo o que educar e cuidar ao mesmo tempo e fui merepertoriando com discusses voltadas Educao Infantil que pudessem esclarecer minhasdvidas e enriquecer a minha prtica.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    37/310

    Eu particularmente gosto muito de estudar,conhecer coisas novas.Constantemente participo degrupos de estudos,cursos,palestras e estabeleo parcerias com outras professoras.Tudo issocom a inteno de trocar experincias, refletir, ampliar horizontes e melhorar a qualidade domeu trabalho em sala de aula.

    O que aumenta mais ainda o meu entusiasmo em ser professorao prazer das leituras,pesquisas

    e descobertas. Ao longo desses anos adquiri uma postura que considero muito importante a nsprofessores:a de pesquisadora.Mas no uma simples pesquisa,como eu estava acostumada afazer nos meus tempos de escola,em que eu copiava tudo igualenciclopdia e nem entendiao porque (alis,nem sei se posso chamar isso de pesquisa),mas sim uma pesquisa reflexiva,queme aponta sentidos e caminhos.

    A minha competncia no est construda, est em construo a partir de minhas reflexessobre as aes realizadas.Seria muita onipotncia achar que jsei tudo,pois cada dia um dia,cada grupo de alunos um grupo,porque o novo amanhpode ser o velho e este velho precisaser visto como tempo de recomeo,o incio de uma nova etapa.

    Prefiro dizer que sei um pouco e que o outro pouco vou procurar saber amanh e depois deamanh,e assim por diante. como diz Rubem Alves:"...nada de poder um pouquinho de sabere o mximo de sabor..."

    O essencial para mim isso:querer saber um pouco a cada dia e descobrir o sabor desses saberes.

    Por fim,quero poder desafiar e ser desafiada,compreender as questes que envolvem o meutrabalho, repensar a minha prtica e ter sempre autonomia para tomar decises que consideroimportantes.Tudo isso, claro, em conjunto com os outros profissionais,porque sozinha noencontrarei caminho algum,nem se eu soubesse muito e muito.Preciso do outro para construiro meu saber de cada dia e aquele saber, claro, com sabor e prazer.

    Nossa turma

    A maioria dos nossos alunos deste ano estna creche desde os tempos de berrio.Portanto,se conhecem muito bem.

    O grupo tem 25 crianas,sendo que seis delas freqentam a creche meio perodo,trs apenaso perodo da manh,e outras trs o perodo da tarde;o restante,em horrio integral.

    A rotina das crianascomposta de vrias partes:

    1. Integrao de crianas com faixa etria diferente: momento dos atelis de jogos, artes, jardinagem,

    teatro e invenes.

    2.Momento livre:brincam de pega-pega,pula corda,amarelinha,correcutia,casinha,tanque de areia etc.

    3. Momento em sala de aula em que so desenvolvidos contedos de vriasreas de conhecimento.

    Aqui na creche a aprendizagem no se limita apenas ao horrio na sala de aula.Jogar bola,brincar deamarelinha,fazer teatro e atmesmo o momento refeies so consideradas situaes de aprendizagem.

    10M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    38/310

    11M1U1T6

    Neste incio de ano,os conhecimentos dos alunos sobre a escrita so os seguintes:

    3 alunos encontram-se em uma escrita alfabtica, tendo apenas alguns problemas ortogrficos;

    10 alunos encontram-se em uma hiptese de escrita silbica com valor sonoro;

    9 alunos encontram-se em uma hip

    tese de escrita sil

    bica sem valor sonoro:usam qualquer letra para

    representar as slabas;

    3 alunos em uma hiptese de escrita pr-silbica. Usam muitas letras, no conseguem ajustar aescrita com a leitura da palavra.Outras vezes colocam um nmero de letras que fica compatvel como tamanho do objeto, ou seja, escrevem com muitas letras palavras como "elefante" com poucas

    letras, "formiguinha", por exemplo.

    Para diagnosticar tais saberes,constantemente observamos a forma como a criana estpensandopara escrever e ler.Para tanto, propomos a escrita de listas, como por exemplo de nomes

    prprios,dos amigos de preferncia,de ttulos de histrias conhecidas,ou mesmo uma lista de

    doces para organizar uma festa.

