Coleção do Avesso ao Direito

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional Coleção do Avesso ao Direito Improbidade Administrativa: responsabilidade social na

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional

Coleção do Avesso ao Direito

Improbidade Administrativa:

responsabilidade social na prevenção

e controle

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Vitória - 2005MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional

Coleção Do Avesso ao Direito

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte e autoria.

A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Improbidade

Administrativa Vitória: CEAF, 2004. v.6. Coleção Do Avesso ao Direito.

1.Improbidade Administrativa: responsabilidade social na

prevenção e controle. 6. Ministério Público do Estado do Espírito Santo I. Título II. Série.

CDU 35.086:

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Endereço:Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional - CEAFRua Humberto Martins de Paula, nº 350 – sala 906 – Enseada do Suá – Vitória –ESCEP: 29.055-100 – Telefax: 3224 4512 / 4513Email: [email protected]

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇAJosé Paulo Calmon Nogueira da Gama

DIRIGENTE DO CENTRO DE ESTUDOS E APERFEIÇOAMENTO FUNCIONAL

Coordenação e SupervisãoSérgio Dário MachadoProcurador de Justiça

GERÊNCIA DE ESTUDOS, PESQUISAS E DOCUMENTAÇÃOOrganização, Revisão e Assessoramento Técnico-Pedagógico

Profª Maria do Carmo Aboudib Varella SerpaEspecialista e Mestre em Educação

APOIO JURÍDICOAlexandre José Guimarães – Procurador de Justiça

Lívia Ramos Breciane – Acadêmica de Direito/CEAF

SELEÇÃO E ADAPTAÇÃO DAS PEÇAS PRÁTICASAndré Fermo Monteiro Bastos - Acadêmico de Direito/MPES

Lívia Ramos Breciane - Acadêmica de Direito/MPESMaryá Freire Santos Farias - Acadêmica de Direito/MPES

Michele Marques de Abreu Tatagiba Stefanon - Acadêmica de Direito/MPES

Priscilla Torres Moraes - Acadêmica de Comunicação Social/MPESRodrigo Rezende Tatagiba - Acadêmico de Direito/MPES

Sandra Mara Rangel de Jesus - Acadêmica de Direito/MPES

EQUIPE TÉCNICA/CEAFMaria do Carmo Aboudib Varella Serpa

Miriam de Oliveira AnícioSuely Penha da Silva Leite

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EQUIPE DE APOIO/CEAFGarben Bravim Gomes

Jadson Moraes NascimentoJocemir Gonçalves

Lívia Ramos BrecianePriscilla Torres Moraes

Walter Santos Júnior

DIGITAÇÃO, DIAGRAMAÇÃO, EDITORAÇÃO E ARTE FINALPaulliany de Sousa - Funcionária /CEAF-MPES

Priscilla Torres Moraes - Acadêmica de Comunicação Social/MPESJorge Eduardo de A. Saadi - Acadêmico de Direito/MPES

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional

Coleção Do Avesso ao Direito

José Paulo Calmon Nogueira da GamaProcurador-Geral de Justiça

Heloisa Malta CarpiSubprocuradora-Geral de Justiça Administrativo

Catarina Cecin GazeleSubprocuradora-Geral de Justiça Judicial

Ivanilce da Cruz Romão Corregedora-Geral do Ministério Público

Luiz Carlos NunesGerente-Geral do Ministério Público

Licéia Maria de Moraes CarvalhoPromotora de Justiça/Chefe de Gabinete do Ministério Público

Saint`Clair Luiz do Nascimento Junior Promotor de Justiça/Chefe de Apoio ao Gabinete do Ministério

Público

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Arlinda Maria Barros MonjardimPromotora de Justiça/Chefe de Secretaria-Geral do Ministério

Público

Sérgio Dário MachadoProcurador de Justiça/Dirigente do CEAF

Agradecimentos

Uma obra como esta ao ser concretizada, representa produto de um esforço coletivo, no qual todos constituem-se em peça importante na concretização do resultado final.

Em razão disso, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, por meio de seu Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional-CEAF, agradece aos Ministérios Públicos sediados nas Unidades Federadas desse Brasil imenso, quanto à gentileza do envio do material referente aos procedimentos jurídicos específicos da ação ministerial, resultantes da práxis cotidiana de seus Procuradores e Promotores de Justiça.

Agradecemos também aos membros do Ministério Público Capixaba, os quais nos enviaram instrumental semelhante.

Cumpre ressaltar que os Procedimentos Investigatórios e Ações de Improbidade Administrativa recebidas, selecionadas e compiladas, bem como o conteúdo dessa obra encontram-se em CD, o qual acompanha este livro, dispostos em partes separadas.

Esperamos que as peças práticas constantes neste CD, as quais tratam de assuntos os mais variados a respeito desse tema, contribuam como mais um elemento facilitador

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da ação ministerial na busca e efetiva concretização da justiça social.

Certos estamos de que este trabalho constituirá instrumental valioso no combate à corrupção em nosso país, por conter modelos de ações de improbidade e de procedimentos administrativos/investigatórios sobre fatos os mais variados, ocorridos nos estados federados.

Aproveitamos o ensejo para estender os nossos agradecimentos ao Doutor Alexandre José Guimarães, Procurador de Justiça deste Ministério Público, o qual não mediu esforços em nos incentivar e apoiar durante todo o percurso de nosso trabalho, auxiliando-nos inclusive na análise, seleção e organização final das peças práticas.

Agradecemos igualmente à Doutora Catarina Cecin Gazele, Sub-Procuradora Geral de Justiça Judicial, pelo auxílio prestado nos momentos cruciais de realização deste trabalho, colaborando com a disponibilização de seus estagiários no processo de adaptação das peças práticas ao padrão seguido por esta Coleção.

O nosso agradecimento se estende da mesma forma aos autores dos artigos constantes neste volume, os quais, imbuídos do espírito de cooperação e de socialização de seus conhecimentos e de sua práxis cotidiana, prontamente aceitaram o nosso convite e nos brindaram com escritos que são verdadeiras jóias da literatura nesta área, haja vista a riqueza de informações que contém, além da precisão, coerência e atualidade, na forma como são expostos ao leitor.

Não poderíamos também deixar de agradecer a LPJ Publicidade Ltda., com sede na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, que gentilmente cedeu-nos o uso da imagem “Justiça – Pietá”, de sua autoria, a qual compõe a capa de todos os volumes desta Coleção.

Finalmente impõe-se o registro de nossa satisfação e orgulho pela grandeza do trabalho que vem sendo realizado nas instituições ministeriais existentes nos diferentes rincões de nosso país, em especial de nosso Estado, em prol de uma sociedade mais justa e democrática, na qual, seguramente, num futuro bem próximo, expressões como

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corrupção, desvio, imoralidade, improbidade e outras não mais farão parte do cotidiano das gerações que estão por vir.

Certamente neste dia, a ética e a moralidade representarão os princípios fundamentais regentes da sociedade brasileira e perceberemos, felizes e confiantes, a efetivação de fato do tão sonhado Estado Democrático de Direito.

Mensagem

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"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto."

Rui Barbosa

Prefácio

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo, por intermédio do seu Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, fazendo coro à preocupação de toda a sociedade na busca de solução mais adequada para as suas grandes

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questões sociais, diz presente e, dentro da Coleção DO AVESSO AO DIREITO, lança o Volume VI, tratando de um tema sombrio e palpitante, que é a improbidade administrativa.

Os atos de gestão emanados de agentes de Poder Público, nos exatos termos do artigo 2º da Lei nº 8.429/92, sempre estiveram na pauta das maiores inquietações da sociedade, que busca forma de fiel e célere, fiscalizá-los; na defesa de seu interesse, ela se arma de procedimentos procurando evitar que sofra prejuízos em seu patrimônio comum, evitando que aqueles, agindo ou se omitindo, promovam desvio de conduta ética ou apresentem enriquecimento sem causa. Assim é que, de há muito, foi sancionada a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, outorgando ao próprio cidadão legitimidade para anular atos lesivos ao patrimônio público.

Essa mesma sociedade, tomando posição contra os desmandos cometidos em desfavor de seu patrimônio, insatisfeita com o crescente número de administrador corrupto, sem escrúpulos, que mais visa o benefício próprio ou de terceiros, vilipendiando o cargo que ocupa, dilapidando, à luz do dia, o erário, não satisfeita com os resultados obtidos com a legislação até então existente, impôs ao legislador a ruptura com esses atos indignos e ímprobos cometidos por quem, nos exatos termos da lei, teria a obrigação de zelar pela “res publica” , de sorte que a improbidade administrativa foi matéria tratada expressamente pelo legislador constituinte de 1988.

É corrente o entendimento de que o estreitamento dos canais investigatórios e a falência na aplicação de sanção favorecem, na proporção direta de sua inoperância, o cometimento de delitos contra o bem comum, quando se constata que, ao final da maioria dos procedimentos, a impunidade grassa como verdade imutável.

Ciente de que é impossível continuar sustentando esse estado crítico, no que toca à má administração da coisa pública, situação degradante existente há anos, mas que, em nossos dias tem-se avolumado, tanto pela nulidade de um

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controle efetivo, como pela ausência de necessária e pedagógica reprimenda, a própria sociedade se organiza e exige que se ponha cobro a essas práticas danosas ao seu bem estar.

O exercício da cidadania, em sua mais lídima expressão, determina que o respeito ao erário seja apanágio dos que se arvoram em seus gestores e estabelece uma máxima de que os procedimentos espúrios, investigados à exaustão, sejam postos à luz e seus autores devidamente apenados, também como prova de que malbaratar, dilapidar, malversar e outros atos atentatórios ao erário estão por findar.

Nessa cruzada homérica e sem tréguas, em prol da moralização na administração pública, impende realçar um instrumento posto à disposição dos aplicadores do direito, qual seja, a Lei nº 8.429, de 03 de junho de 1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, que veio a dar vida à nova ordem estabelecida por meio da Constituição de 1988, especificamente ao estatuído no § 4º do seu artigo 37.

E dentre todas as Instituições que se empenham nessa árdua, difícil, séria, mas indispensável tarefa de consecução do objetivo para o qual se voltou o legislador constituinte, em tal tema, surge, num patamar de merecido destaque, o Ministério Público. O aparelhamento e as obrigações que a mesma Constituição de 88 concedeu ao parquet dão o enfoque preciso do resultado que dele se espera.

Não é demais registrar que de há muito, e a história mostra isto, que membros do parquet têm-se destacado na luta ingente para ver banido o administrador que não cuida com o desvelo necessário dos bens que o exercício do cargo lhe entrega. E não importa aqui, se é o particular quem comete a ilegalidade: basta que haja envolvimento de patrimônio público, de qualquer naipe ou valor, que o controle se impõe.

No desempenhar dessa sua missão o Ministério Público do Estado do Espírito Santo tem a honra de lançar

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este livro, que versa exatamente sobre improbidade administrativa. É uma obra que possui as mesmas características que nortearam as anteriores, respeitado idêntico padrão literário, enriquecida com farto material legal, jurisprudencial e doutrinário, ao mesmo tempo em que peças práticas dão um cunho especial e efetivo para os que a manusearão.

Na concretização desta edição, vale consignar o esforço desmedido impregnado de superação individual em busca do resultado coletivo que motivou a Gerência de Estudos, Pesquisas e Documentação do CEAF/MPES; seus componentes se embrenharam em consultas a livros, sites jurídicos e arquivos, e em manter contato com colegas do nosso Ministério Público Capixaba e de outros estados da Federação, bem como a juristas que não militam na Instituição, para catalogar um incomensurável manancial, extenso e profundo, para o uso diário dos operadores do direito e dos que se proponham a por paradeiro aos desmandos ainda existentes no trato com a coisa pública.

Esta é uma obra que tem a finalidade de colaborar, de ser mais uma luz a iluminar este tortuoso caminho de proporcionar a satisfação social plena, porque, em última análise, estancado o mal que corrompe a administração, vedado o sumidouro em que o patrimônio público se esvai em larga escala, por certo que restará mais recurso a ser aplicado em área social, cada vez mais carente e abandonada pelos nossos governantes.

O CEAF, ao municiar, em particular, os Promotores e Procuradores de Justiça do Espírito Santo, e proporcionar a outros que queiram usar, uma farta e profunda fonte de pesquisa para atuação na área da probidade administrativa, o faz na esperança de que dias melhores para nosso sofrido povo, por certo, virão, quando todos se unirem nesta cruzada em prol de uma sociedade igualitária, justa e mais fraterna.

O Ministério Público deste Estado, portanto, sente-se orgulhoso com esta publicação que, espera, seja mais um concreto instrumento na busca da construção de uma

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verdadeira cidadania, onde os partícipes de toda a coletividade possam estar de mãos dadas, confiantes de que a seriedade será a tônica nas ações do administrador da coisa pública e voltadas unicamente para a consecução dos objetivos maiores, quais sejam, proporcionar a subsistência condigna a cada um dos cidadãos..

Firme na busca de tornar este País um exemplo no combate à corrupção, à improbidade administrativa e a todo ato que viola a confiança que o povo deposita em seus governantes, o CEAF espera, com esta obra, estar contribuindo para facilitar a fiscalização, (que deve ser permanente), ao patrimônio Público, na reposição do bem que se haja desviado indevidamente e, também, para diminuir a impunidade que, infelizmente, ainda tem-se mostrado muito grande.

Por acreditar que a vigília incansável e permanente e a aplicação serena, mas segura, da legislação existente são caminhos concretos para o combate ao ímprobo, é que esta Instituição exercita a função destacada no Artigo 127 da Constituição Federal, de ser também guardião dos interesses sociais do povo, e traz à lume este livro, na certeza de que está contribuindo para cessar a degradante história de despreparo, desrespeito, de abuso e de pouco caso com a gestão do patrimônio comum do povo.

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Sérgio Dário MachadoProcurador de Justiça e Dirigente do CEAF/MPES

Apresentação

A Constituição Federal de 1988 deu atenção especial à Administração Pública. Os contínuos danos praticados durante anos seguidos, contra o patrimônio público, levou o contribuinte a erigir um conjunto de princípios e de regras capazes não só de dificultar os ataques ao erário público, mas em dotar a sociedade de instrumentos para, em ocorrendo aqueles, reparar e coibí-los, punindo o agente infrator.

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A Lei de Improbidade Administrativa, lei nº 8.428/92, trouxe avanços importantes para a proteção do patrimônio público, além de tornar exeqüível o artigo 37, § 4º, da Carta Magna, ao reprimir os atos que promovem o enriquecimento ilícito ou que trazem prejuízo ao erário, como também para aqueles que atentam contra os princípios da Administração Pública, os quais atingem bens e interesses de natureza difusa, no caso, o erário público e a moralidade administrativa.

Em seu artigo 129, inciso III, a nossa Lei Maior confere ao Ministério Público destaque especial enquanto órgão responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais individuais indisponíveis, conferindo-lhe independência funcional, estando, portanto, os membros do Ministério Público no desempenho de suas funções, sujeitos apenas à sua própria consciência e aos princípios éticos e democráticos que orbitam o plano da interpretação da lei para o seu cumprimento.

Consolidando a tarefa de guardião das causas sociais e dos direitos de massa trazida pela lei nº 7.347/85, o texto constitucional garante ao Ministério Público a legitimidade para “promover o inquérito civil e a ação civil pública”, nos casos em que esses direitos estiverem ameaçados, bem como promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (CF, art. 129, incisos I, II, VIII).

Constituem-se, sem dúvida alguma, em avanços até então não existentes na ordem política e jurisdicional de nosso país, colocando-o dentre aqueles que mais se destacam na comunidade internacional, com uma legislação avançada e moderna.

Não basta entretanto o trabalho isolado do Ministério Público. A luta pelo resguardo desses direitos passa necessariamente por uma ação coletiva, na qual todas as entidades representativas dos vários segmentos sociais, em conjunto, contribuam na fiscalização do bom andamento dos atos envolvendo os Três Poderes.

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A responsabilização dos agentes públicos faltosos e o esclarecimento da população a respeito da matéria, são medidas necessárias ao combate à corrupção.

Márcio Freyesleben, em sua obra A Improbidade Administrativa – Comentário à Lei nº 8.429 de 2 de julho de 1992, reafirma o pensamento acima, quando diz que:

“É preciso educar o povo. Educado ele fará de seu voto e de seu poder de manifestação organizada o remédio mais eficaz à corrupção”.

A ampla responsabilização do agente corrupto constitue-se em fator fundamental para prevenir, reparar e condenar o ato administrativo defeituoso. A prevenção decorre do exemplo a ser dado a outros agentes públicos aventureiros, que se intimidarão com a sanção imposta ao agente ímprobo. A condenação do agente desonesto em sanções diversas e graves é a justa retribuição ao ato inescrupuloso por si praticado. A reparação ou ressarcimento, se traduz não só na recuperação dos bens, objetos e valores apropriados, indevidamente, ou as custas do erário, como também na reparação moral do status quo da Administração Pública, que se vê desgastada perante seus administradores.

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo, no cumprimento de sua função de “guardião” do Estado Democrático de Direito e consciente da necessidade de colaborar no fortalecimento das instituições e dos operadores do direito, espalhados por este Brasil imenso, parceiros importantes na construção do arcabouço de um controle social eficaz e eficiente, lança mais um livro de sua Coleção propositadamente denominada DO AVESSO AO DIREITO, com o intuito de assim o proceder, com as omissões e abusos de toda ordem, estejam estes no plano político, social, econômico ou legislativo.

Este novo volume VI, intitulado “Improbidade Administrativa: responsabilidade social na prevenção e controle”, constitue-se, sem dúvida alguma, em valioso instrumental de trabalho, não só para os membros do parquet, como também para todo o cidadão brasileiro, na

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medida em que somos todos fiscais da lei, co-participantes na construção de uma sociedade justa e digna de se viver.

José Paulo Calmon Nogueira da GamaProcurador-Geral de Justiça

Sumário

1 COMBATE À CORRUPÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL: UMA CONSTRUÇÃO AINDA INACABADA...................................................

Rafael Claudio Simões

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO BRASILEIRO: ELEMENTOS DA CIDADANIA E DA CORRUPÇÃO........................................................

Referências Bibliográficas....................................................................................

2 O CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL PROMULGADA EM 5 DE OUTUBRO DE 1988 ......................

Aristides Junqueira Alvarenga

2.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................

2.2 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO..........

2.3 O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA..................................................................................

2.4 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZADA COMO CRIME DE

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RESPONSABILIDADE............................................................

2.5 CONCLUSÃO......................................................................................................

3 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A SUA SISTEMATIZAÇÃO............................................................................................

Emerson Garcia

3.1 DOS PRINCÍPIOS REGENTES DA PROBIDADE...................................

3.1.1 Introdução.............................................................................................................

3.1.2 Princípio da Legalidade.....................................................................................

3.1.3 Princípio da Moralidade...................................................................................

3.1.4 Princípio da Proporcionalidade.....................................................................

3.2 DOS ATOS DE IMPROBIDADE....................................................................

3.2.1 Introdução.............................................................................................................

3.2.2 Atos Administrativos..........................................................................................

3.2.3 Atos Legislativos................................................................................................

3.2.4 Atos Jurisdicionais........................................................................................

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3.2.5 Da Casuística........................................................................................................

3.3 DAS SANÇÕES...........................................................................................

3.3.1 Das sanções em espécie........................................................................3.3.2 Natureza Jurídica.........................................................................................3.3.3 Dosimetria........................................................................................................

3.4 SÍNTESE CONCLUSIVA..............................................................................

Referências Bibliográficas ........................................................................................

4 SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: REFLEXÕES.........................................................

Emerson Garcia

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA............................................................

4.2 SUJEITOS PASSIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE....................

4.2.1 Entidade que receba Subvenção, Benefício ou Incentivo Fiscal ou

Creditício, de Órgão Público....................................................................

4.2.1.1 Terceiro Setor................................................................................................

4.2.2 A noção de Entidades custeadas pelo Erário.....................................

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4.2.2.1 Empresas Estatais Dependentes..................................................................

4.2.2.2 Sindicatos.......................................................................................................

4.2.2.3 Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional..............................

4.2.2.4 Partidos Políticos..........................................................................................

4.3 SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE..........................

4.3.1 Agentes Políticos...........................................................................................

4.3.2 Agentes Particulares Colaboradores..........................................................

4.3.2.1 Árbitros...............................................................................................................

4.3.2.2 Delegatários das Serventias do Registro Público.........................................

4.3.3 Servidores Públicos.........................................................................................

4.3.3.1 Agentes de Fato..................................................................................................

4.3.4 Agentes meramente Particulares................................................................

4.4 TERCEIROS4.4.1 Pessoas

Jurídicas................................................................................................

Epílogo..................................................................................................................

5 LEGITIMAÇÃO ATIVA NAS AÇÕES PROTETIVAS DO PATRIMÔNIO

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PÚBLICO................................................................................

Marcelo Zenkner

5.1 A DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO COMO INTERESSE DIFUSO................................................................................................................

5.2A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DO

PATRIMÔNIO PÚBLICO E SUA LEGITIMAÇÃO (ART. 5º DA LEI Nº 7.347/85).........................................................................................................................

5.3A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SUA LEGITIMAÇÃO (ART. 17, CAPUT, DA LEI Nº 8.429/92)..............................................................................

5.3.1 Noções gerais .............................................................................................5.3.2 Legitimação do Ministério Público............................................................5.3.3 Legitimação do ente de Direito Público Interno lesado......................5.3.4 Legitimação das Associações Civis..............................................................

5.4 CONCLUSÃO.........................................................................................................

6 A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS ATOS DE IMPROBIDADE E A LEI 10.628/2002 (Inovações da Lei nº 10.628/2002)........................................................................................................... Gustavo Senna Miranda

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6.1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................

6.2 COMPETÊNCIA ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 10.628/2002....

6.3 COMPETÊNCIA APÓS O ADVENTO DA LEI Nº 10.628/2002......................6.3.1 Inconstitucionalidade de foro por prerrogativa de função nos Atos de Improbidade..................................................................................................

6.3.2 A prevalecer a validade da Lei nº 10.628/2002.........................................6.3.2.1 Direito Intertemporal........................................................................................6.3.2.2 Agentes com prerrogativa de função contemplados somente na Constituição Estadual.......................................................................................6.3.2.3 Atos de Improbidade Administrativa praticados em concurso de agentes6.3.2.4 Prática de Atos de Improbidade Administrativa antes e após o exercício funcional..........................................................................................................

6.4 CONCLUSÕES.....................................................................................................

Referências Bibliográficas......................................................................................

7 OBSTÁCULOS PROCESSUAIS AO COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: UMA REFLEXÃO GERAL............................................................................................Fábio Medina Osório

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7.1 INTRODUÇÃO...................................................................................................

7.2 O DÉFICIT CONCEITUAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO: OBSTÁCULOS DOGMÁTICOS DE FORMATAÇÃO PROCESSUAL DA CONDUTA ÍMPROBA................

7.3 DÉFICIT DE GESTÃO INSTITUCIONAL NO COMBATE À IMPROBIDADE: OBSTÁCULOS PROCESSUAIS ORGANIZACIONAIS..........................................................................................

7.4 OBSTACULIZAÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ATRAVÉS DA CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS INSTÂNCIAS SUPERIORES DO JUDICIÁRIO: IMUNIDADE E PRERROGATIVA DE FORO DE AGENTES POLÍTICOS..................................................................................... 7.4.1 O tema da distinção entre Improbidade Administrativa e Crimes de Responsabilidade: deve existir uma imunidade dos agentes políticos frente à Lei Geral de Improbidade? 7.4.1.1. Histórico da discussão e a tendência de absorção da Lei de Improbidade pela Lei dos Crimes de Responsabilidade.............................................. 7.4.1.2. Visão crítica sobre a possibilidade de absorção da Lei de Improbidade pela Lei dos Crimes de Responsabilidade....................................................... 7.4.1.3. A relação entre atos de improbidade e crimes de responsabilidade: a independência das esferas de ilicitude......................................................

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7.4.2. Foro por Prerrogativa de Função: privilégio discriminatório ou respaldo legítimo ao cargo? .......................................................................7.4.2.1. A tese do privilégio discriminatório inconstitucional................................. 7.4.2.2. A constitucionalidade da prerrogativa de foro: o enfoque do direito administrativo sancionador...................................................................

7.5 O USO DOS DIREITOS DE DEFESA COMO OBSTÁCULO INTERNO AO DIREITO PROCESSUAL PUNITIVO........................ 7.5.1. Ação civil pública ou ação de improbidade?..................................7.5.2. A Lei 9.366/1996 e as alterações básicas..................................................7.5.3. A possibilidade de alteração no sistema legislativo em matéria processual por meio de Medida Provisória......................................... 7.5.4. A questão da notificação e o formalismo excessivo...........................7.5.5. Necessidade de fundamentação da decisão que recebe a petição inicial depois da defesa prévia do requerido........................................... 7.5.6. Possibilidade de extinção da ação de improbidade em qualquer fase do processo.....................................................................................

7.6 CONCLUSÃO: O ENFRENTAMENTO DA CRISE, SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS E OS NOVOS RUMOS DO

COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.....................

Referências Bibliográficas......................................................................................

Page 24: Coleção do Avesso ao Direito

Jurisprudência consultada......................................................................................

8 A NATUREZA DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA........................................................................................ Gustavo Senna Miranda

8.1 INTRODUÇÃO..................................................................................................

8.2 DO CONCEITO E DOS TIPOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA..........................................................................................

8.2.1 Conceito............................................................................................................

8.2.2 Dos tipos de Atos de Improbidade Administrativa............................

8.3 DA NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA..........................................................................................

8.4 CONCLUSÕES..................................................................................................

Referências Bibliográficas.....................................................................................

9 O CONTROLE SOCIAL SOBRE OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA..........................................................................................Leonardo da Costa Barreto

10 CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA: INCONSTITUCIONALIDADE

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E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.................................................. Alexandre José Guimarães João Gabriel Corrêa da Cunha

10.1 INTRODUÇÃO....................................................................................................

10.2 CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA.................................................................

10.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.........................................

10.4 DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E SEUS EFEITOS.............................................................................................................

10.5 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA........................

10.6 ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA..................................

10.7 CONCLUSÃO...................................................................................................

11 CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS............................................................................ Pedro Decomain

11.1 INTRODUÇÃO: a Lei nº 9.504/97, que regula as eleições; previsão nela de condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais; objetivo dessas vedações................................................................................

11.2 CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO: para os fins dessa lei...............

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11.3 PRIMEIRA PROIBIÇÃO: cessão ou uso de bens públicos em benefício de partido, candidato ou coligação.......................................................................

11.4 SEGUNDA PROIBIÇÃO: uso de materiais ou serviços pagos pelo Poder Público, além dos limites regimentais.............................................................

11.5 TERCEIRA PROIBIÇÃO: cessão de servidores ou empregados públicos para comitês de campanha..................................................................................

11.6 QUARTA PROIBIÇÃO: uso ou permissão de uso promocional de distribuição gratuita de bens ou prestação de serviços pelo Poder Público.

11.7 QUINTA PROIBIÇÃO: nomeação, contratação, admissão, demissão, reclassificação e movimentação de funcionários públicos............................11.8 SEXTA PROIBIÇÃO: transferência voluntária de recursos, nos três meses que antecedem a eleição......................................................................................

11.9 SÉTIMA PROIBIÇÃO: publicidade institucional, nos três meses que antecederem a eleição.............................................................................................

11.10 OITAVA PROIBIÇÃO: pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão, nos três meses que antecedem a eleição.......................................................

11.11 NONA PROIBIÇÃO: limite de gastos com publicidade institucional, no ano da eleição, antes dos três meses imediatamente anteriores a ela.........

11.12 DÉCIMA PROIBIÇÃO: revisão geral da remuneração dos servidores públicos, em determinado período anterior à eleição...................................

Page 27: Coleção do Avesso ao Direito

11.13 PUNIÇÕES pelo descumprimento dessas proibições...........................

11.14 PROIBIÇÕES ADICIONAIS: pagamento de shows com recursos públicos, em inaugurações, nos três meses que antecedem a eleição e uso de transporte oficial pelo Prefeito Municipal ou pelo Vice-Prefeito Municipal candidatos à reeleição...................................................................

12 A LEI DE IMPROBIDADE COMO FATOR DE APROXIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM O TRIBUNAL DE CONTAS

Basílio Elias De Caro

12.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................

12.2 OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E DEVERES DOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DOS PRINCÍPIOS DO ART.37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI DE IMPROBIDADE...................................................................................................

12.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O TRIBUNAL DE CONTAS..................

12.4 CONCLUSÕES.....................................................................................................

Referências Bibliográficas......................................................................................

13 O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NO COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA...................................................

Page 28: Coleção do Avesso ao Direito

Francisco Whitacker

13.1 AS DUAS FORMAS DE SE ENFRENTAR A IMPROBIDADE................

13.2 A PREVENÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ATRAVÉS DO COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL.........................................

14 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E SEU CONTROLE PELA LEI DE IMPROBIDADE....................................... Marcelo Lemos Vieira

14.1 INTRODUÇÃO............................................................................................

14.2 PRINCÍPIO DA MORALIDADE...........................................................

14.3 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E NA LEI 8.429/92................................................................................

14.4 SISTEMÁTICA DA LEI DE IMPROBIDADE..........................................

14.5 CONCLUSÃO..................................................................................................

15 A NECESSIDADE DOS GRUPOS DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO..................................................................................................... Marcelo Lemos Vieira Rafael Pina de Souza

16 MARCOS LEGAIS: ÂMBITO FEDERAL..................................................

Page 29: Coleção do Avesso ao Direito

16.1 ÂMBITO FEDERAL..........................................................................................

17 MINISTÉRIO PÚBLICO: PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS INVESTIGATÓRIOS.

ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS ............................................................................

17.1 ASPECTOS TEÓRICOS.................................................................................17.1.1 Inquérito Civil ...........................................................................................17.1.2 Termo de Ajuste de Conduta.. ......................................................................17.1.3 Execução do Título de Compromisso .......................................................

17.1.4 Ação Civil Pública ......................................................................................

17.2 ASPECTOS PRÁTICOS (MODELOS DE PROCEDIMENTOS

UTILIZADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO).......................................

17.3 JURISPRUDÊNCIA............................................................................................

18 INFORMAÇÕES REFERENTES À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: CONTATOS E CONSULTAS..............................

19 REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS............................................................

ANEXOS

ANEXO A - LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1983......................................

Page 30: Coleção do Avesso ao Direito

Regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal,

institui normas para licitações e contratos da Administração

Pública e dá outras providências.

ANEXO B - LEI Nº 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985 ..................................

Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitosde valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico (VETADO) e dá outras providências.

ANEXO C - LEI Nº 8.429, DE 02 DE JUNHO DE 1992....................................

Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego oufunção na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

ANEXO D - LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 04 DE MAIO DE 2000.....

Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

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1 Combate à Corrupção e Cidadania

no Brasil: uma construção ainda

inacabada

Rafael Cláudio Simões

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1 COMBATE À CORRUPÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL: UMA CONSTRUÇÃO AINDA INACABADA

Rafael Cláudio Simões

Historiador, especialista em História Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); professor do Centro Universitário Vila Velha (UVV) e Membro-fundador e Secretário Administrativo da Transparência Capixaba.

Vivemos no Brasil e no mundo, um momento bastante favorável ao combate à corrupção e à improbidade administrativa.

Não faz muito, caçamos – na verdade o Poder Legislativo Federal o fez, respondendo às provas apresentadas e ao anseio da população - um presidente acusado de corrupção, políticos de inúmeros estados – inclusive o nosso – perderam mandatos, a população se mobiliza através de Organizações Não-governamentais (ONG’s) como é o caso da Transparência Capixaba, Transparência Brasil, Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO) e várias outras Brasil afora.

O Ministério Público – em especial após a Constituição de 1988, tão bem denominada pelo Deputado Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã – age diuturnamente para combater essas práticas nefastas.

Page 33: Coleção do Avesso ao Direito

As práticas democráticas e transparentes de governo ganham força e forma legal. Aqui, para não nos alongarmos, podemos citar a discussão democrática do orçamento público e os conselhos municipais por áreas.

A Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou em fins de 2003, na cidade de Mérida no México, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção na qual o Brasil é um dos países signatários. O Brasil adotou, em 2002, a Convenção Interamericana contra a corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA) de 1996.

Inúmeros organismos e instituições internacionais têm destacado o quão grave é o problema da corrupção e a necessidade política, econômica e social que temos em combatê-la.

Tudo isso, e muito mais, que têm acontecido poderia nos causar a impressão que a corrupção é, ou até mesmo foi, um problema passageiro com o qual não devemos gastar muito de nosso tempo. Nada mais falso.

A assim chamada globalização e o desenvolvimento tecnológico que lhe instiga, lhe acompanha e lhe reforça, em conjunção com o fim do mundo polarizado da Guerra Fria, contribuiu em muito para que o problema da corrupção assumisse um lugar de destaque nas preocupações internacionais e passasse, como dissemos, a figurar como problema relevante em vários fóruns.

Urge, no entanto, entender o problema na sua mais ampla dimensão. Uma dimensão multifacetada e dinâmica. Nos seus aspectos sociais, políticos, psicológicos, econômicos, culturais, financeiros, históricos etc.

Este breve artigo, pretende apenas contribuir com uma pequena análise histórica do fenômeno da corrupção no nosso país vinculando-a ao desenvolvimento da cidadania em nossas terras. Entendendo sempre, como fazem os historiadores, que a compreensão de um processo histórico é de fundamental importância para sua análise presente e perspectivas de ação para o futuro.

Antes de fazermos este breve apanhado histórico é justo definirmos, mesmo que rapidamente, os conceitos básicos que utilizaremos no texto para que os leitores

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possam com um mínimo de precisão acompanhar o raciocínio apresentado. Vamos a eles:

No conceito de cidadania aproveito-me do Professor José Murilo de Carvalho que, apesar de texto um pouco longo, merece ser citado na sua quase totalidade, no seu livro Cidadania no Brasil: o longo caminho1, afirma que:

“Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais (...). Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual.”

O Professor prossegue definindo os três âmbitos de direitos da cidadania afirmando que:

“É possível haver direitos civis sem direitos políticos. Estes se referem à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado à parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado. Em geral, quando se fala de direitos políticos, é do direito do voto

1 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

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que se está falando. Se pode haver direitos civis sem direitos políticos, o contrário não é viável. Sem os direitos civis, sobretudo a liberdade de opinião e organização, os direitos políticos, sobretudo o voto, podem existir formalmente mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar governos do que para representar cidadãos. Os direitos políticos têm como instituição principal os partidos e um parlamento livre e representativo. São eles que conferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a idéia de autogoverno.”

Definindo por fim o último dos três campos dos direitos de cidadania, o Professor informa que:

“Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. A garantia de sua vigência depende da existência de uma eficiente máquina administrativa do Poder Executivo. Em tese eles podem existir sem os direitos civis e certamente sem os direitos políticos. Podem mesmo ser usados em substituição aos direitos políticos. Mas, na ausência de direitos civis e políticos, seu conteúdo e alcance tendem a ser arbitrários. Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A idéia central em que se baseiam é a da justiça social.”

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Foi T. A. Marshall que desenvolveu a distinção entre os vários campos da cidadania nos quais se baseia o professor José Murilo de Carvalho.

Podemos, apesar de concordar com os aspectos substantivos do conceito utilizado, vislumbrar alguns, digamos assim, acréscimos que não lhe alteram a forma e nem os objetivos.

Estou aqui fazendo referência a maior amplitude de participação dos cidadãos no governo de sua sociedade que compõem os direitos políticos. Falo em especial, na atual conjuntura brasileira e mundial, da forte importância das ONG’s e outras entidades associativas nas definições de políticas públicas que alteram em muitos casos as relações políticas nas sociedades e que servem como elemento ampliador, inclusive, dos direitos sociais. Corrupção é aqui entendida como um ato que uma pessoa recebe algo para fazer ou deixar de fazer o que devia.

E, por fim, improbidade administrativa é aqui entendida como todo ato que contraria os princípios constitucionais da administração pública, podendo causar prejuízos ao erário ou enriquecimento ilícito.

Feitas estas colocações, algum leitor poderia se perguntar: Qual o sentido de se fazer a junção da evolução da cidadania no Brasil com o combate à corrupção?

Esclareço que compreendendo como fazemos a cidadania, só com o desenvolvimento dos seus direitos é que se criam as condições para que práticas corruptas, primeiro sejam entendidas como tal, segundo não sejam mais toleradas social e politicamente e terceiro, e talvez mais importante neste momento histórico que vivemos, sejam combatidas pela sociedade brasileira tanto social, quanto política e legalmente.

Vale ainda esclarecer que foi o nosso desenvolvimento histórico que, como processo e, portanto, ainda e sempre em construção, que criou as atuais condições políticas, sociais e legais, consubstanciadas em práticas e normas que nos levam hoje a ver um crescente sentimento e ações contra a corrupção e todas as mazelas dela decorrentes.

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Vale, portanto, agora, apresentar algumas considerações sobre o nosso desenvolvimento histórico desde o período colonial para que tenhamos em mente quão difícil é o combate à corrupção e a importância em realizá-lo, dada a forma pela qual esse desenvolvimento se concretizou.

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO BRASILEIRO: ELEMENTOS DA CIDADANIA E DA CORRUPÇÃO

Uma primeira consideração a ser feita – e aqui já vale a observação de que mesmo a esse respeito o texto não objetiva esgotar o assunto – é de que no Brasil colonial o poder público e o poder privado eram fontes efetivas de poder. Em que pese à presença do Estado português desde os primórdios da colonização, que motivam afirmações como a de Alceu Amoroso Lima de que “o Brasil teve Estado antes de ter povo”, o poder privado, que tinha por base o latifúndio e a família patriarcal, tinha, para dizer o mínimo, a força para diluir a autoridade do Estado, ou mesmo em alguns casos, para fragmentá-la por completo.

Apesar do ainda pequeno conhecimento sobre a burocracia colonial brasileira podemos afirmar que ela correspondia a um modelo patrimonialista no qual os cargos públicos eram encarados como de propriedade do soberano e passíveis de serem por ele doados. Vale ainda destacar que o acesso ao serviço público – dada uma instituição tipicamente estamental trazida de Portugal que era o “morgadio”, pelo qual apenas o primeiro filho herdaria o patrimônio paterno – era junto com a dignidade eclesiástica as principais formas de se ascender socialmente no Brasil colônia.

Somando-se a isso a ampla e já documentada prática dos casamentos endogâmicos entre as famílias das elites coloniais e o fato de que vivíamos numa sociedade onde a exclusão social e política era amplamente praticada e em alguns casos, como no dos escravos, até mesmo reconhecida por leis que no direito civil eram considerados coisas e não pessoas e no direito penal eram pessoas e portanto criminalmente imputáveis.

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Se acrescentarmos, ainda, uma sociedade analfabeta, escravocrata, uma economia voltada por completo ao exterior e um Estado absolutista, veremos que as condições para a cidadania são inexistentes e que o que hoje entendemos como corrupção era algo praticado como ação cotidiana e de nenhuma maneira reprimida social, política ou legalmente. As exceções para isso estão somente no âmbito de contrabando e sonegação fiscal visto serem essas áreas em que os prejuízos ao erário real se faziam sentir sobre o funcionamento da máquina burocrática e, portanto, não eram admissíveis para o poder absoluto.

A justiça real, ademais, tinha alcance restrito por não chegar as regiões afastadas das cidades, poucas e pequenas, ou por sofrer oposição da justiça privada da elite proprietária de terras. Os cidadãos no mais das vezes tinham que recorrer à “proteção” dos grandes proprietários ou ficar à mercê da força dos mesmos.

Como conseqüência de todo esse processo podemos afirmar que não tínhamos nem poder público tal como o conhecemos e muito menos cidadãos. Existiam os privilegiados e os não-privilegiados. Terreno fértil para a prática do patrimonialismo, mandonismo, nepotismo clientelismo e todos esses “ismos” que ainda vicejam em vários pontos do território brasileiro.

A independência do Brasil pouco alterou esse quadro desalentador. Em que pese o fato de que avançamos nos direitos políticos, mesmo esses tinham sérias restrições ao seu exercício. Aqui não destaco, por que na verdade decorrente da situação política internacional de discriminação da mulher à época, a ausência do voto feminino e do voto dos escravos. Falo da restrição do voto por renda que excluía a maior parte da população masculina adulta. O chamado voto censitário. Apesar do voto do analfabeto ser permitido até quase o final do império2 em 1881. Vale ainda dizer, que a fraude e o suborno marcavam, como amplamente documentado, os processos eleitorais. Características essas que junto com o uso da violência irão

2 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. (citado na página: 288)

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estar presentes em todos pleitos brasileiros por ainda muito tempo de nossa República.

No campo dos direitos civis continuávamos a ter a escravidão e a ter sérias restrições à presença da mulher nos assuntos públicos.

No campo dos direitos sociais éramos uma sociedade ainda marcada por privilégios e não por políticas públicas cidadãs. O pouco que existia de saúde e educação públicas era direcionado aos grupos da elite brasileira.

Apesar de sermos uma monarquia constitucional também no campo legal e no funcionamento da máquina pública, continuavam a prosperar práticas que vinham do tempo colonial. Durante muito tempo, inclusive, várias leis do período colonial ainda vigoram no Brasil bem como a percepção de que o poder público existia em função do monarca e das elites dominantes.

Não obstante todas as tensões políticas vivenciadas pelo país ao longo do império, as elites dirigentes do país conseguiram criar, aos poucos, uma burocracia – que funcionava em parte segundo critérios de eficiência e por outra dentro dos critérios de clientelismo e prebendalização – capaz de exercer o seu poder em todo o território nacional. A centralização do poder – em especial no Segundo Império (1840 – 1889) – permitiu que esse estado de coisas se mantivesse e reproduzisse nos vários âmbitos e níveis dos poderes públicos.

A única mudança substancial do ponto de vista da cidadania no período imperial, em especial no que diz respeito aos direitos civis, é o fim da escravidão no ano de 1888. Mudança de estatuto jurídico, no entanto, que não se refletiu nas relações políticas e sociais de modo determinante e não altera as práticas mais conhecidas que compõem esse leque de ações que denominamos corrupção.

Apresenta bem esse estado de coisas o discurso de Nabuco de Araújo na Câmara dos Deputados em 1853 quando ele afirmava que

“a missão do governo, e principalmente do governo, que representa o princípio conservador, não é guerrear e exterminar

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famílias, antipatizar com nomes, destruir influências que se fundam na grande propriedade, na riqueza e nas importâncias sociais; a missão de um governo conservador deve ser aproveitar essas influências no interesse público, identificá-las com a monarquia e com as instituições, dando-lhes prova de confiança para que possa dominá-las, dirigi-las e neutralizar as suas exagerações”.

Não era preciso ser mais evidente.

A transformação do nosso regime político de Império para a República, em que pese todas as expectativas que existiam naquele período, acabou por se revelar também pouco substantiva do ponto de vista da cidadania e do combate à corrupção. Pouco se pode destacar de efetivo nestes aspectos. Talvez as mudanças mais substanciais sejam a separação da Igreja do Estado e a ampla liberdade religiosa a partir de então e o aumento dos poderes dos Estados, num processo ainda tênue de descentralização. Os poderes públicos continuavam dominados pelas elites e seus interesses e a descentralização serviu, na verdade, para “democratizar” o acesso das elites estaduais ao poder local. O aparato político e social do país continuava a negar igualdade de direitos e a erigir privilégios. Em que pese a igualdade de todos perante a lei. Continuávamos sendo um país onde uns eram mais iguais do que outros.

No período inicial da República, conhecido como República Velha (1889 – 1930) ou Primeira República ou, ainda, República dos Coronéis, ocorrem, de maneira continuada e crescente, os primeiros movimentos de luta pela criação e/ou extensão dos direitos de cidadania, no campo dos direitos políticos, sociais e civis.

Em que pese os parcos resultados obtidos naquele momento, esses movimentos, que incluíam, entre outros, mulheres lutando pelo direito ao voto, operários lutando por legislação social e trabalhista e até militares oriundos de setores da classe média exigindo reformas políticas e

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econômicas na época tidas como revolucionárias, preparam, digamos assim, as bases para as transformações que marcariam o Brasil a partir de então.

Logicamente, esses grupos não aparecem do nada, são resultado do processo de industrialização-urbanização-modernização que o país vive. São resultado de influências político-ideológico-culturais que varrem o mundo e chegam ao país. Mas, aqui não é o lugar para tratarmos desse processo. Fica o registro para não passarmos sem menção a esses que são processos centrais de definição do Brasil moderno.

Marco central no caminho de definição dos direitos de cidadania a chamada Revolução de 1930 irá, ainda, colocar em disputa a partir de então dois grandes projetos de desenvolvimento brasileiro: que também para efeito de registro chamaremos, acompanhando a definição do Professor Jorge Ferreira3, de nacional-estatista e liberal-conservador. A disputa entre esses projetos será o pano de fundo para a emergência da cidadania no país bem como a partir daí, mesmo que muitas vezes de forma eleitoreira e partidariamente interessada, do tema da corrupção e de seu combate.

Marcados pela intensificação de nosso desenvolvimento industrial e de sua correspondente urbanização, de uma sociedade que se complexifica na sua composição, nas suas manifestações políticas, culturais e ideológicas, por uma ampliação, ainda que abaixo de nossa necessidade social e demanda econômica, da educação básica e mesmo técnica, pelo surgimento e ampliação de universidades, pela consolidação política das classes médias e tendo como base política internacional, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) a disputa da guerra-fria o Brasil irá a partir de 1930, e com especial vigor a partir de 1945, experimentar crescentes exigências de cidadania.

3 Crises da república: 1954, 1955 e 1961 – Jorge Ferreira in O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ap golpe civil-militar de 1964/Organização: Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil republicano; v. 3)

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Vale destacar que como resultado desse processo de consciência da cidadania – que tem por base de princípio a igualdade de direitos e oportunidades e, portanto, o fim dos privilégios - no campo legal teremos a edição das primeiras leis que tratam da temática de enriquecimento ilícito dos servidores públicos e das sanções a ele imposto. São as leis federais números 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói Ilha) e 3.502/58 (Lei Bilac Pinto).

Em que pese os avanços da cidadania observados nessa época o aparelho público continuava a funcionar dentro da ótica do mandonismo e do clientelismo entre outros. O combate à corrupção continuava a servir mais a interesses partidários do que à criação de um poder público baseado nas normas de igualdade de direitos e oportunidades.

O golpe militar de 1964, em que pese o discurso moralista e de combate à corrupção usados para se justificar, serviu, graças a falta de liberdades públicas básicas e da repressão das oposições, entre outras coisas, para atrasar o combate à corrupção e as conquistas da cidadania brasileira, não obstante a ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores rurais no Brasil propiciado pelo Fundo de Assistência Rural (Funrural) criado em 1971 em pleno governo Médici (1969 – 1974).

Com a redemocratização do país a partir de 1985 e em especial, com a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil passa a viver com grande esperança de que as recentes mudanças políticas poderiam resolver todos aqueles inúmeros problemas com os quais a maioria de nossa sociedade convive desde muito tempo, para não dizer sempre.

Essas esperanças, no entanto, não se concretizaram.

Esses quase vinte anos, no entanto nos mostraram que a democracia brasileira, com todas as imperfeições e mazelas que carrega, e apesar das inúmeras conquistas de direitos civis, políticos e sociais, ainda não foi capaz de nos trazer a solução de problemas de saúde, qualidade de educação, salário-mínimo decente, saneamento básico, acesso amplo á produção cultural brasileira e internacional,

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preservação de nossa memória e patrimônio histórico-cultural e o funcionamento dos poderes públicos no Brasil ainda carece, e muito, de transparência e controle, de eficiência e efetividade, de ação e oportunidade de acesso igualitária, padecemos, ainda que com menor grau que em outros tempos, de clientelismo, mandonismo, favoritismo etc.

Quer dizer, então, que nada adiantou?

Não, pelo contrário, releia o início do texto e você se lembrará de algumas das coisas de positivo que têm acontecido por aqui e em outros lugares.

Além do mais temos hoje uma cidadania mobilizada por causas concretas onde o discurso político-ideológico vazio cada vez mais serve menos de referência para a ação. Temos hoje um movimento social forte e crescente no combate à corrupção seja em nível internacional, nacional, estadual e municipal.

Somente a cidadania mobilizada cobrando, propondo e agindo em parceria com os poderes públicos poderá construir um presente e um futuro para este país, onde todos os cidadãos tenham igualdade de direitos e oportunidades – e, insisto, este é o princípio basilar da cidadania.

Este é um direito de todos e, ao mesmo tempo, uma exigência de uma sociedade que não quer e não aceita mais ser sempre um país do futuro.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. (citado na página 288)

Crises da República: 1954, 1955 e 1961 – Jorge Ferreira in O tempo da experiência democrática: da democratizaçã de 1945 ao golpe civil-militar de 1964 / Organização: Jorge

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Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (O Brasil Replublicano; v. 3)

2 O conceito de Improbidade

Administrativa à Luz da Constituição da

República Federativa do Brasil promulgada em 5

de outubro de 1988

Aristides Junqueira Alvarenga

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2 O CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL PROMULGADA EM 5 DE OUTUBRO DE 1988

Aristides Junqueira Alvarenga

Ex-Procurador-Geral da República; Subprocurador-- Geral da

República aposentado; Advogado.

2.1 INTRODUÇÃO

Em 2 de junho de 1992, foi sancionada a Lei no 8.429, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”.

Ficou ela conhecida como Lei de Improbidade Administrativa e, ainda hoje, é tema de farta literatura jurídica e de aplicação difundida, quase que exclusivamente, pelo Ministério Público.

Embora seja consensual o entendimento de que ela é a lei que veio tornar possível a efetivação da norma contida no § 4o do art. 37 da Constituição da República Federativa do

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Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, o certo é que o texto da Lei no 8.429, de 1992, tem merecido maior consideração do que sua matriz constitucional.

A interpretação da lei infraconstitucional, dissociada da exegese da norma constitucional que lhe deu origem, pode levar a conclusões não autorizadas pela Lei Maior, ou, até mesmo, deixar de perceber possíveis inconstitucionalidades existentes naquela.

Por isso, o escopo deste breve estudo é, exclusivamente, extrair do texto constitucional o conceito de improbidade administrativa, como primeiro passo imprescindível ao exato conceito dessa expressão terminológica contida na Constituição.

2.2 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO

Em quatro disposições, a Constituição de 1988 emprega, explicitamente, o termo “probidade”, ou, na forma negativa, “improbidade”. Eis o teor delas:

“Art.14.......................................................................................

§ 9o Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direita ou indireta.”

“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

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.............................................................................V- improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4o.”;

“Art.37. ......................................................................................

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

........................................................................................

V – a probidade na administração;”.

Uma interpretação sistemática do texto constitucional, principalmente em relação às normas acima transcritas, permite, desde já, afirmar que probidade é valor jurídico cuja tutela, em qualquer âmbito, seja civil, penal ou administrativo, é constitucionalmente imposta. A contrario sensu, a improbidade administrativa, atentatória ao valor jurídico “probidade”, há de ser reprimida, para que esta seja preservada.

2.3 O CONCEITO CONSTITUCIONAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Mas, afinal, qual é o conceito de improbidade administrativa? Se se trata de termo empregado pela Constituição, embora esta não o defina, o certo é que seu conceito há de ser extraído do próprio texto constitucional, mediante método interpretativo, e não em qualquer outro

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lugar. Não se pode admitir, pois, que a lei infraconstitucional seja a origem do conceito de improbidade administrativa, já que esta poderá arrolar atos administrativos que não se coadunam com o conceito constitucional de improbidade, pelo que, nesse ponto, será ela inconstitucional.

A simples leitura da Constituição brasileira de 1988 revela que o conceito de improbidade administrativa não se confunde com o conceito de imoralidade administrativa, cujo termo, em sua forma positiva (moralidade), é encontrado nos arts. 5o, inciso LXXIII, e 37, caput.

Um dos mais respeitados exegetas da Constituição de 5 de outubro de 1988 é, sem dúvida, o Professor José Afonso da Silva, que, como não poderia deixar de ser, distingue improbidade administrativa de imoralidade administrativa.

Depois de dizer que a moralidade administrativa é definida como princípio da Administração Pública (art. 37), afirma que a idéia subjacente a esse princípio “é a de que moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Essa consideração não significa necessariamente que o ato legal seja honesto. Significa, como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.

Já a probidade administrativa, segundo o eminente constitucionalista, repetindo lição de Marcello Caetano, “é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art.37, § 4o). A probidade administrativa consiste no dever de o ´funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer` ”.

Em seguida, José Afonso da Silva deixa claro que improbidade administrativa é uma imoralidade administrativa qualificada, conceituando-a como “uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e

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correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”, por isso “é tratada ainda com mais rigor, porque entra no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo...” (Curso de Direito Constitucional Positivo. 16a ed.. São Paulo: Malheiros; 1999, p.648/649).

Também o eminente Professor Marcelo Figueiredo, em sua tese de doutoramento, assevera: “A probidade, no contexto constitucional, é forma qualificada de moralidade administrativa” (O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo: Malheiros; 1999, p.51), o que, a contrario sensu, quer dizer que improbidade é forma qualificada de imoralidade administrativa.

No mesmo sentido, a demonstrar que improbidade administrativa é espécie do gênero moralidade administrativa, está a lição da eminente Professora Weida Zancanner, que, depois de aderir ao ensinamento de José Afonso da Silva de que improbidade administrativa é forma qualificada de imoralidade administrativa, preleciona: “Assim a moralidade administrativa pode ser considerada gênero, do qual a probidade é espécie...” (Razoabilidade e Moralidade: Princípios Concretizadores do Perfil Constitucional do Estado Social e Democrático de Direito, in Direito Administrativo e Constitucional - Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba 2. Organizador Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros; 1997, p. 630).

Os mesmos autores citados, fazendo coro com inúmeros outros, apontam a desonestidade de conduta como nota característica da improbidade, a par de suas conseqüências, que são o dano ao erário ou a obtenção de vantagem indevida ao ímprobo ou a outrem.

No dizer de José Afonso da Silva, o “ímprobo é o devasso da Administração Pública”(op. cit., p. 386).

Pode-se, pois, conceituar improbidade administrativa como espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário.

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É essa qualificadora da imoralidade administrativa que aproxima a improbidade administrativa do conceito de crime, não tanto pelo resultado, mas principalmente pela conduta, cuja índole de desonestidade manifesta a devassidão do agente.

É também de José Afonso da Silva a afirmação de que “todo ato lesivo ao patrimônio agride a moralidade administrativa”, mas nem sempre a lesão ao patrimônio público pode ser caracterizada como ato de improbidade administrativa, por não estar a conduta do agente causador da lesão marcada pela desonestidade (op. cit., p. 463).

Assim, a conduta de um agente público pode ir contra o princípio da moralidade, no seu estrito sentido jurídico-administrativo, sem, contudo, ter a pecha de improbidade, dada a ausência de comportamento desonesto, atributo esse que distingue a espécie (improbidade) do gênero (imoralidade).

Se assim é, torna-se difícil, senão impossível, excluir o dolo do conceito de desonestidade e, conseqüentemente, do conceito de improbidade, tornando-se inimaginável que alguém possa ser desonesto por mera culpa, em sentido estrito, já que ao senso de desonestidade estão jungidas as idéias de má-fé, de deslealdade, a denotar presente o dolo.

Repita-se que, imoralidade não se confunde com improbidade. Por isso, há casos de imoralidade administrativa que não atingem as raias da improbidade, já que esta há de ter índole de desonestidade, de má-fé, nem sempre presentes em condutas ilegais, ainda que causadoras de dano ao erário.

Por isso, também, quando a conduta administrativa lesiva ao patrimônio público não é marcada por forma qualificada de imoralidade administrativa, a Constituição prevê, como direito e garantia individual, a ação popular (art. 5o, inciso LXXIII), devendo a condenação se ater à nulidade do ato ilegal ou imoral, causador da lesão patrimonial, com a conseqüente reparação do dano.

Quanto a esta, o Ministério Público não tem legitimidade para propô-la, mas a tem para ajuizar ação civil pública em defesa do patrimônio público, consoante outorga

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expressa no art. 129, inciso III, da Constituição, já que esta não deixa dúvida de que a defesa do “patrimônio público”é interesse difuso.

Todavia, por óbvio, a ação civil pública não se confunde com a ação ordinária prevista no art. 37, § 4o, da Constituição, relativa aos atos de improbidade administrativa, pois cada uma há de merecer disciplina infraconstitucional distinta.

Ainda referentemente ao conceito de improbidade administrativa, que há de ser extraído, principalmente do § 4o do art. 37 da Carta da República, tal norma constitucional determina a imposição, de forma cogente, de duas sanções: a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.

De fato, quando se trata de ato de improbidade, a principal sanção a ser aplicada aos agentes públicos ímprobos é a de suspensão temporária dos direitos políticos, tal como previsto no art. 15, inciso V, da Constituição.

A outra sanção de compulsória imposição ao ímprobo é a da perda da função pública, tendo em vista a flagrante impossibilidade de ser ela exercida por pessoa ímproba, ou seja, por pessoa que age desonestamente, de má-fé, causando prejuízo à Administração.

Com efeito, agente público que tenha cometido ato de improbidade não pode permanecer ocupando cargo ou função públicos, sejam cargos efetivos, comissionados ou eletivos, já que não há lugar para os ímprobos na Administração Pública.

Essa é a leitura que há de ser feita do art. 37, § 4o, da Constituição da República, que alude, ainda, ao ressarcimento ao erário e à indisponibilidade de bens, que, obviamente, não são, propriamente, sanções. Ressarcimento é mero efeito obrigatório da decisão condenatória imposta ao agente público ímprobo ou ao beneficiário da conduta ímproba daquele, enquanto a indisponibilidade de bens é simples medida cautelar tendente a assegurar o ressarcimento do dano.

Saliente-se que os atos caracterizadores de improbidade administrativa são tão graves que as sanções

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de suspensão de direitos políticos e de perda da função pública, determinadas pela própria Constituição, são de imposição imperativa e cumulativa.

Ainda como conseqüência do conceito de improbidade administrativa, a gradação prevista em lei, de que fala o § 4o

do art. 37 da Constituição, não pode se referir à sanção de perda da função pública, dado que esta não admite gradação e é de imposição cogente. Assim a gradação a que alude a norma constitucional é quantitativa e não qualitativa. E as únicas medidas que permitem gradação quantitativa são a suspensão de direitos políticos, quanto ao tempo de sua duração, e a indisponibilidade de bens tendentes ao ressarcimento do prejuízo ao erário, que há de ser quantitativamente suficiente à reparação total do dano causado ao patrimônio público.

Pretender o contrário é permitir que alguém, declarado ímprobo por decisão judicial, continue no exercício de função pública, contrariando, frontalmente, o desiderato constitucional.

Assim sendo, os legitimados ao ajuizamento da ação judicial a respeito de ato de improbidade administrativa não podem excluir do pedido a condenação nas sanções de suspensão de direitos políticos e de perda do cargo público, sob pena de ficar autorizada a presunção de que não se está diante de ato de improbidade.

Em sede de improbidade administrativa, não há lugar para aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, quanto ao afastamento da função pública. Se há improbidade, a conseqüência inarredável é a perda da função pública.

Utilizar a lei ordinária a que se refere o § 4o do art. 37 da Constituição, sem pedir que sejam impostas as sanções que ele próprio determina, é silêncio eloqüente que traduz reconhecimento de que o ato descrito foi praticado sem desonestidade, sem má-fé. Portanto, não se trata de ato de improbidade.

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2.4 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZADA COMO CRIME DE RESPONSABILIDADE

Quando, anteriormente, foram transcritos os artigos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que faziam alusão à probidade ou improbidade administrativa, foi feita referência ao art. 85, inciso V, que diz constituir crime de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra a probidade na administração, ou seja, os atos de improbidade administrativa.

Com efeito, se o Senado Federal, por dois terços dos votos, decide que o Presidente da República cometeu crime de responsabilidade consistente em prática de ato de improbidade administrativa, a sanção a ser imposta é a da perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública (art. 52, parágrafo único, da Constituição).

Assim dispondo, a nossa Lei Maior deixou claro que ato de improbidade administrativa tem como sanção impositiva a perda da função pública exercida pelo Presidente da República (art. 85, inciso V, e art. 52, parágrafo único), ou por qualquer outro agente público (art. 37, § 4o).

Também, do cotejo das normas constitucionais, aqui contempladas como integrantes de um sistema jurídico, não se poderia concluir que ato de improbidade administrativa é crime de responsabilidade, seja seu agente o Presidente da República, seja qualquer outro exercente de função pública? Em um mesmo texto constitucional pode haver dois conceitos distintos a respeito de improbidade?

2.5 CONCLUSÃO

As interrogações, logo acima postas, têm, como único escopo, despertar mais intensas e profundas reflexões a respeito do conceito constitucional de improbidade administrativa.

A gravidade das sanções previstas contra ela está a reclamar prudência dos que propõem a ação judicial que visa a suspensão de direitos políticos e a perda de cargo

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público, relativamente a agentes públicos que pratiquem ato de improbidade administrativa.

Prudência, que não pode implicar omissão, mas determinação no agir, sem, contudo, usar a Lei de Improbidade de modo indevido, parece ser a receita para que não se deixe perder a validade efetiva da Lei no 8.429, de 1992, salutar remédio contra atos de improbidade administrativa.

Vê-la aprimorada, no âmbito legislativo, e expurgada de prováveis inconstitucionalidades, para que possa ser apropriadamente aplicada, principalmente pelo Ministério Público, foram os propósitos que animaram estas reflexões.

3 A Improbidade Administrativa e a sua

Sistematização

Emerson Garcia

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3 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A SUA SISTEMATIZAÇÃO4

Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; Assistente da Assessoria de Assuntos Institucionais da Procuradoria Geral de Justiça; Pós-Graduado em Ciências Políticas e Internacionais e Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa.

PROÊMIO

4 Artigo elaborado em Outubro de 2000, cujas linhas estruturais foram encampadas na primeira parte da obra Improbidade Administrativa, publicada pela Editora Lumen Juris, 2a

ed., 2004.

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Ainda hoje, em muitos rincões de nosso País, são encontrados administradores públicos cujas ações em muito se assemelham às de Nabucodosonor, filho de Nabopolassar e que assumiu o Império Babilônico em 624 a.C. Este, buscando satisfazer sua Rainha Meda, saudosa das colinas e florestas de sua pátria, providenciou a construção de estupendos jardins suspensos, tendo tal excentricidade consumido anos de labor e gastos incalculáveis, culminando em erigir uma das sete maravilhas do mundo antigo. Tal “maravilha”, de flagrante inutilidade, apresenta grande similitude com os devaneios atuais, onde o dinheiro público é consumido com atos de motivação fútil e imoral - finalidade dissociada do interesse público - e em total afronta à razoabilidade administrativa, havendo flagrante desproporção entre o numerário despendido e o benefício auferido pela coletividade, qual seja, nenhum. O administrador, tal qual o mandatário, não é o senhor dos bens que administra; assim, cabe-lhe tão somente praticar os atos de gestão que beneficiem o verdadeiro titular, o povo. Em um país onde a corrupção encontra-se arraigada, caracterizando-se como verdadeira chaga social, afigura-se sempre oportuna a tentativa de sistematização dos princípios que delineiam o obrar do agente probo. Aperfeiçoado o estudo e identificada a origem, melhores resultados serão auferidos na coibição da improbidade. O presente ensaio visa a identificar os atos de improbidade a partir da violação dos princípios regentes da atividade dos agentes públicos, relegando a casuística da Lei 8.429/92 a plano secundário. Ulteriormente, a improbidade é analisada sob a ótica dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais, já que todos os agentes públicos devem estrita obediência aos princípios norteadores do Estado Social de Direito. Por derradeiro, são tecidas considerações a respeito das sanções passíveis de aplicação aos ímprobos, em especial os critérios utilizados para a identificação da dosimetria adequada. Ante a extensão e a importância da matéria, estas breves linhas almejam despertar a atenção para algumas faces do tema ainda não examinadas pela doutrina. Espera-se, ao final, que o Ministério Público continue a cumprir, com afinco e perseverança, seu papel de defensor dos princípios basilares do Estado de Direito, atuando como algoz incansável das injustiças sociais.

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3.1 DOS PRINCÍPIOS REGENTES DA PROBIDADE

3.1.1 Introdução

A identificação dos princípios que compõem o alicerce de determinado sistema jurídico é normalmente realizada a partir de um processo indutivo, em que a análise de preceptivos específicos permite a densificação dos princípios gerais que os informam. Assim, parte-se do particular para o geral, com a conseqüente formação de círculos concêntricos - em nítida progressão dos graus de generalidade e abstração – que conduzirão à identificação da esfera principiológica em que encontram-se inseridos os institutos e, no grau máximo de generalidade, o próprio sistema jurídico. De acordo com Giorgio Del Vecchio5, a própria compreensão das regras específicas encontra-se condicionada à identificação e análise dos princípios extraídos do sistema em que encontram-se inseridas, o que garantirá a harmonia entre este e as partes que o integram.

A partir do método de generalização crescente referido no parágrafo anterior, o aplicador do direito será conduzido à identificação dos princípios específicos norteadores de determinado instituto; àqueles que informam certo ramo da ciência jurídica; e, ulteriormente, aos princípios que alicerçam o sistema jurídico em sua integridade. No caso específico do Direito Administrativo, objeto específico deste escrito, afora os princípios que defluem do sistema, preocupou-se o Constituinte em estatuir, de forma específica, aqueles que deveriam ser necessariamente observados pelos agentes públicos. Nesta linha, dispõe o art. 37, caput, da CR/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, também, ao seguinte: (...)” Como se constata pela leitura do texto constitucional, os princípios elencados no art. 37 devem ser observados pelos agentes de todos os 5 Les Principes Généraux de Droit, apud Recueil d’Études Sur Les Sources du Droit em l’

Honneur de Francoise Geny, vol. II, Paris, p. 69.

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Poderes6, não estando sua aplicação adstrita ao Poder Executivo, o qual desempenha funções de natureza eminentemente administrativa. Tratando-se de norma de observância obrigatória por todos os agentes públicos, seu descumprimento importará em flagrante infração aos deveres do cargo, sendo indício consubstanciador do ato de improbidade. Note-se que a letra do art. 37, § 4º, da CR/88, a qual refere-se à improbidade administrativa, não tem o condão de adstringir as sanções que advém desta prática àqueles que exerçam atividades administrativas, culminando em manter incólumes os magistrados e os legisladores ím

probos. Como será oportunamente analisado, também estes devem apresentar retidão de caráter, decência e honestidade compatíveis com as atividades que exercem.

Não obstante o extenso rol de princípios, expressos ou implícitos, que norteiam a atividade do agente público, entendemos que merecem maior realce os princípios da legalidade e da moralidade. Aquele condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal; este aglutina as características do bom administrador, do agente probo cuja atividade encontra-se sempre direcionada à consecução do interesse comum. Da conjunção dos dois extrai-se o alicerce da probidade, a qual deflui da harmonia entre a atuação estatal e os princípios que a regem, fórmula refletida no denominado princípio da juridicidade. A partir dessa construção principiológica, constata-se que os demais princípios assumem caráter complementar, incidindo em um grau de especificidade que presta grande auxílio na verificação da observância dos dois vetores básicos da probidade.

À guisa de ilustração e em caráter meramente enunciativo, teceremos breves considerações a respeito dos princípios complementares à legalidade e à moralidade. São eles: a) princípio da impessoalidade (art. 37, caput e § 1º, da

6 No mesmo sentido encontra-se o art. 1º, caput, da Lei 8.429/92, segundo o qual “os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.”

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CR/88) – o autor dos atos é o órgão ou entidade, e não a pessoa do agente (acepção ativa), sendo imperativo que os atos atinjam a todos que se encontrem na mesma situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente (acepção passiva); b) princípio da publicidade7 (art. 37, caput, da CR/88) – com exceção das hipóteses expressas em lei, todos os atos do Poder Público devem ser levados ao conhecimento externo, permitindo sua fiscalização pelo povo e pelos demais legitimados; c) princípio da eficiência (art. 37, caput, da CR/88) – o Poder Público deve buscar o bem comum utilizando-se de meios idôneos e adequados à consecução de tais objetivos, assegurando um padrão de qualidade em seus atos; d) princípio da supremacia do interesse público – trata-se de princípio implícito necessário ao convívio social, segundo o qual toda a atividade estatal deve atingir uma finalidade pública, o que faz com que o interesse público se sobreponha ao individual (v. arts. 5º, XXIII, XXIV e XXV; e 170, III, V e VI, da CR/88).

3.1.2 Princípio da Legalidade

Desde os primórdios da civilização estavam os componentes de determinado grupamento sujeitos a padrões de conduta, o que permitia a compatibilização dos diversos interesses existentes e caracterizava-se como fator indispensável à manutenção da agregação social. Referidas normas, inicialmente estabelecidas consensualmente pelos próprios componentes do grupamento, passaram a ser ulteriormente impostas por aquele que se elevou à categoria de autoridade superior aos demais. Tinha-se, assim, a autoridade real, a qual determinava, em termos absolutos, o padrão de conduta a ser seguido. Esta forma de exercício do poder conduzia à supremacia do interesse do soberano em detrimento dos interesses individuais dos membros da coletividade, o que pode ser constatado a partir da própria forma de elaboração normativa. Com o evolver dos tempos, o flagrante descompasso existente entre o papel desempenhado pelo detentor do poder e os anseios da coletividade a si subjugada sofreu diversas mutações. Estas

7 “A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, RT, 16ª ed., p. 82).

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tiveram como marcos significativos a Magna Carta inglesa de 1215, o Petition of Rights de 1628 e o Bill of Rights de 1689, atingindo o ápice com a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, não olvidando-se a Constituição norte-americana de 1787. Tais diplomas consagraram a existência dos denominados direitos fundamentais, estabelecendo princípios de limitação e de separação dos poderes, o que culminou em erigir o princípio da legalidade como garantia dos direitos do homem, protegendo-o contra o absolutismo dos governantes. Como matizes do mesmo tom tem-se a liberdade e a igualdade, podendo o indivíduo fazer tudo o que ao próximo não prejudique e devendo a lei ser igual para todos, seja para proteger, seja para punir.

Estatuído o princípio da legalidade e sedimentada a concepção de que a existência do Estado se destina à consecução do bem-estar geral, tornou-se incontroverso que o princípio da autonomia da vontade é inaplicável aos atos dos agentes públicos. Na lição de Almiro do Couto e Silva8, “a autonomia da vontade resulta da liberdade humana, que não é uma criação do direito, mas sim um dado natural, anterior a ele. O direito restringe e modela essa liberdade, para tornar possível sua coexistência com a liberdade dos outros. Sobra sempre, porém, uma larga faixa que resta intocada pelo Direito. A Administração Pública não tem essa liberdade. Sua liberdade é tão somente a que a lei lhe concede, quer se trate de Administração Pública sob regime de Direito Público, de Direito Privado ou de Direito Privado Administrativo.” Estabelecida a norma de conduta pelo órgão competente, traduzindo-se a mesma como a vontade geral da coletividade9, estão os detentores do poder público coarctados aos limites objetivos da mesma, sendo-lhes defeso, salvo expressa autorização legal, inserir elementos de ordem subjetiva em sua atuação.

Devendo o Estado submeter-se à ordem jurídica, todos os atos do Poder Público devem buscar seu fundamento de validade em norma superior. Os atos administrativos devem

8 Princípios da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo, RDP 84/53.9 Art. 1º, parágrafo único da CR/88. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

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ser praticados com estrita observância dos pressupostos legais; a atividade legislativa somente produzirá comandos normativos válidos em havendo harmonia com a Constituição da República; e a atividade jurisdicional, não obstante o livre convencimento do julgador, deve manter-se adstrita às normas constitucionais e infraconstitucionais, sendo defesa a prolação de decisões dissonantes do sistema jurídico. Como consectário lógico do Estado Social de Direito, o princípio da legalidade10 encontra previsão expressa no art. 37, caput, da CR/88, sendo cogente a observância do mesmo por parte da Administração Pública de qualquer dos Poderes. No direito privado é permitido aos particulares a prática de todos os atos que não lhes sejam por lei vedados; no direito público, porém, somente serão válidos os atos praticados em conformidade com a tipologia legal, sendo imprescindível a existência de norma autorizadora. Como regra geral, a lei garante ao particular a prerrogativa de praticar determinado ato, sendo ampla a possibilidade de valoração; para o agente público, ao revés, tem-se o dever de praticar o ato em estando presentes os substratos que o legitimam, mantendo-se sua liberdade adstrita aos lindes delimitados pelo legislador. A inobservância do princípio da legalidade acarreta a nulidade do ato11, a qual pode ser perquirida através de ação popular (art. 2º, “c” e parágrafo único, “c” da Lei 4.717/65). Desta forma, a ilegalidade do ato apresenta-se como relevante indício da consubstanciação da improbidade, já que o agente inobservou o principal substrato legitimador de sua existência e norteador da atividade estatal.

3.1.3 Princípio da Moralidade

O conceito de moral é eminentemente volátil, sendo norteado por critérios de ordem sociológica que variam consoante os costumes e os padrões de conduta

10 Na Constituição da República, também são manifestações expressas do princípio da legalidade os arts. 5º, II (geral); 5º, XXXIX (matéria penal); 84, IV (adstrição do Executivo à lei); e 150, I (matéria tributária).

11 “A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (Súmula 473 do STF).

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delimitadores do alicerce ético de determinado grupamento. Moral, por conseguinte, é noção de natureza universal, apresentando conteúdo compatível com o tempo, o local e os mentores de sua concepção. Com o evolver das relações sociais e a paulatina harmonização dos interesses do grupamento, foi inevitável a formulação de conceitos abstratos, os quais condensam, de forma sintética, a experiência auferida com a convivência social, terminando por estabelecer concepções dotadas de certa estabilidade e com ampla aceitação entre todos. Assim, entende-se por moral o conjunto de valores comuns entre os membros da coletividade em determinada época; ou, sob uma ótica restritiva, o manancial de valores que informam o atuar do indivíduo, estabelecendo os deveres deste para consigo.

De acordo com a clássica concepção de Maurice Hauriou12, plenamente difundida entre os juristas pátrios, a moralidade administrativa é distinta da moral comum, tratando-se de uma moral jurídica que é caracterizada como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Não é suficiente que o agente permaneça adstrito ao princípio da legalidade, sendo necessário que obedeça à ética administrativa, estabelecendo uma relação de adequação entre seu obrar e a consecução do interesse público13. Enquanto a moral comum direciona o homem em sua conduta externa, a moral administrativa o faz em sua conduta interna, de acordo com os princípios que regem a atividade administrativa. Marcel Waline14 critica a posição de Hauriou, concluindo que a violação à moralidade administrativa permite sancionar as violações ao espírito da lei que respeitem a letra desta; mas, em verdade, a violação ao espírito da lei ainda é uma violação à lei, logo, o desvio de poder advindo de um ato imoral também é uma forma de ilegalidade. Em verdade, a

12 Précis Élémentaire de Droit Administratif, Recueil Sirey, 1938, 4ª ed., p. 232.13 De acordo com Hauriou, “a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo

recurso baseado na violação da lei; mas a conformidade desses atos aos princípios basilares da boa administração, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da moralidade administrativa.” (Antônio José Brandão, Moralidade Administrativa, RDA 25/457).

14 Droit Administrative, Éditions Sirey, 1963, 9ª ed., 1963, p. 489.

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imoralidade conduziria à ilegalidade, sendo absorvida por esta.

Expostas, em síntese, as concepções de Hauriou e Waline, cumpre estabelecer nosso entendimento a respeito do princípio da moralidade. Em um primeiro plano, cumpre dizer que não vislumbramos uma dicotomia absoluta entre a moral jurídica e a moral comum, sendo plenamente factível a presença de áreas de tangenciamento entre as mesmas, o que possibilitará a simultânea violação de ambas. Sob outra ótica, constata-se que os atos ilegais sempre importarão em violação à moralidade administrativa, concebida esta como o regramento extraído da disciplina interna da administração; no entanto, a recíproca não é verdadeira. Justifica-se, já que um ato poderá encontrar-se intrinsecamente em conformidade com a lei, mas apresentar-se informado por caracteres externos em dissonância com a moralidade administrativa, vale dizer, com os ditames de justiça, honestidade, lealdade e boa-fé que devem reger a atividade estatal. Ao valorar os elementos delineadores da moralidade administrativa, é defeso ao agente público direcionar seu obrar por critérios de ordem ideológica ou de estrita subjetividade; ao interpretar e aplicar a norma, deve o agente considerar os valores norteadores do sistema jurídico, ainda que os mesmos se apresentem dissonantes de sua visão pessoal. O princípio da moralidade administrativa, em que pese não ter tido previsão expressa na Carta de 1967, há muito encontra-se arraigado no ordenamento jurídico pátrio, sendo considerado princípio implícito regente da atuação administrativa15. Hodiernamente, o princípio tem previsão expressa no art. 37, caput, da CR/88, sendo requisito de legitimidade da atuação do agente e de validade do ato administrativo; logo, sua inobservância pode acarretar a anulação do ato por meio de ação popular (art. 5º, LXXIII, da CR/88) ou de ação civil pública (arts. 129, III, da CR/88 e 25, III, “b”, da Lei 8.625/93).

Os atos administrativos devem apresentar plena adequação ao sistema normativo que os disciplina e ter sua finalidade sempre voltada à consecução do interesse público. Assim, a partir da presença de determinada situação fática,

15 Vide STF, RE nº 160.381-SP, rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 153/1030.

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deve o agente público, nos limites de sua competência, praticar o ato administrativo que se adeqüe à hipótese. Esta adequação, por sua vez, deve ser demonstrada pelo mesmo com a exteriorização dos motivos que o levaram a praticar o ato, o qual deve necessariamente visar uma finalidade pública. Não obstante presentes os elementos do ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) e a plena compatibilidade entre os mesmos e a lei, em muitos casos será vislumbrada a inadequação dos motivos declinados e da finalidade almejada com a realidade fática e o verdadeiro elemento volitivo do agente. Para que o ato praticado em consonância com a lei esteja em conformidade com a moralidade administrativa, é imprescindível que haja uma relação harmônica entre a situação fática, a intenção do agente e o ato praticado, sendo analisadas no contexto deste a motivação declinada e a finalidade almejada.

Para que seja identificada a real intenção do agente, a qual poderá revelar a verdadeira motivação do ato e o objetivo colimado com a sua prática, afigura-se impossível a penetração no psiquismo do mesmo, o que conduzirá à análise de tal elemento volitivo a partir da situação fática embasadora do ato e dos caracteres externos - ainda que não declinados - que venham a influir na sua prática. A intenção, assim, é indício aferidor da moralidade do ato, sendo também verificada a partir da compatibilidade entre a competência prevista na norma e a finalidade pretendida com a prática do ato. Na lição de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho16, “a qualidade moral de um ato não deixa de ser para o hermeneuta de fácil constatação. A leitura da norma em face do ato, a eficácia do ato conforme o fato, levam ao conhecimento das situações criadas e das relações estabelecidas. As distorções ficam evidentes. A intenção fica ou não fica clara. O ato afronta ou não à ordem jurídica.” Quanto à situação fática, esclarece que “o fato imaginado, fantasioso, inventado, possivelmente criado, irrelevante para a sociedade, que não exterioriza acontecimento concreto, de gênese e fins políticos, estranho às formas aconselhadas pelo direito, tal fato só pode germinar reflexos não morais na ordem jurídica.”17 O ato formalmente adequado à lei, mas

16 O Princípio da Moralidade Administrativa, Genesis Editora, 1993, 2ª ed., p. 20.17 Op. cit. pp. 56/57.

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que vise, em sua gênese, prejudicar ou beneficiar a outrem, será moralmente ilegítimo, isto em virtude da dissonância existente entre a intenção do agente, a regra de competência e a finalidade que deveria ser legitimamente alcançada com esta. Em conformidade com a jurisprudência pátria, infringem a moralidade administrativa: a) a participação de Juiz integrante de Tribunal Regional do Trabalho em eleição destinada a compor lista tríplice para preenchimento de vaga de juiz togado quando um dos candidatos é filho do mesmo18; b) ato de Presidente do Tribunal Regional do Trabalho que, ante o afastamento do representante classista titular, deixa de convocar o suplente que com ele fora nomeado, “pinçando”, à sua livre discrição, o suplente que substituirá o titular19; c) fixação da remuneração do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Vereadores para viger na própria legislatura em que fora estabelecida, o que também importa em violação ao art. 29, VI, da CR/8820; d) abertura de conta corrente em nome de particular para movimentar recursos públicos, independentemente da demonstração de prejuízo material aos cofres públicos21; e) alienação de lotes de terrenos pertencentes à municipalidade, contíguos a outros de propriedade do Prefeito, e posteriormente por ele adquiridos pelo valor da avaliação, acarretando a valorização da área contínua quando agregada à primitiva22; f) ato de Câmara Municipal que, sob o argumento de “oferecer exemplo à coletividade”, reduz a remuneração dos edis para a legislatura seguinte, após a realização da eleição onde a grande maioria não foi reeleita23. No caso específico da moralidade dos atos legislativos, será a mesma analisada no item 7.

3.1.4 Princípio da Proporcionalidade

A Lei 8.429/92, regulamentando o art. 37, § 4º da CR/88, elencou, de forma exemplificativa, os atos ilícitos configuradores da improbidade administrativa, tendo

18 STF, Pleno, MS nº 1748-1, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 14.04.94, DJ de 10.06.94. 19 STF, 2ª T, RE nº 197.888-1, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 13.10.97, DJ de 28.11.97.20 STF, 2ª T, RE nº 206.889-6, rel. Min. Carlos Velloso, j em 25.03.97, DJ de 13.06.97.21 STF, 1ª T., RE nº 170.768-2, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 26.03.99, DJ de 13.08.99.22 TJSP, 7ª CC, AP nº 145.916-1/2, rel Des Campos Mello, j. em 26.06.91, RT 673/61.23 STJ, 1ª T., REsp. nº 21.156-0, rel. Min. Mílton Pereira, j. em 19.09.94, RSTJ 73/192.

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igualmente cominado as respectivas reprimendas. Nesta linha, foram previstas três ordens de sanções, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º), cause dano ao erário (art. 10) ou esteja em dissonância com os princípios norteadores da administração pública (art.11). Uma interpretação literal do texto legal conduziria à conclusão de que um agente público que anotasse um recado de ordem pessoal em uma folha de papel da repartição pública incorreria nas sanções do art. 12, II, da Lei 8.429/92, já que causara prejuízo ao erário. Situação parecida ocorreria com aquele que utilizasse um grampo da repartição para prender documentos pessoais e levá-los para a sua residência, pois estaria sujeito às sanções do art. 12, I e II, em virtude do dano ao erário e do enriquecimento ilícito. Tais exemplos demonstram, prima facie, a flagrante desproporção entre a conduta do agente e as conseqüências que adviriam da aplicação da Lei 8.429/92. Em razão disto, afigura-se necessário o estabelecimento de critérios passíveis de demonstrar a configuração da improbidade administrativa, o que será possível a partir da fixação de uma linha de proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade tem sido objeto de amplos estudos no Direito Constitucional, sendo utilizado, primordialmente, na identificação da constitucionalidade das normas que buscam na Constituição seu fundamento de validade. Este princípio, embora não tenha previsão expressa na Constituição, deflui do sistema e visa evitar restrições desnecessárias ou abusivas aos direitos constitucionais, buscando a solução menos onerosa para os direitos e liberdades que defluem do ordenamento jurídico. Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade será observado com a verificação dos seguintes fatores24: a) necessidade de edição da norma, a qual deve ser indispensável; b) adequação entre o meio utilizado e o fim colimado; c) proporcionalidade em sentido estrito, o que será verificado a partir da proporção entre o objeto perseguido e o ônus imposto ao atingido. Afora estes, os quais formam a denominada razoabilidade interna, Luís

24 MENDES, Gilmar Ferreira , A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de Jurisprudência, nº 23/94, p. 475; e BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 4ª ed., 1993, pp. 314/355.

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Roberto Barroso25 acrescenta a razoabilidade externa, que representa a compatibilidade entre o meio utilizado, o fim colimado e os valores constitucionais.26

Sob a ótica dos atos de improbidade, o princípio da proporcionalidade visa a estabelecer um critério de adequação entre o ilícito e os efeitos que a aplicação da Lei 8.429/92 pode acarretar. A prática de atos que importem em insignificante lesão aos deveres do cargo, ou à consecução dos fins visados, é inapta a delinear o perfil do ímprobo; isto porque a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 ao agente acarretaria lesão maior do que aquela que o mesmo causara ao ente estatal, culminando em violar a relação de segurança que deve existir entre o Estado e os cidadãos. Note-se que a “atipicidade” aqui sustentada não almeja a abertura das portas da impunidade, motivo pelo qual sua aplicação deve manter-se adstrita às hipóteses em que a consubstanciação da improbidade venha a ferir o senso comum, importando em total incompatibilidade com os fins sociais da norma e as exigências do harmônico convívio social (art. 5º, caput, da LICC). Assim, à improbidade formal deve estar associada a improbidade material, a qual não restará configurada quando a distorção comportamental do agente importar em lesão ou enriquecimento de ínfimo ou de nenhum valor; bem como quando a inobservância dos princípios administrativos, além daqueles caracteres, importar em erro de direito escusável ou não assumir contornos aptos a comprometer a consecução do bem comum (art. 3º, IV, da CR/88). Tais circunstâncias devem ser aferidas a partir da natureza do ato, da consecução do interesse público e da realidade social; o que permitirá uma ampla análise do comportamento do agente em cotejo com o fim perseguido pelo Constituinte com a edição dos arts. 15, V e

25 Interpretação e Aplicação da Constituição. Saraiva, 1999, p. 233.26 “Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou

recebidos para substituição à vista do consumidor, com o pagamento imediato de eventual diferença a menor: argüição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia), 24 e §, 25 e § 2º, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade: liminar deferida.” (STF, Pleno, ADIN nº 855-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 1º.07.93, DJ de 1º.10.93, RDA 194/347).

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37, § 4º, qual seja, que os agentes públicos sejam justos e honestos, tudo fazendo em prol da coletividade. Constatado que a aplicação da Lei 8.429/92 apresenta nítida desproporção com o ato praticado, restará a incidência das sanções de ordem administrativa, de natureza e grau compatíveis com a reprovabilidade da conduta. Por outro lado, identificada a “tipicidade” do ato - a qual, repita-se, somente deve ser excluída em situações excepcionais – iniciar-se-á o processo de identificação das sanções cabíveis, o qual será oportunamente analisado. Tal linha de raciocínio permite estabelecer uma relação de adequação entre a conduta do agente, a Lei 8.429/92 e a Constituição da República, evitando-se o estabelecimento de reprimendas desarrazoadas27.

3.2 DOS ATOS DE IMPROBIDADE

3.2.1 Introdução

Conforme fora explicitado, este ensaio almeja traçar diretrizes básicas para a identificação dos atos de improbidade a partir da violação dos princípios que devem nortear a atividade dos agentes públicos. Com isto, visa-se a contornar os inconvenientes causados pela atecnia da Lei 8.429/92, diploma regulamentador do art. 37, § 4º, da CR/88, a qual, sempre de forma exemplificativa, elenca os atos de

27 “Administrativo. Responsabilidade de Prefeito. Contratação de pessoal sem concurso público. Ausência de prejuízo. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei 8.429/92. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil. Recurso improvido.”(STJ, 1ª T., Resp. nº 213.994, rel. Min. Garcia Vieira, j. em 17.08.99, DJ de 27.09.99). Não obstante o brilho do órgão julgador, esta decisão nega vigência ao art. 11 da Lei 8.429/92. Caracteriza a improbidade a violação de toda ordem de princípios previstos no art. 37 da CR/88; a falta de tratamento isonômico dos cidadãos, impossibilitando-os de ascender ao funcionalismo público; a ausência de seleção daqueles que ocuparão cargos públicos, permitindo que fronteiriços sejam responsáveis pela gestão da coisa pública; e a contratação de apadrinhados, em nítida violação ao princípio da impessoalidade. Afigura-se nítido o dano ao interesse público, sendo injurídico afirmar que a lei somente visa a punir o administrador desonesto, não o incompetente. Que seja desonesto na gestão de seus bens, não na condução do patrimônio público; que viole sua moral individual, não a moralidade administrativa; que presenteie os amigos com seus bens, não com cargos públicos. Enfim, até mesmo para a incompetência deve ser estabelecido um limite.

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improbidade em seus arts. 9º28, 1029 e 1130. Aliada à enumeração de condutas de natureza e extensão perfeitamente definidas, o que é realizado em seus respectivos incisos, referidos dispositivos estabelecem cláusulas gerais, cuja elasticidade permitirá a ampla subsunção do ilícito perpetrado às referidas normas de moralização da atividade estatal. Nesta linha, deverá o aplicador do direito inicialmente verificar se houve violação aos princípios norteadores da atividade estatal. Tal interpretação apresenta-se em perfeita harmonia com a teleologia da norma e a sistemática legal, isto porque os atos de improbidade devem ser punidos independentemente da efetiva ocorrência de dano ao erário (art. 21, I, da Lei 8.429/92); a violação aos princípios constitui hipótese autônoma de improbidade (art. 11); o dano ao erário (art. 10) só configura a improbidade quando o agente viole os princípios norteadores de sua atividade, já que o prejuízo financeiro encontra-se ínsito em muitas atividades estatais, em especial as de cunho econômico (v.g.: intervenções do Banco Central no mercado financeiro); e o enriquecimento ilícito, por sua vez, é a mais vil das formas de improbidade, sendo nítida a violação ao princípio da moralidade.

Em um segundo momento, deve ser analisado o elemento volitivo do agente. Todos os atos emanados dos agentes públicos e que estejam em dissonância com os princípios norteadores da atividade administrativa, serão informados por um elemento subjetivo, o qual veiculará a vontade do agente com a prática do ato. Havendo vontade livre e consciente de praticar o ato que viole os princípios regentes da atividade estatal, dir-se-á que o ato é doloso; o mesmo ocorrendo quando o agente, prevendo a possibilidade de violá-los, assuma tal risco com a prática do ato. O ato será 28 “Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir

qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei,e notadamente: ...”

29 “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: ...”

30 “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:...”

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culposo quando o agente não empregar a atenção ou diligência exigida na hipótese, deixando de prever os resultados que adviriam de sua conduta por atuar com negligência, imprudência ou imperícia. Ante o teor da Lei 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarretem lesão ao erário público (art.10) admitem a forma culposa, pois somente aqui tem-se a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos (art. 11), o ato deve ser doloso.

Identificada a violação aos princípios administrativos e o elemento volitivo do agente, deve-se passar ao terceiro passo para a identificação da improbidade, qual seja, a subsunção do ato a um dos três preceptivos legais que elencam os atos de improbidade. Em havendo unicamente inobservância aos princípios regentes da atividade estatal, o ato será enquadrado no art. 11 da Lei 8.429/92. Na hipótese de o ato infringir os princípios e acarretar o enriquecimento ilícito do agente, aplicar-se-á o art. 9º. Importando o ato em violação aos princípios e dano ao erário, consubstanciada estará a figura do art. 10.

Em um quarto momento, devem ser analisadas as características dos sujeitos passivo e ativo do ato, os quais devem encontrar plena adequação ao disposto nos arts. 1o e 2o da Lei de Improbidade. Constatada a inexistência de vínculo entre o responsável pelo ato e qualquer dos entes elencados no art. 1o, não haverá que se falar em aplicação da Lei no 8.429/92, o mesmo ocorrendo quando inexistir correspondência entre as qualidades dos sujeitos ativo e passivo e aquelas previstas em lei.

Por último, deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade, o qual permitirá verificar se a lesividade do ato, analisada sob uma perspectiva intrínseca e extrínseca, justifica a aplicação da Lei nº 8.429/92. Com isto, tem-se uma verdadeira válvula de escape para a não subsunção dos atos dotados de insignificante potencialidade lesiva à tipologia da Lei nº 8.429/92.

A observância do iter sugerido ensejará a configuração do preceito primário da improbidade administrativa, ao qual estará atrelado o preceito secundário, disciplinado no art. 12

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da Lei 8.429/92 e que prevê sanções distintas conforme os efeitos do ato – enriquecimento ilícito, dano ao erário e tão somente violação aos princípios regentes da atividade estatal.

A identificação e ulterior coibição da improbidade somente serão possíveis com uma ampla análise da observância dos princípios constitucionais que regem a atividade estatal. Para tanto, o princípio da separação dos poderes não pode ser erigido à categoria de óbice intransponível à aferição da integral subsunção dos atos do Poder Público aos princípios constantes do art. 37 da Constituição da República, o mesmo ocorrendo com relação aos princípios implícitos nesta e que defluem do sistema. Considerando que todos tem esteio constitucional, sendo os últimos considerados princípios setoriais pertinentes à Administração Pública, e, o primeiro, princípio fundamental da República Federativa do Brasil31, a interpretação dos mesmos deve ser norteada por critérios lógico-sistemáticos, o que possibilitará sua maior integração e a potencialização de seus fins.

Com contornos semelhantes ao legado de Montesquieu, estabelece o texto constitucional que os Poderes (rectius: funções) da União são independentes e harmônicos entre si (art. 2º da CR/88). Independência e harmonia não são premissas conceituais que se excluem; pelo contrário, integram-se e complementam-se. Nesta linha, às atividades preponderantemente desempenhadas por cada qual são aplicáveis as diretrizes traçadas na Constituição, as quais buscam garantir a integridade dos fins almejados, vedando-se a ingerência externa; a concreção dos objetivos colimados; e a estrita observância dos princípios norteadores do Estado Social e Democrático de Direito. Com o desiderato final de garantir a integridade dos fins do aparato estatal e a pureza dos meios utilizados pelos poderes constituídos, são estabelecidos mecanismos de integração entre os mesmos, permitindo-se a implementação de um sistema de controle recíproco32 e o legítimo exercício

31 Luís Roberto Barroso, op. cit., pp. 153/156.32 O denominado sistema dos freios e contrapesos, ou “checks and balances”; o qual visa

proscrever o arbítrio e a tirania, já que a consecução destes estaria condicionada ao improvável conluio entre autoridades independentes e que apresentam um certo grau de

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de atividades anômalas, ontologicamente pertencentes a determinada função, mas constitucionalmente outorgadas a outra.

O sistema constitucional pátrio apresenta peculiaridades que o distinguem de outros sistemas ocidentais. Na França, onde as distinções afiguram-se marcantes, a partir da Revolução, salvo expressa autorização legal, era defeso aos Juízes exercer qualquer controle sobre a atividade administrativa. Inicialmente, tal atividade era exercida por autoridades administrativas, consoante critérios de hierarquia; ulteriormente, no ano VIII da Revolução, foi implementada a separação da atividade administrativa ativa e da contenciosa, sendo criado um sistema de Tribunais Administrativos, o qual foi subdividido em duas categorias básicas: o Conselho de Estado e os Conselhos de Prefeitura. Com o romper das décadas o sistema sofreu diversas mutações, mas ainda hoje são identificadas múltiplas vedações quanto à possibilidade de o Judiciário pronunciar-se sobre a atividade administrativa. Esta separação é historicamente justificável em virtude da postura sistematicamente hostíl dos tribunais em relação ao Executivo nos últimos anos do antigo regime francês33; hodiernamente, em que pese terem cessado os motivos originais, a estrutura é mantida não por razões de desconfiança do Judiciário, mas por auferirem os Tribunais Administrativos resultados satisfatórios; demonstrarem uma capacidade de adaptação mais célere às mutações de ordem administrativa; e por apresentarem um grau de especialização que não convém alterar.

No Brasil, ao Poder Judiciário foi confiada a tarefa de zelar pela estrita obediência dos preceitos contidos na Constituição da República e na legislação infraconstitucional; quer advenham de norma expressa; quer sejam conseqüência da densificação dos princípios exarados

interpenetração em suas atividades, importando em controle mútuo (“Le pouvoir arrête le pouvoir”) que visa preservar a harmonia norteadora da coexistência das diferentes funções estatais.

33 “Uma extrema desconfiança frente aos tribunais judiciais: tal foi a razão que provocou esta separação das autoridades administrativas e judiciárias e a interdição feita às últimas de julgar o contencioso administrativo.” (Roger Bonard, Précis de Droit Public, 7ª ed. par Maurice Duverger, Recueil Sirey, Paris, 1946).

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pelo sistema. Em razão disto, é defeso ao legislador infraconstitucional excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CR/88). Sendo a lesão ou a ameaça passíveis de serem perpetradas pelos próprios poderes constituídos, tem-se importante instrumento de controle da adequação dos atos destes aos princípios constitucionais, os quais apresentam-se como alicerce do próprio ente estatal. Considerando que todo o poder emana do povo, afigura-se inequívoco que a adequação do obrar do administrador aos referidos princípios erige-se como elemento indissociável da segurança que deve nortear as relações entre o Poder Público e os administrados, apresentando-se como direito destes e consectário lógico do próprio Estado Democrático de Direito. Estabelecidas estas premissas, tem-se que todos os membros da coletividade tem o direito subjetivo público de utilizar-se dos mecanismos pertinentes34 e exigir que os poderes constituídos observem as diretrizes balizadoras do Estado. Todo o poder emana do povo, sendo exercido consoante os critérios estabelecidos na Constituição, a qual delimita o alcance e a forma de exercício dos poderes outorgados ao agente público, apresentando-se imperativa a utilização dos mesmos em benefício daquele.

Conclui-se que a valoração dos atos dos agentes públicos sob a ótica dos princípios mencionados não importará em qualquer mácula ao princípio da separação dos poderes; pelo contrário, zelará pela efetiva independência dos mesmos, garantindo a primazia dos princípios norteadores do Estado de Direito e implementando a indispensável harmonia entre os poderes, isto porque de nada valeria um comando constitucional em não havendo instrumentos aptos a implementar sua observância35. Afora isto, caracteriza-se como direito indisponível do administrado a garantia das liberdades públicas e a observância, por parte dos agentes públicos,

34 Art. 5º da CR/88: Direito de Petição (XXXIV, “a”); Habeas Corpus (LXVIII); Mandado de Segurança (LXIX); Mandado de injunção (LXXI); e Habeas Data (LXXII).

35 “O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos fundamentais.” (Mauro Cappelletti e Bryant Garth, trad. de Ellen Gracie Northfleet, Acesso à Justiça, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 12)

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dos princípios constitucionais, apresentando-se a inobservância destes insuscetível de ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário, isto sob pena de mácula ao art. 5º, XXXV da CR/88. Identificada a improbidade, está o Ministério Público legitimado36 a ajuizar as medidas cabíveis37 para que o Poder Judiciário, sem qualquer mácula ao princípio da separação dos poderes, recomponha a ordem jurídica lesada sempre que o obrar dos poderes constituídos não apresentar-se adstrito aos lindes delimitadores de sua legitimidade. Tal não importará em qualquer ingerência externa na atividade desenvolvida, mas tão somente velará para que a mesma mantenha uma relação de adequação com a ordem jurídica, substrato legitimador de sua existência. Desta forma, não se estará diante de juízo censório ou punitivo à atividade desempenhada por outro poder, mas unicamente de aplicação de eficaz mecanismo previsto no regime democrático, sempre com o desiderato final de garantir o bem estar da coletividade.

A seguir, será realizada uma breve análise dos atos praticados pelos agentes públicos, os quais encontram-se subdivididos consoante a natureza de cada qual e não conforme a atividade preponderante do órgão emissor. Assim, verbi gratia, os atos administrativos, ainda que emanados dos Poderes Legislativo e Judiciário no desempenho de atividades administrativas, serão analisados em conjunto, já que invariáveis os princípios informativos.

3.2.2 Atos Administrativos

36 Arts. 127 e 129, III, da CR/88; arts. 1º, IV, 3º, II e 13 da Lei 7.347/85; art. 17 da Lei 8.429/92; e arts. 25 e 26 da Lei 8.625/93.

37 Sobre ser a ação civil pública pública instrumento adequado, tem-se: a) contra: as abalizadas lições de Marcelo Figueiredo, in Probidade Administrativa, Malheiros, 3ª ed., p. 92 e de José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Lumen Juris, 2ª ed., 1999, pp. 78/81, os quais entendem ser cabível a ação civil de reparação do dano prevista nos arts. 17 e 18 da Lei 8.429/92; b) a favor: a jurisprudência cristalizada da 1ª Turma do STJ in REsp. nº 167.344, DJ de 19.10.98; REsp. nº 196.932, DJ de 18.03.99; REsp. nº 119.827, DJ de 01.07.99; REsp. nº 213.714, DJ de 06.09.99, todos relatados pelo Min. Garcia Vieira; REsp. nº 154.128, DJ de 18.12.98; e RMS 7.423, j. em 12.06.97, ambos relatados pelo Min. Mílton Pereira.

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Consoante a lição de Renato Alessi38, a atividade administrativa é desenvolvida sob a concepção de função estatal, a qual deve ser entendida como o dever do agente em praticar determinados atos, valendo-se dos poderes que a lei lhe confere, visando a consecução do interesse da coletividade. A partir desta lição, teceremos breves considerações a respeito dos atos administrativos discricionários e dos caracteres delineadores do abuso de poder do administrador, principais veículos condutores da improbidade em sua acepção estritamente administrativa.

Ante a impossibilidade de delimitação precisa de todas as situações fáticas e jurídicas que ensejarão a prática de determinado ato, são comumente previstas em lei situações que admitem um juízo subjetivo do administrador quanto: à valoração da presença de determinada situação fática ou jurídica, em virtude da utilização de conceitos jurídicos indeterminados; à conveniência de agir; à oportunidade de agir; e quanto à escolha da medida adequada à hipótese. Tal liberdade caracteriza a discricionariedade administrativa, a qual visa melhor resguardar o interesse público ao garantir que o administrador, diante de determinada situação, possa agir da forma que melhor se adeqüe à consecução do interesse público. Em razão desta liberdade, encontra-se arraigada dentre a grande maioria dos administrativistas pátrios a concepção de que o denominado “mérito administrativo”39 fugiria à esfera de valoração do Poder Judiciário, sendo injurídica a intromissão deste na esfera de liberdade outorgada ao administrador pela lei. Não obstante isto, e amparados por valiosas lições doutrinárias40, entendemos que os atos discricionários são passíveis de controle judicial. Partindo-se da noção de função estatal e de forma sintética, deve-se dizer que todo ato administrativo, inclusive o discricionário, deve visar a satisfação do interesse público, sendo certo que este somente será atingido a partir da identificação da solução que melhor se

38 Sistema Istituzionale del Diritto Amnistrativo Italiano, A. Giuffrè Ed, 3ª ed, 1960, p 2. 39 É o aspecto do ato administrativo relativo à liberdade do administrador quanto à valoração

da conveniência e oportunidade na prática do ato, diante do interesse público a atingir; sendo noção de aplicação restrita aos atos discricionários.

40 TÁCITO, Cáio. Temas de Direito Público, pp. 315 e ss; NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Legitimidade e Discricionariedade, Forense, 2ª ed., 1991; e MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Judicial, Malheiros, 2ª ed., 2000.

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adeqüe à hipótese. Tal concepção tem esteio no próprio princípio da legalidade, já que a regra de competência e os poderes outorgados ao agente visam sempre uma finalidade pública, razão de ser do próprio Estado Democrático de Direito. Assim, sempre que a situação fática ou jurídica motivadora do ato tornar patente, de forma objetiva, que somente uma medida se adeqüe à hipótese, esta deverá ser adotada pelo agente, ainda que outras se apresentem à sua discrição. Em outros momentos, serão divisadas hipóteses em que mais de uma medida afigura-se adequada à consecução da finalidade pública; sendo, ainda aqui, admissível o controle judicial. Este será implementado a partir de um critério de razoabilidade, sujeitando o ato a indefectíveis parâmetros de obediência após a identificação de uma zona de certeza negativa – onde é patente a inadequação do ato – e de uma zona de certeza positiva – onde é certa a adequação do ato. Nesta hipótese, vedado será, unicamente, a interferência na zona intermediária, local em que reside a discrição do agente41. Com tais critérios de aferição, será possível identificar a validade dos atos discricionários e eventual infração aos princípios administrativos; o que, a partir da valoração da proporcionalidade do ato ante as sanções cominadas, permitirá identificar a consubstanciação da improbidade administrativa.