    Vrias situaes como essas nos ajudam a conhecer mais de perto cada criana.Periodicamenteacompanhamos criana por criana para conhecer detalhadamente sua forma de pensar a escritae a leitura,para assim fazermos novos encaminhamentos nossa prtica pedaggica e a partirdaorganizarmos parcerias produtivas para o trabalho.Alm das situaes como as citadas,sempre trabalhamos com reescrita de textos de memria,escrita de bilhetes,cruzadinhas comlista de palavras,ordenao de textos curtos,enfim,outras situaes que tambm nos possibilitamconhecer a forma de pensar das crianas.

    Esse grupo possui caractersticas bastante positivas:uma grande intimidade com a leitura delivros e com situaes variadas de escrita,o que gera, certamente, um grande interesse poraquilo que estamos trabalhando e uma participao significativa para conquistar novos avanos.A heterogeneidade dos saberesum fator favorvel ao nosso trabalho.Em princpio tnhamos umpouco de dificuldade,mas com o decorrer dos dias estamos aprendendo a olhar mais um pouco

    para as diferenas de conhecimentos presentes em nossa sala e pensar no que elas podem ajudarno processo de construo de conhecimentos de nossos alunos.

    Ainda que no saibam ler e escrever convencionalmente,aproveitamos para trabalhar com outrascompetncias que muitas vezes superam nossas expectativas.Para exemplificar:s vezes pedimos

    a uma criana que ainda no sabe ler e escrever para ditar para outra uma histria ou uma parlenda.Nesse momento observamos o quanto a criana que dita estatentaforma adequada do textopara possibilitar a compreenso do leitor.As diferenas tambm nos possibilitam desenvolver umaatitude muito importante nas crianas:a autonomia.

    Na medida em que huma maior circulao de informaes,a referncia no fica centrada apenasna professora,mas em todos que fazem parte do grupo.E isso gera uma atitude de respeito a

    todas essas diferenas,pois os alunos comeam a aprender que podem contribuir uns com osoutros.Acreditamos que a interao o eixo central de nosso trabalho.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    39/310

    Rosalinda Soares Ribeiro de VasconcelosProfessora da 1srie da Escola M unicipal de Ensino Fundamental O ctvio Pereira

    LopesSo Paulo

    Foi numa escola da zona rural que aprendi a ler e escrever.Mas gostar de ler e aprender com oslivros,a escola no me ensinou.Isso fui aprender aos 11 anos de idade,quando meu pai comprouos primeiros livros de nossa casa.Foram trs colees:uma de contos de fada,quando me apaixonei

    pelo livro Robinson Cruso(naufraguei e me salvei muitas e muitas vezes com ele),uma enciclo-

    pdia e uma coleo de dicionrios.Passava horas e horas lendo e "viajando" com esses livros.No me lembro de nenhum professor incentivando a leitura.No Curso Normal (antigo Magistrio)aprendi um pouco sobre literatura,mas no sobre a importncia da literatura na escola.Nafaculdade,eram raros os professores que pediam que lssemos.Eu lia porque gostava e lia tudo quecaa nas minhas mos:fotonovelas,gibis,jornais velhos,revistas,enciclopdias,literatura em geral.

    Fiz o Curso Normal, no por vocao, mas por falta de opo de quem morava numa cidadepequena,onde todas as moas acabavam sendo professoras.Mas no fundo acho que eu semprequis ser professora,e professora da rede pblica.Jexperimentei trabalhar em escola particular,e acabei voltando.Tambm fui diretora de escola por dois anos e,quando tive que optar entreser diretora ou professora,no tive dvida:voltei feliz para a sala de aula.