Ainda com base no alicerce erigido sob a concepção de função administrativa, tem-se que serão inválidos todos os atos praticados com abuso de poder, isto porque os instrumentos (rectius: poderes) outorgados ao agente não foram utilizados no cumprimento do dever de atingir o bem-estar da coletividade. O abuso poderá apresentar-se de duas formas: o excesso e o desvio de poder. Será verificado o excesso de poder quando o agente, servindo-se de uma competência que a lei lhe confere, rompe os limites estabelecidos por esta; bem como quando contorna

41 “Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesce ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.” (Celso Antônio, op. cit. p. 48).

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dissimuladamente tais limites, apossando-se de poderes que não lhe são garantidos pela lei. Estará presente o desvio de poder quando o agente atua nos limites de sua competência, mas pratica o ato visando atender uma finalidade pública que não é aquela correspondente à competência utilizada42 (v.g.: transferir um funcionário que praticara uma falta visando puni-lo); ou, tem seu obrar embasado em motivos ou fins diversos dos previstos na norma e exigidos pelo interesse público. Nos casos de desvio de poder, comumente o ato apresentará aparente adequação à legalidade, o que faz com que o princípio da moralidade assuma relevância ímpar na identificação do real propósito do agente, na revelação da intenção viciada deste43 (v.g.: desapropriar um imóvel com o real propósito de prejudicar um adversário político). Deve-se ressaltar que não somente o ato comissivo pode assumir contornos abusivos; também o ato omissivo poderá apresentá-los, inobservando o agente seu dever jurídico em benefício próprio ou alheio. Identificado o abuso de poder e sempre com esteio no já analisado princípio da proporcionalidade, será possível delinear os contornos da improbidade administrativa.

3.2.3 Atos Legislativos

Sendo a lei produto da razão e, consoante a clássica lição de Kelsen, estando a validade da mesma adstrita à observância da norma que lhe é hierarquicamente superior, torna-se certo que o legislador infraconstitucional deve render estrita obediência aos comandos estatuídos no texto constitucional, isto sob pena de invalidade das normas que editar. Como se vê, a atividade legislativa não é incontrastável, devendo ser perquirida sua adequação aos comandos constitucionais, o que torna legítima a atuação do Poder Judiciário neste sentido. Em linha de princípio, 42 Nesta hipótese, o desvio de poder estará configurado ainda que o agente não tenha atuado

com má-fé, tendo ocorrido mera valoração inadequada da norma. 43 “O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou por outras

palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato aparentemente legal.” (Hely, op. cit. p. 92). Para Caio Tácito, “a ilegalidade mais grave é a que se oculta sob a aparência da legitimidade. A violação maliciosa encobre os abusos de direito com a capa da virtual pureza.” (Op. cit. pp. 71 e ss).

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entendemos que a edição de norma dissonante da Constituição, por si só, não teria o condão de caracterizar a improbidade administrativa. Identificada a inconstitucionalidade da norma, deveria ser perquirido, de acordo com o caso concreto, o elemento volitivo que deflagrou a ação do órgão legislativo e a finalidade almejada com a edição da norma. A partir de tais elementos, seria estabelecido um critério de proporcionalidade na conduta do legislador, o que permitiria a identificação da improbidade sempre que a norma for absolutamente dispensável; dissociada do interesse público; e a situação fática demonstrar que o desiderato final do agente era obter benefício para si ou para outrem com a mesma. Para melhor visualização do tema, seria relevante identificar se a hipótese versa sobre lei em sentido material ou, tão somente, em sua acepção formal. Na primeira hipótese tem-se uma norma de conduta instituída em caráter imperativo e geral, a qual veicula regras eminentemente abstratas; lei formal, por sua vez, é a denominação dada a toda deliberação do órgão legislativo, destituída de abstração e generalidade. Aquela tem natureza impessoal e universal, enquanto que esta em muito se assemelha aos atos administrativos.

Tratando-se de lei em sentido material, o principal parâmetro de verificação de sua adequação ao padrão de probidade que deve reger os atos do agente público consiste na observação do princípio da moralidade; o que permitirá a identificação dos vícios de uma norma aparentemente harmônica com o texto constitucional. Como já foi possível constatar, o princípio da moralidade é amplamente estudado sob a ótica dos atos administrativos, sendo torrencial a jurisprudência sobre a aplicação do mesmo. Em que pese a aparente adstrição do princípio à referida seara, sua observância deve assumir uma amplitude compatível com a unidade do texto constitucional, regendo as atividades das demais funções do Estado de Direito, em especial a legislativa. A normatização expressa e a densificação dos princípios extraídos da Constituição da República erigem-se como alicerce adequado à sustentação da necessária adequação dos atos legislativos ao princípio da moralidade. Se não vejamos: a) a República Federativa do Brasil tem por

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fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); b) o amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e a utilização da ação popular para anular ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII) apresentam-se como direitos fundamentais; c) a moralidade administrativa caracteriza-se como princípio setorial da administração pública direta ou indireta, de qualquer dos Poderes, (art. 37, caput); d) a falta de decoro parlamentar apresenta-se como substrato legitimador da perda do mandato dos Deputados e Senadores (art. 55, II); e) os sistemas de controle difuso (art. 97) e concentrado (arts. 102, I, “a” e 125, § 2º) de constitucionalidade permitem a aferição da compatibilidade entre as leis e demais atos normativos com a Constituição da República, aqui incluídos os princípios que defluem do sistema.

Note-se, no entanto, que não se defende um campo de atuação ilimitada para o Judiciário, devendo ser respeitadas e acatadas as opções políticas do legislador. O que se almeja é a perquirição da adequação entre a norma de conduta editada, os princípios constitucionais norteadores da atividade estatal e o real elemento volitivo que deflagrou a atividade legislativa – o que avultará em importância quando se constatar que o legislador recebeu vantagens patrimoniais para defender certos interesses. O Supremo Tribunal Federal tem coibido os desvios éticos do legislador invocando os princípios do devido processo legal (em sua acepção material) e da razoabilidade, sempre visando evitar o excesso ou o desvio de poder legislativo; no entanto, são raras as invocações ao princípio da moralidade, havendo grande resistência em declarar-se a inconstitucionalidade de determinada norma unicamente com fundamento neste. Resistência à parte, é inequívoco que a violação aos deveres de justiça, honestidade e boa-fé que são extraídos do texto constitucional importam em violação à moralidade, a qual, por si só, pode embasar a deflagração do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade. Na lição de Marcelo Figueiredo44, “constata-se que a violação ao princípio da moralidade surge, essencialmente, quando a autoridade (administrativa, legislativa ou judiciária) desvia-se dos comandos expressos ou implícitos contidos no ordenamento jurídico, notadamente nos princípios constitucionais. Essa a

44 O Controle da Moralidade na Constituição, Malheiros Editores, 1999, p. 138.

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razão por que a constatação da violação ao princípio da moralidade normalmente vem associada à violação a outros princípios constitucionais, como, v.g., a legalidade, a isonomia, a publicidade, a impessoalidade etc. Isso não significa que o princípio da moralidade não possa por si só ser a causa do vício impugnado.”

À guisa de ilustração e pinçando unicamente o exemplo mais recente, deve ser mencionada a Lei 9.996 de 14 de agosto de 2000, a qual “dispõe sobre a anistia de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral em 1996 e 1998.” Como foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação à época, os ilustres congressistas e principais infratores da legislação eleitoral, visando satisfazer interesses pessoais, aprovaram referido diploma legal com a inqualificável intenção de não arcarem com as sanções que lhes foram aplicadas em razão dos ilícitos praticados por ocasião da campanha eleitoral. Afora isto, é relevante lembrar que o projeto foi vetado pelo Presidente da República, sendo o veto ulteriormente derrubado, em votação secreta, pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, conforme autoriza o art. 66, § 4º, da CR/88. In casu, questiona-se: legislar em causa própria e provocar sérias lesões ao Fundo Partidário, ente destinatário das multas recolhidas, importa em violação ao princípio da moralidade? Em nosso entender, sim. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN 2.306-345, suspendeu, em sede de cognição sumária, a eficácia da Lei 9.996/00 sob o argumento de que a mesma seria inconstitucional por lesar os direitos de uma pessoa jurídica de direito privado, qual seja, o Fundo Partidário. A conduta dos ilustres congressistas, imoral ao extremo, apresentar-se-ia como nítido ato de improbidade, pois utilizaram-se de suas funções para auferir benefícios pessoais, ou mesmo visando a beneficiar a outrem - isto na hipóteses dos condescendentes não devedores.

Em que pese o exposto, à luz do sistema constitucional pátrio, não se afigura possível punir os parlamentares - federais, estaduais e municipais - pelas palavras, opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções, pois tais agentes gozam de imunidade material46.45 Pleno, rel. Min. Octávio Gallotti, j. em 27.09.00, maioria (6 x 4). 46 Cf. arts. 53, 27, § 1º e 29, VIII, da CR/88.

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3.2.4 Atos Jurisdicionais

Cabe preponderantemente ao Poder Judiciário, mediante um devido processo legal e com eficácia vinculativa, dirimir as lides que lhes sejam submetidas à apreciação, aplicando o direito ao caso concreto, bem como atuar nas hipóteses em que inexista conflito, mas a lei exija sua intervenção. Ante a natureza da atividade desempenhada pelos órgãos jurisdicionais, não é necessário maior esforço intelectivo para se constatar a impossibilidade de realização de um controle da atividade finalística desempenhada pelos mesmos. Deve ser ampla a possibilidade de o órgão jurisdicional valorar os fatos e proferir, consoante as normas vigentes, a decisão que se afigurar mais justa à hipótese. Ao interessado restará a utilização dos mecanismos disponibilizados pelo ordenamento jurídico, fazendo com que a causa seja reexaminada pelo mesmo, ou por outro órgão, nas situações previstas em lei. Justifica-se tal concepção, pois entendimento contrário disseminaria a insegurança e comprometeria a própria atividade jurisdicional, sujeitando os magistrados a severas sanções sempre que suas decisões fossem reformadas sob o argumento de apresentarem dissonância com a lei ou a Constituição, o que seria um grande absurdo. No entanto, afora a perquirição do conteúdo dos atos administrativos praticados pelos membros do Poder Judiciário, duas situações merecem maior reflexão: a) a influência de fatores externos no teor das decisões proferidas; e b) a omissão deliberada na prática dos atos jurisdicionais.

É inconcebível um conceito de Justiça dissociado da idéia de imparcialidade, somente havendo exercício da função jurisdicional em sendo visada a consecução do ideal de Justiça; e esta somente se materializará em havendo eqüidistância entre o julgador e as partes, sem preferências de ordem pessoal. Em razão disto, sempre que for constatada a presença das situações fáticas consubstanciadoras do impedimento ou da suspeição do magistrado -consoante a previsão legal- aliadas ao silêncio deste e ulterior prolação de decisório favorável a uma das partes, ter-se-á um relevante indicador da improbidade do

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mesmo. Tal ocorrerá com maior intensidade quando haja recebimento de algum tipo de vantagem patrimonial para que a decisão seja favorável a uma das partes. In casu, haverá flagrante violação aos princípios da legalidade e da moralidade, sendo imprescindível, no entanto, que a verificação de tais irregularidades seja feita com grande cautela, inclusive com o manejo da ação rescisória prevista no art. 485, I e II do CPC.

Além de levar a efeito a dialética processual, valorando os interesses contrapostos e proferindo seu decisório final, tem o magistrado o dever de praticar os atos de impulso processual e proferir suas decisões em tempo hábil, observando, sempre que possível, os prazos da lei processual. Não se sustenta, é evidente, que um magistrado responsável pela condução de milhares de feitos deva observar prazos exíguos cuja previsão normativa encontra-se em flagrante dissonância com a realidade fenomênica. Tais situações são extremamente corriqueiras, o que torna impossível que um ser humano, como é o magistrado, corresponda às expectativas de todos que necessitam de um pronunciamento jurisdicional célere. No entanto, em muitos casos, a desídia será clara aos olhos do observador, sendo facilmente vislumbrado o injustificável aumento de processos paralisados em “conclusão”, ou mesmo o irrisório volume de sentenças e audiências realizadas, o que pode ser verificado a partir da publicação das pautas e das estatísticas nos órgãos oficiais. Em situações tais, deve o observador ser norteado por um critério de razoabilidade, o que permitirá que a conclusão alcançada assuma contornos de objetiva certeza, tornando-se patente que o magistrado retardou ou deixou de praticar, indevidamente, atos de ofício (art. 11, I, da Lei 8.429/92). Constatada tal situação e independentemente das sanções administrativas e penais que o mesmo será passível de sofrer, configurada estará a improbidade administrativa47, havendo flagrante violação aos princípios da legalidade e da moralidade.

3.2.5 Da Casuística

47 O mesmo ocorrerá em havendo acúmulo injustificável de feitos com os membros do Ministério Público; procedimentos inquisitoriais com os delegados de polícia etc.

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Consoante a sistemática adotada neste ensaio, a análise casuística das situações configuradoras da improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92 assume caráter eminentemente secundário, já que os ilícitos perpetrados pelos agentes públicos são analisados sob uma perspectiva principiológica. Não obstante isto e visando melhor ilustrar a exposição, procederemos à análise de uma situação comumente divisada no cotidiano dos agentes públicos. A teor do art. 9º, VII, da Lei 8.429/92, constitui ato de improbidade, importando em enriquecimento ilícito, “adquirir para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Em torno deste preceptivo legal foram construídas basicamente três linhas de argumentação. Consoante a primeira, trata-se de nítida hipótese de inversão do ônus da prova, cabendo ao agente provar que os bens de valor desproporcional à sua renda foram adquiridos com numerário de origem lícita48. De acordo com a segunda corrente, ao autor caberia o ônus de provar não só a desproporção entre os bens adquiridos e a renda auferida pelo agente, como também a prática de conduta ilícita no exercício da função e o nexo de causalidade existente entre esta e referida aquisição49. Esta posição possui os seguintes alicerces: a) a Lei 8.429/92, diferentemente da legislação fiscal, não faz referência a sinais exteriores de riqueza; b) o caput do art. 9º dispõe que os bens devem ter sido adquiridos “em razão do exercício do cargo...”, o que é extensivo ao inciso VII, devendo o autor provar o nexo causal; c) o art. 26 do projeto que originou a Lei 8.429/92 previa a inversão do ônus da prova, não tendo sido aprovado. A terceira corrente, que entendemos mais consentânea com o espírito e a letra da lei, sustenta que: a) ao autor incumbe comprovar a desproporção entre os bens e a renda do agente, inexistindo inversão do ônus da prova; b)

48 Neste sentido: JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Providências Estruturais na Investigação da Improbidade Administrativa, RT 727/339; GUASQUE, Luiz Fabião. A Responsabilidade da Lei de Enriquecimento Ilícito, Revista de Direito da PGJ-RJ, vol. 1, nº 2, 1995, p. 124; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed., Malheiros Editores, 1994, p. 424.

49 FILHO, Marino Pazzaglini et alii, Improbidade Administrativa, Atlas, 4ª ed., 1999, p. 71.

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a lei 8.429/92 refere-se à aquisição de bens de valor desproporcional à renda, o que representa efetivo sinal exterior de riqueza; c) a mens legislatoris não guarda sinonímia com a mens legis, tendo relevância meramente histórica; e d) o caput do art. 9º contém conceito jurídico indeterminado, enquanto que os diversos incisos do referido preceptivo abrangem situações fáticas autônomas e específicas.50

Feito um breve escorço das correntes predominantes, resta tecer breves considerações de ordem suplementar à posição que sufragamos. No incisos VII e VIII, do art. 9º encontram-se elencadas situações fáticas que, consoante as regras de experiência, apresentam-se como consectários lógicos do obrar ilícito do agente público em suas atividades, acarretando uma relação de causa e efeito com as mesmas. O agente que aceita emprego de pessoa física ou jurídica que tenha interesse em sua atividade, por óbvio e independentemente de restar provado qualquer obrar ilícito do mesmo, estará auferindo vantagens indevidas do cargo que exerce. Do mesmo modo, aquele que exerce atividade laborativa perante o Poder Público com dedicação exclusiva e percebe módica remuneração, acaso apresente evolução patrimonial faraônica será induvidosa a origem ilícita de seus bens. Nesta linha, é oportuno trazer à baila a lição do Mestre das Provas, Nicola Framarino Dei Malatesta51, verbis: “No indício, a coisa que se apresenta como conhecida é sempre diversa da desconhecida, que se faz conhecer. Ora, uma coisa conhecida só nos pode provar uma diversa coisa desconhecida, quando se nos apresente como sua causa ou efeito, porquanto entre coisas diversas não há, conforme demonstrado, senão a relação de causalidade, capaz de conduzir de uma a outra.”... “Da força que pode apresentar a relação de causalidade que ocorre entre fato indicante e fato indicado, relação de causalidade que é o trâmite lógico do raciocínio indicativo, deduzimos o valor probatório que pode apresentar o indício.” Compete ao autor o ônus de provar a aquisição de bens de valor desproporcional à renda do agente, sendo este o fato indicante; o fato indicado, por sua

50 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa, Síntese, 2ª ed., 1998, p. 181.51 A Lógica das Provas em Matéria Criminal, trad. de Waleska Girotto Silverberg, Conan Editora, 1995, p. 219.

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vez, é o enriquecimento ilícito, o qual é desdobramento lógico do mesmo. Assim, não há que se falar em inversão do ônus da prova, restando ao agente público demandado, unicamente, o ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão do autor, o que deflui da própria sistemática vigente (art. 333, II, do CPC). Ademais, entendimento contrário culminaria em coroar a perspicácia de ímprobos cujo patrimônio aumenta em progressão geométrica e que possuem atividade extremamente diversificada, o que inviabilizaria a identificação do momento e da forma em que se operou o ilícito deflagrador de tal prosperidade.

3.3 DAS SANÇÕES

3.3.1 Das Sanções em Espécie

Após descrever de forma enunciativa as três ordens de atos de improbidade que disciplina, elenca a Lei 8.429/92, nos incisos do art. 12, as sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo. Para melhor visualização, cumpre transcrever referido preceptivo legal, verbis:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I – na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8

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(oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

Não é necessária uma análise acurada do preceptivo legal retro transcrito para se constatar que os feixes de sanções cominados aos diferentes atos de improbidade apresentam grande similitude entre si, encontrando-se as dissonâncias, em linhas gerais, adstritas à variação de determinadas sanções que os compõem – suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público. A seguir, teceremos breves considerações a respeito de cada uma das sanções cominadas, o que possibilitará uma melhor visualização da dimensão das mesmas.

Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio – a sanção de perda de bens tem esteio constitucional (art. 5º, XLVI, “b”, da CR/88) e pressupõe a existência de uma evolução patrimonial contemporânea à atividade do agente público, bem como incompatibilidade com a remuneração do mesmo e do extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou auferido benefícios com o mesmo. Nesta linha, somente o acréscimo patrimonial ulterior ao exercício do cargo, emprego ou função poderá ser atingido por provimento cautelar que determine a

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indisponibilidade dos bens52, já que os adquiridos anteriormente à investidura não tem correlação com a atividade pública.

Tratando-se de enriquecimento ao qual não está atrelada uma causa lícita, afigura-se salutar a perda do que fora indevidamente auferido, evitando-se que a atividade do agente seja direcionada à consecução de interesses privados em detrimento da finalidade pública que lhe é peculiar.

Ressarcimento integral do dano – aquele que causa dano a outrem tem o dever de repará-lo; tal concepção, hodiernamente, encontra-se amplamente difundida e erigida à categoria de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no entanto, que o texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a natureza dos institutos; in casu, observa-se que a reparação dos danos, em essência, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão somente visa repor o status quo. Acaso seja insuficiente o quantum fixado a título de reparação, caberá à Fazenda Pública ajuizar as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público (art. 17, § 2º, da Lei 8.429/92). Sob este aspecto, é relevante observar que a independência com a esfera cível foi levada a extremos, já que a pessoa jurídica lesada será instada a integrar o pólo ativo da ação caso não a tenha ajuizado (art. 17, § 3º); terá total liberdade para suprir as falhas e omissões detectadas na inicial; poderá produzir as provas que demonstrem a dimensão do dano; e terá ampla possibilidade de apresentar as irresignações recursais pertinentes; logo, inexiste justificativa para a injurídica possibilidade de renovação da lide. Objetivando harmonizar referido dispositivo com o instituto da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CR/88), entendemos que o ulterior pleito indenizatório somente deve ser admitido quando a Fazenda Pública não houver integrado o pólo ativo; quando a dimensão do dano não tenha sido discutida ou quando fatos supervenientes, não valorados na lide originária, embasem a lide posterior.

52 Arts. 7º e 16 da Lei 8.429/92.

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Ainda sob a ótica do ressarcimento do dano, não corroboramos a tese esposada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 18 de março de 1999, sendo relator o eminente Ministro Garcia Vieira, ocasião em que restou assentado: “Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário. A Lei 8.429/92, que tem caráter geral, não pode ser aplicada retroativamente para alcançar bens adquiridos antes de sua vigência, e a indisponibilidade dos bens só pode atingir os bens adquiridos após o ato tido como criminoso.”53 Tal decisão, não obstante o brilho do órgão julgador, caminha em norte contrário a séculos de evolução da ciência jurídica, culminando em afastar o princípio de que o patrimônio do devedor responde por seus atos54, importante conquista da humanidade e que afastou a crueldade das sanções corporais preteritamente impostas ao devedor inadimplente. Toda conduta que causar dano a outrem, ainda que o agente público e o Estado figurem nos pólos ativo e passivo da relação obrigacional, importará na aplicação do referido princípio55, inexistindo justificativa para que os bens adquiridos anteriormente à investidura sejam excluídos de tal responsabilidade. Ademais, a prevalecer a tese do referido acórdão, ter-se-á a inusitada situação de responsabilizar de forma mais severa aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal - respondendo por seus atos com todo o seu patrimônio – do que aquele que, valendo-se da confiança em si depositada, lesa o patrimônio do ente público que jurou defender. Pelos mesmos fundamentos, a indisponibilidade haverá de recair "sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano”, consoante estatui o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 8.429/92, pois qualquer provimento de natureza cautelar visa garantir a eficácia da decisão a ser proferida no processo principal, evitando-se a inocuidade desta – o que

53 REsp. nº 196.932-SP, unânime, DJ de 10.05.99.54 Vide arts. 1832 e 1833 do Código Civil francês; arts. 1076-1081 do Código Civil

argentino; art. 806 da Consolidação de Teixeira de Freitas; art. 1518 do Código Civil; e arts. 591 e 646 do Código de Processo Civil.

55 Em desnecessária repetição da regra instituída no direito pátrio pelo art. 1587 do CC, estabelece o art. 8º da Lei 8.429/92 que o sucessor do ímprobo só responde às cominações legais até o limite do valor da herança. É o denominado benefício de inventário.

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certamente ocorreria com a dissipação do patrimônio do ímprobo. Por tais fundamentos, entendemos que o entendimento preconizado pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça merece maior reflexão, adequando-o à necessidade social e aos ditames da Justiça.

Perda da função pública56 – tal sanção somente é passível de aplicação ao agente ímprobo, não ao extraneus que tenha contribuído para a prática do ato ou se beneficiado do mesmo. A sanção deflui da incompatibilidade identificada entre o agente e a gestão da coisa pública, sendo a mesma passível de aplicação a todos aqueles que exerçam cargo ou emprego, e não apenas função, qualquer que seja a forma de investidura. Em que pese ter o resultado desta exegese natureza extensiva, a mesma deflui do sistema, em especial dos arts. 3º e 4º da Lei 8.429/92; assim, não há que se falar em ampliação de efeitos não previstos em norma restritiva.

Suspensão dos direitos políticos – como regra geral, ao cidadão é garantida a plena participação na vida política do Estado, abrangendo a mesma as faces ativa e passiva, vale dizer, o direito de votar (cidadania ativa) e de ser votado (cidadania passiva). Tratando-se de direito fundamental, sua restrição pressupõe expressa previsão constitucional; o que efetivamente foi feito nos arts. 15, V, e 37, § 4º, da CR/88, sendo admitida a suspensão dos direitos políticos quando praticados atos de improbidade. Conforme deflui da própria construção semântica da expressão, a privação ao exercício da cidadania é temporária, sendo esta sanção mais ampla do que as causas de inelegibilidade previstas no texto constitucional (v.g.: art. 14, §§ 5º e 7º, da CR/88) e na legislação infraconstitucional (LC nº 64/90). Estas limitam-se a restringir o exercício da cidadania em sua acepção passiva; naquela a restrição é total.

Pagamento de multa civil – caracteriza-se como sanção de natureza pecuniária imposta ao ímprobo em virtude do ilícito praticado. Considerando a previsão autônoma de

56 Havendo previsão no Estatuto regente da categoria do agente ímprobo, é admissível a aplicação desta sanção em procedimento administrativo, desde que resguardado o contraditório e a ampla defesa (STF, Pleno, MS 21.922-0, j. em 20.06.96, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.10.96). Também é admissível, sem qualquer mácula ao direito adquirido, a cassação de aposentadoria em razão de improbidade praticada na ativa (STF, Pleno, MS 22.728-1, j. em 22.04.98, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13.11.98).

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ressarcimento do dano, tem natureza eminentemente punitiva, não caracterizando-se como estimativa do dano causado pela infração.

Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário - a exemplo da suspensão dos direitos políticos, apresenta-se como sanção de efeitos temporários e com graves conseqüências de ordem econômica. Os incentivos fiscais ou creditícios caracterizam-se como instrumentos utilizados pelo Poder Público para implementar o desenvolvimento de determinado território ou de certa atividade, bem como para corrigir certas desigualdades ou recompor a ordem econômica e social.

3.3.2 Natureza Jurídica

Qualquer que seja o compartimento normativo em que esteja armazenada uma norma de conduta e a natureza do núcleo factual empírico previsto na mesma, esta apresenta um componente indispensável, qual seja, uma sanção para a sua inobservância. A sanção será passível de aplicação sempre que for identificada a subsunção de determinada conduta ao preceito proibitivo previsto de forma explícita ou implícita na norma. A sanção, pena ou reprimenda apresenta-se como elo de uma grande cadeia, cujo encadeamento lógico possibilita a concreção do ideal de bem-estar social, caracterizando-se, ainda, como instrumento garantidor da soberania do direito, concebido este não como mero ideal abstrato, mas como fator perpétuo e indissociável da harmonia social, sendo correlato à própria coexistência humana. Como se vê, sob o prisma ôntico, inexiste distinção entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham natureza penal, civil ou administrativa; pois, em essência, todas visam recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta violado, cuja observância apresenta-se necessária à manutenção do elo de encadeamento das relações sociais. Sob o aspecto axiológico, por sua vez, as sanções apresentarão diferentes dosimetrias conforme a natureza da matéria violada e a importância do interesse tutelado, distinguindo-se

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igualmente consoante a forma, os critérios, as garantias e os responsáveis pela aplicação. Caberá ao órgão incumbido da produção normativa, direcionado pelos fatores sócio-culturais da época, identificar os interesses que devem ser tutelados e estabelecer as sanções em que incorrerão aqueles que os violarem. Assim, inexiste um elenco apriorístico de sanções cuja aplicação esteja adstrita a determinado ramo do direito.

No direito positivo pátrio, inexistem parâmetros aptos a infirmar a regra geral acima exposta, existindo unicamente sanções que são preponderantemente aplicadas em determinado ramo do direito. À guisa de ilustração, pode-se mencionar: a) o cerceamento da liberdade do cidadão, normalmente sanção de natureza penal (art. 5º, XLVI, CR/88), mas também passível de ser utilizado como sanção contra o depositário infiel e o inadimplente do débito alimentar (art. 5º, LXVII, da CR/88), erigindo-se como eficaz meio de coerção para o cumprimento de tais obrigações; b) a infração aos deveres funcionais pode acarretar para o servidor público a perda do cargo, a qual poderá caracterizar-se como sanção de natureza cível (art. 37, § 4º, da CR/88), administrativa (art. 41, § 1º, II e III, da CR/88) ou penal (art. 5º, XLVI, da CR/88); c) a cassação dos direitos políticos pode apresentar-se como conseqüência de uma sanção penal (art. 15, III, da CR/88) ou de uma sanção política (art. 85 da CR/88 e Lei 1.079/50).

No âmbito específico da improbidade administrativa, tal qual disciplinada na Lei 8.429/92, as sanções serão aplicadas por um órgão jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza hierárquica, o que afasta a possibilidade de sua caracterização como sanção administrativa57. As sanções de perda de bens ou valores de origem ilícita, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar ou receber incentivos do Poder

57 Vide arts. 16 e 20 da Lei 8.429/92. Note-se que as sanções previstas no art. 12 podem ter previsão expressa no estatuto dos servidores públicos, sendo passíveis de aplicação em processo administrativo-disciplinar; isto com exceção da suspensão dos direitos políticos (art. 15 da CR/88), pois, tratando-se de direito fundamental, sua restrição por órgão que não desempenhe atividade jurisdicional dependeria de previsão específica, o que não ocorre (VideSILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo, RT, 7ª ed., 1991, p. 333).

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Público, previstas no art. 12, são passíveis de aplicação por órgão jurisdicional, restando analisar se possuem natureza penal ou cível (rectius: extra-penal). À luz do direito posto, inclinamo-nos por esta58, alicerçando-se tal concepção nos seguintes fatores: a) o art. 37, § 4º, in fine, da CR/88, estabelece as sanções para os atos de improbidade e prevê que as mesmas serão aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e “sem prejuízo da ação penal cabível”; b) regulamentando este dispositivo, dispõe o art. 12, caput, da Lei 8.429/92 que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de natureza penal; c) as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, ante o emprego do vocábulo “notadamente”, tem caráter meramente enunciativo, o que apresenta total incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal (art. 5º, XXXIX, da CR/88), segundo o qual a norma incriminadora deve conter expressa previsão da conduta criminosa; d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitates do indivíduo, o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que a mesma produzirá variados efeitos secundários; e) a utilização do vocábulo “pena” no art. 12 da Lei 8.429/92 não tem o condão de alterar a essência dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica. A questão ora analisada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal.59

58 No mesmo sentido: STJ, 6ª Turma, REsp. nº 150.329, rel. Min. Vicente Leal, j. em 02.03.99, DJ de 05.04.99. Na doutrina: OSÓRIO, Fábio Medina, op. cit., pp. 217/224; FILHO, Marino Pazaglini et alii, op. cit., p. 135; FIGUEIREDO, Marcelo, Probidade..., p. 87. Para LAZZARINI, Álvaro, in Temas de Direito Administrativo, RT, 1ª ed., 2000, p. 64, tais sanções têm natureza política, com o que não concordamos, ante a natureza do órgão que as aplicará e a necessária fundamentação da decisão a ser proferida (art. 93, IX, da CR/88), o que possibilita seu reexame por outro órgão em havendo irresignação; caracteres estes incompatíveis com uma decisão essecialmente política.

59 CR/88. Art. 29, X – nos crimes comuns o Prefeito será julgado perante o TJ; art. 102, I, “b” – os membros do Congresso Nacional perante o STF; art. 105, I, “a” – Governador e membros dos Tribunais Regionais Federais, Regionais do Trabalho e de Justiça perante o STJ; etc.

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Identificada a natureza cível das sanções a serem aplicadas, inafastável será a utilização das regras gerais de competência nas ações que versem sobre improbidade administrativa, o que culminará em atribuir ao Juízo monocrático, verbi gratia, o processo e o julgamento das causas em que Prefeitos60 e membros dos Tribunais Regionais do Trabalho61 figurem no pólo passivo.

3.3.3 Dosimetria

Identificados os princípios que devem reger o obrar do agente probo, bem como as sanções passíveis de serem aplicadas ao mesmo em havendo subsunção de sua conduta ao padrão normativo dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, resta analisar os critérios que nortearão o órgão jurisdicional na aplicação de tais sanções. As lacunas da lei, aliadas a uma sistematização inadequada dos preceitos que regulam a matéria, tornam imperativa a fixação de diretrizes para a individualização da pena; a análise da possível discricionariedade do julgador em aplicar somente algumas dentre as sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92; e a identificação das sanções cabíveis em havendo simultânea subsunção do ato ao estatuído nos arts. 9º, 10 e 11, o que, em tese, importaria na aplicação de todas as sanções previstas nos incisos I, II e III do art. 12.

Na seara penal, nos períodos medieval e intermediário, um dos mais graves obstáculos para a consecução do ideal de justiça era o regime arbitrário das penas, as quais eram deixadas à livre decisão dos julgadores; ulteriormente, teve-se um sistema de penas rigorosamente fixas, o qual foi previsto no Código francês de 1791, não sendo permitido ao juiz qualquer discricionariedade em sua fixação62; hodiernamente, tem-se uma determinação relativa das penas, permitindo-se que sua gradação varie entre os limites máximo e mínimo, consoante a natureza e as circunstâncias da ação. Nesta linha, encontra-se o disposto no art. 5º, XLVI, da CR/88, segundo o qual “a lei regulará a individualização

60 STJ, 6ª T, RMS nº 6.208, rel Min Anselmo Santiago, j em 10.11.98, DJ de 15.03.99.61 STJ, C. Especial, Rec. nº 591, rel Min Nílson Naves, j em 1º.12.99, DJ de 15.05.00.62 Trata-se da normatização da célebre concepção de Montesquieu: “O juiz não é senão a boca que pronuncia as palavras da lei” (in L’Esprit des Lois, Livro XI, 6).

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da pena...”; preceptivo este que erige-se como direito fundamental dos jurisdicionados e que, não obstante a natureza eminentemente cível das sanções cominadas aos atos de improbidade, deve servir de norte ao julgador, o que estará em sintonia com o art. 37, § 4º, da CR/88. Regulamentando o texto constitucional, tem-se o art. 59 do Código Penal, o qual estabelece os critérios a serem seguidos para fixação da pena, sendo também passível de utilização, feitas as adaptações necessárias, na delimitação das sanções a serem aplicadas aos atos de improbidade. Assim, para o estabelecimento da dosimetria das sanções é inafastável a valoração da personalidade do agente, de sua vida pregressa na administração pública, do grau de participação no ilícito e dos reflexos de seus atos na organização desta e na consecução de seu desiderato final, qual seja, o interesse público. Afora tais elementos, deverá o juízo valorar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, únicas diretrizes traçadas pela Lei de Improbidade (art. 12, parágrafo único).

Conforme dispõe o art. 37, § 4º, da CR/88, deveria o legislador infraconstitucional estabelecer os critérios de gradação das sanções a serem aplicadas ao agente ímprobo. Assim, nada impediria que fosse estabelecido um escalonamento das sanções consoante as condições do agente e as conseqüências da infração, cominando, de forma cumulativa ou alternada, aquelas previstas no texto constitucional - suspensão dos direitos políticos, perda da função pública e ressarcimento ao erário – e outras mais. Regulamentando o preceptivo constitucional, estabelece o art. 12 da Lei 8.492/92, em cada um de seus três incisos, as sanções que serão aplicadas às diferentes formas de improbidade; elenco este que encontra-se previsto de forma aglutinativa, separado por vírgulas e cuja última sanção cominada encontra-se unida ao todo pela conjuntiva “e”. Em razão de tal técnica legislativa, inclinamo-nos, como regra geral, pela imperativa cumulatividade das sanções, restando ao órgão jurisdicional a discricionariedade de delimitar aquelas cuja previsão foi posta em termos relativos, quais sejam: a) suspensão dos direitos políticos – 8 (oito) a 10 (dez) anos, inc. I / 5 (cinco) a 8 (oito) anos, inc. II / 3 (três) a 5 (cinco) anos, inc. III; e b) multa civil – até 3 (três) vezes o

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valor do acréscimo patrimonial, inc. I / até 2 (duas) vezes o valor do dano, inc. II / até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, inc. III. Além do aspecto gramatical, já que não utilizada a disjuntiva “ou” na cominação das sanções, deve-se acrescer que não caberia ao Poder Judiciário, sob pena de mácula ao princípio da separação dos poderes, deixar de aplicar as reprimendas estabelecidas pelo legislador, de forma cumulativa, consoante expressa autorização constitucional. Releva notar, no entanto, que as sanções de ressarcimento dos danos causados ao erário e perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, conforme deflui da própria redação dos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92, somente serão passíveis de aplicação em estando presentes os pressupostos fáticos que as legitimam, quais sejam, o dano ao erário e o enriquecimento ilícito.

Qualquer que seja a seara, somente se pode falar em liberdade do julgador na fixação da reprimenda em havendo expressa autorização legal, o que deflui dos próprios princípios norteadores do sistema repressivo; isto porque a sanção, a um só tempo, representa eficaz mecanismo de garantia dos direitos do cidadão – o qual somente pode tê-los restringidos com expressa previsão legal – e instrumento de manutenção da paz social, sendo a materialização dos anseios dos cidadãos expressos através de seus representantes. Em razão da própria natureza da conduta perquirida, não haveria que se falar, inclusive, em adstrição do órgão jurisdicional a uma possível delimitação do pedido; pois, tratando-se de direito eminentemente indisponível, não compete ao autor da demanda restringir as conseqüências dos atos de improbidade, restando-lhe unicamente deduzir a pretensão de que sejam aplicadas as sanções condizentes com a causa de pedir que declinara na inicial.

Conforme frisamos, a aplicação cumulativa das sanções apresenta-se como regra geral, a qual, em situações específicas e devidamente fundamentadas, pode sofrer abrandamento, o que permitirá a adequação da Lei 8.429/92 à Constituição da República63. Tal posição, longe de macular

63 “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” (Art. 18, 2,

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o equilíbrio constitucional dos poderes e conduzir ao arbítrio judicial64, viabilizará a formulação de interpretação conforme a Magna Carta e atenuará a dissonância existente entre a tutela dos direitos fundamentais e a severidade das sanções cominadas. O elemento volitivo que informa o ato de improbidade, aliado à possível preservação de parcela considerável do interesse público, pode acarretar uma inadequação das sanções cominadas, ainda que venham a ser fixadas no mínimo legal. À guisa de ilustração, observe-se que a aplicação das sanções de perda da função e suspensão dos direitos políticos ao agente que culposamente dispense a realização de procedimento licitatório apresenta-se em flagrante desproporção com o ilícito praticado. Em situações como esta, entendemos que o órgão jurisdicional deve proceder à verificação da compatibilidade entre as sanções cominadas, o fim visado pelo legislador e o ilícito praticado, o que redundará no estabelecimento de um critério de proporcionalidade. Para auferir tal resultado, a Suprema Corte norte-americana utilizou como cláusula de compatibilização o princípio do devido processual legal, originariamente uma garantia processual, mas ulteriormente utilizado em uma concepção substantiva (substantive due process). Assim, a atuação estatal deveria ser submetida a um teste de racionalidade (rationality test), sendo aferida sua compatibilidade com o comando constitucional a partir de um padrão de razoabilidade (reasonablesse standard). Considerando que a suspensão dos direitos políticos importa em restrição ao exercício da cidadania e a perda da função pública em restrição ao exercício de atividade laborativa lícita, afigura-se clara a desproporção existente entre tais sanções e o ato do agente que, como no exemplo referido, dispense culposamente a realização de um procedimento licitatório. A reprimenda ao ilícito deve ser adequada aos fins da norma65, resguardando-se a ordem jurídica e as

da Constituição portuguesa).64 XAVIER Philippe, Le Contrôle de Proportionnalité dans les Jurisprudences Constitutionnelle et Administrative Françaises, Aix-Marseille, 1990, p. 4.65 “Em acórdão no Habeas Corpus nº 45.232, a Suprema Corte rejeitou, por desarrazoada, a

aplicação de pena acessória que proibia atividade privada a condenado por crime contra a segurança nacional, declarando a inconstitucionalidade do art. 48 do DL nº 314, de 1967, nos termos do voto vencedor do Ministro Themístocles Cavalcanti (Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 44, pp. 322 e segs.).” (Cáio Tácito, Temas de Direito Público, 1º vol., Renovar, 2ª ed., p. 491).

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garantias fundamentais do cidadão, o que preservará a estabilidade entre o poder e a liberdade.

A inexistência de preceitos normativos que permitam identificar de forma apriorística as condutas excluídas da regra geral acima enunciada torna imperativo o estabelecimento, ainda que de forma singela, de parâmetros de adequação. Para tanto, torna-se possível identificar a proporcionalidade entre a sanção e o ilícito a partir da análise do elemento volitivo do agente e da possível consecução do interesse público. Ao agente público somente é permitido agir nos limites em que a lei lhe autorize, sendo vasto o elenco de princípios e normas de conduta previstos no ordenamento jurídico. O agente cujos atos sejam informados por um elemento volitivo frontalmente dirigido a fim diverso daquele previsto em lei apresentar-se-á em situação distinta daquele que tiver seu obrar intitulado de ilícito em virtude de uma valoração inadequada dos pressupostos do ato ou dos fins visados. Nesta linha, ao ato culposo poderão ser aplicadas sanções mais brandas, já que o resultado ilícito não fora deliberadamente visado pelo agente; note-se, no entanto, que a culpa grave - entendida como tal aquela ocupante do ápice da curva ascendente de previsibilidade – poderá ter seus efeitos eventualmente assimilados aos do ato doloso. Além do elemento volitivo, deve ser analisada a consecução do interesse público, o qual foi erigido à categoria de princípio fundamental pela Constituição da República (art. 3º, IV). Em sendo parcialmente atingido o interesse público, afigura-se igualmente desproporcional que ao agente sejam aplicadas as mesmas reprimendas destinadas àquele que se afastou integralmente do mesmo; logo, em hipóteses tais, as sanções aplicadas também deverão variar conforme a maior ou menor consecução daquele. Adotando-se tais critérios, será estabelecida uma relação de adequação entre o ato e a sanção; sendo esta suficiente à repressão e à prevenção da improbidade. Ademais, tornará certo que os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) sujeitarão o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre serão dolosos e dissociados do interesse público. Restará ao órgão jurisdicional, unicamente, a possibilidade de mitigar as sanções

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cominadas aos atos que importem em prejuízo ao erário (art. 10) e violação aos princípios que regem a atividade estatal (art. 11). Aqueles podem ser dolosos ou culposos, enquanto que estes serão sempre dolosos; podendo ser perquirido, em qualquer caso, o resultado obtido com os mesmos. No mais, é relevante observar que afigura-se inadmissível que ao agente seja aplicada unicamente a sanção de ressarcimento do dano, pois esta, em verdade, não representa uma reprimenda, visando unicamente a recomposição do status quo.

Não raro ocorrerá que a conduta do agente, a um só tempo, importe em enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação aos princípios administrativos, o que, por via reflexa, permitiria a simultânea aplicação de todas as sanções do art. 12 da Lei 8.429/92. Situação parecida será vislumbrada quando múltiplas forem as irregularidades perpetradas pelo agente, ainda que em momentos diversos e apuradas em processos distintos, o que erige-se como interessante complicador, já que nesta seara inexiste previsão de órgão responsável pela unificação e reunião das penas. Ao estatuir as diferentes sanções passíveis de aplicação ao agente ímprobo, estabeleceu o legislador um critério de gradação onde o período de suspensão dos direitos políticos, a multa cominada e a proibição de contratar com o Poder Público variarão consoante os efeitos do ato. Assim, as sanções apresentam-se postas em uma linha decrescente, sendo o ápice ocupado por aquelas cominadas aos atos que importem em enriquecimento ilícito, identificando-se posteriormente as decorrentes de lesão ao erário e violação aos princípios regentes da atividade estatal.

Em linhas gerais, o feixe de sanções, qualquer que seja a natureza do ato e seus efeitos, apresenta-se com consistência e derivação ontológica idênticas, variando unicamente em intensidade. Ao ímprobo serão aplicadas as sanções de perda de bens ou valores, ressarcimento do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios deste – tal é o feixe de sanções previsto nos incisos do art. 12 e que se adequará aos efeitos do ato. Identificada a mens legis, diferente será o prisma de

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análise conforme seja constatada a multiplicidade ou a unicidade do ato.

Tratando-se de ato único, entendemos que um único feixe de sanções deve ser aplicado ao agente, ainda que a conduta do mesmo, a um só tempo, se subsuma ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11. Único o ato, único haverá de ser o feixe de sanções (ne bis in eadem). No que concerne à dosimetria, haverão de compor o feixe de sanções os valores relativos de maior severidade, o que possibilitará o estabelecimento de uma relação de adequação com a natureza dos ilícitos; sendo que a pluralidade destes será valorada por ocasião da individualização e fixação de cada uma das sanções que compõem o feixe. Nesta linha, havendo múltipla subsunção, normalmente serão aplicadas as sanções do inciso I do art. 12, cujos valores relativos são mais elevados.

Havendo pluralidade de atos, múltiplos serão os feixes de sanções a serem aplicados. Para melhor compreensão desta proposição, deve-se inicialmente observar que não apresentam maior dificuldade as sanções de perda da função pública, ressarcimento do dano e perda de bens de origem ilícita. Tal é justificável, pois, em havendo perda da função pública, impossível será que o agente a perca outra vez -salvo se houver ulterior aquisição de nova função e outros ilícitos sejam perpetrados; as demais sanções, por sua vez, somente poderão ser aplicadas em estando presentes os pressupostos fáticos que as autorizam. Inexistirão, assim, maiores dificuldades na aplicação de tais sanções. No entanto, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público, maiores controvérsias surgirão.

A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público são sanções que apresentam delimitação temporal, tornando-se efetiva a primeira, a teor do art. 20 da Lei 8.429/92, com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e a segunda, a contrario sensu do referido preceptivo, com a prolação da sentença monocrática. Considerando a delimitação temporal e inexistindo nesta seara norma semelhante àquelas previstas nos arts. 69, 70 e 71 do Código Penal, não há que se falar em soma das sanções aplicadas em diferentes processos; pois,

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considerando as nefastas conseqüências que daí advirão, podendo culminar com a suspensão dos direitos políticos do cidadão por várias dezenas de anos, somente norma específica poderia amparar tal entendimento, não a analogia. À mingua de lei específica e por ser mais benéfico ao agente, deve-se adotar o denominado sistema da absorção, segundo o qual a sanção mais grave absorve as demais da mesma espécie66. Assim, à possibilidade de aplicação de tais sanções em diferentes processos deve-se correlacionar o entendimento de que as mesmas poderão se sobrepor e acarretar a efetividade de somente uma delas; pois, à mingua de lei específica, será inadmissível sua soma. Igual entendimento será aplicado em sendo os diferentes atos de improbidade apurados no mesmo processo, o que, em termos práticos, culminará com a aplicação de uma única sanção de cada espécie, utilizando-se o órgão jurisdicional da maior determinação relativa (limites mínimo e máximo) prevista no art. 12.

No que concerne às sanções de multa, serão as mesmas passíveis de aplicação cumulativa, consoante as delimitações estabelecidas para cada um dos feixes de sanções. Tal cumulatividade apresentar-se-á de forma clara sempre que os ilícitos forem perquiridos em processos distintos. Em sendo os ilícitos apurados em um único processo, ter-se-á, ao final, uma única soma pecuniária, a qual será necessariamente exasperada por comportar as diferentes multas que integram os feixes de sanções a que estava sujeito o agente.

3.4 SÍNTESE CONCLUSIVA

1) Os agentes públicos de todos os Poderes devem estrita obediência aos princípios da legalidade e da moralidade.

2) O princípio da legalidade condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal; enquanto que a moralidade aglutina as características do

66BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Tomo 2º, 3ª ed., Forense, 1967, p. 288.

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bom administrador, do agente cuja atividade encontra-se direcionada à consecução do bem comum.

3) Da conjunção dos princípios regentes da atividade estatal extrai-se o princípio da probidade.

4) A violação dos princípios regentes da atividade estatal acarretará a aplicação da Lei 8.429/92 sempre que esta apresentar uma relação de proporcionalidade com a natureza e o grau do ilícito praticado.

5) O preceito primário da improbidade será individualizado com a conjunção da violação dos princípios regentes da atividade estatal; da identificação do elemento volitivo do agente; da subsunção da conduta aos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei 8.429/92 – conforme haja, respectivamente, enriquecimento ilícito, dano ao erário ou unicamente violação aos princípios; e da aplicação do princípio da proporcionalidade, o que justificará, à luz da lesividade do ato, que seja aplicada a Lei de Improbidade ao agente.

6) Individualizado o preceito primário, ao agente será aplicado o preceito secundário previsto no art. 12 da Lei 8.429/92.

7) Os atos administrativos discricionários devem visar à consecução da finalidade pública justificadora da regra de competência, o que é passível de controle judicial.

8) O abuso de poder, observada a dimensão e os efeitos do ato, configura a improbidade administrativa.

9) Ainda que seja constatado que o elemento volitivo motivador da atividade legislativa não apresenta adequação com os fins da norma e os princípios constitucionais, não poderá ser perquirida a configuração da improbidade, pois os parlamentares são invioláveis pelas opiniões, palavras e votos que emitirem no exercício da função.

10) Os provimentos jurisdicionais proferidos com comprometimento da imparcialidade do magistrado consubstanciam a improbidade; o mesmo ocorrendo com a omissão indevida e injustificável na prática dos atos processuais.

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11) As sanções da Lei 8.429/92 tem natureza cível, o que torna competente o Juízo de primeiro grau de jurisdição para a sua aplicação.

12) Como regra geral, verificada a prática ilícita, devem ser aplicadas ao agente todas as sanções previstas em cada um dos feixes do art. 12 da Lei 8.429/92.

13) Excepcionalmente, a partir da identificação do elemento volitivo do agente e da eventual consecução do interesse público, podem ser aplicadas apenas algumas dentre as sanções componentes de cada um dos feixes do art. 12 da Lei 8.429/92.

14) Em havendo a simultânea subsunção de uma única conduta ao disposto nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, deve ser aplicado um único feixe de sanções, utilizando-se os valores relativos mais elevados.

15) A prática de distintos atos de improbidade importará na aplicação de igual número de feixes de sanções, os quais poderão se sobrepor nas hipóteses de sanções dotadas de delimitação temporal, sendo vedada a soma destas.

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4 Sujeitos Ativos dos Atos de Improbidade

Administrativa: Reflexões

Emerson Garcia

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4 SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: REFLEXÕES

Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; Assistente da Assessoria de Assuntos Institucionais da Procuradoria-Geral de Justiça; Pós-Graduado em Ciências Políticas e Internacionais e Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa.

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

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Basta um breve passar de olhos por sobre a Lei no

8.429, de 2 de Junho de 2002, para se constatar que o microssistema pátrio de combate à improbidade, na forma em que concebido e delineado, tem como epicentro estrutural a noção de agente público.

Além de o ato de improbidade ser necessariamente praticado por um agente público (art. 2o), esse designativo erige-se como elo de ligação à incidência desse microssistema na esfera jurídica de terceiros (art. 3o), indica o procedimento a ser seguido na fase pré-processual de apuração dos atos de improbidade, que variará conforme o regime jurídico a que esteja sujeito (art. 14, § 3o), e influi diretamente na definição do respectivo lapso prescricional, quer seja quanto à sua situação jurídica, quer seja em relação à situação jurídica de terceiros que tenham concorrido para a prática do ato (art. 23).

Tratando-se de conceito indiscutivelmente polissêmico e que ainda não logrou êxito em alcançar um discurso argumentativo uniforme na lei, na doutrina e na jurisprudência, andou bem o legislador ao delimitar os seus contornos e tornar incontroversas as categorias que se enquadram sob sua epígrafe.

O direito sancionador, como é fácil intuir, pressupõe a individualização, prévia e extreme de dúvidas, dos destinatários em potencial das normas proibitivas implícitas na tipologia legal e das respectivas sanções cominadas, o que é mero consectário da vasta estrutura principilógica do texto constitucional (v.g.: os princípios do Estado de Direito, da legalidade e da segurança jurídica).

Como veremos, é igualmente digna de encômios a iniciativa de estender a incidência da Lei de Improbidade aos agentes que, apesar do estreito contato mantido com o Poder Público, em especial com os recursos dele oriundos, não poderiam ser considerados servidores ou funcionários públicos à luz da prática legislativa e da doutrina até então sedimentadas.

A Lei no 8.429/92 tratou dos sujeitos dos atos de improbidade em seus três primeiros artigos, que versam,

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respectivamente, sobre os sujeitos passivos, os sujeitos ativos e os terceiros que, embora estranhos à noção de agente público, tenham concorrido para a prática do ato de improbidade. Ante a técnica legislativa adotada, considerando sujeitos ativos em potencial os agentes que mantenham algum tipo de vínculo com os sujeitos passivos, a individualização daqueles pressupõe a exata identificação destes, tornando contraproducente ou mesmo infrutífera qualquer tentativa de análise isolada. Nossa abordagem, assim, ainda que informada pela brevidade, será norteada por uma perspectiva global, evitando cindir o que somente em sua inteireza pode ser compreendido.

Tratando-se de temática recorrente na doutrina especializada - constatação evidente na medida em que condiciona a própria incidência da Lei de Improbidade - direcionaremos nossa exposição aos seus aspectos mais delicados, em especial àqueles ainda inexplorados. Com isto, almejamos evitar, tanto quanto possível, a sonolência que da obviedade certamente adviria, bem como a repetição de noções basilares já sedimentadas dentre todos os que se dedicam ao estudo da improbidade.67

4.2 SUJEITOS PASSIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE

Considera-se sujeito passivo material o titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita. No caso específico dos atos de improbidade, os sujeitos passivos em potencial estão previstos no art. 1o da Lei no 8.429/92, ver-bis:

Art. 1o Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indi-reta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para

67 As conclusões aqui sustentadas, em linhas gerais, acompanham aquelas que declinamos na primeira parte da obra intitulada Improbidade Administrativa, 2a ed., Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2004, pp. 211/253.

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cuja criação ou custeio o erário haja con-corrido ou concorra com mais de cin-qüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimô-nio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou credití-cio, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilí-cito sobre a contribuição dos cofres públi-cos.

Como se constata, a identificação do sujeito passivo deve preceder à própria análise da condição do agente, pois somente serão considerados atos de improbidade, para os fins da Lei no 8.429/92, aqueles praticados em detrimento:

a) da administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal;

b) de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja con-corrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; e

c) do patrimônio de entidade para cuja criação ou cus-teio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cin-qüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, ou que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou credití-cio, de órgão público.

Partindo-se da concepção subjetiva adotada pelo art. 1o da Lei de Improbidade, o substantivo administração abrange o conjunto de pessoas jurídicas que desempenhem uma atividade de natureza pública, quer seja de forma direta, quer seja de forma indireta, isto independentemente

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da atividade finalística própria do Poder do qual emanem (Legislativo, Executivo e Judiciário) ou do lugar que ocupem na organização do sistema federativo.

No que concerne aos entes referidos nas alíneas a e b supra, ainda que o ato de improbidade não seja praticado em detrimento do patrimônio público, havendo tão-somente enriquecimento ilícito do agente ou violação dos princípios regentes da atividade estatal, serão integralmente aplicadas as sanções previstas no art. 12 da Lei no 8.429/92.

Já em relação aos sujeitos passivos referidos na alínea c, a análise mais detalhada do parágrafo único do art. 1o

permite concluir que esse preceito somente ensejará o enquadramento da conduta do agente como ato de improbi-dade quando sua prática se der em detrimento do patrimô-nio das entidades ali referidas, o que exige a ocorrência de dano.

Nesses casos, ainda que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9o (enriquecimento ilícito) e 11 (violação aos princípios administrativos) da Lei no 8.429/92, o agente não estará sujeito às penalidades previstas nesta Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio de tais entes; acrescendo-se que, ocorrendo o dano, a reparação será limi-tada “à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos” (art. 1o, parágrafo único, in fine), o que acarretará a necessidade de a pessoa jurídica lesada postu-lar, pela via própria, o integral ressarcimento do dano. Aqui, o sujeito passivo material imediato do ato de improbidade é o ente do qual se originou o numerário, sendo irrelevantes os atos que não tenham causado dano a este ou que exorbi-tem – e na medida do excedente – a contribuição dos cofres públicos.

Fosse outra a mens legis, por certo não se teria subdi-vidido o preceito em duas partes distintas (caput e parágrafo único), restringido o alcance dos atos de improbidade àque-les praticados contra o patrimônio dos entes referidos e dis-sociado a reparação patrimonial da dimensão do dano causa-do ao patrimônio destes, limitando-a à repercussão do dano sobre a contribuição dos cofres públicos.

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4.2.1 Entidade que Receba Subvenção, Benefício ou Incentivo,

Fiscal ou Creditício, de Órgão Público

As entidades que recebam subvenção,68 benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, qualquer que seja o montante, poderão ser igualmente atingidas pelos atos de improbidade.

Face aos amplos termos do parágrafo único do art. 1o, deve-se-lhe dispensar uma interpretação condizente com a inafastável necessidade de proteção do erário, alcançando as entidades beneficentes que recebam isenções fiscais ou participem de quaisquer programas governamentais que importem no repasse de subvenções; as empresas que aufi-ram incentivos creditícios sob a forma de empréstimos com a fixação de juros inferiores aos praticados pelo mercado;69

aquelas que figurem como donatárias de áreas públicas para a construção de parque industrial etc.

É importante observar, no entanto, que a interpretação da norma não pode servir de esteio a conclusões desarrazoadas e desvinculadas do sistema. Considerando que a lei se destina a alcançar os entes que disponham de um tratamento diferenciado do Poder Público, sempre com o objetivo de atingir determinado fim de interesse público, é possível afirmar que, para fins de incidência da Lei nº 8.429/92, os benefícios, incentivos e subvenções não deverão ter sido concedidos em caráter genérico. O recebimento destes sempre deverá estar associado à consecução de determinado fim específico, cuja individualização deve resultar clara pelas circunstâncias de sua concessão. Fosse outra a conclusão, todas as microempresas do País, por isentas do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, seriam sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade, o mesmo ocorrendo com as pessoas físicas que recebem rendimentos no espectro da faixa de isenção.

68 Ver art. 12, § 3o, da Lei no 4.320/92.69 O agente público que autorizar o empréstimo deve exigir as garantias necessárias à salva-

guarda do numerário emprestado, sob pena de sua conduta se subsumir ao disposto no arti-go 10, VI, da Lei no 8.429/92 (realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea).

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Por força do art. 174 da Constituição da República, o Estado, observado o disposto em lei, está autorizado a forne-cer incentivos a empresas do setor privado com o fim de pro-mover o desenvolvimento da atividade econômica, o que também poderá representar importante fator de prosperida-de em uma região que pouco interesse tenha despertado aos investidores.

Ainda que não vise a auferir uma lucratividade de ordem financeira, pois o prejuízo monetário imediato é nor-malmente divisado, é indispensável que o fim visado com a utilização do dinheiro público seja a consecução das necessi-dades sociais, sendo imperativa a sua utilização de forma responsável e transparente.

A tão alvitrada transparência, por sua vez, somente será preservada com a apresentação dos projetos que serão empreendidos pela pessoa jurídica beneficiada, a exigência de prestação de contas70 e a realização de uma fiscalização adequada, possibilitando o controle do destino dada ao dinheiro público. Não empreendidas essas providências e sendo causado dano ao patrimônio público, será possível perquirir a responsabilidade do agente desidioso, conforme resulta claro do art. 10, X, da Lei no 8.429/92 (“agir negli-gentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”).

4.2.1.1 Terceiro Setor

Além da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podem ser atingidas pelos atos de improbidade aquelas empresas que, de qualquer modo,

70 De acordo com o artigo 70, parágrafo único, da CR/88, prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou adminis-tre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Por força deste preceito constitucional e do art. 75 da CR/88, todas os responsáveis pelas entidades referidas no artigo 1o da Lei no

8.429/92 têm o dever de prestar contas, inclusive aquelas que não integram a administra-ção pública, mas tão-somente se beneficiam do dinheiro dos contribuintes. Trata-se de pre-ceito salutar, cuja importância mereceu destaque no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: A sociedade tem o direito a pedir conta a todo agente público de sua administração.

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tenham recebido recursos públicos. Releva analisar, neste passo, a situação das organizações sociais, disciplinadas pela Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998, e das organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, que compõem o denomi-nado terceiro setor.

O terceiro setor, também denominado de setor não lucrativo ou setor de utilidade pública, congrega todas as organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos e que prestam serviços de utilidade pública "desvinculados do assim denominado 'núcleo estratégico', configurado por funções essenciais à definição e execução das políticas públicas (Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e determinados setores do Poder Executivo)".71

Coexistem com os entes do primeiro e do segundo setor, compostos, respectivamente, pelas entidades estatais e pelas pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrati-vos. Não obstante a qualificação que se lhes atribui, não che-gam a constituir um tipo específico de pessoas jurídicas, já que mantém suas características inatas. No entanto, por preencherem determinados requisitos, recebem um título próprio que lhes permite o enquadramento em um regime jurídico diferenciado, auferindo determinados benefícios previstos em lei, sendo este o elemento que as distingue das demais pessoas jurídicas de direito privado.

Tradicionalmente, o terceiro setor vem sendo ocupado por muitas entidades que recebem títulos de utilidade públi-ca. A aferição de requisitos meramente formais para a certi-ficação, a inexistência de uma disciplina adequada em rela-ção à atividade finalística a ser desenvolvida e aos critérios de aferição das metas a serem obtidas, bem como o excesso de discrição do Poder Público, isto em razão das inúmeras lacunas na legislação, contribuíram decisivamente para o paulatino enfraquecimento da credibilidade dessas entida-des.

71 MOREIRA Egon Bockmann, "Terceiro Setor da Administração Pública. Organizações Sociais. Contrato de Gestão. Organizações sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e seus 'vínculos contratuais' com o Estado", in Revista de Direito Administrativo nº 227/312.

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De qualquer modo, inexiste vedação à emissão de novos títulos de utilidade pública, sendo os entes contempla-dos, a teor do art. 1o da Lei no 8.429/92, sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade sempre que recebam incentivos ou subvenções do Poder Público.

Buscando contornar os inconvenientes detectados na disciplina das entidades consideradas de utilidade pública, foram criadas novas formas de certificação das pessoas jurí-dicas de direito privado que prestam serviços de interesse coletivo, do que resultou os títulos de organização social e de organização da sociedade civil de interesse público. Com a instituição dessas formas de qualificação, ambas sujeitas a uma normatização específica, o Poder Público poderá dele-gar a terceiros atividades que normalmente eram por ele exercidas ou mesmo receber o auxílio dessas organizações em sua atuação regular, isto sem contar os maiores benefí-cios e vantagens que serão garantidos a tais entes se compa-rados com aqueles que tão-somente ostentam o título de uti-lidade pública.

Consoante o disposto no art. 1o da Lei no 9.637/98, pode-se dizer que são organizações sociais aquelas entida-des de direito privado, sem fins lucrativos, que como tais sejam declaradas pelo Poder Executivo, a partir da verifica-ção do preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 2o e 4o da Lei no 9.637/98 e cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológi-co, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Como deflui da própria norma, o regime das organiza-ções sociais é atípico, pois não integram a administração pública indireta e desempenham suas atividades em moldes diversos daqueles próprios das concessionárias ou permis-sionárias de serviços públicos, não recebendo delegação, mas, sim, qualificação, estando impossibilitadas de auferir lucros em suas atividades, o que resulta na obrigatoriedade de reinvestimento de todo numerário obtido.

A entidade qualificada como organização social está legitimada a celebrar com o Poder Público contrato de ges-tão, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacio-

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nadas no art. 1o, objeto da atividade finalística de tais entes. De acordo com o art. 6o, o contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabili-dades e obrigações do Poder Público e da organização social, devendo ser submetido, após a aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Na pureza de sua concepção, o contrato de gestão, ao utilizar o regime próprio dos entes privados na consecução do interesse público, tem por fim estimular a competitivida-de e alcançar a eficiência da administração pública, pois, além de flexibilizar a ação de tais entes, fixará, ab initio, os resultados a serem obtidos, os quais serão periodicamente aferidos. Com isto, atividades tipicamente públicas serão conduzidas pela iniciativa privada, resultando na supressão de inúmeras formalidades, o que, se por um lado confere maior mobilidade à atividade desenvolvida, por outro em muito suaviza o rigor na aferição da adequação dos atos estatais à sistemática legal.

Com efeito, o art. 12, § 3o, da Lei no 9.637/98 dispensa a realização de licitação para a outorga de permissão de uso de bens públicos às organizações sociais, sendo igualmente dispensada a licitação para que o Poder Público celebre con-tratos de prestação de serviços com tais entidades - desde que a atividade tenha sido contemplada no objeto do contra-to de gestão.72 Não bastasse isto, a qualificação é ato discricionário do órgão competente e não são previstos requisitos de ordem subjetiva para a sua realização e ulterior contratação com as organizações sociais, o que permitirá, v.g., que pessoas destituídas de um mínimo de idoneidade moral venham a integrar os órgãos de direção de tais entes. Assim, é difícil imaginar - e com maior razão em períodos eleitorais - que tais entidades não virão a se constituir em um dos maiores focos de imoralidade já vistos na história republicana, o que certamente desvirtuará e desacreditará os objetivos da lei. Em razão dessas peculiari-dades, somente uma fiscalização adequada e de índole

72 Art. 24, XXIV, da Lei no 8.666/93, com a redação determinada pela Lei no 9.648/98.

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eminentemente preventiva não permitirá que inúmeros ilíci-tos sejam praticados.

Partindo da premissa de que a qualificação de determi-nada entidade como organização social pressupõe que ela não tenha fins lucrativos, afigura-se evidente que, regra geral, o contrato de gestão firmado entre o Poder Público e uma entidade dessa natureza deverá prever a transferência de recursos, bens ou serviços de origem pública, o que pos-sibilitará o implemento do objeto específico de tal avença e a preservação do princípio da eficiência consagrado no texto constitucional. Este fato, por si só, demonstra que as organi-zações sociais podem ser lesadas por atos de improbidade, sendo o Poder Público o sujeito passivo material, vale dizer, o ente de origem das subvenções (bens, serviços ou recur-sos) destinadas àquelas organizações. Observe-se, ainda, que as organizações sociais, consoante o art. 11, são decla-radas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais, o que também reforça o seu enquadramento no art. 1o da Lei de Improbidade, já que gozarão de benefícios e incentivos fiscais e creditícios.

Em relação à subsunção da conduta à tipologia dos atos de improbidade, vale reiterar que os agentes das organizações sociais (dirigentes, empregados etc.) estão sujeitos à seguinte disciplina:

a) recebendo a organização social benefício, incentivo ou subvenção inferior a cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o disposto no parágrafo único do art. 1o

da Lei no 8.429/92, somente estando o agente sujeito a sanções em sendo detectado o dano ao patrimônio público, isto porque aquele preceito é dotado de menor amplitude do que o caput; e

b) recebendo a organização social subvenções (rectius: transferências do erário destinadas a cobrir suas despesas de custeio – art. 12, § 3o, da Lei no 4.320/64) que represen-tem mais de cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o art. 1o, caput, da Lei de Improbidade, estando o agente sujeito à tipologia legal ainda que não seja divisada a ocorrência de dano.

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Além das organizações sociais, merecem ser lembra-das as organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei no 9.790/99 e que funcionam sob o regi-me de gestão por colaboração. Em linhas gerais, são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos e que rece-bem tal qualificação do Executivo após comprovarem o exer-cício de determinadas atividades de utilidade pública e o cumprimento dos requisitos previstos no art. 4o da lei de regência, dentre os quais pode ser mencionada a necessária observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência.

Obtida a qualificação, as organizações da sociedade civil de interesse público estarão habilitadas a celebrar termo de parceria com o Poder Público, que formalizará o vínculo de cooperação entre as partes para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o da Lei. Os termos de parceria discriminarão direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias.

Os mecanismos de fiscalização dos termos de parceria são em muito semelhantes àqueles instituídos pela Lei no

9.637/98 para os contratos de gestão celebrados entre o Poder Público e as organizações sociais. A organização deve conferir ampla publicidade à forma de gasto dos recursos públicos; o Poder Público deve garantir o livre acesso às informações relativas às organizações; é imperativo que as organizações sejam fiscalizadas por órgãos estatais da área de atuação correspondente à atividade fomentada; e devem os responsáveis pela fiscalização, sob pena de responsabili-dade solidária, informar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas qualquer irregularidade ou ilegalidade na utiliza-ção de recursos ou bens de origem pública pela organizacão (art. 12 da Lei no 9.790/99).

Não cumprindo a atividade a que se destina, deixando de atender aos requisitos previstos em lei ou sendo detectado desvio de finalidade em suas operações,73 estará a organiza-ção da sociedade civil de interesse público sujeita à perda da qualificação, o que se dará a pedido ou mediante decisão

73 Art. 16. É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleito-rais, sob quaisquer meios ou formas.

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proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciati-va popular ou do Ministério Público, no qual serão assegura-dos o contraditório e a ampla defesa.

Como pode ser facilmente observado, o regime das organizações da sociedade civil de interesse público em muito se assemelha ao das organizações sociais. Ambas inte-gram o denominado terceiro setor, devem executar serviços públicos e manter-se em estrita harmonia com o pacto cele-brado com o Poder Público, isto sem contar a necessária publicidade de seus atos e a sujeição a rigorosos mecanis-mos de controle.

No que concerne aos pontos de distinção, merece lem-brança a lição de Carvalho Filho:74

“Um deles é a participação de agentes do Poder Público na estrutura da entidade: enquanto é ela exigida nos Conselhos de Administração das organizações sociais, não há esse tipo de ingerência nas orga-nizações da sociedade civil de interesse público. Outro aspecto é a formalização da parceria: com aquelas entidades é celebrado contrato de gestão, ao passo que com estas é firmado termo de parce-ria. Enfim, nota-se que as linhas da disci-plina jurídica das organizações sociais colocam-nas um pouco mais atreladas ao Poder Público do que as organizações da sociedade civil de interesse público. Ambas, porém, retratam novas formas de prestação de serviços públicos”.

Além disso, as organizações da sociedade civil de interesse público podem ter um objeto social mais amplo que as organizações sociais, o seu processo de qualificação é mais simplificado e devem fazer publicar nos trintas dias subsequentes à assinatura do termo de parceria o regulamento que será adotado nas contratações a serem realizadas, o qual deverá necessariamente observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, 74 Manual de Direito Administrativo, 7a ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 278.

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publicidade, economicidade e eficiência.75 Diferentemente das organizações sociais, não há previsão legal de transferência de servidores do órgão com o qual firmaram o termo de parceria. No entanto, a Medida Provisória nº 37, de 9 de maio de 2002, convertida na Lei nº 10.259, de 22 de setembro de 2002, acresceu um parágrafo único ao art. 4º da Lei nº 9.790/99, permitindo que servidores públicos participassem da diretoria ou do conselho, o que em muito atenuou a distinção para com as organizações sociais.

Por não exercerem atividade lucrativa, as organizações da sociedade civil de interesse público serão normalmente contempladas com recursos públicos, o que viabilizará o exercício de suas atividades finalísticas e, ipso facto, permi-tirá a aplicação das normas da Lei de Improbidade. Nesse particular, ante a identidade dos argumentos, reportamo-nos ao que dissemos em relação às organizações sociais.

4.2.2 A Noção de Entidades Custeadas pelo Erário

Tanto o caput como o parágrafo único do art. 1o fazem expressa menção às empresas custeadas pelo erário, sendo estabelecida uma distinção, quanto às sanções cominadas, conforme o erário concorra ou haja concorrido com mais ou menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Concorrendo com mais de cinqüenta por cento, haverá incidência imediata de todo o microssistema de combate à improbidade, concorrendo com menos, além de exigível a ocorrência de dano, a reparação se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públi-cos.

Por força desse preceito, foi consideravelmente ampliado o rol dos sujeitos passivos dos atos de improbidade, o que exige sejam redimensionadas as clássicas concepções doutrinárias que se limitavam ao estudo da administração direta e indireta, noções incapazes de albergar por completo as inovações introduzidas pela Lei de Improbidade.

Trata-se de situação peculiar instituída pela Lei de Improbidade e extremamente relevante ao evolver da mora-

75 Art. 14 da Lei nº 9.790/99.

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lidade que deve reger as relações intersubjetivas: eleva-se o desfalque de montante originário do patrimônio público, ainda que o numerário seja legalmente incorporado ao patri-mônio privado, à condição de elemento consubstanciador da improbidade.

Em decorrência disto, os agentes privados são equipa-rados aos agentes públicos76 para o fim de melhor resguar-dar o destino atribuído à receita de origem pública, estando passíveis de sofrer as mesmas sanções a estes cominadas e que estejam em conformidade com a peculiaridade de não possuírem vínculo com o Poder Público. Assim, também poderão ser sujeitos passivos dos atos de improbidade as entidades, ainda que não incluídas dentre as que compõem a administração indireta, que recebam investimento ou auxílio de origem pública, o que pode ser exemplificado com o auxí-lio financeiro prestado pelo Banco Central do Brasil a insti-tuições financeiras em vias de serem liquidadas, erigindo seus administradores à condição de agentes públicos para os fins da Lei no 8.429/92.77

Justifica-se a previsão legal, pois se o Poder Público cede parte de sua arrecadação a determinadas empresas, tal certamente se dá em virtude da presunção de que a ativida-de que desempenham é de interesse coletivo, o que torna imperativa a utilização do numerário recebido para esse fim.

Face à relevância do tema, realizaremos uma breve referência a algumas hipóteses específicas de aplicação dessa regra, bem como do que se deve entender por custeio pelo erário: alcançaria unicamente os casos em que o numerário se deslocasse fisicamente do caixa público para o caixa privado ou corresponderia, igualmente, às situações em que o Estado, valendo-se do seu poder de império, determinasse ao particular a entrega de recursos a determinado ente?

É o que iremos analisar.

4.2.2.1 Empresas Estatais Dependentes

76 Art. 2o da Lei no 8.429/92.77 Ver art. 28 da LC no 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

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O enquadramento das empresas estatais dependentes nas hipóteses descritas no caput ou no parágrafo único do art. 1o da Lei de Improbidade variará em conformidade com o montante do custeio realizado pelo Poder Público. Na definição do art. 2º, III, da LC nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), considera-se empresa estatal dependente a "empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária."

A ressalva constante da parte final do preceito é justificável na medida em que a aparente oneração do erário com o repasse de recursos para o aumento do capital se diluirá com a obtenção de novas ações do ente controlado, aumentando a sua participação acionária. Esse tipo de empresa, por força do art. 1º, § 3º, I, b, in fine, da Lei de Responsabilidade Fiscal está submissa ao regramento do referido diploma legal. O descumprimento desta, por sua vez, sujeitará o infrator aos ditames da Lei nº 8.429/92 (art. 73 da LRF), na forma já preconizada, que variará conforme o volume de recursos repassados.

4.2.2.2 Sindicatos

Os sindicatos78, sejam patronais ou representativos dos empregados, podem ser considerados sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade pelo simples fato de serem os destinatários finais dos recursos angariados com as denominadas "contribuições sindicais".

Inicialmente, cumpre observar que os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, sua criação independe de autorização do Estado e é vedada a interferência ou a intervenção deste na organização sindical.79 No entanto, devem registrar os seus estatutos junto ao Ministério do Trabalho.80 Apesar de os sindicatos não integrarem a administração pública direta ou indireta, as contribuições

78 O substantivo sindicato deriva de sundike, termo oriundo do grego e que significa procurador. 79 Art. 8º, I, da CR/88.80 Art. 558 da CLT. O STF decidiu que esse preceito foi em parte recepcionado pela

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sindicais por eles auferidas devem ser consideradas contribuições parafiscais, logo, consubstanciam recursos oriundos do Poder Público.

Segundo Aliomar Baleeiro,81

"a parafiscalidade, alvo de muitos debates no Brasil, tem quatro elementos característicos: a) delegação do poder fiscal do Estado a um órgão oficial ou semi-oficial autônomo; b) vinculação especial ou 'afetação' dessas receitas aos fins específicos cometidos ao órgão oficial ou semi-oficial investido daquela delegação; c) em alguns países, exclusão dessas receitas delegadas do orçamento geral (seriam então 'paraorçamentárias', para-budgetaires, segundo Laferrière); d) conseqüentemente, subtração de tais receitas à fiscalização do Tribunal de Contas ou órgão de controle da execução orçamentária". Ao final conclui: "as contribuições parafiscais, em resumo, são tributos, e como tais, não escapam aos princípios da Constituição".

Além de serem pagas em guia padronizada do Ministério do Trabalho, pelas pessoas físicas ou jurídicas obrigadas, com destinação específica ao sindicato da categoria, as contribuições sindicais têm nítida natureza

Constituição de 1988, o que exige a efetivação, no âmbito do Ministério do Trabalho, do respectivo registro sindical. Segundo a Corte, enquanto não editada a lei a que se refere o art. 8º, I, "... a função de salvaguarda da unidade sindical induz a sediar, "si et in quantum", a competência para o registro das entidades sindicais no Ministério do Trabalho, detentor das informações imprescindíveis ao seu desempenho. 5. O temor compreencível - subjacente à manifestação dos que se opõem à solução-, de que o hábito vicioso dos tempos passados tenda a persistir, na tentativa, consciente ou não, de fazer da competência para o ato formal e vinculado do registro, pretexto para a sobrevivência do controle ministerial asfixiante sobre a organização sindical, que a Constituição quer proscrever - enquanto não optar o legislador por disciplina nova do registro sindical -, há de ser obviado pelo controle jurisdicional da ilegalidade e do abuso de poder, incluída a omissão ou o retardamento indevidos da autoridade competente." (Pleno, MI nº 1.448, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

81 Direito Tributário Brasileiro, 10a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1991, p. 641.

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parafiscal: a) a compulsoriedade denota a sua natureza tributária, o que deflui da letra expressa do Código Tributário Nacional82; b) tratando-se de recursos endereçados ao sindicato, cabe a este, inclusive, diligenciar a sua cobrança no âmbito da Justiça Comum83; c) as receitas auferidas com as contribuições sindicais devem ser direcionadas ao atingimento das finalidades previstas no art. 592 da Consolidação das Leis do Trabalho, observando-se, sempre, a autonomia e os estatutos do sindicato84; e d) ante a natureza parafiscal das contribuições sindicais, não é cogente a prestação de contas ao Tribunal de Contas, estando sujeitos à fiscalização dos órgãos trabalhistas de cunho administrativo.85

Contrariamente ao que afirmam alguns, a necessidade

de aplicação das receitas auferidas em determinadas atividades previstas em lei e a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho não apresentam qualquer incompatibilidade com o disposto no art. 8º, I, da Constituição da República, pois não importam propriamente em interferência ou em intervenção na organização sindical. Tais mecanismos derivam diretamente da natureza jurídica das contribuições sindicais e visam a preservar a pureza dos fins da organização sindical. Assim, ainda que sob os auspícios da livre organização sindical, seria inconcebível que os recursos arrecadados com tributos fossem direcionados, em sua integridade, ao patrimônio dos dirigentes sindicais. Esta, em essência, é a razão de ser dos meios de controle existentes.

Ao falar em "entidade para cuja criação ou custeio o erário haja

82 Art. 217, I, do CTN. 83 "Competência. Ação de cumprimento. Acordo ou convenção. Contribuição sindical. A

competência cometida à Justiça do Trabalho pela Lei nº 8.984/95 é restrita ao dissídio que tenha origem no cumprimento de convenção ou acordo coletivo, não se podendo ampliá-la, em ordem a alcançar a cobrança de contribuição sindical estabelecida em lei. Competência da Justiça Comum. Cumulação inadmitida de pedidos. Aplicação quanto ao ponto do princípio da Súmula nº 170-STJ. Embargos de declaração parcialmente recebidos, implicando a integração a modificação do julgado". (STJ, 2ª Seção, ED no CC nº 17.765/MG, rel. Min. Costa Leite, j. em 13/08/1997, DJ de 03/08/1998).

84 Art. 592, § 1º, da CLT. 85 Arts. 551 e 553 da CLT.

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concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual", o art. 1º, caput, da Lei nº 8.429/92 não buscou restringir sua aplicação às hipóteses em que, fisicamente, a saída dos recursos tenha se dado dos cofres públicos. Públicos serão, igualmente, os recursos que determinados setores da população, por força de preceitos legais e independentemente de qualquer contraprestação direta e imediata, estão obrigados a repassar a certas entidades. Essa conclusão, aliás, que deflui da natureza tributária das contribuições sindicais, está em total harmonia com o disposto no art. 552 da Consolidação das Leis do Trabalho: "os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal".

Estando os sindicatos enquadrados no disposto no art. 1º da Lei de Improbidade, conclui-se que os seus dirigentes e as demais pessoas que com eles mantenham algum tipo de vínculo funcional, consoante a previsão do art. 2º do mesmo diploma legal, são sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade sempre que sua conduta se subsuma à tipologia legal. Por óbvias razões, não são alcançados pela Lei de Improbidade os empregados e os empregadores sindicalizados, já que não exercem qualquer atividade laborativa junto ao seu respectivo sindicato.

4.2.2.3 Conselhos de Fiscalização do Exercício

Profissional

Os conselhos de fiscalização do exercício profissional, como se intui de sua própria designação, destinam-se a controlar o exercício de determinadas profissões regulamentadas em lei, sempre com o fim precípuo de preservar o interesse público. Para tanto, exercem um verdadeiro poder de polícia, o que lhes permite velar pelas restrições impostas em lei e exigir o cumprimento de requisitos específicos por parte daqueles que pretendem exercer ou continuar exercendo a profissão.

Tais conselhos, pela própria natureza da atividade desenvolvida, são exemplos de descentralização administrativa, já tendo recebido, inclusive, o designativo

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doutrinário de "autarquias corporativas".86 É viva, no entanto, a discussão quanto à sua inserção sob a epígrafe da administração indireta, sendo comumente suscitado o argumento de que não recebem recursos públicos, sendo mantidos com as contribuições dos seus associados.

Para os fins dessa exposição, em que se busca identificar o enquadramento, ou não, dos conselhos de fiscalização profissional no permissivo do art. 1º da Lei de Improbidade, basta afirmar que os integrantes da categoria são obrigados a recolher, em prol da respectiva entidade, contribuições que se enquadram na categoria das parafiscais. Tais contribuições, na medida em que estão previstas em lei e são de imperativo recolhimento, devem ser efetivamente consideradas como recursos públicos, ainda que o numerário não seja fisicamente retirado do erário. Aplicam-se, aqui, os mesmos argumentos deduzidos no item anterior em relação à possibilidade de os sindicatos serem sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade.

Sobre a natureza das contribuições recebidas pelos conselhos de fiscalização profissional, assim de pronunciou o Supremo Tribunal Federal87, in verbis:

"Ementa: Constitucional. Administrativo. Entidades fiscalizadoras do exercício profissional. Conselho Federal de Odontologia: natureza autárquica. Lei nº

86 O Supremo Tribunal Federal há muito reconheceu a natureza autárquica desses conselhos: "Mandado de segurança: recurso ordinário constitucional (CF, art. 102, II, 'a'): devolução ao STF, a exemplo da apelação (CPC, 515 e parágrafos), do conhecimento de toda a matéria impugnada, que pode abranger todas as questões suscitadas e discutidas no processo de natureza constitucional ou não e ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. 2. Autarquias de fiscalização profissional: supervisão ministerial (DL 968/69). Enquanto se mantenha a autarquia profissional no exercício regular de suas atividades finalísticas, carece o Ministro do Trabalho de competência tutelar, seja para decidir, em grau de recurso hierárquico, posto que impróprio, sobre as decisões concretas da entidade corporativa, seja para dar-lhe instruções normativas sobre como resolver determinada questão jurídica de sua alçada. 3. Administração de imóvel: prestação de serviço, cuja inclusão no âmbito profissional dos técnicos de administração depende do exame de circunstâncias do caso concreto". (STF, Pleno, RMS nº 20.976/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 07/12/1989, DJ de 16/02/1990, p. 928). Observe-se, no entanto, que a Lei nº 8.906/94, que "dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil", em seu art. 44, reza que "a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade...".

87 Pleno, MS nº 21.797-9, j. em 09/03/2000.

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4.234/64, art. 2º; CF, arts. 70, parágrafo único, e 71, II.I - Natureza autárquica do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Odontologia. Obrigatoriedade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Lei nº 4.234/64, art. 2º; CF, arts. 70, parágrafo único, e 71, II.II - Não-conhecimento do mandado de segurança no que toca à recomendação do Tribunal de Contas da União para aplicação da Lei nº 8.112/90, vencidos o relator e os Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa.III - Os servidores do Conselho Federal de Odontologia deverão submeter-se ao regime único da Lei nº 8.112, de 1990: votos vencidos do relator e dos Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa.IV - As contribuições cobradas pelas autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional são contribuições parafiscais, contribuições corporativas, com caráter tributário. CF, art. 149. RE nº 138.284/CE, Velloso, Plenário, RTJ 143/313.V - Diárias: impossibilidade de os seus valores superarem os valores fixados pelo chefe do Poder Executivo, que exerce a direção superior da Administração federal (CF, art. 84, II).VI - Mandado de segurança conhecido, em parte, e indeferido na parte conhecida."

O Supremo Tribunal Federal, do mesmo modo,

reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 58 da Lei nº 9.649/98 - diploma que tratava da organização da Presidência da República e dos Ministérios88 - na parte em

88 A Lei nº 9.649/98 foi expressamente revogada pelo art. 57 da Medida Provisória nº 103, de 1º de Janeiro de 2003, convertida na Lei no 10.683, de 28 de Maio de 2003, que traçou nova disciplina na organização da Presidência da República e dos Ministérios.

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que dispunha sobre a natureza privada dos conselhos de fiscalização profissional, a inexistência de vínculo entre tais conselhos e os órgãos da administração pública, lhes conferia imunidade tributária e a submissão dos conselhos, no que concerne às suas atividades administrativas e financeiras, unicamente ao conselho federal da respectiva profissão.89

O Tribunal de Contas da União tem sistematicamente reconhecido: a) a natureza autárquica dos conselhos de fiscalização profissional, o que legitima a imunidade tributária que lhes é assegurada90; b) a natureza parafiscal das contribuições que recebem; c) a obrigatoriedade da prestação de contas ao referido órgão, a exemplo do que fazem todos aqueles que administram recursos públicos; d) a possibilidade de contratarem seus empregados pelo regime da CLT e sem a realização de concurso público, desde que assegurada a publicidade do ato e a isonomia entre os interessados.91

Conclui-se que os conselhos de fiscalização profissional podem ser sujeitos passivos dos atos de improbidade, o que, por força do art. 2º da Lei nº 8.429/92, permite sejam enquadrados como sujeitos ativos todos aqueles que mantenham algum tipo de vínculo funcional com tais entidades.

4.2.2.4 Partidos Políticos

89 "Direito Constitucional e Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade do art. 58 e seus parágrafos da Lei Federal nº 9.649, de 27.05.1998, que tratam dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas. 1. Estando prejudicada a ação, quanto ao § 3o do art. 58 da lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a ação direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime." (STF, Pleno, ADI nº 1.717/DF, rel. Min. Sydney Sanches).

90 Art. 150, VI, a e § 2º, da CR/88.91 TCU, Recurso de Reconsideração TC-625.243/96-0, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. em 08/05/2001, BDA de maio de 2002, p. 418.

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Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado92 que atuam como entes aglutinadores das distintas concepções ideológicas de determinada sociedade, viabilizando a participação popular, facilitando o intercâmbio entre governantes e governados e em muito contribuindo para o evolver da democracia.

Seu contorno básico foi traçado pela Constituição da República, dispondo o art. 17 que "é livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana". No âmbito infraconstitucional, regulamentam a atividade dos partidos políticos a Lei nº 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), a Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), a Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) e as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

Considerando os objetivos dessas breves linhas, não é esta a seara adequada para discorremos sobre o relevante papel desempenhado pelos partidos políticos em um sistema democrático. Por esse motivo, nos limitaremos à demonstração de que os partidos políticos são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade, pois efetivamente recebem recursos de natureza pública.

Com efeito, além de estarem legitimados a receber recursos de origem privada, observados os limites previstos na lei eleitoral, os partidos políticos auferem os recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, também denominado de Fundo Partidário, que é integrado, em sua maior parte, por receitas de origem pública.93

92 Art. 1º da Lei nº 9.096/95. Segundo o art. 17, § 2º, da CR/88, "os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral".

93 O art. 38 da Lei nº 9.096/95, que trata da constituição do Fundo Partidário, possui a seguinte redação: “O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por: I- multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; II- recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; III- doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário; IV- dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de

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As dotações orçamentárias que devem ser direcionadas pela União ao Fundo Partidário serão consignadas, no Anexo do Poder Judiciário, ao Tribunal Superior Eleitoral, o qual terá a responsabilidade de distribuí-las aos seus destinatários.94 Dentro de cinco dias, a contar do depósito dos duodécimos referentes a tal previsão orçamentária, o Tribunal Superior Eleitoral providenciará a distribuição das cotas do Fundo Partidário, observados os seguintes critérios: "I- um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; II- noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13,95 na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados."96

A origem pública da maior parte das receitas auferidas pelos partidos políticos enseja a aplicação da regra do art. 1º, parte final, da Lei nº 8.429/92, tornando incontroverso que tais entes são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade.

É relevante observar que a possibilidade de o Fundo Partidário captar doações de pessoas físicas ou jurídicas, que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, em nada compromete a assertiva de que os partidos políticos recebem recursos públicos. Em que pese serem pessoas jurídicas de direito privado, os partidos políticos em nada se confundem com o Fundo Partidário, que tem natureza eminentemente pública. Assim, tão logo ingressem neste Fundo, os recursos privados se transmudam em públicos, mantendo essa condição até que cheguem ao caixa dos partidos políticos, ocasião em que, não obstante reassumam a natureza privada, continuam sujeitos à fiscalização pelos órgãos competentes, o que deflui de sua origem.

1995".94 Art. 40 da Lei nº 9.096/9595 Art. 13 da Lei nº 9.096/95: "Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas

Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles".

96 Art. 41 da Lei nº 9.096/95.

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Ante a natureza dos recursos auferidos pelos partidos políticos, o art. 44 da Lei nº 9.096/95,97 com muita propriedade, dispôs sobre o destino que haveria de lhes ser dado e o dever de os partidos políticos prestarem contas à Justiça Eleitoral quanto ao destino dado aos recursos que receberam do Fundo Partidário. Além da possibilidade de utilização dos recursos em benefício de terceiros ou da sua apropriação por parte do próprio dirigente da agremiação partidária, situação certamente comum será a não comprovação de sua utilização para os fins descritos no art. 44 da Lei nº 9.096/95, o que ensejará o surgimento de uma presunção iuris tantum de desvio de finalidade.

4.3 SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE

No microssistema instituído pela Lei no 8.429/92, os atos de improbidade somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem o auxílio de terceiros. Sobre o alcance desse designativo, assim dispõe o art. 2o do referido diploma legal, verbis:

Art. 2o Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remu-neração, por eleição, nomeação, designa-ção, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

97 O art. 44 da Lei no 9.096/95 tem a seguinte redação: “Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: I - na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, este último até o limite máximo de vinte por cento do total recebido; II - na propaganda doutrinária e política; III - no alistamento e campanhas eleitorais; IV - na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido. § 1° - Na prestação de contas dos órgãos de direção partidária de qualquer nível devem ser discriminadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, de modo a permitir o controle da Justiça sobre o cumprimento do disposto nos incisos l e IV deste artigo. § 2° - A Justiça Eleitoral pode, a qualquer tempo, investigar sobre a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário. § 3º - Os recursos de que trata este artigo não estão sujeitos ao regime da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993."

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Como se constata pela análise desse preceito, a con-cepção de agente público não foi construída sob uma pers-pectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções.

Além daqueles que desempenham alguma atividade junto à administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os quais são tradicionalmente enquadrados sob a epígrafe dos agentes públicos em sentido lato, a parte final do art. 2o (nas entidades mencionadas no artigo anterior) torna incontroverso que também poderão praticar atos de improbidade as pessoas físicas que possuam algum vínculo com as entidades que recebam qualquer montante do erário, quais sejam: a) empresa incorporada ao patrimônio público; b) entidade para cuja criação ou custeio o erário haja con-corrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; c) entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; d) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fis-cal ou creditício, de órgão público.

Assim, coexistem lado a lado, estando sujeitos às san-ções previstas na Lei no 8.429/92, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta ou indireta (perspecti-va funcional), e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades que, de qualquer modo, entrem em contato com numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). Como se vê, trata-se de conceito aparentemente mais amplo que o utilizado pelo art. 327 do Código Penal.

Nessa linha, para os fins da Lei de Improbidade, tanto será agente público o presidente de uma autarquia, como o proprietário de uma pequena empresa do ramo de laticínios que tenha recebido incentivos, fiscais ou creditícios, para desenvolver sua atividade.

Por evidente, o status de agente público haverá de ser aferido a partir da análise do vínculo existente entre o autor

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do ato e o sujeito passivo imediato por ocasião de sua práti-ca, ainda que quando da deflagração das medidas necessá-rias à persecução dos atos de improbidade outra seja a sua situação jurídica. Aplica-se, aqui, a regra tempus regit actum, sendo desinfluente a ulterior dissolução do vínculo que unia o ímprobo ao sujeito passivo do ato.

Os elementos que compõem o art. 2o da Lei no 8.429/92 conferem grande amplitude conceitual à expressão agente público, se não vejamos:

a) lapso de exercício das atividades: irrelevante, podendo ser transitório ou duradouro;

b) contraprestação pelas atividades: irrelevante, podendo ser gratuitas ou remuneradas;

c) origem da relação: irrelevante, pois o preceito abrange todas as situações possíveis – eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investi-dura ou vínculo;

d) natureza da relação mantida com os entes elenca-dos no art. 1o: mandato, cargo, emprego ou função.

À mingua de uma maior uniformidade terminológica na doutrina e partindo-se da disciplina delineada pela Lei no

8.429/92, a expressão agente público deve ser considerada o gênero do qual emanam as diversas espécies.

Trata-se de conceito amplo e que abrange os membros de todos os Poderes, qualquer que seja a atividade desempe-nhada, bem como os particulares que atuem em entidades que recebam verbas públicas, podendo ser subdividido nas seguintes categorias: agentes políticos, agentes particulares colaboradores, servidores públicos e agentes meramente particulares.

Como derivação lógica do sistema da Lei no 8.429/92, não bastará a identificação da condição de agente público e do correspondente vínculo com um dos sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade para que possa ser divisa-da a prática de atos de improbidade. É necessário, ainda, que o indivíduo pratique o ato, que pode ser comissivo ou

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omissivo,98 em razão de sua especial condição de agente público. Assim, não praticará ato de improbidade aquele que, verbi gratia, seja servidor de uma unidade da Federação e, estando de férias, danifique bens pertencentes a ente de outra unidade. Obviamente, neste singelo exem-plo, a condição de agente público não apresentou qualquer relevância para a prática do ato, já que desvinculado do exercício funcional.

4.3.1 Agentes Políticos

Agentes políticos são aqueles que, no âmbito do res-pectivo Poder, desempenham as funções políticas de direção previstas na Constituição,99 normalmente de forma transitó-ria, sendo a investidura realizada por meio de eleição (no Executivo, Presidente, Governadores, Prefeitos e, no Legislativo, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores) ou nomeação (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais).

Tese surpreendente e que tem merecido certo prestígio entre alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal100 é a de que os atos de improbidade, em verdade,

98 “Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Responsabilidade soli dária do gestor público. Responde pelos prejuízos causados ao erário, solidariamente, tanto o servidor, beneficiado pela irregularidade, como o Prefeito Municipal, na qualidade de gestor dos gastos públicos, tendo conhecimento do ato ilegal, causador do dano sujeito a reparação. Sentença parcialmente reformada. Apelação provida.” (TJRS, 3ª CC, AP no

598331445, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. em 11/3/1999). O art. 70, § 4o, da CR/88 tem o seguinte teor: “Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conheci-mento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”.

99 Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 19a ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 69), os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, por atuarem com independência funcional, também são agentes polí-ticos. Este enquadramento é combatido, dentre outros, por Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 4a ed., São Paulo: Editora Atlas, 1994, p. 353), Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 5a ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 123) e Carvalho Filho (op. cit., p. 448), os quais restringem o conceito de agentes públi-cos à concepção de governo e função política, implicando capacidade de fixação de metas, diretrizes e planos governamentais, com o que concordamos.

100Na Reclamação nº 2.138/02, sendo relator o Ministro Nélson Jobim, o julgamento foi suspenso, em 20/11/2002, por força do pedido de vista do Ministro Carlos Velloso, após o voto do relator, que deferira a liminar, e de outros quatro Ministros que acolhiam a tese:

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redundariam em crimes de responsabilidade, somente sujeitando o agente político à responsabilidade de igual natureza. Os artífices dessa curiosa e criativa tese argumentam que boa parte dos atos de improbidade encontram correspondência na tipologia da Lei nº 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade, o que seria suficiente para demonstrar que a infração política absorveria o ato de improbidade. Além disso, o próprio texto constitucional, em seu art. 85, V, teria recepcionado esse entendimento ao dispor que o Presidente da República praticaria crime de responsabilidade sempre que atentasse contra a probidade na administração, o que possibilitaria o seu impeachment.

O impeachment, desde a sua gênese, é tratado como um instituto de natureza político-constitucional que busca afastar o agente político de um cargo público que demonstrou não ter aptidão para ocupar. Os crimes de responsabilidade, do mesmo modo, consubstanciam infrações políticas, sujeitando o agente a um julgamento de igual natureza.101 Essa constatação, por si, já demonstra o

Ellen Grace, Gilmar Ferreira Mendes, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão. Os dois últimos se aposentaram e ainda restam seis votos a serem colhidos. Essa reclamação buscava desconstituir os efeitos do acórdão de Tribunal Regional Federal que, confirmando decisão do juízo singular, condenou Ministros de Estado nas sanções da Lei de Improbidade por terem utilizado aviões da FAB para desfrutar momentos de lazer em Fernando de Noronha. Esse julgamento foi televisionado, ao vivo, pela TV Justiça. Em seu voto, dentre outras preciosidades, afirmou o Ministro Nélson Jobim que não havia o mínimo problema em um agente público utilizar o avião da FAB para o seu lazer pessoal, pois o desgaste do avião seria o mesmo no céu ou na terra(!?). Cumpre observar, ainda, que inúmeras outras reclamações tramitam na Suprema Corte, todas com o objetivo de eximir agentes públicos das conseqüências dos atos de improbidade que praticaram, v.g.: 2.186 (rel. Min. Gilmar Mendes, que deferiu a liminar) e 2.207, 2.208, 2.225 e 2.230, as últimas com o indeferimento da liminar.

101 "El enfrentamiento y discusión política se traslada de la sede parlamentaria a los tribunales y, por ende, a la opinión pública a través de los medios de comunicación. Pero, sobre todo se confunden dos conceptos radicalmente diferentes: la responsabilidad política y la penal. El segundo es uma responsabilidad subjetiva, por culpa o dolo, y la primera es uma responsabilidad objetiva que además de culpa y dolo incluye la responsabilidad in vigilando e in eligendo. El proceso de exigencia es diferente, la responsabilidad penal requiere la fijación nítida y firme de los hechos hasta conducir a un convencimiento judicial de la culpabilidad, mientras que la responsabilidad política requiere sólo el convencimiento político-moral de tal culpabilidad. El parámetro de juicio es diverso, el de la responsabilidad judicial es el ordenamiento jurídico penal (que incluye únicamente las conductas que merecen el máximo desvalor por parte de la sociedad), mientras que em la política el parámetro de juicio es un código de conducta más vinculado

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desacerto da tese que procura equipará-los às condutas disciplinadas pela Lei de Improbidade, afeitas à seara cível e sujeitas a uma relação processual conduzida por um órgão jurisdicional.

Afigura-se induvidoso, no entanto, que os detentores de mandato político (Parlamentar, Governador, Prefeito etc.) devem observar os princípios estatuídos no art. 37 da Constituição, pois não seria razoável sustentar que esse pre-ceito, o que inclui o seu parágrafo quarto, somente seria aplicável aos demais servidores públicos. Estes possuem dis-ciplina autônoma nos arts. 39 e ss da Constituição da República, não sendo demais lembrar que muitos dos deten-tores de mandato político ocupam o mais alto grau hierárqui-co do Poder Executivo, qualquer que seja o ente da Federação, o que os erige à condição de principais destinatá-rios das normas que disciplinam a administração pública e que definem os atos de improbidade.

Entender que ao Legislativo é defeso atribuir conseqüências criminais, cíveis, políticas ou administrativas a um mesmo fato, inclusive com identidade de tipologia, é algo novo na ciência jurídica. Se o Constituinte não impôs tal vedação, será legítimo ao pseudo-intérprete impô-la? E o pior, é crível a tese de que a Lei nº 1.079/50 é especial em relação à Lei nº 8.429/92, culminado em absorver a última? É defeso que o agente público responda por seus atos em diferentes esferas, todas previamente definidas e individualizadas pelo Legislador? Como é fácil perceber, é por demais difícil sustentar que uma resposta positiva a esses questionamentos possa ser amparada pela Constituição, pela moral ou pela razão.

4.3.2 Agentes Particulares Colaboradores

a la moral y ética públicas. En fin, tras esta construcción subyace una identificación absolutamente inaceptable y que no resiste el más mínimo juicio desde una perspectiva democrática: la identificación entre inocencia política e inocencia penal. Esta identificación lleva a la aberrante conclusión de que los responsables políticos pueden desempeñar su cargo como quieran siempre que sus conductas no signifiquen la comisión de un delito" (Rafael Bastos Gisbert, "La Corrupción de los Gobernantes: responsabilidad política y responsabilidad penal, in La Corrupción: aspectos jurídicos y económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós, Salamanca: Ratio Legis, 2000, p. 37)

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Os agentes particulares colaboradores executam determinadas funções de natureza pública, por vezes de forma transitória e sem remuneração102 (ex.: jurados, mesá-rios, escrutinadores, representantes da sociedade civil em conselhos103 etc.), abrangendo, para os fins da Lei de Improbidade, aqueles que tenham sido contratados especifi-camente para o exercício de determinada tarefa.

Segundo Carvalho Filho,104 “são também considerados agentes particulares colaboradores os titulares de ofícios de notas e de registro não oficializados (art. 236, CF) e os con-cessionários e permissionários de serviços públicos”. Hely Lopes Meirelles105 fala em agentes delegados, entendendo que devem responder civil e criminalmente sob as mesmas normas da Administração Pública de que são delegados (art. 37, § 6o, da CR/88 e art. 327 do CP), “pois não é justo e jurí-

102 A Lei no 9.608/98 procurou regulamentar o serviço voluntário, tendo-o conceituado como a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada para fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, cul-turais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social (art. 1o), não gerando vínculo empregatício (art. 1o, parágrafo único) e tendo como pressuposto a celebração de termo de adesão (art. 2o). Acresça-se, ainda, que a lei prevê a possibilidade de ressarci-mento das despesas efetuadas (art. 3o). A Lei no 10.029/00 estabeleceu as normas gerais para a prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares. Em linhas gerais, autorizou os Estados e o Distrito Federal a organizar tais atividades (art. 1o) e esta-tuiu que: a prestação dos serviços terá duração de até um ano, prorrogável, no máximo, por igual período (art. 2o); os voluntários devem ter entre dezoito e vinte e três anos de idade (art. 3o); os Estados e o Distrito Federal estabelecerão os demais requisitos exigidos (art. 4o); os voluntários receberão um auxílio mensal de natureza indenizatória, que não excederá dois salários mínimos e a prestação voluntária dos serviços não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim (art. 6o).

103 Os membros dos Conselhos Tutelares, remunerados ou não, em razão do vínculo de natureza temporária que mantém com a municipalidade, podem praticar atos de impro-bidade. A respeito, o TJRS já decidiu da seguinte forma: “Embargos infringentes. Ação civil pública. Conselheiro Tutelar. Inidoneidade moral. Perda do cargo. Para a configu-ração da improbidade administrativa do réu, deve ser atribuído o mesmo valor à palavra da vítima conferido aos crimes sexuais, porque o ato imputado é a prática de relação sexual com uma menor que buscava atendimento no Conselho Tutelar. O relato minu-cioso, detalhado e uniforme da adolescente no tocante ao ato, sem contradição nos pon-tos essenciais, assume relevante valor probante e autoriza a procedência da ação intenta-da pelo Ministério Público, porque em sintonia com os outros elementos de prova. Exclusão do embargante dos quadros do Conselho Tutelar confirmada. Embargos infrin-gentes desacolhidos” (TJRS, 4o Grupo de Câmaras Cíveis, EI no 70001523257, rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 10/8/2001).

104 Ob. cit. p. 449.105 Ob. cit. p. 71.

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dico que a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracte-rize a sua intrínseca natureza estatal e libere o executor pri-vado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente”.

Neste particular, no entanto, a Lei no 8.429/92 adotou uma posição restritiva, não abrangendo, em seu art. 2o, aqueles que possuam vínculo com as concessionárias e per-missionárias de serviços públicos que não tenham sido cria-das ou custeadas pelo erário, ou que não recebam subven-ções, benefícios ou incentivos deste. A execução de serviços públicos por meio de concessão, permissão ou autorização é forma de descentralização administrativa, não guardando sinonímia com a concepção de Administração indireta adota-da pelo Decreto-Lei no 200/67 e referida no art. 1o da Lei no

8.429/92.

Ainda que a entidade particular preste um serviço público, tal, por si só, não tem o condão de sujeitar seus empregados aos termos da Lei de Improbidade, sendo imperativa a existência de investimentos do erário para a individualização do sujeito passivo do ato de improbidade e a conseqüente incidência do referido art. 2o. A conclusão diversa se chegará analisando-se a situação dos delegatários do serviço público, pessoas físicas ou jurídicas, os quais, diversamente dos seus empregados, efetivamente mantém um vínculo com o órgão delegante, do que resulta a sua condição de sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade.

Em sentido contrário, Carlos Frederico Brito dos Santos106 sustenta que os empregados das empresas contratadas para o desempenho de atividades terceirizadas junto à administração pública efetivamente exercem uma função pública e com ela mantém um vínculo de natureza indireta, o que, à mingua de qualquer restrição no art. 2º da Lei nº 8.429/92, os conduz à condição de sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade. Não obstante a coerência dos argumentos, não nos parece que o sistema os recepcione.

106 Improbidade Administrativa, Reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, pp. 08/10.

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Com efeito, destoa da lógica do razoável sujeitar o empregado de uma empresa privada, pelo simples fato de exercer temporariamente suas atribuições junto ao Poder Público, aos mesmos deveres dos agentes públicos sem norma que torne clara tal sujeição. Essa conclusão deflui da inexistência de qualquer liame com o Poder Público, já que o vínculo é restrito à empresa que os contratou e que estabeleceu as diretrizes a serem observadas no desempenho de suas funções. Vínculo indireto, em verdade, soa como mero eufemismo, pois vínculo nunca ouve. E ainda, a coerência desse raciocínio exigiria a sua aplicação em outras vertentes, o que certamente romperia com a coerência do sistema. À guisa de ilustração, pode ser mencionada a extensão da vedação à acumulação de cargos públicos, prevista no art. 37, XVI, da Constituição da República, aos servidores públicos que, concomitantemente, sejam empregados de empresas privadas que prestem serviços ao Poder Público, o que, induvidosamente, não tem amparo no texto constitucional. As normas sancionadoras, a exemplo daquelas que instituam exceções à regra geral, devem ser interpretadas de forma a mantê-las em harmonia com o sistema e a não ampliar indiscriminadamente o seu alcance. Os sujeitos ativos do ato de improbidade são individualizados a partir da identificação do sujeito passivo, e o art. 1º da Lei nº 8.429/92, decididamente, não encampa a administração descentralizada na amplitude sugerida.

4.3.2.1 Árbitros

Buscando conferir maior celeridade e, por via reflexa, maior efetividade, à solução dos conflitos de interesses, o legislador pátrio, na senda de inúmeros outros países, redimensionou o instituto da arbitragem.

O outrora denominado compromisso, na forma em que disciplinado pelo Código Civil de 1916, era estruturado como um pacto acessório escrito, por meio do qual as pessoas capazes de contratar louvavam-se em árbitros para a solução de suas pendências judiciais ou extrajudiciais.107

Esse pacto, normalmente denominado de cláusula compromissória ou pactum de compromittendo, ensejava o surgimento de uma obrigação de fazer, cuja ineficácia era 107 Vide arts. 1037 usque 1048.

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quase total, pois não obstava o acesso ao órgão jurisdicional competente para o exame da controvérsia. Por essa razão, não obstante celebrado o pacto, escolhido o árbitro e dirimido o conflito, poderia a parte que se sentisse prejudicada pleitear a desconstituição dos atos praticados junto ao Poder Judiciário. Esse dogma, aliás, parecia intocável, pois não se mostrava possível subtrair ao exame do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Desvinculando-se das vetustas amarras da cláusula compromissória, foi editada, em 23 de setembro de 1996, a Lei nº 9.307, que "dispõe sobre a arbitragem". O principal avanço desse diploma legal foi contemplado em seu art. 18: "O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário". Examinando a compatibilidade desse preceito com a regra do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, o Supremo Tribunal Federal terminou por reconhecer a impossibilidade de o Poder Judiciário rever a sentença arbitral.108 Com isto, conferiu-se perspectivas de efetividade a esse instrumento de pacificação social.109

Os árbitros e os tribunais arbitrais desempenham atividade de natureza essencialmente privada, não mantendo qualquer vínculo ou relação de subordinação com o Poder Público. Para assegurar a fiel execução do munus que lhes é outorgado, devem proceder com "imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição".110 Além disso, estão sujeitos às normas que definem as hipóteses de suspeição e impedimento dos juízes,111 tendo "o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência".112 Em que pese a ausência de vínculo com o Poder Público, a natureza da atividade desenvolvida

108 STF, Pleno, AGREG SE nº 5.206, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 12/12/2001, Inf. nº 254.109 Apesar de não integrarem o Poder Judiciário, as sentenças proferidas pelos árbitros

constituem títulos executivos judiciais (art. 584, III, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.307/96), o que, não obstante o designativo utilizado, é mera conseqüência da impossibilidade de serem revistas por um órgão jurisdicional e de sua correlata definitividade.

110 Art. 13, § 6º, da Lei nº 9.307/96.111 Art. 14, caput, da Lei nº 9.307/96.112 Art. 14, § 1º, da Lei nº 9.307/96.

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aconselhou a extensão, aos árbitros, do mesmo sistema de responsabilidade penal a que estão sujeitos os funcionários públicos. Segundo o art. 17 da Lei nº 9.307/96, "os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal." Essa norma de adequação típica é necessária na medida em que os árbitros, apesar de exercerem uma relevante função pública (rectius: de interesse público), não são e não podem ser confundidos com funcionários públicos. No entanto, no exercício da função, estarão sujeitos às mesmas normas penais incriminadoras que incidem sobre aqueles (v.g.: crimes de concussão, corrupção, prevaricação etc.).

O sistema de responsabilização penal a que estão sujeitos os árbitros é digno de encômios, pois, ressalvada a ausência do poder de coerção, suas decisões terão relevância semelhante àquelas emanadas dos órgãos jurisdicionais, o que torna induvidosa a importância de sua atividade no contexto social. A única crítica que deve ser feita ao art. 17 da Lei nº 9.307/96 reside na ausência de qualquer referência à Lei de Improbidade Administrativa.

O fato de os árbitros estarem sujeitos à legislação penal concernente aos funcionários públicos não legitima a tese de que devem ser considerados como tais para todos os efeitos legais. A uma, não fosse a regra do art. 17 da Lei nº 9.307/96 seria injurídico submetê-los ao mesmo tratamento jurídico dispensado aos funcionários públicos, pois com estes não se identificam. A duas, o disposto no art. 17 tem alcance eminentemente restrito, sendo expresso ao dispor que a equiparação com os funcionários públicos se dá "para os efeitos da legislação penal". A três, os árbitros não mantém qualquer tipo de vínculo com a administração direta ou indireta, ou mesmo com entidades que recebam recursos do erário, logo, não são considerados agentes públicos para os fins do art. 2º da Lei nº 8.429/92. A quatro, a relação entre o plus da legislação penal e o minus da legislação civil é insuficiente para legitimar uma conclusão a fortiori, pois tal raciocínio importaria em uma simbiose não autorizada entre sistemas dotados de individualidade própria. A cinco, apesar da incongruência resultante da correta exegese do art. 17 da Lei nº 9.307/96, não nos parece possível a

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utilização da analogia nessa seara, máxime por acarretar a aplicação de severas sanções a quem reconhecidamente não é agente público - apesar de ser tratado como tal na esfera penal.

No mais, deve-se realçar que a função pública desempenhada pelos árbitros não pode ser reconduzida a qualquer das figuras contempladas no art. 2o da Lei de Improbidade. Em abono desse entendimento, afigura-se oportuno lembrar a lição de Rafael Bielsa113 ao tecer comen-tários sobre o que se deve entender por função pública. Dizia o jurista:

“para responder a isto é necessário dis-tinguir a noção geral e comum de função pública dentro de um poder do Estado do que é função pública fora desse poder, porém necessária para a constituição mesma dos poderes, como a de eleger, no regime representativo, ou, ainda, aprovar decisões (referendum) ou a continuidade do desempenho do cargo no tocante a certos funcionários (recurso de destitui-ção), ou a validade ou legitimidade de certos atos, mediante a ‘ação popular’. Na ordem política, é possível realizar fun-ções públicas sem ser funcionário no sen-tido de órgão do Estado; tal é a função do sufrágio. Com efeito, o cidadão eleitor contribui com o seu voto, ou seja, com a sua vontade, para a formação efetiva dos poderes, ao designar as pessoas que devem exercê-los. É evidente que se trata de um poder político, que como tal se atribui e se exerce de acordo com um regime legal. É uma função necessária, porque, se não fosse exercida, os poderes ficariam, praticamente, acéfalos, ou sem os órgãos vivos que deveriam exprimir a vontade do Estado. Dado, pois, esse cará-ter de necessidade, regularidade, legali-

113 “A Ação Popular e o Poder Discricionário da Administração” (RF 157/34, 1955)

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dade da atividade do eleitor, para assegu-rar a continuidade do Estado, é impossí-vel deixar de considerar o sufrágio como função pública, embora o eleitor não seja funcionário no sentido da atividade pes-soal posta ao serviço do Estado, em forma permanente”.

Partindo-se da substanciosa lição do publicista argenti-no, constata-se que o árbitro efetivamente exerce uma fun-ção pública, sendo extremamente útil à administração da Justiça e, por via reflexa, à própria pacificação social.114 No entanto, essa função pública não guarda similitude com aquela prevista no art. 2o da Lei no 8.429/92, já que esta últi-ma pressupõe a existência de uma relação jurídica de natu-reza funcional com as entidades elencadas no art. 1o da Lei de Improbidade.

Essa relação jurídica se caracteriza como um vínculo mantido entre o agente e o sujeito passivo do ato de impro-bidade, em que haja voluntariedade em sua origem e que verse sobre um objeto lícito. O árbitro, a exemplo do eleitor e do próprio autor de uma ação popular, exerce uma função pública, mas, por não possuir nenhum vínculo com a admi-nistração pública, não estará sujeito às cominações da Lei de Improbidade. De lege ferenda, é aconselhável que a incongruência detectada no art. 17 da Lei nº 9.307/96 seja remediada, com a conseqüente extensão aos árbitros, face à relevância social de sua atividade, do mesmo sistema a que estão sujeitos os demais agentes públicos.

4.3.2.2 Delegatários das Serventias do Registro Público

Em linhas gerais, os serviços notariais e de registro estão disciplinados na Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição da República. Trata-se de atividades delegadas que são desempenhadas por profissionais do direito,115 dotados de fé pública, que, a depender da

114 Parece ser neste sentido que Eduardo Couture (Fundamentos del Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Aniceto Lopez, 1942, p. 30) afirmava que o cidadão, ao ajuizar uma ação, desempenhava uma função pública, pois, com ela, buscava a vigência efetiva do direito.

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especificidade do serviço, recebem a designação de notário ou tabelião e oficial de registro ou registrador.

Tais atividades são prestadas em caráter privado, mas com estrita fiscalização do Poder que as delega116, o que é derivação lógica de sua natureza e da importância que ostentam perante o organismo social. A delegação pressupõe, dentre outros requisitos, a prévia habilitação em concurso público de provas e títulos,117 realizado pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.118

Para bem desempenhar suas atividades, "os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho".119

Aos notários e registradores é atribuída a responsabilidade exclusiva de gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhes estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.120 Essa responsabilidade, no entanto, não exclui a possibilidade de fiscalização do Poder responsável pela delegação do serviço.121

115 Excepcionalmente, a atividade pode ser desempenhada por "não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro" (art. 15, § 2º, da Lei nº 8.935/94).

116 Ver arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94. Ao juízo competente, a teor do art. 4º, caput, da Lei nº 8.935/94, cabe fixar os dias e horários de prestação dos serviços notariais e de registro.

117 Art. 14, I, da Lei nº 8.935/94. O STF já decidiu ser inconstitucional a norma que permita a obtenção de delegações efetivas sem concurso público: Pleno, ADIMC nº 2.379/MG, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 06/06/2002, DJ de 13/12/2002, p. 059.

118 Art. 15 da Lei nº 8.935/94.119 Art. 20 da Lei nº 8.935/94.120 Art. 21 da Lei nº 8.935/94.

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Os notários e registradores responderão pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros.122 No que concerne à responsabilidade criminal, é aplicável, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública.123

Objetivando obstar a influência de fatores exógenos no desempenho da atividade registral, a Lei nº 8.935/94 veicula uma série de incompatibilidades e impedimentos ao 121 "Recurso extraordinário. Mandado de segurança. Provimento n.º 8/95, de 24 de março

de 1995, do Desembargador Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato impugnado contraria a Lei n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía 'a fiscalização dos serviços notariais' ao Poder Judiciário, quando a competência a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao serviço, enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação da necessidade da distinção entre fiscalização dos atos notariais, que constitui atribuição natural do poder concedente, exercida por intermédio do Poder Judiciário, e a fiscalização administrativa, interna. 4. Transformação constitucional do sistema, no que concerne à execução dos serviços públicos notariais e de registro, não alcançou a extensão inicialmente pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle do sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa conotação específica. 5. Não há de se ter como ofendido o art. 236 da Lei Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem o conjunto das normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art. 236, a fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos notários e titulares de registro. 6. Recurso extraordinário não conhecido" (STF, Pleno, RE nº 255.124/RS, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 11/04/2002, DJ de 08/11/2002, p. 26).

122 Art. 22 da Lei nº 8.935/94. Sobre a responsabilidade do Estado pelos ilícitos praticados pelos notários e registradores, assim se pronunciou o Supremo Tribunal Federal: "1. Os cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente à idéia de poder delegado pelo Estado. 2. Legitimidade passiva "ad causam" do Estado. Princípio da responsabilidade. Aplicação. Ato praticado pelo agente delegado. Legitimidade passiva do Estado na relação jurídica processual, em face da responsabilidade objetiva da Administração. Recurso extraordinário conhecido e provido" (STF, 2ª T., RE nº 212.724/MG, rel. Min. Maurício Corrêa); e "Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido" (2ª T., AGREGRE nº 209.354/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 02/03/1999, DJ de 16/04/1999, p. 19). Em outra oportunidade, interpretando o art. 37, § 6º, da Constituição da República, a Corte reconheceu a responsabilidade objetiva de notário por ilícito praticado no exercício de sua função: "Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também

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exercício da função: a) é incompatível com o exercício da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer função, cargo ou emprego público, ainda que em comissão; b) com exceção do cargo de vereador, face à regra do art. 38, III, da Constituição da República,124 a diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicarão no afastamento da atividade; e c) o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau.125

Os notários e registradores têm direito à percepção de emolumentos pelos atos praticados na serventia,126 estando sujeitos a um extenso rol de deveres.127

da Carta da República" (STF, RE nº 201.595/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 28/11/2000, DJ de 20/04/2001, p. 138).

123 Art. 24 da Lei nº 8.935/94. Antes mesmo da promulgação desse diploma legal, o STF já decidira da seguinte forma: "I. Funcionário público para efeitos penais (CP, art. 327): titulares e auxiliares de tabelionatos e ofícios de registro: caracterização não afetada pelo art. 236 da Constituição. O art. 236 da Constituição - ao dispor que os serviços notariais e de registro serão exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público -, não lhes afetou, mas antes lhes confirmou a publicidade da natureza, do qual resulta a consideração do seu pessoal como funcionários públicos, para efeitos penais, ainda que não para outros efeitos. II. Recurso extraordinário: descabimento, pela letra "c"; afirmação de validade de ato normativo local desnecessária à conclusão do julgado. Não se conhece de RE pela letra "c", quando o ato normativo local contestado, mas que se afirmou recebido pela Constituição, não é fundamento necessário do acórdão recorrido" (1ª T., RE nº 141.347/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 11/02/1992, DJ de 10/04/1992, p. 4.800).

124 STF, Pleno, ADIMC no 1531/UF, rel. Min. Sydney Sanches, j.em 24/06/1999, DJ de 14/12/2001, p. 022.125 Arts. 25 usque 27 da Lei nº 8.935/94.126 À luz da competência concorrente prevista no 24, II e da norma geral do art. 236, § 2º,

ambos da Constituição da República, pode o Estado-membro dispor sobre isenção do pagamento de emolumentos, fazendo-o relativamente ao registro de atos constitutivos de entidades beneficientes de assistência social declaradas de utilidade pública (STF, Pleno, ADIMC nº 1.624/MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 25/06/1997, DJ de 14/12/2001, p. 022).

127 "Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: I - manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros; II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza; III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo; IV - manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade; V - proceder de forma a dignificar a função exercida,

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Caso descumpram os deveres que lhes são impostos ou violem a norma proibitiva implícita no rol de infrações disciplinares, estarão sujeitos às sanções previstas em lei,128

que variam de uma mera repreensão até a perda da delegação.129 A perda da delegação dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente,130

sendo admitido o afastamento cautelar do notário ou do registrador.131

Extinguir-se-á a delegação no caso de morte, aposentadoria facultativa, invalidez, renúncia, decretação de perda da delegação ou descumprimento da gratuidade prevista na Lei nº 9.534/97 (assentos do registro civil de nascimento e do de óbito, bem como a primeira certidão).

Na medida em que os notários e registradores exercem atividade delegada do Poder Público, com ele mantendo um vínculo contratual, são eles, a teor do art. 2º da Lei nº 8.429/92, sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade. Por tal razão, em praticando tais atos, estarão sujeitos às sanções cominadas no art. 12 do referido diploma legal. Como exemplos de atos de improbidade verificados no cotidiano desses agentes, podem ser mencionados a cobrança de emolumentos em valor superior ao tabelado, o

tanto nas atividades profissionais como na vida privada; VI - guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão; VII - afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor; VIII - observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício; IX - dar recibo dos emolumentos percebidos; X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício; XI - fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar; XII - facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas; XIII - encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva; XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente".

128 "Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: I - a inobservância das prescrições legais ou normativas; II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro; III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; IV - a violação do sigilo profissional; V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30".

129 Art. 32 da Lei nº 8.935/94.130 Art. 35 da Lei nº 8.935/94.131 Arts. 35, § 1º e 36 da Lei nº 8.935/94.

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não reconhecimento de direitos dos reconhecidamente pobres etc.

Igual entendimento, aliás, já foi exposto em relação às concessionárias e permissionárias de serviços públicos. A peculiaridade reside na circunstância de, diferentemente do que normalmente se verifica em relação às últimas, também aqueles que possuam algum vínculo com os notários e registradores (v.g.: seus empregados) podem ser sujeitos ativos dos atos de improbidade. Essa conclusão deflui da constatação de que os emolumentos percebidos pelas serventias possuem a natureza jurídica de taxa, espécie do gênero tributo.132 Tratando-se de receita oriunda do exercício do poder de império estatal, sendo imposta a tantos quantos estejam obrigados a utilizar tais serviços essenciais, está ela enquadrada sob a epígrafe dos recursos públicos, o que permite a subsunção do notário ou do registrador ao disposto no art. 1º da Lei de Improbidade ("entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual").

À luz do exposto, notários e registradores, a um só tempo, poderão figurar como sujeitos ativos (isto sob a ótica do vinculo contratual mantido com o Poder Público) ou passivos imediatos (aqui em relação à sua condição de receptores de numerário de origem pública e do vínculo empregatício estabelecido com seus funcionários) dos atos de improbidade.

4.3.3 Servidores Públicos

132 A natureza tributária dos emolumentos já foi reconhecida pelo STF: "Destinação de custas e emolumentos a finalidades incompatíveis com a sua natureza tributária. Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas, É que, em tal situação, a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilégio (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixas de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes" (Pleno, ADI nº 1.378-5, rel. Min. Celso de Mello).

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Ainda sob a ótica da classificação dos sujeitos ativos dos atos de improbidade, servidores públicos são aqueles que, qualquer que seja o regime jurídico a que estejam sub-metidos, possuem um vínculo permanente com os entes estatais da administração direta ou indireta, desempenham funções próprias destes ou outras úteis à sua consecução e são remunerados por seus serviços, estando aqui incluídos os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas.

Os servidores públicos podem ser subdivididos em duas categorias básicas: a dos servidores civis e a dos milita-res. A Constituição da República, em sua redação original, utilizava a nomenclatura “servidores públicos civis” e “servi-dores públicos militares”. Com a promulgação da Emenda Constitucional no 18, de 5 de Fevereiro de 1998, a primeira categoria passou a ser denominada de “servidores públi-cos”,133 enquanto que à segunda foi dispensado o tratamento de “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.134 De forma correlata a esta última categoria, possuem disciplina autônoma, mas com diversos pontos de contato, os militares das Forças Armadas mantidas pela União Federal (art. 142, § 3o, da CR/88).

É relevante observar que a alteração de ordem semân-tica introduzida pela EC no 18 não tem o condão de alterar a natureza dos institutos. Assim, apesar de não mais serem intitulados de servidores públicos, os militares dos Estados, a exemplo daqueles que integram as Forças Armadas, devem ser considerados como tais,135 pois prestam serviços de natureza eminentemente pública, possuem um vínculo funcional com os entes da federação e são remunerados por estes pela atividade desempenhada. O ingresso no serviço

133 Arts. 39 a 41 da CR/88.134 Art. 42 da CR/88. Este dispositivo encontra-se inserido no Capítulo VII, Título II, da Constituição da República, cuja epígrafe é: “Da Administração Pública”.135 A possibilidade de os servidores militares praticarem atos de improbidade não passou

despercebida ao legislador ordinário, o qual, ao disciplinar a representação que veiculas-se atos de improbidade, dispôs, no art. 14, § 3o, da Lei no 8.429/92 que: Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 e 182 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares (destaque nosso).

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militar se dá por meio de recrutamento ou de concurso, sendo a carreira estruturada em patentes, para os oficiais, e graduacão, para as praças. O principal elemento que os dife-rencia dos servidores civis consiste na intensa e inafastável obediência à hierarquia e à disciplina.

4.3.3.1 Agentes de Fato

Não raro ocorrerá que determinadas atividades esta-tais venham a ser exercidas por agentes que não tenham ingressado no serviço público por uma investidura regular, o que exige seja identificado se estarão eles sujeitos aos dita-mes da Lei de Improbidade.

Como foi dito, em linha de princípio, somente os agen-tes que mantenham algum tipo de vínculo com as entidades enumeradas no art. 1o da Lei de Improbidade estarão sujei-tos às suas prescrições. Para os fins dessa exposição, consi-deramos relação jurídica todo vínculo mantido entre o agen-te e o sujeito passivo do ato de improbidade, em que haja voluntariedade em sua origem e que verse sobre um objeto lícito.

Assim, os denominados agentes de fato, em contraposi-ção aos agentes de direito, somente serão considerados agentes públicos (para os fins da Lei de Improbidade) quan-do assumirem tal posição por força de ato voluntário do ente lesado, tendo por fim a consecução, ainda que dissimulada, de um objeto lícito. Não sendo identificado um vínculo com o ente lesado, ter-se-á a possível configuração do crime de usurpação de função pública,136 o qual sujeitará o agente a sanções outras que não aquelas previstas na Lei no 8.429/92.

Os agentes de fato passíveis de praticar atos de impro-bidade (rectius: os que possuem algum tipo de vínculo) podem ser subdivididos em duas categorias: os agentes necessários e os putativos. São agentes necessários aqueles que, em colaboração e com a aquiescência do Poder Público, executam determinada atividade em situação excepcional (v.g.: calamidade pública, guerra etc.). Agentes putativos são todos aqueles que, embora não tenham sido investidos com estrita observância do procedimento previsto em lei,

136 Art. 328 do CP.

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desempenham uma atividade pública com a presunção de legitimidade (v.g.: agente admitido em cargo efetivo sem a realização de concurso público etc.).137

4.3.4 Agentes meramente Particulares

Agentes meramente particulares são aqueles que não executam nenhuma função de natureza pública e mantém um vínculo com o ente recebedor de numerário público (ex.: sócio-quotista de empresa beneficiária de incentivos fiscais, empregado desta etc.). Estes últimos não realizam nenhuma atividade no âmbito dos denominados Poderes Estatais, não se submetem ao regime jurídico próprio dos servidores públicos, não estão sujeitos às limitações que alcançam àqueles (como as incompatibilidades, as inelegibilidades etc.), mas submetem-se à disciplina da Lei no 8.429/92, naquilo que for compatível com sua situação.

4.4 TERCEIROS

De forma correlata à extensão conferida ao conceito de agente público pelo art. 2o da Lei no 8.429/92, o que em muito alargou a sua esfera de incidência, também o extra-neus que concorrer ou se beneficiar da prática ilícita estará sujeito às sanções cominadas ao ímprobo. Assim dispõe o art. 3o da Lei no 8.429/92:

Art. 3o As disposições desta Lei são apli-cáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A análise do dispositivo demonstra que o particular somente estará sujeito às sanções cominadas “no que cou-ber”, o que deve ser entendido de forma a restringir as san-137 No mesmo sentido, Rafael Bielsa, Derecho Administrativo, tomo III, 6a ed.,

BuenosAires:Laley, 1964, p. 46. Nas palavras do publicista argentino, para que seja reconhecida a condição de “funcionario de hecho, es necesario que haya: 1o, una fun-ción legal; 2o que quien la ejerce no tenga el cargo asignado legalmente (según nuestro sistema, podemos decir designado constitucionalmente); 3o, que el ejercicio de esa fun-ción tenga una presunción general de legitimidad”.

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ções àquelas compatíveis com a sua condição de extraneus, afastando a possibilidade de perda da função pública, o que já seria conseqüência da própria natureza das coisas, não do preceito legal.

No caso de enriquecimento ilícito, somente àquele que mantenha em seu poder os bens de origem ilegítima poderá ser aplicada a sanção de perda destes, o que também deflui da própria realidade e não do permissivo legal.

Tratando-se de agente público que tenha contribuído para o ato de improbidade praticado por outro, a aplicação das sanções haverá de ser integral. Releva dizer que, nesta última hipótese, a conduta do agente poderá assumir indivi-dualidade própria, pois também ele deve obediência aos vetores que delineiam a probidade administrativa, estando sujeito às sanções da Lei no 8.429/92 independentemente de qualquer fórmula de adequação típica – contrariamente ao que ocorre com o extraneus, o qual somente é passível de sofrer tais sanções em sendo o ato praticado por um agente público.

A ação do terceiro pode se desenvolver em três oca-siões distintas, as quais são individualizadas a partir da iden-tificação do momento de conformação do elemento subjetivo do agente público e da prática do ato de improbidade:

1o O terceiro desperta no agente público o interesse em praticar o ato de improbidade, induzindo-o a tanto. Induzir significa incutir, incitar, criando no agente o estado mental tendente à prática do ilícito (auxílio moral).

Situação diversa ocorre com a instigação, em que a intenção de praticar o ilícito preexistia à ação do terceiro, o qual se limita a estimular tal idéia. Tratando-se de vocábulos com conteúdo semântico distinto, o resultado da interpreta-ção do preceito legal não pode ser extensivo, pois obrar em contrário ampliaria o alcance de norma que comina severas sanções ao agente, seara em que deve viger o princípio da legalidade estrita.

Em razão disto, aquele que tão-somente instiga o agen-te público não terá sua conduta subsumida ao art. 3o da Lei no 8.429/92, não sendo demais lembrar, em reforço desta conclusão, que, no Direito Penal, os vocábulos são emprega-

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dos em conjunto e veiculam significados diversos (ex.: art. 122 do CP – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça).

2o O terceiro concorre para a prática do ato de impro-bidade, participação esta que pode consistir na divisão de tarefas com o agente público ou na mera prestação de auxí-lio material, o que importa em atividade secundária que visa a facilitar o atingimento do fim visado pelo agente (v.g.: o fornecimento de veículo para o transporte de bens e valores desviados do patrimônio público).

3o O terceiro não exerce qualquer influência sobre o animus do agente ou presta qualquer contribuição à prática do ato de improbidade, limitando-se em se beneficiar, de forma direta ou indireta, do produto do ilícito.

Assim, constatado que o terceiro tinha conhecimento da origem ilícita do benefício auferido138 – pois a admissibili-dade da responsabilidade objetiva, além de não ter amparo legal, em muito comprometeria a segurança das relações jurídicas – estará ele passível de sofrer as sanções comina-das no art. 12 da Lei no 8.429/92.

O benefício pode ser direto ou indireto, conforme o terceiro tenha acesso direto ao produto do ilícito ou obtenha vantagens outras em razão de sua colaboração, ainda que por intermédio de interposta pessoa.

Além de ser imprescindível à identificação da respon-sabilidade do terceiro, a individualização das formas de par-ticipação contribuirá para a correta aferição da dosimetria da sanção que lhe será aplicável. Àquele que induz o agente público a praticar o ato de improbidade, concorre na divisão de tarefas e ainda se beneficia do produto do ilícito deve ser aplicada uma sanção mais severa do que àquele que tão-somente induziu o agente à prática do ato de improbidade.

138 Em que pese o caráter excepcional, é possível que uma empresa, que sequer esteja par-ticipando de um procedimento licitatório, corrompa um agente público para que prejudi-que uma das empresas concorrentes, culminando em fazer com que outra, que ignora o embuste, saia vencedora do certame. Aqui, resulta claro que terceiro se beneficiou do ato de improbidade praticado pelo agente público, mas nem por isso estará a empresa vencedora sujeita aos preceitos da Lei de Improbidade, pois ausente um elemento funda-mental à sua punição: o dolo.

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O tráfico de influências,139 infração penal que indica a solicitação, pelo sujeito ativo do crime, de vantagem pretensamente destinada ao agente público, somente confi-gurará o ato de improbidade se houver efetivo induzimento deste à sua prática. Não havendo o induzimento, responderá o extraneus unicamente pelo ilícito penal.

É importante frisar, uma vez mais, que somente será possível falar em punição de terceiros em tendo sido o ato de improbidade praticado por um agente público, requisito este indispensável à incidência da Lei no 8.429/92. Não sendo divisada a participação do agente público, estará o extraneus sujeito a sanções outras que não aquelas previstas nesse diploma legal.

4.4.1 Pessoas Jurídicas

Também as pessoas jurídicas poderão figurar como terceiros na prática dos atos de improbidade, o que será nor-malmente verificado com a incorporação ao seu patrimônio dos bens públicos desviados pelo ímprobo. Contrariamente ao que ocorre com o agente público, sujeito ativo dos atos de improbidade e que é necessariamente uma pessoa física, o art. 3o da Lei de Improbidade não faz qualquer distinção em relação aos terceiros, dispondo que “as disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público ...”, o que permite concluir que as pessoas jurídicas também estão incluídas sob tal epígrafe.

As pessoas jurídicas são sujeitos de direito, possuindo individualidade distinta das pessoas físicas que concorreram para a sua criação e, por via reflexa, personalidade jurídica própria. Verificando-se, verbi gratia, que determinado nume-rário de origem pública foi incorporado ao patrimônio de uma pessoa jurídica, estará ela sujeita às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade e que sejam compatíveis com as suas peculiaridades. Nesta linha, poderá sofrer as sanções de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou credití-

139 Ver art. 332 do CP, com a redação determinada pela Lei no 9.127/95.

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cios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, bem como à reparação do dano causado, em estando presentes os requi-sitos necessários.

Observe-se, ainda, que, na maioria dos casos, será pas-sível de utilização a teoria da desconsideração da personali-dade jurídica.140 Isto ocorrerá sempre que a pessoa jurídica for desviada dos fins estabelecidos em seus atos constituti-vos, servindo de instrumento à prática de atos ilícitos e bus-cando manter intangível o patrimônio de seus sócios, verda-deiros responsáveis e maiores beneficiários pelos ilícitos praticados.141

A desconsideração da personalidade jurídica fará com que os sócios, a exemplo da pessoa jurídica, também estejam legitimados a figurar no pólo passivo da relação processual, estando igualmente sujeitos às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade.

Epílogo

Recém-ingresso na puberdade, o microssistema de combate à improbidade, a exemplo de qualquer instituto jurídico em situação similar, ainda carece de um contorno mais preciso dos seus limites e potencialidades. Muito se avançou, mas igualmente muito se retrocedeu, o que permite divisar refutações futuras de entendimentos aparentemente sedimentados e aplausos a teses que pouco ou nenhum prestigio têm entre nós.

As noções de avanço e retrocesso, aliás, apresentam um colorido intensamente subjetivo. Em regra, estão associadas às posições ocupadas por seus respectivos defensores em uma relação processual cuja causa de pedir

140 Também denominada de disregard theory ou disregard of the legal entity ou mesmo pela expressão lifting the corporate veil (erguendo o véu da pessoa jurídica).

141 O art. 28 da Lei no 8.078/90 (CDC), de forma expressa, autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando houver prejuízo para o consumidor em razão de abuso de direito, excesso de poder, ato ilícito etc. É importante frisar que este preceito não deve ser concebido como elemento criador de regramento inovador, pois apenas materializa o princípio da boa-fé e coíbe o abuso de direito, culminando em rom-per as barreiras erigidas por sobre atos fraudulentos, o que há muito encontra-se discipli-nado pelo direito.

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esteja relacionada à improbidade. Deixando de lado os destemperos sentimentais e o corporativismo daninho, o melhor a fazer é encontrar o equilíbrio e, nesse particular, deve ser devidamente sopesada a inegável insatisfação popular com séculos de desmando e impunidade no trato da res pública. Para tanto, espírito sereno e reflexão responsável são requisitos indispensáveis, evitando o surgimento de mal maior que aquele que buscamos combater.

Acompanhar essa vaga de fluxo e refluxo é um imperativo de “sobrevivência jurídica”, evitando o culto à fantasia e a alienação da realidade. Contribuir com ela é contribuir para o evolver social e o constante aperfeiçoamento do Estado de Direito. Não obstante a pureza dos fins, bem sabemos que o distanciamento do óbvio afasta a calmaria e faz surgir a crítica veemente, cuja força não se dissipará ainda que a superficialidade esteja presente em cada uma de suas linhas. Afinal, quem defende o status quo, qualquer que seja ele, ainda que encontre opositores, sempre terá atrás de si uma plêiade de seguidores.

Obstáculos à parte, apresentamos nossas reflexões como contribuição ao debate e conseqüente delineamento dos ainda fluidos contornos da Lei de Improbidade.

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5 Legitimação Ativa nas Ações Protetivas do

Patrimônio Público

Marcelo Zenkner

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5. LEGITIMAÇÃO ATIVA NAS AÇÕES PROTETIVAS DO PATRIMÔNIO PÚBLICO

Marcelo Zenkner

Membro do Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Assessor da Procuradoria-Geral de Justiça; Professor de Direito Processual Civil da FDV-Faculdades de Vitória/ES e do CEP-Centro de Evolução Profissional; Mestrando em Direito Processual pela FDV-Faculdades de Vitória/ES.

5.1 A DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO COMO INTERESSE DIFUSO

Como se sabe, “improbidade administrativa” é o designativo técnico para a chamada “corrupção administrativa”, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Revela-se, em termos genéricos, através da obtenção de vantagens patrimoniais indevidas em prejuízo do Erário, pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade e pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos.

Os malefícios causados pelos atos de improbidade administrativa são gravíssimos e inúmeros. Só para se ter uma idéia, de acordo com um estudo do IPEA realizado pelo economista Ronaldo Seroa da Motta142, ficou comprovado que “um aumento de 1% no número de pessoas com acesso a serviços de água e esgoto reduz em 6,1% o índice de mortalidade em crianças menores de 14 anos”, o que acaba estabelecendo uma precisa relação de causalidade entre o investimento em saneamento básico e o número de óbitos na população infantil.

142 Fonte: artigo “Juízes, fraudes e genocídio”, de CASTRO, Luiz Paulo Viveiros de, publicado no Jornal “O GLOBO”, Edição de 25.2.2002, p. 5.

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Ainda de acordo com tal estudo, “para se salvar uma vida é preciso investir US$ 16,3 mil por ano”. Isso demonstra com precisão, através de cálculos matemáticos, o exato custo de uma vida em relação ao investimento em saneamento básico e, por via de conseqüência, estima o número de homicídios atípicos decorrentes do desvio de verbas destinadas àquele fim.

Exatamente por isso, o legislador constituinte fez uma clara opção quanto à necessidade de que todos os agentes públicos e aqueles que se relacionam com a Administração Pública pautem seus comportamentos em consonância com os postulados informadores da atuação estatal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput), prevendo, para tanto, sanções de natureza não penal para os atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º).

Para o desenvolvimento do presente estudo, que se propõe a analisar a legitimidade para utilização dos instrumentos de tutela a tais preceitos constitucionais, é necessário verificar, preliminarmente, se a probidade administrativa na gestão do patrimônio público é ou não espécie de interesse difuso.

O Código de defesa do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único, inciso I, conceitua direitos difusos como sendo aqueles “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas ou ligadas por circunstâncias de fato”. Trata-se de direitos dispersos cuja violação impede a quantificação perfeita do dano e do número de lesados. Diante dessas características, ensejou-se a tutela coletiva de tais interesses como forma de viabilizar sua efetivação, tendo-se como principal instrumento legal a chamada “Ação Civil Pública” disciplinada na Lei n° 7.347/85.

Diante de tal conceituação legal, a doutrina consagra a tese de que a preservação do erário e a probidade administrativa são valores que se inserem no âmbito dos direitos e interesses difusos, pois constituem bem de todos, indivisível, cuja violação afeta a sociedade como um todo.

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Paulo de Tarso Brandão143, por exemplo, afirma:

"É inegável o caráter preponderantemente difuso do interesse que envolve a higidez do erário público. Talvez seja o exemplo mais puro de interesse difuso, na medida em que diz respeito a um número indeterminado de pessoas, ou seja, a todos aqueles que habitam o Município, o Estado ou o próprio País a cujos Governos cabe gerir o patrimônio lesado, e mais todas as pessoas que venham ou possam vir, ainda que transitoriamente, desfrutar do conforto de uma perfeita aplicação ou os dissabores da má gestão do dinheiro público”.

Ao comentar as disposições do art. 25, inciso IV, letra "b", da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Pedro Roberto Decomain144 professa idêntico entendimento. Assim é que, reportando-se à expressão "patrimônio público e social", inserida no art. 129, inciso III, da Constituição Federal, assevera:

"Interessante salientar que, segundo a dicção do aventado dispositivo constitucional, o patrimônio público e social seria interesse difuso. Com certeza o patrimônio público e social acha-se personalizado em determinada pessoa jurídica de direito público. Mesmo assim, contudo, abstraindo-se da personalidade jurídica da União, dos Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades de suas administrações indiretas e fundacionais, chega-se à conclusão de que a preservação de seus patrimônios realmente constitui interesse

143 in Ação Civil Pública, Obra Jurídica, 2ª ed., 1998.144 in Comentários a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Obra Jurídica, 1ª ed., 1996.

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difuso, na medida em que não se trata de interesse deste ou daquele particular, mas sim de toda a coletividade. Mesmo que a alínea "b" do inciso IV deste artigo nada dissesse a respeito da preservação do patrimônio e da moralidade pública por intermédio da ação civil pública, tal proteção teria por fulcro a própria Constituição Federal e ainda o artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85, com a redação que lhe foi dada pelo Código de Proteção ao Consumidor."

Não há dúvidas, portanto, de que o direito a uma administração proba e à conservação do erário, exercitável tendo em vista a utilização dos escassos recursos da sociedade para o bem comum e não para a obtenção de vantagens e privilégios de uma minoria, se insere no contexto dos chamados “direitos metaindividuais”, passíveis de proteção através dos instrumentos de tutela coletiva.

5.2 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SUA LEGITIMAÇÃO

(ART. 5º DA LEI Nº 7.347/85)

Quando do advento da Lei nº 8.429/92 – Lei da Improbidade Administrativa – muito se questionou a respeito da permanência da utilização da ação civil pública prevista na Lei nº 7.347/85 como instrumento de proteção ao patrimônio público, já que esta tem âmbito menos abrangente que aquela, somente se prestando a buscar a reparação dos danos causados ao erário.

Os questionamentos, entretanto, logo foram dissipados. Em primeiro lugar porque, como já examinado, a tutela do patrimônio se insere no rol dos interesses difusos, constituindo a ação civil pública o maior instrumento ainda previsto no nosso ordenamento jurídico para sua defesa.

Ademais, fica evidente o interesse em se preservar a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública com tal objeto em nosso sistema processual, se considerarmos a

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exigüidade do prazo prescricional previsto no artigo 23 para o ajuizamento de ações que têm em vista a aplicação das sanções previstas para o ato de improbidade administrativa, e a recente previsão de foro privilegiado145 para ações dessa natureza.

Assim, caso atingida a prescrição, ou se obstado o ajuizamento da ação de improbidade administrativa em razão das dificuldades naturalmente proporcionadas pelas novas regras de competência por prerrogativa de foro, ainda restaria a possibilidade de se buscar a reparação dos danos causados ao erário através da ação civil pública ressarcitória.

Aliás, a respeito do tema, vale observar que o art. 110 da Lei nº 8.078/90, ao acrescentar mais um inciso ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, alargou consideravelmente o objeto da ação civil pública, tornando-a instrumento idôneo à apuração de responsabilidades e reparação de danos causados não apenas ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, mas também, a teor do seu inciso IV, a "qualquer outro interesse difuso ou coletivo", inclusive a defesa do Erário146.

No que tange à legitimidade propriamente dita, vale asseverar que, desde que os estudos doutrinários dos interesses difusos e coletivos converteram-se em lei, o Ministério Público tornou-se seu destinatário natural, acabando sua atuação no que se refere à defesa desses interesses consolidando-se em 1985, exatamente a partir da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347)147.

145 Os parágrafos primeiro e segundo do artigo 84 do Código de Processo Penal, acrescidos pelo artigo 1º da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, tiveram sua

constitucionalidade contestada através da ADIN nº 2797, ainda em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

146 Não vale, com isso, argumentar para efeito de se estabelecer limitação em se tratando de legitimação que o inciso II do artigo 5º reporta-se apenas ao patrimônio artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico, e não ao patrimônio público.147 Especificamente no que diz respeito à tutela jurisdicional do patrimônio público, no

sistema anterior à Lei da Ação Civil Pública, “somente era possível mediante ação popular, cuja legitimação ativa era e é do cidadão (CF, art. 5º, LXXIII). O Ministério Público podia assumir a titularidade da ação popular, apenas na hipótese de desistência pelo autor (LAP, ART. 9º). A Constituição Federal, art. 129, III, conferiu legitimidade ao Ministério Público para instaurar inquérito civil e ajuizar ação civil pública na defesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção

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Em 1988, a Constituição Federal, através de seu artigo 129, inciso III, estabeleceu que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” – grifos nossos.

Em verdade, o mencionado dispositivo constitucional habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

Assim, se o Ministério Público possui legitimidade para pleitear a tutela judicial ao patrimônio público lesado ou ameaçado de lesão por força de norma de natureza constitucional, a qual deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda148, reforça-se a manutenção em nosso sistema processual das ações civis públicas com tal escopo.

É por isso que, sobre a questão, nos ensina Fábio Medina Osório149:

"ainda antes do advento da Lei número 8.429/92, já era possível ao Ministério Público instaurar o inquérito civil público ou promover ação civil pública com o objetivo de apurar enriquecimento ilícito dos administradores públicos, na medida em que se permitia a defesa judicial de 'qualquer interesse coletivo ou difuso', v.g., o patrimônio público lato sensu, desde o advento da Constituição de 1988

judicial do patrimônio público, que é uma espécie de direito difuso. O amplo conceito de patrimônio público é dado pela LAP, art. 1º caput e § 1º” (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1018).

148 Princípio da máxima efetividade ou da eficiência, enumerado por Canotilho, apud MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 8ª ed. São Paulo : Atlas, 2000, p. 42.

149 in Improbidade Administrativa - Observações sobre a Lei 8.429/92, 2ª Edição Ampliada e Atualizada, Porto Alegre: Editora Síntese, 1998, p.232.

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(art. 129, III) e da Lei nº 8.078/90 (cujo art. 110 acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei número 7.347/85)".

Também, diante da previsão contida no inciso LXXIII para a ação popular como instrumento de tutela do patrimônio público, não seria plausível que um único indivíduo pudesse impugnar judicialmente ato administrativo lesivo ao erário e não o Ministério Público, agindo como órgão de defesa de toda a coletividade.

Para dissipar de vez quaisquer dúvidas, registre-se que o artigo 25, IV, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.625/93, corrobora a legitimação do Parquet para as ações ressarcitórias de danos ao erário (CF, art. 129, III; Lei 7.347/85, art. 1º, IV), e alarga o âmbito dessa legitimação, permitindo-lhe também o ajuizamento de ações e medidas cujo objeto seja simplesmente "a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa".

Vale, a respeito, mencionar o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO ERÁRIO. LEGITIMIDADE. 1. Impossível, com base nos preceitos informadores do nosso ordenamento jurídico, deixar de se reconhecer ao Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de proteger patrimônio público, especialmente, quando baseia o seu pedido em prejuízos financeiros causados a ele por má gestão (culposa ou dolosa) das verbas orçamentárias. 2. "Com efeito, não poderia a Ação Civil Pública continuar limitada apenas aos interesses difusos ou coletivos elencados em lei ordinária, quando preceitua a Carta de 1988, que é função do MP promover ‘Ação Civil Pública, para a proteção do

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patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses coletivos ou difusos’ (art. 129, III), ‘tout court’ (e não os ‘interesses coletivos e difusos indicados em lei’ (Milton Flacks, in Rev. For. v. 32, Pp. 33 a 42). 3. Nem mesmo a ação popular exclui a ação civil pública, visto que a própria lei admite expressamente a concomitância de ambas - art. 1º (Hely Lopes Meirelles, p. 120, Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, RT - 12ª edição). 4. Precedentes jurisprudenciais entre tantos outros: REsp 98.648⁄MG, Rel. Min. José Arnaldo, DJU de 28.04.97; REsp 31.547-9⁄SP, rel. Min. Américo Luz, DJU de 8.11.93, pg. 23.5.46. 5. Não cabe exame, em sede de recurso especial, a existência ou não da conexão, continência, litispendência ou coisa julgada se, primeiramente, o acórdão hostilizado não tratou de nenhuma dessas entidades processuais e, em segundo, quando inexiste prova absoluta da caracterização de qualquer uma delas. 6. Recursos especiais improvidos.”150

Ainda, por mais recentes, vale citar:

"PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CABIMENTO – DANO  AO PATRIMÔNIO PÚBLICO – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE ATIVA 'AD CAUSAM' – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458, II E 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – PRECEDENTE DA EG. PRIMEIRA SEÇÃO (ERESP. 107.384⁄RS). (...). A ação civil pública é adequada à proteção do patrimônio público, visando à tutela do bem jurídico em defesa de um interesse

150 REsp. 167.783-MG, D.J. 17.08.98, Rel. Min. José Delgado;

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público. O Ministério Público é parte legítima para promover ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário. Inteligência da Lei 7.347/85. Ressalva do entendimento do relator. Recursos especiais não conhecidos."151

  Por fim, vale referência ao REsp. nº 201.401-MG, Rel. Min. Franciulli Netto,  julgado em sessão desta Segunda Turma de 04.11.2003 e publicado no DJU de 02.02.2004, assim ementado:

"RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA ‘A’ - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PERCEPÇÃO DE VERBAS INDEVIDAS POR EX-PREFEITO E EX-EREADORES - DANO AO ERÁRIO - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA PROPOSITURA DA AÇÃO - ALEGADA OFENSA AOS ARTIGOS 1º, IV E 5º, DA LEI N. 7.347⁄85 E A LEI N. 8.429⁄92 - OCORRÊNCIA - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC. ‘A Lei n. 7.347⁄85 autoriza o Ministério Público a propor ação civil pública, quando houver dano ao erário’ (EREsp 107.384⁄RS, Rel. Min. Eliana Calmon, D.J.U. de 21.08.2000). Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público Estadual."

E se continua sendo possível ajuizar ação civil pública voltada para a proteção ao patrimônio público, inclusive por força de ditames de cunho constitucional, pode estar aí uma via a ser utilizada pelos membros do Ministério Público de 1º grau para evitar que fiquem impunes os agentes públicos ímprobos que façam jus às execráveis regras de foro privilegiado.

151 REsp. 254.358-SP, D.J. 09.09.2002, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins;

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Quanto aos demais legitimados da Lei nº 7.347/85, não há como negar a mesma condição se o Ministério Público continua tendo legitimidade para ajuizar a ação civil pública com tal objeto.

Isso porque o artigo 5º da LACP prevê que, além do Ministério Público, podem ajuizar a ação civil pública a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações regularmente constituídas.

Trata-se, como faz questão de salientar Nelson Nery Jr.152, de “legitimação autônoma para a condução do processo”, ordinária, concorrente e disjuntiva, e o litisconsórcio que pode ser formado entre os co-legitimados ativos é facultativo.

Entretanto, à exceção das associações, que merecerão análise mais detalhada, e do Ministério Público, para todos os demais legitimados, em se tratando de tutela ao patrimônio público a ação civil pública funcionará praticamente como uma autêntica ação individual de reparação de danos baseada nas regras de responsabilidade civil insertas no Código Civil.

Isso porque, havendo desvio de bens, corpóreos ou incorpóreos (imóveis, móveis, semoventes, valores, créditos, ações e direitos) que pertençam a qualquer dos órgãos da Administração Pública direta, indireta e fundacional, poderá obviamente o titular do direito lesado buscar a tutela jurisdicional através do instrumento próprio, que pode ser até mesmo uma ação de conhecimento condenatória de caráter aparentemente individual.

Entretanto, exatamente porque a proteção ao patrimônio público se insere dentre os interesses difusos, na hipótese acima também uma ação civil pública poderá ser manejada.

E como a lei não estabelece qualquer restrição, a princípio um estado federado da região norte, por exemplo, poderia perfeitamente ajuizar ação civil pública para a proteção do patrimônio público do Estado do Espírito Santo,

152 Código de Processo Civil comentado, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 1530.

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em caso de lesão ou ameaça de lesão; o Estado de Minas Gerais poderia ajuizar ação civil pública para proteção do patrimônio público de uma autarquia federal, e etc. Nesse sentido:

“Para a correta solução dos problemas processuais decorrentes da tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos, não se pode raciocinar com o instituto do interesse processual, como se estivéssemos diante de tutela meramente individual. Assim, o Estado de São Paulo, legitimado que está pela norma comentada, tem, ‘ipso facto’, interesse processual em ajuizar ACP no Amazonas, para a tutela de direitos difusos”153.

Entretanto, com a devida vênia, para evitar as aberrações e dificuldades que poderiam decorrer das próprias regras de competência da ação civil pública, pelo menos em se tratando de proteção ao patrimônio público o entendimento acima merece ser temperado com “granu salis”.

Isso porque, mesmo em sede de ações coletivas, não se deve descartar o interesse de agir como fruto da utilidade potencial da jurisdição, ou seja, como aptidão objetiva do provimento jurisdicional requisitado em conferir alguma vantagem ou benefício jurídico efetivo, segundo o sistema jurídico vigente154.153 Cf. NERY JR. Nelson. ob. Citada, p. 1531. Não é esse, entretanto, o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli, pois, segundo o ilustre doutrinador paulista, “(...) numa ação em que se

discutissem danos ambientais resultantes da poluição de um rio interestadual, poderia estar presente o interesse dos Estados e dos Municípios ribeirinhos. Contudo, ao reverso,qual interesse poderia ter um Estado do Norte em que se protegesse o consumidor do Sul? Ou ainda, que interesse poderia alegar aquele, para evitar uma agressão à paisagem gaúcha, que lá não se contempla? Salvo se nestas hipóteses o Estado nortista pudesse demonstrar uma repercussão direta em sua esfera jurídica de interesses, não poderia ser admitido a propor ou a intervir na ação reparatória de danos que não o atingiram nem poderia atingir (da procedência ou da improcedência do pedido,nenhuma repercussão jurídica haveria na sua esfera de interesses)” – in A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO, 7ª ed. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 289.

154 Cf. BUTERA, Antonio. Interesse ad agire. Enciclopedia Giuridica Italiana. Milano : Società Editrice Libraria, 1913, v. VIII, p. 501.

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Assim, realmente seria nítido o interesse de agir de qualquer Estado ou Município ajuizando ação civil pública para proteção do patrimônio público de uma autarquia federal com sede em seu território – uma universidade federal, por exemplo – em vista das enormes vantagens decorrentes da preservação de uma instituição dessa natureza para os autores, podendo a União, se desejar, habilitar-se como litisconsorte de qualquer das partes na forma do § 2º do artigo 5º da LACP.

Por outro lado, não teria nenhum sentido o ajuizamento da ação quando inexistente qualquer interesse processual por parte da pessoa jurídica de direito público no deslinde da causa.

Por fim, insta consignar que também estariam legitimadas para o ajuizamento das ações civis públicas protetivas do patrimônio público as “associações civis que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao interesse lesado ou ameaçado de lesão” (incisos I e II do art. 5º da Lei nº 7.347/85).

O objetivo do dispositivo é facilitar a tutela jurisdicional em relação às ações do poder público e do “poder” econômico privado, respectivamente 1° e 2° setores, que precisam da cobrança e vigília do setor social ou 3° setor, seja através de uma simples associação civil, ou mesmo uma ONG (organização não-governamental) ou uma OSCIP (organização da sociedade civil de interesse público, conforme Decreto-lei nº 3.100/99, regulamentado pela Lei nº 9.790/99).

Normalmente essas associações são grupos sociais organizados que:

possuem uma função social e política em sua comunidade ou sociedade;

possuem uma estrutura formal e legal;

estão relacionados e ligados à sociedade ou comunidade através de atos de solidariedade;

não objetivam lucros financeiros (não possuem fins lucrativos);

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possuem considerável autonomia.

Principalmente para efeito de proteção ao patrimônio público, seja através de medidas extrajudiciais ou judiciais, as associações precisam manter absoluta independência em relação aos governos, pois nenhuma organização da sociedade pode ter autonomia política e ideológica se não for financeiramente independente.

Também devem estar completamente separadas da estrutura partidária, já que nenhuma organização pode ser autônoma e isenta se for braço operacional de partido político.

Para tanto, a Constituição Federal de 1988 aboliu o controle de qualquer aparato estatal às Organizações da Sociedade Civil, assegurando-se a plena liberdade de associação, sua criação independentemente de autorização e sua dissolução compulsória condicionada ao trânsito em julgado de uma decisão judicial (incisos XVII, XVIII e XIX do art. 5º). Pela Carta Magna, ainda, as associações podem inclusive propor ações judiciais e denunciar irregularidades ou ilegalidades perante os Tribunais de Contas (art. 74, § 2º).

Não se discute, portanto, que tais entes constituem espaço de ação pública, nem estatal nem privada, se apresentando como importante componente para a democracia e para a concretização dos preceitos estabelecidos na Constituição, inclusive a defesa dos interesses difusos e, dentre eles, a proteção ao patrimônio público.

Tal interpretação traduz o contexto atual das associações como defensoras de um interesse maior, um interesse coletivo que implica na produção de benefícios até mesmo para aqueles com os quais não estabeleçam vínculo direto, o que lhes confere uma idéia de representatividade muito forte, minorando o distanciamento e a inércia do cidadão diante dos problemas que atingem o todo.

Daí a importância da sociedade civil organizada como movimento social político, fiscalizando a ação do Poder Público e gerando a consciência que a modificação da situação vigente se dá com a participação de todos, e não

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com ações isoladas (e normalmente voltadas para interesses políticos próprios) como sugere a Lei da Ação Popular155, de quase quarenta anos atrás.

Para tanto, um importante instrumento colocado à disposição desses entes na tutela do patrimônio público é exatamente a ação civil pública e, para que qualquer associação civil possa tomar a reclamada providência de cunho judicial, há a necessidade de serem obedecidos dois requisitos simplórios: a) precisa estar constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, podendo tal prazo ser dispensado pelo juiz, quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido; b) precisa incluir entre suas finalidades institucionais previstas no respectivo estatuto a proteção ao patrimônio público (art. 5º, incisos I e II, da Lei nº 7.347/85).

5.3 A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SUA LEGITIMAÇÃO (ART. 17, CAPUT, DA LEI Nº 8.429/92)

5.3.1 Noções gerais

De acordo com a Constituição Federal (art. 37, § 4º), “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” – grifos nossos.

Assim, em 1992, foi promulgada a Lei nº 8.429 regulamentando o citado dispositivo constitucional. Trata-se de um diploma legal que, além de estabelecer exemplificativamente os atos de improbidade administrativa em seus artigos 9º, 10 e 11, ainda oferece os delineamentos gerais do instrumento de tutela adequado – a ação por ato de improbidade administrativa – à promoção da responsabilidade daqueles que, por ação ou por omissão, por dolo ou culpa, destoaram do dever de lealdade e retidão no

155 Lei nº 4.717/65.

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trato com a res publica, inclusive fazendo previsão das respectivas sanções (art. 12).

E no artigo 17, caput, da multicitada lei, encontramos a previsão da legitimidade ativa para o ajuizamento de ações dessa natureza.

5.3.2 Legitimação do Ministério Público

Exatamente em razão de sua destacada atuação, desde 1985, no ajuizamento de ações civis públicas, o Ministério Público aparece, hoje, como autêntico representante da sociedade brasileira na defesa de seus interesses difusos, dentre eles o de conservar o erário, o de impor aos agentes públicos o dever de probidade e de observância dos princípios que devem reger a Administração Pública.

Por isso, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, através de seus artigos 7º, 14, § 2º, 15, 16, 17 e 22, acabou por consagrar definitivamente a legitimidade ativa do Ministério Público para a ação judicial perseguidora do ressarcimento do prejuízo causado ao patrimônio público e imposição das demais sanções previstas no art. 12 da mencionada lei, até para respeitar a norma constitucional (art. 129, III), já suficiente para tal finalidade.

Vale registrar que essa legitimação reporta-se, obviamente, à lesão ao patrimônio de qualquer dos órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, inserindo-se nesse contexto, até mesmo por força do que consta nos artigos 1º e 2º da LIA, empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público e entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Vale destacar, a respeito, a seguinte decisão:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - POSSIBILIDADE JURÍDICA E LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - AGRAVO

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IMPROVIDO. “(...) Quanto à ilegitimidade ativa do Ministério Público, também não prospera a matéria preliminar, pois o regime jurídico da Eletropaulo não se confunde com a natureza de seu patrimônio, para o qual concorre prioritariamente a Fazenda do Estado de São Paulo, que detém com exclusividade 47,57% do quadro de ações ordinárias da empresa. E dada a natureza dos serviços de interesse coletivo por esta prestados à comunidade, sua direção é reservada ao poder público. Bem por isso, a Constituição Federal considera como funções institucionais do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Carta, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, incisos I, II e III). Já a Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, outorga a legitimidade ao Ministério Público para requerer ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente, ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público (arts. 16 e 17). Igual faculdade é prevista na Lei n. 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, com a redação dada pelos arts. 110 e seguintes da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do

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Consumidor), como anotado no parecer do ilustre Promotor de Justiça José Benedito Tarifa (fls. 131/132). Por tais fundamentos, nega-se provimento ao recurso”156.

Verifica-se então que não apenas a Constituição Federal e as leis federais, mas também a jurisprudência e a doutrina, deixam claro que o Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura da ação de improbidade administrativa prevista na Lei nº 8.429/92.

E não figurando o Órgão Ministerial como autor, atuará obrigatoriamente como custos legis, sob pena de nulidade (art. 17, § 4º, da LIA), devendo, para tanto, ser intimado de todos os atos do processo e podendo inclusive recorrer em qualquer caso, na forma do artigo 499, § 2º, do CPC.

5.3.3 Legitimação do ente de Direito Público Interno lesado

Embora a Lei nº 8.429/92 dê também legitimação ativa à “pessoa jurídica interessada” – aí se enquadrando, obviamente, o ente de direito público interno lesado pelo ato de improbidade administrativa – em geral as iniciativas nesse campo têm sido do Ministério Público, sendo raras as ações dessa natureza ajuizadas pelo Poder Público.

Não se tem notícia no Espírito Santo, por exemplo, de ações ajuizadas com base nos preceitos da LIA pelo próprio Estado ou por Municípios em face de seus respectivos agentes públicos, não apenas em razão do desgaste político que podem as mesmas acabar causando, como também pelos entraves administrativos naturalmente existentes para que um Município qualquer possa, v.g., demandar por ato de improbidade administrativa contra o seu prefeito em pleno exercício do cargo.

Mas ainda que ações viessem a ser ajuizadas por tais legitimados, um outro inconveniente poderia daí derivar: a

156 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Agravo de Instrumento 214.432-1/0, São Paulo, 1ª Câmara Cível, Relator Desembargador Alexandre Germano, v.u., 27-09-1994;

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utilização do instrumento contra adversários políticos, que acabaram de concluir o mandato e estão prestes a se candidatar a um outro. Isso se deve principalmente ao fato de que o prazo de prescrição para as ações destinadas a levar a efeito as sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92 é de “até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança” (art. 23, I).

Caso isso venha ocorrer e fique cabalmente demonstrado, na verdade um outro ato de improbidade seria praticado, já que estaria agindo o Administrador Público com parcialidade para prejudicar deliberadamente um terceiro (art. 11, caput).

Mas a questão de maior relevância, aqui, envolve a análise da posição que deve assumir a pessoa jurídica de direito público lesada na relação jurídica processual caso a ação por ato de improbidade seja ajuizada por um outro legitimado: seria ele litisconsorte passivo necessário ou facultativo?

Dúvidas poderiam surgir em razão do art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429⁄92, com a redação modificada pelo art. 11 da Lei 9.366⁄96, mandar aplicar, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717⁄65, que rege a ação popular, in verbis:

"§ 3º A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente”.

   Ora, como já examinado, a ação por ato de improbidade administrativa poderá ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, enquanto que a ação popular somente poderá ser ajuizada pelo cidadão, podendo a pessoa jurídica de direito público atuar ao lado do autor, se for o caso.

Entretanto, em se tratando de ação popular, o Ministério Público não poderá figurar como autor, sendo ela

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proposta contra as pessoas públicas e privadas e as entidades referidas no art. 1º da lei especial. Daí a ressalva  da Lei de Improbidade, ao mandar aplicar o dispositivo da Lei de Ação Popular “no que couber".

Por seu turno, a Lei nº 8.429⁄92 não obriga a presença simultânea do Ministério Público e da pessoa jurídica de direito público interessada como autores. Já na ação popular, a pessoa de direito público pode abster-se de contestar ou figurar ao lado do autor.

Por isso, o Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento no sentido de que, em se tratando de ação por ato de improbidade administrativa, o caso é de litisconsórcio facultativo. Acórdão unânime da Segunda Turma, cuja relatora foi a Ministra Eliana Calmon, assim decidiu:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE (LEI 8.429⁄92). 1. Inexiste nulidade do processo que, examinando cumulativamente ação civil pública e ação civil por ato de improbidade, seguiu o rito ordinário (art. 292, § 2, do CPC). 2. Na ação civil por ato de improbidade, quando o autor é o Ministério Público, pode o Município figurar, no pólo ativo, como litisconsorte facultativo (art. 17, § 3ª, da Lei 8.429⁄92, com a redação da Lei 9.366⁄96), não sendo hipótese de litisconsórcio necessário. (...)" (REsp 319.009⁄RO, D.J.U. de 05.09.2002) – grifos nossos.

  Matéria análoga foi examinada pela Primeira Turma que, também por unanimidade, em acórdão da lavra do Ministro Luiz Fux, pronunciou-se nos seguintes termos:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO MUNICÍPIO -

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LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO - NULIDADE - INOCORRÊNCIA. 1. A falta de citação do Município interessado, por se tratar de litisconsorte facultativo,na ação civil pública declaratória de improbidade proposta pelo Ministério Público,  não tem o condão de provocar a nulidade do processo. 2. Ainda que assim não fosse, permaneceria a impertinência subjetiva da alegação haja vista  que o beneficiário somente poderia nulificar o processo se descumpridas garantias que lhe trouxessem prejuízo. Princípio da Instrumentalidade das Formas no sentido de que "não há nulidade sem prejuízo" (art. 244, do CPC). 3. A solução acerca da validade do contrato é uniforme para todos os partícipes do negócio jurídico inquinado de ilegal, por isso que, a defesa levada a efeito pelo Subsecretário e pelo próprio Prefeito, legitimados passivos, por força do pedido condenatório, serviu, também, à Municipalidade, em razão da "Unitariedade do Litisconsórcio" em função do qual a decisão homogênea implica em que os atos de defesa aproveitem a todos os litisconsortes. É o que se denomina de "regime de interdependência dos litisconsortes" no denominado litisconsórcio unitário. 4. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve alargamento do campo de atuação do Parquet que, em seu art. 129, III, prevê, como uma das funções institucionais do Ministério Público a legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

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direitos difusos e coletivos. 5. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 6. In casu, a ação civil pública foi intentada para anular contrato firmado sem observância de procedimento licitatório  cujo objeto é a prestação de serviços de fiscalização, arrecadação e cobrança do IPVA, bem como reivindicar o ressarcimento causado ao erário. Nesses casos o que se pretende não é só a satisfação de interesses da coletividade em ver solucionado casos de malversação de verbas públicas, mas também o interesse do erário público. (...)" (REsp 408.219⁄SP, D.J.U. de 24.09.2002) – grifos nossos.

  E voto proferido pela Ministra Eliana Calmon assim analisa a alegada nulidade do processo por falta de citação da pessoa jurídica de direito público:

"Segundo o acórdão, a citação do MUNICÍPIO DE ARIQUEMES para integrar a lide não gerou nulidade, por se tratar de litisconsorte facultativo e não necessário, consoante o art. 17, § 3º, da Lei 8.429⁄92, alterado pelo art. 11 da Lei 9.366⁄96, além de não ter ocorrido prejuízo para os apelantes. Com efeito, a alteração da redação do art. 17, § 3º, se interpretado em sintonia com o § 2º do mesmo artigo, leva à compreensão do acerto contido no acórdão impugnado. O caput do art. 17 enuncia que a ação será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, deixando bem clara a alternatividade, "ou um ou outro", para depois anunciar no § 3º que a Fazenda Pública integrará a lide como litisconsorte para o fim específico de suprir as omissões e falhas da inicial e

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para reforçar a posição do Ministério Público, autor da demanda, indicando novas provas ou os meios de obtê-las. Mais uma vez rechaço as razões dos recorridos, para adotar o argumento central do Tribunal de Justiça, que afirmou estar diante de um litisconsórcio facultativo. Com efeito, só há litisconsórcio necessário quando a lei assim determina, como o fez em relação ao Ministério Público na exata ação de que se cuida, conforme previsão do § 4º do mesmo art. 17. Também há litisconsórcio necessário quando houver comunhão de direitos e de obrigações relativamente à lide e o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todos. Na espécie, inexiste tal identidade, porque o interesse da municipalidade é, sem dúvida, defender a integridade dos atos de estado e resguardar os cofres públicos. Acrescento que, inexistindo prejuízo para a municipalidade, porque julgada procedente a ação, não se há de decretar a nulidade, sem prejuízo algum para o litisconsorte que a lei objetiva proteger." (REsp. 319.009, DJ 04.11.2002) – grifos nossos.

  Portanto, conclui-se que a pessoa jurídica de direito público interessada, não sendo parte, deve ser sempre intimada nas ações por ato de improbidade administrativa, podendo aliar-se ao autor para suprir as omissões e falhas da peça inaugural ou indicar os meios de prova de que disponha, ou podendo, em sentido contrário, opor-se à pretensão se entender como legítimas as condutas dos réus.

5.3.4 Legitimação das Associações Civis

Cabe analisar, por derradeiro, se as associações civis regularmente constituídas teriam legitimidade ativa para o

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ajuizamento de ações por ato de improbidade administrativa com o intuito de aplicar aos responsáveis as sanções previstas no artigo 12 da LIA.

Em primeiro lugar, como já destacado, o art. 5° da Lei nº 7.347/85 dá legitimidade para o ajuizamento da ação civil pública às associações civis, não havendo como negar, assim, que as mesmas estão aptas a tutelar judicialmente qualquer dos direitos metaindividuais, inclusive o de exigir dos agentes públicos uma conduta proba à frente da Administração Pública, desde que haja previsão nesse sentido em seu respectivo estatuto.

No que tange ao procedimento da ação de improbidade administrativa (art. 17 Lei nº 8.429/92), não há como negar que ao mesmo aplica-se subsidiariamente os dispositivos da Lei nº 7.347/85, não só por se tratar tal ação de uma verdadeira “ação civil pública”, definida por Edis Milaré157

como "o direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera cível, em nome do interesse público, a função jurisdicional", como pelo fato da LACP ser composta essencialmente de dispositivos de direito processual, aplicáveis no que couber ao gênero “ação civil pública” previsto na própria Constituição Federal (art. 129, III).

Destaque-se que a Lei da Ação Civil Pública se aplica subsidiariamente também ao sistema de outras normas legislativas destinadas à proteção dos interesses metaindividuais, tais como as Leis nº 7.853/89, 7.913/89, 8.069/90, 8.078/90 e 8.884/94, não podendo ficar de lado, sem motivo plausível, a Lei nº 8.429/92. Não se sustenta, desse modo, o entendimento no sentido de que a ação civil pública é apenas aquela prevista na Lei nº 7.347/85158.

Não é por outro motivo que, de forma irretocável, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior lecionam que

157 in "A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional", São Paulo, Saraiva, 1990, pp. 4/6.158 É nesse sentido o entendimento de CARLOS FREDERICO BRITO DOS SANTOS, in "O Amplo Conceito da Ação Civil Pública", Revista do Ministério Público do Estado da

Bahia, nº 08, 1997, pp.46/50.

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"Ação civil é a que tem por objeto uma lide civil. É ação não penal. Pública por seu conteúdo, porque objetiva proteger interesses difusos ou coletivos. Se toda a ação civil, mediatamente, persegue a consecução do interesse público, na órbita processual civil, seu objetivo imediato é, em geral, a dedução de uma pretensão menor, isto é, particular. Quando, no entanto, a própria pretensão geradora da lide deflui de interesses difusos ou coletivos, estamos em face da ação civil pública. Ação civil pública, no caso da improbidade administrativa, é a ação civil de interesse público imediato, ou seja, a utilização do processo civil como um instrumento para a proteção de um bem, cuja preservação interessa à toda coletividade" – grifos nossos.

No mesmo sentido nos ensina Fábio Medina Osório159:

"não se diga que a adoção do rito ordinário na ação principal (art. 17 da lei número 8.429/92) impede o entendimento de que a ação civil pública possui seus delineamentos básicos na Lei número 7.347/85. A ordinarização do rito procedimental apenas busca alargar o campo de defesa dos réus, proporcionando-lhes espaço mais amplo para o debate e a produção de provas. Não significa, portanto, afastamento de mecanismos processuais previstos expressamente na lei número 7.347/85. Veja-se que o Constituinte de 1988 quebrou o sistema anterior, no qual as ações civis públicas eram conferidas ao Ministério Público caso a caso, por leis expressas, ampliando tal titularidade,

159 opus citata, pp. 232/233;

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destinando a ação civil pública, agora, à proteção do patrimônio público e social, e de outros interesses coletivos e difusos, consagrando-se norma de extensão na própria Lei número 7.347/85. Não procede, pois, eventual alegação de que a ação civil pública da Lei número 8.429/92 seria absolutamente incompatível com o alcance da Lei número 7.347/85, porquanto esta última contém cláusula que permite a sua utilização para a defesa do patrimônio público lato sensu".

A jurisprudência amplamente majoritária também já consagrou a expressão ação civil pública ao se referir à "ação principal" prevista no art. 17, da Lei nº 8.429/92, conforme podemos constatar na seguinte ementa de um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (de 14.02.96, publicado na RJTJRGS 175/623, tendo sido relator o Des. Élvio Schuch Pinto):

"Ação civil pública de improbidade administrativa e de ressarcimento de dano intentada contra Vereadores e ex-Vereadores pelo recebimento de diárias e transportes indevidos, e de remuneração sem o desconto por faltas injustificadas a sessões do Legislativo, cumulada com pedido de decretação de afastamento das funções e inelegibilidade. Legitimação ativa do Ministério Público, afirmada expressamente na Constituição (art. 129, III), ou nela implicitamente inscrita (arts. 129, IX, e 58, § 4º), e nas Leis 8.429/92 (arts 15, 17, §§ 3º e 4º, e 22) e 8. 625/93 (art. 25, IV, letra b). Sentença extintiva fundamentada em ilegitimidade ativa. Recurso provido, reconhecendo-se no caso o cabimento da ação, a legitimação do Ministério Público e a necessidade de participação do Município como litisconsorte” - grifos nossos.

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Assim, se o artigo 17 da Lei nº 8.429/92 diz que, além do Ministério Público, tem legitimidade para ajuizar a ação de improbidade administrativa a “pessoa jurídica interessada”, cumpre analisar se também as associações civis se enquadrariam nesse contexto.

A doutrina, praticamente de forma esmagadora, nega essa legitimidade, sob os mais diversos argumentos.

Para Pazzaglini, Rosa e Fazzio Júnior160, por exemplo, “a pessoa jurídica interessada é, materialmente, a paciente imediata do ato de improbidade, e portanto interessada na reparação de seus efeitos”, razão pela qual, “além do Ministério Público, por dicção do art. 17 da Lei nº 8.429/92, podem propor ação contra os praticantes de atos de improbidade administrativa as respectivas pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais”, não sendo feita, na obra, menção a qualquer outro legitimado.

Por outro lado, como já observado, as associações civis são pessoas jurídicas na forma da lei civil e, se houver em seus estatutos previsão para o ajuizamento de ações objetivando a tutela do patrimônio público ou do erário, será evidente o seu interesse.

Não é aceitável uma interpretação restritiva no sentido de que a expressão utilizada no artigo 17, caput, da LIA queira se reportar, apenas e tão-somente, aos entes de direito público interno prejudicados pelo ato de improbidade praticado. Fosse assim, o legislador poderia ter se utilizado da expressão “pessoa jurídica lesada”, e não “interessada”, ou então teria feito expressa menção a União, Estados e Municípios, suas autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista.

Aliás, em vista da relevância dos chamados “direitos transindividuais”, mormente o direito de todo e qualquer indivíduo de evitar ou reparar os atos de lesão ao erário, a hermenêutica dos dispositivos deve ser realizada sempre no sentido de possibilitar a defesa dos mesmos da forma mais ampla possível e, quantos mais forem os legitimados, maior a possibilidade de se buscar no âmbito do Poder Judiciário a respectiva tutela em caso de dano ou ameaça a tais direitos.

160 Ob.citada, pp. 207 e 208;

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Ademais, como já examinado alhures, a ação prevista na Lei nº 8.429/92, apesar de possuir procedimento especial (art. 17, §§), continua se enquadrando no gênero “ação civil pública”, de modo que, através de uma interpretação sistemática facilmente poder-se-á enumerar as “pessoas juridicamente interessadas” através do artigo 5º da Lei nº 7.347/85.

Com isso, pode-se asseverar que todos os legitimados para o ajuizamento da ação civil pública são “pessoas jurídicas interessadas” na tutela do direito difuso, coletivo ou individual homogêneo lesado, fazendo Nelson Nery Jr. referência até a uma terceira modalidade de legitimação para as ações coletivas relativas aos dois primeiros denominada “autônoma para a condução do processo161”.

Incabível aqui, portanto, a aplicação da regra de Direito Processual Civil no sentido de que as hipóteses de legitimação extraordinária e de substituição processual devem ser interpretadas restritivamente.

Em verdade, o que fez a Lei da Improbidade Administrativa – que disciplina a tutela de um único direito difuso – foi simplesmente evitar uma repetição desnecessária de dispositivos que já se faziam presentes em uma outra lei já em pleno vigor – que disciplina a tutela de todos os direitos metaindividuais e que a ela, em seu aspecto processual, se aplicaria subsidiariamente.

Inaugurando o entendimento acima esboçado, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, na mais completa e atual obra a respeito do tema, explicam que “(...) possível a aplicação do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública – aplicação muito mais ‘esclarecedora’ que ‘supletória’- bastando, para tanto, que, ante a natureza dispersa do interesse aqui considerado, se considere a associação uma pessoa jurídica interessada”162.

E mais:

“A participação efetiva das associações na seara da improbidade administrativa

161 Ob. citada, p. 1530;162 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 2ª edição, Rio de Janeiro : Ed. Lumen Juris, 2004, p. 699.

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atende não só ao ideário de democracia participativa inaugurado pela Carta Política como também a conveniências de ordem prática, sendo necessário considerar que a pífia participação dos entes federados na repressão à improbidade vem acarretando um preocupante assoberbamento do Ministério Público, instituição que, não obstante o notório comprometimento público de seus integrantes, encontra hoje sérias dificuldades para responder, a contento, aos legítimos reclamos da sociedade”163.

Sendo assim, estando a associação civil constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, incluindo dentre suas finalidades institucionais a proteção ao patrimônio público e ao erário, inegavelmente teria ela legitimidade para o ajuizamento de uma ação por ato de improbidade administrativa.

Vale lembrar, por fim, que, para corrigir eventuais distorções, o Ministério Público – que, como já examinado, atuará no caso obrigatoriamente como fiscal da lei – poderá assumir a titularidade ativa em caso de desistência infundada ou abandono da ação pelo autor, por aplicação analógica do § 3º do artigo 5º da LACP.

5.4 CONCLUSÃO

Por vivermos em um Estado Democrático de Direito, é natural que a sociedade, vigilante, exija uma atuação mais efetiva do Ministério Público na defesa dos bens essenciais à convivência social. A par de suas tradicionais atribuições, que, diga-se de passagem, sem dúvida precisam ser repensadas, impõe-se uma postura mais ativa na defesa do patrimônio público, sem omissão diante das imensas distorções sociais geradas pela improbidade administrativa.

É preciso sejam responsabilizados os infratores, tomando-se inclusive medidas judiciais para trazer de volta

163 ob. citada, p. 701.

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ao erário, há muito combalido, o que lhe foi subtraído pelas mãos putrefatas de agentes públicos corruptos.

E os membros do Ministério Público não podem estar sozinhos nessa batalha, pois se assim o for certamente a perderão. Imprescindível estejam ao seu lado, somando-se esforços, os demais agentes públicos incumbidos da mesma missão, de forma positiva e sem qualquer tipo de omissão, e a sociedade civil organizada, que deve também se mostrar pronta a tomar iniciativas de cunho jurisdicional, valendo-se dos instrumentos colocados à sua disposição se preciso for.

6 A Competência para julgamentos dos Atos de Improbidade Administrativa e Lei

10.628/02 (Inovações da Lei nº

10.628/2002)

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Gustavo Senna Miranda

6 A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA*

(Inovações da Lei nº 10.628/2002)

Gustavo Senna Miranda

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo; Dirigente do Centro de Apoio Criminal; Professor da FDV (Faculdade de

* Monografia apresentada ao Mestrado em Direitos e garantias Constitucionais Fundamentais da Faculdade de Vitória – FDV, como requisito para aprovação na disciplina Instrumentos Constitucionais Especiais, ministrada pelo Prof. Cássio Scarpinella Bueno. Vitória/ES. 2003.

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Direito de Vitória) e da Escola Superior do Ministério Público.

6.1 INTRODUÇÃO

Como se sabe, a probidade administrativa é tutelada pela Constituição Federal, sendo, portanto, juntamente com os princípios esculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, um dos princípios inerentes à administração pública. Não por outro sentido que a Carta Magna, no § 4º do art. 37, dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Assim, na esteira da Constituição Federal é que foi editada a Lei nº 8.429/92, a denominada “Lei de Improbidade Administrativa”, que entrou em vigor em 03/06/1992, regulamentando a citada regra constitucional, sendo mais uma das leis existentes que tem por objetivo assegurar o acesso à justiça referente às demandas coletivas, pois entendemos ser inquestionável que o resguardo à probidade administrativa é um interesse difuso de toda coletividade.

Acontece que desde que entrou em vigor, a Lei nº 8.429/1992 vem despertando inúmeras divergências na doutrina e jurisprudência, tais como a natureza dos atos de improbidade administrativa, o procedimento, a utilização da sistemática da Lei de Ação Civil Pública, a cumulatividade ou não das sanções que comina, a legitimidade para agir, a competência para julgamento quando o agente ostenta foro por prerrogativa de função, etc.

No presente estudo pretendemos analisar tão-somente a questão da competência para julgamento dos atos de improbidade administrativa, mormente quando um dos agentes ostenta foro por prerrogativa de função.

O estudo em questão, na atualidade, possui especial relevância, notadamente diante do advento da Lei nº 10.628/2002, que inseriu, como veremos, o § 2º no art. 84 do Código de Processo Penal, consagrando o foro por

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prerrogativa de função nos atos de improbidade administrativa quando o agente demandado também ostentar tal prerrogativa pela prática de crime.

A Lei nº 10.628, de 24.12.2002, publicada no DOU de 26.12.2002, modificando o art. 84 do Código de Processo Penal, traz a seguinte redação:

“Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles, por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º”.

A referida lei vem sendo considerada inconstitucional por boa parte da doutrina, tanto que já foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional do Ministério Público (CONAMP), gerando, assim, intenso debate no mundo jurídico.164

164 Lembra Cassio Scarpinella Bueno (“O Foro Especial para as Ações de Improbidade Administrativa e a Lei 10.628/02”, in Improbidade Administrativa – questões polêmicas e atuais, 2ª edição, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 439) que “... tais questionamentos tiveram início bem antes da promulgação da Lei, quando ela tinha forma de anteprojeto, e ainda antes, quando o Supremo Tribunal Federal discutiu sobre o tema que regula em Reclamação que sustentava, em última análise, a existência de foro especial para ações de improbidade administrativa ajuizadas contra Ministro de Estado, por extensão da regra contida no art. 102, I, “c”, da Constituição Federal.” Como destaca o autor, em

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De nossa parte, como se verá, não há dúvidas a respeito da inconstitucionalidade da citada lei, que representa uma manifesta imoralidade por parte do Congresso Nacional, ao aprovar uma lei extremamente casuística, configurando um retrocesso no direito brasileiro.

Assim, serão abordados os diversos argumentos para a defesa da tese da inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, bem como a estratégia que vem sendo utilizada pelo Ministério Público para o enfrentamento da questão.

Porém, considerando que se trata de uma lei vigente, mesmo que pela nossa convicção não tenha validade, procuraremos analisar suas conseqüências práticas e jurídicas, do contrário o estudo poderia estar esgotado com a simples alegação de que a lei é inconstitucional, olvidando-se do fato que a lei em questão está em vigor, gerando efeitos, merecendo, portanto, uma reflexão sobre o seu conteúdo e alcance, inclusive no que se refere às ações já em curso.

Destarte, para fim de exposição e problematização, numa segunda etapa do presente estudo, tomaremos como válida a regra contida no § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, para assim buscar destrinchar os vários desdobramentos que ensejará, não só para as ações em curso, mas, também, para as que serão iniciadas.

6.2 COMPETÊNCIA ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº

10.628/2002

Predominava o entendimento de que a competência para processar e julgar o agente por atos de improbidade administrativa seria do juiz de primeiro grau (estadual ou federal165), do local do dano, nos termos do art. 2º, da Lei nº 7.347/85. A competência delimitada pelo local do dano

nota de rodapé, cuida-se da Reclamação 2.138-DF, rel. Min. Nelson Jobim. 165 Cf. súmula 208 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal”. Vide, ainda, art. 109, I, CF: “Aos juízes federais compete processar e julgar: as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, ré, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.

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configura regra salutar que tem por finalidade facilitar a produção de provas, permitindo que a prestação da tutela jurisdicional coletiva se dê perante a comunidade afetada pelo atuar lesivo (efeito psicológico e simbólico).

Para boa parte da doutrina cuida-se de competência funcional, porém, tal entendimento é equivocado, eis que o caso é de competência territorial166, tendo apenas o legislador considerado de natureza absoluta, em que é impossível a prorrogação, não sendo necessária a argüição por exceção para ser reconhecida, podendo ser declarada de ofício em qualquer tempo ou grau de jurisdição e mesmo em ação rescisória, nos termos do art. 485, II, do Código de Processo Civil.

Assim, ainda que o agente ostentasse foro por prerrogativa de função pela prática de crime, como se dá com governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais, etc., não haveria em que se falar em tal prerrogativa para o julgamento dos atos de improbidade administrativa, sendo competente o juiz de primeiro grau do local do dano.

O primeiro argumento que se utiliza para embasar esse entendimento diz respeito à natureza jurídica dos atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 9.429/92167.

Com efeito, se se considerar que tais atos caracterizam ilícitos penais, deve ser respeitada a prerrogativa de função. Porém, entendendo-se que os atos de improbidade administrativa na verdade configuram ilícitos de natureza civil administrativa resta afastado o foro por prerrogativa de função, pois este, conforme a Constituição Federal, só diz respeito à prática de crimes.

166 Conforme Salienta Francesco Carnelutti (Instituições do Processo Civil. Vol. I. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 273), “diferente da competência hierárquica, a competência territorial serve para fixar o ofício perante o qual deve ser tratada a lide ou o negócio, não do ponto de vista do grau, mas sim do da sede, ou seja, para a eleição entre os vários ofícios do mesmo tipo de grau”.167 De acordo com os artigos citados os atos de improbidade administrativa podem ser

classificados respectivamente: 1) atos que importam em enriquecimento ilícito; 2) atos que causam prejuízo ao erário; 3) atos que atentam contra princípios da Administração Pública.

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Vale destacar que muito embora algumas das condutas consideradas como atos de improbidade administrativa tenham correspondência com tipos penais, como crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (arts. 312 a 326 do CP), de responsabilidade dos prefeitos (art. 1º do Decreto-lei 201/67) etc., os atos de improbidade administrativa não são considerados ilícitos criminais, tendo inquestionável natureza civil.

De fato, apesar dos argumentos em sentido contrário168, vários são os fundamentos para se afastar a natureza não penal, dentre os quais destacamos os seguintes:

1) Em primeiro lugar, cabe destacar que a própria Constituição Federal, no art. 37, § 4º, deixa claro que as punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”, o que ocorre, de igual forma, na Lei de Improbidade Administrativa, que em seu art. 12, ressalva a aplicação de sanções penais para os agentes que vierem a praticar atos de improbidade administrativa.169

Assim, se a própria Carta Magna, como visto, distingue e separa nitidamente a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções nela previstas da ação penal cabível, é inexorável concluir que aquela demanda não ostenta natureza penal.

2) Em segundo lugar, porque o crime tem como conseqüência uma pena de prisão, isto é, privativa de

168 WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Subversão da hierarquia judiciária. O Estado de São Paulo, 01.04.1997, Espaço Aberto. Tais autores, contrariamente ao sustentado por nós, entendem que a lei contemplaria delitos com “foros de crimes de responsabilidade”.

169 No sentido do aqui sustentado foi a conclusão a que chegaram Flavio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues (“A Tutela Processual da Probidade Administrativa”.

Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 177). Após tecerem considerações acerca da atecnia de alguns termos penais utilizados pelo legislador, como “Das Penas” (Capítulo III), “Das Disposições Penais” (Capítulo VI), asseveram: “Toda essa crítica poderia levar à conclusão – não tão descabida assim – de que a lei, em sua grande parte, seria manifestamente inoperante. Todavia, graças à clareza do texto constitucional e sua supremacia em relação à lei específica, restou bem nítida a posição da Carta Magna ao isolar as sanções tão comentadas daquelas que seriam objeto de uma ação penal típica. Assim sendo, dúvida não pode haver de que se trata, todas elas, de sanções não-penais, e que devem ser julgadas e apreciadas pelo juízo cível”.

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liberdade, como, aliás, se pode perceber pela redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 09/12/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), que dispõe:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”, o que não ocorre com os atos de improbidade administrativa, conforme se verifica pelas sanções a eles cominadas (cf. art. 12 da Lei nº 9.429/2002).

3) Em terceiro lugar, em face do conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador para tipificar os atos de improbidade administrativa (exemplo marcante são os atos de improbidade administrativa que importam em violação de princípios – art. 11 da Lei nº 9.429/2002), técnica legislativa incompatível com a definição de condutas criminosas, por vassalagem ao princípio da taxatividade, do qual decorre que as normas penais incriminadoras devem possuir definição clara e precisa, isto é, devem ser suficientemente bem elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma, o que é incompatível com o conceito de princípios que, como se sabe, ostentam definição aberta.

4) Em quarto lugar, em vista da previsão do art. 8º da Lei nº 8.429/92170, regra pela qual torna-se possível que algumas das sanções por atos de improbidade administrativa alcancem os herdeiros. Assim, também por esse motivo é inexorável a conclusão da natureza não-penal, do contrário, estar-se-ia violando o princípio da intranscendência previsto no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

Assim, com base nos argumentos acima, até recentemente, tanto na doutrina como também na jurisprudência, era amplamente majoritária a posição de afastar o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade. 170 “Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança”.

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6.3 COMPETÊNCIA APÓS O ADVENTO DA LEI Nº

10.628/2002

Porém, o panorama, pelo menos em sede legislativa, mudou, e para pior. Com efeito, como já citado anteriormente, a recente Lei nº 10.628171, de 24 de dezembro de 2002, por muitos considerada um verdadeiro presente de Natal oferecido pelo então governo à nação brasileira, numa patente atecnia, alterou o art. 84 do Código de Processo Penal.

A novidade, como destacado, foi inserida no § 2º do citado artigo, que dispõe: “A ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º”.

Portanto, de acordo com a nova regra, sempre que o agente tenha prerrogativa de função em matéria criminal, doravante também terá igual prerrogativa em sede de improbidade administrativa, retirando-se, assim, a competência dos juízes de primeiro grau.

Logo, se temos, por exemplo, um caso em que um Prefeito pratica um ato de improbidade administrativa, quem deverá julgá-lo será o Tribunal de Justiça de seu Estado, pois de acordo com o art. 29, inc. X, da Constituição Federal, a esses órgãos compete julgar os prefeitos pela prática de crime. Sendo assim, se ostentam tal prerrogativa em matéria criminal, também terão, de acordo com o citado § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, prerrogativa em matéria de improbidade administrativa.

171 A CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn 2.797/2002 – em face da referida lei. Porém, o STF, em sede de exame liminar, rejeitou a medida cautelar solicitada, mantendo a vigência da Lei nº 10.628/02. Por não ser decisão de mérito, evidentemente é desprovida de efeito vinculante, permitindo-se que a inconstitucionalidade venha a ser reconhecida, via controle difuso, pelos juizes ou tribunais.

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Cabe observar que, ao que parece, o § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal represtinou a Súmula 394 do STF, que diz: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal seja iniciado após a cessação daquele exercício”.

Tal Súmula foi editada pela Suprema Corte Brasileira em 03.04.1964, com o objetivo de que houvesse um certo resguardo no exercício de relevantes funções públicas, assegurando-se aos seus exercentes, em eventual julgamento, a isenção e a independência necessárias. Todavia, após vários ataques por parte da doutrina especializada e inúmeros recursos, a súmula em questão foi finalmente cancelada pelo Excelso STF por unanimidade.

Assim, com o cancelamento da Súmula 394 do STF, não estando mais o agente na função ou no exercício do cargo ou mandato, não mais se aplicava o princípio da perpetuação da jurisdição, ainda que o crime tivesse sido cometido na época em que ostentava tal prerrogativa. Destarte, pelo atual entendimento do STF a competência pela prerrogativa de função somente se firma no caso de indiciado, acusado ou réu que ainda se encontrava desempenhando o cargo ou mandato que lhe garantisse o foro especial. Portanto, depois de vigorar por mais de 35 anos, a citada Súmula teve seu cancelamento.

Desta forma, emprestou o Excelso STF interpretação restringente ao artigo 102, I, "b" da Constituição Federal (competência originária do STF), entendendo que aquele dispositivo não alcançava pessoas que não mais exercem cargo ou mandato. O relator do caso, Ministro Sidney Sanches determinou que a medida de cancelamento tivesse efeito ex nunc (daí para frente), validando todos os atos praticados e decisões proferidas com base na citada Súmula, em respeito ao instituto da coisa julgada.

Por oportuno, pedimos vênia para trazer à colação parte do voto proferido pelo Ministro SIDNEY SANCHES, quando do cancelamento da Súmula 394:

"(...) a prerrogativa de foro visa garantir o exercício do cargo ou do mandato e não a

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proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo(...); as prerrogativas de foro, pelo privilégio que de certa forma conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos".

Porém, como destacado, não obstante o cancelamento da Súmula 394 do STF, o § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal, teria represtinado, em parte, a Súmula, ao dispor: “A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial seja iniciado após a cessação do exercício da função pública”.

Percebe-se, portanto, que tendo o agente público cometido crime relativo a seus atos administrativos (ex: crimes contra a administração pública), ainda que não tivesse mais no cargo ou função pública, caso tivesse prerrogativa de função por ocasião do cometimento do delito, continuaria a ostentar tal prerrogativa, havendo, como se percebe, uma prorrogação de competência. O mesmo não ocorreria, contudo, se tivesse praticado um crime que não possui qualquer relação com suas funções (ex: tráfico de drogas), pois não haveria o necessário nexo funcional.172

172 Sobre o tema, o STF, em decisão plenária, já asseverou que: “O Tribunal, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Sepúlveda Pertence, relator, fixou a competência do STJ para apurar inquérito referente à suposta participação de ex-deputado federal e de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro na prática dos delitos de apropriação indébita, estelionato e formação de quadrilha. O Tribunal entendeu que o art. 84, § 1º, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 10.628/2002, é inaplicável, no caso, porquanto refere-se a atos administrativos do agente e, na hipótese, o ex-parlamentar está sendo investigado na qualidade de membro da diretoria de entidade privada de caráter assistencial. Salientou-se, ainda que o mencionado § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal não restabeleceu o disposto no Verbete 394 da Súmula do STF, cancelado na sessão do dia 25.8.1999 (Inq (QO) 687-SP), segundo o qual cometido o crime durante o exercício funcional, prevalecia a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício” (Inq. nº 718-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 23/4/2003, Informativo STF nº 305).

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Ora, como os atos de improbidade administrativa são condutas inerentes ao exercício funcional do agente, não resta dúvida, pela lei, da aplicação da regra do § 1º para os processos que apuram tais ilícitos, ainda que o agente tenha deixado o cargo ou função que lhe conferia o foro por prerrogativa de função, bastando observar que o ato de improbidade administrativa tenha sido cometido durante o exercício funcional.

Em conclusão, com as inovações trazidas pela Lei nº 10.628/2002 o foro por prerrogativa de função também passou a ser possível para os atos de improbidade administrativa, não mais sendo regra afeta tão-somente para prática de crimes.

6.3.1 Inconstitucionalidade de foro por prerrogativa de função nos Atos de Improbidade

Como já destacamos, é manifesta a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02, pois através de lei infraconstitucional ampliou-se a competência originária dos tribunais, inclusive do STF e do STJ. O legislador ordinário carece de competência para tanto, o que se estende, de igual forma, ao Poder Judiciário.

Com efeito,

“A competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais foi estabelecida, taxativa e restritivamente, pela Constituição Federal. Não há como, sem contrariar os arts. 102, 105 e 108, entender que a lei federal possa definir competência para aqueles Tribunais ou ampliá-las para além dos limites já traçados pelo legislador constituinte. Mudar competência destes Tribunais é objeto de Emenda Constitucional. Nunca de lei ordinária federal.

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Mesmo os Tribunais dos Estados devem se ater às diretrizes previamente estabelecidas na Constituição Federal, como se verifica de seu art. 125 e respectivo § 1º. A competência destes Tribunais é aquela criada nos termos e consoante as Constituições dos Estados. Impensável que a lei federal possa estabelecê-las, mesmo de forma reflexa ou derivada.

Assim, é imediata a percepção de que a Lei 10.628/2002, ao estabelecer uma nova competência fixada na ‘prerrogativa de função’ para os Tribunais listados no atual caput do art. 84 do Código de Processo Penal – nova competência porque arrola uma nova ação a ser originariamente julgada e porque o foro especial permanece mesmo diante do final do exercício da função pública -, incide em flagrante inconstitucionalidade. A matéria trata de tema afeto, exclusivamente, à Constituição”.173

Realmente, a Constituição Federal não deixa dúvidas que a matéria referente ao foro por prerrogativa de função é matéria reservada tão-somente à Lei Maior, sendo impossível de ser tratada pelo legislador infraconstitucional.

É de se destacar, porém, que é possível que o foro por prerrogativa de função venha a ser tratado pelo legislador constituinte estadual, desde que haja simetria com a Constituição Federal. Exatamente por isso que os secretários de Estado, apesar de não terem foro por prerrogativa de função fixado na Constituição Federal podem ter tal prerrogativa disciplinada na Constituição Estadual, conferindo-lhes a prerrogativa de serem julgados perante o Tribunal de Justiça, porque é inegável a simetria existente entre suas funções com a dos Ministros de Estado, que, como se sabe, possuem prerrogativa de função fixada na

173 BUENO, Cassio Scarpinella. O Foro Especial..., ob. cit., p. 442.

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Constituição Federal de serem julgados pela prática de crime perante o STF (art. 102, I, “c”, CF).

Porém, conforme observado pelo renomado professor Cassio Scarpinella Bueno é impensável que a lei federal venha estabelecer o foro por prerrogativa de função, como o fez a Lei nº 10.628/2002.

Aliás, basta uma breve análise nos dispositivos constitucionais que cuidam do foro por prerrogativa de função para se perceber que tal prerrogativa só existe para a prática de crimes, senão vejamos:

- Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, "b" e "c") - Incumbe ao STF processar e julgar o Presidente da República em crime comum, com juízo de admissibilidade realizado pela Câmara dos Deputados, pela autorização de 2/3 de seus membros (artigo 51, I da Constituição Federal). Incumbe, outrossim, julgar o Procurador-Geral da República, o Ministro do STF, o Vice-Presidente da República, o membro do Congresso Nacional, todos em crimes comuns. Em relação aos Ministros de Estado, serão julgados pelo STF por crimes comuns e de responsabilidade, salvo, este último, se cometido em conexão com o Presidente da República, caso em que o Senado Federal irá julgá-los, bem como os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (artigos 102, I, "c" c/c 52, I, todos da Constituição Federal).

- Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, "a" da Constituição Federal)

- Incumbe ao STJ julgar o Governador e Desembargadores pelos crimes

comuns. Alguns Estados-membros prevêem em suas Constituições Estaduais, o juízo de admissibilidade feito pela Assembléia Legislativa, o que vem sendo interpretado como inconstitucional pelo STF, face a Constituição Federal não ter previsto tal juízo de prelibação.

- Tribunal Regional Federal (artigo 108, I e 109, XI da Constituição Federal) - Incumbe ao TRF processar e julgar os juízes federais da área de sua jurisdição, inclusive os juízes da Justiça do Trabalho e da Justiça Militar, nos crimes

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comuns e de responsabilidade, inclusive os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

- Os Tribunais de Justiça Estaduais (artigo 29, X e 96, III da Constituição Federal) - Incumbe ao Tribunal de Justiça julgar o Prefeito por crime comum, bem como os membros do Ministério Público e os juízes estaduais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Igual previsão de competência é prevista no Poder Constituinte Derivado Decorrente, como ocorre no Estado do Espírito Santo, em que a Constituição Estadual, em seu artigo 109, fixa a competência para o Egrégio Tribunal de Justiça. Insta salientar de início, que a Constituição do Estado do Espírito Santo não elenca em seu rol taxativo do art. 109174, a competência do Tribunal Estadual para julgar atos de improbidade administrativa contra Prefeitos ou qualquer outro agente político.

174 “Art. 109. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente:a) nos crimes comuns, o Vice-Governador do Estado, os Deputados Estaduais e os Prefeitos Municipais, e, nesses e nos de responsabilidade, os juízes de direito e os juízes substitutos, os Secretários de Estado, o Procurador-Geral de Justiça, os membros do Ministério Público e o Procurador-Geral do Estado, ressalvada a competência da justiça eleitoral; b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do Governador do Estado, do Presidente da Assembléia Legislativa, dos membros da sua Mesa, do Presidente e dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, do Procurador Geral de Justiça, do Procurador-Geral do Estado, de Secretário de Estado e do próprio Tribunal, do seu Presidente, do seu Vice-Presidente e do Corregedor-Geral da Justiça; c) os habeas corpus, quando o coator ou o paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea a, ressalvada a competência da justiça eleitoral;d) os mandados de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Governador do Estado, da Assembléia Legislativa, de sua Mesa, do Tribunal de Contas, do próprio Tribunal, de órgão, entidade ou autoridade estadual da administração direta ou indireta, ressalvados os casos de competência dos tribunais federais e dos órgãos da justiça militar, da justiça eleitoral, da justiça do trabalho e da justiça federal;e) as ações de inconstitucionalidade contra lei ou atos normativos estaduais ou municipais que firam preceito desta Constituição; f) as ações rescisórias de seus julgados e as revisões criminais;g) as execuções de sentença, nas causas de sua competência originária;II - solicitar intervenção: a) federal, nos termos da Constituição Federal; b) estadual, nos casos previstos no art. 30, IV.”

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Portanto, a competência de foro por prerrogativa de função decorre especificamente da Constituição Federal e das Constituições Estaduais, estas últimas, como destacado, complementadas pelas Leis de Organização Judiciária dos respectivos Estados. Logo, repita-se, não há como estender a competência dos Tribunais Superiores e Estaduais para processar e julgar agentes políticos pela prática de atos de improbidade administrativa, mormente quando tais atos não configuram crime, sejam comuns ou de responsabilidade, conforme já demonstrado.

De fato, o art. 37, § 4º, da Magna Carta trata da suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, para os atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A ação proposta tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizada a competente ação penal.

Logo, além de representar uma falta de técnica do legislador, pois trata de matéria extrapenal (improbidade) no Código de Processo Penal175, o legislador ordinário extrapolou os limites da Constituição Federal, ao ampliar a competência do STF e do STJ, pois a simples leitura dos arts. 102, I, b e art. 105, I, a, da Constituição Federal, cujo rol é taxativo, percebe-se a inexistência de competência de tais órgãos para o processo e julgamento dos agentes que praticam atos de improbidade administrativa.