    Durante os dois primeiros anos de formada fui professora substituta.Passava as manhs observando asprofessoras darem aula e,quando alguma faltava,o que era raro,eu assumia a classe.No terceiro ano

    de formada (1973) me atriburam uma classe numa escola rural para alunos de 2e 3sries.Entrei

    em pnico! Percebi que no Curso Normal no me ensinaram a dar aulas,e no tinha a quemrecorrer.Como havia passado dois anos observando as boas professoras,resolvi seguir o modelodelas:trabalhava com o livro didtico de capa a capa,dava muitos exerccios repetitivos,treinosortogrficos,muita cpia,principalmente como lio de casa; aluno mudo,sentado um atrs do outro,professora detentora do saber e controladora da aprendizagem.Quando penso naquelapoca, ficoenvergonhada com tantos erros que cometi. A sorte dos meus alunos que eu realmente queriaser uma boa professora,e por isso fazia todos os cursos que apareciam e isso acabava melhorando

    minha prtica pedaggica.

    Em 79,jmorando em Guarulhos,na Grande So Paulo,alm da escola estadual,comecei a daraulas na rede municipal de So Paulo.Trabalhei em duas escolas at 97,quando me aposentei daescola estadual.E todos os anos,em pelo menos uma dessas escolas,eu escolhia a 1srie,achoque jsentia um certo fascnio pela alfabetizao,mesmo quando ainda acreditava numa concepoempirista de ensino e aprendizagem.

    Devo ter trabalhado uns quinze anos nessa linha de professora tradicional, que sabe tudo,que

    controla a aprendizagem de seus alunos,mas no me sentia satisfeita com os resultados,sempreficava um vazio quando terminava o ano; e por mais que eu me esforasse em ensinar,muitascrianas haviam "ficado para trs". Alguma coisa estava errada.Eu precisava descobrir o que era.

    12M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    40/310

    13M1U1T6

    Em 1990 conheci pessoas inteligentes,sensveis,que tambm tinham as mesmas preocupaes,entre elas a educadora Rosaura Soligo,que j fazia um trabalho de formao de professores narede municipal de So Paulo e acabou me conseguindo uma vaga no curso "Por uma alfabetizaosem fracasso",com a educadora Telma Weisz.

    Foi aque comecei a refletir sobre as concepes de educao,escola,aluno e ensino-aprendizagemque eu tinha at ento e comecei a mudar o rumo do meu trabalho. No fui resistente smudanas,pois o velho no me satisfazia mais.Mesmo assim,foi dolorido. Ao mesmo tempo queeu me deslumbrava com as coisas novas que via,eu me desesperava sem saber como fazer em

    sala de aula com meu aluno.

    Esse ano de 1990 foi um marco na minha vida.Perdi o controle sobre a aprendizagem de meus

    alunos,muitas vezes no meio de uma atividade eu percebia que aquilo estava muito ruim,que

    precisava ser melhorado, mas no sabia como. E adava vontade de largar tudo e voltar a seraquela professora medocre,conformada...Mas isso durava alguns segundos,parava tudo,inventavaoutra coisa e depois ia repensar a atividade.

    Estava claro o que no servia mais,mas a dvida era como e o que colocar no lugar.Foi um anomuito difcil,a minha cabea no dava conta de processar tantos conhecimentos novos,at comsapatos trocados acabei indo para a escola um dia. Joguei fora todas as cartilhas e todos os

    modelos de exerccios motores,de textos cartilhescos e outros mais.No final do ano,apesar deainda ter alunos que no liam, eu me sentia mais segura, conseguia compreender melhor oprocesso dessas crianas e ajud-las.

    Nos anos seguintes fui melhorando,participava de grupos de formao de professores alfabeti-zadores oferecidos pela Prefeitura de So Paulo, coordenados por pessoas que entendiamrealmente de alfabetizao, que levava o grupo a discutir a prtica pedaggica embasada empressupostos tericos. E na escola havia um espao muito importante, que era o horrio detrabalho coletivo,quando estudvamos,discutamos e planejvamos as atividades de sala de aula,e isso dava uma certa segurana para eu ir em busca de novos caminhos.

    O que ficou bem claro nesse novo jeito de caminhar que as mudanas no acontecem numpasse de mgica,que preciso sim,"correr atrs do prejuzo" da m formao profissional,que

    preciso ler,estudar,refletir,discutir e muitas vezes brigar por aquilo que acreditamos.