Assim, se a competência dos tribunais é definida tão-somente pela própria Constituição, é, como já destacado, inconstitucional ampliar a competência dessas Cortes por meio de mera alteração ao Código de Processo Penal, sendo ainda mais gravoso ampliar a competência para alcançar ex-175 Mais uma vez são extremamente oportunas as lições do professor Cassio Scarpinella

Bueno (O Foro Especial ..., ob. cit., p. 446), que lembrando as regras estabelecidas nos arts. 18 e 7º da Lei Complementar nº 95/1998, assevera: “A idéia destes dispositivos é bastante clara: cada lei cuida de um determinado assunto. Não há qualquer razão lógica ou técnica que justifique ser o Código de Processo Penal a fonte do estabelecimento do foro especial para o ajuizamento das ações de improbidade administrativa, com o acréscimo da “não-função”, expressamente referida no novo § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal. Nestas condições, não há porque entender ser aquele diploma legislativo o local adequado para a alteração imposta pela Lei 10.628/2002. Sobretudo pela profundidade e pela significação prática que a modificação do § 2º rende para ações não-penais.”

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agentes públicos, pois é cediço que o foro por prerrogativa de função existe para resguardar o exercício da função, não para resguardar a pessoa em si, fora do exercício da função, o que é inequivocamente o objeto da alteração legislativa existente no já citado § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal.

Ademais, ainda que se possa presumir que a Lei 10.628/02 tentou resgatar a Súmula 394 do STF, isto não é verdade, posto que inclusive o Supremo já se manifestou no sentido de que esta Súmula não fora revigorada integralmente, como anteriormente indicado. Logo, se houve razões pelas quais a Lei Maior assegurou foro por prerrogativa de função para alguns exercentes de cargo público, essas mesmas razões deixam de existir quando cesse o exercício da função.

Outrossim, a previsão de foro por prerrogativa de função para quem não tem função pública e também para quem não tem assegurado foro por prerrogativa de função que é, por exemplo, o caso dos Prefeitos quando acionados por ato de improbidade administrativa, fere também o princípio da igualdade, sendo também por esta razão inconstitucional.

Não bastasse isso, quando o foro por prerrogativa de função leva em conta a pessoa e não o cargo que a mesma ocupa, é inconstitucional, pois configura criação de juízo de exceção (artigo 5º, XXXVII c/c artigo 37, caput e 37, II, todos da Constituição Federal), violando, outrossim, o princípio do juiz natural, postulado pelo qual todos têm o direito de ser julgado por um órgão judiciário previamente estabelecido em lei e por juízo competente, desvirtuando o sentido da existência do denominado foro por prerrogativa de função.

Destarte, a inexorável conclusão é que somente a Constituição Federal pode estabelecer normas que excepcionam o direito à igualdade perante a lei, aplicável a todos brasileiros. Em matéria penal, como se viu, existem dispositivos cuidando do tema, o que não ocorre na área cível. Sendo assim, a previsão feita no art. 84 § 2º não pode ser acolhida, tornando-se, ainda, insustentável dar a ação de

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improbidade administrativa o caráter penal, isto é, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci176,

“Transformar ‘à força’ o que é cível em matéria criminal, somente para justificar o foro privilegiado. Se tal medida fosse viável, não seria possível aplicar o disposto na Lei 8.429/92, pois não há tipos penais incriminadores, descrevendo taxativamente as condutas delituosas, o que feriria o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF). Dessa forma, não bastaria o deslocamento da competência para Tribunais Superiores, mas, sim, deveriam ser trancadas todas as ações em andamento por nítida inconstitucionalidade, o que seria ilógico e incabível. Logo parece-nos que as ações de improbidade administrativa têm caráter civil, implicam em medidas reparatórias e preventivas de ordem civil e administrativa, não se deslocando à esfera penal. Assim sendo, caso o legislador quisesse criar mais privilégios, distinguindo determinados brasileiros de outros, o mais indicado seria por Emenda à Constituição”.

Portanto, para as ações de improbidade fundadas na Lei nº 8.429/92, em que o pedido envolva apenas e tão-somente a defesa do erário e suas conseqüências, a 176 Código de Processo Penal Comentado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pp. 212/213. No mesmo sentido é a posição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade

Nery (Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 1507), que destacam: “Inconstitucionalidade do CPP 84. Matéria não penal. O CPP 84, com a redação que lhe foi dada pela L. 10628/02, é inconstitucional porque regula competência de matéria civil como se fora criminal. A CF 15 V admite a perda e suspensão dos direitos políticos por atos de improbidade administrativa, nos termos da CF 37 § 4º. Este último dispositivo determina a perda e suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade de bens, ressarcimento ao erário por atos de improbidade administrativa, “sem prejuízo da ação penal cabível”, o que, ipso facto, implica a indiscutível conclusão de que essas medidas que a CF 37 § 4º enuncia, não têm natureza criminal, mas sim civil ou administrativa. Conseqüentemente, não poderia a lei penal (CPP) determinar competência

de juízos criminais para o processamento e julgamento de ações civis”.

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competência em primeiro grau de jurisdição será de juízes singulares, da mesma forma que já ocorre com as ações populares com o mesmo objeto.

Nas ações penais ou civis públicas, em que haja foro por prerrogativa de função, uma vez cessado o exercício desta, não prevalece o foro dos tribunais, apesar do que vem disposto na Lei nº. 10.628/02, pois não pode uma lei ordinária ampliar a competência constitucional dessas Cortes.

Logo, em conclusão, a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02 pode ser resumida em dois motivos: 1) os atos de improbidade administrativa não são de natureza criminal, não podendo lei criminal (processual) transformar matéria constitucionalmente prevista como civil ou administrativa, em matéria criminal; b) a impossibilidade da lei ordinária de atribuir competência ao STF, ao STJ e aos demais tribunais.

Assim sendo, entendemos que ainda persiste a competência dos juízes de primeiro grau para o julgamento e processamento de agentes públicos por atos de improbidade administrativa, devendo assim, a ação civil pública, em sede incidental, pugnar pela inconstitucionalidade da Lei nº 10628/02, como, aliás, vem sendo orientado pelas Procuradorias Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos Estaduais.

6.3.2 A prevalecer a validade da Lei nº 10.628/2002

Conforme exaustivamente demonstrado acima, não temos dúvidas acerca da inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002.

Aliás, oportuno destacar que a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP propôs, em 27/12/2002, Ação Direta de Inconstitucionalidade (2797-DF), com expresso pedido de suspensão liminar de eficácia dos parágrafos primeiro e segundo do art. 84 do Código de Processo Penal, acrescidos pelo art. 1º da Lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002. O pedido de liminar foi indeferido no

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dia 10 de Janeiro de 2003, sob o fundamento de inexistência de periculum in mora.

Porém, é curial o entendimento de que o indeferimento da liminar na ADIN 2797-DF, proposta pela CONAMP não ostenta efeito vinculante (stares decisis do direito norte-americano).

Ora, como a liminar foi indeferida no controle concentrado e a Lei 9.868/99 impõe o efeito vinculante, nada impede que o autor da ação civil pública por atos de improbidade administrativa possa pedir, incidenter tantum, através do controle difuso de constitucionalidade, que seja declarada inconstitucional a Lei nº 10.628/02, que confere prerrogativa de função aos agentes e ex-agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa.177

Com efeito, a Lei 9.868/99, quando prevê efeito vinculante para a decisão judicial proferida em sede de ADIN o fez apenas e tão somente  para a decisão concessiva da medida cautelar, que, como não poderia deixar de ser, depende do voto da maioria dos membros da Suprema Corte.178

Assim, não se pode, por absoluta inadequação, valer-se de processo dedutivo a contrario senso, porquanto não se pode pensar em retirar a competência jurisdicional  de todos os membros do Judiciário (no controle difuso, por óbvio), por decisão individual  e preliminar  de membro da Suprema Corte, quando a própria lei que regula as ações diretas de constitucionalidade e de inconstitucionalidade está a exigir quorum  qualificado para a imposição de efeitos vinculantes.

177 Conforme destaca Rogério Pacheco Alves em nota de rodapé do excelente livro sobre o tema, que escreve em conjunto com Emerson Garcia (Improbidade Administrativa, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 739), “Por ocasião da apreciação da Reclamação nº 2.300-1/PR, o Min. Sepúlveda Pertence asseverou que a decisão de instância ordinária que, em controle difuso, declara inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 10.628/02 não nega a autoridade à decisão do STF que indeferiu a medida cautelar na ADIN 2797. Tal decisão, aliada ao fato de o Relator da ADIN 2797 não ter adotado a providência prevista no art. 21, caput, da Lei nº 9.868/99, levam o Promotor de Justiça Carlos Bernardo Aarão Reis, do Parquet fluminense, a sustentar, com rara felicidade, que não está fechada a via do controle difuso de constitucionalidade da Lei nº 10.628”, o que vem a reforçar o entendimento por nós defendido.

178 Arts. 10 e art. 11 da Lei nº 9.868/99.

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Em conclusão, não se pode extrair da decisão que rejeita a liminar qualquer conseqüência vinculante, uma, porque se trata de juízo meramente perfunctório  e, o mais importante, de decisão individual. Logo, não se pode falar em presunção de constitucionalidade de lei, oponível ao Judiciário e ao Ministério Público, órgãos funcionalmente independentes.

Assim sendo, como não há previsão de efeito vinculante em decisão individual  que rejeita  pedido liminar, é perfeitamente possível aos membros do Judiciário reconhecerem a inconstitucionalidade da recente e casuística Lei 10.628/2002, via controle difuso.

Neste diapasão, somente será possível extrair efeitos cautelares  ou antecipatórios  das decisões proferidas em ADIN, quando concessivas da liminar  e não quando denegatórias como se deu no julgado acima referido. Uma coisa será aceitar efeitos vinculantes de decisão que concede a liminar - seja em ADIN ou ADC - outra, é da decisão que a rejeita.

É de se destacar, que tanto em uma como noutra há decisões de conteúdo significativamente diferentes, já que o juízo positivo  - seja de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade - implica reconhecimento da relevância, necessidade e urgência  do atendimento judicial da pretensão posta em juízo.

Tal não ocorre com o juízo negativo - de rejeição da liminar, com o qual apenas se difere o exame da questão para o julgamento do mérito.

De outro lado, não há como negar que o indeferimento de liminar, na prática, antecipa juízo quanto à questão de direito, ou seja, de mérito. Todavia, no plano da eficácia da decisão do STF, não se poderá reconhecer, ainda, vinculação de efeitos. Numa palavra: pode-se reconhecer presunção  de manutenção da decisão, ou presunção de constitucionalidade, mas não de decisão vinculante, suficiente a impedir julgamentos em sentido contrário, via controle difuso, como vem ocorrendo desde a edição da Lei 10.628/02.179

179 Esta posição foi inclusive à adotada pelo Procurador Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo, quando baixou a RECOMENDAÇÃO Nº 001/2003 e o ato nº 069/2003,

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Portanto, não há como negar ao juiz de primeiro grau a competência para afastar, em controle difuso de constitucionalidade, a validade da Lei nº 10.628/2002, porque incompatível com a Constituição Federal e, como se sabe, tudo deve ser conformar à Constituição, pois os princípios constitucionais são normas fundamentais ou gerais do sistema, sendo, outrossim, o próprio espírito da norma, já que dela emergem. São, enfim, fruto de uma generalização sucessiva.

Assim, evidencia-se a importância do papel assumido pelo julgador. A sujeição à lei já não é, como no velho paradigma positivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja seu significado, mas sim uma sujeição à lei enquanto válida, coerente com o sistema, o que não ocorre com a citada Lei nº 10.628/2002. Logo, é inequívoco que cabe ao juiz, ao aplicar a norma, fazer um juízo de valoração sobre ela, elegendo seus significados válidos, verificando sua compatibilidade com as normas constitucionais (princípio da compatibilidade vertical), pois somente assim o julgador legitima a jurisdição e sua independência.

Para arrematar, invocamos a lição de Pontes de Miranda180, que ampara o julgador exegeta e temeroso de julgar contra lege:

“Se entendermos que a palavra ‘lei’ substitui a que lá deveria estar, ‘direito’, já muda de figura. Porque direito é conceito sociológico, a que o juiz se subordina, pelo fato mesmo de ser instrumento de realização dele. E esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse impor a letra legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo para que foi criada: apaziguar, realizar o direito objetivo. Seria a perfeição em matéria de

recomendando aos membros do Ministério Público deste Estado para que arguam a inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei nº 10.628/2002, visando manter o foro local, segundo as razões expostas na ADIN 2797 – DF.

180 Comentários ao CPC, tomo VI, pp. 290-91-94.

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braço mecânico do legislador, braço sem cabeça, sem inteligência, sem discernimento; mas anti-social e, como a lei e a jurisdição servem à sociedade, absurda. (...) Pouco importa, ou nada importa, que a letra seja clara, que a lei seja clara; a lei pode ser clara, e obscuro o direito que, diante dela, se deve aplicar. Porque lei é roteiro, itinerário, guia. (...) Ainda quando o juiz decide contra legem scriptam, não viola o direito, se sua decisão corresponda ao que ‘se reputa’direito.”

Porém, malgrados os argumentos acima apresentados, recentemente o STF, aplicando o princípio da colegialidade, vem se posicionando no sentido de que enquanto o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 10.628/2002 deve ser observado o foro por prerrogativa de função nela estabelecido, do que se conclui que em tendo o agente tal prerrogativa em matéria criminal, também o terá quando praticar ato de improbidade administrativa (Cf. Reclamação 2657 MC/PR, Relator Min. Celso de Mello, decisão publicada no DJU de 25.6.2004181).

Pela importância, entendemos oportuno trazer a colação parte do voto do eminente Ministro na reclamação acima citada:

“Pessoalmente, entendo revelar-se altamente duvidosa a legitimidade jurídico-constitucional da Lei nº

181 A presente reclamação, com pedido de liminar, pretendeu restaurar a autoridade de decisão plenária proferida pelo STF, no julgamento da Reclamação 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, tendo sido postulado a invalidação de processo instaurado perante magistrado de primeira instância, por ser incompetente para apreciar ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra o reclamante, por ser ele Prefeito Municipal. Na reclamação em tela, também foi requerido, em sede liminar, a imediata recondução do reclamante ao exercício do mandato de Chefe do Poder Executivo local, propugnando-se, de outro lado, considerada a regra estabelecida pela Lei nº 10.628/2002, o reconhecimento de que assiste, ao Tribunal de Justiça, tratando-se de Prefeito Municipal, competência originária para processar e julgar a causa, tendo a liminar sido deferida pelo relator.

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10.628/2002, especialmente se for ela analisada na perspectiva das atribuições jurisdicionais deferidas, a esta Suprema Corte, pela própria Constituição, considerando-se, para esse efeito, de um lado, razões de ordem doutrinária (ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 2.681/2.683, item n. 17.3, 2ª ed., 2003, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, "Ação Popular", p. 120/130, 1994, RT; HUGO NIGRO MAZZILLI, "O Inquérito Civil", p. 83/84, 1999, Saraiva; MARCELO FIGUEIREDO, "Probidade Administrativa", p. 91, 3ª ed., 1998, Malheiros; WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR, "Probidade Administrativa", p. 318/321, item n. 71, 2001, Saraiva; MARINO PAZZAGLINI FILHO, "Lei de Improbidade Administrativa Comentada", p. 173/175, item n. 3.5, 2002, Atlas; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 558, item n. 7, 23ª ed., 2004, Malheiros, v.g.), e tendo em vista, de outro, que a competência do Supremo Tribunal Federal - precisamente por revestir-se de extração constitucional - submete-se, por isso mesmo, a regime de direito estrito (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/766 - RTJ 94/471 - RTJ 121/17 - RTJ 141/344 - RTJ 171/101-102, v.g.), não podendo, desse modo, ser ampliada, nem restringida, por legislação meramente comum (ordinária ou complementar), sob pena de frontal desrespeito ao texto da Lei Fundamental da República.

Impende assinalar que a discussão em torno da validade constitucional, ou não, da Lei nº 10.628/2002 - consideradas as premissas em que esse debate se trava,

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versando a possibilidade, ou não, de a lei ordinária ampliar a competência do Supremo Tribunal Federal (e de outras Cortes judiciárias cujas atribuições também se achem unicamente definidas em sede constitucional) - confere impressionante atualidade ao precedente histórico que a Suprema Corte dos Estados Unidos da América firmou no caso "Marbury v. Madison", em 1803, quando aquela Alta Corte enfaticamente assinalou que o delineamento constitucional de suas atribuições originárias foi concebido pelos "Founding Fathers" com o claro propósito de inibir a atuação do Congresso dos Estados Unidos da América, impedindo-o de proceder, em sede de legislação meramente ordinária, a indevidas ampliações da competência daquele Tribunal, fazendo, do rígido círculo traçado pelo Artigo III da Constituição americana, um instrumento de proteção do órgão de cúpula do Poder Judiciário, em face do Poder Legislativo daquela República.

Vale mencionar, neste ponto, a observação feita por BERNARD SCHWARTZ ("A Commentary on the Constitution of the United States", Part I, p. 367, n. 143, 2ª ed., 1963, The Macmillan Company, New York), a propósito do alto significado político-jurídico de que se revestiu a decisão proferida em "Marbury v. Madison":

"Even more important, as a consequence of the original jurisdiction of the highest Court being derived from the basic document itself, is the placing of such jurisdiction beyond Congressional control. This has been settled ever since

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Marbury v. Madison. The statute held unconstitutional there was one which was construed as vesting the Supreme Court with the original jurisdiction to issue writs of mandamus. Chief Justice Marshall rejected the contention that, since the organic clause assigning original jurisdiction to the high bench contained no express negative or restrictive words, the power remained in the legislature to assign original jurisdiction in that Court in cases other than those specified. On the contrary, said Marshall, a negative or exclusive sense must be given to the cases of original jurisdiction spelled out in Article III........................................................

The statute at issue in Marbury v. Madison, was ruled invalid because it sought to give the Supreme Court original jurisdiction in a case not specified by Article III. Under Marbury v. Madison, then, the Congress may not enlarge the original jurisdiction of the high bench. But the reasoning of that great case applies with equal force to legislative attempts to restrict the Supreme Court's original jurisdiction. The constitutional definition of such jurisdiction deprives Congress of any power to define it. The legislative department may neither extend nor limit the terms of the organic grant." (grifei)

É importante rememorar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em 17 de agosto de 1895 (Acórdão n. 5, Rel. Min. JOSÉ HYGINO), já advertia, no final do século 19, não ser lícito ao Congresso Nacional, mediante atividade legislativa comum, ampliar, suprimir ou reduzir a esfera de

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competência da Corte Suprema, pelo fato de tal complexo de atribuições jurisdicionais derivar, de modo imediato, do próprio texto constitucional, proclamando, então, naquele julgamento, a impossibilidade de tais modificações por via meramente legislativa, "por não poder qualquer lei ordinária argumentar nem diminuir as atribuições do Tribunal (...)" ("Jurisprudência/STF", p. 100/101, item n. 89, 1897, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional - grifei).

Não obstante a minha pessoal convicção em torno da questionável constitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, não posso deixar de considerar e de respeitar, em atenção ao princípio da colegialidade, notadamente a partir do julgamento plenário da Rcl 2.381-AgR/MG, Rel. Min. CARLOS BRITTO, a orientação jurisprudencial que esta Corte Suprema firmou no tema ora em análise, como o evidenciam as decisões anteriormente mencionadas.

Sendo assim, em respeito ao postulado da colegialidade e tendo em consideração os julgamentos mencionados, defiro o pedido de medida liminar, nos exatos termos em que deduzido pela parte reclamante (item n. V, fls. 08), sustando, em conseqüência, até final julgamento da presente reclamação, a eficácia das decisões ora questionadas, assegurando, ainda, a Edeval Soares Nogueira, o imediato retorno ao exercício do mandato de Prefeito Municipal de Abatiá/PR.”

Portanto, apesar de entendermos que a Lei nº 10.628/2002 é inconstitucional, não há como fugir do inevitável: de que a lei em questão está em vigor, gerando,

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portanto, efeitos182, o que ganha reforço ainda maior com o posicionamento do STF, conforme visto acima.

Logo, como já referido anteriormente, não basta asseverar que a lei é inconstitucional e, portanto, deixar de aplicá-la, como muitos o fazem. É necessário analisar seus efeitos, mormente quando não é descartável que o STF venha a se posicionar pela constitucionalidade da referida lei.

Assim, passaremos a analisar algumas conseqüências processuais que advirão ao prevalecer a Lei nº 10.628/2002, destacando-se: 1) direito intertemporal; 2) agentes com prerrogativa de função contemplados somente na Constituição Estadual; 3) atos de improbidade administrativa praticados em concurso de agentes; 4) prática de atos de improbidade administrativa antes e após o exercício funcional.

6.3.2.1 Direito Intertemporal

A prevalecer a Lei nº 10.628/2002, terá ela incidência imediata, pois inegavelmente cuida-se de norma processual, e, como tal, deve ter aplicação imediata, inclusive em relação aos feitos judiciais em curso que não tenham transitado em julgado. Trata-se da aplicação do princípio tempus regit actum.

Portanto, em face de sua aplicação imediata, não há que se falar em perpetuatio jurisdicionis183 (art. 87 do Código de Processo Civil) em relação aos processos em curso, devendo ser destacado que os atos anteriormente praticados, logicamente, serão preservados, pois realizados pelo então

182 Com o brilhantismo que lhe é peculiar, salienta o professor, Cassio Scarpinella Bueno (O Foro Especial..., ob. cit., p. 449), que “A Lei 10.628/2002 vale e, por razões de segurança jurídica, deve se presumir conforme a Constituição até decisão em sentido contrário. Foro próprio para discutir sua inconstitucionalidade já existe. Trata-se da ADIn 2.797, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)”. Apesar de estar correta a observação do renomado professor, não descartamos a possibilidade dos juizes de primeiro grau também reconhecerem, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade da referida lei, pois o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade de leis, como se sabe, é misto, sendo possível a via concentrada (em abstrato) e difuso (no caso concreto). 183 Nesse sentido: BUENO, Cassio Scarpinella, O Foro Especial..., ob. cit., p. 454; GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco, ob. cit., p. 742.

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juiz natural. Com efeito, como observa Cassio Scarpinella Bueno184, “A incidência imediata de norma processual deve, necessariamente, observar os ‘atos jurídicos perfeitos’ e os ‘direitos adquiridos processuais’, pena de retroatividade não tolerada pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVI).”

Assim, por exemplo, se o juiz tinha ouvido determinada testemunha, deferido uma liminar, enfim, praticado algum ato, deverão ser preservados, pois praticados em conformidade com os princípios constitucionais. Inconcebível, portanto, admitir a retroatividade da lei para desconstituir os atos anteriormente praticados pelo juiz então competente.

Logo, a conseqüência imediata da nova lei será a imediata remessa dos autos ao juízo competente, vale dizer, o deslocamento da competência, isto somente se já não foi proferida sentença que tenha transitado em julgado, sendo inquestionável que esta não poderá ser desconstituída por ação rescisória com fundamento no art. 485, inc. II, do Código de Processo Civil, em observância ao inc. XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.

Questão interessante apontada pelo professor Cassio Scarpinella Bueno diz respeito às hipóteses em que fora proferida sentença e contra ela se interponha recurso de apelação, que aguarda julgamento pelo Tribunal. Qual solução para o caso?

Que a sentença é válida, não temos dúvida, pois proferida pelo então juiz natural da causa, sendo impensável falar-se em sua desconstituição, muito embora com o advento da Lei nº 10.628/2002 o juiz de primeiro grau já não tenha mais competência, não lhe sendo mais cabível a execução da sentença, que deverá ser deslocada para o Tribunal com competência originária para processar e julgar o agente que ostenta foro por prerrogativa de função.

6.3.2.2 Agentes com prerrogativa de função contemplados somente na Constituição Estadual

184 O Foro Especial..., ob. cit., p. 454.

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Questão interessante ocorre quando o agente possui prerrogativa de função em matéria criminal somente na Constituição Estadual.

Como se sabe, o foro por prerrogativa de função, de regra, deve vir explicitado na Constituição Federal. Porém, nada impede que as Constituições dos Estados, como já destacado, também contenham previsão de prerrogativa de função, desde que haja simetria com a Carta Magna.

Tal simetria quer significar que exercendo o agente uma determinada função em nível federal, como os Ministros de Estado, e tendo prerrogativa de função reconhecida na Constituição Federal, os agentes públicos dos Estados que exercerem função correspondente em nível estadual, logicamente guardadas as devidas proporções, também poderão ser contemplados na Constituição Estadual pelo foro por prerrogativa de função, como ocorre com os Secretários de Estado.

Em matéria criminal a posição acima para ser adotada pelo STF, como se percebe pelo teor da Súmula 721, cujo verbete é o seguinte: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente na Constituição Estadual”. Assim, percebe-se, de forma clara, que o STF reconhece como possível que o foro por prerrogativa de função venha a ser estabelecido na Constituição dos Estados, competência que só não prevalecerá em relação à matéria prevista na Constituição Federal, pois aqui incide a hierarquia de leis.185

Logo, ao vingar o entendimento já consolidado em matéria criminal, a nova regra do § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal também incidirá para os agentes públicos

185 Daí porque se um Secretário estadual que tenha foro por prerrogativa de função de ser julgado perante o Tribunal de Justiça de seu Estado vier a cometer, por exemplo, um crime de roubo, caberá ao Tribunal processar e julgá-lo. Porém, se comete um crime doloso contra a vida, como a competência para julgar tal crime é estabelecida na CF (art. 5º, XXXVIII, “d”), caberá ao Tribunal Popular do Júri o julgamento, o que não ocorreria se o agente a cometer o crime doloso contra a vida tivesse prerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal, pois a prerrogativa prevalece em relação à matéria quando ambos estão contemplados na Carta Magna.

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estaduais que tenham prerrogativa de função estabelecido exclusivamente nas Constituições dos Estados.186

6.3.2.3 Atos de Improbidade Administrativa praticados em concurso de agentes

Questão tormentosa ocorrerá quando o agente que ostenta prerrogativa de função cometer ato de improbidade administrativa em concurso com terceiro que não possua tal prerrogativa. Qual a solução a ser adotada: a) separação de processos; b) unidade de processos e julgamento pelo órgão colegiado?

Entendemos que a melhor solução, em face da inegável conexão, é a unidade de processos (simultaneus processus) e julgamentos pelo órgão colegiado, o que se recomenda por várias razões: evitar decisões contraditórias, facilidade na colheita de provas, economia processual, etc.

O fato de não haver no Código de Processo Civil regra nesse sentido não representa obstáculo para o que se está defendendo, bastando aplicar, por analogia, o art. 78, inc. III, do Código de Processo Penal, que dispõe:

“Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

(...)III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação.”

186 Em sentido contrário: ALVES, Rogério Pacheco, ob. cit., pp. 744-745. Assim se manifesta o autor: “De nossa parte, ressalvada a hipótese dos deputados estaduais, em relação aos quais o princípio da simetria conta com respaldo no art. 27, § 1º, da própria Carta Federal, consideramos inconstitucionais todas as regras ampliativas do foro por prerrogativa de função previstas nas Constituições Estaduais. Realmente, embora caiba aos Estados o regramento da competência de seus Tribunais de Justiça, o art. 125 da CF é suficientemente claro ao tornar cogente a observância aos princípios previstos na Carta Federal, dentre os quais se destaca, no particular, o da excepcionalidade das hipóteses de foro especial a autoridades estaduais, sendo sintomático perceber, nesta linha, que os Estados somente os Juízes e os membros do Ministério Público viram-se contemplados pelo Texto Federal (art. 96, III). Devidamente fixados os lindes do poder constituinte estadual, a indevida ampliação das hipóteses de foro mostra-se também afrontosa à competência privativa da União para legislar sobre matéria processual 9art. 22, I, da CF).”

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Ora, é evidente que os Tribunais (Estaduais ou Superiores) possuem maior graduação que os juizes de primeiro grau. Assim sendo, se, por exemplo, um Prefeito municipal vier a praticar um ato de improbidade administrativa em concurso com outro agente que não ostenta tal prerrogativa, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça, que no caso funciona como o foro de atração, pois é inquestionável possuir maior graduação que o juiz de primeiro grau que seria o naturalmente competente para processar e julgar o cidadão comum.

Portanto, não há que se falar na aplicação do parágrafo único do art. 46 do Código de Processo Civil, importando em desmembramento dos autos. De fato, o entendimento de que “se um dos juízes é absolutamente incompetente para julgar um dos processos, obviamente não pode haver a sua reunião a outro” (RT 610/54 e 711/139), não se afigura o mais adequado para a nova regra, mormente quando estamos diante de uma novidade em sede processual civil, que é o foro por prerrogativa de função. Daí porque, conforme destacado, é possível a aplicação por analogia do citado art. 78, inc. III, do Código de Processo Penal.

Com efeito, conforme destaca Rogério Pacheco Alves187,

“Deve-se considerar, contudo, que o estabelecimento de foros especiais é matéria absolutamente estranha ao processo civil, o que torna o seu regramento impróprio à solução de tal questão. Desse modo, consideramos mais apropriada a aplicação do art. 78, III, do CPP, de acordo com o qual, nos casos de conexão ou continência, prevalecerá a jurisdição ‘de maior graduação’ no concurso entre ‘jurisdições de diversas categorias’, o que significará a adoção de regra da unidade de processo e julgamento perante o órgão colegiado (TJ, TRF, STJ ou STF). Ao mesmo resultado deve-se chegar relativamente às hipóteses em que o extraneus ou o ‘barnabé’

187 Ob. cit., p. 745.

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(agente público que não goza do foro especial) não concorrem mas se beneficiam do atuar ímprobo”.

Por fim, cabe observar que a adoção do entendimento acima não representará qualquer violação ao princípio do devido processo legal, bem como aos princípios dele decorrentes, como a ampla defesa e o juiz natural, conforme, aliás, já se posicionou o STF em matéria criminal, por meio da Súmula 704 (“não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”), perfeitamente aplicável em relação aos processos por atos de improbidade administrativa.

6.3.2.4 Prática de Atos de Improbidade Administrativa antes

e após o exercício funcional

Finalmente, é necessário analisar as hipóteses em que o ato de improbidade administrativa é praticado antes ou após o exercício do cargo ou mandato o que garante ao agente o foro por prerrogativa de função.

Na primeira hipótese, a partir do momento em que o agente for investido no cargo ou for diplomado no mandato que lhe garante o foro por prerrogativa de função, eventual processo deverá ser deslocado para o Tribunal competente, respeitando os atos anteriormente praticados. Assim, por exemplo, se o agente é um servidor público sem prerrogativa de função e vem a cometer ato de improbidade administrativa, em se elegendo Deputado Federal o processo deverá tramitar perante o Supremo Tribunal Federal, já que os parlamentares federais possuem prerrogativa de função de serem julgados perante a mais alta Corte.

Vale ressaltar que os atos anteriores porventura praticados perante o juízo de primeiro grau, como destacado, são respeitados, não havendo que se falar em nulidade.

Uma outra observação deve ser feita diante da situação da demora do julgamento no Tribunal de competência originária, sem que o processo encontre desfecho. Como

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proceder? Haverá perpetuatio jurisdicionis, na forma do § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal?

Entendemos que não, pois a referida regra só incide quando o ato de improbidade administrativa foi cometido durante o exercício do cargo ou mandato que garante o agente o foro por prerrogativa de função, não podendo ser invocada, portanto, para os casos em que o ato foi praticado antes, como na hipótese em comento.

Assim, em não se terminando o processo, não estando o agente mais no cargo ou mandato que lhe assegura o foro por prerrogativa de função, deve o processo ser devolvido ao juízo de primeiro grau, logicamente aproveitando-se os atos anteriormente praticados no Tribunal.

Em conclusão, havendo processo por ato de improbidade administrativa em andamento (antes do início das funções), a partir do início delas devem os respectivos autos ser remetidos para ao Tribunal competente. Nesse caso, se cessada a função sem que o processo tenha sido julgado, deve retornar ao órgão jurisdicional de origem, porque não se trata de ato de improbidade administrativa cometido nem “no” nem “durante o” exercício das funções, senão “antes” dele. Todos os atos praticados anteriormente ao início das novas funções do acusado, no juízo de origem, entretanto, são válidos. É a aplicação do princípio tempus regit actum.

Em relação à segunda hipótese, isto é, tendo o agente cometido o ato de improbidade administrativa após a cessação definitiva do exercício do cargo ou mandato que lhe garante o foro por prerrogativa de função, não haverá que se falar em competência originária dos Tribunais, pois para que isso ocorra é necessário o nexo de ligação com o exercício do cargo ou mandato.

Na hipótese encontra inteira aplicação a Súmula 451 do STF, cujo verbete é o seguinte: “A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional”.

6.4 CONCLUSÕES

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Antes do advento da Lei nº 10.628/2002, era predominante o entendimento de que ainda que o agente ostentasse foro por prerrogativa de função pela prática de crime, como se dá com governadores, prefeitos, senadores deputados federais e estaduais etc., não haveria em que se falar em tal prerrogativa para o julgamento dos atos de improbidade administrativa, sendo competente o juiz de primeiro grau do local do dano.

Os principais argumentos para afastar a competência originária dos Tribunais para o julgamento dos atos de improbidade administrativa são os seguintes: 1) em face da própria Constituição Federal, que, no art. 37, § 4º, deixa claro que as punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”; 2) porque o crime tem como conseqüência uma pena de prisão, isto é, privativa de liberdade, como, aliás, se pode perceber pela redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 09/12/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), o que não ocorre com os atos de improbidade administrativa, conforme se verifica pelas sanções a eles cominadas (cf. art. 12 da Lei nº 9.429/2002); 3) em face do conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador para tipificar os atos de improbidade administrativa, técnica legislativa incompatível com a definição de condutas criminosas; 4) Em vista da previsão do art. 8º da Lei nº 8.429/92, regra pela qual torna-se possível que algumas das sanções por atos de improbidade administrativa alcance os herdeiros, o que é inconcebível no que se refere aos crimes, pois haveria violação ao princípio da intranscendência (art. 5º, XLV, CF).

Após o advento da Lei nº 10.628/2002, com a nova redação que introduziu no § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, sempre que o agente tenha prerrogativa de função em matéria criminal, doravante também terá igual prerrogativa em sede de improbidade administrativa, retirando-se, assim, a competência dos juízes de primeiro grau, regra que também atinge os ex-agentes, nos termos da parte final do citado § 2º, que remete ao § 1º do mesmo artigo, bastando que o agente tenha cometido o ato de improbidade administrativa durante o exercício do cargo ou mandato que lhe garante foro por prerrogativa de função.

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O § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal é inconstitucional, basicamente por dois motivos: 1) os atos de improbidade administrativa não são de natureza criminal, não podendo lei criminal (processual) transformar matéria constitucionalmente prevista como civil ou administrativa, em matéria criminal; 2) a impossibilidade da lei ordinária de atribuir competência ao STF, ao STJ e aos demais Tribunais.

Em face da inconstitucionalidade da lei, ainda persiste a competência dos juízes de primeiro grau para o julgamento e processamento de agentes públicos por atos de improbidade administrativa, devendo, assim, a ação civil pública, em sede incidental, pugnar pela inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, o que é possível enquanto o STF não julgar definitivamente a ADIN proposta em sede de controle concentrado de inconstitucionalidade.

Malgrado a Lei nº 10.628/2002 seja manifestamente inconstitucional, não há como fugir do inevitável: de que a lei em questão está em vigor, gerando, portanto, efeitos, o que ganha reforço ainda maior com o posicionamento recente do STF (Reclamação 2657 MC/PR, Relator Min. Celso de Mello, decisão publicada no DJU de 25.6.2004), que, aplicando o princípio da colegialidade, entendeu no sentido de que enquanto o Plenário da Corte reconheça, em caráter definitivo, a constitucionalidade, ou não, da Lei nº 10.628/2002 deve ser observado o foro por prerrogativa de função nela estabelecido, do que se conclui que em tendo o agente tal prerrogativa em matéria criminal, também o terá quando praticar ato de improbidade administrativa.

Portanto, é imprescindível que o intérprete se limite ao argumento de que mencionada lei é inconstitucional e, portanto, deixar de aplicá-la, como muitos o fazem, sendo fundamental também analisar seus efeitos, mormente quando não é descartável que o STF venha a se posicionar pela constitucionalidade da referida lei.

Nesse passo, levando-se em conta que o foro por prerrogativa de função, até então, era matéria estranha ao direito processual civil, para resolver questões processuais tais como: 1) direito intertemporal; 2) agentes com prerrogativa de função contemplados somente na Constituição Estadual; 3) atos de improbidade administrativa

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praticados em concurso de agentes; 4) prática de atos de improbidade administrativa antes e após o exercício funcional, será imprescindível que o intérprete, além das regras de processo civil, se valha do entendimento já sedimentado em sede processual penal, perfeitamente aplicável ao caso.

Referências Bilbiográficas

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7 Obstáculos processuais ao combate

à Improbidade Administrativa: uma

reflexão geral

Fábio Medina Osório

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7 OBSTÁCULOS PROCESSUAIS AO COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: UMA REFLEXÃO

GERAL

Fábio Medina Osório

Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (RS); Doutorado summa cum laude em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madrid (UCAM); Mestrado em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Professor convidado nos cursos de Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da UFRGS; Exerce, atualmente (2004), as funções de Secretário-Adjunto de Estado da Justiça e da Segurança/RS.

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7.1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, gostaríamos de agradecer pelo convite para integrar a presente obra coletiva, após um par de anos sem produzir trabalho específico nessa seara, ao lado de autores tão ilustres e conhecedores do assunto submetido a um exame multifacetário e complexo188.

A propósito do tema que nos foi assinalado, sua amplitude permitiria um diagnóstico geral da Lei 8.429/92 e seus vários anos de vigência, quem sabe até mesmo um olhar sobre os “encantos e desencantos” produzidos até o momento189. Os obstáculos, com efeito, à operacionalização do combate à improbidade administrativa, nos remetem ao contexto brasileiro de má gestão pública e de impunidade, assunto antigo para o Brasil e a humanidade190. Se não é possível eliminar as pautas de corrupção e grave ineficiência, o que foi feito para melhorar esse quadro, desde 1988? Pensamos que seria importante toda uma obra coletiva dedicada tão somente a esse diagnóstico e às propostas de mudanças, uma obra marcada pela interdisciplinariedade e pela preocupação com três pilares fundamentais: a crise da dogmática; a crise da gestão; a crise dos valores sociais. Induvidosamente que este livro se insere no marco de uma abordagem crítica, voltada ao enfrentamento de problemas relacionados a essa crise global que afeta o sistema de tutela da probidade.

Sem qualquer postura pessimista, de qualquer sorte, cabe dizer que, com o advento da Constituição Federal, a moralidade administrativa passou a ostentar status constitucional, integrando a base jurídica de combate à improbidade administrativa, nos moldes do artigo 37191,

188 Também gostaríamos de agradecer, pelo auxílio e pesquisas efetuadas, à bacharela MARIA CRISTINA SANTOS PEREZ.

189 A expressão é de LEITE SAMPAIO (2002). 190 Emerson GARCIA (2002) certamente descreveu com nitidez o panorama histórico da

improbidade. 191 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação

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especialmente no caput e em seu § 4º, da Magna Carta. A reforçar a probidade, com a Emenda Constitucional nº 19/98, foi acrescentado, entre as normas regentes da Administração Pública, o princípio da eficiência, antes considerado apenas imanente ou implícito ao sistema192.

A Carta Política de 1988 não é a primeira a abordar expressamente o problema da improbidade, pelo ângulo criminal, na forma como ocorre no artigo 85, inciso V, da Constituição Federal. Resulta induvidoso, no entanto, que apenas em 1988 é que expressamente se previu o sancionamento dúplice da improbidade administrativa, numa perspectiva inédita de tratamento punitivo dos ilícitos de improbidade, cumulativamente com o tratamento outorgado aos crimes de responsabilidade. E foi a Lei Federal 8.429/92 que disciplinou a matéria, estabelecendo os tipos legais dos atos de improbidade e as respectivas sanções para cada uma das hipóteses, bem assim regras processuais básicas.

Certamente, há obstáculos de índole hermenêutica em torno à Lei Federal 8.429/92, a Lei Geral de Improbidade Administrativa (LGIA), pendentes de exame, assuntos que são debatidos na comunidade jurídica, denotando as imensas dificuldades reinantes no sentido de fixar o que seria, ou não, um ato ímprobo.

Uma conceituação da improbidade que abarcasse todos seus complexos elementos, denunciando sua natureza jurídica, talvez permitisse construções jurisprudenciais mais seguras e menos arbitrárias, a começar por aquilo que podemos designar como a “formatação processual da conduta ímproba”, é dizer, as razões que permitem identificar, numa petição inicial ou numa sentença, o ato ímprobo.

Visualizamos também dificuldades de gestão institucional da tutela da probidade, em face das deficiências das Instituições fiscalizadoras, sendo esta uma grande causa de impunidade. Sequer resulta possível planejar adequadamente as ações civis públicas punitivas, se não houver bancos de dados e unidade nacional no tratamento de determinados assuntos, se não houver estratégias

penal cabível.192 DALLARI (1994).

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comuns e coerentes, se não houver políticas institucionais claramente definidas a respeito. A processualização, aqui, dar-se-ía numa dimensão específica, qual seja, a caracterização de estruturas funcionalmente eficazes para perseguir ou prevenir os atos ímprobos. Não se pode ter dúvidas de que a metodologia de gestão requer níveis de processualidade das atividades punitivas, dentro de metas estabelecidas.

Finalmente, ainda quando resulta viável investigar e propor o ajuizamento de ações, o que constitui seguramente uma exceção no inesgotável universo da má gestão pública, pode-se esbarrar em algumas dificuldades processuais lato sensu ou stricto sensu, que os Tribunais têm reconhecido, inviabilizando-se, não raro, o trabalho de persecução da improbidade. Buscaremos falar mais detidamente sobre esse último tópico, embora devamos adentrar, ainda que rapidamente, os demais, até mesmo porque os obstáculos vêm de todas as partes, de todos os lados e de múltiplas fontes procedimentais ou processuais. Nesse contexto, o processual não se revela apenas pelo Direito Processual, mas também e sobretudo pelo Direito Constitucional ou até mesmo pelo Direito Administrativo.

Sem embargo, pode-se dizer que há obstáculos legítimos e obstáculos ilegítimos. Buscaremos explorar essa diferenciação, abandonando qualquer perspectiva maniqueísta. A total ausência de obstáculos e dificuldades seria impensável num Estado Democrático de Direito, porque o preço da democracia é a liberdade em várias direções. As diferenciações de tratamento entre os ímprobos podem configurar discriminações legítimas ou não, dependendo do ponto de vista jurídico que se adote. Podem tais fatores de discriminação ostentar legitimidade ou não, configurando, de qualquer sorte, reais obstáculos. Os direitos de defesa constituem um apanágio dos regimes democráticos e, é claro, tais direitos podem configurar obstáculos notáveis à persecução dos ímprobos, dos corruptos e dos corruptores. A democracia fortalece a proteção dos “culpados”, tanto quanto dos “inocentes”, e o correto enfrentamento dessa realidade pressupõe profissionalismo e eficiência no trato dos obstáculos, jamais

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a cogitação da eliminação de liberdades gerais para fins de embasar uma pretensão punitiva com limites escassos.

7.2 O DÉFICIT CONCEITUAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO:

OBSTÁCULOS DOGMÁTICOS DE FORMATAÇÃO PROCESSUAL DA CONDUTA ÍMPROBA

Para darmos início ao exame dos principais obstáculos, hoje, que dificultam quando não inviabilizam o combate aos atos ímprobos, mister fixar o conceito de improbidade administrativa no Direito brasileiro, visto como a ausência de um conceito claro e geral pode e tem gerado obstáculos adicionais, ou básicos, ao combate à improbidade. O detalhamento desse conceito fizemos em nossa tese doutoral, aprovada em Banca Examinadora da Universidade Complutense de Madrid, em 03 de junho de 2003, integrada pelos seguintes Catedráticos: JESÚS GONZALEZ PEREZ, Presidente; RUBBIO LLORIENTE; LORENZO MARTIN-RETORTILLO BAQUER; RAMÓN PARADA; MANUEL REBOLLO PUIG. O orientador do trabalho foi o Catedrático EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA.

Entre as conclusões de nossa Teoria da Improbidade – eis o título da obra que está vindo à tona - sustentamos que a Improbidade Administrativa, espécie da categoria ético-normativa chamada má gestão pública, gênero de categorias como a corrupção pública, caracteriza-se a partir da idéia de honra no setor público, definindo-se como a má gestão pública gravemente desonesta ou gravemente ineficiente, por ações ou omissões, dolosas ou culposas, de agentes públicos, no exercício de suas funções, ou em razão delas, com ou sem a participação de terceiros, particulares ou não.

A conceituação proposta parte da idéia de conceber a improbidade administrativa dentro do sistema da LGIA, esta visualizada como verdadeiro Código Geral de conduta jurídica de todos os agentes públicos brasileiros, sejam eles políticos ou não, de qualquer nível ou hierarquia.

Várias discussões estão ligadas ao déficit conceitual da LGIA. O debate sobre a admissibilidade, ou não, da

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improbidade culposa, é um dos sintomas. Confunde-se o histórico da improbidade com o histórico da corrupção, quando, em realidade, esta última é espécie daquela. Confundem-se, também, os graus de desonestidades ou ineficiências, chegando-se à conclusão no sentido de que a LGIA é iníqua ou “draconiana”, por apanhar todos os comportamentos ilícitos, quando, em verdade, não o é, visto como seus limites existem e deveriam ser reconhecidos pelos intérpretes, fora de um marco casuísta e a partir de critérios gerais. Há outros desdobramentos possíveis, mas não nos interessa aprofundar o exame das distorções doutrinárias e jurisprudenciais em torno ao conceito de improbidade administrativa na LGIA, pois não é este o objeto central do presente trabalho.

A configuração da improbidade submete-se à legalidade da LGIA e das normas constitucionais, legais e administrativas que a complementam, sendo necessário que haja violação a regras e princípios para sua caracterização. Defendemos a natureza de normas sancionadoras em branco para a LGIA, todas carentes de complementação normativa. É a legalidade do Direito Público Sancionador que o exige. A estrutura e o desenho das normas da LGIA tornam imperiosa tal conclusão.

A natureza jurídica das sanções aos atos ímprobos pertence ao campo do Direito Administrativo Sancionador, onde se encontra o regime jurídico da pretensão punitiva da improbidade193, implicando uma série considerável de

193 Veja-se MEDINA OSÓRIO (1999;2000; 2003). Reformulamos nosso entendimento anterior (1998), quando havíamos anunciado que as sanções seriam “cíveis lato sensu” ou “extra penais”. À época, preparávamos as bases da teoria posteriormente desenvolvida, lançando meras observações em torno a aspectos controvertidos da LGIA. Curiosamente, escassa a doutrina especializada que tem se debruçado sobre esse conceito de sanção administrativa, aplicável aos atos ímprobos, por nós defendida ostensivamente (1999; 2003), embora tal noção esteja repercutindo já na jurisprudência, quando maneja noções relacionadas a “Direito Público Punitivo” e Direito Sancionador dos atos ímprobos. A propósito, confira-se BRASIL (TJRS.22.06.2004) e (TJRS.13.04.2004), mencionando regras de Direito Público Punitivo e distinguindo as medidas de conteúdo sancionatório daquelas não possuem tal especificidade, no bojo das ações fundadas na LGIA, ressaltando a competência por prerrogativa de foro tão somente para os sujeitos especiais e as sanções a eles dirigidas. Não vislumbramos tendência outra que não a de aproximação entre os regimes jurídicos do Direito Penal e do Direito Administrativo Sancionador dos atos ímprobos. Essa é a movimentação legislativa e jurisdicional em curso. Nesse caso, a esmagadora maioria da doutrina não

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direitos e garantias aos acusados em geral, a começar pela imposição de limites constitucionais ao poder punitivo do Estado nesse terreno.

Muitos problemas têm havido em decorrência dessa precária compreensão acerca da natureza jurídica da improbidade. Não raro, a doutrina aponta a natureza “quase penal” da LGIA, ou sua inserção no próprio Direito Penal, como ocorre com a tese da absorção da LGIA pela Lei dos Crimes de Responsabilidade, tema que já será por nós examinado. Também a ausência de compreensão sobre a fonte normativa das garantias dos acusados em geral, submetidos ao império da LGIA, é outro problema derivado da falta de percepção de sua natureza jurídica.

A improbidade pressupõe grave agressão a direitos fundamentais e às normas de cultura administrativa vigentes, dentro do esquema típico da estrutura do ato ímprobo. Não se vê essa linha de argumentação na maior parte das iniciais de ações civis públicas, até porque muitas destas peças ainda se valem de raciocínios puramente subsuntivos, inclusive na aplicação do art.11 da LGIA. Os intérpretes não se preocupam em apontar e caracterizar os direitos fundamentais concretamente violados. Tampouco há qualquer preocupação com as normas de cultura político-administrativa, como se esta categoria inexistisse ou fosse irrelevante, quando não o é. A ausência de percepção sobre a funcionalidade e a importância de tais elementos conduz à insegurança jurídica, às arbitrariedades e aos litígios desnecessários, quando alternativas diversas poderiam e deveriam ser exploradas.

Não é o momento de explorarmos nem os caminhos que conduzem a esse conceito, nem todas suas potencialidades, por absoluta escassez de espaço. Basta dizer, no entanto, que reputamos que tal conceito espelha, quando dissecado, parâmetros superiores de segurança jurídica aos operadores do Direito, revelando a necessidade de uma hermenêutica própria às regras e princípios que dominam a aplicabilidade da LGIA. A insuficiência dos conceitos comumente adotados é uma das causas centrais da

tem se ocupado do assunto com a necessária atenção.

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difícil operacionalização da LGIA e das perplexidades que gera no cenário nacional.

7.3 DÉFICIT DE GESTÃO INSTITUCIONAL NO COMBATE À IMPROBIDADE: OBSTÁCULOS

PROCESSUAIS ORGANIZACIONAIS

Se é certo que, em parte, um enorme rol de causas de obstáculos e dificuldades na aplicação da LGIA decorre da precariedade de sua conceituação no Direito brasileiro, não menos verdadeiro é que outra parcela, não obstante, decorre certamente do déficit de gestão institucional. Aqui reside uma das causas centrais da edificação de reais e poderosos obstáculos à persecução da improbidade.

Saliente-se que o combate à improbidade talvez deva, realmente, perpassar alguns questionamentos mais pragmáticos, no campo da gestão pública. Abandonemos, por ora, rapidamente, o universo das controvérsias jurídicas e das reformas legais ou constitucionais. Pensemos naquilo que poderia estar sendo feito, mas não se faz, por ausência ou déficit de políticas públicas preventivas e repressivas. Até que ponto as Instituições fiscalizadoras, nomeadamente o Ministério Público, vêm logrando verdadeiro êxito na luta institucional contra a falta de probidade administrativa? Existe um Banco nacional de dados a esse respeito, que possa permitir leituras sofisticadas? Há um cadastro geral dos ímprobos no Brasil? Vislumbram-se estratégias nacionalmente unificadas, para enfrentamento do problema? Quais os obstáculos que têm sido encontrados pelo caminho?

Necessitamos de um Grupo Nacional do Ministério Público de combate à Improbidade Administrativa, integrado por agentes ministeriais que manejam Direito Administrativo Sancionador e também pelos que manejam normas penais de regência dos funcionários públicos. Fica, aqui, publicamente sugerida a criação desse Grupo Nacional do Ministério Público, capaz de dialogar com outros segmentos, envolvendo agentes da área criminal e administrativa “lato sensu”.

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É de se sugerir várias alternativas, inclusive em termos de abordagens, para uma gestão institucional eficiente no controle da Administração Pública e tutela da probidade administrativa. O discurso pode dirigir-se em várias direções. Infelizmente, pouco tem sido feito em âmbito nacional. As boas iniciativas devem-se, via de regra, ao perfil peculiar de autoridades do Ministério Público ou do Judiciário. Não se vê um conjunto de políticas públicas voltadas a esta área tão estratégica.

Instituições que não se articulam, vivenciando deficiências organizacionais notórias, tanto para o trabalho coletivo, quanto para o controle de produtividade e resultados, encarnam o idealismo sem estratégia, uma espécie de visão “quixotesca” da vida política nacional. Se as Instituições fiscalizadoras não dispõem de unidade institucional, nem nos Estados, nem na União, tampouco articulam bancos de dados ou entendimentos coerentes acerca da LGIA, é natural que as desigualdades e a falta de critérios apareçam reluzentes aos olhos dos cidadãos, marcadamente aqueles que se sentem atingidos pela fiscalização. Aqui, culpados e inocentes podem unir-se, e, de fato, se unem, buscando limitar as atribuições, prerrogativas e garantias das entidades controladoras. É necessário que as Instituições abandonem a condição de “vítimas” desse processo, assumindo o papel mais nobre de gestoras de seus destinos e co-gestoras dos destinos da sociedade. Para tanto, devem assumir suas estratégias, com coerência, firmeza, transparência, metas e controles internos. Um bom plano de gestão institucional é necessário, no Brasil, para as entidades fiscalizadoras, notoriamente na área de controle preventivo e repressivo da improbidade administrativa.

7.4 OBSTACULIZAÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ATRAVÉS DA CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS

INSTÂNCIAS SUPERIORES DO JUDICIÁRIO: IMUNIDADE E PRERROGATIVA DE FORO DE AGENTES POLÍTICOS

Tendo sido noticiadas, ao menos, as bases deficitárias das políticas públicas de combate à improbidade administrativa, tanto no plano dogmático-conceitual, quanto

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no plano da gestão, devemos voltar os olhos e a atenção ao objeto central deste estudo. Obstáculos processuais à persecução da improbidade, eis o ponto sobre o qual nos debruçaremos. Significa dizer que abordaremos puramente o Direito Processual? Repetimos que nossa proposta é distinta.

Pretendemos abordar os grandes obstáculos processuais da atualidade, desde uma vertente constitucional. A imunidade e a prerrogativa de foro implicam a exclusão de determinados sujeitos da LGIA ou do Juiz supostamente natural que seria a autoridade de primeiro grau. Visto por um enfoque mais estrito, não se trata necessariamente de Direito Processual, mas de Direito Constitucional. São os temas da imunidade e da prerrogativa de foro dos agentes políticos que caracterizam dois dos maiores obstáculos processuais ao combate à improbidade, na atualidade.

O debate sobre a imunidade dos agentes políticos, por sua urgência e sua relevância, implica considerações de índole material. Trata-se de compreender o alcance da LGIA no regime democrático, em face da disciplina legal e constitucional dispensada aos delitos de responsabilidade. É tema que afeta os pilares conceituais da LGIA, mas ostenta também uma dimensão processual, na medida em que se trata de reconhecer um status diferenciado ao processo punitivo endereçado contra agentes políticos, com outra competência jurisdicional.

A discussão sobre a prerrogativa de foro, ao revés, pressupõe, em alguma medida, a possibilidade de que os agentes políticos sejam alcançados pela LGIA. Porém, estabelece um novo marco sancionatório a partir da atuação dos Tribunais em detrimento da atuação dos Juízes monocráticos. Há um deslocamento processual do litígio para um órgão colegiado, de status superior, encarregado de processar e julgar os atos ímprobos peculiares de que se trata.

Fixada essa discussão, com tomada de posicionamento, faremos um breve panorama sobre dificuldades processuais pontuais, porém relevantes, na tutela da probidade. Analisaremos o problema do alargamento, devido ou

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indevido, dos direitos de defesa, a partir de um conjunto de reformas processuais introduzidas na LGIA desde 1996, mais acentuadamente a partir de 2001.

Trata-se de obstáculos que têm imprimido morosidade inaceitável ao ritmo das ações punitivas, seja pelas controvérsias que suscitam, seja porque reconduzem os casos ao crivo de instâncias assoberbadas e congestionadas, além de expostas mais sensivelmente às influências do poder político.

7.4.1 O tema da distinção entre Improbidade Administrativa e Crimes de Responsabilidade: deve

existir uma imunidade dos agentes políticos frente à Lei Geral de Improbidade?

O questionamento proposto diz respeito à possibilidade de a LGIA ser absorvida, no tocante aos agentes políticos, pela Lei dos Crimes de Responsabilidade, a Lei Federal 1079/50, aqui também designada como LCR. Examinaremos o histórico desse debate e seu rumo atual. Faremos uma tomada de posição sobre o assunto.

7.4.1.1 Histórico da discussão e a tendência de absorção da Lei de Improbidade pela Lei dos Crimes de

Responsabilidade

A primeira discussão sobre a absorção da LGIA pela Lei dos Crimes de Responsabilidade é suscitada por Ives GANDRA MARTINS, em trabalho doutrinário onde sustenta tal possibilidade, em face da semelhança entre os tipos sancionadores e porque o regime jurídico da improbidade, para os agentes políticos submersos na Lei dos Crimes de Responsabilidade, já estaria consagrado194.

O STF, no contexto de uma LGIA reputada incerta e arbitrária por muitos setores, talvez, em parte, pelo déficit conceitual ou aplicativo, excessivamente aberta e dirigida sem critérios seguros, iniciou o julgamento de uma ação no 194 MARTINS (1992).

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sentido de restringir drasticamente o alcance da LGIA, reduzindo sua aplicabilidade aos agentes públicos comuns, deixando de fora os agentes políticos, sob o fundamento de que a LGIA seria equivalente, para esta classe de agentes, à LCR, ostentando natureza criminal195.

Recorde-se que a União Federal propôs a Reclamação em vista da decisão publicada referente ao julgamento da 14ª Vara da Seção Judicial do Distrito Federal, na qual resultou condenado um ex-ministro de Estado nas penas da LGIA. Curiosamente, a Advocacia da União figura como defensora direta dos interesses do acusado, o que não deixa de ser uma distorção em si mesma, em se tratando de ação punitiva endereçada pessoalmente contra uma determinada figura, e não contra a entidade estatal.

A Advocacia da União manejou o argumento da competência originária do STF para processar e julgar os agentes políticos, especialmente, Ministros de Estado, pela prática de condutas de Improbidade Administrativa. Pugnou a reclamante pela aplicabilidade do disposto no art. 103, I, b e c, da CF, estendendo a jurisdição do STF ao processamento e julgamento de condutas caracterizadas como improbidade que, conforme alegado, no que se refere aos agentes políticos, estariam disciplinadas em outro conjunto de dispositivos, ostentando natureza diversa, quer dizer, seriam delitos de responsabilidade, ex vi da Lei 1079/50.

Na verdade, sustenta a entidade reclamante a natureza penal das sanções descritas na LGIA, o que, sem maiores incursões, motivaria a competência jurisdicional do STF, o qual, com fundamento na LCR, tem atribuição para, originariamente, processar e julgar os agentes políticos pela prática de crimes de responsabilidade. O Relator, acolhendo a tese apresentada e, por conseguinte, sua congruência com o disposto na Lei 1079/50, determinou, em decisão liminar, a suspensão da eficácia da decisão do Tribunal reclamado.

195 Reclamação n. 2138-6, na qual é reclamante a União Federal e reclamados o Juiz Federal da 14ª Vara da Seção Judicial do Distrito federal e o Desembargador Federal Relator da AC N. 1999.34.00.016727-9, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, figurando como Relator dessa Reclamação o Ministro NELSON JOBIM.

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O réu, então Ministro de Estado do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi condenado no primeiro grau, confirmado no Tribunal inferior, por Improbidade Administrativa, pois teria usado avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para passar férias nas paradisíacas ilhas de Fernando de Noronha, no Brasil, gastando, assim, em tese, dinheiro do erário para economizar seus recursos privados.

A vitória da tese segundo a qual a LGIA não teria aplicação com relação aos agentes políticos, tal como está posta no julgamento da Reclamação número 2138-6 DF, por cinco Ministros do STF, ocasionaria um rumo para a descentralização no tratamento da Improbidade Administrativa, redundando no reconhecimento de uma espécie de impunidade de altas autoridades, ante a Improbidade Administrativa, a qual significaria, para eles, a instituição de crimes de responsabilidade, nada mais.

7.4.1.2 Visão crítica sobre a possibilidade de absorção da Lei de Improbidade pela Lei dos Crimes de

Responsabilidade

Os crimes de responsabilidade já estão disciplinados numa Lei Federal da década de 1950. Se estivesse funcionando a contento, com todo o vigor necessário, essa legislação certamente tornaria desnecessária, do ponto de vista político-institucional, a LGIA para os agentes públicos enquadráveis nessa normativa. Não é o que ocorreu, ou ocorre, porque a Lei dos Crimes de Responsabilidade falhou, nas mãos das Instituições competentes, como instrumento de contenção da improbidade.

Nesta linha, seguindo a nova orientação estampada em decisão provisória do STF, a LGIA não seria aplicável às seguintes autoridades: Presidente da República, Ministros de Estado, Deputados Federais e Estaduais, Governadores de Estado, Secretários de Estado, Senadores da República, Magistrados, Membros do Ministério Público, Prefeitos e Vereadores. Nada impediria que outras categorias viessem a ser alcançadas, desde que alçadas à condição de agentes políticos.

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Aponta-se como outra conseqüência desta decisão do STF o possível surgimento de precedentes que determinem a extinção em massa de ações de Improbidade Administrativa em trâmite nos Tribunais Federais e dos Estados, quando envolverem os agentes políticos referidos, além da paralisação das investigações civis correspondentes.

É claro que estamos a tratar de especulações, sujeitas a mudanças em face dos rumos das decisões do próprio STF. Porém, trata-se de legítimas e fundadas dúvidas suscitadas, especialmente em face de tendência jurisprudencial noticiada.

Para que possamos analisar, com correção, a equiparação dos crimes de responsabilidade aos atos ímprobos, devemos, primeiro, compreender adequadamente essa relação, que é bastante antiga. Uma visão histórica sobre o papel dos atos ímprobos na categoria dos delitos de responsabilidade contribui ao deslinde da matéria controvertida.

7.4.1.3 A relação entre atos de improbidade e crimes de responsabilidade: a independência das esferas de ilicitude

Os chamados “delitos de responsabilidade” surgem na Inglaterra entre os séculos XIII e XIV, dentro da idéia de responsabilidade penal de altas autoridades públicas, ante o Parlamento196.

Hoje em dia, existem três grandes vertentes no Direito brasileiro e comparado: (i) os que defendem a natureza criminal dos delitos de responsabilidade; (ii) os que defendem a natureza política desses “delitos”; (iii) os que sustentam a natureza mista do ilícito. O STF, atualmente, entende que se trata de delitos no sentido criminal da expressão, embora o julgamento seja de natureza política197.

É certo que, embora venha do Direito inglês, a idéia de “delitos de responsabilidade” tem suas raízes modernas no Direito norte-americano, com seu pragmatismo e seu

196 Veja-se o clássico BROSSARD (1992:27). 197 Consulte-se BRASIL. (STF. 17.12.92).

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espírito republicano. Naquele país, o Direito Penal baliza a responsabilidade dos altos mandatários da Nação. É o processo de “impeachment”, outrossim, um dos corolários lógicos do princípio da responsabilidade, ganhando realce, aqui, a dimensão política dessa espécie de responsabilidade.

Na Constituição Política do Império do Brasil (1824), os Ministros de Estado eram responsáveis (arts.38 e 47). A Lei Complementar, de 15 de outubro de 1827, estabeleceu as regras de processo e julgamento políticos dessas figuras. Antes do mais alto mandatário do país, portanto, em face de sua imunidade imperial, os Ministros já eram responsáveis.

Das Constituições republicanas brasileiras se pode recolher pelo menos três grandes conseqüências em relação ao tratamento dos delitos de responsabilidade: (i) o ilícito é, sobretudo a partir da Constituição de 1946, sempre uma violação da Constituição; (ii) a conduta é politicamente inadequada ou indesejável; (iii) é necessária a previsão legal para sua configuração enquanto ilícito.

Na Emenda Constitucional 04/61, que estabeleceu o sistema parlamentarista de Governo, foi derrogado o art.89 da Constituição de 1946. O texto derrogado, em seus incisos V, VI, VII e VIII, contemplava várias figuras ilícitas. O que disse Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, a propósito deste tema, é que a Lei 1079/50, no que se refere ao ato de improbidade enquanto modalidade de delito de responsabilidade, entre outras figuras, não foi recepcionada pela CF, já que houve um vazio legislativo em torno do assunto. E isso porque, depois da aludida Emenda Constitucional 04/61, foram derrogadas as figuras delitivas resultantes de violação aos seguintes deveres: (i) probidade na Administração; (ii) respeito à lei orçamentária; (iii) respeito à guarda e ao legal emprego do dinheiro público e (iv) o cumprimento das decisões judiciais198.

Está muito claro, não obstante, que o posicionamento do STF é outro. A CF recepcionou a Lei 1079/50 em sua integralidade. E a falta de probidade na administração segue sendo delito de responsabilidade, na tradição republicana. O que se expõe, não obstante, é o questionamento sobre se essa figura, aquela que encontra 198 Veja-se FERREIRA FILHO (1992:382).

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previsão expressa no art. 85, V, da CF, é idêntica àquela que

encontra tipificação no art. 37, parágrafo 4o, da mesma CF. Essa é a pergunta em debate perante toda a Nação brasileira. Independentemente do veredicto do STF, essa questão poderá continuar em aberto, até mesmo pelo modelo de sistema difuso de constitucionalidade.

A resposta deste trabalho, obviamente, é negativa. Entendemos que a improbidade do art.37, par.4o, não se confunde nem é eliminada por aquela contemplada no art.85, V, ambas da Magna Carta. Não é o mesmo falar de Improbidade no marco da Lei 1079/50, a raiz do que prevê o art. 85, V, da CF, que falar da enfermidade prevista no art.

37, parágrafo 4o, da CF. E isso porque a CF previu que a Improbidade ali desenhada não é um ilícito penal, sendo distintas e peculiares as conseqüências previstas. O que estamos a sustentar encontra respaldo no próprio STF, no STJ e em posicionamento recente da Procuradoria-Geral da República, porque todos, sem dúvida, preconizam, de uma parte, a natureza penal dos delitos de responsabilidade, e, de outra, a natureza não penal dos ilícitos de improbidade199.

De um lado, a Improbidade Administrativa do art. 37,

parágrafo 4o, não é um ilícito penal; de outro, a Improbidade Administrativa do art. 85, V, da mesma CF, é um ilícito penal, já que o STF assentou a tese penalista

199 O STJ assentou o entendimento segundo o qual os atos de improbidade não possuem natureza criminal. Veja-se nos seguintes julgados: BRASIL (STJ 02.02.99), (STJ.1.12.99), (STJ.16.06.2003). Na mesma esteira desse entendimento, em sent ido doutr inár io, consul tem-se PAZZAGLINI, ROSA e FAZZIO JR. (1996:122) , MEDINA OSÓRIO (1998:217-224), KONDER COMPARATO (1999), MARTINS JR. (2001:298-299 e 318-321), GARCIA e ALVES (1999) e PRADO (2001:20) . A Suprema Corte brasileira vinha em uma linha de entendimento radicalmente distinta a esta que agora se esboça no mesmo Tribunal. Em BRASIL (STF.01.08.00) se nota muito bem a vertente de um arrazoado compromissado com a tese que rechaça o caráter penal do modelo repressor da LGIA. Aqui, a Suprema Corte entendeu que não cabe o recurso de “habeas corpus” ao Deputado que se encontra investigado por promotores que buscam apurar atos de improbidade administrativa. Já se deixou assentado, então, que as autoridades investigadas não tinham prerrogativa de foro. Esse era o entendimento vigente no STF. Eventual ruptura desse entendimento haverá de ser visto em consonância e sintonia com o devido processo legal, do qual decorre a vedação à arbitrariedade dos Poderes Públicos, inclusive do Poder Judiciário em sua máxima instância.

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sobre a natureza dos delitos de responsabilidade.

A Improbidade Administrativa é um ilícito administrativo previsto diretamente no art. 37, parágrafo

4o, da CF. Suas sanções têm natureza administrativa e seu alcance é geral, na linha do estabelecido pela LGIA e pela Assembléia Constituinte de 1988. Ainda que tal ilícito venha contemplado como elemento normativo de qualquer outro ilícito, seja ele político, seja penal ou mesmo administrativo em sentido estrito (infrações disciplinares), sua autonomia é evidente e inapagável.

Não é possível aceitar a tese que se esboça no STF, ora em exame, já que traduz uma vulneração ao princípio de independência das instâncias, correlacionado ao princípio democrático e ao princípio do Estado de Direito. Diga-se que o princípio constitucional da autonomia das instâncias tem sido largamente proclamado pelo STF.

Não cabe dúvida de que o STF, ao sustentar a natureza penal da Improbidade Administrativa, estaria incorrendo em uma intolerável arbitrariedade hermenêutica. Não se pode transformar em um ilícito penal o que se considera extra-penal na Constituição. E se não fosse o caso de o STF estar sustentando a dimensão penal da improbidade para os agentes políticos, subtraindo-lhes um regime republicano e isonômico de tratamento em relação aos demais agentes públicos e cidadãos, ter-se-ía ainda mais arbitrária a atuação jurisdicional em comento, porque estaria desprovida da mais mínima fundamentação200.

A improbidade não é uma expressão que contenha unívocos significados. Não há uma forma unitária de abordar a improbidade, menos ainda uma instância única para julgá-la. Não deixa de ser possível usar a figura da improbidade até mesmo como elemento normativo de um tipo penal, como já se pretendeu em relação aos delitos contra a Administração Pública. A inserção dessa expressão - "improbidade" - no seio de um tipo penal, acaso significaria a derrogação da LGIA para tutelar o mesmo fato ou agente 200 O STF já assentou a tese da independência das instâncias de controle. Confira-se

BRASIL(STF.22.01.98). Aqui, o mais alto Tribunal pátrio reconhece que a sanção por ato de improbidade pode ter lugar na via administrativa “stricto sensu”.

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político? A resposta é negativa. Alguém, ao praticar ato ímprobo, poderia, por essa circunstância, incorrer num tipo penal; nem por isso, todavia, estaria livre das malhas da LGIA…

A idéia aqui sustentada, assim, é muito direta: a Improbidade Administrativa é uma patologia especificamente tratada no marco da Lei Geral. Essa é a razão, entre outras muitas, para que se reconheçam suas características gerais, seus fundamentos ético-normativos, seus sintomas e remédios peculiares. Daí a independência conceitual, inclusive, entre atos ímprobos e crimes de responsabilidade.

7.4.2 Foro por Prerrogativa de Função: privilégio discriminatório ou respaldo legítimo ao cargo?

Por força do advento da Lei Federal 10.628/02, a competência do julgamento das ações de improbidade administrativa passou a ser do Tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública201. Um dos temas centrais, hoje, numa reflexão crítica sobre improbidade administrativa e as dificuldades de operacionalizar seu combate, diz respeito ao novo § 2º, do artigo 84 do CPP, matéria debatida na Adin: 2797-2 DF.

Examineremos o assunto por dois ângulos diversos: a 201 A aludida lei alterou o artigo 84 do Código de Processo Penal, que está com a seguinte

redação: “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. (Redação dada pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002)§ 1o A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002).§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o. (Redação dada pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002).

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tese do privilégio discriminatório e inconstitucional, hoje prevalente nos Tribunais inferiores, e a tese da constitucionalidade da alteração no Código de Processo Penal, até o momento prevalente nos Tribunais Superiores.

7.4.2.1 A tese do privilégio discriminatório inconstitucional

Eis um tema que envolve a criação de sério obstáculo à persecução da improbidade administrativa: a prerrogativa de foro. A caracterização dessa prerrogativa, ou privilégio, como obstáculo, é um fato, não necessariamente um fato juridicamente ilícito. Bastar vermos a estrutura dos Tribunais e das autoridades fiscalizadoras que neles ou junto a eles atuam, para percebermos as dificuldades de um combate mais eficaz à improbidade nesses universos. Restar avaliarmos tal transformação do ponto de vista de sua juridicidade, porque é induvidoso que, no panorama atual, houve prejuízos ao combate à improbidade.

A dificuldade dos Tribunais em absorver toda a demanda punitiva contra atos ímprobos fica clara quando se observa a relação número de habitantes/Desembargadores, nos Estados federativos. Os Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, caso seja reconhecido definitivamente a prerrogativa de foro, não têm estrutura para processar e julgar as ações de improbidade existentes. Além disso, existindo a prerrogativa, os acusados só seriam passíveis de ação pela via dos Procuradores-Gerais de Justiça ou da República, figuras escolhidas, ainda, pelos Governantes, embora com limitações. Haverá franco fomento à impunidade, entende oficialmente a Associação Nacional do Ministério Público202.

202 A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, CONAMP, possui posicionamento oficial a respeito do tema, que foi sacramentado pela Carta de Gramado (2003), cujo tema central foi a Paz Social, mais precisamente em sua diretriz X: “Para alcançarmos a verdadeira paz social, precisamos fiscalizar com rigor cada vez maior a aplicação do dinheiro público e a moralidade na administração de nossas cidades, de nossas unidades federadas e de nosso país. Não podemos e não vamos acatar, passivamente, qualquer investida contra nossas prerrogativas nesta área, a exemplo da malsinada e inconstitucional lei que estendeu o foro privilegiado de administradores que violem seus deveres de probidade e de correção”. Não se trata, sem embargo, de atentar contra prerrogativa do Ministério Público, porque não se está a subtrair do Procurador-

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Entretanto, o argumento analisado tem natureza mais política que jurídica. Uma reforma global da Justiça pode dar conta dos problemas aqui apontados. É certo que os Tribunais não contam com estruturas adequadas, na maior parte do País, para absorver a demanda de ações contra “improbus”. Entretanto, esse é um tema que pode tratar-se politicamente, através de reformas orçamentárias ou estruturais, num amplo debate social. O mesmo se diga do Ministério Público, cujos membros seriam mais independentes nas bases do que na pirâmide, segundo se depreende do pensamento mais comum vigente nesse meio, reproduzido pela própria Associação Nacional da classe. Trata-se de questionar, nesse caso, os métodos de eleição dos chefes do Ministério Público, não de impugnar sua atual legitimidade para propositura de ações na esfera de suas competências originárias.

Do ponto de vista jurídico, vale conferir os argumentos desenvolvidos pelo renomado jurista e Professor Titular da Universidade de São Paulo, Fábio KONDER COMPARATO, que não admite a existência de foro especial para responsabilizar por ato de Improbidade Administrativa a quem quer que seja, enfatizando que a criação dos foros privilegiados, com base na função ou no cargo, é sempre submetida ao princípio da reserva constitucional. Se não consta da CF, a prerrogativa não pode ser criada pelo legislador inferior203.

Segundo KONDER COMPARATO, em nenhum País do mundo, que se pretenda Estado de Direito ou, mais até, Estado Democrático de Direito, nunca se ouviu falar de que o Poder Executivo, ou o Poder Judicial, t’ivessem

Geral a atribuição para investigar, ou delegar investigação, e processar agentes públicos ímprobos que gozem de prerrogativa de foro. A questão foi mal posta ao debate dos membros do Ministério Público. O que se pode questionar, de um lado, é a constitucionalidade da alteração; de outro, sua conveniência política; e, ainda, num terceiro momento, o que se pode fazer em termos de gestão institucional eficaz para resolver as demandas que virão, caso se confirme a constitucionalidade da lei instituidora da prerrogativa. O tom emocional do debate oculta a deficiência técnica no enfrentamento do problema. A final, se ao Procurador-Geral caberá a prerrogativa, o que se pode e deve exigir de todos os Procuradores-Gerais no tratamento da matéria? Parece-nos que tal questionamento escapou à órbita de interesse associativo dos membros do Ministério Público.

203 KONDER COMPARATO (1999).

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competências para criar prerrogativas de foro.

No regime constitucional brasileiro, na linha de todas as Constituições republicanas, prossegue o jurista, o sistema da distribuição de competências e prerrogativas de foro é exclusivamente constitucional. Não haverá outros foros privilegiados além daqueles que se instituam pela Constituição, disse PONTES DE MIRANDA em notas à Constituição de 1967, com a Emenda de 1969. O legislador não tem competência, portanto, para isso, no entender do professor Fábio KONDER COMPARATO.

Sustenta, nessa linha, o eminente professor da Universidade de São Paulo, que a CF estabeleceu diversos casos de foro privilegiado, seja em matéria criminal, seja em matéria não penal, para diversas autoridades, tais como Presidente da República, Governadores de Estado, Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da República, entre outros, mas em nenhum caso estendeu o privilégio nas ações públicas por ato de Improbidade Administrativa, tampouco mencionou o tema relativo à Improbidade Administrativa tratada no art. 37, parágrafo

4o, da CF.

Com efeito, tratando-se de exceção ao princípio constitucional de paridade, só a própria CF poderia estabelecer os casos de foro privilegiado. Até ao Poder Judiciário lhe seria vedada a criação de novos casos de privilégio de foro, sem previsão constitucional expressa.

KONDER COMPARATO nos diz que, sem sombra de dúvida, a proibição de estabelecer-se foros privilegiados através do legislador ou dos juízes, como resultado do princípio de igualdade e da proibição dos Tribunais ad hoc, é uma conseqüência lógica de nosso sistema constitucional. ativa de foro: o enfoque do Direito Administrativo Sancionador

7.4.2.2 A constitucionalidade da prerrogativa de foro: o enfoque do direito administrativo sancionador.

Na doutrina, os autores que melhor defenderam a

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prerrogativa de foro dos agentes políticos foram Gilmar FERREIRA MENDES e Arnold WALD, num trabalho em que qualificam a LGIA como “quase penal”, denunciando a necessidade de aproximação com o Direito Penal, em matéria de prerrogativa de foro. Sustentam a tese das competências implícitas na Carta Magna, citando precedente antigo do próprio STF. E acenam com a necessidade de lógica e coerência no sistema204.

Na esteira de acaloradas discussões na doutrina e jurisprudência, e quando já se havia pacificado a tese da ausência da prerrogativa de foro, observa-se que a criação dessa prerrogativa de foro, dentro do Código de Processo Penal, não é fruto de movimento neutro do Congresso Nacional, menos ainda desinteressado. Importa, no entanto, reconhecer que o Parlamento Federal deu sua contribuição decisiva ao debate sobre o alcance da LGIA, fixando o foro privilegiado pela prerrogativa de função a determinados agentes públicos.

No plano real, o discurso político que motivou essa alteração passa, como se disse, pelo déficit conceitual e pelo déficit de gestão das Instituições fiscalizadoras. Também é relevante a presença de interesses escusos no sentido da almejada inviabilização da LGIA, num pacote que chegou a incluir, em seu momento, a tentativa de enfraquecimento das entidades de controle.

Quebrando a lógica maniqueísta, que infelizmente às vezes domina um pensamento institucional, a prerrogativa de foro também atendeu a critério jurídico manejado pelo Congresso Nacional, respaldado por legítima opção, que foi a da analogia com a prerrogativa criminal, na medida em que a nova Lei veio tratar as infrações de Improbidade Administrativa nos mesmos termos do Direito Penal e da legislação processual correspondente, por meio de lei infraconstitucional, estendendo a prerrogativa de foro a

204 WALD e MENDES (1997) sustentaram a visão de aproximação entre a LGIA e o Direito Penal. LEITE SAMPAIO (2002), embora pareça não declinar posicionamento definitivo sobre o tema, também acena para um déficit da LGIA no tratamento das ressalvas constitucionais expressas em torno a certas competências, entre elas a prerrogativa de foro, sustentando, ao final, a visão mais restritiva em torno ao assunto, como contra-ponto à idéia da prerrogativa de foro, alinhando-se com Fábio KONDER COMPARATO.

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todos os agentes políticos, inclusive depois de cessarem suas funções, o que provocou, de imediato, sérios debates constitucionais205.

Não deixa de ser relevante notar que o Parlamento tenha optado por uma Lei processual penal para tratar da improbidade, quiçá indicando que tal legislação efetivamente apresenta cunho punitivo, pouco importando o nome que ostente. A tentativa de aproximação da LGIA ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal restou evidente. A prerrogativa de foro, nesse contexto, também veio para dar cabo de uma situação injusta: autoridades com prerrogativa de foro na área criminal, pelos mesmos fatos, poderiam ser processadas por juízo monocrático de primeiro grau, sendo contempladas com sanções que teriam natureza punitiva, tais como a perda do cargo ou a suspensão dos direitos políticos.

O que se pretendeu, com a prerrogativa de foro na esfera da improbidade administrativa, foi alcançar um pouco mais de simetria, lógica e coerência no sistema. Não se poderia admitir, a final, que um Juiz de Direito viesse a julgar um Desembargador, quem sabe até mesmo o Presidente do Tribunal de Justiça, ou que um Juiz Federal julgasse o Presidente do STF ou da República. Tais incongruências seriam dirimidas pela nova regulação da prerrogativa funcional de foro.

É necessário adotar solução compatível com a lógica do sistema constitucional e, para tanto, ousaremos divergir dos ensinamentos do eminente Professor Fábio KONDER COMPARATO, enfatizando a importância de se compreenderem os pressupostos gerais do ato ímprobo e, mais ainda, seu regime jurídico no universo do Direito Administrativo Sancionador. Pensamos que nossa teoria oferece uma resposta razoável ao problema aqui ventilado.

205 A Lei nº 10.628/02 estabelece, em seu art. 1º, § 1º, que “a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. Curiosamente, o legislador introduziu alteração no Código de Processo Penal, misturando as matérias, porque tratou da improbidade dentro de um diploma inadequado. Essa contradição poderia ser reputada como causa de ilegalidade, mas também é de se ressaltar que a polêmica sobre a natureza jurídica da improbidade poderia autorizar uma nebulosidade na visão legislativa.

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Sabemos todos que o Direito Administrativo Sancionador requer alguns tratamentos similares àqueles dispensados ao Direito Penal. Sabemos também que se admitem analogias e aproximações teóricas, já que o Direito Administrativo Sancionador tem umas pautas similares às do Direito Penal, ambos constituem espécies do Direito Punitivo e demandam fórmulas aproximadas. Essas aproximações podem dar-se de distintas formas, seja pela via legal, seja pela via da construção jurisprudencial ou doutrinária, não importa206.

Não nos parece absurdo sustentar, portanto, que o legislador, soberana e democraticamente, possa optar pela prerrogativa de foro dos agentes políticos, nas ações de Improbidade Administrativa, naqueles casos em que já há, no próprio texto constitucional, o reconhecimento do mesmo “privilégio” na área penal, já que se trata de sanções que afetam direitos fundamentais protegidos igualmente ante uma Justiça Penal.

O paralelo com o Direito Penal é válido e oportuno. Entendemos que a opção expressa da Assembléia Constituinte pela ação civil de Improbidade Administrativa,

no art. 37, parágrafo 4o, da CF, admite a postura legislativa de outorgar prerrogativa de foro a certas autoridades que, no marco do sistema constitucional, já gozam, originariamente, deste privilégio ou prerrogativa na seara criminal, especialmente em se tratando de fatos idênticos.

O argumento da reserva constitucional não nos convence. Primeiro, porque padece do vício formal de apegar-se à gramática e ao texto expresso da CF, sem um olhar sistêmico e teleológico mais aprofundado. Segundo, porque desconhece as peculiaridades do Direito Administrativo Sancionador, cujos tentáculos devem alcançar os ilícitos de improbidade. Terceiro, porque ignora, também, as possibilidades de concretizações legislativas de comandos ou permissões constitucionais implícitas, dentro do devido processo legal, aproximando os tratamentos aos ímprobos nas instâncias penal e administrativa “lato sensu”.

Concordaríamos com a reserva constitucional noutras

206 Por todos, consulte-se NIETO (1994).

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circunstâncias, v.g., a criação de nova prerrogativa de foro criminal a quem não contemplado na CF ou, mesmo, nas hipóteses de atos ímprobos, a quem não estivesse originariamente contemplado com essa prerrogativa, do ponto de vista criminal, na mesma CF. Porém, não é esse o caso. O que o legislador quis, com legitimação democrática para tanto, foi contemplar com prerrogativa de foro, no bojo de uma relação de Direito Punitivo, pessoas que já estavam contempladas com tal prerrogativa na seara criminal, na própria CF.

Pode dizer-se que, com relação à improbidade, o texto constitucional continha uma autorização implícita ao legislador, para que criasse e desenvolvesse a prerrogativa de foro, na esteira da aplicabilidade de um regime jurídico punitivo unitariamente concebido de forma harmônica e justa. Esse raciocínio é bastante razoável e, além de conservar uma hermenêutica coerente e harmônica do texto constitucional, acena com maior densidade ao princípio da segurança jurídica, porque, ressabido é, seria demasiado imaginar pudesse um Juiz de Direito, quem sabe até mesmo em estágio probatório, fulminar um Governador do Estado ou um Presidente de Tribunal de Justiça com a sanção de perda do cargo e suspensão de direitos políticos, sob o pretexto de que tais sanções seriam “meramente civis”.

O veículo da “lei ordinária” é adequado precisamente porque estamos diante de concretização de comando constitucional implícito. O legislador ostenta legitimidade constitucional para viabilizar o foro privilegiado, nesse caso, sem que haja necessidade de um status específico de Lei Complementar. Talvez até mesmo o julgador, como preconizado por Arnold WALD e Gilmar MENDES, pudesse haver efetuado essa equiparação207. O legislador ostenta legitimidade redobrada. E o fato de ser o legislador processual penal, ou que a alteração tenha ocorrido nesse âmbito, não impressiona, dada a proximidade natural entre Direito Processual Penal e Direito Administrativo Sancionador.

É induvidoso que, a par da juridicidade das alterações introduzidas pela nova prerrogativa de foro, resulta

207 WALD e MENDES (1997).

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necessário empreender uma ampla reforma no sistema da justiça, alçando Tribunais e cúpulas das instituições fiscalizadoras a um novo patamar de qualidade, independência e controles, de modo a torná-las ágeis e mais eficazes. Esse é um problema político que se deveria enfrentar com urgência, mas que não pode embaralhar a visão hermenêutica sobre o assunto.

A reforma da Justiça é um projeto de longo prazo, que envolve alterações constitucionais, legislativas federais, estaduais e, ainda, administrativas, em busca de um modelo compatível com os elevados anseios da sociedade brasileira. Daí porque resulta oportuno e necessário debater métodos cada vez mais rigorosos de controle externo e interno nas Instituições protagonistas da Justiça, vale dizer, Judiciário, Ministério Público, Advocacia pública e privada. É certo que tais atores devem gozar de garantias, imunidades e prerrogativas, mas também hão de estar submetidos a controles públicos eficientes, com transparência e balizamento democráticos.

O que não se pode pretender é ocultar o real discurso crítico e o verdadeiro debate em curso, ou seja, o substrato fático, axiológico e real do problema da prerrogativa de foro. Há um discurso ostensivo, outro oculto. Às vezes, caminham juntos. O que deveria estar oculto, transparece, como espécie de “ato falho” do discurso. O que é ostensivo busca escamotear sua base axiológica.

Quando se apregoa que os agentes políticos de primeira instância, v.g., Juízes, Promotores de Justiça, Procuradores da República, são os que podem investigar e processar as mais altas autoridades da Nação, tais como o Presidente da República, Presidente do STF, Procurador-Geral da República, Senadores, Deputados Federais, Procuradores-Gerais de Justiça, Presidentes de Tribunais Superiores e de Justiça, etc, o que se quer dizer, em realidade, é que o sistema, no topo da pirâmide, não está funcionando bem.

Percebe-se, politicamente, que, segundo uma opinião bastante difundida, quanto mais perto da cúpula, menor será a independência de agir do sujeito. Daí a desconfiança com o modelo estruturado a partir de competências

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decisórias relevantes dos membros da cúpula.

Todavia, insista-se, o que se requer é uma discussão política mais ampla e transparente, até mesmo abarcando pontos relativos à conveniência, ou não, de uma maior sensibilidade política relativamente a determinados alvos de fiscalização. Essa é uma das facetas do problema, nem sempre abordada abertamente. Talvez seja oportuno resgatar esse debate.

O que não se pode ignorar é a importância da sensibilidade política e da hierarquia institucional interna no funcionamento do modelo de controles internos e externos. Afinal, se o Procurador-Geral de Justiça puder ser investigado e acionado judicialmente, por supostos atos ímprobos, por Promotores de Justiça, como fica a percepção da independência destes, no plano interno, frente ao chefe da Instituição? E como fica o controle interno, administrativo, da atuação desses Promotores, se eles tiverem competências maiores e mais intensas do que seus controladores, no plano externo?

Não se pode olvidar, vale repetir, que o fundamento da prerrogativa de foro, na área criminal, diz respeito à manutenção de valores relacionados à ordem hierárquica e disciplinar. Nessa linha, um Juiz não é julgado por colega seu de primeira instância, mas por Desembargadores, em órgão colegiado, em segunda instância. E assim por diante. Tal previsão diz respeito ao bom andamento da própria Instituição, preservando valores imanentes à disciplina e à hierarquia administrativas, baluartes dos modelos de controle interno rigoroso.

No Ministério Público, onde se deve buscar a unidade institucional no agir, maior importância ganha a prerrogativa de foro. Não nos parece razoável imaginar que um Promotor, em início de carreira, em face de suas atribuições, pudesse entrar em juízo postulando suspensão de direitos políticos e perda da função pública do Procurador-Geral ou do Corregedor-Geral de sua Instituição.

Não estamos a apregoar preconceito contra a atitude e o juízo de valor de um agente mais moderno na carreira do que outro, como se a antiguidade fosse garantia de

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sabedoria, de acúmulo de conhecimento e de experiências positivas. Nem sempre serão estas as conseqüências do transcurso do tempo na vida de um agente público. A antigüidade pode ser sinônimo de acomodação, frustrações e ausência de horizontes positivos.

Feita esta ressalva quanto ao valor da antigüidade na carreira, cabe dizer que é necessário um mínimo respeito à prerrogativa de todos os membros da Instituição, visto que esta assertiva é válida para balizar as relações entre os Promotores de Justiça entre si, ou seja, agentes situados em idêntico patamar hierárquico-administrativo na carreira. Esta afirmação se estende, por óbvio, a outras autoridades idênticas ou similares, tais como os membros da Magistratura e de outros ramos do Ministério Público.

Sabedores de que existe uma autoridade superior encarregada de fiscalizá-los, os Promotores gozam da garantia de que nenhum colega seu, mais moderno ou mais antigo, não importa, tenha prerrogativa de acusá-lo criminalmente ou por ato de improbidade administrativa, porque tal competência cabe a uma autoridade específica, qual seja, o Procurador-Geral, com competências correicionais amplas.

A prerrogativa de foro é uma garantia que assegura tranqüilidade e posicionamentos seguros no seio da Instituição, resguardando os valores da harmonia, disciplina, igualdade, segurança jurídica, dentre outros. Como se vê, a prerrogativa funcional, aqui, não parece algo tão pejorativo, tanto que os membros do Ministério Público dela não abrem mão.

É claro que a situação dos Prefeitos é algo diversa. Isto porque, em primeiro lugar, tais autoridades não detém relações hierárquicas com as autoridades fiscalizadoras, não se situando numa mesma carreira. Em segundo lugar, são muitos os Prefeitos espalhados pelo país, cujos atos só podem ser realmente fiscalizados pelas autoridades locais208,

208 Pelo censo do IBGE de 2000, há 5.561 (cinco mil, quinhentos e sessenta e um) municípios. Em 2001, a instalação do município de Pinto Bandeira foi anulada judicialmente e o correspondente território reincorporado ao município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, reduzindo-se o número de municípios, e de prefeitos, para 5.560 (cinco mil, quinhentos e sessenta). Existem, no primeiro semestre de 2004,

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pena de absurda impunidade. Finalmente, os posicionamentos funcionais dos Prefeitos e dos membros do Ministério Público, por não serem idênticos e sequer análogos, não podem ser equiparados.

Vê-se, de qualquer sorte, que os Prefeitos gozam de prerrogativa de foro na seara criminal, conforme assentado na Constituição209 e reconhecido pelo STF numa extensão limitada210. Essa limitação, reconhecida a abertura para os órgãos fracionários julgarem os Prefeitos, já evidencia o tratamento singular dispensado à matéria.

Admite-se que os Prefeitos tenham uma prerrogativa de foro estendida por força de analogia entre os Direitos Penal e Administrativo Sancionador, no tratamento do assunto, considerando o texto legal que veio à baila, mas não se poderia aceitar que essa analogia fosse feita entre autoridades de distintos patamares e posições funcionais. Daí porque uma visão cautelosa é recomendável nesse terreno.

E que cautela será esta? Ora, a cautela pode dar-se no plano hermenêutico, com interpretação conforme a Constituição. Se resulta correto dizer que ao Prefeito se prevê uma prerrogativa de foro, na esfera da improbidade, tem-se que, embora admissível a técnica do legislador, resulta imprescindível a descentralização das investigações pelo Ministério Público e o fortalecimento da agilidade do Poder Judiciário na resposta.

Outrossim, enquanto não instalado um órgão especializado no Tribunal ou no Ministério Público, poder-se-ía aceitar que os feitos corressem no primeiro grau, validando-se, posteriormente, com a estruturação dos órgãos de segundo grau. Não se há de enxergar a mesma radicalidade na situação dos Prefeitos e dos agentes políticos controladores, visto que estes últimos têm uma normativa disciplinar própria, que lhes impede de controlar agentes controladores internos. O raciocínio, aqui, é direto: os Prefeitos, embora gozem de prerrogativa de foro

em torno de 13.500 (treze mil e quinhentos) membros do Ministério Público na ativa, tanto na esfera estadual como federal.

209 Art. 29, inciso X, da CF. 210 BRASIL. (STF. 25.10.94); (STF.05.09.95); (STF. 24/09/1996).

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criminal, e também gozem de uma condicionada prerrogativa de foro por ato ímprobo, só terão efetivada esta última quando houver estruturação adequada de órgão competente na esfera do Tribunal de Justiça local, admitindo, enquanto isso não ocorra, a tramitação no primeiro grau.

Como andam nossos Tribunais, a propósito do assunto?

Na esteira da inconstitucionalidade, já consolidaram entendimento os Tribunais de Justiça de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina e de Minas Gerais, além de julgado do Tribunal Regional Federal da 4a Região211. O Ministério Público brasileiro vem se posicionando de modo praticamente uníssono, sempre contrariamente à constitucionalidade da alteração legislativa em comento.

O Tribunal de Justiça gaúcho, no entanto, por sua Câmara especializada, assentou entendimento pela constitucionalidade da prerrogativa de foro, inclusive determinando o desmembramento de feitos, em ação de improbidade ambiental: “Hipótese em que, por força do advento da Lei 10.628/2002, é de competência originária do Tribunal de Justiça o julgamento das ações de improbidade ajuizadas contra Prefeitos e vice-prefeitos, não podendo tal competência ser estendida às ações de responsabilidade civil por dano ambiental”212.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul também homologou a tese da constitucionalidade, tanto que, com a alteração em vigor, criou uma Procuradoria especializada no combate à improbidade, ao lado da conhecida Procuradoria de Prefeitos e Fundações, órgão com atribuições na área criminal, e não questionou, em momento algum, a postura do Tribunal de Justiça gaúcho, concordando, pois, com a tese da constitucionalidade.

O Superior Tribunal de Justiça, em razão do indeferimento da liminar postulada pela Associação Nacional

211 BRASIL (TJSP 20/08/2003). BRASIL. (TJPR 01/06/2004). BRASIL (TJSC 12/02/2004). BRASIL (TJMG 24/08/2004) (TJMG 14/10/2004). BRASIL. (TRF 4ªRegião

25/03/2004).212 BRASIL (TJRS 11/05/2004).

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do Ministério Público, na Adin nº 2797-2 DF, vem aplicando a prerrogativa de foro privilegiado, ao abrigo do argumento de presunção de constitucionalidade da lei. Segundo a orientação adotada, o referido diploma deve ser cumprido até o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade respectiva, na qual foi indeferido o pedido cautelar de suspensão.

Curiosamente, o STF, em 13/09/2004, veiculou notícia informando que o Ministro Carlos Velloso arquivou ações sobre prerrogativa de foro em processos por improbidade, o que poderá sinalizar uma possível declaração de inconstitucionalidade. É do seguinte teor a notícia que merece ser transcrita:

“O Ministro Carlos Velloso determinou o arquivamento das Reclamações (RCL 2805 e 2681) ajuizadas pelo prefeito de Jequitinhonha (MG), Henrique Frederico Heitmann de Abreu, e pelo ex-prefeito de Macau (RN), João Pedro Filho. Ambos contestavam decisões que reconheceram a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, sobre prerrogativa de foro, determinando ser competência do juízo de primeito grau julgar ações por improbidade administrativa a que respondem. Nas respectivas Reclamações, Henrique de Abreu e João Pedro Filho alegavam ter sido desrespeitada a decisão do STF na apreciação de liminar de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2797, que questiona a Lei 10.628. De acordo com Velloso, não houve desrespeito à decisão do STF. Com o indeferimento da liminar na ADI 2797, segundo o ministro, não se subentende a constitucionalidade da Lei 10.628. ‘Indeferida a cautelar, a lei tem vigência. Todavia, o fato de órgãos do Judiciário deixarem de aplicá-la, sob o fundamento de que é inconstitucional, não significa que estaria sendo descumprida a decisão do Supremo Tribunal Federal’, disse o relator. O ministro ressaltou, ainda, não ser cabível o argumento de urgência, em razão dos pedidos de liminar, para determinar a suspensão das decisões que se referem aos direitos políticos do prefeito de Jequitinhonha e do ex-prefeito de Macau. Ele esclareceu que ‘a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória’. Assim,

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Carlos Velloso negou seguimento às Reclamações e determinou o arquivamento dos autos213”.]

Como se vê, o STF parece sinalizar, por decisão monocrática de um dos Ministros, no sentido da possibilidade de os Tribunais inferiores seguirem com o controle de constitucionalidade da legislação instituidora da prerrogativa de foro. Nesse passo, o entendimento pela constitucionalidade dessa lei vem sendo adotado, modo expresso, apenas pelo Tribunal de Justiça gaúcho, com o respaldo ou beneplácito do Ministério Público local e pelo Superior Tribunal de Justiça. De outro lado, o entendimento do Ministro Carlos Veloso corre o risco de não ser majoritário na máxima Corte Constitucional pátria.

Há material argumentativo e jurídico para todos os gostos. Basta optar por uma linha de entendimento, abraçando-a. Porém, há que sublinhar a relevância das boas razões e também das conseqüências de uma dada postura.

7.5 O USO DOS DIREITOS DE DEFESA COMO OBSTÁCULO INTERNO AO DIREITO PROCESSUAL

PUNITIVO

Fixada a competência do Poder Judiciário para julgar todos os agentes políticos por atos tipificados na LGIA, diante da inconstitucionalidade da pretendida imunidade de tais figuras, bem como reconhecida a pontual prerrogativa de foro de determinadas autoridades, tem-se que a persecução da improbidade haverá de ser operacionalizada à luz das normas do Direito Processual. É no processo que se debatem todos os direitos e se fixam as responsabilidades. Se houver um Direito Material funcionalmente útil e potencialmente eficaz, devemos esperar que o Direito Processual atenda as mais legítimas expectativas da sociedade, porém sem descurar do fato de que resulta necessário conviver com direitos de defesa, posições e interesses antagônicos dentro da esfera judicial de resolução dos litígios.

213 Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Data de Acesso: 15.09.2004

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Percebe-se que, em seu nascedouro, a LGIA trouxe um universo muito limitado e restrito de direitos e garantias. Havia controvérsias relevantes sobre o conjunto de dispositivos que seriam aplicáveis à LGIA, notadamente aqueles oriundos da Lei da Ação Civil Pública. Nesse sentido, um novo Direito Processual Público seria aplicável aos domínios da LGIA, como a tantos outros campos, revelando-se imprópria a designação de Direito Processual Civil, por sua origem privatística. Posteriormente, as controvérsias processuais giraram em torno à aplicabilidade das normas do Direito Processual Penal, sendo nesse sentido sua evolução.

Observa-se, presentemente, um conjunto de problemas jurídicos acarretados pelas chamadas “reformas processuais stricto sensu” na LGIA. Algumas tentativas foram frustradas, como aquelas veiculadas em Medidas Provisórias que buscavam cercear o poder acusatório, tachando-o de ímprobo, sempre que houvesse algum equívoco. Todavia, outras iniciativas consagraram notáveis alterações, ampliando consideravelmente os direitos de defesa e deslocando a LGIA para o universo do Direito Público Punitivo, na esteira do que se designa como Direito Administrativo Sancionador. Há um novo Direito Processual Punitivo a partir da LGIA. É essa nova realidade que vamos focar.

Nesse contexto, avaliaremos pontualmente algumas reformas, demonstrando em que medida constituem novos obstáculos e até que ponto podem ser considerados legítimos, no plano jurídico, tais óbices processuais. Elegemos aquelas reformas tidas como mais impactantes, do ponto de vista do Direito Processual, no bojo das prioridades deste trabalho.

7.5.1 Ação civil pública ou ação de improbidade?

Reafirme-se que o veículo de combate à improbidade se faz por meio da ação civil pública, nos termos dos artigos 17 e 18 da LGIA, com a aplicação supletiva da Lei 7.347/85, embora a designação mais adequada seja “ação civil pública de responsabilidade por ato ímprobo”. Tal assertiva terá

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numerosas conseqüências jurídicas de relevância constitucional, embora também recomende várias cautelas. A aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública se dá com reservas, a tal ponto que permanece a questão: em face do nível regulatório da própria LGIA, qual o espaço ainda reservado à legislação processual suplementar? Esta indagação buscaremos aclarar de imediato.

Forçoso dizer que, quanto às cargas processuais, a ação judicial que busca a constatação do ato de improbidade administrativa tem natureza condenatória, em regra, mas quando visar à declaração de nulidade, como qualquer outra ação judicial, segundo PONTES DE MIRANDA, citado por BEZERRA LEITE, terá caráter mandamental. Logo, a ação civil pública persecutória da improbidade pode ter conteúdo condenatório, constitutivo e/ou declaratório214, até mesmo porque se admitem cumulações de pedidos.

Há, no entanto, alguns dispositivos da Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública - LACP) que são incompatíveis com a Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, inaplicáveis. Destaque-se o rol de legitimados previsto no artigo 5º da LACP, além do fato de que a condenação não reverte para o fundo de reparação, como prevê o artigo 12, e, sim, para o patrimônio jurídico da pessoa lesada. Nessa linha, confira-se a impossibilidade de transação ou de ser tomado o compromisso de ajustamento de conduta, nos moldes mais restritos da LGIA, porquanto esta ação civil contempla interesses indisponíveis, embora possa haver acordos no bojo de inquéritos civis, envolvendo aspectos relacionados ao ressarcimento ao erário.

Assim sendo, a jurisprudência acabou consagrando o entendimento de que a LACP é aplicável supletivamente à LGIA, de tal sorte que, não havendo incompatibilidade, pode complementar aquele diploma legal. Assim, a LGIA submete-se aos dispositivos da LACP, no que couber e supletivamente215, até mesmo porque possui normas de Direito material que condicionam o setor público.

Sem embargo, note-se que jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) vem consagrando a

214 LEITE (2002:152)215 BRASIL (STJ.20.05.03) e (STJ.24.06.03).

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necessidade de desmembramento das ações de improbidade, no tocante às medidas não enquadráveis no campo do Direito Público Punitivo, é dizer, ressarcimento ao erário e outras aptas a serem veiculadas em remédios distintos, v.g., ações populares ou ações civis de reparação de danos. Nesse sentido, tal orientação jurisprudencial acaba por sufragar entendimento no sentido de que a LGIA não se mostra compatível com a LACP, porquanto repudia a cumulatividade de pedidos, especialmente contra réus diversos, ainda que conexos os temas em análise216.

A ausência da possibilidade de cumulatividade de pedidos, com o obrigatório desmembramento dos feitos, pode acarretar obstáculo de ordem processual ao trâmite da demanda, ainda que seus fundamentos sejam lógicos e razoáveis. Isto porque, se é certa e oportuna a diferenciação entre medidas reparadoras e sanções administrativas, não se pode ignorar que a unificação de demandas, em razão de uma mesma causa de pedir, facilita não apenas o tramitar do processo, mas também a apreciação de todas as teses ventiladas. Tal procedimento pode gerar demora ainda maior na recuperação do dinheiro público desviado.

Porém, de outro lado, é verdade que pleitos ressarcitórios não desafiam prerrogativa de foro, assim como estão fundados em pressupostos objetivos ou, pelo menos, peculiares, sem identificação com aqueles específicos do Direito Público Punitivo. Nesse passo, resulta lógico admitir a tese do desmembramento, porque as ações populares tampouco ostentam prerrogativa de foro para seus destinatários. E se é assim nas ações populares, assim deve ser nas demais ações de cunho ressarcitório. Preserva-se, desse modo, a competência originária do juízo monocrático.

Pensamos que a questão da unificação dos pedidos há de ser vista como uma prerrogativa do autor, não um direito do réu. Se houver interesse do autor na unificação e cumulação de petitórios, há que se aceitar tal postura. Haveria uma norma dispositiva em favor do autor: cumular ou não pedidos. Tal espécie de entendimento não produz nenhuma violência aos interesses do réu, porquanto apenas lhe confere mais privilégio de foro, para defesa de posições

216 BRASIL (TJRS 11/05/2004).

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jurídicas relacionadas a pressupostos de responsabilidade. E se o autor assim entender, é porque, dentro de sua estratégia processual, este é o melhor caminho, circunstância respeitável e digna de valoração na ordem jurídica.

Ao obrigar a propositura de ao menos duas demandas distintas, uma no foro privilegiado, outra no juízo comum, o Tribunal aceita a possibilidade de decisões contraditórias, mas também sustenta a independência das instâncias de controle, respeitando o limite constitucional da prerrogativa de foro relativamente apenas aos atos ímprobos, não aos conexos, nem aos co-réus. Nessa linha de raciocínio, o Tribunal protege os interesses do réu, ao restringir qualquer alargamento de compreensão em torno aos limites da prerrogativa de foro.

A contradição aparente entre os valores abrigados nesta orientação jurisprudencial recomenda prudência decisória. Optamos pela valorização de uma prerrogativa do autor, em detrimento dos interesses privados do réu, dentro da lógica de proteção mais eficaz aos interesses difusos da sociedade agredida pelos ímprobos, mas também considerando que os interesses do réu estão protegidos e abrigados na regra instituída em seu favor, outorgando-lhe prerrogativa de foro. É esta regra que não pode sofrer arranhões ou ataques. Caso já exista uma ação popular tramitando em primeiro grau, demandas similares haverão de ser endereçadas ao mesmo local, mantendo-se independentes relativamente à ação de responsabilidade por ato ímprobo. Caso venha a ser proposta a demanda contra ato ímprobo no Tribunal, com cumulação de pedidos, com antecedência a qualquer medida ressarcitória no primeiro grau, entendemos deva prevalecer a vontade do autor, ficando demais demandas condicionadas, por conexão, ao Tribunal.

Apesar do imenso universo que se abre na discussão dos aspectos processuais da LGIA, focaremos nossa atenção sobretudo nas modificações introduzidas pelas Lei Federal 9.366/1996 e pelas Medidas Provisórias 2.180-35 e 2.225, ambas de 2001.

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7.5.2 A Lei 9.366/1996 e as alterações básicas

A Lei 9.366/1996 dispõe sobre os quadros de cargos do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS da Advocacia-Geral da União, do Ministério da Fazenda, e dá outras providências. Vê-se, portanto, que tal lei em nada se relaciona com a LGIA, sendo de se destacar, no caso, a norma heterotópica contida no artigo 11 da aludida Lei, in verbis:

Art. 11.  O § 3o do art. 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com seguinte redação:

"§ 3o  No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.

Dessa forma, a norma heterotópica preceitua a aplicação da Lei que regula a Ação Popular, na qual o § 3º do artigo 6º determina que pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Assim, em seguida à alteração legislativa muito se questionou acerca da produção de nulidade em caso da falta de citação da pessoa jurídica mencionada. Todavia, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a falta de citação de litisconsórcio facultativo não gera nulidade217.

Portanto, na ação civil por ato de improbidade, quando o autor é o Ministério Público, pode o Município figurar, no pólo ativo, como litisconsorte facultativo, nos termos do disposto no § 3º, do artigo 17 da LGIA, com a redação da Lei 9.366/96, não sendo hipótese de litisconsórcio necessário, inexistindo cerceamento de defesa. No mesmo sentido, inexiste nulidade do processo que, examinando cumulativamente ação civil pública e ação civil por ato de improbidade, seguiu o rito ordinário, nos moldes do art. 292, § 2º, do CPC, sendo tais posicionamentos abrigados em 217 Cita-se como exemplo BRASIL (STJ.05.09.2002).

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jurisprudência uníssona do STJ e dos Tribunais Regionais Federais218.

7.5.3 A possibilidade de alteração no sistema legislativo em matéria processual por meio de Medida

Provisória

Concernentemente à possibilidade de introdução em nosso sistema legislativo de alterações em matéria processual por meio de Medida Provisória, é sabido que, apesar de existir respeitável corrente no sentido da inconstitucionalidade de Medidas Provisórias que versem sobre matéria constitucional, como o é a improbidade administrativa219 (artigo 37, § 4º, da CF), não se pode esquecer, como destaca Rogério PACHECO ALVES, que “a emenda constitucional nº 32, de 11/09/2001, veda a edição de medidas provisórias relativas a direito processual penal e civil, estabelecendo, não obstante, que aquelas editadas em data anterior à sua publicação continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”220.

Portanto, considerando-se que a MP 2225/01 é anterior à Emenda Constitucional nº 32/2001, é de se aplicar os dispositivos nela mencionados, se materialmente constitucionais.

7.5.4 A questão da notificação e o formalismo excessivo

Na esteira da crescente aproximação entre Direito Penal e Direito Administrativo Sancionador, a Medida Provisória nº2225/01 introduziu, entre outras modificações, a inserção do § 7º, no artigo 17, na LGIA. Tal alteração, de cunho processual, fez surgir na ação civil pública de 218 BRASIL (STJ.20.09.01).219 Nesse sentido: BRASIL (STF.05.09.2001)(STF.13.09.2001). 220 GARCIA E ALVES (2002:605)

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combate à improbidade administrativa a figura da notificação do requerido, para oferecer manifestação, prévia à citação, por escrito, sendo que esta poderá ser instruída com documentos e justificações, fato este que deverá ocorrer no prazo de 15 dias.

Nesse prisma, surge, com a figura da notificação, uma espécie de defesa preliminar, nos moldes em que ocorre nos processos que buscam averiguar a prática de crime contra a Administração Pública pelo funcionário público, segundo preceitua o artigo 514 do Código de Processo Penal. O objetivo da alteração legislativa parece relacionar-se com as mesmas razões que motivam o artigo 514 do Código de Processo Penal, quais sejam: “o de resguardar a Administração Pública, permitindo que seus agentes, em face dessas acusações, antecipem sua defesa” 221.

No entanto, a introdução da necessidade de notificação inseriu em nosso sistema vários obstáculos à persecução da improbidade administrativa. Dentre estes, verifica-se que a questão da notificação foi confundida em sua finalidade, uma vez que o § 7º determina a notificação do agente acusado da prática do ato ímprobo, não da entidade ou órgão lesado, os quais são apenas citados. Esta citação se faz para que o ente, se desejar, acompanhe o feito como litisconsorte ativo, no caso de possuir interesse na lide222. É lamentável, pois, que haja pronunciamentos jurisdicionais no sentido da exigência de atendimento ao dispositivo legal da defesa prévia, quando se trata de “citar” pessoas jurídicas interessadas.

Outra dificuldade causada pela necessidade da notificação relaciona-se aos processos em curso e a necessidade de efetivação daquela, produzindo-se a indagação: a constatação de ausência de notificação gera nulidade? E, se afirmativa a resposta, de que tipo seria a nulidade em tela?

A tendência da jurisprudência pátria é considerar a ausência de notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, como uma nulidade absoluta. Considera-se o prejuízo presumido, uma vez que fere o

221 TOURINHO FILHO (2002:648)222 Nesse sentido cita-se o acórdão: BRASIL (TJMG.05.08.2004).

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princípio da ampla defesa. O egrégio Superior Tribunal de Justiça reputa que tal procedimento é o mesmo que já consta no processo administrativo disciplinar, e neste âmbito a jurisprudência é pacífica223. Na mesma linha vem posicionando-se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais224.

Contudo, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi relacionada a notificação com a defesa prévia necessária para a instauração do processo crime contra o funcionário público, destacando na decisão que o posicionamento do STF, nesses casos, é de se estar a tratar de uma nulidade relativa. Pela clareza do acórdão, cita-se trecho do voto do Desembargador Irineu MARIANI225:

“ (...) No processo-crime contra funcionário público o colendo STF já decidiu que a supressão da fase preliminar gera nulidade apenas relativa, ou seja, depende de argüição do acusado no tempo oportuno (vide CPP Anotado, Damásio de Jesus, Ed. Saraiva, 3.ª ed., p. 308).

Se é assim no processo-crime, que envolve a liberdade da pessoa, ostenta-se de manifesto exagero o juiz reconhecer de ofício a eventual irregularidade no processo cível, até porque os parágrafos do art. 17 da Lei 8.429/92, que disciplinam a matéria, não estabelecem conseqüência alguma pela inobservância da citada fase. Destarte, sem dúvida, trata-se de nulidade relativa (...)”

Ora, se no processo crime, que afeta o status libertatis do sujeito, predomina o entendimento de se estar diante de uma nulidade relativa, parece-nos que a ausência de notificação no processo que se questiona o ato ímprobo também produz essa mesma espécie de nulidade. Estamos diante de inequívoca aproximação entre o Direito Processual Penal e Direito Processual Administrativo ou Público. Esse

223 BRASIL (STJ.09.12.2003)224 BRASIL (TJMG 04.09.2003).225 BRASIL (TJRS.30.06.2004)

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novo Direito Processual Punitivo nos revela a imperiosa aproximação entre o tratamento dispensado aos réus acusados de crimes contra a Administração Pública e aqueles acusados de improbidade administrativa. Curiosamente, a improbidade, aqui, se aproxima mais do Direito Penal do que do próprio Direito Disciplinar.

Além dos obstáculos já referidos, a necessidade da notificação fez surgir outras dificuldades, pois diversas ações de improbidade foram suspensas em razão da aplicabilidade imediata de regra procedimental, como é o caso daquelas introduzidas pela MP 2225/01. Assim, a necessidade de notificação atrasou processos, fato esse que gerou prescrição de algumas ações226.

A prescrição da ação de improbidade administrativa consuma-se depois de decorridos mais de cinco anos da exoneração do agente público do cargo em comissão ou função de confiança, segundo dispõe o art. 23 da LGIA. As decisões que reconheceram a prescrição utilizaram o seguinte raciocínio:

“Entendimento jurisprudencial que, conquanto ajuizada a ação de improbidade administrativa dentro do prazo prescricional, é de ser reconhecida a prescrição se não foi procedida à citação nem à notificação dentro do prazo por demora não imputável, exclusivamente, ao Judiciário. Hipótese em que o Ministério Público se limitou a requerer, na petição inicial, a citação do requerido (Art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92) e, por isso, reconheceu-se a prescrição. A prescrição pode ser reconhecida de ofício, uma vez que a ação de improbidade administrativa tem por escopo aplicar sanções ao agente ímprobo que invadem sua esfera pessoal, podendo sujeitá-lo, inclusive, à suspensão dos direitos políticos (art. 15, inciso V, da CF). Sendo a cidadania um dos

226 Quatro ações no TJRS, como por exemplo BRASIL (TJRS.02.12.2003).

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fundamentos da República, a prescrição da ação de improbidade administrativa pode ser decretada de ofício, porquanto afeta direito indisponível (Art. 1º, inciso II, da CF).”

No entanto, parece-nos mais acertada a conclusão de que a citação, mesmo equivocada, quando no caso deveria ter se procedido primeiro a notificação, teria efetuado a interrupção da prescrição, porque desimporta que tipo de ato judicial dá ciência ao réu, se citação ou notificação, para esse efeito.

É consabido que a citação não é o único ato interruptivo do fluxo prescricional. Há vários outros, conforme o art. 202 do Código Civil. Se até mesmo o despacho de juiz incompetente, desde que o interessado promova a citação no prazo e na forma da lei processual, interrompe a prescrição, nos termos do inciso I, do artigo 202, do Código Civil, parece ilógico que a citação regular, embora, no caso, primeiro devesse ocorrer a notificação, não possa interromper a prescrição. Devemos considerar o previsto no inciso V do mesmo dispositivo, que dispõe que a prescrição resta interrompida por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.

Não se pode instituir uma fase preliminar que venha a demorar diversos meses e acarretar a prescrição da pretensão punitiva, sem fundamento jurídico inequívoco para tanto. A interpretação formalista, aqui, acaba reduzindo substancialmente o período de cinco anos previsto no art. 23, I, da LGIA, porquanto conduz a uma redução indireta do lapso prescricional, abrindo maior espaço à impunidade.

No entanto, com o intuito de se evitar uma demora ainda maior na realização da citação dos réus, mister se faz observar o disposto no parágrafo 12 do artigo 17 da LGIA, também introduzido pela Medida Provisória nº 2.225/01, em que menciona expressamente a possibilidade de aplicação da legislação processual penal. Assim, se algum dos requeridos encontrar-se em lugar incerto e não sabido, deve-se aplicar subsidiariamente o disposto no parágrafo único do artigo 514 do Código de Processo Penal.

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Haverá, portanto, desnecessidade da notificação por edital, no caso do réu em lugar incerto ou fora da jurisdição da autoridade competente, bastando a nomeação de curador especial para apresentação de resposta prévia. Isso porque a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal foi facultada pela própria Medida Provisória, tendo sido o procedimento previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal o inspirador da alteração, haja vista o procedimento nos crimes praticados por funcionários públicos em detrimento da Administração Pública ser o único a contemplar tal tipo de notificação preliminar.

Desse modo, dentro das circunstâncias, e na tentativa de minimizar os obstáculos introduzidos pela Medida Provisória 2225/01, se estará assegurando alguma celeridade. O recurso ao Direito Processual Penal, especialmente ao Código de Processo Penal, se dá naturalmente, não apenas por força da Medida Provisória, mas em decorrência do Direito Administrativo Sancionador aproximar-se do Direito Penal e ambos do Direito Processual Punitivo.

Deve-se sublinhar, ainda, o descabimento da exigência dessa espécie de “defesa prévia” do agente, em se tratando de pedidos cautelares. Obviamente – e nem seria necessário lembrar – que a medida de cunho cautelar pressupõe a supressão da oitiva da parte contrária, especialmente quando fundada em razões relacionadas à necessidade de preservação de provas ou quebra de sigilos bancários, telefônicos ou de natureza distinta, em conjunto com procedimento criminal. Pedidos de indisponibilidade de bens, ou de afastamento do agente público do cargo, não demandam defesas prévias, não estando ao alcance da restrição legal ora em comento227.

7.5.5 Necessidade de fundamentação da decisão que recebe a petição inicial depois da defesa prévia do

requerido

227 Nesse sentido, consulte-se: BRASIL (TJPR.11.08.1999).

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A Medida Provisória nº 2225/01 também introduziu o § 9º ao artigo 17, da LGIA, que assim dispõe: “Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar a contestação” Pode-se debater acerca da imprescindibilidade da fundamentação da decisão que recebe a petição inicial, com razoáveis ponderações num e noutro sentido, é dizer, tanto na direção da dispensabilidade de uma fundamentação profunda, quanto na direção da necessidade de uma farta e ordinária fundamentação, em homenagem aos pilares da ampla defesa.

Depois da defesa prévia do requerido, numa ação fundada na LGIA, quando do exame de admissibilidade da petição inicial, mister se faz que a decisão, que recebe a ação e determina a citação, seja fundamentada, na inteligência dos § § 8º e 9º, ambos do artigo 17, da LGIA. Tal necessidade é medida que se depreende da gravidade dos atos sub judice e das sanções a eles cominadas, não sendo aceitável a simples aposição de despacho de citação, segundo entendimento jurisprudencial, haja vista as alterações introduzidas pela MP nº 2225/01228 e em homenagem aos termos da defesa prévia.

Na linha crítica aqui adotada, é de se ponderar que a LGIA acaba consagrando exigência formal mais severa do que aquela consagrada no Direito Processual Penal, pelos mesmos fatos. Assim, tem-se que há de ser colhida uma sucinta fundamentação judiciária, até mesmo para evitar que se adentre o mérito da demanda. O critério de paralelo poderia ser a sentença de pronúncia no Tribunal do Júri, onde a autoridade manda o réu ao crivo de outro órgão, em momento posterior, abstendo-se de um juízo valorativo profundo. Havendo indícios de improbidade administrativa, é de se prosseguir com a demanda, em seus ulteriores termos.

228 Sirva como referência: BRASIL (TJRS.18.12.2002).

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7.5.6 Possibilidade de extinção da ação de improbidade em qualquer fase do processo

Outra alteração, pela mesma medida provisória aludida, relaciona-se com a possibilidade de extinção do processo de improbidade a qualquer momento, com suporte na tese de livre convencimento do julgador e da possibilidade de extinção das demandas, tendo em conta a constitucionalidade do § 11º, do artigo 17, da Lei 8.429/92. Curiosamente, aqui a LGIA busca aproximação com o Direito Processual Civil, apartando-se dos domínios mais estritos do Direito Penal. Contudo, não cabe ao Julgador antecipar considerações sobre o mérito da controvérsia posta em debate, tanto mais quando a matéria reclama aprofundado exame de provas a realizar-se no contexto jurídico-constitucional do exercício da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da C.F./88).

É de se interpretar tal prerrogativa com muita parcimônia, sob pena de permitirmos que uma autoridade judiciária, em substituição à outra, simplesmente desfira, por “canetaço”, um golpe mortal em todas as ações civis de improbidade que tramitam naquela Vara Judicial. Semelhante hipótese certamente seria objeto de ação correicional do órgão competente, mas não se pode sequer deixar a lacuna para que ocorra tal distorção.

7.6 CONCLUSÃO: O ENFRENTAMENTO DA CRISE, SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS E OS NOVOS RUMOS DO

COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O Ministério Público, segundo as vozes mais críticas, não atua com unidade, revelando-se sem critérios e sem harmonia, produzindo insegurança jurídica e injustiças por meio de acusações desiguais e desprovidas de fundamentos objetivos, não raro até mesmo marcadas pela parcialidade pura e simples, com as mais distintas raízes, desde as políticas, passando pelas psíquicas229.

229 Sobre os eventuais abusos efetuados pelo Ministério Público na tutela da probidade, vide o artigo de imprensa de KRAMER (2004).

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Muitos membros do Ministério Público querem, segundo respeitadas vozes públicas, com a LGIA, alcançar uma aura de coragem e intrepidez, promovendo-se ante a opinião pública, sem maior preocupação com os resultados de ações punitivas desamparadas de provas ou argumentos lógicos e razoáveis, eis aí uma capital corrente crítica a falar230.

Outros tantos agentes do Ministério Público, segundo ainda algumas vozes do povo, sob pretexto de serem discretos, contrários à imprensa, não trabalham, trabalham pouco ou trabalham mal, temendo a visibilidade de suas atividades.

É difícil encontrar o equilíbrio aristotélico da virtude. O próprio Ministério Público equilibra-se entre os excessos e as omissões, nos pólos extremos. Porém, é certo que existe uma gama enorme de hipóteses nas quais há uma atuação correta e eficiente dos membros do Ministério Público, situação não raro ignorada pelo debate público a respeito do assunto. Não se pode mergulhar em vertentes maniqueístas e simplificadoras de debate.

Outra importante vertente de críticas se endereça ao Poder Judiciário, o qual, segundo pensamento corrente em 230 Georges BALANDIER (1980:61) refere que o político se sustenta, em grande medida,

sobre a magia, os rituais, o imaginário e suas proteções dramatizadas. Por meio de esses artifícios se efetua o domínio da sociedade. A multiplicação e difusão dos meios de comunicação modernos modificaram profundamente o modo de produção das imagens políticas, que podem adquirir, por meio dos meios audiovisuais e imprensa escrita, uma força de irradiação e uma presença nunca antes vista em qualquer sociedade organizada do passado. Prolifera, assim, a indústria do espetáculo político (63). Nesse contexto, a persuasão política depende menos de argumentação de que o que se manifesta espetacularmente com auxílio da arte da televisão. A política se faz por difusão cotidiana de imagens e o meio é a mensagem. O poder dispõe assim de uma verdadeira tecnologia das aparências, que lhe permite produzir, ao mesmo tempo, a imprecisão de uma certa transparência, de suscitar a consciência passiva de numerosos governadores – espectadores com o sentimento de uma liberdade de determinação – em vista da imagem introduzida no universo privado – e de uma possibilidade de participação – graças às intervenções que lhes são propostas. Permite-se uma dramatização permanente dos atores políticos. O poder tende a manter-se onde está a imagem e ele se sente tentado a apoderar-se de seu controle senão do monopólio (67/68). Nesse contexto, o Ministério Público e o Poder Judicial tendem a eleger seu campo de batalha também nos cenários mediáticos, transcendendo os domínios mais estreitos dos processos. Isso, de um lado, porque também tais atores buscam legitimidade política para suas atuações fiscalizadoras, e por outra parte, porque os acusados em geral, quando são poderosos, tendem a valer-se desse meio de ataque ou defesa.

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muitos setores, parece que não está preparado para entender o alcance da LGIA, ora aplicando-a de forma arbitrária, ora deixando de aplicá-la em casos claramente passíveis de enquadramento. Sintomática seria a ausência de cursos de aperfeiçoamento específico nessa área, destinados às autoridades judiciárias. Não haveria um investimento concreto nesse setor, daí resultando um eventual despreparo pontual dos Magistrados, os quais não estariam atuando com visão adequada e correta sobre o assunto.

Há quem diga que as Instituições fiscalizadoras não parecem preparadas para a investigação rápida, eficiente e justa dos escândalos de Improbidade Administrativa. O Ministério Público depende, freqüentemente, dos Tribunais de Contas, que possuem estruturas muitas vezes viciadas pela composição política e seleção excessivamente discricionária de seus integrantes. Tal quadro tem como resultado auditorias e frágeis investigações, fatores desencadeantes de alto risco de impunidade e inclusive de injustiças.

O próprio Ministério Público, além de não contar, freqüentemente, com estruturas sólidas para investigações profundas, ainda tem sido cerceado nessa atribuição na esfera criminal. Agrava-se, pois, o quadro de dificuldades.

De qualquer modo, não se sabe se pela ineficiência ou pelo excesso de eficiência, em um contexto carente de estatísticas confiáveis e científicas, observa-se que sucessivas revisões da LGIA foram ampliando os direitos de defesa, procurando dificultar o trabalho dos acusadores, limitando, quem sabe, seus espaços de arbítrio.

Nessa perspectiva, uma parcela da classe política, sentindo-se fortemente golpeada pela multiplicidade de ações civis fundamentadas na LGIA, responde não raro agredindo ou buscando atacar o Ministério Público, propondo a criação, por exemplo, da chamada Lei da Mordaça, uma legislação que busca impedir os membros do Ministério Público de fazer contatos com os meios de comunicação, em casos de Improbidade Administrativa ou

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outras patologias que reclamassem suas intervenções231.

As pressões contra o Ministério Público no Parlamento Federal são muitas, de todo tipo, de muitas espécies. As acusações apoiadas em dispositivos legais extremamente amplos e genéricos, em que caberia qualquer ilegalidade de comportamento de um agente público, dirigiram-se contra altas autoridades da República, os chamados agentes políticos, sendo previsível a reação institucional232.

Se os alvos foram importantes e poderosos, não se pode ignorar que, no universo que examinamos, houve equívocos importantes dos acusadores no manejo da LGIA, centralizando-se o foco mediático em algumas poucas autoridades do Ministério Público, figuras lotadas em Brasília, alguma delas supostamente vinculada com interesses político-partidários, através de especulações nunca inteiramente espancadas na mídia. A frustração de importantes iniciativas de uma ou outra autoridade, em face de eventuais equívocos intoleráveis, forneceu o substrato político para as reações mais contundentes. Some-se a isso a ausência de um panorama no qual o Ministério Público brasileiro pudesse mostrar à sociedade a consistência do conjunto de suas ações.

231 Trata-se do Projeto de Lei nº 2.961, de 1997. O dispositivo polêmico é o seguinte: "Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:(...) j) revelar o magistrado, o membro do Ministério Público, o membro do Tribunal de Contas, a autoridade policial ou administrativa, ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas; (...)".

232 Na opinião de LOPES MEIRELLES (1997), os agentes políticos são componentes do Governo em seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos e comissões, por nomeação, eleição, designação, ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais. Existem normas especiais para sua seleção, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhes são privativos. (...) Nesta categoria se encontram os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros, Secretários de Estado e de Município); os membros das corporações legislativas (Senadores, Deputados e Vereadores); os membros do poder Judicial (magistrados em geral); os membros do Ministério Público (Procuradores da República e Promotores e Procuradores de Justiça, Promotores do Trabalho e Militares); os membros dos Tribunais de Contas.

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As formas de reações institucionais contra a atuação reputada abusiva, discriminatória ou simplesmente injusta do Ministério Público foram bastante variadas. Desde a revisão de garantias e prerrogativas, passando pela desconstitucionalização da própria Instituição233, o que se observa é uma tendência até mesmo de criminalizar condutas acusatórias, no manejo da LGIA, em uma linha de limitar, de modo progressivo, as prerrogativas e poderes acusatórios234. Some-se a isso o crescente aumento dos direitos de defesa, inclusive dificultando ao extremo o papel ministerial, e teremos um contexto de francos obstáculos à missão de defesa da probidade administrativa.

Temos, assim, um modelo em franco e intenso debate na comunidade jurídica, entrando em crise existencial. Os questionamentos propostos são profundos e extensos, alcançando do coração à espinha dorsal da LGIA.

A crise cega os sentidos e já se vislumbram os que anunciam o fim dos tempos de combate à corrupção pública, por causa dos golpes dados à LGIA e ao Ministério Público, este o principal operador que vem dirigindo esse instrumento. Entretanto, para um modelo em crise, deve

233 Em pesquisa efetuada junto ao sítio eletrônico da Câmara do Deputados, utilizando as palavras “Ministério” e “Público”, foram localizados 272 (duzentos e setenta e dois) itens, sendo que, deste universo, nove (nove) projetos de lei tentam, de algum modo, suprimir alguma espécie de garantia ou atribuição do Ministério Público, dentre elas o estabelecimento dos mesmos meios processuais para intimação utilizados para as demais partes do processo (PL-624/1999) e revogação de dispositivo que concede ao Ministério Público, quando parte no processo, prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, a fim de igualá-lo ao particular (PL-4331/2001), entre outros. Quanto a Projetos de Emenda Constitucional, foram encontradas 58 (cinqüenta e oito) ocorrências, sendo que merece ser citado o PEC-368/2001, que revoga o inciso I do art. 129 da Constituição Federal, retirando a função institucional do Ministério Público de promover, privativamente, a ação penal pública. Há muitos outros ataques institucionais ocultos em projetos de lei e de emendas constitucionais, em via incidental, que tramitam no Congresso Nacional, revelando o momento peculiar da Instituição e o ambiente de hostilidade reinante.

234 Relembre-se na Medida Provisória número 2.088-35, introduzindo novo tipo na estrutura do art.11 da LGIA, com sancionamento da conduta ímproba de instaurar temeriamente inquérito policial ou procedimento administrativa ou propor ação de natureza civil, criminal ou de improbidade atribuindo a outrem fato de que o sabe inocente. Não veio a ser renovada a edição dessa Medida Provisória, mas sua inserção suscitou debates, não apenas no tocante à funcionalidade e aos limites do aludido art. 11, como também em relação às prerrogativas das instituições fiscalizadoras, bem assim relativamente ao clima político reinante.

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pensar-se em um modelo em construção, alcançando respostas às indagações fundamentais, sem prejuízo à abertura normativa para os aperfeiçoamentos necessários.

Entendemos que, precisamente, as inseguranças, desigualdades, injustiças e arbitrariedades no manejo da LGIA resultam parcialmente da precária percepção de sua natureza jurídica, de seu nebuloso regime no Direito brasileiro e da falta de critérios mais uniformes em sua aplicação, o que envolve também a construção de pautas de unidade na atuação do Ministério Público e do próprio Judiciário. Trata-se de um problema de múltiplas facetas, porque o aperfeiçoamento da ordem jurídica envolve numerosos aspectos e não seria a LGIA quem estaria imune a essa lógica.

É claro que problemas estruturais, que desembocam em travamento ou insuficiência do sistema investigatório ou numa cultura fiscalizadora precária, demandam soluções complexas, transcendendo o campo da dogmática jurídica, inclusive porque envolvem decisões políticas de aparelhamento das instituições e de boa gestão pública no bojo das Instituições de controle social.

O debate suscitado é um ponto de apoio para o enfrentamento da crise, seja no plano hermenêutico, seja no plano das soluções legislativas integradoras à Lei Federal 8.429 (LGIA), seja no plano de reformas institucionais ou políticas.

Pensamos que os agentes fiscalizadores devem elaborar suas demandas com critérios técnicos, iguais, com fundamentos que racionalmente se possam rastrear, dentro de esquemas argumentativos razoáveis, observadas pautas de segurança jurídica e de eficiência funcional no agir acusatório.

É necessário, portanto, compreender a LGIA como uma espécie de instrumento punitivo regido pelo Direito Administrativo Sancionador, inclusive em sua vertente processual, que alcança fenômenos patológicos no interior do setor público, fenômenos não raro indeterminados, porém determináveis.

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Recomenda-se observar os pressupostos gerais para uma correta e justa aplicação da LGIA, da conceituação à natureza jurídica das sanções, expostos sucintamente neste trabalho, os quais visam propiciar um ambiente mais saudável para aplicação desse fundamental instrumento do Direito Punitivo, de modo a corrigir ao menos uma boa parcela dos equívocos que vem sendo cometidos.

Sugere-se, ainda, que as reformas processuais que vêm impactando a LGIA sejam interpretadas em conformidade com as regras e princípios constitucionais que presidem o Direito Administrativo Sancionador, aproximando-se, quando necessário, do Direito Processual Penal, de modo a compatibilizar, em espécie de “neogarantismo”, os direitos fundamentais em jogo, pertencentes difusamente à sociedade, concretamente às vítimas diretas e aos acusados de improbidade.

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Jurisprudência Consultada

BRASIL. (STJ.16.06.2003). AGP 1964 / PR ; Agravo Regimental na Petição2002/0115914-0. Órgão Julgador: Corte Especial. Relator: Min. Vicente leal. Processual Civil. Agravo Civil. Agravo Regimental. Atos de Improbidade Administrativa. Governador de Estado. Prerrogativa de Foro. Superior Tribunal de Justiça. Incompetência. Artigo 105, I, "A", CF/88.- Falece ao Superior Tribunal de Justiça competência para apreciar processos em que se discute atos de improbidade administrativa supostamente praticados por Governador de Estado. - A prerrogativa de foro dos governadores está relacionada a prática de ilícitos criminais comuns, sendo certo que a investigação de atos de improbidade administrativa refoge à competência expressa preconizada no artigo 105, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal de 1988.- Precedentes.- Agravo regimental improvido. Disponível em <http://www.stj.gov.br > Data de Acesso: 24/09/2004.

BRASIL. (STJ.02.02.99). RESP 150329 / RS ; RECURSO ESPECIAL 1997/0070510-2. Órgão Julgador: Sexta Turma Relator: Ministro VICENTE LEAL (1103). Constitucional. Administrativo. Prefeito Municipal. Ato de Improbidade Administrativa. Ação Civil. Sanções. Natureza jurídica. Lei nº 8.429/92. Competência. Matéria Constitucional. Os atos de improbidade administrativa definidas nos arts. 9, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, acarretam a imposição de sanções previstas no art. 12, do mesmo diploma legal, às quais são aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. - Tais sanções, embora não tenham natureza penal, revelam-se de suma gravidade, pois importam em

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perda de bens e de função pública, ou em pagamento de multa e suspensão de direitos políticos, todos aplicados no âmbito de uma ação civil.- O debate sobre o Juízo competente para processar e julgar ações civis propostas contra prefeitos acusados da prática de atos de improbidade administrativa envolve a exegese de preceito constitucional, em face da regra inscrita no art. 29, VIII, da Carta Magna, que instituiu em favor dos mesmos prerrogativa de foro, situando-se a questão, por conseguinte, fora do campo de projeção do recurso especial. Disponível em <http://www.stj.gov.br > Data de Acesso: 24/09/2004.

BRASIL (STJ.1.12.99). Reclamação 591-SP, CE - CORTE ESPECIAL rel. Min. Nilson Naves. Improbidade administrativa (Constituição, art. 37, § 4º, Cód. Civil,arts. 159 e 1.518, Leis nº 7.347/85 e 8.429/92). Inquérito civil, ação cautelar inominada e ação civil pública. Foro por prerrogativa de função (membro de TRT). Competência. Reclamação. 1. Segundo disposições constitucional, legal e regimental, cabe a reclamação da parte interessada para preservar a competência do STJ. 2. Competência não se presume (Maximiliano, Hermenêutica, 265), é indisponível e típica (Canotilho, in REsp-28.848, DJ de 02.08.93). Admite-se, porém, competência por força de compreensão, ou por interpretação lógico-extensiva. 3. Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição, art. 105, I, a), não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, de juiz de primeiro grau. 4. De lege ferenda, impõe-se a urgente revisão das competências jurisdicionais. 5. À míngua de competência explícita e expressa do STJ, a Corte Especial, por maioria de votos, julgou improcedente a reclamação. Disponível em <http://www.stj.gov.br > Data de Acesso: 24/09/2004.

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BRASIL (STF.22.01.98). MS – mandado de Segurança nº 22728. Tribunal Pleno. Relator: Min. Moireira Alves. Mandado de segurança. Servidor público. Penalidade de cassação da aposentadoria por improbidade administrativa e por aplicação irregular de dinheiros públicos. - Inexistência de nulidade do processo dirigido pela nova comissão processante, porquanto, além de não haver ofensa ao artigo 169 da Lei 8.112/90, não houve prejuízo para a impetrante. - Improcedência da alegação de ocorrência de prescrição. Interpretação da fluência do prazo de prescrição na hipótese de ser interrompido o seu curso (artigo 142, I e §§ 3º e 4º, da Lei 8.112/90). - Falta de demonstração da alegação vaga de cerceamento de defesa. - A alegação de que as imputações à impetrante são inconsistentes e não foram provadas, demanda reexame de elementos probatórios, o que não pode ser feito no âmbito estreito do mandado de segurança. - Inexistência do "bis in idem" pela circunstância de, pelos mesmos fatos, terem sido aplicadas a pena de multa pelo Tribunal de Contas da União e a pena de cassação da aposentadoria pela Administração. Independência das instâncias. Não aplicação ao caso da súmula 19 desta Corte. - Improcedência da alegação de que a pena de cassação da aposentadoria é inconstitucional por violar o ato jurídico perfeito. - Improcedência da alegação de incompetência do Ministro de Estado da Educação e do Desporto. Mandado de segurança denegado. Disponível em: <www.stf.gov.br> Data de Acesso: 10.10.2004.

BRASIL. (STF. 17.12.92). Mandado de Segurança nº 21623 / DF – Distrito Federal. Tribunal Pleno. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento:  17/12/1992 Constitucional. "Impeachment": Na ordem jurídica americana e na ordem jurídica brasileira. O "Impeachment" e o "Due Process of Law". Impedimento e Suspeição de Senadores. Alegação de Cerceamento de Defesa. Constituição Federal, art. 51, I; art. 52, I, parágrafo único; artigo 85, parág. único; art. 86, par. 1., II, par. 2.; Lei n. 1.079, de 1.950, artigo 36; artigo 58; artigo 63. I. - O "impeachment", no sistema constitucional norte-americano, tem feicao politica, com a finalidade de destituir o Presidente, o Vice-Presidente e funcionários civis, inclusive

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juízes, dos seus cargos, certo que o fato embasador da acusacao capaz de desencadeá-lo não necessita estar tipificado na lei. A acusação poderá compreender traição, suborno ou outros crimes e delitos ("treason, bribery, or other high crimes and misdemesnors."). Constituiçaõ americana, Seção IV do artigo II. Se o fato que deu causa ao "impeachment" constitui, também, crime definido na lei penal, o acusado responderá criminalmente perante a jurisdição ordinária. Constituição americana, artigo I, Secao III, item 7. II. - O "impeachment" no Brasil republicano: a adocao do modelo americano na Constituição Federal de 1891, estabelecendo-se, entretanto, que os crimes de responsabilidade, motivadores do "impeachment", seriam definidos em lei, o que também deveria ocorrer relativamente a acusação, o processo e o julgamento. Sua limitação ao Presidente da Republica, aos Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal. CF/1891, artigos 53, parag. unico, 54, 33 e parágrafos, 29, 52 e parágrafos, 57, par. 2.. III. - O "impeachment" na Constituicao de 1988, no que concerne ao Presidente da República: autorizada pela Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros, a instauração do processo (C.F., art. 51, I), ou admitida a acusação (C.F., art. 86), o Senado Federal processará e julgará o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. E dizer: o "impeachment" do Presidente da República será processado e julgado pelo Senado Federal. O Senado e não mais a Câmara dos Deputados formulara a acusação (juízo de pronuncia) e proferira o julgamento. C.F./88, artigo 51, I; art. 52; artigo 86, PAR. 1., II, PAR.2., (MS no 21.564-DF). A lei estabelecerá as normas de processo e julgamento. C.F., art. 85, par. único. Essas normas estão na Lei n. 1.079, de 1.950, que foi recepcionada, em grande parte, pela CF/88 (MS n. 21.564-DF). IV. - o "impeachment" e o "due process of law": a aplicabilidade deste no processo de "impeachment", observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo, ou o cunho político do juizo. C.F., art. 85, parag. único. Lei n. 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/88 (MS n. 21.564-DF). V. - Alegação de cerceamento de defesa em razão de não ter sido inquirida testemunha arrolada. Inocorrência, dado que a testemunha acabou sendo ouvida e

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o seu depoimento pode ser utilizado por ocasião da contrariedade ao libelo. Lei n. 1079/50, art. 58. Alegação no sentido de que foram postas nos autos milhares de contas telefônicas, as vésperas do prazo final da defesa, o que exigiria grande esforco para a sua analise. Os fatos, no particular, não se apresentam incontroversos, na medida em que não seria possível a verificação do grau de dificuldade para exame de documentos por parte da defesa no tempo que dispos. VI. - Impedimento e suspeição de Senadores: inocorrência. O Senado, posto investido da função de julgar o Presidente da República, não se transforma, as inteiras, num tribunal judiciário submetido as rígidas regras a que estao sujeitos os órgãos do Poder Judiciário, ja que o Senado e um órgão político. Quando a Câmara Legislativa - o Senado Federal - se investe de "função judicialiforme", a fim de processar e julgar a acusação, ela se submete, e certo, a regras jurídicas, regras, entretanto, próprias, que o legislador previamente fixou e que compõem o processo político-penal. Regras de impedimento: artigo 36 da Lei n. 1.079, de 1.950. Impossibilidade de aplicação subsidiária, no ponto, dos motivos de impedimento e suspeição do Cod. de Processo Penal, art. 252. Interpretação do artigo 36 em consonância com o artigo 63, ambos da Lei 1.079/50. Impossibilidade de emprestar-se interpretação extensiva ou compreensiva ao art. 36, para fazer compreendido, nas suas alíneas "a" e "b", o alegado impedimento dos Senadores. VII. - Mandado de Segurança indeferido. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Data de Acesso: 19.10.2004.

BRASIL (STJ.09.12.2003). MS nº 8372-DF. Mandado de Segurança nº 2002/0056911-1. Terceira Seção. Relator: Ministro GILSON DIPP. Administrativo. Servidor público da Ex-Sudam. Demissão. Nulidades no Processso Administrativo Disciplinar. Incompetência da autoridade coatora. Irregularidade do termo de notificação. Cerceamento de defesa no transcurso do processo. Ausência de notificação pessoal e de fundamentação do ato demissionário. Vício na instauração da comissão processante. Inocorrência. Ofensa a diversos princípios constitucionais e processuais. Inadequação da via eleita. Segurança não conhecida. I- A ação mandamental não se confunde com processos cujos

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ritos são ordinários, ou seja, onde é possível a produção de todas as provas possíveis à elucidação da controvérsia. Seu rito é distinto. As provas têm de ser pré-constituídas, de modo a evidenciar a latente ofensa ao direito líquido e certo invocado pelo impetrante. Desta forma, pode-se afirmar que, havendo dúvidas quanto à liquidez e certeza do direito invocado, não será a hipótese do mandado de segurança. Afinal, nesta via não se trabalha com dúvidas, presunções ou ilações. Os fatos têm de ser precisos e incontroversos. A discussão dever orbitar somente no campo da aplicação do direito ao caso concreto, tomando-se como parâmetro as provas pré-constituídas acostadas aos autos. II- Na hipótese dos autos, a impetrante requer um exame mais acurado de todas as provas periciais e testemunhais colhidas no processo administrativo disciplinar, que culminaram na sua demissão junto à extinta SUDAM. Desta forma, indubitável a inadequação da via eleita, sendo certo que o mandado de segurança não se presta ao fim colimado. III - Mandado de segurança não conhecido. Disponível em: <www.stj.gov.br> Data de Acesso: 11.11.2004.

BRASIL (STJ.24.06.2003). Resp 434.661-MS. 2ª Turma. Relatora. Min. Eliana Calmon.Processual Civil – Cumulação da Ação Civil Pública com Ação de Reparação de Danos - Possibilidade. 1. A ação civil pública, regulada pela Lei 7.347/85, pode ser cumulada com pedido de reparação de danos por improbidade administrativa, com fulcro na Lei 8.429/92 - Precedentes desta Corte. 2. Recurso especial improvido. Disponível em: www.stj.gov.br Acesso em: 12.11.2004

BRASIL (STJ.20.05.03). Resp 427.140 –RO, 1ª Turma. Relator: Min. Luiz Fux. Ação Civil Pública. Legitimidade. Ministério Público. Lesão à moralidade pública.1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92;ECA, art. 202 e LAP, art. 9º). 2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da

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cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 5.A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis. 6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis. 7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo. 8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimária. 10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc. 11. A moralidade administrativa e seus

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desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos. 12. Recurso especial desprovido. Disponível em: <www.stj.gov.br> Data de Acesso: 11.11.2004.

BRASIL (STJ.05.09.2002) Recurso Especial nº 319.009-RO 2ª Turma. rel. Min. Eliana Calmon. DJU 4.11.02. Administrativo e Processo Civil – Ação Civil de Improbidade (Lei 8.429/92).1. Inexiste nulidade do processo que, examinando cumulativamente ação civil pública e ação civil por ato de improbidade, seguiu o rito ordinário (art. 292, § 2, do CPC).2. Na ação civil por ato de improbidade, quando o autor é o Ministério Público, pode o Município figurar, no pólo ativo, como litisconsorte facultativo (art. 17, § 3ª, da Lei 8.429/92, com a redação da Lei 9.366/96), não sendo hipótese de litisconsórcio necessário.3. Inexistência de cerceamento de defesa, segundo avaliação do Tribunal, estando o STJ impossibilitado de rever a prova (Súmula 7/STJ).4. A multa imposta observou o valor da condenação que rechaçou a possibilidade de liquidação por artigos, estando compatibilizada com a condenação.5. Recurso especial improvido. Disponível em <www.stj.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

BRASIL (STJ.20.09.2001). Resp nº 329.735-RO, 1ª Turma. Rel. Min. Garcia Vieira. Processual Civil e Administrativo – Ação Civil Pública – Improbidade Administrativa – ausência de citação do Município – litisconsórcio facultativo – nulidade – inocorrência – julgamento em embargos de declaração – violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil – Inocorrência. Na ação civil pública declaratória de improbidade proposta pelo Ministério Público, a falta de citação do Município interessado, por se tratar de litisconsorte facultativo, a teor do disposto no artigo 17, parágrafo 3º, da Lei nº 8.429/92, com a nova redação dada pelo artigo 11 da lei 9.366, não tem o condão de provocar a nulidade do processo. No julgamento dos embargos de declaração, se o Tribunal “a quo” aclara suficientemente o ponto omisso indicado pelos embargantes, não há como configurar violação ao artigo 535 do CPC.Disponível em: Acesso em: <www.stj.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

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BRASIL (STF.05.09.2001). ADI 2332 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. Medida Cautelar na ação direta de inconstitucionalidade Tribunal Pleno. Relator: Min. MOREIRA ALVES. Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 1º da Medida Provisória nº 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, na parte que altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, introduzindo o artigo 15-A, com seus parágrafos, e alterando a redação do parágrafo primeiro do artigo 27. - Esta Corte já firmou o entendimento de que é excepcional o controle judicial dos requisitos da urgência e da relevância de Medida Provisória, só sendo esse controle admitido quando a falta de um deles se apresente objetivamente, o que, no caso, não ocorre. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade da expressão "de até seis por cento ao ano" no "caput" do artigo 15-A em causa em face do enunciado da súmula 618 desta Corte. - Quanto à base de cálculo dos juros compensatórios contida também no "caput" desse artigo 15-A, para que não fira o princípio constitucional do prévio e justo preço, deve-se dar a ela interpretação conforme à Constituição, para se ter como constitucional o entendimento de que essa base de cálculo será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 15-A, com fundamento em ofensa ao princípio constitucional da prévia e justa indenização. - A única conseqüência normativa relevante da remissão, feita pelo § 3º do aludido artigo 15-A está na fixação dos juros no percentual de 6% ao ano, o que já foi decidido a respeito dessa taxa de juros. - É relevante a alegação de que a restrição decorrente do § 4º do mencionado artigo 15-A entra em choque com o princípio constitucional da garantia do justo preço na desapropriação. - Relevância da argüição de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 27 em sua nova redação, no tocante à expressão "não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais)". Deferiu-se em parte o pedido de liminar, para suspender, no "caput" do artigo 15-A do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, introduzido pelo artigo 1º da Medida Provisória nº 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, e suas sucessivas reedições, a

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eficácia da expressão "de até seis por cento ao ano"; para dar ao final desse "caput" interpretação conforme a Constituição no sentido de que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença; e para suspender os parágrafos 1º e 2º e 4º do mesmo artigo 15-A e a expressão "não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais)" do parágrafo 1º do artigo 27 em sua nova redação. Disponível em: <www.stf.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

BRASIL (STF.13.09.2001) ADI 2473 MC / DF - DISTRITO FEDERALMedida Cautelar na ação direta de inconstitucionalidade. Tribunal Pleno. Relator: Ministro NÉRI DA SILVEIRA. EMENTA:- Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso V do art. 5º; § 1º do art. 7º; §§ 2º e 3º do art. 8º; art. 13; incisos I e II do art. 14; §§ 2º e 4º do art. 14; §§ 4º e 5º do art. 14; inciso II e alíneas do § 4º do art. 14; art. 15, incisos I, II, III e § 3º; § 5º do art. 16; art. 17; § 1º do art. 18; parágrafo único do art. 21; § 1º do art. 22; parágrafo único do art. 23; art. 24; art. 25; e art. 26 da Medida Provisória n.º 2.152-2, de 1º de junho de 2001 2. Sustentação de ofensa aos artigos 2º; 5º, incisos III, XXXII, XXXV, LIII, LIV, e LV; 84, IV; 170, V; 174, § 1º; 175 e 225, § 1º, IV, da Constituição Federal. 3. Prejudicada a medida cautelar em face da decisão na ADIN 2468, quanto aos arts. 5º, V; 14 a 18; 21 e seu parágrafo único; 22 e 23 da Medida Provisória n.º 2152-2. 4. 4. Competência da Justiça Federal definida na Constituição, não cabendo a lei ordinária e, menos ainda, a medida provisória sobre ela dispor. Deferida a liminar quanto ao art. 24. 5. Indeferida a cautelar de referência ao art. 25 que, ao dispor como faz, não veda a aplicação de outras normas do ordenamento. 6. Cautelar deferida quanto às expressões: "e com as decisões da GCE, constantes do art. 26", eis que não podem as decisões da GCE afastar a aplicação de textos legais, nem cabe conferir-lhes, a tanto, delegação de poderes. 7. Indeferida a cautelar quanto aos arts. 7º, § 1º, e 8º, § 2º e § 3º. 8. Cautelar deferida em parte, nos termos supra, para determinar a suspensão da vigência, até o julgamento final da ação, do art. 24, da Medida Provisória

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n.º 2152-2/2001, bem assim da expressão "e decisões da GCE", constantes do art. 26, conferindo ao restante do preceito do art. 26 interpretação conforme a Constituição para excluir de sua aplicação o potencial de energia hidráulica. Disponível em <www.stf.gov.br> Data de Acesso: 11.10.2004.

BRASIL (TJMG.14.10.2004). Agravo Nº 1.0393.02.005115-6/001 3ª Câmara Cível. Des. SCHALCHER VENTURA. Agravo de Instrumento - Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa - Lei 10.628/02 - Inaplicabilidade - Competência para processamento e julgamento do Juízo de 1º grau - Precedentes - Provimento do recurso. Disponível em <www.tj.mg.gov.br> Data de Acesso: 11.10.2004.

BRASIL (TJMG 04.09.2003). 4ª Câmara Cível. Relator: Desembargador HYPARCO IMMESI. Improbidade Administrativa - Reparação de danos - Ausência de Notificação do réu para se manifestar, antes do recebimento da inicial - Momento Processual inicial de especialidade - Inobservância do procedimento previsto na Lei nº 8.429/1992 - Nulidade. A Lei de Improbidade Administrativa - Lei 8.429/1992-, por ter um momento processual inicial de especialidade (com posterior adoção do rito ordinário), exige, antes do recebimento da inicial da respectiva ação civil reparatória de danos ao erário público, a notificação do requerido para apresentar manifestação por escrito, a teor do §7º de seu art. 17. Assim, se foi ele inicialmente citado para se defender, ao invés de notificado para manifestar-se por escrito, fica desatendido o mencionado dispositivo legal (art. 17, §7º), o que acarreta a nulidade do processo a partir do ato processual anômalo. Disponível em: <www.tj.mg.gov.br> Data de Acesso:11.11.2004.

BRASIL (TJMG.24.08.2004). Apelação Cível nº 1.0521.00.011227-1/001. 7ª Câmara Cível. Relator: PINHEIRO LAGO. Ação Civil Pública. Privilégio de Foro. Lei nº 10.628/02, que introduziu alterações à norma do art. 84, do Código de Processo Penal, concedendo prerrogativa de foro a ex-agentes públicos. Questão já decidida, à unanimidade, pela Corte Superior deste Egrégio Sodalício, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade

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autuado sob o nº 401.472-0, cuja relatoria coube ao Des. Orlando Carvalho, sede em que restou declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade da retromencionada norma legal, por ferir os comandos emanados do art. 125, § 1º, de nossa Carta Magna. Improbidade Administrativa e Dano ao Erário. Convênio Administrativo firmado entre o Estado e o Município de Rio Doce. Alocação obrigatória dos recursos, em consonância ao previsto no referido instrumento. Os convênios administrativos estão inequivocamente jungidos aos princípios que regem à administração pública, sendo defeso aos agentes públicos desvirtuarem a finalidade neles prevista. Inexecução das obras previstas no referido instrumento, não obstante tenha se comprovado o efetivo repasse, pelo Estado, à municipalidade, da 1ª parcela do convênio. Caracterização de ato de improbidade administrativa, que enseja lesão ao erário. Ressarcimento. Inteligência da norma do § 4º, do art. 37, de nossa Carta Magna, bem como dos comandos emanados da Lei nº 8.429/92. Procedimento licitatório fraudulento, eivado de várias máculas. Participação de todos os réus nas fraudes constatadas. Recursos Desprovidos. Disponível em: <www.tj.mg.gov.br> Data de Acesso:11.11.2004.

BRASIL (TJMG.05.08.2004). Processo nº 1.0210.03.013661-3/003 Quinta Câmara Cível. Relator: JOSÉ FRANCISCO BUENO. Ação civil pública. Recebimento da inicial. Juízo de cognição sumária de admissibilidade da ação de improbidade. Enfrentamento da defesa prévia. Decisão desfundamentada. Nulidade. Agravo provido. (...)A falta de notificação do Município não impede, no caso, o recebimento da inicial, porquanto a pessoa jurídica de direito público não é parte passiva da ação e sua citação se faz para, se desejar, acompanhar o feito como litisconsorte ativo, desde ser dele o interesse em lide” (...). Disponível em <www.tj.mg.gov.br> Data de acesso: 10.11.2004.

BRASIL ( TJPR 01/06/2004). Processo nº 107382700. 1ª Câmara Cível Relator: Desembargador Jorge Wagih Massad. DECISÃO: Acordam os desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento a

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apelação. EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORO PRIVILEGIADO - LEI 10628/02 - INAPLICABILIDADE - MATÉRIA EXTRA-PENAL - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - ARTIGO 10 DA LEI 8429/92 - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMPROVADA - SENTENÇA ACERTADA - RECURSO NÃO PROVIDO.

BRASIL (TJPR.11.08.1999). Agravo de Instrumento nº 120214-2. Acórdão nº 15.668, Quarta Câmara Cível do TJPR Relator: Juiz Convocado AIRVALDO STELA ALVES. Ação Civil Pública. Agentes Públicos. Improbidade Administrativa. Tipo legal incluído entre os que causam prejuízo ao erário. Liminar concedida in audita altera pars. Indisponibilidade de bens. Decisão correta. Inteligência do Art. 17, § 7º (com alteração da MP 2.225/45/-1). Pressupostos específicos presentes. Inteligência dos arts. 5º, 7º, 10 E 16, § 1º da Lei 8.429/92. Nulidade afastada. Agravo desprovido. A modificação inserida no art. 17, § 7º da Lei 8.429/92, que introduziu a necessidade de notificação prévia do agente público, como condição de admissibilidade da ação civil pública, não tirou do Juiz a permissibilidade de decretar a indisponibilidade de seus bens, tanto em ação cautelar antecedente, como, em liminar, ao despachar a inicial, por continuarem hígidos os arts. 7º e 16 da mesma Lei, desde que presentes os pressupostos específicos do fumus boni iuris e do periculum in mora. (...)Ocorrendo lesão ao patrimônio público, por quebra do dever da probidade administrativa, culposa ou dolosa, impõe-se ao Juiz, a requerimento do Ministério Público, providenciar medidas de garantia, adequadas e eficazes, para o integral ressarcimento do dano em favor da pessoa jurídica afetada, entre as quais se inclui a indisponibilidade dos bens dos agentes públicos". Para a concessão da liminar, nas ações movidas contra os agentes públicos, por atos de improbidade administrativa, com fundamento nos casos mencionados no art. 10 da Lei 9.429/92, basta que o direito invocado seja plausível, pois a dimensão do provável receio de dano, o periculum in mora é dada pela Lei 8.429/92 e aferida em razão da alegada lesão ao patrimônio público (...)Disponível em: <www.tj.pr.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

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BRASIL (TJRS.30.06.2004). Apelação Cível nº 70005559778 1ª Câmara Cível. Primeira Câmara Cível. Relator: Desembargador IRINEU MARIANI. Apelação Cível. Improbidade Administrativa. Prescrição reconhecida pelo juízo singular. 1. Se a inicial da ação civil pública por improbidade administrativa não estava ajustada aos §§ 7.º, 8.º e 9.º do art. 17 da Lei 8.429/92, no sentido de requerer a notificação dos réus para fins de defesa-prévia, impunha-se ao juiz conceder a oportunidade prevista no art. 284 do CPC. Ainda, a notificação para a fase preliminar, com posterior citação para fins de contestação em caso de a inicial ser recebida, em primeiro lugar não exclui o preceito do art. 219, § 1.º, do CPC, pelo qual a interrupção da prescrição retroage à data do ajuizamento; em segundo, desimporta que tipo de ato judicial dá ciência ao réu, se citação ou notificação, até porque a citação não é a único ato interruptivo do fluxo prescricional. Há vários outros, conforme o art. 172 do CC/1916, vigente à época, dentre eles qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (inc. IV), que no CC/2002 está no inc. V do art. 202. Entenda-se devedor como parte processual, e não apenas como aquele obrigado a alguma dívida pecuniária já constituída. Nas circunstâncias, é imperativo que o ato judicial que determina a notificação é hábil para descontinuar prescrição, com retroatividade à data do ajuizamento. É a única maneira de o sistema legal não armar uma cilada ao autor, por um lado instituindo uma fase preliminar que pode demorar diversos meses, e, por outro, incluindo o tempo consumido para a sua solução no cômputo do prazo prescricional, na prática reduzindo substancialmente o período de cinco anos previsto no art. 23, I, da Lei 8.429/92. Por fim, a eventual supressão da fase preliminar, tal como acontece na área criminal nos processos contra funcionários públicos, gera nulidade apenas relativa, já que a Lei não prevê conseqüência mais severa, não podendo o juiz, conseqüentemente, pronunciá-la de ofício, ainda mais, a fim de acolher a prescrição, desconsiderar o próprio ajuizamento, violando o art. 219, § 1.º, do CPC. 2. Apelação provida. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> Data de Acesso: 08.11.2004

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BRASIL (TJRS.22.06.2004A) Ação Civil Pública nº 70006076459 22ª Câmara Cível. Relatora: MARA LARSEN CHECHI Constitucional e organização judiciária. Competência interna originária. Ação de responsabilidade por improbidade administrativa. Prerrogativa de foro. Pressuposto. Condição do agente. A competência por prerrogativa de função foi instituída tendo em conta condição especial do agente do fato reputado ímprobo, e não em consideração à condição do réu do processo, razão pela qual não compreende fatos ocorridos antes ou depois do exercício do cargo. Inteligência do § 1º do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002. Precedente do Eg. Supremo Tribunal Federal. Hipótese de processamento em primeiro grau. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Data de Acesso: 12.11.2004.

BRASIL (TJRS.27.04.2004). Apelação Cível nº 70008136111. 22ª Câmara Cível. Relatora: Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA. Processo civil. Ação de improbidade administrativa. Competência. Lei 10.268/2002. Sentença. Nulidade. É nula a sentença que julga ação de improbidade administrativa ajuizada contra ex-Prefeito proferida depois do advento da Lei nº 10.628/2002, que conferiu nova redação ao art. 84 do Código de Processo Penal, outorgando a competência aos tribunais para julgarem ação de improbidade administrativa contra autoridades que já possuem a prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública na esfera penal. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Data de Acesso: 12.11.2004.

BRASIL (TJRS.13.04.2004). Ação Civil Pública nº 70006550214. 22ª Câmara Cível. Desembargadora MARA LARSEN CHECHI. Processual Civil e Direito Público Sancionador. Ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa. Prefeito ou ex-prefeito. Prescritibilidade da pretensão punitiva. Regra geral Pedidos destituídos de caráter sancionatório ou dirigidos contra outros agentes políticos. Prerrogativa de foro afastada. NAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, SALVO AS DE RESSARCIMENTO, CABE AO JUIZ, DE OFÍCIO, CONHECER DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO

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PUNITIVA E DECRETÁ-LA DE IMEDIATO (ART. 219, § 5º, CPC), SEGUNDO A REGRA GERAL DA PRESCRITIBILIDADE, INSTITUÍDA NO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VERIFICADA A CONSUMAÇÃO DOS PRAZOS ESTABELECIDOS NO ART. 23 DA LEI Nº 8.429/92. SE A PARTE INTERESSADA NÃO CONTRIBUI PARA QUE SEJA EFETIVADA A CITAÇÃO OU, AO MENOS, A NOTIFICAÇÃO, NOS PRAZOS DO ART. 219, §§ 2º E 3º, DO CPC, NÃO SE BENEFICIA DO EFEITO INTERRUPTIVO ANTECIPADO (§ 4º). Os pedidos destituídos do caráter sancionatório (que atrai a competência originária desta Corte para as ações de responsabilidade por improbidade administrativa), assim como demais pretensões em relação a outros réus não qualificados como Prefeito ou ex-Prefeito (pressuposto da prerrogativa de foro, segundo deflui do § 2º do art. 84 do CPP, introduzido pela Lei nº 10.628, de 24.12.2002), devem se processar em primeiro grau.Prescrição da pretensão punitiva conhecida de ofício em relação ao ex-prefeito. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Data de Acesso: 12.11.2004.

BRASIL (TJRS 11/05/2004). AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70008271751, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO AMBIENTAL. CÚMULO DE AÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. É de ser deferido o pedido de prosseguimento da ação de reparação por dano ambiental em face do desmembramento da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra o ex-Prefeito para apuração de (I) dano ambiental e (II) atos de improbidade administrativa. Hipótese em que, por força do advento da Lei 10.628/2002, é de competência originária do Tribunal de Justiça o julgamento das ações de improbidade ajuizadas contra Prefeitos e vice-prefeitos, não podendo tal competência ser estendida às ações de responsabilidade civil por dano ambiental. Recurso desprovido. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

BRASIL (TJRS.02.12.2003). Ação de Improbidade Administrativa nº 70006051429. 22ª CÂMARA Cível. Relatora: Desembargadora MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA. Ação de Improbidade administrativa. Prescrição.

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Decretação de ofício. Direitos Políticos. Suspensão. Fundamento da República. Direito indisponível. Notificação. Citação. Medida Provisória nº 2.225/2001. 1. A prescrição da ação de improbidade administrativa consuma-se depois de decorridos mais de cinco anos da exoneração do agente público do cargo em comissão ou função de confiança. Art. 23 da Lei nº 8.429/92. 2. Conquanto ajuizada a ação de improbidade administrativa dentro do prazo prescricional, é de ser reconhecida a prescrição se não foi procedida à citação nem à notificação dentro do prazo por demora não imputável, exclusivamente, ao Judiciário. Hipótese em que o Ministério Público se limitou a requerer, na petição inicial, a citação do requerido. Art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92. 3. A ação de improbidade administrativa tem por escopo aplicar sanções ao agente ímprobo que invadem sua esfera pessoal, podendo sujeitá-lo, inclusive, à suspensão dos direitos políticos (art. 15, inciso V, da CR). Sendo a cidadania um dos fundamentos da República, a prescrição da ação de improbidade administrativa pode ser decretada de ofício, porquanto afeta direito indisponível. Art. 1º, inciso II, da CR. Processo extinto. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> Data de Acesso: 09.11.2004

BRASIL (TJRS.18.12.2002). Agravo de Instrumento nº 70004736963. 1ª Câmara Especial Cível. Relatora: ANGELA MARIA SILVEIRA. Agravo de Instrumento. Improbidade Administrativa. Recebimento da inicial depois da defesa prévia do requerido. Ausência de fundamentação. Nulidade. Desconstituição da decisão agravada. Não obstante a lei de Improbidade Administrativa não disponha expressamente acerca da obrigatoriedade de fundamentação da decisão que, depois da manifestação do requerido, recebe a ação e determina a citação (art .17, §9º., da Lei Nº 8.429/92), tal necessidade é medida que se depreende da gravidade dos atos sub judice e das sanções a eles cominadas, não sendo aceitável a simples aposição de despacho de citação. Isto se justifica devido a alteração legislativa do art.17 da Lei nº 8.429/92, que passou a prever a necessidade de notificação do requerido para apresentação de defesa prévia, antes do recebimento da inicial, significando que ambas as peças deverão ser apreciadas em conjunto, a fim de verificar a admissibilidade da ação. A fundamentação da decisão não é

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exigência exclusiva do §8º do artigo referido, o qual prevê a hipótese de rejeição da ação, decorrendo, outrossim, do disposto no inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido para desconstituir a decisão agravada. Voto vencido. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> Data de Acesso: 10.11.2004.

BRASIL (TJRS.28.05.2002). Agravo de Instrumento nº 70003812492. Primeira Câmera Especial Cível. Relator: CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO. Ação Civil Pública. Decisão não fundamentada. Nulidade. Inocorrência. Ato de Improbidade Administrativa. Medida de indisponibilidade de bens.Postulação de forma irrestrita. descabimento. Falta de comprovação do prejuízo alegado, bem como da insuficiência de bens para garantir o ressarcimento do dano. Não ha que se falar em decisão nula por falta de fundamentação, uma vez que não ha necessidade de referencia aos artigos legais em que a decisão se fundamenta. Decisão interlocutória concisa, atendendo aos requisitos legais e constitucionais. a medida de indisponibilidade de bens deve ser deferida com cautela por ser medida drástica, havendo necessidade de comprovação do prejuízo ao erário, alem da prova do enriquecimento indevido por parte do agravado. ademais, a indisponibilidade não pode ser deferida de forma ampla, havendo necessidade de prova de insuficiência de bens por parte do ofensor, alem da própria da quantificação do dano. Precedentes do TJRS e STJ. Agravo desprovido. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> Data de Acesso: 08.11.2004.

BRASIL (TJRS.22.06.2004). Apelação Cível nº 70008355018 22ª Câmara Cível. Relatora MARA LARSEN CHECHI. Direito Público sancionador e processual civil. Competência. Alteração. Agente Político. Sujeição ao regime jurídico disciplinado na Lei nº 8.429/92. Litisconsorte. Extensão do foro privilegiado. Inviabilidade. A imediata incidência da Lei nº 10.628, de 24.12.2002, deslocou para o Tribunal de Justiça a competência originária para processo e julgamento das ações de responsabilidade por improbidade administrativa contra Prefeitos e ex-Prefeitos. A prerrogativa de foro não se estende a outros agentes públicos ou pessoas físicas ou jurídicas (àqueles equiparados para os efeitos da Lei nº 8.429/92).Hipótese de anulação da

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sentença em relação ao prefeito e prosseguimento em primeiro grau contra o litisconsorte destituído daquela condição. Voto vencido. Disponível em www.tj.rs.gov.br. Data de Acesso: 12.11.2004.

BRASIL (TJSP 20/08/2003). Agravo de Instrumento nº 340.137-5/3. Proc. nº 712/2001 – 2ª Vara Cível da Comarca de Tupã/SP. Relator: Desembargador Antonio Rulli. Ação Civil Pública. Foro Privilegiado. Art. 84, do CPP. Incompetência de foro por prerrogativa de função. Lei Federal nº 10.628/2002 que não tem aplicação na jurisdição dos Estados Membros. Constituição Federal que outorgou, sem reserva, aos Estados-membros, o poder de definir a competência dos seus Tribunais observadas as limitações contidas na Carta Magna. Ofensa ao princípio do Juiz natural que garante a imparcialidade do Poder Judiciário, onde só são órgãos jurisdicionais, os instituídos pela própria Constituição. O art. 37, § 4º da Magna Carta trata da suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, para os atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A ação proposta tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizada a competente ação penal. Inexiste foro privilegiado para o ajuizamento de ações por prática de atos de improbidade administrativa em face de prefeitos municipais, por ausência de previsão constitucional específica, devendo, portanto, serem ajuizadas perante a 1ª instância. Nítido se forma o caráter de infringência da Lei Federal nº 10.628/2002, ao regular matéria civil no âmbito do Código de Processo Penal, atingindo matéria veiculada na Constituição Federal. Recurso improvido. Disponível em <www.tj.sp.gov.br> Data de acesso: 12.06.2004.

BRASIL (TJSC.12.02.2004). Agravo de Instrumento nº 2003.025301-7. 1ª Câmara de Direito Público. Relator Des. Vanderlei Romer. Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa. Lei nº 10.628/02. Inaplicabilidade. Inteligência do artigo 125, §1º da Constituição Federal. Competência do primeiro grau de jurisdição. Provimento. Disponível em:<www.tj.sc.gov.br>. Data de Acesso: 12.06.2004.

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BRASIL. (TRF 1ª Região. 30.10.2003). Agravo de Instrumento nº 01000135935, Processo: 200301000135935 UF: GO. 2ª Turma. Relator: Desembargador Federal TOURINHO NETO. Processual Civil. Ação Cautelar. Seqüestro e indisponibilidade de bens. Improbidade administrativa. Liminar. Agravo de instrumento. 1. O enriquecimento ilícito se dá com o que se obteve com a prática dos atos de improbidade. Perde-se o que ganhou ilicitamente. Uma sanção de natureza civil. Enquanto o processo tem andamento, são eles colocados em indisponibilidade. 2. Na lesão ao erário, o que se procura é assegurar o integral ressarcimento do dano, pouco importando se os bens do requerido foram adquiridos antes ou depois da prática dos atos de improbidade. Aqui se trata de uma indenização. Sanção, também, de natureza civil. 3. Agravo de instrumento não provido.Disponível em: <www.cjf.gov.br>. Data de Acesso: 10.01.2004.

BRASIL (TRF 4ª Região 25/03/2004). ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Processo: 200304010372090 UF: PR Órgão Julgador: CORTE ESPECIAL Documento: TRF400094532 DJU DATA:22/04/2004 PÁGINA: 335 DJU DATA:22/04/2004 Relator: JUIZ CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA. ORIGINÁRIA DO TRF. ART. 84, § 2º, DO CPP, NA REDAÇÃO DA LEI N.º10.628/02. INCONSTITUCIONALIDADE. Disponível em<www.cjf.gov.br>. Data de acesso:10.10.2004.

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8 A natureza dos Atos de Improbidade Administrativa

Gustavo Senna Miranda

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8 A NATUREZA DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Gustavo Senna Miranda

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo; Dirigente do Centro de Apoio Criminal; Professor da FDV (Faculdade de Direito de Vitóra) e da Escola Superior do Ministério Público.

8.1 INTRODUÇÃO

Preocupada com a probidade administrativa, a Constituição Federal estabelece no § 4º de seu art. 37 que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Portanto, na esteira da Constituição Federal é que foi editada a Lei nº 8.429/92, a denominada “Lei de Improbidade Administrativa”, que entrou em vigor em 03/06/1992, objetivando, assim, regulamentar o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, especificando os atos de improbidade administrativa, bem como cominando as respectivas sanções.

A Lei de improbidade administrativa se insere em mais um caso de acesso à justiça referente às demandas coletivas, na medida que o resguardo à probidade administrativa é um interesse difuso de toda coletividade, que espera dos agentes públicos e políticos o respeito aos princípios que regem a administração pública, isto é, da legalidade, impessoalidade,

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moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da CF). Assim, como todas as demandas coletivas, requer uma reflexão dos operadores do direito sobre noções básicas do processo civil, como advertem Mauro Cappelletti e Bryant Garth.235

Destarte, sem prejuízo de outros mecanismos de combate aos atos atentatórios ao patrimônio público e aos princípios constitucionais da administração pública, como o controle exercido pelos tribunais de contas, pelo legislativo, pela ação popular, a denominada Lei de Improbidade Administrativa vem a se constituir em mais um instrumento à disposição da coletividade, sendo atualmente um dos mais importantes mecanismos para o combate à corrupção e à dilapidação da coisa pública pelos agentes ímprobos.

No presente estudo abordaremos tão-somente a questão da natureza dos atos de improbidade, tema divergente entre alguns doutrinadores, porém, de fundamental importância para uma correta interpretação da lei, com sérias conseqüências para sua aplicação prática.

8.2 DO CONCEITO E DOS TIPOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

8.2.1 Conceito

Conforme entendimento corrente na doutrina, improbidade vem do latim improbitate, sinônimo de desonestidade. Contudo, é divergente o conceito de improbidade, havendo quem entenda tratar-se de um caso

235 Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, pp. 49/40. Conforme destacam os autores, “A concepção tradicional do processo civil não deixa espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo civil era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares”.

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de imoralidade qualificada236. Sobre tal dificuldade, assevera Marcelo Figueiredo237:

“Do Latim improbitate. Desonestidade. No âmbito do Direito o termo vem associado à conduta do administrador amplamente considerado. Há sensível dificuldade doutrinária em fixar-se os limites do conceito de “improbidade”. Assim, genericamente, comete maus-tratos à probidade o agente público ou o particular que infringe a moralidade administrativa. A lei, como veremos, enumera e explica situações tidas como violadoras da “probidade”. Parece ter circunscrito a punição aos atos e condutas lá estabelecidos. Então, associa as figuras do enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário e da infringência aos princípios constitucionais, que enumera, como causas suficientes à tipificação das condutas tidas como atentatórias à probidade”.

Assim, probidade significa, em breves palavras, o exercício de qualquer função pública com honestidade, abstendo-se do abuso das prerrogativas inerentes ao cargo público para angariar vantagem ilícita, econômica ou não, para si ou para outrem, da causação de dano patrimonial ou financeiro nos negócios da Administração Pública para com particulares, do emprego irregular de verbas públicas e da prática do desvio de finalidade ou do excesso de poder.

O dever de probidade decorre diretamente do princípio da moralidade que lhe é anterior e hierarquicamente

236 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 652/653. Para o renomado constitucionalista a improbidade administrativa é uma imoralidade administrativa qualificada, conceituando-a como “uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”, razão pela qual assevera que “é tratada com mais rigor, porque entra no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo (...)”.

237 Probidade Administrativa. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.

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superior pelo maior grau de transcendência que os princípios têm em relação dos deveres. Pode-se dizer que a probidade é uma das possíveis formas de externação da moralidade. É a via onerosa da moralidade, posto que esse dever tem um cunho patrimonial inafastável.

Não há dúvida, portanto, que improbidade administrativa é um cancro que corrói a administração pública. Pelos seus efeitos perversos, que afeta a vida da sociedade causando descrédito e revolta contra a classe dirigente em geral, acaba por minar os princípios basilares que estruturam o Estado Democrático de Direito.

Nesse passo, são oportunas as colocações de Fábio Medina Osório:

“outorgar ao princípio jurídico da moralidade administrativa ou aos tipos sancionadores de condutas eticamente reprováveis um sentido tão amplo a ponto de abarcar todo e qualquer ato imoral dos agentes públicos, com a devida vênia de entendimento diverso, equivaleria a liquidar com o Estado de Direito Democrático e seu pilar de legalidade. Se o administrador ou agente público somente poder agir fundado em lei, a mera inobservância de um preceito da mora comum não poderia acarretar-lhe sanções238”.

8.2.2 Dos tipos de Atos de Improbidade Administrativa

Como visto acima, não é tarefa fácil a conceituação do que vem a ser ato de improbidade, o que não passou despercebido pelo legislador pátrio, que, a nosso sentir, de forma correta estabeleceu um rol não exaustivo das condutas que caracterizarão atos de improbidade administrativa. Logo, a Lei nº 8.429/92 dividiu tais atos em três grupos: a) atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento 238 Improbidade Administrativa (observações sobre a lei nº 8.429/92), 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 232.

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ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); c) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).

Para entender melhor a natureza dos referidos atos de improbidade administrativa, o que será abordado no próximo ponto, entendemos necessário trazer à colação os artigos mencionados, notadamente para se verificar a técnica utilizada pelo legislador para a tipificação dos atos, um dos pontos determinantes para se interpretar corretamente a lei.

Assim, como destacado, os atos de improbidade administrativa estão divididos da seguinte forma na Lei nº 8.429/1992:

A) Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º):

“Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no artigo 1º por preço superior ao valor de mercado;

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III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

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IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei.”

B) Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10):

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta lei, sem a

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observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

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XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades”.

C) Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11):

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;IV - negar publicidade aos atos oficiais;V - frustrar a licitude de concurso público;VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

Pela redação dos três artigos acima, não há como concordar com a posição de alguns autores, como Pedro da

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Silva Dinamarco239, que sustentam que os respectivos incisos dos artigos 9º, 10, e 11, da Lei nº 8.429/92, estabelecem a previsão taxativa (numerus clausus), alegando, portanto, que outros fatos ali não previstos não poderão ser classificados como ímprobos tão-somente pelo caput, sob pena de violação ao art. 5º, incisos XX e XXIX, da Constituição Federal, que estabelece o princípio da reserva legal.

Ora, tal entendimento contraria a própria redação dos artigos citados240, no sentido de serem as situações elencadas nos respectivos incisos meramente exemplificativas. Não há que se falar em violação ao princípio da reserva legal ou perigo para segurança jurídica em se admitir esse entendimento, pois se valeu o legislador de uma técnica legislativa para melhor resguardar o patrimônio público, sendo impensável invocar a indeterminação de alguns conceitos para sustentar a taxatividade do artigo, já que, como se sabe, os princípios, por sua própria natureza, possuem cláusulas gerais, e, como vimos, a violação de princípios também importam em atos de improbidade administrativa.

Nesse sentido é a posição de Emerson Garcia que, juntamente com Rogério Pacheco Alves, são responsáveis por um dos mais extensos estudos da Lei de Improbidade Administrativa241. Sobre o tema, destaca o autor:

“Da leitura dos referidos dispositivos legais, depreende-se a coexistência de duas técnicas legislativas: de acordo com a primeira, vislumbrada no caput dos dispositivos tipificadores de improbidade, tem-se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, apresentando-se como instrumento adequado ao enquadramento

239 “Requisitos para a Procedência das Ações por Improbidade Administrativa”. Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pp. 332/333.

240 Nesse sentido é a doutrina majoritária: FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 69; PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FÁZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 181; SANTOS, Carlos Frederico Brito. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 22.

241 Improbidade Administrativa. 1ª ed. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

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do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poder de improvisação humanos; a segunda, por sua vez, foi utilizada na formação dos diversos incisos que compõem os arts. 9º, 10 e 11, tratando-se de previsões, específicas ou passíveis de integração, das situações que comumente consubstanciam a improbidade, as quais, além de facilitar a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput, têm natureza meramente exemplificativa, o que deflui do próprio emprego do advérbio “notadamente”.A técnica legislativa adotada pela Lei nº 8.429/92, ao tipificar os atos de improbidade, denota que os ilícitos previstos nos incisos assumem relativa independência em relação ao caput, sendo normalmente desnecessária a valoração dos conceitos indeterminados previstos no caput dos preceitos tipificadores da improbidade, pois o desvalor da conduta, o nexo de causalidade e a potencialidade lesiva foram previamente sopesados pelo legislador, culminando em estatuir nos incisos as condutas que indubitavelmente importam em enriquecimento ilícito, acarretam dano ao erário ou violam os princípios administrativos”.242

Por fim, resta esclarecer que das modalidades de atos de improbidade administrativa, pela lei, somente aquelas que importem em prejuízo ao erário (art. 10) podem ser cometidas a título de dolo ou culpa. As demais condutas dos arts. 9º e 11 (de enriquecimento ilícito e violação de princípios) só podem ser cometidas a título de dolo.

A previsão de ato de improbidade praticado por meio de conduta culposa, a nosso sentir, é criticável, notadamente

242 GARCIA, Emerson et al. Ob. cit., p. 189.

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pelo sentido que se extrai da palavra improbidade, que, como visto anteriormente, deriva de desonestidade, conduta incompatível com o agir culposo, não intencional do administrador público.

De fato, deveria a lei, pela gravidade de suas sanções, se preocupar tão-somente com o administrador desonesto, corrupto, e não com o administrador negligente e imprudente, relegando para este outros mecanismos de controle, mormente quando a Lei nº 8.429/1992, diferentemente do que ocorre com a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), não admite transação, acordo ou conciliação, conforme se nota pelo § 1º do art. 17243, o que também merece crítica, mas que, porém, não cabe nesse breve estudo.

Destarte, de lege ferenda, entendemos que deve ser eliminada a previsão de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, o que não só estará mais de acordo com os objetivos da lei, mas, também, evitará problemas de interpretação da própria lei, como, verbi gratia, a questão da vedação da transação, expressamente prevista pela lei.

8.3 DA NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Conquanto algumas das condutas consideradas como atos de improbidade administrativa tenham correspondência com tipos penais, como crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (arts. 312 a 326 do CP), de responsabilidade dos prefeitos (art. 1º do Decreto-lei 201/67) etc., os atos de improbidade administrativa não são considerados ilícitos criminais, tendo inquestionável natureza civil, como se verá a seguir.

243 “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de 30 (trinta) dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput” (destaque nosso).

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Com efeito, malgrado os argumentos em sentido contrário244, vários são os fundamentos para se afastar a natureza não penal.

Em primeiro lugar, deve ser relembrado, como destacado acima, que para a tipificação dos atos de improbidade administrativa o legislador se valeu da técnica do conceito jurídico indeterminado, o que é perfeitamente possível levando-se em conta que a prática de muitos atos de improbidade administrativa configuram violação de princípios, e estes, como se sabe, ostentam um conceito jurídico indeterminado, o que os diferencia das regras jurídicas.

Ora, a técnica do conceito jurídico indeterminado é incompatível com a tipificação das infrações penais, em observância aos princípios da reserva legal ou da legalidade, consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal.

Com efeito, por tal princípio os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, decorrendo dele o princípio da taxatividade, pelo qual as condutas consideradas infração penal devem ser suficientemente clara e bem elaboradas, de modo a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma.

Nesse sentido, são oportunas as lições de Luiz Luisi, que ao comentar o princípio da legalidade, com acerto, ensina que:

“o postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e mais possível certas e precisas. Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastes de

244 WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Subversão da hierarquia judiciária. O Estado de São Paulo, 01.04.1997, Espaço Aberto. Tais autores, contrariamente ao sustentado por nós, entendem que a lei contemplaria delitos com “foros de crimes de responsabilidade”.

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entendimentos. O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme”.245

Tal cuidado do legislador é perfeitamente justificado em vista da própria natureza da sanção penal (pena privativa de liberdade), do que decorre a conseqüente excepcionalidade da aplicação do direito penal, considerado por todos especialistas da matéria a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende por afastar outras soluções, só restando a drástica conseqüência da sanção penal ao infrator.

Em segundo lugar, a própria Constituição Federal, no art. 37, § 4º, deixa claro que as punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Assim, pela simples leitura do § 4º do art. 37 da Constituição Federal, se nota uma clara distinção entre as sanções de índole civil e político-adminisitrativa dos atos de improbidade administrativa de um lado, e aquelas de natureza penal, de outro, sendo inequívoca a conclusão de que o legislador constituinte diferenciou claramente as infrações.

Nesse sentido, aliás, é a posição de Alexandre de Moraes, que ao comentar referida regra, observa com acerto:

“A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula ‘sem prejuízo da ação penal cabível’.

245 Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 18.

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Portanto, o agente público, por exemplo, que, utilizando-se de seu cargo, apropria-se ilicitamente de dinheiro público responderá, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.429/92, por ato de improbidade, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime contra a administração, prevista no Código Penal ou na legislação especial”.246

De igual forma, a Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 12, ressalva a aplicação de sanções penais para os agentes que vierem a praticar atos de improbidade administrativa.

No sentido do aqui sustentado foi a conclusão a que chegaram Flavio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues247, que após tecerem considerações acerca da atecnia de alguns termos penais utilizados pelo legislador, como “Das Penas” (Capítulo III), “Das Disposições Penais” (Capítulo VI), asseveram:

“Toda essa crítica poderia levar à conclusão – não tão descabida assim – de que a lei, em sua grande parte, seria manifestamente inoperante. Todavia, graças à clareza do texto constitucional e sua supremacia em relação à lei específica, restou bem nítida a posição da Carta Magna ao isolar as sanções tão comentadas daquelas que seriam objeto de uma ação penal típica. Assim sendo, dúvida não pode haver de que se trata, todas elas, de sanções não-penais, e que devem ser julgadas e apreciadas pelo juízo cível”.

De fato, se a própria Carta Magna, como visto, distingue e separa nitidamente a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às

246 Constituição do Brasil Interpretada. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 2.648. 247 “A Tutela Processual da Probidade Administrativa”. Improbidade Administrativa –

Questões Polêmicas e Atuais, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 177.

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sanções nela previstas da ação penal cabível, é inexorável concluir que aquela demanda não ostenta natureza penal.

Portanto, malgrado uma distinção ontológica entre ilícito penal e ilícito civil seja na visão de muitos impraticável, como observa Nélson Hungria248, ao menos em face do direito positivo é aceitável um critério distintivo relativo ou contingente, não fixável a priori, da suficiência ou insuficiência das sanções não-penais. Assim, somente quando a sanção civil não se afigura como suficiente para a reintegração da ordem jurídica é que se lança mão da enérgica sanção penal, não obedecendo o legislador a outra orientação. Nesse sentido, sendo conveniente a sanção civil para um ato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, não há motivo para a utilização da reação penal, eis que estas representam o último recurso para “conjurar a antinomia entre a vontade individual e a vontade normativa do estado”.

Pelo exposto, valendo-se mais uma vez das lições de Nélson Hungria249, sem dúvida alguma um dos maiores penalistas brasileiros de todos os tempos, podemos concluir:

“Sob o ponto de vista histórico e político-jurídico, que é o único admissível in subjecta materia, ou, melhor, tendo-se em vista a formação, através das leis ditadas pelo Estado dos dois sedimentos jurídicos que se chamam direito civil e direito penal, pode concluir-se que ilícito penal é a violação da ordem jurídica, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única sanção adequada é a pena, e ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja debelação bastam as sanções atenuadas da indenização, da execução forçada, da restituição in specie, da breve prisão coercitiva, da anulação do ato, etc.”.

248 Comentários ao Código Penal. Vol. I. Tomo 2º - arts. 11 a 27. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1955, p. 32.

249 Ob. cit., pp. 32/33.

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Nota-se, portanto, que o crime tem como conseqüência, uma pena de prisão, isto é, privativa de liberdade, como, aliás, se pode perceber pela redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 09/12/1941 (Lei de Introdução ao Código Penal), que dispõe:

“Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”.

Assim, percebe-se de forma clara que o conceito legal de crime no Brasil exige como conseqüência, sempre, uma pena privativa de liberdade, quer isoladamente, quer cumulativamente, quer alternativamente com a pena de multa. Logo, a conclusão inexorável que se chega é que sem que haja uma cominação de sanção do tipo pena de reclusão ou detenção, o ilícito poderá ser de qualquer outra natureza, menos crime.

Aliás, como destaca o penalista Luiz Flávio Gomes,

“A definição legal de delito tem também cunho formalista. De qualquer maneira, o preceito citado (art. 1º, da LICP) possui algumas virtudes: (a) de distinguir com clareza o que é crime e o que é contravenção; (b) de explicar que crime e contravenção são espécies do mesmo gênero infração penal; (c) de indicar um dos requisitos imprescindíveis do injusto punível que é a sanção, a cominação formal de pena (ou seja, a punibilidade abstrata). Não basta, assim, que o legislador descreva numa lei a conduta proibida (ou determinada). Mais que isso: tem também que cominar uma determinada sanção. Sem essa cominação abstrata (formal) não há delito. A punibilidade abstrata, como se vê, faz

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parte do conceito de fato punível (ou injusto penal)”.250

Ao que asseverou o autor acima citado, acrescentamos, novamente, a observação de que crime no Brasil necessita de forma imprescindível de um preceito secundário que tenha como conseqüência uma pena privativa de liberdade. Sem isso, repita-se, não haverá crime, tanto que basta uma análise em todos os tipos penais descritos no Código Penal e na legislação penal especial e extravagante que se observará que não há qualquer tipo penal descrito que não tenha como conseqüência uma pena de prisão ou detenção.

Tal tipo de sanção, como se sabe, é ausente nos ilícitos civis, em que a prisão só é admitida em casos excepcionais para o cumprimento de uma obrigação, como se dá nos casos de devedor de pensão alimentícia e do depositário infiel.

Ora, como se observa pela redação, para ilustrar, apenas do inc. I, do art. 12 da lei nº 8.429/92251, percebe-se que nenhum dos atos de improbidade administrativa previstos na lei possui como conseqüência uma sanção que importe em privação da liberdade, o que representa, embora esquecido por praticamente todos autores, mais um forte argumento para não se considerar tais atos como ilícitos penais.

Nem se alegue, como o faz Fernando da Costa Tourinho Filho252, que as sanções cominadas para os atos de improbidade administrativa, como a perda do cargo e a

250 Direito Penal – Parte Geral – Teoria constitucionalista do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 16/17.

251 “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I - na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos”.

252 “Da Competência pela Prerrogativa de Função”. In Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. N. 28. Out – Nov. 2004, p. 21.

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suspensão dos direitos políticos, são reprimendas eminentemente penais.

Ora, tanto a suspensão dos direitos políticos como a perda do cargo, pelo Código Penal, não são considerados penas cominadas aos crimes. Aliás, em relação à perda do cargo, o Código Penal, em seu art. 92, inc. I, considera tal medida como um efeito secundário da condenação, isto é, efeito não automático, que precisa ser explicitado na sentença, diferentemente do que ocorre com a pena privativa de liberdade, que configura um dos efeitos principais da sentença condenatória.

Note-se que até mesmo na legislação penal especial, quando a perda do cargo é prevista como pena principal, sempre se faz acompanhar de uma pena privativa de liberdade, como ocorre com a Lei Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/1965253).

A vingar entendimento contrário, isto é, de que sanções como perda de cargo configuram penas criminais, teremos que rever várias outras leis administrativas que apresentam como conseqüência a perda do cargo como sanção disciplinar. Assim, a segurança jurídica em se distinguir com clareza crime de ilícitos civis ou administrativos estará perdida, importando em graves conseqüências de ordem prática.

Por fim, para arrematar, outro argumento para afastar a natureza não-penal dos atos de improbidade administrativa é a previsão do art. 8º da Lei nº 8.429/92.254

Com efeito, sendo possível que algumas das sanções por atos de improbidade administrativa alcance os herdeiros, é inexorável se concluir pela natureza não-penal de tais atos, do contrário, estar-se-ia violando o princípio da intranscendência previsto no art. 5º, XLV, da Constituição

253 “Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal.§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos arts. 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem cruzeiros a cinco mil cruzeiros; b) detenção por 10 (dez) dias a 6 (seis) meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até 3( três) anos.”

254 “Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança”.

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Federal, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

Portanto, não há qualquer dúvida de que as condutas consideradas como atos de improbidade administrativa não ostentam natureza penal.

8.4 CONCLUSÕES

A Lei de improbidade administrativa se insere em mais um caso de acesso à justiça referente às demandas coletivas, na medida que o resguardo à probidade administrativa é um interesse difuso de toda coletividade, que espera dos agentes públicos e políticos o respeito aos princípios que regem a administração pública, isto é, da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da CF).

O legislador, ao tipificar os atos de improbidade administrativa, se valeu da técnica do conceito jurídico indeterminado, perfeitamente admissível, mormente em vista da lei considerar como atos de improbidade administrativa até mesmo a violação de princípios, que, como se sabe, ostentam conceito indeterminado, técnica que é incompatível com a tipificação de ilícitos penais, que deve vassalagem ao princípio da legalidade ou reserva legal.

Muito embora algumas das condutas consideradas como atos de improbidade administrativa tenham correspondência com tipos penais, como crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (arts. 312 a 326 do CP), de responsabilidade dos prefeitos (art. 1º do Decreto-lei 201/67) etc., os atos de improbidade administrativa não são considerados ilícitos criminais, tendo inquestionável natureza civil, o que encontra fundamento na própria Constituição Federal (art. 37, § 4º) e na Lei n. 8.429/92 (art. 12), onde é deixado de forma clara que as punições pelos atos de improbidade administrativa serão aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Nota-se, lamentavelmente, que boa parte daqueles que defendem a natureza penal dos atos de improbidade administrativa, em sua grande maioria, tem por objetivo tão-somente mascarar a verdadeira intenção: que é o de

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assegurar o foro por prerrogativa de função para aqueles agentes que ostentam tal prerrogativa em matéria criminal, de modo a justificar leis imorais e inconstitucionais, como a famigerada Lei nº 10.628/2002, inegavelmente uma lei que, além do retrocesso, representou um dos mais duros golpes que o Estado Democrático de direito sofreu nos últimos anos.

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WALD, Arnold. MENDES, Gilmar Ferreira. Subversão da hierarquia judiciária. O Estado de São Paulo, 01.04.1997, Espaço Aberto.

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9 O controle social sobre os Atos de

Improbidade Administrativa

Leonardo da Costa Barreto

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9 O CONTROLE SOCIAL SOBRE OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Leonardo da Costa Barreto

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo; Dirigente do Centro de Apoio Operacional Cível e de Defesa da Cidadania e Eleitoral; Membro Fundador e Secretário-Geral da ONG Transparência Capixaba.

A corrupção pública atingiu índices alarmantes nos últimos anos. Segundo pesquisas, a proporção é a seguinte: a cada R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) desviados dos cofres públicos uma criança morre. É que se o referido valor fosse investido em redes de esgoto, por exemplo, evitaríamos uma série de doenças, as quais levam a óbito inúmeras crianças.

Sem a pretensão de retratar todos os malefícios da corrupção e dos atos de improbidade administrativa, podemos afirmar sem medo de errar, que ambos são sérios obstáculos ao desenvolvimento nacional, provocando desperdício de dinheiro público, descrédito internacional, estimulando a sonegação fiscal, subvertendo o sistema jurídico, solapando instituições e criando sérios riscos para a governabilidade.

A improbidade administrativa e a prática de corrupção são inimigos ferozes da sociedade, fomentando a violência e afastando a boa regra da garantia de oportunidades iguais para todos. Comparando-se o tema ao prédio de muitos andares, poderíamos conjeturar que a corrupção e os atos de improbidade são praticados no andar de cima, atingindo indistintamente a todos até o térreo. Em sentido contrário, a pobreza e a violência sobem do térreo e geram conseqüências até o andar mais elevado.

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Sabemos que ordenar a administração pública é tarefa árdua e de resultados às vezes invisíveis ou tardios.

Combater a corrupção e a improbidade administrativa não é missão para apenas um Dom Quixote, pois se trata de inimigo comum ao crescimento econômico e ao efetivo alcance da paz social.

A corrupção gera violência, produz pobreza, concentra rendas e até mata, além de afastar novos investimentos, castigando conseqüentemente toda população brasileira, graças à impunidade.

Sabemos ainda, que o exemplo vem de cima, e que um governo transparente atrai novos investidores, aumentando a arrecadação e possibilitando a melhoria da qualidade de vida da população.

Combater a corrupção e os atos de improbidade administrativa é também desburocratizar o Estado. É tornar o Estado mais eficiente.

É cediço que a Administração Pública se faz presente por meio de atividades humanas, ou seja, com o exercício da atividade administrativa de movimentar a máquina pública com a finalidade legal, de remetê-la no sentido da realização da vontade social expressa na Constituição Federal.

Nesse sentido, o artigo 3º. da Constituição Federal assim determina:

“Art. 3º. – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I- Construir uma sociedade livre, justa e

solidária;II- Garantir o desenvolvimento nacionalIII- Erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV-Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

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Apesar da ousadia constitucional, sabemos que o Estado enfrenta dificuldades na implementação dos princípios retro-mencionados. É que muitas vezes, o agente público que deveria lutar para a implementação e a manutenção dos princípios referidos, acaba se valendo dos poderes que a lei lhe atribui para agir em nome do interesse coletivo, para agir insanamente com outra finalidade, de móvel particular, subvertendo a ética e comprometendo os princípios constitucionais da administração pública. O Estado se transforma em instrumento de mero interesse de terceiros, sendo substituído pela conveniência e oportunidade da ação ou omissão do agente público.

Por isso é necessário controlar a Administração Pública, prevenindo a ocorrência dos atos de improbidade administrativa e corrupção, bem como, punindo os culpados e ressarcindo o Estado, pelos valores desviados ou desperdiçados.

Estamos falando do exercício da cidadania. A sociedade não pode deixar toda responsabilidade para o Estado. Por outro lado, é preciso despertar para cobrar do Estado ações efetivas nas áreas de sua competência, pois não podemos mais coadunar com uma democracia que não funcione em sua plenitude política, econômica e social.

Não podemos aceitar que a participação popular do povo brasileiro se resuma em votar e ser votado. É necessário algo mais. É necessário ampliar a participação política do cidadão no controle dos atos da administração pública.

É necessário uma efetiva e constante participação política do cidadão no âmbito da administração pública, em todos os níveis e poderes, para influenciar nas tomadas de decisões políticas, garantindo até mesmo recursos financeiros, que possibilitem, a implementação de fato, dos direitos sociais.

Nesse passo, reconhecemos a importância da fiscalização realizada pelos Tribunais de Contas, pelas Auditorias e Controladorias instaladas no âmbito dos Municípios, Estados e União, com o intuito de aferir a aplicação do erário em todos os Poderes e Órgãos Públicos.

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Sabemos que o Poder Legislativo se auto fiscaliza, além de fiscalizar o Poder Executivo.

Sabemos ainda, que precisamos exercer maior controle sobre os atos administrativos do Poder Judiciário e Ministério Público, o que evidencia a necessidade de controle externo.

É notório que o Ministério Público exerce a fiscalização concentrada sobre os atos de improbidade administrativa, na medida em que toma conhecimento de fatos dessa natureza.

Apesar das dificuldades, e, em que pese à distância que nos encontramos da participação popular ideal, é de se registrar que muito foi feito para se garantir maior controle social sobre os atos da administração pública.

Entre as garantias e os instrumentos constitucionais a permitir maior controle social na defesa da administração pública, além da ousadia criativa de grandes políticos, podemos citar os seguintes exemplos: o orçamento participativo; o programa de transparência total, que permite ao cidadão saber o valor e o destino de cada cheque emitido pela administração pública; o voto secreto; o plebiscito; a consulta popular; a criação, a instalação e funcionamento dos conselhos populares; as audiências públicas; o mandado de segurança; a ação popular; a ação civil pública; o hábeas corpus; o direito de petição e a informações; a lei de licitações; a imprensa livre; o fortalecimento do Ministério Público e suas prerrogativas; a harmonia e independência dos poderes; a iniciativa popular para apresentação de projeto de lei; a Lei de Responsabilidade Fiscal; a lei que prevê o combate e a punição para a prática de atos de improbidade administrativa; a criação de ouvidorias com serviços 0800 para recebimento de denúncias e informações; o controle de constitucionalidade de leis, etc...

A impressão é de que uma parte do Brasil dá certo e outra não. Existe um Brasil que quer avançar, mas forças invisíveis e dissimuladas não permitem, necessitando assim de mobilização social para o rompimento de barreiras.

Corrupção, impunidade, desonestidade, comissão parlamentar de inquérito, licitações fraudulentas,

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superfaturamento de contratos de obras ou de prestação de serviços, publicidade oficial, nomeação de servidores sem concurso público, publicidade oficial utilizada para promoção pessoal, são expressões constantemente relacionadas à administração pública por meio da imprensa, e que foram incorporadas ao vocabulário da população nos últimos anos.

Os atos de improbidade administrativa e a corrupção ficam mais visíveis quando os impostos aumentam e a contra-partida do poder público diminui inversamente proporcional em benefício do cidadão. As escolas particulares expandiram em virtude da falta de investimento de qualidade na educação pública, e os planos de saúde se alastraram, face à impotência do poder público em garantir atendimento ao cidadão, sendo desnecessário comentar sobre a segurança pública.

O controle social da administração pública pode ser realizado pelo individuo isoladamente ou em grupo. Através de sindicatos, associações e outros tipos de organizações não governamentais (ONG’s), o movimento fica mais forte e criativo para alcançar o objetivo desejado.

Em Vitória/ES, fundamos em 15 de Novembro de 2001, a Transparência Capixaba, cujo objetivo é combater a improbidade administrativa e a corrupção, exigindo maior transparência nas ações dos agentes públicos. Estamos desenvolvendo diversas atividades, além de publicar artigos, livro, participar de debates, palestras e eventos sobre corrupção e improbidade administrativa.

Entre outras ações preventivas, lançamos em parceria com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo uma cartilha eleitoral e desenvolvemos em parceria com os meios de comunicação social campanhas publicitárias, cujo objetivo é alertar o eleitor sobre a importância do voto limpo.

Existem ainda, inúmeros outros exemplos no Brasil, como é o caso da ONG Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO), que interagiu com o Ministério Público daquela cidade, oportunidade em que ajudou a apurar

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diversas irregularidades, resultando na prisão e cassação do Prefeito Municipal.

Alguns Promotores e Juizes Eleitorais criaram uma associação para divulgar a proibição de comprar voto no país.

O controle social deve começar nas campanhas eleitorais. É necessário pesquisar tudo e comparar informações.

Aliás, o correto seria criarmos a possibilidade de punir o candidato que faz campanha com base em promessas impossíveis de se cumprir, ou utilizando-se de propaganda enganosa. O ideal seria o candidato registrar no Tribunal Regional Eleitoral sua plataforma política, para que o poder público e a sociedade pudessem exigir o cumprimento. Afinal, os candidatos atraem o eleitor com promessas e muitas vezes não chegam a cumprí-las, praticando verdadeiro estelionato eleitoral.

As soluções para os nossos problemas reaparecem a cada eleição, oportunidade que temos para reclamar, sugerir, gritar e votar. Na época da campanha política o eleitor vira rei, sendo quase tudo possível.

Assim, podemos prevenir quanto à improbidade administrativa, escolhendo melhor nossos candidatos. É necessário exercitar o poder do voto e refletir muito antes de votar. Nessa fase podemos afastar os políticos acusados de corrupção, por exemplo.

Devemos influenciar nossos candidatos com nossas aspirações, exigindo deles os compromissos para melhoria de nossa cidade e nossas vidas, afinal, as candidaturas são voluntárias, mas, os compromissos públicos assumidos devem ser cumpridos, em homenagem à moralidade pública.

Precisamos ainda fortalecer os conselhos populares, para que exerçam melhor sua fiscalização, levando ao Ministério Público toda sorte de irregularidade apontada. Para isso, precisamos de leis que garantam a independência dos conselheiros, não permitindo, por exemplo, que parentes do prefeito sejam conselheiros.

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É preciso ter acesso às informações públicas. Fica difícil fiscalizar a administração pública num país em que é preciso pagar para ter acesso ao Diário Oficial. O Diário Oficial deveria ser distribuído sem qualquer ônus ao cidadão. É necessário socializar informações e jogar luz sobre os editais de licitação.

Enfim, há muito que fazer. Não há soluções mágicas ou instantâneas.

É necessário criar uma interlocução com o poder público, sem adentrar

na política partidária, para estabelecer uma participação no processo democrático de fiscalização da administração pública, colaborando com toda a energia criativa e de ação.

10 Contratação Temporária:

Inconstitucionalidade e Improbidade

Administrativa

Alexandre José Guimarães

João Gabriel Corrêa da Cunha

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10 CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA: INCONSTITUCIONALIDADE E IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

Alexandre José Guimarães

Procurador de Justiça junto ao Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo; Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça; Professor do Centro Universitário Vila Velha (UVV) e da Fundação Novo Milênio.

João Gabriel Corrêa da Cunha

Assessor Especial do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

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10.1 INTRODUÇÃO

A regulamentação pelos Estados e Municípios dos casos de contratação por tempo determinado prevista pelo inciso IX do art. 37 da Constituição Federal255, tem servido a interesses inidôneos e à burla da obrigatoriedade de concurso público para investidura em cargo ou emprego público.256

No presente artigo destacaremos os aspectos de inconstitucionalidade das contratações temporárias e a prática de atos de improbidade administrativa por meio de atos legislativos.

Dividiremos o estudo em cinco partes em que serão abordados os casos de contratação temporária no Brasil; o controle de constitucionalidade das leis; a declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos; a definição dos atos de improbidade administrativa; e, por fim, o princípio da moralidade administrativa.

10.2 CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA

A Constituição Federal é enfática no sentido de que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração”.255 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)...omissis...IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”.

256 Inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

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A regra, destarte, é que o ingresso no serviço público seja feito através de concurso.

O inciso IX do art. 37 da Magna Carta, contudo, permite a contratação por prazo determinado desde que o legislador estabeleça os casos de “necessidade temporária de excepcional interesse público.”

Necessidade temporária de excepcional interesse público, na definição ALVACIR CORREA DOS SANTOS257 é aquela “cujo atendimento (por certo período de tempo) não se pode dispensar, sob pena de comprometer o interesse da coletividade.”