    O meu aprendizado no foi fcil,mas valeu a pena,no sei como seria minha vida se ainda fosseaquela professora tradicional; talvez cansada, reclamando das crianas que no aprendem etentando achar o culpado,esperando o tempo passar rpido para me aposentar,sem muitosdesafios,sem sonhos...No consigo me ver assim,sou apaixonada pelo que fao.Vibro com cadaconquista de cada criana, vivo me desafiando para poder desafiar meus alunos. No sei tudo,mas quero saber muito.Continuo lendo,estudando,discutindo,revendo,reinventando,procurando,

    descobrindo e,o mais importante,aprendendo.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    41/310

    Minha turma

    Minha classeo 1 ano A,formada por 22 meninos e 16 meninas,num total de 38 crianas,sen-do que:

    35 tm 7 anos completos e freqentaram a Escola de Educao Infantil que fica perto de nossa escola;

    2, com 8 anos, so repetentes da 1srie;

    1, com 9 anos,aluno da 3srie mas, como ainda no aprendeu a ler,metade do perodo de aulafreqenta a minha classe.

    A maioria de meus alunos de famlia de baixa renda,cujos pais (com algumas excees) tmpouca escolaridade e,conseqentemente, pouca qualificao profissional. Por querer que osfilhos tenham uma vida melhor que a deles,hum envolvimento e participao muito grande damaioria dos pais nas atividades escolares de seus filhos.E isso muito bom,porque as crianasse sentem mais valorizadas e motivadas.

    Desde o primeiro dia de aula vou observando as crianas,fazendo um diagnstico dos saberesde cada uma.Percebi nessa turma que a maioria no estava habituada a ouvir leitura de histrias nem em casa,nem na pr-escola.So poucas as crianas que tm livros em casa e cujos paisso leitores.Tambm observei o que jsabem sobre o sistema alfabtico de escrita,fazendo umaentrevista individual onde ditei uma lista de palavras e cada uma escreveu e leu de acordo comsuas hipteses.Neste momento (incio do ano letivo) a minha classe estassim:

    4 crianas chegaram alfabetizadas:Davy (repetente da 1srie) e Bruno lem fluentemente e as outrasduas,Renato e Bianca,so recm-alfabticos e lem com um pouco de dificuldade;

    3 esto quase alfabetizados,s vezes usam uma letra para escrever uma slaba, outras vezes usamduas letras (silbicos/alfabticos);

    31 tm uma hiptese de escrita silbica, ou seja,utilizam uma letra para cada slaba; sendo que 16utilizam pelo menos uma letra correta da slaba e 15 no conhecem os valores sonoros e nem sabemo nome das letras do alfabeto.

    Eu acho muito importante conhecer bem os saberes de meus alunos,no para classific-los,maspara planejar atividades desafiadoras, agrup-los de maneira produtiva e fazer intervenesadequadas para que eles aprendam mais rpido.

    De maneira geral,minha turma bem animada,interessada,participativa e falante.Esto semprequerendo saber mais, so ousados,se arriscam e no tm medo de errar.As meninas so mais

    calmas,falam baixo, algumas so to quietas que tenho at medo de esquec-las. Jos meninosso mais agitados,falam muito alto,so mais "levados" e alguns meio agressivos.

    Jconseguimos estabelecer um vnculo afetivo muito forte e tambm discutimos e estabelecemosalgumas regras que devero ser seguidas no decorrer do ano.

    Essa classemuito heterognea,tanto no conhecimento como no comportamento;enquanto hcrianas que sabem muito,hcrianas com muitas dificuldades que precisamdiariamente de umaateno especial;enquanto hcrianas extremamente quietas,houtras barulhentas demais.Trabalhar com essa heterogeneidade no vai ser to difcil,o difcil mesmo,mas no impossvel, dar conta dessa sala to numerosa.