CELSO RIBEIRO BASTOS258 sustenta que o legislador deve demonstrar que a necessidade excepcional decorre de circunstâncias imprevisíveis pela Administração, pois, não se trata de necessidade singela, mas qualificada. A simples carência de pessoal para fazer frente às atividades rotineiras da administração, determinada pelo crescimento natural de demanda de serviços pela coletividade não permite a contratação sem concurso público.

Estados e Municípios têm utilizado a contratação temporária para satisfazer a necessidades normais da administração, em flagrante afronta à Constituição, como se vê de farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal259,

257 Contratação temporária na administração pública. Curitiba: Gênesis, 1996, p. 88.258 Apud SANTOS, Alvacir Correa dos. Ob. cit.259 “CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO: ADMISSÃO

– CONTRATO ADMINISTRATIVO: INCONSTITUCIONALIDADE – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, II E IX – LEI 4.957, DE 1994, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, ARTIGO 4º – A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos: Constituição Federal, art. 37, II. O art. 4º da Lei nº 4.957, de 1994, do Espírito Santo, autoriza o provimento de cargos públicos mediante contrato administrativo, sem concurso público, figura estranha de admissão no serviço público, que não se ajusta à hipótese excepcional de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Constituição Federal, art. 37, IX.” (STF – ADI 1.500 – ES – TP – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 17.10.1997)

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dos tribunais do trabalho260, dos tribunais de justiça, em controle abstrato261 e concreto262.

10.3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Há três sistemas de controle de constitucionalidade: “o político, o jurisdicional e o misto.”

260 “MUNICÍPIO – CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA – IMPOSSIBILIDADE FORA DOS LIMITES ESTABELECIDOS NA LEI Nº 8.745/93 – No serviço público, somente estão autorizadas as contratações temporárias que venham a atender excepcional interesse público, cujas hipóteses estão elencadas e esgotadas na Lei nº 8.745/93. A contratação de trabalhadores de forma temporária fora dessas hipóteses, para a realização de serviços necessários e permanentes da municipalidade, afronta o disposto no art. 37, inc. IX, da Constituição Federal, sendo, destarte, nula de pleno direito”. (TRT 12ª R. – RO-V 02581-2002-027-12-00-8 – (03440/2004) – Florianópolis – 3ª T. – Relª Juíza Mari Eleda Migliorini – J. 29.03.2004). “SERVIDOR – CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA POR EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO – A contratação temporária de trabalhador, por excepcional interesse público, deve observar os limites estabelecidos pela legislação concernente à hipótese. Só pode ocorrer de modo extraordinário e é de cunho excepcional, haja vista que a regra geral para contratações caminha em sentido oposto. Visa, desse modo, a assegurar o interesse público, não somente quanto ao próprio erário, mas, também, quanto à garantia de condições igualitárias, a ser respeitada em relação a todos os cidadãos, que queiram ingressar no quadro de servidores públicos, sob pena de nulidade absoluta da contratação, em face da ausência de concurso – Artigo 37, inciso II e parágrafo 2º da CF/88. Enfim, não há se falar em absoluta compatibilidade entre a regra constitucional autorizadora da contratação por prazo determinado (art. 37, IX, da CF/88) e as disposições constantes das leis trabalhistas, acerca da validade dessa espécie de contratação transitória (parágrafo 2º do artigo 443 da CLT).” (TRT 15ª R. – RO 01090-2002-032-15-00-9 – (01867/2004) – 1ª T. – Rel. Juiz Luiz Antonio Lazarim – DOESP 06.02.2004).“CONTRATO TEMPORÁRIO – NÃO CONFIGURAÇÃO – AUSÊNCIA DE CONCURSO – CONTRATAÇÃO IRREGULAR – Nulidade a contratação por tempo determinado, prevista no artigo 37, inciso IX, da Carta Magna, tem como requisito essencial a necessidade de excepcional interesse público. In casu, inexistindo prova acerca da vigência da lei autorizadora da contratação nesses moldes pelo ente público, tem-se como irregular a contratação celebrada com infringência ao art. 37, inciso II, da Carta Magna, sendo-lhe devido, em face da impossibilidade de restituição da força de trabalho despendida, tão-somente o pagamento dos valores referentes aos depósitos do FGTS de forma simples.” (TRT 20ª R. – RO 00440-2003-012-20-00-9 – (1019/04) – Red. Juiz João Bosco Santana de Moraes – J. 16.03.2004).“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – REGIME TEMPORÁRIO – O autor alega que trabalhou de 20.06.1992 a 02.06.1999. Logo, seu contrato não poderia ser regido pela regra do inciso IX do artigo 37 da Constituição, pois a contratação temporária só pode ser utilizada para admitir pessoas em caráter excepcional, enquanto não é realizado concurso público. Não é o caso dos autos, em que o reclamante trabalhou quase sete anos.” (TRT 2ª R. – RO 04786 – (20030235400) – 3ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Sérgio Pinto

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Estudaremos neste artigo apenas o controle jurisdicional, que pode ser definido como a “faculdade que as constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público que contrariem formal ou materialmente preceitos ou princípios constitucionais”.263

Neste sistema encontramos dois modelos de controle, difuso e concentrado.

Martins – DOESP 27.05.2003).“CONTRATAÇÃO POR PRAZO DETERMINADO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ARTIGO 37, IX, CRF/1988 – A própria Constituição da República de 1988 contém dispositivo relativo a contratação por prazo determinado no âmbito da administração pública. Nesta hipótese contratação para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, não há que se falar na realização de concurso público (artigo 3º, § 1º, da Lei nº 8745/93), tendo em vista não só a urgência de que o posto vago seja preenchido, mas, também, a provisoriedade da situação. Com vistas a evitar abusos e impedir a violação da regra geral do artigo 37, II, cuidou a lei que regula a matéria de fixar prazo máximo de duração das contratações temporárias, sendo este de doze meses na hipótese de admissão de professor substituto e professor visitante (artigo 4º, III, da Lei nº 8745/93). Verificando-se que, no caso analisado, o contrato da reclamante foi sucessivamente prorrogado, estendendo-se de 01-01-1993 a 02-09-2002, desnaturou-se sua característica originária, passando-se a aplicar, também a ele, a regra imposta no mencionado artigo 37, II, da Constituição da República de 1988. Tendo em vista que a obreira não se submeteu a prévio concurso público, o contrato firmado com o município de caet nulo de pleno direito.” (TRT 3ª R. – RO 3614/03 – 7ª T. – Rel. Juiz Bolívar Viégas Peixoto – DJMG 17.06.2003 – p. 16).“MUNICÍPIO DE PELOTAS – CONTRATAÇÃO POR PRAZO DETERMINADO – OPERÁRIO – Lei Municipal nº 4.365/99. Hipótese em que constatada a ilegalidade da contratação, porquanto não configurada a necessidade temporária de excepcional interesse público, em afronta à norma constitucional do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal. Contratação que se operou, na realidade, por prazo indeterminado. Embora nulo o contrato, por falta de aprovação prévia em concurso público, o trabalhador tem direito às verbas trabalhistas tais como aviso prévio, férias, natalinas, FGTS e adicional de insalubridade não satisfeitas durante o período de prestação de serviços.” (TRT 4ª R. – REORO 01127-2002-103-04-00-1 – 7ª T. – Relª Juíza Maria Inês Cunha Dornelles – J. 18.11.2003). “NULIDADE DA CONTRATAÇÃO – À primeira vista, poder-se-ia considerar lícita a contratação do reclamante para atender situação emergencial na área de limpeza pública, eis que a Lei Municipal nº 919/99 autorizou a aludida contratação, em consonância com o inciso IX do artigo 37 da CF. Todavia, considerando que o município não demonstrou houvesse a contratação do obreiro observado o limite temporal estabelecido na aludida Lei, qual seja, o período necessário à conclusão do concurso público de que trata o edital nº 001/98, declara-se a nulidade do contrato firmado entre as partes.” (TRT 17ª R. – RO 00119.2002.111.17.00.1 – Relª Juíza Cláudia Cardoso de Souza – J. 15.05.2003).

261 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL - SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.

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O controle difuso, cuja origem remonta ao famoso caso Marbury versus Madison, sentenciado pelo Chief Justice John Marshall, em 1803, permite a qualquer juiz ou tribunal a não aplicação de norma reconhecida inconstitucional ao caso concreto.

O reconhecimento de inconstitucionalidade não invalida a lei. Afasta, necessário frisar, sua incidência no caso, para o caso e entre as partes. A eficácia da sentença é

A investidura no serviço público, seja como estatutário, seja como celetista, depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II), ou por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme preceitua o artigo 2º, incisos II e IV da Lei Federal nº 8.745⁄93.No presente caso, a contratação temporária de servidores para a execução de obras ou prestação de serviços (inciso I, art. 2º da Lei 795⁄02) e para a reposição de pessoal (inciso IV, art. 2º da Lei 795⁄02) não se revestem de caráter excepcional, eis que tais tipos de serviços são permanentes e normais para a municipalidade, devendo serem providos por concurso público de provas e títulos. Pedido julgado procedente”. (TJES – ADIn 100030036337 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – DIOES 27.04.2004)“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MÉRITO: LEI MUNICIPAL. SERVIDOR PÚBLICO. CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO. - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE - UNANIMIDADE. 1. A investidura no serviço público, seja como estatutário, seja como celetista, depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II), ou por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme preceitua o artigo 2º, incisos II e IV, da Lei Federal nº 8.745⁄93.2. No presente caso, a contratação temporária de servidores para a execução de obras ou prestação de serviços (art. 1°, §1°, inciso III, da Lei 4.669⁄01) e para a reposição de pessoal (art. 1°, §1°, inciso IV, da Lei 4.669⁄01), editadas pelo Município de Colatina, não se revestem de caráter excepcional, eis que tais tipos de serviços são permanentes e normais para a municipalidade, devendo serem providos por concurso público de provas e títulos. 3. Se a anormalidade e a excepcionalidade foram criadas pela própria Administração Municipal, não pode ela valer-se de tais situações para promover contratações emergenciais, uma vez que a ninguém é lícito beneficiar-se da própria torpeza. 4. Pedido julgado procedente.” (TJES – ADIn 100040007633 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Alemer Ferraz Moulin – julgado em 18.11.2004)“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - 1. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL - REJEITADA - 2. MÉRITO: LEI MUNICIPAL - SERVIDOR PÚBLICO - CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO - PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE - UNANIMIDADE.1. Restando demonstrado que a narrativa da peça processual possui a descrição clara e precisa dos vícios e fundamentos que servem de suporte jurídico à declaração de inconstitucionalidade nas normas em comento, não há que se falar em inépcia da inicial e tampouco em extinção do processo sem julgamento de mérito.

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restrita, particular, refere-se somente à lide; subtrai a utilização da lei questionada ao caso sob julgamento. A lei, teoricamente, continua em vigor não perde a sua força obrigatória com relação a terceiros, sendo aplicada a outros casos.264

O controle concentrado é exercido por um único órgão ou por número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal.

2. A investidura no serviço público, seja como estatutário, seja como celetista, depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II), ou por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme preceitua o artigo 2º, incisos II e IV da Lei Federal nº 8.745⁄93.No presente caso, a contratação temporária de servidores para a execução de obras ou prestação de serviços (inciso I do art. 1º e § 1º do art. 10, ambos da Lei 232⁄98), não se reveste de caráter excepcional, eis que tais tipos de serviços são permanentes e normais para a municipalidade, devendo serem providos por concurso público de provas e títulos.Por outro lado, a contratação temporária de pessoal para as áreas de educação e saúde, com amparo no inciso IV do art. 1º da Lei 232⁄98 do Município de Laranja da Terra, encontra respaldo em uma situação excepcional, que objetiva a continuidade do ensino público e o atendimento aos Programas de Combate à Dengue e Saúde na Família, sendo que a suspensão dos atendimentos destes serviços, na presente situação, poderá trazer enormes prejuízos para a própria população.Pedido julgado parcialmente procedente.” (TJES – ADIn 100040007641 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – DIOES 12.11.2004)“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MUNICÍPIO DE PINHEIROS - LEIS NOS. 400⁄97, 509⁄99 E 531⁄2000 - CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR POR TEMPO DETERMINADO, INDEPENDENTEMENTE DE CONCURSO PÚBLICO, E PROVIMENTO, EM COMISSÃO, DO CARGO DE AGENTE COMUNITÁRIO - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. 1. A cessação de vigência de lei, ou parte dela (lei), havida por inconstitucional, importa na ausência superveniente de interesse processual, devendo a respectiva ação direta de inconstitucionalidade, apenas no que pertine, ser julgada extinta, nos termos do art. 267, IV, do Código de Processo Civil.2. A investidura no serviço público depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II, e CE, art. 32, II e IX), ou por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. 3. A contratação temporária de servidor para o cargo de agente comunitário, previsto nas Leis Municipais nos. 400⁄97 e 509⁄99, do Município de Pinheiro (ES), não se reveste de caráter excepcional, eis que tal tipo de serviço, a teor das atribuições previstas em lei, não se encaixa dentre aqueles de necessidade temporária ou passageira, e nem se enquadra dentre aqueles cargos que necessitam de provimento em comissão, reservados que são às atribuições de direção, chefia e assessoramento, a teor do disposto no art. 32, V, da Constituição Estadual. 4. Inconstitucionalidade declarada.” (TJES – ADIn 100000027548 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Annibal de Rezende Lima – DIOES 06.10.2004)

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Foi introduzido no Brasil com a Emenda Constitucional n. 16, de 1965.265

BARROSO esclarece que o controle de constitucionalidade pode ser classificado, quanto à forma, em incidental e por via principal ou ação direta.

Diz-se controle incidental ou incidenter tantum a fiscalização constitucional

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ADMISSÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. C.F., ART. 37, II E IX. INCISOS I,IV,V,VI e VII do art. 1º da Lei nº 065⁄98,DO MUNICÍPIO DE SÃO ROQUE DO CANÃA - ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.I. - A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos: C.F., art. 37, II. Os incisos I,IV,V,VI e VII do art. 1º da lei 065⁄98, do Espírito Santo, autoriza o provimento de cargos públicos mediante "contrato administrativo", sem concurso público, figura estranha de admissão no serviço público, que não se ajusta à hipótese excepcional de contratação "por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público". C.F., art. 37, IX.II. - Declaração de inconstitucionalidade dos incisos I,IV,V,VI e VII do art. 1º da Lei nº 065⁄98 da Lei 065⁄98, do Município de São Roque do Canãa⁄Estado do Espírito Santo.” (TJES – ADIn 100030029746 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Nivaldo Xavier Valinho – DIOES 01.07.2004)“AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 32 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - PROIBIÇÃO DE CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO - RESSALVADOS CARGOS DE LIVRE NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO - PERMISSIBILIDADE SOMENTE PARA CONTRATAÇÃO POR PRAZO DETERMINADO - FINALIDADE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLIC0 - COMPETÊNCIA DO PODER LEGISLATIVO. PROCEDENTE O PEDIDO. 1. A teor do inciso II do art. 32 da Constituição Estadual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvados as nomeações para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.2. A Lei nº 630⁄01, do Município de Itarana, ao estabelecer permissivo para a contratação de pessoal por tempo determinado a fim de atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, outorgou à Câmara Municipal o exercício do juízo de aprovação do contratado. 3. Procedência do pleito veiculado na ação direta de inconstitucionalidade, por violação ao art. 32, incisos II, IX, da Constituição Estadual, declarando-se materialmente e formalmente inconstitucional, ao ofender o princípio da forma de investidura em cargo ou emprego público, bem como pela não observância do pressuposto constitucional das regras de competência, vez que não prevê a lei quais os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, deixando ao livre arbítrio do poder legislativo à apreciação ao caso concreto.” (TJES – ADIn 100030032443 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Maurílio Almeida de Abreu – DIOES 22.06.2004)“Processo : 100030035511 - Ação de Inconstitucionalidade

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desempenhada por juízes e tribunais na apreciação de casos concretos submetidos a sua jurisdição. É o controle exercido quando o pronunciamento acerca da constitucionalidade ou não de uma norma faz parte do itinerário lógico do raciocínio jurídico a ser desenvolvido. Tecnicamente, a questão constitucional figura como questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa necessária para a resolução do litígio. A declaração

Órgão Julgador : TRIBUNAL PLENO Data de Julgamento : 03/06/2004 Data de Leitura : 24/06/2004 Data da Publicação no Diário : 01/07/2004 Relator Designado : NIVALDO XAVIER VALINHO Vara de Origem : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO Acórdão: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ADMISSÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. C.F., ART. 37, II E IX. LEI 486⁄2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.I. - A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos: C.F., art. 37, II.A Lei 486⁄01, do Espírito Santo, autoriza o provimento de cargos públicos mediante "contrato administrativo", sem concurso público, figura estranha de admissão no serviço público, que não se ajusta à hipótese excepcional de contratação "por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público". C.F., art. 37, IX.II. - Declaração de inconstitucionalidade da Lei 486⁄2001, do Município de Venda Nova do Imigrante-Estado do Espírito Santo.” (TJES – ADIn 100030035511 – Tribunal Pleno – Rel. Des. Nivaldo Xavier Valinho – DIOES 01.07.2004)

262 “AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Liminar. Reiterada contratação temporária de servidores. Excepcional interesse público. Ausência. O excesso de contratações temporárias, sem o requisito da excepcionalidade prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal e em detrimento do provimento de cargos mediante concurso público, atenta contra os princípios norteadores da atividade de administração pública e enseja o deferimento de medida liminar para suspender os efeitos de atos potencialmente lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa. O Poder Judiciário não pode ser conivente com a prática de atos desviados de suas finalidades específicas, que não atendem aos preceitos da Constituição e que deixam de satisfazer pretensões coincidentes com os interesses da coletividade. Nega-se provimento ao recurso.” (TJMG – AG 000.300.924-8/00 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Almeida Melo – J. 05.12.2002)

263 SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 20a. edição, revista e atualizada, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 49.

264 Conf. Zeno VELOSO. Controle jurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868 de 10/11/1999 e 9.882 de 03/12/1999. 2a. ed. rev., atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 41.

265 Conf. LUÍS ROBERTO BARROSO. Controle de Constitucionalidade; São Paulo: Saraiva, 2004, p. 46.

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incidental de inconstitucionalidade é feita no exercício normal da função jurisdicional, que é a de aplicar a lei contenciosamente.

O controle incidental é por vezes referido, também, como controle por via de exceção ou defesa, porque normalmente a inconstitucionalidade era invocada pela parte demandada, para escusar-se do cumprimento da norma que reputava inválida. Todavia, a inconstitucionalidade pode ser suscitada não apenas como tese de defesa, mas também como fundamento da pretensão do autor, o que se tornou mais freqüente com a ampliação das ações de natureza constitucional, inclusive e notadamente pelo emprego do mandado de segurança, tanto individual como coletivo.

Não se confundem, conceitualmente, o controle por via incidental e o controle difuso desempenhado por qualquer juiz ou tribunal no exercício regular da jurisdição. No Brasil, no entanto, como regra, eles se superpõem, sendo que desde o início da República o controle incidental é exercido de modo difuso. Somente com a argüição de descumprimento de preceito fundamental, criada pela Lei n. 9.982, de 3 de dezembro de 1999, cujas potencialidades ainda não foram integralmente exploradas, passou-se a admitir uma hipótese de controle incidental concentrado.266

A ação direta de inconstitucionalidade, ao revés, tem por objeto a validade da norma, independentemente de uma situação particularizada, um caso concreto. Seu julgamento

266 Aut. e ob. cit., pp. 48 e 49.

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compete ao Supremo Tribunal Federal, que decide a questão em única instância.267

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, contudo, tem afirmado que não se presta ela “ao controle de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei as leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinam relações em abstrato”.268

Este entendimento tem dificultado o controle de constitucionalidade de normas estaduais e municipais que permitem a contratação por prazo determinado em descompasso com o disposto no inciso IX do art. 37 da Magna Carta.

GILMAR FERREIRA MENDES269 tece dura crítica a essa

posição, salientando:

A extensão dessa jurisprudência, desenvolvida para afastar do controle abstrato de normas e atos administrativos de efeito concreto, às chamadas leis formais suscita, sem dúvida, alguma insegurança, porque coloca a salvo do controle de constitucionalidade um sem-número de leis.

Não se discute que os atos do Poder Público sem caráter de generalidade não se prestam ao controle abstrato de normas, porquanto a própria Constituição elegeu como objeto desse processo os atos tipicamente normativos, entendidos como aqueles dotados de um mínimo de generalidade e abstração.

Ademais, não fosse assim, haveria uma superposição entre a típica jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária.

267 Art. 102, I, a, da Constituição Federal.268 AdIn 647, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ, 27.03.1992, p. 3.801.269 Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São

Paulo: Saraiva, 1996.

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Outra há de ser, todavia, a interpretação se se cuida de atos editados sob a forma de lei. Nesse caso, houve por bem o constituinte não distinguir entre leis dotadas de generalidade e aqueloutras, conformadas sem o atributo da generalidade e abstração. Essas leis formais decorrem ou da vontade do legislador ou da vontade do próprio constituinte, que exige que determinados atos, ainda que de efeito concreto, sejam editados sob a forma de lei (v.g., lei de orçamento, lei que institui empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundação pública).

Ora, se a constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite essa garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. É que muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária.

Ressalte-se que não se vislumbram razões de índole lógica ou jurídica contra a aferição da legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas, até porque abstrato isto é, não vinculado ao caso concreto há de ser o processo e não o ato legislativo submetido ao controle de constitucionalidade.

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Por derradeiro, cumpre observar que o entendimento do Supremo Tribunal acima referido acaba, em muitos casos, por emprestar significado substancial a elementos muitas vezes acidentais, a suposta generalidade, impessoalidade e abstração ou a pretensa concretude e singularidade do ato do Poder Público.

Os estudos e análises no plano da Teoria do Direito indicam que tanto se afigura possível formular uma lei de efeito concreto lei casuística de forma genérica e abstrata, quanto seria admissível apresentar como lei de efeito concreto uma regulação abrangente de um complexo mais ou menos amplo de situações.

Todas essas considerações parecem demonstrar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não andou bem ao considerar as leis de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas.

10.4 DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E SEUS EFEITOS

A declaração incidental de inconstitucionalidade, como dito alhures, resulta na não aplicação da lei ou ato normativo ao caso concreto.

Seus efeitos estão circunscritos à relação jurídica fundada no ato viciado, que quedará fulminada pela decisão de mérito.

Interessante notar que, por força do inciso III do art. 469 do Código de Processo Civil270, o reconhecimento de

270 “Art. 469. Não fazem coisa julgada:...III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”

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inconstitucionalidade não faz coisa julgada, que na sistemática processual brasileira incide apenas sobre a parte dispositiva da sentença e não sobre seus motivos ou sobre questão prejudicial271.

A declaração de inconstitucionalidade proferida no controle concentrado de constitucionalidade, por seu turno, assume relevos totalmente distintos. Como já pacificado pela doutrina e jurisprudência pátrias, a decisão pronunciada em sede de controle abstrato das normas possui efeitos erga omnes, ou seja, é oponível contra todos.272

No controle concentrado, portanto, não há que se falar em aplicação do art. 52, X, da Constituição Federal, eis que a lei ou o ato normativo declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso saem imediatamente do sistema jurídico com o trânsito em julgado da decisão da corte. A suspensão de execução da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, pelo Senado Federal, permanece, tão-somente, se esta for proferida em um caso concreto273.

Além de eficácia contra todos, a decisão no controle concentrado de constitucionalidade possui em nosso ordenamento jurídico, em regra274, efeitos ex tunc. Em que pesem as divergências sobre o tema, a doutrina dominante e a jurisprudência majoritária da Corte Suprema são de que a lei declarada inconstitucional em ação direta é nula de pleno direito, tendo a sentença eficácia que alcança a norma em seu nascedouro, invalidando todos os atos praticados com arrimo na lei inconstitucional.

271 STJ – 4a. Turma. Resp. 444-RJ – EDcl, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 19.03.1991, DJU 22.04.1991, p. 4.788.

272 Neste sentido doutrina ZENO VELOSO (ob. cit.): “Quanto à oponibilidade contra todos, isto já era pacífico e está assentado, tranqüilamente, na doutrina e jurisprudência. As sentenças do Excelso Pretório, decidindo as controvérsias constitucionais, no exercício do controle concentrado, são dotadas de efeitos erga omnes.”

273 RTJ 151/331-355.274 Embora a regra seja a eficácia ex tunc, a Lei n.º 9.868/99 prevê a possibilidade de o

STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que seja necessário para se garantir a segurança jurídica ou o excepcional interesse social.

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Neste sentido a doutrina de ALEXANDRE DE MORAES275:

A declaração de inconstitucionalidade tem o condão de desfazer, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeito ex tunc).

Assim, a declaração de inconstitucionalidade, conforme entendimento de nossa Corte Suprema, “decreta a total nulidade dos atos emanados do poder público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito”.

O terceiro efeito da decisão proferida no controle de constitucionalidade das normas, e talvez o mais importante para o tema em estudo, é o seu efeito vinculante, ou seja, o seu efeito impositivo.

A Lei n.º 9.868/99 estabeleceu de maneira expressa e inequívoca que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm efeitos vinculantes em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Esta é a literalidade do parágrafo único do art. 28 que, não olvidamos, tem suscitado ampla divergência doutrinária sobre sua constitucionalidade276.

275 Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da constituição;2. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 270.

276 É consabido que existem posições doutrinárias que asseveram ser o art. 28, da Lei n.º 9.868/99, inconstitucional, eis que o Constituinte, ainda que reformador, assegurou efeitos vinculantes somente para as decisões proferidas nas ações declaratórias de

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Todavia, não se pode perder de vista que esse efeito conferido expressamente pelo legislador ordinário era necessário para a efetividade da própria ação direta de inconstitucionalidade, como bem afirmava JOSÉ AFONSO DA SILVA277 antes da edição da lei reguladora do controle de constitucionalidade:278

Qual a eficácia da sentença proferida no processo da ação direta de inconstitucionalidade genérica? Essa ação, como vimos, tem por objeto a própria questão de constitucionalidade. Portanto, qualquer decisão, que decrete a inconstitucionalidade, deverá ter eficácia erga omnes (genérica) e obrigatória. Mas a Constituição não lhe deu esse efeito, explicitamente, como seria desejável. Deixou a questão na mesma indefinição do sistema anterior, sem dizer também se se aplicará, à declaração de inconstitucionalidade em tese, a suspensão prevista no art. 52, X, que, por seus termos, somente se refere à declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum. De fato, se esse dispositivo fale em “lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” parece, pelo “definitiva”, que se trata de conclusão de uma série de decisões, o que é característica de decisão nu processo concreto, não compreendidas as decisões definitivas prolatadas em processos de

constitucionalidade. Todavia, filiamo-nos à corrente oposta, eis que não vemos qualquer afronta da norma acoimada inconstitucional com a Carta Magna. Ademais, ressalta FERRARI (1999, p. 180), que “Nada obstante a referência constitucional expressa aludir somente à ação declaratória, há de se entender que implicitamente tais efeitos são ínsitos à direta de inconstitucionalidade, até porque seus efeitos são idênticos àqueles de uma declaração de inconstitucionalidade”.

277 Curso de Direito Constitucional Positivo, 20a. edição, revista e atualizada nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 35, de 20.12.2001); São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pp. 54 e 55.

278 Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999.

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competência originária do próprio Pretório Excelso. A não definição explícita sobre o efeito da sentença que reconhece a inconstitucionalidade acaba por ser uma definição, porque, se não se aplica a regra própria da declaração de inconstitucionalidade um processo concreto, é porque a Constituição não quis dar tal solução, o que significa que o problema se resolve, logicamente, pelas regras processuais sobre a eficácia e autoridade da sentença. E como o objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitos normativos (efeitos gerais) da lei ou ato, a eficácia da sentença tem exatamente esse efeito, e isto tem valor geral, evidentemente. Em suma, a sentença aí faz coisa julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não poderão mais dar-lhe execução sob pena de arrostar a eficácia da coisa julgada, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em tese visa precisamente atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei. Se não fosse assim, seria praticamente inútil a previsão constitucional de ação direta de inconstitucionalidade genérica.

A necessidade de se atribuir efeitos vinculantes às decisões proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade também foi ressaltada pelo Ministro SYDNEY SANCHES:279

...a inexistência, porém, de força vinculante nessas decisões do STF em ação direta de inconstitucionalidade tem acarretado inúmeros percalços junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pois permite que aqueles renovem atos declarados

279 Apud ALEXANDRE DE MORAES, ob. cit., p. 272.

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inconstitucionais, e o que é pior, enseja que este último, o Judiciário, em seus vários segmentos, insista em decidir, sobre a mesma lei ou atos normativos, segundo seu próprio convencimento, sem levar em conta o decidido pela Corte Suprema, com eficácia erga omnes.

A atribuição de efeitos vinculantes às decisões proferidas pelos Tribunais Superiores é, sem sombra de dúvidas, uma tendência universal280, que possui como escopo lhes imprimir maior eficácia.

Diante do que foi dito é forçoso comentar o disposto nos artigos 27 e 28 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999.

Dispõe o primeiro deles:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

O dispositivo transcrito, afastando-se da orientação jurisprudencial e doutrinária dominantes, que considerava o ato inconstitucional nulo e írrito, permite a restrição dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade ou o condicionamento de sua eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento fixado.

280 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade; 4.ª edição revista, atualizada e ampliada; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 177.

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MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO281 assevera que a disposição legal contraria a índole do direito ao permitir que um ato declarado inconstitucional seja considerado válido.

ZENO VELOSO282, ao comentar o tema, obtempera:

Trata-se, já se vê, de uma circunstância anormal, extraordinária. A regra continua sendo a da eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, com as necessárias conseqüências desta projeção retroativa da decisão. Porém, como se depreende do art. 27 da Lei 9.868/99, havendo motivos gravíssimos, razões de segurança jurídica, ou para atender a situação de excepcional interesse social, faculta-se ao STF, desde que pelo voto de dois terços de seus membros (oito Ministros), que restrinja os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decida que ela só produza efeito a partir da data de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Sem adentrar sobre a constitucionalidade ou não da norma, vê-se que os efeitos em regra são ex tunc, mas, por decisão fulcrada no interesse social excepcional ou em razões de segurança jurídica, podem ser limitados.

Não menos interessante o segundo dispositivo:

Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a

281 O sistema constitucional brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade (leis n.º 9.868, de 10 de novembro, e n.º 9.982, de 03 de dezembro de 1999); Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 18, 2000, pág. 181.

282 Aut. e ob. cit. p. 195.

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interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Por força do parágrafo único do art. 28, acima reproduzido, conferiu-se efeito vinculante não apenas às sentenças decorrentes de ações declaratórias de constitucionalidade283, mas a todas as decisões do Supremo Tribunal Federal, tomadas no exercício do controle abstrato de normas.

O efeito vinculante se dirige aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. A norma cuja inconstitucionalidade foi declarada não pode ser mais aplicada. Nem se pode questionar a validade da que teve reconhecida sua inconstitucionalidade.284

Para MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO285 “não se pode mais considerar declaratória a natureza da ação direta de inconstitucionalidade, mas sim constitutiva-negativa, para empregar a lição de PONTES DE MIRANDA.”

Assim, as decisões proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade, tanto quanto aquelas prolatadas nas ações declaratórias de constitucionalidade, vinculam, nos termos do parágrafo único do artigo 28 da Lei n.º 9.868/99, os órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

O Poder Executivo, portanto, está impedido de encaminhar às Casas Legislativas, projetos de lei que tenham idêntico conteúdo ao daquela anteriormente declarada inconstitucional.

O Poder Legislativo, contudo, não foi expressamente mencionado pela Lei nº 9.868/99. Assim, indaga-se: poderia

283 Art. 102, § 2.º, da Constituição Federal.284 Conf. Zeno Veloso, ob. cit., p. 197.285 Ob. cit.

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o parlamento editar nova lei de cunho idêntico ao de norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal?

A resposta há de ser negativa pois, como assevera ALEXANDRE DE MORAES286:

As decisões do STF, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, terão força obrigatória geral, nos mesmos moldes do direito alemão e português, pois enquanto intérprete maior da compatibilidade abstrata do ordenamento jurídico com as normas constitucionais, vinculam o legislador, todos os tribunais e todas as autoridades administrativas.

Em relação ao legislador, os efeitos vinculantes atuam no sentido de impedir que editem novas normas com idêntico conteúdo ao daquela anteriormente declarada inconstitucional; ou, ainda, normas que convalidem os efeitos da norma declarada inconstitucional ou anulem os efeitos da decisão do STF.

Mesmo que o argumento esposado fosse inválido, o legislador não poderia reproduzir a norma declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso, sob pena de praticar ato flagrantemente contrário à moralidade administrativa, a seguir analisada, e, por conseguinte, praticar ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei n.º 8.429/92287.

286 Ob. cit., p.273.287 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da

administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;IV - negar publicidade aos atos oficiais;V - frustrar a licitude de concurso público;VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de

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10.5 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

A Constituição Federal em seu artigo 37, caput, impõe ao agente público288 obediência, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Princípios são “os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”.289

Relegá-los é “desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais”290, e, na forma do art. 11, caput, da Lei 8.429/92291, praticar ato de improbidade administrativa.

Dos princípios norteadores da Administração Pública interessa-nos, para delimitação do tema proposto, a análise da moralidade administrativa.

Não se trata da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de condutas tiradas da disciplina interior da Administração”.292

JOSÉ AFONSO DA SILVA293 inquieta-se com a aplicação prática do princípio da moralidade, aduzindo que:

mercadoria, bem ou serviço.288 A acepção aqui empregada é a do art. 2.º da Lei 8.429/92:

“Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

289 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 11a. ed., revista, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 13.

290 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 28.ª ed., atual, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 86.

291 “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:”

292 HAURIOU, Maurice apud MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit., p. 87.293 Aut. e ob. cit., p. 648.

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Pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato, produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.

O princípio da moralidade é violado, ensina MARCELO FIGUEIREDO, quando o agente público afasta-se dos “comandos expressos ou implícitos contidos no ordenamento jurídico, notadamente dos princípios constitucionais”.294

O Supremo Tribunal Federal, nessa linha, “tem coibido os desvios éticos do legislador invocando os princípios do devido processo legal (em sua acepção material) e da razoabilidade, sempre visando a evitar o excesso ou o desvio de poder legislativo”.295

10.6 ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Os atos de improbidade administrativa são hodiernamente definidos pelos artigos 9.º a 11 da Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

294 Apud BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coordenadores). Ob. cit., p. 338.

295 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 2.ª edição: Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 338.

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A simples leitura dos dispositivos citados permite concluir que o legislador quer coibir os desvios éticos do agente público que resultam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições públicas.

JOSÉ AFONSO DA SILVA296 autoriza a conclusão supra, asseverando que a probidade administrativa “é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4.º)”.

MARCELO CAETANO297 salienta que a probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”.

O ato de improbidade pode ser conceituado, assim, como a ação ou omissão contrária à moralidade administrativa, de que resulte lesão ao erário, enriquecimento ilícito ou violação aos princípios constitucionais inerentes à administração pública.

10.7 CONCLUSÃO

A contratação por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público deve obedecer aos princípios constitucionais estatuídos pelo art. 37, caput, da Constituição Federal, não podendo o agente público utilizá-la para burlar a obrigatoriedade de concurso público ou para atender a fins diversos do que vise à consecução do bem-estar geral.

296 Apud ALVARENGA, Aristides Junqueira. Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coordenadores). Improbidade Administrativa (Questões Polêmicas e Atuais) São Paulo: Malheiros, 2001, p. 87.

297 Apud SILVA, José Afonso. Ob. cit., p. 649.

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EMERSON GARCIA298 ensina que “Estatuído o princípio da legalidade e sedimentada a concepção de que a existência do Estado se destina à consecução do bem-estar geral, tornou-se incontroverso que o princípio da autonomia da vontade é inaplicável aos atos dos agentes públicos.”

Na lição de ALMIRO DO COUTO E SILVA299 vontade do agente público está coarctada aos ditames da lei, que, por sua vez está jungida aos limites e princípios estabelecidos pela Constituição.

RAFAEL BIELSA300, preleciona, autorizando a tese aqui esposada que:

Uma lei pode ser violada em seu texto (violação grosseira e visível), em seu espírito (violação tortuosa e sutil), na verdade de seus desígnios sociais, econômicos, administrativos etc. (falsa motivação). Deve-se compreender, além disso, como violação de lei, toda interpretação arbitrária das normas aplicadas em detrimento do interesse geral ou do patrimônio ou erário do Estado, bem como a errônea ou falsa motivação, seja nos desígnios de fato, seja na determinação dos motivos; isto é, tanto na apreciação dos motivos anteriores ao ato (caso de inexistência desses motivos ou de não justificação para agir), quanto nos motivos determinantes, que se dão na decisão. Se assim não fosse, repetimos, bastaria apoiar-se em pressuposições de fato e em citações legais para legitimar os atos.

EMERSON GARCIA301 sustenta o surgimento do princípio da constitucionalidade, pois a lei e os demais atos estatais “auferem seu fundamento de validade na Constituição”.

298 GARCIA, Emerson; ALVES, ROGÉRIO PACHECO. Improbidade administrativa, 2.ª ed., rev. e ampl., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 72.

299 Apud GARCIA, Emerson; ALVES, ROGÉRIO PACHECO. Ob. cit., p. 72. 300 Apud GARCIA, Emerson; ALVES, ROGÉRIO PACHECO. Ob. cit., p. 73. 301 Aut. e ob. cit., pp. 73 e 74.

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Deixou-se de conceber a lei como o ponto nuclear da atividade estatal e ascendeu-se para o fundamento legitimador de sua existência, a Constituição. Esta alteração de perspectiva de análise, já existente outrora, mas hoje maximizada, deve-se à constante necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos utilizados para a defesa dos direitos fundamentais, os quais, como não poderia deixar de ser, assumiram um papel de destaque no Estado contemporâneo.

Não raras vezes, em diversas épocas e em distintos Estados, o princípio da legalidade legitimou abusos e atrocidades, o que exigiu a idealização de um fundamento de validade superior, aqui residindo a importância do princípio da constitucionalidade.

Para Forsthoff a unidade da administração, manifestada através do exercício da função que a assegura, “se incorpora à unidade da própria existência do Estado, mostra o ponto onde a Administração e a Constituição tem os contatos mais estreitos. A Administração tem por vocação realizar as tarefas do Estado. Estas tarefas são determinadas pelas estruturas sociais e pelas idéias políticas que caracterizam um Estado, portanto, pela substância mesma da Constituição. A Administração deve respeitá-los e levá-los em conta em todas as suas atividades”.

O administrador deve obediência à norma; o legislador, ao elaborar a norma, deve obediência à Constituição; e o juiz deve zelar pelo respeito à Constituição, o que inclui os princípios e regras que dela defluem, os quais a

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todos obrigam: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Adverte o ilustre autor, contudo, que à luz do sistema constitucional pátrio, não será possível responsabilizar pessoalmente os membros das Casas Legislativas pela votação e aprovação de comandos normativos dissonantes das normas constitucionais, em especial do princípio da moralidade, ainda que visem a satisfazer interesses meramente pessoais302.

Nesse sentido, é claro o disposto no art. 53 da Constituição da República, com a redação determinada pela Emenda Constitucional n.º 35/01, segundo o qual “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos”. E ainda, idêntica garantia foi outorgada aos Deputados Estaduais e Distritais e aos Vereadores. A existência dessas normas é plenamente justificável, sendo necessárias à garantia da independência dos membros do Poder Legislativo perante os demais Poderes, assegurando a livre discussão política.

Tal garantia é da essência do sistema representativo e alcança, a um só tempo, representantes e representados, permitindo o cumprimento do mandato outorgado pelo povo com plena liberdade e independência, o que facilitará a consecução dos objetivos almejados. A inviolabilidade não é outorgada em proveito do congressista, mas em benefício da própria soberania nacional, da qual o Congresso é legítimo representante.

302 Aut. e ob. cit. p. 340.

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Pensamos que a imunidade parlamentar, todavia, não é óbice para a responsabilização do agente público com base na Lei 8.429/92, pois a conduta vedada não é a produção do ato legislativo inconstitucional, mas a ação ou omissão dissociada da moralidade administrativa, do princípio da constitucionalidade.

Destarte, ainda que o Poder Legislativo autorize por lei inconstitucional a contratação por prazo determinado, esta não poderá ser levada a efeito pelo agente público competente, sob pena de prática de ato de improbidade administrativa.

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11 Condutas Vedadas aos Agentes Públicos

em Campanhas Eleitorais

Pedro Roberto Decomain

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11 CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHAS ELEITORAL

Pedro Roberto Decomain

Promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina; Professor Universitário; Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) Itajaí/SC.

11.1 INTRODUÇÃO: a Lei n° 9.504/97, que regula as eleições; previsão nela de condutas vedadas aos agentes

públicos em campanhas eleitorais; objetivo dessas vedações. A Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997, que

estabelece normas para a realização das eleições, proíbe aos agentes públicos de um modo geral a realização de algumas condutas durante um certo período anterior à data das eleições, e também, em alguns casos, durante um período posterior a elas.

O objetivo visado com essas proibições, que estão basicamente elencadas no artigo 73 da lei mencionada, é o de preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais. Além disso, essas proibições também possuem o propósito de coibir abusos do poder de administração, por parte dos agentes públicos, em período de campanhas eleitorais, em benefício de

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determinados candidatos ou partidos, ou em prejuízo de outros. A lei procura manter a igualdade entre os diferentes candidatos e partidos, evitando que qualquer agente público possa abusar de suas funções, com o propósito de trazer com isso algum benefício para o candidato ou para o partido de sua preferência.

As condutas vedadas pela Lei aos agentes públicos em campanhas eleitorais estão relacionadas basicamente no seu artigo 73.

Esse artigo tem a seguinte redação:

Art. 73 - São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

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IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e

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Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;

VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a

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partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

§ 1º - Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional.

§ 2º - A vedação do inciso I do caput não se aplica ao uso, em campanha, de transporte oficial pelo Presidente da República, obedecido o disposto no art. 76, nem ao uso, em campanha, pelos candidatos a reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, de suas residências oficiais para realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público.

§ 3º - As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

§ 4º - O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º - No caso de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato

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beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (redação dada pela Lei n° 9.840, de 28 de setembro de 1999)

§ 6º - As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.

§ 7º - As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.

§ 8º - Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

§ 9º - Na distribuição dos recursos do Fundo Partidário (Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995) oriundos da aplicação do disposto no § 4º, deverão ser excluídos os partidos beneficiados pelos atos que originaram as multas.

11.2 CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO: para os fins dessa lei

De acordo com o § 1°, do art. 73 da Lei n° 9.504/97, “Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional”.

Esse conceito de agente público é bem amplo e compreende toda e qualquer pessoa que realize uma tarefa

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inerente ao Poder Público ou dela participe, qualquer que seja o vínculo existente entre essa pessoa e a Administração Pública em sentido amplo, qualquer que seja a forma de remuneração a que essa pessoa tenha direito, e mesmo que seu trabalho não seja remunerado. Por agentes públicos devem ser entendidos, diz a regra, todos os servidores e empregados da Administração Pública Direta, isto é, do Poder Executivo, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, e também todos os servidores e empregados da Administração Pública Indireta, isto é, das autarquias, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, quer sejam criadas pelo Governo Federal, quer pelos Governos Estaduais, quer pelos Municípios. Também todos os detentores de mandatos eletivos são considerados agentes públicos, para os fins dessa lei.

Assim, exemplificando, são considerados agentes públicos o Presidente da República, os Governadores dos Estados ou do Distrito Federal, os Prefeitos Municipais, o Vice-Presidente da República, os Vice-Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os Vice-Prefeitos, os Ministros de Estado, os Secretários de Estado e do Distrito Federal, os Secretários Municipais, todos os funcionários públicos em sentido estrito, quer ocupem cargos de provimento efetivo, quer cargos de provimento em comissão, quer sejam do Governo Federal, quer dos Governos Estaduais ou do Distrito Federal, quer dos Governos Municipais, e de quaisquer dos seus Poderes, assim como dos Tribunais de Contas e dos Ministérios Públicos. Também são agentes públicos, para os fins dessa lei, todos os servidores das autarquias, qualquer que seja o seu regime jurídico, e todos os empregados das empresas públicas e sociedades de economia. São agentes públicos ainda, para os fins dessa lei, todos os servidores ou empregados das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, ainda que essas fundações tenham caráter de Direito Privado. Devem ainda ser considerados agentes públicos, para os fins dessa lei, os integrantes de todos os Conselhos de Governo, quer federais, quer estaduais, do Distrito Federal, ou municipais, mesmo que não sejam servidores ou empregados públicos em sentido estrito. Isso compreende, por exemplo, os

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integrantes dos Conselhos de Educação, de Saúde, de Entorpecentes, dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Penitenciário, e dos Conselhos Tutelares dos Municípios. Enfim, qualquer pessoa que, mesmo transitoriamente, isto é, temporariamente, ou sem remuneração, exerça uma atividade pública, é considerada agente público, para os fins previstos nessa lei.

Esse conceito de agente público é semelhante àquele contido no art. 327 do Código Penal e, como se viu, a natureza do cargo, emprego ou função, e o modo de investidura do agente público, assim como a duração dessa investidura e a existência ou inexistência de remuneração, são irrelevantes para a caracterização do agente público, para os fins previstos no artigo 73 da lei.

11.3 PRIMEIRA PROIBIÇÃO: cessão ou uso de bens públicos em benefício de partido, candidato ou coligação

O inciso I, do art. 73 da Lei n° 9.504/97 proíbe terminantemente “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”.

Nenhum bem, de qualquer natureza que seja, pertencente à Administração Pública direta ou indireta da União (Governo Federal), dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, pode ser utilizado em benefício de qualquer candidato, partido político ou coligação.

Os bens pertencentes à Administração Pública, inclusive indireta (autarquias, fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista) não podem ser utilizados em benefício específico de candidato, partido ou coligação. Prestam-se a atender às necessidades do povo todo, independentemente de cor partidária. Seu uso em benefício de algum partido, coligação ou candidato, está absolutamente vedado. Essa vedação já resultava implícita

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do inciso II, do art. 24, da Lei n° 9.504/97, que proíbe a partidos e candidatos receber direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de órgão da Administração Pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público. Como o uso de bens móveis ou imóveis da Administração Pública em benefício de partido, coligação ou candidato certamente seria estimável em dinheiro, a proibição já estava implícita. Mas foi muito bom que tenha sido tornada também clara e expressa, inclusive com acréscimo de punições.

Vale a pena ressaltar, ainda assim, a proibição contida também no art. 24, inciso II, da Lei: nenhum partido, candidato ou coligação pode receber, mesmo que indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive representada por alguma espécie de propaganda eleitoral, procedente de órgão da Administração Pública direta ou indireta.

O artigo 73, inciso I, da Lei n. 9.504/97, proíbe a cessão ou uso, em benefício de candidato, de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública direta ou indireta. Em que momento, para o fim de incidência desse dispositivo, se considera existente uma candidatura? Tecnicamente só existe um candidato, depois que transita em julgado a decisão que determina o registro de sua candidatura. Todavia, para o fim de incidência da regra deste inciso, assim como de todos os demais em que o benefício a um candidato seja elemento da conduta proibida, deve-se reconhecer a existência de um candidato também quando a conduta seja realizada em benefício de alguém que apenas posteriormente tem seu nome aprovado como candidato em convenção, e providencia o registro da candidatura. Com mais razão ainda já se tem um candidato, quando o seu nome já tenha sido escolhido em convenção. A partir daí já pode surgir interesse no escuso emprego de recursos públicos em benefício do sucesso eleitoral dessa pessoa. Mesmo que o uso ou cessão do bem público aconteça em benefício de uma pessoa, em momento no qual ainda não foi ela escolhida como candidata em convenção, mas desde que isso ocorra depois, com pedido de registro de

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sua candidatura, já se terá cessão ou uso ilícito, com aplicabilidade das punições previstas pela lei. Claro, nesse caso pelo menos, desde que a cessão ou uso tenha tido por escopo trazer benefício eleitoral para a pessoa em prol de quem aconteceu.

O inciso permite, porém, o uso de instalações - inclusive móveis que as guarnecem - do Poder Público, para a realização de convenção partidária. Segue aí na trilha já aberta pelo § 2°, do artigo 8°, também da Lei n° 9.504/97.

Deve ficar ainda registrado que é proibida a realização de propaganda eleitoral em bens públicos. Essa proibição está no artigo 37 da Lei n° 9.504/97. De acordo com ele,

“nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, é vedada a pichação, inscrição a tinta e a veiculação de propaganda, ressalvada a fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados nos postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes, desde que não lhes cause dano, dificulte ou impeça o seu uso e o bom andamento do tráfego”.

Nos bens públicos não pode ser feita propaganda eleitoral. Admitem-se apenas as exceções expressamente previstas na regra, isto é, fixação de cartazes, estandartes, faixas e assemelhados em postes de iluminação pública, viadutos, passarelas e pontes. E ainda assim desde que isso não coloque em risco ou dificulte o seu uso, ou o bom fluxo do tráfego de veículos e pedestres. Outras exceções não são admitidas. Assim, a colocação de cartazes em calçadas da via pública, praças, parques e faixas de domínio das rodovias é proibida. A pintura ou colagem de propaganda eleitoral em postes, passarelas, viadutos e pontes também é proibida. As peças de propaganda devem ser fixadas nesses locais de modo que possam ser facilmente removidas. Em se tratando de postes de iluminação pública, compreendidos aí os postes que sustentam a rede elétrica, mesmo que em algum ou alguns desses postes não existam lâmpadas de iluminação, a concessionária do serviço de distribuição de energia pode

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regulamentar a afixação dessas propagandas, de modo a garantir a segurança e continuidade do serviço. Mas deve fazer isso de forma a que não acabe impedindo a própria fixação de peças de propaganda eleitoral nos postes.

11.4 SEGUNDA PROIBIÇÃO: uso de materiais ou serviços pagos pelo Poder Público, além dos limites regimentais

O inciso II, do art. 73 da Lei n° 9.504/97, proíbe o uso excessivo de materiais e serviços colocados a serviço de mandatários, especialmente parlamentares, para o desempenho de suas tarefas. Custeio de despesas telefônicas e postais, e também de despesas com impressos, em certos limites, são usuais nas Casas Legislativas. Se o limite permitido pelos respectivos regimentos, assim como pelas normas que regulem tais benefícios eventualmente concedidos a outros servidores públicos, forem excedidos com o deliberado propósito de permitir benefício a partido, coligação ou candidato, ocorrerá evidentemente desvirtuamento de sua finalidade, com incidência das sanções previstas no dispositivo.

Não será inclusive despropositado afirmar que tais prerrogativas não podem de modo algum ser utilizadas como meio de propaganda eleitoral. Envio de peças de propaganda eleitoral por parlamentar candidato, com uso da correspondente prerrogativa, já caracterizaria uso de dinheiro da Administração Pública para campanha eleitoral, afrontando a proibição contida no próprio inciso I do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

11.5 TERCEIRA PROIBIÇÃO: cessão de servidores ou empregados públicos para comitês de campanha

O inciso III, do art. 73 da Lei n° 9.504/97, proíbe aos agentes públicos em geral a cessão de servidores públicos ou empregados da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou o uso de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de

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expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. O dispositivo se refere apenas aos servidores e empregados do Poder Executivo. Quanto aos do Legislativo, de rigor a regra deveria ser também a eles estendida. Surgiria aí, porém, a situação peculiar em que o assessor de determinado parlamentar ficaria proibido de pedir votos para ele, ainda que o fizesse sem prejuízo de suas funções normais. Talvez por essa razão é que os servidores do Poder Legislativo não tenham sido incluídos no dispositivo. Mas é evidente que a regra os abrange, quando se trate de servidores que não estejam a serviço especificamente de um determinado parlamentar, mas sim a serviço da Casa Legislativa como um todo. Seria concebível a cessão do vigilante, componente dos serviços de segurança interna da Câmara dos Deputados, por exemplo, para prestar serviços em determinado comitê partidário ou de candidato, durante o expediente normal? Evidente que não. Esse servidor, como qualquer outro funcionário público, não presta serviços a este ou àquele partido, coligação ou candidato. Presta serviços à população toda.

Também não há no dispositivo referência aos servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas. É certo que o Poder Judiciário, o Ministério Público e os Tribunais de Contas gozam de autonomia administrativa. Mas ninguém em sã consciência haveria de considerar inconstitucional, por ofensa a esta autonomia, a regra de Direito Eleitoral que proibisse a cessão de servidor destas entidades para prestar serviços em comitê de campanha de partido ou candidato, em horário de expediente. A proibição, portanto, alcança também os servidores do Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Supõe-se que o legislador, ao elaborar a Lei n. 9.504/97, não tenha referido tais órgãos, na premissa de que não ocorreria, de todo modo, a cessão de seus servidores para prestarem auxílio em campanhas eleitorais em horário de expediente, de sorte a que se teve até mesmo desnecessária uma proibição expressa.

A regra diz que a vedação existe para o horário normal de expediente. Evidentemente que em seus horários de folga o funcionário, embora não deixe de revestir esse caráter, pode dedicar-se às atividades lícitas que mais lhe

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convenham. Desse modo, fora de seus horários normais de expediente, pode prestar serviços a candidato, partido político ou coligação. Mas é evidente que a tanto não pode jamais ser compelido, com qualquer espécie de ameaça, como a de demissão, perda de função ou cargo comissionado, remoção compulsória, ou qualquer outra. Se isso ocorrer em relação a funcionário público, de sorte a constrangê-lo a prestar serviços em benefício de partido, coligação ou candidato, aquele que lhe impinge isso pratica abuso de poder de administração, podendo sujeitar o candidato beneficiário à inelegibilidade para a eleição na qual esteja concorrendo e para as que se realizarem nos três anos seguintes, nos termos dos arts. 1º, inciso I, alínea d, e 22 da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades.

Também pode configurar abuso do poder de autoridade conceder férias ou alguma modalidade de licença a expressivo número de servidores ao mesmo tempo, com o tão-só objetivo de permitir-lhes dispensa do comparecimento ao trabalho, com a condição de se dedicarem a serviços de campanha eleitoral em benefício de algum candidato, partido ou coligação.

11.6 QUARTA PROIBIÇÃO: uso ou permissão de uso promocional de distribuição gratuita de bens ou prestação

de serviços pelo Poder Público

O inciso IV, do art. 73, da Lei n° 9.504/97, proíbe o uso promocional, em favor de partido, coligação ou candidato, da distribuição gratuita de bens ou serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público. Nessa distribuição não pode haver a vinculação a qualquer partido, coligação ou candidato, no momento da entrega do bem ou da prestação do serviço. De reconhecer que isso esmaece, quando se permite a reeleição dos Chefes dos Poderes Executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, pelo menos por uma vez consecutiva. Embora a associação expressa, ou mesmo velada, dessas distribuições de bens ou serviços de caráter promocional ao candidato à reeleição

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seja vedada, é impossível não vincular a ele as entregas dos bens, ou a prestação dos serviços. Acaba indiretamente beneficiado, sempre. Mas a vinculação expressa, ou mesmo velada, essa é proibida e acarreta as punições previstas na lei.

Não se proíbe, porém, a continuidade da distribuição gratuita de bens ou serviços, que já vinha sendo anteriormente realizada. Programas de assistência alimentar, distribuição gratuita de medicamentos, prestação de serviços de assistência médica e odontológica, podem e devem continuar a ser realizados. Só não podem é ser aproveitados como ocasião para realizar-se qualquer espécie de propaganda eleitoral.

11.7 QUINTA PROIBIÇÃO: nomeação, contratação, admissão, demissão, reclassificação e movimentação

de funcionários públicos

De acordo com o inciso V, do artigo 73, da Lei nº 9.504/97, é proibido nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional, e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito. A circunscrição nas eleições presidenciais é o país todo. Nas para Governador, Senador, Deputado Federal e Estadual ou Distrital, o Estado ou Distrito Federal. Nas municipais, o Município (Código Eleitoral, art. 86). Todos os atos mencionados são proibidos, na circunscrição abrangida pelo pleito, desde três meses antes da sua realização, até a data da posse dos eleitos. A posse do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos ocorrerá sempre no dia 1° de janeiro do ano imediatamente seguinte ao da eleição (Constituição Federal, arts. 28, 29, III e 82).

Como a proibição ocorre apenas na circunscrição abrangida pelo pleito, tem-se que nas eleições municipais os atos vedados pelo dispositivo não podem ser praticados no âmbito dos Municípios. Podem-no, todavia, no âmbito dos

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Estados e da União. Já nas eleições presidenciais, federais (para os cargos de Senador e Deputado Federal) e estaduais ou distritais (para os cargos de Governador de Estado ou do Distrito Federal e de Deputado Estadual ou Distrital), os atos vedados pelo dispositivo não podem ser praticados pela União, pelos Estados ou pelo Distrito Federal.

Essas proibições admitem algumas exceções, que são as seguintes:

- nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

- nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

- nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo (entenda-se: concurso público cujo resultado tenha sido homologado até três meses antes da data da eleição);

- nomeação ou contratação necessárias à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia autorização do Chefe do Poder Executivo (a essencialidade pode ser contestada, ou a inadiabilidade da nomeação ou contratação; autorizada pelo Chefe do Executivo, este também será responsável pelo ato, se vier a ser desfeito pela Justiça Eleitoral, porque desbordante da autorização concedida pela lei);

- transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.

Como o dispositivo proíbe apenas a remoção ex officio de servidores públicos, tem-se que a remoção voluntária ou a pedido é permitida.

Veja-se que o inciso V se refere a servidores públicos. Será ele aplicável, portanto, aos servidores e empregados públicos da Administração Direta e das autarquias, qualquer que seja a natureza do vínculo com elas mantido. Não, porém, aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista. Seu vínculo com seu pessoal é regido pela legislação trabalhista comum, e em relação a eles não incidem as proibições de admissão, demissão sem justa

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causa, ou remoção. Se o legislador tivesse pretendido fazer alcançar por essas proibições também as empresas públicas e sociedades de economia mista, teria feito no mínimo referência expressa a Administração Pública direta e indireta, o que não fez. Antes pelo contrário. Referiu-se a “exercício funcional” e remoção, transferência ou exoneração de “servidor público”, expressões compatíveis com os funcionários e empregados da administração direta e das autarquias, mas não com os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Vale a pena registrar também que a regra não proíbe a abertura ou continuidade de concurso público durante o período nela previsto. O concurso pode ser normalmente realizado, mas os aprovados não podem ser nomeados durante esse período, a menos que se trate de alguma das exceções previstas no dispositivo (concurso para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público ou dos Tribunais de Contas, ou dos respectivos serviços auxiliares, por exemplo).

11.8 SEXTA PROIBIÇÃO: transferência voluntária de recursos, nos três meses que antecedem a eleição

O inciso VI, do artigo 73, da Lei n. 9.504/97, enumera ainda algumas outras atividades que não podem ser realizadas pela Administração Pública nos três meses que antecedem o pleito. Se e onde houver segundo turno, a proibição persiste até que este seja realizado.

A primeira delas, prevista no art. 73, VI, letra a, é a proibição da transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, ressalvados apenas os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública.

Com o objetivo de beneficiarem os candidatos que apoiam às eleições estaduais e municipais, acontecia por vezes que administradores estaduais e federais providenciassem a transferência de recursos para os Estados, Distrito Federal ou Municípios, com o objetivo de

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utilizarem tais recursos não diretamente em pagamento de campanhas eleitorais, mas em serviços e obras públicas iniciados ou incrementados precisamente no período pré-eleitoral, com o propósito de com isso tentar obter maior votação a seus afiliados.

Para que essas condutas sejam evitadas, o artigo proíbe as transferências voluntárias de recursos da União para os Estados e Municípios, e também dos Estados para os Municípios, nos três meses que antecedem a data das eleições - inclusive em segundo turno, onde houver - ressalvando apenas as transferências destinadas ao cumprimento de acordos ou convênios celebrados anteriormente, para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e calamidade pública.

Assim, se o convênio foi celebrado antes dos três meses que antecedem o pleito, e se esse convênio prevê um cronograma de desembolso de recursos, em contrapartida à realização de uma obra já em andamento ou à prestação de um serviço pela entidade beneficiária, que já foi iniciado, então os recursos relativos a esse convênio podem ser repassados, mesmo que esse repasse ocorra dentro dos três meses imediatamente anteriores à eleição. Nesse sentido já decidiu, inclusive, a Justiça Eleitoral.

O dispositivo se refere, com todo acerto, às transferências voluntárias, eis que aquelas obrigatórias por força da Constituição Federal ou de outras Leis (participação dos Municípios em receita de impostos da União ou Estados e participação destes em impostos da União são o exemplo mais claro), devem prosseguir, pena de ser até mesmo inviabilizada a Administração Pública estadual, distrital ou municipal, que depende em larga escala dessas transferências.

11.9 SÉTIMA PROIBIÇÃO: publicidade institucional, nos três meses que antecedem a eleição

A letra b, do inciso VI, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, proíbe, nos três meses que antecedem cada eleição, a qualquer agente público autorizar publicidade institucional

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dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral. De acordo com a própria alínea, essa vedação não alcança a autorização da publicidade relativa a produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. O dispositivo deve ser interpretado de forma extensiva. Não é vedada apenas a autorização da publicidade institucional. O que é vedado na realidade é a própria veiculação da publicidade. Esta é que pode conter propaganda eleitoral velada, principalmente após a admissão da reeleição, para um mandado consecutivo, dos Chefes dos Poderes Executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O que se veda é a veiculação de propaganda institucional dessas entidades, e não apenas a autorização da sua veiculação. Aliás, a autorização da veiculação, a ser realizada depois das eleições, essa nem mesmo fica proibida, eis que já não poderá influir no pleito.

O dispositivo faz duas ressalvas.

A primeira, da propaganda institucional relativa a produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. As entidades da Administração Pública indireta, em particular as sociedades de economia mista e empresas públicas, podem fazer propaganda institucional relativa aos produtos que vendam, ou aos serviços que prestem, desde que estes tenham concorrência no mercado. Entes da Administração indireta que vendam produtos ou prestem serviços em regime de monopólio, não podem, nos três meses que antecedem o pleito, fazer propaganda institucional que diga respeito, direta ou indiretamente, a essas atividades.

A segunda ressalva contida no dispositivo é a da publicidade destinada a atender grave e urgente necessidade pública. Esta deve, porém, ser reconhecida pela Justiça Eleitoral, o que a seu turno significa que tal publicidade deve ser por ela autorizada. Ocorrerá a hipótese, por exemplo, se for necessária publicidade pública para orientação aos atingidos por alguma calamidade pública, ou para a realização de campanha de vacinação

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urgente, destinada a prevenir mal que de modo epidêmico ameace alastrar-se. Nessas hipóteses a publicidade não poderia mesmo ser vedada. Mas a situação de gravidade e também de urgência deve ser analisada previamente pela Justiça Eleitoral. Se a publicidade for da União, ou entidade da Administração indireta por ela criada, a autorização caberá ao Tribunal Superior Eleitoral; se a publicidade for de Estado ou do Distrito Federal, a autorização caberá ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral. Finalmente, se a publicidade for de âmbito municipal, a autorização para ela, nos três meses anteriores ao pleito, caberá ao Juízo Eleitoral de primeira instância que abranja o Município interessado.

De acordo com o § 3° do artigo 73 da Lei n° 9.504/97, essa vedação, assim como aquela da letra c do inciso VI (veja-se item 10, infra), somente se aplica aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição. Nas eleições presidenciais, a vedação alcança os agentes públicos da União; nas eleições para o Senado, Câmara dos Deputados, Governos dos Estados e do Distrito Federal e Assembléias ou Câmaras Legislativas Estaduais ou Distrital, os agentes dos Estados e do Distrito Federal; nas eleições municipais, a proibição alcança os agentes públicos dos Municípios. Numa eleição municipal não fica proibida publicidade institucional da União, dos Estados ou do Distrito Federal. Nas eleições presidenciais, estaduais e distritais, não há obstáculo à publicidade institucional dos Municípios.

11.10 OITAVA PROIBIÇÃO: pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão, nos três meses que antecederem a eleição

Nos três meses que antecederem a cada eleição a alínea c, do inciso VI, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, também veda a todos os agentes públicos fazer pronunciamento em cadeira de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo. Novamente tais pronunciamentos em rede de rádio e televisão, quer seja nacional, quer estadual, quer simplesmente municipal,

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demandam autorização da Justiça Eleitoral, a quem incumbirá analisar se a matéria a ser abordada no pronunciamento pretendido tem mesmo urgência e relevância, e é inerente às funções de governo.

De acordo com o § 3° do artigo 73 da Lei n° 9.504/97, essa vedação, assim como aquela da letra b do inciso VI, somente se aplica aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição. Nas eleições presidenciais, a vedação alcança os agentes públicos da União; nas eleições para o Senado, Câmara dos Deputados, Governos dos Estados e do Distrito Federal e Assembléias ou Câmaras Legislativas Estaduais ou Distrital, os agentes dos Estados ou do Distrito Federal; nas eleições municipais, a proibição alcança os agentes públicos dos Municípios. Numa eleição municipal não ficam proibidos pronunciamentos em cadeira de rádio e televisão, quer dos agentes públicos da União, quer daqueles dos Estados e do Distrito Federal. Nas eleições presidenciais, estaduais e distritais, não há obstáculo aos pronunciamentos em cadeia de rádio e televisão por parte dos agentes públicos dos Municípios.

Muitas Prefeituras mantêm programas em emissoras de rádio locais, utilizados para divulgação dos atos e ações de governo. A continuidade desses programas em princípio não é vedada, a menos que seu conteúdo configure publicidade institucional, hipótese em que a veiculação do programa importará em ofensa à proibição constante do art. 73, inciso VI, alínea b, da Lei n° 9.504/97. Ademais, em tais programas não podem ser feitas referências pessoais a administradores municipais, que possam caracterizar a publicidade personalista, expressamente proibida pelo § 1°, do art. 37, da Constituição Federal. E essa é uma proibição permanente, que existe mesmo fora do período eleitoral.

Além disso, tais programas não podem também conter qualquer mensagem que caracterize propaganda eleitoral, direta ou indireta. As emissoras de rádio e televisão ficam inclusive proibidas, pelo art. 45 da Lei nº 9.504/97, a partir de 1° de julho do ano da eleição, de veicularem propaganda política ou difundirem opinião favorável ou contrária ao candidato, partido ou coligação, a seus órgãos ou

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representantes, ou de darem tratamento privilegiado ao candidato, partido ou coligação, em sua programação normal, inclusive noticiários. A violação dessas proibições acarreta para as emissoras uma multa que varia entre vinte mil e cem mil UFIR, além da suspensão da transmissão da programação normal, por vinte e quatro horas. Tudo previsto pelo art. 45, caput e § 2°, e pelo art. 56 da Lei n° 9.504/97. O partido ou coligação que venha a ser beneficiado pela violação por parte da emissora, também perde, de seu tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão, o dobro do tempo durante o qual a emissora tenha transmitido a programação que violou as proibições mencionadas.

O artigo 74 da Lei nº 9.504/97 diz que a violação a essa regra do § 1º, do art. 37, da Constituição Federal, configura abuso de autoridade. O abuso de autoridade, praticado em campanha eleitoral, é causa de inelegibilidade, prevista pela Lei Complementar nº 64, de 1990. Esse abuso deve ser apurado em procedimento de representação judicial eleitoral, requerido por qualquer partido, candidato ou coligação, ou ainda pelo Ministério Público Eleitoral, que é representado, em eleição municipal, pelo Promotor Eleitoral. Assim, publicidade oficial com caráter personalista, destinada a obtenção de votos em eleição, caracteriza abuso do poder de autoridade e gera inelegibilidade dos responsáveis, inclusive do candidato beneficiado.

11.11 NONA PROIBIÇÃO: limite de gastos com publicidade institucional, no ano da eleição, antes dos três meses

imediatamente anteriores a ela

O inciso VII, do art. 73, da Lei n° 9.504/97, proíbe a realização, no ano da eleição, mesmo antes do prazo de três meses antecedentes a ela, previsto no inciso imediatamente anterior, de gastos com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição. O que o dispositivo pretende é que os gastos com publicidade,

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mesmo aquela a ser veiculada antes dos três meses antecedentes ao pleito, não sejam maiores do que os realizados nos anos anteriores.

O legislador pretendeu impedir também, através deste dispositivo, que a publicidade oficial, embora indiretamente, pudesse servir como meio de difusão e propaganda de candidaturas, pretensão que não caracteriza nenhum disparate, principalmente quando se considera, mais uma vez, a possibilidade de uma reeleição para um mandado consecutivo, dos Chefes dos Poderes Executivos, responsáveis por essa publicidade, que por vezes se denomina “institucional”, mas com freqüência, embora de modo velado, acaba na verdade por violar o § 1°, do art. 37, da Constituição Federal.

A regra faz referência a duas médias: média de gastos com publicidade nos três anos anteriores ao da eleição, ou média de gastos com publicidade no último ano imediatamente anterior ao da eleição. Prevalece a média que for menor. Assim, se a média de gastos com publicidade oficial nos três últimos anos que antecederem à eleição for menor do que aquela do último ano da eleição, prevalece a primeira delas. Caso contrário, se a média de gastos do último ano for menor do que aquela dos três últimos anos, prevalece essa média do ano imediatamente anterior à eleição.

Essa média deve reportar-se a um período mensal. Assim, divide-se o total de gastos com publicidade nos três últimos anos anteriores à eleição por 36. Depois, divide-se por 12 o total de gastos havidos com publicidade oficial no último ano imediatamente anterior ao da eleição. O valor máximo mensal de gastos com publicidade oficial, nos meses do ano eleitoral, que antecederem os três meses imediatamente anteriores à data da eleição (no caso das eleições do ano 2004, gastos com publicidade oficial nos meses de janeiro a junho, porque nos de julho, agosto e setembro, estará proibida, de acordo com o art. 73, inciso VI, letra c, como já se viu antes), corresponderá à menor dessas duas médias303.

303 Sem embargo deste entendimento, o colendo Tribunal Superior Eleitoral adotou pensamento diverso, evidenciado pela seguinte ementa:

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Esse limite de gastos com publicidade eleitoral em ano de eleição, durante o período desse ano em que tais gastos ainda são permitidos (nos três meses imediatamente anteriores à data prevista para a eleição essa publicidade oficial foi proibida pela lei), vale tanto para as esferas de governo às quais a eleição se refira, quanto para quaisquer outras. Desse modo, em ano de eleição geral (Presidente da República, Governadores, Senadores e Deputados), esse limite deve ser observado inclusive pelos Municípios, assim como deve ser observado pelo Governo Federal e pelos Governos dos Estados e do Distrito Federal, nos anos em que ocorram eleições municipais. Para esse limite de gastos com publicidade oficial não vale a ressalva contida no § 3°, do art. 73, da Lei n° 9.504/97, lembrada nos itens 9 e 10, acima.

11.12 DÉCIMA PROIBIÇÃO: revisão geral da remuneração dos servidores públicos, em determinado período anterior à

eleição

Por último, o inciso VIII, do art. 73 da Lei n° 9.504/97, proíbe a todos os agentes públicos realizar, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição. O que o dispositivo proíbe, portanto, é concessão geral de aumentos reais de remuneração dos servidores públicos. Reajustes meramente inflacionários, para reposição da perda do poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, estes são admitidos.

A Resolução n° 20.506, de 18 de novembro de 1999, do Tribunal Superior Eleitoral, que fixou o Calendário Eleitoral

“Propaganda institucional. Gastos. Limites. Art. 73, inciso VII, da Lei n° 9.504/97, de 1997. Multa.

Decisão regional que fixou como valor máximo a ser gasto no primeiro semestre do ano eleitoral a quantia referente à metade da média anual dos três anos anteriores.

Proporcionalidade não prevista em lei. Impossibilidade de se aumentarem restrições estabelecidas na norma legal. A distribuição de publicidade institucional efetuada nos meses permitidos em ano eleitoral deve ser feita no interesse e conveniência da administração pública, desde que observada, como valor máximo, a média de gastos nos três anos anteriores ou do ano imediatamente anterior à eleição. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido e provido para tornar insubsistente a multa aplicada.”. (TSE, Agravo de Instrumento n° 2.506-SP, Rel. Min. Fernando Neves, DJU, Seção 1, 27-04-2001, p. 234).

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para as eleições do ano 2000, fixou esse prazo, a partir do qual a concessão da revisão geral de remuneração ficou proibida, em 04 de abril do ano 2000. Desse modo, de acordo com o calendário eleitoral, a revisão geral da remuneração só podia ocorrer relativamente à inflação ocorrida no ano da eleição e só podia ser concedida até aquela data. Assim, em termos práticos, só a inflação de janeiro, fevereiro e março do ano 2000 é que poderia ser reposta aos salários dos servidores e empregados públicos, e isso desde que a reposição fosse concedida até 4 de abril daquele ano. Após essa data, de acordo com a regra, mesmo o reajuste meramente da inflação pretérita de eventuais outros períodos precedentes, ficou proibido.

Para a definição daquela data – 04 de abril de 2000 – o Tribunal Superior Eleitoral tomou em conta o prazo previsto pelo § 1º, do artigo 7º, da Lei n° 9.504/97 – 180 dias antes da data prevista para a eleição. Deve-se registrar, no ponto, que o inciso VIII, do artigo 73, da mencionada Lei, faz referência exclusivamente ao prazo previsto no artigo 7º. Dito artigo, ao menos em seu caput, não prevê prazo algum. Há prazo previsto no caput do artigo 8º (que afirma deverem as convenções partidárias para escolha dos candidatos e celebração de coligações acontecer entre 10 e 30 de junho do ano da eleição). O artigo 8º da lei correspondia ao art. 7º do respectivo projeto. Pela inclusão de um artigo antes do 7º, este passou a ser o artigo 8º. Todavia, a adaptação não foi feita no inciso VIII do art. 73. Por este motivo é que o TSE optou por definir o início da vedação em 180 dias antes da data prevista para a eleição, utilizando como critério para isto o referido prazo, constante do § 1º do art. 7º da lei. O mesmo entendimento esposado para as eleições do ano 2000 foi repetido nas Resoluções do TSE destinadas ao detalhamento das regras para as eleições subseqüentes, inclusive aquela do ano de 2004. Em relação a ela, o calendário eleitoral foi veiculado pela Resolução TSE n° 21.518/03, que fixou o início do prazo da vedação em 06 de abril de 2004 (180 dias antes da data prevista para a eleição).

A revisão depois dessa data ficava proibida na circunscrição do pleito, isto é, para os funcionários e empregados públicos federais e estaduais, em ano de eleição

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presidencial e estadual, e para os funcionários e empregados públicos dos Municípios, em ano de eleição municipal.

Pessoalmente entendemos, porém, que não apenas os reajustamentos meramente inflacionários para cobrir as perdas havidas durante o próprio ano da eleição, mas também aquelas havidas em anos anteriores, são autorizados, desde que concedidos até 4 de abril do ano 2000. O que não se permite é aumento real de salários. Mas esse entendimento não corresponde ao que ficou decidido pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, quando respondeu a uma consulta, formulada por Prefeito Municipal. Na resposta a essa consulta, o Tribunal se ateve estritamente ao que constou do calendário eleitoral, afirmando que somente a inflação do próprio ano da eleição poderia ser reposta aos salários dos funcionários e empregados públicos municipais no ano da eleição municipal, e ainda assim desde que essa reposição acontecesse, no caso das eleições de 2000, até 4 de abril deste ano.

Mas, seja qual for o entendimento, conceder aumentos gerais de remuneração além da inflação pretérita, havida até o momento da concessão, ao pretexto de que seriam destinados a cobrir expectativas de inflação futura, até a posse dos novos eleitos, também não se admite. Na realidade aí se estaria a mascarar aumento real, cuja concessão é proibida.

O alcance dessa proibição ainda pode ficar sujeito a alterações também em face do que consta do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998. De acordo com aquela regra, “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”. Se a própria Constituição assegura a revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, e tendo a última revisão ocorrido, por exemplo, em setembro do ano imediatamente anterior à eleição, em tese caberia sustentar que for força da própria Constituição é devida a revisão da

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remuneração no ano da eleição, e no mês de setembro, o que contraria a regra da Lei Eleitoral. Se esse entendimento for verdadeiro, então sempre que a revisão geral da remuneração dos servidores tiver que ocorrer dentro dos 180 dias imediatamente anterior à data da eleição, ainda assim deve ser concedida, a despeito dessa regra da lei eleitoral.

11.13 PUNIÇÕES pelo descumprimento dessas proibições

O § 4°, do art. 73, da Lei nº 9.504/97, impõe a suspensão imediata da conduta proibida, em face da violação a qualquer das proibições contidas no mesmo artigo.

Além disso, os responsáveis pela realização da conduta proibida ficam sujeitos ainda a multa no valor de cinco mil a cem mil UFIR. Por responsáveis devem ser entendidos, aqui, não apenas os agentes públicos que praticaram os atos vedados pelo artigo, como também os partidos e especialmente candidatos que com a violação se tenha almejado beneficiar. A multa será aplicada em procedimento administrativo instaurado a requerimento de partido, candidato ou coligação, ou do Ministério Público Eleitoral. No procedimento deve ser assegurada aos acusados ampla defesa e contraditório, segundo preceito constitucional.

Além da suspensão imediata do ato e do pagamento de multa, o § 5° do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n° 9.840, de 28 de setembro de 1999, acrescenta que, em se tratando de violação ao disposto nos incisos I, II, III, IV ou VI, do caput do artigo, e sendo o violador candidato, ficará ele também sujeito a cassação do registro de sua candidatura ou do seu diploma, caso tenha obtido sucesso na eleição.

O procedimento judicial para apuração da conduta violadora às proibições enfocadas, deve obedecer às regras do art. 22 da Lei Complementar n° 64, de 1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades. Não haverá necessidade de discutir se a conduta representou ou não abuso do poder administrativo. A sua simples realização já é sancionada com a cassação do registro. Provada a realização da conduta

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proibida, a cassação será conseqüência, sem necessidade de outras discussões. Diversamente inclusive da exigência que ocorre em face do abuso do poder econômico, do poder político, ou de veículo ou meio de comunicação, para que caracterizem causa de inelegibilidade, representada pela demonstração da potencialidade da conduta abusiva para influir no resultado das eleições, a demonstração de tal potencialidade, quando se trate de violação às proibições do art. 73 da Lei n° 9.504/97, é desnecessária304.

O § 6°, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, determina a duplicação das multas a cada reincidência. Reincidência significa aqui reiteração da conduta proibida, e não reincidência em seu sentido técnico-penal. Não é necessário que tenha transitado em julgado a decisão que haja aplicado a multa pela primeira violação, e que só depois disso é que tenha ocorrido a segunda, para que se tenha reincidência, no sentido deste parágrafo. Mesmo que a primeira violação

304 Nesse sentido, a seguinte decisão do colendo Tribunal Superior Eleitoral:“Representação. Mensagem eletrônica com conteúdo eleitoral. Veiculação. Intranet de Prefeitura. Conduta vedada. Art. 73, I, da Lei n° 9.504/97. Caracterização.1. Hipótese em que a Corte Regional entendeu caracterizada a conduta vedada a que se refere o art. 73, I, da Lei das Eleições, por uso de bem público em benefício de candidato, imputando a responsabilidade ao recorrente. Reexame de matéria fática. Impossibilidade.2. Para a configuração das hipóteses enumeradas no citado art. 73 não se exige a potencialidade da conduta, mas a mera prática dos atos proibidos.3. Não obstante, a conduta apurada pode vir a ser considerada abuso do poder de autoridade, apurável por meio de investigação judicial prevista no art. 22 da Lei Complementar n° 64/90, quando então haverá de ser verificada a potencialidade de os fatos influenciarem o pleito.4. Não há que se falar em violação do sigilo de correspondência, com ofensa ao art. 5°, XII, da Constituição da República, quando a mensagem eletrônica veiculada não tem caráter sigiloso, caracterizando verdadeira carta circular.Recurso especial não conhecido” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 21.151, Classe 22ª, PR, Rel. Min. Fernando Neves, DJU, Seção 1, 27-06-03, p. 124, j. em 27-03-03, unânime).Particularmente, entendemos que esta sanção de cassação do registro do candidato beneficiado pela infringência a algumas das proibições constantes do art. 73 da Lei n. 9.504/97 importa em inconstitucionalidade, na medida em que somente lei complementar pode dispor sobre outras causas de inelegibilidade, além das previstas na própria Constituição. Como a Lei n. 9.504/97 é lei ordinária e como a cassação do registro, segundo entendemos, equipara-se à inelegibilidade para aquele pleito considerado, a sanção, porque prevista em lei ordinária, padeceria de inconstitucionalidade formal. Não é este, porém, o entendimento do TSE, que afirma a validade constitucional da regra que autorização a cassação do registro ou do diploma, em semelhante contexto.

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ainda não tenha sido julgada, a multa pela prática da segunda já será dobrada. Isso, claro está, desde que pelo menos seja aplicada multa pela primeira violação. Se o Juiz ou Tribunal vier a entender que esta não existiu, naturalmente que a outra não representará reiteração, mas sim a primeira infração a considerar.

O § 7°, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, caracteriza a violação às proibições contidas em seu caput como atos de improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei n° 8.429/92. Essa lei enumera (ainda que exemplificativamente) os atos de improbidade administrativa e fixa suas punições de natureza não-penal e o procedimento para sua apuração. O § 7º, do art. 73, da Lei nº 9.504/97 enfatiza em particular a aplicação, aos infratores das proibições contidas nesse artigo, das punições previstas pelo inciso III, do art. 12, da Lei n° 8.429/92, que incluem a suspensão dos direitos políticos do responsável por tais atos de improbidade administrativa e a perda da função pública que exerçam, além do ressarcimento de eventuais danos ao erário, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e de dele receber benefícios fiscais ou creditícios. Essas punições, previstas naquela lei, serão aplicáveis ao agente público faltoso, sem prejuízo da suspensão da conduta vedada e da aplicação da multa administrativo-eleitoral, prevista pelo § 4°, do art. 73 da lei eleitoral.

As penalidades previstas na Lei n° 8.429/92, art. 12, III, serão aplicadas em processo específico, da competência da Justiça Federal ou Estadual comum, ou do Distrito Federal, consoante se trate de agente público da União, de Estado, do Distrito Federal ou de Município305. Mas a determinação da suspensão da conduta vedada, a cassação

305 Nesse sentido, a seguinte decisão do colendo TSE: “Recurso Especial. Representação. Conduta vedada. Lei n° 9.504/97, art. 73, I, § 7°.

Improbidade administrativa. Lei n° 8.429/92. Incompetência da Justiça Eleitoral. Supressão de instância. Não ocorrência.

1. A Lei n° 9.504/97, Art. 73, I, § 7°, sujeita as condutas ali vedadas ao agente público às cominações da Lei n° 8.429/92, por ato de improbidade administrativa.2. Todavia, não é possível a aplicação dessas sanções pela Justiça Eleitoral, quanto menos

através do rito sumário da Representação.3. A designação de Juízes Auxiliares, que exercem a mesma competência do Tribunal Eleitoral, trata-se de faculdade conferida pela Lei n° 9.504/97, Art. 96, II, § 3°.

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do registro ou do diploma do candidato beneficiário, e a aplicação da multa administrativo-eleitoral, estas são da competência da Justiça Eleitoral, podendo ser requeridas por qualquer candidato, partido ou coligação, e também pelo Ministério Público Eleitoral.

O § 9°, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, finaliza dizendo que na distribuição dos recursos do Fundo Partidário, previsto pela Lei n° 9.096/95, oriundos da aplicação das multas previstas no § 4° do mesmo artigo 73, deverão ser excluídos os partidos beneficiados pelos atos que originaram as multas. As multas aplicadas por violação a dispositivos de Direito Eleitoral têm sua receita destinada ao Fundo Partidário, conforme previsto pelo art. 38 da Lei nº 9.096/95. O Fundo tem seus recursos distribuídos aos partidos políticos. O que o § 3º, do art. 73 da Lei nº 9.504/97 faz, é determinar que aquela parcela do Fundo, originária das multas aplicadas com base no § 4° do mesmo artigo, não seja destinada ao partido beneficiado com a violação a alguma das proibições contidas no artigo 73. Desse modo, não receberá ele de volta nem mesmo uma parcela dos recursos provenientes da multa, os quais serão na verdade destinados a todos os demais partidos. Se a violação tiver tido por escopo beneficiar uma coligação, todos os partidos dela integrantes deverão ser excluídos do rateio da parte do Fundo composta com as multas previstas no § 4° do artigo 73 da lei eleitoral.

O artigo 78 da Lei nº 9.504/97 também afirma expressamente que as punições previstas nos §§ 4° e 5° do art. 73 da mesma lei, serão aplicadas sem prejuízo de outras de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar, que as demais leis possam prever. A responsabilidade pela infração eleitoral será distinta, portanto, da responsabilidade penal, constitucional ou administrativa, pela mesma conduta.

11.14 PROIBIÇÕES ADICIONAIS: pagamento de shows com recursos públicos, em inaugurações, nos três meses que

antecedem a eleição e uso de transporte oficial pelo Prefeito

4. Recurso Especial parcialmente provido” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 15.840-MS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, Seção 1, 10-09-99, p. 66).

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Municipal ou pelo Vice-Prefeito Municipal candidatos à reeleição

O § 2°, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, diz que a proibição do uso de bens públicos em benefício de candidato não se aplica ao uso de transporte oficial pelo Presidente da República, mesmo para atos da campanha eleitoral, e desde que obedecido aquilo que determina o art. 76 da mesma lei, nem se aplica ao uso de suas residências oficiais, onde existam, por parte dos candidatos à reeleição de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, para a realização de contatos, encontros e reuniões pertinentes à própria campanha, desde que não tenham caráter de ato público. Os Chefes de Poder Executivo, candidatos à reeleição, podem receber em suas residências oficiais os seus correligionários, para tratar de suas candidaturas e das respectivas campanhas.

Só não podem realizar nelas atos públicos. O palácio residencial do Presidente da República, dos Governadores de Estados e do Distrito Federal, e mesmo eventuais residências oficiais de Prefeitos Municipais (hipótese já bem menos comum), não convém que sejam transformados em palcos de comícios de campanha.

O dispositivo autoriza o Presidente da República a empregar transporte oficial, qualquer que seja sua modalidade, inclusive para deslocar-se para a realização de atos de campanha eleitoral, quando seja candidato à reeleição. Todavia, as despesas com esses deslocamentos de campanha devem ser ressarcidas, nos moldes preconizados pelo artigo 76 e seus parágrafos, da Lei nº 9.504/97.

Pode-se controverter em torno da constitucionalidade de uma regra como essa. A Constituição Federal insere, entre os princípios norteadores da Administração Pública em geral, o da impessoalidade (art. 37, caput). Esse princípio tem como corolário o de que todo bem público deve ser utilizado em benefício de toda a coletividade, e não para vantagem privada de qualquer agente público, ou terceira pessoa, mesmo não ligada diretamente à Administração. Tal não ocorre, convenha-se, quando o veículo de transporte

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oficial da Presidência da República - que é bem público - é utilizado em benefício do Presidente da República agindo não na qualidade de Chefe do Poder Executivo, mas sim da mesma pessoa, agindo unicamente na qualidade de cidadão - e como tal particular - em busca de votos.

A permissão do uso do veículo de transporte oficial da Presidência da República para deslocamento do Presidente, candidato à reeleição, e de sua comitiva, em atos de campanha eleitoral, parece não se conformar adequadamente com o referido princípio constitucional da Administração Pública.

Além disso tudo, se essa autorização do uso de meios de transporte oficial para atos de campanha eleitoral por parte do Presidente da República, candidato à reeleição, e de sua comitiva, embora sujeita a ressarcimento de despesas, for havida por constitucional, de se ponderar, finalmente, se a analogia e a homenagem ao princípio constitucional da isonomia, não imporiam a necessidade de ser essa autorização estendida também aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e aos próprios Prefeitos Municipais, quando candidatos à reeleição. Tudo sempre sujeito ao ressarcimento, a exemplo do que se passa com o Presidente da República. A inconstitucionalidade da regra, porém, parece ser nítida.

De todo modo, a Resolução nº 20.562, de 02 de março de 2000, do Tribunal Superior Eleitoral, publicada no Diário da Justiça da União do dia 27 de março daquele ano, e que veiculou as instruções do Tribunal relativas à propaganda eleitoral durante as eleições daquele ano, proibiu o uso de transporte oficial por Prefeitos e Vice-Prefeitos em campanha, autorizando apenas que veículos oficiais fossem utilizados pelos membros de sua equipe de segurança, mesmo durante os deslocamentos de campanha, desde que as pessoas de sua segurança não desenvolvam qualquer atividade relacionada com a campanha eleitoral. A mesma proibição foi reiterada por meio do § 4º, do art. 44, da Resolução nº 21.610, de 5 de fevereiro de 2004, que veiculou as instruções para as eleições municipais do ano de 2004.

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Aos Prefeitos e Vice-Prefeitos candidatos ficou, portanto, vedado o uso de seus veículos oficiais, em atividades de campanha eleitoral.

O art. 75 da Lei nº 9.504/97 proíbe o pagamento com dinheiro público, de shows artísticos apresentados por ocasião de inaugurações de obras públicas, nos três meses que antecedem as eleições.

A realização de shows artísticos como ato de campanha política é perfeitamente lícita. O que não se admite, porém, é que a inauguração de uma obra pública seja indiretamente transformada em comício de campanha eleitoral, inclusive com apresentações artísticas, destinadas a atrair o público para aquele ato oficial, com pagamento da remuneração dos artistas que se apresentarem, pelos cofres públicos. Nos comícios a sua apresentação é livre e o pagamento das despesas com as apresentações é considerado despesa de campanha pelo inciso XI, do art. 26 desta lei.

Nas inaugurações de obras públicas que aconteçam nos três meses anteriores a cada eleição, ficam proibidas tais apresentações, com pagamento pelos cofres públicos. Pode-se até mesmo sustentar que essas apresentações artísticas serão vedadas, nos três meses anteriores ao pleito, quando realizadas por ocasião da inauguração de obras públicas, mesmo que o pagamento dos artistas que se apresentarem não seja feito pelos cofres públicos. É que o art. 77 desta lei proíbe aos candidatos a cargos do Poder Executivo participar de inaugurações de obras públicas, também nos três meses que antecederem cada eleição. Nítida indicação de que a lei não pretende que a inauguração de obra pública seja transformada em comício de campanha. Tudo a indicar que as apresentações artísticas devem se havidas por vedadas, mesmo que não sejam pagas com recursos públicos, nos três meses anteriores a cada eleição, quando realizadas ao ensejo da inauguração de obras públicas.

Como já foi dito, o art. 77 da Lei nº 9.504/97 proíbe os candidatos a cargos do Poder Executivo, de participarem de inaugurações de obras públicas, nos três meses anteriores às eleições. Essa proibição aplica-se, segundo decidiu o TSE,

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inclusive aos Prefeitos Municipais candidatos à reeleição (e também aos Vice-Prefeitos candidatos à reeleição), que ficam impedidos de participar inclusive de inaugurações das obras realizadas em suas próprias gestões.

O candidato a cargo executivo (Presidente da República, Governador ou Prefeito) que violar a regra desse artigo, pode ter seu registro cassado. Esse o preceito do parágrafo único do art. 77 da Lei. O pedido de cassação pode ser feito por qualquer outro candidato, partido ou coligação, e também pelo Ministério Público Eleitoral.

12 A Lei de Improbidade como fator

de aproximação do Ministério Público com o

Tribunal de Contas

Basílio Elias De Caro

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12 A LEI DE IMPROBIDADE COMO FATOR DE APROXIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM O TRIBUNAL DE CONTAS

Basílio Elias De Caro

Procurador de Justiça; Coordenador-Geral do Centro de Apoio da Moralidade Administrativa do Ministério Público de Santa Catarina.

“O poder e a lei não são sinônimos. Na verdade, freqüentemente são opostos e inconciliáveis”.

12.1 INTRODUÇÃO

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A frase em epígrafe, atribuída ao virtuoso homem público e tribuno inigualável dos tempos da Roma antiga, Marco Túlio Cícero, foi dita há mais de dois mil anos. Pode, à primeira vista, parecer que traduz uma obviedade, mas contém, na essência do seu significado, a razão de ser da existência dos órgãos e mecanismos de controle da Administração Pública encarregados de verificar a exação e reprimir a desconformidade dos atos dos seus agentes.

Traduziu o testemunho do advogado, escritor, pretor, governador, senador e cônsul romano, que se notabilizou como defensor intransigente da então república que reprimia com o exílio, através da Lex Julia, os atos danosos ao erário público.

Práticas abusivas direcionadas intencionalmente contra o interesse público e sempre em favor dos apetites pessoais do autor dos desmandos ou de terceiros a quem queira beneficiar, representam uma verdade de fácil percepção e constituem uma das facetas do descompasso havido entre o mau uso do poder e a lei. A esse procedimento vulgarmente denominamos corrupção, ou atos de improbidade administrativa, segundo a acepção técnica do termo, punidos, sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas, com as severas sanções do Art. 12 da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992: a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, conforme os parâmetros estabelecidos em seus três incisos e respectivo parágrafo único.

12.2 OBJETIVOS CONSTITUCIONAIS E DEVERES DOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM FACE DOS PRINCÍPIOS DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO

E DA LEI DE IMPROBIDADE

A Constituição Federal submete a Administração Pública aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Art. 37, caput). Contém

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comando no § 4º do mesmo artigo, determinando a punição ao vilipendio do princípio da moralidade administrativa, onde se insere o dever de probidade no trato da coisa pública, com a suspensão dos direitos políticos, com a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e obrigando o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Rui Samuel Espíndola306, enfatizando os princípios elencados no caput do Art. 37 da Constituição, salienta:

“Esses princípios, entre outros, endereçam-se ao objetivo precípuo do constitucionalismo: o controle do poder político, o controle do atuar administrativo em face dos Direitos da Pessoa Humana, dos grupos sociais organizados e suas demandas por saúde, educação, justiça, lazer, moradia, segurança e demais elementos que compõem o feixe de valores circundantes da esfera mínima de dignidade exigível por cada pessoa, especialmente as desprovidas de posse e recursos materiais suficientes à sua subsistência e de sua família”.

E a Lei de Improbidade Administrativa dita em seu art. 4º:

“Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos atos que lhe são afetos”.

Marino Pazzaglini Filho comenta esse dispositivo, dizendo307:

“Velar pela estrita observância não significa apenas cumprir, mas também fazer cumprir. É o dever de zelo e

306 Princípios Constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas, revista da Esmesc, vol.14, p. 40/41.307 Improbidade Administrativa, São Paulo, Atlas, 3ª ed. p.50

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obediência aos princípios da Administração Pública, de cuja inobservância resultam as espécies de improbidade ditadas pelo art. 11, entre os quais se amolda não apenas a conduta comissiva, mas também o que é mais comum, a omissiva, ou seja, o incumprimento por parte do agente público, dotado de competência administrativa, do dever de persecução para as venalidades de que tem ciência em razão das suas funções. Tão ou mais censurável que afrontar uma norma é o silêncio sobre seu descumprimento, omissão que contribui para o esvaziamento dos princípios aludidos”.

12.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O TRIBUNAL DE CONTAS

É fácil então concluir nesse contexto normativo, que no Direito pátrio se pretende coibir a improbidade de forma exemplar, e que para isso todos os agentes e organismos públicos devem prestar o seu concurso, apurando as infrações nos limites das suas atribuições, e esgotando-as nesse afã, e mesmo provocando a iniciativa de outros órgãos dotados de atribuições diversas, porém, voltadas ao mesmo fim, com o propósito de esgotar o conteúdo dos comandos legais que prevêem a imposição cumulativa de sanções ao infrator, para que não torne a investir contra o interesse público, contra valores essenciais consagrados no diploma ordenador do Estado.

Ainda antes do advento da Carta de 1988 e, também, da Lei 8.429/92, entre outras conclusões contidas na tese “O Ministério Público e os Abusos do Poder Administrativo”, aprovada por unanimidade no VI Congresso Nacional do Ministério Público realizado na cidade de São Paulo, em junho de 1985, versando sobre o tema “Justiça e Constituinte”, o Procurador de Justiça catarinense José Galvani Alberton preconizava:

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“2-É dever da Administração Pública exaurir a perspectiva teleológica da lei, ensejando, sempre que cabível, a responsabilização supletiva, civil e/ ou penal, do infrator das normas administrativas”.

Considerando, pois, que nos termos da Constituição à Administração Pública compete observar e fazer cumprir os princípios que lhe são inerentes, os seus órgãos de controle interno e externo devem portar-se como “vasos comunicantes” onde a troca de informações e o apoio mútuo sejam uma constante, de sorte a permitir a evolução dos mecanismos de controle e a repressão aos atos de improbidade tornando efetivas as determinações constitucionais e as específicas sanções da Lei n. 8.429/92, e, isto é importante, sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas.

Posta assim a questão cabe ressaltar que constitui necessidade imperativa a intensificação do intercâmbio de informações, a mútua colaboração, a interação entre o Ministério Público e o Tribunal de Contas como forma de emprestar-se plena eficácia à atuação de ambas as instituições, e à Lei de Improbidade, em face do sentido finalístico das suas missões constitucionais nesta área, de onde derivam conseqüências específicas.

É que enquanto os Tribunais de Contas “verificam a legalidade das despesas, constatam a ocorrência de prejuízos aos erários sob sua proteção, atestam a prática de violação à moralidade administrativa, exercitada por diferentes meios, certificam o desvio de recursos, em favor dos agentes ou de terceiros, demonstram a realização de aquisições ou alienações viciosas de bens; comprovam o favorecimento de terceiros em detrimento do patrimônio público; evidenciam a omissão ou negligência do agente público; testemunham infrações aos princípios da legalidade, legitimidade, da economicidade....”308 podendo, em face disso, recomendar a rejeição das contas ao legislativo, e imputar débitos com força de título executivo extrajudicial, o Ministério Público, titular da ação penal, do inquérito civil, e

308 Fernandes Flávio Sátiro, Improbidade Administrativa, site Jus Navigandi

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legitimado para a propositura da ação civil pública destinada à proteção do patrimônio público ( CF, Art. 129 I e III), persegue perante o Judiciário a efetividade dos comandos normativos sancionadores.

Cumpre salientar, que a legitimidade ativa do Ministério Público para a tutela judicial do patrimônio público não se restringe apenas à ação civil por ato de improbidade, que é ação de conhecimento.

Quando o Artigo 25, inciso VIII, da Lei Complementar 8.625/93 - Lei Orgânica do Ministério Público - preceitua incumbir-lhe “ingressar em Juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais ou conselhos de contas”, está legitimando o Ministério Público a promover também a “ação” de execução das decisões do Tribunal que importem imputação de débito, às quais a Constituições Federal (Art.71, § 3º) atribui eficácia de título executivo extrajudicial.

Essa atribuição é compatível com a finalidade institucional de defesa do patrimônio público constitucionalmente prevista, e não conflita com a proibição estampada no inciso IX, do artigo 129 da Constituição da República, que veda ao órgão ministerial a representação judicial de entidades públicas; É que em tal hipótese o bem jurídico tutelado é o patrimônio público, bem de todos, visando ao ressarcimento do dano. Situação diversa se apresenta diante da imposição de multas pela Corte de Contas, quando então a busca da tutela jurisdicional é conferida com exclusividade ao Estado através do seu órgão de representação judicial, porque aí não se cuida de preservação da coisa pública, mas de implemento de sanção administrativa.

A legitimação ativa conferida ao Ministério Público para a Execução é providencial. Permite a reparação do dano sem prejuízo do manejo da ação de improbidade visando à imposição das demais sanções; propicia maior celeridade no repatriamento da lesão ao erário, posto que a etapa do processo de conhecimento para essa finalidade fica abolida; garante a eficácia e o respeito às decisões do Tribunal de Contas, muitas vezes desconsideradas nesse tocante, uma vez que o representante legal da pessoa

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jurídica de direito público lesada, a quem concorrentemente também cabe promover a execução, direta ou indiretamente, por interesse próprio ou de terceiro, poderá deixar de agir.

É consabido que parcela considerável das iniciativas do Ministério Público na defesa da probidade administrativa originam-se de documentos e de notícias provenientes do Tribunal de Contas.

Com certeza elas haveriam de crescer na hipótese de incremento do relacionamento entre Ministério Público e Tribunal de Contas - que deve ser uma via de mão dupla - porque, assim como os documentos emanados do órgão, por sua inerente credibilidade, subsidiam parcela das iniciativas ministeriais, estas poderão prestar-se a informar o Tribunal a respeito de fatos e situações eventualmente por ele não sabidos, e cujo conhecimento poderá mostrar-se útil no desempenho das suas atribuições.

É possível prenunciar que todos os organismos de controle deverão ter uma carga considerável de trabalho adicional brevemente, a exigir mútua e estreita colaboração, a partir da certa aprovação do Projeto de Lei n. 2.546/2003 que “institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública”, a chamada PPP, já em fase de adiantada tramitação no Congresso Nacional, permitindo que, com maior amplitude e privilégios, o capital privado nacional e internacional abocanhe um novo mercado que propiciará o desempenho de atividades de competência da Administração Pública, a delegação total ou parcial da prestação ou exploração de serviço público precedida ou não da execução de obra pública, entre outras possibilidades.

Boa ou má a inovação para o País, o tempo dirá. É certo, porém, que este novo “eldorado” que se instalará inicialmente no âmbito da União, mas que irá refletir-se sem demora nos estados da federação, ensejará disputas inescrupulosas, uma vasta linha de frente, onde um nicho de corrupção poderá instalar-se, dado o grande volume de recursos e oportunidades que suscitarão a cobiça. Para isso Ministério Público e Tribunal de Contas estar atentos e bem dispostos, porque, sem sombra de dúvidas, serão chamados a intervir.

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Por fim, vale associar ao tema, nas devidas proporções, a concepção de repartição dos poderes de Montesquieu, transposta para o sistema constitucional de freios e contrapesos quanto ao controle dos atos da Administração, cujo substrato consiste em que aquele que detém o poder tende a dele abusar, impondo-se, pois, que o poder detenha o poder.

12.4 CONCLUSÕES

1 - Os princípios constitucionais encabeçados no Art. 37 da Constituição Federal representam mecanismos de controle dos atos da Administração, sendo dever dos seus agentes cumpri-los e fazer com que sejam cumpridos;

2 - Inseridos nesse mister por força das suas atribuições constitucionais, compete ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, como organismos de controle, agir em estreita colaboração com o propósito de darem efetividade aos comandos legais com vistas à preservação do patrimônio público e reparação dos danos que lhe forem causados, bem como à imposição das sanções previstas na Lei de Improbidade;

3 - Dentro dessa perspectiva de exaurimento das determinações legais, a troca de informações assume aspecto relevante, prestando-se a subsidiar o desempenho das atribuições do Ministério Público e do Tribunal de Contas na busca de resultados;

4- Ao lado da legitimidade para a ação civil por ato de improbidade buscando a reparação dos danos ao patrimônio público e a imposição das sanções previstas na Lei 8.429/92, grande parte das vezes instruídas com peças informativas originárias do Tribunal de Contas, compete ao Ministério Público promover a Execução das decisões do Tribunal, das quais resulte a imputação de débitos aos agentes públicos;

5 - O exercício dessa atribuição abrevia o tempo necessário à recomposição do desfalque ao patrimônio público por dispensar os trâmites inerentes ao processo de conhecimento, e implementa a autoridade imanente das

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decisões do Tribunal de Contas, propiciando-lhes plena eficácia.

Referências Bibliográficas

ALBERTON, José Galvani. O Ministério Público e os abusos do Poder Administrativo. In: Justitia, vol. 131-A..

DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996.

ESPÍNDOLA, Rui Samuel. Princípios Constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. In: Revista da ESMESC, vol. 14.

FERNANDES, Flávio Sátiro. Improbidade Administrativa. Disponível no site Jus Navegandi.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas. 3. ed.