    14M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    42/310

    15M1U1T6

    Florentina Pitz MaiochiProfessora da 1srie da Escola M unicipal de Ensino Fundament al O ctvio Pereira

    LopesSo Paulo

    Iniciei meus estudos no interior do estado de Santa Catarina.Cursei o primrio numa escola ruralmultisseriada.Aprendi a ler decorando as lies da cartilha.Gostava de estudar,mas as sries

    iniciais foram difceis;alm das dificuldades normais para quem v letras pela primeira vez,haviatambm a barreira da lngua,eu s me comunicava em alemo,a lngua utilizada pelos meus pais.

    Cursei a 5srie,preparativa para o exame de admisso,na cidade,pois meus pais mudaram-separa um stio prximo a uma pequena cidade,para que os filhos pudessem dar continuidade aosestudos.Em seguida,ingressei no Curso Normal Regional,equivalente ao antigo ginsio,que davahabilitao para o magistrio em escolas rurais multisseriadas.

    Quando estava no 3 ano desse curso,napoca 2 grau,li o primeiro livro no-didtico da minhavida estudantil; recebi-o como prmio de boa aluna e lembro-me de ter lido e relido muitas

    vezes.Naquele tempo no tnhamos livros em casa,exceto a Bblia e os didticos,e no haviabiblioteca na escola e nem na cidade.

    Terminei esse curso aos 16 anos de idade e,no ano seguinte, comecei a lecionar numa escolamunicipal rural para alunos de 1a 4srie. Eu cuidava da parte pedaggica e simultaneamenteda merenda,da higiene e da limpeza do prdio escolar,e da APM (Associao de Pais e Mestres),responsvel por arrecadar fundos para manter a escola.

    Lembro-me que era difcil dar conta de tudo em meio perodo de trabalho,mas tenho lembranasboas da escola,dos alunos e da comunidade.Mesmo assim,no estava satisfeita,saem busca demelhores condies e resolvi continuar meus estudos.

    Fiz o curso Normal (antigo Magistrio), com durao de trs anos e que me habilitava paralecionar em Grupo Escolar de 1a 4srie primria e de 1a 4srie ginasial.

    Foi muito difcil continuar lecionando numa escola naquelas condies num perodo,e no outroviajar diariamente 60 Km de estrada de terra para estudar. Consegui terminar os estudos etrabalhar num Grupo Escolar.

    Depois vim morar em So Paulo e, como meus estudos no tinham validade em outro Estado,no podia lecionar aqui,a no ser que fizesse o curso de Pedagogia.

    Enfrentei todos os obstculos,fiz a faculdade e comecei a lecionar numa escola estadual, comoprofessora substituta.Depois,prestei o concurso de professor de 1a 4srie da Rede Municipalde So Paulo e fui efetivada em 1978,onde estou at hoje.

    A minha primeira classe foi uma 1srie.Era a 1C.Naquelapoca o ensino municipal adotavaa cartilhaA pata nadaque ensinava todas as slabas primeiro em "a", ex: ba, ca, da, ma, etc;formava-se palavras e frases e s depois fazia-se a troca das vogais, isto ,substitua a vogal "a"pelo "o" em todas as consoantes e assim sucessivamente com as outras vogais.Eu achava muitocomplicado,mas tinha que seguir as normas da escola.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    43/310

    Fiz um curso com a professora Albanize e fiquei bem integrada nesse mtodo.Todos os alunosaprendiam a ler e escrever,s que era um aprendizado mecnico,pura memorizao,e o fracassoaparecia mais adiante,na 3e na 4sries.Pensei que fosse esse mtodo o culpado pelo fracassoe voltei para as famlias silbicas (cartilhaCaminho Suave), que tambm no levavam ao resultadoque eu esperava.

    Procurei outros cursos.E num deles aprendi a fazer o silabrio da classe partindo de palavras"chaves" contextualizadas e prximas da vivncia dos alunos.Notei um pequeno avano,inclusivena motivao dos alunos,mas ainda no estava satisfeita.

    Pouco tempo depois ouvi falar de um curso chamado Por uma Alfabetizao sem Fracasso eprocurei me inscrever.Foi difcil,pois o curso era destinado aos professores da rede estadual.Naocasio, a professora Rosaura Soligo trabalhava na equipe de Apoio Pedaggico da DivisoRegional do Ensino Municipal e conseguiu algumas vagas para os professores da rede municipal.Foiquando consegui fazer o curso,que era coordenado pela educadora Telma Weisz,no ano de 1990.

    Comecei lendo e replicando aPsicognesede Emilia Ferreiro,e tambm fui lendo outros autores

    como:Ana Teberosky, Mary Kato,Wanderley Geraldi, Frank Smith etc. Nessa mesmapocaparticipei de grupos de formao permanente de professores, cujas estratgias eram: leituracompartilhada de bons textos,tematizao da prtica e troca de experincias.Participei tambmde seminrios e congressos.Foi o marco transformador da minha trajetria profissional.

    A minha prtica transformou-se,deixei de lado a cartilha.No incio fiquei sem "cho",mas depoisfui descobrindo o caminho.O caminho que no tem volta:alfabetizar com textos.O texto comosuporte para apropriao de uma variedade de gneros (a questo do letramento) e tambm otexto para compreender o sistema alfabtico de escrita.

    Comecei a ler diariamente para os meus alunos e numa diversidade enorme e hoje eu sei queesse ambiente alfabetizador fez falta no passado.

    Compreendi tambm que as crianas comeam a pensar muito cedo sobre o sistema de escrita,eque se utilizam de vrias estratgias de leitura para interpretar um texto e que cada crianaconstri seu processo de alfabetizao;alguns demoram mais,outros vo mais rpido,mas todospassam pelas mesmas etapas em determinados momentos do processo.Mesmo os adultos,quandoesto em processo de alfabetizao vo construindo e compreendendo o sistema alfabticopassando pelas mesmas hipteses das crianas.Hoje eu sei...

    Depois dessa etapa da minha trajetria profissional fui coordenadora pedaggica e diretora de

    escola.Foi um desafio e uma experincia que valeu a pena.Mas a minha realizao profissionalacontece mesmo na sala de aula.

    No ano passado voltei a alfabetizar,depois de dois anos afastada.No incio deste ano me envolvicom este Projeto, fazendo parte do Grupo-Referncia,e estou estudando para melhorar cadavez mais a minha atuao profissional.

    Tenho tambm uma amiga e parceira,Rosalinda,com quem partilhei e partilho hmais de dezanos as dvidas,angstias,certezas e incertezas que permearam e continuam permeando esseprocesso de construo da identidade profissional que no se encerra aqui,mas continua...

    16M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    44/310

    17M1U1T6

    Minha turma

    So 36 alunos,sendo 33 alunos novos e 3 alunas retidas por faltas no ano passado.Essas trs alunasrepetentes tm muitas dificuldades,duas delas esto com uma avaliao psicolgica e necessitamde acompanhamento fonoaudiolgico,psicolgico e psicopedaggico.

    Fiz um levantamento para detectar os conhecimentos prvios dos alunos atravs de vriosinstrumentos como: leitura compartilhada com inferncia para conhecer a viso de mundo dosmesmos;diagnstico da clientela atravs de pesquisa com os pais para saber,entre outros, onvel scio-econmico e cultural das famlias;verificao de estudo anterior como freqncia napr-escola,e uma sondagem na qual ditei palavras de um mesmo campo semntico e em seguidapedi a leitura,para descobrir como os alunos pensam a escrita.

    Nesse levantamento constatei que meus alunos, mesmo tendo freqentado a pr-escola,sabempouco sobre a linguagem escrita,no tm livros em casa e nem o hbito de ouvir histrias.Os paistambm no so usurios da lngua escrita,a maioria estudou muito pouco e hdois analfabetos.

    Aps a sondagem para saber qual a hiptese de escrita dos alunos neste momento, tenho oseguinte:

    apenas 1 aluna sabe ler e escrever com autonomia;

    20 alunos escrevem usando uma letra qualquer para cada emisso sonora,alm de no conhecer todo

    o alfabeto;

    10 alunos ao escrever ut ilizam uma letra para cada slaba,mas com o valor sonoro correto;

    5 alunos ainda no sabem que a escrita representa a fala e, para escrever determinadas palavras,

    usam letras sem nenhum critrio e para ler apontam tudo de uma s vez.