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13 O papel da Sociedade Civil no

combate à Improbidade Administrativa

Francisco Whitaker

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13 O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL NO COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Francisco Whitaker

Membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e do Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral.

13.1 AS DUAS FORMAS DE SE ENFRENTAR A IMPROBIDADE

Como no enfrentamento de todo problema social, o combate à improbidade administrativa – forma menos brutal de nos referirmos à corrupção – pode ser feito sob dois enfoques: “de fora para dentro” ou “de dentro para fora”.

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A ação “de fora para dentro” é a usual. Procura-se geralmente evitar os atos de improbidade, e punir quem tenha agido sem o respeito devido aos recursos públicos. Para inviabilizar ou pelo menos dificultar o desvio desses recursos, criam-se e aperfeiçoam-se regras de procedimento no seu uso, assim como instrumentos de controle posterior. Leis e regulamentos constroem uma espécie de blindagem em torno dos eventuais infratores, proibindo-os de agir desta ou daquela forma, vedando este ou aquele procedimento, ao mesmo tempo em que lhes são feitas ameaças de punição se fizerem o que está proibido ou vedado. E ao se buscar punir rigorosamente – e exemplarmente - quem desrespeite as normas estabelecidas, espera-se que o temor dessa punição induza os administradores públicos a agirem corretamente.

Tais mecanismos são evidentemente necessários para impedir a improbidade, mais ainda quando a impunidade protege quem desrespeita as normas, como infelizmente é o caso, o mais das vezes, no Brasil. Com a agravante de que é toda a sociedade que se deteriora com essa impunidade, já que, segundo nos ensina a sabedoria popular, “o exemplo vem de cima”.

Mas essa ação “de fora para dentro” acaba levando à necessidade de um permanente crescimento do sistema fiscalizador e repressivo, porque a reação dos fiscalizados é menos a de aceitar os procedimentos exigidos que a de procurar escapar da fiscalização. Quase sempre o que prevalece é uma postura de “esperteza”, na busca de formas de burlar a regra e escapar da punição, com o uso de todos os meios possíveis para que a infração passe despercebida ou para postergar indefinidamente a execução da punição.

A ação “de dentro para fora” tem outra lógica: ela procura levar a que a improbidade administrativa se torne inaceitável para as próprias pessoas responsáveis pela administração de recursos públicos. E é nesse tipo de ação que a sociedade civil tem um papel insubstituível e decisivo a cumprir. De fato, a ação da sociedade, enquanto ator político – mais além dos governos e dos partidos – pode ter um efeito mais consistente e mais duradouro do que a ação “de fora para dentro”.

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Nas leis de trânsito isto fica bem evidente. É absolutamente proibido passar um sinal vermelho. Quem o fizer, será multado pesadamente. Deveria até perder sua carteira de habilitação como motorista, como chega a ocorrer em outros paises. As pessoas param então no sinal vermelho para não correrem esse risco. Como essa abordagem do problema – “de fora para dentro” - exige que as ações das pessoas sejam fiscalizadas, um corpo de controladores é distribuído pelas ruas, aplicando multas. Ou, quando há recursos para isso, aproveita-se o avanço tecnológico para multar os infratores fotografando a infração.

Abordando esse mesmo problema “de dentro para fora”, mais além de se proibir que o sinal vermelho seja desrespeitado, procura-se demonstrar ao motorista, e convencê-lo, de que é melhor para ele e para os outros que se pare nos sinais vermelhos. É a diferença entre o policiamento do trânsito e a educação para o trânsito. As pessoas pararão no sinal vermelho se estiverem convencidas de que isso é necessário para que o trânsito possa fluir – primeiro passam os que estão com sinal verde enquanto os outros esperam, e assim por diante. Ou o farão porque sabem que assim podem evitar colisões – nas quais o próprio motorista pode ser vitimado - ou atropelamentos, em que se pode tirar a vida de outras pessoas. Os motoristas assumem assim sua responsabilidade social.

Se todos agissem dessa forma, passaria a ser desnecessária ou poderia ser menos necessária a presença de fiscais de trânsito cuidando dos sinais vermelhos. E a sociedade como um todo ganharia também em vários aspectos, podendo até redirecionar, para o atendimento de outros tipos de necessidade social, o dinheiro público que economizasse com a desnecessidade de fiscalização.

Mas, tanto no trânsito como na improbidade administrativa, a tendência é a de gastar muito mais recursos na fiscalização e na punição do desrespeito às normas de procedimento - como se, de fato, só aprendêssemos na base da multa, da detenção, da prisão - do que na conscientização sobre a responsabilidade social de cada um, de dentro para fora das pessoas. Aqueles que

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assumem cargos públicos sem a consciência e a responsabilidade de que passam a ser servidores públicos sempre encontram formas de escapar de toda e qualquer blindagem que se queira fazer em torno deles, com leis e normas, Tribunais de Contas, Ministério Público.

Um bom exemplo é o das contas CC5. A globalização e, com ela, a facilitação da circulação de capitais pelo mundo afora, criaram a possibilidade, no Brasil, de se utilizar esse tipo de conta bancária para expatriar recursos. Tal possibilidade de transferir dinheiro internacionalmente se tornou, portanto, legal. E as autoridades monetárias no inicio pouco fiscalizavam as origens dos recursos assim expatriados. Disso naturalmente se aproveitaram os traficantes de drogas, os chefes do crime organizado, os políticos corruptos. Mas foi preciso criar sistemas de fiscalização porque até quem ganhou seu dinheiro de forma lícita fez um uso imoral dessa possibilidade – dentro da cultura da esperteza. Como é vedado deixar de pagar impostos sobre a renda, as pessoas encontraram, através das contas CC5, a possibilidade de fazer sair seu dinheiro do país sem pagar os impostos devidos. Pior ainda, descobriram que podiam reaplicá-los no próprio Brasil, de novo sem pagar impostos, como se fosse capital estrangeiro - mutação possível com um passeio do dinheiro nos paraísos fiscais, através das contas CC5.

É fundamental, portanto, enfrentar a questão da improbidade administrativa também “de dentro para fora”, com o objetivo de desenvolver, dentro das pessoas, uma postura de repulsa à conduta dos aproveitadores e a todo ato que prejudique a sociedade.

Recentemente o TRE do Rio de Janeiro levantou uma celeuma nacional ao cassar o registro de candidatos a vereador indiciados em processos judiciais, por crimes e infrações diversas. A reação imediata a essa iniciativa foi a de levantar contra ela o direito constitucionalmente assegurado, a todo cidadão brasileiro, de só sofrer esse tipo de restrição com sentença condenatória com trânsito em julgado. Mas é grande a quantidade de recursos, com efeito protelatório, que são possíveis no nosso sistema jurídico. E deles se utilizam também e especialmente os mal-

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intencionados, visando escapar de punições. O trânsito em julgado se dá depois de muitos anos e de muitos mandatos... Como, no entanto, evitar que pessoas sem nenhuma condição ética de exercer um mandato popular possam se apresentar como candidatos e inclusive serem eleitas?

Na discussão que se seguiu a essa iniciativa do TRE do Rio foi levantada uma hipótese que seria de fato um avanço, rumo à solução efetiva desse problema social – mais rápida do que uma difícil revisão desse direito constitucional ou de uma igualmente difícil diminuição das possibilidades de recursos: levar os partidos políticos a submeterem a critérios mais estritos a aceitação de candidaturas pela respectiva legenda. Por exemplo, seria possível estabelecer que os partidos não apresentassem aos eleitores, em suas listas de candidatos, pessoas já condenadas pelo menos em segunda instância. Trata-se de uma solução “de dentro para fora”, com os partidos assumindo toda a sua responsabilidade social. O raciocínio é que eles não deveriam esperar a fiscalização – de fora para dentro, como a do policial de trânsito – para cumprir a responsabilidade que lhes cabe de propor programas e indicar, para receberem mandatos políticos e realizarem efetivamente esses programas, pessoas confiáveis. Ora, para que isso se torne possível é necessário que a sociedade civil se mobilize e pressione os partidos para que adotem tal regra. E, neste caso, só a sociedade civil tem condições de fazê-lo.

A próxima parte do presente artigo relata uma experiência vivida no Brasil com esse mesmo tipo objetivo 309. Nela, a sociedade pretendeu assegurar a qualidade moral e ética dos representantes do povo nos governos – condição básica para que a improbidade administrativa seja enfrentada “de dentro para fora”. E propôs, pelo mecanismo da iniciativa popular de lei, uma modificação legislativa que combatesse a corrupção eleitoral, pelo afastamento, da lide eleitoral, de pessoas inescrupulosas que se elegem comprando votos. Tais políticos, quando eleitos, engrossam

309 Para esta parte do presente artigo foi reaproveitado o texto de palestra sobre “O Combate à Corrupção Eleitoral” proferida pelo autor em 06/07/04, no 11º Curso de Extensão Universitária – “O Direito Eleitoral e o Processo Democrático”, da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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com toda a certeza a legião dos que entram na vida pública para tirar proveito pessoal, desviando recursos públicos para si mesmos, e, se forem legisladores, vendendo por sua vez seu voto de parlamentares para prefeitos, governadores, presidentes.

13.2 A PREVENÇÃO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ATRAVÉS DO COMBATE À

CORRUPÇÃO ELEITORAL

Essa experiência demonstra que é possível combater a impunidade “de dentro para fora”, com a sociedade civil como impulsionadora da mudança, mas mostra também que não é fácil faze-lo, exigindo-se muita persistência e clareza de objetivos.

Em 1997 iniciou-se no Brasil um processo muito intenso de mobilização da sociedade civil em torno da problemática eleitoral. Este processo resultou na aprovação, no Congresso Nacional, em 1999, de uma lei proposta por iniciativa popular.

Esse instrumento de participação da sociedade no processo legislativo foi criado pela Constituição de 88, em seguimento também a toda uma mobilização da sociedade no processo constituinte, iniciada em 85. Esta mobilização visou, primeiro, que fosse instalada uma Constituinte no Brasil, para acabar com a legislação autoritária herdada do regime militar: e, depois, que se abrisse a possibilidade da população apresentar emendas ao projeto de constituição, as chamadas “emendas populares”, para que a nova Constituição brasileira não fosse elaborada de cima para baixo.

De fato, depois de ganha a luta por uma Constituinte, o Presidente Sarney nomeou uma “comissão de notáveis” para elaborar uma nova Constituição, convidando, para integrá-la, não somente juristas, mas também pessoas com outros tipos de conhecimento. Isto já era um passo adiante relativamente a experiências constituintes anteriores. Numa delas, por exemplo, como se sabe, nossa Constituição foi elaborada por uma só pessoa... Essa “comissão de notáveis”

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já reunia, portanto, representantes de muitos setores da sociedade, mas aqueles que participavam daquele reinicio do processo de redemocratização do Brasil, organizados no Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte, pressionaram para que a elaboração da nova Constituição não ficasse nas mãos somente de “notáveis”, com a Constituinte recebendo um projeto pronto e acabado, mas sim que toda a sociedade fosse ouvida.

Disso resultou um enorme processo de participação, que transformou o Congresso Nacional num espaço de intensa atividade, recebendo diariamente milhares de pessoas, comissões, caravanas, etc., gente do Brasil todo, de todos os setores sociais, que iam lá para defender seus interesses. E uma das formas objetivas de defender esses interesses foi introduzida, no Regimento Interno da Constituinte, pela possibilidade dos cidadãos apresentarem “emendas populares” ao projeto de Constituição, desde que tivessem a assinatura de 30 mil eleitores. Esse processo foi aberto em 86, até a apresentação de emendas em 87, com a sociedade civil organizada em rede, pelo Brasil todo, por meio do Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte.

No final do processo foram apresentadas 122 emendas - cada uma delas com muito mais do que o mínimo das trinta mil assinaturas exigidas - atingindo um total de doze milhões de assinaturas. As pessoas tinham o direito de assinar somente três emendas – e cada cidadão levava esse limite muito a serio, ninguém fiscalizava “de fora para dentro”, porque havia uma consciência “de dentro para fora”. Pode-se dizer, portanto, que no mínimo quatro milhões de brasileiros assinaram emendas ao projeto de Constituição, participando dessa forma do processo constituinte.

Através desse sistema foram introduzidas várias inovações na nova Constituição. Entre estas, a proposta pelo próprio Plenário Pró-Participação Popular, que apresentou uma emenda criando novos instrumentos de participação popular: a iniciativa popular de lei, o referendo e o plebiscito. Essa emenda chegou com 400 mil assinaturas, mais de dez vezes mais, portanto, do que o limite mínimo estabelecido. Quase como uma conseqüência disso, as regras estabelecidas para a iniciativa popular de lei, na

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Constituição, foram mais duras: é necessário que esta seja subscrita por no mínimo um por cento do eleitorado brasileiro.

Uma tal exigência praticamente inviabilizou o uso deste instrumento, daí resultando sua pouquíssima utilização até hoje. Na verdade não se trata somente de assinaturas com o respectivo RG, como o fez por exemplo uma autora de novelas de televisão, cuja filha foi assassinada, que apresentou um projeto com um milhão de assinaturas para a penalização dos crimes hediondos. Nos projetos de lei de iniciativa popular é preciso caracterizar a condição de eleitor, isto é, indicar o endereço e o número do título de eleitor. Os únicos projetos apresentados respeitando essa exigência foram então aquele apresentado pelos movimentos de moradia do Brasil, em 92, propondo um Sistema Nacional de Habitação Popular, até hoje tramitando na Câmara, e o projeto contra a corrupção eleitoral, de que estamos tratando.

Para este projeto de lei foram levadas ao Congresso, em 10 de agosto de 1999, um milhão de assinaturas, conseguidas depois de um ano e meio de coleta. Ele foi patrocinado por grandes entidades, como a CNBB, a OAB, as grandes Centrais Sindicais, ao todo 60 entidades nacionais. Isto lhe deu também muita força política, com o que acabou sendo aprovado, com modificações, em escassas sete semanas: no dia 29 de setembro, depois de passar pela Câmara e pelo Senado, ele estava sendo publicado no Diário Oficial como a Lei 9840/99, promulgada pelo Presidente da República, a tempo portanto de ter vigência já na eleição de 2000. Ele se tornou com isso o primeiro e até hoje único projeto de iniciativa popular aprovado pelo Congresso Nacional.

A lei 9840 tem duas dimensões: uma dimensão educativa, educando o eleitor sobre a importância do voto – “voto não tem preço, tem conseqüências” – e uma dimensão punitiva, pela cassação do registro do candidato infrator. Seus resultados, no que se refere à punição, se medem pelo número de cassados; e, no que se refere à educação do eleitor, pela renovação das Casas Legislativas e pela não eleição de pessoas que tentam comprar votos.

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Por ocasião destas eleições de 2004, há mais de 150 cassados em virtude da aplicação da lei 9840/99 nas eleições de 2000 e 2002 – inclusive com a sentença de cassação sendo dada em pleno exercício do mandato: prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais, até um Senador e um governador. Essa força da nova lei fez mesmo com que, recentemente, se tentasse torna-la inócua, através de um projeto apresentado no Senado. Esse projeto foi no entanto retirado diante da pressão inclusive das duas grandes instituições que mais tinham participado da proposição de iniciativa popular, a OAB e a CNBB.

A partir de 2000, a mobilização – educativa e de fiscalizadores – tem se repetido todos os anos eleitorais. Até foi criado um movimento, o Movimento Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral - Lei 9840, do qual essas duas entidades fazem parte, juntamente com muitas outras que vêm aderindo ao processo. Este movimento realizou um seminário em meados em 2001, em Brasília, e outro em abril de 2004, reunindo Juízes, Procuradores, Promotores e advogados eleitorais, com um peso político importante porque contaram com o apoio e a participação do TSE e da Procuradoria Geral da República.

O que é essa lei 9840, porque ela nasceu, de onde ela veio? Ela resultou da constatação de que era inócuo o artigo 299 do Código Eleitoral, que estabelece que é crime "dar ou oferecer bem ou vantagem a eleitor”, sendo prevista uma punição de 3 ou 4 anos de reclusão, alem da multa. O que ocorria é que o artigo 299 exigia, por tipificar a compra de votos como crime, um processo penal, e todo processo penal é necessariamente demorado, podendo ser prolongado quase ad infinitum”. Essa ineficácia punitiva foi constatada pelos grupos que, na sociedade brasileira, começaram a trabalhar a questão da nossa democracia, da nossa política, numa Campanha da Fraternidade lançada pela CNBB em 1996, sobre “Fraternidade e Política”. E lhes foi ficando claro que a compra de votos é uma prática cruel, porque se apóia na pobreza e se necessita dela.

De fato, quanto maior for o número de pobres e miseráveis, melhor para o candidato que usa esse método para se eleger. Para ele é inclusive útil manter carente esse

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eleitorado cativo, para que possa na próxima eleição explorar de novo sua carência. E o próprio povo o ajuda, porque na medida em que não acredita de forma nenhuma em político, aproveita para arrancar dele algum favor, nesse curto momento em que o político precisa do seu voto. Uma cesta básica, um saco de cimento, uma botina, uma dentadura, um par de óculos, qualquer coisa é mais útil do que o que se poderia esperar do político depois de eleito...

Por isso mesmo quando se começou a pensar em punir mais eficazmente esse crime, através de uma modificação na legislação eleitoral, muitos achavam que, de um lado, não conseguiríamos aprovar uma lei com esse objetivo no Congresso, por ser este um mecanismo tradicional da política brasileira; e, de outro, que seria quase uma maldade para com o povo, que não recebe nada mesmo e pelo menos na hora da eleição consegue o remedinho, uma consulta médica, comida, uma camiseta. Agregue-se à crueldade dessa prática o fato de que distorce totalmente os resultados eleitorais, na medida em que metade da população brasileira está numa situação de carência, quando não mais do que isso.

Ora, ou se começa a criar uma cultura nova, de dentro para fora dos cidadãos, ou seremos sempre reféns de um “faz de conta” democrático. Eleição evidentemente não é tudo numa democracia, mas ela é o nervo, é a base. Se a eleição é desfigurada por práticas como a da compra de votos, todo o processo está questionado, é questionável. É fundamental portanto mudar essa situação.

Qual foi então a idéia que surgiu? A Comissão Justiça e Paz, da CNBB, pediu a ajuda de um grupo de especialistas, composto pelo Dr. Dirceu Cintra Jr., que tinha sido juiz eleitoral em 98 em São Paulo, e que era presidente da Associação Juizes para a Democracia, o Procurador Regional Eleitoral do Ceará, Dr. Gerim Cavalcante, e o ex-Procurador Geral da Republica, Dr. Aristides Junqueira. Com a ajuda de outros advogados, eles chegaram a uma solução muito simples: é preciso estabelecer que quem desrespeita o artigo 299 é passível de processo penal, mas também comete uma infração eleitoral, passível de ser punida administrativamente, com um ritual mais rápido.

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Foram então formuladas duas ou três regras, repetindo o texto do artigo 299 com algumas precisões, e estabelecendo a punição administrativa da cassação do registro. E se incluiu uma modificação no art. 73 da Lei Eleitoral, punindo também com cassação – alem da multa, que já estava prevista – o uso eleitoral da maquina administrativa. Assim, a pessoa deixa de ser candidato se o juiz tiver provas suficientes de que a infração realmente existiu. Trata-se na verdade de uma punição violentíssima, já que impede o candidato de continuar sua campanha eleitoral, sendo retirado do pleito.

Porque se decidiu apresentar esse projeto de lei sob a forma de um projeto de iniciativa popular? Não se poderia chegar a um acordo com um certo número de senadores sérios que quisessem apresentá-lo? Ora, ainda que se conseguisse aprovar esse projeto por esse caminho – o que seria mais do que improvável – havia o aspecto cultural, relativamente à maneira como a população vê as eleições. O procedimento da iniciativa popular foi então adotado porque ele tem, em si mesmo, uma dinâmica educativa. E foi no decorrer da campanha de coleta de assinaturas que foi cunhado, pelos seus próprios participantes, o slogan: "voto não tem preço, tem conseqüências".

Não foi fácil. Demorou um ano e meio. Mas hoje há por todo o Brasil Comitês 9840 – com esse nome para uma referência mais direta à lei - voltados tanto para a fiscalização da aplicação da lei, como para o trabalho educativo junto ao eleitor. E a própria Justiça Eleitoral considera que essa lei foi um avanço no nosso sistema jurídico. Fala-se até que houve uma verdadeira revolução no direito eleitoral, uma mudança histórica: até agora o direito eleitoral era todo montado sobre a necessidade de garantir a validade do resultado eleitoral; agora, com a lei 9840, ele está podendo garantir o respeito à vontade do eleitor.

Com isso o TSE está consolidando – em torno do artigo 41-A, do jargão jurídico - uma jurisprudência que dá plena eficácia a essa nova Lei. E se vai avançando também em vários outros aspectos, na interpretação do texto da lei, assim como na garantia da celeridade que se buscava com o projeto: verificou-se que o parágrafo 10º, do art 96 da lei

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eleitoral, já estabelece que, quando uma instância não cumpre o prazo, o interessado pode solicitar que o processo seja considerado imediatamente na instância superior.

Mas tudo isso pode ser melhor compreendido, em termos de mudança de dentro para fora - melhor do que punir, é preciso educar - com o que aconteceu numa cidade do interior de São Paulo. Nessa cidade, o Comitê 9840, antes de denunciar as infrações, chamava o candidato infrator e lhe dizia: senhor candidato, há uma nova lei que está fazendo o senhor se arriscar a perder seu registro, se continuar com as práticas que temos constatado. Ou seja, nessa cidade ninguém chegava a ser cassado. Ao mesmo tempo, muita gente que só poderia ser eleita através da compra de votos não chegava lá, e eram eleitos aqueles que tinham propostas concretas de trabalho. Em termos de improbidade administrativa, esse era um trabalho preventivo por excelência.

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14 O princípio da moralidade

administrativa e seu controle pela Lei de

Improbidade

Marcelo Lemos Vieira

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14 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E SEU CONTROLE PELA LEI DE IMPROBIDADE

Marcelo Lemos Vieira

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo; Dirigente do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público–CADP; Coordenador do Grupo de Repressão ao Crime Organizado–GRCO.

14.1 INTRODUÇÃO

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Com o advento da Constituição da Republica de 1988, em seu art. 37, o princípio da moralidade administrativa obteve status de princípio administrativo, e passou a ser considerado condição de validade para a prática de todo ato administrativo. Regulamentado este dispositivo e com o intuito de combater a corrupção na seara pública e de estabelecer a fiscalização ética do administrador, foi promulgada a Lei 8.429/92, Lei da Improbidade Administrativa, que, em seu art. 11, caput, estatuiu que a improbidade administrativa constitui ofensa aos princípios da legalidade, moralidade, eficiência, imparcialidade e publicidade. Contudo, uma aplicação precipitada da referida regra, especialmente quanto ao princípio da moralidade, pode levar a desproporcionalidade na aplicação das sanções previstas, que são bastante graves, o que comprometeria a segurança jurídica e banalizaria este importante instrumento de defesa do patrimônio público. Assim, deve ser realizada uma investigação da conduta imoral do administrador para se verificar se ela satisfaz certos requisitos para ser considerada como uma conduta imoral e ímproba.

Na sociedade globalizada em que vivemos, onde o enriquecimento ilícito assume proporções consideráveis e preocupantes, tendo como principal causa o desvio do erário, que reproduz o empobrecimento e a miserabilidade de milhões de pessoas, com a não realização plena das políticas pública, mister se faz zelar pelo agir ético do administrador mediante os meios de controle de sua atuação, pela qual foi eleito o princípio da moralidade administrativa como foco principal desta breve explanação.

O que se busca demonstrar, em breves palavras, é que existem mecanismos de tutela à disposição para combater a crise ética em que há muito aflige o país. E um desses remédios jurídicos é a ação de improbidade, que não veio para tudo solucionar, mas que, bem utilizada, constitui incontestável instrumento de proteção ao patrimônio público.

A Constituição da República inseriu, no art. 37, caput, entre os princípios condicionadores310 da validade da 310 310 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu

Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004.

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atuação administrativa, o da moralidade, prevendo também, no § 4º do mesmo artigo, os atos de improbidade administrativa e suas respectivas sanções.

Com base neste dispositivo constitucional, vale a citação, durante a exposição, de algumas considerações que envolvem o estudo da moralidade acompanhando a evolução do agir humano, estabelecendo a diferença existente entre ética, moral e direito, para demonstrar a existência de um Estado contemporâneo que não mais vive da aplicação pura e simples da legalidade estrita, ou seja, um Estado apenas de Direito, mas sim, um Estado Social e Democrático de Direito, onde além da legalidade, são observados também os institutos da legitimidade e da licitude.

Por fim, uma breve análise do princípio da moralidade na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), a posição constitucional dos princípios da moralidade e da probidade e os requisitos indispensáveis para a ocorrência da imoralidade-improbidade, de que trata o caput do art. 11 da Lei.

14.2 PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Diante da consagração do princípio da moralidade no ordenamento jurídico nacional, com vasta aplicação no campo do direito público, firmando o entendimento da existência de um Estado mais avançado, com a aplicação do princípio da juridicidade, onde são incidentes não apenas as regras meramente legais, mas também, os princípios que direcionam e dão sustentação ao sistema, vale a citação de Kele Cristiani Diogo Bahena, sobre a concepção de moral e ética, para efeito do estudo do tema sob análise:

Nesta investigação a moral é utilizada para definir regras de condutas aceitas pela comunidade como válidas e presentes em determinado tempo e local, abrangendo, no universo administrativo, os valores da boa-fé, lealdade, probidade, lhaneza etc. Já a ética, no mesmo enfoque, como um paradigma a ser seguido pelo administrador na realização

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do interesse público, o que abrange não só a realização do direito, mas também da moral e dos bons costumes. 310

Consubstanciado nestes conceitos, pode-se afirmar que o legislador pátrio buscou trazer para dentro do sistema valores éticos da sociedade, normas de boa conduta, para dar colorido na prática dos atos administrativos, não sendo suficiente, para sua validade, que se observem apenas a estrita legalidade, mas também, os deveres deontológicos de honestidade, imparcialidade e lealdade, que vem a ser311 a aplicação do princípio da moralidade administrativa.

Assim, essa nova concepção transformou o princípio da legalidade, único elemento de sustentação e limitação do Estado, até então, em princípio da juridicidade, segundo o qual a atividade estatal deve ser exercida por meio do feixe de princípios e regras adotados pelo Estado Democrático de Direito e não apenas pela estrita legalidade.

Neste momento, vale indagar: a moralidade administrativa manifesta-se no plano ético ou no plano jurídico?

Quem nos dá a resposta é George Sarmento:

(...) a moralidade administrativa pertence ao mundo jurídico. As normas dela decorrentes são marcadas pela inesgotabilidade da incidência e pela coercibilidade, devendo ser aplicadas e executadas pelo Estado. Daí MAURICHI HAURION definir Moral Administrativa como o conjunto de regras de condutas tiradas da disciplina interior da Administração. 311

Assim, o princípio da moralidade administrativa, disposto no art. 37, caput, da CR/88, e no art. 11, caput, da Lei. 8.429/92, carregado de conteúdo ético e moral, foi positivado com alguns atributos, ou seja, foi positivado como sendo dever deontológico, que são obrigações prescritivas ou repressivas contidas nas normas constitucionais, nas leis

311311 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002.

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ordinárias e nas normas regulamentares que impõem à autoridade determinados padrões de conduta no exercício do cargo, função ou emprego público.

A grande dificuldade que se encontra é na aplicação do princípio da moralidade administrativa aos casos em concreto, ainda mais se considerarmos os casos de improbidade, que são mais particulares, onde encontramos os deveres deontológicos da boa-fé, honestidade e imparcialidade, como sendo considerados conceitos indeterminados.

O princípio da moralidade administrativa tem suas origens na teoria do desvio de poder, criada para traçar os limites ao poder discricionário, notadamente quando se trata da finalidade do ato que constitui a direção do agir administrativo, tão importante quanto às demais bases do Estado de Direito. Sua criação traçou os limites necessários à liberdade de escolha e o juízo de oportunidade do administrador.

Não obstante, a origem do princípio da moralidade advir da teoria do desvio de312 poder, como traição à finalidade do ato, ou seja, ato administrativo produzido contrário à finalidade pública, hodiernamente, com a inserção dos princípios administrativos na regra constitucional, não é o bastante que o ato tenha atingido sua finalidade.

Em verdade, o princípio da moralidade passou a ser o vetor de toda sistemática principiológica jurídico-administrativa. Todo sistema jurídico constitucional-administrativo, incluindo as regras e os princípios, está ancorado, tem como vetor máximo o princípio da moralidade administrativa.

De certo que todos os princípios esculpidos no art. 37 da Carta Maior devem estar presentes quando da prática do ato administrativo, para que o mesmo tenha legitimidade, que no dizer de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho formam uma verdadeira “unidade preceitual de conteúdo

312 312 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O princípio constitucional da moralidade administrativa. 2. ed. Curitiba: Gêneses, 1993. p. 18.

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constitucional, jurídico e administrativo” 312 sob pena de que na falta de algum deles o ato ser considerado nulo.

Assim, pode-se afirmar que o princípio da moralidade tem autonomia em relação ao princípio da legalidade, sendo este apenas a observação das regras jurídicas postas, quando da produção do ato administrativo.

Já a devida observação pelo agente público do princípio da moralidade, quando da produção do ato administrativo, não se restringe apenas em observar se o ato atende a uma finalidade pública antes determinada.

Dentro desta nova roupagem, na observação do princípio da moralidade como sendo o guia de toda Administração Pública, da produção dos atos de gestão, principalmente, o que deve ser considerado é se o ato foi praticado dentro da legalidade, da legitimidade e da licitude.

O administrador público, especificamente, além de observar os ditames legais, tem que produzir o ato administrativo com boa-fé, com honestidade e com imparcialidade (em se tratando de deveres deontológicos, o ato tem que ser legal, legítimo e lícito), visando sempre alcançar uma administração que seja boa e justa, que atenda ao interesse primário da sociedade (as políticas públicas, o interesse social, predeterminado pelo Poder Constituinte), que foi exaustivamente externado na Constituição de 1988.

Buscando novamente o posicionamento de Kele Cristiani:

A noção de boa e justa administração constitui mola propulsora do comportamento do agente público, que deve primar pela boa-fé, pelo bem, pelo justo, pela honestidade e pela probidade, para a plena habilitação das suas funções, como alguém que gere o dinheiro alheio, ciente que ele não lhe pertence, sempre na consecução do bem comum. É, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, a expressão dos

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princípios da lealdade e boa-fé, e a administração deve proceder sempre com sinceridade e lhaneza em relação aos admistrados.313

Após indicar o conteúdo finalístico, a carga de intenção que deve estar contida no ato administrativo, Kele Cristiani delineia o modus operandi para se identificar a correta aplicação do princípio da moralidade administrativa, afirmando que:

O que se deve buscar para a perfeita aplicação do princípio da moralidade é o confronto de todos os elementos do ato administrativo com as regras éticas da administração, regras estas baseadas tanto na moral comum quanto na moral administrativa, vez que a esta última se congregam conceitos daquela, que almeja sempre o interesse público e o bem comum.

A atual ordem jurídica não se contenta apenas com a atuação legal do administrador público, pois ele deve ir além e conduzir-se pelo comprometimento com a moralidade, o que está intimamente ligado à probidade; noção esta que vem dos conceitos de “probus” e “improbus”, e que a Constituição da República muito bem acolheu quando puniu a improbidade administrativa com sanções de ordem política, administrativa e pena.314

Com base nas colocações acima expostas, pode-se afirmar que a probidade administrativa só estará presente no ato administrativo que estiver recheado dos denominados deveres deontológicos, que são considerados “as luzes

313 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004, p.53.

314 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004, p.55.

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morais da sociedade”, mesmo que o agir imoral não implique contundência econômica alguma.

Como entende Juarez Freitas, a moralidade administrativa abarca a probidade administrativa como um superprincípio, não podendo estar adstrita apenas às regras internas da administração, mas também aos padrões éticos de determinada sociedade, que buscam sempre a cultura da probidade e da honradez, independentemente da existência ou não no ato administrativo da estrita legalidade.315

A juridicidade do princípio da moralidade a nível constitucional vem confirmar que a condução dos negócios jurídicos deve seguir padrões éticos em que imperem qualidades como a lealdade, a imparcialidade, a honestidade e a probidade, com vistas a exterminar da vida pública agentes públicos que ajam para angariar vantagens indevidas, dilapidar o erário público, traficar interesses privados e perseguir opositores políticos. Muito mais que cumprir a letra fria da lei, o administrador deve, sob pena de nulidade do ato, se orientar pelos deveres deontológicos que norteiam a boa e justa administração e que buscam sempre o bem comum.

Agindo conforme os ditames legais e conduzindo seus atos com base na boa-fé, tem-se o comportamento probo e moral do administrador, coerente com a lei e com as regras da boa administração, justiça, equidade, lhaneza e decoro, e garantia de direito subjetivo público a uma administração honesta; é princípio de autodefesa do Estado Democrático de Direito.

Quando, então, afirmamos que a análise da aplicação do princípio da moralidade, em relação a sua correta observação pelo agente público, está num momento diferente da análise da simples legalidade do ato, estamos afirmando que o princípio da moralidade possui uma autonomia em relação ao princípio da legalidade.

É o que sustenta Alexandre de Moraes:

315 FREITAS, Juarez. Controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 68-70.

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(...) não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício da sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública.316

A posição de autonomia também é defendida por José Afonso da Silva, que faz uma brilhante abordagem sobre o princípio da moralidade em face da mera legalidade do ato, senão vejamos:

Pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato, produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de moralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, p. ex., com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato “formalmente” legal, mas “materialmente” comprometido com a moralidade administrativa.317 (grifamos)

Destarte, podemos dizer que o princípio da moralidade

está numa posição autônoma em relação à análise da estrita legalidade, e possui critérios próprios de análise quanto a

316 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2004. op. Cit, p. 782-783.

317 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed., rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.39, de 19.12.2002). São Paulo: Malheiros, 2003. op. Cit, p. 571.

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sua presença ou sua ausência na produção do ato administrativo, o que poderá em determinados casos, como veremos, significar o cometimento de um ato de improbidade ou apenas a produção de um ato imoral pelo agente público.

Conforme preceituado pela Carta Magna de 1988, o agente público quando pratica ato administrativo deve fazê-lo não apenas observando o sistema normativo, mas, sobretudo deve fazê-lo almejando atingir o interesse social (mais abrangente que o interesse meramente público), exteriorizando, assim, os motivos que o levaram a tal prática, os quais devem visar a finalidade pública.

Desta forma, a função pública praticada pelo agente público deve ser exercida com base no princípio da moralidade, que é a sustentação principiológica de todo ato administrativo (sendo considerado o vetor supremo do agir na seara pública).

Assim, o conteúdo do princípio da moralidade está ligado aos cânones tais como lealdade, veracidade, boa-fé, honestidade, lhaneza, lisura, probidade, etc., devendo tais conceitos ser aferidos na análise do ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) e ter plena compatibilidade com a legalidade. 318

Partindo dessa premissa, podemos dizer que a constatação da moralidade do ato administrativo deve ser realizada por meio da análise do objeto do ato, entendido como efeito jurídico imediato que o ato produz, ou seja, seu conteúdo; análise da finalidade (a intenção do agente deve estar ligada à intenção de atingir o bem comum), que é o resultado que a administração quer alcançar com a prática do ato (em sentido amplo a finalidade é sempre pública; em sentido restrito, é o resultado específico que cada ato produz), e análise do motivo do ato, que é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. 319

318 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 63.

319 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade administrativa: do conceito à efetivação. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 1992. op. Cit, p. 11-13.

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José Guilherme Giacomuzzi, defendendo posição semelhante de Germana de Oliveira Moraes e Juarez Freitas, na análise do conteúdo dogmático do princípio da moralidade, afirma que este possui um aspecto objetivo, que se refere à boa-fé, e um aspecto subjetivo, que tutela a probidade, ou seja, os deveres de honestidade e lealdade exigíveis na lei de improbidade administrativa. 320

Finalmente, apesar do princípio da moralidade ter suas origens na teoria do abuso de poder, como traição à finalidade do ato, somente esta análise não é suficiente para se afirmar que o ato administrativo foi praticado a luz da moralidade. Também será necessária a perquirição se este mesmo ato foi praticado visando atingir ao interesse social. Se não estiverem presentes os chamados deveres deontológicos (honestidade, boa-fé e imparcialidade) o ato poderá até ser legal, mas será imoral, e o agente público será considerado um improbo.

Por isso que buscando o controle dos atos administrativos no que tange à moralidade, é que se afirma que a moralidade administrativa possui funções positivas de ampliação dos deveres dos agentes públicos e funções negativas quanto à limitação de condutas e ações destes mesmos administradores. 321

14.3 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E NA LEI 8429/92

Após explicitar o princípio da moralidade administrativa na Constituição da República, art. 37 e § 4º, faltava disciplinar em texto infraconstitucional os casos de instrumentalização de tal princípio, que se deu com a edição da Lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, que no seu art. 11, caput, dispôs que “constitui ato de improbidade

320 GIACOMUZZI, José Guilherme. Conteúdo Dogmático da moralidade administrativa.

Porto Alegre, 2000, p. 255.321 COSTA, Judith Martins. As funções do princípio da moralidade administrativa: o

controle da moralidade na administração pública. São Luiz do Maranhão/MA. 2003.p.5.

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administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições...”, sendo que apesar de implícito o termo moralidade, ele está representado pelos conceitos de honestidade, lealdade e imparcialidade.

Desta forma, após a inserção do princípio da moralidade no Texto Maior, como também a previsão das sanções no caso do desprezo de sua observação, o Estado passou a adotá-lo como trilha a ser seguida, pois o desempenho da função pública deverá ser regulado segundo uma ordem, não apenas legal, mas ética, que atenda aos valores sociais e realize seus fins.

É a consagração do princípio da juridicidade, que no dizer Kele Cristiani:

O Estado contemporâneo, como já enfatizado, devido à exigência ética e à sedimentação da legalidade, juntamente com a autonomia da legitimidade, fundou-se em três referências: legalidade, legitimidade e licitude, ampliando, assim, a incidência do princípio da juridicidade e fazendo surgir uma nova concepção de Estado, muito mais aberto, flexível, descentralizado e até mesmo desestatizado, que se refletiu, decisivamente, na Carta Política de 1988. 322(grifamos)

Em verdade, diante do quadro caótico do alastramento de vários casos de corrupção que antecederam a promulgação da Carta Magna de 1988, levou o constituinte a coroar o princípio da moralidade como cânone hermenêutico constitucional, com a finalidade de estabelecer o vetor supremo que deve seguir todo e qualquer ato administrativo, qual seja, a presença de padrões éticos de comportamento.

Como bem observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre o fenômeno indesejável que é a corrupção, afirma que

322 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 108.

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ela sempre foi vista como um mal. Um mal gravíssimo, que solapa os alicerces do Estado e ameaça a sociedade. Assemelha-se à podridão do fruto. É o que assinala a etimologia do termo. Corruptio, em latim, é a explosão do âmago de um fruto, em razão de sua podridão interna. 323

Pois bem, como já citado acima, o princípio da moralidade foi elevado à categoria de princípio constitucional, conforme dispõe o caput do art. 37 e art. 5º, LXXIII, da CR/88, previsto juntamente com os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, que juntos dão forma ao princípio da juridicidade.

Além da previsão do princípio da moralidade, como sendo o norte da atuação da função pública pelo agente público, ou seja, agir conforme o interesse social, o legislador constituinte também previu os casos da aplicação de sanções nos casos de infringência ao princípio da moralidade, ou seja, no caso de violação do princípio previu no § 4º, do art. 37, os casos de improbidade administrativa.

Atendendo ao comando constitucional, o legislador editou a Lei 8.429/92, de 24.06.1992, que disciplinou os casos de improbidade administrativa e estabeleceu as gradações para as sanções previstas na Constituição, além de outras penas.

Com base no instrumento normativo que é a Lei de Improbidade, o controle dos atos contrários ao princípio da moralidade, passou a ser realizado com critérios jurídicos definidos, ou seja, é juridicidade da previsão de infringência dos vetores do agir administrativo, como também, a previsão das sanções decorrentes do ilícito.

Uma primeira questão deve ser logo dirimida. A imoralidade administrativa é sinônimo de improbidade administrativa? Ou seja, qualquer ato que venha ferir o princípio da moralidade (imoralidade) é automaticamente considerado um ato de improbidade?

323 ZILVETI, Fernando Aurelio e Sílvia Lopes. O Regime democrático e a questão da corrupção política. São Paulo: Atlas, 2004. p. 17.

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Aristides Junqueira Alvarenga e Kele Cristiani D. Bahena 324 citam José Afonso da Silva e aderem a sua definição em relação à controvérsia colocada. José Afonso define o ato de improbidade como sendo uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao improbo ou a outrem. 325

Da mesma forma Marcelo Figueiredo, transcorrendo sobre o tema também defende a diferença entre as duas condutas, afirmando que o conceito de moralidade administrativa é mais extenso do que o conceito de probidade administrativa:

São condutas e institutos diversos. Ou, por outra, o princípio da moralidade administrativa é de alcance maior genérico a determinar a todos os “poderes” e funções do Estado, atuação conforme o padrão jurídico da moral, da boa-fé, da lealdade, da honestidade. Já a probidade, que alhures denominamos “moralidade administrativa qualificada”, volta-se ao particular aspecto da moralidade administrativa. Parece-nos que a improbidade está exclusivamente vinculada ao aspecto da conduta (ilícito) do administrador... 326

Consubstanciado nesse entendimento, podemos afirmar que a improbidade administrativa caracteriza-se com a violação dos tipos legais previstos na Lei 8.429/92, sendo um aspecto pessoal-funcional da moralidade administrativa, já a moralidade por sua vez, possui natureza difusa, tema este bastante difundido na doutrina e na jurisprudência, eis que o direito a uma administração pública honesta pertence a toda a sociedade, indivisível e indeterminadamente, é um

324 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 116.

325 BUENO, Cássio Scarpinelli e Pedro Paulo de Rezende Porto Filho. Improbidade Administrativa. Questões polêmicas e atuais. p. 87.

326 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 20.

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valor social que impõe limites aos vários trejeitos do desvio de poder. 327

Dito isso, é de se concluir que quando a conduta administrativa lesiva ao patrimônio público não é marcada por forma qualificada de imoralidade administrativa não irá incidir na hipótese as sanções previstas na Lei 8429/92, Lei de Improbidade, mas sim a condenação prevista em outros instrumentos normativos que prevêm ações cujo objeto também é a proteção ao patrimônio público.

Assim, a Constituição Federal prevê, como direito e garantia individual, a ação popular (art. 5º, LXXIII), devendo a condenação ater à nulidade do ato ilegal ou imoral, causador da lesão patrimonial, com a conseqüente reparação do dano, nos termos da Lei 4.717/65; a Lei 7347/85, denominada Lei de ação civil pública prevê a responsabilidade pelos danos causados ao patrimônio público.

14.4 SISTEMÁTICA DA LEI DE IMPROBIDADE

A Lei 8429/92 em seus artigos 9º, 10 e 11 dividiu os atos de improbidade administrativa, respectivamente, em três grupos: os atos que importam em enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário e aqueles que atentam contra os princípios da administração pública.

Devido ao tema aqui tratado, vamos nos ater na previsão dos atos de improbidade administrativa contidos no artigo 11 do diploma legal já citado.

Num primeiro momento, é de se observar que as condutas descritas nos incisos dos artigos assumem uma relativa independência em relação ao caput, sendo desnecessária a valoração dos conceitos do caput para a análise dos incisos, eis que presentes os requisitos necessários para sua configuração.

327 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 119.

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Assim, dentro dessa sistemática pode ocorrer ato de improbidade administrativa pelo simples ferimento aos princípios que regem a atividade administrativa e que protegem o patrimônio público. É a adoção pelo constitucionalismo contemporâneo do denominado direito por princípios, adequando a norma comportamental às diurnas modificações da sociedade.

A importância da inserção de princípios dentro do sistema como forma de proteção ao patrimônio público, vem da necessidade de adequação de normas que identifiquem as várias facetas da desonestidade e da imoralidade no trato da coisa pública (da corrupção), e por isso a Constituição elegeu os princípios magnos da administração no caput do art. 37 e nos arts. 4º e 11 da Lei de Improbidade.

Assim, na sistemática da Lei 8.429/92, o dever jurídico de observar os princípios regentes da atividade estatal é num primeiro momento previsto no art. 4º, sendo, num segundo momento, complementado pelo art. 11 da mesma Lei, que considerou como sendo atos de improbidade administrativa que “atentam contra os princípios da administração pública”, independentemente do ato causar qualquer tipo de lesividade material (enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário).

Como bem comenta Kele Cristiani:

O caput do dispositivo denota claramente que a violação dos princípios da legalidade e moralidade importa em ato de improbidade, vez que os valores de honestidade, lealdade e imparcialidade estão consubstanciados no princípio da moralidade. Aliás, a inclusão do princípio da moralidade neste preceito normativo faz concentrar todos os demais princípios regentes da atividade pública e que não foram aqui expressados, tais como finalidade, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade, igualdade, boa-fé etc. 328grifamos

328 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 124.

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Em relação à aplicação autônoma do caput do art. 11, sendo considerado pela maior parte da doutrina como norma de reserva, ou seja, sua aplicação seria considerada apenas após a não incidência dos artigos 9º, 10 e os incisos do próprio artigo 11, chama a atenção Carlos Frederico Brito dos Santos no sentido de que reside justamente no art. 11 o principal avanço dentre os muitos avanços trazidos pela Lei de Improbidade, em relação, por exemplo, à Lei de Ação Popular:

Porquanto, além de não exigir a ocorrência da “lesividade” para a caracterização de “todas as hipóteses” que preceitua, ou seja, para a consumação dos “atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública”, o artigo funciona ainda como uma espécie de “malha fina” do sistema de proteção ao patrimônio público e à moralidade administrativa. 329 grifamos

Em verdade, a inserção de um sistema aberto de proteção aos princípios constitucionais tem como condão assegurar a eficácia social dos mesmos, ou seja, assegurar a primazia dos valores ontológicos e éticos da administração pública, onde não ocorreu enriquecimento ilícito, nem tampouco prejuízo ao erário, mas simplesmente dano à moral, protegendo-se, assim, o patrimônio moral do Estado; num verdadeiro sistema de malha fina, onde não ficam impunes atos que demonstrem má administração e desvio ético que implique inabilitação imoral no exercício da função pública.

Nos socorrendo mais uma vez da brilhante obra de Kele Cristiani, podemos afirmar:

A Lei de 8.429/92, no caput do art. 11, constitui um marco no combate à

329 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 127.

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corrupção porque declara guerra a qualquer forma de improbidade que avilte os princípios basilares da administração, exprimindo expressamente a preocupação na preservação do patrimônio moral do Estado, revelando-se o principal instrumento de batalha, um verdadeiro soldado de reserva, cuja aplicação revela a última trincheira na peleja contra a impunidade. 330 grifamos

Não obstante sua autonomia quando da sua aplicação pelos operadores do direito, existem requisitos para verificação da imoralidade-improbidade, que devem ser obrigatoriamente observados sob pena de se transformar em joguete político e causa de vulgaridade.

Assim, para se afastar eventuais excessos quando da aplicação do caput do art. 11 da Lei 8.429/92, é que a doutrina vem traçando alguns requisitos que devem ser observados na hipótese de incidência e na conseqüente aplicação das sanções.

Diante da assertiva de que nem toda imoralidade administrativa necessariamente é uma improbidade administrativa, ou seja, diante da afirmação de que moralidade administrativa é gênero e probidade administrativa é espécie, sendo a improbidade, por conseqüência, uma imoralidade qualificada pela desonestidade, má-fé, deslealdade etc., é que se conclui que nem toda imoralidade traduz-se em improbidade.

Assim, buscam-se elementos, requisitos, que vão dar o necessário recheio, que efetivamente vão caracterizar, dar o predicativo, a um ato administrativo que fere frontalmente os princípios basilares que regem a atividade administrativa, sendo considerado não somente um ato imoral, mas também um ato de improbidade, podendo ser chamado de imoralidade-improbidade.

330 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 127.

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Na ausência de uma definição mais precisa desses requisitos na doutrina e na jurisprudência, ou seja, do que possa ser ou não considerado como imoralidade administrativa e conseqüente improbidade prevista no caput do art. 11, por tratar-se de conceitos jurídicos indeterminados, Kele Cristiani foi buscar a definição inovadora de Carlos Frederico Brito dos Santos.

Segundo Kele, Carlos Frederico considera como requisitos para se caracterizar o ato como sendo imoral e improbo, não só as hipóteses de ofensa do princípio da moralidade, mas de todos previstos no caput do art. 37, da CR/88, além da conjugação de vários elementos, quais sejam: a) ação ou omissão dolosa do agente público, e de que; b) a conduta viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, que são respectivamente: b.1) a demonstração da efetiva ocorrência de perigo de dano ao patrimônio público na ação ou omissão do agente que atente contra os princípios administrativos; b.2) que diante do potencial ofensivo da conduta, a opção pela aplicação das sanções previstas no art. 12, inc. III, da LIA, não atente contra o princípio da proporcionalidade. 331

Assim, diante da necessária conjugação dos requisitos acima citados, pode-se concluir que não é suficiente para caracterizar um ato como sendo um ato de improbidade, com fulcro no art. 11, caput, da Lei 8429/92, qualquer imoralidade, é preciso que a conduta seja praticada de forma dolosa, que seja contrária aos deveres deontológicos da honestidade, lealdade, boa-fé etc. e gere perigo concreto de dano ao patrimônio público, aferindo-se, junto ao potencial ofensivo da conduta, o princípio da proporcionalidade na aplicação das sanções devidas.

14.5 CONCLUSÃO

Sem pretender de forma alguma encerrar qualquer discussão sobre o tema, haja vista sua considerável

331 BAHENA, Kele Cristiani Diogo. O Princípio da Moralidade Administrativa e seu Controle pela Lei de Improbidade. Ed. Curitiba: Juruá, 2004. p. 129.

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complexidade, devido à necessidade permanente de se buscar conceitos que fazem parte de outras ciências que não a jurídica, e mesmo a busca de conceitos indeterminados, como o conceito de ética e moral, procuramos discorrer algumas breves considerações sobre a aplicação autônoma do caput do art. 11 da Lei 8429/92, que sempre nos causou incômodo, com a intenção de compartilhar esse sentimento com aqueles que diuturnamente enfrentam tão árdua missão, que é a constante interpretação e aplicação do sistema jurídico.

Tal missão se torna ainda mais tormentosa quando nos deparamos com a interpretação e aplicação do sistema de princípios, pois aqui o terreno fica mais movediço, pois os conceitos são variáveis e aplicação da norma depende muito do tempo, do local e do momento histórico em que vivemos.

Nesse particular, em relação ao momento histórico, a matéria em questão toma enorme projeção, em nível de importância de pesquisa e iminente aplicação do sistema principiológico, que norteiam a função administrativa, pois são valiosos instrumentos que se valem os órgãos de controle da Administração Pública no efetivo combate à corrupção que aflige o País.

Assiste razão a Waldo Fázzio Júnior, quando afirma que os atos de corrupção causam uma verdadeira disfunção pública, atos de corrupção pública são condutas ilegais e imorais de agentes públicos consistentes em substituir as finalidades da função pública pelo interesse particular na obtenção de vantagens, ou seja, desviar poderes dolosamente. (...) Disfunção pública baseada em desvio de poder doloso é disfunção pública absoluta. 332

Em verdade, vivemos o caos da ética administrativa. O exercício da função pública se transforma em verdadeira disfunção pública, no momento em que a competência é utilizada pelo agente público para atingir fim diverso daquele escolhido pelo legislador.

332 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Corrupção no poder público: peculato, corrupção passiva e prevaricação. São Paulo: Atlas, 2002.

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De nada adianta definir as políticas públicas, definir o papel do Ministério Público no contexto de fiscalizar a correta implementação dessas diretrizes, sem que haja um efetivo e eficaz combate a todo e qualquer ato de corrupção, seja em qualquer de suas formas e níveis.

A corrupção fere os alicerces do Estado, não permite a correta aplicação dos recursos públicos, causando assim um enorme prejuízo social, deixando os órgãos responsáveis pela aplicação dos recursos sem a condição de atender a correta prestação dos serviços, causando por conseqüência a miséria de muitos brasileiros.

Desta forma, passa a ser prioridade absoluta de todos, da sociedade (controle social), dos órgãos de controle do Estado, principalmente do Ministério Público, o combate à corrupção, que na maioria das vezes são condutas que têm como conseqüência um ilícito plúrimo, com conseqüências civis, penais, administrativas e políticas, sem contar que quase sempre essa atividade está diretamente ligada à presença do crime organizado infiltrado nos Poderes do Estado.

Por isso, a importância do estudo do tema, qual seja, a aplicação autônoma do caput do art. 11 da Lei 8429/92, (LIA), como afirmado acima pelos eminentes doutrinadores, por ser a última ratio (uma verdadeira malha fina) da aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade, para todo aquele (inclusive e em certos casos o particular) que ousar ferir os princípios que norteiam o correto exercício do dever-poder da atividade administrativa, sem a necessidade de aferição de enriquecimento ilícito ou mesmo prejuízo ao erário, devendo para sua aplicação observar os requisitos colocados à disposição do intérprete, para que não se cometam exageros na aplicação do dispositivo.

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15 A necessidade dos grupos de Membros do

Ministério Público no combate ao crime

organizado

Marcelo LemosVieiraRafael Pina de Souza

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15 A NECESSIDADE DOS GRUPOS DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO

Marcelo Lemos Vieira

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo; Dirigente do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público- CADP; Coordenador do Grupo de Repressão ao Crime Organizado- GRCO.

Rafael Pina de Souza

Estagiário do CADP/MPES, acadêmico de Direito.

A origem da criminalidade organizada não é de fácil identificação, em função das variações de comportamentos

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de diversos países, as quais persistem até os dias atuais. Muito embora a dificuldade apontada, sabe-se que o crime organizado no mundo deriva de um tronco comum, as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas.

A identificação histórica no Brasil não está tão distante da dificuldade antes mencionada, entretanto as organizações criminosas do passado que se tem notícia eram conhecidas como cangaço, movimento que surgira em meados da segunda metade do século XIX, no sertão nordestino. Caracterizava-se pela atuação de jagunços e capangas de fazendeiros, como também o coronelismo. Esses grupos criminosos possuíam hierarquia e praticavam vários crimes, desde saque de fazendas e vilas até assassinatos e seqüestros de pessoas importantes.

Esse movimento foi marcado pelo estreito relacionamento dos chefes de bandos com ricos fazendeiros, políticos influentes e policiais corruptos para a obtenção de armas e munições, sem contar, evidentemente, a contratação de “serviços” para fins políticos e financeiros da elite latifundiária.

Iniciado o século XX, o conhecido Barão Drumond criou um jogo de apostas para arrecadar dinheiro a fim de salvar os animais do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, nascia o “jogo do bicho”. Posteriormente, determinados grupos passaram a dominar e popularizar esse jogo, envolvendo interesses pecuniários, repercutindo associação de políticos e policiais. Na década de 80 essa prática contravencional movimentou uma quantidade considerável de numerário.

Organizações mais recentes, iniciadas na década de 90, foi atuação de grupos armados intitulados de o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). A história dessas organizações criminosas esta intimamente ligada à questão do tráfico de entorpecentes comandado por bandos armados em favelas e presídios do Estado do Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente. Ocasionando hipertrofia da violência urbana, instalando um clima de insegurança e desestabilização social.

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Existem outras recentes organizações criminosas inseridas na administração pública que vêm efetuando desvio de vultosas quantias do erário, enviando-as para contas particulares em paraísos fiscais. Essas organizações, de há muito estão instaladas no âmbito dos três Poderes do Estado, podendo ser retratado tal situação com a não muito recente cassação do Presidente da República em 1992. Valendo salientar, ainda, o crime organizado no Congresso Nacional, organização publicamente conhecida como “anões do orçamento”. No Poder Judiciário, a recente prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, revela que o crime organizado assume proporções nunca antes pensadas, infiltrado no Poder Público como estratégia para seu fortalecimento.

As organizações criminosas não estão limitadas a nenhuma geografia específica, a nenhuma periferia urbana, cada vez mais fazem parte do cotidiano de toda uma nação. As autoridades envolvidas, fazendo utilização dos meios que dispõem em função do cargo ocupado, crescentemente implicam artifícios para controlar engrandecer o crime organizado, em função de dinheiro e “Poder”.

Associados ao tráfico de drogas, ao tráfico de armas, ao tráfico de seres humanos para fins de prostituição, comércio de órgãos, trabalho escravo, a corrupção e a lavagem de dinheiro, as autoridades públicas e comandantes do crime estão mais perigosos, ousados e ricos. Movimentam centenas com atos cada vez mais audaciosos e violentos. O crime organizado, tornou-se uma indústria lucrativa e perigosa. Estima-se uma movimentação atual gerando em torno de US$ 300 bilhões a US$ 500 bilhões.

O narcotráfico, instalado no Brasil há 22 anos, aliado a essa corrupção dos Poderes do Estado, com destino do dinheiro a paraísos fiscais, sonegação fiscal, dentre outras ilegalidades é um verdadeiro câncer gerado na sociedade, de forma tão desenvolvida, que, infelizmente, ultrapassa limites inaceitáveis.

Pode-se até afirmar que o crime organizado opera como uma espécie de holding, onde o grupo incumbido no tráfico de drogas é vinculado ao tráfico de armas e roubo de carga, chegando aos acobertamentos praticados pelas

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autoridades envolvidas. De semelhante forma ocorre na máfia russa, que começou a traficar de tudo sistematicamente.

O crime organizado possui aspectos econômicos e institucionais, suas características abrangem estruturas de sustentação e ramificações de grupos, divisões de funções e hierarquia.

Casos atuais como o do traficante Fernandinho Beira-Mar, demonstram a existência dessas características, e repercussão alarmante, ocasionando desequilíbrio financeiro do país pela não aplicação dos recursos sonegados do crime organizado.

No Estado do Espírito Santo é público e notório a inflamante atuação das organizações criminosas, que residem principalmente na administração pública. Ressalta-se, inclusive, a formação de grupos armados, associados à parcela corrupta das polícias, que executaram vários crimes em consonância com os interesses de fortalecimento do crime organizado. Essas atividades delituosas serviram para identificar a roupagem estrutural que possui as organizações instaladas, a fim de que os órgãos estatais, constitucionalmente construídos para defesa do regime democrático e da ordem jurídica, se levantassem contra esse “câncer social” providenciando o combate eficaz e uma repressão diuturna.

As administrações municipais não fogem à incidência de grupos criminosos, existe uma infeliz tradição no Estado de empresas que participam de licitações apenas para conferir um tom de legalidade no processo. Os sócios de tais empresas são “laranjas” de prefeitos e secretários, para que se sagrando vencedores efetuem o respectivo desvio da verba destinada ao objeto do contrato celebrado, enviando os valores a contas bancárias no exterior, ou até mesmo dentro do país, ou, ainda, adquirindo bens como forma de mascarar as irregularidades.

Em situações como essas, verifica-se também, como se tem visto, que as empresas contratadas por vezes nem mesmo possuem sede construída, na verdade, nos locais de suas sedes são encontrados terrenos baldios ou casebres. A

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partir da identificação dessas irregularidades, constata-se a participação não somente de agentes públicos na empreitada, como também, de empresários e outros que têm interesse na posse da coisa pública.

De fato a repressão a esse crescente quadro de inversão de poderes, inversão de estruturas legalmente erigidas, há de ser ampliada em proporções aquém das que atualmente se tem verificado. O Ministério Público deve agir observando minuciosamente o modus operandi dos atores na operacionalização dos atos criminosos. As organizações criminosas devem ser investigadas por intermédio de suas dimensões de atuação, no intuito de que sejam desmanteladas, desestruturadas, responsabilizando seus integrantes e aplicando medidas que atenuem, ato continuo, extingam as organizações, sobretudo as que residem na administração pública e aquelas que se tornaram mega empresas do crime.

É consabido que os Ministérios Públicos dos Estados, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Militar, gradativamente vêm criando e equipando grupos de repressão às organizações criminosas para atuarem em combate a tais práticas delituosas. Um dos Ministérios Públicos pioneiro na criação desses grupos foi o do Estado de São Paulo, que face às atribuições constitucionais, bem como em razão dos efeitos altamente nocivos provocados pelo crime organizado, instituiu o Grupo De Atuação Especial de Repressão Ao Crime Organizado - GAECO.

No Estado do Espírito Santo o Ministério Público criou, por intermédio do Ato PGJ nº 136, de 28 de julho de 2000, o Grupo de Trabalho para Repressão ao Crime Organizado – GRCO, que tem como atribuição, dentre outras, o combate ao crime organizado e a improbidade administrativa, haja vista, como já dito, o fato de as organizações criminosas estarem alocadas, também, no âmbito da Administração Pública, de maneira que é dever constitucional do “Parquet” promover a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, reprimindo os crimes contra a ordem tributária e os atos de improbidade administrativa.

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Vê-se, por oportuno, que os grupos criados visam reprimir essa modalidade de atuação criminosa, para tanto, exige-se utilização de métodos que centralize as atividades num único órgão. Assim sendo, implementando tratamento adequado e uniforme as informações e investigações, guarnecendo logisticamente a estrutura do grupo para fins de produzir e acompanhar ações judiciais em todos seus trâmites.

Essas características indispensáveis aos grupos foram estabelecidas a fim de gerar um combate eficaz e dinâmico as organizações criminosas, não somente reprimindo ações isoladas, todavia tendo uma visão de conjunto, entrelaçando dados e informações, para que o emprego da atividade de repressão, consubstanciada com serviços de inteligência e segurança institucional, efetive a missão primordial do Ministério Público.

Registre-se a criação, em nível Nacional, do GNCOC – Grupo Nacional De Combate Às Organizações Criminosas –, grupo permanente de combate sistemático ao crime organizado, em ampla consonância com a Lei nº 9.034/95, estruturado com a integração de todos os Ministérios Públicos, seja na esfera Estadual e Federal, cujas diretrizes informam e orientam a atuação do “Parquet” nos respectivos Estados de origem.

Por derradeiro, estão firmadas razões da necessidade de criação dos grupos de combate ao crime organizado, principalmente porque essa modalidade criminosa vem pondo em descrédito, perante a sociedade, as Instituições encarregadas da estabilidade da ordem e do respeito às regras de convivência social.

Portanto, a repressão ao crime organizado somente haverá por ser completa quando órgãos públicos incumbidos na mantença do controle fiscalizador dessas ações criminosas, equiparem-se e instituírem métodos adequados alicerçados em atividades interligadas, para combater esse mal emergente, por tratar de uma questão que põe em perigo à solidez do Estado Democrático de Direito.

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16 Marcos Legais: Âmbito Federal

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16 MARCOS LEGAIS

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16.1 ÂMBITO FEDERAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL ARTIGOS

Constituição Federal de 1988.

Artigos: 22, XXVII, §37, XIX, XX, §6º; 127; 129, III, IV, IX; 150, VI, “c”, §4º; 179; 193; 194; 195, §3º, §7º; 196;197;199, §1º, 2º;201, §8º; 203, I,II,III,IV,V; 204, I, II; 205;209, I,II; 213, I, II §1º, §2º; 215;218, §4º; 225;227;230.

Constituição Federal de 1988.

CF - Do art. 312 ao 327. Dos crimes contra a administração pública praticados por funcionário público.

Constituição Federal de 1988.

CF - Art. 37 e incisos. Dispõe sobre os princípios a serem obedecidos pela administração pública direta e indireta, entre outros.

LEIS ASSUNTOSLei nº 91 de 28/08/1935 Determina regras pelas quais são

as sociedades declaradas de utilidade pública.

Lei nº 1.079/50. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

Lei nº 1.533 de 31/12/51 Altera disposições do Código de Processo Civil, relativas ao mandado de segurança.

Lei nº 3.164/57.

(Revogada pelo art. 5 da Lei 8.429/92)

Determina o sequestro de bens de servidores em razão de enriquecimento ilícito.

Lei nº 3.502/58.

(Revogada pelo art. 5 da Lei 8.429/92)

Determina o sequestro de bens de servidores em razão de enriquecimento ilícito.

Lei nº 3.750 de 11/04/1960 Autoriza o Poder Executivo a transformar em Fundação o Serviço Especial de Saúde Pública, e dá outras providências.

Lei nº 4.320 de 17/03/1964 Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados,

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dos Municípios e do Distrito Federal.

Lei nº 4.717/65. Dispõe sobre Ação Popular para Defesa do Patrimônio Público.

Lei nº 4.737/65. Institui o Código Eleitoral.

16.1 ÂMBITO FEDERAL (cont.)LEIS ASSUNTOS

Lei nº 5.172 de 25/10/1966 Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. (artigos 9º, IV,§§ 1º e 2º, 10, 11, 14, I, II, III, §§ 1º e 2º).

Lei nº 5.464 de 02/07/1968 Considera de utilidade pública a Fundação Ford (The Ford Fundation), com sede em Nova Yorque, Estados Unidos da América do Norte.

Lei nº 5.869 de 11/01/1973 Institui o Código de Processo Civil. Artigos 81/85 e Livro IV, Título II, Capítulo X.

Lei nº 6.015 de 03/12/1973 Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.

Lei nº 8.666 de 21/07/1983. Regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

Lei nº 7.347 de 24/07/1985 Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consomidor, a bens e direitos de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos, paisagísticos (VETADO) e dá outras providências.

Lei nº 8.429 de 02/06/1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato,

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cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Lei nº 8.625/93. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências.

Lei nº 8.730/93. Determina a obrigatoriedade de declaração de bens no exercício de cargos, empregos e funções dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Lei nº 8.745/93. Dispõe sobre a contratação por prazo determinado para atender a necessidade temporária.

16.1 ÂMBITO FEDERAL (cont.)LEIS ASSUNTOS

Lei nº 8.935/94. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro - Lei dos Cartórios.

Lei nº 8.987/95. Dispõe sobre concessões públicas.

Lei nº 9.074/95. Dispõe sobre concessões públicas – normas para outorga e prorrogações.

Lei nº 9.096/95. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal.

Lei nº 9.307/96. Dispõe sobre a arbitragem.Lei nº 9.504/97. Estabelece normas para as

eleições.Lei nº 9.637/98. Dispõe sobre a qualificação de

entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.

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Lei nº 9.648/98. Dispõe sobre concessões públicas –prorrogações.

Lei nº 9.649/98. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências.

Lei nº 9.790/99. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências.

Lei nº 9.840/99. Altera dispositivos da Lei no

9.504, de 30 de setembro de 1997, e da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.

Lei nº 9.868/99. Regulamenta a ação direta de inconstitucionalidade e declatória de constitucionalidade.

Lei nº 9.873/99. Dispõe sobre a prescrição de ação punitiva, ao exercício do poder de polícia.

Lei nº 9.882/99. Dispõe sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Lei nº 10.233/01. Dispõe sobre transporte aquaviário e terrestre – permissões.

Lei nº 10.259/01. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

16.1 ÂMBITO FEDERAL (cont.)LEIS ASSUNTOS

Lei nº 10.628/02. Estabelece normas acerca da competência pela prerrogativa de função do art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941– Código de Processo Penal.

Lei nº 10.848/04. Dispõe sobre energia elétrica - comercialização - concessionárias -permissionários.

Lei Complementar nº 101 de 04/05/2000.

Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a

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responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

MEDIDAS PROVISÓRIAS ASSUNTOMP nº 2.225/01. Altera as Leis nos 6.368, de 21 de

outubro de 1976, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.525, de 3 de dezembro de 1997, e dá outras providências.

DECRETOS ASSUNTODecreto-Lei nº 3.914, de 9/12/41.

Lei de Introdução do Código Penal (decreto-lei n. 2.848, de 7-12-940) e da Lei das Contravenções Penais (decreto-lei n. 3.688, de 3 outubro de 1941) .

DECRETOS ASSUNTODecreto-Lei nº 201/67. Dispõe sobre a responsabilidade

dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências.

PROJETO DE LEI ASSUNTO

PL nº 2.546. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, no âmbito da administração pública.

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17 Ministério Público Procedimentos Administrativos Investigatórios. Aspectos Teóricos e Práticos

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17.1.1 Inquérito Civil

17 MINISTÉRIO PÚBLICO: PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS INVESTIGATÓRIOS. ASPECTOS

TEÓRICOS E PRÁTICOS

17.1 ASPECTOS TEÓRICOS

O Inquérito Civil constitui uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, destinada, basicamente, a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar possível ocorrência de fatos e/ou circunstâncias ensejadores de eventual propositura de medidas judiciais.

Inicialmente, nos termos da Lei nº 7.347/85, seu objeto circunscrevia-se à coleta de elementos probatórios que servissem de base à propositura de uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público, em defesa de interesses metaindividuais nela taxativamente discriminados (meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural); entretanto, com o alargamento do objeto da Ação Civil Pública, trazido por força da própria Constituição e de leis subseqüentes, hoje o Inquérito Civil presta-se à investigação de lesão a quaisquer interesses ou direitos que reclamem a ação ministerial.

É possível a distinção de três fases no Inquérito Civil: fase de instauração (de regra, por portaria), fase de instrução (coleta de provas, oitiva de testemunhas, juntada de documentos, realização de vistorias, exames e perícias) e fase de conclusão (relatório final, concluindo pelo arquivamento, ou, em caso contrário, a própria propositura da ação, embasada no inquérito).

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17.1.2 Termo de Ajuste de Conduta

Tendo em vista os diversos tipos de documentos utilizados para compor o Inquérito Civil, este manual, visando facilitar o trabalho do titular da atribuição, apresenta alguns modelos práticos de procedimentos, tais como portaria, requisição, promoção de arquivamento, etc.

O compromisso de ajustamento de condutas é um ato jurídico bilateral, no qual o violador da norma reconhece implicitamente que a sua conduta ofende aos princípios constitucionais e assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais. A natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervém o órgão público e o promitente. Uma vez firmado o Termo de Ajuste de Condutas, suspende-se o procedimento, porquanto em caso de descumprimento do acordo, no todo ou em parte, surge o direito à execução por título extrajudicial ou judicial, conforme a natureza do termo.

Registre-se, por oportuno, que é vedado acordo, transação ou conciliação nas Ações Civis Públicas aforadas por improbidade administrativa.25

Alerte-se também, que a multa fixada em termo de ajustamento não deve ter caráter compensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de fazer ou não fazer, normalmente mais interessa o cumprimento da obrigação que o correspondente econômico.

Obs. 1) Para os fins do compromisso de ajustamento, não é necessário que o compromitente assuma a culpa pelo dano e sim assuma a responsabilidade por sua reparação. Se não quiser ele assumir a culpa, possivelmente para resguardar eventual direito de regresso com relação a terceiros, a primeira cláusula deve limitar-se a descrever os danos, sem imputá-los ao compromitente.

25 Art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92

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17.1.3 Execução do Título de Compromisso

17.1.4 Ação Civil Pública

2) Sendo o caso, neste momento, poderá o reclamado fazer a ressalva de que não renuncia ao eventual direito de regresso em relação a terceiros.

3) A questão de eficácia do compromisso, ocorrerá somente a partir da homologação do arquivamento do Inquérito Civil.

Quando o termo compromissado envolver obrigação de “não fazer”, a atenção deve estar voltada para o estabelecimento de astreintes, porque tecnicamente é impossível executar dita obrigação, uma vez que tal procedimento pressupõe atividade executiva. Aliás, tema complexo, como complexo e inexeqüível é a cláusula que compromete emissão de vontade que, por conseguinte, deve ser também evitada, ao tempo em que deve ser valorizada a multa diária como forma de coibir uma atividade nociva contínua.

Ressalte-se que não é incomum que o devedor-compromitente seja devedor inicialmente da obrigação de fazer ou não fazer, e, posteriormente, por atraso destas obrigações, passe a ser devedor também de obrigação pecuniária líquida e certa correspondente à importância total das multas diárias fixadas pelo juiz. Neste caso, as duas execuções serão processadas nos mesmos autos, sendo admissível, porém, para a melhor adequação à diversidade de procedimentos, o desmembramento dos autos, para se processar, em apartado, o débito já dotado de liquidez e certeza, com vistas à execução por quantia certa, prosseguindo-se o processo originário para o fim de obter o cumprimento da conduta comissiva ou omissiva a que está obrigado o devedor.

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A Ação Civil Pública constitui remédio processual constante da Lei nº 7.347, de 24. 07.1985, resultante de estudos feitos por juristas brasileiros, tendo em vista suprir lacunas normativas para atender as exigências da tutela estatal ao meio ambiente, ao consumidor a bens e direitos de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos, em fim, ao patrimônio histórico-cultural da nação.

Os debates doutrinários sobre o assunto começaram no Brasil em 1976, analisando o perfil histórico do processo civil romano, onde surgiram as actiones populares. O direito comparado contemporâneo robusteceu as idéias dos doutrinadores, de sorte que outras fontes serviram de inspiração à Ação Civil Pública, como por exemplo a chamada class action do direito norte-americano, criada para a defesa de interesses difusos e coletivos.

A atual Constituição Federal conferiu-lhe portentoso status, em seu art. 129, quando preceitua que, “entre as funções institucionais do Ministério Público, se inscreve a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

A expressão “outros interesses difusos e coletivos”, indica que a LACP é também aplicável, por exemplo, para tutela dos direitos difusos e coletivos na área da Infância e Juventude (ECA, 208 e ss.), para proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiências (Lei nº 7.913/89), em defesa do patrimônio público e social, moralidade administrativa, populações indígenas, educação, saúde, patrimônio público contra o enriquecimento ilícito de agente ou servidor público (LIA), etc.

Julgado procedente o pedido encartado na Ação Civil Pública, poderá o réu ser condenado a fazer ou prestar atividade determinada, a não fazer ou abster-se de comportamento danoso, ou ainda sofrer pena pecuniária.

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17.2 ASPECTOS PRÁTICOS (MODELOS DE PROCEDIMENTOS UTILIZADOS PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO)

* Este material consta ao final do CD que acompanha o livro.

17.3 JURISPRUDÊNCIA

APELAÇÃO CÍVEL nº 2003.001.277463ª Câmara Cível RELATOR: Luiz Fernando de Carvalho

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE – VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL PERDA DO MANDATO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CAPITULADOS NO ARTIGO 11 DA LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PERDA DO MANDATO ELETIVO DE VEREADOR DO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA CIVIL E PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO OU RECEBER BENEFÍCIOS OU INCENTIVOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS DIRETA OU INDIRETAMENTE. ABSORÇÃO DA TUTELA CAUTELAR PELA DEFINITIVA. ADEQUAÇÃO DAS SANÇÕES AO DISPOSTO NO ARTIGO 12, III DA LEI 8.429/92. EXAME CORRETO E ADEQUADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO, SUFICIENTE PARA CONDUZIR AO JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DIANTE DE CONDUTA DE GRAVIDADE MANIFESTA E LESIVA AOS BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PELA LEI PECULIAR. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE DESERÇÃO DOS RECURSOS DOS RÉUS, FACE À COMPLEMENTAÇÃO DO RECOLHIMENTO DAS CUSTAS NO PRAZO DO ARTIGO 511, §2º, CPC, COMPUTADO EM DOBRO EM CONSEQÜÊNCIA DA DUPLICIDADE DE PATRONOS. IMPROVIMENTO DOS APELOS DOS DEMANDADOS. PROVIMENTO PARCIAL DAQUELE MANIFESTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COM VISTAS AO AGRAVAMENTO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA, EM CONSIDERAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA EFETIVIDADE.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2003.002.013052ª Câmara Cível RELATOR: Elizabete Filizzola

AÇÃO CIVIL PUBLICA - IMPROBIDADE - INDISPONIBILIDADE DE BENS AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE, INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE DE TODOS IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DOS RÉUS. DEFERIMENTO DE LIMINAR. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. Agravo interposto contra concessão de liminar determinando a inalienabilidade, indisponibilidade e impenhorabilidade de todos os bens imóveis registrados em nome dos Réus, que se mantém. A liminar é ato discricionário do juiz, cabendo-lhe o primeiro exame da existência do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora” ensejadores da liminar pretendida, que foram comprovados pelas provas já juntadas aos autos que demonstram ter o Agravante recebido verba para construção de uma usina que não foi concluída e a possibilidade do Agravante de dilapidar o seu patrimônio durante o curso da ação, impedindo o ressarcimento ao erário, caso seja condenado. Somente se reforma a concessão ou indeferimento de liminar, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos. Súmula 59 do TJRJ. RECURSO DESPROVIDO.

ACÓRDÃO: 18/05/2004RELATOR: Miguel D'abadia Ramos JubeAPELAÇÃO CÍVEL - 73384-1/188PROCESSO: 2003018699653ª Câmara CívelAPELADO: João Luiz Vieira da Paixão e outroAPELANTE: MP do Estado de Goiânia

EMENTA: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . INFRIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. LEI N. 8429/92. UMA VEZ COMPROVADA NOS AUTOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR PARTE DO SERVIDOR PUBLICO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA QUE AO INVÉS DE PRESTAR SERVIÇOS GRATUITOS AOS CIDADÃOS NECESSITADOS QUE LÁ COMPARECESSEM, UTILIZOU-SE DAS INSTALAÇÕES DO PRÉDIO DO JUIZADO MENORISTA COMO SUA BANCA DA ADVOCACIA, EXIGINDO DAS PESSOAS QUE NECESSITAVAM SE

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SERVIR DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA, HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PELOS SEUS SERVIÇOS DEVE O MESMO SER CONDENADO EM MULTA CIVIL, NÃO SENDO O CASO DE SUSPENSÃO DOS SEUS DIRETOS POLÍTICOS. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA PARCIALMENTE."

DECISÃO: "ACORDAM OS INTEGRANTES DA TERCEIRA TURMA JULGADORA DA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, A UNANIMIDADE, EM CONHECER DO APELO, DANDO-LHE PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. CUSTAS DE LEI."

ACÓRDÃO – 1ª Câmara CívelRELATOR: Carlos Alberto FrancaAPELAÇÃO CÍVEL nº 71092-2/188GOIATUBAAPELANTE: MP de GoiatubaAPELADO: Jairo Borges de Oliveira EMENTA: "AÇÃO CIVIL PUBLICA. MINISTÉRIO PUBLICO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . EX-PREFEITO. CARÊNCIA DE AÇÃO . INTERESSE PROCESSUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.1- O FATO DE TER A EMPREITEIRA DEVOLVIDO O DINHEIRO PERTENCENTE AO MUNICÍPIO, O QUAL FORA RECEBIDO INDEVIDAMENTE, NÃO RETIRA O INTERESSE DO MINISTÉRIO PUBLICO PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO , HAJA VISTA QUE A REFERIDA RESTITUIÇÃO NÃO IMPEDE QUE O ÓRGÃO MINISTERIAL AJUÍZE AÇÃO COM FITO DE APURAR A RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR E EVENTUALMENTE IMPOR SANÇÕES INSERTAS NA LEI Nº 8.429/92. 2 - SEGUNDO CONSTA, O FATO DO DITO SUPERFATURAMENTO OCORREU NA GESTÃO DO EX-PREFEITO, ORA APELADO. ASSIM, É O MESMO QUE DEVERÁ RESPONDER PELOS ATOS PRATICADOS EM SUA GESTÃO, POIS ERA ELE O ORDENADOR DAS DESPESAS, COMO BEM DITO PELO APELANTE. AGORA, SE AGIU COM CULPA OU SE TEM OU NÃO RESPONSABILIDADE COM O FATO DESCRITO NA INICIAL, E QUESTÃO DE MÉRITO, QUE DEVE SER DEVIDAMENTE ANALISADA NA INSTANCIA SINGELA. 3 - O FATO DE O RÉU NÃO SER MAIS PREFEITO MUNICIPAL NÃO SIGNIFICA QUE O PEDIDO SEJA JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL, UMA VEZ QUE NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO NÃO VEDA A PERDA DA

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FUNÇÃO PUBLICA E OUTRAS PENALIDADES AO AGENTE QUE POR VENTURA AGIU COM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . ASSIM, A ANALISE DEVE SER FEITA NEGATIVAMENTE, SE HOUVESSE PROIBIÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PUBLICA, AI SIM PODERÍAMOS FALAR EM IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, O QUE NÃO E O CASO. APELO CONHECIDO E PROVIDO."

DECISÃO: "ACORDA O EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, PELA 1ª TURMA DE SUA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, POR UNANIMIDADE, EM CONHECER DO APELO E PROVE-LO. SENTENÇA CASSADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, QUE A ESTE SE INCORPORA."

ACÓRDÃO – 4ª Câmara CívelRELATOR: Borges de AlmeidaAPELAÇÃO CÍVEL nº 68756-0/188APELADO: Homero Sabino de Freitas APELANTE: Ministério Público de Quirinópolis

EMENTA: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PUBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . CONSOANTE

PRECEDENTE DA CORTE, INEXISTE INTERESSE PUBLICO NA CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL DA ADVOCACIA POR ENTIDADE PUBLICA, PARA PATROCÍNIO DAS CAUSAS PESSOAIS DOS ADMINISTRADORES, OS QUAIS, NESSE, ASPECTO, NÃO PODEM RECEBER SUSTENTO DO CONTRIBUINTE, CUJA PRATICA CONFIGURA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA , PREVISTO NO ART. 10 DA LEI 8.429/92, CONSISTENTE NO MALBARATAMENTO DE VERBAS PUBLICAS. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA COM A CONSEQÜENTE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO ."

DECISÃO: "ACORDAM OS INTEGRANTES DA SEGUNDA TURMA JULGADORA DA QUARTA CÂMARA CÍVEL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, A UNANIMIDADE DE VOTOS EM CONHECER DO APELO E DAR-LHE PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR."

APELAÇÃO CÍVEL nº 70008091175RELATOR: Wellington Pacheco Barros4ª Câmara CívelCOMARCA DE ORIGEM: Comarca de São Leopoldo

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. CÂMARA DE VEREADORES DE SÃO LEOPOLDO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CORRUPÇÃO PASSIVA. DENÚNCIA. COMISSÃO PROCESSANTE. CONVOCAÇÃO. PEDIDO PARA SUSPENSÃO DOS TRABALHOS DA COMISSÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR INDEFERIDA. ENCERRAMENTO DOS TRABALHOS COM A CASSAÇÃO DOS IMPETRANTES. EXTINÇÃO NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AÇÃO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA. NÃO-PROVIMENTO EM GRAU RECURSAL. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. 1- Inexistindo pedido expresso para apreciação do agravo retido, incabível apresenta-se o seu conhecimento. Inteligência do artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil. Agravo retido não conhecido. 2 - Determinado o prosseguimento dos trabalhos da Comissão Processante através do agravo de instrumento nº 70005591839, com sua confirmação pelo agravo interno nº 70005676762, transitado em julgado em 30.05.2003, culminando com a sessão de cassação dos impetrantes, incabível a pretensão esposada neste writ de suspensão dos trabalhos da comissão. Precedentes.

DECISÃO: AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO, POR UNANIMIDADE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA, POR MAIORIA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008091175, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: WELLINGTON PACHECO BARROS, JULGADO EM 18/08/2004)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - NÚMERO: 70009003104RELATOR: Paulo de Tarso Vieira SanseverinoTRIBUNAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS - ÓRGÃO JULGADOR: 3ª Câmara CívelCOMARCA DE ORIGEM: Comarca de Canoas

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFICIAL DE JUSTIÇA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Imputação a Oficial de Justiça de ato de improbidade administrativa em ação civil pública. Afastamento das funções (art. 20, § único, da Lei nº 8429/92). Desnecessidade da medida no caso concreto. Precedentes da Câmara. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70009003104, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO, JULGADO EM 26/08/2004)

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APELAÇÃO CÍVEL nº 70006215297RELATOR: Irineu MarianiTRIBUNAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS - ÓRGÃO JULGADOR: 1ª Câmara CívelCOMARCA DE ORIGEM: Comarca de Iuí

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OBRAS PÚBLICAS. PAGAMENTO ANTES DA REALIZAÇÃO. PAGAMENTO AO CONTRATADO, EMBORA REALIZADAS PELO PRÓPRIO MUNICÍPIO CONTRATANTE. REALIZAÇÃO NUM LOCAL E COBRANÇA COMO OBRA REALIZADA NOUTRO. SANCIONAMENTOS. JUÍZO DE SUFICIÊNCIA. 1. Pagar obra pública antes da realização, pagar obras públicas ao contratado, embora na verdade realizadas com maquinários e funcionários do próprio município contratante e pagar obra pública como realizada num local, objeto de uma licitação, como obra realizada noutro local, objeto de outra licitação, são atos que caracterizam as improbidades de prejuízo ao erário e de violação dos princípios da administração pública, que determinam a responsabilização de todos os envolvidos. Exegese dos arts. 10 e 11 da Lei 8.429/92. 2. O parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429/92 consagra o chamado juízo de suficiência, não significando, porém, a possibilidade de exclusão de espécies imperativas de sancionamentos, mas graduação das espécies existentes, observado o mínimo e o máximo, salvo quando a própria lei exclui a variação. Se, no entanto, a sentença, reduziu as espécies imperativas e a parte autora não recorreu, incide em relação às apelações dos réus o princípio da não reformatio in pejus. 3. Apelações desprovidas. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70006215297, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: IRINEU MARIANI, JULGADO EM 30/06/2004)

AÇÃO DE MPROBIDADE nº 70008752396RELATOR: Rejane Maria Dias de Castro BinsTRIBUNAL: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS - ÓRGÃO JULGADOR: 22ª Câmara CívelCOMARCA DE ORIGEM: Comarca de Sobradinho

EMENTA: AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. RESTOS A PAGAR. ART. 42 DA LRF. ANO DE 2000. PROCESSUAL CIVIL. PREFACIAIS DE ILEGITIMIDADE E CARÊNCIA DA AÇÃO.

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CARÊNCIA DA AÇÃO. Rejeição da preliminar suscitada pelo ex-Prefeito, porquanto, se o ressarcimento do dano causado ao erário público encontra-se elencado dentre as sanções previstas na LIA, embora também o esteja na previsão legal da ação popular, cabível o ajuizamento da ação civil pública para o deslinde da questão nos termos em que proposta. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Prefacial deduzida pelo segundo réu desacolhida. Se o Chefe do Poder Legislativo estava na condição de ordenador de despesas do Município, embora por poucos dias, no período do endividamento da Prefeitura, constitui parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda. REJEIÇÃO DAS PREFACIAIS. MÉRITO. A conduta inserida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não dispensa descrição de dolo na inicial. A mera existência de restos a pagar não cobertos pelas disponibilidades existentes em 31.12.2000 configura infração a dispositivo legal, mas não retrata qualquer especial vontade de violação da lei. Dano ao erário. Art. 10 da Lei nº 8.429/92. Inicial não instruída com documentação que retrate a contratação de despesas sem disponibilidade de caixa. Distinção entre contração de despesas e empenho. Descumprimento do disposto no art. 17, § 6º da LIA.

DECISÃO: PRELIMINARES ARGÜIDAS PELOS RÉUS DESACOLHIDAS. AÇÃO REJEITADA. (PREFEITO - IMPROBIDADE Nº 70008752396, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 29/06/2004)

Número do processo: 1.0461.97.001151-0/001(1)RELATOR: Brandão TeixeiraData do acordão: 31/08/2004Data da publicação: 17/09/2004

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SENTENÇA DESAFIADA POR RECURSOS VOLUNTÁRIOS. INDISPONIBILIDADE DE BENS. MEDIDA CAUTELAR. O art. 12 e seus respectivos incisos, da Lei n. 8.429/1992, definiu quais as cominações para cada ato de improbidade. E em todos eles prevaleceu a orientação, já inserida no art. 5º, daquela mesma lei, segundo o qual "ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano". Outrossim, porque é possível supor que alguém, temendo desfecho desfavorável na ação proposta contra si, pudesse tentar frustrar a execução da futura

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decisão, alienando os bens ou valores necessários ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, é de interesse público que se assegure, imediata e cautelarmente, o resultado útil do processo, o que somente poderia ser obtido mediante a excepcional indisponibilidade dos bens, que poderiam ir para mãos de terceiros de boa-fé. Não obstante, a indisponibilidade de bens não é penalidade, mas medida acautelatória, por sua natureza excepcional e restrita, que, conforme expressamente dispõe o parágrafo único, do art. 7º, da Lei n. 8429/1992, deve restringir-se ao valor do dano causado ou ao acréscimo patrimonial decorrente da atividade ilícita. O patrimônio pessoal do administrador público, como qualquer administrador privado, responde por seus atos de gestão que causem prejuízos ao titular dos interesses que gere.

SÚMULA: DERAM PARCIAL PROVIMENTONúmero do processo: 1.0000.00.331354-1/000(1)Relator: FERNANDO BRÁULIOData do acordão: 13/05/2004Data da publicação: 22/09/2004

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – FIXAÇÃO DA REPRIMENDA – ATENÇÃO AO ARTIGO 12, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.429/92. Em sede de Ação Civil Pública decorrente de ato de improbidade administrativa, deve o magistrado, ao fixar a reprimenda, atentar para o comando emanado do artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92. V.V.P. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÃO PREVISTA NO ART. 12 DA LEI, Nº II, 8.429/92. PROPORCIONALIDADE ENTRE EXTENSÃO DO GRAU DE CULPA, A INTENSIDADE DO DANO CAUSADO AO ERÁRIO E A PENA. 1. Comprovada a indevida contratação de locação de veículos pela Administração municipal sem processo licitatório e sem a ocorrência de interesse público capaz de justificá-la, acha-se configurado o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92. 2. Na imposição da pena, deve ser observada a proporcionalidade entre a intensidade do grau de culpa, a extensão do dano causado ao erário e a pena aplicável, a fim de estabelecer-se um equilíbrio entre esta e a potencialidade danosa do ato, reduzindo-se a condenação ao mínimo, se não há comprovação do enriquecimento ilícito do cedente do bem e nem evidência de dolo, mas de simples culpa oriunda da errônea interpretação de norma legal.

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SÚMULA: POR UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO 2º RECURSO. NEGARAM PROVIMENTO AO 3º RECURSO, VENCIDO O VOGAL, AO PRIMEIRO RECURSO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR.Súmula: ACOLHERAM A PRELIMINAR E DETERMINARAM A REMESSA DOS AUTOS À COMARCA DE ORIGEM.

Número do processo: 1.0000.00.272016-7/000(2)Relator: FERNANDO BRÁULIOData do acordão: 13/05/2004Data da publicação: 01/09/2004

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÃO PREVISTA NO ART. 12 DA LEI, Nº II, 8.429/92. PROPORCIONALIDADE ENTRE EXTENSÃO DO GRAU DE CULPA, A INTENSIDADE DO DANO CAUSADO AO ERÁRIO E A PENA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO. 1. Comprovada a indevida cessão de veículo destinado ao transporte de escolares pertencente ao Município, pelo Prefeito, a particular, sem a ocorrência de interesse público capaz de justificá-la e sem que o interessado tenha recolhido, previamente, a remuneração arbitrada e assinado termo de responsabilidade pela conservação e devolução do bem cedido, exigidos por dispositivo da respectiva Lei Orgânica Municipal, acha-se configurado o ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, inciso XIII, da Lei nº 8.429/92, que justifica o acolhimento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o cedente e os usuários, e a imposição solidária da sanção prevista no art. 12, inciso II, dessa mesma Lei. 2. Na imposição da pena, deve ser observada a proporcionalidade entre a intensidade do grau de culpa, a extensão do dano causado ao erário e a pena aplicável, a fim de estabelecer-se um equilíbrio entre esta e a potencialidade danosa do ato, reduzindo-se a condenação ao mínimo, se não há comprovação do enriquecimento ilícito do cedente do bem e nem evidência de dolo, mas de simples culpa oriunda da errônea interpretação de norma legal.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, VENCIDO EM PARTE O REVISOR.

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AI 312488 AgR-ED / MG - MINAS GERAISEMB.DECL.NO AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTORelator(a): Min. SYDNEY SANCHES Julgamento:  24/09/2002          Órgão Julgador:  Primeira Turma Publicação:  DJ DATA-25-10-2002 PP-00047 EMENT VOL-02038-05 PP-00946

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, IMPUTADO A PREFEITO, QUE COLOCOU EM DISPONIBILIDADE SERVIDORES ESTÁVEIS, SEM QUE SEUS CARGOS TIVESSEM SIDO EXTINTOS OU DECLARADOS DESNECESSÁRIOS. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. 1. O aresto impugnado, mediante Recurso Extraordinário, pelo ora embargante, foi proferido no julgamento da Apelação, pois, nesta, é que ficou parcialmente vencido. Não, assim, nos Embargos Infringentes, opostos pelo Ministério Público, na parte em que este sucumbiu e que acabaram rejeitados. 2. Assim, o acórdão ora embargado só poderia levar em conta o que objeto de consideração no proferido na apelação. Aliás, esta foi julgada a 5 de março de 1998, o Recurso Extraordinário, que o impugnou (do ora embargante), a 4 de maio de 1998, enquanto o que rejeitou os Embargos Infringentes, do Ministério Público, tem data de 3 de dezembro de 1998. 3. Em todos os votos que julgaram a Apelação ficou reconhecido que o réu, ora embargante, praticou ato de improbidade administrativa. Dois deles, porém, deixaram de manter sua condenação ao ressarcimento dos cofres públicos. Daí os Embargos Infringentes, opostos pelo Ministério Público, autor da Ação Cível Pública, e, então, apelado, para insistir na indenização. Tais Embargos foram, sim, rejeitados. 4. Mas, mesmo nesse julgado, que, posterior ao R.E., interposto pelo réu (na parte em que vencido na apelação), não foi, nem poderia ter sido, considerado por esta Corte, no acórdão ora embargado, mesmo no aresto dos Embargos Infringentes, repita-se, não se deixou de reconhecer que o demandado agira com improbidade administrativa. 5. Enfim, o aresto dos Embargos Infringentes, posterior ao da Apelação, que era o atacado no R.E. em questão, embora eximindo o embargante do pagamento de indenização, também não deixou de reconhecer a improbidade de seu ato, com base, aliás, em expressa interpretação do art. 11, I, da Lei nº 8.429/92. 6. Ora, o reconhecimento unânime da improbidade administrativa no julgamento da Apelação resultou do exame de

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prova dos autos e de interpretação de legislação infraconstitucional. Tudo o que não pode ser reexaminado por esta Corte, em Recurso Extraordinário. 7. No que concerne à imposição de suspensão dos direitos políticos, constante da sentença de 1° grau e mantida no aresto recorrido (da Apelação) (e obviamente não tocado no dos Embargos Infringentes) - como já acentuado no acórdão ora embargado: "... não decorreu do disposto no § 3° do art. 41 da C.F., que disso não trata, mas, ao que se presume, do estabelecido no art. 15, V, c/c art. 37, § 4°, da Constituição Federal. No R.E., porém, não se alegou violação de tais normas. E no que respeita à proibição de contratar com o poder público, por 3 anos, o aresto não aponta norma constitucional ou legal a respeito. Nem o recorrente sustenta que uma ou outra haja sido violado. E quanto a eventual fundamento legal, infraconstitucional, ficou precluso, diante do não seguimento do Recurso Especial, perante o Superior Tribunal de Justiça". 8. Enfim, não conseguiu o embargante demonstrar o desacerto da decisão ora embargada, o que, aliás, converteria os Embargos Declaratórios em inadmissíveis Embargos Infringentes. Menos ainda demonstrou a ocorrência de omissão a ser suprida, de contradição ou obscuridade, a serem sanadas. 9. Embargos rejeitados.

Votação: Unânime.Resultado: rejeitados.O AI-312488-AgR-ED foi objeto dos AI-AgR-ED-ED rejeitados em10/12/2002.N.PP.:(31). Análise:(FLO). Revisão:(AAF).Inclusão: 20/03/03, (MLR).Alteração: 30/04/03, (MLR).PartesEMBDO.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAISLegislação Federal - Constituição Federal de 1988Art. 15, inc. V; art. 37, § 4º; Art. 41, § 3ºLegislação Federal - Lei 8429/92 – Art. 11, inciso IACÓRDÃOMC 7233 / MT ; MEDIDA CAUTELAR2003/0190413-5Fonte DJ DATA:17/05/2004 PG:00106Relator: Min. DENISE ARRUDA (1126) - Data da Decisão 27/04/2004Orgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA

EMENTA: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N.º 8.429/92).

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MEDIDA LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS E BLOQUEIO DE CONTAS CORRENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL RETIDO. ART. 542, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N.º 8.429/92). MEDIDA LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS E BLOQUEIO DE CONTAS CORRENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL RETIDO. ART. 542, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA.

1. A decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei n.º 8.429/92.2. Presentes os requisitos ensejadores da concessão da medida cautelar, quais sejam, a demonstração da urgência da prestação jurisdicional e a caracterização da plausibilidade do direito alegado, deve ser concedida a medida liminar no que diz respeito ao destrancamento do apelo raro.3. Medida cautelar procedente em parte.

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, julgar procedente em parte a medida cautelar, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado.

ACÓRDÃORESP 495933 / RS ; RECURSO ESPECIAL2002/0172299-5 Fonte DJ DATA:19/04/2004 PG:00155Relator: Min. LUIZ FUX (1122)Data da Decisão - 16/03/2004 - Orgão Julgador - T1 - PRIMEIRA TURMA

1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º, da Lei n.º 8.429/92.

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2. Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327).3. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa.4. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento.5. Ademais, a efetiva ocorrência do periculum in mora e do fumus boni juris são condições de procedência do mérito cautelar, sindicável pela instância de origem também com respaldo na Súmula 07.6. Em conseqüência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do ato improbo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07, do STJ.7. Recursos parcialmente providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos recorridos para se submeteram às sanções da Lei de Improbidade Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local.

DECISÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, por unanimidade, dar parcial provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado (voto-vista) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.

Resumo EstruturadoLEGITIMIDADE PASSIVA, ADMINISTRADOR, HOSPITAL, CONVENIO, SUS, MEDIDA CAUTELAR, OBJETIVO, INDISPONIBILIDADE DOS BENS, MOTIVO, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EXISTÊNCIA, VINCULAÇÃO, PODER PUBLICO, DECORRÊNCIA, DELEGAÇÃO, FUNÇÃO PUBLICA, REPASSE, VERBA PUBLICA, cARACTERIZAÇÃO, AGENTE PUBLICO, ABRANGÊNCIA, PREVISÃO, LEI ESPECIAL.

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DESCABIMENTO, ÂMBITO, RECURSO ESPECIAL, APURAÇÃO, OCORRÊNCIA, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, IMPOSSIBILIDADE, APRECIAÇÃO, MATÉRIA DE FATO, INCIDÊNCIA, SUMULA, STJ. (VOTO VENCIDO EM PARTE) (MIN. JOSÉ DELGADO) CABIMENTO, ÂMBITO, RECURSO ESPECIAL, DECRETAÇÃO, MEDIDA CAUTELAR, INDISPONIBILIDADE DOS BENS, ADMINISTRADOR, HOSPITAL, CONVENIO, SUS, DECORRÊNCIA, NECESSIDADE, GARANTIA, EXECUÇÃO DE SENTENÇA, HIPÓTESE, PROCEDÊNCIA, AÇÃO PRINCIPAL, CARACTERIZAÇÃO, FUMUS BONI JURIS, PERICULUM IN MORA.

Referência LegislativaLEG:FED CFD: ANO:1988 - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988ART. 199LEG:FED DEL: 2848 ANO:1940 - CP-40 CÓDIGO PENALART. 327LEG:FED LEI: 8080 ANO:1990 – ART. 9ºLEG:FED LEI: 8429 ANO:1992 - ARTs. 1º , 2º e 3ºLEG:FED SUMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DoutrinaOBRA: PROBIDADE ADMINISTRATIVA, SARAIVA, 2001AUTOR: WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOROBRA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 2ª ED., SÍNTESE, 1997, P.97-99.AUTOR: FÁBIO MEDINA OSÓRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE 160432 / SP - SAO PAULORelator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento:  26/10/1993            Órgão Julgador:  PRIMEIRA TURMA Publicação:  DJ DATA-06-05-94 PP-10494 EMENT VOL-01743-07 PP-01271

EMENTAELEITORAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO POLÍTICO - LEGITIMIDADE RECURSAL - PREFEITO MUNICIPAL - DESAPROVAÇÃO DE CONTAS EM MANDATO ANTERIOR - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO NO ENSINO - INOCORRÊNCIA - INELEGIBILIDADE AFASTADA PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - MATÉRIA CONCERNENTE A LEGISLAÇÃO

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ELEITORAL INFRACONSTITUCIONAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. - OS PRONUNCIAMENTOS JURISDICIONAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE SE ESGOTEM NA ESFERA DO ORDENAMENTO POSITIVO INFRACONSTITUCIONAL, QUALIFICAM-SE COMO MANIFESTAÇÕES REVESTIDAS DE DEFINITIVIDADE, INSUSCETÍVEIS, EM CONSEQÜÊNCIA, DE REVISÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA VIA RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, CUJA INSTAURAÇÃO PRESSUPÕE, SEMPRE, A OCORRÊNCIA DE CONFLITO DIRETO, IMEDIATO E FRONTAL COM O TEXTO DA CONSTITUIÇÃO. - O DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO POLÍTICO DISPÕE DE LEGITIMIDADE RECURSAL PARA INTERPOR RECURSO EXTRAORDINÁRIO DIRIGIDO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ESPECIALMENTE QUANDO ESSE ÓRGÃO PARTIDÁRIO E O AUTOR, PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, DA ARGÜIÇÃO DE INELEGIBILIDADE DE CANDIDATO FILIADO A OUTRO PARTIDO. - A REJEIÇÃO LEGISLATIVA DE CONTAS PUBLICAS, COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DO PERCENTUAL COMPULSÓRIO MÍNIMO DETERMINADO PELO TEXTO CONSTITUCIONAL EM FAVOR DO ENSINO FUNDAMENTAL, NÃO CONDUZ, POR SI SÓ, AO RECONHECIMENTO DE UMA SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LC N. 64/90, ART. 1., I, G). - ESSA HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE, ESTANDO UNICAMENTE PREVISTA EM LEI COMPLEMENTAR, NÃO SE REVESTE DE ESTATURA CONSTITUCIONAL PARA EFEITO DE ACESSO A VIA RECURSAL EXTRAORDINÁRIA.

Votação: Unânime.Resultado: Não conhecido.N.PP.:(24). Análise: (JBM). Revisão: (NCS).Inclusão: 17.05.94, (MV ).

LegislaçãoLEG-FED CFD ANO-1988 Arts. 15, V; 35, III; 37 § 4º; 212 (CONSTITUENCIES FEDERAL)LEG-FED DEL 2848 ANO-1940 Art. 315 (CODING PENAL – 1940)LEG-FED LCP 64 ANO-1990 Art. 1º, I, “g”LEG-FED LEI 7348 ANO-1985 Art. 4º, § 4ºLEG-FED LEI 8429 ANO-1992 Arts. 11, 21LEG-FED DEL 201 ANO-1967 Art. 1º. III

Indexação

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CT0003, MANDATO ELETIVO, INELEGIBILIDADE, INOCORRÊNCIA, PREFEITO MUNICIPAL, CONTAS PUBLICAS, CÂMARA MUNICIPAL, REJEIÇÃO, ENSINO PUBLICO, PERCENTUAL MÍNIMO, INAPLICAÇÃO, IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CARACTERIZAÇÃO, AUSÊNCIA PC0560, RECURSO EXTRAORDINÁRIO CÍVEL, LEGITIMIDADE ATIVA, PARTIDO POLÍTICO, DIRETÓRIO MUNICIPAL, MATÉRIA ELEITORAL, IMPUGNAÇÃO PC3537, RECURSO EXTRAORDINÁRIO CÍVEL, MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL, MANDATO ELETIVO, INELEGIBILIDADE, LEI COMPLEMENTAR, PREVISÃO.AGA 576143 / SP; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2004/0013287-1

Relator(a): Ministro LUIZ FUX (1122)Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMAData do Julgamento 03/08/2004Data da Publicação/Fonte DJ 23.08.2004 p.00133

EMENTAPROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE.PREQUESTIONAMENTO.

1. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, com base na Lei de Improbidade Administrativa, contra a Câmara Municipal de São Bernardo do Campo e diversos Vereadores, objetivando a nulidade dos atos de nomeação de 21 secretários parlamentares (assessores) por Vereador, sem prévio concurso público e dotação orçamentária. 2. É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. 3. Descabe o recurso especial quanto à suposta violação a dispositivos da Constituição Federal.4. A tempestividade constitui requisito indispensável à admissibilidade dos recursos.5. Agravo regimental desprovido.

AcórdãoVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino

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Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

MANDADO DE SEGURANÇA MS 23401 / DF - DISTRITO FEDERALRelator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento:  18/03/2002            Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicação:  DJ DATA-12-04-02 PP-00055 EMENT VOL-02064-02 PP-00313

EMENTA CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: POLICIAL: DEMISSÃO. ILÍCITO ADMINISTRATIVO e ILÍCITO PENAL. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. I. - Servidor policial demitido por se valer do cargo para obter proveito pessoal: recebimento de propina. Improbidade administrativa. O ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra o servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: MS 21.294- DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence; MS 21.293-DF, Relator Ministro Octavio Gallotti; MMSS 21.545-SP, 21.113-SP e 21.321-DF, Relator Ministro Moreira Alves; MMSS 21.294-DF e 22.477-AL, Relator Ministro Carlos Velloso. III. - Procedimento administrativo regular. Inocorrência de cerceamento de defesa. IV. - Impossibilidade de dilação probatória no mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos, prova pré- constituída. V. - Mandado de Segurança indeferido.

Votação: unânime.Resultado: indeferido o mandado de segurança e tornando insubsistentea cautelar concedida.Acórdãos citados: MS-21098 (RTJ-137/663), MS-21113(RTJ-134/1105), MS-21293 (RTJ-165/523), MS-21294, MS-21321(RTJ-143/848), MS-21545, RMS-22033 (RTJ-168/171), MS-22477, MS-22737.N.PP.:(18). Análise:(COF). Revisão:(AAF).Inclusão: 13/09/02, (SVF).

PartesIMPTE: LUIZ ANTÔNIO LAUXENADVDO: MAURO ULYSSES CARVALHO

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IMPDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA

LegislaçãoLEG-FED CFD ANO-1988 Art. 5º, LVIICF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERALLEG-FED DEL 2848 ANO-1940 Arts. 316 e 317CP-40 CÓDIGO PENALLEG-FED DEL 3689 ANO-1941 Art. 65CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENALLEG-FED LEI 1711 ANO-1952

ACÓRDÃOOrigem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: APN - AÇÃO PENAL – 195Processo: 199500366304 UF: RO Órgão Julgador: CORTE ESPECIALData da decisão: 21/05/2003 Documento: STJ000502476 Fonte DJ DATA:15/09/2003 PÁGINA:225 Relator(a) GILSON DIPP

DECISÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, recebeu a denúncia contra Amadeu Guilherme Matzembacher Machado, Beniamine Gegle de Oliveira Chaves e Antônio José Barnabé de Almeida e, por maioria, recebeu adenúncia contra Oswaldo Pianna Filho, vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, e contra Regina Coeli Soares de Maria Franco, vencidos os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Fernando Gonçalves. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Calmon, Franciulli Netto, Antônio de Pádua Ribeiro, Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Edson Vidigal. Sustentaram oralmente os Drs. Edmundo Santiago Chagas pelo réu Oswaldo Pianna Filho e Leri Antônio Souza e Silva pela ré Regina Coeli Soares de Maria Franco.

EMENTACRIMINAL. AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. ADMISSIBILIDADE. POSSÍVEL FRAUDE À LICITAÇÃO. DISPENSA DE

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PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NECESSÁRIO À CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE PUBLICIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. ASPECTOS DE FUNDO, LEVANTADOS NAS RESPOSTAS, QUE NÃO PODEM SER EXAMINADOS. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VERIFICADA. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO TEM ESPECIAL RELEVO. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO, NA FORMA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, INOCORRENTE. EVENTUAL DÚVIDA QUE BENEFICIA A ACUSAÇÃO, NESTA FASE PROCESSUAL. TEMAS A SEREM ESCLARECIDOS QUE NÃO ENSEJAM A PRONTA DECLARAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIA. “VISTO”. IMPROPRIEDADE DE UM JUÍZO PRÉVIO SOBRE SEU CONTEÚDO E VALIDADE. MOMENTO IMPRÓPRIO PARA O EXAME DA CULPABILIDADE OU EXCLUSÃO DE CRIMINALIDADE. SUFICIENTES INDÍCIOS DE AUTORIA EVIDENCIADOS. AÇÃO PENAL PROPOSTA DEVIDO AO FORO ESPECIAL DE MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL E EX-GOVERNADOR. DENÚNCIA RECEBIDA.

I. Feito instaurado para a apuração de possíveis irregularidades na contratação de empresa de publicidade, pelo Governo de Rondônia, a fim de promover campanha de aumento de arrecadação, através do controle da expedição de notas fiscais.II. Evidencia-se a devida comprovação da materialidade, se sobressai, em princípio, a prática de possível dispensa irregular de procedimento licitatório, assim como a inobservância, em tese, às formalidades legais a ele pertinentes, com base em documentos convergentes e em harmonia com o contexto dos fatos noticiados.III. Não se pode proceder à análise dos aspectos de fundo levantados nas respostas escritas, concernentes ao próprio mérito da causa penal, pois os mesmos deverão ser examinados no momento processual adequado, com a realização da indispensável instrução criminal contraditória.IV. Não há inépcia da denúncia, se as condutas delituosas encontram-se satisfatoriamente descritas na peça acusatória e se esta se mostra formalmente idônea, contendo a exposição do fato criminoso, com suas circunstâncias, a qualificação dos acusados e a classificação do crime.V. A classificação feita na inicial não tem especial relevo, em função do que dispõe o art. 383 do CPP.VI. Rejeitando-se as alegações concernentes à regularidade formal da peça pórtica, passa-se ao exame sobre se seria o caso de eventual conclusão sobre a improcedência da acusação, na forma do julgamento antecipado da lide.

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VII. A improcedência só pode ser reconhecida quando evidenciada, estreme de dúvidas, a inviabilidade da instauração do processo, quando for possível afirmar-se, sem necessidade de formação de culpa, que a acusação não procede.VIII. Na decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de recebimento da exordial, a dúvida beneficia a acusação. IX. Sobressaindo dois temas a serem esclarecidos: se havia possibilidade de licitação e se houve dolo por parte dos acusados, em relação aos quais há necessidade de abertura da instrução probatória, tem-se que a hipótese não enseja, nesta oportunidade, a declaração de improcedência da acusação, tampouco restando evidenciada qualquer excludente de ilicitude.X. Na fase de recebimento da denúncia também não cabem maiores averiguações sobre a caracterização / descaracterização do indigitado “visto”, pois, em princípio, houve o endosso, o “aprove-se”, sendo certo que não se pode proceder a um juízo prévio sobre o conteúdo e a validade de tal assinatura.XI. O momento também não se presta ao exame da culpabilidade ou de outra forma de exclusão de criminalidade, pois a questão é restrita à verificação de eventual atipicidade do fato, ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, eventual extinção da punibilidade – do que não se cogita in casu.XII. Sobressaem suficientes indícios de autoria com relação às condutas imputadas aos denunciados, sendo que as alegações de suas defesas preliminares ficam restritas a meras suposições, em função da inexistência de elementos aptos a alicerçarem, inequivocamente, os seus argumentos.XIII. A denúncia define quem agiu, de que maneira, em que lugar e em qual oportunidade.XIV. Tratando-se de ação penal proposta neste Superior Tribunal de Justiça devido à participação de um membro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e um ex-Governador, que detêm foro especial por prerrogativa de função, atraindo os demais acusados, e levando-se em conta a gravidade dos fatos denunciados, impõe-se a devida apuração das alegações ministeriais.XV. Denúncia recebida.

IndexaçãoNÃO OCORRÊNCIA, INÉPCIA, DENUNCIA, IMPUTAÇÃO, EX-GOVERNADOR, CONSELHEIRO, TCE, RO, CRIME, DISPENSA, INEXIGIBILIDADE, INOBSERVÂNCIA, FORMALIDADE, LICITAÇÃO, OBJETIVO, CONTRATAÇÃO, SERVIÇO, PUBLICIDADE, GOVERNO ESTADUAL, HIPÓTESE, EXISTÊNCIA, DESCRIÇÃO, FATO TÍPICO, PREVISÃO, LEI DE LICITAÇÕES,

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POSSIBILIDADE, EXERCÍCIO, AMPLA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE, VERIFICAÇÃO, ALEGAÇÃO, IMPROCEDÊNCIA, ACUSAÇÃO, FALTA, COMPROVAÇÃO, DOLO ESPECIFICO, TENTATIVA, CARACTERIZAÇÃO, URGÊNCIA, EMERGÊNCIA, CONTRATAÇÃO, DECORRÊNCIA, NECESSIDADE, CONTRADITÓRIO, DILAÇÃO PROBATÓRIA, INEXISTÊNCIA, EXCLUDENTE DE ILICITUDE. IMPOSSIBILIDADE, APRECIAÇÃO, ALEGAÇÃO, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL, PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI, HIPÓTESE, EXISTÊNCIA, CONTRATAÇÃO, ANTERIORIDADE, VIGÊNCIA, LEI NOVA, LEI DE LICITAÇÕES, DECORRÊNCIA, NECESSIDADE, INSTRUÇÃO PROCESSUAL, CONTRADITÓRIO. RECEBIMENTO, DENUNCIA, ACUSAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO, PROCURADOR-GERAL DO ESTADO, RO, QUALIDADE, PARTICIPE, CRIME, HIPÓTESE, DESCUMPRIMENTO, DEVER FUNCIONAL, MOMENTO, ASSINATURA, CONTRATO ADMINISTRATIVO, INOBSERVÂNCIA, DISPOSITIVO LEGAL, LEI DE LICITAÇÕES, EXIGÊNCIA, LICITAÇÃO, CONTRATAÇÃO, CAMPANHA PUBLICITÁRIA. RECEBIMENTO, DENUNCIA, ACUSADO, PROCURADOR, ESTADO, RO, CO-AUTOR, CRIME, PREVISÃO, LEI DE LICITAÇÕES, HIPÓTESE, ELABORAÇÃO, PARECER, CONFIRMAÇÃO, INEXIGIBILIDADE, LICITAÇÃO, OBJETO, PROPAGANDA, DECORRÊNCIA, POSSIBILIDADE, ACUSADO, REALIZAÇÃO, PROVA, ÂMBITO, INSTRUÇÃO CRIMINAL, CONTRADITÓRIO. RECEBIMENTO, DENUNCIA, ACUSADO, RESPONSÁVEL, EMPRESA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PUBLICIDADE, IRRELEVÂNCIA, COMPROVAÇÃO, OBTENÇÃO, VANTAGEM PESSOAL, VANTAGEM PECUNIÁRIA, POSSIBILIDADE, AMPLA DEFESA, MOMENTO, INSTRUÇÃO CRIMINAL. (VOTO VENCIDO EM PARTE) (MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS) REJEIÇÃO, DENUNCIA, ACUSADO, PROCURADOR, ESTADO, DECORRÊNCIA, DENUNCIA, INDICAÇÃO, CONDUTA, EXCLUSIVIDADE, ASSINATURA, VERIFICAÇÃO, CONTRATO ADMINISTRATIVO, NÃO CARACTERIZAÇÃO, FATO TÍPICO, CARACTERIZAÇÃO, INEPCIA, DENUNCIA. REJEIÇÃO, DENUNCIA, ACUSADO, EX-GOVERNADOR, RO, DECORRÊNCIA, PARECER, PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO, FUNDAMENTAÇÃO, LEGALIDADE, CONTRATO ADMINISTRATIVO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PUBLICIDADE, NÃO CARACTERIZAÇÃO, ILICITUDE, CONDUTA, GOVERNADOR.

Data Publicação15/09/2003

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Referência LegislativaLC-93 LEI DE LICITAÇÕES LEG.FED LEI 8666 ANO 1993 Arts. 25, II; 89; 54 § 2º ; 24, IV. LEG FED DEL 2300 ANO 1986 CPP-41 (CODIGO DE PROCESSO PENAL) LEG FED DEL 3689 ANO 1941 arts. 41, 84 § 1º; 43; 383 LEG FED LEI 10628 ANO 2002

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18 Informações Referentes à Improbidade

Administrativa: Contatos e Consultas

Page 476: Coleção do Avesso ao Direito

18 INFORMAÇÕES REFERENTES À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: CONTATOS E CONSULTAS

ÂMBITO FEDERAL

www.aasp.org.br www.academus.com.br/scripts/default.asp www.academus.pro.br www.acmp-ce.org.br/artigos.htm www.acordabrasil.com.br/direitos.htm www.advogado.adv.br www.advogado.com/legis.htm www.advogadocriminalista.com.br www.aesmp.org.br www.agu.gov.br www.ajufe.org.br www.ajure.com.br www.ajuris.org.br www.ambito-juridico.com.br www.animusadjuvandi.com.br www.bpdir.adv.br www.brasiljuridico.com.br www.camara.gov.br www.cbeji.com.br/br/index.asp www.ciberlex.adv.br www.clicadvogados.com.br/entrada_p.asp www.consulex.com.br www.consumidorbrasil.com.br www.damasio.com.br www.damasio.com.br/novo/abertura.htm

SITES

Page 477: Coleção do Avesso ao Direito

www.data-venia.hpg.ig.com.br/principal.htm www.datavenia.net www.direito.com.br/Home.asp www.direitobancario.com.br www.direitoemdebate.cjb.net www.direitonet.com.br www.direitopenal.adv.br www.direitopublico.com.br www.direitovirtual.com www.direitovirtual.com.br www.dji.com.br www.dpe.rs.gov.br www.epoca.globo.com www.estudoscriminais.com.br www.facil.dnrc.gov.br/Pareceres/pareceres.htm www.faroljuridico.adv.br/novo_site www.fazenda.gov.br www.fd.unl.pt/pt/on-line/pjd/pjd_programa.htm www.filosofia.pro.br www.filosofos.com.br www.fiscosoft.com.br www.gandramartins.adv.br www.geocities.com/CollegePark/Lab/7698/

dconstitucional.htm www.hugomachado.adv.br www.ibccrim.org.br www.ibdc.com.br www.infojus.com.br www.infojus.com.br/area7/ministerio.htm www.infolegis.com.br www.intelligentiajuridica.com.br www.interlegis.gov.br www.jol.com.br www.jurinforma.com.br www.jurinforma.com.br/acordao/004.html www.jurua.com.br www.jusnavegandi.com.br www.juspodivm.com.br www.justitia.net www.justributario.com.br www.lexeditora.com.br www.lexinform.com.br

Page 478: Coleção do Avesso ao Direito

www.livrariasaraiva.com.br www.lumenjuris.com.br www.maxpages.com/julgados/Prescricao www.mec.gov.br www.melhoramentos.com.br www.mj.gov.br www.mp.pr.gov.br/institucional/capoio/caopca/

artigos.html www.mp.rj.gov.br www.mp.rn.gov.br www.mp.sp.gov.br www.nagib.net www.oab.org.br www.oabes.org.br www.oab-rj.org.br www.oabsp.org.br/main0.asp www.oficinadodireito.com.br www.pactum.com.br/links.htm www.pareceresjuridicos.com www.pge.mg.gov.br www.pge.rj.gov.br www.pge.sp.gov.br www.pgj.mg.gov.br/procon www.planalto.gov.br www.portaldeensino.com.br/editoras.php www.procon.rj.gov.br www.procon.sp.gov.br www.profpito.com/doutrinabrasileira3.html www.receita.fazenda.gov.br www.rt.com.br www.sadireito.com www.saraivajur.com.br www.searh.rn.gov.br/manual www.senado.gov.br/web/secsdefa/principa.shtm www.sintese.com www.siteplanet.com.br/pensamentos/pensamentos.htm www.soleis.adv.br www.soleis.adv.br/sumulase.htm www.stf.gov.br www.stj.gov.br/webstj www.subjudiceonline.com.br www.tcu.gov.br

Page 479: Coleção do Avesso ao Direito

www.tj.ce.gov.br/esmec/excecao_pre-executividade.htm www.tj.go.gov.br www.tj.rj.gov.br www.tj.rs.gov.br www.tj.sp.gov.br www.todobr.com.br www.tribunadodireito.com.br www.trt17.gov.br www.tse.gov.br www.uj.com.br www.ujgoias.com.br/cgd/7a001.htm www2.uol.com.br/vocesa/index.shl

ÂMBITO ESTADUAL

www.mpes.gov.br www.pge.es.gov.br www.tce.es.gov.br www.tj.es.gov.br www.vilavelha.es.gov.br www.vitoria.es.gov.br/home.htm

19 Referências Bibliográficas

SITES

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VIGLIAR, José Marcelo Menezes. A legitimação do Ministério Público para a defesa do patrimônio público. RT, v. 735, jan. 1997.

ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1993.

WALD, Arnold. Usos e abusos da ação civil pública. ADV-COAS, Seleções Jurídicas.

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WALD, Arnold e MENDES, Gilmar Ferreira. Competência para julgar ação de improbidade administrativa, in Revista de Informação Legislativa, n. 138/213, 1998.

Anexos

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ANEXO A

LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1983

Regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO IDas Disposições Gerais

SEÇÃO IDos Princípios

Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

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Art. 2º  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1º  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;

II - estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.

§ 2º  Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

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I - produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional;

II - produzidos no País;

III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras.

§ 3º  A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.

§ 4º (VETADO)

Art. 4º  Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.

Art. 5º  Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.

§ 1º  Os créditos a que se refere este artigo terão seus valores corrigidos por critérios previstos no ato convocatório e que lhes preservem o valor.

§ 2º  A correção de que trata o parágrafo anterior cujo pagamento será feito junto com o principal, correrá à conta das mesmas dotações orçamentárias que atenderam aos créditos a que se referem. § 3º  Observados o disposto no caput, os pagamentos decorrentes de despesas cujos valores

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não ultrapassem o limite de que trata o inciso II do art. 24, sem prejuízo do que dispõe seu parágrafo único,  deverão ser efetuados no prazo de até 5 (cinco) dias úteis, contados da apresentação da fatura. 

SEÇÃO IIDas Definições

Art. 6º  Para os fins desta Lei, considera-se:

I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;

II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;

III - Compra - toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente;

IV - Alienação - toda transferência de domínio de bens a terceiros;

V - Obras, serviços e compras de grande vulto - aquelas cujo valor estimado seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido na alínea "c" do inciso I do art. 23 desta Lei;

VI - Seguro-Garantia - o seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas por empresas em licitações e contratos;

VII - Execução direta - a que é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos próprios meios;

VIII - Execução indireta - a que o órgão ou entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes:

a) empreitada por preço global - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total;

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b) empreitada por preço unitário - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas;

c) (VETADO)

d) tarefa - quando se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais;

e) empreitada integral - quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada;

IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

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d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;

X - Projeto Executivo - o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT;

XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;

XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;

XIII - Imprensa Oficial - veículo oficial de divulgação da Administração Pública, sendo para a União o Diário Oficial da União, e, para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que for definido nas respectivas leis;

XIV - Contratante - é o órgão ou entidade signatária do instrumento contratual;

XV - Contratado - a pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública;

XVI - Comissão - comissão, permanente ou especial, criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento de licitantes.

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SEÇÃO IIIDas Obras E Serviços

Art. 7º  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

I - projeto básico;

II - projeto executivo;

III - execução das obras e serviços.

§ 1º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Administração.

§ 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;

II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;

III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

IV - o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso.

§ 3º  É vedado incluir no objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros para sua execução, qualquer que seja a sua origem, exceto nos casos de empreendimentos executados e explorados sob o regime de concessão, nos termos da legislação específica.

§ 4º É vedada, ainda, a inclusão, no objeto da licitação, de fornecimento de materiais e serviços sem previsão de

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quantidades ou cujos quantitativos não correspondam às previsões reais do projeto básico ou executivo.

§ 5º É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.

§ 6º A infringência do disposto neste artigo implica a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.

  § 7º  Não será ainda computado como valor da obra ou serviço, para fins de julgamento das propostas de preços, a atualização monetária das obrigações de pagamento, desde a data final de cada período de aferição até a do respectivo pagamento, que será calculada pelos mesmos critérios estabelecidos obrigatoriamente no ato convocatório.

§ 8º  Qualquer cidadão poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada.

§ 9º  O disposto neste artigo aplica-se também, no que couber, aos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

Art. 8º  A execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução.

Parágrafo único.  É proibido o retardamento imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orçamentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade a que se refere o art. 26 desta Lei. 

Art. 9º  Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

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I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

§ 1º  É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.

§ 2º  O disposto neste artigo não impede a licitação ou contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.

§ 3º  Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.

§ 4º  O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.

Art. 10.  As obras e serviços poderão ser executados nas seguintes formas:

I - execução direta;

II - execução indireta, nos seguintes regimes:

a) empreitada por preço global;

b) empreitada por preço unitário;

c) (VETADO);

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d) tarefa;

e) empreitada integral.

Parágrafo único.  (VETADO)

I - justificação tecnicamente com a demonstração da vantagem para a  administração em relação aos demais regimes;  

II - os valores não ultrapassarem os limites máximos estabelecidos para a modalidade de tomada de preços, constantes no art. 23 desta lei; 

III - previamente aprovado pela autoridade competente. 

Art. 11.  As obras e serviços destinados aos mesmos fins terão projetos padronizados por tipos, categorias ou classes, exceto quando o projeto-padrão não atender às condições peculiares do local ou às exigências específicas do empreendimento.

Art. 12.  Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:

I - segurança;

II - funcionalidade e adequação ao interesse público;

III - economia na execução, conservação e operação;

IV - possibilidade de emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação;

V - facilidade na execução, conservação e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço;

VI - adoção das normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas;

VII - impacto ambiental.

SEÇÃO IVDos Serviços Técnicos Profissionais Especializados

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Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;

II - pareceres, perícias e avaliações em geral;

III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;       

VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.     

VIII - (VETADO).         

§ 1o Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.       

§ 2o Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.       

§ 3o A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.

SEÇÃO VDas Compras

Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos

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orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.        

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:      

I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;        

II - ser processadas através de sistema de registro de preços;       

III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;       

IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;       

V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.       

§ 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.      

§ 2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.      

§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:       

I - seleção feita mediante concorrência;       

II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;       

III - validade do registro não superior a um ano.      

§ 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.      

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§ 5º O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.      

§ 6º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.       

§ 7º Nas compras deverão ser observadas, ainda:       

I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;       

II - a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;       

III - as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material.       

§ 8º O recebimento de material de valor superior ao limite estabelecido no art. 23 desta Lei, para a modalidade de convite, deverá ser confiado a uma comissão de, no mínimo, 3 (três) membros.

  Art. 16. Será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação.

Parágrafo único.  O disposto neste artigo não se aplica aos casos de dispensa de licitação previstos no inciso IX do art. 24. 

SEÇÃO VI

Das Alienações

  Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público

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devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

a) dação em pagamento;

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

d) investidura;        

e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;

f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim;

II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:       

a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;       

b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;        

c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;      

d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;       

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e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades;      

f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.       

§ 1º Os imóveis doados com base na alínea "b" do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.        

§ 2º A Administração poderá conceder direito real de uso de bens imóveis, dispensada licitação, quando o uso se destina a outro órgão ou entidade da Administração Pública.       

§ 3º Entende-se por investidura, para os fins desta lei:       

I - a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor constante da alínea "a" do inciso II do art. 23 desta lei;       

II - a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão.       

§ 4º  A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado;

§ 5º  Na hipótese do parágrafo anterior, caso o donatário necessite oferecer o imóvel em garantia de financiamento, a cláusula de reversão e demais obrigações serão garantidas por hipoteca em segundo grau em favor do doador.   

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§ 6º  Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea "b" desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.

Art. 18.  Na concorrência para a venda de bens imóveis, a fase de habilitação limitar-se-á à comprovação do recolhimento de quantia correspondente a 5% (cinco por cento) da avaliação.

Parágrafo único. Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea b desta lei, a Administração poderá permitir o leilão.

Art. 19.  Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:       

I - avaliação dos bens alienáveis;       

II - comprovação da necessidade ou utilidade da alienação;       

III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão.

CAPÍTULO II

Da Licitação

SEÇÃO I

Das Modalidadades, Limites e Dispensa

Art. 20.  As licitações serão efetuadas no local onde se situar a repartição interessada, salvo por motivo de interesse público, devidamente justificado.

Parágrafo único.  O disposto neste artigo não impedirá a habilitação de interessados residentes ou sediados em outros locais.

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Art. 21.  Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez:

I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais;

II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal quando se tratar, respectivamente, de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;

III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição.

§ 1o  O aviso publicado conterá a indicação do local em que os interessados poderão ler e obter o texto integral do edital e todas as informações sobre a licitação.       

§ 2o  O prazo mínimo até o recebimento das propostas ou da realização do evento será:        

I - quarenta e cinco dias para:       

a) concurso;       

b) concorrência, quando o contrato a ser celebrado contemplar o regime de empreitada integral ou quando a licitação for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço";       

II - trinta dias para:

a) concorrência, nos casos não especificados na alínea "b" do inciso anterior;       

b) tomada de preços, quando a licitação for do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço";       

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III - quinze dias para a tomada de preços, nos casos não especificados na alínea "b" do inciso anterior, ou leilão;

IV - cinco dias úteis para convite.

§ 3o  Os prazos estabelecidos no parágrafo anterior serão contados a partir da última publicação do edital resumido ou da expedição do convite, ou ainda da efetiva disponibilidade do edital ou do convite e respectivos anexos, prevalecendo a data que ocorrer mais tarde.       

§ 4o  Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inqüestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.       

Art. 22.  São modalidades de licitação:        

I - concorrência;        

II - tomada de preços;        

III - convite;        

IV - concurso;        

V - leilão.        

§ 1o  Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.       

§ 2o  Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.       

§ 3o  Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade

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que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.       

§ 4o  Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.       

 5o  Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.       

§ 6o  Na hipótese do § 3o deste artigo, existindo na praça mais de 3 (três) possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, é obrigatório o convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações.         

§ 7o  Quando, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, for impossível a obtenção do número mínimo de licitantes exigidos no § 3o deste artigo, essas circunstâncias deverão ser devidamente justificadas no processo, sob pena de repetição do convite.        

§ 8o  É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo.        

§ 9o  Na hipótese do parágrafo 2o deste artigo, a administração somente poderá exigir do licitante não cadastrado os documentos previstos nos arts. 27 a 31, que comprovem  habilitação compatível com o objeto da licitação, nos termos do edital.

Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:        

I - para obras e serviços de engenharia:

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  a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);       

b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); 

c) concorrência - acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reias);        

II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:

a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);        

b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); 

c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). 

§ 1o  As obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à amplicação da competitiivdade, sem perda da economia de escala.      

§ 2o  Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação. 

§ 3o  A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver     fornecedor do bem ou serviço no País.         

§ 4o  Nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer caso, a concorrência.       

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§ 5o  É vedada a utilização da modalidade "convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.  

§ 6o  As organizações industriais da Administração Federal direta, em face de suas peculiaridades, obedecerão aos limites estabelecidos no inciso I deste artigo também para suas compras e serviços em geral, desde que para a aquisição de materiais aplicados exclusivamente na manutenção, reparo ou fabricação de meios operacionais bélicos pertencentes à União.         

§ 7o Na compra de bens de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, é permitida a cotação de quantidade inferior à demandada na licitação, com vistas a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala. 

Art. 24.  É dispensável a licitação:       

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;        

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; 

III - nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem;       

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IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;        

V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;

        VI - quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento;

        VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços;

        VIII - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;

IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;       

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a

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sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

XI - na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em conseqüência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;

XII - nas compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, realizadas diretamente com base no preço do dia;

XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;

XIV - para a aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público;  

XV - para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.

XVI - para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;

XVII - para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;

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XVIII - nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea "a" do incico II do art. 23 desta Lei:

XIX - para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;

XX - na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Admininistração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.       

XXI - Para a aquisição de bens destinados exclusivamente a pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico.

XXII - na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;

XXIII - na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado.

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito

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das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II deste artigo, serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por sociedade de economia mista e empresa pública, bem assim por autarquia e fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas. 

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;       

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;       

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.       

§ 1o  Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.       

§ 2o  Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem

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solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Art. 26.  As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e nos incisos III a XXIV do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o, deverão ser comunicados dentro de três dias a autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição para eficácia dos atos.

Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:       

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;       

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;      

III - justificativa do preço.       

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. 

SEÇÃO IIDa Habilitação

       

Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:       

I - habilitação jurídica;       

II - qualificação técnica;       

III - qualificação econômico-financeira;       

IV - regularidade fiscal.

        V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o

da Constituição Federal.    

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Art. 28.  A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:        

I - cédula de identidade;        

II - registro comercial, no caso de empresa individual;

III - ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores;       

IV - inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício;        

V - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.

Art. 29.  A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:       

I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);        

II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

        III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

        IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.       

Art. 30.  A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

        I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;

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        II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;

        III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;

        IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.

        § 1o  A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:

        I - capacitação técnico-profissional: comprovação do licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazos máximos;        

II - (VETADO) 

        a) (VETADO)

        b) (VETADO)

        § 2o  As parcelas de maior relevância técnica e de valor significativo, mencionadas no parágrafo anterior, serão definidas no instrumento convocatório.       

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§ 3o  Será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior.

        § 4o  Nas licitações para fornecimento de bens, a comprovação de aptidão, quando for o caso, será feita através de atestados fornecidos por pessoa jurídica de direito público ou privado.

        § 5o  É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.

        § 6o  As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia.

        § 7o (VETADO) 

        § 8o  No caso de obras, serviços e compras de grande vulto, de alta complexidade técnica, poderá a Administração exigir dos licitantes a metodologia de execução, cuja avaliação, para efeito de sua aceitação ou não, antecederá sempre à análise dos preços e será efetuada exclusivamente por critérios objetivos.

        § 9o  Entende-se por licitação de alta complexidade técnica aquela que envolva alta especialização, como fator de extrema relevância para garantir a execução do objeto a ser contratado, ou que possa comprometer a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais.

        § 10.  Os profissionais indicados pelo licitante para fins de comprovação da capacitação técnico-profissional de que trata o inciso I do § 1o deste artigo deverão participar da obra ou serviço objeto da licitação, admitindo-se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela administração.       

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§ 11. (VETADO)        

§ 12. (VETADO)        

Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

        I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;

        II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

        III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.

        § 1o  A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade.       

§ 2o  A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1o do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.

        § 3o  O capital mínimo ou o valor do patrimônio líquido a que se refere o parágrafo anterior não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação, devendo a comprovação ser feita relativamente à data da apresentação da proposta, na forma da lei, admitida a atualização para esta data através de índices oficiais.

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        § 4o  Poderá ser exigida, ainda, a relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, calculada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação.

        § 5o  A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.       

§ 6o (VETADO)

        Art. 32. Os documentos necessários à habilitação poderão ser apresentados em original, por qualquer processo de cópia autenticada por cartório competente ou por servidor da administração ou publicação em órgão da imprensa oficial.       

§ 1o  A documentação de que tratam os arts. 28 a 31 desta Lei poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.

        § 2o  O certificado de registro cadastral a que se refere o § 1o do art. 36 substitui os documentos enumerados nos arts. 28 a 31, quanto às informações disponibilizadas em sistema informatizado de consulta direta indicado no edital, obrigando-se a parte a declarar, sob as penalidades legais, a superveniência de fato impeditivo da habilitação.        

§ 3o  A documentação referida neste artigo poderá ser substituída por registro cadastral emitido por órgão ou entidade pública, desde que previsto no edital e o registro tenha sido feito em obediência ao disposto nesta Lei.

        § 4o  As empresas estrangeiras que não funcionem no País, tanto quanto possível, atenderão, nas licitações internacionais, às exigências dos parágrafos anteriores mediante documentos equivalentes, autenticados pelos respectivos consulados e traduzidos por tradutor juramentado, devendo ter representação legal no Brasil com

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poderes expressos para receber citação e responder administrativa ou judicialmente.

        § 5o  Não se exigirá, para a habilitação de que trata este artigo, prévio recolhimento de taxas ou emolumentos, salvo os referentes a fornecimento do edital, quando solicitado, com os seus elementos constitutivos, limitados ao valor do custo efetivo de reprodução gráfica da documentação fornecida.

        § 6o  O disposto no § 4o deste artigo, no § 1o do art. 33 e no § 2o do art. 55, não se aplica às licitações internacionais para a aquisição de bens e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça parte, ou por agência estrangeira de cooperação, nem nos casos de contratação com empresa estrangeira, para a compra de equipamentos fabricados e entregues no exterior, desde que para este caso tenha havido prévia autorização do Chefe do Poder Executivo, nem nos casos de aquisição de bens e serviços realizada por unidades administrativas com sede no exterior.

        Art. 33.  Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:

        I - comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados;

        II - indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital;

        III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei;

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        IV - impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente;

        V - responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato.

        § 1o  No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira, observado o disposto no inciso II deste artigo.

        § 2o  O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo.

SEÇÃO III

Dos Registros Cadastrais

        Art. 34.  Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública que realizem freqüentemente licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação, na forma regulamentar, válidos por, no máximo, um ano.

        § 1o  O registro cadastral deverá ser amplamente divulgado e deverá estar permanentemente aberto aos interessados, obrigando-se a unidade por ele responsável a proceder, no mínimo anualmente, através da imprensa oficial e de jornal diário, a chamamento público para a atualização dos registros existentes e para o ingresso de novos interessados.

        § 2o  É facultado às unidades administrativas utilizarem-se de registros cadastrais de outros órgãos ou entidades da Administração Pública.

        Art. 35.  Ao requerer inscrição no cadastro, ou atualização deste, a qualquer tempo, o interessado fornecerá os elementos necessários à satisfação das exigências do art. 27 desta Lei.

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        Art. 36.  Os inscritos serão classificados por categorias, tendo-se em vista sua especialização, subdivididas em grupos, segundo a qualificação técnica e econômica avaliada pelos elementos constantes da documentação relacionada nos arts. 30 e 31 desta Lei.

        § 1o  Aos inscritos será fornecido certificado, renovável sempre que atualizarem o registro.

        § 2o  A atuação do licitante no cumprimento de obrigações assumidas será anotada no respectivo registro     cadastral.

        Art. 37.  A qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro do inscrito que deixar de satisfazer as exigências do art. 27 desta Lei, ou as estabelecidas para classificação cadastral.

SEÇÃO IV

Do Procedimento e Julgamento

        Art. 38.  O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

        I - edital ou convite e respectivos anexos, quando for o caso;

        II - comprovante das publicações do edital resumido, na forma do art. 21 desta Lei, ou da entrega do convite;

        III - ato de designação da comissão de licitação, do leiloeiro administrativo ou oficial, ou do responsável pelo      convite;

        IV - original das propostas e dos documentos que as instruírem;

        V - atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora;

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        VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;

        VII - atos de adjudicação do objeto da licitação e da sua homologação;

        VIII - recursos eventualmente apresentados pelos licitantes e respectivas manifestações e decisões;

        IX - despacho de anulação ou de revogação da licitação, quando for o caso, fundamentado circunstanciadamente;

        X - termo de contrato ou instrumento equivalente, conforme o caso;

        XI - outros comprovantes de publicações;

        XII - demais documentos relativos à licitação.

        Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.       

Art. 39.  Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c" desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.

        Parágrafo único.  Para os fins deste artigo, consideram-se licitações simultâneas aquelas com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores a trinta dias e licitações sucessivas aquelas em que, também com objetos similares, o edital subseqüente tenha uma data anterior a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da licitação antecedente.       

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Art. 40.  O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

        I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara;

        II - prazo e condições para assinatura do contrato ou retirada dos instrumentos, como previsto no art. 64 desta Lei, para execução do contrato e para entrega do objeto da licitação;

        III - sanções para o caso de inadimplemento;

        IV - local onde poderá ser examinado e adquirido o projeto básico;

        V - se há projeto executivo disponível na data da publicação do edital de licitação e o local onde possa ser examinado e adquirido;

        VI - condições para participação na licitação, em conformidade com os arts. 27 a 31 desta Lei, e forma de apresentação das propostas;

        VII - critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos;

        VIII - locais, horários e códigos de acesso dos meios de comunicação à distância em que serão fornecidos elementos, informações e esclarecimentos relativos à licitação e às condições para atendimento das obrigações necessárias ao cumprimento de seu objeto;

        IX - condições equivalentes de pagamento entre empresas brasileiras e estrangeiras, no caso de licitações internacionais;

        X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º  do art. 48;       

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XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;

        XII - (VETADO)

        XIII - limites para pagamento de instalação e mobilização para execução de obras ou serviços que serão obrigatoriamente previstos em separado das demais parcelas, etapas ou tarefas;

        XIV - condições de pagamento, prevendo:

        a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela;       

b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros;

        c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento;       

d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos;

        e) exigência de seguros, quando for o caso;

        XV - instruções e normas para os recursos previstos nesta Lei;

        XVI - condições de recebimento do objeto da licitação;

        XVII - outras indicações específicas ou peculiares da licitação.

        § 1o  O original do edital deverá ser datado, rubricado em todas as folhas e assinado pela autoridade que o expedir, permanecendo no processo de licitação, e dele extraindo-se cópias integrais ou resumidas, para sua divulgação e fornecimento aos interessados.

        § 2o  Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:

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        I - o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos;

        II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários;       

III - a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor;

        IV - as especificações complementares e as normas de execução pertinentes à licitação.

        § 3o  Para efeito do disposto nesta Lei, considera-se como adimplemento da obrigação contratual a prestação do serviço, a realização da obra, a entrega do bem ou de parcela destes, bem como qualquer outro evento contratual a cuja ocorrência esteja vinculada a emissão de documento de cobrança.

        § 4o  Nas compras para entrega imediata, assim entendidas aquelas com prazo de entrega até trinta dias da data prevista para apresentação da proposta, poderão ser dispensadas:        

I - o disposto no inciso XI deste artigo;

        II - a atualização financeira a que se refere a alínea "c" do inciso XIV deste artigo, correspondente ao período compreendido entre as datas do adimplemento e a prevista para o pagamento, desde que não superior a quinze dias.

        Art. 41.  A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

        § 1o  Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113.

        § 2o  Decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura

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dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso.       

§ 3o  A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.

        § 4o  A inabilitação do licitante importa preclusão do seu direito de participar das fases subseqüentes.

        Art. 42.  Nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.

        § 1o  Quando for permitido ao licitante estrangeiro cotar preço em moeda estrangeira, igualmente o poderá fazer o licitante brasileiro.

        § 2o  O pagamento feito ao licitante brasileiro eventualmente contratado em virtude da licitação de que trata o     parágrafo anterior será efetuado em moeda brasileira, à taxa de câmbio vigente no dia útil imediatamente anterior à data do efetivo pagamento.       

§ 3o  As garantias de pagamento ao licitante brasileiro serão equivalentes àquelas oferecidas ao licitante estrangeiro.

        § 4o  Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda.

        § 5o  Para a realização de obras, prestação de serviços ou aquisição de bens com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como as normas e procedimentos daquelas entidades, inclusive quanto ao

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critério de seleção da proposta mais vantajosa para a administração, o qual poderá contemplar, além do preço, outros fatores de avaliação, desde que por elas exigidos para a obtenção do financiamento ou da doação, e que também não conflitem com o princípio do julgamento objetivo e sejam objeto de despacho motivado do órgão executor do contrato, despacho esse ratificado pela autoridade imediatamente superior.       

§ 6o  As cotações de todos os licitantes serão para entrega no mesmo local de destino.

        Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

        I - abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação;

        II - devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados, contendo as respectivas propostas, desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação;

        III - abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos;

        IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;

        V - julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital;

        VI - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

        § 1o  A abertura dos envelopes contendo a documentação para habilitação e as propostas será realizada sempre em ato público previamente designado, do qual se lavrará ata circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela Comissão.

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        § 2o  Todos os documentos e propostas serão rubricados pelos licitantes presentes e pela Comissão.

        § 3o  É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.

        § 4o  O disposto neste artigo aplica-se à concorrência e, no que couber, ao concurso, ao leilão, à tomada de preços e ao convite.       

§ 5o  Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes (incisos I e II) e abertas as propostas (inciso III), não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.

        § 6o  Após a fase de habilitação, não cabe desistência de proposta, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela Comissão.

        Art. 44.  No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.

        § 1o  É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes.

        § 2o  Não se considerará qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes.

        § 3o  Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e

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instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.

        § 4o  O disposto no parágrafo anterior aplica-se também às propostas que incluam mão-de-obra estrangeira ou importações de qualquer natureza.   

     Art. 45.  O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.

        § 1o  Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso.     

I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço;

        II - a de melhor técnica;

        III - a de técnica e preço.

        IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.       

§ 2o  No caso de empate entre duas ou mais propostas, e após obedecido o disposto no § 2o do art. 3o desta Lei, a classificação se fará, obrigatoriamente, por sorteio, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo.

        § 3o  No caso da licitação do tipo "menor preço", entre os licitantes considerados qualificados a classificação se dará pela ordem crescente dos preços propostos, prevalecendo, no caso de empate, exclusivamente o critério previsto no parágrafo anterior.       

§ 4o  Para contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o disposto no art. 3o

da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo  2o e adotando

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obrigatoriamento o tipo de licitação "técnica e preço", permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo.  

§ 5o  É vedada a utilização de outros tipos de licitação não previstos neste artigo.

        § 6o  Na hipótese prevista no art. 23, § 7º, serão selecionadas tantas propostas quantas necessárias até que se atinja a quantidade demandada na licitação.        

Art. 46.  Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4o do artigo anterior.

        § 1o  Nas licitações do tipo "melhor técnica" será adotado o seguinte procedimento claramente explicitado no instrumento convocatório, o qual fixará o preço máximo que a Administração se propõe a pagar:

        I - serão abertos os envelopes contendo as propostas técnicas exclusivamente dos licitantes previamente qualificados e feita então a avaliação e classificação destas propostas de acordo com os critérios pertinentes e adequados ao objeto licitado, definidos com clareza e objetividade no instrumento convocatório e que considerem a capacitação e a experiência do proponente, a qualidade técnica da proposta, compreendendo metodologia, organização, tecnologias e recursos materiais a serem utilizados nos trabalhos, e a qualificação das equipes técnicas a serem mobilizadas para a sua execução;

        II - uma vez classificadas as propostas técnicas, proceder-se-á à abertura das propostas de preço dos licitantes que tenham atingido a valorização mínima estabelecida no instrumento convocatório e à negociação das condições propostas, com a proponente melhor classificada, com base nos orçamentos detalhados apresentados e respectivos preços unitários e tendo como referência o limite representado pela proposta de menor

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preço entre os licitantes que obtiveram a valorização mínima;

        III - no caso de impasse na negociação anterior, procedimento idêntico será adotado, sucessivamente, com os demais proponentes, pela ordem de classificação, até a consecução de acordo para a contratação;

        IV - as propostas de preços serão devolvidas intactas aos licitantes que não forem preliminarmente habilitados ou que não obtiverem a valorização mínima estabelecida para a proposta técnica.

        § 2o  Nas licitações do tipo "técnica e preço" será adotado, adicionalmente ao inciso I do parágrafo anterior, o seguinte procedimento claramente explicitado no instrumento convocatório:

        I - será feita a avaliação e a valorização das propostas de preços, de acordo com critérios objetivos preestabelecidos no instrumento convocatório;

        II - a classificação dos proponentes far-se-á de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, de acordo com os pesos preestabelecidos no instrumento convocatório.

        § 3o  Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.

        § 4o (VETADO)        

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Art. 47.  Nas licitações para a execução de obras e serviços, quando for adotada a modalidade de execução de empreitada por preço global, a Administração deverá fornecer obrigatoriamente, junto com o edital, todos os elementos e informações necessários para que os licitantes possam elaborar suas propostas de preços com total e completo conhecimento do objeto da licitação.

        Art. 48.  Serão desclassificadas:

        I - as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;

        II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.       

§ 1º  Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: 

        a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou

        b) valor orçado pela administração.

        § 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas "a" e "b", será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.        

§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração

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poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.

        Art. 49.  A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

        § 1o  A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.

        § 2o  A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.

        § 3o  No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.

        § 4o  O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

        Art. 50.  A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob pena de nulidade.

        Art. 51.  A habilitação preliminar, a inscrição em registro cadastral, a sua alteração ou cancelamento, e as propostas serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação.

        § 1o  No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exigüidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.

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        § 2o  A Comissão para julgamento dos pedidos de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento, será integrada por profissionais legalmente habilitados no caso de obras, serviços ou aquisição de equipamentos.

        § 3o  Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão.

        § 4o  A investidura dos membros das Comissões permanentes não excederá a 1 (um) ano, vedada a recondução da totalidade de seus membros para a mesma comissão no período subseqüente.

        § 5o  No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não.

        Art. 52.  O concurso a que se refere o § 4o do art. 22 desta Lei deve ser precedido de regulamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no edital.

        § 1o  O regulamento deverá indicar:

        I - a qualificação exigida dos participantes;

        II - as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho;

        III - as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos.

        § 2o  Em se tratando de projeto, o vencedor deverá autorizar a Administração a executá-lo quando julgar conveniente.

        Art. 53.  O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial ou a servidor designado pela Administração, procedendo-se na forma da legislação pertinente.

        § 1o  Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arrematação.

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        § 2o  Os bens arrematados serão pagos à vista ou no percentual estabelecido no edital, não inferior a 5% (cinco por cento) e, após a assinatura da respectiva ata lavrada no local do leilão, imediatamente entregues ao arrematante, o qual se obrigará ao pagamento do restante no prazo estipulado no edital de convocação, sob pena de perder em favor da Administração o valor já recolhido.

        § 3o  Nos leilões internacionais, o pagamento da parcela à vista poderá ser feito em até vinte e quatro horas.       

§ 4o  O edital de leilão deve ser amplamente divulgado, principalmente no município em que se realizará.

CAPÍTULO III

Dos Contratos

SEÇÃO I

Disposições Preliminares

        Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

        § 1o  Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.

        § 2o  Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta.

        Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

        I - o objeto e seus elementos característicos;

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        II - o regime de execução ou a forma de fornecimento;

        III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;

        IV - os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso;

        V - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;

        VI - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;

        VII - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;

        VIII - os casos de rescisão;

        IX - o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei;

        X - as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;

        XI - a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;

        XII - a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos;

        XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

        § 1o (VETADO)

        § 2o  Nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, deverá constar necessariamente cláusula que declare competente o foro da

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sede da Administração para dirimir qualquer questão contratual, salvo o disposto no § 6o do art. 32 desta Lei.

        § 3o  No ato da liquidação da despesa, os serviços de contabilidade comunicarão, aos órgãos incumbidos da arrecadação e fiscalização de tributos da União, Estado ou Município, as características e os valores pagos, segundo o disposto no art. 63 da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964.

        Art. 56.  A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.

        § 1o  Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:       

I - caução em dinheiro ou títulos da dívida pública;

        II - seguro-garantia;

        III - fiança bancária.

        § 2o  A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo.  

      § 3o  Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.       

§ 4o  A garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente.

        § 5o  Nos casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens.

        Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

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        I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

        II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração,     limitada a sessenta meses;       

III - (VETADO)

        IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

        § 1o  Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

        I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

        II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

        III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

        IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

        V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

        VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento

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na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

        § 2o  Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.

        § 3o  É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.

        § 4o  Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses.       

Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

        I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

        II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

        III - fiscalizar-lhes a execução;

        IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

        V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

        § 1o  As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.

        § 2o  Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.

        Art. 59.  A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos

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jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

        Parágrafo único.  A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

SEÇÃO II

Da Formalização dos Contratos

        Art. 60.  Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.

        Parágrafo único.  É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

        Art. 61.  Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.

        Parágrafo único.  A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.

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        Art. 62.  O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.

        § 1o  A minuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatório da licitação.

        § 2o  Em "carta contrato", "nota de empenho de despesa", "autorização de compra", "ordem de execução de serviço" ou outros instrumentos hábeis aplica-se, no que couber, o disposto no art. 55 desta Lei.       

§ 3o  Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber:

        I - aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado;

        II - aos contratos em que a Administração for parte como usuária de serviço público.

        § 4o  É dispensável o "termo de contrato" e facultada a substituição prevista neste artigo, a critério da Administração e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica.

        Art. 63. É permitido a qualquer licitante o conhecimento dos termos do contrato e do respectivo processo licitatório e, a qualquer interessado, a obtenção de cópia autenticada, mediante o pagamento dos emolumentos devidos.

        Art. 64.  A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à

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contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei.

        § 1o  O prazo de convocação poderá ser prorrogado uma vez, por igual período, quando solicitado pela parte durante o seu transcurso e desde que ocorra motivo justificado aceito pela Administração.

        § 2o  É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.

        § 3o  Decorridos 60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas, sem convocação para a contratação, ficam os licitantes liberados dos compromissos assumidos.

SEÇÃO III

Da Alteração dos Contratos

        Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

        I - unilateralmente pela Administração:

        a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;

        b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

        II - por acordo das partes:

        a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

        b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de

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fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;

        c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

        d) para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual.       

§ 1o  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

        § 2o  Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:       

I - (VETADO)

        II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.

        § 3o  Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1o deste artigo.

        § 4o  No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente

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comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados.

        § 5o  Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

        § 6o  Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.

        § 7o (VETADO)

        § 8o  A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.

SEÇÃO IV

Da Execução dos Contratos

        Art. 66.  O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.

        Art. 67.  A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

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        § 1o  O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.

        § 2o  As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.

        Art. 68.  O contratado deverá manter preposto, aceito pela Administração, no local da obra ou serviço, para representá-lo na execução do contrato.

        Art. 69.  O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados.

        Art. 70.  O contratado é responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo órgão interessado.

        Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

        § 1o  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.       

§ 2o  A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

        § 3o (VETADO)

        Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá

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subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.

        Art. 73.  Executado o contrato, o seu objeto será recebido:

        I - em se tratando de obras e serviços:

        a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes em até 15 (quinze) dias da comunicação escrita do contratado;

        b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais, observado o disposto no art. 69 desta Lei;

        II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:

        a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação;

        b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

        § 1o  Nos casos de aquisição de equipamentos de grande vulto, o recebimento far-se-á mediante termo circunstanciado e, nos demais, mediante recibo.

        § 2o  O recebimento provisório ou definitivo não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço, nem ético-profissional pela perfeita execução do contrato, dentro dos limites estabelecidos pela lei ou pelo contrato.

        § 3o  O prazo a que se refere a alínea "b" do inciso I deste artigo não poderá ser superior a 90 (noventa) dias, salvo em casos excepcionais, devidamente justificados e previstos no edital.

        § 4o  Na hipótese de o termo circunstanciado ou a verificação a que se refere este artigo não serem, respectivamente, lavrado ou procedida dentro dos prazos fixados, reputar-se-ão como realizados, desde que

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comunicados à Administração nos 15 (quinze) dias anteriores à exaustão dos mesmos.

        Art. 74.  Poderá ser dispensado o recebimento provisório nos seguintes casos:

        I - gêneros perecíveis e alimentação preparada;

        II - serviços profissionais;

        III - obras e serviços de valor até o previsto no art. 23, inciso II, alínea "a", desta Lei, desde que não se componham de aparelhos, equipamentos e instalações sujeitos à verificação de funcionamento e produtividade.

        Parágrafo único.  Nos casos deste artigo, o recebimento será feito mediante recibo.

        Art. 75.  Salvo disposições em contrário constantes do edital, do convite ou de ato normativo, os ensaios, testes e demais provas exigidos por normas técnicas oficiais para a boa execução do objeto do contrato correm por conta do contratado.

        Art. 76.  A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em desacordo com o contrato.

SEÇÃO V

Da Inexecução e da Rescisão dos Contratos

        Art. 77.  A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as conseqüências contratuais e as previstas em lei ou regulamento.

        Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:

        I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;

        II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos;

        III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão

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da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados;

        IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;

        V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração;

        VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

        VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores;

        VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei;

        IX - a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;

        X - a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;

        XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato;

        XII - razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato;

        XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras, acarretando modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no § 1o do art. 65 desta Lei;

        XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo,

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independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

        XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

        XVI - a não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviço ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projeto;

        XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.

        Parágrafo único.  Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

        XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

        Art. 79.  A rescisão do contrato poderá ser:

        I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;

        II - amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniência para a Administração;

        III - judicial, nos termos da legislação;

        IV - (VETADO)

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        § 1o  A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente.

        § 2o  Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a:

        I - devolução de garantia;

        II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;

        III - pagamento do custo da desmobilização.

        § 3o (VETADO)

        § 4o (VETADO)

        § 5o Ocorrendo impedimento, paralisação ou sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo.

        Art. 80.  A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes conseqüências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:

        I - assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da      Administração;

        II - ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58 desta Lei;

        III - execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos;

        IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.

        § 1o  A aplicação das medidas previstas nos incisos I e II deste artigo fica a critério da Administração, que poderá dar continuidade à obra ou ao serviço por execução direta ou indireta.

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        § 2o  É permitido à Administração, no caso de concordata do contratado, manter o contrato, podendo assumir o controle de determinadas atividades de serviços essenciais.

        § 3o  Na hipótese do inciso II deste artigo, o ato deverá ser precedido de autorização expressa do Ministro de Estado competente, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso.

        § 4o  A rescisão de que trata o inciso IV do artigo anterior permite à Administração, a seu critério, aplicar a medida prevista no inciso I deste artigo.

CAPÍTULO IV

Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial

SEÇÃO I

Disposições Gerais

        Art. 81.  A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.

        Parágrafo único.  O disposto neste artigo não se aplica aos licitantes convocados nos termos do art. 64, § 2o

desta Lei, que não aceitarem a contratação, nas mesmas condições propostas pelo primeiro adjudicatário, inclusive quanto ao prazo e preço.

        Art. 82.  Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

        Art. 83.  Os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando

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servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.

        Art. 84.  Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.

        § 1o  Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.

        § 2o  A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público.

        Art. 85.  As infrações penais previstas nesta Lei pertinem às licitações e aos contratos celebrados pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e respectivas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, e quaisquer outras entidades sob seu controle direto ou indireto.

SEÇÃO II

Das Sanções Administrativas

        Art. 86.  O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.

        § 1o  A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.

        § 2o  A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.

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        § 3o  Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.

        Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

        I - advertência;

        II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

        III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

        IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

        § 1o  Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

        § 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

        § 3o  A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.

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        Art. 88.  As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:

        I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;

        II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;

        III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.

SEÇÃO III

Dos Crimes e das Penas

        Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

        Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

        Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

        Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

        Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

        Art. 91.  Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:

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        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

        Art. 92.  Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:       

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.

        Parágrafo único.  Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

        Art. 93.  Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

        Art. 94.  Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

        Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa.

        Art. 95.  Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:

        Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

        Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.

        Art. 96.  Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

        I - elevando arbitrariamente os preços;

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        II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

        III - entregando uma mercadoria por outra;

        IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;

        V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:

        Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

        Art. 97.  Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:

        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

        Parágrafo único.  Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.

        Art. 98.  Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito:

        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

        Art. 99.  A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.

        § 1o  Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.

        § 2o  O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.

SEÇÃO IV

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Do Processo e do Procedimento Judicial

        Art. 100.  Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la.

        Art. 101.  Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência.

        Parágrafo único.  Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas.

        Art. 102.  Quando em autos ou documentos de que conhecerem, os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes verificarem a existência dos crimes definidos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

        Art. 103.  Será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se esta não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, no que couber, o disposto nos arts. 29 e 30 do Código de Processo Penal.

        Art. 104.  Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir.

        Art. 105.  Ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, abrir-se-á, sucessivamente, o prazo de 5 (cinco) dias a cada parte para alegações finais.

        Art. 106.  Decorrido esse prazo, e conclusos os autos dentro de 24 (vinte e quatro) horas, terá o juiz 10 (dez) dias para proferir a sentença.

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        Art. 107.  Da sentença cabe apelação, interponível no prazo de 5 (cinco) dias.

        Art. 108.  No processamento e julgamento das infrações penais definidas nesta Lei, assim como nos recursos e nas execuções que lhes digam respeito, aplicar-se-ão, subsidiariamente, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

CAPÍTULO V

Dos Recursos Administrativos

        Art. 109.  Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

        I - recurso, no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata, nos casos de:

        a) habilitação ou inabilitação do licitante;

        b) julgamento das propostas;

        c) anulação ou revogação da licitação;

        d) indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento;

        e) rescisão do contrato, a que se refere o inciso I do art. 79 desta Lei;        

f) aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou de multa;

        II - representação, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da intimação da decisão relacionada com o objeto da licitação ou do contrato, de que não caiba recurso hierárquico;

        III - pedido de reconsideração, de decisão de Ministro de Estado, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, na hipótese do §   4 o do art. 87 desta Lei , no prazo de 10 (dez) dias úteis da intimação do ato.

        § 1o  A intimação dos atos referidos no inciso I, alíneas "a", "b", "c" e "e", deste artigo, excluídos os relativos a advertência e multa de mora, e no inciso III, será feita mediante publicação na imprensa oficial, salvo para os casos

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previstos nas alíneas "a" e "b", se presentes os prepostos dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por comunicação direta aos interessados e lavrada em ata.

        § 2o  O recurso previsto nas alíneas "a" e "b" do inciso I deste artigo terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos.

        § 3o  Interposto, o recurso será comunicado aos demais licitantes, que poderão impugná-lo no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

        § 4o  O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.

        § 5o  Nenhum prazo de recurso, representação ou pedido de reconsideração se inicia ou corre sem que os autos do processo estejam com vista franqueada ao interessado.

        § 6o  Em se tratando de licitações efetuadas na modalidade de "carta convite" os prazos estabelecidos nos incisos I e II e no parágrafo 3o deste artigo serão de dois dias úteis. 

CAPÍTULO VI

Disposições Finais e Transitórias

        Art. 110.  Na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário.

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        Parágrafo único.  Só se iniciam e vencem os prazos referidos neste artigo em dia de expediente no órgão ou na entidade.

        Art. 111.  A Administração só poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração.

        Parágrafo único.  Quando o projeto referir-se a obra imaterial de caráter tecnológico, insuscetível de privilégio, a cessão dos direitos incluirá o fornecimento de todos os dados, documentos e elementos de informação pertinentes à tecnologia de concepção, desenvolvimento, fixação em suporte físico de qualquer natureza e aplicação da obra.

        Art. 112.  Quando o objeto do contrato interessar a mais de uma entidade pública, caberá ao órgão contratante, perante a entidade interessada, responder pela sua boa execução, fiscalização e pagamento.

        Parágrafo único.  Fica facultado à entidade interessada o acompanhamento da execução do contrato.

        Art. 113.  O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

        § 1o  Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

        § 2o  Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia de edital de licitação já publicado,

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obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas.        

Art. 114.  O sistema instituído nesta Lei não impede a pré-qualificação de licitantes nas concorrências, a ser procedida sempre que o objeto da licitação recomende análise mais detida da qualificação técnica dos interessados.

        § 1o  A adoção do procedimento de pré-qualificação será feita mediante proposta da autoridade competente, aprovada pela imediatamente superior.

        § 2o  Na pré-qualificação serão observadas as exigências desta Lei relativas à concorrência, à convocação dos interessados, ao procedimento e à analise da documentação.

        Art. 115.  Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei.

        Parágrafo único.  As normas a que se refere este artigo, após aprovação da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial.

        Art. 116.  Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.

        § 1o  A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:

        I - identificação do objeto a ser executado;

        II - metas a serem atingidas;

        III - etapas ou fases de execução;

        IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;

        V - cronograma de desembolso;

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        VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;

        VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.

        § 2o  Assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva.

        § 3o  As parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes:

        I - quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida, na forma da legislação aplicável, inclusive mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão competente do sistema de controle interno da Administração      Pública;

        II - quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas, práticas atentatórias aos princípios fundamentais de Administração Pública nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais básicas;

        III - quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas pelo partícipe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo sistema de controle interno.

        § 4o  Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a

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utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.

        § 5o  As receitas financeiras auferidas na forma do parágrafo anterior serão obrigatoriamente computadas a crédito do convênio e aplicadas, exclusivamente, no objeto de sua finalidade, devendo constar de demonstrativo específico que integrará as prestações de contas do ajuste.

        § 6o  Quando da conclusão, denúncia, rescisão ou extinção do convênio, acordo ou ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas, serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias do evento, sob pena da imediata instauração de tomada de contas especial do responsável, providenciada pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos.

        Art. 117.  As obras, serviços, compras e alienações realizados pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Tribunal de Contas regem-se pelas normas desta Lei, no que couber, nas três esferas administrativas.

        Art. 118.  Os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta Lei.

        Art. 119.  As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei.

        Parágrafo único.  Os regulamentos a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e entidades, deverão ser publicados na imprensa oficial.

        Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como

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limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.       

Parágrafo único.  O Poder Executivo Federal fará publicar no Diário Oficial da União os novos valores oficialmente vigentes por ocasião de cada evento citado no "caput" deste artigo, desprezando-se as frações inferiores a Cr$ 1,00 (hum cruzeiro real).

        Art. 121.  O disposto nesta Lei não se aplica às licitações instauradas e aos contratos assinados anteriormente à sua vigência, ressalvado o disposto no art. 57, nos parágrafos 1o, 2o e 8o do art. 65, no inciso XV do art. 78, bem assim o disposto no "caput" do art. 5o, com relação ao pagamento das obrigações na ordem cronológica, podendo esta ser observada, no prazo de noventa dias contados da vigência desta Lei, separadamente para as obrigações relativas aos contratos regidos por legislação anterior à Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.       

Parágrafo único.  Os contratos relativos a imóveis do patrimônio da União continuam a reger-se pelas disposições do Decreto-lei no 9.760, de 5 de setembro de 1946, com suas alterações, e os relativos a operações de crédito interno ou externo celebrados pela União ou a concessão de garantia do Tesouro Nacional continuam regidos pela legislação pertinente, aplicando-se esta Lei, no que couber.

Art. 122.  Nas concessões de linhas aéreas, observar-se-á procedimento licitatório específico, a ser estabelecido no Código Brasileiro de Aeronáutica.

Art. 123.  Em suas licitações e contratações administrativas, as repartições sediadas no exterior observarão as peculiaridades locais e os princípios básicos desta Lei, na forma de regulamentação específica.

Art. 124.  Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto.       

Parágrafo único.  As exigências contidas nos incisos II a IV do § 2o do art. 7o serão dispensadas nas licitações para concessão de serviços com execução prévia de obras

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em que não foram previstos desembolso por parte da Administração Pública concedente. 

Art. 125.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 126.  Revogam-se as disposições em contrário, especialmente os Decretos-leis n o s 2.300, de 21 de novembro de 1986, 2.348, de 24 de julho de 1987, 2.360, de 16 de setembro de 1987, a Lei n o 8.220, de 4 de setembro de 1991 , e o art. 83 da Lei n o 5.194, de 24 de dezembro de 1966.

Brasília, 21 de junho de 1993,

ITAMAR FRANCORubens RicuperoRomildo Canhim

ANEXO B

LEI Nº 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985.

Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

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turístico, paisagístico (VETADO) e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO IDas Disposições Gerais

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:

I - ao meio-ambiente;

II - ao consumidor;

III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - (VETADO).

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 4º Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio-ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO).

Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:

I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

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II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio-ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO).

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º Em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público assumirá a titularidade ativa.

Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.

Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.

Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o

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arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.

§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.

§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.

  § 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das

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turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

Art. 15. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público.

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 17. O juiz condenará a associação autora a pagar ao réu os honorários advocatícios arbitrados na conformidade do § 4º do art. 20 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, quando reconhecer que a pretensão é manifestamente infundada.

Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

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Art. 18. Nas ações de que trata esta Lei não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.

Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.

Art. 20. O fundo de que trata o art. 13 desta Lei será regulamentado pelo Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.

Art. 21. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília. 24 de julho de 1985;

JOSÉ SARNEYFernando Lyra

ANEXO C

LEI Nº 8.429, DE 02 DE JUNHO DE 1992.

Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,

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indireta ou fundacional e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA; faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO IDisposições Gerais

Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos

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princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Art. 5º Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

Art. 6º No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Art. 8º O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

CAPÍTULO IIDos Atos de Improbidade Administrativa

SEÇÃO IDos Atos de Improbidade Administrativa que Importa

Enriquecimento Ilícito

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou

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indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

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IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

SEÇÃO IIDos Atos de Improbidade Administrativa que Causam

Prejuízo ao Erário

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei,

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sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

SEÇÃO IIDos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam

Contra os Princípios da Administração Pública

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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

CAPÍTULO IIIDas Penas

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

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intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

CAPÍTULO IVDa Declaração de Bens

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

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§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.

CAPÍTULO VDo Procedimento Administrativo e do Processo Judicial

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.

§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.

Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas

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da existência de procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.

§ 3o  No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.

§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

§ 5o  A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

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§ 6o  A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

§ 7o  Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8o  Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

  § 9o  Recebida à petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.

§ 10.  Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

§ 11.  Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

§ 12.  Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal.

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

CAPÍTULO VIDas Disposições Penais

Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

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Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;

II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.

Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

CAPÍTULO VIIDa Prescrição

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

CAPÍTULO VIIIDas Disposições Finais

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Art. 24. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Ficam revogadas as Leis nº 3.164, de 1° de junho de 1957, e 3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 02 de junho de 1992;

FERNANDO COLLORCélio Borja

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 3.6.1992

ANEXO D

LEI COMPLEMENTAR Nº 101 DE MAIO DE 2000

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Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO IDisposições Preliminares

Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

§ 2o As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

§ 3o Nas referências:

I - à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos:

a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;

b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes;

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II - a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;

III - a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tribunal de Contas do Município.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

I - ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município;

II - empresa controlada: sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação;

III - empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;

  IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:

  a) na União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da Constituição;

b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional;

c) na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9o do art. 201 da Constituição.

§ 1o Serão computados no cálculo da receita corrente líquida os valores pagos e recebidos em decorrência da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, e do fundo

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previsto pelo art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

§ 2o Não serão considerados na receita corrente líquida do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e de Roraima os recursos recebidos da União para atendimento das despesas de que trata o inciso V do § 1o do art. 19.

§ 3o A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades.

CAPÍTULO IIDo Planejamento

SEÇÃO IDo Plano Plurianual

Art. 3o (VETADO)

SEÇÃO IIDa Lei de Diretrizes Orçamentárias

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 16 da Constituição e:

I - disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas;

b) critérios e forma de limitação de empenho, a ser efetivada nas hipóteses previstas na alínea b do inciso II deste artigo, no art. 9o e no inciso II do § 1o do art. 31;

c) (VETADO)

d) (VETADO)

e) normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos;

f) demais condições e exigências para transferências de recursos a entidades públicas e privadas;

II - (VETADO)

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III - (VETADO)

§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2o O Anexo conterá, ainda:

I - avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;

  II - demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional;

III - evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios, destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos;

IV - avaliação da situação financeira e atuarial:

a) dos regimes geral de previdência social e próprio dos servidores públicos e do Fundo de Amparo ao Trabalhador;

b) dos demais fundos públicos e programas estatais de natureza atuarial;

V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

§ 4o A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em anexo específico, os objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem como os parâmetros e

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as projeções para seus principais agregados e variáveis, e ainda as metas de inflação, para o exercício subseqüente.

SEÇÃO IIIDa Lei Orçamentária Anual

Art. 5o O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:

I - conterá, em anexo, demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento de que trata o § 1o do art. 4o;

II - será acompanhado do documento a que se refere o § 6o do art. 165 da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado;

III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:

a) (VETADO)

b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

§ 1o Todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual.

§ 2o O refinanciamento da dívida pública constará separadamente na lei orçamentária e nas de crédito adicional.

§ 3o A atualização monetária do principal da dívida mobiliária refinanciada não poderá superar a variação do índice de preços previsto na lei de diretrizes orçamentárias, ou em legislação específica.

§ 4o É vedado consignar na lei orçamentária crédito com finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada.

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§ 5o A lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, conforme disposto no § 1o do art. 167 da Constituição.

§ 6o Integrarão as despesas da União, e serão incluídas na lei orçamentária, as do Banco Central do Brasil relativas a pessoal e encargos sociais, custeio administrativo, inclusive os destinados a benefícios e assistência aos servidores, e a investimentos.

§ 7o (VETADO)

Art. 6o (VETADO)

Art. 7o O resultado do Banco Central do Brasil, apurado após a constituição ou reversão de reservas, constitui receita do Tesouro Nacional, e será transferido até o décimo dia útil subseqüente à aprovação dos balanços semestrais.

§ 1o O resultado negativo constituirá obrigação do Tesouro para com o Banco Central do Brasil e será consignado em dotação específica no orçamento.

§ 2o O impacto e o custo fiscal das operações realizadas pelo Banco Central do Brasil serão demonstrados trimestralmente, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias da União.

§ 3o Os balanços trimestrais do Banco Central do Brasil conterão notas explicativas sobre os custos da remuneração das disponibilidades do Tesouro Nacional e da manutenção das reservas cambiais e a rentabilidade de sua carteira de títulos, destacando os de emissão da União.

SEÇÃO IVDa Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas

Art. 8o Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4o, o Poder Executivo estabelecerá a programação

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financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

§ 1o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas.

§ 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.

§ 3o No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4o Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão referida no § 1o do art. 166 da Constituição ou equivalente nas Casas Legislativas estaduais e municipais.

§ 5o No prazo de noventa dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil apresentará, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial,

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evidenciando o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços.

Art. 10. A execução orçamentária e financeira identificará os beneficiários de pagamento de sentenças judiciais, por meio de sistema de contabilidade e administração financeira, para fins de observância da ordem cronológica determinada no art. 100 da Constituição.

CAPÍTULO IIIDa Receita Pública

SEÇÃO IDa Previsão e da Arrecadação

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.

§ 1o Reestimativa de receita por parte do Poder Legislativo só será admitida se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal.

§ 2o O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária.

§ 3o O Poder Executivo de cada ente colocará à disposição dos demais Poderes e do Ministério Público, no mínimo trinta dias antes do prazo final para

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encaminhamento de suas propostas orçamentárias, os estudos e as estimativas das receitas para o exercício subseqüente, inclusive da corrente líquida, e as respectivas memórias de cálculo.

Art. 13. No prazo previsto no art. 8o, as receitas previstas serão desdobradas, pelo Poder Executivo, em metas bimestrais de arrecadação, com a especificação, em separado, quando cabível, das medidas de combate à evasão e à sonegação, da quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa.

SEÇÃO IIDa Renúncia de Receita

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

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§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

CAPÍTULO IVDa Despesa Pública

SEÇÃO IDa Geração da Despesa

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:

I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;

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II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.

§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.

§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para:

I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;

II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição.

SUBSEÇÃO IDa Despesa Obrigatória de Caráter Continuado

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1o Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2o Para efeito do atendimento do § 1o, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1o do art. 4o, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3o Para efeito do § 2o, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de

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alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4o A comprovação referida no § 2o, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5o A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2o, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6o O disposto no § 1o não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7o Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

SEÇÃO IIDas Despesas com Pessoal

SUBSEÇÃO IDefinições e Limites

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

§ 1o Os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como "Outras Despesas de Pessoal".

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§ 2o A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos onze imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência.

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinqüenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

§ 1o Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:

I - de indenização por demissão de servidores ou empregados;

II - relativas a incentivos à demissão voluntária;

III - derivadas da aplicação do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição;

IV - decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o § 2o do art. 18;

V - com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na forma dos incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e do art. 31 da Emenda Constitucional no 19;

VI - com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes:

a) da arrecadação de contribuições dos segurados;

b) da compensação financeira de que trata o § 9o do art. 201 da Constituição;

c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro.

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§ 2o Observado o disposto no inciso IV do § 1o, as despesas com pessoal decorrentes de sentenças judiciais serão incluídas no limite do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

I - na esfera federal:

a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União;

b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;

c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional no 19, repartidos de forma proporcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar;

d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União;

II - na esfera estadual:

a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;

b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;

c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;

d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados;

III - na esfera municipal:

a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

b) 54% (cinqüenta e quatro por cento) para o Executivo.

§ 1o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de

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forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar.

§ 2o Para efeito deste artigo entende-se como órgão:

I - o Ministério Público;

II- no Poder Legislativo:

a) Federal, as respectivas Casas e o Tribunal de Contas da União;

b) Estadual, a Assembléia Legislativa e os Tribunais de Contas;

c) do Distrito Federal, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas do Distrito Federal;

d) Municipal, a Câmara de Vereadores e o Tribunal de Contas do Município, quando houver;

III - no Poder Judiciário:

a) Federal, os tribunais referidos no art. 92 da Constituição;

b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver.

§ 3o Os limites para as despesas com pessoal do Poder Judiciário, a cargo da União por força do inciso XIII do art. 21 da Constituição, serão estabelecidos mediante aplicação da regra do § 1o.

§ 4o Nos Estados em que houver Tribunal de Contas dos Municípios, os percentuais definidos nas alíneas a e c do inciso II do caput serão, respectivamente, acrescidos e reduzidos em 0,4% (quatro décimos por cento).

§ 5o Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 6o (VETADO)

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SUBSEÇÃO IIDo Controle da Despesa Total com Pessoal

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no § 1o

do art. 169 da Constituição;

II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.

Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.

Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.

Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

II - criação de cargo, emprego ou função;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.

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Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3o e 4o do art. 169 da Constituição.

§ 1o No caso do inciso I do § 3o do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.

§ 2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.

§ 3o Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:

I - receber transferências voluntárias;

II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;

III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

§ 4o As restrições do § 3o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.

SEÇÃO IIIDas Despesas com a Seguridade Social

Art. 24. Nenhum benefício ou serviço relativo à seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a indicação da fonte de custeio total, nos termos do § 5o

do art. 195 da Constituição, atendidas ainda as exigências do art. 17.

§ 1o É dispensada da compensação referida no art. 17 o aumento de despesa decorrente de:

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I - concessão de benefício a quem satisfaça as condições de habilitação prevista na legislação pertinente;

II - expansão quantitativa do atendimento e dos serviços prestados;

III - reajustamento de valor do benefício ou serviço, a fim de preservar o seu valor real.

§ 2o O disposto neste artigo aplica-se a benefício ou serviço de saúde, previdência e assistência social, inclusive os destinados aos servidores públicos e militares, ativos e inativos, e aos pensionistas.

CAPÍTULO VDas Transferências Voluntárias

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:

I - existência de dotação específica;

II - (VETADO)

III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;

IV - comprovação, por parte do beneficiário, de:

a) que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;

b) cumprimento dos limites constitucionais relativos à educação e à saúde;

c) observância dos limites das dívidas consolidada e mobiliária, de operações de crédito, inclusive por

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antecipação de receita, de inscrição em Restos a Pagar e de despesa total com pessoal;

d) previsão orçamentária de contrapartida.

§ 2o É vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada.

§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.

CAPÍTULO VIDa Destinação de Recursos Públicos para o Setor

Privado

Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.

§ 1o O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.

§ 2o Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

Art. 27. Na concessão de crédito por ente da Federação a pessoa física, ou jurídica que não esteja sob seu controle direto ou indireto, os encargos financeiros, comissões e despesas congêneres não serão inferiores aos definidos em lei ou ao custo de captação.

Parágrafo único. Dependem de autorização em lei específica as prorrogações e composições de dívidas decorrentes de operações de crédito, bem como a concessão

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de empréstimos ou financiamentos em desacordo com o caput, sendo o subsídio correspondente consignado na lei orçamentária.

Art. 28. Salvo mediante lei específica, não poderão ser utilizados recursos públicos, inclusive de operações de crédito, para socorrer instituições do Sistema Financeiro Nacional, ainda que mediante a concessão de empréstimos de recuperação ou financiamentos para mudança de controle acionário.

§ 1o A prevenção de insolvência e outros riscos ficará a cargo de fundos, e outros mecanismos, constituídos pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional, na forma da lei.

§ 2o O disposto no caput não proíbe o Banco Central do Brasil de conceder às instituições financeiras operações de redesconto e de empréstimos de prazo inferior a trezentos e sessenta dias.

CAPÍTULO VIIDa Dívida e do Endividamento

SEÇÃO IDefinições Básicas

  Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

I - dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses;

II - dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela União, inclusive os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios;

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações

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assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

IV - concessão de garantia: compromisso de adimplência de obrigação financeira ou contratual assumida por ente da Federação ou entidade a ele vinculada;

V - refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do principal acrescido da atualização monetária.

§ 1o Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento ou a confissão de dívidas pelo ente da Federação, sem prejuízo do cumprimento das exigências dos arts. 15 e 16.

§ 2o Será incluída na dívida pública consolidada da União a relativa à emissão de títulos de responsabilidade do Banco Central do Brasil.

§ 3o Também integram a dívida pública consolidada as operações de crédito de prazo inferior a doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento.

§ 4o O refinanciamento do principal da dívida mobiliária não excederá, ao término de cada exercício financeiro, o montante do final do exercício anterior, somado ao das operações de crédito autorizadas no orçamento para este efeito e efetivamente realizadas, acrescido de atualização monetária.

SEÇÃO IIDos Limites da Dívida Pública e das Operações de Crédito

Art. 30. No prazo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o Presidente da República submeterá ao:

I - Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo;

II - Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da dívida mobiliária federal a que se

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refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição, acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida consolidada da União, atendido o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.

§ 1o As propostas referidas nos incisos I e II do caput e suas alterações conterão:

I - demonstração de que os limites e condições guardam coerência com as normas estabelecidas nesta Lei Complementar e com os objetivos da política fiscal;

II - estimativas do impacto da aplicação dos limites a cada uma das três esferas de governo;

III - razões de eventual proposição de limites diferenciados por esfera de governo;

IV - metodologia de apuração dos resultados primário e nominal.

§ 2o As propostas mencionadas nos incisos I e II do caput também poderão ser apresentadas em termos de dívida líquida, evidenciando a forma e a metodologia de sua apuração.

§ 3o Os limites de que tratam os incisos I e II do caput serão fixados em percentual da receita corrente líquida para cada esfera de governo e aplicados igualmente a todos os entes da Federação que a integrem, constituindo, para cada um deles, limites máximos.

§ 4o Para fins de verificação do atendimento do limite, a apuração do montante da dívida consolidada será efetuada ao final de cada quadrimestre.

§ 5o No prazo previsto no art. 5o, o Presidente da República enviará ao Senado Federal ou ao Congresso Nacional, conforme o caso, proposta de manutenção ou alteração dos limites e condições previstos nos incisos I e II do caput.

§ 6o Sempre que alterados os fundamentos das propostas de que trata este artigo, em razão de instabilidade econômica ou alterações nas políticas monetária ou cambial, o Presidente da República poderá encaminhar ao Senado

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Federal ou ao Congresso Nacional solicitação de revisão dos limites.

§ 7o Os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites.

SEÇÃO IIIDa Recondução da Dívida aos Limites

Art. 31. Se a dívida consolidada de um ente da Federação ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, deverá ser a ele reconduzida até o término dos três subseqüentes, reduzindo o excedente em pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) no primeiro.

§ 1o Enquanto perdurar o excesso, o ente que nele houver incorrido:

I - estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de receita, ressalvado o refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária;

II - obterá resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite, promovendo, entre outras medidas, limitação de empenho, na forma do art. 9o.

§ 2o Vencido o prazo para retorno da dívida ao limite, e enquanto perdurar o excesso, o ente ficará também impedido de receber transferências voluntárias da União ou do Estado.

§ 3o As restrições do § 1o aplicam-se imediatamente se o montante da dívida exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato do Chefe do Poder Executivo.

§ 4o O Ministério da Fazenda divulgará, mensalmente, a relação dos entes que tenham ultrapassado os limites das dívidas consolidada e mobiliária.

§ 5o As normas deste artigo serão observadas nos casos de descumprimento dos limites da dívida mobiliária e das operações de crédito internas e externas.

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SEÇÃO IVDas Operações de Crédito

SUBSEÇÃO IDa Contratação

Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1o O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;

II - inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;

III - observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

IV - autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;

V - atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;

VI - observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.

§ 2o As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.

§ 3o Para fins do disposto no inciso V do § 1o, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos

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recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:

I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital;

III - (VETADO)

  § 4o Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:

I - encargos e condições de contratação;

II - saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.

§ 5o Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação automática de débitos e créditos.

Art. 33. A instituição financeira que contratar operação de crédito com ente da Federação, exceto quando relativa à dívida mobiliária ou à externa, deverá exigir comprovação de que a operação atende às condições e limites estabelecidos.

§ 1o A operação realizada com infração do disposto nesta Lei Complementar será considerada nula, procedendo-se ao seu cancelamento, mediante a devolução do principal, vedados o pagamento de juros e demais encargos financeiros.

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§ 2o Se a devolução não for efetuada no exercício de ingresso dos recursos, será consignada reserva específica na lei orçamentária para o exercício seguinte.

§ 3o Enquanto não efetuado o cancelamento, a amortização, ou constituída a reserva, aplicam-se as sanções previstas nos incisos do § 3o do art. 23.

§ 4o Também se constituirá reserva, no montante equivalente ao excesso, se não atendido o disposto no inciso III do art. 167 da Constituição, consideradas as disposições do § 3o do art. 32.

SUBSEÇÃO IIDas Vedações

Art. 34. O Banco Central do Brasil não emitirá títulos da dívida pública a partir de dois anos após a publicação desta Lei Complementar.

Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.

§ 1o Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a:

I - financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes;

II - refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente.

§ 2o O disposto no caput não impede Estados e Municípios de comprar títulos da dívida da União como aplicação de suas disponibilidades.

Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

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Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios.

Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados:

I - captação de recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no § 7o do art. 150 da Constituição;

II - recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação;

III - assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito, não se aplicando esta vedação a empresas estatais dependentes;

IV - assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.

SUBSEÇÃO IIIDas Operações de Crédito por Antecipação de Receita

Orçamentária

Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:

I - realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II - deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada ano;

III - não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação,

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obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;

  IV - estará proibida:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.

§ 1o As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.

§ 2o As operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.

§ 3o O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.

SUBSEÇÃO IVDas Operações com o Banco Central do Brasil

Art. 39. Nas suas relações com ente da Federação, o Banco Central do Brasil está sujeito às vedações constantes do art. 35 e mais às seguintes:

I - compra de título da dívida, na data de sua colocação no mercado, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo;

II - permuta, ainda que temporária, por intermédio de instituição financeira ou não, de título da dívida de ente da Federação por título da dívida pública federal, bem como a operação de compra e venda, a termo, daquele título, cujo efeito final seja semelhante à permuta;

III - concessão de garantia.

§ 1o O disposto no inciso II, in fine, não se aplica ao estoque de Letras do Banco Central do Brasil, Série

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Especial, existente na carteira das instituições financeiras, que pode ser refinanciado mediante novas operações de venda a termo.

§ 2o O Banco Central do Brasil só poderá comprar diretamente títulos emitidos pela União para refinanciar a dívida mobiliária federal que estiver vencendo na sua carteira.

§ 3o A operação mencionada no § 2o deverá ser realizada à taxa média e condições alcançadas no dia, em leilão público.

§ 4o É vedado ao Tesouro Nacional adquirir títulos da dívida pública federal existentes na carteira do Banco Central do Brasil, ainda que com cláusula de reversão, salvo para reduzir a dívida mobiliária.

SEÇÃO VDa Garantia e da Contragarantia

Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito internas ou externas, observados o disposto neste artigo, as normas do art. 32 e, no caso da União, também os limites e as condições estabelecidos pelo Senado Federal.

§ 1o A garantia estará condicionada ao oferecimento de contragarantia, em valor igual ou superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência da entidade que a pleitear relativamente a suas obrigações junto ao garantidor e às entidades por este controladas, observado o seguinte:

I - não será exigida contragarantia de órgãos e entidades do próprio ente;

II - a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelos Estados aos Municípios, poderá consistir na vinculação de receitas tributárias diretamente arrecadadas e provenientes de transferências constitucionais, com outorga de poderes ao garantidor para retê-las e empregar o respectivo valor na liquidação da dívida vencida.

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§ 2o No caso de operação de crédito junto a organismo financeiro internacional, ou a instituição federal de crédito e fomento para o repasse de recursos externos, a União só prestará garantia a ente que atenda, além do disposto no § 1o, as exigências legais para o recebimento de transferências voluntárias.

§ 3o (VETADO)

§ 4o (VETADO)

§ 5o É nula a garantia concedida acima dos limites fixados pelo Senado Federal.

§ 6o É vedado às entidades da administração indireta, inclusive suas empresas controladas e subsidiárias, conceder garantia, ainda que com recursos de fundos.

§ 7o O disposto no § 6o não se aplica à concessão de garantia por:

I - empresa controlada a subsidiária ou controlada sua, nem à prestação de contragarantia nas mesmas condições;

II - instituição financeira a empresa nacional, nos termos da lei.

§ 8o Excetua-se do disposto neste artigo a garantia prestada:

I - por instituições financeiras estatais, que se submeterão às normas aplicáveis às instituições financeiras privadas, de acordo com a legislação pertinente;

II - pela União, na forma de lei federal, a empresas de natureza financeira por ela controladas, direta e indiretamente, quanto às operações de seguro de crédito à exportação.

  § 9o Quando honrarem dívida de outro ente, em razão de garantia prestada, a União e os Estados poderão condicionar as transferências constitucionais ao ressarcimento daquele pagamento.

§ 10. O ente da Federação cuja dívida tiver sido honrada pela União ou por Estado, em decorrência de garantia prestada em operação de crédito, terá suspenso o

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acesso a novos créditos ou financiamentos até a total liquidação da mencionada dívida.

SEÇÃO VIDos Restos a Pagar

Art. 41. (VETADO)

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

CAPÍTULO VIIIDa Gestão Patrimonial

SEÇÃO IDas Disponibilidades de Caixa

Art. 43. As disponibilidades de caixa dos entes da Federação serão depositadas conforme estabelece o § 3o do art. 164 da Constituição.

§ 1o As disponibilidades de caixa dos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos, ainda que vinculadas a fundos específicos a que se referem os arts. 249 e 250 da Constituição, ficarão depositadas em conta separada das demais disponibilidades de cada ente e aplicadas nas condições de mercado, com observância dos limites e condições de proteção e prudência financeira.

§ 2o É vedada a aplicação das disponibilidades de que trata o § 1o em:

I - títulos da dívida pública estadual e municipal, bem como em ações e outros papéis relativos às empresas controladas pelo respectivo ente da Federação;

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II - empréstimos, de qualquer natureza, aos segurados e ao Poder Público, inclusive a suas empresas controladas.

SEÇÃO IIDa Preservação do Patrimônio Público

Art. 44. É vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos.

Art. 45. Observado o disposto no § 5o do art. 5o, a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.

Parágrafo único. O Poder Executivo de cada ente encaminhará ao Legislativo, até a data do envio do projeto de lei de diretrizes orçamentárias, relatório com as informações necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo, ao qual será dada ampla divulgação.

Art. 46. É nulo de pleno direito ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento do disposto no § 3o do art. 182 da Constituição, ou prévio depósito judicial do valor da indenização.

SEÇÃO IIIDas Empresas Controladas pelo Setor Público

Art. 47. A empresa controlada que firmar contrato de gestão em que se estabeleçam objetivos e metas de desempenho, na forma da lei, disporá de autonomia gerencial, orçamentária e financeira, sem prejuízo do disposto no inciso II do § 5o do art. 165 da Constituição.

Parágrafo único. A empresa controlada incluirá em seus balanços trimestrais nota explicativa em que informará:

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I - fornecimento de bens e serviços ao controlador, com respectivos preços e condições, comparando-os com os praticados no mercado;

II - recursos recebidos do controlador, a qualquer título, especificando valor, fonte e destinação;

III - venda de bens, prestação de serviços ou concessão de empréstimos e financiamentos com preços, taxas, prazos ou condições diferentes dos vigentes no mercado.

CAPÍTULO IXDa Transparência, Controle e Fiscalização

SEÇÃO IDa Transparência da Gestão Fiscal

  Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

Parágrafo único. A prestação de contas da União conterá demonstrativos do Tesouro Nacional e das agências financeiras oficiais de fomento, incluído o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, especificando os empréstimos e financiamentos concedidos com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social e, no

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caso das agências financeiras, avaliação circunstanciada do impacto fiscal de suas atividades no exercício.

SEÇÃO IIDa Escrituração e Consolidação das Contas

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes:

I - a disponibilidade de caixa constará de registro próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem identificados e escriturados de forma individualizada;

II - a despesa e a assunção de compromisso serão registradas segundo o regime de competência, apurando-se, em caráter complementar, o resultado dos fluxos financeiros pelo regime de caixa;

III - as demonstrações contábeis compreenderão, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente;

IV - as receitas e despesas previdenciárias serão apresentadas em demonstrativos financeiros e orçamentários específicos;

  V - as operações de crédito, as inscrições em Restos a Pagar e as demais formas de financiamento ou assunção de compromissos junto a terceiros, deverão ser escrituradas de modo a evidenciar o montante e a variação da dívida pública no período, detalhando, pelo menos, a natureza e o tipo de credor;

VI - a demonstração das variações patrimoniais dará destaque à origem e ao destino dos recursos provenientes da alienação de ativos.

§ 1o No caso das demonstrações conjuntas, excluir-se-ão as operações intragovernamentais.

§ 2o  A edição de normas gerais para consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da

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União, enquanto não implantado o conselho de que trata o art. 67.

§ 3o A Administração Pública manterá sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial.

Art. 51. O Poder Executivo da União promoverá, até o dia trinta de junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos entes da Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação, inclusive por meio eletrônico de acesso público.

§ 1o Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União nos seguintes prazos:

I - Municípios, com cópia para o Poder Executivo do respectivo Estado, até trinta de abril;

II - Estados, até trinta e um de maio.

§ 2o O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

SEÇÃO IIIDo Relatório Resumido da Execução Orçamentária

Art. 52. O relatório a que se refere o § 3o do art. 165 da Constituição abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e composto de:

I - balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica, as:

a) receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a previsão atualizada;

b) despesas por grupo de natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo;

II - demonstrativos da execução das:

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a) receitas, por categoria econômica e fonte, especificando a previsão inicial, a previsão atualizada para o exercício, a receita realizada no bimestre, a realizada no exercício e a previsão a realizar;

b) despesas, por categoria econômica e grupo de natureza da despesa, discriminando dotação inicial, dotação para o exercício, despesas empenhada e liquidada, no bimestre e no exercício;

c) despesas, por função e subfunção.

§ 1o Os valores referentes ao refinanciamento da dívida mobiliária constarão destacadamente nas receitas de operações de crédito e nas despesas com amortização da dívida.

§ 2o O descumprimento do prazo previsto neste artigo sujeita o ente às sanções previstas no § 2o do art. 51.

Art. 53. Acompanharão o Relatório Resumido demonstrativos relativos a:

I - apuração da receita corrente líquida, na forma definida no inciso IV do art. 2o, sua evolução, assim como a previsão de seu desempenho até o final do exercício;

        II - receitas e despesas previdenciárias a que se refere o inciso IV do art. 50;

        III - resultados nominal e primário;

        IV - despesas com juros, na forma do inciso II do art. 4o;

V - Restos a Pagar, detalhando, por Poder e órgão referido no art. 20, os valores inscritos, os pagamentos realizados e o montante a pagar.

§ 1o O relatório referente ao último bimestre do exercício será acompanhado também de demonstrativos:

I - do atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição, conforme o § 3o do art. 32;

II - das projeções atuariais dos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos;

III - da variação patrimonial, evidenciando a alienação de ativos e a aplicação dos recursos dela decorrentes.

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§ 2o Quando for o caso, serão apresentadas justificativas:

I - da limitação de empenho;

II - da frustração de receitas, especificando as medidas de combate à sonegação e à evasão fiscal, adotadas e a adotar, e as ações de fiscalização e cobrança.

SEÇÃO IVDo Relatório de Gestão Fiscal

Art. 54. Ao final de cada quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 Relatório de Gestão Fiscal, assinado pelo:

I - Chefe do Poder Executivo;

II - Presidente e demais membros da Mesa Diretora ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Legislativo;

III - Presidente de Tribunal e demais membros de Conselho de Administração ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário;

IV - Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados.

Parágrafo único. O relatório também será assinado pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo controle interno, bem como por outras definidas por ato próprio de cada Poder ou órgão referido no art. 20.

Art. 55. O relatório conterá:

I - comparativo com os limites de que trata esta Lei Complementar, dos seguintes montantes:

a) despesa total com pessoal, distinguindo a com inativos e pensionistas;

b) dívidas consolidada e mobiliária;

c) concessão de garantias;

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d) operações de crédito, inclusive por antecipação de receita;

e) despesas de que trata o inciso II do art. 4o;

II - indicação das medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer dos limites;

III - demonstrativos, no último quadrimestre:

a) do montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro;

b) da inscrição em Restos a Pagar, das despesas:

1) liquidadas;

2) empenhadas e não liquidadas, inscritas por atenderem a uma das condições do inciso II do art. 41;

3) empenhadas e não liquidadas, inscritas até o limite do saldo da disponibilidade de caixa;

4) não inscritas por falta de disponibilidade de caixa e cujos empenhos foram cancelados;

c) do cumprimento do disposto no inciso II e na alínea b do inciso IV do art. 38.

§ 1o O relatório dos titulares dos órgãos mencionados nos incisos II, III e IV do art. 54 conterá apenas as informações relativas à alínea a do inciso I, e os documentos referidos nos incisos II e III.

§ 2o O relatório será publicado até trinta dias após o encerramento do período a que corresponder, com amplo acesso ao público, inclusive por meio eletrônico.

§ 3o O descumprimento do prazo a que se refere o § 2o

sujeita o ente à sanção prevista no § 2o do art. 51.

§ 4o Os relatórios referidos nos arts. 52 e 54 deverão ser elaborados de forma padronizada, segundo modelos que poderão ser atualizados pelo conselho de que trata o art. 67.

SEÇÃO VDas Prestações de Contas

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Art. 56. As contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo incluirão, além das suas próprias, as dos Presidentes dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Chefe do Ministério Público, referidos no art. 20, as quais receberão parecer prévio, separadamente, do respectivo Tribunal de Contas.

  § 1o As contas do Poder Judiciário serão apresentadas no âmbito:

  I - da União, pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, consolidando as dos respectivos tribunais;

II - dos Estados, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça, consolidando as dos demais tribunais.

§ 2o O parecer sobre as contas dos Tribunais de Contas será proferido no prazo previsto no art. 57 pela comissão mista permanente referida no § 1o do art. 166 da Constituição ou equivalente das Casas Legislativas estaduais e municipais.

§ 3o Será dada ampla divulgação dos resultados da apreciação das contas, julgadas ou tomadas.

Art. 57. Os Tribunais de Contas emitirão parecer prévio conclusivo sobre as contas no prazo de sessenta dias do recebimento, se outro não estiver estabelecido nas constituições estaduais ou nas leis orgânicas municipais.

§ 1o No caso de Municípios que não sejam capitais e que tenham menos de duzentos mil habitantes o prazo será de cento e oitenta dias.

§ 2o Os Tribunais de Contas não entrarão em recesso enquanto existirem contas de Poder, ou órgão referido no art. 20, pendentes de parecer prévio.

Art. 58. A prestação de contas evidenciará o desempenho da arrecadação em relação à previsão, destacando as providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições.

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SEÇÃO VIDa Fiscalização da Gestão Fiscal

Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a:

I - atingimento das metas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias;

II - limites e condições para realização de operações de crédito e inscrição em Restos a Pagar;

III - medidas adotadas para o retorno da despesa total com pessoal ao respectivo limite, nos termos dos arts. 22 e 23;

IV - providências tomadas, conforme o disposto no art. 31, para recondução dos montantes das dívidas consolidada e mobiliária aos respectivos limites;

V - destinação de recursos obtidos com a alienação de ativos, tendo em vista as restrições constitucionais e as desta Lei Complementar;

VI - cumprimento do limite de gastos totais dos legislativos municipais, quando houver.

§ 1o Os Tribunais de Contas alertarão os Poderes ou órgãos referidos no art. 20 quando constatarem:

I - a possibilidade de ocorrência das situações previstas no inciso II do art. 4o e no art. 9o;

II - que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90% (noventa por cento) do limite;

III - que os montantes das dívidas consolidada e mobiliária, das operações de crédito e da concessão de garantia se encontram acima de 90% (noventa por cento) dos respectivos limites;

IV - que os gastos com inativos e pensionistas se encontram acima do limite definido em lei;

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V - fatos que comprometam os custos ou os resultados dos programas ou indícios de irregularidades na gestão orçamentária.

§ 2o Compete ainda aos Tribunais de Contas verificar os cálculos dos limites da despesa total com pessoal de cada Poder e órgão referido no art. 20.

§ 3o O Tribunal de Contas da União acompanhará o cumprimento do disposto nos §§ 2o, 3o e 4o do art. 39.

CAPÍTULO XDisposições Finais e Transitórias

Art. 60. Lei estadual ou municipal poderá fixar limites inferiores àqueles previstos nesta Lei Complementar para as dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.

Art. 61. Os títulos da dívida pública, desde que devidamente escriturados em sistema centralizado de liquidação e custódia, poderão ser oferecidos em caução para garantia de empréstimos, ou em outras transações previstas em lei, pelo seu valor econômico, conforme definido pelo Ministério da Fazenda.

Art. 62. Os Municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver:

I - autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual;

II - convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.

Art. 63. É facultado aos Municípios com população inferior a cinqüenta mil habitantes optar por:

I - aplicar o disposto no art. 22 e no § 4o do art. 30 ao final do semestre;

II - divulgar semestralmente:

a) (VETADO)

b) o Relatório de Gestão Fiscal;

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c) os demonstrativos de que trata o art. 53;

III - elaborar o Anexo de Política Fiscal do plano plurianual, o Anexo de Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais da lei de diretrizes orçamentárias e o anexo de que trata o inciso I do art. 5o a partir do quinto exercício seguinte ao da publicação desta Lei Complementar.

§ 1o A divulgação dos relatórios e demonstrativos deverá ser realizada em até trinta dias após o encerramento do semestre.

§ 2o Se ultrapassados os limites relativos à despesa total com pessoal ou à dívida consolidada, enquanto perdurar esta situação, o Município ficará sujeito aos mesmos prazos de verificação e de retorno ao limite definidos para os demais entes.

Art. 64. A União prestará assistência técnica e cooperação financeira aos Municípios para a modernização das respectivas administrações tributária, financeira, patrimonial e previdenciária, com vistas ao cumprimento das normas desta Lei Complementar.

§ 1o A assistência técnica consistirá no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos e na transferência de tecnologia, bem como no apoio à divulgação dos instrumentos de que trata o art. 48 em meio eletrônico de amplo acesso público.

§ 2o A cooperação financeira compreenderá a doação de bens e valores, o financiamento por intermédio das instituições financeiras federais e o repasse de recursos oriundos de operações externas.

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;

II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.

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Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput no caso de estado de defesa ou de sítio, decretado na forma da Constituição.

Art. 66. Os prazos estabelecidos nos arts. 23, 31 e 70 serão duplicados no caso de crescimento real baixo ou negativo do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, regional ou estadual por período igual ou superior a quatro trimestres.

§ 1o Entende-se por baixo crescimento a taxa de variação real acumulada do Produto Interno Bruto inferior a 1% (um por cento), no período correspondente aos quatro últimos trimestres.

§ 2o A taxa de variação será aquela apurada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou outro órgão que vier a substituí-la, adotada a mesma metodologia para apuração dos PIB nacional, estadual e regional.

§ 3o Na hipótese do caput, continuarão a ser adotadas as medidas previstas no art. 22.

§ 4o Na hipótese de se verificarem mudanças drásticas na condução das políticas monetária e cambial, reconhecidas pelo Senado Federal, o prazo referido no caput do art. 31 poderá ser ampliado em até quatro quadrimestres.

Art. 67. O acompanhamento e a avaliação, de forma permanente, da política e da operacionalidade da gestão fiscal serão realizados por conselho de gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de Governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade, visando a:

I - harmonização e coordenação entre os entes da Federação;

II - disseminação de práticas que resultem em maior eficiência na alocação e execução do gasto público, na arrecadação de receitas, no controle do endividamento e na transparência da gestão fiscal;

III - adoção de normas de consolidação das contas públicas, padronização das prestações de contas e dos relatórios e demonstrativos de gestão fiscal de que trata esta

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Lei Complementar, normas e padrões mais simples para os pequenos Municípios, bem como outros, necessários ao controle social;

IV - divulgação de análises, estudos e diagnósticos.

§ 1o O conselho a que se refere o caput instituirá formas de premiação e reconhecimento público aos titulares de Poder que alcançarem resultados meritórios em suas políticas de desenvolvimento social, conjugados com a prática de uma gestão fiscal pautada pelas normas desta Lei Complementar.

§ 2o Lei disporá sobre a composição e a forma de funcionamento do conselho.

Art. 68. Na forma do art. 250 da Constituição, é criado o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social.

§ 1o O Fundo será constituído de:

I - bens móveis e imóveis, valores e rendas do Instituto Nacional do Seguro Social não utilizados na operacionalização deste;

II - bens e direitos que, a qualquer título, lhe sejam adjudicados ou que lhe vierem a ser vinculados por força de lei;

III - receita das contribuições sociais para a seguridade social, previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195 da Constituição;

IV - produto da liquidação de bens e ativos de pessoa física ou jurídica em débito com a Previdência Social;

V - resultado da aplicação financeira de seus ativos;

VI - recursos provenientes do orçamento da União.

§ 2o O Fundo será gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, na forma da lei.

Art. 69. O ente da Federação que mantiver ou vier a instituir regime próprio de previdência social para seus servidores conferir-lhe-á caráter contributivo e o organizará

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com base em normas de contabilidade e atuária que preservem seu equilíbrio financeiro e atuarial.

Art. 70. O Poder ou órgão referido no art. 20 cuja despesa total com pessoal no exercício anterior ao da publicação desta Lei Complementar estiver acima dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 deverá enquadrar-se no respectivo limite em até dois exercícios, eliminando o excesso, gradualmente, à razão de, pelo menos, 50% a.a. (cinqüenta por cento ao ano), mediante a adoção, entre outras, das medidas previstas nos arts. 22 e 23.

Parágrafo único. A inobservância do disposto no caput, no prazo fixado, sujeita o ente às sanções previstas no § 3o do art. 23.

Art. 71. Ressalvada a hipótese do inciso X do art. 37 da Constituição, até o término do terceiro exercício financeiro seguinte à entrada em vigor desta Lei Complementar, a despesa total com pessoal dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 não ultrapassará, em percentual da receita corrente líquida, a despesa verificada no exercício imediatamente anterior, acrescida de até 10% (dez por cento), se esta for inferior ao limite definido na forma do art. 20.

Art. 72. A despesa com serviços de terceiros dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 não poderá exceder, em percentual da receita corrente líquida, a do exercício anterior à entrada em vigor desta Lei Complementar, até o término do terceiro exercício seguinte.

Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei n o

2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei n o

1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei n o 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei n o 8.429, de 2 de junho de 1992 ; e demais normas da legislação pertinente.

Art. 74. Esta Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 75. Revoga-se a Lei Complementar n o 96, de 31 de maio de 1999.

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Brasília, 4 de maio de 2000;

FERNANDO HENRIQUE CARDOSOPedro MalanMartus Tavares