    Como vimos, todos possuem um conhecimento sobre o sistema de escrita.Sobre a lngua quese escreve e a viso de mundo,todos tm um longo caminho a trilhar.O grupo-classe ativo,mostra interesse em aprender mas so dependentes da professora paraa realizao de atividades que provocam desafios.

    Hdois grupos na classe:os que vieram da escola de educao infantil prxima e jestudavam

    na mesma turma e os outros que vieram de outras escolas e,por isso,huma certa rivalidadeentre os grupos,o que acaba gerando muitas brigas entre eles.

    A heterogeneidade do grupo bastante visvel, desde a faixa etria que entre 6 a 9 anos.Conhecimentos e procedncia desses alunos: 60%da mesma escola de educao infantil, 10%repetentes e 30%de outras escolas.Mas as parcerias montadas de acordo com os objetivos das

    atividades para favorecer a troca e a veiculao de conhecimentos ser a mola propulsora domeu trabalho pedaggico ao longo deste ano.

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    45/310

    Mrcia Janurio Monteiro MuseneckProf essora da 1srie D da Escola M unicip al de Ensino Fundament al Comandant e

    Gasto M outinhoSo Paulo

    Gostaria de aproveitar esta oportunidade para contar a trajetria de um sonho,do meu sonho.

    Desde pequena, sempre quis ser professora.Fui em busca do meu sonho, fazendo o curso deMagistrio, onde recebi muitos modelos, fiz cadernos de msica, coordenao motora, datascomemorativas e outros.

    Em 1985,assumi uma sala na Prefeitura de So Paulo,uma sala de Educao Infantil que funcionavanuma escola de primeiro grau.No decorrer do trabalho,percebi que a classe real no era o queeu imaginava,s vezes sentia-me totalmente perdida,pois alguns alunos avanavam e outros eutinha a sensao de no estarem aprendendo e eu,por minha vez,no conseguia ajud-los.Issogerava uma angstia,um desespero por no saber o que e como fazer para que avanassem.

    Busquei naquilo que conhecia uma maneira para ajudar esses alunos. E agora, refletindo sobreisso,percebo que napoca eu acreditava que somente o professor ensinava, s ele faria ogrupo avanar.

    Comecei a buscar entender como as crianas aprendiam, o que pensavam, do que precisavampara seu aprendizado. Nessa poca comearam a surgir textos que abordavam a questo de"como a criana aprende".Lia tudo o que encontrava ou que me era oferecido,buscava discutirpara entender,mas ainda havia muitas questes obscuras.

    Em 1986,trabalhei em um projeto da Prefeitura chamado "classes comunitrias".Nesse projeto,

    os educadores da rede pblica iam dar aula em salas das comunidades;a minha sala era na favelado Jardim Peri, ali conheci educadores que partilhavam as mesmas preocupaes e ansiedadesque eu.Ns tnhamos encontros mensais para a discusso sobre as propostas do projeto.Aquesto da aprendizagem era o que mais discutamos,e percebamos que ainda no havia clarezade como trabalhar,como fazer o aluno avanar.

    Senti que tive avanos, mas questes importantes, como a importncia da interao entre ascrianas e a interveno do professor,ainda no eram observveis para mim.

    Em 1989,a prefeitura criou na rede os grupos de formao, um espao onde os educadores

    iriamestudar.Como trabalhar para fazer o aluno avanar,entender como o aluno pensa,rever aao do professor na sala de aula,entender a necessidade de interao entre os alunos e de boasintervenes,eram as questes que se pretendia abordar nos encontros.

    Nesse espao privilegiado, nossas angstias afloravam, pois amos para a escola cheias deesperanas e s vezes em nossansia de fazer no conseguamos os resultados esperados,masa possibilidade de discutir e repensar nossas aes e o que resultava delas ia oportunizando nossocrescimento.Esse perodo foi uma marco na minha carreira como educadora,me fez repensar aprtica com subsdios tericos.

    18M1U1T6

  • 7/28/2019 coletanea de alfabetizao

    46/310

    19M1U1T6